Palavras andantes
Ensino de Leitura
antologia comemorativa
CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA
Ezequiel Theodoro da Silva (Coordenador Geral), Universidade Estadual
de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal do
Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La Plata - Argen-
tina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo de Olavide - Es-
panha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de Almeida,
Centro de Computação da Unicamp.
ISBN: 978-85-64440-44-4
Impresso no Brasil
1ª edição – 2018
ISBN: 978-85-64440-49-4
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907.
Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da
publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja
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Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade
intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três
meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra
intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de
quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização
do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos
direitos reservados e protegidos por lei.
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Lívia Suassuna
1. Introdução
O tema “cultura e leitura” será aqui abordado em
partes. Começaremos por fazer um breve histórico das
concepções e modelos dominantes de leitura.
Durante muito tempo, prevaleceu na escola a ideia
de que a língua é um código estático e acabado, veículo da
expressão do pensamento individual e da cultura nacional.
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4.2 A reinvenção
A reinvenção da prática de leitura na escola passa,
necessariamente, pelo reconhecimento de sua dimensão
cultural e não-escolar. Torna-se imperioso, de um lado,
partir de uma concepção ampliada de cultura, linguagem e
leitura, e, de outro, de uma concepção ampliada de sala de
aula e processo de ensino-aprendizagem. Quanto ao pri-
meiro aspecto, adotaremos aqui o conceito de cultura não
como erudição, mas como resultado material e simbólico
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5. Conclusões
O que foi colocado até aqui nos permite traçar uma
configuração cultural da pedagogia da leitura. Primeira-
mente, teríamos como objetivo algo muito além das pare-
des da escola: o sentido de ler está em ser-no-mundo; ser
sujeito; compreender o mundo, interpretá-lo e transfor-
má-lo, agindo sobre ele. Ler tem a ver com a cidadania; o
adensamento da experiência cultural; o desenvolvimento
da capacidade de aprender; o jogo de imagens e símbolos
que elaboramos historicamente; o enfrentamento de desa-
fios; o trabalho com proposições e propostas de represen-
tação da vida e na vida.
Silva (1995) considera a leitura crítica como condi-
ção da verdadeira ação cultural a ser implementada nas
escolas, e refere-se a um conjunto de exigências com o
qual o leitor crítico se defronta ao ler um texto escrito:
constatar, cotejar e transformar. A constatação do signifi-
cado de um documento escrito seria uma espécie de com-
preensão primeira dos conteúdos pretendidos. O cotejo
seria o questionamento, a problematização dos sentidos
obtidos no primeiro nível de leitura, uma “reflexão das
ideias projetadas na trajetória feita durante o ato de cons-
tatação” (p.52). Num terceiro nível, abrem-se novos ho-
rizontes para o leitor, na medida em que ele, através da
leitura, se apropria de outras alternativas de ser e existir
em sociedade; a transformação seria, portanto, a ação so-
bre o conteúdo do conhecimento extraído do documento
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Referências
BORDINI, M.G. & AGUIAR, V.T. Literatura - a formação do
leitor: alternativas metodológicas. (2ª ed.) Porto Alegre: Merca-
do Aberto, 1993.
BRITTO, L.P.L. A sombra do caos. Campinas: ALB; Mercado de
Letras, 1997.
FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. (15ª ed.) São Pau-
lo: Cortez, 1990.
FOUCAMBERT, J. O que a escola precisa saber (e fazer) para
formar leitores. Entrevista à Revista Nova Escola. São Paulo:
Abril Cultural, abril/1993, p. 46-51.
FREIRE, P. Conscientização - teoria e prática da libertação.
(3ª ed.) São Paulo: Moraes, 1980.
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1. Introdução
O título deste artigo3 pode sugerir um encaminha-
mento muito comum nas reflexões contemporâneas sobre
o tema; respostas ao como ensinar a ler? Outro, porém, é
meu objetivo: problematizar e discutir o ensino da leitura,
inicialmente abordando, como uma questão não resolvida,
a aparente obviedade de determinado projeto de escolari-
zação da leitura em voga no Brasil, cuja racionalidade pode
ser depreendida das práticas desenvolvidas pelos profes-
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2. À guisa de balanço
2.1 Um projeto de escolarização da leitura
A experiência como professora de língua e literatura
na escola de 1º e 2º graus [ensino fundamental e médio.
N. do Rev.] assim como os estudos e pesquisas que venho
realizando sobre a história do ensino de língua e literatura
no Brasil têm apontado o delineamento, nas últimas déca-
das, de um projeto de escolarização da leitura destinado
preferencialmente à escola pública – onde se encontra a
maior parte dos estudantes brasileiros – e cuja implemen-
tação vem demandando a busca de bases cada vez mais
científicas, visando a ajustes necessários, no que se refere,
em particular, à adequabilidade do material para leitura.
Embora esse projeto não apresente contornos defini-
dos nem registros precisos, as práticas que o representam e
os discursos que as orientam e justificam permitem apre-
ender os aspectos gerais que o caracterizam e que podem
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4. O que fica
Porque
Não se aprende a cantar senão perante
Os monumentos da magnificência.
(YEATS, 1992, p. 103)
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Referências
ARENDT, H. A crise na educação. In: _. Entre o passado e o
futuro. (2ª ed.) Traduzido por Mauro W. B. Almeida. São Paulo:
Perspectiva, 1979, p. 221-47.
. A crise na cultura: sua importância social e política. ln:
-. Entre o passado e o futuro. (2ª ed.) Traduzido por Mauro W.
B. Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 248-80.
CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. Traduzido
por Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
. Por que ler os clássicos. Traduzido por Nilson Moulin.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
HOLDERLIN, F. Falsa Popularidade. In: -. Poemas. Traduzido por
José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 101.
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5 Batista (1997); Abreu (1995, 1999); Marinho e Silva (1998); Batista e Galvão
(1999); Bueno, Catani e Sousa, (2000); Kramer, (1993, 1995, 1996); entre
muitos outros.
6 Bosi (1993); Ferrarotti (1982); Goodson (1992); Nóvoa (1991, 1992); Anne
Marie Chartier (1995, 1996, 1999).
7 Kramer (1993); Kramer e Jobim e Souza (1996); Kramer e Oswald (2001).
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Referências
ABREU, Márcia (Org.). Leituras no Brasil. Campinas: Mercado
das Letras, 1995.
(Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas:
Mercado das Letras; ALB, 1999.
ARIES, Philippe & CHARTIER, Roger (Orgs.). História da vida
privada 3: da renascença ao século das luzes. São Paulo: Cia. das
Letras, 1991.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1992.
. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec,
1988.
. A cultura popular na idade média e no renascimento -
O contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.
BATISTA, Antonio Augusto. A leitura incerta: a relação de
professores(as) de português com a leitura. In: Educação em
Revista, Belo Horizonte, 1997.
BATISTA, Antonio Augusto & GALVÃO, Ana Maria de Oli-
veira (Orgs.). Leitura: práticas, impressos e letramentos. Belo
Horizonte: Autêntica; Ceale, 1999.
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4 É a seleção de livros de literatura na escola. Tal prática tem sido muito cri-
ticada e talvez caia em desuso.
5 Colhidos em entrevistas realizadas por doutorandos, mestrandos e graduan-
dos, integrantes da equipe da pesquisa, trabalhando aos pares.
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A imposição do sentido
Nossa análise aborda o livro infantojuvenil como
objeto manufaturado (distinto do texto que lhe dá ori-
gem) e descreve de que forma o editor ordena as regras
de imposição do sentido, prescrevendo usos e possíveis
interpretações. Por outro lado, vemos a leitura com uma
dimensão de liberdade, que se opõe a essas atividades de
ordenamento.
Abordaremos, agora, as fichas de leitura, razão de
muita polêmica entre escritores, professores e editores,
instrumento que pode cercear o gosto e o prazer de ler. Já
que a leitura é a produção de significado e gestos, pode-
mos avaliar os efeitos dessas fichas, hoje incorporadas ao
livro ou nele encartadas. Sobre esse tema, duas das edito-
ras entrevistadas manifestam opiniões divergentes:
A ficha é fundamental, e lamento que haja livros sem ela.
Ao ler a ficha, o professor tem um ponto de partida para
trabalhar o livro. Com uma carga horária muito intensa,
ele às vezes não conhece bem determinado livro. Então a
ficha é fundamental para trabalhá-lo. Agora, o principal,
o que mais atrapalha o desenvolvimento do professor é a
falta de tempo, pois ele vive correndo de uma escola para
outra. Então, você não pode exigir que ele olhe e, de cara,
adote o livro e desenvolva um trabalho.
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15 Ibidem.
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Desconfortantes leituras
A pressuposição de que os adolescentes não mais
se envolviam com as coleções de paradidáticos – gênero
literário com linguagem e temática mais acessível ao
aluno, entendido muitas vezes como auxiliar na formação
do leitor através da escola (PERROTTI, op. cit.) – foi um
dos primeiros fatores a nos impulsionar em estudos sobre
o assunto (MAFRA, 1996).
Partíamos da ideia de que, não obstante, houvesse
atividades de leitura dos paradidáticos na maioria das es-
colas, fossem elas particulares ou não.
Acreditávamos também que, no âmbito dos paradidá-
ticos, fosse a “Série Vaga-lume”, da Editora Ática, constituí-
da de livros de aventura, sua principal representante e, por
consequência, perfeitamente conhecida pelos alunos. Cam-
peã de vendas desta editora, a “Série Vaga-lume” possui hoje
um catálogo de aproximadamente 70 títulos, que atinge o
público leitor situado no 2º segmento do ensino fundamen-
tal. Dentre seus autores, destacaríamos Marcos Rey, Wilson
Rocha e Lúcia Machado de Almeida, entre outros.
Os paradidáticos seriam a grande referência escolar
de literatura, tanto para professores quanto para alunos, o
que aparentemente se confirmava pelos termos utilizados
nas próprias entrevistas concedidas:4
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Considerações finais
As diferentes impressões de alunos e professores
sobre a literatura infantojuvenil servem para caracterizar
seu lugar na escola. Tanto os comentários quanto os si-
lenciamentos apontam para uma atípica estabilidade: sua
presença é consentida no espaço escolar sem maiores dis-
cussões, mas suas possibilidades e limitações sequer são
avaliadas, quanto mais trabalhadas pela maioria dos pro-
fessores.
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Referências
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura.
(5ª ed.) São Paulo: Ática; UNESCO, 1991.
BORDINI, Maria da Glória & AGUIAR, Vera T. Literatura -
a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1988.
COELHO, Nelly N. Literatura infantil: teoria, análise, didática.
(6ª ed. revista) São Paulo: Ática, 1993.
GARCIA, Edson Gabriel. A leitura na escola de 1º grau: por
uma outra leitura da leitura. São Paulo: Loyola, 1992.
GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. (3ª ed.) São
Paulo: Martins Fontes, 1991.
LAJOLO, Marisa. No reino do livro infantil. In: ZILBERMAN,
Regina. Os preferidos do público: os gêneros da literatura de
massa. Petrópolis: Vozes, 1987.
MAFRA, Núbio Delanne F. Quando as crises se encontram: li-
teratura, prática docente e adolescência. Niterói, 1996. Disser-
tação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Uni-
versidade Federal Fluminense.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. (10ª ed.) São Paulo,
Brasiliense, 1988.
NÓBREGA, Maria José M. Leitura de 5ª a 8ª série. Campinas,
Unicamp, 1993. (Mesa Redonda. Anais do 9º COLE — Con-
gresso de Leitura do Brasil - de 24 a 28 de julho).
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Referências
MOSCOVICI, S. A representação social da Psicanálise. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978.
POLITZER, G. Os fundamentos da Psicologia. Lisboa, Portugal:
Prelo Editora, 1977.
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4 Nos cadastros a que tive acesso, a faixa etária variava entre 13 e 25 anos.
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Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. (4ª ed.) São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
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Lívia Suassuna
É licenciada em Letras-Português pela Universidade Federal
de Pernambuco (1981), mestre em Língua Portuguesa pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989) e doutora
em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2004).
Atualmente integra o conselho editorial da revista Leitura
- Teoria & Prática (editada pela ALB - Associação de Leitura
do Brasil) e é professora associada da Universidade Federal de
Pernambuco (Centro de Educação - Departamento de Métodos
e Técnicas de Ensino e Programa de Pós-graduação em Educa-
ção). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em
Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, atuando prin-
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Sonia Kramer
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação Jacobina
(1975), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio de Janeiro/PUC-Rio (1981), Doutora em Educação
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992),
Pós-doutorado na New York University. É professora da Ponti-
fícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem experiência
na área de Educação, atuando principalmente com educação
infantil e primeiros anos do ensino fundamental, infância, for-
mação de professores, políticas públicas e educação, alfabetiza-
ção, leitura e escrita, estudos judaicos. Seus principais autores
de estudo e reflexão são: Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin,
Lev Vigotski, Martin Buber, Paulo Freire, Leandro Konder e
Hilton Japiassu.
Tania Dauster
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, mestrado em Educação pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Antropologia
Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - Museu Na-
cional. Realizou Pós-Doutorado no Museu Nacional (Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social). Atualmente é pro-
fessora emérita da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Coordena e desenvolve o Laboratório de Memória do
Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio (LAM-
PPGE/PUC-Rio) e realiza a investigação intitulada Fundado-
res - a construção da memória da Pós-Graduação em Educação
da PUC-Rio. Atua na área de Antropologia e Educação, tendo
organizado com outras colegas o número 49 da Revista Hori-
zontes Antropológicos intitulado “Antropologia, Etnografia e
Educação”, publicado em 2017.
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