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Larry Guy

Daniel Bonade
Técnicas e Interpretação do Clarinete
Conceitos fundamentais de Bonade para tocar clarinete com
ilustrações, exercícios e uma introdução ao repertório orquestral

Traduzido por Antonio Wendel André da Silva, Júlia Pontes e Maria Viera
Publicação original | Rivernote Press | Imprint of CAMco, LLC
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Larry Guy

Daniel Bonade
Técnicas e Interpretação do Clarinete

Conceitos fundamentais de Bonade para tocar clarinete com


ilustrações, exercícios e uma introdução ao repertório orquestral

Traduzido por Antonio Wendel André da Silva, Júlia Pontes e Maria Viera
Editado por Dr. Amandy Bandeira de Araújo e Dra. Jennifer Sarah Cooper

Publicação original
Rivernote Press
Imprint of CAMco, LLC
www.ClarinetAllMusic.com

Natal, 2022
Fundada em 1962, a Editora da UFRN (EDUFRN)
permanece até hoje dedicada à sua principal missão:
produzir livros com o fim de divulgar o conhecimento
técnico-científico produzido na Universidade, além de
promover expressões culturais do Rio Grande do Norte.
Com esse objetivo, a EDUFRN demonstra o desafio de
aliar uma tradição de seis décadas ao espírito renovador
que guia suas ações rumo ao futuro.

Publicação digital financiada com recursos do Fundo Editorial da UFRN. A seleção da


obra foi realizada pelo Conselho Editorial da EDUFRN, com base em avaliação cega
por pares, a partir de requerimento dos proponentes. Para tanto, utilizou-se os critérios
previstos para a linha editorial Recursos didático-pedagógicos.

Coordenadoria de Processos Técnicos


Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Guy, Larry.
Daniel Bonade [recurso eletrônico] : técnicas e interpretação do clarinete / Larry Guy ;
[Coordenação do projeto de tradução: Jennifer Sarah Cooper]. - Dados eletrônicos (1 arquivo : 52
Mb). – Natal : EDUFRN, 2022.

“Conceitos fundamentais de Bonade para tocar clarinete com ilustrações, exercícios e uma
introdução ao repertório orquestral.”
Modo de acesso: World Wide Web <http://repositorio.ufrn.br>.
Título fornecido pelo criador do recurso.
ISBN 978-65-5569-213-6

1. Bonade, Daniel, 1896-1976. 2. Clarineta - Instrução e estudo. 3. Música - Clarineta. I.


Título.

CDD 788
RN/UF/BCZM 2021/43 CDU 780.643

Elaborado por Márcia Valéria Alves – CRB-15/509

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN


Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário
Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil
e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br
Telefone: 84 3342 222
Agradecimentos
A equipe tradutora gostaria de agradecer a Cameron Hewes, da Rivernote
Press, pelo seu entusiasmo com o projeto e por ceder os direitos de publicar
este material pela EDUFRN. Agradecemos, imensamente, à equipe editorial da
EDUFRN por todo o trabalho excelente de revisão e de design e por disponibilizar
esta obra tão importante para o curso de clarinete. E, finalmente, ao Prof. Dr.
Amandy, pelo esforço e carinho dedicado a este livro. Espero que esta publicação
seja para nós o começo de uma longa trajetória de sucesso em trazer livros
didáticos na área de música para a língua portuguesa.

Dra. Jennifer Sarah Cooper, em nome da equipe


Prefácio
Daniel Bonade foi, sem dúvidas, o maior professor de clarinete nos Estados
Unidos da América e, certamente, um dos maiores clarinetistas de orquestra
do século XX. Embora tenha parado de tocar ativamente por volta de 1941 e de
ensinar em 1960, ele será lembrado pelas suas muitas contribuições ao mundo
do clarinete. A abraçadeira Bonade ainda está disponível, e seus quatro livros
são um legado duradouro dos conhecimentos e das habilidades pedagógicas.
O Sixteen Grands Solos de Concert for Clarinet and Piano foi publicado pela
Southern Music Company, e o Orchestral Studies for Clarinet, o Clarinetist’s
Compendium e o Sixteen Phrasing Studies for Clarinet1 ainda estão disponíveis
pela G. Leblanc Corporation.
Este material irá familiarizar os clarinetistas novamente com os conceitos
fundamentais de Bonade para tocar clarinete, muitos dos quais estão descritos
em seu excelente tratado Clarinetist’s Compendium2. Os conteúdos deste livro
são baseados nas informações que os alunos de Bonade me forneceram sobre
seus estudos com ele. Assim, os conceitos fundamentais são apresentados de
uma maneira mais detalhada e expandida. Esta obra foi projetada para ser
usada com o CD The Legacy of Daniel Bonade3, lançado pela Boston Records
(#BR1048CD). Com isso, aspirantes a clarinetista podem estudar os conceitos,
ouvir o Bonade ilustrá-los e então emular sua arte.
A razão para a existência deste livro se dá pela vital importância de que
os conceitos para tocar o instrumento e para ensiná-lo sejam passados adiante,
em sua forma mais pura, para as gerações seguintes de clarinetistas.

***

1 Nota dos Tradutores (NT): Atualmente disponível para compra em https://www.clarinetallmusic.com/products/the-


-complete-daniel-bonade-rivernote-press; sob os títulos: Sixteen Grands Solos de Concert for Clarinet and Piano; e The
Complete Bonade: Clarinetist’s Compendium, Sixteen Phrasing Studies for Clarinet, Bonade Orchestral Studies for Clarinet.
2 NT: Atualmente, disponível em um volume, The Complete Bonade: Clarinetist’s Compendium, Sixteen Phrasing
Studies for Clarinet, Bonade Orchestral Studies for Clarinet, no site: https://www.clarinetallmusic.com/products/
the-complete-daniel-bonade-rivernote-press.
3 NT: Disponível para compra no site: https://www.clarinetallmusic.com/products bonade-daniel_the-legacy-of-
daniel-bonade-cd-boston-records.
Agradeço muito aos alunos de Bonade que foram entrevistados durante
a preparação deste material, os quais contribuíram com informações valiosas:
Ben Armato, William Bachman, Lawrence Bocaner, Clark Brody, Ronald de
Kant, David Dworkin, Robert Listokin, Mitchell Lurie, Paul McGlothin, Charles
Russo e Richard Waller. O Sr. Bachman e o Sr. McGlothin compartilharam
generosamente anotações extensas que foram feitas durante as aulas com
Bonade. Também agradeço a David Hattner, um aluno de Robert Marcellus,
o qual compartilhou alguns dos conceitos que Bonade passou para um de seus
melhores estudantes. As citações dos artigos de Bonade na revista The Symphony
são da biblioteca de Sigurd Rascher, cortesia de Paul Cohen. Agradeço a James
Gholson pelas citações de Robert Marcellus.
Agradeço aos vários colegas e alunos que leram este manuscrito e ofere-
ceram sugestões valiosas, incluindo Marcus Forss, Danielle Kolker, Andrew
Lowy e Cathy Ogram. Também agradeço a minha esposa, Barbara Randall,
que leu pacientemente o rascunho deste texto e ofereceu sugestões úteis.
A foto da capa foi uma cortesia da Special Collections in Performing Arts
(International Clarinet Association Research Center, Daniel Bonade Papers),
da Michelle Smith Performing Arts Library e da Universidade de Maryland.

Larry Guy
Uma breve história da
vida de Daniel Bonade
“Leopold Stokowski aclamou Daniel Bonade como o maior artista-clarinetista
que ele já havia ouvido durante suas atividades de regência em todo o mundo.”

The Leblanc Bandsman, outubro de 1958.

Daniel Bonade nasceu em 4 de abril de 1896, em Genebra, Suíça, e era filho de pais
franceses, os quais eram músicos profissionais excepcionais. Sua mãe, Esther, foi uma
mezzo-soprano famosa e professora que interpretou o papel de Ortrud na ópera Lohengrin,
de Wagner. Seu pai, Louis, foi um clarinetista bem conhecido, maestro e diretor do Victoria
Hall em Genebra.
Bonade frequentou o Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris,
formando-se com honras e com um First Prize, diploma de alto nível de proficiência
artística, em 1913. Seu grande professor foi Henri Lefebvre, da Ópera Nacional de Paris,
um dos pupilos mais notáveis de Cyrille Rose. Anos mais tarde, Lefebvre se casou com
Marie, irmã de Bonade, e juntos se tornaram donos e administradores de uma fábrica de
palhetas próxima a Paris.
Entre 1915 e 1917, Bonade realizou uma turnê pelos Estados Unidos com um número
de organizações, incluindo o Ballet Russe de Monte-Carlo e The Sousa Band. Durante
esse tempo, ele foi convidado por Leopold Stokowski, maestro da Orquestra de Filadélfia,
a fazer uma audição privada e, posteriormente, passou a tocar clarinete principal com
essa grande orquestra, de 1917 a 1922. Após um hiato de dois anos, voltou à orquestra em
1924 e permaneceu nela até 1930. Em 1924, tornou-se o primeiro instrutor de clarinete
no recém-criado Instituto de Música Curtis; e, em 1930, desligou-se da Orquestra de
Filadélfia e foi para Nova York a fim de trabalhar como músico de estúdio para o Columbia
Broadcasting System.
Em 1933, Bonade aceitou a posição principal na Orquestra de Cleveland, sob a
direção de Artur Rodzinski, e ensinou no Instituto de Música de Cleveland. Infelizmente,
devido a problemas de saúde, o clarinetista se desligou da orquestra e do Instituto em
1941. Antes disso, durante o verão de 1940, Bonade realizou uma turnê pela América do
Sul com Arturo Toscanini e a NBC Symphony.
Ele se mudou para Nova York em 1941 e diminuiu gradativamente seu número de
performances, ao passo que aumentou bastante suas atividades de ensino. De 1941 até sua
aposentadoria em 1960, Bonade ensinou a centenas de alunos tanto de maneira particular
quanto na Juilliard School of Music.
Nos anos 50, filiou-se à G. Leblanc Corporation, que produziu suas abra-
çadeiras e publicou o Clarinetist’s Compendium, Orchestra Studies for Clarinet
e Sixteen Phrasing Studies for Clarinet, baseado no livro 32 Etude for Clarinet4
de Rose. Todos esses materiais ainda estão disponíveis pela Leblanc. Durante esse tempo,
Bonade também introduziu uma boquilha e palhetas que levavam seu nome.
Após sua aposentadoria em 1960, ele se mudou para a França com sua esposa,
Maud, e continuou ensinando de maneira particular. Bonade faleceu no ano de 1976, em
Cannes, França.

Larry Guy

4 NT: Atualmente disponível em um volume 32 Etudes & 40 Studies for Clarinet, Cyrille Rose: https://www.clarinetall-
music.com/products/rose-32-and-40-etudes-for-clarinet-dover.
“A carreira notável de Bonade abrangeu todos os aspectos da nossa
profissão. Além de ter sido o clarinetista e professor mais importante do
século XX, também foi um autor, inventor, palestrante, adjudicador e
fabricante. Ele era um ser humano simpático, que nunca levantava a voz e
se orgulhava de fazer ‘contribuições, e não críticas’ enquanto ensinava.”

Ben Armato

Uma listagem parcial dos alunos de Bonade

Vincent J. Abato Mitchell Lurie


Ben Armato Robert Marcellus
Joseph Allard Robert McGinnis
Earl Bates Ralph McLane
Lawrence Bocaner Louis Paul
Clark Brody Ronald Phillips
Eddie Daniels Bernard Portnoy
Ignatius Gennusa Leon Russianoff
Anthony Gigliotti Charles Russo
Roger Hiller Emil Schmachtenberg
David Hite Jules Serpentini
Ronald de Kant Richard Waller
Leon Lester David Weber
Robert Listokin Alfred Zetzer

“Bonade era o professor mais flexível, e acreditava no indivíduo. Ele


sempre parecia saber dar uma força a cada aluno na medida certa.”

Mitchell Lurie

“O meu professor, Bonade, é claro, era um ponto de referência. Ele


estabeleceu um precedente para todo mundo que fosse tocar clarinete.”

Robert Marcellus
Sumário
Capítulo I: O som ideal 14
Apoio da coluna de ar 14
Postura 15
Embocadura 16
A vogal “uu” 17
Ilustrações da embocadura 21
Conceito de palheta de Bonade 23

Capítulo II: O estudo do legato 25


Movimento dos dedos para passagens em legato 25
Exercício do movimento dos dedos 26
A curva entre as notas 30

Capítulo III: Fraseado 40


Usando a dinâmica 40
Desenvolvendo o “bom gosto” 41
Três tipos de frases 43
A frase melódica 43
A frase apogiatura 45
As apogiaturas de Mozart 46
A frase rítmica 47
Conceitos adicionais de fraseado 48
O sistema de dinâmica com números 50
O fraseado da semicolcheia 51
Delineando os finais das frases 52
Descobrindo a visão panorâmica 53

Capítulo IV: Articulação 54


O valor de um bom início para um bom som 55
Interrompendo o som, mas não o ar 59
O staccato curto 65
Notas levemente interrompidas em uma frase 66
O staccato delicado 67
O semi-staccato 67
O staccato longo 68

Capítulo V: Coordenação e controle 69


Controle da dinâmica 69
“Mudando em um piscar de olhos” 70
Controle da articulação 73
Outras técnicas para o controle 74

Capítulo VI: Dominando passagens técnicas 75


Rotina de estudo lento 77
Agrupamento das notas 79
Digitações 80

Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais 84

Capítulo VIII: Equipamento 105


Palhetas 105
Abraçadeiras 110

Capítulo IX: A estética de Bonade 111


Emulação vocal 111
A analogia do funcionamento do relógio 112

Apêndice: 21 estudos baseados em Klosé e Charpentier 113


Sobre o autor 128
Sobre os tradutores e os editores 132
Capítulo I: O som ideal
“O som de Bonade era absolutamente belo. Era
claro e vibrante, suave e em formato de pera.5”

Robert Marcellus (de uma entrevista com


Dennis Nygren na revista The Clarinet)

Os conceitos de som de Bonade determinam que o som seja focado e “limpo” ao


longo de seu alcance, com uma qualidade homogênea que não contenha notas abafadas ou
estridentes. Para atender requisitos musicais, o som deve ser leve, vibrante, ágil e bastante
flexível. Existem quatro componentes essenciais na produção de um som belo (além
da qualidade inata do instrumento e da boquilha): o apoio da coluna de ar, a postura do
indivíduo, a embocadura e a palheta.

Apoio da coluna de ar

Bonade, como muitos professores franceses, recomendava que os clarinetistas


praticassem o apoio do ar usando a chama de uma vela. Esse método proporciona uma
boa noção de como controlar a intensidade do ar. Após respirar “pela barriga”, a fim
de sentir a expansão no abdômen, na lateral e na lombar (não levantando os ombros), é
preciso se empenhar para expirar um fluxo de ar focado, direcionando-o para a chama
da vela a cerca de 45 centímetros de distância. O fluxo de ar e a chama da vela devem
estar nivelados. O objetivo é inclinar a chama o máximo possível sem apagá-la. Para isso,
coloque o pulso em 60 BPM enquanto exala. Comece com 12 pulsos e veja o quanto você
consegue aumentar esse valor. Além disso, coloque suas mãos nos seus músculos laterais e
das costas (polegares para as costas, os outros dedos estendidos para o abdômen) e observe
como os músculos se movem enquanto você realiza esse exercício. O abdômen relaxa e
expande durante a inspiração e deve permanecer bem flexionado e firme ao longo da
expiração inteira. No entanto, não permita que os músculos fiquem tensionados. Repita
esse exercício por pelo menos dez respirações.

5 NT: Som redondo ou em formato ogival lembrando uma pera. O uso do termo “formato de pera” é comum para alguns
clarinetistas estadunidenses e se refere a um som redondo não estridente.
Capítulo I: O som ideal

Agora, após respirar fundo novamente, toque uma escala de Dó maior bem devagar,
e veja se você consegue duplicar a sensação do fluxo de ar intenso saindo da boca e a
força muscular contínua nas áreas do abdômen e das costas, necessárias para produzir e
manter o fluxo de ar vigoroso. Se o abdômen e os músculos das costas estiverem fazendo
seu trabalho, os músculos labiais, embora firmes, não ficarão muito apertados. Bonade era
um homem grande e, para ilustrar a expansão da área do abdômen durante a inspiração,
ele costumava fechar uma porta expandindo os músculos de sua barriga.
O trabalho muscular intenso, feito pelos músculos abdominais e das costas enquanto
se expira, é único aos instrumentistas de sopro e cantores. Perceba também que, com
esse exercício, ocorre uma “baixa” na área abdominal interna. Isso decorre do uso do
diafragma, que se achata durante a inspiração. Empenhe-se para manter o achatamento
do diafragma o empurrando para baixo enquanto exala o ar. Deve-se manter isso em
mente durante todo o tempo que se toca.

Postura

Bonade acreditava fortemente que a posição do indivíduo ao tocar desempenha um


papel importante no desenvolvimento da boa qualidade do som. A postura deve ser ereta,
com a cabeça erguida e os ombros para trás. Os ombros não são levantados quando se
respira. O indivíduo não deve levar a cabeça até a boquilha, mas o clarinete até a embo-
cadura. Preferencialmente, o clarinete deve ser posicionado em torno de um ângulo de
45 graus do corpo ou um pouco mais próximo.

15
Capítulo I: O som ideal

Bonade aconselhava os alunos a não mexerem o corpo excessivamente enquanto


tocavam. Em vez disso, recomendava procurar direcionar todas as energias para o clarinete.
O movimento excessivo prejudica a performance e separa os sentidos e o foco mental,
além de incomodar os seus colegas e o público.

Embocadura

“Bonade tinha a embocadura que ajudava a dar suavidade ao seu som.”

Bernard Portnoy

Bonade descreve a embocadura de maneira clara em seu livro Clarinetist’s


Compendium. A seguir são apresentados os comentários adicionais, feitos por Bonade
aos alunos que entrevistei:
O queixo deve estar sempre longo, plano e pontiagudo, com seus músculos firmes.
Os músculos da boca são colocados em volta da boquilha cuidadosamente para evitar
o vazamento de ar, com ênfase especial nos cantos dos lábios superiores, que vão para a
extremidade da boquilha. De fato, os músculos da boca devem estar tão firmes em volta
da boquilha que, se alguém quisesse puxar o instrumento para fora da sua boca enquanto
você estivesse tocando, não seria capaz de fazê-lo. A firmeza deve ser contínua. Bonade
se referia a isso como “apoio da embocadura”. Não deve haver alteração da embocadura,
ou movimento, para acomodar o som ou as mudanças de registro. Essas acomodações
devem ser feitas com o fluxo de ar. A consistência da embocadura, realizada pelos músculos
labiais (não pela mandíbula), é um componente crucial na pureza da cor e do som e não
deve ser afrouxada por nada (por exemplo, notas com staccato rápido).
Uma vez que os músculos labiais tenham desenvolvido a consistência necessária,
Bonade recomendava colocar o máximo possível de boquilha e palheta dentro da boca,
contanto que nenhum desconforto ou pressão fosse sentida. A medida exata irá variar, é
claro, devido à estrutura facial de cada indivíduo. O mestre também advertia sobre tocar
apenas com a ponta do lábio inferior: deve-se colocar uma quantidade suficiente do lábio
inferior sobre os dentes para garantir o conforto. A palheta repousa contra o lábio inferior,
não na ponta dele. A embocadura deve permitir que a palheta vibre o máximo e não deve
interferir ou abafar o som ou a ressonância.

16
Capítulo I: O som ideal

Para incorporar essas ideias, forme sua embocadura de frente a um espelho, distante
do clarinete. Em seguida, sopre com seus lábios firmes, certificando-se de que o queixo
está fixo, plano, pontiagudo e longo, com a pele bem esticada. No entanto, tenha cuidado
para não empurrar excessivamente os dentes inferiores para a frente. Isso pode destruir
o “encaixe” normal para a introdução da boquilha. Os molares superiores e inferiores
devem ficar separados o suficiente a fim de conseguir segurar um lápis entre eles. Agora,
mantendo os lábios firmes e em posição, insira o clarinete como ilustrado a seguir:

A vogal “uu”

Para a doçura e o foco do som, Bonade propunha pensar na vogal “uu” (como em
“tu”) enquanto se toca. A vogal “uu” deve ser sentida na frente do rosto e deve vibrar os
lábios. Pensar nessa vogal coloca os músculos dos cantos dos lábios em ação, os quais
naturalmente exercem pressão em torno dos cantos da boquilha. Essa técnica ajuda a
focar o som em todos os registros.

Os músculos labiais em forma de “uu”

17
Capítulo I: O som ideal

Após ter introduzido o clarinete na boca, esse conceito se torna o seguinte:

Ao escutar o seguinte solo do Concerto para Piano nº 2, de Rachmaninoff, pode-se


ouvir claramente a vogal “uu” no som de Bonade. Ao tocar o solo, tente emular a doçura e o
foco do som, mantendo os lábios firmes do começo ao fim, especialmente entre os intervalos
mais longos: Lá bemol-Ré e Sol-Dó (faixa nº 35 do CD The Legacy of Daniel Bonade).

Outro exemplo de Bonade sobre a qualidade proeminente do “uu” está na abertura


de A Força do Destino, de Verdi (faixa nº 4 do CD de Bonade). Nota: o solo soa ½ tom
abaixo no CD.

18
Capítulo I: O som ideal

Bonade dava ênfase especial na vogal “uu” para passagens em dolce e efeitos de eco
piano e pianissimo. Um exemplo disso está na Sinfonia Fantástica, de Berlioz (faixa nº
61 do CD de Bonade). O clarinetista propunha enfatizar a vogal “uu” para o eco pp no
compasso 5. Repare que ele tocou o solo de maneira muito leve. Devido à vibração e ao
toque em seu som, o eco pp foi realizado facilmente.

A performance de Bonade do solo lento da L’Arlesienne Suite nº 1, de Bizet (faixa nº


12 do CD de Bonade), mostra a riqueza do seu som e a beleza do seu fraseado. Mantendo
em mente os conceitos de embocadura e de apoio do ar descritos anteriormente, veja o
quão bem você consegue reproduzir esse solo expressivo à altura do solo de Bonade.

Outros exemplos do som belo de Bonade estão nos solos líricos da Suíte do Pássaro
de Fogo, de Stravinsky (faixas nº 50-53 do CD de Bonade).

19
Capítulo I: O som ideal

20
Capítulo I: O som ideal

Ilustrações da embocadura

Na foto da embocadura de Bonade a seguir,


note o seu queixo longo, plano e o seu lábio supe-
rior, o qual está dobrado firmemente contra os
dentes superiores, de modo que pouquíssimo lábio
superior apareça por cima da embocadura. Além
disso, repare que seus cantos da boca são trazidos
para dentro, contra a boquilha. Observe o seu
ângulo de colocação da boquilha. Todas as áreas
do seu rosto sobre a ponta do nariz estão relaxadas.

A foto a seguir mostra a embocadura de


um dos estudantes mais famosos de Bonade,
Robert Marcellus, que foi o clarinete principal
da Orquestra de Cleveland, de 1953 a 1973. A
embocadura do Sr. Marcellus exemplifica muitos
dos ensinamentos fundamentais de Bonade.

Observe o seguinte:

1) o queixo está bem esticado, plano, longo;

2) os músculos do lábio superior estão bem


dobrados contra os dentes superiores, imitando
a função de uma embocadura dupla.6 Esses
músculos fazem pressão no topo da boquilha;

3) a quantidade considerável de boquilha e


palheta na boca. Sr. Marcellus foi capaz de
colocar bastante boquilha na boca devido ao
seu trespasse vertical acentuado7;

4) uma quantidade considerável de lábio infe-


rior sobre os dentes.

6 NT: Embocadura dupla é a colocação dos lábios superior e inferior sobre os dentes, semelhante à embocadura dos oboístas.
7 NT: Trespasse vertical acentuado é a sobreposição excessiva dos dentes superiores aos inferiores.

21
Capítulo I: O som ideal

O ângulo de colocação da boquilha do Sr. Marcellus mantinha o clarinete relativa-


mente próximo ao seu peito. Bonade também era conhecido por manter o ângulo do
clarinete próximo ao corpo e recomendava que seus alunos fizessem o mesmo, em um
ângulo de 45 graus ou um pouco mais perto. O ângulo varia um pouco de pessoa para
pessoa devido, em parte, a quão acentuado é o seu trespasse vertical. Se o indivíduo tem
um trespasse vertical acentuado, como Bonade e Marcellus tinham, é natural manter o
clarinete próximo ao corpo.

Trespasse vertical acentuado Trespasse vertical pequeno


(clarinete pode ser mantido (clarinete é mantido mais distante)
próximo ao corpo)

Os músculos do lábio superior bem dobrados, como ilustrado de acordo com Bonade
e Marcellus, era uma técnica com a qual Anthony Gigliotti (ex-diretor da Orquestra de
Filadélfia e outro aluno famoso de Bonade) também se identificava muito. Marcellus,
Gigliotti e muitos outros clarinetistas acreditam que esse é um dos componentes mais
importantes para uma boa embocadura.
Pode-se ouvir como Bonade ajustou sua qualidade de som do registro do clarim aos
sons da garganta em sua performance de “E Lucevan le Stelle” da ópera Tosca, de Puccini
(faixa nº 85 do CD de Bonade). Observe o quão centrado é o registro do som da garganta,
correspondendo ao som no registro do clarim.

22
Capítulo I: O som ideal

Para uma discussão mais detalhada da embocadura do clarinete, consulte o


Embouchure Building for Clarinetists, publicado pela Rivernote Press.

Conceito de palheta de Bonade

Bonade tocava com palhetas leves o suficiente para produzir um som vibrante e flexível. Se
os lados de uma palheta não estiverem equilibrados adequadamente, ela não terá os componentes
essenciais necessários para produzir facilmente um som vibrante e adequado. Bonade frequen-
temente dedicava os primeiros 10 a 15 minutos da aula para o trabalho de palheta. Embora isso
representasse uma quantidade significativa de tempo na aula, ele sabia que a qualidade da palheta
afetava muito a embocadura e a maneira como o aluno sopra o instrumento. Portanto, o tempo
era bem gasto. Ter uma boa palheta não é apenas diretamente responsável pelo desempenho do
estudante em uma aula; também é fundamental para o desenvolvimento geral dele. Uma palheta
mais leve também é importante para manter a afinação baixa o suficiente enquanto se toca muito
suavemente, ao passo que uma palheta mais dura frequentemente irá gerar uma afinação mais
alta em dinâmicas suaves.
Uma palheta vibrante produzirá um som com bom desempenho, reduzindo a necessidade
do artista de forçá-lo para ser ouvido. Pode-se notar, ao ouvir todo o CD de Bonade, que ele
nunca força seu som, e isso acontece porque o músico está confiante de que irá projetar bem
esse som, devido à vibração da palheta.
Ouça a performance feita por Bonade de Vocalise, de Rachmaninoff (faixa nº 36 do CD
de Bonade). Apesar de tocar de forma relativamente suave, seu som pode ser claramente ouvido,
mesmo quando toda a seção de violino se junta a ele.

23
Capítulo I: O som ideal

Para mais informações sobre os conceitos de palheta de Bonade, consulte o Capítulo VIII.

24
Capítulo II: O estudo do legato
“O interior do intervalo é o que é importante.”

Daniel Bonade

O legato, arte de fazer conexões suaves entre notas, era uma das maiores preocupações
de Bonade, pois ele tem um papel importante em um fraseado belo. Por isso, o estudo do
legato constituiu uma parte significativa do trabalho de cada aluno com Bonade.

Movimento dos dedos para passagens em legato

“O som está nos dedos.”

Daniel Bonade

As citações mencionadas nas aberturas deste capítulo e desta seção mostram o valor
que Bonade dava ao movimento suave dos dedos e o seu efeito profundo na qualidade do
som. Para conseguir conectar as notas suavemente, ele ensinava seus alunos a exagerar no
movimento dos dedos ao tocar de nota em nota em frases lentas. Subir bastante os dedos
e levá-los para baixo de forma lenta e gentil ajudava o clarinetista a evitar qualquer batida
forte nas chaves, algo que Bonade detestava. Um aluno relatou que, para passagens muito
lentas, os dedos podiam fazer um pequeno movimento circular no topo de sua elevação,
antes de descer. Isso garantiria que os dedos se mantivessem relaxados. Eles permanecem
suaves ao longo de vários exercícios de digitação de legato, como se estivessem alisando
o pelo de um gato. Para conseguir esse efeito, levante e abaixe a articulação dos dedos
em sua base, mantendo a primeira e a segunda juntas curvadas.
Bonade desenhava diagramas no livro de estudos de muitos de seus alunos a fim de
ajudá-los a aprender os conceitos do bom movimento dos dedos para passagens em legato.
Capítulo II: O estudo do legato

Legato bom:
Os dedos se movem de maneira
suave e ondulante.

Legato ruim:
Os dedos se movem de maneira
abrupta e angular.

O movimento legato do dedo é realizado


ritmicamente. Portanto, se o indivíduo estiver
tocando esse intervalo, os dedos estarão próximos
das chaves no início e gradualmente subirão à
sua maior altura no início da contagem do Dó.
Em seguida, descerão suave e lentamente para o
Lá durante o fim da segunda contagem do Dó.
Bonade sugeria para a prática que o indivíduo
poderia abaixar os dedos tão lentamente (com
força atrás deles) que um “semiglissando” seria
realizado enquanto se alcançava a nota mais baixa.

Exercício do movimento dos dedos

Este exercício irá ajudar a desenvolver o movimento dos dedos necessário para
dominar os estudos do legato de Bonade. Eu o chamo de exercício “C para O”. Comece
colocando as pontas dos polegares juntas e faça um “C” com os dedos, em cada mão.

26
Capítulo II: O estudo do legato

Agora, lentamente, leve os dedos ao encontro dos polegares, fazendo formas de “O”
bem redondas. Não deixe que os dedos em formato de “O” se achatem e fiquem ovais.
Movimente-os de forma lenta, como se estivessem indo contra uma resistência. Imagine
que suas mãos estão dentro de um saco de feijão, empurrando os feijões para fora do
caminho. Repita o exercício cinco vezes, certificando-se de que as pontas dos polegares
sempre se tocam.

Bom Muito oval

Em seguida, leve apenas os indicadores em direção aos polegares. Os outros dedos


se mantêm curvados. Você está usando somente as juntas de trás para mover os dedos.
Faça isso cinco vezes, lentamente, imaginando como se houvesse uma força resistindo
ao movimento dos dedos.

Agora, leve apenas os dedos médios de encontro aos polegares. Todos os outros
dedos permanecem curvados. Repita cinco vezes, imaginando como se houvesse uma
força resistindo ao movimento dos dedos.

27
Capítulo II: O estudo do legato

Em seguida, leve somente os anelares em direção aos polegares. Os outros dedos se


mantêm curvados; você está movendo apenas os dedos da articulação traseira. Repita
cinco vezes, lentamente.

Finalmente, leve os dedos mínimos aos polegares. Não deixe nenhum outro dedo
ficar esticado. Faça isso cinco vezes, lentamente.

28
Capítulo II: O estudo do legato

Logo após, faça o exercício levando os indicadores e os dedos médios em direção


aos polegares; em seguida, os dedos médios e os anelares, e, depois, os anelares e os
dedos mínimos.

Agora, leve três dedos de uma vez contra os polegares: os indicadores, os dedos médios
e os anelares, e depois os dedos médios, os anelares e os dedos mínimos. Faça tudo isso
de maneira lenta.

Esses exercícios são excelentes para desenvolver o movimento exato dos dedos
que você irá usar para os estudos de digitação de legato de Bonade. Note que os dedos
permanecem curvados ao longo da subida e da descida, e que o movimento dos dedos
vem sempre das articulações traseiras das mãos.
Enquanto você pratica o movimento dos dedos no clarinete, certifique-se de que a
palma das mãos se mantém na mesma posição ao longo das subidas e das descidas dos dedos.

29
Capítulo II: O estudo do legato

A curva entre as notas

“Bonade tinha um legato do tipo que eu nunca havia imaginado.”

Clark Brody

A seguir, um exemplo do desenho de Bonade da curva que deve ser ouvida entre as
notas. Esse conceito ajuda a preencher o som dentro dos intervalos:

Ascendendo Descendendo

Os estudos de digitação de legato de Bonade foram feitos não só para ajudar o


clarinetista a se tornar sensível às conexões entre as notas, mas também para auxiliar na
combinação da cor do som entre as notas. Os estudos de Bonade eram bastante similares
àqueles usados, durante o século passado, por outros professores franceses de instru-
mentos de sopro de madeira, como o grande flautista Marcel Moyse. Alguns dos estudos
listados abaixo foram passados a mim por um aluno de Bonade, Charles Russo. Outros
são semelhantes àqueles do livro Clarinetist’s Compendium; porém, foram estendidos à
região da garganta8, em que o indivíduo deve se certificar que mantém a cor do som igual
àquela alcançada no registro do clarim. Ao tocar na região da garganta, os músculos labiais
devem permanecer firmes ao redor da boquilha e a embocadura, estável. A língua deve
ficar em uma posição de “i” e a ponta da língua deve ficar próxima à palheta.
Visualizar a curva entre as notas irá ajudar a tocar “dentro do intervalo”. A curva
é realizada pela intensidade do ar, não pela embocadura. Se não estiver seguro de como
fazer uma curva entre as notas, cante o intervalo primeiro e depois emule o som natural
da sua voz com o som do clarinete.
Visualize a curva entre as notas em ambas as direções!

8 NT: A região da garganta compreende as notas que vão do Sol3 até Lá#3.

30
Capítulo II: O estudo do legato

Nota: é fácil cair no mau hábito, com esses exercícios, de levar os dedos para baixo
lentamente até chegar a cerca de 2,5 centímetros do clarinete, e parar o movimento dos
dedos e batê-los nos orifícios ou nas chaves. Isso invalida totalmente o valor do exercício.
Desenvolva o controle para manter os dedos se movendo lenta e estavelmente em todo o
percurso até os orifícios ou as chaves.

31
Capítulo II: O estudo do legato

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Capítulo II: O estudo do legato

Esses estudos são exercícios de aquecimento desafiadores e exigem muita concentração.


Tente imitar o legato de Bonade, em que as notas fluem facilmente de uma para a outra.
Ouça com atenção o momento exato em que uma nota muda para outra. Esse momento
deve ser suave e fluido, sem nenhuma distorção do som. Repita esses aquecimentos por
alguns meses até que você consiga dominá-los.
Os três estudos a seguir são baseados no Estudo nº 1 do livro 40 Studies for Clarinet9,
de C. Rose, mas são tocados de forma bem mais lenta do que Rose indicava. Bonade dividiu
as três primeiras linhas do estudo em três partes e fez com que seus alunos tocassem fora
de ordem e de maneira bastante lenta, semelhante ao que está sendo mostrado abaixo. Esse
é um dos estudos de legato mais difíceis. Para fazer uma ligadura descendente perfeita,
Bonade sugeria “conduzir” com o dedo mínimo. Por exemplo, ao fazer a ligadura do Fá,
no final do primeiro compasso, ao Dó, no começo do segundo compasso, “conduza” com
o dedo mínimo da mão direita.

“O que está entre as notas faz a ligadura


do intervalo, não as notas iniciais e as finais.”

Daniel Bonade

9 NT: Atualmente disponível em um volume 32 Etudes & 40 Studies for Clarinet, Cyrille Rose: https://www.clarine-
tallmusic.com/products/rose-32-and-40-etudes-for-clarinet-dover.

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Capítulo II: O estudo do legato

O exercício a seguir, adaptado do método Klosé, irá ajudar a ouvir a curva entre as
notas. Ele foi ensinado por David Weber, um aluno renomado de Bonade, e deve ser reali-
zado no andamento indicado, sem deixar nenhuma nota se sobressair em relação a outra.
Perceba como visualizar a curva lhe ajuda a tocar entre as notas e, assim, a aprimorar seu
legato. Mantenha a “digitação de legato” suave, como se estivesse alisando o pelo de um gato.

“Bonade acreditava que os dedos deveriam ter um toque leve.”

Bernard Portnoy

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Capítulo II: O estudo do legato

Após trabalhar com o Estudo nº 1 do livro 40 Studies for Clarinet, de C. Rose, Bonade
frequentemente indicava o Estudo nº 9, o qual também exige um legato suave e relaxado
entre as notas. No entanto, ele é eventualmente executado em um andamento mais rápido
que o Estudo nº 1. Na versão do Estudo nº 9 a seguir, o andamento deve ser mantido bastante
lento. Bonade também usava esse estudo para praticar a “ação antecipada dos dedos”, uma
técnica de mover os dedos em direção à chave seguinte, a fim de fazer com que os dedos do
clarinetista tocassem nela antes de pressioná-la. Eles continuam se movendo de uma forma
ondulante, e não angular. No entanto, não sobem tanto, o que facilita um andamento mais
rápido posteriormente. Mantenha-os suaves e pressione apenas o suficiente para ativar as
molas. Enquanto isso, permaneça com a embocadura firme e estável.

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Capítulo II: O estudo do legato

Depois de praticar o estudo dessa maneira, o clarinetista pode finalmente aumentar


a velocidade do andamento e tocar o estudo como foi escrito no livro de estudos de Rose,
mantendo o mesmo movimento dos dedos e a leveza do toque aprendidos na velocidade lenta:

O Estudo nº 7 do livro de estudos de Rose é outro que pode ser usado para desenvolver
a digitação de legato. A articulação que está sendo ilustrada foi um pouco alterada para
atender melhor ao nosso propósito. O apoio do ar deve ser muito forte; a embocadura,
firme; e os dedos, bastante leves.

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Capítulo II: O estudo do legato

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Capítulo II: O estudo do legato

A suavidade do legato de Bonade é bem mostrada em sua performance de L’Arlesienne


Suite nº 1, de Bizet (faixa nº 11 do CD de Bonade). Se você escutar atenciosamente, conse-
guirá ouvir as “curvas entre as notas” (sem distorção do som ou da linha melódica) que
Bonade desenhava nos livros de estudo dos alunos. Enquanto você emula essa qualidade,
certifique-se de que sua embocadura não se afrouxa nem se desloca. Os lábios devem
permanecer firmes e estáveis durante o solo. Ao fazer a curva com a intensidade do ar,
você irá entender o conceito de tocar “entre as notas” em vez de tocar “nas notas”.

É extremamente importante não mover a embocadura e os lábios quando estiver


tocando essas melodias. Bonade costumava dizer aos seus alunos que “sua embocadura
deve estar tão firme ao redor da boquilha, que, se alguém quisesse tirá-la de sua boca
enquanto você estivesse tocando, não seria capaz de fazê-lo”. Essa firmeza e essa estaticidade
da embocadura se juntam à ação leve e suave dos dedos.
O solo da abertura de Zampa, de Herold (faixa nº 3 do CD de Bonade), apresenta
outro desafio para o desenvolvimento do legato. Devido aos seus intervalos mais longos,
esse solo é mais exigente do que o solo de Bizet.

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Capítulo II: O estudo do legato

Outro solo lírico que se beneficia da curva entre as notas é o entreato de Carmen
(faixa nº 9 do CD de Bonade). Tente emular o legato suave, líquido, de Bonade. Esse
excerto também é proveitoso para o desenvolvimento da firmeza da embocadura
enquanto ela se move para dentro e para fora da região da garganta, uma área em que
muitos clarinetistas perdem a firmeza da pressão labial. A embocadura deve permanecer
totalmente estável e firme durante esse solo. Além disso, deve-se manter a velocidade
do ar e a posição da língua estáveis.

A performance brilhante de Bonade dos solos da Sinfonia em Ré menor de Franck


mostra sua fluidez excepcional entre as notas e controle excelente do diminuendo. Tente
reproduzir cada detalhe exibido (faixas nº 28-30 do CD de Bonade).

39
Capítulo III: Fraseado
“O que é mais belo do que ouvir um solo bem
fraseado, tocado sem esforço aparente?”

Daniel Bonade

Este capítulo é dedicado à construção da habilidade de criar uma expressão musical


significativa por meio do “fraseado”. Utilizando as habilidades da “conexão suave entre as
notas” desenvolvidas no capítulo anterior, vamos estudar como as frases são construídas,
focando em três tipos distintos. O primeiro passo é desenvolver o controle da dinâmica.

Usando a dinâmica

“Eu aprendi a fazer o fraseado com Daniel Bonade.”

Robert Marcellus

O uso da dinâmica, especialmente do crescendo e do diminuendo, é o método prin-


cipal pelo qual o clarinetista cria um fraseado significativo. Bonade era bastante exigente
quanto ao desenvolvimento do controle do crescendo e do diminuendo, e insistia que muitos
indivíduos tendem a reproduzi-los de maneira muito adiantada ou muito atrasada. Durante
o crescendo, é necessário ter em mente que se deve conduzir cada nota, isto é, tocar entre
as notas. Não reproduza o crescendo de forma muito atrasada. Ouça cada nota que está
por vir enquanto continua tocando a nota anterior, principalmente quando passar de uma
nota grave a uma aguda. No caso de um salto grande, a nota superior é contida na nota
inferior, como na Sinfonia nº 1 de Brahms (faixa nº 13 do CD de Bonade). Durante um
crescendo no compasso 6, o Dó agudo deve ser ouvido internamente enquanto se toca;
antes dele, o Mi bemol grave. É possível perceber que o Mi bemol contém o Dó agudo.
[Nota: no exemplo, este excerto é escrito ½ tom acima para clarinete em Lá, mas é tocado
normalmente no clarinete em Si bemol, como está escrito a seguir].
Capítulo III: Fraseado

A parte mais importante do crescendo acontece antes do ápice dele mesmo. No caso
do diminuendo, ao passo que o som diminui, deve-se continuar a manter a ressonância
e a vibração do som. Para manter a ressonância, imagine que você está soprando rápido,
enquanto continua ouvindo bastante vibração na palheta.

Desenvolvendo o “bom gosto”

“Também se deve contar muito com o bom gosto ao fazer um fraseado.”

Daniel Bonade (do Clarinetist’s Compendium)

Bonade enfatizava a importância da realidade musical em relação à intenção. Por


exemplo, embora o indivíduo pretenda reproduzir um crescendo ou diminuendo, a menos
que as mudanças da dinâmica possam ser realmente ouvidas, sua intenção não é vista como
realidade. O músico frequentemente estimulava seus alunos a “exteriorizar”, no sentido
de que a intenção musical, sentida internamente, deveria ser projetada, conscientemente,
do clarinetista para o público. No entanto, embora seja importante exagerar na dinâmica
a fim de que as pessoas no fundo da plateia consigam realmente ouvir a intenção musical
do artista, todo clarinetista precisa equilibrar o exagero com seu próprio senso de bom
gosto. Para ajudar os alunos a desenvolver esse senso, Bonade selecionava uma frase de
um estudo ou um excerto de orquestra e pedia que o aluno exagerasse bastante cada
nuance musical, sem forçar o som. O aluno deveria tocar a frase ou o excerto de maneira
exagerada por uma semana. Para praticar, pode-se “frasear em excesso” o primeiro estudo
do livro 32 Etudes for Clarinet, de C. Rose. Por exemplo:

41
Capítulo III: Fraseado

Bonade deu significado a essa abordagem com um símbolo para o exagero:

Para a lição da semana seguinte, os alunos deveriam tocar a mesma frase e diminuir
qualquer exagero a ponto de tocar praticamente sem nenhuma dinâmica. Bonade deu
significado a essa abordagem com outro símbolo:

Por fim, os alunos deveriam combinar as duas abordagens. Para isso, Bonade criou
o seguinte símbolo:

42
Capítulo III: Fraseado

No resultado final, as dinâmicas não são nem muito exageradas nem inexistentes.
Em vez disso, são tocadas com a perspectiva adequada em mente, resultando uma linha
melódica fluida, com fraseados de dinâmicas apropriadas. Em suma, a primeira abordagem
é demais, a segunda, de menos, e a última é a quantidade certa; ou seja, um exemplo de
“bom gosto”. Tal abordagem da dinâmica ajuda cada aluno a desenvolver seu próprio
sistema para achar sua melhor abordagem interpretativa, sem recorrer a nenhum tipo de
dogma musical.
Bonade via a importância do exagero dos crescendi e diminuendi nos estudos porque,
na performance, a maioria dos clarinetistas tendem a “frasear insuficientemente” em vez
de “frasear excessivamente”.
Por fim, uma última palavra sobre dinâmica: Bonade enfatizava que se deve tocar para
o último assento no auditório. Obviamente isso irá influenciar a quantidade de contraste
que se dá a uma frase. Para um teatro grande, é necessário exagerar muito mais do que
para um pequeno salão de música de câmara. Geralmente, o indivíduo consegue fazer a
coisa certa ao manter em mente a última fileira de assentos do auditório.

Três tipos de frases

Bonade dividiu as frases em três grandes tipos: a frase melódica, a frase apogiatura
e a frase rítmica. Ainda que essas categorias possam parecer um pouco arbitrárias às
vezes, elas são bastante úteis para entender como frases são construídas. Cada tipo de
frase tem suas próprias regras de performance.

A frase melódica

A frase melódica é encontrada com muita frequência. Nesse tipo de frase, ocorre
um crescendo, à medida que as notas ficam mais altas, e um diminuendo, à medida que
as notas ficam mais baixas. Um bom exemplo disso é o Estudo nº 7 do livro 40 Studies
for Clarinet, de C. Rose. Embora não esteja marcado com um crescendo nos primeiros
compassos, o clarinetista reproduz um crescendo enquanto as notas sobem e um dimi-
nuendo enquanto as notas descem, naturalmente, como se alguém estivesse cantando.
Não se deve ter receio de fazer isso na “música real” (em que o compositor ou os editores
negligenciam marcar os crescendi ou diminuendi), contanto que a interpretação musical
seja feita com bom gosto.

43
Capítulo III: Fraseado

A seguir, o Estudo nº 7 do livro de Rose, como está escrito:

Agora, como ele deveria ser fraseado, de acordo com a subida e a descida naturais das notas:
Outro exemplo de uma frase melódica é o entreato de Carmen, de Bizet (faixa nº 9
do CD de Bonade). O compositor não escreveu quase nenhuma indicação de dinâmica:

Esse é um bom exemplo de como deveria ser fraseado, com dinâmica acompanhando
a subida e a descida da linha melódica. Apesar das limitações de uma gravação muito
antiga, é possível ouvir que a performance de Bonade segue este design.

44
Capítulo III: Fraseado

A frase apogiatura

Uma apogiatura é uma “nota apoiada” que começa frequentemente com um salto e
termina com um intervalo. Pelo fato de não fazer parte do acorde subjacente, ela cria uma
dissonância cheia de tensão com a harmonia predominante e resolve essa tensão passando
para uma nota do acorde no tempo fraco, como ilustrado abaixo. A nota Ré mínima é a
apogiatura (uma nota fora do acorde), porque não pertence à harmonia subjacente (Dó -
Mi - Sol). Ela é resolvida para a nota do acorde de Dó. Note que a duração do diminuendo
é menor que a do crescendo. Isso está de acordo com a sugestão de Bonade.

Como se parece: Como é tocado:

Todo bom músico aprende a identificar apogiaturas, mesmo em música solo em que
não se tem uma base harmônica definida. Devido à qualidade notável de uma apogiatura,
ela é, geralmente, a parte mais importante de uma frase, de maneira que a intensidade vai
até a apogiatura e se resolve se afastando dela. Bonade pedia que seus alunos achassem
a apogiatura em uma frase e a demonstrassem aumentando a sonoridade até ela e dimi-
nuindo ao se distanciar dela. A frase apogiatura normalmente é um tipo de frase forte,
dramática. Podemos voltar ao livro de estudos de Rose para vermos vários exemplos de
frases apogiatura. A seguir, o Estudo nº 3 do livro 32 Etudess for Clarinet, de C. Rose:

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Capítulo III: Fraseado

As notas Ré nos dois últimos compassos são apogiaturas. Elas são aproximadas por
um salto e resolvidas por um intervalo diatônico, devendo ser enfatizadas. Bonade insistia
que seus alunos sempre “conduzissem à apogiatura”.

AS APOGIATURAS DE MOZART

Mozart frequentemente usava apogiaturas para efeitos expressivos. Seu Concerto


para Clarinete é repleto delas, e todo clarinetista deve saber como tocá-las. Aqui temos
quatro exemplos:
Na primeira passagem, o Fá# é uma apogiatura:

No segundo exemplo, o Lá no último compasso é uma apogiatura:

Na passagem seguinte, o Mi é a apogiatura:

No exemplo final, o Fá# no último compasso é a apogiatura:

46
Capítulo III: Fraseado

A frase rítmica

A frase rítmica geralmente começa com um tempo ou acentuação forte, como no


caso de uma síncope (isto é, uma acentuação em um tempo que normalmente não possui
acentuação). O tempo forte deve ser enfatizado e as notas que vêm após ele devem ser
tocadas de maneira mais suave. Um bom exemplo da frase rítmica é o Estudo nº 8 do
livro 40 Studies for Clarinet, de C. Rose.

Por vezes será encontrada uma combinação de tipos de frases dentro de uma única
frase, como na frase melódica acompanhada da frase apogiatura. No Estudo nº 13
do livro 40 Studies for Clarinet, de C. Rose, o Dó# no segundo compasso completo é a
apogiatura, seguido por uma apogiatura de Ré# no compasso 4. No entanto, em ambos
os casos se deve fazer a frase melódica expressiva a caminho das apogiaturas, que são as
conclusões da frase.

47
Capítulo III: Fraseado

CONCEITOS ADICIONAIS DE FRASEADO

Em geral, a dinâmica deve ser exagerada com o objetivo de projetar o som para a
última fileira de assentos do auditório. Bonade advertia seus alunos a não serem “avarentos”,
mantendo a expressão musical apenas para si mesmos.
Se uma nota for repetida, especialmente sobre uma barra de compasso, a segunda
nota geralmente será tocada mais forte que a primeira, como neste exemplo (os Si bemóis
no compasso 2 para o compasso 3, e os Lá no compasso 3 para o compasso 4) do Adagio
da Sinfonia Concertante de Mozart:

Muitas vezes uma nota de ornamento é reproduzida antes da “nota principal” para
dar ênfase a esta. Ela é bastante parecida com uma acentuação. Por exemplo, no Concertino
de Weber, a passagem no compasso 60-61 se parece com:

E é tocada assim (repare na acentuação no compasso 2):

Se uma frase começar com uma nota aguda, coloque bastante energia nessa primeira
nota, como no caso do primeiro solo em Siegfried Idyll, de Wagner. Embora seja fraseado
para o Sol, soando como uma apogiatura, ainda é preciso colocar energia na nota mais
aguda da frase, a primeira nota.

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Capítulo III: Fraseado

As notas na frase podem ser agrupadas para dar clareza da intenção e para organi-
zar a direção da energia. Um exemplo famoso está na Sinfonia Inacabada de Schubert.
Bonade gostava de agrupar as duas primeiras notas (Mi e Sol), e depois as duas segundas
notas (Fá# e Lá). Ele tocava um leve diminuendo depois das duas primeiras notas para
separá-las das duas notas seguintes (faixas nº 46 e 47 do CD de Bonade). Na recapitulação,
o clarinetista também gostava de agrupar as semínimas pontuadas em pares (do Dó ao
Mi e do Ré ao Fá). Em movimentos lentos, às vezes Bonade advertia os alunos para não
tocarem uma frase por muito tempo.

O conceito de agrupamento das notas pode ser usado para organizar o fraseado
com muitos tipos diferentes de música. Por exemplo, nos primeiros compassos da Sonata
de Poulenc, pode-se agrupar as semicolcheias da seguinte forma:

É possível escolher o seguinte agrupamento das mesmas notas. Cada um produz


um efeito musical diferente.

Depois, no primeiro movimento, pode-se dar clareza e direcionamento ao fraseado


agrupando as semínimas em pares:

49
Capítulo III: Fraseado

[Nota do autor: os exemplos da Sonata de Poulenc foram incluídos para ilustrar


algumas ideias de fraseado de Bonade, mas é quase certeza que Bonade não ensinou essa
peça, e provavelmente nunca a ouviu, pois ela foi escrita em 1962].

O sistema de dinâmica com números

Um dos alunos conhecidos de Bonade, Ben Armato, relatou que o clarinetista usava
um sistema de dinâmica com números, similar ao que foi ensinado pelo grande oboísta
Marcel Tabuteau. Ele foi o principal oboísta da Orquestra de Filadélfia no período em
que Bonade tocava nela e continuou sendo por muitos anos. Eles permaneceram amigos
próximos e colegas ao longo da vida, e por isso é provável que Bonade tenha adquirido o
sistema com números de Tabuteau.
O sistema atribui um número, de um a dez, para cada nota de uma frase, dependendo
da intensidade ou da tensão da nota. Ao passo que as notas fazem um crescendo, os números
aumentam, e enquanto as frases fazem um diminuendo, os números diminuem. Produzir
um gráfico desse tipo ajuda a organizar a dinâmica pretendida de uma frase. Além disso,
esclarece a dinâmica relativa das notas diferentes na frase. Por exemplo, se duas notas que
aparecem em lugares diferentes em uma frase forem atribuídas ao número 4, o indivíduo
tentará fazer a dinâmica idêntica a essas notas, independentemente da nota envolvida e
do quão distante elas estarão. Um bom exemplo do uso do sistema com números está no
Estudo nº 3 do livro 32 Etudes for Clarinet, de C. Rose:

50
Capítulo III: Fraseado

O indivíduo tentará fazer a nota Dó mínima no primeiro compasso corresponder


aproximadamente à dinâmica do Mi no compasso 2, uma vez que ambos estão atribuídos
ao número 3.
Bonade também ensinava que a nota mais baixa de um ornamento de duas ou três
notas deve ter energia. Sendo assim, aplique uma maior intensidade ao Dó# no quinto
compasso ilustrado acima.
A abertura do entreato de Carmen, de Bizet, é outra frase que funciona bem com essa
técnica (faixa nº 9 do CD de Bonade).

Deve-se enfatizar que, em última análise, não existem números “certos” ou “errados”.
Em vez disso, esse sistema pode ser uma rota experimental para a procura da maneira
perfeita de produzir a frase. Assim sendo, o experimento normalmente traz um maior
entendimento dessa questão.

O fraseado da semicolcheia

Nos andamentos lentos, a colcheia pontuada e a semicolcheia devem ser tocadas


de uma forma especial. Devem ser dadas ênfase e energia à semicolcheia enquanto se
passa para a próxima nota, e geralmente há uma pequena pausa ou “suspensão” entre a
colcheia pontuada e a semicolcheia. É dada prioridade à nota curta. Bonade chamou essa
ideia de “fraseado da semicolcheia”, e Marcellus, “semicolcheia melódica”, mas ambas
as expressões se referem ao mesmo princípio. Um exemplo perfeito pode ser encontrado
no Concerto para Violino de Beethoven. Cada semicolcheia deve ser direcionada sobre a
barra de compasso em direção ao tempo forte seguinte.

51
Capítulo III: Fraseado

Em Siegfried Idyll, de Wagner, que já foi discutido, o primeiro compasso contém


um “fraseado da semicolcheia” que deve ser direcionado ao segundo compasso com
energia. Não há uma “suspensão” entre a colcheia pontuada e a semicolcheia por causa
da marcação do fraseado.

Nos andamentos ainda mais lentos, o mesmo princípio pode ser relacionado ao
“fraseado da fusa”, como na passagem da Sinfonia Inacabada de Schubert (faixa nº 47 do
CD de Bonade).

Delineando os finais das frases

Quando realizava performances, Bonade geralmente dava uma pequena pausa entre
as frases. Para ele, isso proporciona clareza e elegância à performance, e raramente as unia,
o que poderia diminuir a significância do final da frase. Bonade também fazia pequenas
separações dentro delas para dar clareza. Um bom exemplo está em sua performance
de um solo no movimento lento da Sinfonia nº 5 de Tchaikovsky (faixa nº 84 do CD de
Bonade). Observe as duas pequenas pausas próximas do final da frase. Bonade simboliza
essas breves pausas com marcações em seu livro Orchestral Studies, publicado pela G.
Leblanc. Esse livro é recomendado, pois mostra muitos detalhes das ideias de fraseado
de Bonade. A seguir é apresentada a forma como o solo aparece na parte do clarinete:

52
Capítulo III: Fraseado

Repare nas pequenas pausas que Bonade adiciona entre o penúltimo e o último
compassos no livro Orchestral Studies, e as ouça em sua performance.

Descobrindo a visão panorâmica

Bonade salientava o fato de que cada um dos Sixteen Phrasing Studies for Clarinet do
livro 32 Etudes for Clarinet, de C. Rose (os estudos de números ímpares) é feito de várias
frases individuais. O indivíduo deve não só esculpir cada uma dessas frases, mas também
saber como cada uma delas se encaixa na estrutura completa do estudo; os dois conceitos
(fraseado específico e generalizado) devem ser considerados simultaneamente. Nunca toque
cada nota como uma entidade separada, e sim como uma parte da perspectiva ampla,
a qual Bonade chamou de “uma frase enorme, contínua; em outras palavras, um todo
homogêneo”. O leitor é incentivado a estudar os Sixteen Phrasing Studies for Clarinet de
Bonade, publicado pela G. Leblanc Company. Essas são as interpretações do clarinetista dos
estudos de números ímpares do livro de Rose, mencionado anteriormente. Nesses estudos,
Bonade esclarece várias das suas ideias de fraseado com marcações detalhadas das frases.

53
Capítulo IV: Articulação
“Uma articulação adequada pressupõe um bom staccato.”

Daniel Bonade (do Clarinetist’s Compendium)

Bonade acreditava que a ponta da língua, em vez de bater na palheta para articular
o som, deveria ser colocada suavemente nela. O fluxo de ar deve aumentar gradualmente
atrás da ponta da língua, e então a língua deve ser afastada rapidamente da palheta a uma
pequena distância para permitir que a nota soe. Em seguida, ela então retorna à palheta a
fim de parar a nota, no caso do staccato curto. Assim, uma nota é iniciada colocando-se a
língua na palheta antes de soprar, e nunca “batendo” nela com a língua de forma bruta ou
percussiva, resultando em um som feio e em uma parada abrupta das vibrações. Bonade
dizia que o ataque, ou o início do som, é resultado da retirada da língua da palheta.
Uma vez que a função da língua é tocar a palheta gentilmente a fim de parar as
vibrações, não é necessário pressionar a palheta para dentro da boquilha para fechar a
abertura. Assim, a língua, em vez de ser um músculo que bate, pressiona ou empurra
a palheta, é um órgão de sensação que a sente da maneira mais suave e gentil possível,
mesmo em passagens em forte ou fortissimo. Ela também sente a pressão do ar atrás dela
mesma com uma grande sensibilidade.
Para que se possa colocar isso em prática, comece dizendo “tu” algumas vezes sem
o clarinete. Note que você está usando a ponta da língua. Depois, inclua o instrumento e
toque suavemente na palheta com a ponta da língua. Com a língua ainda no lugar, comece
a soprar (sem produzir som, claro). Em seguida, pense em “tu” enquanto você afasta a
língua a uma pequena distância da palheta e toque o Sol aberto.

Esse exercício desenvolve uma qualidade limpa e clara no início de uma nota. Dar
início a qualquer nota de maneira clara e limpa em qualquer nível de dinâmica é uma das
habilidades mais importantes a serem desenvolvidas.
Capítulo IV: Articulação

O valor de um bom início para um bom som

“Bonade adquiriu seu belo som articulado do seu professor, Henri Lefebvre”

Mitchell Lurie

Eu creio que os leitores irão perdoar uma digressão da técnica estrita de Bonade para
relatar uma história que ilustra o valor do desenvolvimento de um bom início para cada
nota. Alguns anos atrás em um conservatório de prestígio, foi dada uma bateria de testes
a calouros para medir sua habilidade de ouvir timbre. Em um dos testes, foi pedido aos
estudantes que identificassem o instrumento que tocava as cinco notas apresentadas a seguir:

Essas notas foram tocadas sucessivamente pela flauta, oboé, clarinete, trompa e
fagote, e os alunos tinham que distinguir qual instrumento estava tocando. Como se
pode esperar, eles atingiram uma pontuação bastante alta nesse teste. No teste seguinte,
os mesmos cinco instrumentos, em uma ordem diferente, tocaram novamente as mesmas
cinco notas. Dessa vez, o oboé, a trompa e a flauta não usaram vibrato característico.
Mais uma vez, os estudantes obtiveram uma pontuação alta. No terceiro teste, a ordem
em que os instrumentos tocaram foi alterada novamente, e os ataques das notas foram
cortados da gravação em fita. A gravação foi então unida, resultando em notas sem o som
característico de ataque. As pontuações desabaram. A lição aprendida com esses testes é
a de que o ouvido humano identifica timbre em grande parte, embora certamente não de
maneira exclusiva, durante o ataque da nota. Portanto, cabe a nós desenvolver o ataque
mais limpo e belo possível. Ainda que Bonade não tivesse como saber desse teste, acredito
que o motivo pelo qual uns dos melhores professores, incluindo Bonade, enfatizaram a
importância de dar início às notas com a língua na palheta foi a sensibilidade e a capacidade
de distinção de sua audição.
O exercício a seguir irá ajudar a desenvolver um bom começo de nota. Todas as
notas mais agudas subsequentes devem corresponder à dinâmica e à qualidade da “nota

55
Capítulo IV: Articulação

âncora”10. Fale “tu” para cada ataque, usando apenas a ponta da língua. Libere o final de
cada nota com o ar e coloque gentilmente a língua de volta na palheta durante os silêncios
entre as notas. Ao longo de cada silêncio, ouça a qualidade do “tu” para a nota seguinte.

10 NT: Entendemos que a “nota âncora” é a primeira nota de cada compasso ou a mais grave.

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Capítulo IV: Articulação

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Capítulo IV: Articulação

Os solos a seguir de Morte e Transfiguração, de Strauss, testam a habilidade de iniciar


notas de maneira rápida e limpa.

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Capítulo IV: Articulação

Interrompendo o som, mas não o ar

A fim de obter notas mais curtas, deve-se finalizá-las colocando a língua de volta
na palheta enquanto continua soprando um fluxo de ar intenso. Para reproduzir essa
técnica, comece com a língua na palheta. Retire-a e toque o Sol aberto em mínimas.
Depois, interrompa as notas colocando novamente a língua na palheta, mas continue
soprando durante o silêncio entre as notas. Se você a mantiver na palheta, irá sentir uma
pressão de ar aumentando gradualmente atrás da língua. A embocadura deve se manter
firme. Os resultados são notas que são “interrompidas” ou “cortadas”.

Agora faça a mesma coisa com semínimas seguidas por pausas de semínima. A
ponta da língua deve se manter na palheta durante os silêncios entre as notas e o sopro
deve ser mantido constante.

Agora aumente um pouco a sua proporção, começando com colcheias separadas e


diminuindo para semínimas com staccato. Lembre-se de continuar soprando depois de
a língua ter interrompido o som. O fluxo de ar começa antes de emitir a nota e continua
após ela ser interrompida. Pratique de frente para um espelho e lembre-se de não mover
a mandíbula e o queixo, especialmente quando for tocar as semínimas. A embocadura
deve permanecer firme e estável.

59
Capítulo IV: Articulação

Uma vez que essa habilidade tenha sido desenvolvida, a língua pode ser colocada
de volta na palheta para produzir uma nota de qualquer duração, até mesmo uma nota
bem curta. A seguir temos um excelente exercício ensinado por Kalmen Opperman, um
grande expoente da tradição francesa. Ele irá lhe ajudar a desenvolver notas curtas. Não se
esqueça de manter a embocadura firme – não mova a mandíbula ou o queixo. Cheque-a
no espelho enquanto realiza o exercício.

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Capítulo IV: Articulação

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Capítulo IV: Articulação

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Capítulo IV: Articulação

Se praticado diariamente durante alguns meses, o exercício citado anteriormente


pode ser de grande valor para ajudar na produção de um belo staccato curto. Essa é uma
tradição francesa que Bonade aprendeu com seu professor Henri Lefebvre, e passou
para centenas de estudantes. É necessário ter certa dedicação para aprender, mas o seu
domínio facilita todos os tipos de articulação e oferece ao artista uma grande variedade
de articulações ao seu dispor.
Para revisar: para o staccato, a nota é iniciada e interrompida com a língua. A pressão
do ar é mantida durante todo o tempo, inclusive durante os silêncios entre as notas, a
fim de garantir que a nota seguinte tenha energia e a frase inteira possa ter direção. Se a
pressão do fluxo de ar for perdida nos silêncios entre as notas, a frase tenderá a perder a
tensão e a direção.
Durante o silêncio entre as notas, os dedos são movidos para a nota seguinte em
preparação para a próxima emissão do som. Essa preparação dos dedos oferece boa
coordenação entre os dedos e a língua. Um bom exemplo disso é o Estudo nº 11 do livro
40 Studies for Clarinet, de C. Rose. Comece-o com o andamento lento indicado.

Os resultados são notas curtas com uma qualidade viva e alegre, que se adequam
perfeitamente à música enérgica, do estilo scherzando. Robert Marcellus chamava isso
de “staccato interrompido” e enfatizava a importância de desenvolver essa articulação
curta. Aumente de maneira gradual a velocidade do andamento até que o estudo possa
ser tocado como exposto a seguir:

Esse estilo scherzando se adequa muito bem aos solos do primeiro movimento da
Sinfonia nº 6 de Beethoven.

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Capítulo IV: Articulação

Para dar vida e intensidade aos padrões de articulação em velocidades moderadas


e rápidas, pode-se acentuar a primeira nota da ligadura e cortar a última. Por exemplo,
no padrão de duas notas ligadas e duas staccato:

Como é escrito: Como é tocado:

Esse conceito é válido para outros padrões, como duas notas separadas e duas ligadas:

Como é escrito: Como é tocado:

E também três notas ligadas e um staccato:

Como é escrito: Como é tocado:

A única exceção a essa regra ocorre quando o grupo começa com uma nota separada
e é seguida por três ligadas. Nesse caso, o acento vai para a nota articulada, e a última
nota das ligaduras não é cortada.

Como é escrito: Como é tocado:

Como é tocado:

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Capítulo IV: Articulação

Ao encontrar grupos de duas notas ligadas, a segunda nota da ligadura não é cortada,
mas sustentada. O início da ligadura seguinte é tocada com a língua da maneira mais
suave possível, resultando em um conjunto de ligaduras que soam bem ligadas, como no
exemplo do Estudo nº 12 do livro 32 Etudes for Clarinet, de C. Rose.

No Estudo nº 4 do livro 32 Etudes for Clarinet, de C. Rose, é necessário mudar


rapidamente de um staccato curto para uma passagem em legato.

O staccato curto

O estudo do staccato curto nos remete à citação de Bonade no início deste capítulo:
“Uma articulação adequada pressupõe um bom staccato”. Em outras palavras, o desenvol-
vimento de um bom staccato curto influencia positivamente todas as outras articulações.
Assim, uma vez que se aprende a produzir boas notas curtas em toda a extensão do
instrumento, notas de todas as durações são automaticamente melhor produzidas.
Dois bons exemplos do stopped staccato11 estão nas performances realizadas por
Bonade de Carmen, de Bizet (faixa nº 10 do CD de Bonade), e Scheherazade, de Rimsky-
Korsakov (faixas nº 42-43 e 72-73 do CD de Bonade). Use essas performances como
modelo para o seu próprio staccato curto e veja o quão bem você consegue se adequar à
qualidade do som do clarinetista. [Nota: o excerto de Carmen, geralmente escrito para
clarinete em Si bemol, foi transposto para ½ tom acima para clarinete em Lá, a fim de
facilitar os trinados].
11 NT: Na falta de uma boa tradução para o termo stopped staccato, optamos por manter o termo original. Esse staccato
consiste em interromper a vibração da palheta sem interromper o fluxo de ar, criando um staccato curtíssimo.
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Capítulo IV: Articulação

Notas levemente interrompidas em uma frase

Além do conceito de “articulação interrompida”, em que a língua corta o final das


notas, Bonade ensinava o conceito de nota levemente interrompida. Por exemplo, ouça
a sua performance de Rosamunde, de Schubert (faixa nº 45 do CD de Bonade). No final
do Lá no compasso 1, o ar é mantido na parte de trás da boca. A língua retorna à palheta
entre o Lá e o Mi, e a pressão do ar retorna à posição atrás da língua [note que o excerto
é escrito em Dó e deve ser transposto um tom acima se for tocado no clarinete em Si
bemol]. A língua então emite o Mi, produzindo uma boa acentuação. A combinação de
uma emissão suave do Lá (um Lá “suspenso”) com uma acentuação no Mi resulta em um
estilo que é totalmente apropriado para essa música.

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Capítulo IV: Articulação

O staccato delicado

Clark Brody lembra que para se ter um som belo de um staccato delicado, Bonade
interrompia a nota com a reversão do ar, em vez de com a língua. Para reproduzir essa
técnica, comece dizendo “tu”, distante do clarinete. Após deixar um pouco de ar escapar,
gentilmente, mas imediatamente, traga o ar de volta à boca. Em seguida, tente essa técnica
com semínimas e colcheias no andamento moderado. Embora não seja possível tocar esse
tipo de staccato de maneira rápida, ele é, todavia, um efeito sonoro maravilhoso para certas
passagens. Entre elas, tem-se Dança dos Aprendizes, do Die Meistersinger. Certifique-se
de que a embocadura não muda durante a reversão do ar.

O semi-staccato

No caso de passagens que requerem que as notas sejam separadas, mas não curtas, e
para trechos em andamento de moderado a rápido, em que um staccato curto soaria muito
seco, Bonade propõe o que ele chama de “semi-staccato”. Os pequenos solos da Sinfonia
nº 39 de Mozart, nos quais os finais das notas não são cortados, são bons exemplos desse
staccato mais longo. A fim de reproduzir o semi-staccato, comece cada solo com a língua
na palheta e bastante ar atrás da língua; isso irá lhe proporcionar maior precisão rítmica
e segurança no início da nota, não importa o quão rápido seja o andamento. Essa técnica
é especialmente vantajosa por propiciar uma precisão às passagens rápidas articuladas
que começam no contratempo.

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Capítulo IV: Articulação

Bonade recomendava colocar a língua na palheta antes do começo das passagens em


semicolcheia que começam no contratempo, como aquelas da Sinfonia nº 1 de Beethoven,
com o objetivo de não atrasar o tempo. Para isso, disponha de um intenso fluxo de ar
atrás da língua.

O staccato longo

A palavra italiana staccato significa “destacado” ou “separado”. Notas que devem


ser staccato e separadas uma quantidade mínima eram chamadas “staccato longo” por
Bonade. Nesse tipo de staccato, não há um “corte” no final da nota. Dois bons exemplos
dessa articulação estão no movimento lento da Sinfonia nº 6 de Beethoven.

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Capítulo V: Coordenação e controle
Os conceitos de frases de Bonade exigiam que os clarinetistas tivessem um excelente
controle da dinâmica e da produção do som. Assim, ele desenvolveu técnicas para ajudar o
clarinetista a obter o controle necessário para realizar as ideias de fraseado. Talvez o tipo
mais óbvio de controle seja o da dinâmica; ser capaz de fazer um bom crescendo gradativo
e um diminuendo, enquanto mantém um som focado. Porém, Bonade também exigia o
controle de movimentos rápidos: mudanças repentinas de dinâmicas e alterações rápidas
do fluxo de ar e da língua.

Controle da dinâmica

Bonade criou o exercício em específico a seguir para ajudar os alunos a desenvolver


o controle da dinâmica. Comece uma nota apenas com o ar, sem ouvir nenhum som.
Gradualmente, aperte os lábios até produzir um som bastante suave. Faça um crescendo
rápido e um diminuendo longo, reduzindo o som ao ar novamente. Concentre-se no dimi-
nuendo e no decrescimento do som até o silêncio e mantenha o foco do som pelo maior
tempo possível. Ao fazer isso, você irá notar a coordenação necessária entre a embocadura
e a coluna de ar. Comece com estas anotações e adicione outras de sua escolha:

Ronald de Kant recorda que Bonade sugeriu notas longas com Mi, Fá e Fá# graves,
tocadas em várias durações com crescendo e diminuendo. Bonade achava que o controle
do clarinetista, de maneira geral, estaria em boa forma se ele conseguisse manter de modo
constante o som e o timbre dessas três notas por meio da extensão completa da dinâmica.
Capítulo V: Coordenação e controle

“Mudando em um piscar de olhos”

Robert Marcellus disse que Bonade pedia um tipo de resposta “relâmpago” para o
legato e a articulação do staccato. A exigência de Bonade de palhetas leves, vibrantes e
flexíveis ajudou os alunos a realizar as mudanças rápidas que ele demandava. Um estudo
voltado ao controle de mudanças rápidas de dinâmicas é o Estudo nº 3 do livro 40 Studies
for Clarinet, de C. Rose, que está escrito da seguinte forma:

Bonade pedia que seus alunos tocassem esse trecho da seguinte maneira, a fim de
desenvolver sensibilidade ao controle de mudanças rápidas de dinâmicas em intervalos
grandes. Os clarinetistas precisavam respirar a cada dois compassos (em vez de respirar
a cada compasso) para não “ajustar os lábios” para cada intervalo.

Tanto Bonade quanto Robert Marcellus usavam


esse estudo de Rose como um aquecimento.

O benefício óbvio de ser capaz de dominar esse exercício está na execução clara e
nítida do fp e subito piano. A música de alguns compositores exige que o artista tenha um
domínio real do controle da dinâmica, e não há melhor exercício para o desenvolvimento
dessa habilidade do que o estudo de Rose mencionado anteriormente. Se você alterar o
exercício um pouco, verá o que quero dizer.

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Capítulo V: Coordenação e controle

Este pequeno anexo ao exercício pode parecer vagamente familiar. É um requisito


no Concertino de Carl Maria von Weber:

Mudanças rápidas de cor e subito p constituem elementos importantes do estilo


de Claude Debussy. A seguir são apresentados três exemplos do Prelúdio à Tarde de Um
Fauno. No terceiro exemplo, não deve haver um mínimo diminuendo no final do primeiro
compasso. De fato, todas as dinâmicas e mudanças de cor devem ser subito.

No caso da Primeira Rapsódia, de Debussy, a capacidade de fazer mudanças rápidas


de dinâmica e colorido é responsável por grande parte do sucesso da performance. Ao
longo da peça, Debussy exige o máximo de controle da dinâmica, e essas mudanças devem
ser feitas rapidamente. Na passagem a seguir, o Sol no terceiro tempo do primeiro compasso
e o Dó bemol no segundo compasso devem ser tocados de maneira mais suave do que as
notas que os precedem.

71
Capítulo V: Coordenação e controle

Na próxima passagem, continue o crescendo até o final do primeiro compasso. O


piu piano deve ser subito. O mesmo acontece com os compassos 3 e 4.

Na passagem abaixo, o crescendo no Lá# deve continuar até o início do próximo


compasso, na mudança de acorde do piano. A mudança na dinâmica e na cor do som deve
ser surpreendente e ao mesmo tempo muito agradável para o ouvinte.

Poucas performances alcançam um piano verdadeiro no Ré bemol conforme está


escrito. No entanto, ele é um efeito maravilhoso, e o artista deve se esforçar para alcançá-lo.

O subito piano no terceiro compasso da passagem seguinte deve ser realizado com
bastante clareza, de forma que o público perceba uma mudança abrupta na direção que
a música está tomando.

No último exemplo, o final da escala cromática no final do compasso 1 deve ser um forte
vigoroso. O contraste para o Dó piano no compasso seguinte deve ser extremo. O andamento
do Plus Anime não deve ser tão rápido ao ponto de que as mudanças de dinâmica não possam
ser reproduzidas e ouvidas pelo público. Observe que os dois trinados de Si bemol iniciam com
subito piano e o mesmo ocorre com o primeiro trinado de Ré, mas o segundo trinado de Ré é
muito mais alto. O ouvinte deve ser capaz de ouvir essas distinções claramente.
72
Capítulo V: Coordenação e controle

Controle da articulação

Para uma articulação rápida e clara, Bonade designou o Estudo nº 6 do livro 40


Studies for Clarinet, de C. Rose. Ele exigia que os alunos tocassem a fusa o mais tarde
possível, considerando tanto ela quanto a semicolcheia seguinte como pares. O staccato
tinha que ser muito curto. Marcellus comparou isso a ser colocado “no fio da navalha”.

Os alunos podem desenvolver uma sensibilidade à coluna de ar atrás da língua


soprando o ritmo do exercício ( ) na palma da mão esticada, afastada
a cerca de 25 centímetros do rosto. Para isso, reproduza a imagem abaixo, fazendo o ar
alcançar a mão com força.

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Capítulo V: Coordenação e controle

Pratique este exercício com cuidado. Pode-se sentir uma diferença na palma da mão
se o ar e a língua estiverem adequadamente coordenados – a mão sente mais clareza da
articulação. Também, pratique esse exercício fazendo digitação, com o clarinete na boca,
mas sem emitir som.

Outras técnicas para o controle

Para dar um controle adicional a um Dó agudo quando for necessário iniciar com
um piano ou o pianissimo, pode-se colocar o dedo indicador da mão esquerda no clarinete
acima da chave Lá da garganta do instrumento, usando-o como um apoio. Isso pode dar
uma sensação de maior controle do início da nota. Para aplicar essa técnica, toque o seguinte:

Para fazer ligaduras do registro do clarim até o registro agudíssimo, deslize o dedo
indicador da mão esquerda para baixo, aos poucos, abrindo o orifício um pouco de cada
vez, em lugar de abri-lo de maneira abrupta. Para facilitar esse processo, imagine um
esquiador pulando uma pista de esqui.

Estudando o solo de Uma Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky, pode-se implementar


as duas técnicas anteriores para o controle. Pratique este solo em quatro e também em
dois tempos por compasso em um ritmo lento.

74
Capítulo VI: Dominando
passagens técnicas

“Bonade tinha uma técnica de


digitação absolutamente brilhante.”
Mitchell Lurie

Bonade acreditava que os dedos precisam estar relaxados e flexíveis durante todo
o tempo, não importando a demanda musical. Para passagens técnicas, os dedos ficam
bastante próximos às chaves. O mestre enfatizava a importância do estudo lento enquanto
se mantém os dedos relaxados. No primeiro contato com uma passagem técnica o clari-
netista pode bater um pouco os dedos para dar precisão, desde que os dedos permaneçam
próximos ao clarinete e o bater seja sutil.

Bonade claramente diferenciava os dois estilos de movimentação dos dedos:


Dedos altos para passagens em legato lentas (como descrito no capítulo I)
e dedos mantidos próximos ao clarinete para passagens rápidas.

Em geral, os dedos apertam as chaves de maneira delicada para passagens rápidas.


Para sentir isso, aperte, lenta e delicadamente, o antebraço esquerdo com os dedos da mão
direita seis vezes. Repare na sensação do aperto e nos apertos “intermediários”. Os dedos
tocam o antebraço com uma boa tonicidade muscular. Depois, mude os braços e repita o
exercício. Por fim, repita essa sensação no clarinete para passagens rápidas.
O CD The Legacy of Daniel Bonade contém inúmeras passagens mostrando essa técnica
brilhante de digitação. A primeira passagem que iremos discutir é um solo do terceiro
movimento de Scheherazade (faixas nº 41 e 71 do CD de Bonade), de Rimsky-Korsakov.
Mitchell Lurie narra uma história interessante de seu tempo de estudante sobre esse solo,
em que ilustra um dos mais importantes fundamentos ensinados pelo clarinetista. Em uma
lição, Bonade demonstrou o solo, e Lurie conta que ele soou tão suave quanto uma seda.
Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Lurie afirma que sua própria versão era muito boa: “como um motor de 12 cilindros
rodando em 10 ou 11”.
Depois, Bonade tocou o mesmo solo bem lentamente, e o som continuou parecendo
uma seda. Quando Lurie tentou fazer o mesmo de maneira lenta, o desnível em sua
execução se tornou aparente.
Então, Bonade estabeleceu um dos seus conceitos mais importantes: “a habilidade de
tocar com técnica é a primeira habilidade para tocar uniformemente em um andamento
lento”. Isso requer paciência para tocar bem devagar enquanto presta bastante atenção a
cada detalhe, até que o clarinetista ultrapasse as inconsistências das ações dos dedos em
cada músculo. Ouça com atenção em busca da uniformidade, como neste exemplo de
prática de Scheherazade:

Somente depois que o exemplo anterior puder ser tocado com total uniformidade e
suavidade, pode-se avançar para o seguinte:

76
Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Conforme se começa a tocar as colcheias, como mostrado, encontre uma ou duas


notas no meio dela para ser o alvo. No caso das colcheias de Scheherazade, Bonade disse
para os estudantes se concentrarem em conseguir tocar as notas Lá e Si bemol da região da
garganta. Se o clarinetista focar nessas duas notas, o resto da passagem tende a se encaixar
em seu devido lugar. Quando isso for dominado, “aumente a velocidade da digitação e
toque rápido”. No entanto, se você não puder tocar perfeitamente a passagem técnica
em um andamento lento, você simplesmente não poderá tocá-la! Essa forma de estudar
economiza bastante tempo e lhe poupa da ansiedade de praticar passagens técnicas por
muitas horas, em um andamento muito rápido.

Rotina de estudo lento

É necessário ter paciência para praticar passagens técnicas de maneira bem lenta
e mantê-las no andamento até serem dominadas. No entanto, os indivíduos frequente-
mente tocam rápido demais e de forma antecipada, tirando de si mesmos o benefício do
conceito profundamente importante descrito acima. Para passagens técnicas específicas,
Bonade tinha uma rotina de prática lenta. Primeiro, decida qual será o andamento final
da passagem e a pratique nove vezes em meia velocidade. A décima vez deve ser tocada
na velocidade máxima e de uma vez, sem parar nos erros. As nove vezes lentas e a vez
rápida constituem uma unidade. Faça cada unidade nove vezes. Se você se concentrar e
ouvir, essa rotina será muito eficaz para aprender uma passagem técnica. Ela também
transmite bastante confiança na sua performance.
Mesmo após as passagens técnicas em andamento rápido terem sido aprendidas,
pode-se aperfeiçoá-las voltando ao andamento lento e aumentando sua velocidade gra-
dualmente. Bonade enfatizava a distinção entre o ato da prática e o ato da performance.
Ele dizia: “A prática deve preparar o clarinetista para apresentar”. No entanto, eles não
são a mesma coisa.
A performance de Bonade da cadenza do segundo movimento de Scheherazade,
de Rimsky-Korsakov (faixas nº 39 e 69 do CD de Bonade), é tocada rapidamente, com
muito entusiasmo, mas com o máximo de precisão. Bonade sugeria que os clarinetistas
considerassem as semínimas Sol-Lá-Si bemol como as notas mais agudas dos acordes,
com os instrumentos de corda da orquestra tocando a base dos acordes. Cada vez que o
Sol-Lá-Si bemol for repetido, imagine que os acordes se tornam um pouco mais demorados
na duração. Observe como Bonade acelera as semínimas sutilmente em suas apresentações
para criar um efeito de urgência.

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Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Robert Marcellus costumava tocar a seguinte performance realizada por Bonade de


Esboços Caucasianos, de Ippolitov-Ivanov (faixa nº 31 do CD de Bonade), para os seus alunos,
referindo-se à obra como um excelente exemplo de fluidez relaxada. A fim de alcançar essa
fluidez, sinta como se a intensidade do fluxo de ar estivesse conduzindo os seus dedos.

A passagem, obviamente, deve ser praticada com a colcheia como pulso, como se a
métrica fosse 8/8, começando com um andamento lento. Para praticá-la dessa maneira,
aumente a velocidade gradualmente até atingir o tempo de performance.

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Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

A performance feita por Bonade do solo de Orfeu no Inferno, de Offenbach (faixa nº


5 do CD de Bonade), oferece uma boa demonstração do conceito de “ar entre as notas”.
O fluxo de ar de Bonade é bastante intenso, e seus dedos estão bem relaxados. Essa
combinação proporciona uma suavidade e uma uniformidade que todos os clarinetistas
buscam alcançar. O resultado é como se o indivíduo pudesse “dirigir um caminhão”
entre as notas dos arpeggios!

Agrupamento das notas

Agrupar as notas em padrões pode proporcionar uma clareza mental ao tocar


passagens rápidas. A cadenza da Rapsódia Húngara nº 2, de Liszt (faixa nº 32 do CD de
Bonade), é um caso em questão. O excerto da orquestra se parece com isto:

79
Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Bonade agrupou a cadenza em seções indicadas com hastes para cima, a fim de
tornar mais fácil de estudar. Os grupos de três e quatro notas devem ser praticados bem
devagar com um metrônomo antes de aumentar a velocidade. Foque na regularidade, com
cada nota tendo exatamente a mesma duração. Depois que a regularidade for alcançada,
pode-se tocar com um pouco de rubato. O resultado exemplifica o conceito musical de
Bonade de que tudo deve soar natural para o público, apesar das dificuldades existentes.
Pense na intensidade do ar conduzindo os dedos para esse excerto.

Digitações

“Use a digitação que funciona – não se prenda às regras.”

Daniel Bonade

A citação acima não é típica dos ensinamentos de Bonade e de sua execução artística;
normalmente, ele era dogmático sobre o uso de digitações específicas. O comentário
ocorreu quando um aluno avançado estava tocando a cadenza do segundo movimento
de Scheherazade (página 63). Ele usou a digitação da mão esquerda para tocar o Si bemol
(terceira nota na cadenza), mas a digitação da mão direita, embora talvez não tão “correta”,
era a escolha óbvia para alcançar a naturalidade e a fluidez. A citação do clarinetista pres-
supunha que o aluno sabia todas as regras básicas de digitação. A seguir estão os conceitos
de digitação de Bonade, que concordam em maior parte com o dogma da Escola Francesa.
Utilize a digitação forquilhada (1+1)12 para o Si bemol acima da pauta se a mão direita
tiver sido usada para a nota anterior. Use as outras digitações para o Si bemol (mão direita
e esquerda) quando a mão direita não estiver no clarinete para a nota anterior. Então, por
exemplo, faça a digitação forquilhada para o Si bemol (1+1) para todos esses intervalos:

12 NT: A nomenclatura 1+1 refere-se a utilizar o indicador e o polegar da mão esquerda e o indicador da mão direita.

80
Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Essa regra se estende para notas mais agudas que o Si bemol. Por exemplo, utilize a
digitação forquilhada para o Si bemol para essa passagem, uma vez que a mão direita foi
usada para as notas anteriores ao Si bemol:

Use a digitação forquilhada 2 (1+2)13 para os Lá# nessa passagem:

No Estudo nº 19 do livro 40 Studies for Clarinet, de C. Rose, essa passagem do


compasso 12 seria tocada com todos os Si bemóis forquilhados:

Utilize Si bemol da mão direita para essa passagem:

Deve-se considerar o Si bemol forquilhado (1+1) para esta passagem da Primeira


Rapsódia de Debussy. Pode ser mais limpo do que usar a digitação da mão direita, porque
ele facilita a passagem para o Ré bemol agudo:

13 NT: A nomenclatura 1+2 refere-se a utilizar o indicador e o polegar da mão esquerda e o anelar da mão direita.

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Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Em geral, a técnica de digitação tende a ser irregular quando há troca de mãos. Então, por
exemplo, na passagem a seguir, ouça com atenção especial do Lá ao Fá, quando a mão direita
entra em ação. Uma leve falta de coordenação entre as mãos pode ocasionar irregularidade.

No caso do trinado do Mi bemol ao Fá, no registro do chalumeau, e do Si bemol ao


Dó, no registro do clarim, Bonade preferia usar a chave do Mi bemol e Si bemol agudo
da mão esquerda, e usar as duas chaves laterais de trinado que ficam mais abaixo14 para
alcançar o Fá ou o Dó agudo, sempre que possível. Esse trinado excelente pode ser utilizado
na primeira página da Primeira Rapsódia de Debussy:

E também para os trinados do Si bemol ao Dó na última página da mesma peça:

14 NT: Também conhecidas como chaves 7 e 8.

82
Capítulo VI: Dominando passagens técnicas

Esse trinado também é perfeito para a seguinte passagem do último movimento do


Octeto para Cordas e Sopro, de Schubert:

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Capítulo VII: Comentários de
Bonade sobre excertos orquestrais
Durante o verão de 1972, os seguintes comentários foram feitos por Bonade a Paul
McGlothin e foram inseridos em seu caderno de estudo. O autor agradece ao Sr. Glothin
por compartilhar generosamente estas notas com todos os clarinetistas. A maioria das
peças do repertório orquestral mostradas a seguir não foi mencionada anteriormente neste
material. Aos poucos, o autor adicionou comentários, entre colchetes, para elucidar ideias.

Sinfonia nº 1, de Beethoven
Último movimento: observe que as escalas em staccatos não se iniciam tardiamente
[comece as notas com a língua na palheta e sinta o ar preparado atrás da língua].

Sinfonia nº 2, de Beethoven
Segundo movimento: não faça automaticamente um crescendo em uma nota após já
ter aumentado a dinâmica nas notas anteriores. Por exemplo, você irá fazer naturalmente
um crescendo na colcheia de Sol, Dó e Ré indo para o Mi, como em uma frase melódica.
Em vez de continuar o crescendo, dê uma pequena pausa antes do Mi trinado. Para um
legato bonito, levante bem os dedos e desça-os devagar.
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 3, de Beethoven
Primeiro movimento: faça o primeiro arpeggio de Fá todo piano e legato.

Letra A de ensaio: toque com uma leve levantada na primeira nota de cada grupo –
digite a nota pontuada antes de tocá-la para alcançar um ataque perfeito. Não apresse as
colcheias – você deve estar sempre contando [subdividindo].

Segundo movimento: “separe” o fraseado bem, não o apresse. Esse movimento é lento
e você não deve chegar nas batidas antes de que a batuta do maestro chegue ao final [delas].
Scherzo: toque notas curtas no estilo scherzo [corte o final das notas com a língua
para encurtá-las. Continue soprando entre as notas curtas].

85
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 4, de Beethoven
Movimento lento: observe as conexões entre as notas. Para obter melhores conexões,
suba e abaixe o dedo bem antes de tocar a próxima que está em legato.

Scherzo: não se atrase nas entradas [conte as pausas cuidadosamente e certifique-se


de que as entradas estão preparadas com os dedos, a embocadura e o ar].

Quarto movimento: crescendi devem ocorrer em um curto espaço de tempo. Faça


crescendi rápidos em um compasso. Ele deve começar imediatamente na primeira nota,
não na segunda.

Aumente [a intensidade em] uma nota mais grave para conectar a uma mais aguda.

86
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Na passagem de solo rápida, toque uma nota de ornamento bem rápida. Certifique-se
de que nenhum Ré é ouvido entre o Dó no final do compasso e a nota de ornamento Mi.

Sinfonia nº 5, de Beethoven
De maneira geral, prepare os dedos com antecedência para obter ataques e entradas limpas.

Sinfonia nº 6, de Beethoven
Primeiro movimento: nas tercinas em dolce, elimine todos os sons dos dedos. Sinta
como se houvesse alguma coisa os afastando dos orifícios [uma resistência]. Os dedos
devem estar relaxados e não devem bater no instrumento.

As tercinas com staccato no final do primeiro movimento – todas as notas devem ser
iguais no som; não deixe nenhuma delas sobressair. Toque com uma articulação semilonga.

87
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Movimento lento: faça uma articulação com staccato longo nas letras D e F do ensaio.

Terceiro movimento: as 3 primeiras notas (possivelmente 4) do solo são piano. Assim,


os Dó-Si-Sol são suaves [como se fossem as últimas notas do solo do oboé], e então o solo
inicia em Ré. No final da passagem, toque o staccato rápido bastante alto e não corte as notas.

Sinfonia nº 7, de Beethoven
Primeiro movimento: agrupe a semicolcheia e a colcheia para obter uma melhor
sensação rítmica (faixas nº 7-8 do CD de Bonade).

Segundo movimento: não tão rápido; pratique lentamente para desenvolver resistência
e sostenuto.

88
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Terceiro movimento: defina o ritmo; não trapaceie [certifique-se de subdividi-lo


durante a nota ligada].

Sinfonia nº 8, de Beethoven
Primeiro movimento: atente-se ao corte das colcheias com a língua para obter o
staccato curto.

89
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Minueto: no final do solo, mova os dedos com firmeza para o Sol agudo.

Abertura de Leonora nº 3, de Beethoven


O começo é em 3 subdividido [atente-se à colcheia subdividida em 6].

Concerto para Violino, de Beethoven


Movimento lento: nesse andamento, as semicolcheias viram “fraseados das semicol-
cheias” e recebem mais energia do que as colcheias pontuadas. Direcione cada semicolcheia
para o tempo forte seguinte. O solista de violino precisa completar os arpeggios antes de
que o maestro dê uma anacruse. Preste atenção ao ruído das chaves.

90
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

[Bonade frequentemente dava o exemplo de um violinista mudando o arco para


padrões lentos de colcheias pontuadas e semicolcheias, como os mostrados acima. Fazer
o gesto da mudança de arco ajuda o clarinetista a entender o conceito rítmico e de fluxo
de ar e a necessidade de dar um pouco de ênfase extra à semicolcheia].

Sinfonia Fantástica, de Berlioz


Movimento lento: pense na vogal “uu” [como em “tu”] para produzir o eco. No poco
forte, faça um diminuendo e um crescendo dentro da região de poco forte. Inicie a segunda
nota do compasso 13 [Fá#] de maneira suave para fazer um grande crescendo (faixas nº
60-62 do CD de Bonade).

Quarto movimento: no solo ascendente de Mi para Lá e de Mi para Dó#, imagine


que você está tocando as notas mais agudas antes de tocar a ligadura, de modo que essas
notas estejam “contidas” na nota mais grave. Isso evita que a nota mais aguda do intervalo
se sobressaia. Além disso, evita o tipo de ligadura abrupta que Bonade chamava de “jack
in the box”15 [na parte, este solo está escrito para clarinete em Dó, em um tom abaixo].

Quinto movimento: faça o trinado da semínima até a colcheia e pare-o na nota


fundamental (não na nota acima).

15 NT: Brinquedo que consiste em uma caixa e uma pequena manivela. Ao torcer a manivela, uma música é tocada e, ao
final dela, um palhaço pula de dentro da caixa.

91
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 1, de Brahms
Primeiro movimento, ensaio nº 8: comece o Fá com ar fazendo um grande crescendo
[penúltimo compasso]. Para a ligadura do Mi bemol para o Dó agudo, toque o Dó agudo
antes de tocar a nota [isto é, toque o Mi bemol com a intensidade necessária para tocar
o Dó e depois apenas mova os dedos]. Ouça a faixa nº 13 do CD de Bonade [na parte,
esse excerto é escrito ½ tom acima para clarinete em Lá, mas geralmente é tocado com
clarinete em Si bemol, como mostrado aqui].

Sinfonia nº 2, de Brahms
Movimento lento: é tocado em quatro pulsos por compasso. O clarinete define a
batida com a colcheia antes do tempo forte. Observe o maestro para a continuação do ritmo.

92
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 3, de Brahms
Primeiro movimento: o primeiro arpeggio deve ser ouvido com clareza pelo público.
No 9/4, o clarinete está em um registro abafado e, por isso, o som deve ser bem projetado
(faixa nº 15 do CD de Bonade).

Movimento lento: é recomendada digitação de ressonância para a nota Lá do registro


da garganta: feche todos os furos da mão direita, o furo do anelar da mão esquerda e pressione
a chave do Si com o dedo mínimo da mão esquerda. Pode-se soprar um pouco ao final da
primeira nota (Ré) e relaxar em direção ao Mi, criando uma ligadura ascendente perfeita. As
semicolcheias, nesse andamento lento, são “fraseados das semicolcheias” e devem ser tocadas
com energia em direção às colcheias pontuadas seguintes (faixa nº 17 do CD de Bonade).

Certifique-se de que o terceiro e o quarto movimento dessa sinfonia são tocados lenta e
cuidadosamente, em vez de muito rápido.

93
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 4, de Brahms
Segundo movimento: o solo “inicia” na segunda nota [dessa forma, mude a cor e
adicione energia uma vez que a semicolcheia pontuada for iniciada]. Lembre-se de parar
entre os fraseados; não tenha receio de tocar fraseados curtos [veja as marcações de Bonade
em seu livro de excertos da orquestra]. Dê energia extra às “fusas da frase”.

Variações Sobre um Tema de Haydn, de Brahms


Variação V: toque todas as notas bem curtas e leves. Após a letra H de ensaio, antecipe
o começo dos contratempos para garantir que o ritmo esteja correto: toque duas tercinas
de colcheia, e não duas semicolcheias.

94
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Variação VII: certifique-se de que as colcheias nos três últimos compassos estão
exatamente iguais; a segunda, no penúltimo compasso, não deve se atrasar.

Concerto para Violino, de Brahms


Terceiro movimento: o solo em allegro giocoso deve ser bem colocado ritmicamente
e bem articulado.

Concerto para Piano nº 2, de Brahms


Primeiro movimento: em espressivo, toque com um bom e bem projetado som do
solo [com bastante vibração] ambas as vezes. Eles devem ser ouvidos claramente.

Segundo movimento: em Piu Adagio, use um “uu” para a coluna de ar.

95
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Prelúdio à Tarde de Um Fauno, de Debussy


Faça um crescendo com intensidade até o topo das fusas do terceiro e sexto compassos
(faixa nº 22 do CD de Bonade).

Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorak


Terceiro movimento: em scherzo, o sostenuto não é tocado com uma qualidade
“alegre” (faixa nº 26 do CD de Bonade).

Abertura de Zampa, de Herold


Certifique-se de que as semicolcheias não estão muito curtas e coloque um tenuto na
semicolcheia das notas de Dó agudas nos compassos 2 e 10 (faixa nº 3 do CD de Bonade).

96
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia nº 3, de Mendelssohn
Primeiro movimento: toque com fraseados longos. Ele não pode soar como uma
“música infantil”.

O Vivace non troppo é um scherzo e deve ser bem no estilo. O staccato deve ser bem
leve e curto.

Scherzo do Sonho de Uma Noite de Verão, de Mendelssohn


Toque com um staccato bastante curto.

97
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Uma Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky


O solo lírico pode ser regido em 2/2 ou 4/4. Pratique-o das duas formas para ficar
preparado. [Veja as páginas 74-76 para outras informações acerca desse solo].

Sinfonia nº 2, de Rachmaninoff
Segundo movimento: certifique-se de que você está sempre projetando o som nesse
solo, mesmo quando estiver tocando suavemente.

98
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Capricho Espanhol, de Rimsky-Korsakov


Faça um trinado até a nota seguinte e não dê pausas depois dos trinados.

No Vivo, as notas do meio das passagens em fusas devem ser ouvidas claramente
[foque e sopre nas notas do meio das fusas].

99
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

O Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov


A cadenza às vezes é regida [então, deve-se estar apto a olhar para o maestro]. A
primeira nota de cada grupo de oito notas deve ser ouvida claramente.

Scheherazade, de Rimsky-Korsakov
Na cadenza: para as semínimas Sol-Lá-Si bemol, toque cada nota como se fosse a
nota mais aguda de um acorde. Cada vez que a cadenza for repetida, faça os acordes um
pouco mais longos. Use a digitação lateral para os Si bemóis. Use a chave [digitação] que
funciona – não se prenda às regras (faixas nº 39 e 69 do CD de Bonade).

É recomendável praticar a seção 3/8 para interação entre movimentar a língua e


fazer a ligadura. Comece cada nota staccato com os dedos digitando a próxima nota16.

16 NT: Essa técnica também é conhecida como prepared fingers technique (em tradução livre, técnica dos dedos preparados)
e consiste em digitar antecipadamente a nota que será tocada em staccato, enquanto a língua está encostada na palheta
interrompendo o som.

100
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Sinfonia Inacabada, de Schubert


Segundo movimento: conecte os dois primeiros pares de compassos com diminuendi
[aumente a intensidade entre o Mi e o Sol e depois faça um diminuendo no Sol. Repita isso nos
compassos 3 e 4]. Não respire antes do primeiro Lá bemol no compasso 13. Respire um ou dois
compassos antes do último Si e não faça um diminuendo na última nota [Si] tão depressa (faixas
nº 46-47 do CD de Bonade).

Sinfonia em Dó, de Schubert


Segundo movimento: toque a nota de ornamento bem próxima à nota seguinte,
quase no tempo.

101
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Concerto para Piano, de Schumann


O público deve ouvir claramente as duas colcheias após as três notas de ornamento.

Sinfonia nº 1, de Sibelius
Primeiro movimento: no solo de abertura, todas as notas devem ser bem apoiadas
e com vida, especialmente o último Dó, como se fosse a última nota de uma cadenza.
Era pedido que os alunos praticassem e tocassem esse solo várias vezes como um estudo
para atingir a qualidade do som. O clarinete não podia “fazer o que ele quisesse” e tocar
cores diferentes para os vários registros. Ronald de Kant relata que Bonade pedia que os
alunos mudassem a velocidade do fluxo de ar para manter o mesmo timbre das notas.

Don Juan, de Strauss


As notas de ornamento devem ser curtas – elas são apogiaturas, e não notas de
ornamento ordinárias. As frases, portanto, viram frases de apogiatura, significando que
as apogiaturas devem ser a parte mais intensa da frase. A nota depois da apogiatura irá
iniciar de maneira mais suave a fim de fazer o crescendo que está escrito.

102
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Morte e Transfiguração, de Strauss


Para mostrar a diferença entre dois ritmos “parecidos” [como as colcheias em duínas
e as tercinas], alongue a mais lenta um pouco mais lento e faça a rápida um pouco mais
rápido. Assim, na passagem de abertura, por exemplo, alongue a colcheia e corra um
pouco nas tercinas. Isso também é válido para o motivo curto articulado.

Don Quixote, de Strauss


Toque as semicolcheias nos solos com rubato, e não estritamente no andamento
[comece um pouco devagar nas duas primeiras notas, enfatizando a mais aguda, e aumente
levemente a velocidade na passagem].

103
Capítulo VII: Comentários de Bonade sobre excertos orquestrais

Petrushka, de Stravinsky
As tercinas no começo da cadenza devem ser tocadas como tercinas: subdivida-as. O
resto da cadenza pode ser tocado de várias maneiras diferentes. Caso necessário, consulte
o maestro.

104
Capítulo VIII: Equipamento
Palhetas

“A arte de produzir um bom som consiste em ser capaz de atin-


gir volume suficiente com uma palheta leve ou média.”

Daniel Bonade

Muitos dos conceitos de palheta de Bonade estão descritos no Clarinetist’s Compendium,


o qual está disponível em G. Leblanc e Co. Este capítulo contém informações comparti-
lhadas pelo músico com alunos e publicadas em revistas que não estão mais disponíveis.
Como a epígrafe sugere, Bonade recomendava que os clarinetistas usassem palhetas
um pouco mais leves do que as que são algumas vezes encontradas atualmente, a fim de
atingir a flexibilidade e o conforto necessários para um bom fraseado. Ele enfatizava a
necessidade de a ponta e os lados da palheta vibrarem livremente. A seguir é apresentado
o desenho da palheta de Bonade, retirado originalmente de um artigo intitulado “Daniel
Bonade’s Reed Notebook”, que foi publicado na revista Woodwind World em 1954, desta-
cando as superfícies de vibrações. [O autor agradece a Paul Cohen por ter cedido cópias
dos artigos nos quais a seguinte informação foi encontrada.]

“Vibração” e “Resistência”

Acompanhando esta ilustração, estão alguns pensamentos de Bonade sobre o que


as palhetas deveriam ser capazes de fazer e como elas deveriam sentir. Ele achava que era
“um erro cortar a ponta da palheta para conseguir mais som, quando na verdade o que é
necessário são maiores vibrações”. Ele recomendava que a área de vibração fosse reduzida
Capítulo VIII: Equipamento

pouco a pouco com Dutch Rush17. Bonade, conhecido por sua especialidade em ajustar
palhetas, usava exclusivamente a Dutch Rush em vez de lixas comuns ou facas. A Dutch
Rush pode ser especialmente útil quando usada na ponta da palheta ou próxima a ela.
Quando umedecida adequadamente, torna-se bastante flexível e é delicada com as fibras
relativamente finas da ponta da palheta, podendo ser efetivamente usada sem danificá-la.
Uma outra afirmação sobre a importância da vibração da palheta, escrita pelo próprio
Bonade em “Reed Notebook”, é a seguinte:

“O mais importante a ser lembrado ao escolher uma palheta: a força é imaterial


(de acordo com o gosto), mas a palheta deve vibrar de maneira suave ou forte.”

Bonade acreditava que o lado esquerdo da palheta deveria ser um pouco mais
resistente que o lado direito para compensar o fato de que o clarinete é segurado com o
polegar da mão direita. Isso faz com que o clarinetista exerça um pouco mais de pressão
na embocadura no lado esquerdo, exigindo que a palheta seja um pouco mais resistente
naquela área, especialmente mais abaixo da palheta, onde os lábios tocam. Esta é uma
sugestão escrita à mão por Bonade:

“O lado esquerdo deve ser três vezes mais forte”


“Área hachurada = área de vibração”

17 NT: Gramínea de caule áspero e gramatura fina que serve para lixar a palheta.

106
Capítulo VIII: Equipamento

No entanto, o lado esquerdo pode, na verdade, ser um pouco resistente na borda


inferior perto do ombro, como Bonade explica em suas anotações:

“Uma coisa importante a ser lembrada ao ajustar palhetas é que, embora o lado
esquerdo deva ser mais forte que o lado direito, quando a palheta é muito forte
ao tocar pp e muito suave ao tocar ff, provavelmente o lado esquerdo tem muita
madeira na borda inferior. Parte a ser lixada.”

107
Capítulo VIII: Equipamento

Perceba que, nas duas imagens anteriores, o centro da palheta é bastante firme
e resistente. Essa área não era reduzida. Muitos leitores irão perceber que atualmente
algumas marcas conhecidas de palhetas frequentemente têm o lado direito mais resistente
que o lado esquerdo, em vez do contrário, como Bonade sugere. Essa falha de design é
relativamente fácil de consertar.
Um “apito” na palheta pode ser causado por uma ou duas fibras resistentes na ponta
da palheta ou perto dela.
Bonade defendia que a ponta da palheta deveria ser leve o suficiente para permitir
facilmente uma passagem em pp em qualquer nota. Essa leveza da palheta ao redor da
ponta também dá a ela vibração adicional, que ajuda na projeção. O músico acreditava
que uma certa quantidade de “som de palheta” ouvido a uma curta distância era bom,
pois ajuda na projeção do som. Ele sabia que sons perdem energia enquanto se propagam
pelo ar, mesmo em uma boa sala de concerto. Bonade costumava dizer que o primeiro
clarinetista não deveria se preocupar tanto com a forma como o som soa de perto, mas
sim com a forma como soa à distância. Afinal, ele argumentava, o primeiro clarinetista
não toca para impressionar o segundo clarinetista. Na verdade, ele deve tocar para as
pessoas sentadas na última cadeira da plateia.
O Sol aberto é uma boa nota para testar uma palheta nova, uma vez que ela requer
que a palheta esteja estável. Toque pp e ff e veja como elas respondem às duas dinâmicas.
Aqui está uma sugestão de Bonade para uma palheta na qual o som do pp não é aceitável
quando se está tocando o Sol aberto:

108
Capítulo VIII: Equipamento

“Quando a palheta tiver sido cortada para alcançar a força desejada, tente tocar
forte para ver a quantidade de resistência existente. O som do Sol aberto deve sair pp
sem esforço ou embate. Se o som suave estiver muito ventoso (vibrações insuficientes),
a ponta da palheta deve ser reduzida (com um pedaço de Dutch) até ficar bastante
flexível sob a pressão das unhas.”

Bonade recomendava amaciar uma palheta lentamente, durante um período de


dias; digamos de uma semana a dez dias de umedecimentos e secagens repetidas. Comece
com quatro ou cinco palhetas novas. Molhe-as e depois massageie as fibras com os dedos,
fechando os poros da superfície da palheta antes de tocar com elas. Durante o período de
amaciamento, deve-se tocar com a palheta por cerca de apenas 5 minutos por vez.

109
Capítulo VIII: Equipamento

Uma palheta nova que parece muito boa normalmente irá tocar de maneira um pouco
mais pesada depois de ter sido amaciada. Se a palheta parece um pouco leve quando nova,
ela provavelmente estará na resistência certa uma vez que tiver sido amaciada.
Se uma palheta nova parece muito dura e não se tem certeza onde ela deve ser
raspada, comece pelo canto direito mais baixo, próximo à casca, e raspe para cima ao
longo do canto da palheta, sem ir para o coração dela.
Para outro material voltado para palhetas, consulte Selection, Adjustment, and Care
of Single Reeds, publicado pela Rivernote Press.

Abraçadeiras

Para alcançar a vibração ideal, Bonade recomendava que somente o parafuso debaixo
de uma abraçadeira de dois parafusos fosse apertado, e que aquela abraçadeira segurasse a
palheta longitudinalmente no centro da palheta. A abraçadeira de Bonade, disponível pela
G. Leblanc Corporation, contém duas barras longitudinais que são feitas para permitir
que a palheta vibre completamente, o máximo possível. A seguir tem-se a ilustração desse
design, cujas variações são usadas frequentemente por muitos fabricantes de abraçadeiras:

“A abraçadeira deve ser mantida longe da palheta. A abraçadeira


deve pressionar a palheta contra a boquilha no centro.”

110
Capítulo IX: A estética de Bonade
“Uma frase deve ser como uma música, como se fosse pro-
duzida por uma voz divina, sem nenhuma lembrança das
dificuldades que o clarinetista tem que enfrentar.”

Daniel Bonade

Seguindo os melhores músicos de sopro de seu tempo, os ideais de estética de Bonade


incluíam o conceito de tocar sem demonstrar esforço, como uma “arte que esconde a
arte”. O público não deve ter a sensação de que o músico está “trabalhando duro” para
alcançar resultados, não importa o quão difícil seja a passagem. Isso explica, ao menos
parcialmente, a aversão que Bonade tinha a bater nas chaves com os dedos. Essas ações
brutas são percebidas pelo público, podem quebrar as frases, produzem acentuações
inadvertidas e destroem qualquer expressão de facilidade. Isso também é um motivo para
recomendar palhetas relativamente leves para que o músico não precise fazer muito esforço.

Emulação vocal

Uma vez que a mãe de Bonade era cantora de ópera e professora de canto, a qualidade
vocal bela se tornou uma parte importante do conceito do clarinetista de excelência na
performance. Em um certo ponto, ele confidenciou a Robert Marcellus que gostaria de
ter sido um cantor de ópera assim como sua mãe. Bonade considerava a voz humana o
instrumento mais perfeito de todos e frequentemente aconselhava seus alunos a imitarem
uma canção enquanto tocavam. A William Bachman, o músico disse que o indivíduo
sempre deve tocar como se estivesse cantando e usar o clarinete apenas como um meio
para esse fim. Marcellus considerava a qualidade vocal que Bonade alcançava como sua
contribuição única à arte de tocar clarinete.
Conforme os conceitos de uma boa voz, Bonade nunca forçava o seu som, não
importava o quão alta ou “animada” fosse a passagem. Ele enfatizava bastante a liquidez
no som e a facilidade de sua produção.
Durante os primeiros anos de sua permanência na Orquestra da Filadélfia, ele notou
que seria necessário aumentar o tamanho de seu som devido ao volume da orquestra, à
grande sonoridade dos outros chefes de naipe de sopro e ao tamanho das salas de concerto
Capítulo IX: A estética de Bonade

americanas. Bonade decidiu que a melhor maneira de fazê-lo seria colocar mais palheta e
embocadura na boca, para ganhar mais vigor e sonoridade, e talvez usar um pouco mais
o lábio inferior, com o objetivo de dar estabilidade, mas sem tocar com uma palheta mais
dura. Dessa forma, ele poderia manter a flexibilidade e a facilidade da produção de seu som
e ainda aumentar seu vigor, a fim de alcançar uma maior e melhor qualidade e projeção
sonora. Bonade era conhecido por ter um grande som que também era “suave” em qualidade.
O músico enfatizava bastante a flexibilidade, que era necessária para sustentar um
conceito vocal e para alcançar fp’s reais e subito pianos. Essa flexibilidade partia bastante
da palheta, que deveria vibrar livremente e não poderia ser muito resistente.
Bonade manteve as qualidades francesas tradicionais de clareza, frescor e leveza em
vez de precisar produzir um “grande som” para a orquestra.

A analogia do funcionamento do relógio

“O toque deve ser realizado de maneira perfeitamente relaxada


e controlada, como o funcionamento de um relógio.”

Daniel Bonade

Bonade era um músico extremamente refinado e meticuloso, e seus ensinamentos


continham muitas partes bem definidas. Um estudante comparou o processo de estudar
com o clarinetista ao de produzir artesanalmente um relógio suíço. Cada detalhe minu-
cioso era aprendido e encaixado perfeitamente para que o resultado fosse um toque bem
alinhado e funcionasse com tremenda solidez e segurança, como um relógio caro. Esses
detalhes transmitiam uma boa segurança aos alunos de Bonade. Era seu conhecimento
expressivo dos fundamentos, seu desejo de achar “soluções criativas para os problemas” e
seu gênio único como professor que permitiam a muitos de seus estudantes se tornarem
clarinetistas bem-sucedidos. Por isso, eles se referiam a Bonade como “A Fonte”.

112
Apêndice: 21 estudos baseados
em Klosé e Charpentier
Os estudos a seguir foram escritos por Bonade e seu professor, Henri Lefebvre, e
são baseados nos estudos de Klosé e Charpentier. Datados em 24 de julho de 1920, eles
provavelmente foram escritos na França entre as temporadas da Orquestra de Filadélfia,
e aparentam estar escritos com a letra de Bonade. Foram descobertos na coleção Daniel
Bonade Papers, na Michelle Smith Performing Arts Library, localizada na Universidade
de Maryland. Meus agradecimentos à senhora Bonnie Jo Dopp, curadora da coleção, por
permitir reimprimir esses estudos. Larry Guy fez breves comentários e algumas modificações
pequenas nos estudos, muitos dos quais proporcionam aquecimentos diários excelentes.

***

Os dois estudos seguintes são ligeiramente baseados nos estudos nº 1 e 2 do “45 Studies”,
encontrados na página 76 do Klosé Celebrated Method for Clarinet, publicado por Carl Fischer.

113
O estudo de legato a seguir é baseado no estudo nº 3 do “45 Studies”, encontrados
na página 76 do Klosé Celebrated Method for Clarinet. Para alcançar a suavidade máxima,
não corte a terceira nota da tercina.

O estudo subsequente foi retirado do estudo nº 38 do Klosé Celebrated Method for


Clarinet, página 85 do.

O estudo em sequência é uma elaboração do estudo nº 34 do “45 Studies”, página


84, do Klosé Celebrated Method for Clarinet. Ele é um bom estudo para o uso do Si bemol
forquilhado (veja a página 81 para a explicação). Use os dedos flexíveis e suaves, juntamente
com a embocadura e a coluna de ar firmes. Imagine que a coluna de ar está a 105 km/h,
e não aperte os freios!

114
A seguir é apresentado um trabalho reeditado do estudo nº 39 do “45 Studies”, página
85 do Klosé Celebrated Method, publicado por Carl Fischer. Ele é bom para desenvolver
a coordenação entre os dedos mínimos de cada mão. Transponha o estudo para Dó, Ré
bemol, Mi bemol e Mi.

115
O seguinte estudo é vagamente baseado no de nº 25 do Klosé “45 Studies”, página
82 do Celebrated Method. Toque-o em Lá bemol.

116
O próximo assemelha-se ao estudo nº 28 do Klosé “45 Studies”, página 82 do Celebrated
Method. Sustente a última nota de cada ligadura.

117
Os estudos a seguir se baseiam em estudos pequenos do Charpentier, que, até onde
o autor sabe, estão esgotados há muitos anos. Transponha-os para todas as tonalidades.

Músicos interessados devem estender o estudo a seguir para o Fá agudo, e depois


transpor para todas as tonalidades.

118
Toque o estudo a seguir o mais legato possível, sem cortar a segunda nota da ligadura.
Utilize a ponta da língua.

119
Este estudo é bom para o desenvolvimento da velocidade da língua, mas certifique-se
de manter a pressão do ar durante as pausas. Toque em todas as tonalidades.

O estudo a seguir é excelente para o desenvolvimento dos dedos próximos e uni-


formes. Músicos interessados vão querer estendê-lo para, pelo menos, o Dó uma oitava
acima da pauta.

120
121
O exercício abaixo, baseado em trinados e passagens de escala, ajuda a promover
uniformidade e flexibilidade dos dedos. Pratique em todas as tonalidades.

Sopre com uma pressão de ar constante e mantenha a embocadura firme por meio
dos dois exercícios seguintes.

122
O exercício a seguir é excelente para o desenvolvimento da velocidade. Mantenha
os dedos próximos das chaves e toque-o também em Si maior.

123
124
Certifique-se de que a embocadura esteja firme e estável, por intermédio do exercício
a seguir. Toque-o também em Ré bemol maior.

125
Um exercício final para promover uniformidade, flexibilidade e agilidade, espe-
cialmente para a mão esquerda. Recomenda-se o dedilhado do Si bemol forquilhado no
compasso 4 (veja a descrição na página 84), seguido do cromatismo de Fá sustenido.

126
Sobre o autor

O clarinetista Larry Guy está, atualmente18,


nas principais posições na Filarmônica de Long
Island e no Festival de Ópera de Lake George.
Por muitos anos, ele foi o principal clarinetista
da Orquestra de Ballet Joffrey, da Orquestra
Metropolitan Opera Guild e da Orquestra
Sinfônica de Queens. É um antigo membro da
Sinfônica de Atlanta e atuou com a Filarmônica
de Nova York, o Teatro Americano de Ballet, a
Orquestra American Composers, a Filarmônica de
Brooklyn, a Sinfônica de Nova Jersey, a Orquestra
de Ballet da Cidade de Nova York, a Ópera da
Cidade de Nova York, a Orquestra de Saint Luke,
o Orpheus Ensemble, a Philharmonia Virtuosi,
o Speculum Musicae, e com os quartetos de
Emerson, Manhattan e Vermeer String.
Os créditos da Broadway incluem a produção de Peter Brook The Tragedy of Carmen,
a adaptação de Baz Luhrmann de La Bohème, Most Happy Fella, Man of La Mancha, Miss
Saigon e The King and I.
Ele ganhou numerosos prêmios e apresentou recitais solos no Weill Recital Hall no
Carnegie Hall em Nova York, no Phillips Collection em Washington e em vários outros
salões pelo país.
Larry Guy estudou no Oberlin College e na Universidade Católica e na Escola de
Música de Manhattan, onde lhe foi concedido o prêmio Andrew Goodman pela excelência
de performance no clarinete. Seus principais professores foram Alan Balter, Anthony
Gigliotti, Robert Marcellus e Marcel Moyse.
O autor gravou para Angel, Columbia Masterworks, CRI, Decca, Delos, Koch
International, Vanguard Classics, Island Records, e suas performances foram ouvidas na
National Public Radio.

18 NT: Seguem informações atualizadas da biografia do Larry Guy, da data desta publicação em 2004, disponível no site do
World Clarinet Alliance: https://www.wka-clarinet.org/VIPGuy.htm. Além dos quatro manuais citados, é autor do manual
Hand and Finger Development for Clarinetists e de vários artigos sobre ensino para a revista da Associação Internacional
de Clarinete, The Clarinet, uma vez que foi selecionado como Chefe de Pedagogia pela Associação em 2009.
Atualmente, Larry atua nas faculdades do Programa Avançado de Música da Escola
de Música Juilliard, na Pre College Division da Escola de Música de Manhattan, na divisão
preparatória da Universidade de Música de Mannes e na Universidade de Vassar. Ele
ministrou pela Sociedade Internacional de Clarinete na Universidade Real de Música em
Stockholm e no Simpósio de Clarinete anual realizado na Universidade de Oklahoma.
Larry Guy é o autor de quatro manuais para clarinetistas: Selection, Adjustment,
and Care of Single reeds; Intonation Training for Clarinetists; Embouchure Building for
Clarinetists; e The Daniel Bonade Workbook [Daniel Bonade: Técnicas e Interpretação do
Clarinete]. Esses manuais são bastante utilizados nos Estados Unidos e foram traduzidos
para o espanhol e o italiano19. Recentemente compilou um CD intitulado The Legacy of
Daniel Bonade20, lançado pela Boston Records (#BR1048CD), que inclui quase tudo o que
o clarinetista já gravou.

Também disponível na Rivernote Press, no site:


https://www.clarinetallmusic.com/.

19 NT: Agora traduzido para o português.


20 NT: Disponível para compra no site: https://www.clarinetallmusic.com/products bonade-daniel_the-legacy-of-
daniel-bonade-cd-boston-records.
The Legacy of Daniel Bonade

Um disco compacto contendo performances do lendário clarinetista com as orquestras


de Filadélfia e Cleveland, datadas de 1923 a 1947. Este CD, com 74 minutos de duração,
contém quase tudo que Bonade gravou com orquestra e demonstra sua excelente arte,
beleza tonal e execução técnica. Ele foi lançado pela Boston Records, e compilado, editado
e narrado por Larry Guy.

“Este CD é uma contribuição esplêndida para o mundo dos clarinetistas.”

Ronald Reuben

Embouchure Building for Clarinetists, por Larry Guy

Este guia de estudo suplementar explica a função da embocadura e oferece conceitos


fundamentais, ilustrações e exercícios para ajudar a desenvolver a força da embocadura e
a flexibilidade. Além disso, explica o uso da língua em relação aos lábios. Quarta edição,
55 páginas.

“Realmente acho que os manuais de Larry Guy são ótimos.”

Michele Zukovsky

Intonation Training for Clarinetists, por Larry Guy

Os tópicos incluem tendências de afinação no alcance do clarinete, como selecionar


o afinador correto para você e como trabalhar com ele para alcançar benefícios ótimos,
aquecimentos úteis, sugestões de embocadura e digitação, ajustes na palheta, correções no
clarinete, incluindo redução e adição de fita nos buraquinhos, trabalhando com tons diferentes
e problemas específicos de Si bemol para clarinetes baixos. Terceira edição, 56 páginas.

“Este livro de entonação é inestimável.”

Elsa Ludewig-Verdehr

“Os mistérios da entonação do clarinete são abordados e resolvidos. Bravo!”

Jon Manasse
Selection, Adjustment, and Care of Single Reeds, por Larry Guy

Este material oferece descrições detalhadas da seleção e do amaciamento de palhetas


para atingir os melhores resultados possíveis. Para clarinetistas e saxofonistas, as mais
de 50 ilustrações do material mostram o processo de ajuste e amaciamento em detalhes
minuciosos, além de conter informações sobre como prolongar a vida de sua palheta, como
afiar e cuidar de facas e técnicas de raspagem. Inclui um informativo “Troubleshooting
guide to help improve problematic reeds”. Segunda edição, 56 páginas.

“Este é o melhor livro de palhetas que eu encontrei.


Eu o usei e o recomendo para todos os meus alunos.”

Larry Combs
Sobre os tradutores e os editores

Antonio Wendel André da Silva


Tradutor, clarinetista, graduando em Música com habilitação em Clarinete pela
Escola de Música da UFRN.
Contato: antoniowendelcg-rn@hotmail.com

Júlia Pontes
Tradutora, graduanda em Letras Inglês no Departamento de Línguas e Literaturas
Estrangeiras Modernas da UFRN.
Contato: juliaipf.tradutora@gmail.com

Maria Viera
Tradutora, graduanda em Letras Inglês do Departamento de Línguas e Literaturas
Estrangeiras Modernas da UFRN.
Contato: mariiviieira2018@gmail.com

Dr. Amandy Bandeira de Araújo


Editor, supervisor e revisor técnico musical, clarinetista, professor de Clarinete e
Música de Câmara da UFRN e coordenador do Laboratório de Palhetas da UFRN.
Contato: amandyclarinetista@yahoo.com.br

Dra. Jennifer Sarah Cooper


Editora, supervisora e revisora linguística, professora no Departamento de Línguas
e Literaturas Estrangeiras Modernas e do Programa de Pós-graduação em Estudos
da Linguagem na UFRN.
Contato: jennifersarahj@gmail.com
Este livro foi projetado pela equipe editorial
da Editora da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em janeiro de 2022.

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