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RESUMO
A pesquisa que desenvolvo tem como tema o Institut Historique, com sede em Paris, cujo recorte temporal
compreende os anos de 1834 a 1836. Os documentos, obviamente, são em francês. Para manejá-los havia a
necessidade de aprofundar o domínio da língua, traduzi-los. Todavia, longe ser acessória, a tradução mostrou-se
parte constituinte da operação historiográfica em questão. Ao traduzir, se faz hermenêutica, se produz
conhecimento crítico sobre a fonte. História, tradutologia e hermenêutica caminharam juntas na pesquisa,
formando um quadro necessário e producente de interdisciplinaridade. Nesse espírito, buscou-se como
referencial teórico as ideias de dois conhecidos no meio historiográfico, Paul Ricoeur e Hans-Georg Gadamer,
que pensaram o traduzir, como gradação do processo hermenêutico. Para Gadamer, o passado não é evocado
puro, ele vem das fontes, dos documentos, ele é “traduzido”. No caso de fontes estrangeiras, há uma luz que
nelas se projeta, vinda da língua e da cultura do pesquisador. É uma “reiluminação”, onde o tradutor “procura
pôr-se por completo no lugar do autor”. Em Ricoeur, o tradutor serve a dois senhores (o estrangeiro e o leitor),
sofrendo uma dupla resistência “a do texto a traduzir e aquela da língua que acolhe a tradução”. Nesse jogo de
resistências é que se percebe a impossibilidade da tradução perfeita, mas, ao mesmo tempo, se constrói um
conhecimento que toca as duas culturas, um trânsito de sentido que só contribui com a historiografia.
ABSTRACT
The research I do is on the Institut Historique, which had its headquarters in Paris, with its time frame covering
the years of 1834 to 1836. The documents are obviously in French. To work on them there was the need to
deepen the mastery of language, to translate them. However, far from being incidental, the translation proved to
be a constituent part of the historiographical operation in question. To translate, therefore doing hermeneutics, is
to produce critical knowledge about the source. History, translatology and hermeneutics walked together in the
research, forming a necessary and productive framework of interdisciplinarity. In that spirit, as a theoretical
referential, it was sought two known ideas amongst the historiographical circle, Paul Ricoeur and Hans-Georg
Gadamer, they thought the act of translating, as gradation of the hermeneutical process. For Gadamer, the past is
not evoked pure, it comes from the sources of the documents, it is "translated". In the case of foreign sources,
there is a light that in them is projected, coming from both the language and the culture of the researcher. It is a
"relighting", where the translator "seeks to put themselves completely in the place of the author”. In Ricoeur, the
translator serves two masters (the foreigner and the reader), suffering a double resistance "from the text to be
translated and the language that welcomes the translation". In this game of resistance is that one realizes the
impossibility of perfect translation, but at the same time, it builds a knowledge that touches the two cultures, a
traffic of meaning that only contributes to the historiography.
1
Agradeço ao CNPQ pela bolsa de Iniciação Científica a mim concedida que possibilitou a realização da
pesquisa, ao Fernando Felizardo Nicolazzi por me orientar e à Patrícia Chittoni Ramos Reuillard por me ensinar
a traduzir.
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.244-253. <www.ephispucrs.com.br>.
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O presente artigo, de maneira geral, trata do uso da tradução como ferramenta na
pesquisa histórica. Especificamente, tem um forte caráter pessoal, na medida em que, tanto as
referências bibliográficas quanto as impressões aqui recolhidas, dizem respeito à minha
iniciação científica, cujos resultados parciais foram apresentados em duas abordagens nos
primeiros EPHIS (MACEDO, 2014 e 2015).
A questão que norteia esse trabalho é: Qual o uso e a importância da tradução na
pesquisa histórica? Ou, na medida em que se trata de reflexões de caráter impressionista e
individual, melhor será apresentar a questão de forma mais específica, voltando-a para um
estudo de caso que a delimita da seguinte forma: Qual o uso e a importância da tradução na
pesquisa histórica que venho realizando em minha iniciação científica?
Lidando com a produção de historiadores franceses do século XIX e problematizando-
a dentro de uma perspectiva histórica, minha proposta sempre foi lançar mão do modelo
analítico hermenêutico de Paul Ricoeur (1976). A fim de aprimorar o conhecimento em língua
francesa e buscar técnicas que permitissem traduzir os textos para depois interpretá-los à luz
da hermenêutica, caminhei alguns metros, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas até o
Instituto de Letras da nossa universidade. A partir de 2013, realizei uma espécie de dupla
formação, cursando disciplinas de língua francesa e de prática de tradução no curso de
Bacharelado em Francês, além das obrigatórias de meu curso original (Bacharelado em
História).
Longe de ser acessória, como a entendia inicialmente, a tradução mostrou-se parte
constituinte da operação historiográfica que me propunha realizar. Logo percebi que ao se
traduzir uma fonte histórica se faz hermenêutica, se produz conhecimento crítico sobre ela.
Tradutologia e hermenêutica caminharam juntas na pesquisa, formando um quadro necessário
e producente de interdisciplinaridade.
Nessa perspectiva interdisciplinar (tradutologia-hermenêutica-história), o artigo
desenvolvido tentará responder a questão proposta acima. Para tanto, apresentará
primeiramente algumas informações acerca da Tradutologia, depois trará apontamentos da
abordagem filosófico-hermenêutica em relação à tradução, tratará do modelo funcionalista de
Christiane Nord aplicado nas traduções e, por fim, pontuará algumas reflexões acerca do uso
da tradução na pesquisa histórica.
Hermenêutica e tradução
o tradutor tem que manter [...] o direito de sua língua materna à qual traduz e, no
entanto, deixar valer junto a si o estranho e inclusive o adverso do texto e sua
expressão. Todavia, esta descrição do fazer do tradutor talvez esteja muito resumida.
Mesmo nas situações extremas, nas quais deve-se traduzir de uma língua a outra, o
tema mal se pode separar da língua. Somente o reproduzirá de verdade aquele
tradutor que consiga trazer à fala o tema que o texto lhe mostra, e isto quer dizer que
Sem exigir uma escolha do tradutor, entre atender mais um do que outro, Gadamer
apresenta um paradoxo ao propor que o tema do original só pode ser reproduzido
verdadeiramente numa linguagem que atenda a ele (original) e a língua da cultura do texto de
chegada. Seguindo o enfoque hermenêutico, é em Paul Ricoeur que veremos caminhos de
solução a esse paradoxo.
Ricoeur se demora na reflexão das questões tradutórias em seu livro Sobre a
Tradução. Para ele, traduzir é estar em um jogo de “grandes dificuldades” e “pequenas
felicidades”. Evocando Walter Benjamin, Ricoeur faz sua abordagem na perspectiva
freudiana de “trabalho” entendendo a tradução como “trabalho de lembrança” e “trabalho de
luto”. Na mesma medida em que deve “salvar”, a tradução não consegue evitar perdas em
elementos do texto de partida (RICOEUR, 2004, p. 7-8).
Entre o autor estrangeiro e o leitor, o tradutor é o mediador, o servidor desses dois
senhores. Cada um deles apresenta, àquele que serve, duas resistências: a da obra (por ser
estrangeira) e, do outro lado, do desejo do leitor de se apropriar do texto. Ao longo de sua
operação, o tradutor se vê diante delas, ora cedendo ao estrangeiro, ora domesticando o texto
para atender ao leitor. Todavia, nesse processo ele percebe que a tradução ideal é impossível,
para realizá-la ter-se-ia que vencer o paradoxo de servir totalmente os “dois senhores”
(Ibidem, p. 9).
A confecção de um duplo idêntico em língua estrangeira não é factível. Renunciar ao
ideal de tradução perfeita é no que consiste o trabalho de luto proposto por Ricoeur. Luto este
que permite levar o leitor ao autor e, ao mesmo tempo, levar o autor ao leitor, ou seja, realizar
as duas vias propostas por Schleiermacher, mas sem ter que escolher necessariamente apenas
uma. A felicidade do tradutor está em hospedar o estrangeiro na língua de chegada, trazê-lo e
acolhê-lo em sua diferença (Ibidem, p.19).
Gadamer e Ricoeur apresentam abordagens hermenêuticas diferentes, apesar de
próximas em alguns pontos2. Independente disso, suas reflexões acerca da tradução e do papel
mediador do tradutor frente ao texto, à linguagem e aos participantes do processo (autor e
leitor), são imprescindíveis a quem deseja bem fundamentar sua ação tradutória e
compreender a dimensão interpretativa que há nela.
2
Sobre as semelhanças e diferenças entre suas ideias ver LAUXEN (2012).
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.244-253. <www.ephispucrs.com.br>.
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reproduz o texto base o mais literalmente possível (sem violar as normas do sistema
da língua meta), porém acrescentando as explicações necessárias sobre a cultura
base ou certas características específicas da língua de partida em notas re rodapé ou
glossários (NORD, 2009, p. 228).
Ao separar os textos para tradução, acreditava estar realizando uma ação que
antecederia a prática historiadora. Após traduzir as fontes, o passo seguinte seria a crítica
documental, com base na hermenêutica textual, a fim de recolher elementos para confirmar ou
não minha hipótese de trabalho. No entanto, a operação historiográfica já estava ocorrendo.
Cada palavra, cada frase daquele francês oitocentista trazia problemas de tradução que
levavam a uma constante pesquisa em obras coevas, como enciclopédias, gramáticas,
dicionários bilíngues e monolíngues e também obras científicas e literárias.
Na prática, as afirmações de Gadamer, de que a tradução é um processo hermenêutico,
se realizavam. Perguntas tradutórias se misturaram a perguntas históricas, o que permitiu que
a produção historiográfica fosse concretizada ao mesmo tempo em que a tradução era feita,
seguindo os protocolos tradutológicos funcionalistas.
O rigor diante da melhor tradução de um termo, por exemplo, leva a uma questão
básica: o que significa? Quando tratamos de uma fonte histórica, a pergunta ganha um caráter
Referências