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br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

ClarinetA nº3 junho 2017

Encontro
de Poços de
Entrevista: Caldas e a
Paulo Sérgio Santos ABCL
ClarinetA nº3 junho de 2016
www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

4 Editorial

7 “O bom músico deve tocar em qualquer


afinação”: Reflexões acerca da afinação
na clarineta.
por Fernando José Silveira

17 Variações Sobre Uma Velha Modinha de Osvaldo


Lacerda: Estudo Técnico-InstrumentaI e
Interpretativo

36 por Alba Valéria Vieira da Silva

28 A Clarineta Convida:
A Técnica Alexander,
Clarinetas e Clarinetistas

46 por Reinaldo Salvador Renzo

36 O Encontro de Claronistas e Clarinetistas


em Poços de Caldas em 2017
e a Reorganização da ABCL
por Diogo Maia e Luis Afonso Montanha

46 Entrevista: Paulo Sérgio Santos


por Anderson César Alves

52 Homenagem: Sebastião e Severino


Por Ricardo Dourado Freire

56 Clarinete Baixo:

66 A dupla que dá certo: intérprete e compositor


por Thiago Tavares

64 Relatos
por Patrick Moreira Lima

66 Lançamentos
por Daniel Oliveira

67 Dica do Mestre
Sergio Albach
de música contemporânea, completou mais de dois
anos da sua extinção; e a Banda Sinfônica do Estado

Editorial de São Paulo, após mais de trinta anos de atividades,


encerrou seus trabalhos nesse ano, demitindo todos
os músicos.
Mais do que eventos pontuais, esses exemplos re-
velam uma verdadeira política de desmanche dos
Prezados amigos,
corpos artísticos, sejam públicos ou mantidos por
Chegamos à nossa terceira edição, que vem repleta verbas públicas. A mensagem clara e transparente é
de novidades, movendo-se entre passado e presen- de que, na ausência de recursos, que se corte o que é
te. Nossa seção de artigos conta com as publicações dispensável. E nesse caso, parece haver um consenso
de Alba Valéria Vieira da Silva sobre as Variações so- político de que, ao falar em dispensável, estamos fa-
bre uma velha modinha de Osvaldo Lacerda e de Fer- lando sempre da cultura e das artes.
nando José Silveira, que questiona se de fato “o bom
Ao ouvinte menos atento, pode de fato parecer uma
músico deve tocar em qualquer afinação”. Em nossa
necessidade a ser imposta quando ouve seus repre-
seção “A Clarineta Convida”, Reinaldo Salvador Ren-
sentantes justificando que ou mantém uma orques-
zo traz algumas considerações sobre a Técnica Ale-
tra ou provém saúde e educação de qualidade. Mas
xander e sua aplicação para clarinetistas.
esse é um argumento perverso e equivocado, por
Essa edição traz ainda na matéria de capa, de auto- que dá a ideia que a escolha a ser feita reside somente
ria de Diogo Maia e Luis Afonso Montanha, o rela- nessas opções. E, paradoxalmente, ela ganha algum
to do 11º Encontro de Clarinetistas e o 3º Encontro lastro porque se vale da opinião de muitos dos quais
de Claronistas que ocorreu em Poços de Caldas em já não contavam com quaisquer acesso às iniciativas
janeiro desse ano, e que contou, entre outros aspec- culturais públicas, e portanto não percebem o que se
tos, com a reorganização da Associação Brasileira perde quando um desses grupos já consolidados é
de Clarinetistas-ABCL. Imperdível. A seção “Home- desmantelado.
nagem” nessa edição conta com o olhar de Ricardo
A discussão que tratamos aqui diz respeito à projeção
Freire para dois grandes clarinetistas brasileiros que,
das diferentes matizes da individualidade de cada
ambos nascidos em 1917, completariam um cente-
um; de seu potencial criativo, sensível, crítico, alegre,
nário de vida nesse ano: Severino Araújo e Sebastião
humanizado. De ver-se refletivo na expressão do ou-
“K-Ximbinho” Barros. Falando ainda sobre grandes
tro com dilemas que sempre nos acompanharam. De
clarinetistas, na seção “Entrevista”, Anderson César
que sentir-se seguro e saciado não deveria ser uma
Alves nos apresenta nada menos que o genial Paulo
finalidade, mas um ponto de partida para novas pers-
Sérgio Santos. Em uma conversa descontraída, ele
pectivas na construção de um ser humano que proje-
revisita sua formação inicial, influências e apresen-
te na sociedade à sua volta o convívio harmonizado e
tações e gravações memoráveis.
equânime.
Nossa seção sobre o clarinete baixo traz os êxitos na
Ao retirar o suporte aos já escassos grupos artísticos
relação compositor e intérprete para a produção de
que buscam desempenhar esse papel e que deveriam
novas obras para clarone, sob a perspectiva de Thia-
ser cada vez mais apoiados pelo poder público, e não
go Tavares. E por fim, Sérgio Albach nos brinda na
o contrário, o que permanece é uma atitude de des-
“Dica do Mestre” com um relato pessoal e bastante
caso com essa dimensão fundamental do lúdico no
abrangente de como se preparar para um concerto.
ser humano, numa sociedade cada vez mais voltada
Como se vê, procuramos abranger áreas de interes- para o iminente. É difícil não pensar que o resultado
se variados para clarinetistas, de aspectos técnicos, dessas ações produzirão uma sociedade futura que
históricos, com olhares de dentro e externos à nos- olhará envergonhada para o seu passado, como tan-
sa prática. No entanto, isso pouco adiantaria se nos tas vezes o fazemos hoje ao olhar paras trás.
alienássemos de outras questões da nossa realidade
A partir dessa edição, passamos a ser a revista da As-
social e cultural.
sociação Brasileira de Clarinetista-ABCL. Acredita-
Temos acompanhado por diferentes meios, mas mos piamente que para nós, clarinetistas, só a orga-
sobretudo pelas redes sociais, o desmantelamento nização coesa nos trará alguma conscientização em
ou sucateamento sistemático de postos de traba- prol da mudança desse cenário. Como indivíduos,
lho para músicos no país. No momento em que esse não passamos de mais um a bradar e compartilhar
editorial é escrito, para citar somente alguns exem- notas contra esse descaso. Organizados, ao contrá-
plos, as atividades da Orquestra Sinfônica do Paraná rio, poderemos cobrar de forma mais efetiva do po-
encontram-se paradas e com destino incerto; a Or- der público nas suas esferas municipais, estaduais e
questra doTheatro São Pedro-SP acaba de demitir federais. Assim, deixamos aqui nosso convite para
dezenove músicos de seu corpo estável, que serão que todos se associem.
substituídos por alunos; e a Orquestra Sinfônica
Brasileira, do topo dos seus setenta e seis anos de
atuação no país, completa inacreditáveis sete meses Vida longa à ABCL, que vem em tão boa hora.
sem que seus músicos recebam salário. E sigamos na luta por melhores dias.
Em situação ainda mais grave, a Camerata Aberta,
grupo internacionalmente conhecido pela execução Os editores

4
ClarinetA
Corpo editorial

Ficha técnica:

Editores
Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Joel
Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Ricardo
Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UFMT, Cuiabá)

Corpo Editorial Nacional


Amandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Cristiano Siqueira Alves (UFRJ, Rio de Janeiro), Fernando José
Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Sampaio Garbosa (UFSM, Santa Maria), Iura de Rezende Ferreira
Sobrinho (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Furtado Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino da Silva (UFPE,
Recife), Johnson Joanesburg Anchieta Machado (UFG, Goiânia), Marco Antonio Toledo Nascimento (UFC,
Sobral), Marcos Jacob Costa Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília)
Maurício Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Pedro Robatto (UFBA, Salvador), Roberto César Pires (Clarinetista, Campinas)

Conselho Consultivo Nacional


André Ehrlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto Fonseca Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de
Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto Alegre), Eduardo Gonçalves dos Santos (FANES, Vitória), Flávio Ferreira da
Silva (UFAL, Maceió), Glória Cira Pereira Subieta (Amazonas Filarmônica, Manaus), Jairo Wilkens da Costa Sousa (Orquestra
Sinfônica de Campinas, Campinas), Jônatas Zacarias de Oliveira (Conservatório Pernambucano de Música, Pernambuco),
João Paulo de Araújo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Luís Nivaldo Orsi
(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba),
Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Ovanir Luiz Buosi Junior (Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo, São Paulo), Rosa Barros Tossini (IFG, Formosa), Sergio Antonio Burgani (UNESP, São Paulo), Thiago
Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio de Janeiro)

Conselho Editorial e Consultivo Internacional


Fabien Lerat (França/Projeto NEOJIBA, Salvador), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola
Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia
Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar (Banda da Armada, Portugal)

Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL Biênio 2017 – 2018

Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria,
RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio
Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael
Nini Junior (Campinas, SP),
Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)
Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP)
Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta
(Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES),Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)

Projeto Gráfico e Design: Marcelo Pitel

Apoio Institucional

PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO PROFISSIONAL
EM MÚSICA
UFBA
Vendas através do site:

www.mbcases.com.br
Resumo: O presente estudo pretendeu verificar a possibilidade de o clarinetista tocar,
sem informação prévia, em qualquer nível de afinação com o mesmo nível de qualidade.
Após pesquisa bibliográfica e experiência prática, verificou-se que, quando do uso de ní-
veis de afinação não usuais, a qualidade da performance cai drasticamente, podendo ser
indicada como inaceitável e que, facilmente, é identificável ao ouvido humano. Portanto,
parece não ser possível que o clarinetista possa tocar em todas as afinações com o mes-
mo nível de qualidade obtido em sua afinação usual.
Palavras-chave: clarineta; afinação; imagens mentais; audições; acústica.

Abstract: This paper aims to verify the possibility to play the clarinet, with no pre-
vious information, in any pitch level with the same quality. After a bibliographic research
and practical experience, we found that when the clarinetist uses unusual pitch levels,
the quality of his/her performance fall drastically, and can be easy identified by the hu-
man ear. As the results, this research indicates that it is impossible to a clarinetist perform
in any pitch level with the same quality of his usual one.

“O bom músico deve tocar em


qualquer afinação”: Reflexões acerca
da afinação na clarineta por Fernando José Silveira1

artigo
O conceito de qualidade para um bom músico de sopros passa, 1 Fernando José Silveira é professor da
UNI-RIO – Universidade Federal do Esta-
obrigatoriamente, pelo conceito da boa afinação. Apesar de os do do Rio de Janeiro.
instrumentos de madeira, família esta em que se insere a clarineta, não e-mail: fernandounirio@hotmail.com
serem categorizados como ‘temperados’, pode parecer que a afinação não
se apresenta como uma ‘preocupação’, já que as notas são produzidas a
partir de orifícios de posicionamento fixo. “Não importa quão bom é
o músico, quão bonito é o seu som, quão rápido ele pode tocar ou quão
musical ele seja – ninguém quer tocar com alguém que não seja afinado”
(Mazzeo, 1990, p. 59). “O instrumentista sério deve dedicar bastante
tempo e energia para aprender a tocar afinado” (STEIN, 1958, p. 35).
Corroborando com esta ideia, e por melhor que seja, um instrumento
musical apresentará pequenos desvios de afinação e timbre que irão
impor que o músico proceda à sua correção. Cada instrumento é um
caso; e o músico, para utilizá-lo da melhor maneira deverá conhece-lo e
seus desvios de afinação e timbre, na intenção de, ao menos, minimizá-
los. A correção das imperfeições do instrumento deve ser baseada no
conhecimento do temperamento (STEIN, 1958).
Universalmente, a afinação de um instrumento é conferida pela nota
lá (a’). Nas orquestras esta é a nota utilizada para a afinação de toda a
orquestra; o que poderá variar é a altura adotada que, nos dias atuais, pode
variar de a’=440 Hz ao a’=444 Hz. Porém, esta normatização para a altura da
afinação não foi sempre adotada. No “início do Séc. XIX, instrumentos de
madeira eram corriqueiramente equipados com juntas intercambiáveis,
de diferentes comprimentos, para acomodar as diferentes alturas de
afinação” (Lindley & Wachsmann, 1980, p. 779). A partir do início
do Séc. XIX, com o desenvolvimento de um conceito de padronização da
afinação, o músico adquire um referencial mais preciso sobre sua afinação.

9
Para se adaptar a esta padronização, que poderá variar regionalmente,
as fábricas oferecem instrumentos capazes desta adaptação. Uma das
mais famosas fábricas de clarinetas oferece aos seus clientes duas versões
de afinação: a’=440 a 442 Hz para cada modelo disponibilizado (BUFFET
CRAMPON, 2010). Este padrão é seguido pela maioria das fábricas que
oferecem instrumentos de padrão profissional. Desta forma, o instrumentista
poderá escolher aquela versão de afinação que mais se coadune ao uso do seu
instrumento.
No âmbito da contratação de músicos para orquestra, a questão da afinação
se mostra tão importante que as maiores e mais importantes orquestras tem
registrado, nos documentos sobre as audições para músicos, de forma clara
qual é a afinação adotada para determinada orquestra.
No Brasil, nos dias atuais, esta padronização indica que afinação se dará
a partir de um a’=442 Hz. Esta é, por exemplo, a afinação adotada em muitas
orquestras profissionais do Brasil: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra
Sinfônica de Porto Alegre e Orquestra Sinfônica da Paraíba. Portanto, para
aquele profissional que pretenda atuar nestas organizações musicais, deve-
se, não só escolher um modelo de clarineta que permita afiná-la em a’=442
Hz, mas, segundo Stein (1958), desenvolver o hábito e a responsabilidade
de homogeneizar a afinação de seu instrumento a partir deste paradigma,
conhecendo as particularidades do seu instrumento, e desenvolvendo
artigo

estratégias que permitam corrigir a afinação e o timbre por toda sua extensão.
No ano de 2008, quando das audições para uma grande orquestra
profissional brasileira, a primeira fase desta audição para músicos exigia que
se tocasse com o acompanhamento de piano. A organização de tal evento não
previa ensaios na sala da prova onde o piano que seria usado se encontrava.
Portanto, os candidatos deveriam tocar sem nenhum tipo de contato prévio
com a sala ou com o piano. Tal falta de previsão de ensaios, por si só, apresenta-
se prejudicial ao desempenho dos candidatos. Em artigo anterior (SILVEIRA,
2007) relato que “outro fator importante [para o desempenho do candidato]
é o acesso, através de ensaio prévio, à sala onde a audição será feita. Trata-se
de um passo relevante para a climatização do candidato à sala, sua acústica e
à afinação do piano com o qual ele irá realizar a prova”. Esta situação faz com
que o candidato apenas tenha oportunidade de conferir a afinação do seu
instrumento, em relação ao piano, no momento da audição. No presente caso,
como já dito, as orquestras cariocas adotam o a’=442; porém, o piano estava
afinado em a’=438. No mesmo momento, o candidato avisou a organização da
audição sobre este fato; como resposta, o presidente da comissão avaliadora
intercedeu e disse que ‘o bom músico deve tocar em qualquer afinação’.
A partir das informações supracitadas, os objetivos da presente
pesquisa são responder às seguintes perguntas:

1. O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?

2. Caso negativo, quais seriam os fatores que contri-


buiriam para uma queda na qualidade da performan-
ce a partir do distanciamento da afinação em que o
músico está acostumado?

10
Para tal empreitada, primeiramente lançou-se mão da bibliografia
pertinente à teoria da performance e sobre os aspectos acústicos do
instrumento. Como segundo passo, foi utilizada uma experiência
com clarinetistas profissionais. Tal experiência contou com quatro
clarinetistas profissionais. Um deles atuou na pré-experiência, quando o
pesquisador necessitava avaliar se os procedimentos adotados poderiam
ser utilizados da forma planejada e se haveriam dúvidas quanto aos
procedimentos da pesquisa. Os pré-requisitos dos colaboradores é que
eles possuíssem o curso superior em música e fossem membros efetivos
de algum corpo orquestral profissional.
A experiência começa com o clarinetista afinando seu instrumento
de acordo com o nível que está acostumado: por exemplo, a’=442 Hz.
Feito isso, e anotado o nível da afinação pelo pesquisador, o colaborador
iria tocar uma série de intervalos e o pesquisador, a partir do uso de um
afinador digital, iria anotar os padrões de desvio das notas.
Terminada esta etapa, o pesquisador pediria que o músico re-afinasse
seu instrumento para tocar 4 Hz abaixo da sua afinação usual. Repetido
a experiência, seria pedido, em seqüência, que ele afine seu instrumento
para tocar 2 Hz abaixo e 2 Hz acima da sua afinação usual.
Com tais dados aferidos, foi feito um gráfico dos desvios de afinação

artigo
do colaborador em relação à sua performance com sua afinação usual para
poder serem usados na análise e conclusões do presente trabalho.
Nesta ocasião foi pedido, também, que o músico tocasse um pequeno
trecho musical da mesma forma que acima e, ao final, descrevesse as
diferenças sentidas com afinações diferentes da usual.
Para que se proceda à correção da afinação geral da clarineta usa-se,
normalmente, o barrilhete, afastando-o ou aproximando-o do restante
do corpo do instrumento. Esta correção da afinação geral será regida
por algumas variantes, tais como a temperatura da sala e do corpo do
instrumento (HUMMELGEN, 1995). Como já dito na introdução, os
fabricantes de instrumento oferecem instrumentos em duas afinações:
a’=440 e a’=442. Portanto, o procedimento da correção da afinação geral
deverá ser feito através de pequenos ajustes no barrilhete; de outra forma,
haverá um desequilíbrio geral na afinação do instrumento. O ideal é
que não se abra mais que 2 mm. Mazzeo (1990. P. 60) nos lembra que “o
tamanho do barrilhete foi escolhido através de precisa análise acústica do
instrumento, que deve ser entendida como a medida correta”. Deve-se
lembrar que o fato de se abrir demais o barrilhete, afastando-o do corpo
da clarineta ou da boquilha, fará com que se crie uma ‘câmara’ entre os
dois, prejudicando as notas emitidas através de buracos próximos ao
barrilhete. Esta câmara, segundo Hummelgen (1995, p. 187), causa uma
perturbação no centro do tubo da clarineta e, como conseqüência, a
modificação na ressonância das freqüências. Ridenour (2010) lembra que

as notas de garganta (médios) da clarineta não reagem


da mesma forma que outras regiões quando você abre o
barrilhete. As notas de garganta (médios) tendem a ter
sua afinação acentuadamente mais baixa que as outras
regiões quando se abre excessivamente o barrilhete.

11
Gibson (1994) indica o uso de ‘anéis de afinação’, para se preencher
este espaço deixado pelo afastar do barrilhete do resto do corpo do
instrumento. Porém, isto apenas minimiza o problema, não o eliminando
por completo.
Mazzeo (1990) nos lembra, também, que o Lá de afinação – que
corresponde à nota Si da clarineta em Si bemol – não é a melhor para se
avaliar corretamente a afinação geral da clarineta, obrigando ao músico
corrigi-la, também, a partir de notas de outras regiões, já que cada região tem
uma tendência de desafinação. Sobre esta tendência Bloch (1992, p. 438)
indica o mapa abaixo:

Para se corrigir tais imperfeições na clarineta, vários autores sugerem


artigo

dedilhados alternativos - e outros subterfúgios - para a tentativa da correção,


ou minimização, de tais fatores. Tosé (1962) textualiza as tendências gerais
de desafinação em relação às dinâmicas na clarineta:
f – a afinação da nota tende a baixar;
p – a afinação da nota tende a subir;

Estas tendências, segundo este autor, podem ser minimizadas das


seguintes maneiras: quando se toca f, para se prevenir que a afinação abaixe,
gentilmente aumente a tensão na embocadura; para o p, faz-se o inverso.
Tosé ainda nos diz que, conhecendo o seu instrumento, o clarinetista pode
utilizar-se de dedilhados alternativos, visando corrigir os problemas de
timbre impostos pela acústica específica da clarineta. Tais indicações, mais
que mera ‘teoria’ tem, obrigatoriamente, de ser aplicadas na prática, sob
pena de haver discrepâncias enormes em afinação e timbre. Fleisher (1992,
p. 103) nos demonstra, abaixo, alguns destes dedilhados alternativos:

12
Com relação ao timbre na clarineta, Loureiro & Paula (2006) dizem
que o timbre de cada nota na clarineta está associado à sua região e à
dinâmica com que é produzida. As notas mais graves da clarineta possuem
maior variação timbrística, enquanto as mais agudas menor variação.
Isto induz à conclusão que o clarinetista precisa de uma maior atenção
na homogeneização entre notas de diferentes regiões do instrumento e
tocadas em diferentes dinâmicas. Para tal, será exigido o desenvolvimento
da conceituação de ‘tocar equalizando’, para que o esperado objetivo de
homogeneidade tímbrica seja alcançado. A experiência de Hummelgen
(1995) chegou à conclusão que o uso inadequado do barrilhete –
abrindo-o em proporção exagerada – não traz conseqüências apenas na
afinação, mas impões que o tubo da clarineta “fuja significativamente
da forma cilíndrica tendo como conseqüência o desvio da proporção
de suas freqüências características [...]” (Hummelgen, 1995, p. 189),
influenciando o timbre do instrumento.
Outro aspecto relativo à performance são as imagens mentais relativas
ao ato de tocar o instrumento, a qualidade de afinação, som e timbre.
Allen (2007) informa que as representações mentais da construção da
performance partem do universo do músico: seu instrumento, sala de
estudo, intimidade com a obra e compositor etc. Tais representações
mentais tem como feedback ações mecânicas do corpo para que esta
representação mental possa tornar-se som. Portanto, as ações do corpo

artigo
– que resultam em som – são os objetivos da construção mental da
performance. Os aspectos da partitura, como notas específicas e ritmos,
correspondem a uma ação muscular específica e, depois de intenso
estudo, pré-concebida para se tornar natural.
No caso da clarineta, o instrumentista monta suas imagens mentais
a partir de informações, por exemplo, sobre a relação intervalar entre
as notas no seu instrumento e, sobretudo, da tentativa de correção dos
aspectos como afinação e timbre, baseando-se, no paradigma da afinação
eleita por ele como ‘standard’ – ou usual. Se, por uma mudança brusca de
afinação, estas informações são mudadas, toda sua performance poderá
ser prejudicada, já que ele não reconhecerá mais naquele instrumento as
mesmas características até então apreendidas. “Na performance musical,
deve-se saber, primeiramente, o som que se quer produzir. Esta qualidade de
som pretendia é a primeira representação que se deve desenvolver. Depois
se procede à representação da produção do som” (ALLEN, 2007, p. 23).
Para uma produção de som com qualidade, há a necessidade de se saber,
de antemão, a afinação em que se quer tocar para, a partir da representação
mental contemplando as informações do seu instrumento, fazer com que
seu corpo transforme seus pensamentos em som de qualidade, i.e., com
qualidade de afinação, timbre etc. A imagem ‘aural’ deve ser concebida no
estágio de estudo.

O uso da imagem auditiva para afinação é men-


cionado em apenas poucos textos sobre como tocar
clarineta. Tosé (1962), na sua argumentação sobre
afinação, informa que para se assegurar da boa afina-
ção o instrumentista deve ‘tocar’ a nota como se fos-
se ouvida mentalmente. (ALLEN, 2007, p. 24)

13
Como poderia, então, o músico ‘tocar’ a nota mentalmente em uma
afinação e o resultado sonoro ser em outra?
Tais reações musculares ‘estudadas’ passam, com o tempo, a serem
procedidas de forma natural e inconsciente pelo músico. As mãos e os dedos,
assim como os músculos relativos à respiração e embocadura perfazem
pequenos ajustes para ‘equalizar’, ‘homogeneizar’ e corrigir as imperfeições
acústicas de seu instrumento com o objetivo maior de proporcionar uma
performance de qualidade a partir do paradigma da sua afinação usual.
O método mais comum, nos dias de hoje, para que o músico verifique a
afinação de seu instrumento e suas tendências de desafinação é o uso de um
afinador eletrônico. Tal equipamento permite que, a partir calibragem para o
uso de um A (LÁ) entre 410 Hz e 480 Hz, seja verificado, em ‘cents’ os desvios
da afinação comparados com a altura predeterminada tendo como paradigma
a afinação da nota a’.
Cent é a unidade logorítmica usada para medir os intervalos musicais.
Cada intervalo entre os 12 semitons dos quais uma oitava é formada possui
100 cents. Ao que parece o ouvido humano, em uma melodia tocada por
qualquer instrumento, não é capaz de, com segurança, identificar pequenos
desvios deste padrão. Loeffler (2006) nos indica que, normalmente, o ouvido
humano só irá perceber um desvio de afinação quando este for superior a 6
cents. Porém, aparelhos como os afinadores eletrônicos o utilizam como
parâmetro para que, visualmente, o músico possa aferir os desvios com maior
precisão.
Gibson (2010), nos apresenta tabela, abaixo, com os desvios de afinação
padrão em uma oitava da clarineta.

Tabela 1 – (Gibson, 2010, p. 2)

Note-se, na tabela, que em oito notas – das doze apresentadas - o desvio de


afinação supera os 10 cents, denotando possibilidade de que aquele que ouve
o som caracterize-as como ‘desafinadas’.
Como complementação de toda a teoria acima apresentada, foi procedida
a experiência descrita na metodologia. Para tal foi composto uma seqüência
intervalar de vinte compassos com 37 notas, contemplando toda a extensão
da clarineta.

14
Abaixo, encontra-se gráfico com os resultados de desvio de afinação dos
participantes na experiência.

artigo

15
Os gráficos acima demonstram, nitidamente, que as tendências de
desafinação em diferentes alturas não são correspondentes em nenhum
dos participantes. Isto corrobora com o pensamento que, o fato de o músico
redimensionar seu instrumento e tentar compensar tais distorções, a partir de
mudanças de embocadura e/ou dedilhados alternativos, não resulta em desvio
de afinação similares. A tendência à desafinação de certas notas - em afinações
diferentes da que o músico está habituado, na verdade se comportam de
forma oposta. Em certas ocasiões, afinar seu instrumento com um referencial
de afinação mais baixo fazia com que notas com tendência de desafinação
para baixo tornassem altas – e vice-versa. Pode-se afirmar que, a partir de
paradigmas de afinação diferentes daquele que o músico está acostumado,
ele comporta-se como se tivesse perdido o referencial de afinação – talvez a
partir da perda dos referenciais do seu instrumento e embocadura.
A segunda parte da experiência propôs aos colaboradores que tocassem
um trecho musical bastante conhecido da 8ª Sinfonia de L. van Beethoven:
artigo

Durante a performance, em cada afinação, foi procedida a verificação


da amplitude da tendência de desafinação. Ao final, foi pedido ao músico
que comentasse algum ponto importante sobre sua performance.
Participante Afinação usual -4Hz +2Hz -2Hz
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para mais
para mais da ordem de mais da ordem de 30 cents
para mais ou para menos, ou para menos, da ordem de
20 cents e para menos e para menos da ordem de
da ordem de 5 cents 20 cents
da ordem de 30 cents 20 cents
Uso intenso da embocadura
A Sente sua afinação alta
para tentar afinar; sentiu que
perdeu o foco das notas; tocou
Sentiu-se mais Sentiu o som ‘espremido’
confortável com um timbre diferente.
mais forte para tentar baixar a
afinação das notas.
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para mais
para mais da ordem de mais da ordem de 30 cents
para mais ou para menos, ou para menos, da ordem de
30 cents e, para menos e, para menos da ordem de
da ordem de 10 cents. 20 cents.
da ordem de 20 cents 20 cents
B Sentiu problemas com
Timbre bom; sente melhora
Desconfortável; problemas
a emissão; sente-se, de afinação; tentou mudar
na afinação; sente-se sem Afinação e timbre bons.
ainda, confuso pela etapa o dedilhado para afinar
segurança para tocar.
anterior; timbre bom. melhor; timbre bom.
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para mais
para mais da ordem de mais da ordem de 25 cents
para mais ou para menos, da ordem de 30 cents e, para
25 cents e, para menos e, para menos da ordem de
da ordem de 10 cents. menos da ordem de 20 cents
da ordem de 20 cents 20 cents

C Sente-se confortável.
Sentiu-se preocupado com
os intervalos; sentiu-se mais
Afinação mais estável;
timbre mais claro
Timbre sem brilho; mais
difícil para tocar; sente-se
e brilhante; menor muito desafinado em notas
desafinado; mudança de timbre.
esforço para tocar. agudas.

16
Estatisticamente, a variação média de desafinação dos três participantes,
na sua afinação habitual, foi de 8,3 cents – para cima ou para baixo. A média da
desafinação em todas as outras afinações foi para cima da ordem de 25,5 cents
e para baixo da ordem de 21,11 cents. Portanto, uma diferença considerável
entre as tendências de desafinação.
Além disso, todos os participantes relataram desconforto na utilização de
afinação não usual. A maioria relatou desconforto com a afinação, timbre e
maior dificuldade de tocar.

CONCLUSÕES
Agora, trazemos as perguntas norteadoras da presente pesquisa:
1 - O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?
Aquele clarinetista que pretenda desenvolver suas habilidades para tocar
em qualquer afinação irá enfrentar grandes dificuldades. Além da dificuldade
com os aspectos acústicos e físicos do instrumento – que é produzido
para uma determinada afinação – o clarinetista enfrentará o aspecto aural,
encarando entraves para a formação e consolidação de referenciais sobre
afinação, timbre, articulação e qualidade de som que proporcione segurança
para desenvolver as qualidades necessárias para um bom clarinetista.

artigo
A experiência conduzida demonstra que a qualidade da afinação, quando
do uso de níveis de afinação não-usuais, cai drasticamente, entrando em
níveis qualificados como inaceitáveis e que, facilmente, são identificáveis ao
ouvido humano. Portanto, não é possível que o clarinetista possa tocar em
todas as afinações com o mesmo nível de qualidade de afinação usual.
2 - Caso negativo, quais seriam os fatores que contribuiriam para uma
queda na qualidade da performance a partir do distanciamento da afinação
em que o músico está acostumado?
O primeiro fator é a diferença acústica que seu instrumento é obrigado a
suportar para tocar em outra afinação que não a usual. Abrir o barrilhete em
grande monta impõe que as características cilíndricas da clarineta sejam
‘perturbadas’, prejudicando a relação intervalar entre as notas e timbre. Este
problema leva à mudança de embocadura: para tentar compensar a afinação
o clarinetista muda a embocadura e, com esta mudança, perde ainda mais
qualidade de timbre, de som, de articulação e toda a referência auro-muscular
da correção específica das notas de seu instrumento.
Todas estas mudanças apresentam-se como motivos de extrema importância
para uma performance de qualidade. Por este motivo, quando é requerido que
o clarinetista toque em afinação não-usual, ele precisa dedicar muito mais
atenção a este aspecto, deixando de lado, por vezes, qualidades fraseológicas
e de dinâmica que corroboram para a qualidade de sua performance, não
obtendo o mesmo nível quando do uso de sua afinação usual.
O músico desenvolve uma afinação interna. Esta pode ser mudada; porém
faz-se necessário tempo e esforço para que isto aconteça. Segundo a presente
pesquisa, o clarinetista não pode, sem ter prévia informação, tocar em outra
afinação que não a sua usual. Trata-se, também, de uma questão ética de,

17
sabendo das informações aqui descritas, o clarinetista não ser obrigado a
mudar sua afinação usual sob pena de uma performance muito aquém das
suas reais possibilidades.

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TOSÉ, Gabriel. Artistic Clarinet: Technique and Study. Hollywood
(EUA): Higland Music Company, 1962.

18
Resumo: Este trabalho apresenta um estudo da obra as Variações Sobre uma Velha
Modinha (1973) para clarineta e orquestra do compositor Osvaldo Lacerda. Discorre
sobre o uso do tema da modinha Róseas Flores d’Alvorada na composição das variações,
de acordo com seu contexto histórico, bem como a estrutura e técnica utilizada pelo
compositor. Inicialmente, são considerados aspectos da vida e obra do compositor, um
dos nomes marcantes da escola Guarnieri3. Em seguida, comenta-se sobre o gênero
modinha e, finalmente, discute aspectos interpretativos e técnico-instrumentais, através
da análise musical.
Palavras-chave: Clarineta, Osvaldo Lacerda, Modinha.

Abstract: This work presents a study of the work Variations on an Old Modinha (1973)
for clarinet and orchestra by Osvaldo Lacerda. It considers about the use of the Modinha
Róseas Flores d’Alvoradaas the theme of the composition with variations, according to
its historical context, as well as the structure and technique used by the composer. At
first, it is considered aspects of the life and work of the composer, one of the outstanding
names of Guarnieri school3. Then, it discusses about modinha, and the interpretive and
technical-instrumentalaspects, through the music analysis.
Keywords: Clarinet, Osvaldo Lacerda, Modinha.

Variações Sobre Uma Velha Modinha


de Osvaldo Lacerda: Estudo Técnico-

artigo
Instrumental e Interpretativo1
por Alba Valeria Vieira da Silva2
1 Este artigo é baseado na disser-
tação da autora intitulada “Estudo
Técnico-Instrumental e interpreta-
tivo das Variações sobre uma Velha
Modinha”, defendida na Escola de
INTRODUÇÃO Música da UFBA.

Variações Sobre Uma Velha Modinha para Clarineta e Cordas foi composta 2 Alba Valéria Vieira da Silva é pro-
por Osvaldo Lacerda em 1973 e utiliza a modinha Róseas Flores d’Alvorada fessora de clarineta da Universidade
Federal de Campina Grande, PB. Seu
como tema. Dedicada ao clarinetista Leonardo Rigghi, foi escrita em duas email: albalela@gmail.com
versões, uma para clarineta e piano e a outra para clarineta e orquestra de
cordas. A primeira audição foi realizada por Leonardo Rigghi com o pianista 3 A Escola de Composição de Ca-
margo Guarnieri, criada por volta de
Calisto Thome no dia 17 de outubro de 1974 em São Paulo. Rigghi, ex- 1950, foi influenciada por Mário de
professor de clarineta da UNESP, foi bastante respeitado no meio musical Andrade que defendia que a música
brasileira deveria estar baseada no
e executou obras do compositor Lacerda em vários de seus recitais, como a estudo do folclore. (MARIZ, 1998).
Valsa Choro para clarineta e piano e Melodia para clarineta solo. O clarinetista
José Botelho4 gravou a Melodia e Luís Rossi5 a Valsa-Choro, enquanto 4 José Botelho é um dos mais concei-
tuados clarinetistas brasileiros.
Paquito D’Rivera6 incluiu obras do compositor em seu repertório. Cristiano
Alves7conheceu Lacerda em 2008, quando tocou as Variações Sobre Uma 5 Rossi é um clarinetista argentino
que reside no Chile e mantem uma
Velha Modinha, em Curitiba. Em homenagem ao saudoso compositor, carreira internacional.
falecido em 2011 aos 84 anos, ele gravou um CD com todas as suas obras para
clarineta e relata: 6 Paquito D’Rivera é um clarinetista
cubano que reside nos EUA e venceu
quatorze Grammy Awards.
Particularmente, considero que uma das mais valiosas li-
ções extraídas desta imersão na obra de Osvaldo Lacerda 7 Cristiano Alves é doutor em Música
foi perceber que, acima de quaisquer preocupações liga- e professor da UFRJ.

das a estilo, linguagem, vanguarda ou tendências, existe a 8 Disponível em: http://ranulfope-


verve pulsante do compositor comprometido com ideias dreiro.com/2016/07/20/osvaldo-la-
e caminhos autênticos.8 cerda-pelo-clarinete-de-cristiano-al-
ves/ Acesso em: 01/03/2017.

19
O objetivo principal deste estudo é auxiliar na execução da peça. Ele
não foi realizado só pelo valor didático, mas também pela necessidade de
conhecimentos mais detalhados sobre esta obra de relevância, buscando
contribuir para sua performance. É fato que clarinetistas de renome nacio-
nal e internacional incluam obras deste compositor em seu repertório, des-
tacando sua contribuição ao repertório brasileiro para clarineta. Portanto,
é oportuno realizar um estudo das Variações Sobre Uma Velha Modinha, seja
pela valorização da clarineta no repertório musical, assim também como
um trabalho didático ao instrumento.
As análises histórica e da estrutura formal da obra, ou seja, o conheci-
mento da proposta musical do compositor e de seu estilo, poderá contri-
buir para a compreensão das linearidade e dimensão melódicas explícitas.
Seguindo Schoenberg (1991, p.202), que afirma “não ser fácil escrever um
bom tema original para variação”, enfatiza a relevância em manter as quali-
dades formais do tema nas variações. No caso da obra em estudo, observa-
remos sua estrutura formal, tema e variações, através das transformações
dos motivos rítmico, melódico e harmônico. Ela também foi abordada
pelos processos composicionais da música tonal expostos em The tematic
process in music (1978) de Reti, onde demonstra como a unidade de uma
peça é assegurada pelas transformações de elementos temáticos.
artigo

2. O COMPOSITOR
Osvaldo Costa de Lacerda nasceu em São Paulo em 23 de março de 1927.
Segundo Mariz (1983, p.246), ele é um importante compositor de canções
com característica nacionalista, muitas delas de excelente feitura e bom
gosto. Mariz (ibid.) o cita como sendo o cancioneiro popular do Brasil. De
1952 a 1962, estudou composição com Camargo Guarnieri e, de acordo com
Neves (1981, p. 143), ele é “o nome mais marcante da escola Guarnieri”. Em
1963, com bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, da qual se
tornou fellow, foi estudar nos Estados Unidos, onde representou o Brasil.
Na Academia Brasileira de Música, ocupou a Cadeira nº 9, cujo patrono é
Tomaz Cantuária. Ao longo de sua carreira recebeu inúmeros prêmios na-
cionais e internacionais.
O repertório de Osvaldo Lacerda inclui obras de quase todos os gê-
neros musicais que demonstram um estilo nacionalista tradicional com
certa predileção pela música de câmera. Mariz (1983, p. 251) situa Lacerda
dentro da primeira geração Pós-Nacionalista e afirma que “seu estilo ten-
ta realizar uma fusão da técnica de composição moderna com a psicologia
musical brasileira”. O conhecimento do compositor das características da
música brasileira é evidente e, aliado a um sólido domínio de técnicas de
composição, demonstra seu próprio idioma musical, com certa liberdade
da linguagem musical. Sensível aos temas do folclore brasileiro, remete a
um idioma moderno e mostrou-se inclinado aos modalismos nordesti-
nos, dando-lhe uma roupagem moderna, com peças ditas de ambientação
atonais que criativamente introduziu em seu repertório. De acordo com o
próprio Lacerda (1990, p. 73), “na escolha de textos para canções, procuro
não me restringir a uma determinada época ou estilo. É assim que tenho
musicado desde poesias do século XVIII até contemporâneas”. Por fim,
Neves acrescenta que “a forma do tema com variações será a mais usada
pelo compositor” (1981, p. 143).

20
3. RÓSEAS FLORES D’ALVORADA

3.1 O Gênero Modinha

Campanhã e Torchia (1978, p.183) definem modinha como:

Forma poética musical de gênero amoroso e sentimen-


tal. Possivelmente de origem erudita portuguesa, escrita
no compasso binário ou quartenário. Quanto a sua for-
ma, foi inspirada na ária da ópera italiana. Esteve muito
em voga na época do primeiro império do Brasil, por vol-
ta do século XVIII, até a metade do século XIX.

A origem da modinha brasileira tem sido questão bastante debatida.


As modinhas encontradas no final do século XVIII trazem uma varieda-
de tonal, uma liberdade modulatória, que, segundo o musicólogo Siquei-
ra (1979), seria impossível afirmar sua verdadeira procedência. Embora a
modinha fosse considerada a mais popular das canções no período im-
perial, hoje está no esquecimento. A princípio, a brejeirice primitiva im-
perava nas velhas modinhas, como a utilização de temas da terra. Ela foi

artigo
cedendo, cada vez mais, ao tratamento direto de temas do amor sensual,
que tinham sabor acentuadamente erótico e, por vezes, com equívoco, era
ainda recebida com reserva pelas pessoas “respeitáveis”.
A música em voga, despretensiosa, acessível e composta, às vezes, por
mestres, popularizou-se a tal modo que qualquer “curioso” podia compor.
Parece evidente que o gosto pelas modinhas tinham se alastrado por todo
território nacional e não poderia ficar fora do repertório dos compositores
eruditos, os quais musicavam obras de poetas anônimos e famosos. A mo-
dinha entrou em contato com o ambiente e a arte dos chorões e cantado-
res de serenatas. Seguiu até os dias atuais num estilo sem regras definidas,
pois nunca teve estrutura formal fixa. O gênero popularizou-se e, indiscu-
tivelmente, constituiu-se numa das mais autênticas tradições da música
popular brasileira.

3.2 A modinha Róseas Flores d’Alvorada

Róseas Flores d’Alvorada


Teus perfumes causam dor
Essa imagem que recordas
É meu puro e santo amor

Ai! quem respira


Os teus odores,
Fenece triste,
Morre de amores

21
Assim inicia Róseas Flores d’Alvorada, extraída do livro Modinhas Impe-
riais(1930) de Mario de Andrade que se refere a ela assim:

Publicada sob o nº 48 no “Novo Álbum de Modinhas


Brasileiras”, dos editores Filippone e Tornaghi. Na edi-
ção, em água forte, não se menciona músico nem poeta.
E assim, ainda o texto se repete no “O Trovador” (I, 96)
em versão mais legítima, que segui. Esta peça é bastante
curiosa. Já agora a influência italiana é visível. Estamos
próximos de Bellini e Donizetti, e não do pior. “Por outro
lado já se manifesta a tendência pros (sic) saltos grandes e
desenhos melódicos harpejantes, que seriam depois nor-
mais no modinhismo popular”.(1980, p.13)

Seu texto expressa características próprias da modinha, com lamenta-


ções amorosas, queixumes, ternura ingênuas e êxtase de espírito. Consi-
derada de caráter erudito por Siqueira (1979, p.115.) em sua coletânea Mo-
dinhas do Passado:

O surgimento da modinha brasileira está se processan-


do firmemente, ora como música dramática, ora como
artigo

música absoluta. No primeiro caso ela deve ser cantada


e ter por ambiente os recursos da harmonia sugestiva
dos violões. Como música pura é um atraente aspecto
do nacionalismo essencial. Os artistas verdadeiros cer-
tamente se encarregarão de burilá-las sem aberrar nos
exotismos, nem aplicar-lhes apenas o trivial da harmo-
nia erudita.

3.3 Estrutura fraseológica da Modinha

A melodia de Róseas Flores d’Alvorada tem nitidamente uma célula rít-


mica como motivo temático. Esta se constitui de quatro notas, uma col-
cheia pontuada e uma semicolcheia como arsis (anacruse) e duas semíni-
mas como tesis, ou seja, um impulso seguido de um repouso (Exemplo 1).
Exemplo 1: Motivo Temático

Além de presente ao longo de toda a elaboração da Modinha, subme-


tida a variadas transformações, esta célula apresenta-se de maneira qua-
se inequívoca em todas as cinco frases da peça original. Para Schoenberg
(1991, p. 45), “os motivos se conectam para a formação de unidades maio-
res, as frases. Essa conexão de motivos ocorre por sobreposição, justapo-
sição e imbricação entre as notas constituintes.”

22
Seções Frases Semi-frases Compassos
A: Período 1 Frase1 1a 1-3
1b 3-5
Frase2 2a 3-7
2b 7-9
B: Período 2 Frase3 3a 9-11
3b 11-13
Frase4 4a 13-15
4b 15-17
C: Período 3 Frase5 5a 18-21
5b 22-25
Quadro 1: Estrutura da Modinha

A modinha está em mi bemol maior, em compasso 4/4, com indicação de


tempo moderado, e o estribilho é allegro (movido na versão para orquestra),
em compasso 3/4. O acompanhamento das Seções A e B da modinha são reali-
zados com arpejos em tercinas, tanto na parte do piano de Mario de Andrade
como na obra de Lacerda. Conforme exposto no Quadro 1, a Seção A é for-

artigo
mado pelas Frases 1 e 2 com suas respectivas semi-frases a e b, formando o
primeiro período, que geralmente contém a mesma estrutura, garantindo a
simetria (Exemplos 2 e 3).

Exemplo 2: (Seção A-Frase 1 - Semi-frases a e b)

Exemplo 3: (Seção A-Frase 1- Semi-frases a e b)

Seguindo, na Seção B, a Frase 3 caminha para o sexto grau, o relativo menor


(dó menor). Na versão escrita para orquestra, esta frase é realizada pelos vio-
loncelos e concluída pelos violinos (Exemplo 4):

Exemplo 4: (Seção B-Frase 3- semi-frases a e b)

23
A frase 4 é realizada com uma transformação rítmica em tercinas descen-
dentes, assimilação dos desenho rítmico do acompanhamento. Essa seção ter-
mina em cadência perfeita, em mi bemol maior (Exemplo 5), compassos 15-17.

Exemplo 5: (Seção B-Frase 4- semi-frases a e b)

O estribilho inicia com o espírito afetuoso e cantante, Seção C, frase 5,


que aparece com a fórmula de compasso modificada para 3/4 e indicação de
Allegro (Movido na versão com orquestra). A métrica ternária desta Seção tem
relação com a base ternária das tercinas acompanhantes das seções anterio-
res. O primeiro compasso da semi-frase 5a da Seção C, compasso 18, sugere
ser uma anacruse para o segundo compasso, como indicado pelo acento na
primeira nota deste segundo compasso. O mesmo ocorre na semi-frase 5b,
esse tratamento indica uma transformação do motivo temático, sugerindo
um compasso composto, talvez 6/4. Esta seção reafirma a tonalidade inicial
(exemplo 6):
artigo

Exemplo 6: (Seção C-Frase 5- semi-frases a e b)

4 VARIAÇÕES SOBRE UMA VELHA MODINHA


A variação é uma das formas musicais mais antigas. Trata de tecer um tema
proposto com variações. Existem dois tipos de variação. Um se refere ao uso
dela como artifício em pequenas ou em grandes seções de obras. O outro é
estrutural, onde a variação é a base de formas contínuas, tais como passaca-
glia, chacona, basso ostinato e tema com variações. Segundo Schoenberg (1991,
p.201), o termo variação tem sentido ambíguo: “a variação cria as formas-mo-
tivos, para construção de temas, produz contraste nas seções intermediárias
e variedade nas repetições. Mas no Tema com Variações, o tema é o princípio
estrutural de uma peça inteira”. Tais variações podem ser combinadas, pois
não são excludentes, depende do caráter e estilo do compositor, que tem a
preocupação de desenvolver várias possibilidades de ideias musicais.
4.1 O tema
Como mencionado, a modinha Róseas Flores d’ Alvorada é o tema da obra.
Lacerda a transcreveu os 25 compassos iniciais do livro Modinhas Imperiais
para a clarineta. Ele não manteve as mesmas ligaduras, acentos e fermatas
em sua versão. Incluiu ligaduras mais longas, dinâmicas e expressões de an-
damento. Eliminou uma fermata e deslocou outra de local. E transcreveu o
ornamento apresentado na versão original. O Quadro seguinte demonstra a
organização estrutural das variações, que foram divididas em Seções A, B, C,
D, e E, com suas respectivas frases e números de compasso.

24
Seção Descrição Frases Compassos
A Primeira Variação (Mib)- moderada, mas mais 1, 2, 3 e 4 26-52
movido (semínima = 84)
B Segunda Variação-moderado (mínima = 72) 1, 2, 3, 4 e 5 53-90
C Terceira Variação-movido (semínima = 138) 1, 2 e 3 91-150
D QuartaVariação - Moderadamente lento (semíni- 2, 3, 4 e 5 151-201
ma = 80)
D’ Episódio- lento, misterioso (semínima = 56) 1e2 202-213
E Quinta Variação - rápido alegre (mínima pon- 1, 2, 3, 4 e 5 214-357
tuada = 96)
Quadro 2: Estrutura das Variações
As frases e suas respectivas semi-frases da Modinha constituem o tema
utilizado pelo compositor para construção das Variações desta obra. O mo-
tivo básico temático apresentado é a garantia da inteligibilidade da estrutura
como um todo, no transcorrer das variações. Apesar das transformações ni-
tidamente apresentadas observaremos a coerência com o tema, concebida
em cinco movimentos sem interrupção. Seguindo a abordagem analítica de
Schoenberg, o estudo da obra Variações Sobre Uma Velha Modinha, correspon-
de a este princípio de variedade e transformação do tema musical.

4.2 Primeira Variação - moderado, mas mais movido

artigo
A clarineta abre esta Variação com um harpejo ascendente em fá menor
com sétima maior, indo do registro grave ao médio e finalizando a frase inicial
com uma a escala ascendente em dinâmica de mf ao f. As fórmulas de compas-
so variam em 4/4, 5/4, 2/4, e 3/4. Nesta Variação, o motivo temático é modifica-
do e realizado no início pelas cordas, que tocam duas semicolcheias seguidas
por uma semínima. A primeira semi-frase, 1a, aparece na voz dos primeiros
violinos apresentada do tom homônimo do tom original, mi bemol menor. O
acompanhamento é feito de maneira dissonante, explorando trítonos.
O clarinetista precisa ter atenção para que o ritmo se mantenha preciso a
cada nova entrada, onde os cromatismos ascendentes devem ser realizados
com clareza de articulação. Isto pode ser auxiliado com uma respiração rápida
e precisa. Principalmente no compasso (c.) 32 (semi-frase 2a), com indicação
de a tempo e molto expressivo, o ataque nas regiões média e aguda da clarineta,
em dinâmica forte, requer segurança e atenção, para que o primeiro violino
execute o pizz. (nota Lá) junto a nota aguda da clarineta.
Os primeiros violinos, com a orquestra tocando em tutti, realizam um ar-
pejo de Láb menor, c. 34, e iniciam com a clarineta a semi-frase 2b. A termina-
ção desta frase, que foi ritmicamente variada por aumentação, é realizada pelo
solista em rallentando. É necessário que seja expressiva, com dinâmica forte,
para que se ouça a finalização da frase. Com indicações de a tempo e expressivo,
as violas iniciam em soli a semi-frase 3a, c. 37, acompanhadas apenas pelos ce-
los e baixos. O solista inicia a semi-frase 3b em escala cromática ascendente,
sem grandes dificuldades. Continua a elaboração da melodia, Frase 4, onde a
semi-frase 4a é realizada pela clarineta em região aguda do instrumento com
articulação variada, terminando este segmento. Antes de iniciar a semi-frase
4b, as cordas agudas tocam uma escala cromática também, mas descendente.
Os celos em anacruse (soli), com acompanhamento de violas e baixo, con-
cluem esta frase com diferentes articulações (c. 45-50).

25
Os primeiros e segundos violinos preparam a finalização desta primeira
variação em escala cromática ascendente poco f. O motivo inicial da semi-
frase 2b é modificado e apresentado no registro agudo da clarineta para
finalizar em rall e p. Ela sofre uma expansão rítmica e, harmonicamente,
mantém o modo menor da variação. Porém, conclui sobre o acorde de Mi
bemol maior com Fá no baixo.
4.3 Segunda variação - moderado
Esta variação é elaborada a partir da melodia da Modinha e através
de processos de aumentação rítmica, utilizando-se dos compassos 3/2 e
2/2, e de trêmulos medidos como acompanhamento. Em contraste com a
primeira variação, a melodia inicia com o motivo temático transformado
em quatro colcheias com movimento descendente em tons inteiros pela
clarineta, porém no mesmo registro que na primeira, na região grave do
instrumento, c. 53.
A melodia segue em trilos de semitom e com linha cromática descen-
dente, o que é de difícil execução na região escrita, chamada de “garganta”
e que possui pouca sonoridade e exige muita destreza motora (c. 54-60).
Manter a sonoridade nesta região acusticamente precária e apoiar os tem-
pos fortes do compasso é importante para trazer segurança rítmica para o
executante e, consequentemente, facilitar mudança simultânea dos acor-
des em trêmulos das cordas. Para tal, deve-se fazer uma boa respiração na
artigo

pausa do c. 57, antes de iniciar a próxima frase.


Após a repetição dos trilos descendentes em três compassos (Sib, Sol,
Mi), segue (c. 60-70), uma das partes mais difíceis para o solista, pois re-
quer precisão rítmica e destreza motora. É necessário manter este trecho
com dinâmica forte, quando no grave da clarineta, pois podem ser facil-
mente encoberto pelas cordas. Além disso, apoiar os tempos principais do
compasso ajuda no acompanhamento dos trêmulos pelas cordas.
O caráter mais sombrio deste movimento é sustentado pelas cordas
que realizam trêmulo medido em justaposição de terças e segundas, em di-
nâmica piano. Em anacruse, a semi-frase 2a começa no c. 63, pela clarineta,
com fragmentos do motivo gerador (intervalo de 6ª maior). No c. 65, a cla-
rineta toca uma linha melódica em tercinas construídas sobre terças des-
cendentes, enquanto as cordas, em tutti, executam semicolcheias em terças
descendentes. Ela continua este evento numa grande escala descendente
em semitons cromáticos até sua região grave, finalizando em um trilo.
O timbre delicado das cordas graves é ouvido a partir do c. 72, através
de solos realizados pelos violoncelos e viola, utilizando-se da semi-frase
3a transformada. Os violinos continuam a projetar o efeito de justaposi-
ção de segundas e terças, em sentido melódico contrário.
A partir do c. 77, a clarineta apresenta a semi-frase 4a com transfor-
mações em escalas descendentes de terças, escala cromáticas e trilos.
Os violinos em solo iniciam em tercinas a frase final desta variação, c.84,
acompanhado por figuras de semicolcheias em terças e segundas descen-
dentes, com uma variante da semi-frase 5a. Sem que a orquestra interrom-
pa a sequência das variações, um pianíssimo com molto crescendo em trê-
mulo prepara a entrada da próxima variação.
4.4 Terceira variação - movido

26
Movido, esta é a indicação do andamento desta terceira variação, distin-
guindo-se das variações anteriores. Ao ornamentar com apojaturas, Lacerda
camufla a presença dos fragmentos das semi-frases 1a e 2a, c. 91-92 e 99-100. No
início desta variação (c. 91-109), o instrumento solista desenvolve um diálogo
com a orquestra. Sua linha melódica demonstra um caráter jocoso e lúdico atra-
vés do uso de diferentes articulações e ornamentações. As articulações desta
variação são bem variadas: ligaduras, acentos, stacattos, pizzicatos e stacattos sob
ligadura. O compositor usa diversas ornamentações: apojaturas simples, apoja-
turas tripla e trilos. Estas ornamentações devem ser realizadas de maneira leve
e rápida, procurando apoiar as notas de tempo forte, o que facilitará a manuten-
ção da pulsação do andamento e o caráter movido, sem arrastar.
Na sequência, (c.110-128), o solista, em compasso 3/4, inicia uma frase sin-
copada com fragmentos da semi-frase 3a, com caráter cantante realizado na
região média e aguda da clarineta (c.110-116). Intercalando com o solista, os
primeiros e segundos violinos (c.114-127) dão continuidade à linha melódica,
tocando na região aguda, em dinâmica forte e brilhante. O solista se junta aos
violinos em uníssono para encerrar este segmento. Enquanto a linha melódi-
ca permanece em ternário simples, 3/4, o acompanhamento das cordas graves
alternam entre ternário simples e binário composto através do uso de semíni-
mas pontuadas no compasso 3/4.
No c. 128, enquanto a orquestra termina o segmento anterior, a clarineta ini-

artigo
cia um novo trecho (c.128-150) com a semi-frase 1a camuflada. Esse trecho fi-
naliza esta variação, tendo as mesmas características do segmento inicial (c.91-
109), contudo, concluindo com uma fermata longa sobre uma pausa geral.
4.5 Quarta variação - moderadamente lento
Em dinâmica pianissimo os celos e os segundos violinos iniciam esta va-
riação com um desenho rítmico de acompanhamento 3/4. No compasso se-
guinte, a viola inicia uma melodia de dezoito compassos (c.152-169). Este seg-
mento de caráter melodicamente sombrio é realizado pela orquestra em tom
menor, preparando a entrada do solista. A clarineta apresenta uma melodia
cantante e expressiva no registro agudo, na qual o compositor faz o uso de va-
riadas dinâmicas (p, pp, mf, crescendo, diminuendo) e expressões (poco affret,
poco rit, acce. a tempo), com cromatismos, ligaduras e acentos. É importante
evitar ataques agressivos no início destas ligaduras para não prejudicar o
caráter fluente e doce desta linha melódica.
O episódio seguinte (c. 181-184) inicia nas cordas graves duas sequências
cromáticas repetidas, mudando de ternário para quaternário. Esta variação
se encerra com o episódio dos compassos 189 a 201, com variadas mudanças
de compassos, onde a clarineta executa, sem dificuldades, uma melodia em
diminuendo e expressiva acompanhada pelas cordas, utilizando elementos da
semi-frase 4a e 4b.
4.6 Episódio - lento, misterioso
Sem interrupção, um pequeno episódio é iniciado pelos contrabaixos e
violoncelos em dinâmica pianíssimo, lento e misterioso. Este trecho é trabalha-
do como um recitativo. Nele, o compositor explora algumas possibilidades da
tessitura cantante e misteriosa nos registros garganta e médio do instrumen-
to, e utiliza fragmentos harmônicos das frases 1a, 1b e 2b. O grupo de seis notas
em movimento rápido e ligado (sextinas arpejadas), na região média do ins-
trumento, deve ser executado de forma semi-livre com articulação clara. As

27
cordas graves apenas acompanham em pianissimo, com indicação sequencial
de accel, rall, rit e a tempo. Sem nenhuma interrupção, os celos e contrabaixos
em escala ascendente cromática, executam tercinas em accel e stacatto, em di-
nâmica crescendo, para a entrada da última variação.
4.7 Quinta variação - rápida, alegre
Esta variação é iniciada com as cordas tocando em compasso 3/4 e em anda-
mento alegre e movimentado. O conteúdo desta seção constitui uma dosagem
de elementos repetidos e variados do material já apresentado. Nesta última va-
riação, as relações com o tema são mais identificáveis. Quanto ao aspecto tonal,
geralmente conserva o mesmo tom, com modulações passageiras.
A clarineta inicia a melodia em anacruse, no registro médio do instrumento
com sonoridade cantante, tocando as semi-frases 1a e 1b (c. 216-224). O solista
tem que realizar a cada frase uma respiração segura e precisa, para que o senti-
do melódico não seja cortado. As semi-frases 2a e 2b é apresentada pela clari-
neta (c. 224 a 236). Embora marcado mf, este trecho sincopado requer atenção
do solista, pois a melodia está na região grave do instrumento, de pouca sono-
ridade, podendo ser “coberto” pela orquestra (c.237-242). Ele é repetido mais
adiante na oitava superior (c.251-256). Depois de um longo trilo, ao realizar as
escalas descendentes (c. 260-277), é necessário manter uma sonoridade clara
e equilibrada entre os registros grave e agudo, para que a melodia se mantenha
fluente. Neste trecho estão presentes as semi-frases 4a e 4b.
artigo

Depois de cinco compassos de pausa com intervenção orquestral, o solista


tem uma das partes técnicas de maior dificuldade de execução, pois requer pre-
cisão rítmica e destreza motora, em terças descendentes (c. 283-291). No trecho
seguinte, volta a mesma dificuldade técnica para o clarinetista (c. 299-315 ).
No registro agudo da clarineta, com caráter brilhante, são realizadas expres-
sivamente as próximas frases que preparam o final desta variação (c.318-329).
A orquestra prepara a partir do c.238, em pedal harmônico (acorde de Si me-
nor com sétima), o final desta última variação. Inicia-se uma melodia no regis-
tro médio e grave da clarineta, culminando em uma escala de semicolcheias
ascendentes para a nota mi6 do instrumento, com dinâmica f e,em seguida,
todas as cordas realizam um trêmulo medido(c.339-349). Depois de uma pau-
sa geral de um compasso, o solista realiza em poco rit a última frase da obra,
com fragmentos da semi-frase 4b (c.351-357). O solista e orquestra, em f, tutti e
acentuado, finaliza a obra com a última nota desta semi-frase, mi bemol.
CONCLUSÃO
A construção de cada uma das variações está intimamente relacionada à
estrutura composicional da melodia básica, a modinha, Róseas Flores d’Alvo-
rada. Determinante na concepção da obra do compositor Osvaldo Lacerda, a
modinha escolhida possui grande amplitude, oferecendo vantagens no aspec-
to de variedade e liberdade para transformações. Ela oferece ao compositor a
possibilidade de alternar os contrastes e efeitos dos motivos, ou do motivo
temático gerador, em benefício da unidade. A vitalidade desta obra se traduz
por um gradual aumento da elaboração das variações. Podemos concluir que,
vital na composição moderna, o processo da variação foi realizado com maes-
tria pelo compositor Lacerda, dando uma valorosa contribuição para o reper-
tório clarinetístico brasileiro.

28
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mário. Modinhas Imperiais. São Paulo: Martins, 1980, p.13.
CAMPANHÃ, Odette F., TORQUIA Antônio. Música e Conjunto de Câ-
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dernos de Estudo: Análise Musical, nº2, São Paulo, Atravez, Abril, 1990,p. 73.
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TROVADOR. Coleção de Romances, Modinhas, Lundus. Rio de Janei-
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SIQUEIRA, Baptista. Modinhas do Passado. Rio de Janeiro: Folha Cario-
ca, 1979, p. 115.
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. São
Paulo: USP, 1991, p.201-203.
“Você transforma tudo, seja físico, mental ou
espiritual, em tensão muscular!”
F. M. Alexander

a
ta Convid
A Clarine Reinaldo Salvador Renzo

A Técnica Alexander,
A Clarineta Convida

Clarinetas e Clarinetistas
P rofessores da Técnica Alexander são procu-
rados para resolver problemas de descon-
forto e dores nas articulações, distonia focal,
tendinites, hérnias de disco, etc.
Geralmente, após algumas sessões do método, os
Da mesma forma, após uns tantos meses de ex-
perimentos e aprendizagem prática, aprendemos a
caminhar, caindo e levantando e, enfim, conquista-
mos a autonomia para andar, correr, nadar, fazer pi-
ruetas... e tocar clarineta!
problemas de ordem esqueleto-neuromuscular di- A imitação nesse processo é muito importante,
minuem, ou logo desaparecem, pois bons professo- mas pode vir a ser um problema.
res não tentam resolver um problema diretamente. Estabelecemos hábitos copiando os outros, ou
Ao contrário, conforme veremos, eles ajudam seus praticando qualquer coisa por tentativa e erro. Ao
alunos a mudarem o foco do problema particular mesmo tempo, assim, instituindo nosso “jeito de
para se conscientizarem de seu organismo integral, ser”, desperdiçando tempo, energia e maltratando
que é o instrumento que utilizamos para fazermos o corpo. Esses hábitos passam a comandar nossas
tudo o que fazemos. ações e, mais cedo ou mais tarde, sofremos por não
Boa parte dos músicos brasileiros reconhece os conseguirmos mais resolver nossas dificuldades
benefícios que a Técnica Alexander oferece para o para tocar, pois “o corpo não nos obedece mais”.
instrumentista e o fazer musical. Ela é muito fácil de O fato é que ninguém nunca nos ensinou como
aprender, porém não tão fácil de ser explicada por nosso organismo funciona.
palavras. Nada substitui uma aula prática do méto- Você, por acaso, já considerou que mente e corpo
do. Todavia, começando a entender que somos um compõem uma unidade e, que como tal, funcionam
instrumento para viver talvez facilite. como um todo e não partes de um organismo?
Você, clarinetista, é um instrumento que toca A maioria dos musicistas sofre de dores, específi-
uma clarineta e, que para isso, teve de observar al- cas ou generalizadas, como fadiga muscular, dificul-
guém tocar a clarineta, ou ter aulas com um profes- dade em controlar o nervosismo antes e durante as
sor, para aprender que a clarineta se apoia na mão performances, etc. Excesso de tensão na embocadu-
direita, que os dedos das mãos têm de pressionar ra, tensão para segurar a clarineta, dificuldade na di-
chaves e buracos, e que para produzir sons, você tem gitação (pressão inadequada), dinâmica e expressão
de fazer movimentos com os braços, lábios, língua e do sopro, dificuldades com a respiração, movimen-
deixar o tórax respirar. tos restritos, devido ao desequilíbrio, e dores em ge-
Contudo, na melhor das hipóteses, todos nós, ral são algumas das dificuldades específicas comuns
enquanto instrumentos de viver, aprendemos, na- aos clarinetistas.
tural e instintivamente, a usar nosso corpo sozinhos. Contudo, dificuldades de movimentos por ex-
Ao nascer, por exemplo, se as condições tiverem cesso de tensão, seja na boca, na cabeça, nos ombros,
sido corretas, para satisfazermos a fome, através do no pescoço, nos quadris, nas pernas, nos braços, nos
olfato, sentimos o cheiro do leite materno e giramos a pés ou nas mãos, não são prerrogativas dos músicos.
cabeça sobre o pescoço para sugar, com a boca, o seio. Elas são dificuldades típicas de qualquer pessoa, de-

30
vido também, à maneira inconsciente com a qual usa- vestigar e a partir dessa aula, quando descobrimos
mos e organizamos o equilíbrio de nosso organismo. que a origem da rigidez no punho estava numa ati-
Quando identificamos algum problema, como tude mental inconsciente, de “fixar” o dedo mínimo,
a falta de agilidade na língua para um staccato, por seus sintomas começaram a aliviar.
exemplo, nunca consideramos que o problema não Note que a solução se apresentou não sob um co-
seja na língua mas sim devido à uma tensão desne- mando direto para “tratar, ou resolver, o que estava
cessária na nuca, no tórax ou ainda nas pernas. Tal- errado” no punho onde ele sentia a dor!
vez por ansiedade, que, por sua vez também interfe- A mente não é o cérebro.
re no pescoço – e na língua – e, por conseguinte, na O cérebro é um órgão e é de sua porção mais jo-
respiração. vem, o córtex que, voluntária ou involuntariamente
Se quisermos diminuir a frequência das dores e acontecem o planejamento e os comandos para o
não perder energia e tempo com tentativas e erros, movimento. O equilíbrio necessário para movimen-
precisamos agilizar nossa mente para aprender a tos eficientes e harmoniosos é orquestrado por uma
observar, e ao mesmo tempo agir, sentindo o corpo, parte mais primitiva do cérebro, o cerebelo, que uti-
desenvolvendo a capacidade que Alexander cha- lizando reflexos, o faz de maneira INVOLUNTÁRIA.
mou de controle consciente. John Dewey, educador Portanto, apesar do córtex poder comandar volun-
e filósofo americano, também aluno de Alexander, tariamente os movimentos, suas ações acontecem
chamou isso de Pensar Em Atividade. reflexa e livremente.
O controle consciente, porém, não é o controle Porém é na mente – consciente e inconsciente –
dos músculos e dos movimentos ditando o que o que a capacidade da percepção e escolha se origina.
corpo tem de fazer. Conforme arriscou um aluno sa- Com a Técnica Alexander, percebemos primeiro as

A Clarineta Convida
xofonista, o controle consciente significa estar cons- necessidades reais do corpo, escolhemos não inter-
ciente do controle que faz o corpo funcionar. Esta ati- ferir com os mecanismos instintivos do controle do
tude nos ajuda muito a reconhecer as interferências equilíbrio e da postura, enquanto percebemos os
desnecessárias que atrapalham o melhor funciona- movimentos se tornarem mais leves e eficientes.
mento do corpo.
Vale a pena considerar que a comunicação para “. Esse tipo de atitude torna a Técnica Ale-
o controle dos movimentos se dá subconsciente e xander uma disciplina para a autoeducação e
constantemente, todavia, nossa mente pode obser- autoconhecimento, um mode trivial de prati-
var essas interferências. Elas são respostas que da- car a expansão da consciência.”
mos aos estímulos recebidos, sejam eles externos ou “Essa história de percepção, inteligência
internos, provenientes de nossos desejos, hábitos e e persistência mostrada por um homem sem
crenças, e é graças a essas respostas que o corpo ex- formação médica é um dos verdadeiros épicos
pressa seus movimentos. da pesquisa e prática médicas.”
Com a Técnica Alexander aprendemos conscien-
temente a reconhecer as informações provenientes Nikolaas Tinbergen
do corpo, inclusive as interferências desnecessárias Prêmio Nobel de Medicina, 1973,
que produzimos como respostas, e aguardamos até
que projetemos novas atitudes durante a ação.
aluno da técnica
Esses fundamentos do método podem mudar
Alguns clarinetistas atribuem suas dores e seus
nossa condição psicofísica, proporcionando menor
desconfortos musculares ao peso do instrumento.
gasto de energia e maior eficiência nos movimentos.
Eles acham, porque assim o sentem, que é difícil
Assim, educação e saúde se unem, conforme as
“segurá-lo” por tanto tempo. Mal sabem que é na
seguintes ilustrações.
palavra segurar que reside o problema, e ao mesmo
Um aluno chega reclamando de uma tendinite
tempo a solução, dessa e de tantas outras questões.
no punho direito. A tendinite é resultado de algum
Segurar significa não deixar que o fluxo se expres-
esforço (tensão) desnecessário. Ele acreditava que
se. Assim, a intenção de segurar a clarineta não só
para aumentar a agilidade de frases longas de semi-
dificulta o movimento dos dedos como também dos
colcheias, tinha de “manter a postos” o dedo míni-
braços que, por sua vez, , ao mesmo tempo, restrigem
mo direito próximo às chaves que aciona, não per-
a mobilidade torácica e uma respiração livre e fluida.
mitindo que ele retornasse à condição de repouso
Contudo, considerar que a clarineta não precisa
integrado à mão, punho e braço, equilibrando-o com
ser segurada, e sim apoiada, não só no polegar mas
o resto do corpo, mesmo nos instantes em que estas
também pelo corpo inteiro, pode contribuir muito
chaves não tinham de ser pressionadas.
para que instintivamente, a musculatura se organi-
Como Alexander, que, durante suas pesquisas
ze e distribua as forças do peso do instrumento para
para se livrar da rouquidão, acreditava que tinha de
todos os ossos do corpo. Desta maneira as ações de
tensionar o pescoço para falar alto e atingir o fundo da
dedos, braços e da respiração ficam livres para pro-
plateia, esse aluno acreditava que deveria movimen-
duzirem um melhor som. Como bônus, tocar fica
tar o mindinho o menos possível, para “economizar
mais prazeroso. Isto pode ser muito facilmente de-
tempo”. Isso impedia que o fluxo do movimento do
monstrado com a ajuda de um professor da Técnica
corpo se estendesse, através do braço e da mão, para o
Alexander.
dedo, e de volta ao pescoço, provocando dor.
Contudo, a tendinite foi um alerta para ele se in-

31
“A prática da Técnica Alexander fa- Ela estava ao mesmo tempo observan-
vorece o estudo técnico do instrumento. do a clarineta e a si mesma, enquanto a bo-
Cada vez que me lembro de pensar con- quilha já estava a um centímetro dos seus
forme praticado nas aulas da Técnica, o lábios.
estudo fica mais leve e produtivo. Com o Permiti então que tocasse, comigo ain-
acréscimo de torná-lo mais divertido!” da segurando o instrumento. Enquanto
ela tocava, ainda mantendo sua auto
-observação, permiti que ela deixasse os
Victor Sandoval Alva braços levarem suas mãos na posição de
clarinetista, aluno da técnica apoiar a clarineta, “mas sem segurá-la”.
Aí eu fui soltando o peso do instrumen-
to em suas mãos. Ela ficou muito sur-
O depoimento do clarinetista Ovanir Buosi, so- presa ao perceber que eu já não estava
bre uma experiência que teve com uma clarinetista mais sustentando o instrumento e por
à época de seu curso de formação como professor da sentir ‘um agradável estranhamento’.
Técnica Alexander, ilustra isso muito bem: Perguntei-lhe se tinha percebido alguma
mudança em relação ao som. Ela disse que
percebera uma melhora considerável na
“... ela veio até mim para uma aula
A Clarineta Convida

qualidade e no volume, mas que ‘não sabia


particular de clarineta por indicação do
como aquilo tinha acontecido’.
seu próprio professor, que conhecia meu
Pequenos experimentos, de manei-
trabalho. Ela estava bem nervosa e ansiosa
ra indireta como este, contribuem muito
no início da aula. Lembro dela ter tocado a
para um melhor qualidade sonora.”
exposição do concerto de Mozart para cla-
rineta e orquestra.
O procedimento simples e indireto utilizado por
Pedi que ela tocasse mais uma vez. Ovanir, através de uma “condição” de vantagem me-
O nervosismo inicial havia amenizado. cânica, proporcionou à aluna uma experiência de
Propus-lhe alguns “experimentos” rela- funcionamento mais equilibrado. Sua atitude cons-
cionados à sua emissão, que se mostrara ciente , automaticamente, equilibrou os músculos de
bastante forçada e ofegante, dificuldades estabilização permitindo que os músculos motores
tocassem livremente. Porque Ovanir percebeu que
anunciadas no início da aula. Não falei ela sentia que seus braços tinham que tensionar para
diretamente sobre respiração ou métodos pegar o instrumento, ele indiretamente propiciou que
respiratórios. Apenas pedi que ela tocas- ela vivenciasse uma nova apreciação sensorial que pas-
se alguns sons (sol aberto, mi grave...). Aí sou a fazer parte de seu repertório motor, agora dispo-
propus que ela me deixasse segurar seu nível para ela.
instrumento enquanto ela tocava. “Cons-
cientemente” eu estava interessado em fazê
-la refrear alguns dos seus hábitos ligados “...pensadores neste campo jamais de-
à maneira de segurar o instrumento e a senvolveram uma técnica para trazer o
preparação para soprar. Queria dar-lhe material sensorial sob um controle útil e
uma nova experiência sensorial. Pedia que definido.... Seu campo correto para apli-
se afastasse da clarineta e que, se pudesse, cação é com as crianças, com as gerações
desistisse da ideia de tocar, enquanto ob- futuras, para que elas talvez venham a
servasse os músculos dos ombros, braços possuir, o mais cedo possível na vida, um
e mãos, que são diretamente envolvidos padrão correto da apreciação sensorial e
na sustentação do instrumento. Então pe- do autojulgamento.”
di-lhe que caminhasse em direção ao ins-
John Dewey
trumento, que eu continuava a segurar
educador e filósofo estadunidense
na mesma posição. Quando ela já estava
próxima ao instrumento, pedi que paras-
se, pois percebi que seus braços, dedos e co- RECONQUISTANDO A CONDIÇÃO MECANICA-
tovelos tinham a “necessidade”, fazendo a MENTE VANTAJOSA
menção, de pegar a clarineta. Mais uma
vez, sugeri que desistisse desta ideia. A mais divulgada prática da Técnica Alexander é
a posição de deitar em semi-supina, uma condição

32
A Clarineta Convida
de vantagem mecânica. Podemos chamá-la também No decorrer dos anos futuros aprendi
de repouso ativo, onde a mente ativa percebe o es- muito nas aulas particulares de Técnica
queleto em repouso enquanto toda a musculatura Alexander, imprescindíveis para ter uma
volta ao seu tônus natural. Embora isso relaxe, seu noção real do que se trata esta prática. No
objetivo não é o relaxamento.
entanto a semi-supina é uma ferramenta
Ilustro abaixo a maneira como um de nossos alu- ao alcance de todos e que pode trazer mui-
nos pratica esse procedimento. tos benefícios para os clarinetistas. Ou
Para Giuliano Rosas, o repouso ativo o ajudou quem quer que seja.”
muito, mesmo antes de ter tido aulas da Técnica
Alexander.
Experimente!
“... tive a oportunidade de entrar em
contato com a prática da semi-supina Nesta posição, experimente desejar seu pescoço
através de uma colega de faculdade que me solto para deixar a cabeça livremente apoiada sobre
alguns livros. Porém, o maior apoio está sobre a colu-
explicou superficialmente como seria. Nes- na, e não sobre os livros.
sa época, experimentava uma tensão gene- Continue desejando o pescoço solto ao longo da
ralizada e tinha bastante dores pelo corpo, coluna vertebral, entre a cabeça e a pélvis e se espa-
principalmente costas e pescoço; também lhando até as mãos e os pés.
tinha uma dor de garganta intermitente e Desta maneira, você pode perceber que todas as
um ronco que me atrapalhava bastante o partes do corpo, que estão diretamente apoiadas so-
bre o chão, são necessária e naturalmente, direciona-
sono.
das, de volta para o teto, para cima, respondendo aos
Na minha ignorância sobre os conceitos efeitos gratuitos da 3ª Lei, da Ação e Reação, de Isaac
da técnica, comecei a deitar frequentemen- Newton!
te, conforme as instruções dessa colega. Não há necessidade de fazer esforço físico para
Era um dos melhores momentos do dia, que uma lei se imponha. Portanto, não tente “fazê
me deitava e esperava que algo acontecesse, -lo”. Simplesmente deseje o pescoço solto e perceba
ficava ali por 20 minutos, que ao final tra- o equilíbrio dinâmico dos joelhos.
O equilíbrio da estrutura óssea desta maneira é a
ziam um alívio momentâneo.
condição mecânica da posição que promove um me-
Não acredito que seja coincidência, lhor tônus muscular!
mas a dor de garganta e o ronco foram
melhorando até que eventualmente desa- TÉCNICA ALEXANDER OU UM MÉTODO RESPI-
pareceram. RATÓRIO?

33
não importa como obtemos algo, o importante é
Originalmente a Técnica Alexander foi chama- consegui-lo.
da de Novo Método de Reeducação Respiratória. Para Em contrapartida, a jornada com “Os meios justi-
entender melhor este útil e importante assunto, o ficam os fins” utilizando a inibição de respostas habi-
da respiração, segue um breve histórico da Técnica tuais, com a direção consciente do controle primordial,
Alexander e alguns de seus princípios fundamentais. significa que a jornada já é a qualidade do resultado.

“Eu não alego ter descoberto algum “Os preconceitos e hábitos de pensa-
novo método respiratório, mas de ter com- mento são os primeiros obstáculos (senão
preendido o único verdadeiro: o da Natu- os únicos) para o ensino do controle cons-
reza!” ciente.”
F. M. Alexander F. M. Alexander

No final do século XIX o ator Frederick Matthias


Alexander ficava rouco e seus médicos não conse- RESPIRAÇÃO E CONTROLE PRIMORDIAL
guiam ajudá-lo. Seu problema, acreditava ele, ocor-
ria sempre durante suas apresentações. Mas, com O controle primordial não é uma invenção de Ale-
ajuda de espelhos, Alexander se certificou de que era xander. Ele é um aspecto fisiológico, comportamen-
A Clarineta Convida

o que ele estava fazendo no palco que causava seu pro- tal, fruto da nossa evolução, compartilhado com to-
blema. Alterando a posição, do que ele mais tarde dos os vertebrados, que rege e tem o poder de alterar
chamou controle primordial, a relação entre a cabeça, a qualidade e o funcionamento de todos e quaisquer
o pescoço e o tórax, Alexander descobriu seu padrão movimentos que fazemos.
inconsciente de funcionar. Sabemos que é na região do controle primordial
Durante meses de pesquisa sobre si próprio, que estão localizados a mandíbula, a língua, a laringe,
Alexander constatou que o organismo funciona de a faringe, a traqueia e os pulmões, os órgãos da fona-
forma integrada e que o funcionamento desse orga- ção, os mesmos utilizados para o sopro.
nismo depende da maneira como o seu controle pri- Em O Uso de Si Mesmo, o terceiro livro de Alexan-
mordial é usado. der, escrito em 1931, o autor descreve minuciosamen-
Assim, ele concluiu que a única maneira de alte- te como desenvolveu seu método. Ele sugere que a
rar seu padrão, seria parar de fazer o que ele estava qualidade de fazermos tudo o que fazemos, inclusive
fazendo “de errado” com a cabeça, o pescoço e o respirar, depende de como usamos nosso controle
tronco. primordial, onde nossos hábitos físicos, psíquicos e
mentais se concentram.
INIBIÇÃO Fala-se muito em cadeias musculares e muito
pouco sobre as cadeias mentais!
“Grande parte de nossos probemas de “Respiradores profissionais”, como músicos de
saúde advêm do USO inconsciente que fa- instrumentos de sopro e cantores, consideram como
zemos de nós mesmos.” “apoio” alguma maneira, ilusória, de controlar as ten-
F. M. Alexander sões de um músculo ou de um pequeno grupo de músculos.
Esse controle promove tensões desnecessárias e, por-
Alexander defende que a grande maioria dos pro- tanto, prejudiciais.
blemas físicos advém do mau uso que fazemos do Expressões como treinar uma respiração diafrag-
corpo. Esta constatação oferece um ponto de vista mática (como se existisse outro tipo de respiração),
muito diferente da maioria das abordagens terapêu- abdominal (como se os pulmões se localizassem no
ticas e educacionais vigentes. abdome), ou mesmo como praticamos, com um vago
Nós criamos as condições para sermos saudáveis conceito, o “apoio”, são, do ponto de vista fisiológico,
ou doentes! variações de diferentes interferências desnecessárias.
Ao invés de nos sentirmos culpados com esta O diafragma inicia a inspiração estimulado pelo
constatação, podemos utilizá-la como fonte de em- nervo frênico.
poderamento. As dores, portanto, são nossas alia- Este é o único nervo controlando o diafragma. Ele
das, pois nos informam que algo está errado. Com faz parte do sistema nervoso autônomo e, por isso, é
elas aprendemos a percorrer novos meios de autoco- impossível de ser controlado diretamente!
nhecimento, aumentando a possibilidade de solu-
cionarmos nossos próprios problemas. “Você pode muito bem tentar fazer com
que seu coração pare de bater ou que seus
OS MEIOS PELOS QUAIS pulmões parem de respirar...
Este princípio alexanderiano, o dos meios pelos Mas com que finalidade você faria isso?
quais fazemos qualquer coisa, pode ser ilustrado com
dois ditados da cultura popular que se confundem:
“Os fins justificam os meios!” Com esses meios, Yongey Mingyur Rinpoche

34
O diafragma está localizado entre as duas cavi- cer para entrar no instrumento. Seus problemas
dades do tronco, a torácica e a abdominal, que, por residem na maneira como o clarinetista, enquanto
sua vez, são apoiadas sobre a pélvis e pela muscu- “instrumento”, usa o seu organismo psicofísico.
latura do torso. Uma de suas funções é integrar o Ele precisa estar apto a reconhecer e decidir, res-
tronco. Ignorantemente, contraímos a musculatu- pondendo apropriadamente, às exigências técni-
ra do tronco para nos dar a sensação de que estamos cas ensinadas pelos diversos professores encontra-
controlando o diafragma. Mas os movimentos do dos ao longo de sua formação.
diafragma não são isolados, eles têm a colaboração Saliento também que, apesar de trabalharmos
de muitos outros músculos. A rigor, dos de todo o com o corpo, a Técnica Alexander não é um traba-
corpo. lho corporal que ensina boa postura. Ela é um tra-
A respiração funciona mecanicamente, de ma- balho sobre o sistema nervoso que integra todo o
neira colaborativa, obedecendo às ações – contra- organismo. Tampouco ensinamos nossos alunos a
ção e relaxamento – dos músculos do tronco, fun- fazerem alguma coisa “correta”. Muito pelo contrá-
damentalmente do tórax, para que o diafragma se rio. É a partir do não fazer que estimulamos nossos
contraia na inspiração. Nós podemos inibir tempo- alunos a reconhecer como eles podem lidar melhor
rariamente que a inspiração ocorra, mas não con- com sua habilidade de reagir aos estímulos da vida
trola-la. Por outro, lado o relaxamento do diafrág- diária, proporcionando um melhor funcionamento
ma para a expiração, pode ser melhor controlado corporal, inclusive, enquanto fazem música.
pela observação de como podemos não interferir
com nossos hábitos aprendidos. FICA A DICA:

A Clarineta Convida
Assim, com o fluxo voluntário e ininterrupto da Hoje à noite tente perceber como você está na cama.
mente pensante, não há a menor necessidade de Sinta seu corpo confortável, deitado no escuro, pronto
criarmos tensão extra ao redor do abdome, da tra- para dormir e descansar depois de um dia atribulado.
queia, do nariz ou da boca para obter uma boa res- Você carrega consigo a tensão do dia para a cama? Ou
piração. Essa respiração é, fruto de ações corporais se abre para sentir como o seu organismo está funcio-
livres dos hábitos, matéria prima para nossa reedu- nando naquele momento?
cação. Talvez, por vício, você pegue o celular para conferir os
Apoio, portanto, seria o controle do aprumo do posts mais recentes... Isto lhe causa tensão, altera seu
esqueleto, com a intenção de equilibrarmos a cabe- estado?
ça livremente sobre a coluna para que as ações dos
músculos envolvidos na respiração, façam somen- Depois de conferi-los, tente novamente sentir seu cor-
te os esforços que têm de ser feitos para, no caso po, repare no movimento da respiração, sem interferir
dos músicos, a melhor eficiência e expressividade nela, e tenha uma boa noite de sono!
da obra. No dia seguinte você acordará mais alta!

Reinaldo Salvador Renzo – saiba mais


CONCLUSÃO Professor de Técnica Alexander (Inglaterra | 1995)
Membro das associações britânica – STAT – e brasilei-
“O esforço e a tensão desnecessária ra – ABTA
não têm de fazer parte de seu cotidiano! Diretor da primeira Escola Brasileira de Formação de
Professores da Técnica Alexander: Pensar Em Ativida-
Comprovada abordagem para o cuidado de
pessoal, a Técnica Alexander nos ensina reinaldo@pensarematividade.net
a desaprender padrões habituais que cau- Técnica Alexander: Pensar Em Atividade:Técnica
sam tensões desnecessárias em tudo o que
fazemos. Ela é usada por pessoas de todas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
as idades para melhorar o desempenho de
Todos os livros de F. M. Alexander
qualquer atividade, melhorar a postura e
aliviar dores e estresses causados pelo mal A Suprema Herança do Homem, 1910 (1ª edição
-uso diário do corpo.” brasileira em 2014). Pólen Editorial – Selo Ascender
British Medical Journal
Constructive Conscious Control of the Indivi-
dual, 1923. Mouritz
Conforme os exemplos ilustrados ao longo do
texto, gostaria de reforçar que os problemas de Uso de Si Mesmo, 1932 (2ª edição brasileira em
saúde dos clarinetistas não residem na forma do 2010). WMF Martins Fontes
instrumento, no seu peso ou posição; na distância
entre os dedos para certos intervalos, na disposição Universal Constant in Living, 1953. Mouritz
das chaves, da boquilha, das palhetas; nem mesmo
na altura das cadeiras, ou de sua localização na or- Articles and Lectures, coletânea de 2000
questra. Muito menos na força que o ar tem de ven- Mouritz

35
O Encontro
de Claronistas
e Clarinetistas
em Poços de Caldas
em 2017
e a Reorganização
da ABCL
Texto: Luis Afonso Montanha e Diogo Maia
Fotos: Rafaela Lopes

36
Ensaio geral para apresentação do Coral
de Clarinetes e Clarones do Encontro
com regência do Prof. Henri Bok.

37
Matéria de Capa

E m nossa primeira edição da revista Clari-


neta em junho de 2016, a matéria da capa
focou a comemoração dos vinte anos de
encontros de clarinetistas no Brasil, sendo o pri-
meiro realizado em 1996, em Brasília. Nessa mes-
análise das nossas atividades e seus resultados, por
meio do confronto das nossas convicções, já que
só assim evoluímos na direção de uma classe de
instrumentistas mais unida na sua diversidade.

ma matéria também analisamos os encontros do Por conta de diversos fatores, nosso fazer musi-
biênio 14/15: Festival Internacional de Clarinetistas cal enquanto indivíduos é o resultado muitas vezes
do Rio de Janeiro (FICRJ), Simpósio para Clarine- de pensamentos e táticas diferentes. Nesse senti-
tistas USP, I Encontro Brasileiro de Claronistas - do, acreditamos que somente a constante reflexão
Poços de Caldas-MG, Encontro de Clarinetistas de da nossa situação como classe proporcionam novas
Brasília, II Simpósio para Clarinetistas Unesp-SP, I possibilidades de caminhos para o aprimoramen-
Encontro Internacional de Clarinetistas de Belém, to técnico e artístico de nossa atividade. Além dis-
I Encontro Paraibano de Clarinetistas e o II Encon- so, essa reflexão em conjunto é fundamental para
tro Brasileiro de Claronistas- Maceió-AL. aprofundar nossas compreensões sociopolíticas,
facilitando e simplificando o entendimento de inú-
Por meio dessa análise, percebemos a multi- meras questões sobre essa arte e sua participação
plicação dos encontros em nosso país, a intenção na sociedade.
dos organizadores em explorar as especificidades
do instrumento no Brasil e, consequentemente, o Os encontros são mecanismos que propiciam
compartilhamento dos saberes desta arte. essa alquimia, sobre o que e como estamos fazendo;
eles nos oferecem possibilidades de reajustes nos
Nos encontros, temos a oportunidade de criar aspectos estéticos e sensoriais para o tão necessá-
momentos de diálogos e reflexão sobre diversos rio aprimoramento das questões importantes para
aspectos, indo desde questões puramente musi- a vida pessoal e profissional. E com essa mesma
cais e técnicas até como o nosso fazer musical está intenção de possibilitar mais momentos de refle-
sendo influenciado pelas questões sociopolíticas xões, a Revista Clarineta em parceria com o Festi-
e qual será nosso futuro na sociedade. Assim, tal- val Música nas Montanhas-Poços de Caldas-MG,
vez, consigamos o mais importante nesses encon- realizou em Janeiro deste ano o 11° Encontro Brasi-
tros, uma profunda autoanálise para todos os par- leiro de Clarinetistas e o 3° Encontro Brasileiro de
ticipantes. É nesse momento que realizamos uma Claronistas.

38
Matéria de Capa
Na página ao lado, palestra com
prof. Luis Afonso Montanha e Bru-
no Avoglia. Acima, palestra sobre
clarinetas históricas com a profa.
Mônica Lucas. Ao lado, aula com
prof. Hugo Queirós, de Portugal.

39
Matéria de Capa

O ENCONTRO DE CLARINETISTAS E CLA- (Prof. Mario Marques, Prof. André Loves e Prof.
RONISTAS EM POÇOS DE CALDAS 2017 Diogo Maia, Prof. Ney Franco), Harlequim de K.
Stockhausen: estratégias de aprendizagem para per-
Foram quatro dias de intensa programação, formance (Prof. Paula Pires), Clarinetas históricas
em que tivemos a oportunidade de assistir apre- (Prof. Dr. Joel Barbosa e Prof. Dra. Mônica Lucas),
sentações dos grupos: Otavio Quartier e Quarteto Entendendo Penderecki: Neo-romantismo através de
Araçá, Claronada RJ, Viajando pelo Brasil, Torcendo suas obras para clarineta (Prof. Thiago Ancelmo),
o Dedo, Quarteto Nikity, Sujeito a Guincho, Mamute Processos da reelaboração: um diálogo entre perfor-
Moderno, Duo Clarones, Sopros de PE e a Orquestra mance e texto (Prof. Bruno Avoglia e Prof. Dr. Luís
Potiguar de Clarinetas. Através dos Recitais de Câ- Afonso Montanha).
mara foi possível conhecer os trabalhos pessoais
de clarinetistas e claronistas ativos na cena musi- No último dia foi realizada uma mesa redonda
cal brasileira, como Daniel Oliveira, Diogo Maia, em que se discutiu Palhetas, esse item essencial
Camila Barrientos, Flávio Ferreira, José Batista Jr., em nossa rotina profissional. As discussões foram
Marcus Julius Lander, Alexandre Silva, Ney Franco, conduzidas pelo Prof. Sérgio Burgani, Prof. Edmil-
Alexandre Ribeiro, Thiago Ancelmo, Alphonsos son Nery, Prof. Dr. Joel Barbosa e Prof. José Batista
Silveira, Paulo Passos, Sérgio Albach, Mário Mar- Jr. Além disso, foram oferecidas aulas individuais
ques, Jairo Wilkens e Anderson Alves. Além deles, de instrumento (incluindo requinta, clarone, ins-
o encontro contou ainda com a participação espe- trumentos de época e uma oficina popular) minis-
cial de três convidados internacionais, sendo Hugo tradas pelos professores do encontro, totalizando
Queirós e Márcio Pereira, de Portugal, e Henri Bok vinte e uma aulas, em três dias. E, finalmente, vi-
da Holanda. sando estimular jovens instrumentistas, o encon-
tro ofereceu o II Concurso Henri Bok para Claro-
Na parte didática, foram oferecidas palestras nistas, com a organização de Thiago Tavares e do
sobre diversos tópicos relacionados ao clarinete próprio Henri Bok, tendo como vencedor o claro-
e ao clarone, ministradas por professores e pro- nista Jussan Cluxnei.
fissionais conceituados, atuantes na academia e
fora dela: Clarinetas ancestrais ou primordiais (prof. O evento contou com mais de 130 participan-
Maurício Carneiro), Improviso e processos criativos tes, dentre alunos, professores, colaboradores,
(Prof. Alexandre Ribeiro, Prof. Sérgio Albach e Prof. organizadores, coordenadores e expositores. E no
João Paulo Araújo), Técnicas de respiração para ins- encerramento houve uma apresentação de um co-
trumentistas de sopros (Prof. Marta Vidigal), O cla- ral instrumental, sob regência de Henri Bok, com
rone na orquestra: no ambiente sinfônico e operístico os clarinetistas e claronistas do evento.

40
Matéria de Capa

Na página ao lado, Recital com Daniel Oliveira, Camila Barrientos e Diogo


Maia. Nesta página, Sujeito a Guincho com Alexandre Ribeiro. Logo abaixo,
Claronada RJ coordenada pelo prof. Cristiano Alves. À esquerda, membros
da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais: Ney Franco, Alexandre Silva e Mar-
cus Julius Lander. Acima, Viajando pelo Brasil, de São Paulo.

41
Matéria de Capa

Foto: Sandra Ferraz.

Afora toda essa programação artístico-pedagó- foi realizada a primeira reunião para a funda-
gica oferecida aos alunos e à comunidade, o encon- ção da Associação Brasileira de Clarinetis-
tro foi exitoso por trazer novamente à tona a neces- tas (ABCL). Na reunião apresentou-se uma
sidade de união e fortalecimento da nossa classe minuta de estatuto para votação, seguida de
profissional. Assim, dois eventos institucionais leitura, discussão e aprovação dos parágra-
marcaram o fim de semana de atividades: o lança- fos do estatuto estendendo-se às 11:00 horas
mento do segundo volume da Revista Clarineta e a (FREIRE, 1996).
reestruturação e a retomada das atividades oficiais
da Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL. No dia seguinte, foi realizada uma votação para
a composição da diretoria:
O lançamento do segundo volume da Revista
Clarineta demonstra a dedicação e o empenho dos No início da tarde foi realizada a eleição
envolvidos na produção desse importante veícu- da Diretoria da ABCL e representantes es-
lo de comunicação dos clarinetistas. A revista é taduais. Foi apresentada uma chapa única,
aberta a todos que queiram submeter seus artigos, eleita por unanimidade e aclamação. Presi-
sejam científicos ou de cunho opinativo, além de dente: Ricardo Dourado Freire, vice-Presi-
publicar matérias especiais desenvolvidas pelos dente: Luiz Gonzaga Carneiro, 1º tesoureiro:
editores, o que proporciona um ambiente demo- Manoel de Carvalho, 2º tesoureiro: Ilka Gon-
crático de troca de informações e saberes, pesqui- çalves do Nascimento, 1º secretário: Reinal-
sas e novidades comerciais – essas apresentadas do Pinto e 2º secretário: Fernando Machado.
pelos patrocinadores e apoiadores. Foi eleito o conselho fiscal formado por José
Nogueira Aguiar Jr., Maurício Loureiro, Luiz
A ABCL Nivaldo Orsi Filho e José Alessandro G. Silva.
A seguir foram escolhidos os representantes
O outro evento realizado, de extrema im- estaduais, sendo um diretor e dois secretá-
portância para todos nós, foi a reestruturação rios. Foi eleito como presidente honorário
da diretoria da Associação Brasileira de Clarine- o Prof. Jayoleno Santos, por sua atuação
tistas – ABCL, criada em 1996 sob a coordenação decisiva na formação de clarinetistas brasi-
do Prof. Dr. Ricardo Freire no primeiro Encontro leiros como professor, músico fundador da
Brasileiro de Clarinetistas. Naquela época, houve Orquestra Sinfônica Brasileira e divulgador
uma primeira reunião (no dia 26 de abril de 1996) da clarineta. Em seguida foi escrita a ata de
dentro desse encontro, para a fundação da ABCL. fundação da ABCL, lida e assinada por todos
No segundo dia [26 de abril], pela manhã, os presentes (Ibidem).

42
Na página ao lado, participantes do I Encontro da ABCL em 1996
tocando no encerramento do evento, no ParkShopping, Brasí-
lia. Nota-se a presença do saudoso professor Gonzaguinha, Luiz
Gonzaga Carneiro, quarto da direita para a esquerda. Acima, Jus-
san Cluxnei recebendo o prêmio de primeiro colocado no II Con-
curso Henri Bok para Claronistas das mãos do próprio. À direita e
acima, aula com o prof. Sérgio Burgani, em seguida, aula de clari-
neta clássica com o prof. Joel Barbosa.

O prof. Dr. Ricardo Freire nos relata como se A ideia cresceu rápido e teve adesão de muitas pes-
deu a fundação da ABCL naquela época: soas. Eu chamei o [Luiz] Gonzaga [Carneiro], alunos
da UnB, clarinetistas da Orquestra do Teatro Nacio-
Durante a década de 90 foram fundadas várias nal, das bandas e começamos a enviar cartas e telefo-
associações de instrumentistas quase ao mesmo tem- nar para as pessoas. Eu já havia convidado a minha
po. Foi criada a Associação de Trompetistas (1990), professora dos EUA, Elsa Verdehr, que viria para to-
Flautistas (1994), Trombonistas (1995) e Clarinetis- car na Casa Thomas Jefferson e consegui apoio para
tas (1996). Anteriormente, a Associação de Pós-Gra- realizar mais dois concertos. Depois foram convida-
duação em Música (1988) e a Associação Brasileira de dos o Sérgio Burgani, José Botelho, Paulo Sérgio San-
Educação Musical (1991) já haviam sido fundadas e tos e o Maurício Loureiro.
estavam atuantes na organização do ambiente musical.
Todo o processo foi feito baseado no entusiasmo
Considero que o intercâmbio de vários músicos nos e sem preocupação com as dificuldades. Na verdade,
EUA demonstrou o poder de mobilização das associa- tivemos muita sorte e boa vontade das pessoas que vie-
ções e, quando eu retornei ao Brasil, em 1995, eu estava ram para participar e iniciar a Associação. Eu fiquei
muito impressionado pela atuação da International surpreso com os 70 participantes no evento e o envol-
Clarinet Association e, principalmente, pelas publica- vimento e boa vontade das pessoas. O evento funcio-
ções na revista “The Clarinet”. Eu presenciei a realiza- nou e depois continuou porque as pessoas desejavam
ção do Primeiro encontro da Associação de Trombo- participar de um evento de clarinetistas e as coisas
nistas aqui em Brasília e vi que era possível organizar aconteceram na hora certa.
um evento semelhante para as clarinetas.
Acredito que foi um momento no qual a ideia es-

43
Matéria de Capa

tava madura e tivemos um ambiente favorável para contexto histórico, social e cultural. Nesse contexto, e
a criação da ABCL, as pessoas queriam participar e sobretudo, ela busca desenvolver uma visão crítica da
principalmente se conhecerem melhor. Anteriormen- prática profissional, colocando-se como um agente
te, era mais fácil ter acesso e conhecer um clarinetista que tem um importante papel transformador, atuan-
do exterior do que um clarinetista de outro estado bra- do sempre em sintonia com sua época.
sileiro. Nossos olhos estavam virados para cima, para o
hemisfério norte, e muitas vezes não conseguíamos ver os Nesta nova fase, convidamos Sérgio Albach, presi-
músicos que estavam ao nosso lado. dente eleito no início de 2017, para apresentar os pró-
ximos passos da retomada dos trabalhos da ABCL:
Eu me beneficiei muito dos encontros e pude apren-
der muito com os colegas, e principalmente ter referên- Em janeiro deste ano, no 11° Encontro de Clarine-
cias brasileiras para desenvolver o meu estilo de tocar. tistas e 3° Encontro de Claronistas, em Poços de Caldas,
Hoje, vejo que, depois que voltei do Doutorado nos EUA, ocorreu a eleição da nova diretoria da Associação Brasi-
mudei muito minha maneira de tocar por ter partici- leira de Clarinetistas e, para minha surpresa, meu nome
pado de vários encontros e admirar o estilo de tocar de foi indicado para a presidência da chapa. Essa indica-
vários clarinetistas brasileiros. Hoje, as minhas referên- ção acabou acontecendo muito pela minha experiência
cias principais são os meus colegas do Brasil, e não os que tive fazendo bancas para osk9 editais de música e
modelos do exterior.Depois de 21 anos, a situação está como curador da Oficina de Música de Curitiba por
muito diferente, com desafios e dificuldades de local de quatorze anos, além de dirigir a Orquestra à Base de So-
trabalho e futuro das orquestras, projetos e bandas. No pro. Passado o primeiro susto, comecei a me conformar
entanto, nunca tivemos tantos clarinetistas de excelente com a ideia e aceitei a empreitada, pois a equipe que foi
qualidade que já desenvolveram uma identidade musi- formada para integrar a diretoria me traz grande tran-
cal baseada em valores brasileiros que são compartilha- quilidade. Cito os integrantes que me acompanham:
dos pela ABCL. Vice-presidente – Guilherme Garbosa (RS), Secretário
– João Paulo Araújo (RN), Segundo Secretário – Thiago
Ricardo Dourado Freire Tavares (RJ), Tesoureiro – Flávio Ferreira (AL), Segun-
Fundador e Primeiro Presidente da ABCL do tesoureiro – Ney Franco (BH), Diretor de Comunica-
ção – Rafael Nini (SP).
Com a herança que carrega e as novas perspectivas
que se abrem, a ABCL desponta como uma associa- Com mais de 20 anos de história, a ABCL realizou
ção que tentou e tenta incentivar a criação de um am- vários encontros com muito sucesso, presidida por um
biente saudável de troca de experiências e atividades grande clarinetista e divulgador do instrumento Dr.
de interação; estimular a busca por novas abordagens Ricardo Dourado Freire (DF), o que aumenta a respon-
técnicas, musicais, interdisciplinares, e a exploração sabilidade da tarefa em ser responsável pelos próximos
do repertório. Além disso, ela se propõe a criar um passos da entidade.
ambiente de reflexão sobre a práxis musical em nos- A primeira medida da nova diretoria está sendo a
sos dias, oferecendo meios para uma atuação crítica revisão do estatuto, dando uma roupagem com mais
e criativa, permitindo e incentivando o diálogo entre participação dos associados e ampliando suas possibi-
os pares, bem como a reflexão sobre música em seu lidades de atuação. E, devido a sequência de encontros,
44
Matéria de Capa
Na página ao lado, grupo pernambucano Sopros de PE. Acima,
Alexandre Ribeiro entrevistado pela emissora de TV local. Ao
lado, aula com prof. Sergio Albach e abaixo, aula com a profa.
Paula Pires.

com o envolvimento de mais pessoas na organização e a


realização da Revista Clarineta, temos uma oportuni-
dade de conseguirmos mais avanços para a ABCL.
Estamos prevendo para o segundo semestre deste ano
o lançamento do novo estatuto da ABCL e já convido a
todos os clarinetistas, apoiadores e admiradores, que
participem deste movimento, que pretende divulgar e
aprofundar os conhecimentos deste instrumento que nos
encanta.
 Sérgio Albach – Presidente da ABCL
A cada encontro que realizamos, fica mais e mais
evidente a necessidade de estarmos conectados e
em constante contato. A Associação Brasileira de
Clarinetistas, com sua reorganização nos Encontros
ocorridos em Poços de Caldas em janeiro desse ano,
representa assim uma tentativa corajosa de todos os
envolvidos em ampliar, cada vez mais, essas discus-
sões. Assim, é desejo de todos que haja muitas expe-
riências memoráveis, materializadas em encontros,
palestras, concertos e rodas de choro, colocando
lado a lado nossos profissionais mais experientes
com os estudantes mais ávidos por essa vivência.
Mas acima de tudo, a ABCL cumpre um papel
fundamental no fortalecimento, divulgação e ex-
pansão do trabalho da nossa classe, bem como no fo-
mento de discussões acerca da nossa arte e de nossa
profissão, tão essenciais quanto indispensáveis para
uma consolidação, cada vez maior, do que fazemos
na sociedade em que estamos imersos.

45
46
Paulo Sérgio
Fale sobre sua formação musical e como instru-
Santos por Anderson César Alves
com uma gravação dele que se chamava “Melodia
mentista. Clarineta foi uma primeira opção? do Bosque”. O Freitas se tornou um parâmetro de
Não foi a clarineta não. Meu primeiro clarinetista para mim. Eu ficava perturbando-o
relacionamento com a música foi com a harmônica e durante um bom tempo ele ficou sem assistir
que meu pai comprou pra ele, mas desistiu de tocá- aos cultos direito, porque eu ficava perguntando
la. Um dia ele chegou e me viu tocando alguns hinos as coisas. Não cheguei a estudar formalmente
da igreja (nós éramos frequentadores da Assembleia com o Freitas, mas ele me indicou o professor
de Deus em Madureira) e eu era muito pequeno José Botelho na escola Villa-Lobos e comecei a
devia ter uns 3 anos e meio. Foi um relacionamento estudar de uma maneira mais organizada, menos
intuitivo. Eu fui tocando, na igreja, na escola, recreio, autodidata. Me lembro da primeira aula que tive

Entrevista
e era totalmente espontâneo. Com onze anos eu com o professor Botelho e ele me disse assim: ‘olha,
tentei entrar na banda da igreja, e o maestro era o você tem muito talento, mas você tem que comprar
Prof. Moises Gomes (que era saxofonista militar um instrumento’, porque eu tinha comprado um
da Banda do Exército). Para você entrar na banda, instrumento que soava meio tom acima e não sabia,
tinha que estudar teoria e solfejo por um ano, então e depois, eu vim a descobrir que o instrumento era
estudei com ele, que gostava muito de mim. No metade de um e metade de outro. Eu arrumei um
momento de escolher o instrumento, eu quis o instrumento, comecei a estudar com o Botelho, e
saxhorn e depois flauta, mas o maestro me impôs a esse foi o início da minha formação.
clarineta. Eu nem sabia o que era, então ele pegou o Eu tinha aulas semanais, fora as aulas extras em
instrumento e me deu; era um clarinete de 13 chaves que ligava para ele, às vezes sábado, e ele dizia: “vem
e disse: “olha o dó é aqui” e me mostrou a posição para cá”. Eu morava em Quintino e até chegar no
e disse: “agora o resto é contigo”. Cheguei em casa Humaitá levava umas 2 horas e ficava o dia inteiro
e não conseguia tirar som do instrumento. Chamei conversando e tocando, trocando ideias. Até que
até meu pai, porque eu era muito franzino, muito chegou um momento em que o Carlos Gomes,
novinho, e meu pai soprava e não saia nada. Então trompista, me convidou para fazer parte do Quinteto
vi uma palheta e imaginei que para sair som aquilo Villa-Lobos, que o prof. Botelho tocava na época.
tinha que vibrar. “Deve ser isso: de repente não está Eu tinha 16 anos. E o Botelho disse “olha, eu deixo
saindo porque está muito dura”. Peguei uma gilete o Paulo Sérgio aí, e ele vai tocando, vai aprendendo
e comecei a raspar aquela palheta e ela começou a e se tiver alguma coisa muito encrencada vocês
produzir som. Comecei a tocar clarineta e conheci na me chamam”. Mas isso não aconteceu, porque
banda um clarinetista que era o irmão Luís, técnico a coisa encrencada já começou logo de cara. O
de som da igreja, que tocava clarineta muito bem, Quinteto tocava muito um repertório de um nível
e que quando a gente tocava os hinos, fazia umas de dificuldade bastante alto, de Hindemith a Villa-
variações, umas improvisações, uns arpejos, coisas Lobos, ou seja, repertório para profissional. Esse
assim. Fiquei encantado com aquilo e comecei a grupo no qual toco até hoje já existia há alguns anos,
me interessar por essa coisa de improvisação, mas e foi fundado em 1962. Eu entrei com dezesseis anos
de uma forma espontânea. Daí a pouco eu estava e hoje estou com cinquenta e oito, portanto toco no
fazendo aqueles arpejos, as variações que a gente Quinteto há quarenta e dois anos. Fiz muitas turnês
usava na “Harpa Cristã” que era em Dó, então pra com o grupo pelo Brasil e exterior.
você ler um hino que você não conhecia tinha quer Por essa época, apareceu a oportunidade para
transportar um tom acima. tocar na Orquestra do Teatro Municipal, em um
Eu costumo dizer que na minha vida as coisas concurso para as vagas do Botelho e do Paulo
foram acontecendo. Tinha um clarinetista excelente Moura, que saíram na mesma ocasião. Eu tinha
na banda que aparecia de vez em quando, que é tocado na Orquestra da Gama Filho e o maestro
o [Professor José da Silva] Freitas, e tive contato dessa Orquestra era o maestro Isaac Karabtchevsky

47
e já conhecia um repertório de orquestra, mas não é interessar mais pelo choro em função dessa forte
como os concursos de hoje nos quais o clarinetista indicação do Abel que foi um ícone desse universo
tem que tocar clarineta, requinta e clarone. Eu musical.
passei nesse concurso do Teatro Municipal do Por incrível que pareça minha relação com o
Rio de Janeiro e entrei na orquestra com 18 anos. choro vinha daquelas improvisações da igreja,
Passei a estudar simultaneamente com o professor porque depois eu descobri que o irmão Luís foi um
Jayoleno dos Santos, que era professor na Escola “chorão”, e ele conviveu com o Pixinguinha e várias
de Preparação de Instrumentistas da Orquestra outras pessoas ligadas ao “Choro”, e quando ele
Sinfônica Brasileira. improvisava, seu improviso era na linguagem do
Eu percebi que o Botelho e o Jayoleno se gostavam “Choro”.
muito, mas tinham formações completamente Então eu fico pensando se não passei a me
diferentes. O Jayoleno era professor de harmonia e interessar mais pelo choro em função dessa forte
estudou composição entre outras matérias teóricas. indicação do Abel [Ferreira] ou como decorrência
Tinha o conhecimento e uma maneira de pensar do contato que passei a ter com alguns “chorões”
muito organizada. Ele se preocupava com questões como Joel Nascimento, Mauricio Carrilho,
como o que é uma frase feminina, onde você valoriza Henrique Cazes, Beto Cazes, Luis Otavio Braga,
as notas fora da harmonia, de passagem, bordadura, Joao Lyra dentre outros. Mais tarde a gente fez um
mas quando fui estudar com ele, ele já tinha parado trabalho com o Joel Nascimento com uma turnê
de tocar. Ele tocava na OSB [Orquestra Sinfônica tocando em muitas cidades dos EUA, e era um
Brasileira]. O Botelho era o clarinetista prático, que trabalho que misturava arranjos do Luís Otávio
aliás toca até hoje e muito bem, com 85 anos. Ele Braga, do Mauricio Carrilho, do Henrique Cazes,
tocava violino e tinha uma visão muito prática da incluindo peças de Villa-Lobos, Radamés Gnatalli,
coisa, era o professor que fazia a gente tocar, que e outros “choros” tocados de maneira mais livre e
entrevista

estimulava esse lado prático. Eu me lembro às vezes espontânea.


que estava em casa com um monte de boquilhas e
palhetas e chegava em uma hora que não conseguia A sua relação com o choro se aprofunda depois que
tocar. Eu ligava pro Botelho e ele falava “venha você conhece a Camerata Carioca?
para cá”. Às vezes a gente tocava muito pouco, mas Ela se aprofunda aí. Lembro de ter ido numa roda
ele conseguia mudar o meu estado de espírito, e de choro em Madureira, na rua Caparaó em um lugar
eu saia da casa dele arrebentando no clarinete. alto numa casa no subúrbio, onde tinham grandes
Então, acabei descobrindo que tinha que ter dois “chorões”, mas eu não conhecia nenhum deles
materiais, um para Botelho e outro para o Jayoleno, nessa época, e eu era muito jovem. O Quinteto Villa-
como forma de não gerar confusão, e isso em minha Lobos começou a transitar também pelo choro,
opinião é absolutamente normal porque ninguém porque era uma filosofia do grupo tocar música
pensa da mesma forma. brasileira, e o Quinteto começou a tocar choro
Pouco depois fiz um concurso de jovens solistas de forma mais estilizada, porque é uma formação
da Rede Globo e ganhei, então as oportunidades europeia e era novidade aquilo que a gente fazia de
começaram a surgir. Inclusive, depois desse tocar Pixinguinha, Jacob do Bandolim, e todos os
concurso, o Abel Ferreira me indicou no programa grandes chorões, inclusive com arranjos sofisticados
do “Fantástico” como o sucessor dele no choro. do Luizinho Eça, Guerra-Peixe dentre outros. Então
comecei a fazer as duas coisas: a música erudita com
Como era a sua relação com o Abel Ferreira? o Quinteto [Villa Lobos], a Orquestra [Sinfônica
O meu contato com ele foi interessante, embora Municipal do Rio de Janeiro] e tocar música popular.
muito superficial, porque ele não me viu tocando
choro, ele me viu quando eu fiz o concurso de Como você teve o contato com o Rafael Rabelo?
Jovens Solistas da Rede Globo no qual eu fui A primeira vez que vi o Rafael ele tinha
ganhador, tocando Weber e Stravinsky. Havia um 14 anos e foi numa festa na casa de um amigo. Ele
quadro no programa do “Fantástico” em que três apareceu lá tocando o “Vôo da Mosca”, do Jacob do
pessoas de grande importância no cenário brasileiro Bandolim com uma facilidade impressionante e eu
eram indicados para falar sobre quem seriam seus fiquei olhando. Tempos depois, eu era casado com
prováveis sucessores. Eram eles: o Pelé, o Altamiro a Fernanda Canaud, pianista, mãe do Caio Márcio,
[Carrilho] e o Abel Ferreira. O Abel, que somente e na casa do meu ex-sogro a gente fazia umas rodas
tinha me visto tocar no Concurso de Jovens de choro onde iam a nata, como o conjunto Época
Solistas da Globo, me indicou nesse programa do de Ouro, o Paulo Moura, até o Altamiro [Carrilho]
Fantástico como seu sucessor. Eu fui na casa dele foi, e o Rafael frequentava. O Rafael foi casado com
na Vila da Penha e tocamos o ‘Chorando Baixinho’, uma prima da Fernanda Canaud, então nós éramos
que foi gravado e depois passou na Rede Globo, primos de certa forma. Eu toquei bastante com o
no Fantástico. Então, eu penso que passei a me Rafael em duo e, às vezes, era interessante que a

48
Entrevista
gente tinha um trabalho para fazer e dizia ‘Rafael lembro que a gente gravava no [estúdio] Drum com
vamos dar uma ensaiada?’, e ele dizia: ‘ensaiar o um técnico muito bom que era o Alexandre Hang
que? Estamos ensaiando isso há 20 anos! Não e eles tinham três ADATs sincronizados. Aquilo ali
vamos ensaiar nada, vamos tocar isso”. Era muito era uma loucura, porque a sincronia do ADAT não
engraçado. A gente fazia na hora. Ele era um músico é instantânea; primeiro o técnico tinha que saber
excepcional e eu sentia a liberdade de ir para música, e ter a partitura, porque fiz multicanal. Ele
onde quisesse, e ele ia atrás, tinha uma facilidade soltava as coisas com uma certa antecedência e
impressionante! os aparelhos iam sincronizando e eu botava mais
Mais tarde fizemos trabalhos diferentes; uma voz, mas era uma coisa complicada tocar
trabalhamos com o Ney Matogrosso, o show que vários instrumentos. Na realidade fiz aquilo, mas
chamava “o Pescador de Pérolas”, e viajamos pra nunca me considerei um saxofonista ou claronista
Argentina e Europa. Esse foi um dos motivos de profissional. O meu foco era a clarineta, e eu tocava
eu tocar saxofone, porque foi uma imposição do esses instrumentos como se fossem uma clarineta.
Rafael. Ele disse ‘vai ter muito trabalho, a gente vai Hoje nem tenho esses instrumentos. Eu pego
tocar muito no Brasil e fora, mas você tem que tocar emprestado, quando preciso. Não tenho vontade de
saxofone”. Tempos depois, acabou que no disco ser multi-instrumentista.
“Segura Ele” eu toquei um monte de saxofones -
tenor, barítono, soprano, entre outros. Fale um pouco sobre a concepção do seu premiado
CD Gargalhada?
Fale da produção e concepção do seu disco “Segura Houve um momento que me deu vontade de
Ele”. gravar um disco. Eu estava tocando bastante com
Esse disco começa com um arranjo do Maurício o Caio Márcio e o Bolão, e eu tinha feito o Segura
Carrilho. Um arranjo espetacular. Foi até um arranjo Ele. Aproveitei a ideia de usar o nome Gargalhada
que nós tocamos no Clarinetfest - Lubock nos EUA. que também é uma música do Pixinguinha para
Mário de Aratanha, coprodutor do CD sugeriu que dar nome ao segundo CD. Esse CD foi feito com
eu gravasse a capela, do Anacleto de Medeiros, “Três o Caio Márcio e o Bolão [Oscar Pelon], baterista,
estrelinhas”, e foi um disco muito premiado, em que percussionista e pandeirista, e a gente conseguiu
tive a oportunidade de tocar com o Rafael [Rabelo], uma coisa que eu considero muito difícil que foi
com o Marcos Suzano, Marco Pereira, Tutti Moreno ganhar dois prêmios que tinham nesse ano, que
dentre outros e teve uma gravação que eu fiz uma foram o Prêmio Caras e o Prêmio de Melhor CD do
música do Egberto Gismonti. Esse disco saiu em Teatro Rival, tanto para instrumentista como pelo
uma época que tinha acabado de surgir o CD, então

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50
CD. Nesse disco, pela primeira vez, tinha música sopranos, que era o Carlos Malta, eu e o Zé Nogueira,
minha que foi a ‘Homenagem ao Abel’, o ‘Samba e eu também tocava clarone em algumas das
Chorado’ e o ‘Choro Sambado’, então a diferença músicas. Teve o momento que foi reduzindo e
básica foi que nesse disco eu tocava minhas chegou em uma certa época que a gente começou
composições. É um disco enxuto de participações a tocar muito de duo e trio, com o Lula Galvão,
e começa com o Alumiando do Mauricio Carrilho dois violões e uma clarineta, e com essa formação
e João Lyra. É um disco bastante impactante. O nós excursionamos pela Europa. Lembro de uma
Gargalhada foi gravado no estúdio do Sérgio Lima apresentação que fizemos em Pompeia na Itália
Neto em Araras, que é uma cidade perto do Rio de para mais ou menos mil pessoas, em um lugar lindo
Janeiro, e foi uma coprodução minha com o Mário ao ar livre, onde tinha um monumento que parecia
de Aratanha. os arcos da Lapa ao fundo. Fiquei impressionado,
pois não tinha uma música conhecida, era um
Você tocou em vários congressos da associação concerto popular para o grande público e a reação
Brasileira de Clarinetistas e do ICA nos EUA? das pessoas foi das mais impressionantes que já vi.
Você gostaria de falar alguma coisa sobre a asso- O público no final do concerto veio agradecer e fez
ciação? uma fila enorme, para nos cumprimentar e comprar
Eu passei por uma experiência em Lubbock discos, com gente brigando para comprar o último
Texas, juntamente com o Sujeito a Guincho, o disco. Fiquei me sentindo um pop star tocando uma
Ricardo [Dourado] e Bruno Dourado [irmão música de qualidade inquestionável, e de grande
do Ricardo]. Chegamos numa segunda-feira complexidade harmônica, rítmica e melódica. Uma
e tocaríamos no sábado. Eu propus à eles de coisa é você fazer algo muito conhecido que o cara
ensaiarmos todos os dias, e assim nós fizemos. Uma ouve uma vez e já sai cantando, mas aquela música
das peças era o “Chiclete com Banana”, que era o era intrincada e não tinha apelação de nada, não

Entrevista
arranjo do Maurício Carrilho e parecia a última, tinha relação com nada conhecido. Outra coisa que
porque o pessoal levantou e eu brinquei ‘acabou o aconteceu com esse trio foi aqui no Parque Laje, há
concerto’, e aquilo foi um negócio de alto impacto. cinco ou seis anos, onde a música “apareceu”. Eu
Na segunda música, eu ia lá na frente do palco e que tenho essa formação acadêmica muito forte,
tocava a “Valsa” do Jacob, o “Vôo da Mosca”, e às vezes, fico querendo entender, explicar tudo, e
isso foi uma experiência exuberante. Dez anos tem muita coisa que acontece em música que não
depois eu ainda ouvia gente falando sobre aquela tem explicação. De repente a coisa vem com uma
apresentação. energia que realmente encanta as pessoas, e isso não
Teve outra que fui eu e o Caio, meu filho, e no sei explicar.
programa não saiu o meu release. Saiu o de todo
mundo e o meu não tinha nada, estava em branco. Como essa parceria caminha para um CD Paulo Ser-
Tinha gente que tinha página e meia, duas páginas, e gio e Guinga, “Saudade do Cordão”?
eu pensei ‘pô, quem é que vai vir, se não sabem nem Isso foi uma proposição que fiz para o Mário
quem eu sou?’. Quando ia entrar no palco, olhei e a de Aratanha, porque eu e o Guinga começamos
sala estava lotada, mas estava lotada com Paquito, a tocar muito pouco de duo, pois ele tem várias
Larry Combs e muitos outros clarinetistas famosos. formações. Agora recentemente ele tem tocado
Mudei o programa; pensei: ‘quer saber? Vou começar muito com cantores e sozinho, mas já fez até com
com uma peça solo do Guinga’. Acho que foi o outros saxofonistas que não nós três, como o Sergio
“Picotado”. Eu sei que toquei e causou um impacto Galvão. Ele tem um trabalho que não se prende
enorme e continuei o programa. Então, sem ensaiar e, então, comecei a ver que a gente tocou muito e
nada, de repente virei para o Paquito e o convidei alguns concertos foram espetaculares e eu estava
para tocar e ele subiu de forma super espontânea, e com medo de que isso se perdesse. Esse disco e DVD
tocou comigo, meu filho Caio e o pandeirista Murilo foi uma tentativa de síntese dessa época que nós
O’reilly. Foi uma festa! tocamos bastante juntos e frequentemente. Falei
para aproveitarmos e fazer isso que é um negócio
Fale sobre seu trabalho com o compositor Guin- que já está pronto, pois de repente se a gente não
ga? tocasse mais, morria. Então a ideia foi essa. Não sei
Eu não toquei em todos dos CDS dele, gravei a se atingiu esse objetivo, porque uma coisa é quando
partir do segundo. O Guinga é um computador de as coisas acontecem de maneira espontânea, e outra
caminhos, uma coisa impressionante. O Zé Nogueira é quando você tenta guiar, em outra situação anos
tocava com ele e numa vez, ele não podia fazer uma depois.
apresentação na casa de Rui Barbosa e pediu se eu
podia fazer. Fiz essa apresentação e o Guinga gostou Fale um pouco do grupo premiado O Trio, com o
tanto que começou a crescer o negócio. Me lembro Mauricio Carrilho e o Pedro Amorim?
de ter feito um “Free Jazz”, que tinha 3 saxofones O trio com o Mauricio Carrilho e o Pedro

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Amorim foi criado para tocar em um concerto que com o Botelho, o Jayoleno, o José Carlos dentre
era organizado pelo pianista Miguel Proença em outros. O contato precoce com a música de câmara
uma programação de música erudita. Nos reunimos com o Quinteto Villa-Lobos e a minha participação
e vimos que o negócio era bom e dava certo. Então na OSTM [Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal
resolvemos parar e elaborar esteticamente o CD, do Rio de Janeiro] também me influenciaram muito.
que foi muito premiado. Gravamos os 2 Cds em Um dos meus maestros prediletos é o Vladimir
Paris, sendo que um com a Teca Calazans e outro CD Ashkenazy. Assisti a um concerto com a orquestra
instrumental. Você vai notar ali que é um CD que tem de Moscou no Teatro Municipal do Rio de
uma estética sofisticada. A gente tocou Scott Joplin, Janeiro tocando uma música do Shostakovich, e a
Piazzola, Nazareth, várias coisas diferentes dando orquestra fez coisas sublimes. Mas quando acabou
meio que um leque de estilos diferentes. Agora, se a apresentação, a plateia reagiu de uma maneira
você me perguntar porque acabou O Trio, não sei tão fria que até o maestro ficou sem entender, mas
te responder. Essa foi a preocupação que tive com foi espetacular. Ele saiu e, malandramente, voltou e
o negócio do Guinga. Aliás, por que de repente as deu um bis com uma valsa de Strauss e o teatro veio
pessoas se juntam e se separam? Às vezes não houve abaixo, porque era mais acessível ouvir uma valsa de
um motivo, ou brigas, a coisa pode nascer e acabar. Strauss do que uma obra de Shostakovich naquele
Então aquele trio foi também uma experiência momento.
muito forte, e uma influência muito forte para mim. Tinha um grupo de música contemporânea de
E eu tive um contato com o Hermeto. Não toquei Paris, o Ensemble Intercontemporain, e aqueles
com o Hermeto em público, mas fui em alguns caras tocavam muito bem, uma linguagem difícil de
ensaios na casa dele e lembro que vinha gente do apresentar para um público leigo e eles conseguiam
mundo todo. Ele morava em Bangu. Me lembro que uma reação muito positiva. O Ensemble
uma vez a gente começou a tocar uma música do Intercontemporain me influenciou de certa forma,
entrevista

Hermeto que é como se fosse um hino. De repente, pelo nível de execução apuradíssima que levavam
a gente começou a tocar e começou a arrepiar os muito a sério, e eu tive a oportunidade de ter uma
cabelos, e tinha um cara assistindo que ficou em masterclass com o Allain Damiens e ele tocou a
êxtase. Uma vez também eu toquei o Quinteto obra do Boulez para clarinete solo – Domaines - que
de Brahms com o Quarteto Besller na sala Cecília é para clarinete solo opcional ou então com uma
Meirelles que isso aconteceu também. Dava pra orquestra imensa. Assim, fui influenciado pela gaita,
você “pegar” a música. Às vezes a música acontece pelo maestro da banda, pelo Freitas, Botelho dentre
sem preparação alguma... ela pode acontecer em outros, também pela música de câmara (que eu
concertos ou shows de música popular. Tem certos considero talvez a forma mais requintada de fazer
artistas que se juntam ali na hora, e fazem coisas que música), depois a música sinfônica, ópera e ballet, e
se você escrever não vai sair da mesma forma. Eu me o “choro”.
lembro de uma vez que toquei com o Paulo Moura e
a gente começou a improvisar. Era eu, o Paulo Moura Fale sobre suas concepções artísticas e suas im-
e o Madeira de Vento. A gente começou a improvisar pressões individuais, e como encontrar a sua pró-
e teve uma hora que a gente fez um glissando em pria voz na clarineta num mundo musical cada vez
terças, e nem sei como estudar um negócio desses mais homogêneo e globalizado?
se tiver que fazer, mas foi uma coisa que aconteceu Alguns artistas, músicos e compositores têm
na hora, e é isso que acontece com artistas como o a preocupação de inovar. Eu acho que a inovação
Hermeto Paschoal ou o próprio Guinga. ou aquela marca registrada que você ouve e sabe
que é o fulano que está tocando é consequência
Quem ou quais trabalhos mais te influenciaram e de um processo natural e espontâneo. Não acho
que você julga importante? que seja salutar você querer tocar igual o Eddie
Inicialmente, vem a minha relação com a gaita, Daniels, improvisar como ele improvisa, não tem
onde comecei essa coisa do contato, de tocar pra sentido. Cada pessoa é uma e os seres humanos
alguém ouvir, ou para várias pessoas ouvirem, tocar são completamente diferentes. Talvez no início do
na igreja de Madureira que é enorme. Às vezes, processo seja importante você ter um parâmetro,
eu botava o microfone e saia tocando, e isso foi como eu gosto daquele cara e quero tocar parecido
uma coisa muito forte, porque foi espontânea. Eu com ele. Mas hoje em dia tem tantos clarinetistas
não sabia música, não sabia nada, e também não excelentes, no mundo inteiro... O processo de
sabia tocar direito, mas o fenômeno acontecia, você ser original acontece na medida em que você
de comunicação e é isso que estou falando. procura ser você mesmo, ai eu acho que você se
Posteriormente, eu diria que o que mais me torna original.
influenciou foi o contato com o irmão Luís, o estudo Antigamente, as boquilhas eram feitas à mão,
teórico com o maestro Moises da banda, as aulas o que hoje em dia é feito com fábricas de alta

52
Entrevista
tecnologia como a Vandoren. Acho que a tendência eu queria te convidar pra tocar com a Orquestra
no mundo é essas coisas ficarem mais facilitadas Mundial que vai tocar o “Choros 6” de Villa-Lobos
pela tecnologia. Tem outro aspecto que você não e o regente vai ser o Lorin Maazel. Eu perguntei
pode minimizar que é a internet. Hoje em dia se abre ‘quando é que vai ser isso?’, e ele me respondeu
um concurso na Alemanha, o mundo inteiro sabe que seria daqui a 3 semanas, serão 2 semanas de
ao mesmo tempo. Antigamente, quando chegava ensaios e o concerto, então eu perguntei qual seria
no Brasil, você já estava no final do prazo de se o sax. E ele me disse que seria o soprano, e então
inscrever, então a internet tem esse lado positivo. eu topei, mas nunca tinha tocado. Essa pode ser a
Mas tem o lado negativo também, que é o excesso de história engraçada, por causa do nível de ousadia
informações que também não leva a nada. Eu acho que eu tinha nessa época, pois era um instrumento
que a gente tende a voltar a uma situação remota que que eu não tocava. Assim que desliguei o telefone
é a valorização da intuição. fui no Corpo de Bombeiros e consegui uns cinco
saxofones emprestados. Comecei a tocar pra ver
O que você gostaria de dizer para aqueles que sem- como eu combinava boquilha com o instrumento,
pre curtiram o seu trabalho, foram influenciados e a estudar como um louco o dia inteiro por três
por você e, agora, estão lendo estas palavras? semanas. Isso é uma coisa totalmente inusitada
Eu queria agradecer. É o mínimo que posso fazer. e eu jamais faria isso hoje. Mas eu sei que quando
Quando você faz um trabalho, se dedica e alguém eu cheguei pra tocar na orquestra já começava
entra em sintonia com aquilo, e gosta, a primeira com aquele solo, e olhava pros lados e via grandes
coisa que eu faço é agradecer a essas pessoas, porque músicos que tocavam nas orquestras do mundo
é um sinal de que meu trabalho não foi em vão. todo. Eu ficava imaginando que não ia dar certo, mas
Quanto ao nível técnico, você não pode comparar aconteceu o contrário, porque eu tocava o saxofone
a quantidade de energia que um garoto tem, mas como um clarinetista. Esse concerto foi gravado ao
aquela energia precisa ser projetada, porque senão, vivo e eu era o saxofonista.
ao invés de projetar ele, pode fazer com que ela se Mas eu nunca estudei com professor de
auto anule. A vantagem é que você mais velho não saxofone, tanto é que eu tinha dificuldades que se
tem aquela energia, mas sabe projetar a que você tornaram eternas, como a dificuldade de controlar a
tem, além de tudo o que aprendeu em cima dos dinâmica no grave. Fui tocar com o Paquito e disse
erros cometidos ao longo de vários anos. que eu tinha muita dificuldade de tocar o grave e ele
disse ‘não toca essas notas, porque há tantas outras!’.
Tem alguma história curiosa ou engraçada?
Eu tinha tido uma experiência curiosa com o
saxofone, porque o compositor Marlos Nobre numa
ocasião me telefonou e perguntou se eu tocava Anderson César Alves é clarinetista da OSN-UFF,
saxofone e falei que não. Ele falou ‘que pena porque doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

53
Homenagem

À esquerda, Severino Araújo. Acima,


Sebastião “ K-Ximbinho” de Barros

Sebastião
e Severino Por Ricardo Dourado Freire

“Noventa e três dias” ou “trezentos e cinquenta mentais para o surgimento de um estilo de perfor-
e dois km” separaram as datas e os locais de nas- mance que influencia até hoje os clarinetistas bra-
cimento de Sebastião e Severino, mas um instru- sileiros.
mento uniu o destino de ambos, a clarineta. Suas O ano de 1917 estabelece a data ideal para o sur-
trajetórias promoveram vários encontros entre os gimento de renovadores musicais. Foi o ano em
dois, primeiro em João Pessoa e depois no Rio de que Pixinguinha compôs Carinhoso e Donga teve a
Janeiro. Sebastião nasceu no dia 20 de janeiro em ousadia de realizar a gravação de Pelo Telefone, con-
Taipu-RN enquanto Severino no dia 23 de abril siderada a primeira gravação de um samba. As in-
em Limoeiro- PE, ambos em 1917. Dois clarinetis- fâncias de Sebastião e Severino ofereceram o mes-
tas que nasceram com poucos dias de diferença e mo contexto cultural para o seu desenvolvimento
alguns kms de distância, que juntos foram funda- musical. Ambos nasceram em cidades pequenas

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no interior nordestino, ambos aprenderam a to- Primeiro encontro
car nas bandas filarmônicas desde cedo a partir da Em janeiro de 1937, após o desligamento do
interação com outros músicos e com o repertório exército, Sebastião vai morar em João Pessoa para
tradicional composto por marchas, valsas, polcas, trabalhar na Rádio Tabajara de João Pessoa. A
maxixes e frevos. Orquestra era liderada por Olegário Luna Freire, e
A implantação da radiodifusão no Brasil ocor- o naipe de saxes era formado por Severino Araújo
reu a partir de 1922, alterando o cotidiano das pes- (1º alto), Sebastião Barros (3º alto) e Mirtilo
soas nas cidades. Sebastião e Severino cresceram Cardoso (tenor), a primeira formação da Orquestra
no ambiente no qual o rádio era o principal meio Tabajara.
de comunicação e a música, a principal forma de Sebastião e Severino tornaram-se amigos
difusão cultural, que iria consolidar o Samba e o inseparáveis, pois tocavam os mesmos
Choro enquanto representações musicais do Bra- instrumentos e compartilhavam o gosto pelo
sil. No final dos anos 30, com a proximidade da 2ª virtuosismo e pela boa execução. “Tanto que entre
Guerra Mundial, os EUA se aproximaram do Bra- eles ambos eram constantes os desafios, nos quais
sil e o Nordeste se transformou em um centro de esbanjavam destreza com as notas musicais e
apoio militar para envio de tropas através do Atlân- resistência de fôlego (CORAÚCCI, 2009). Após a
tico Sul. A política de boa vizinhança dos EUA in- morte súbita de Luna Freire, em 1938, a Orquestra
cluía a divulgação da cultura americana e dos seus passa a ser liderada por um jovem clarinetista,
valores sociais, nos quais o cinema e música foram Severino Araújo. Sebastião e Severino tocaram
elementos importantes para esta divulgação. juntos por quatro anos, até 1942, quando Sebastião
Ao estarem no mesmo local, no mesmo perío- é convidado por Porfírio Costa a trabalhar no Rio
do, Sebastião e Severino foram influenciados pelos de Janeiro.

Homenagem
fatores musicais que iriam definir o seu estilo musi-
cal: a fluência do músico de banda, a influência e o Segundo encontro
espírito de improvisação do Jazz e a síntese dos dois As orquestras de baile dos anos 1940 e 1950 eram
estilos na composição e interpretação do choro. formações que poderiam incluir instrumentos
de cordas e sopros, maestros como Romeu Silva,
Os meninos Sebastião e Severino Zaccarias e Fon-Fon desenvolveram um estilo
O menino Sebastião observava os ensaios da no qual havia a preponderância dos sopros,
Banda da sua cidade escondido dos pais, mas logo atualizando a sonoridade das orquestras brasileiras
teve autorização para ter aulas de solfejo. A família ao estilo das Big Bands norte-americanas. Quando
se mudou de Taipu para Natal, em 1931, e Sebastião chega na capital, Sebastião logo se insere no
entrou na Banda da Associação de Escoteiros do mercado e passa a tocar na Orquestra do Maestro
Alecrim, tocando requinta e clarineta. Logo sua Fon-Fon e depois com Napoleão Tavares.
história com o jazz se iniciou quando ele entrou no Severino criou um estilo para a Orquestra da
grupo da escola secundária, o Pan Jazz. Ao ingressar Rádio Tabajara, que o tornou famoso no Nordeste,
no exército, em 1935, começou a tocar saxofone alto e logo chamou a atenção de produtores do Sul. Em
na Banda do Regimento de Recife, onde recebeu o 1945, a orquestra já contava com a participação
apelido de K-ximbinho, devido ao instrumento em de todos os irmãos Araújo e foi contratada para
forma de cachimbo e também à semelhança com trabalhar na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, agora
outro músico que tocava saxofone. como Orquestra Tabajara. Neste momento,
O menino Severino foi o primogênito de uma Sebastião volta a integrar o grupo, agora como 1º
família de músicos, sendo que todos os filhos Alto, e continua no grupo até 1949.
do mestre Cazuzinha tornaram-se excelentes
instrumentistas. Severino nasceu em 1917, Terceiro encontro
escolheu a clarineta e também aprendeu saxofone No final dos 1930, um jovem compositor
alto; Manuel veio em 1919 e seguiu no trombone, alemão passa a morar no Rio de Janeiro, Hans
instrumento do pai; Plínio chegou em 1921, tornou- Koellreutter. Ele ministrava aulas de teoria musical,
se trompetista e depois o baterista. José, que nasceu contraponto e harmonia para jovens músicos
em 1923, escolheu o saxofone tenor e ainda criança como Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Tom Jobim.
ganhou o apelido de Zé Bodega, pois gostava de Logo músicos populares, em busca de novos
imitar o pai regendo a banda com qualquer bodega conhecimentos passaram a procurá-lo, entre eles
que tivesse na mão. O caçula, Jaime, nasceu em Severino e Sebastião. No início dos anos 1950,
1924 e seguiu no saxofone alto, instrumento do ambos estudaram com Koellreutter, e levaram
irmão mais velho. A família do mestre Cazuzinha seus conhecimentos para o enriquecimento da
era uma família de músicos e a Banda da cidade de linguagem musical de seus arranjos e composições.
Limoeiro melhorava na medida em que os meninos Neste momento, as carreiras começam a tomar
cresciam e se aperfeiçoavam. caminhos distintos.

55
Homenagem

Caminhos distintos filha, além de Auto-Plágio” (Encarte, K-ximblues).


K-ximbinho envolve-se cada vez mais com Hoje suas composições mais lembradas realçam
o Jazz, buscando a experiência em pequenos o seu estilo intimista, principalmente Eu só quero
conjuntos. Após sua entrada na Rádio Nacional, sossego e Ternura. Em quase todas, a composição
adquire estabilidade de funcionário público e apresenta apenas duas partes, e oferece ao
integra diversos grupos, incluindo a Orquestra músico a possibilidade de criar uma terceira parte
Sinfônica Nacional da Rádio MEC. O estilo das ou improvisar uma segunda versão para o Choro.
composições e arranjos buscam uma linguagem Seu último LP, Saudades de um Clarinete (1980),
própria, semelhante à música de câmara erudita. foi seu testamento musical, oferecendo arranjos
Seus arranjos são realizados para grupos com sete elaborados para um grupo de excelentes músicos
a dez músicos, incluindo gravações de K-ximbinho incluindo Rafael Rabelo, Zé Bodega e Quinteto
e seus Playboys musicais (1959), o Concerto Jazz de Villa-Lobos, que puderam mostrar a ousadia e
Câmara no Teatro Municipal (1960), Conjunto 7 de refinamento de seu estilo de compor, arranjar e
Ouros (1964), e A turma do Bom balanço (1965). improvisar como síntese entre Choro e Jazz.
As composições de K-ximbinho mostram dois Severino Araújo e Orquestra Tabajara
lados: o Choro tradicional e o Choro moderno. tornaram-se sinônimos de Orquestra de Baile nos
Algumas obras são realizadas a partir de caminhos Anos Dourados. A trajetória da Tabajara já dura
harmônicos consolidados: Sonhando, Sempre e 80 anos, com mais de 14 mil apresentações. O
Sonoroso, todos com S de Sebastião. Outros fazem grupo superou todas as crises e sempre conseguiu
referência a ele mesmo, como em: “K-Ximbodega, se destacar no contexto da música de salão, seja
K-Ximblues, K-Ximtema e no K de GilKa para sua com repertório de gafieira, boleros, mambos,

56
jazz, frevos, choros, ou peças clássicas em ritmo Sebastião e Severino nasceram no mesmo
de samba. Independente do ritmo, a Tabajara ano, iniciaram suas carreiras simultaneamente
sempre fez as pessoas dançarem em seus bailes no interior do Nordeste, se encontraram em
ou em centenas de gravações . João Pessoa na primeira formação da Orquestra
A liderança de Severino Araújo foi Tabajara, tornaram-se amigos e vieram fazer
incontestável, pois ele elaborava os arranjos, sucesso no Rio de Janeiro na década de 1940. No
organizava os repertórios e ensaiava o conjunto entanto, cada um seguiu seu caminho: Sebastião
para tocar com perfeição. A sonoridade da foi mais introspectivo e desenvolveu um estilo
Tabajara era única e reconhecida pelo equilíbrio camerístico, com a valorização dos detalhes e
entre saxes e metais, acompanhados por uma das sutilezas de timbre e sonoridade. Severino
percussão com muito balanço. O estilo das um homem show, extrovertido e voltado para
Big Bands encontrou na Tabajara o seu estilo as apresentações espetaculares da Orquestra
brasileiro, que trouxe para o Choro as diversas Tabajara, sua forma de tocar refletia a necessidade
articulações que favorecem a performance dos de tocar para fora, junto com os saxes e metais,
instrumentos de sopro. Suas composições são projetando a clarineta como solista. Ambos
clássicos do virtuosismo: Espinha de Bacalhau, faleceram no Rio de Janeiro, Sebastião em
Um Chorinho em Aldeia, Nivaldo no Choro, 1980, e Severino em 2012, mas suas trajetórias
Chorinho pra você são peças obrigatórias que enriqueceram a música brasileira, principalmente
sempre desafiam as possibilidades técnicas dos o estilo de tocar clarineta no choro ao consolidar
clarinetistas. os vínculos entre Choro e Jazz.

Homenagem

57
A dupla
mações não explicitadas na partitura que seriam
relevantes para o intérprete e para o público? São
conhecidas as duplas brasileiras de claronistas e

que dá
compositores, bem como suas produções?
Esta é uma pequena amostra do grande uni-
verso cultural musical brasileiro claronístico:

certo:  Crisóstomo Santos-Moreira,


 Flavio Ferreira-Medeiros,
 Luis Afonso Montanha-Raele,

intérprete e  Marcelo Piraino-Vasconcelos,


 Mario Marques-Oliveira,
 Mauricio Carneiro-Mattos,
compositor  Otinilo Pacheco-Cerqueira,
 Paulo Passos-Tacuchian
 Thiago Tavares-Crowl.
A relevância do intérprete brasileiro como
integrante do processo criativo e fonte Infelizmente, ainda temos uma lacuna no que se
de inspiração no repertório brasileiro refere ao acesso a esse material. A maioria das peças
claronístico atual. ficam em estantes, HDs, computadores, “nuvens”
Thiago Tavares na internet, arquivos e não estão disponíveis aos
Clarinete Baixo

demais intérpretes e às vezes, ao público também.

E ste artigo tem por objetivo fazer um retrato Intérpretes e compositores aguardam o momento
panoramico onde ambos claronista e com- possível para gravar um cd ou poder ter um recital
positor sejam brasileiros incluindo uma lista para estrear essas novas obras. A carência de espa-
do repertório atual da música brasileira. O critério ços, financiamento e de projetos gera um círculo
utilizado foi o intérprete brasileiro visto como ins- prejudicial e vicioso. Intérprete e compositor que-
piração ou agente atuante no processo criativo com- rem fomentar o repertório, mas não tem espaço e
posicional. nem dinheiro. A dificuldade de fomentar a criação
Neste texto, citei apenas alguns claronistas, os musical só aumenta. Então a produção diminui,
quais consultei mediante o critério exposto acima. logo, não caminhamos em nossa plena capacidade
Solicitei que enviassem listas das obras nas quais e voltamos ao “fazemos o que é possível, tamanha as
eles participaram do processo criativo, ou foram adversidades”. A gente faz o que dá.
fontes de inspiração. Essa é uma pesquisa em anda- Por outro lado, a internet encurta as distâncias e
mento e o processo de coleta de dados de autores e ao ultrapassarmos a barreira da “vergonha”; assim,
obras ainda está em processo. Assim, a escolha dos podemos, com gentileza, solicitar esse repertório
nomes para essa pesquisa foi baseada na acessibi- ao intérprete e ao compositor. Em sua maioria, cada
lidade e meu conhecimento, levando-se em conta peça carrega objetivos de gravação, financeiros e
que possuímos vários claronistas brasileiros que de- ideológicos. Cada compositor e cada intérprete
senvolvem parcerias musicais com os compositores possui seus próprios objetivos em cada composi-
nacionais que não foram citados aqui. ção. Esbarramos em vários contextos e conceitos a
Creio na importância deste trabalho, pois mos- respeito desse assunto. Várias possibilidades sur-
tra o intérprete interferindo na composição em gem para intérprete e compositor. Ambos têm que
comunhão com o compositor de diversas manei- sobreviver e suas composições e produtos estão sob
ras. O clarone ainda tem muito a revelar sobre suas o domínio de suas decisões, sobre a venda, a distri-
possibilidades. Apenas a busca convencional de buição e, mais basicamente, em ser tocada! Cada de-
informação se mostra ineficiente para a estabiliza- cisão dessas deve ser respeitada. Acredito que vários
ção de um novo idiomatismo para o instrumento. desses conceitos estejam em transformação tendo
E porque não, vislumbrar a criação de uma aborda- que se adequar a nossa realidade. A lista deste tra-
gem nacional da mescla das técnicas novas perme- balho é um exemplo. Muitas obras não foram nem
adas pelo olhar do compositor brasileiro. estreadas, outras apenas tiveram a sua première e
O processo colaborativo entre compositor e ambos, intérprete e compositor, têm objetivos com
intérprete é conhecido por diversos nomes que cada uma delas.
incluem Mozart-Stadler, Weber-Baermann, Ho- Com esse pequeno catálogo pretendo mostrar
rak-Cuciera, Sparnaay-Yun, Bok-Donatoni, Parisi as duplas responsáveis por uma parte da criação do
-Berio e outros tantos. Como seria se tivéssemos repertório brasileiro para clarone. Acredito e torço
a possibilidade de conversar com uma dessas du- para que essas informações gerem desdobramentos
plas? O que gostaríamos de saber? Existem infor- artísticos e/ou acadêmicos. Pode-se estudar qual-

58
quer uma dessas peças a respeito de sua história e professor de clarinete do Instituto Federal de Per-
processo criativo-composicional, bastando para nambuco – IFPE; professor, maestro e arranjador
isso uma pesquisa na internet para obter o contato da Orquestra de Cordas da ONG Movimento Pró-
dos intérpretes e compositores. Além disso, coloco Criança e clarinetista/claronista da Banda Sinfôni-
uma pequena descrição a respeito das demandas ca da Cidade do Recife e Grupo SaGRAMA (flauta,
técnicas de cada peça, assim o claronista pode esco- clarineta e clarone, viola nordestina, violão, con-
lher melhor as obras de acordo com o seu perfil e as trabaixo e percussão).
necessidades técnicas que apresentam.
Segue abaixo os termos que serão usados nas Obras solo: Um choro para Crisóstomo - Inaldo Mo-
descrições das peças, assim como suas definições: reira, 2005; Clarone Mimoso - Inaldo Moreira, 2005;

- Sons múltiplos - utilização dos multifônicos tipo I Quinteto de clarinetas: Alamoa - Dimas Sedicias,
e II. Ou seja, tipo I é baseado na série harmônica e o 2005; Cantiga - Clovis Pereira, 1970.
II em dedilhados especiais;
- Superagudo - tessitura que se estende além do Flávio Ferreira - Mestre em música e bacha-
Sol4; rel pela UFMG, onde estudou sob orientação do
- Slap tonguing - efeito percussivo que causa um vá- professor Maurício Loureiro. Como clarinetista e
cuo na palheta produzindo um efeito sonoro pareci- claronista atua em diferentes formações na música
do com a onomatopéia “ploc”; erudita e popular, com dedicação principal à música
- Frulato - efeito sonoro realizado com a língua ou erudita contemporânea. Atualmente é professor de
com a garganta que produz um som de Frrrrrr na clarinete, teoria e história da música na Universida-

Clarinete Baixo
nota; de Federal de Alagoas.
- Partitura gráfica - a notação musical é feita por sím-
bolos gráficos, geralmente acompanhadas de ​​bulas Duo: Variações sobre o tema “Assum preto” - Almir
explicativas; Medeiros - 2016 - para clarineta e clarone.
- Microtons - utiliza quartos de tom. Existe a tabela do
Jason Alder, http://www.jasonalder.com/resources, Luís Afonso Montanha - Iniciou seus estudos
que é muito didática e assertiva para os dedilhados; com Márcio Beltrami em Americana-SP, formou-se
- Overblowing - soprar até o limite da nota e conti- pela Unesp com os Profs Maurício Loureiro e Sérgio
nuar soprando, até a distorção abrupta; Burgani. Estudou também com os profs.: Roberto
- Várias técnicas expandidas - significa que tem de Pires, Nivaldo Orsi, Luiz Gonzaga Carneiro, José Bo-
tudo um pouco! Vai nessa! telho, Carlos Rieiro, Karl Leister, Antony Pay, entre
- Escrita na clave de Fá - necessita desenvoltura na outros. Realizou seu mestrado em Rotterdam-Ho-
leitura na clave de Fá; landa com os Profs. Henri Bok e Walter Boeykens e,
- Escrita alemã - Existem três tipos de escrita: alemã, posteriormente, o doutorado na Unicamp em práti-
francesa e russa. cas interpretativas. Atuou por mais de vinte anos na
As músicas serão apresentadas pelo conjun- Orquestra do Theatro Municipal de SP e tem inte-
to de obras por claronista em ordem alfabética grado diversos grupos de música de câmara: Came-
seguindo o padrão: Título - Compositor, Ano de rata Aberta, Sujeito a Guincho, Opus Brasil, Tetra-
composição - Formação instrumental - Técnicas logia, Duo Clarones, Grupo Quarta D, entre outros.
específicas. Caso não tenha a descrição de técnicas Atualmente, é Chefe do Departamento de Música da
específicas, trata-se de uma peça que utiliza a escri- ECA-USP e, desde 1992, professor de clarineta, cla-
ta tradicional, sem técnicas expandidas. Ou seja, a rone e música de câmara da instituição.
ausência de informação sobre técnicas específicas A seguir alguns exemplos de obras realiza-
indica que a peça é para o início da aprendizagem das com a colaboração do Montanha e os com-
do repertório, não tendo tessitura muito extrema, positores.
sons múltiplos e slap, mas sim uma escrita mais co- Obras solo: Dois Poemas de Anita C.- Silvio Ferraz
mumente realizável. - versão p\ clarone, 2016; Poucas Linhas de Ana Cris-
tina - Silvio Ferraz - com eletrônica versão p\ claro-
Claroneiros em ordem alfabética: ne, 2015 - sons múltiplos, cantar no instrumento,
super agudo, slap, frulato, som com vento; Poética
Crisóstomo Santos - Natural da cidade de IV clarone e tape - Aylton Escobar, versão p\ cla-
Moreno/PE, atua como clarinetista e claronista em rone, 2010; Suite Alpina com tape - Andre Mehma-
diversas gravações e também como músico convi- ri,1999, slap, som com vento; Sopro Inverso - Sergio
dado da Orquestra Sinfônica do Recife. Possui ba- Kafegian, versão p\ clarone, 2016, uso integral das
charelado em clarinete pela UFPE, especialização técnicas extendidas;
em música pela UFRPE e IBPEX, e é mestrando Grupos Variados: No encalço do Boi - Silvio Ferraz,
em Ciências da Religião-UNICAP. Atualmente é 2000 - clarone e percussão - frulato, slap, sons múlti-

59
plos; Aquarrelo - Sergio Rodrigo, trio p\ clarone, flau- ro - Sergio Vasconcellos Correa, 2015 - super agudo,
ta e piano - frulato, slap, sons múltiplos; Passagens - grandes saltos; Serenata Brasileira - Frederico Zim-
Marcos Branda Lacerda, 2001 - clarone e vibrafone mermann Aranha, 2015 - escrita tradicional de Cho-
- mudanças tímbricas; Choro na Montanha - Hudson ro; Valsa Samba-Canção Toada Valsa; Choro Seresteiro
Nogueira, 2000 - clarone e marimba; Noturno - Edu- - Edmundo Villani Cortes, 2015; Mogi Guaxixe - Gian
ardo Guimarães Álvares, 2001 - clarone e vibrafone; Correia, 2016 - agudo e saltos; Abstrassounds - Jailton
De um tempo em deserto - Silvio Ferraz,1997 - flauta, de Oliveira, 2016; (In)Quietude - Raul do Valle,1993,
clarone, cello, violão, piano e percussão - uso de versão para Clarone (2016); Humores de Hamadríade
técnica estendida; Signo Sopro II -Marcus Siqueira, - Leonardo Aldrovandi, 2016 - sons multiplos, mi-
2005 - flauta, piano, acordeon, violino e cello - uso crotons; Mini Toada - Newton Carneiro, 2017 – para
de técnica extendida; Círculos - Valéria Bonafé, 2009 clarone e Loop Station - com sons pré gravados; Suí-
- flauta, oboé, clarone, trompa, violino, viola, cello - te - Hudson Nogueira para Clarone Solo, 2017 - tradi-
uso de técnica estendida baixo; Correspondencias a 2 cional, estética nacionalista: Maxixe, Valsa, Marcha
- Thiago Cury,1999 - violino, cello, clarone, acorde- Rancho, Choro;
on e percussão; Impedance - José Henrique Padova- Clarone e orquestra: Bittersweet Brazil - Frederico
ni,2005, flauta, clarone, percussão, piano, violino, e Zimmermann Aranha, 2016 - para clarone, orquestra
cello - uso de técnica estendida; de cordas e percussão - tradicional, sons múltiplos,
Concertos: Brazilian Sketches - Nelson Aires, até o Ré grave e superagudo;
2000 - dois clarones e banda; Duos de clarones: Rondó para Manuel Bandeira -
Fernando de Oliveira, 2017.
Duo Clarones (com o professor Henri Bok, ele Mauricio Carneiro - Claronista e clarinetista da
Clarinete Baixo

também um grande incentivador da produção de Orquestra Sinfônica do Paraná desde 1986, profes-
novas obras): Novos Temas - Bok-Wagner Tiso, 1999; sor de clarineta da Escola de Música e Belas Artes,
Quatro Passagens - Newton Carneiro, 1999; 3 Valsas - EMBAP-UNESPAR, desde 1988. Possui especiali-
Ciro Pereira,1999; zação em música de câmara e mestrado em perfor-
mance pela UFBA.
Sujeito a Guincho: Na maioria das peças com Obras solo: Jardim Secreto - Fernando Mattos,
arranjo do Luca Raele, houve a interação do com- 2007; A linguagem da Terra - Nélio Tanos Porto,
positor com os claronistas Luis Montanha e Nivaldo 2006\7 - partitura gráfica, sonoridades múltiplas;
Orsi. Breve Litania para Nossa Senhora das Mercês - Anto-
João Paulo Araujo - Clarinetista e saxofonista nio Celso Ribeiro, 2006; Berceuse au Canard Manda-
com mais de 20 anos de atuação profissional. Ba- rin - Otacílio Melgaço, 2007; Danzas Híbridas op.132
charel pela UFPB, mestre pela UFBA e doutor em - Jaime Zenamon, 2006 - influência latino america-
performance pela UFBA sob orientação do profes- na; Olho de Carne solo com áudio pré-gravado - Le-
sor Joel Barbosa. Professor de clarineta e saxofone onardo Aldrovandi, 2007- clave de Fá e Sol, vibrato,
da Escola de Música da Universidade Federal do Rio micro tonal, som com ar, sons multiplos, frulato,
Grande do Norte desde 2008, coordenador dos Pro- glissando; Peça para Clarone em três movimentos-Mi-
jetos Bando de Sax e Orquestra Potiguar de Clarine- guel Randolf, 2007.
tas da UFRN. Otinilo Pacheco - Participou do Grupo Novo
Obras solo: Dança N. 1 - Agamenon de Morais, Horizonte (soprano, um músico para requinta, cla-
2015. rone e clarineta, trompete, trombone, percussão, e
Marcelo Piraino - Professor de clarinete da piano) dirigido por Graham Griffths, de 1988 a 1998.
Fundarte. Estudou clarone com Henri Bok no Con- Foi o primeiro grupo brasileiro a usar um clarinetista
servatório de Rotterdam. que interpretava requinta, clarineta e clarone até o
Obras: Polyakanthos - Alexandre Birnfeld, 2003; Dó grave da marca Leblanc em um grupo dedicado
Irie - Rogério Vasconcelos - grupo de câmara; Refle- à música contemporânea.
xos - Antonio Carlos Borges Cunha, versão p\ claro- Obras solo: Paráfrase - Fernando Cerqueira, 1998;
ne 2006 – solo - sons múltiplos. Clarone e Vibrafone: Dionysiaque - Silvia de Luc-
Mário Marques - Iniciou seus estudos em sua ca, 1993 - superagudo, frulato, slap;
cidade natal com o prof. Dailton Cesar Lopes. Gra- Concerto: Concerto para clarone, percussão e ma-
duou-se pela UNICAMP sob orientação de Roberto rimba - Harry Crowl, 1994 - sons múltiplos, supera-
Cesar Pires e posteriormente foi aluno de Edmilson gudo;
Nery. Atualmente é músico da Orquestra Sinfônica Grupo Novo Horizonte: Pétala Petulância - Edu-
Municipal de Campinas e integra o quinteto de clari- ardo Guimarães, 1992; Canto de Cura - Silvio Ferraz,
netes Madeira de Vento. 1993; Entre vozes gestos e pássaros - Silvio Ferraz, 1992;
Obras solo: Curupira - Fernando de Oliveira, Pássaro Preto, Sol e Menina em Vermelho - Silvio Fer-
2013 - até o Mib grave; Paisagens Audíveis - Marcos raz, 1993; Conferência - Silvio Ferraz; 8 Clocks - Hélio
Padilha, 2015 - até o Ré grave; Escorregando no Cho- Ziskind; Finismundo - Harry Crowl; Chuva Obliqua

60
- Rodolfo Coelho de Souza; Música de Camara 1944 do Silveira a ministrar aulas de clarone no curso livre
- Claudio Santoro, ré-instrumentação de Graham da UniRio em 2015.
Griffiths, 1993. Obras solo: Pessoas no Divã do Fernando - Angelo
Paulo Passos - Bacharel em clarinete pela Uni Martins, 2015, clave de Fá; Fantasia n. 1 e n. 2 - Alis-
-Rio. Dedica-se principalmente à música contem- son Siqueira, 2016 - escrita alemã; Colrone ns. 1, 2 e
porânea brasileira. Tem um duo com a pianista Sara 5 - Alisson Siqueira, 2017 - escrita alemã; Monólogo
Cohen, outro com o percussionista Joaquim Abreu - Tales Botequia, 2015 - sons múltiplos; Fragmento
e é integrante do Ensemble Jocy de Oliveira. Aniquilado - Cláudio Bezz, 2017; Miniaturas - Djalma
Obras solo: Manjerona - Tacuchian, 2007 - slap, Campos, 2015 - sons múltiplos; Solilóquio VI - Harry
sons múltiplos; Striding Trough rooms - Jocy de Olivei- Crowl, 2015 - várias técnicas expandidas; O Rio de
ra, 2001 - superagudo, vibrato, som de ar, slap, frula- Ariadne - Paulo Henrique Raposo, 2010 - versão para
to, voz no instrumento, microtons; Uma outra Idea clarone, 2017 - gráfico; Filho Pródigos - Henrique
Fixa - Marcos Siqueira, 2005 - sons múltiplos, slap, Coe, 2015 - super agudo, sons múltiplos;
micro afinação, frulato; Quatro áreas - Willy Corrêa Duos: Duo para clarones n. 1 - Gilson Santos, 2015;
de Oliveira, 2006 - primeira área para requinta, su- Duo para clarone e fagote - Alisson Siqueira, 2017;
peragudo; Void -Paulo Cesar Chagas, 2015 - micro Bagatela p\ dois clarones - Angelo Martins, 2015; So-
afinação, superagudo, glissando; Grund - Roberto natina para clarone e fagote - Alexandre Schubert,
Victorio,1993, revisão para o cd 2017; Xilogravuras - 2017 - transcrição para clarone; Moldura V - Gusta-
Nylson Juazeiro, 2005 - vibrato e frulato; Canções dos vo Bonin, 2015 - trombone baixo e clarone, dedica-
dias Vaos nove - Luiz Carlos Cseko, 2001 - várias téc- do ao Duo Abissal - teatral, sonoridades múltiplas;
nicas expandidas; Roxo Púrpura - Gabriel Xavier, 2015 - trombone

Clarinete Baixo
Formações Variadas: Sonatina para clarone e baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal - supera-
piano - Tacuchian, 2007; Primeiro Dialogo - Caio gudo; Quatro momentos modulares - Pedro Henrique
Sena,1999 - tenor, baritono, clarone e piano; de Faria, 2016 - versão: trombone baixo e clarone,
Suite para clarone e dois violões - Caio Sena,1999, dedicado ao Duo Abissal; Trincheira de Mariana op.
dedicada; Terra dos homens – Tacuchian, 2007 - Ba- 32 - Halley Chaves, 2017, trombone baixo e clarone,
ritono e clarone - slap, frulato. dedicado ao Duo Abissal; Fantasia n. 5 - Siqueira Sá -
Sérgio Albach - É clarinetista, arranjador, com- trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo Abissal
positor e curador. Graduou-se na EMBAP-PR em - escrita alemã; Azul quase transparente - Daniel Qua-
Licenciatura em Música. Desde 1988, quando inicia ranta, 2016 - trombone baixo e clarone, dedicado ao
sua carreira profissional, tem uma atividade musical Duo Abissal - gráfica, várias técnicas expandidas;
intensa, principalmente como instrumentista. De- Corpo de Lata - Dimitri Cervo, 2015 - trombone bai-
pois de 4 anos, como músico da OSINPA, começa xo e clarone, dedicado ao Duo Abissal; Duo Abissal
uma dedicação para a música brasileira, em especial - Angelo Martins, 2015 - trombone baixo e clarone,
o Choro. Assume a Direção da OABS em 2002, que já dedicado ao Duo Abissal; Relações I - Nikolas Araujo,
está em seu 6° lançamento fonográfico, e a Direção 2015 - trombone baixo e clarone, dedicado ao Duo
da Oficina de Música de Curitiba até 2014. Excursio- Abissal; Trio n. 1 - Maico Lopes, 2016 - trompete bai-
nou por vários países da Europa e América Latina xo, trombone baixo e clarone; Duo - Sergio Roberto
com o Mano a Mano Trio e também com um con- de Oliveira, 2017 - fagote e Clarone;
certo solo de clarone. Conta com parcerias no pal- Trios: Chiaroscuro - Marcos Lucas, 2012 - dedi-
co com músicos do calibre de Amilton Godoy, Léa cado ao Trio Manjerona para requinta\clarone\cla-
Freire, Altamiro Carrilho, Arrigo Barnabé, Egberto rineta, percussão e contrabaixo; Kiela -Pauxy, 2012
Gismonti entre outros. - dedicado ao Trio Manjerona para clarone, percus-
Obras solo: Linha Interior - Silvio Ferraz, 2015 - são e contrabaixo; Meditações - Alexandre Schubert,
slap, barulho de chave, voz e som, overblowing; El- 2012 - dedicado ao Trio Manjerona para clarone,
ric - Carlos Stasi, 2016 - possui 4 notas, overblowing, percussão e contrabaixo;
som de vento; Miniatura - Joan Gómez Alemany, Quartetos: Domingo della Golpiles - Henrique Ma-
2017 - sopro no tudel, dente na palheta, sonoridade chado, 2016 - superagudo;
múltipla, usa o tudel percussivamente, peça perfor- Quarteto Concertante - Nelson Macedo, 2015 -
mática, slap, vento no som com eletrônica; Turbu- dois clarones, marimba e trompa, transcrição p\ dois
lenta - Léa Freire, 2015 - com pedal de looping e per- clarones; Danças das Borboletas - Angelo Martins,
cussão; All Bach - Caito Marcondes, 2016. 2016; Quarteto em honra de Nossa Senhora Auxiliado-
Thiago Tavares - Começou seu estudo de claro- ra - Henrique Coe, 2017;
ne ​com Cristiano Alves, fez cursos com Montanha, Sexteto: Origens II, Serra da Capivara - Beetho-
Harry Sparnaay, Fie Schouten, Paolo de Gaspari, e ven Cunha, 2015 - para 5 contrabaixos e clarone - su-
Mestrado com Henri Bok no Conservatório de Rot- peragudo;
terdam. Ingressou na Orquestra Sinfônica Brasileira Noneto: “Entre-Termos” - Yahn Wagner, 2011 -
em 2003. Foi convidado pelo professor Dr. Fernan- para soprano, flauta, clarineta\clarone\requinta,
Claronistas em Destaque

trompa, trombone, violino, contrabaixo, percussão


e piano - contém dois gráficos;
Concerto: Angústia - Henrique Machado, 2017 -
clarinete contrabaixo e orquestra cordas; Elogio da
Sombra - Harry Crowl, 2014 - orquestra de cordas -
várias técnicas expandidas.

Conclusão
Os desafios para a produção de novas obras
são muitos; as classes de composição nas univer-
sidades ainda estão distantes dos intérpretes, e o
resultado obtido no computador com sonorida-
des “midi” pode ser enganador a quem compõe, o
compositor uma vez formado se encontra com no-
vos dilemas a respeito de sua filosofia de trabalho e
a dificuldade de encontrar intérpretes disponíveis
a participar do processo social e composicional até
Clarinete Baixo

a finalização da peça. Além disso, muitos grupos


iniciados por compositores que estão trabalhando
em universidades não conseguem o apoio necessá- MÁRIO MARQUES, Clarone
rio das instituições. A frustração leva a uma quase Iniciou seus estudos em sua cidade natal com o prof. Dai-
paralisia endêmica. Por sua vez, são poucos os in- lton Cesar Lopes. Graduou-se pela UNICAMP sob orientação
térpretes que vislumbram a possibilidade de fazer de Roberto Cesar Pires e posteriormente foi aluno de Edmilson
a premiere de uma peça, ou participar do processo Nery. Atualmente é músico da Orquestra Sinfonica Munici-
criativo. pal de Campinas e integra o quinteto de clarinetas MADEIRA
O fim de grupos importantes que executam es- DE VENTO, com quem gravou os CDs “Chovendo Canivetes”
sas obras atentam não só contra a situação social (2002) e “Assanhado” (2009), além de ter participado de fes-
de músicos que investiram sua vida e sua arte, mas tivais internacionais de clarineta em Atlanta (EUA), Vancou-
sobretudo são um problema para a divulgação des- ver (Canadá), Naning (China) e Assisi (Itália).
sas obras. São exemplos disso, o término do grupo Como claronista tem se dedicado a fomentar junto a com-
Novo Horizonte em 1998 e, fruto da política cultu- positores brasileiros repertório inédito para o instrumento.
ral brasileira recente, o fim da Camerata Aberta. Participou das tres primeiras edições do Encontro Brasileiro
Em todos os aspectos ainda temos um caminho de Claronistas. Participou do I Summer Courses (Italian
longo a percorrer quanto ao fomento e criação do Clarinet Univerty) em agotso de 2015 na cidade de Cameri-
repertório brasileiro para clarone. Mas estamos no no/Itália, onde além de ter tido aulas com Sauro Berti/Italia
caminho certo e em movimento! também fez um recital com o tema “CLARINETO BASSO
O clarone brasileiro está em uma ótima direção! BRAZILIANO”. Estreou a obra BITTERSWEET BRAZIL de
Creio que somos um dos mais prolíferos instru- Frederico Z. Aranha frente a Orquestra Municipal de Campo
mentos quanto à criação de um repertório brasilei- Grande/MS (out/2016) e foi solista dessa mesma peça junto a
ro atual em produção constante. A conscientização Orquestra Sinfonica da UNICAMP (maio/2017).
da importância da dupla intérprete compositor, no Mário Marques toca com Clarone Buffet Cranpom PRES-
entanto, ainda tem que adicionar o personagem do TIGE. Seu trabalho tem sido regularmente divulgado nas re-
produtor cultural e virar um trio. Ou alguém tem des sociais:
que parar de estudar e compor para a produção da FACEBOOK:
captação financeira. Nunca podemos esquecer que Mario Marques – Clarone Brasil / @claronebrasil
temos que chegar ao público e mostrar como é im- https://www.facebook.com/claronebrasil/?ref=bookmarks
portante nossa produção cultural e o que estamos YOUTUBE:
fazendo. Afinal a música é para a sociedade, não? Clarone Brasil
https://www.youtube.com/channel/UCdHuxJUmTQb8vl-
WmNpWp1SA

A partir dessa edição, apresentaremos nessa seção o trabalho


de um claronista em particular

62
Viajando pelo Brasil faz
estréia internacional em
Havana com repertório
brasileiro e inovadora
reelaboração do concerto
de Aaron Copland em
parceria com Patricia
Pérez Brito
Formado por André Fajersztajn, Bruno Ghirar- Hermeto Pascoal, Gilberto Gil e Heitor Villa-Lobos
di, Bruno Avoglia, Efraim Santana e Patrick Moreira arranjado por André Fajersztajn e Bruno Avoglia. O
Lima, o quinteto de clarinetes Viajando pelo Bra- recital principal contou também com duas obras es-
sil tem ganhado gradativamente mais espaço no peciais no repertório: Baião de 3 de Raphael Augusto
meio artístico-musical paulistano. Criado em 2015 e o Concerto para clarinete de Aaron Copland. Baião
no âmbito do Laboratório de Música de Câmara da de 3, encomendada especialmente para a ocasião, é
Universidade de São Paulo e com orientação de Luís uma obra erudita que evoca diversos baiões tradi-
Afonso Montanha, o grupo já tem no currículo apre- cionais numa apurada escrita atonal.
Relatos

sentações em locais como Casa das Rosas, Memorial Já o concerto de Copland teve o acompanhamen-
da América Latina e Casa de Dona Yayá, além de ter to orquestral reelaborado por Bruno Avoglia, tornan-
marcado presença na abertura do Encontro Brasilei- do-se agora Concerto para clarinete e quinteto de clari-
ro de Clarinetistas em Poços de Caldas e no VI Con- netes. Bruno Avoglia, mestrando pela Universidade
curso de Música de Câmara do Festival Villa-Lobos de São Paulo, estuda o reaproveitamento de material
no Rio de Janeiro. no repertório musical e já fez outros trabalhos seme-
Em 2016, o quinteto foi convidado pelo Lyceum lhantes, como por exemplo a adaptação do concerto
Mozartiano de La Habana a se apresentar na 5ª edi- de Carl Nielsen de clarinete para clarone, estreado por
ção da Fiesta de los clarinetes. O evento aconteceu Luís Afonso Montanha e a Orquestra Jovem do Esta-
entre 7 e 15 de abril de 2017, organizado por Marita do de São Paulo em 2016. Em Cuba, o Viajando pelo
Rodríguez. Marita é grande conhecedora do repertó- Brasil contou com Patricia Pérez Brito como solista.
rio de clarinete e, ao lado de Vicente Monterrey (pri- O Viajando pelo Brasil foi muito bem recebido
meiro clarinetista da Orquestra Sinfónica del Gran pela comunidade clarinetística cubana que, apesar
Teatro de La Havana), forma o Dúo D’accord. das dificuldades do bloqueio econômico, tem se de-
A festa contou com conferências, masterclasses e senvolvido e atingido altos níveis de excelência mu-
concertos na Fabrica de Arte Cubano e no Oratorio sical (isso sem falar na musicalidade que toma conta
San Felipe Neri. Destaca-se o trabalho de Patricia Pé- das ruas!!!). Além de muito elogiado pela qualidade
rez Brito, intitulada Redescubriendo el Concierto para de performance em Cuba, o quinteto traz para o Bra-
clarinete em sib y orquestra del compositor cubano Félix sil o reconhecimento da qualidade da escola brasi-
Guerrero, que traz à tona uma obra pouco conheci- leira de clarinete pelos mais experientes clarinetis-
da do repertório e discute a relação compositor-in- tas cubanos, considerada por eles uma das melhores
térprete entre Félix Guerrero e Paquito D’Rivera. O na América Latina.
trabalho é resultado de seu doutorado em Música na O quinteto agradece imensamente aos diversos
Universidade de São Paulo. apoiadores – familiares, amigos e doadores anôni-
Como solistas, apresentaram-se os clarinetistas mos – que tornaram esta viagem possível, entre eles
cubanos Alejandro Calzadilla, Maray Viyella, Patricia os clarinetistas Nailor Proveta, Alexandre Ribeiro,
Pérez Brito, Janio Abreu, Dunia Andreu, Mariolys Ri- Michel Moraes, Luís Afonso Montanha, Ovanir Buo-
vas e Arístides Porto. Entre ensembles de clarinetes, si, Cristiano Alves e Jairo Wilkens e a loja Armazém
contam-se o Cuarteto Solistas del Futuro, o Cuarteto do Sopro, pela doação dos CDs que foram vendidos
de la Universidad de Las Artes e o Cuarteto Cubano e rifados em boxes no Encontro Brasileiro de Clari-
de Clarinetes. Nesta edição, os grupos estrangeiros netistas deste ano. Agradece ainda ao apoio da Igreja
convidados foram o estadunidense PENTrio e o bra- Evangélica Batista da Luz.
sileiro Viajando pelo Brasil. E agora, o Viajando pelo Brasil (que ainda vai via-
O Viajando pelo Brasil levou a Cuba o seu tradi- jar muito por esse Brasil afora) já está convidado a
cional repertório de música brasileira: um combo levar a música brasileira ao 3° Festival Internacional
com Radamés Gnatalli, Egberto Gismonti, Garôto, de Clarinetes do Paraguai!

64
Disponível em
www.armazemdosopro.com.br
Lançamentos por Daniel Oliveira
Mudança
Duo: Newton Carneiro - Violão
Michel Morais - Clarineta
Selo independente

Nada é permanente, exceto a mudança.


Diante dessa percepção, nós sentimos a ne-
cessidade de registrar de algum modo o fugaz
momento presente. A gravação de música é uma
tentativa de Guardar uma fração do tempo.
A realização do CD “Mudança” registra no tem-
Trio Paineiras
po essa parceria, refletindo um pequeno pano- Selo/Gravadora - A Casa Discos.
rama do momento presente, nossas influências, Produção musical - Sergio Roberto de Oliveira.
nossa amizade, ideias, percepções e sonhos. O dilema existente entre “fazer o que se gosta” e
“viver do que se gosta” é uma realidade à qual nós
artistas não ficamos imunes. Em tempos cada vez
mais duros, a valorização da educação e da arte
ainda nos permite vislumbrar um desejável mundo
melhor...
No universo da música de concerto, sobretudo da
música contemporânea, dedicados compositores
e intérpretes buscam, a cada dia, novos projetos
para divulgar o seu trabalho e fomentar a crescente
produção artística atual.
O Trio Paineiras nasce no Rio de Janeiro com a
proposta de divulgação e incentivo à produção de
novas obras para formação mista: violino/viola,
clarinete/clarinete baixo e piano. Formado pelos
músicos e professores Batista Jr (clarinete/clari-
nete baixo), Marco Catto (violino/viola) e Marina
Spoladore (piano) - o projeto nos brinda com novas
Indicação obras de: Liduino Pitombeira, Marcos Lucas, Pauxy
Gentil-Nunes, Rami Levin e Sérgio de Oliveira. 
Indo além no sentindo da divulgação e incentivo
à novas obras, o Trio Paineiras e compositores,
pretendem disponibilizar gratuitamente todo o ma-
terial do disco, editado e revisado através da ação
colaborativa compositor/intérprete. 
Batista Jr

Neste número a Clarineta indica três albuns


do nosso entrevistado Paulo Sérgio Santos.
Da esquerda para direita: Gargalhada de
2001, Saudades do Cordão de 2009 com
parceria de Guinga e Segura Ele de 1994.
Dica do mestre por Sergio Albach

Fatores no Planejamento de um Concerto

Alguém já parou para pensar na quantidade de


fatores que envolvem a realização de um concerto?
Estamos habituados nas nossas pesquisas de ma-
terial, repertório, formas de estudar, e vamos para
o palco com toda nossa bagagem de informação, às
vezes sem nos darmos conta de como se deu todo
o processo para se chegar ali. Neste artigo vou ca-

Dica do mestre
talogar e comentar a maioria dos passos a serem
tomados para estarmos tranquilos na hora do re- tores, as estéticas utilizadas, os estilos. De qualquer
sultado final. maneira privilegiando compositores brasileiros.
Enumerei como fatores principais (1) Instru- Um dos meus pontos de pesquisa foi a disser-
mento, (2) Repertório e (3) Estudo. O fator (1) Ins- tação de mestrado do professor Maurício Soares
trumento será aprofundado em outra oportunida- Carneiro que catalogou obras para clarone solo
de. Ele terá os seguintes itens: aquisição e escolha, de compositores brasileiros, defendida em 2008
manutenção (sapatilhas, chaves, rachaduras e pe- (hoje temos mais obras para incluir). A partir do
sos das molas), boquilhas e palhetas. Comecemos momento que escolhia uma obra, fui tentando en-
aprofundar a partir do fator (2) Repertório. trar em contato com os compositores, que é uma
Neste item vou relatar uma experiência pessoal forma de sedimentar o conhecimento da peça, dar
para termos uma experiência prática. mais segurança, principalmente em se tratando de
Sempre tive o desejo de realizar um concerto de notações de música contemporânea que ainda não
clarone solo com música contemporânea. No ano estão padronizadas, e às vezes até para consultar
passado, realizei esse projeto com bons resultados, sobre coisas básicas, como andamentos, aciden-
e creio que a escolha do repertório foi um dos fato- tes, etc.
res mais importantes para criar a dinâmica do con- Aproveito para fazer uma pergunta: sustenidos
certo e a atenção da plateia. e bemóis em apojaturas valem para a mesma nota
Em primeiro lugar, achei interessante incluir da mesma oitava no compasso? Ilustrando:
peças com eletrônica para movimentar um pouco
e ter outros elementos para criar novos interesses No exemplo abaixo, temos um compasso em
ao ouvinte. Não que o concerto solo de clarone 4/4. No terceiro tempo, há um ré# na apojatura, na
sem outros recursos não seja possível, mas restrin- sequência uma série de fusas com fá# e ré, e depois,
ge mais o público alvo. Também tentei buscar um no quarto tempo, outra apojatura com ré#. Para
equilíbrio entre músicas mais acessíveis e músicas mim, cria-se uma dúvida se os rés do grupo de fu-
mais complexas, variando a origem dos composi- sas seriam sustenidos ou bequadros.
No exemplo acima, ocorre um 5/4 que já começa familiares, músicos ou não. Quando você está
com uma apojatura de re#. Na cabeça do segundo sozinho, por mais que você tente simular a sensa-
tempo, aparece um ré sem indicação de acidente e, ção de estar tocando em um concerto, é sempre
na mesma quintina, um ré#. Então, o ré da cabeça é diferente com a presença atenta de um ouvinte.
sustenido ou bequadro? A experiência pode ser ampliada se você, após a
Na minha experiência em leituras de peças, esse execução, trocar uma ideia com quem acabou de
tipo de dúvida acontece frequentemente. Se você assisti-lo; reiterando que o espectador não pre-
tem contato com o compositor basta perguntar e cisa ser músico; aliás, não sendo músico você
está resolvido; se não tiver, você teria que pergun- é quem ganha em saber sobre outros olhares,
tar para alguém que já tocou a peça e/ou arrumar outras perspectivas, sem anseios técnicos e de
Dica do mestre

uma gravação confiável e tentar descobrir qual é virtuosidades. Uma pesquisa que pode te ajudar
o acidente correto. Claro que este caso seria mais muito também é a dissertação de mestrado do
técnico para se sanar com o compositor, mas em Professor Anderson Alves. http://repositorio.unb.
contato com ele, você pode descobrir coisas sobre br/bitstream/10482/14689/1/2013_AndersonCesa-
texturas, ambientação, trocar experiências, sugerir rAlves.pdf. Aqui ele realizou entrevistas com qua-
mudanças etc. tro clarinetistas profissionais que falaram sobre
Quanto à notação para os claronistas, recomen- suas carreiras e formas de estudo.
do desenvolverem fluência na leitura da clave de fá, Preparação Corporal – O músico precisa
pois muitas peças estão sendo escritas assim, que entender o funcionamento do seu corpo. Essa é
é conhecida como escrita alemã. Lembro que, se uma condição que deve ser abordada desde o iní-
aparecer algum trecho mudado para a clave de sol, cio dos estudos, tocar relaxado, evitando tensões,
o claronista deverá executar o que está escrito uma postura adequada; mas quantos músicos tem ou
oitava acima, ou seja, na escrita alemã se tocam as tiveram problemas com dores, tendinite, bursite
notas na região real em que soa e, na escrita fran- e outras? Uma medida simples a ser tomada para
cesa, a comum da clarineta que soará sempre uma evitar que uma simples dor se torne um grave pro-
oitava abaixo deste instrumento. blema é parar o estudo quando estiver sentindo
Outro fator que influenciou a escolha do re- algum desconforto, não seguir adiante; é neste
pertório para o meu concerto foi uma vontade de momento que as dores começam a ficar crônicas.
improvisar um pouco, que também é uma estética O ideal é parar por um tempo e fazer alongamen-
bastante utilizada, que cria uma outra ambientação to, massagem, uma ducha de água quente e/ou até
na sequencia entre peças com escritas tão rigorosas. procurar ajuda profissional. Temos muitas possi-
Compilei o concerto no soundcloud, assim dá bilidades: natação, yoga, Técnica Alexander, Pila-
para ter uma ideia do resultado final: https://sou- tes, acupuntura entre outras. Escolha a que mais
ndcloud.com/sergioalbach_clarone_bassclarinet/ se adapta ao seu estilo, isso faz parte do processo,
sets/concerto-solo-clarone-bass. não pode ser negligenciado.
Estudo Escalonado – A maneira que melhor
ESTUDO me adaptei para realizar o estudo diário e outras
tarefas é utilizando o sistema de escalonamen-
Professor – A escolha de um professor é muito to de tempo, também conhecido como Técnica
importante. Se você já tem uma linha estética que Pomodoro (https://pt.wikipedia.org/wiki/T%-
quer desenvolver procure o professor que mais se C3%A9cnica_pomodoro) . Consiste em trabalhar
adapta ao seu estilo. Professor e aluno têm que ter com tempos definidos, pausas entre eles e meta
uma relação simbiótica de entendimento e até de diária. Para isso você utiliza um timer, ou cronô-
cumplicidade. metro, por exemplo: supomos que você quer es-
Consultoria – Uma das formas para ama- tudar 4 horas por dia. Você pode dividi-las em 12
durecer uma peça é executá-las ao vivo. Se você x 20min com pausas de cinco minutos entre elas.
não tem um espaço para isso, convide amigos e Eventualmente você pode dar uma pausa maior

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depois de duas horas. Esse método ajuda muito ronista holandês Harry Sparnaay: “Eu acho que
na concentração, em estar focado no que se está nossa tarefa é convencer os compositores que o
fazendo. Outra qualidade deste método é você multifônico é um negócio de alto risco e muito
poder estar mensurando o trabalho. Você irá sa- inseguro, pois quando troco minhas palhetas ou
ber quanto tempo estudou cada peça até o pon- toco em outro dia, os multifônicos mudam”. De
to de conseguir tocá-la, podendo ter uma ideia qualquer forma, eu posso garantir que é um exce-
de quanto tempo precisará para aprender uma lente estudo de sonoridade, tanto para o clarone
peça nova com aquele mesmo grau de dificulda- como para a clarineta. Para uma boa aplicação de
de; quanto tempo consegue ficar concentrado no estudo e entendimento de multifônicos, vocês
estudo; quanto tempo dura sua resistência mus- podem dar uma olhada na dica do mestre da Re-
cular de embocadura e física; assim como quanto vista Clarineta n°2 com o professor Nuno Silva.
tempo utilizou determinada palheta, quanto tem- Metrônomo – Eu aconselho a utilização do
po ela levou para encharcar, sua duração, etc. metrônomo. É uma ferramenta das mais úteis
Gravação de ensaios e concertos – Gravar criadas para o estudo da música, porém, deve ser
seus estudos e concertos é uma forma bem dire- utilizado com inteligência e não em todo momen-
ta de estudo. Mesmo que não seja com um grava- to do estudo. Use-o de formas variadas, como por
dor profissional, conseguimos de maneira rápida exemplo, ele não marcando a cabeça do tempo.
perceber os problemas e encontrar soluções para Ele pode ser o contratempo, a segunda semicol-
tais. Vídeos também são bem-vindos para perce- cheia, a quarta... enfim, não se renda 100% a ele.
bermos, além da parte sonora, nossa presença no Pode causar uma dependência excessiva e te atra-
palco, postura e gestos. Para ilustrar: esse sistema palhar na hora de não estar com ele ao seu lado.
foi usado por Martha Argerich, recomendado pelo Ouvindo a eletrônica – Outra característica

Dica do mestre
seu professor Friederich Gulda que a gravava em dos concertos de música de hoje é a utilização de
aula e a fazia comentar sobre a execução. eletrônica de várias maneiras. Se você ainda não
Técnicas Estendidas – A música contempo- está habituado a trabalhar com esse recurso, eu
rânea desenvolveu técnicas do instrumento que recomendo que antes de sair tocando a música
se utilizam de recursos não convencionais do ins- com a eletrônica, ouça a parte gravada muitas ve-
trumento. Normalmente não se utiliza colocar o zes com a partitura, anote pontos de apoio. Você
dente na palheta, assoprar no instrumento sem precisa saber muito o que acontece lá. Diferente-
boquilha, barulhos de chaves, frulato, partituras mente de um músico que te acompanha, é você
que indicam movimentação do corpo, entre ou- que tem que se adaptar a ela. Normalmente, o ins-
tros. O que eu gostaria de comentar é que as técni- trumento deve ser amplificado e o volume de som
cas estendidas devem ser dominadas como você da eletrônica deve estar no mesmo nível, e, salvo
domina a técnica tradicional, ou seja, tem que raras exceções, não tratar o seu instrumento com
despender tempo em cima delas. Escolhi duas mais volume, sobressaindo-se.
delas para comentar:
1- SlapTongue- Ao pesquisar o repertório para Concluindo
o meu concerto, me dei conta de uma expressiva Aqui dei várias pinceladas sobre muitos as-
utilização de técnicas estendidas, e quase uma suntos e muitas opiniões pessoais relativas à mi-
unanimidade entre peças para clarone é a utiliza- nha pesquisa diária. Com certeza irão existir opi-
ção do SlapTongue, técnica que não dominava na niões contrárias e muitas que acrescentarão ao
época. Como na minha seleção de repertório de debate. Cada um é cada um e deve encontrar a sua
oito músicas, sete usavam esta técnica, não tive maneira de trabalho.
outra escolha a não ser parar tudo e trabalhar. Na
internet se encontram vídeos dos mais diversos,
inclusive vários que me atrapalharam no proces-
so. Eu recomendo o vídeo do Harry Spaarnay,
simples, claro e objetivo
De minha parte, foram dois anos para fazer um Sergio Albach - É clarinetista, arranjador, compo-
SlapTongue aceitável e mais um ano aperfeiçoan- sitor e curador. Foi diretor da Oficina de Música de
do depois das dicas do claronista Paolo de Gaspa- Curitiba até 2014. Excursionou por vários países da
ri que é um virtuose nessa modalidade, no encon- Europa e América Latina com o Mano a Mano Trio e
tro de clarones em Maceió. também com um concerto solo de clarone. Conta com
2 - Multifônicos – uma das maiores pesquisas
parcerias no palco com músicos do calibre de Amilton
sobre esse assunto foi desenvolvida pela profes-
Godoy, Léa Freire, Altamiro Carrilho, Arrigo Barna-
sora Sarah Watts e, para confirmar que o tema
é polêmico, a primeira frase da introdução do bé, Egberto Gismonti entre outros.
primeiro capítulo de seu livro “SpectralImmer- Sergio Albach é o atual presidente da ABCL.
sions”, é um trecho de uma entrevista com o cla- e-mail: sergioalbach@gmail.com

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ClarinetA
NORMAS PARA SUBMISSÕES
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A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-


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área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela
recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções
(artigos, entrevistas, resenhas etc). Os textos publicados serão aqueles re-
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de região(ões) e instituição(ões) diferentes da(s) do(s) autor(es) e emiti-
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terceiro. O conteúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es).
Em relação a artigos, serão aceitas submissões de artigos científicos e
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tos com até 10.000 toques, para a “Dica do Mestre” até 8.000, para cada
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