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LUIZ GONZAGA CARNEIRO

www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

CLARINETA
GONZAGUINHA ETERNAMENTE nº6 fevereiro de 2019
Autora: Clinaura Macêdo

Gonzaguinha
homenagem
ao mestre

Entrevista
José Freitas

Clarineta
de Aroeira
do Sertão
feita no Brasil
Clarinetes
e acessórios
as melhores
marcas

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CLARINETA nº6 fevereiro de 2019
www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

LUIZ GONZAGA CARNEIRO 4 Editorial


GONZAGUINHA ETERNAMENTE Autora: Clinaura Macêdo
7 O uso de uma nova espécie de madeira brasileira,
Aroeira do sertão, na fabricação de clarineta
por Sergio Antonio Burgani

16 Homenagem a Luiz Gonzaga Carneiro:


Imagens, Memórias e Rimas
90 Anos de Nascimento
por Taís Vilar

34 Entrevista: José Freitas por Anderson César

38 1º Festival Internacional de Clarinetistas


Nossa Capa: Ilustração de Pedro Monstrim
para capa do Cordel e para a capa da edição
de Porto Alegre por Diego Grendene

40 4º Colóquio para Clarinetistas:


7 Pesquisa, Formação e Atuação Profissional
por Joel Barbosa e Pedro Robatto

42 1º Encontro Potiguar de Clarinetistas


por Amandy de Araújo

44 VI Festival Internacional de Clarinetistas


do Rio de Janeiro por Cristiano Alves.

46 III Encontro Internacional de Clarinetistas de


Belém: por Thiago Lopes, Marcos Cohen e Herson
Amorim

5o I Encontro de Clarinetistas da região Nordeste do


Pará por Jacob Furtado Cantão
34Masterclass com Aleksandar Tasic

52 Clarone: trilhando sua história de construção e


desenvolvimento por Mário Marques

58 Lançamentos por Diogo Maia

60 Dica do Mestre: por Vinícius de Sousa Fraga

63
46 Normas para submissões
de trabalhos para publicação

Masterclass com Joel Barbosa


Editorial
É com grande alegria que apresentamos a sexta Na seção dedicada ao clarone temos a colaboração
edição da nossa Revista Clarineta. Como sempre, bus- do integrante do grupo Madeira de Vento e da Orques-
camos o diálogo entre as questões históricas, técnicas tra Sinfônica de Campinas, Mário Marques. Através de
e de pesquisa, aliando tradição e inovação de uma for- uma matéria trilha através de uma matéria ricamente
ma que a riqueza e a pluralidade de opiniões e leituras ilustrada, Mário percorre a história da construção e
sejam aquilo que une as matérias escritas aqui. desenvolvimento do clarone, mostrando os seus dife-
Na seção de artigo dessa edição temos o trabalho rentes formatos através do tempo e algumas das cola-
do professor de clarineta da UNESP e clarinetista da borações entre instrumentistas e construtores.
OSESP Sérgio Antônio Burgani. Ele nos mostra alguns Mas além das narrativas de ontem e de hoje, nos-
dos aspectos da sua pesquisa envolvida na atividade sa Revista traz algumas que ajudam a projetar nosso
de construção de clarinetas com madeiras brasileiras. amanhã. A pedido de nossos editores, os organiza-
Após uma discussão sobre algumas das principais dores dos encontros de clarinetistas que ocorreram
madeiras utilizadas na construção da clarineta atra- em 2018 contaram um pouco do que aconteceu em
vés da história, como o buxo, o ébano e a Granadilla, cada um deles. Esses encontros foram realizados nas
Burgani desenvolve sobre o trabalho envolvido na cidades de Natal, Salvador, Belém e Capitão Poço no
pesquisa e fabricação da clarineta com a Aroeira do Pará, Porto Alegre e Rio de Janeiro e tiveram matérias
sertão, uma madeira brasileira. Sob vários aspectos, o dedicadas a eles nesse número. Via de regra, esses en-
artigo é importante a todos os que querem saber mais contros envolveram atividades pedagógicas, de con-
sobre o instrumento. certo, discussões e muita convivência enriquecedora
Na matéria de capa desse número, uma justa ho- entre os professores experientes, alunos já avançados
menagem a um grande clarinetista brasileiro que, e iniciantes.
se estivesse vivo, teria completado noventa anos de Já na seção de lançamentos nós apresentamos
vida em 2018. Luiz Gonzaga Carneiro, o nosso que- dois cds interessantes que foram lançados recente-
rido Gonzaguinha, foi uma figura constante e proe- mente. Em “T’Rio” o clarinetista e professor da UFRJ
minente no ensino da clarineta no Brasil na segunda Cristiano Alves, o violista Fernando Thebaldi e a pia-
metade do século XX. Fundador do curso de clarineta nista Yuka Shimizu exploram obras brasileiras para
e saxofone da UnB na década de 1970, ele ajudou na essa formação, incluindo aí João Guilherme Ripper,
formação de diversos alunos do instrumento, muitos Ricardo Tacuchian, Liduíno Pitombeira e outros.
dos quais são nomes importantes da clarineta no Bra- Johnson Machado apresenta o segundo lançamento
sil hoje. Além de um instrumentista com uma técnica dessa revista com seu cd “Choro Joiado”. No trabalho,
flexível e incomum para a época, e com uma pedago- Johnson busca explorar a criação dentro do gênero do
gia inesquecível e cativante, Gonzaguinha escreveu choro, com traços sonoros variados.
seu nome como um grande performer para quem Por fim, na Dica do Mestre dessa edição, o clarine-
foram dedicadas obras de diversos compositores bra- tista, professor da Unicamp e um de nossos editores
sileiros. Assim, diversos aspectos de sua vida e obra Vinícius de Sousa Fraga nos traz algumas ideias sobre
podem serem vistos e relembrados nos depoimentos o processo de estudo à luz de iniciativas recentes de
colhidos por Taís Vilar e pelo cordel escrito por Cli- aprendizado em geral. Como poderemos perceber,
naura Macêdo, que compõem essa matéria. há indícios que podemos sim ter uma prática musical
E como as histórias sobre clarineta no Brasil ten- mais focada e com maior retenção se soubernos orga-
dem a se tocarem, o entrevistado que nos honra nessa nizar melhor algumas de nossas rotinas de atividades.
edição é o professor José Freitas do Rio de Janeiro, que Saudamos calorosamente a todos que nos acom-
foi aluno de Jayleno dos Santos assim como nosso panham nessa incrível jornada de conhecimento e
Gonzaguinha. Na entrevista realizada por Anderson desafios, mas também de muitos sonhos, realizações
César Alves, Freitas nos fala sobre sua formação ini- e boas amizades.
cial, seu trabalho como clarinetista e professor, além
das suas principais influências. São narrativas que aju- Uma boa leitura a todos!
dam a compor nosso cenário da clarineta no Brasil,
sem dúvida. Os editores

4
CLARINETA
Corpo editorial

Ficha técnica:

Editores
Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Joel
Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Ricardo
Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UNICAMP, Campinas)

Corpo Editorial Nacional


Amandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Cristiano Siqueira Alves (UFRJ, Rio de Janeiro), Fernando José
Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Sampaio Garbosa (UFSM, Santa Maria), Iura de Rezende Ferreira
Sobrinho (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Furtado Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino da Silva (UFPE,
Recife), Johnson Joanesburg Anchieta Machado (UFG, Goiânia), Marco Antonio Toledo Nascimento (UFC,
Sobral), Marcos Jacob Costa Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília)
Maurício Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Pedro Robatto (UFBA, Salvador), Roberto César Pires (Clarinetista, Campinas)

Conselho Consultivo Nacional


André Ehrlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto Fonseca Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de
Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto Alegre), Eduardo Gonçalves dos Santos (FANES, Vitória), Flávio Ferreira da
Silva (UFAL, Maceió), Glória Cira Pereira Subieta (Amazonas Filarmônica, Manaus), Jairo Wilkens da Costa Sousa (Orquestra
Sinfônica de Campinas, Campinas), Jônatas Zacarias de Oliveira (Conservatório Pernambucano de Música, Pernambuco),
João Paulo de Araújo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Luís Nivaldo Orsi
(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba),
Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Ovanir Luiz Buosi Junior (Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo, São Paulo), Rosa Barros Tossini (IFG, Formosa), Sergio Antonio Burgani (UNESP, São Paulo), Thiago
Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio de Janeiro)

Conselho Editorial e Consultivo Internacional


Fabien Lerat (França/Projeto NEOJIBA, Salvador), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola
Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia
Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar (Banda da Armada, Portugal)

Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL Biênio 2017 – 2018

Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria,
RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio
Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael
Nini Junior (Campinas, SP),
Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)
Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP)
Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta
(Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES),Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)

Projeto Gráfico, design: Marcelo Pitel

Apoio Institucional

PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO
PROFISSIONAL EM MÚSICA
UFBA
RESUMO: Desde a sua origem no começo do século XVIII, várias espécies de madeiras foram
usadas para a fabricação de clarinetas. Por ser encontrada em quase todo continente europeu
e de fácil trabalhabilidade, a madeira da espécie Buxus sempervirens foi por mais de um século
a predileta na construção de instrumentos de sopro. Após um período de uso, os fabricantes
e instrumentistas percebiam que o instrumento construído com a madeira do Buxus sofria
alterações dimensionais no tubo causado pela sua alta absorção de umidade (higroscopia).
Frequentemente, aconteciam trincas e deformações nos instrumentos em virtude do aumento
de temperatura interna gerada pelo calor do sopro do executante em contraste com a temperatura
externa. Essas alterações resultaram na substituição gradativa por madeiras mais densas e
estáveis, como as pertencentes à família de madeiras negras africana, caribenha ou latino-
americana: Diospyros ebenum e Diospyros classiflora - ébano, Brya ebenus – Cocuswood, Dalbergia
nigra - jacarandá da Bahia, Dalbergia retusa - Cocobolo e a Dalbergia melanoxilon – granadilla, esta
última, utilizada intensamente sem nenhum controle de preservação ou manejo sustentável, está
atualmente ameaçada de extinção, assim como ocorreu com o ébano e o jacarandá. Durante as
pesquisas por madeiras alternativas brasileiras, foram identificadas na Myracroduon urundeuva
– aroeira do sertão, qualidades e características anatômicas similares a estas madeiras africanas.
Quanto à bibliografia pesquisada, não foi encontrada nenhuma relação desta madeira com a
fabricação de instrumentos musicais de sopro da família das madeiras. A Myracroduon urundeuva
possui coloração marrom avermelhada, alta densidade e boa rigidez, que resumem as melhores
características acústicas para dela se obter clarinetas ressonantes com riqueza de timbre, ótima
resposta e boa projeção. Resultados satisfatórios vêm sendo observados nestes instrumentos
que estão sendo usados profissionalmente na OSESP, em concertos como instrumento solista,
em diversos grupos camerísticos, no quinteto de clarinetas Sujeito a Guincho, em gravações
de CDs e jingles, recitais e espetáculos de música popular. Muitos profissionais brasileiros,
latinos americanos e europeus também já atuam com estes instrumentos em diversos lugares
na América Latina, América do Norte e Europa (México, Argentina, Itália, Espanha e Portugal).
Tais experiências comprovam que a Aroeira do sertão, por suas propriedades físicas e mecânicas,
acústica de qualidade altamente satisfatória e reutilizável, se torna uma importante escolha para
ser incorporada na lista das seletas madeiras para a fabricação de clarinetas.

artigo
Palavras-chave: Fabricação de clarinetas; Ébano; Granadilla; Aroeira.

O uso de uma nova espécie de


madeira brasileira, Aroeira do
sertão, na fabricação de clarineta por Sérgio Burgani
1

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS trumentos musicais. Entre essas madeiras estudadas a


Por razões comerciais as matérias primas conside- Myracroduon urundeuwa – aroeira do sertão se mostrou
radas apropriadas para a construção de instrumentos com características ideais para a fabricação da clarineta,
musicais foram sendo reduzidas sem qualquer preo- tendo como propriedades a alta densidade e resistên-
cupação em preservar ou reflorestar. Uma das caracte- cia à ação do tempo com difícil deterioração. A aroeira
rísticas da madeira para a construção da clarineta é sua do sertão foi amplamente explorada na construção de
alta densidade, encontrada em cernes de árvores com peças que precisavam ficar expostas a variações climá-
pelo menos 70 anos ou mais. A densidade depende ticas. Como exemplo de aplicação temos: mourões de
da compactação das fibras e do tamanho dos vasos de cerca, porteiras de fazendas, dormentes de trilho de
transporte da água. Quanto mais compactas e meno- trem e postes de luz. Um dos fatores de grande incenti-
res forem as fibras e vasos, mais densa será a massa da vo para este trabalho é a possibilidade de reúso de uma
madeira. Com a busca indiscriminada por árvores ma- matéria prima sem a destruição de florestas tais como
duras, não houve tempo para que as florestas se regene- postes e dormentes na fabricação de instrumento.
rassem, pois estas espécies são de crescimento lento e, Nosso objetivo é mostrar a viabilidade da utilização
com isso, o aumento da demanda por madeiras negras de uma madeira nacional com as mesmas caracterís-
africanas está causando a sua extinção. ticas das tradicionalmente utilizadas na fabricação do
Este artigo propõe um estudo da utilização de espé- instrumento. Além disso, atrelar a qualidade desse ma-
cies de madeiras nacionais como alternativa aos ma- terial estudado às particularidades e necessidades de
teriais atualmente empregados na fabricação de ins- um músico profissional.
1. Sérgio Antônio Burgani é clarinetista da OSESP e professor da UNESP. email: sburgani@uol.com.br

7
1. O INÍCIO DA CONSTRUÇÃO usado na confecção de muitos objetos, esculturas,
DA CLARINETA jogos, cabos de ferramentas e gravuras do século XV.
A clarineta surge no final do século XVII em Nu- Seu valor ornamental e sua utilização no artesanato se
remberg, Alemanha, por volta de 1690, inventada por tornaria historicamente comprovado5.
um construtor de flautas-doce e chalumeaux chamado Durante o século XVIII e até a metade do século
Johann C. Denner (1655-1707). Durante quase todo o XIX, a madeira buxo (Buxus sempervivens) foi consi-
período clássico era constituída de um tubo cilíndri- derada o material ideal para a construção de instru-
co dividido em seis partes desmontáveis (atualmente mentos de sopro da família das madeiras6. Ela é fa-
cinco): campana, corpo de chaves, junta da mão direi- cilmente torneável e perfurável, leve, razoavelmente
ta, junta da mão esquerda, barrilhete, boquilha e oito densa, muito ressonante, mas com uma inconvenien-
orifícios, conforme ilustração no método de ensino de te desvantagem: grande suscetibilidade a mudanças
clarineta de J. X. Lefèvre (1802). Inicialmente, por suas atmosféricas. É, nas palavras de um antigo construtor
características físicas e de fácil acesso em toda a Euro- famoso, Cornelius Ward, mais adequado para um
pa, a Buxus (Buxus sempervirens) se tornou a principal higrômetro do que para um instrumento musical
madeira usada por mais de um século pelos construto- (RENDALL, 1971, p.11).
res de instrumentos de sopro da família das madeiras Segundo Rendall (1971, p. 11), “a madeira deve ser
(flauta-doce, flauta-traverso, oboé, chalumeau e cla- durável, não propensa a encolher ou inchar e nem à
rineta). De acordo com Rice (2003, p. 9, tradução do deformação, de fácil trabalhabilidade, ressonante,
autor), “de aproximadamente 1760 até 1830, Boxwood não muito pesada e má condutora de calor. Beleza e
(Buxus sempervirens), ocasionalmente ébano (Dios- aparência são considerações finais”.
pyros ebeninus) ou marfim, foram usados na fabricação Apesar do desejo dos construtores em experi-
das clarinetas no período clássico.” mentar diferentes materiais, muitas vezes, a escolha
foi uma questão de economia e/ou disponibilidade.
artigo

2. ESPÉCIES DE MADEIRAS UTILIZADAS NA A percepção dos clarinetistas de que diferentes ma-


FABRICAÇÃO DE CLARINETAS deiras influem na qualidade do som, direcionou os
A seguir apresentaremos uma breve descrição das construtores a firmarem e consolidarem materiais
principais madeiras que são utilizadas pelos constru- escolhidos pelos clarinetistas. O Buxo sempervirens
tores de instrumentos de sopro desde o século XVIII. era facilmente encontrada na Europa, fator econô-
mico favorável aos construtores enquanto que ou-
2.1 Buxo2 tras madeiras indisponíveis tiveram que vir da África.
Nomes comums: Buxo, Box comum, Box Europeu, Rendall expressa a opinião de que os instrumentos
Boxwood (inglês); Buis (francês); Bosso (italiano); Boj construídos com buxo produzem o som mais doce
(espanhol); Buchsbaum (alemão); Busboom (holan- e expressivo, enquanto aqueles feitos em cocus e
dês). Nome científico: Buxus sempervirens. Planta de African blackwood, possuem o som mais intenso e
origem muito antiga, nativa do Oriente, está aclimata- brilhante. Na impossibilidade de solucionar ou mini-
da em toda a Europa, de Portugal até a Inglaterra. Deve mizar os problemas de higroscopia da madeira buxo,
a sua fama à sua característica de estar sempre verde outras espécies foram incorporadas na fabricação de
(sempervirens). Seu crescimento é lento e ereto com instrumentos de sopro da família das madeiras. As-
altura variável entre 2 e 4 m. Sua grã direita3 fina e com- sim, o ébano, o cocus e a granadilla foram lentamente
pacta torna a sua madeira (buxo) muito dura e pesada, o substituindo.
sendo possivelmente a mais dura na Europa4. Antes mesmo do corpo do instrumento come-
çar a ser fabricado com materiais mais densos, estas
Utilização: madeiras já estavam sendo usadas na fabricação de
Com um amarelo denso e de sólida aparência, si- boquilhas7. Inicialmente, a clarineta clássica tinha
milar ao ouro, além de fácil polimento, o buxo foi a boquilha e barrilhete construídos em uma única
peça. Por ser a região do instrumento que concentra
2.   Imagem de recorte de buxo disponível em: <https://www.johns-
teins.com/boxwood.html>. 5.  Disponível em: <http://riviste.paviauniversitypress.it/index.php/
3.  Grã de madeira - A direção da grã refere-se à orientação geral dos phi/article/view/06-01-LAU02/102>. Acesso em 5 maio 2016.
elementos verticais (longitudinais ou axiais) constituintes do lenho Imagem de oboé de buxo europeu: <http://filipfrydrysiak.com/
em relação ao eixo da árvore (ou peças de madeira). Devido ao about-wood>.
processo de crescimento, ocorre uma variação natural no arranjo e 6. Imagem de flauta de buxo europeu: <http://www.originalflutes.
direção dos tecidos axiais, originando diversos tipos de grã. Divide- com/_Media/kneer-1_med.jpeg>. Imagem de clarineta clássica de
-se em grã direita (linheira ou reta) e grãs irregulares. Disponível em: buxo europeu: <https://br.pinterest.com/katelynmgregory/clarinet/>
<https://www.anpm.org.br/conheca-caracteristicas-da-madeira/> 7.  Parte inicial da clarineta onde é fixada a palheta e é gerado o som.
4. Tradução do autor. Disponível em: <torinoscienza.it/dossier/ Está em permanente contato com os lábios e o sopro do executante,
il_bosso>. Acesso em 16 abr. 2016. sendo a parte com maior umidade e temperatura do instrumento.

8
a maior elevação na temperatura e umidade8, este a República Centro-Africana, e ao Sul do Gabão e Repú-
ponto crucial, causava sérias deformações na estru- blica Democrática do Congo. Comercializado em Ca-
tura da boquilha feita de madeira. Os construtores de marões como mevini, na Guiné Equatorial como éba-
meados do século XVIII solucionaram este problema no e no Gabão como evila. Faz parte também do gênero
separando a boquilha do barrilhete9 e experimentan- Diospyros, alguns frutos comestíveis muito apreciados
do madeiras mais densas e resistentes, menos sensí- no Brasil como, por exemplo, o caqui12.
veis aos efeitos causadores dessas alterações físicas. Seu cerne é de coloração preto-marrom ou mar-
Segundo Hoeprich (2008, p. 66), “no final do século rom escuro com listras pretas chegando ao preto in-
XVIII, as boquilhas geralmente eram feitas em ébano, tenso. Seu alburno (casca) vai de rosado a vermelho
cocus ou granadilla, madeiras muito duras e estáveis, pálido, após o corte escurece a um castanho aver-
mais resistentes a umidade do que o buxo.” melhado opaco quando exposto à oxidação com o
As primeiras décadas do sec. XIX foram de enor- ar. A grã é direita, ocasionalmente entrelaçada ou
me desenvolvimento para a clarineta. Novos concei- encaracolada, e sua textura fina.
tos de construção foram aplicados trazendo com isto
um gradativo aprimoramento técnico e um avanço Utilização
significativo no repertório do instrumento. Mecanis- Por ser madeira muito resistente, quase sempre
mos mais elaborados necessitavam de madeiras com densa, é utilizada para pavimentos pesados, guarni-
maior estabilidade mecânica do que o Buxus que, ao se ção de interiores, construção de navios, carrocerias
deformar, travava o mecanismo de chaves impossibi- de veículos, mobiliário, objetos decorativos, peças
litando o instrumento de tocar. Acrescentando a per- de xadrez, cabo de faca e de escova de dente, lami-
cepção por parte dos clarinetistas e construtores de nados e madeira compensada. O cerne e, por vezes,
que madeiras mais densas como o ébano, a granadilla também o alburno são usados para postes, partes
e o Cocus possibilitavam um som mais intenso, deixa- de veículos, artigos esportivos, pentes, escadas,

artigo
ram o Boxwood em segundo plano, que há mais de um caixas e como lenha.
século tinha sido a madeira usada pelos luthiers. Na construção de instrumentos musicais, o éba-
no é utilizado para fabricar o espelho e as cravelhas
No final do século XIX, com os avanços do violino e de outros instrumentos de cordas, as
na concepção do instrumento, a granadilla teclas pretas do piano, a escala do violão e da guitar-
se tornou a madeira preferida para o corpo ra elétrica, e, principalmente, na fabricação de clari-
da clarineta pelos construtores, por causa neta, flauta transversal, oboé e corne inglês.
de sua dureza, estabilidade e qualidade Há uma divergência de tradução na França em re-
sonora, além de cocus, ébano e rosewood. lação ao ébano. As fábricas francesas costumavam
O Buxus ainda estava listado frequente- mencionar em seus catálogos que seus instrumen-
mente em catálogos, especialmente para tos eram construídos em Ébène (Dyospiros), sendo
instrumentos baratos com menos chaves na verdade granadilla, madeira escura e densa, que
(HOEPRICH, 2008, p. 181). pertence à outra família: a Dalbergia melanoxilon.
Faz parte de uma grande família de madeiras ne-
2.2 Ébano gras africanas: the African blackwoods13.
É a designação comum às árvores do gênero Dios-
pyros, da família das ebenáceas10, destacam-se as espé- 2.3 Cocuswood
cies de origem africanas Diospyros ebenum e Diospyros Brya ebenus14 - Cocuswood, também conhecido
classiflora11. Ocorrem a partir do sul da Nigéria Leste até como espino de Sabana, granadillo, madeira cocus,
cocuswood e coccuswood, pertence à família das Fa-
8.  O sopro quente e úmido eleva a temperatura interna nesta região, baceae15 e é nativa das ilhas caribenhas de Cuba e
que, por ser selada, não ocorre troca de temperatura com o meio
ambiente. Não resfriando, causa sérios problemas de elevação 12. ÉBANO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida:
do diapasão e deformação na parte da boquilha responsável pela Wikimedia Foundation, 2016. Disponível em: <https://pt.wikipedia.
articulação. org/w/index.php?title=%C3%89bano&oldid=46892068>. Acesso em
9.  Figura de clarineta clássica em seis partes com boquilha separada 24 abr. 2016.
do barrilhete: <https://pt.aliexpress.com/item/Antique-Boxwood- 13.   Disponível em: <http://www.legnipregiati.com/prodotto/ebano-
-French-B-Flat-Clarinet-DUBOST-a-MARSEILLE-five-brass-keys- -africano-diospyros-crassiflora/22;19/29/08>. Acesso em 9 dez. 2016.
-c-1830/32658349423.html> 14.  Imagem de recorte de Brya ebenus disponível em: <http://www.
10.   Ebenáceas são árvores geralmente pequenas e de crescimento mcgee-flutes.com/Cocus.htm>.
lento encontradas em regiões tropicais, principalmente na África e na 15.   Fabaceae ou Leguminosa e é uma das maiores famílias botâni-
América e ainda em algumas regiões da Ásia (SÃO JOSÉ et al, 2014). cas, de ampla distribuição geográfica. Conhecidas como legumino-
11. Imagens de recortes de Diospyros ebenum e Diospyros classiflora sa, uma característica típica dessa família é a ocorrência do fruto
disponíveis em: <http://thecarpentryway.blogspot.com.br/2013/08/ do tipo legume, também conhecido como vagem, exclusivo desse
black-black-heart.html> grupo (FONSECA; QUEIROZ; VENTUROLI, 2017).

9
Jamaica. Horticolamente é conhecida como a árvo- durável e resistente ao ataque de insetos. Pode variar
re da chuva na Jamaica porque floresce quase ime- na cor de um castanho chocolate mais escuro a uma
diatamente após um evento de chuva. Resistente à cor arroxeada ou avermelhado marrom mais claro.
seca e crescendo em cerrados (bioma terrestre tro- Madeira com grã direita, mas ocasionalmente pode
pical), ela pode atingir cerca de 20 a 25 m de altura. ser reversa, uniforme, com textura média a grossa e
Necessita de sol pleno e produz flores esporadica- poros abertos de médio porte. Historicamente, tem
mente ao longo do ano. sido talvez, a espécie mais frequentemente associa-
Madeira tropical de alta densidade e dureza, de da com o termo rosewood. Pela sua dureza, estabili-
fácil trabalhabilidade e com boa qualidade sonora, dade, beleza e propriedades acústicas, é fácil perce-
o Bryan ebenus - Cocuswood tem sido usada para a ber por que a Dalbergia nigra foi usada para tudo,
construção de instrumentos de sopro em madeira desde fabricação de móveis finos, armários, pisos e
na Inglaterra e França desde 1800. Desde a segun- instrumentos musicais, principalmente, a escala de
da metade do século XIX, foi sendo amplamente violões, móvel do piano, teclas de xilofone etc. Sua
substituída pela madeira negra africana a granadilla árvore tem 30 a 40 metros de altura e seu tronco tem
(Mpingo). Ainda é usada ocasionalmente na cons- de 1 a 1,2 metro de diâmetro.
trução de instrumentos de sopro, como clarinetas, É comumente utilizada em obras de marcenaria
oboés e também gaitas de foles16. de luxo, construção de instrumentos de corda e na
fabricação de piano.
2.4 Cocobolo
Dalbergia retusa17 - Cocobolo é uma madeira tro- Instrumentos musicais feitos de Jaca-
pical de árvores da América Central pertencente randá da Bahia, hoje, são muito valoriza-
ao gênero Dalbergia. Árvore de tamanho razoável, dos. A madeira foi amplamente utilizada
pode atingir cerca de 23 a 24 metros de altura e 0,9 nos anos 1950-1960 em escala e fundos
artigo

metros de diâmetro. Devido ao alto valor de sua de violões devido a sua sonoridade única,
madeira, as árvores que a produziram foram forte- ao fato de estar presente em quase todos
mente exploradas, e se tornaram raras fora dos par- os instrumentos vintage, além do fato de
ques nacionais, reservas e plantações. Tipicamente ela ter se tornado uma madeira de lei, a
de cor alaranjada ou marrom avermelhado, devido madeira de jacarandá-da-baía (Brazilian
à sua densidade e dureza, mesmo um grande bloco rosewood) tornou-se a mais cobiçada
da madeira cortada produzirá um tom musical defi- na fabricação de instrumentos musicais.
nido e claro quando percutido. Cocobolo ao ser po- É considerada a madeira brasileira mais
lido recebe um acabamento lustroso e vítreo. Ape- valiosa e bela (FERREIRA, 1986, p. 978).
nas quantidades relativamente pequenas e muito
onerosas desta preciosa madeira são encontradas 2.6 Granadilla
no mercado mundial. Além de seu uso em cabos de A Dalbergia melanoxylon, Mpingo ou Grenadilla19
faca, o cocobolo é indicado para o trabalho de in- é conhecida sob muitos nomes diferentes: African
crustações finas, cacetetes policiais, canetas e cabo blackwood (Inglês), Mpingo (Swahili), Pau preto
de escova. Entre os instrumentos musicais, desta- (Português), Grenadilla (nome comercial), Ze-
cam-se especialmente escala de guitarras e baixos brawood (nome comercial), Mugembe, Jacarandá
elétricos. Vem sendo usado em substituição à gra- africano, madeira negra africana ou pau-preto em
nadilla ou às madeiras negras africanas, com grande Moçambique. Árvore pequena, alcançando de 4
sucesso na construção de instrumentos de sopro, a 15 metros de altura, de casca cinza e espinhosa,
como clarinetas, oboés e gaita de foles. pertence à família Fabaceae e é nativo de regiões sa-
zonalmente secas da África como Senegal, leste da
2.5 Jacarandá da Bahia Eritrea e sul do Transvaal na África do Sul.
Dalbergia nigra, Jacarandá da Bahia ou Bahia ro- Devido ao seu cerne escuro, a Mpingo é frequen-
sewood18 é madeira de alta densidade e de fácil tra- temente confundida com o ébano, e imagina-se ser
balhabilidade. Seu cerne é classificado como muito o ébano original usado pelos antigos egípcios. No
entanto, isto é um equívoco, já que ele tem pouca
16.   Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Brya_ebenus>.
Acesso em: 23 abr. 2017.
relação com o verdadeiro ébano -Diospyros ebenum
17.  Imagem de recorte de Dalbergia retusa disponível em: <http:// da família Ebenaceae. Em vez disso, pertence ao gê-
www.ramfurniture.be/designs/cocobolo/>. nero do pau-rosa, Dalbergia, da família das ervilhas.
18.   Imagem de recorte de jacarandá da Bahia disponível em:
<https://http2.mlstatic.com/escala-de-jacaranda-da-bahia-guitarra- 19. Imagem de recorte de Mpingo disponível em: <http://touchons-
-violo-viola-D_NQ_NP_775001-MLB20253688204_022015-F.jpg>. -du-bois.com/wp-content/uploads/2015/01/DSC03306_Mpingo.jpg>.

10
Utilização Quanto mais densa for a massa formadora das
As qualidades sonoras do Mpingo são particu- estruturas na madeira, maior projeção o som terá.
larmente apreciadas na luteria de instrumentos de Sua densidade necessita ser superior à da água e
sopro, principalmente na construção de clarinetas, está ligada proporcionalmente a sua dureza Janka.
oboés e gaitas-de-fole. Variando do avermelhado ao Testes empíricos comprovam que madeiras menos
preto intenso, os exemplares de melhor qualidade densas são menos ressonantes e absorvem as ondas
atingem altos valores no mercado madeireiro. sonoras produzindo menos harmônicos ao tocar.
É dito que a madeira era utilizada como lastro Estas características proporcionam as condições
nos porões dos navios e um artesão inglês resolveu ideais tanto acústicas quanto de resistência mecâ-
experimentar um lote descartado num porto para nica para a construção de um instrumento. A Myra-
construir uma gaita de fole logrando êxito. Marce- croduon urundeuva - aroeira do sertão, por reunir
neiros da época do Egito antigo a apreciavam na fa- tais características, foi a madeira escolhida para a
bricação de móveis. realização desta pesquisa.
Devido ao uso em excesso, a Mpingo está agora Inicialmente nossas pesquisas centraram-se
comercialmente extinta no Quênia e seriamente em outras madeiras brasileiras. Foram testadas na
ameaçada na Tanzânia e Moçambique. As árvores fabricação de clarinetas as seguintes espécies: ja-
começam a ser cultivadas, mas ainda sem conse- carandá da Bahia (Dalbergia nigra), braúna (Schi-
guir suprir a demanda, principalmente porque a ár- nopsis brasiliensis), cabreúva parda (Myrocarpus
vore leva de 70 a 100 anos para atingir a maturidade frondosus) e pau ferro (Caesalpinia férrea). Todas as
e ter diâmetro mínimo para a construção de instru- madeiras tiveram resultados satisfatórios em rela-
mentos. ção a densidade e propriedades física e mecânica.
Além disso, no que poderia ser considerado alguns Em relação ao resultado acústico, algumas madei-
dos segredos de fábricas, segundo Ridenour (2016), ras mostraram resultados de timbres contrários

artigo
à busca da sonoridade padronizada das madeiras
(...) a granadilla não foi escolhida por africanas, potencializando harmônicos superiores,
causa do som e nem pelos clarinetistas. ou seja, com um timbre brilhante.
Foram os fabricantes que a escolheram Na busca por madeiras brasileiras densas e legali-
por dar menos problemas na fabricação, zadas, e de preferência de coloração escura (exigên-
portanto a escolha se deu por razões cia mercadológica, apesar de a clarineta ter nascida
econômicas. Por ser a madeira mais amarela e por um século terem sido construídas em
estável, rachar menos, suportar a pressão madeiras claras: buxo, árvores frutíferas, marfim,
do mecanismo, ter boa trabalhabilidade existe certa resistência por parte dos clarinetistas
e bom acabamento, a granadilla possibi- em aceitar outra coloração na madeira que não o
litou a produção do instrumento em lar- preto intenso), tivemos o feliz engano por parte de
ga escala20. um vendedor que nos enviou amostras de uma ma-
deira escura que ele dizia ser braúna. Quando as re-
3 NOVOS CONHECIMENTOS cebemos, eram de tonalidade marrom avermelhada
Por ter uma fábrica de clarinetas a nossa disposi- o que nos levantou dúvidas. Começamos os testes e
ção, sabemos que a madeira utilizada na fabricação ficamos bastante animados com os resultados posi-
de um instrumento de sopro da família das madei- tivos obtidos com esta madeira pesada e densa, fá-
ras necessita de estabilidade estrutural, grã direita cil de trabalhar e furar. Após análise no Instituto de
ou grã reversa, fácil trabalhabilidade, bom poli- Pesquisas Florestal (IPF-SP), constatou-se que não
mento, dureza Janka21 para resistir ao mecanismo era Braúna e sim Myracroduon urundeuva, a famo-
de chaves fixadas ao seu corpo, densidade e rigidez sa Aroeira do sertão.
para refletir a vibração da ondas sonoras produzi-
das pelo sistema gerador nas paredes internas do 3.1 Aroeira do sertão22
tubo (no caso da clarineta, boquilha e palheta).
A espécie Myracrodruon urundeuva,
20.   Imagem de recorte de Mpingo disponível em: <http:// sinônimo em alemão Astronium urun-
touchons-du-bois.com/wp-content/uploads/2015/01/DSC03306_
Mpingo.jpg>.
deuva, em inglês Astronium juglandifo-
21.   Dureza Janka é o grau de resistência de tensão que a madeira lium Griseb é conhecida popularmente
pode aguentar. No caso da clarineta que receberá um mecanismo como aroeira do sertão, aroeira-preta,
de metal todo parafusado em seu corpo, é muito importante que a
madeira tenha condições de receber esta estrutura do mecanismo 22.   Imagem de uma árvore de aroeira do sertão disponível
sem se romper. em: <http://www.biologo.com.br/plantas/fichas/aroeira.html>.

11
uriunduba, aroeira-do-campo e aroei- resistência mecânica e por ter maior durabilidade
ra-da-serra e pertence à família Anacar- natural, resistente ao apodrecimento e ataques de
diaceae. É nativa do Brasil e possui larga pragas, é indicada para construções externas, como
distribuição geográfica, podendo ser en- vigamentos de pontes, estacas, postes de luz, esteio,
contrada no México, Argentina, Bolívia mourões, dormentes, em construção civil como vi-
e Paraguai, associada à ambientes secos gas, caibros, ripas, tacos para assoalhos, peças tor-
como cerrado, savanas e caatingas (LO- neadas etc. É possível encontrar grande quantidade
RENZI, 1992). dessa madeira por todo país, a décadas expostas ao
clima e absolutamente secas e estabilizadas.
Além disso, sua madeira, em função da
durabilidade e dificuldade de putrefação, Estudos realizados pelo Instituto de
é muito usada na construção civil como Pesquisas Tecnológicas (IPT) indicam
postes ou dormentes para cercas, na con- que um pedaço de aroeira-preta do ta-
fecção de móveis de luxo e adornos tor- manho de uma caixa de fósforos suporta
neados (ALMEIDA et al., 1998; LORENZI, 6 toneladas de carga, sem se deformar. A
1992; apud NUNES et al., 2008). característica de durabilidade é encon-
trada em apenas 1 a 5% das madeiras e
Em nossa busca por novas madeiras que possu- apenas menos de 1% delas são muito
íssem características similares as madeiras africa- duráveis. De acordo com testes realiza-
nas, a aroeira do sertão foi a que mais se aproximou dos pelo IPT, a aroeira-preta foi classifi-
e que definiu a nossa escolha. Essas características cada como muito durável e está incluída
são: alta densidade, durabilidade, trabalhabilidade no grupo das madeiras chamadas impu-
e resposta sonora. trescíveis (MAINIERI et al., 1989; BRA-
O Brasil, apesar de seu tamanho e magnitude de GA, 1990; apud QUEIROZ, 2002).
suas florestas, não se caracteriza como um grande
produtor e exportador de instrumentos musicais. Além das propriedades mecânicas que
Isso se deve a certo tradicionalismo por parte dos formam uma barreira física de proteção,
fabricantes e luthiers de instrumentos musicais existe também uma barreira química,
que utilizam pequenas quantidades de diferen- formada por substâncias produzidas pela
tes madeiras importadas em partes especificas do própria árvore, denominadas de extra-
instrumento. Esse tradicionalismo junto com a es- tivos, que possuem efeitos fungicidas e
cassez dessas poucas espécies tem onerado signi- inseticidas. Essas substâncias se formam
ficativamente o valor dessas madeiras no mercado principalmente no processo de transfor-
internacional, cotado em dólar, e levando assim as mação do alburno em cerne. (BRAGA,
indústrias e fabricantes em todo o país a uma busca 1990; apud QUEIROZ, 2002).
por espécies alternativas.
Apesar de existir pouca produção de trabalhos cien- Para a construção de instrumentos de sopro, além
tíficos nessa área no Brasil, o laboratório de Pesquisas dessas características citadas acima, necessita-se de
Florestais (LPF) e o Instituto de Pesquisas Tecnoló- uma madeira bem seca e já estabilizada mecanica-
gicas do Estado de São Paulo (IPT) foram pioneiros mente para evitar trincas e deformações. Na busca
na classificação e catalogação das espécies brasileiras por madeiras com essas características a aroeira do
para a utilização em instrumentos musicais. sertão se mostrou muito acima de nossas expectati-
a) Características gerais da Myracroduon vas o que determinou a sua utilização nesse projeto.
urundeuva23: Na busca da obtenção dessa madeira, notamos
Madeira muito pesada; cerne bege-rosado ou um grande descarte da mesma que um dia foi uti-
castanho-claro, quando recém-cortado, escure- lizada como dormentes e postes na distribuição da
cendo para castanho ou castanho-avermelhado-es- rede elétrica nas cidades brasileiras. Devemos res-
curo, alburno diferenciado, branco levemente rosa- saltar a idade de corte dessas madeiras podendo ser
do; textura media uniforme; grã irregular e reversa; de meio século ou mais. O descarte dessas madei-
superfície um tanto lustrosa e lisa ao tato; cheiro e ras se deu pela substituição das mesmas pelo o uso
gosto imperceptíveis. do concreto. Este pensamento de sustentabilidade
A aroeira do sertão por ser muito pesada, de alta foi uma das razões determinantes na escolha da
23.   Imagem de recorte do cerne de aroeira do sertão: <http:// Aroeira do sertão.
www.mfrural.com.br/detalhe/aroeira-do-sertao-54626.aspx>.

12
Quadro 1 – Comparação geral entre as madeiras usadas para a fabricação da clarineta e a aroeira Fonte: O autor.

artigo
3.2. O Uso Profissional da Clarineta de Aroeira excelente polimento e sua coloração marrom aver-
melhada, valoriza o contraste com o mecanismo pra-
Um dos objetivos de se pesquisar madeiras alter- teado ou dourado. Acusticamente, sua resposta so-
nativas foi suprir a necessidade brasileira de se ter nora, projeção e timbre, correspondem plenamente
um instrumento de qualidade e com preço acessí- às exigências por parte dos clarinetistas estudantes
vel aos estudantes e profissio- e profissionais, tanto no universo musical erudito
nais brasileiros. Após intensa quanto no popular. Ecologicamente, alinha com o
pesquisa e testes, mesmo não conceito de sustentabilidade com o reúso de madei-
encontrando nenhum docu- ra. A possibilidade de compra de madeiras a décadas
mento referindo-se ao uso da expostas ao clima nos garante o uso de um material
Myracroduon urundeuva na de qualidade, absolutamente seco e estabilizado.
fabricação de instrumentos A parceria com o luthier Odivan de Santana, ex-
musicais de sopro, a escolha periente e conhecedor sobre madeiras brasileiras
pela aroeira do sertão se deu e que há mais de 25 anos constrói instrumentos
por suas qualidades acústicas, de sopro da família das madeiras no Brasil, e a mi-
mecânicas e econômicas. nha percepção como clarinetista profissional há
Clarineta Devon & Burgani 40 anos atuando em Orquestras no Estado de São
modelo OSII feita em Aroeira Paulo: Orquestras Sinfônica do Teatro Municipal
O instrumento construído de São Paulo (OSTM-SP) e OSESP, 30 anos como
com aroeira do sertão modelo docente do Departamento de Música do IA-UNESP
profissional OSII marca De- e ter usado as principais marcas consagradas de
von & Burgani faz parte de um clarinetas profissional, nos permitiu, através de co-
projeto corajoso e particular nhecimentos empiricamente adquiridos como ins-
iniciado há pouco mais de oito trumentista e construtor, reunir as qualidades des-
anos e que, vem sendo res- tas consagradas marcas em um projeto de clarineta
peitado e adotado por muitos profissional com alma brasileira.
profissionais estabelecidos no É importante mencionar que não existem
meio artístico nacional e in- livros, informações ou manuais disponíveis
ternacional. Esteticamente, a nas bibliotecas ou na mídia que descrevam os
Foto: Francisco madeira da Aroeira do sertão, processos de construção de uma clarineta. Como
Formiga, 2017 possui textura fina, recebe um encontrar, selecionar e tratar as madeiras, polir

13
internamente, evitar trincas e rachaduras, afinar e clarinetistas da música popular e de estúdio. No ex-
eliminar resistência sonora, resolver questões de terior, há profissionais e estudantes utilizando-a na
acústica, construir chaves e prateá-las, enfim, todo o Argentina, Peru, México, EUA, Portugal, Espanha,
processo de experimentação feito por luthiers é em- Itália, Inglaterra, Grécia e Coreia do Sul.
pírico. Desde a madeira até a clarineta pronta para ser
tocada, envolve um longo processo e muita pesquisa. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os segredos e descobertas de trezentos anos de Por fim, é possível afirmar que as características
evolução da clarineta ou morreram com seus idea- físicas, mecânicas e acústicas da aroeira a colocam
lizadores ou estão trancados em cofres muito bem na lista das madeiras apropriadas para a constru-
guardados nas principais indústrias geralmente eu- ção de clarinetas profissionais. Partindo-se do uso
ropeias. Pode-se encontrar apenas algumas poucas e percepção acústica pessoal do instrumento, sua
plantas de instrumentos antigos que seriam apenas alta densidade e estabilidade física, grã reversa, re-
um ponto de partida. Na Devon & Burgani não foi sistência a variações climáticas, imprime uma boa
diferente. Para a construção de um instrumento ressonância e profundidade nos sons fundamentais
profissional brasileiro todo o processo teve que ser e seus parciais. Ao longo de nove anos de utilização
experimentado várias vezes e descartado o que não do instrumento em aroeira, podemos constatar,
funcionou. Por razões mercadológicas e de patente, pela sua aceitação no meio profissional e estudan-
não poderíamos revelar todo o conhecimento ad- til, que se trata de um instrumento que atende aos
quirido nesta pesquisa e descrever o passo a passo mais diversos requisitos para seu uso. A busca por
de todo o processo de construção que realizamos. madeiras alternativas para a construção de clarine-
Assim como em todas as fábricas, a divulgação da ta está somente começando e podemos afirmar que
metodologia descoberta não pode ser revelada. a aroeira do sertão é o início de uma longa pesquisa
São diversos indicadores que tem demonstrado em um processo contínuo e promissor.
artigo

a qualidade da aroeira para a fabricação da clarineta


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15
Matéria de Capa

Luiz Gonzaga Carneiro no Estádio do Vasco, Rio de Janeiro,


durante o juramento à bandeira de uma turma do CPOR, 1961.

16
Homenagem
a Luiz Gonzaga
Carneiro
Imagens, Memórias e Rimas
90 Anos de Nascimento

Matéria de Capa
por Taís Vilar

Clarinetista, saxofonista, arranjador e professor renomado, Luiz Gonzaga Carneiro (1928-2007) nasceu em
Paulista, região metropolitana do Recife, Pernambuco. Muito contribuiu na formação de diversos músicos –
especialmente em Brasília, onde se estabeleceu a partir da década de 1970. Gonzaguinha, como era carinhosa-
mente conhecido, teria completado 90 anos em 4 de junho de 2018. Esta matéria pretende, ainda que com suas
limitações, prestar homenagem a ele. Para isso, reunimos aqui algumas fotos (gentilmente enviadas por Elia-
na Costa), depoimentos de alunos e colegas de trabalho, assim como o cordel “Gonzaguinha Eternamente”.
Quantas pessoas gostariam de registrar palavras em homenagem a Gonzaguinha? Quando se menciona o
nome “Gonzaguinha”, as pessoas não resistem em compartilhar histórias, e com muito gosto. Histórias em
meio a sorrisos – por vezes, gargalhadas – e olhares vívidos e nostálgicos. No entanto, não caberia nesta ma-
téria tudo que muitos gostariam de expor. Acabamos por reunir sete depoimentos. Aproveitei a ocasião para
escrever o meu também.
A autora do cordel “Gonzaguinha Eternamente” é Clinaura Macêdo, violinista e piauiense de Valença. O
cordel foi escrito entre 2015 e 2016, atendendo ao pedido de Eterna de Castro, sua amiga e viúva de Gonzagui-
nha. Tendo convivido com Eterna e Gonzaguinha em tempos de Universidade de Brasília e de Orquestra Sin-
fônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), Clinaura realizou pesquisas e reuniu lembranças para
fazer a vida do clarinetista surgir em versos e rimas. Em 30 de novembro de 2017, o cordel teve seu lançamento
no Auditório do Departamento de Música da Universidade de Brasília com um recital em homenagem a Gon-
zaguinha. Participaram das apresentações musicais: Václav Vinecký “Vasco” (oboé) e Hary Schweizer (fagote),
colegas da UnB e OSTNCS; ex-alunos, como Fernando Machado e Ricardo Freire; e outros clarinetistas, como
Marcos Cohen e Renata Menezes, atuais clarinetistas na OSTNCS. Clinaura e Eterna também estavam presentes.
Sugeri ao professor Joel Barbosa, um dos editores desta revista, uma matéria sobre Gonzaguinha por ocasião
dos 90 anos de seu nascimento. Acabei por receber a missão de fazer a matéria. Missão nada fácil, diante da res-
ponsabilidade que senti. Mas, ao mesmo tempo, muito prazerosa e recompensadora! Os bastidores incluem,
por exemplo, conversas alegres na Escola de Música de Brasília, com colegas da clarineta e do saxofone que
foram alunos do mestre, e com Eterna, por telefone. Além disso, fui recebida na residência de Clinaura e na de
Odette Ernest Dias, para entrevistas. Na residência de Odette, flautista que completou 90 anos em 2 de feverei-
ro de 2019, ainda pude ouvir à sua gravação com Gonzaguinha do duo “Retrato” de Gilberto Mendes – gravação
ao vivo realizada pelo famoso técnico de áudio Frank Justo Acker na Bienal de Música Contemporânea, na Sala
Cecília Meireles, em 1975. Agradecimentos aos editores, em especial a Joel Barbosa, e a cada um que contribuiu
na construção desta matéria. Pudemos aqui registrar um bocado da nossa admiração por Gonzaguinha!

17
TAÍS VILAR – Professora de Clarineta do CEP/Escola de Música de Brasília:
A primeira vez que ouvi falar de Gonzaguinha foi ainda como aluna da Escola de Música de Brasília,
entre professores que estudaram com ele. Na época em que eu comecei a assistir mais concertos, vi
Gonzaguinha tocando na Orquestra. Mas foi também na Escola que o vi mais de perto pela primeira
vez, como palestrante convidado na Semana das Palhetas de 1999.
Eu não fui aluna regular de Gonzaguinha. Ele já estava aposentado havia anos quando ingressei na
UnB. Ainda assim, tive oportunidades de tocar para ele e aproveitei. Ele me chamava carinhosamente
de “adotivinha”. Mas talvez eu seja mais algo como uma “aluna-neta”? Afinal, meus principais profes-
sores – Alexandre Areal, Ilka Jussara, Ricardo Freire e Johnson Machado – foram alunos dele. De uma
forma ou de outra, sinto uma conexão. Gratidão também.
João Paulo Araújo, amigo e professor na UFRN, costuma chamar os grandes professores de Clarineta
de “Mestres Jedis” do instrumento, fazendo referência a Star Wars. Mas para mim a figura de Gonzagui-
Matéria de Capa

nha se aparentava mais à do Mestre dos Magos, de “A Caverna do Dragão”: um senhor baixinho, cabelos
brancos, sabedor das coisas, que me aparecia de repente e sem aviso, despertando interesse e atenção
em todos ao redor, deixando alguma orientação ou anedota na sua passagem. Uma vez, pela UnB, lhe
contei que estava estudando uma das Sonatas Op.120 de Brahms. Respondeu: “Mas você está amando?
Pra tocar Brahms bem, precisa estar amando”. Passou e me deixou pensando em amor e música.

Ao lado, cartaz do Recital de Lançamento do cordel “Gonzaguinha Eternamente”. Acima, da direita para
esquerda: Marcos Cohen, Václav Vinecký, Manoel Carvalho, Hary Schweizer, Clinaura Macêdo, Renata Menezes,
Eterna de Castro, Elias Miranda, Roberto Gilson “Kaçulinha”, Taís Vilar, Eliana Costa, Fernando Machado,
Elaine Rodrigues e Ricardo Freire. Grupo após o Recital de Lançamento do cordel “Gonzaguinha Eternamente”.

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GONZAGUINHA ETERNAMENTE
CLINAURA MACÊDO

À Eterna
Violoncelista, professora dedicada
A companheira e o grande amor da vida de Gonzaguinha.

AGRADECIMENTOS
À Eterna, por ter me proporcionado a oportunidade de contar a história desse grande músico e grande homem. A Ri-
cardo Dourado, pela maravilhosa entrevista que me concedeu. Com profunda demonstração de gratidão e respeito
pelo mestre, contou-me, com detalhes preciosos, sobre o relacionamento de Gonzaguinha com seus alunos. A Ricardo
Vasconcellos, por ter me relatado, com muita atenção e demonstração de carinho, a experiência de seu Trio, na UnB,
sob a orientação de Gonzaguinha.

Eternamente o primeiro Um cabra chei de dinheiro Professô clarinetista


É o melhó a lhe chamá Domina a situação Incentivadô primeiro
Luiz Gonzaga Carneiro Cum sua esposa Margarida
Pioneiro, soube marcá As praia de “Enseadinha” Incaminharo na vida

Matéria de Capa
Cum arte a sua presença “Janga”, “Do O”, “Conceição” Um dos maió brasileiro
Simplicidade e excelança “Pau Amarelo”, “Farinha”
Ele soube combiná Presenteava a visão E seu fio Gonzaguinha
Beleza a perdê de vista Cumeçô a istudá
Maestro daqui ou de fora Que convencero o paulista Cum o talento que ele tinha
Num tinha o que reclamá A fazê negociação Havera de se torná
Dava a entrada e ele na hora O maió clarinetista
Dava a impressão de buscá E foi em sua homenage Seguro e completo artista
O que cum estudo num vem Que o povo então batizô Do erudito ao populá
Que num se vê mas que tem O trecho dessas parage
Pra uns pouco em algum lugá Que cidade se tornô No “Externato Timbaubense”
Cabra macho, muito home Teve as primeira lição
E agora, seu menino Botaro seu codinome Mestre Amaro se convence
Vô contá o que se passô Nas terra que ele comprô Tinha um talento nas mão
Na história do nordestino E o mestre num se inganô
Que aqui se consagrô Quando o assunto é “Artista” Foi o primeiro professô
No Teatro Nacional Pernambuco é “Seleção” Amaro tinha razão!
Um mestre, dos imortal Se fosse fazê a lista
Sem papel se fez Dotô Sô doida? Me arrisco não! Caixa Surda ele istudô
E num me estresse dispois Foi a primeira paixão
Na cidade de Paulista Só Luiz Gonzaga tem dois: Mas dispois ele mudô
Em pleno mês de São João Gonzaguinha e Gonzagão! E tomô a decisão
Nasceu dos maió artista E disse: “ninguém se meta!”
Lhe digo cum precisão Apois olhe, seu menino Apois era a clarineta
28 foi o ano Gonzaguinha e Gonzagão A sua predileção
Chegô um pernambucano Dois Gonzaga nordestino
Orgulho dessa nação E dos Concerto ao São João Pra dominá um instrumento
Nas Sonata e nas Folia Eu garanto a vosmicês
Paulista pernambucana Um brilha na Sinfonia Até o maió dos talento
É bom se dê explicação O outro é o Rei do Baião Se num istudá num tem vêz
Foi por causa de um bacana E a sua preparação
Que se embrenhô no sertão Na cidade de Paulista Continua cum as lição
No nordeste brasileiro O mestre Urias Carneiro De John Johnson, mestre inglês

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A BANDA Primeira escola é a Banda
Mas espie, seu menino Só conseguiu explicá
Que um ingano eu num cometa O que é uma Banda a passá
Concerto dos nordestino Chico Buarque de Holanda!
Era as Banda e as Retreta
E o menino Gonzaguinha Agora num tem pracinha
Cumeça pela Bandinha Nem criança a apreciá
A escola da clarineta Imagine um Gonzaguinha
Num consigo imaginá
Escola que respeitô Cum seu talento imbotado
Amô e reconheceu Dia e noite pindurado
Dispois que se consagrô No diabo dum celulá!
A Banda, nunca esqueceu
E a primeira a cumeçá Menino corre perigo
Foi “Banda Pé de Cará” De ficá bobo e doente
Onde tocô e regeu Se reúne cum os amigo
Obcecado e ausente
Se a Banda toca um Dobrado Nos “uatisape” grudado
Matéria de Capa

Faz a cidade pará Alheio e “conectado”


O flautim faz um trinado Isquece quem tá presente
Cum a caixa a acumpanhá
O crescendo da harmonia Apois menino moderno
E a plateia se arripia Bandinha, qué vê mais não!
Cum a marcha militá Num barulho dos inferno
Cum os “Aifone” nas mão
Pracinha que tem Retreta Plantão 24 hora
Tem Bandinha que comanda Navegando mundo afora
Pra istudá a clarineta Sem Bandinha e sem noção!

Década de 1950 E eis que chega à cidade


Gonzaguinha qué mudança A “Sinfônica Brasileira”
Apois queria istudá Mestre da Universidade
Corage e perseverança Tá no naipe das madeira
Quem haverá de pensá! E foi este professô
Da arte tinha certeza Que em sua vida decretô
Mas começa em Fortaleza Mudança grande e certeira
Sua vida militá
Gonzaguinha num sonhô
Mas num perde a confiança Istudá nos estrangeiro
Dos que procura o sabê Jaioleno, o professô
Enquanto espera a mudança Catedrático brasileiro
Que havera de acontecê Um talento percebia
Cum humildade ingressô Disse cum sabedoria
Numa orquestra de amadô “Vá pro Rio de Janeiro!”
Apois queria aprendê

20
Matéria de Capa
Classe de Clarineta da Escola de Música da Universidade do Brasil (atual UFRJ) nos anos 1950. No centro: professor Jayoleno dos Santos, com um neto no colo.
Na frente, da esquerda para direita: Luiz Gonzaga Carneiro, Samuel Ignácio de Siqueira, Paulo Moura e Florentino Dias. Atrás: Wilfried Berk, José Carlos de
Castro, Antônio Peixoto, Paolo Nardi (que se tornou oboísta) e Hugo Lauterjung.

RICARDO DOURADO FREIRE – Professor de Clarineta na Universidade de Brasília:


Quando conheci o professor Gonzaga, eu tinha doze anos e estava iniciando meus estudos de clarineta.
Imediatamente fiquei fascinado pela sua capacidade musical e pela sua personalidade cativante e bem-humo-
rada. Eu não conhecia a sua história e, ao longo dos anos, fui descobrindo que por trás das brincadeiras e pia-
das existia uma pessoa que soube superar todas as dificuldades que a vida lhe apresentou. O início musical de
um menino franzino que perdera o pai na infância e começa a tocar clarineta na banda da cidade, a entrada no
exército, mudanças para Recife e Fortaleza, o esforço para mudar para o Rio de Janeiro e poder estudar na Es-
cola de Música da Universidade do Brasil (atual UFRJ), a trajetória nos quartéis e nas noites cariocas de muito
trabalho e pouco descanso, uma transferência obrigatória dentro do exército que poderia tê-lo levado para
um posto de fronteira, mas que o levou para a nova capital federal em 1974. Nascido em 1928, o mestre Gonzaga
trabalhou no ambiente militar, na noite tocando música popular, nas rádios, e em contratos eventuais como
músico. Assim adquiriu uma enorme experiência prática. No entanto, o reconhecimento da sua qualidade
musical somente ocorreu após o término de seu período no exército. O Gonzaga que conhecemos – profes-
sor, solista e músico de orquestra – inicia sua carreira aos 48 anos, quando foi convidado a ser professor de
clarineta da Universidade de Brasília. Aos 51 anos, assume a posição de primeiro clarinetista da Orquestra Sin-
fônica do Teatro Nacional, cargo para o qual se preparou durante toda vida, e atinge o seu objetivo de ser um
músico de orquestra. Nos Cursos de Verão da Escola de Música de Brasília, no Festival de Campos do Jordão
e no Festival de Londrina entra em contato com jovens clarinetistas de todo o Brasil, organizando quartetos e
conjuntos de clarinetas que incentivaram a interação e a amizade de toda uma geração. O Gonzaga gostava de
perguntar para os alunos após um recital ou apresentação: “Está feliz com a profissão que abraçou?” Ele sabia
que após a satisfação de uma apresentação musical aquele era o momento certo para perguntar, e reafirmar
aos jovens que precisamos ser felizes enquanto músicos. Gonzaguinha sabia incentivar os jovens a superarem
suas dificuldades para atingirem os objetivos inatingíveis, como ele mesmo foi capaz de fazer.

21
Acima, Taís Vilar e a flautista Odette Ernest Dias, com LP da I
Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Ao lado, Quinteto
de Sopros da UnB no programa da I Bienal de Música Brasileira
Contemporânea (1975) da esquerda para direita: Luiz Gonzaga
Matéria de Capa

Carneiro (clarineta), Jean Pierre Berlioz (fagote), Václav Vinecký


(oboé), Sonia Born (soprano convidada), Odette Ernest Dias
(flauta) e Bohumil Med (trompa).

ODETTE ERNEST DIAS – Flautista e Professora de Flauta-transversal aposentada da UnB

Eu cheguei no Brasil em 1952, com contrato para tocar na Orquestra Sinfônica Brasileira. Quando cheguei
aqui, os músicos que tocavam na orquestra também eram músicos da Rádio Nacional, da Rádio Mayrink Veiga.
Também tocavam músico popular. As estações de rádio tinham movimento imenso. A Rádio Mayrink Veiga,
que era perto da Praça Mauá, tinha Chico Anysio, Antônio Maria... Tinha um nível muito bom. Eu ia lá para
tocar. Aí, um dia, apareceu um rapaz baixinho, clarinetista, militar, nordestino. Eu o conheci e conversamos
muito. Foi exatamente em 1957. Depois perdi contato com ele. Em 1974, me mudei para Brasília, pois fui con-
vidada para trabalhar na Universidade de Brasília. Decidimos fazer um conjunto de música de câmara, um
quinteto. No início, o clarinetista era Fernando Cerqueira, mas ele decidiu voltar para a Bahia, se dedicando
mais à composição. Aí, apareceu o Gonzaguinha, que estava em Brasília como militar aposentado. Eu falei pro
pessoal: “Olha, tem um clarinetista militar que toca muito bem, eu conheci no Rio”. Acabou que ele também
veio para a UnB como professor convidado, integrando o quinteto. Em 1975, fomos tocar na Bienal de Música
Contemporânea, na Sala Cecília Meireles. Além das músicas com o Quinteto da UnB, eu e Gonzaguinha to-
camos o dueto “Retrato” de Gilberto Mendes, na Bienal, que foi gravado ao vivo e o LP lançado pela Funarte.
Com o Quinteto da UnB, viajamos para tocar nos Estados Unidos, México, Venezuela, Honduras e Costa Rica.
No Brasil, tocamos também no Nordeste. O Gonzaguinha, como pessoa, era de uma delicadeza! Era ótimo
colega, ótimo professor, ótimo músico. Há certo preconceito com músicos militares, mas existem excelentes
músicos militares. Gonzaguinha foi um exemplo!

Entrevista transcrita por Taís Vilar

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Rio de Janeiro - Década de 1950 Teve a vitória primeira Solista selecionado
E lá se foi o menino Primeiro prêmio conquista Por severa comissão
Realizá seu desejo No Concurso de Solista Saiu daqui dicretado
Deixa no chão nordestino Da Sinfônica Brasileira Pra cumpri nobre missão
Quermesse, Banda e Festejo Virtuoso brasileiro
Pra istudá derna a Teoria Seu destino foi traçado Foi tocá nos estrangeiro
À Clarineta e Harmonia Derna as primeira lição Representando a nação
E dominá o Solfejo Pra dispois sê consagrado
Vencendo competição Mas apesá das conquista

Matéria de Capa
Formô-se profissional E o prêmio a recebê Dos prêmio que ele ganhô
Pra além do Rio de Janeiro Foi tocá cum a OSB Pra carreira de solista
Apois nome nacional Em grande apresentação Gonzaga num se entregô
Surge dentre os cumpanheiro Camerista dedicado
Em concurso de solista Vitória e consagração E mestre, dos mais amado
Brilha a estrela do artista Conquistô naquele dia Mais pai que um professô!
Luiz Gonzaga Carneiro Respeito e admiração
Em merecida honraria
1959 “O Estudante do Ano”
Tocadô de competença Ganhô o pernambucano
Num tava de brincadeira Em sua biografia
Um artista de excelença

1975 - Gonzaguinha na UnB

Como um pai, num se contenta Foi, nos seus ensinamento


Num isconde o seu sabê Mestre em Instrumentação
Apois nos ano setenta Sabedô dos instrumento
Eu conto pra vosmicê Das regra da Orquestração
Eis que chega a clarineta Pois pra fazê Sinfonia
Quinteto e Trio de Palheta Tem que sabê Teoria
Gonzaga na UnB! E ele deu essas lição

23
RICARDO DOURADO
FALA DE GONZAGUINHA Apois menino capeta Os menino carecia
“PORTA ABERTA!” Danado, atento e alerta De tê orientação
Matéria de Capa

Armado cum as clarineta Mas logo eles percebia


Aluno de Gonzaguinha No mestre dava as “incerta” Que muito além das lição
Procurei pra intrevistá Gonzaguinha permitia Cum o mestre tinha incontrado
Ricardo Dourado já tinha Num tinha hora nem dia Um pai, pois foro adotado
Palavra e sem gaguejá A porta era sempre aberta! Seus fio de coração
Cum amô e sinceridade
Falô “generosidade!” Um grupo de iniciante Incaminhava os talento
Definiu pra cumeçá Sem dinheiro pra pagá Cum mão certeira e ternura
Candidato a istudante Menino sem instrumento
Ricardo ia se lembrando Cum corage ia buscá Ajuda certa e segura
Dos trecho pra relatá As aula de um virtuoso Arrumava as clarineta
Enquanto eu ia anotando Mas um mestre carinhoso Dava boquilha, palheta
Parô um pouco a pensá Apois viero a incontrá E as melhó partitura
Caçando a palavra certa
De repente “porta aberta!” A coisa foi se firmando Num tinha lugá nem hora
Falô e foi me contá: No início era casual A sua preocupação
As aula vão se tornando Das viage mundo afora
Certo grupo de menino Regulá e semanal Trazia no maculão
Cum o mestre quis aprendê Num tavam de brincadeira Das loja de partitura
Apois traçaro o distino E a tarde de sexta feira De respeito e de finura
Permitindo sucedê Se tornô oficial As mais famada edição
Um dos exemplo de amô
Mais raro, que um professô
Demonstrô na UnB

24
Matéria de Capa
Gonzaga solando com a Orquestra Sinfônica Brasileira em um Concerto para a Juventude de 1959. Regente: Maestro Mário Tavares.

MANOEL CARVALHO – Clarinetista aposentado pela OSTNCS, professor aposentado


do CEP/Escola de Música de Brasília e maestro da Brasília Popular Orquestra (BRAPO):

Fui o primeiro aluno do Gonzaga. Eu estava na Banda da Base Aérea e, quando soube que ele apa-
receu na UnB, corri para ter contato com ele – em princípio, como aluno informal. Ele me atendeu
muito bem. Como sempre, muito solícito. Ele me deu as primeiras orientações e depois, como eu tinha
terminado o Curso de Economia na UDF, eu pude fazer a matrícula de Bacharelado em Clarineta. Fui
entusiasmadíssimo porque Gonzaga sempre foi legal, sempre procurava atender o que ele podia.
Terminei o curso perto da fundação da orquestra [hoje OSTNCS]. Quando teve o concurso, quem es-
tava habilitado na época éramos eu e Gonzaga. Fizemos a seleção e começamos o trabalho em primeiro
de maio de 1980. Ficamos quase 15 anos somente eu e ele, como clarinetistas na orquestra. Continuei
aprendendo com ele lá na orquestra, porque ele tinha experiência e era muito estudioso. Era uma autori-
dade na clarineta. Santoro o respeitava muito e fez peça solo pra ele. Todo mundo tinha a maior conside-
ração pelo Gonzaga. Chegava um maestro que queria dar pitaco: ele não aceitava não. Chiava.
Comecei a morar na 210 Norte, bloco G. Um belo dia, chega ele com mudança. Eu morava no aparta-
mento 202 e ele conseguiu o 402. O encontrei embaixo do bloco e perguntei: “O que veio fazer aqui?”.
Ele: “Vim morar aqui. Não posso morar?” - com aquela brincadeira dele - “Olha que maravilha! Vamos
fazer bons duetos aqui”! Eu sempre gostei de caranguejo. E meu companheiro de comilança de caran-
guejo era o Gonzaga. Ele descia rapidinho e a gente tomava vinho até pela madrugada. Mais de 15 anos
no mesmo prédio, até ele falecer.
Foi uma convivência muito legal, por vários anos. Sempre tenho boas lembranças!

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Matéria de Capa

Acima, Gonzaga regendo. No centro, à esquerda, apresentação de quarteto de clarinetistas no XI Festival de Inverno de Campos do Jordão, 1980, Professor
Gonzaga com os alunos do Festival, da esquerda para a direita: Otinilo Pacheco, Joel Barbosa e Luis Nivaldo Orsi. À direita, Gonzaga e Luis Afonso Montanha.
Abaixo, à esquerda, ele com instrumento. Abaixo, à direita, Quinteto de Sopros da UnB.

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OS MENINOS na UnB. Tornou-se clarinetista ________________________
da Orquestra Sinfônica do Lembrando os ano sessenta
Clarineta: Ademir Junior, Teatro Nacional Claudio Cum o Brasil em explosão
Alexandre Areal, Fernando Santoro, sentando-se ao lado de Os istudante arrebenta
Machado, Isabela Sekeff, seu mestre. Formou seus alunos, Assembleia e discussão

Matéria de Capa
Johnson Machado, José como Professor da Escola A era dos Festival
Nogueira, Ricardo Dourado de Música de Brasília e é o Ferve a “Geleia Geral”
fundador da “Brasília Popular E lá vai a “Procissão”
Saxofone: Dílson Florêncio, Orquestra” - “BRAPO”.
Gedeão Silva, Vadim Arsky Seguimo os ano setenta
Marluce Camacho foi a E “A Banda” vista a passá
_________________________ primeira mulher a se formar em De verde ela se apresenta
Saxofone, na UnB. Rufa os tambô militá
Mão certeira do destino No auge dos manifesto
Apois eu vô lhe dizê Gonzaguinha criou o Curso A batuta do protesto
O que deu destes menino? de Saxofone na UnB. Foi o Rege a Música Populá
Assunte, vô respondê: primeiro curso de saxofone da
São tudo profissional América Latina. Apois foi nesse momento
Do Teatro Nacional Dílson Florêncio foi o primeiro O país em ebulição
A mestre da UnB. aluno a graduar-se em Que o nosso Departamento
_________________________ saxofone na UnB. Também se De recente criação
graduaram em saxofone Vadim Presenteia a UnB
Manoel Carvalho foi o primeiro Arsky e Gedeão Silva. Em convidá e recebê
aluno a se formar em Clarineta, Mestres pra grande missão
________________________

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O QUINTETO Incontrô o Departamento BOHUMIL MED
DE SOPROS DA UnB Cum um trabalho a cumeçá
Num botô em julgamento Pra completá o quinteto
ODETTE ERNEST DIAS O nosso mundo e o de lá Assunte, a trompa anuncia
Aluno de todo jeito Num me arrisco e num me meto
Apois a Dama primeiro Cum paciença e respeito Cum quem tem sabedoria
Eu cito pra cumeçá Ele cuidô de ensiná O solfejo do Brasil
Como poucos brasileiro Convoca mestre Bohumil
Soube a nós se dedicá Dos som do Departamento Pra comandá as Teoria
Tão cedo num se repete Que eu jamais vô isquecê
Seu menino, outra Odette Das peleja em instrumento Cum grande sabedoria
No Brasil desembarcá “Quem é quem”, “sê ou num sê” Criô suas próprias lição
Seu menino eu sei Quem É! Seu sistema em Teoria
Mestre no seu instrumento O mestre do oboé Provocô revolução
Se dedica a pesquisá Foi Vasco na UnB. Dó Mi Sol é Um Três Cinco
Cuidô no Departamento Apois num estude cum afinco
Sua marca registrá HARY SCHWEIZER E aguente reprovação!
Artigo, disco gravado,
Matéria de Capa

Solo, livro publicado Mestre Hary, respeitado Seu sistema em Teoria


Foi mais além do tocá Discreto a mais num podê Cuidô de consolidá
Seguro, compenetrado As prova, quem num temia?
Num tem flautista em Brasíia Inda, além do seu sabê E eu quero homenageá
Cum ela sem ligação Pra completá o pacote Um, três, cinco? É nota mil!
Se compará cum família É mestre no seu fagote Os aluno do Bohumil
Lhe digo cum precisão Tocadô e Lutiê Que num teme solfejá!
De quem num é mãe, é avó
Flautista, num tem um só Fagotista de primeira Gonzaga cum competença
Que num herdô suas lição! De completa formação Já sabia o que fazê
Sem trégua e sem brincadeira Um Quinteto de excelença
VÁCLAV VINECKÝ Istudô cum os alemão Concerto a mais num podê
Um mestre na UnB Meu sinhô, minha sinhora!
Vasco, mestre consagrado Ensinô, gravô CD Correro Brasil afora
Generoso em seu sabê Cum arte e cum perfeição Cum o nome da UnB.
Dos professô mais amado
Que eu já vi na UnB Tocadô de competença
Desafio quem quisé Seguro pra dá as lição
Na cadeira do oboé Mestre Hary “Com Licença!”
Outro Vasco aparecê Me desculpe a pretensão
Da licença d’eu dizê
A Orquestra e a UnB
Lhe tem toda a gratidão!

RICARDO Meu amigo me falô


VASCONCELLOS Cum amô, sem economia
FALA DE Do artista e professô
GONZAGUINHA Do seu sabê e alegria
“Músico diferenciado” Definiu emocionado
“Mestre diferenciado”
Do Populá a Sinfonia

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Matéria de Capa
Luiz Gonzaga Carneiro solando o Concerto para Clarineta e Orquestra de
Ernest Mahle, dedicado e escrito para ele, com a Orquestra Filarmônica de
Brasília, sob regência do compositor.

JOHNSON MACHADO – Professor de Clarineta e Saxofone na Universidade Federal de Goiás:


Falar de Gonzaguinha é motivo de alegria e contentamento, pois era uma pessoa notável. Gonzaga me
fascinava pelo imenso conhecimento e domínio claro da vida. Como músico: espetacular. Como professor:
fantástico. Como pessoa: grande amigo. E, em busca deste conhecimento, me mudei para Brasília. Isso em
fevereiro de 1988.
Via Gonzaga quase todos os dias e não perdia uma apresentação do Mestre. Inúmeras vezes fui ao Teatro
Nacional para apreciar os belos solos orquestrais dele. Tinha um gosto musical superior e de grande técni-
ca. Entre uma aula e outra, me foram apresentadas informações notáveis que ao longo do curso permearam
minha aprendizagem e experiência à Arte Performática ou, mais precisamente, minha atuação na Clarineta.
Menciono, entretanto, que vivi momentos inesquecíveis na UnB, tendo excelentes professores naquele De-
partamento de Música. Que oportunidade nos era proporcionada! Além disso, a Capital Federal proporcio-
nava a vinda de grandes músicos e grupos, não só do Brasil, como do exterior.
Gonzaga cativava a atenção de todos quantos o conheciam. Maestros convidados da OSTNCS ficavam
entusiasmados pela magnificência artística ora apresentada. Para mim, Gonzaga é pivô central deste grupo,
como que o verdadeiro Spalla. É desses que vêm à Terra para fazer a diferença nas vidas das pessoas. Sempre
alegre e de grande sabedoria, contornava qualquer situação com decisão e acerto. Seus ensinamentos ultra-
passavam e muito a sala de aula, nos oferecendo uma mão amiga.
Como músico, notável. Sua formação foi de tal sorte exemplar, que exprimia com maestria e afinco as asserti-
vidades profissionais. De sonoridade ímpar e destreza impecável, tocava divinamente. Lembro-me do primeiro
dia ao vê-lo tocar. Foi num ensaio do Trio de Palhetas na UnB. Que som! E sua leveza musical era sem igual.
Gonzaguinha moldou a vida de vários músicos e pessoas. Nos deixou um exemplo a ser seguido e multi-
plicado, de modo que se torna impossível não o mencionar ao longo da carreira. Ao gentil e nobre Gonzaga,
meu carinho.

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Matéria de Capa

Banda sob direção de Luiz Gonzaga Carneiro, para gravação, em 1990. Nas clarinetas, da esquerda para a direita: Ricardo Freire, Alexandre Areal,
Isabela Sekeff (hoje maestrina). Seguindo, nos saxofones: Gedeão Silva, Johnson Machado e Fernando Machado. Clarinetistas e saxofonistas que
foram alunos de Luiz Gonzaga Carneiro.

FERNANDO MACHADO – Professor de Clarineta e Saxofone aposentado do CEP/


Escola de Música de Brasília e saxofonista da Brasília Popular Orquestra (BRAPO):
Conheci o Gonzaguinha em 1976, por ocasião do 1º CIVEBRA (Curso Internacional de Verão da Escola
de Música de Brasília). Estava fazendo o curso com professor do quinteto de sopros de Hanover e ele foi
assistir ao recital do grupo. Logo após o curso, comecei a ter aulas particulares com Gonzaguinha. Após
duas aulas, ele sugeriu que eu fosse ao BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) nos sábados à tarde, pois lá
ele tinha uma turma de alunos. Poderíamos ter quartetos, quintetos, etc. Lá havia o instrumental completo
da família das clarinetas.
Em 1978, vim estudar com ele na UnB, onde permaneci até 1983. Durante esse período, tivemos mo-
mentos memoráveis tocando nas operetas em conjunto com o Departamento de Letras da UnB, grupos
de câmara e, eventualmente, na OSTNCS – que havia surgido em 1979 por iniciativa do Santoro. Lembro
que ele tinha certa resistência em relação à música popular e sempre dizia que quando fosse tocar mú-
sica popular “esqueça que está tocando clarineta”, como se isso fosse possível. Posteriormente, essa
barreira foi sendo quebrada com os discos de banda e choros patrocinados pela FENABB (Federação
Nacional das Associações Atléticas do Banco do Brasil). Em 1991, participamos juntos do “Chorando
Callado II”, que teve a direção artística do Jorginho do Pandeiro. Posteriormente, costumávamos nos
reunir no apartamento do Dr. Carlos Vieira para ouvir música e tomar vinho.
Após a aposentadoria da Orquestra, no final de 1997, ele, lamentavelmente, foi se recolhendo cada
vez mais,- como se sem a UnB e sem a Orquestra tivesse perdido a graça do ato de fazer música. Acredi-
to que, para quem era movido a música como ele, esse afastamento não tenha sido legal. Talvez tenha
até contribuído para o abreviamento de seu convívio hilário entre nós.

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“TRIO” - Elenice Maranesi, ORQUESTRA ETERNA
Ricardo Vasconcellos, DO TEATRO NACIONAL
Rodolfo Cardoso Mas O Sinhô assistia
Enquanto isso se passava Gonzaguinha em sofrimento
E Ricardo me contô Corria a vida normal Preparava a hora e um dia
Cum saudade e emoção Alguma coisa faltava Mandô pro Departamento
Do Trio que se formô No cenário musical Presente pro Gonzaguinha
Era essa a formação: Faltava mas num tardô A sua eterna Eterninha
Elenice, a pianista Apois Santoro voltô Por justo merecimento
Ricardo, o contrabaixista Pro Distrito Federal
Rodolfo na percussão Amô sincero e profundo
Voltô sero e dicretado Num se põe em discussão
Os três colega animado Pra sua terra natal Alma gêmeas neste mundo
Se danaro a ensaiá Por seu país convidado De dô e desilusão
Gonzaguinha, convidado Pra missão especial Foi derna o primeiro dia
Foi o mestre a orientá É chegada a hora e o dia Gonzaga viu a alegria
Conduzindo estes talento De soá a Sinfonia De volta ao seu coração
Surge no Departamento No Teatro Nacional

Matéria de Capa
Um trabalho populá Convivença de harmonia
Santoro foi corajoso Que eu pude presenciá
I FESTIVAL DE JAZZ DA Apois soube confiá Na lida do dia a dia
CASA THOMAS JEFFERSON Patriota e generoso Eterna soube marcá
Década de 1970 Soube nos valorizá Presença da verdadeira
Juntô firme e confiante Namorada e cumpanheira
O Trio se consagrô Os mestre cum os istudante Que ele podia contá
Cum o mestre e suas lição Na orquestra pra tocá
O artista e professô O home tem precisão
Se junta em apresentação E tocava a Sinfonia De amô e de companhia
Pra peleja em desafio Difícil de se aprendê O vivê na solidão
Toca junto cum o Trio Na lida do dia a dia Entristece a travessia
E ganha a premiação A gente podia vê Um home realizado
Gonzaguiha, um virtuoso Carrega bem do seu lado
* O “Trio” obteve o 1º lugar no Brilhante, mas generoso Mulhé de sabedoria
Festival de Jazz da Casa Thomas E simples de convivê
Jefferson, tendo a participação Eterna é a sabedoria
especial do mestre Gonzaguinha Alegre, de brincadeira O eterno num se desmente
na peça “Blue Rondó à la Turk”, Tocava cum perfeição Estrela na travessia
de Dave Brubeck. No seu naipe, nas madeira Pra eternidade um presente
Cada solo uma lição Da nossa orquestra O Primeiro
Os maestro, admirado Luiz Gonzaga Carneiro
Titulá ou convidado GONZAGUINHA,
Inté de outras nação ETERNAMENTE.

Clinaura Macêdo: Violinista formada pela UnB, foi


integrante da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional
Claudio Santoro. É autora dos livros: “Histórias
de uma Orquestra em Cordel” (2006), “Orquestra
Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro –
Memorial” (2009). Também escreveu os cordéis:
“História de Seu Mesquita” e “História de Dourimar”.
HARY SCHWEIZER – Fagotista aposentado da OSTNCS
e professor de Fagote aposentado da UnB:
Iniciei minhas atividades como professor da Universidade de Brasília em 1977. Na época, o ingresso se dava por
indicação ou convite, não por concurso como ocorre hoje. Eu estudava na Alemanha e Brasília era uma cidade
ainda criança, meio fantasma até. Por isso, quando aqui cheguei, o professor Luiz Gonzaga Carneiro foi indicado
pelo então chefe do Departamento de Música para ser meu anjo da guarda e me acompanhar e orientar em todos
os procedimentos burocráticos necessários para efetuar minha contratação.
A partir de então, se iniciou um processo intenso de camaradagem profissional, convivência musi-
cal e aprendizado pessoal. Luiz Gonzaga, baixinho como era, era um gigante. Eu, enorme como era, ao
seu lado era um anão... Uma parceria sobretudo no Quinteto de Sopros e no Trio de Palhetas, conjun-
tos nos quais exploramos e apresentamos o grosso da literatura disponível. Vizinhos de sala nos corredo-
res do Departamento de Música, nos encontrávamos diariamente, quase que participando um da aula do
outro, pois as paredes eram praticamente vazadas. Vizinhos de cadeira na orquestra do Teatro Nacional,
Matéria de Capa

da qual fomos fundadores, onde ele primeiro clarinetista e eu primeiro fagotista, interagíamos de maneira bas-
tante harmoniosa, algumas vezes até mesmo desafiando orientações vindas de maestros menos avisados...
E foi o vazio deixado por ele que me levou a ser o mensageiro de meus colegas de orquestra ao público do con-
certo do dia 7 de agosto de 2007, um concerto que acontecia no exato dia de seu sepultamento, nos seguintes ter-
mos: “Peço a permissão de vocês para dedicar algumas poucas palavras a LUIZ GONZAGA CARNEIRO, clarinetista-
-primeiro de nossa orquestra e sempre nosso primeiro clarinete. Luiz Gonzaga Carneiro, um dos músicos fundadores
desta nossa orquestra, faz pouco tempo, tendo completado seu tempo de serviço, encerrou na orquestra sua atividade
profissional como clarinetista. Ontem, tendo completado seu tempo de permanência entre nós, nos deixou de vez.
Foi sepultado hoje. Luiz Gonzaga Carneiro não é uma chama que se apaga; é uma luz que se acende: músico completo,
exímio clarinetista, profissional responsável, mestre de banda, arranjador magistral, professor de renomados alunos,
sorriso constante nos lábios, sempre uma palavra amiga, mais vezes ainda uma piada certeira, uma pessoa fantástica,
sempre pronto a fazer o bem. Entre nós, simplesmente, “Gonzaguinha”. Se a pausa valoriza a música, Luiz Gonzaga
Carneiro é hoje a pausa de nossa música... Gonzaguinha, é pra você a música de nosso concerto de hoje; é tam-
bém para você a pausa deste minuto de silêncio que agora fazemos...”

Taís Vilar é clarinetista e


professora de Clarineta no
Centro de Educação Profissional
– Escola de Música de Brasília.
34
entrevista
José
Freitas por Anderson César Alves

lips” [1], isso decorre do fato de ter sido aluno

Entrevista
Fale sobre sua formação inicial como instrumen-
tista? Clarineta foi uma primeira opção? do professor Antão Soares na Escola de Música
Na verdade, a clarineta não foi a minha primeira e ambos tocavam juntos na orquestra. O profes-
opção. Tenho 72 anos e sou natural da cidade do sor Jayoleno já havia pesquisado que ao colocar
Rio de Janeiro e aprendi música em uma igreja os dentes sobre o bizel da boquilha, aumentaria
evangélica no subúrbio do Rio, Bento Ribeiro. a segurança, não cansava o lábio superior e não
Minha ideia era tocar saxofone, mas o mestre alterava o resultado do som. Por respeito ao seu
da banda disse “saxofone tem muito e clarine- professor, não discutia essa pesquisa, somente
ta não”, então obrigaram- me a tocar clarineta. depois de muito tempo é que conversou sobre o
Comecei a tocar na banda de música e só depois assunto.
de muito tempo fui estudar no Conservatório Em 1948, ao assumir a Escola de Música, a pri-
Brasileiro de Música com o professor Samuel meira mudança que fez na classe de clarineta, foi
Andrade, que foi aluno do professor Jayoleno estabelecer o padrão de embocadura atual para
dos Santos. Estudei dois anos e depois fui fazer o todos os alunos.
curso técnico na Escola de Música da UFRJ com As aulas com o professor Jayoleno, mesmo no
o professor Jayoleno dos Santos, isso era por vol- Klosé, já ensinava elementos de análise musical
ta de 1967. Fiz o curso técnico, depois o vestib- e isso ficou guardado, somente quando estudei
ular, entrei na graduação, concluindo em 1980. análise, percebi a importância da sua didática.
Meu caminho de estudo foi esse: igreja, Conse- Com dedicação aos estudos, os resultados tor-
vatório e Escola de Música da UFRJ. naram-se evidentes. Foi nesse momento que
ingressei na Orquestra da Casa do Estudante,
Fale sobre as experiências musicais que te influen- Orquestra Juvenil do Theatro Municipal. Isso
ciaram nesse período inicial; com professores, ar-
abriu um leque de opções para o meu desenvolvi-
tistas, grupos, etc.
mento. Nessa época, a TV Globo apresentava aos
A minha influência maior foi o meu professor
domingos pela manhã o “Concertos para Juven-
[Jayoleno dos Santos]. Ele foi um pesquisador
tude”, com realização de concursos. Participei
incrível, pois na sua época a comunicação era
e fui finalista obtendo o segundo lugar. Isso foi
muito precária. Para sua pesquisa, escrevia car-
uma experiência bastante interessante, porque
tas aos clarinetistas europeus, especialmente da
era ao vivo e a final com orquestra. Nesse mes-
França. Esse contato demandava uma espera de
mo período, estava dando os primeiros passos
alguns meses para a resposta. Outro detalhe im-
na Escola Preparatória da Orquestra Sinfônica
portante é que tocava com embocadura “double
Brasileira, e independentemente do curso com

35
mim. Em 1973, como era aluno da Escola Prepa-
ratória da OSB , isso me proporcionou fazer um
estágio nessa orquestra. Fazia os ensaios do-
brando a segunda clarineta, mas quando tinha
requinta, eu tocava. No final do ano de 1974 a
orquestra iria fazer uma viagem para a Europa,
eu estava participando dos ensaios, o maestro
Isaac Karabtchevsky começou a perguntar indi-
vidualmente quem não poderia ir para a turnê.
O Josino que era o segundo clarinetista disse
que não iria. Então, o maestro perguntou a to-
dos e quando chegou a minha vez, ele me cha-
mou: “e você menino?”, — eu falei assim: “não
sou da orquestra, sou estagiário”, — então ele
disse: “está contratado”. Foi assim que entrei
na sinfônica em 1974 e fiquei por 32 anos. O que
aconteceu foi meio atípico. Trabalhar com o
Isaac Karabtchevsky era muito difícil, porque
o nível de exigência é muito alto, então aquela
minha ideia de tocar bem me forçava a cada vez
estudar mais. Paralelamente, também tinham
entrevista

os solistas como: Claudio Arrau, Nelson Freire e


os maestros que vinham do exterior, como Kurt
Mazur, isso era uma verdadeira aula de música.
o professor Jayoleno na Escola de Música, tinha Tocar todas as sinfonias de Brahms também foi
aula na Escola da OSB, com realização de pro- incrível para mim. Cada vez mais me entregava,
vas e apresentações semestrais. Foi onde tive porque gostava de tocar mesmo sobre pressão.
contato com esse mundo novo e percebi coisas Ainda um dia desses me perguntaram: “você fi-
diferentes para fazer, ou seja, tocar com piano, cava nervoso para tocar?”. “Claro que sim” foi
tocar com orquestra, e principalmente, tocar na minha resposta, e penso que se não ficar nervo-
orquestra. so não tem emoção, mas aprendi a ter o auto-
controle. Tive experiências difíceis, mas a sin-
Sobre sua trajetória, fale um pouco sobre sua atu- fônica foi uma grande escola para mim.
ação profissional e os trabalhos que mais te in- Fiz também música de câmara com professor
fluenciaram ou você julga mais importantes? Noel Devos, que era um ícone como instrumen-
Em 1971 ou 72, o professor José Carlos ganhou tista e fazia muitos cursos de interpretação. Fiz
uma bolsa de estudos para ficar dois meses na todos os cursos, principalmente aqueles sobre
Itália fazendo um curso de regência. Ele per- interpretação da música de Villa lobos. A OSB
guntou para o meu professor se eu poderia ficar foi muito importante para minha formação,
em seu lugar caso precisassem de requinta, ele pois tinha aulas diariamente tocando ao lado do
disse que sim e eu também aceitei o desafio! Fui professor Devos. Ele era um grande artista, uma
apresentado ao maestro Isaac Karabtchevsky pessoa muito gentil e educado.
e me deixaram de sobreaviso. Logo na sema- Quando na orquestra não sabia o que fazer, lem-
na seguinte já apareceu a sinfonia “Índia” do brava de uma frase do professor Jayoleno: “você
compositor Carlos Chávez, e foi a minha estreia sempre observe com quem você está tocando,
como requintista na OSB. Passou mais uma se- se é com as violas, com os violinos,etc. Quando
mana e me chamaram para tocar “Daphnis et o maestro estiver ensaiando determinado gru-
Chloé”, Suite nº 2 do compositor Maurice Rav- po, preste atenção, porque logo depois você vai
el, e depois na sequência a “Sinfonia Fantástica” tocar aquele trecho, e já saberá o que fazer”.
de Hector Berlioz. Foram dois meses trabalhan- O meu contato com o José Botelho foi também
do como requintista na OSB. O professor José em orquestra, toquei muito tempo sendo se-
Carlos voltou da Itália, e não tinha vaga para gunda clarineta enquanto ele fazia a primeira, e

36
era diferente pois ele me puxava para tocar jun- geralmente é o seu professor, ou ao ouvir uma
to com ele. Era outro estilo, mas foi outro pro- gravação. Importante é lembrar, que quando
fessor de prática de orquestra. Com o professor você toca há ruídos, como a respiração, vibração
Botelho e o professor Devos era uma experiência da palheta, o chiado. Você precisa se ouvir e “lim-
diária. Lamento muito não ter a possibilidade de par” o máximo para obter um resultado satis-
estudar fora do Brasil, mas por outro lado, tudo fatório. Eu dificilmente achava que conseguiria o
o que aprendi foi na prática, com os maestros, resultado que queria, sempre tinha algo que não
e principalmente, com os solistas internaciona- funcionava bem, mas acho que depois de um
is, observando seus fraseados, interpretação. certo tempo, isso é como a sua voz, você tem o
Um momento inesquecível foi quando tocamos seu timbre, pode melhorar a dicção, procurando
com Rostropovich. Foi um dos maiores pre- a entonação da sua voz em um diapasão que você
sentes que a música me proporcionou! consiga falar melhor. O som, creio, é dessa for-
ma; existe aquele som imaginário, mas tem o seu.
Fale um pouco sobre sua trajetória e sobre sua atu- O importante é não perder o rumo, porque sem-
ação como professor na Universidade? pre tem os fatores externos como o ambiente,
Eu e o clarinetista José Rua fomos os últimos clima, boquilha, palheta,etc. Acho que determi-
alunos do Professor Jayoleno, que em 1981 apo- nado tipo de repertório, torna-se importante um
sentou-se. A partir daí, começou minha trajetória cuidado especial, para atender uma característi-
como professor. Fui indicado para professor co- ca da obra ou do compositor. Na verdade o som e
laborador da Escola de Música da UFRJ, isso foi sua maneira de tocar, sempre terá o seu “CPF”. O
imediatamente. Após alguns meses dando aula, professor Devos falava que os alunos do profes-

Entrevista
o professor José Carlos foi fazer mestrado nos sor Jayoleno tinham uma marca registrada. Acho
EUA e fiquei responsável pela classe de clari- que sua maneira de tocar, sua musicalidade in-
neta, assumindo todos os alunos. Mais tarde fluenciava muito seus alunos. O caminho é você
o professor Florentino Dias, que era professor se entregar àquilo que está executando, realizar
Adjunto de clarineta da Escola de Música, es- uma pesquisa sobre o compositor, fazer análise
tava trabalhando com Corais na Universidade, da obra para obter sucesso em sua performance.
voltou a dar aulas de clarineta e dividimos os
alunos, mas pouco tempo depois se aposentou. O que você gostaria de dizer para aqueles que sem-
O professor José Carlos voltou dos EUA em 1983, pre curtiram teu trabalho, que foram em muitos ca-
quando fiz concurso para professor Auxiliar. sos influenciados por ele, e que agora estão lendo

Na escola de música da UFRJ na época tinha o essas tuas palavras?

curso técnico, e o curso de graduação. O curso Sou muito grato quando alguém faz um co-
técnico era usado como trampolim para a grad- mentário sobre alunos que estudaram comigo.
uação, e ali já víamos os alunos que estudavam e Meu interesse sempre foi ajudá-los a tocar bem.
realmente poderiam ir adiante, e nós influenciá- Quando o aluno se dedica intensamente, o re-
vamos esse para fazer o vestibular. O Fernando sultado será sempre positivo, assim o professor
Silveira era aluno do curso técnico, o Cristia- pode exigir mais e apontar o caminho para seguir
no Alves não foi meu aluno diretamente, mas adiante. A minha dica é ouçam muitas gravações,
sempre estava na minha classe. Muitos alunos inclusive de outros instrumentos, aproveitem a
meus são militares, como curiosidade vou citar infinita disponibilidade de materiais na atuali-
o José Antonio (“de Souza” da Banda do Corpo dade. Além disso, foquem na leitura, técnica e
de Bombeiros), que além de sido meu aluno, ca- na sonoridade que é a sua voz no meio musical.
sou-se com minha filha. Vários alunos estão na E finalizo dizendo para vocês, clarinetistas, ob-
vida profissional como: Moisés Antonio, Elias servem as pessoas, vejam o que elas têm de inter-
Borges, Ricardo Ferreira, entre outros. essante. Não apenas os professores, mas outros
Como você vê a busca por uma individualidade na alunos também, pois isso será sempre uma aula.
expressão musical hoje em dia? Como encontrar sua Estudem sempre, tenham disciplina, observem e
própria voz na clarineta num mundo musical cada ouçam!
vez mais homogêneo e globalizado?
É interessante isso, porque desde tenra idade   Anderson César Alves é clarinetista da OSN-UFF e
as crianças imitam os pais, acho que tocar não é professor substituto da Escola de Música da UFRJ.
diferente. Você tem uma pessoa que admira, que E-mail: andces@uol.com.br

37
Encontros

I Festival Internacional
de Clarinetistas de
Porto Alegre por Diego Grendene

A
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e um concerto da OSPA, no qual ocorreu a estreia
(OSPA), através da sua Escola de Mú- brasileira do Concerto Autumn Pictures, de Bechara
sica, promoveu, de 6 a 10 de novem- El-Khoury. As atividades didáticas aconteceram no
bro de 2018, o I Festival Internacional Palacinho, a recém-inaugurada sede da Escola de
de Clarinetistas de Porto Alegre. O evento contou Música da OSPA, enquanto as apresentações ocor-
com a participação de Patrick Messina (França), reram em diversos espaços culturais: Casa da Músi-
Marcio Pereira (Portugal), Cristiano Alves (UFRJ, ca da OSPA, Instituto de Artes da UFRGS, Instituto
OPES), Paula Pires (OSTNCS), Grupo de Clarine- Goethe, Casa da Música POA, e o próprio Palacinho.
tas da Universidade Federal de Santa Maria, e dos A realização de um evento desta natureza era um
clarinetistas da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre sonho antigo que tínhamos em nossa cidade. No
(OSPA), Samuel Oliveira, Augusto Maurer, Marcelo passado, Porto Alegre havia recebido clarinetistas
Piraíno e eu, Diego Grendene, Coordenador do Fes- como Walter Boeykens, Michel Arrignon, Michel
tival. Foram realizados seis masterclasses - para um Lethiec, François Benda, entre outros, que realiza-
grupo de mais de 30 alunos inscritos - seis recitais ram masterclasses, sempre com grande procura e
Diego Grendene é Coordenador do I Festival de Clarinetistas de Porto Alegre. Diretor da Escola de Música da OSPA, clarinetista da OSPA e
Mestre em Música pelo PROMUIS/UFRJ. Emails: dgsouza@hotmail.com

38
êxito. Um Festival, entretanto, continuava apenas As aulas,
como uma aspiração distante. Em 2017, este qua- num total de
dro começou a mudar. Fui convidado para dar aulas seis, foram
no V Festival Internacional de Clarinetistas do Rio, distribuídas ao
e pude acompanhar de perto aquele importante longo de quatro
evento, já na sua quinta edição. Isso foi crucial na dias (de 7 a 10
decisão de organizar um evento da mesma nature- de novembro).
za, já que proporcionou uma ideia de sua estrutura Assim, todos os
e funcionamento, que poderia ser aplicada, com alunos tiveram a
adaptações, em nossa cidade. oportunidade de
Dois fatores ainda precisavam ser equacionados, tocar pelo menos
antes que pudéssemos estar certos da concretiza- uma vez para Patrick
ção deste sonho. Em primeiro lugar era necessário Messina, que minis-
encontrar uma instituição que promovesse o even- trou três masterclas-
to. O apoio do Diretor Artístico da OSPA, Maestro ses, e também para
Evandro Matté, foi imediato. Isso nos proporcio- Márcio Pereira e Cris-
nou incluir o Festival dentro da temporada artística tiano Alves. A presença
da orquestra, através de um concerto onde alguns do Grupo de Clarinetas da UFSM, coordenado pelo
dos artistas pudessem tocar como solistas, e utilizar Prof. Guilherme Garbosa, também foi um exemplo
as novas instalações da Escola da OSPA, que viriam desta interação entre os lados artístico e pedagógico.
a ser inauguradas no segundo semestre de 2018. O Além de realizarem um recital durante a programa-
segundo fator era encontrar um patrocinador, para

Encontros
ção do Festival, os integrantes puderam participar,
que pudéssemos contar com a presença de pelo como alunos, da masterclass que se seguiu ao con-
menos um clarinetista de nível internacional. Ini- certo, e interagir com os alunos de outros locais.
ciamos, então, as tratativas com a marca de clari- Esta primeira edição do Festival não foi apenas
netes francesa Buffet Crampon, que apoiou a vinda a realização de um sonho antigo, mas se constituiu
do seu artista Patrick Messina - solista de renome em um marco dentro da vida cultural de Porto Ale-
internacional e clarinetista da Orquestra Nacional gre, especialmente para nós, clarinetistas. A colabo-
da França - e também o aluguel das partituras do ração de todos e os importantes apoios obtidos nos
concerto de El-Khoury, executado no concerto da propiciaram realizar um evento de altíssima qua-
OSPA. Após estas definições, no início de 2018, foi lidade, com um custo baixo (fator importante em
feito o lançamento do Festival. A partir daí, novos tempos de crise) e acessível a todos, já que nossas
apoiadores se juntaram ao evento, como a Devon & atividades foram gratuitas. Enquanto as memórias
Burgani, que garantiu a vinda de Márcio Pereira, e o do evento ainda ressoam, muito vivas, em nossas
Instituto Goethe, que trouxe Paula Pires. mentes, fica aqui o desejo: “Vida longa ao Festival
Toda a estrutura do Festival foi concebida de for- de Clarinetistas de Porto Alegre!”
ma que os aspectos artístico e pedagógico estives-
Na página ao lado, Grupo de Clarinetas da UFSM. Nesta página, parti-
sem entrelaçados. Foram realizados recitais com cipantes do evento
diversas formações - clarinete solo, clarinete e pia-
no, grupo de clarinetes, grupo de câmara, concerto
para clarinete solista e orquestra - onde foram feitas
estreias de obras importantes - Harlekin, de Sto-
ckhausen; Sonata para clarinete baixo, de Genzmer;
Invisible Orthodoxy, de Boots; Drift, de Lowens-
tern (todas estas em primeira audição em Porto
Alegre); e o já citado concerto “Autumn Pictures” de
Bechara El-Khoury, em primeira audição no Brasil -
juntamente com a execução de obras do repertório
tradicional. Com certeza, toda esta diversidade em
termos de instrumentações e repertório, além de
proporcionar deleite ao público, propiciou aos alu-
nos contato com obras que muitos não conheciam
anteriormente, ou que só haviam tido a oportunida-
de de escutar através de gravações.
39
4 Colóquio para
o
Encontros

Clarinetistas:
Pesquisa, Formação e
Atuação Profissional por Joel Barbosa e Pedro Robatto

O 4o Colóquio para Clarinetistas aconteceu


nos dias 12 a 16 de novembro de 2018 e
deu continuidade a sequência de encon-
tros para estes instrumentistas realizados na Uni-
versidade Federal da Bahia (UFBA). Neste Encon-
ceiro ocorreu em 2016 e focou em “Publicação de
Conhecimentos e Formação Profissional”.
O quarto Colóquio (https://4coloquioparaclari-
netistas.blogspot.com/) foi coordenado pelos pro-
fessores Joel Barbosa e Pedro Robatto. Ele focou em
tro, em especial, se completou 20 anos desta ação questões que estão sendo estudadas nos dois pro-
acadêmica pela Escola de Música desta Instituição gramas de pós-graduação em música da Instituição,
de Ensino Superior. O primeiro foi o III Encontro o acadêmico e o profissional, tendo como subtítu-
Brasileiro de Clarinetistas, ou o terceiro Encontro lo “Pesquisa, Formação e Atuação Profissional”.
da ABCL, que havia sido fundada em 1996, no pri- Assim, incluiu duas mesas de debates e realizou
meiro encontro. De lá pra cá, a UFBA não só tem re- exames de qualificação abertos aos participantes
alizado encontros em sua própria instituição como do evento e ao público em geral. A primeira mesa
tem colaborado com a realização de outros no país. tratou da “Formação e Atuação Profissional em
Em relação à série de Colóquios para Clarinetistas, Clarineta”. Um tema sempre necessário de se de-
o primeiro se deu em 2012 e teve como subtítulo bater, pois o mundo do trabalho está em constante
“Performance, Pedagogia e Pesquisa”. O segundo transformação e o meio universitário tem entraves
teve o mesmo subtítulo e aconteceu em 2013. O ter- burocráticos para acompanhá-lo. Mesmo quando
Joel Barbosa e Pedro Robatto são professores de clarineta da Escola de Música da UFBA.

40
Ao lado, apresentação do Ivan Sacerdote Trio. À frente: Ivan Sacertote
(clarineta). Ao fundo: Daniel Neto (Acordeon). Na foto abaixo, partici-
pantes do evento.

Pesquisa sobre Clarineta”. Ela e os exames de qua-


lificação propiciaram discutir os atuais estudos em
andamento sobre o instrumento na UFBA.
Em relação às atividades didáticas, o Colóquio
contou com máster classes dos professores Patricia
Shands (University of the Pacific, EUA) e Luís An-
tônio Eugênio Afonso (USP). Infelizmente, a clari-
netista Patricia Shands não pôde realizar seu recital
por motivos de saúde. Cinco recitais integraram o
evento e foram realizados pelos clarinetistas Luís
Antônio Eugênio Afonso (USP), Pedro Robatto
(UFBA), Joel Barbosa (UFBA), Patricia Pérez Brito
(Cuba, UFBA), Ivan Sacerdote, João Paulo Araújo
(UFRN), Jônatas Zacarias (Conservatório Pernam-
a prática pedagógica do docente o acompanha, ou- bucano de Música), Felipe Freitas (Conservatório

Encontros
tros aspectos nem sempre o fazem, como as atuali- de Música de Sergipe e ORSSE), Rosa Barros (IFG),
zações curriculares e de infraestrutura tecnológica, Carina Bertunes (IFG), Indira Dourado (Neojiba),
por exemplo. Outra questão é o equilíbrio entre o Felipe Daniel Díaz Vila (Chile, UFBA), Mateus Levi
oferecimento de formações altamente especializa- Reis, William Alexandria, Alessandra Leão, Jonas
das (tecnicistas) e a formação acadêmica. A pri- Oliveira e Carol Miranda. Além dos recitais, na noi-
meira visa atender às atuais demandas do mundo te do primeiro dia, o evento se deslocou para a série
do trabalho a fim de garantir, dentro do possível, a Segundas do Chorinho, na Varanda do SESI do Rio
entrada e a atuação qualificada do clarinetista em Vermelho. A atração da noite era o clarinetista Feli-
certos nichos da vida profissional contemporânea. pe Daniel Díaz Vila e, “de quebra”, teve a Clarineta-
A última também busca preparar o clarinetista para da, performance conjunta de todos os clarinetistas
a atuação profissional de qualidade, mas se preocu- presentes.
pa em oferecer uma formação mais diversa e ampla O Colóquio promoveu intercâmbios entre clari-
que a tecnicista, mais canônica; digo: estruturada netistas profissionais, professores,  pesquisadores
nos fundamentos artísticos, filosóficos e técnicos e estudantes do instrumento. Foi um evento onde
das práticas musical, pedagógica e científica da os participantes compartilharam sua performance
clarineta ao longo de sua história e na contempora- musical, dialogaram sobre tópicos clarinetistas, tro-
neidade. O tema da segunda mesa foi “Projetos de caram conhecimentos e estreitaram suas amizades.

41
1º Encontro
Encontros

Potiguar
de Clarinetistas por Amandy de Araújo

A
conteceu na Escola de Música da Uni- quina de fazer palhetas) e é fabricante da sua própria
versidade Federal do Rio Grande do marca de palhetas, boquilhas e barriletes. No Encon-
Norte o 1º Encontro Potiguar de Clari- tro Potiguar de Clarinetistas, DiLutis ofereceu um
netistas. O evento foi realizado na cida- master class, uma oficina sobre palhetas e um recital.
de de Natal de 01 a 04 de novembro de 2018 contando O brasiliense Ademir Júnior é multi-instrumentista,
com aproximadamente 80 clarinetistas dentre mú- arranjador, compositor e tem papel de destaque como
sicos, professores e estudantes de diversas cidades improvisador e conhecedor da música instrumental
da região. Nesta edição, o evento foi realizado con- brasileira. Durante o evento, Ademir Jr. compartilhou
comitantemente com o 3º Encontro Nordestino de seus conhecimentos sobre música brasileira e impro-
Saxofones o que propiciou uma interação única entre visação e emocionou o público com seu show.
clarinetistas e saxofonistas. Fez parte da programação de recitais do 1º Encon-
Como principais convidados recebemos o Robert tro Potiguar de Clarinetistas diversos clarinetistas e
DiLutis e Ademir Júnior. Robert DiLutis é professor grupos da região, dentre eles: Orquestra Potiguar de
da Universidade de Maryland nos EUA e primeiro Clarinetas, Sopro de PE (Isaías Rafael, Jonatas Zaca-
clarinetista da Orquestra Sinfônica de Annapolis. Ele rias, Gueber Santos e Crisóstomo Santos), Trio Ars
também é inventor da “The Reed Machine” (uma má- Nova (Felícia Coelho – Flauta, Ravi Shankar – Oboé
42 Amandy de Araújo é professor de clarineta da UFRN.
Ao lado, Ademir Júnior dando workshop. Acima, participantes do evento.

e Aynara Montenegro – Clarinete), Quinteto de So- foram encorajados a consultar a programação pelo
pros da EMUFRN (Joelson Temóteo - Clarinete, Jo- site do evento e para os programas dos recitais, foram
abe Oliveira – Oboé, Alan, Fábio, Vanielison), Gran- criados QR-codes que eram fixados na porta de en-
duo Brasil (Ângelo Lima – clarinete e Rafael Meira trada da sala e através deles era possível acessar o pro-
– violão de 7 cordas), Duo Ventos Potiguares (Enéas grama do concerto. Inclusive os certificados de parti-
Albuquerque – Clarinete e Alexandre dos Santos – cipação foram gerados eletronicamente pelo sistema
Fagote), Alphonsos Silveira, Hudson Ribeiro, João da UFRN. Outra novidade do evento foi a realização

Encontros
Paulo de Araújo, Lucas Andrade, Artêmio Monteiro, do brechó, onde os participantes puderam comprar e
Melquíades Vasconcelos, Geovane Santos e Juan vender seus próprios acessórios usados.
Ardila-Blandón. Além das apresentações artísticas o O 1º Encontro Potiguar de Clarinetistas só foi
encontro teve duas palestras, uma de Ângelo Lima e possível pelo financiamento da Universidade Fede-
outra de Aynara Montenegro. ral do Rio Grande do Norte e pela contribuição das
Seguindo a política de sustentabilidade da UFRN Marca Reeds, Via Sinfônica, Clarinetes GAO, Abra-
não foi utilizado papel para impressão da programa- çadeiras Silverstein e todos que contribuíram com
ção ou dos programas dos recitais. Os participantes a rifa do evento.

43
Encontros

VI Festival
Internacional de
Clarinetistas do
Rio de Janeiro por Cristiano Alves
O VI Festival Internacional de Clarinetistas do Rio Mestrado em Música (UFRJ) em distintos espaços da
de Janeiro ocorreu entre os dias 01 e 04 de novembro Fundição Progresso. As aulas ocorreram, simultanea-
de 2018, na Fundição Progresso (sede da Orquestra Pe- mente, em quatro espaços, quais sejam: Sala Armando
trobras Sinfônica), auspiciado por Royal Global Clari- Prazeres (onde foram realizados todos os recitais), Sala
net. Com coordenação geral de Cristiano Alves e coor- de Projeção do Espaço 7 e Salas de estudo do Espaço 5.
denação adjunta de Elon Silveira e Cesar Bonan, o FIC A presente edição foi caracterizada por importante
contou com a participação de quase uma centena de parceria institucional estabelecida junto à UFRJ, por
clarinetistas vindos de diversas partes do estado e do meio do PROMUS - programa em pós-graduação pro-
país. Foram realizadas masterclasses, recitais, pales- fissional em música. O evento inaugural do VI FIC se
tras, exposições e defesa de produção artística para o deu com a defesa de produção artística de Tiago Tei-
Cristiano Alves é professor de clarineta da UFRJ.

44
xeira, versando sobre o registro fonográfico das 16
Valsas para fagote solo de Francisco Mignone, trans-
critas para clarinete baixo. Tanto a defesa de disser-
tação como a própria apresentação do CD foram
muito apreciadas pelo público presente e aprovadas
com inúmeros e superlativos adjetivos proferidos
pela banca examinadora, composta pelos professo-
res doutores Aloysio Fagerlande, Cristiano Alves e
Ricardo Freire.
Os professores convidados desta edição do FIC
foram Aleksander Tasic (Sérvia), Marcus Julius
Lander (OFMG), Ricardo Freire (UnB) e Yuan Gao
(EUA). Além de masterclasses e palestras, os referi-
dos artistas brindaram o público com grandes reci-
tais, em variadas formações.
Contamos também com a prestigiosa participa-
ção do ilustre professor Fernando Silveira, responsá-
vel por uma valiosa palestra histórica, além de mas-
terclass. Da mesma forma, tomaram parte na seara
acadêmica os queridos amigos e músicos Thiago Ta-
vares, Igor Carvalho, Marcio Miguel Costa, Whatson
Cardozo e Elon Silveira.
Atuaram em recitais, além dos supracitados con-
vidados, os clarinetistas Bezaleel Ferreira, Cesar
Bonan, Cristiano Alves, Guilherme Palha, Matheus
Martins, Moises Santos, Rachel Motta e Vanessa Pra-
do, além do fagotista Jeferson Souza e dos pianistas
Yuka Shimizwzu, Raisa Richter, Luciano Magalhães e
Eduardo Henrique.
No encerramento do evento, formou-se um gran-
de coro de clarinetas composto por alunos e do-
centes do Festival, com direção de Cristiano Alves.
Foram executadas obras brasileiras especialmente
Ao lado, Duo Ferreira Richter no Recital de Encerramento do Evento.
arranjadas para esta formação. Por fim fora realizado
Nesta página, de cima para baixo, Marcus Julius Lander, Ricardo Freire e
um sorteio de brindes, com camisas, palhetas, boqui-
Thiago Tavares ministrando masterclasses.
lhas, barrilete e campana, oferecidos por Yuan Gao.
Que venha o VII FIC, sobre o qual já se trabalha
com afinco e muito carinho!
Encontros

III Encontro Internacional


Ensaio de Cristiano Alves e Yuan Gao para o Concerto de Abertura com a OSTP

de Clarinetistas
Histórico
de Belém por Thiago Lopes, Marcos Cohen e Herson Amorim

de clarinetistas com mais atividades, mais convida-


Belém não vê como novidade a presença de mú- dos e aberto para todos os clarinetistas do estado (e
sicos de outros estados ou países nos encontros de são muitos!) começasse a ser moldado. O desejo de
música que acontecem na cidade, pelo contrário, todos os que organizam este encontro é colocar Be-
artistas e alunos já estão acostumados com os mais lém no mapa dos grandes encontros de clarinetistas
do que consolidados festivais promovidos pela do Brasil e do mundo. Tal realização não pode ser
Fundação Carlos Gomes e pela Escola de Música da considerada muito audaciosa, uma vez que desde
UFPA; mas um encontro voltado exclusivamente o primeiro encontro, realizado em 2015, contamos
para um instrumento é um grande acontecimento com a presença de um músico estrangeiro que dá o
musical na cidade. Para os clarinetistas, realizações caráter internacional ao evento e assegura que este
menores ocorreram em 2014 com a visita à Funda- tenha repercussão em seu país de origem e entre
ção Carlos Gomes dos clarinetistas Jorge Montilla seus amigos e parceiros musicais.
(Venezuela) e Jonathan Cohler (Estados Unidos); Como afirmado anteriormente, nosso primeiro
estes pequenos encontros serviriam como embrião encontro aconteceu em 2015 e contou com a pre-
para o que estaria por vir, pois tais momentos foram sença do clarinetista Yuan Gao (China/EUA) e do
de grande sucesso e fizeram com que um encontro empresário Martin Masver, do Armazém do Sopro,
Thiago Lopes é professor de clarineta do IECG, Marcos Cohen é clarinestista da OSTNCS e Herson Amorim é professor UFPA.
46
responsável pela exposição de instrumentos e aces-
sórios. O formato era bem menor eUm duroudos recitais do evento
somente
dois dias. Em seu concerto de abertura, Yuan Gao se
juntou a um dos organizadores do encontro, Mar-
cos Cohen, para juntos solarem frente à Orquestra
Jovem Vale Música. Os dias que se seguiram foram
de masterclasses na Escola de Música da UFPA. Em
2016, o encontro tomou uma inesperada propor-
ção devido ao grande apoio que recebeu de marcas
como Armazém do Sopro, Devon & Burgani, Royal
Global, D’Addario, Vandoren e Selmer. Tivemos a
presença dos clarinetistas Luís Rossi, Ovanir Buosi,
Luís Afonso Montanha, Anderson Alves, Luca Raele
e Daniel Oliveira. Os recitais, concertos, palestras e
masterclasses contaram com grande presença dos
alunos de clarineta da cidade e do interior do estado.
Cidades como Marabá, por exemplo, que fica a 600
km da capital, enviaram representantes animados e
dispostos a aproveitar todas as atividades do encon-
tro. Neste ano, o encontro passou a fazer parte do
calendário oficial de eventos da Escola de Música da
UFPA. O Instituto Estadual Carlos Gomes também
recebeu um dos recitais do encontro. Terminado o
segundo encontro, as grandes dificuldades para se
conseguir apoio e patrocínio levaram a comissão
organizadora a transformar o encontro num evento Na página da esquerda, ensaio de Cristiano Alves e Yuan Gao para o
bienal, pois assim, haveria tempo maior para alinha- Concerto de Abertura com a OSTP. Nesta página, acima, público de um
var parcerias e dar continuidade ao projeto. dos recitais do evento, abaixo, Masterclass com Aleksandar Tasic.

47
Atividades Carvalho, Quarteto de Cordas da OSTP, Quaternu-
Encontros

O III Encontro Internacional de Clarinetistas de ra e Quarteto de Cordas da EMUFPA.


Workshop de Manutenção
Belém, realizado Básica
pela Escola de Música de Clarineta
da Univer- As com Alphonsos
atividades do evento Silveira
incluíram concertos,
sidade Federal do Pará - EMUFPA, aconteceu entre masterclasses, recitais, roda de choro, workshops
os dia 07 e 10 de novembro de 2018; todas as ativida- sobre ajuste de palhetas com Joel Barbosa e ma-
des foram concentradas na EMUFPA, à exceção do nutenção básica do instrumento com Alphonsos
concerto de abertura, ocorrido no Theatro da Paz. O Silveira, palestras sobre o mecanismo da respira-
evento, patrocinado pela Royal Instrumentos Musi- ção com o Dr. César Melo, a história da clarineta no
cais e com o apoio da Marca Reeds - Via Sinfônica, Pará com Herson Amorim (UFPA) e Thiago Lopes
Silverstein Works, D’Addario Woodwinds, Wi&Fi (OSTP) e a expertise em clarineta com Anderson
Mouthpieces e Armazém do Sopro, contou com a Alves, e mesa redonda sobre o ensino de clarine-
participação de clarinetistas brasileiros e estrangei- ta para crianças com Joel Barbosa, Ricardo Freire,
ros: Cristiano Alves (UFRJ e Orquestra Petrobrás Eliana Costa, Rosa Barros e Taís Vilar. Além disso,
Sinfônica), Yuan Gao (luthier - EUA/China), Al- houve o lançamento do Caderno de Partituras do
phonsos Silveira (Orquestra Sinfônica da Paraíba), III Encontro Internacional de Clarinetistas de Be-
Jônatas Zacarias (Conservatório Pernambucano lém, como desdobramento e finalização do I Con-
de Música), Marcus Julius Lander (Orquestra Fi- curso Nacional de Composição para Clarineta Solo
larmônica de Minas Gerais), Joel Barbosa (UFBA), Altino Pimenta, iniciado em abril deste ano; o con-
Salatiel Ferreira, Jacob Cantão (UFPA), Johnson curso recebeu 20 obras de compositores de todo o
Machado (UFG), Ricardo Freire (UnB), Marcos país e selecionou 10 delas para constarem no cader-
Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional no de partituras, tendo as três primeiras colocadas
Cláudio Santoro), Lucas Pereira, Rosa Barros (Insti- – Pendão da Esperança, de Eli-Eri Moura, Moods
tuto Federal de Goiás), Taís Vilar (Escola de Música (Borderline), de Eduardo Frigatti e Instante II, de
de Brasília), Eliana Costa, Anderson Alves (Orques- Salatiel Ferreira – premiação em dinheiro e perfor-
tra Sinfônica Nacional), João Marcos Bahia, Wesley mance em um dos recitais do encontro. Contando
Cruz, João Marcos Palheta, Claudionor Amaral (Or- com mais de 100 inscritos e no que concerne à clari-
questra Sinfônica do Theatro da Paz - OSTP), Alek- neta, o evento apresentou um panorama da produ-
sandar Tasic (Verbier Festival Orchestra), Elaine ção musical – erudita e popular –, composicional e
Oliveira (Banda Sinfônica da Polícia Militar do DF) do ensino do instrumento no país.
e João Paulo Araújo (UFRN); participaram, tam-
bém, grupos importantes da cidade: OSTP, sob a Novos Desafios
regência de José Agostinho Fonseca, Trio EMUFPA, Com a realização de sua terceira edição, o Encon-
Banda Sinfônica da EMUFPA, liderada por Elienay tro Internacional de Clarinetistas de Belém se con-
48 Pequenos clarinetistas!
solidou como um dos eventos mais importantes do
gênero no Brasil, ao lado de encontros que acon-
teceram, quase que concomitantemente, em Por-
to Alegre, Natal e Rio de Janeiro, além de diversos
países como Espanha, Bélgica, Costa Rica e Argen-
tina, colocando a cidade de Belém no roteiro de fes-
tivais internacionais dedicados à clarineta. O even-
to também tem sido mencionado em publicações
nacionais como a Revista Clarineta, publicada pela
Associação Brasileira de Clarinetistas - ABCL, e
internacionais, como a revista The Clarinet, que é
publicada pela International Clarinet Association -
ICA, e é lida, nas versões impressa e virtual, em 53
países. O prosseguimento do projeto traz diversos
desafios, haja vista que cada nova edição tende a ser
mais abrangente que a última. Esses desafios nos
fazem sempre pensar em alternativas para melhorar
Na página ao lado, Workshop de Manutenção Básica de Clarineta com
muitos aspectos do encontro. Há a busca constante Yuan Gao e a Sala de Exposições Royal Global
Alphonsos Silveira. Nesta página, acima, pequenos clarinetistas! Abaixo,
por parcerias de longo prazo, que possam garantir
Yuan Gao e a Sala de Exposições Royal Global.
a realização do encontro sem interrupções na sua
periodicidade. Pretende-se alcançar cada vez mais iniciativa buscou alcançar clarinetistas de lugares
os clarinetistas que vivem no interior do Pará, por distantes que, mesmo não estando presentes em
exemplo, onde há uma grande concentração de Belém, puderam aproveitar as atividades. Graças
bandas de música e, sem dúvida nenhuma, algumas a tecnologia, não há limites para a integração. Por
centenas de clarinetistas. Nesse ponto uma iniciati- fim, com toda a experiência angariada nos encon-
va inédita, que também pretendemos melhorar, foi tros já realizados, podemos dizer que estamos
a transmissão em tempo real de todas as atividades animados e ansiosos pelo futuro do Encontro In-
do encontro via internet, na página do encontro no ternacional de Clarinetistas de Belém, ao mesmo
Facebook, além do registro em vídeo de altíssima tempo que fixamos os pés no chão buscando su-
resolução, em parceria com o Canal do Clarinete perar os desafios que estão por vir e, assim, ajudar
no YouTube. Esses vídeos estão disponíveis no a elevar o nome de Belém e do Brasil no cenário
site oficial do encontro, onde podem ser baixados artístico mundial.
juntamente com os programas dos recitais. Essa Belém, 22 de novembro de 2018

49
Encontros

I Encontro de Clarinetistas
da região Nordeste do Pará por Jacob Furtado Cantão1

O I Encontro de Clarinetistas da região Nordes- Em suas inúmeras incursões pelo interior do Pará,
te do Pará foi realizado no município de Capitão Cantão observou que as igrejas Evangélicas possuí-
Poço2 em fevereiro de 2018 e reuniu 28 clarinetis- am uma considerável demanda de clarinetistas que
tas de três municípios circunvizinhos: São Miguel não tinham oportunidades de participar de festivais,
do Guamá, Garrafão do Norte e Capitão Poço. Este seminários ou encontros de clarinetistas. Para dimi-
ano ocorrerá o II Encontro com a participação dos nuir esta carência, Cantão iniciou uma série de ações
seguintes municípios: Nova Esperança do Piriá, Ca- pelo Baixo Amazonas, Ilha do Marajó, Nordeste e Sul
panema, Irituia, São Miguel do Guamá, Garrafão do do Pará. É um verdadeiro encontro dos sons que vem
Norte e Capitão Poço. A previsão é reunir mais de 60 das ruas e dos sons que vem dos rios.
clarinetistas. O objetivo desse evento é proporcionar aos me-
A iniciativa inédita de realizar eventos regionais nos favorecidos socialmente, ou, que simplesmente
de clarineta no Pará é do professor Dr. Jacob Cantão. moram no interior, uma oportunidade de dialogar
1. Jacob Furtado Cantão é professor de clarineta da UFPA. e refletir sobre a clarineta, sua técnica, literatura,
repertório e o mercado de trabalho. Além das aulas
2.   Capitão Poço: é um município brasileiro do esta-
do do Pará, pertencente à Mesorregião do Nordeste Pa- de instrumento, Cantão trabalha a prática de banda,
raense na microrregião do Guamá. Sendo mais conhecido regência e estudo bíblico. O evento é de caráter mu-
por sua grande produção de laranja. sical, mas sua essência é evangelística.

50
O I Encontro de Clarinetistas, ocorrido em Capi- nem para estudá-los com os grupos de clarinetistas
tão Poço, foi uma realização da Orquestra Arautos locais. São escalas, estudos técnicos e uma música
do Rei sob direção de seu regente, Aillan Heverton. para ser executada pelo coral de clarinetas do En-
As atividades ocorreram durante o dia nas depen- contro. Essa estratégia de leitura e estudo prévios
dências da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. As tornam mais eficazes os aprendizados. O ministran-
aulas foram coletivas. A noite foi reservada para um te pode não precisar se preocupar com questões
estudo bíblico também ministrado pelo professor como ritmos e notas, e sim em direcionar os alunos
Jacob e para apresentações musicais do coral de cla- no que concerne à articulação, duração sugestiva de
rinetas, bandas e orquestras convidadas. Um encon- notas e até construção do estilo musical. Isso é uma
tro dessa natureza motiva os alunos, cria uma agen- das principais características de uma célebre moda-
da anual de curso de aperfeiçoamento instrumental, lidade de aula conhecida como masterclass, encon-
mobiliza maestros, músicos e grupos musicais de trada em todos os Festivais ao redor do mundo.
diversas localidades adjacentes e, ainda fomenta o O Encontro de Clarinetistas em Capitão Poço já
ensino da música na comunidade local. faz parte da agenda da Igreja Evangélica Assembleia
Algumas dificuldades foram verificadas no I En- de Deus. Não é fácil realizar eventos como este em
contro, entre as quais destacaram-se: deficiência Igrejas Evangélicas, já que são instituições religio-
quanto à rotina de estudos e o uso de métodos, esca- sas que preservam tradições, costumes e doutrinas
las, exercícios específicos e articulação. Limitações pentencostais. Apesar do acesso fácil às redes so-
de acessórios essenciais como boquilha e palheta; ciais e da globalização, as igrejas ainda são fechadas
instrumentos deteriorados, na maioria das vezes para eventos dessa natureza. Poucas igrejas inves-
com vazamento. Parte desse deterioramento das tem e apoiam essas ações mais pontuais. Mesmo as

Encontros
clarinetas se dá por causa do uso indevido e da falta que demonstram interesse em criar e manter gru-
de limpeza básica do instrumento após o uso, assun- pos musicais possuem algumas fortes restrições.
to que também é abordado pelo professor Jacob. Sabemos que o universo da música muitas vezes
Em contrapartida, algumas crianças e jovens nos conduz para caminhos que nem sempre quere-
destacaram-se pela facilidade de tocar apesar dos mos trilhar. Talvez seja justamente por causa dessa
entraves. No Encontro é possível diminuir conside- constante realidade que igrejas evangélicas tendem
ravelmente as dúvidas dos alunos sobre embocadu- a construir muros em volta de seus músicos, numa
ra, posição das mãos, dedos e sonoridade, sempre tentativa de protegê-los. Olhando pelo prisma cris-
visando possibilidades futuras para o mercado de tão, o Encontro de Clarinetistas cai como uma luva
trabalho da música. sobre essa situação, visto que faz uso de um estudo
Boa parte desses instrumentistas aprenderam bíblico sério, profundo e claro sobre a vida e a con-
a tocar uns com os outros. Cada um compartilha o duta cristã do músico. Não serve só para os clarine-
que sabe com o outro e assim se formam boa parte tistas, mas para todos os que fazem parte do meio
das bandas musicais evangélicas Brasil afora, espe- musical e desejam viver uma vida reta e justa diante
cialmente nos interiores. Muitos dos clarinetistas de Deus através da música.
que participaram do Encontro tiveram pela primeira Outro aspecto importante do Encontro é que,
vez na vida a oportunidade de conversar e aprender apesar de ser um evento organizado por membros
com um professor de clarineta. da comunidade evangélica cristã, não são apenas
A partir do contato direto com um especialista cristãos que participam. O evento é totalmente
em clarineta os alunos passam a ter um referencial aberto, tornando possível o acesso à todos. É co-
de som, respiração, articulação, afinação, marcas mum a participação de alunos de projetos da prefei-
e tipos de instrumentos, métodos, obras famosas tura e bandas municipais. Não é novidade a contri-
e etc. O que ocorre na verdade é um choque de re- buição que a igreja traz para a sociedade, afinal ela
alidade. Olhos e ouvidos têm a possibilidade de se se empenha em construir cidadãos com princípios
expandirem para um mundo novo e complexo que éticos e com base na verdade.
é o da clarineta. Acreditamos que Encontros regionais como o de
O material que será trabalhado nas aulas é dis- Capitão Poço, trazem benefícios para a comunida-
tribuído dois meses antes da data prevista para o de local, incentivam a busca pelo conhecimento,
Encontro como meio de facilitar o andamento do ampliam os horizontes de jovens instrumentistas,
evento e aumentar substancialmente seu aproveita- estabelecem e estreitam relações de amizade entre
mento. os participantes, fortalecem a fé e estimulam a clas-
Os regentes recebem esses materiais e se reú- se dos clarinetistas paraenses.

51
diversas afinações: em primeiro lugar, maior facili-
dade para a digitação e consequentemente maior
controle da afinação; e em segundo, uma maior
tessitura para uma mesma família de instrumentos.
Albert Rice (2009, p. 249) afirma que o clarone, por
volta do século XVIII, seria considerado em certa
medida como substituto do fagote, com a vantagem
de oferecer em um registro mais grave uma emissão
mais proeminente e melhor qualidade sonora, o que
por sua vez satisfaria as necessidades do agrupamen-
Mário Marques é integrante da Orquestra Sinfônica to musical para o qual ele foi criado: a banda de instru-
Municipal de Campinas, do quinteto Madeira de mentos de sopros. É importante ressaltar que nessa
Vento e aluno de mestrado do Programa de Pós- época (metade do século XIX), ainda não havia sido
Graduação em Música da UNICAMP. inventado o saxofone e por isso o único instrumento
grave das madeiras nas bandas era o fagote.

O Clarone:
A clarineta soprano pode ser considerada como
o instrumento base que sofreu modificações para
atingir tessitura mais grave, este é um caso comum
também para outras famílias de instrumentos. Con-
trilhando sua forme a descrição de Rice (2009), o clarone deve
soar exatamente uma oitava abaixo da clarineta
história de soprano: “O clarone foi concebido para soar uma
Clarone

oitava abaixo da clarineta soprano. Ele é mais grave


construção e que o basset horn, com um calibre maior, com uma
perfuração maior e uma boquilha e palheta maio-
desenvolvimento. res” (RICE, 2009, p. 249).
Os primeiros instrumentos, ainda considera-
por Mário Marques

A
dos protótipos, apareceram provavelmente na
s comunidades musicais se articulam tan- Alemanha nos anos de 1750. Apenas em 1790 é que
to de forma localizada, em torno de um se tem registro do primeiro clarone que podia ser
estilo ou instrumento musical específico, tocado efetivamente (RICE, 2009, p. 249-250). O
quanto em torno de um legado de práticas deixadas principal desafio dos construtores dessa época
pelo conjunto dos envolvidos em um fazer musical era adaptar o tamanho do novo instrumento, mais
– instrumentistas, compositores, maestros, cons- grave e consequentemente maior, às proporções
trutores, luthiers, entre outros. Esse conjunto de humanas. Assim, muitas experimentações foram
práticas sempre revisitado nos fornece uma ideia de feitas principalmente quanto ao formato deste
“trilha”: um caminho que é continuamente criado, novo instrumento, levando em conta principal-
reproduzido e modificado pelas negociações coleti- mente a questão da ergonomia já que não seria
vas, como bem observou a antropóloga Ruth Finne- possível manter as mesmas soluções mecânicas da
gan (FINNEGAN, 2009). Neste artigo, pretendemos clarineta. Deste modo, o tubo do instrumento seria
“trilhar” a história do clarone a partir de sua comu- alargado a fim de proporcionar uma sonoridade
nidade e seu legado de práticas, em que contínuas ampliada para o grave e afinação mais precisa, e os
negociações entre construtores, compositores e ins- orifícios também ganhariam proporções maiores,
trumentistas proporcionaram o desenvolvimento necessitando então da inclusão de chaves (platôs),
de um instrumento de caráter musical singular. uma vez que devido ao seu novo diâmetro, não seria
O clarone, ou a clarineta baixo, surgiu a partir da possível o seu fechamento apenas a partir dos dedos
clarineta juntamente com a influência de outros do instrumentista. Nesta busca, os construtores
instrumentos anteriores mais desenvolvidos, no de- emprestaram formatos de outros instrumentos já
correr de pelo menos um século de transformações. mais estabelecidos e neste momento encontramos
Acreditamos, segundo o que pudemos recolher his- muitas variações quanto a sua forma, algumas simi-
toricamente, que se apresentaram para a época duas lares a outros instrumentos como: fagote, oficleide,
necessidades que justificaram a construção de ins- forma de serpente e na forma reta vertical como a
trumentos em diversos tamanhos e, portanto, com atual, porém com a campana ainda para baixo.

52
termos: clarinetto basso e clarone, o que prova o uso
das duas palavras para designar o mesmo instru-
mento na língua italiana. Hoje em dia, podemos di-
zer que o termo clarone para o nosso idioma pode
ser considerado plenamente corrente, e inclusive,
atesta o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009, p.
480), no qual encontramos apenas o verbete Claro-
ne e não encontramos o termo Clarineta Baixo.
Podemos considerar que as décadas de 1830 e
1840 representaram o período mais importante
para o desenvolvimento do instrumento. Impor-
tantes construtores, em diferentes cidades euro-
péias, estavam engajados em desenvolver uma
clarineta com o dobro do tamanho e que soasse
oitava abaixo. Neste período, portanto, estava di-
fundida a ideia da criação e desenvolvimento de
um instrumento que viesse a reforçar a projeção
dos graves, principalmente nas bandas de sopro.
Figura 1: Clarone construído por L. A. Buffet, forma de Oficleide, com 20
Os quatro principais construtores dessa época se-
chaves e 7 platôs. Reproduced with permission of the Stearns Collection of
Musical Instruments University of Michigan, Christopher Dempsey,pho-
riam: Johann Heinrich Gottlieb Streitwolf (Göttin-
tographer. Extraído do site: http://global.oup.com/us/companion.websi- gen/Alemanha); Catterino Catterini (Pádua/Itália),

Clarone
tes/9780195343281/photo23/, acessadp em novembro de 2018. Louis-Auguste Buffet (Paris/França): e Adolphe Sax
(Bruxelas/Bélgica e, mais tarde, Paris) (RICE, 2009,
O período entre 1750 e 1860 é considerado como
p. 250).
uma etapa de experimentação pelos fabricantes e
Entre os instrumentos fabricados no século de-
inventores. O clarone como conhecemos hoje só
zenove, um dos projetos mais bem sucedidos foi o
veio a estabelecer o seu formato no começo do sé-
do fabricante Johann Heinrich Gottlieb Streiwolf
culo XIX (RICE, 2009, p. 251). Encontramos tam-
(1779-1837), ainda na forma de fagote e usado em
bém nessa época uma grande variedade de nomes
bandas de sopro e em música de câmara é o que no
para o mesmo instrumento: BasKlarinetten, Clarine-
relata Rice (2009): “O clarone fabricado por Strei-
tenBass, SchollBass ou SciolBasso, Basse Guerriére ou
twolf era tocado em bandas de sopro e em música
Martial Bass, Clarinette Violoncelle, Bassorgue, Contro
de câmara e foram o mais usados antes do clarone
Clarinetto, Glicibarifono, Clarin Basso, Bimbonclaro,
reto fabricado por Louis Auguste Buffet e Adolf Sax”
Clariofon e Clarone. Conforme Rice (2009, p. 252)
cita, por volta de 1860 o nome foi padronizado e as-
sim a partir dessa data encontramos nas partituras
publicadas e nos livros as palavras: Bass Klarinette
(alemão), basse clarinette (francês), clarinetto basso
(italiano), e bass clarinet (inglês).
No Brasil a palavra clarone, muito provavelmente
pela presença italiana tanto nas bandas de música
como nas orquestras dos teatros de ópera, acabou
sendo adotada para designar o instrumento. No
idioma italiano o sufixo “one” ou “ona” significa
aumentativo (STOPPELLI, 1993, p. 1273), o que nos
faz presumir que a palavra clarone deriva de “clari-
no”, termo também usado para designar a palavra
clarineta nesse idioma. No idioma oficial italiano
a denominação correta é clarinetto basso, porém Figura 2: Clarone construido por Johann Heinrich Gottlieb Streitwolf,
encontramos no dicionário italiano a palavra cla- Göttingen, 22 chaves, formato de fagote. (NL-Den Haag, 0840390, ca.
rone descrita como “outro nome para clarinetto 1835). Reproduced with permission of the Haags Gemeentemuseum, The
basso” (STOPPELLI, 1993, p.389). Em edições Hague. Extraido do site: http://global.oup.com/us/companion.websi-
tes/9780195343281/photo14/ acessado em agosto de 2018.
de óperas de Giusepe Verdi encontramos os dois

53
Catterino Catterini (?-1853), de Pádua (Itália),
foi outro importante fabricante de instrumentos
que contribuiu para o desenvolvimento do clarone.
Catterini além de fabricante também tocava o ins-
trumento. O modelo desenvolvido por ele era fabri-
cado na forma de fagote e chamado de “glicibarifo-
no”, foi desenvolvido em 1833 (RICE, 2009, p. 276).
O próprio Caterrini foi quem executou o solo na es-
treia da ópera Emma d’Antiochia, de Saverio Merca-
dante, em Veneza em 1834, considerado o primeiro
solo orquestral para o instrumento.

Figura 4: Clarone fabricado por L. A. Buffet. Formato reto, com 14 chaves e dois
platôs. Foto cedida pelo autor Albert Rice, por e-mail em 22 de agosto de 2018.

“Um dos mais importantes progressos na evo-


lução do clarone aparece em um instrumento feito
pelo brilhante instrumentista, fabricante e inven-
tor Antonie Joseph (Adolphe) Sax (1814-1894)”
(RICE, 2009, p.291). A primeira patente requerida
por Adolphe Sax para o instrumento, data de junho
de 1838, decorrente dos experimentos realizados a
Clarone

Figura 3: Clarone fabricado por Catterino Catterini, Padova, 28 chaves(- partir da construção de clarones entre os anos 1835
GB-Oxford, 496, ca. 1833). Reproduced with permission of the Bate Col- e 1837. Apenas dez exemplares dos clarones fabri-
lection, University of Oxford. Extraido do site: http://global.oup.com/us/
cados pelo próprio Sax chegaram aos nossos dias,
companion.websites/9780195343281/photo14/ acessado em agosto de 2018.
sendo que destes apenas sete contêm a gravação do
nome do fabricante estampado no instrumento. Es-
ses instrumentos teriam sido construídos entre os
Louis Auguste Buffet (1789 -  ? ) também anos de 1840 e 1870 e apenas dois deles tem a cam-
conhecido como o “Buffet jovem” em parceria com pana curvada para cima (RICE, 2009 p.298), como
o clarinetista Isaac F. Dacosta (1778-1866), produziu nos instrumentos atuais.
em 1833 um clarone na forma convencional da Em 1839, depois de saber sobre os clarones fa-
clarineta, ou seja, apenas um tubo vertical e não mais bricados por L. A. Buffet e tocados por Dacosta na
dois tubos paralelos como eram os instrumentos Exibição de Paris, Sax viaja até aquela cidade para
baseados na forma de fagote ou de oficleide, e que mostrar seu instrumento para Dacosta. Em 1841,
foi usado posteriormente na ópera Les Huguenots Sax juntamente com seu pai Charles Sax (1790-
(1836) de Meyerbeer (RICE, 2009, p.287). O princi- 1865) apresentam nove instrumentos na exposição
pal avanço no instrumento desenvolvido por Buffet de Bruxelas, o que rende a Sax a medalha de prata
foi o sistema de anéis móveis que mais tarde viria a enquanto seu pai fica com a medalha de ouro. Este
ser conhecido como “sistema Boehm”. No entanto, fato motiva Sax a se mudar para Paris e lá estabele-
muitas outras mudanças foram apresentadas por cer sua própria fábrica, o que ocorreria apenas em
esse fabricante: molas em forma de agulha fixadas 1842 (RICE, 2009 p. 299). Já estabelecido em Pa-
na parte de baixo das colunetas; chaves duplicadas, ris, Sax muito rapidamente consegue a admiração
possibilitando ao instrumentista tocar uma mesma de diversos instrumentistas e compositores, entre
nota em posições diferentes; a conexão entre anéis eles: Berlioz, Rossini, Halévy, Meyerbeer e Fétis,
e chaves da mão direita e esquerda o que facilitava Com isso, seus instrumentos apareceriam nos tra-
a execução de arpejos; e o aumento do calibre do tados de instrumentação de Kastner e de Berlioz.
tubo (RICE, 2009, p. 289). Em 28 de abril de 1838 a Além de construtor, Sax se dedicava a tocar e a
orquestra da corte de Munique comprou um claro- promover a vivência musical ao seu redor, de forma
ne fabricado por L. A. Buffet para que o clarinetista que organizava, dirigia e as vezes tocava em bandas
Carl Baermann (1810-1885) tocasse o solo na ver- de sopros (a banda composta dos funcionários de
são alemã da ópera Les Huguenots, de Meyerbeer sua fábrica é um exemplo disso), participava de co-
(RICE, 2009 p. 288). missões para organizar as bandas militares na Fran-

54
ça, além de viajar para outros países para promover
seus novos instrumentos (RICE, 2009 p.300), o que
atesta o espírito empreendedor e inovador de Aldo-
phe Sax.
As principais melhorias feitas no instrumen-
to por Sax, foram: orifícios maiores no corpo do
instrumento e suas respectivas chaves; amplia-
ção da câmara interna – a fim de melhorar a qua-
lidade do som; chaves em formato de plateaus
– a fim de fecharem os orifícios que são maiores
Figura 6: Clarone fabricao por A. Sax. Detalhe da campana voltada para
que o dedo (Figura 9); a colocação de um segundo
baixo e do sistema de alavanca para as notas Fa /Do sustenido e Mi/Si .
registro no tudel do instrumento a fim de facilitar a
emissão de notas agudas (Figura 8); uso de chaves
grandes e arredondadas com sistema de alavancas
para as notas Fá sustenido/Dó sustenido e Mi/Si (Fi- Hector Berlioz em seu Tratado de Instrumenta-
gura 6); uso de boquilha e palhetas maiores e uma ção e Orquestração (BERLIOZ, 1882, p.116), cita as
abraçadeira de metal com dois parafusos(figura 8); melhorias que os instrumentos recebera naquela
novo desenho de chaves planas e arredondadas; in- época no seguinte relato acerca do novo clarone de
clusão de um grande apoio de dedo para o polegar Adolphe Sax: “O novo clarone fabricado por Adol-
da mão direita e um anel para a possibilidade de se phe Sax é ainda melhor. Tem 22 chaves. O que o dis-
prender uma correia para tocar em pé (Figura 7). tingue dos instrumentos antigos é a sua entonação
(Rice, 2009, p. 304) perfeita, sua igualdade no temperamento cromáti-
co e uma grande intensidade de som.”2

Clarone
Depois dos instrumentos de Sax, muitas melho-
rias foram feitas no clarone embora pareçam ter
sido realizadas a partir das inovações de seus ins-
trumentos. Dessa forma, estes poderiam ser con-
siderados como estabelecidos do ponto de vista
técnico construtivo. Todos os avanços seguintes
parecem ser decorrentes do modelo proposto por
Adolphe Sax, visto que os aprimoramentos e o for-
mato apresentado por esse fabricante não foram
abandonadas ou suprimidas e se mantém na cons-
trução dos instrumentos atuais.
Durante toda a história do instrumento nota-se
um constante progresso técnico do ponto de vista
construtivo. O mais significativo, talvez, aconteceu
nos anos 1930 nos instrumentos da marca Selmer e
nos anos 1950 nos da marca Buffet Cranpom, que
foi justamente a padronização de um instrumento
com extensão até o Dó grave.
As melhorias que ocorreram no instrumento
até os dias atuais são claramente frutos de uma
colaboração entre instrumentistas e fabricantes.
Podemos citar como importantes colaboradores
para o desenvolvimento do clarone na atualida-
de o claronista Henri Bok (1950)3 que por muitos
anos assessorou a marca Selmer, mais especifica-
2.   No original: M. Adolph Sax’s new bass clarinet is still
more improved. It has 22 keys. That which especially dis-
tinguishes it for the old one is its perfect prevision of into-
nation, and equalized temperament, throughout the chro-
Figura 5: Clarone fabricado por Adolphe Sax. Instrumento exposto no matic scale, and a great intensity of tone. (tradução nossa)
Museu da Música de Bruxelas/Bélgica. Crédito das fotos: Mário Marques 3.   Claronista holandês, professor durante 34 anos no Rotterdam
Conservatory of Music. Principal referência para o clarone brasilero.
e Herson Amorim

55
mente com o modelo Privilege; e Jean Marc Volta esforços técnicos, buscam meios para realizar me-
(1953)4, que contribuiu com o desenvolvimento do lhorias que tanto atendam à demanda timbrística,
modelo Tosca da marca Buffet Crampon, lançado quanto proporcione maior tocabilidade a fim de
em 2014. Os principais aperfeiçoamentos que os promover expressão musical do instrumentista.
instrumentos sofreram nas últimas décadas são: Apesar do instrumento ter atingido um padrão de
melhoria na ergonomia, melhoria na entonação e construção que atendesse a estas demandas, os ex-
afinação, adição de uma chave para melhorar o Si perimentos e possibilidades diversificadas de seu
bemol (na região de “garganta” do instrumento), emprego musical até hoje são tema de exploração
sistema de sapatilhamento mais silencioso, ângu- por instrumentistas, compositores e construtores.
lo mais confortável do tudel, inclusão de parafu- Conhecer a história ou a trilha percorrida por
sos que regulam as alturas das chaves (ILES, 2015, claronistas, fabricantes e compositores, é ponto
p.52). Observamos também um grande número de crucial para entendermos o presente e construir-
experimentos em relação aos acessórios ou a partes mos um futuro ainda mais promissor, deste modo,
específicas dos instrumentos, como por exemplo: esperamos que esse artigo seja relevante a todos da
campana de madeira ou de fibra de carbono, sapa- comunidade que gira em torno do CLARONE.
tilhas com novos materiais – afim de ser mais silen- Agradecimentos especiais ao pesquisador Albert Rice
ciosa, tudel com diferentes tipos de liga metálica etc. que nos enviou as fotos e permitiu seu uso nesse artigo,
No decorrer de sua história o clarone percor- bem como ao colega Herson Amorin pelo crédito das fo-
reu um caminho de evolução no que diz respeito tos do instrumeto fábricado por A. Sax (Museu da música
ao seu uso. Primeiramente foi pensado para atuar de Bruxelas/julho de 2018).
como instrumento grave do naipe das madeiras
nas bandas de sopros (começo do século dezeno- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Clarone

ve), porém logo foi descoberto pelo universo da BERLIOZ, H. A treatise on modern instrumentation
ópera (Emma d’Antiochia de Saverio Mercadante - and orchestration. Traduzido por Mary Cowden
1834), posteriormente saiu do fosso da ópera para Clarke, edição revisada e editada por Joseph Ben-
ganhar espaço no repertorio sinfônico (virada do nett. Novello, Ewer and Co. 1882.
século dezenove para o vinte) e finalmente ele sai FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio da
de dentro da orquestra, agora como solista, tanto língua portuguesa. 4ª edição, Curitiba, Ed. Positivo,
a frente da orquestra como na música de câmera 2009.
(recital de Joséf Horak - março de 1955). E nos dias FINNEGAN, Ruth. The Hidden Musicians: Music-
atuais podemos encontra-lo nos mais diversos fa- -making in an English town. Cambridge: Cambrid-
zeres musicais como: no Jazz, na música popular ge University Press, 1989.
brasileira, na música para cinema, nos musicais, ILES, J. B., The changing role of the bass clarinet: su-
etc. Outro fator a ser notado é como a imagética do pport for its integration into the modern clarinet stu-
instrumento foi constuída e transformada com o dio. University of Nevada Las Vegas, 2015.
desenvolvimento do seu uso. RICE, A. R. From to the Clarinet D’Amour to the Con-
A relação entre instrumentistas e fabricantes tra Bass. A History of Large Size Clarinets, 1740 a
acontece, como podemos notar desde a invenção 1860. Oxford University Press, 2009.
do instrumento até os dias atuais. Deste modo, po- SADIE, S. Dicionário Grove de música: edição consisa.
demos afirmar que existiu e continua existindo um Jorge Zahar Ed., 1994.
ciclo de colaboração criativa entre os fabricantes, STOPPELLI, P. Il Grande Dizionário Garzanti della
instrumentistas e os compositores. Observamos Lingua Italiana, Garzanti Editori, 1993.
que fabricantes contavam com os instrumentistas
para tocar, experimentar, testar a funcionalidade
dos novos instrumentos e suas respectivas melho-
rias – quando em alguns casos o instrumentista era
o próprio construtor do instrumento. Os compo-
sitores, inserindo o instrumento em momentos
musicais particulares demandam por um reforço
às suas qualidades timbrísticas que por sua vez so-
licitam esta demanda aos fabricantes, que por seus
4.   Claronista francês, foi claronista da Orquestra Nacional da Fran-
ça e professor do Conservatoire du 13éme arrondissement/Paris

56
Lançamentos por Diogo Maia

T’Rio
Cristiano Alves – Clarineta
Fernando Thebaldi – Viola
Yuka Shimizu – Piano
Selo/Gravadora - A Casa Discos

Em seu CD de estreia, o T’Rio, for-


mado por Cristiano Alves (clari-
neta), Fernando Thebaldi (viola)
e pela pianista japonesa radicada
no Brasil, Yuka Shimizu apresenta
obras de compositores brasileiros
para essa formação, consagrada por
mestres como Mozart, Schumann e
Max Bruch.
No CD, se revezam os compositores
João Guilherme Ripper (Trio para
clarineta, viola e piano), Ricardo Ta-
cuchian (Trio das Águas), Liduino
Pitombeira (Fantasia sobre a Muié
Rendêra, Japan e Brasiliana) e Nes-
tor de Hollanda Cavalcanti (O Sábio
em Sol, para trio e um narrador)

Choro Joiado
Johnson Machado – Clarineta
Selo - independente

Choro Joiado é um CD que contempla um


dos mais autênticos e emblemáticos gêne-
ros brasileiros, o Choro. Choro que, hoje,
resgata e traduz um sentimento artístico
nacional, cativando novas gerações e fei-
tios. Nesse caldeirão, o CD  enaltece a cria-
ção musical brasileira com traços sonoros
variados e arrojados.
As músicas apresentam um rico instrumen-
tal, balanço, expertise, alegria, ao mesmo
tempo em que a clarineta se destaca nos
contornos melódicos, o que propicia belas
nuances de frases musicais em fluidos diá-
logos com os demais músicos.

58
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO & INSTITUTO CIRANDA

I ENCONTRO DE
CLARINETISTAS DE
MATO GROSSO
Monthly newsletter of BAKS Real Estate Corp.

Coordenação:
Bruno Avoglia 16 - 18 DE ABRIL DE 2019
Jéssica Gubert

O Departamento de Artes da FCA-UFMT e o Instituto Ciranda –


Música e Cidadania convidam os clarinetistas e interessados da
reigião centro-oeste e de todo o Brasil a participar do 1º Encontro de
clarinetistas de Mato Grosso.
Nos dias 16, 17 e 18 de abril artistas mato-grossenses, professores e
convidados irão se apresentar pelos palcos da cidade de Cuiabá e da
UFMT, alem de oferecerem aulas e palestras gratuitas abertas a toda
a comunidade.
Visando o despertar da atividade voltada à prática clarinetística no
Informações:
estado de Mato Grosso e o afloramento de ideias musicais, culturais
encontromatogrosso@gmail.com e artísticas, o evento contará com a participação dos professores Luís
Afonso Montanha, Joel Barbosa, Paula Pires e Jussan Cluxnei, além
do quinteto de clarinetes Viajando pelo Brasil. 59
Dica do mestre por Vinícius de Sousa Fraga

Há um tempo atrás li numa entrevista do escri- bretudo porque parecemos partir da mesma ideia
tor italiano Umberto Eco que ele colecionava li- do que é o ato de estudar e adicionamos o “mais”
vros antigos. Talvez nada tivesse demais não fosse para lhe dar a ideia de quantidade. Passar mais
o que esses livros tinham em comum: eram todos tempo repetindo o mesmo trecho é a solução que
Dica do mestre

baseados em premissas que depois se mostraram parece ser a mais viável sob essa perspectiva. Tal-
equivocadas. Em outras palavras, erros. Eco dizia vez tenha sido assim boa parte da história.
que essa ‘história do erro’ era outra forma de ver Felizmente nosso conhecimento sobre os pro-
a trajetória humana e que, se lida com proprieda- cessos de aprendizagem tem mudado bastante,
de, enriqueceria muito nosso conhecimento sobre transformando assim nossa concepção sobre
nós mesmos. como aprendemos. Com bastante frequência, es-
Não há dúvidas que nossa meta como instru- ses resultados podem parecer duvidosos a alguém
mentistas é o acerto. Ter o convencimento de que não familiarizado com pesquisas, mas isso pode
fomos bem sucedidos ao realizar um trecho, uma ser porque elas se baseiam numa aplicação coletiva
obra ou recital é impagável e só quem já passou dentre várias pessoas e não em experiências pes-
sabe o quanto isso é importante. Ainda assim, sem- soais individualizadas. Ao que tudo indica, embo-
pre fiquei fascinado com o erro. Pra mim, por trás ra tenhamos nossas diferenças, compartilhamos
de cada momento iluminado ou, se preferirem, de também uma forma de ver o mundo e aprender
precisão absoluta no alinhamento entre intenção, sobre ele que parece aplicar-se a boa parte de nós.
realização técnica e feedback da audiência, há uma Um exemplo que gosto de citar com frequência
quase infinita quantidade de eventos marcados é uma pesquisa em grande escala (na verdade um
por erros e problemas a serem resolvidos nos pro- conjunto de pesquisas) realizada na Inglaterra por
cessos de aprendizagem. pesquisadores de ponta como Nicholas Cook e
Entender porque alguém erra ao tentar manifes- John Rink, pra citar alguns. Nela, compositores são
tar aquilo que gostaria de expressar ao instrumen- chamados a compor novas obras que alunos de di-
to sempre me pareceu mais instigante e promissor versos instrumentos estudam, resolvem os proble-
para o processo pedagógico que me focar nos acer- mas e apresentam a uma platéia. Todas essas fases
tos. Sobretudo, claro, começando pelos meus pró- gravadas em vídeos e permeadas por entrevistas a
prios erros. todos os envolvidos, rodas de conversas e questio-
Embora possamos listar várias causas ou motiva- nários. O resultado não poderia ser mais curioso:
ções, pessoalmente estou convencido que uma das os momentos de maiores eventos criativos não
causas principais dos erros na execução musical es- ocorrem quando os alunos estão “estudando” o
tão em não ter aprendido completamente algo. instrumento, mas fazendo outras coisas, mesmo
E quando se fala nos processos de aprendizagem que seja cantarolando a música ou regendo para
no ensino do instrumento musical, a solução que si mesmo. Além disso, pequenos períodos de afas-
sempre ouço e eventualmente também uso tor- tamento da atividade de tocar se mostraram mais
nou-se quase um mantra; “precisa estudar mais” valiosos e produtivos para a atividade de tocar em
é uma expressão abstrata que abriga de forma um si que uma prática initerrupta e, por isso, exaustiva.
pouco conveniente uma série de problemas. So- Isso talvez explique essas dificuldades que não

60
entendemos no processo de aprendizagem basea- O que chamei de “trecho” pode ser considerado
do na repetição de um trecho ou passagem. Acre- qualquer passagem problemática, notas longas,
dito que não é segredo para ninguém que a repeti- exercícios ou excertos musicais, uma escala ou
ção na nossa prática diária pode levar a pequenos uma abordagem qualquer. Os tempos escolhidos
bloqueios. Aquelas passagens que não se resolvem para cada tarefa, claro, são suposições que variam
de jeito nenhum, não importa o quanto você prati- de acordo com a tarefa e a disponibilidade que
que. E aí, erros sem conta cercam uma ou duas re- temos para o estudo diário.
alizações satisfatórias. E quando finalmente você Isso dito, o que temos aqui é a talvez a forma
a abandona para fazer outras coisas, seja por um tradicional de pensar o momento de estudo, em
fim de semana ou mesmo viajar durante as férias e que separamos aquilo que queremos (ou em ge-
retoma acidentalmente aquilo que estava estudan- ral, precisamos) estudar e vamos trabalhando um
do... eis que misteriosamente ela se resolve. a um por um determinado tempo. Por exemplo,
Novamente, a maioria de nós já deve ter experi- encerrado o tempo das notas longas, iniciamos as
mentado essa sensação em maior ou menor inten- escalas, depois aquela passagem do Mozart, do De-
sidade e em algum momento. O que talvez nem to- bussy, do Pixinguinha...
dos saibam é que essas características chamaram Uma das características desse tipo de estudo
a atenção de pesquisadores interessados em oti- como muitos de nós devem saber, é que uma vez
mizar a relação entre o estudo e o aprendizado de encerrada uma tarefa, geralmente não se retor-
uma tarefa ou a obtenção de uma nova habilidade. na a ela. Depois de vinte minutos de notas longas
Com base nisso, sabe-se que o cérebro aprende vamos adiante para a próxima tarefa, até porque o

Dica do mestre
melhor aquilo para o qual está mais atento; e isso tempo urge, especialmente quando você quer (ou
acontece geralmente quando se depara com algo precisa) muito estudar.
que é novo para ele. Isso não parece ser nenhuma Agora observe esse segundo esquema.
novidade; quando ouvimos uma harmonização, a
melodia mais aguda e o baixo são mais facilmen- Trecho 1 3 minutos
te dicerníveis que as vozes intermediárias porque Trecho 2 3 minutos
nossa atenção tende a se focar nos extremos da Trecho 3 3 minutos
textura sonora. Além disso, nossa atenção é muito
Trecho 4 3 minutos
mais facilmente captada quando ouvimos alguma
música pela primeira vez, mas a repetição disso faz Trecho 1 3 minutos
com que, mesmo sem querer, a ignoremos com a Trecho 2 3 minutos
mesma facilidade. Trecho 3 3 minutos
Mas como, de posse dessas informações, eu Trecho 4 3 minutos
posso otimizar meu tempo de estudo de tal forma Trecho 1 3 minutos
que eu consiga minimizar os erros e aumentar os
Trecho 2 3 minutos
acertos? Mais do que isso, existe uma maneira de
manter essa conquistas de forma a não ter aquela
Como no exemplo anterior, temos aqui as mes-
sensação de que parece que nunca estudei aquela
mas quatro passagens, estudos ou exercícios mas
música só porque decidi passar o fim de semana
com tempos bastante reduzidos. Assim, ao invés
como uma pessoa normal saindo com os amigos?
de escolher uma única tarefa por vinte, trinta ou
A boa notícia é que aparentemente sim. Se
cinquenta minutos, o que essa abordagem propõe
aprendemos melhor quando estamos focados e se
é que se divida todos os trechos ou peças que se
isso ocorre com mais facilidade com aquilo que é
quer estudar pelo mesmo período de tempo que se
novo, uma das formas de manter a atenção naquilo
planejou estudar, mas com um diferencial impor-
que fazemos é variar constantemente aquilo que
tante. Realiza-se cada tarefa ou passagem por uma,
estamos estudando durante a prática.
no máximo duas vezes... e seguimos para a próxi-
Observe o esquema a seguir.
ma. É importante salientar que isso sempre deve
ser feito numa velocidade que permita o controle;
Trecho 1 20 minutos em outras palavras, para evitar erros.
Trecho 1 20 minutos Aplicado ao exemplo que dei anteriormente,
Trecho 1 20 minutos isso seria traduzido como algumas notas longas,
Trecho 1 20 minutos depois algumas escalas, o trecho do Mozart, o do
Debussy, o do Pixinga, mas por somente alguns
61
minutos cada um. Encerrado a execução de todas de estudo com uma atividade física, uma boa noite
as passagens e exercícios que se propos a estudar, de sono e, se possível, um hobby que nada tenha a
inicia-se novamente até completar o tempo que ver com música.
normalmente se dedicaria para executar as tarefas Frequentemente a gente esquece que o instru-
na abordagem mais tradicional que citei antes. mento tem esse nome por ser um meio de conexão
O ato de se mover de uma tarefa para a próxima entre quem ouve e o que queremos dizer. Com to-
com poucas realizações em cada uma parece fa- dos os seus problemas, ele é só uma passagem en-
zer com que o cérebro de certa forma reconstrua tre o seu “eu” interior e a platéia. E nesse processo,
sua maneira de lidar com aquilo, aumentando sua estudar o instrumento é uma forma de nos estudar
atenção para a tarefa. Em outras palavras, é como também. E aprender. E ser feliz.
se o que está sendo feito representasse sempre algo
“novo” para o cérebro. Essa abordagem se baseia Para saber mais:
em algo que tem sido conhecido por efeito de in-
terferência contextual (contextual interference effect CARTER, Christine E. 2013. Why the progress
no original em inglês). you make in the practice room seems to disappe-
Como toda abordagem, ela tem seus prós e con- ar over night. Disponível em <https://bulletproof-
tras. Assim, ela não aparenta funcionar bem se o musician.com/why-the-progress-in-the-practice-
seu objetivo for tocar algo na próxima semana. -room-seems-to-disappear-overnight/>.
Nesses casos, o estudo baseado na repetição ainda
Dica do mestre

parece apresentar melhores resultados. Além dis- CARTER, C.E. & GRAHN, J.A. 2016. Optimizing
so, pode ser necessário fazer pausas maiores para Music Learning: Exploring How Blocked and Inter-
descanso, já que requerer atenção do cérebro du- leaved Practice Schedules Affect Advanced Perfor-
rante muito tempo tende a cansar mais. mance. Disponível em<https://www.ncbi.nlm.nih.
Contudo, se você tem mais tempo para trabalhar gov/pmc/articles/PMC4989027/>.
a peça ou repertório, há indícios de que essa abor-
dagem tenha pelo menos dois grandes pontos for- ROSE, L.P. 2006. The effects of contextual inter-
tes: (1) ela melhora a retenção daquilo que se estu- ference on the acquisition, retention, and transfer
da a médio prazo. Ou seja, daqui ha três ou quatro of a music motor skill among university musicians.
meses o trecho vai responder de forma muito mais Tese Doutorado. Lousiana State University.
consistente tecnicamente. É como tomar posse
ou apreender (com dois “ees”) algo de fato. E (2) STAMBAUGH, Laura A. When Repetition Isn’t
por propor um trabalho de aprendizado baseado the Best Practtice Strategy: Effects of Blocked and
na adaptação constante ao “novo”, isso pode sig- Random Practice Schedules. In: Journal of Rese-
nificar a médio prazo que o cérebro se adapte mais arch in Music Education, Vol. 58, No. 4 (January
rapidamente e de forma mais apropriada a situações 2011), pp. 368-383.
inusitadas. E esse aspecto pode fornecer muito mais
subsídios para uma performance pública que a abor-
dagem tradicinal de estudo, já que como frequen-
temente se diz, você pode ter inúmeras chances de
acertar enquanto estuda, mas na hora só terá uma.
Por fim, nunca é demais dizer que quando fala-
mos de estudo, tudo está interligado. Estudar nos-
sos equívocos e porque eles ocorrem nos força a
ir mais fundo em nós mesmos. As causas podem Vinícius de Sousa Fraga foi professor de clarineta
começar com formas otimizadas de aprendizado e por quase cinco anos na Universidade Federal de
se alastram para outras áreas do que fazemos. As- Mato Grosso- UFMT. Possui Mestrado e Doutorado
sim, o equilíbrio entre nossas sensações importam em Execução Musical – Clarineta pela Universidade
muito quando falamos da expressão artística e do Federal da Bahia, sob a orientação de Pedro Robatto e
seu aprendizado. É difícil exprimir algo com o qual Joel Barbosa, além do Curso de Formazione Continua
não conseguimos nos conectar. Acho fundamental sob orientação de François Benda, em Lugano na Suiça.
ter contato com as outras artes, a pintura, a escul- Atualmente, é professor de clarineta da Universidade
tura, o teatro. Mas também balancear a atividade Estadual de Campinas – UNICAMP.

62
CLARINETA
NORMAS PARA SUBMISSÕES
DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

Submissão de trabalhos
A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-
nhecimentos científicos, artísticos, pedagógicos e técnicos referentes a
área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela
recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções
(artigos, entrevistas, resenhas etc).
Os textos publicados serão aqueles recomendados por dois parece-
res da equipe editorial. Os pareceristas serão de região(ões) e institui-
ção(ões) diferentes da(s) do(s) autor(es) das submissões. Eles emitirão
pareceres pelo sistema single blind, onde o manuscrito é avaliado com
o(s) nome(s) do(s) autor(es). Todo texto será avaliado, primeiramente,
por dois pareceristas e, em não havendo concordância, será acionado um
terceiro. O conteúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es).
Em relação a artigos, serão aceitas submissões de artigos científicos e
empíricos referentes a pesquisas concluídas. Cada artigo deverá incluir
resumo, abstract, cinco palavras-chave, texto e referências, contendo até
25.000 caracteres com espaços, em arquivo Word (.doc). Quanto às sub-
missões dos outros formatos de textos, será considerada a relevância de
suas contribuições histórica, teórica, artística, pedagógica e/ou prática. A
submissão de resenhas poderá ser sobre gravação, vídeo, artigo, livro, ma-
terial didático, partitura (composição, arranjo e adaptação), dissertação e
tese. A submissão de notícias deverá ser sobre eventos a ocorrer ou ocor-
ridos após o último número da revista. Para entrevistas serão aceitos tex-
tos com até 10.000 toques, para a “Dica do Mestre” até 8.000, para cada
resenha 2.000, e notícia 1500.
Não havendo submissão suficiente para completar as seções da revis-
ta, os editores suprirão os espaços com textos de produção própria ou de
autores convidados.
A submissão de textos está aberta permanentemente e a média de tem-
po de resposta é de 45 a 60 dias. Ela deve ser feita pelo email: revistaclari-
neta@gmail.com

63
em breve...
12º Encontro Brasileiro de Clarinetistas
De 20 a 25 de novembro
São Paulo - Brasil
organização: ABCL

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