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Transformações na Vida e na Cultura

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial havia, na Europa, cerca de 180 aglomerados
urbanos. Sendo esta a primeira vez na história que a população urbana ultrapassa a população
rural, já no mundo industrializado.

Esta urbanização compacta, que continuou a aumentar, provocou grandes alterações na vida e
nos valores tradicionais da civilização ocidental.

I - Uma nova Sociabilidade

As populações que vêm para as cidades vêem-se obrigadas a abandonar o seu antigo estilo de
vida, acabando assim poradquirir novas formas de sociabilidade.

A vida despersonaliza-se, visto que segue um modelo estandardizado, isto é, a maioria das
pessoas levanta-se à mesma hora para ir trabalhar, faz as mesmas coisas às mesmas horas. Há
uma tendência para a massificação, ou seja, o género de vida na cidade leva a que os
comportamentos tal como os objectos sejam estandardizados (normas, padrões, práticas),
tornando as pessoas indiferenciadas, reagindo sob a pressão que o colectivo (sociedade de
consumo) exerce sobre elas.

Há um crescimento da classe média, as pessoas passam a trabalhar menos horas e o nível de


vida aumenta, proporcionando uma nova cultura do ócio, que a cidade facilita, oferecendo
muitas distracções, nomeadamente, clubes nocturnos, cafés, esplanadas, cinemas, salões de
bailes, recintos desportivos, etc. Todos estes factores contribuíram para que as pessoas
passassem a ter mais tempo e dinheiro para o divertimento e prazer.

Abriu-se um novo ciclo de solidariedade humana e conveniência entre sexos, de modo mais
ousado e livre, que rompeu com todas as regras sociais impostas até aqui. O ritmo de vida
acelerou e cada vez mais as pessoas começaram a ficar fãs da acção, desporto, velocidade e
uso do automóvel.

II – A Mudança dos Valores Tradicionais

A superioridade da civilização ocidental dava aos Europeus e Americanos a certeza de que


viviam numa época de prosperidade que era apoiada em valores sólidos e grandes realizações
tecnológicas, caminhando, assim, na vereda do progresso.

Entre 1914 e 1918 todas as certezas e esperanças abateram-se. A violência da Primeira Guerra
Mundial fez com que morressem milhões de soldados no meio de uma grande carnificina,
acabando por derrubar valores morais e espirituais, e toda a estrutura social que tinha
sustentado a burguesia no século XIX. A miséria tomou conta das outrora mais célebres e
activas cidades europeias.
A descrença e o pessimismo ocuparam a mente das pessoas, tanto a das intelectuais como a
das mais comuns. Deu-se uma profunda crise de consciência que atinge todos os sectores da
vida: na religião, na moral sexual, na família, no casamento, no papel da mulher, etc. As regras
de conduta social deixaram de ter um padrão rígido e foram abertas e sistematicamente
destruídas. Trata-se de uma anomia social, isto é, ausência de normas morais e sociais, que,
com clareza, distinguissem o certo do errado.

Todos estes factores contribuíram para que muitas mudanças fossem concretizadas nas
grandes cidades, nomeadamente, aquela que mais impacto teve foi a emancipação feminina.

III – A emancipação da mulher

O novo papel que a mulher vai ocupar na sociedade é resultado de todas as modificações que
se deram no pós-guerra. Nos loucos anos 20 houve imensas transformações no modo de
pensar e agir das mulheres. As jovens passaram a usar o cabelo cortado à rapaz (à garçonne),
ajustaram as saias ao corpo e subiram-nas até ao joelho, começaram a fazer vida nocturna,
etc. No entanto estas foram as mudanças radicais e mais escandalosas na conduta da mulher
do século XX.

O movimento feminista (luta levada a cabo pelas mulheres com vista a obter a igualdade de
direitos para ambos os sexos, aos níveis jurídico, intelectual, social, político e económico)
organizado remonta ao século XIX. Este movimento começa por reivindicar certos direitos das
mulheres casadas: propriedade dos bens, à tutela dos filhos, acesso à educação, ou seja,
reconhecimento social para a mulher sair do papel secundário que sempre tivera na
sociedade. Nos finais do século XIX a mulher lutou pelo direito na participação política, através
do voto. Surgem, então, as sufragistas (defensoras da extensão do voto às mulheres). Na
Europa, destacam-se nomes como Emmeline Pankhurst, em Inglaterra, onde as sufragistas
chamaram a atenção do grande público através de variadas acções de rua, na imprensa,
manifestações e greves de fome.

Em Portugal fundou-se a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1909, e em 1911, a


Associação de Propaganda Feminista, com os mesmos objectivos das demais organizações de
mulheres Europeias, salientando-se nomes como Ana Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo,
entre outras.

O feminismo usou várias formas de chamar a atenção, através da moda e do vestuário,


valorizando o corpo e a aparência: novos cortes, tecidos mais leves, saias mais curtas,
substituição do espartilho pelo soutien, etc. Tudo aquilo que fugisse ao tradicionalismo servia
para chamar a atenção, no entanto, até à Primeira Guerra Mundial as mulheres e o movimento
feminista foram censurados e menosprezados pelos poderes políticos e pela própria
sociedade, maioritariamente conservadora. Após a grande guerra, e depois de as mulheres
mostrarem o que valiam, isto é, no decorrer da guerra as mulheres foram capazes de substituir
os homens em quase todas as tarefas – sustento da família, trabalho nas fábricas, reparações
eléctricas, transporte de objectos pesados, tarefas agrícolas e até na frente das batalhas, como
enfermeiras. Esta situação veio valorizar a mulher socialmente e reforçou a sua autoconfiança.
Nas décadas posteriores ao final do conflito, na maior parte dos países ocidentais, as mulheres
obtiveram o direito à intervenção política (ver anexos), fortaleceram a sua posição jurídica na
família e viram aberto o acesso a carreiras profissionais prestigiadas.

Embora hoje em dia, existam ainda algumas resistências, o movimento feminista do início do
século derrubou as principais barreiras e abriu à mulher uma nova etapa da sua história.

A Descrença no Pensamento Positivista e as Novas Concepções Científicas

No século XIX, o positivismo defendia que o racionalismo e a ciência detinham a capacidade de


responder a todos os mistérios do universo. Contudo, no século XX, isto muda.

O filósofo Henri Bergson defendia que existem realidades que não podiam ser limitadas às leis
físicas ou matemáticas. Para um conhecimento mais profundo o racionalismo deve fazer-se
acompanhar da intuição. Esta era algo diferente da inteligência e mais próxima do instinto que
nos revela aquilo que não é aparente, ao contrário da via racional que nos mostra as coisas
“por fora”. Assim, tanto o transcendente como a imagem de Deus foram revalorizados.

O Relativismo

A descoberta de que o átomo não era aunidade mais pequena da natureza, permitiu à Física
abrir uma nova área de estudos denominada microfísica. Max Planck foi um pioneiro desta
área, mostrando que, contrariamente ao que se pensava, as trocas de energia não acontecem
num fluxo suave e constante, mas em pequenas quantidades individuais (às quais Planck
chamou quantum) que se movem numa velocidade incrível, em saltos bruscos e descontínuos.

A teoria quântica permitiu então um grande avanço na microfísica pois revelou o


comportamento dos átomos e dos seus constituintes, revelando que o mundo não tem regras
fixas e não é possível prever com toda a certeza acontecimentos futuros ou mesmo perceber
claramente o que está a acontecer no presente.

Contudo, foi Albert Einstein que protagonizou a maior revolução na ciência no início do século,
ao destruir as bases mais sólidas da Física, negando o carácter absoluto de tempo e espaço.

Einstein defendia que o tempo é uma variável que decorre mais depressa ou devagar
conforme a velocidade dos corpos. Esta teoria foi enunciada em 1905 e acabada em 1916 na
obra Teoria da Relatividade Generalizada.

As teorias de Planck e Einstein abalaram então a comunidade científica que se viu obrigada a
reconhecer que o Universo era mais instável do que se pensava e que a verdade científica não
era assim tão universal.

Abriu-se então uma nova concepção científica – o relativismo – que rejeitou o determinismo
racionalista baseado na ordem e aceitou o mistério e a probabilidade como partes integrantes
do conhecimento.
As Concepções Psicanalíticas

Também a concepção de que o Homem possui uma mente completamente racional foi
abalada pelos estudos do médico austríaco Sigmund Freud. Este era um interessado nos
estudos dos neurologistas Jean Charcot e Josef Breuer que tinham em comum o facto de
utilizarem a hipnose para curar sintomas neurasténicos.

Freud compreendeu então que sob hipnose os pacientes se recordavam de coisas que se
julgavam esquecidas. Esta constatação revelou assim a existência de uma parte da mente
humana mais obscura que nós não controlamos mas que se manifesta no comportamento – o
inconsciente. Foi com base nesta conclusão que Freud elaborou os princípios a que depois veio
a chamar psicanálise.

Segundo a psicanálise a mente humana divide-se em três partes diferentes: o consciente, o


subconsciente e o inconsciente.

O consciente é uma pequena parte da mente que se assemelha à “extremidade visível do


iceberg”, contrariamente ao inconsciente que é uma camada maior, mais profunda e mais
obscura. Entre estas duas encontra-se o subconsciente, constituído por alguns elementos
psíquicos que podem passar ao consciente com facilidade que pode portanto ser considerado
como um “filtro” entre as outras duas partes já referidas.

Influenciado pela moral, o indivíduo bloqueia factos que o envergonham e culpabilizam


tendencialmente, aprisionando-os no inconsciente onde ficam aparentemente esquecidos.

Contudo, estes pensamentos reprimidos podem afluir à consciência em lapsos, esquecimentos


súbitos, pequenos gestos inconscientes ou, numa forma mais grave, distúrbios psíquicos aos
quais Freud chamou neuroses.

Para além da teoria revolucionária sobre o psiquismo, a psicanálise inclui também um


tratamento das neuroses que consiste em trazer ao de cima os traumas que lhes deram
origem, racionaliza-los e aceitá-los. Este tratamento baseia-se maioritariamente em num
método em que o paciente deixa fluir livremente as ideias que tem na mente e também na
análise dos sonhos que Freud considerava a “via régia de acesso ao inconsciente”.

No princípio do século XX, as concepções psicanalíticas chegaram a conhecimento do público


geral onde foram recebidas entusiasticamente. A descoberta do lado irracional da mente
humana afectou assim os comportamentos em sociedade, levando à quebra das convenções
sociais que marcou os anos 20.

O impacto da psicanálise chegou ainda ao mundo da arte, originando o movimento surrealista


que teve uma forte expressão no panorama cultural na primeira metade do século.

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