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Sujeito a Guincho
30 anos
PLACA RESSONADORA
Sumário
8 | 25 anos de encontros de clarinetistas por Ricardo D. Freire
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FOTO: SIMONE MARIA PIRES CABRERA.
Editorial Rafael Fonte sobre a “Adaptação de dobrados para quar-
teto de clarinetes: uma alternativa para a prática came-
rística em bandas de música’’. O trabalho é baseado em
pesquisa realizada no Programa de Mestrado Profissio-
nal da UFBA sob orientação de Pedro Robatto e discute
Prezadas/os amigas/os, a adaptação de dobrados para performance enquanto
música de câmara.
Chegamos à nona edição da Revista Clarineta! Nes- A Dica do Mestre traz o clarinetista peruano Marco
te segundo ano de pandemia, este número somente foi Antonio Mazzini, criador do ClariPeru e um destacado
possível devido ao esforço coletivo da nossa equipe de articulador de eventos nas redes sociais. Mazzini discu-
editores (as) e autores (as) que conversaram muito para te a questão do Music Business e as redes sociais, trazen-
trazer um número com diversos artigos e matérias. do uma reflexão atual sobre a situação das produções ar-
A matéria de capa celebra os 30 anos de atividade do tísticas e sua divulgação pela internet.
Quinteto Sujeito a Guincho. O grupo formado em 1991 No mês de novembro foram realizados dois eventos
por Sérgio Burgani, Edmilson Nery, Luca Raele e Luis de clarinetistas. O I Festival Infanto-Juvenil de Clari-
Afonso Montanha fez história na música instrumental netistas ocorreu de forma online e contou com a pre-
brasileira. Formado originalmente como quarteto, se sença de jovens clarinetistas do Brasil e de países da
transformou em quinteto com a participação de Nival- América latina como Argentina e Chile, e foi organiza-
do Orsi e depois contou com as colaborações de Tiago do por Amanda Müller e Rosa Barros. O V Colóquio de
Garcia, Diogo Maia e Daniel Oliveira, além de participa- Clarinetistas da UFBA ocorreu de forma presencial e
ções do Proveta e Alexandre Ribeiro. foi realizado de acordo com as recomendações das au-
Nesta edição, iniciamos um novo espaço dedicado à toridades sanitárias segundo as medidas preventivas
crônicas e textos livres. A primeira contribuição é de Luca da Covid-19. O Colóquio possibilitou que estudantes
Raele que nos apresenta um texto de 2008: “A clarine- dos cursos de graduação e pós-graduação da UFBA pu-
ta, o guincho e o trauma”. A crônica mostra aspectos da dessem apresentar as diversas iniciativas produzidas
gênese do repertório da clarineta e nos revela que todos no contexto da pandemia.
estamos sujeitos ao guincho e que o apoio entre os pares Rosa Barros apresenta a seção “Você sabia que?” onde
torna-se uma forma de superar grandes dificuldades. comenta sobre curiosidades comuns a todos os clarine-
Henri Bok traz seu ponto de vista sobre o clarone para tistas como : “Existem palhetas de material sintético?”
também falar sobre a questão de estarmos todos “sujei- Na seção lançamentos, José Batista Jr. apresenta qua-
tos a guinchos”. A matéria apresenta sua visão que “os tro novos livros de clarinetistas: “A voz do clarinetista”
guinchos não existem”, são apenas notas agudas que de Ricardo Dourado Freire, “Brincadeiras de soprar”
precisamos conhecer e controlar. de Rosa Barros, Clarinete.Pt do clarinetista português
A Associação Brasileira de Clarinetistas (ABCL) foi Nuno Silva, e o “Guia prático de escalas” de Cristiano
criada em 1996 e continuamos a comemoração exibin- Alves e Cesar Bonan. Além disso, foram lançados três
do um painel sobre 25 anos de encontros de clarinetis- álbuns: “Um clarone brasileiro” de Mário Marques, “Rio
tas. Apresentamos os eventos realizados em Brasília, Negro” de Vitor Adonai e “Lux et umbra” do clarinetista
Salvador, Rio de Janeiro, Tatuí, São Paulo, Recife, Natal português Frederic Cardoso. Tantas produções mos-
e Poços de Caldas, incluindo também os encontros de tram o quanto os clarinetistas continuaram ativos e pro-
Claronistas realizados a partir de 2015. dutivos durante o período de pandemia.
Lúcia Morelenbaum foi a entrevistada deste núme- Por fim, a Revista Clarineta agradece a todos os cola-
ro e conversou com Cesar Bonan e Rosa Barros sobre boradores e participantes desta edição, nossa terceira
a sua trajetória como clarinetista da Orquestra Sinfô- edição durante a pandemia de COVID-19. Saudamos
nica Brasileira. todos que nos acompanharam e nos ajudaram a supe-
Na seção sobre músicos evangélicos, o jovem clarine- rar os desafios deste período. Desejamos que seja pos-
tista Rafael Esparrell ilustra sobre o processo de apren- sível retornar às atividades presenciais em 2022 e que
dizagem e a formação musical dentro da Congregação o futuro próximo nos permita novas alegrias e novos
Cristã do Brasil, que é uma comunidade que reúne mais encontros de clarinetistas.
de 250 mil músicos no país.
A seção sobre Músicos Militares traz um artigo de
Uma linha completa de soluções!
/DaddarioWoodwindsBr
Corpo editorial
Ficha técnica:
Diretor-executivo
Daniel Oliveira (ORTHESP, São Paulo).
Editores-coordenadores
Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília) e Cesar Augusto Bonan Ribeiro (Orquestra Sinfônica Nacional - UFF, Rio de Janeiro).
Editores
Amandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Anderson Cesar Alves (Orquestra Sinfônica Nacional - UFF, Rio de Janeiro), Diogo Maia (Faculdade
Cantareira, São Paulo), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Rosa Barros (IFG, Formosa).
Apoio Institucional
PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA
PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO
UFBA PROFISSIONAL EM MÚSICA
Especial 25 anos de ABCL
8
Especial 25 anos de ABCL
A pós a fundação da Associação Brasileira de
Clarinetistas-ABCL, em 1996, houve um
grande envolvimento da comunidade de cla-
rinetistas e onze encontros nacionais foram organiza-
dos entre 1997 e 2019 nas cidades de Brasília, Salvador,
tos que aconteceram em 2002, 2007, 2009, 2010 e
2011. A partir de 2012, foram realizados diversos even-
tos regionais e locais que permitiram a diversificação
de propostas. Neste contexto, o encontro de 2017
promoveu a reorganização da ABCL, com a eleição de
Rio de Janeiro, Tatuí, São Paulo, Recife, Natal e Poços uma nova diretoria sob a presidência de Sérgio Albach.
de Caldas. Além disso, foram realizados diversos even- Em 2019, o último encontro foi uma colaboração en-
tos locais, regionais e internacionais que reuniram cla- tre as instituições paulistas USP, UNESP, UNICAMP e
rinetistas de todo o Brasil em intercâmbio com alguns Cantareira que permitiu a realização de quatro dias de
dos principais clarinetistas do exterior. atividades na cidade de São Paulo.
Podemos dividir os encontros nacionais em três A ABCL nasceu de uma proposta de reunir os cla-
formas de organização, ocorridos em momentos dis- rinetistas e promover o intercâmbio entre músicos
tintos. No início, entre 1997 e 2000, foi o período de do Brasil e do exterior. Nestes 25 anos, não faltaram
consolidação da ABCL, quando foram realizados cin- eventos para promover encontros e trocas entre cla-
co encontros seguidos que permitiram uma grande rinetistas de todas as regiões, com diversas propostas
integração entre os clarinetistas, principalmente no artísticas, científicas e pedagógicas. O objetivo inicial
meio acadêmico. O ano de 2001, com o ataque do dia 11 foi ampliado para além da academia e de um reduto
de setembro nos EUA e uma situação de instabilidade exclusivamente profissional. Hoje a integração sig-
econômica, dificultou a organização e principalmente nifica inclusão de diversas propostas que incluem as
o financiamento de eventos culturais. Neste período, perspectivas de claronistas, a realização de encontros
houve uma descontinuidade na realização dos even- femininos e também encontros para crianças e jovens.
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Especial 25 anos de ABCL
Primeiro momento
O I Encontro de Clarinetistas reuniu seis clarinetis-
tas convidados conforme relatado na Revista Clarineta
8. O II Encontro ampliou o número de convidados para
vinte clarinetistas e consolidou uma estrutura que tor-
nou constante a realização de recitais, masterclasses,
palestras e a incorporação das rodas de choro. A par-
ticipação de Henri Bok mudou o panorama do clarone
do Brasil e valorizou a participação do clarone como
um instrumento com identidade e características pró-
prias, que conquistou um espaço importante para o
seu desenvolvimento na ABCL. A vinda de Luis Rossi
trouxe uma visão latino-americana da performance da
clarineta e permitiu o início da integração com os paí-
ses de fala hispânica. Outro aspecto muito importan-
te, foi a participação do Quinteto Sujeito a Guincho,
que a partir da adição de um segundo clarone, criou
uma nova formação para grupos de clarinetas, com
um equilíbrio entre as tessituras graves e agudas, além
1997 - 2001
II Encontro Brasileiro de Clarinetistas III Encontro Brasileiro de Clarinetistas
1997 - Brasília 1998 - Salvador
Universidade de Brasília Universidade Federal da Bahia
Organizador: Ricardo Dourado Freire Organizador: Joel Barbosa
Convidados Internacionais: Convidados Internacionais: Michel Arrignon,
Luis Rossi, Henri Bok e Kimberly Cole David Etheridge, Henri Bok
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Nesta página, encerramento
do II Encontro de Clarinetistas
no Clube do Choro de Brasília-
Brasília, 1997. Na outra página,
canto superior esquerdo:
Participantes do III Encontro de
Clarinetistas- Salvador, 1998.
Lado direito: Participantes do
II Encontro de Clarinetistas-
Brasília, 1997. Esquerdo no meio:
Sujeito a Guincho no II Encontro
de Clarinetistas- Brasília, 1997
de uma proposta inédita de repertório que convergia O Rio de Janeiro recebeu o IV Encontro de Clarine-
o clássico, o popular e o experimental em concertos tistas, em 1999, organizado por Fernando Silveira ten-
muito originais. A partir da divulgação desta proposta, do como convidados internacionais: Luis Rossi, Henri
vários quintetos de clarinetas foram formados e a par- Bok, Jonathan Cohler e Patricia Kostek. Na ocasião,
ticipação de conjuntos de clarinetas se tornou obriga- também foi realizada uma homenagem ao professor
tória em todos os encontros. José Botelho pela sua contribuição para o desenvolvi-
A terceira edição foi realizada em Salvador e organi- mento da clarineta no Brasil. O I Concurso de Jovens
zada por Joel Barbosa. Neste encontro, tivemos um so- Clarinetistas também foi realizado tendo como 1º co-
nho realizado, a vinda de um professor do Conserva- locado Daniel Rosas e 2ª colocada Renata Menezes.
tório de Paris. A presença de Michel Arrignon permitiu Joel Barbosa organizou o V Encontro de Clarinetis-
estabelecer um vínculo com uma das principais refe- tas que foi realizado no Conservatório de Tatuí - CD-
rências importante para o ensino da clarineta no mun- MCC em 2000. Este foi um retorno ao ambiente mu-
do. Desde a fundação do Imperial Conservatório de sical de origem de vários clarinetistas de todo Brasil
Música, existem documentos que justificam a escolha que voltaram a Tatuí para as atividades do encontro.
da compra de métodos, instrumentos e acessórios de Vale ressaltar a presença do prof. António Saiote, de
acordo com os parâmetros do Conservatório de Paris. Portugal, que voltou ao Brasil para fortalecer os víncu-
A vinda de Michel Arrignon permitiu o contato direto los entre brasileiros e portugueses que gera frutos até
com a tradição e a expressividade da abordagem fran- hoje. Outro destaque foi a estréia mundial, realizada
cesa. Neste evento, Joel Barbosa foi eleito como pre- por Paulo Sérgio Santos, do Concerto para Clarineta e
sidente da ABCL pelo período de dois anos e já foram Orquestra de Hudson Nogueira.
marcados os próximos encontros.
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Especial 25 anos de ABCL
2002 - 2011
VI Encontro Brasileiro de VII Encontro Brasileiro de VIII Encontro Brasileiro de
Clarinetistas Clarinetistas Clarinetistas
2002 - Brasília 2007 - São Paulo 2009 - Recife
Universidade de Brasília Memorial da América Latina Conservatório
Organizador: Ricardo Organizador: Daniel Tamborim Pernambucano de Música
Dourado Freire Homenageados: Leonardo Organizador: Jonatas Zacarias
Homenageado: Luiz Righi, Rafael Galhardo, José Convidados internacionais: Quarteto
Gonzaga Carneiro Máximo Sanchez de Clarinetes de Lisboa (Nuno Silva,
Convidado Internacional: Joaquim Ribeiro, Rui Martins e Luis
Michel Arrignon Gomes) e François Sauzeau
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Direita: Orquestra Potiguar de Clarinetas no X
Encontro de Clarinetistas- Natal, 2012
Centro a esquerda: Mônica Lucas, Cleuton
Batista, José Botelho, Amandy Bandeira e João
Paulo Araújo no VI Encontro de Clarinetistas-
Brasília, 2002. Centro a Esquerda: Coral de
Clarinetas e Clarones no encerramento do
XI Encontro de Clarinetistas e Claronistas-
Poços de Caldas; Centro a direita: José Botelho,
Roberto Pires, Paulo Sérgio Santos e Luís Rossi
no XI Encontro de Clarinetistas- Brasília,
2010. Abaixo a direita:Joel Barbosa e Daniel
Oliveira em Recital apresentando as clarinetas
Devon & Burgani durante o VII Encontro de
Clarinetistas- Recife, 2008
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Especial 25 anos de ABCL
2015 - 2019
I Encontro Brasileiro de Claronistas II Encontro Brasileiro de
2015 - Poços de Caldas Claronistas
Festival Música nas Montanhas 2016 - Maceió
Organizadores: Luis Afonso Montanha, Universidade Federal de Alagoas
Diogo Maia e Daniel Oliveira Organizador: Flávio Ferreira da Silva
Convidado Internacional: Henri Bok
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mílias, além de estudantes que participaram do festival
Diversificação e reorganização de música. Tivemos como convidados internacionais
Após o encontro de Natal, passaram seis anos até a
Hugo Queirós e Márcio Pereira, de Portugal, e Henri Bok
realização do XI Encontro de Clarinetistas. No entanto,
da Holanda. Na ocasião, uma nova diretoria foi formada
ao contrário do que pode parecer inicialmente, foram
tendo como presidente Sérgio Albach e representantes
realizados diversos eventos neste período em várias
das diversas regiões do Brasil. O movimento inicial da
partes do Brasil. Iniciativas locais, regionais e estaduais
ABCL se ampliava e seguia um novo rumo com grande
permitiram que o conceito de encontro fosse aplicado
participação dos clarinetistas. O evento finalizou com
a Festivais, Congressos e Simpósios. A Revista Clarine-
um grande coral de clarinetas e clarones tocando no an-
ta, na sua primeira edição, apresentou como matéria
tigo Cassino de Poços de Caldas.
de capa um artigo intitulado 20 anos de encontros de
A cidade de São Paulo, em uma colaboração entre
clarinetistas que apresenta um panorama dos eventos
USP, UNESP, UNICAMP e Cantareira, recebeu o XII
realizados até 2016. “Os encontros nacionais se multi-
Encontro de Clarinetistas e IV Encontro de Claronistas,
plicaram em outros menores, como: I Simpósio Norte-
em novembro de 2019, alguns meses antes do início da
-Nordeste de Clarinetistas; Encontro Regional Região
Sujeito
a guincho
30 anos
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Matéria de Capa
Foto de divulgação do grupo (2011). Em cima: Luis Afonso Montanha, Luca Raele e
Sergio Burgani; embaixo: Diogo Maia e Nivaldo Orsi. Foto: Edgardo Gonzalez
Este ano o Sujeito a Guincho completa 30 anos de reiro] foi fazer mestrado, e o Montanha fez parte da pri-
atividade. Nesse tempo, o grupo vivenciou muitas his- meira turma que eu peguei na UNESP. Eu não conhecia
tórias inusitadas, emocionadas e engraçadas. Resolve- o Luca ainda, e o Montanha entrou na Jazz Sinfônica
mos então marcar um encontro com todos para relem- junto com o Luca. Então com esse contato do Mon-
brar e registrar alguns desses momentos. O papo foi na tanha e do Edmilson... o Montanha tava vindo como
casa do Montanha, e o resultado você confere a seguir. primeiro aluno, mas ele tinha outros conhecimentos,
Na sala estavam: o próprio Montanha, Luca Raele, Sér- outros professores. Então a gente podia montar um
gio Burgani, Edmilson Nery, Nivaldo Orsi, Diogo Maia quarteto pra conversar sobre o instrumento, tentar
e Daniel Oliveira. unificar algum jeito de tocar, discutir o que funcionava
pra um, pro outro. E nessa daí era fácil pro Montanha
Serginho convidar o Luca, e eu o Edmilson. E nessa época meu
Bom, isso vem lá dos anos 80. A gente vivia em São irmão tinha uma escola de música particular, o Novo
Paulo, sem internet. Tínhamos professores que nos Tempo. E lá tinha um espaço onde a gente resolveu se
davam apenas informações de como tocar música. encontrar aos sábados pra conversar e tocar alguma
Mas assim, havia muita curiosidade de saber sobre coisinha de clarinete. Aí o Montanha trouxe um quar-
escolas, uso de equipamento, boquilha, palheta e tal. teto e foi lá que tudo começou... entre um pastel e ou-
Porque nessa época havia clarinetistas de vários lu- tro. A gente ia na feira.
gares do mundo, e cada um, nas masterclasses, usava
uma palheta X, uma boquilha Y, e a gente ficava perdi- Luca
do no que seguir, se inglês, americano ou francês. Você (Serginho) falou que você e o Edmilson tive-
Então, eu trabalhava com o Edmilson na OSESP. E ram o mesmo professor. Vocês estão falando do (José)
apesar de eu e o Edmilson sermos frutos dos mesmos Máximo?
professores, a gente tinha pequenas diferenças no jei-
to de tocar, de equipamento. Aí, como eu assumi na Serginho
UNESP o lugar de professor quando o Maurício [Lou- Sim, o Máximo e o Rafael Galhardo Caro, o Batatão.
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Matéria da Capa
Nas fotos acima, Quinteto Sujeito a Guincho nos Estúdios YB Music (1999).
Da esquerda para direita: Luis Afonso Montanha, Sergio Burgani, Luca Raele, Edmilson Nery e Nivaldo Orsi. Fotos: Cacalo Kfouri.
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Luca L.
E o Montanha, foi estudar com o Maurício Loureiro? Não, tocamos uma vez. Meses depois a gente tocou
outra vez, num casarão nos Campos Elíseos.
M. Eu me lembro que tocando lá, fiquei um pouco in-
Maurício, Gonzaguinha, Botelho. comodado porque eu tocava no Nouvelle e não tinha
isso: eles todos desmontavam o instrumento pra tirar
S. a água entre uma música e outra... e eu falava assim:
O Luca tinha estudado com o (Leonardo) Righi, que que vocês estão fazendo? Aí ficava aquele silêncio
Mas você (Luca) já tinha vivência popular? e 10 pessoas esperando na plateia. Eu olhava aquilo e
pensava, que constrangedor. E os caras sem barrilhete,
L. sem boquilha... quanto tempo leva agora pra arrumar
Eu vinha tocando no Nouvelle Cuisine, e, no come- isso tudo? Aí eu comecei a falar besteira. Sabe, como
ço dos 80, bastante em bar. Fazia jazz no buteco. Toca- é que pode um espetáculo acontecendo e de repente
va piano, e depois clarineta. para no meio porque quer tirar a água do instrumen-
to!? Isso pra mim não faz sentido nenhum.
Diogo Então comecei a falar: a próxima música é isso, to-
E quando foi o primeiro concerto do grupo com camos aquilo outro, não sei o que, etc...
Matéria de Capa
essa formação?
M.
L. Depois, quando entrou o Nivaldo piorou! (risos)
É interessante isso porque a ideia inicial do Sergi-
nho não era tocar em concerto, era conversar sobre S.
clarineta. Pra mim tá bom, eu gosto mais de ensaio que Eu me lembro de um concerto que você trouxe o
de concerto, o que é um problema pra mim. Charlie Parker pra gente ler... foi no Sesc Carmo. As
pessoas passavam na frente, circulavam.
M.
Acho que o que deu certo no grupo foi isso...todo L.
mundo prefere ensaiar. Dois dias antes me deu uma vontade de variar: pe-
guei um bebop do Charlie Parker, fiz rapidamente pra
D. quatro vozes e levei pra gente ler no final do concerto.
Por isso o grupo está com 30 anos: ensaia, ensaia... Era um saguão, um entra e sai de gente, ninguém tava
assistindo.
L.
Aí teve um concerto numa escola de música, a con- M.
vite da Maria José Carrasqueira. Mas não foi a primeira popular que a gente tocou,
né? Foi a primeira sua.
M.
Isso foi em 1992?... 1991!! L.
Sim.
S.
Aí pra esse concerto a gente convidou os alunos. Sei M.
lá... tinha umas 15 pessoas. Popular, acho que tinha Luiza, Cheguei, Remexen-
do...
M.
Mas normalmente os concertos do Sujeito é isso aí. L.
Luiza que é um arranjo incrível do Itamar Vidal.
D.
É a média! (risos) D.
Aí de quarteto vocês foram desenvolvendo, foram E o Starbright? veio quando?
tocando?
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L. M.
Um pouquinho depois porque eu vi que tinha qua- É, acho que foi um divisor do lance... porque re-
tro vozes aquela peça do Keith Jarrett, que eu adorava solvemos fazer uma música muito diferente... que foi
desde criança. onde o Luca entrou com a criação, a peça dele [Choro
Uma coisa que eu acho interessante mesmo é isso, a 4 para 8 palhetas].
porque os ensaios não eram ensaios, eram encontros Mas foi legal também porque foram fases.
pra conversar sobre o instrumento ou não... sei lá ou L.
ensaiava ou não. Não tinha meta. Isso é bom. Acho que era de abril ou março até dezembro.
M. D.
Então fui eu que estraguei tudo! E vocês tocaram muitas vezes?
L. L.
Não. Quando chegou um ponto que era pra ter meta, Foram 3 vezes. Tinha essa primeira prova eliminató-
o Montanha foi um gênio. Porque aí já tinha passado ria e nessa primeira prova tocamos Remexendo, Alfred
isso... era 1994. Já tinha o Prêmio Eldorado e o Monta- Uhl, Paul Harvey, etc...
nha insistiu: vocês vão estourar a idade pra participar E a gente entrou também com um espírito muito in-
do prêmio... teressante, sem expectativa.
Matéria da Capa
M. S.
Vocês estavam ficando véio. (risos) É, ganhou, ganhou... passou, passou!
L. M.
Acho que a gente fez esses dois concertos, depois Oba, deixaram a gente tocar! (risos)
não fez mais nada, além de um festival de música de câ-
mara na Santa Marcelina… antes do Prêmio Eldorado. D.
E todas essas fases tinham plateia?
D.
E existia algum grupo de clarineta? M.
S. Tinha bastante gente... era no Cultura Artística.
Tinha sim... eu toquei nos anos 80 no Municipal... o
Lambari escrevia alguns arranjos. Tocavam o Lambari, L.
o seu Gregório, o Batatão... então era sempre em quar- Chamava atenção porque era divulgado pelo Esta-
teto... no saguão do Theatro. dão, Jornal da Tarde e Rádio Eldorado.
N. Edmilson
Em Campinas a gente tinha um quinteto, né Monta- Agora, no meio do concerto final eu tive uma dor
nha? O Aldevino escrevia ali pra mim, pro Gilberto, pro de cabeça muito forte, e tinha a sensação que não ia
Robertinho. Em idos da década de 80, 89. aguentar tocar mais e foi... foi, fui até o final. E quando
Era o naipe de clarinetes da Orquestra Sinfônica de a gente saiu eu falei: cara eu vou morrer! Aí fui pro ca-
Campinas. marim, o Máximo subiu até lá e alguém foi perguntar se
tinha algum médico.
D. E aí foi o Zé Nogueira, produtor da Rádio Eldorado
Então você conhecia o Niva antes do Sujeito começar? que me levou pro hospital.
Quando voltei a gente não sabia que já tinha sido a
M. premiação. Aí a gente tirou uma foto depois comigo.
Eu fiz aula com ele. Eu tava todo aaahh...
D. L.
Em algum momento apareceu o Prêmio Eldorado, 15 dias antes da final do Prêmio Eldorado fomos
certo? contratados pela Prefeitura de Curitiba pra tocar no
20
Matéria de Capa
No topo da página, formação de quinteto (1996). Da esquerda para direita: Sergio Burgani, Edmilson
Nery, Luca Raele, Luis Afonso Montanha e Nivaldo Orsi. Foto: Cacalo Kfouri. Foto central, Quinteto no
ClarinetFest® 1998 em Columbus, Ohio. Em cima, da esquerda pra direita: Luca Raele, Nivaldo Orsi, Karl
Leister, Luis Afonso Montanha e Edmilson Nery; embaixo: Luis Rossi e Sergio Burgani. Na parte inferior da
página final do Prêmio Eldorado no Teatro Cultural Artística (1995). Da esquerda pra direita: Luis Afonso
Montanha, Luca Raele, Edmilson Nery e Sergio Burgani. Foto: Simone Maria Pires Cabrera.
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Teatro Paiol... risos D.
Concerto com cachê, com avião, com hotel... muito Você não tocava clarone. Você era da requinta, né?
bom! Tudo pronto pra final.
O Teatro Paiol é lindo... às cinco pras nove, vem uma N.
moça e fala: olha, não tem ninguém... aí a gente queria É, eu tocava requinta na Orquestra de Campinas.
ensaiar porque ia ter a final. Ela disse: então, se vocês
tocassem seria bom porque não é que não tem nin- M.
guém.... Tem uma pessoa e a gente não vai cobrar dela Quem tocava clarone na Orquestra de Campinas
porque ela mora aqui perto e ela tá na cadeira de rodas, era eu, o Nivaldo era o requinteiro lá.
ela sempre vem. Teria problema se vocês tocassem 20
minutos pra essa senhora? E.
Claro, sem problema. E tem a história do nome, né?
Quando entramos no palco tinha uma senhora na
cadeira de rodas e uma cuidadora. Comecei a falar o L.
que a gente ia tocar... falei um pouquinho. Nesse mo- O Serginho inventou o nome no primeiro ensaio. A
mento a senhora olhou pra cuidadora e falou: que que gente não tocava em lugar nenhum, mas você (Sergi-
ele falou?, e a ajudante respondeu gritando: ele falou nho) falava desse nome o tempo todo.
Matéria da Capa
isso e isso, e isso...(risos). A primeira vez que a gente gravou ainda não se cha-
Então a gente tinha uma pessoa que não escutava mava Sujeito a Guincho. Foi no segundo disco do Nou-
bem e a cuidadora que estava lá obrigada... esse era o velle Cuisine, na Suíte 1. No meio da faixa de repente
nosso público. aparecem quatro clarinetes tocando...
Com 20 minutos elas foram embora.
M.
S. A gravação em Tatuí foi fatídica, né? Foi em seguida
Foi um ensaio geral de luxo! do prêmio.
M. E.
Ninguém reclamou! Aí caiu um temporal... (risos)... aí a gente parou...
alagou tudo... e o Montanha foi tirar o carro [da água]
D. e voltou todo molhado.
E como o grupo passou de quarteto para quinteto?
S.
N. Encharcou... pôs só um lençol, tirou a camiseta. Ele
Quando eles [quarteto] ganharam o concurso, o gravava, parecia um fantasma. Fez um buraco no len-
Montanha voltou pra Holanda, e logicamente havia çol e enfiou a cabeça.
vários concertos a cumprir em virtude do prêmio. E é
aí que eu entro na jogada. A primeira vez que eu toquei E.
com o grupo foi pra gravar o Remexendo que era pra 5 O clarone deu problema né? Começou a falhar....
clarinetas. E, nossa, pra mim foi uma joia que me acon-
teceu aquele ano. S.
A gente tentou consertar o clarone.
S.
Só um adendo, ele [Nivaldo] está em teste até E.
hoje! Risos Aí chegamos no hotel, o Montanha foi pegar o clari-
nete, aquela água escorrendo.
N.
É, eu me esforço, né? É bom, que me inspira a estu- D.
dar, entendeu? Tô há 30 anos estudando... Aí, feita a gravação, o Montanha voltou pra Holanda,
Com a ida do Montanha pra Holanda foi que o claro- certo? E ficou quanto tempo mais?
ne caiu de paraquedas pra mim.
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Matéria de Capa
Acima, Concerto no Sesc Pinheiros (2016). Da esquerda
para direita: Sergio Burgani, Luca Raele, Luis Afonso
Montanha, Diogo Maia e Edmilson Nery. Foto: Alana
Moraes. Abaixo e à esquerda, foto de divulgação do CD
Die Klarinettmaschine (1999). Em cima: Sergio Burgani,
Nivaldo Orsi e Edmilson Nery; embaixo: Luis Afonso
Montanha e Luca Raele. Abaixo à direita, final do Prêmio
Eldorado (1995). Edmilson de volta do hospital para
receber o troféu. Da esquerda para direita: Sergio Burgani,
Luis Afonso Montanha, Edmilson Nery e Luca Raele. Foto:
Simone Maria Pires Cabrera.
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Foto de divulgação
do CD Die
Klarinettmaschine
(1999). Em cima:
Sergio Burgani,
Edmilson Nery;
Matéria da Capa
embaixo: Luca
Raele. Luis Afonso
Montanha e
Nivaldo Orsi.
M. D.
Ah, ainda fiquei um ano, um ano e meio. E isso se reflete bastante no segundo CD né, no Die
Klarinettemaschine? Inclusive esse CD tem a Pipoca.
L. Como é a história dessa composição?
Aí o Nivaldo tocou de quarteto com a gente um tem-
pão. Arrasou. L.
A pipoca surgiu no Festival Música Nova.
S. A gente conversou no camarim: e se tiver um bis?
Acho que o Sujeito se fortaleceu nessa fase, né? 1 Ah, vamos fazer uma música contemporânea só com
ano. notas curtas e numa região do instrumento?
D. S.
Aí quando o Montanha voltou não quiseram tirar o A gente estava esperando entediado no camarim e
Niva? cada um começou a fazer: pó, aí o outro: pó. Começou
essa brincadeira...
L.
Não tinha como!!! L.
Era só combinar quando vai mais, quando vai me-
D. nos. A gente não tocou lá na hora. Ninguém pediu bis.
Por que vocês passaram a usar 2 clarones? Só fomos tocar na gravação do disco, e o nome veio por
isso, pipoca, e inventamos o nome do compositor que
M. é o Sahujiro Yoki.
Não era obrigatório, mas esse lance de usar [o claro-
ne] era pra você [Luca] usar mais... usa mais o clarone!! D.
Quando voltei da Holanda, eu vim com uma outra E vieram algumas oportunidades de tocar no Clari-
percepção do instrumento, do que dava pra fazer. netfest, né?
L. L.
O Montanha estimulou muito. O primeiro Clarinetfest em que fomos foi em 1997,
antes de gravar o CD.
24
M. D.
Esse foi um lance do Ricardo [Freire]. Coincidiu E então em meados dos anos 2000 o Edmilson foi
também de estar lá o [Henri] Bok, Selmer, Ricardo, se afastando por conta da distonia focal, né? E nesse
Paulo Sérgio Santos. E o Ricardo então aprontou esse meio tempo quem tocou?
lance Brazilian Night! Mais o Bruno Dourado no Pan-
deiro e o Zilmar Gustavo no violão. L.
Tivemos a participação incrível do Tiago José!
L. Em 2003, a Mônica Salmaso chamou a gente pra to-
Esse foi em Lübock, no meio do Texas. Na primeira car no Sesc. Aí em 2005 o Edmilson não pode tocar, e
música que é o Chiclete com Banana, o pessoal levan- a embaixada do Brasil em Washington contratou um
tou como se já tivesse acabado o concerto, e tava bem concerto. E além desse concerto teve um outro num
cheio... teatro cheio. Tudo clarinetista... a gente tava teatro grande em Miami. Esses dois concertos foram
assim [nervoso]. com a Mônica.
D. S.
Vocês tiveram mais atividades? É que a gente tava procurando alguém pra fazer essa
viagem. E o Tiago tocou nos concertos seguintes com
Matéria de Capa
L. aquele repertório.
Ah, teve um concerto em Miami antes.
D.
D. Mais tarde eu passei a participar também...
Esse foi o primeiro Clarinetfest que vocês foram,
houve outros né? O segundo foi onde? S.
Qual foi seu primeiro concerto?
L.
Ohio. D.
Foi na Caixa Econômica Federal, lá no centro!
M. Aí fiquei ficando! Já fui com vocês pra Moscou, Ilha-
Essa é uma lembrança eterna. bela, Poços de Caldas. Sempre com alguma história.
E. L.
É... em Ohio, teve esse concerto. O Richard Stoltz- Depois tivemos a volta emocionante do Edmilson
man estava nesse festival e ele ia fazer o encerramen- pro grupo! Depois de alguns anos afastado da música
to. E nessa época a gente era muito fã dele. E quando a você retornou com seu som habitual... pelo qual os cla-
gente saiu depois do nosso concerto ele tava ajoelha- rinetistas te reconhecem.
do...
E.
N. Foi um concerto no Sesc Santana.
Ele foi muito simpático!
D.
D. E nesses últimos anos, a gente teve alguns clarine-
E o terceiro Clarinetfest que vocês foram foi por tistas que tocaram com o grupo: Daniel Oliveira, Alê
essa época também? Ribeiro, Proveta.
L. S.
2001. Logo antes da queda das Torres Gêmeas. Podíamos lançar um play along do Sujeito. Aí o cara
já estaria pronto pra fazer um cachê no grupo... podía-
S. mos fazer com todas as vozes dos arranjos e composi-
A gente subiu lá! O festival foi em agosto e as torres ções.
caíram em setembro!
25
26
Crônica
A clarineta, o
guincho e o trauma Por Luca Raele
Crônica
primas à clarineta, que infelizmente contam-se nos de- trios quartetos, etc, até corais de clarineta - conjun-
dos. De Beethoven temos muito menos, assim como tos estes capazes de prover o acolhimento necessário
Schubert, Mendelssohn e outros primeiros românti- àquele tipo humano acima mencionado. Vemos en-
cos. Foi preciso muito tempo até que Brahms, pouco tão a clarineta aparecer com brilho, por um lado na
antes de morrer, como Mozart, descobrisse a clarineta, criação de grandes momentos do gênero jazzístico,
a ela dedicando lindas, porém poucas peças. Infeliz- do choro brasileiro, de músicas de vários países, des-
mente os clarinetistas acabaram por se acostumar à de os Bálcãs até o Caribe, e por outro lado na ativi-
ideia, rendendo-se às numerosas, porém pouco inspi- dade camerística, promovendo novos compositores
radas contribuições de Weber, Spohr, etc. e arranjadores.
Por outro lado, na orquestra sinfônica a clarineta Especificamente sobre esse último fator, devemos
mantém-se também ofuscada por flautas, oboés, e, por mencionar um dos traumas que aos poucos o clarine-
vezes, até fagotes, acreditem ou não. Os oboés ditam tista vai superando: o guincho. Ao lidar com esse pro-
a afinação da orquestra (algo que requer ainda expli- blema que remonta à gênese do instrumento, provou
cação), e, junto às flautas e fagotes assumem grande ser muito benéfico o agrupamento homogêneo, que
parte da liderança no repertório clássico e romântico, tende a libertar o músico do sentimento oceânico de
cabendo à clarineta momentos de alternância do co- fracasso imediato e perene capaz de acometê-lo ao
lorido orquestral ou reforço de amálgama junto aos guinchar. Como disse certa vez Sérgio Burgani, “o guin-
diversos naipes. Nesse último caso, poucos ouvintes cho é como um raio que cai”, e esta imagem diz bem
diriam estar ouvindo a clarineta, por sua camaleônica a magnitude da impressão que o músico tem de sua
maleabilidade. falha: algo que remete à “fúria dos elementos” e ao pâ-
Talvez o posicionamento da clarineta acima descri- nico atávico do ser humano frente ao desconhecido. O
to tenha contribuído para a construção paulatina do guincho traz de maneira concentrada a sensação da es-
perfil psicológico do típico clarinetista. Segundo inú- curidão numa caverna em meio à tempestade. Por isso
meros testemunhos, este instrumentista é visto como é tão importante a reunião de pares capazes de trazer
alguém introvertido, muitas vezes taciturno, recolhido luz naquela hora, oferecendo compreensão e seguran-
em certa timidez, como se perguntando se mereceria ça, uma vez que não só aquele que guincha, mas todos
um lugar na orquestra (muitas obras não contam com estão Sujeitos a Guincho. Neste caminho, longo por si
a clarineta), ou quiçá no mundo (em alguns casos seve- só dada a dimensão da tarefa, o grupo de clarineta tri-
ros). O fato do século XX ter inaugurado uma nova fase lha seu repertório, em grande parte feito por si, uma vez
de valorização da clarineta, escolhida pelos mais im- que esquecido pela história.
27
Henri Bok foi professor do Conservatório de
Rotterdam entre 1981 e 2015. Esteve presente
em encontros brasileiros de Clarinetistas e
Claronistas, desde 1997, tornando-se a principal
referência para o clarone no Brasil.
Sujeito a guinchos
Clarone
precisamos trabalhar o nosso controle, conhecimento Qualquer clarineta tem uma seção de fundamentais
e consciência. Quanto mais descobrimos sobre o fun- e uma seção de harmônicos. A seção de harmônicos é
cionamento do nosso instrumento e sua acústica – de (muito) maior do que a seção de fundamentais, por-
forma teórica e prática -, mais possibilidades temos que as fundamentais podem produzir uma quantidade
para o controle das alturas, do timbre, dos coloridos e, considerável de harmônicos. Ao contrário da maioria
portanto, para a expressão musical. Ampliar o conhe- dos outros instrumentos de madeira, tais como a flau-
cimento prático, ou melhor dito: ampliar o conheci- ta e o saxofone, que a seção de harmônicos começa
mento baseado na prática, é e deve ser um componen- na oitava e são capazes de produzir harmônicos pares
te importante de qualquer sessão de estudo. e ímpares, os clarinetas só podem criar harmônicos
ímpares (até ao décimo-quarto harmônico que pode
A experimentação frequentemente revela algo ines- ser soado). Em um clarineta soprano, a seção de fun-
perado. Recentemente, quando eu estava procurando damentais começa com Mi2 (o Mi mais grave do ins-
alguns detalhes para este artigo e estava experimen- trumento, o Mi na primeira oitava) e termina com Sib3
tando variantes de harmônicos para notas na quarta (o Sib na segunda oitava): uma oitava mais uma quinta
e quinta oitavas, várias melodias surgiram do nada. A diminuta. Em um clarineta baixo, a seção de funda-
procura de uma série de fundamentais diferentes para mentais começa com Dó2 e termina também com Sib3:
produzir determinados harmônicos me levou ao que uma oitava mais uma sétima menor. Em todos os cla-
28
rinetas o Si3 é o primeiro harmônico e assim o início
da seção de harmônicos (mesmo dedilhado que Mi2,
acrescentando a chave de registro para facilitar a pro-
dução do Si3).
https://youtu.be/9TDiGaRmk5k
Clarone
chamada de primeiro harmônico. Como indicado
acima, os clarinetas não podem produzir harmônicos
pares, tais como Mi3 (que é o segundo harmônico)
ou Mi4 (que é o quarto harmônico), portanto Si3 é
o terceiro harmônico, Sol#4 é o quinto harmônico,
Ré5 o sétimo harmônico, e assim por diante. Embora
todas as notas vistas na figura 1 sejam harmônicos da Áudio exemplo 1: Sete padrões de dedilhado de fun-
fundamental Mi2, elas não são necessariamente to- damental que podem ser usados para soar o harmôni-
cadas como um harmônico do padrão de dedilhado co Dó6
da fundamental para Mi2. Como mostra a figura 2, o
segundo harmônico, Sol#4, também pode ser pro- Quando as notas são produzidas seguindo a abor-
duzido como o terceiro harmônico da fundamental dagem fundamental-harmônico, espera-se que a nota
Dó#3, com a ajuda da chave de registro, e o terceiro siga as regras da série harmônica natural. Isto significa
harmônico, Ré5, pode ser tocado como o quinto har- que, em comparação com a afinação de doze tons de
mônico da fundamental Sib2. igual temperamento, algumas notas são baixas, outras
altas, seguindo as regras matemáticas da acústica (por
exemplo, o sétimo harmônico é baixo e o décimo pri-
meiro harmônico é alto). Tradicionalmente, a escolha
do padrão de dedilhado a utilizar para notas superio-
res ao Sib3 no clarineta baixo, tem sido feita pela sua
facilidade de produção, facilidade de articulação, e
boa entonação.
Para a maioria das notas que são tocadas como har-
mônicos é possível utilizar uma série de diferentes Na Parte Dois de Sujeitos a Guincho irei explorar
padrões de dedilhado para produzir a nota. Estes pa- ainda mais a vasta gama de harmônicos na quarta e
drões de dedilhado baseiam-se nas diferentes funda- quinta oitavas do clarineta baixo, elaborar sobre os
mentais que incluem a tonalidade requerida nas suas requisitos de embocadura para soar os harmônicos, e
séries de harmônicos. Este fenômeno é especialmente fornecer uma série de exercícios e rotinas para a pro-
prevalente a partir do Dó#5. dução de harmônicos do clarineta baixo.
29
Lúcia
Morelenbaum Por Rosa Barros e Cesar Bonan
Entrevista
Carioca nascida numa família de músicos, Lúcia pai uma clarineta. Ele disse que teríamos que experi-
Morelenbaum é a entrevistada desta edição da Revista mentar primeiro e falou para procurarmos o Botelho
Clarineta. Com sua importante história, é figura de des- que foi aquela simpatia que ele é, né? Ele arrumou uma
taque pelos muitos anos que integrou o naipe da Sinfô- clarineta, uma boquilha e começamos a ter aulas. A
nica Brasileira. Filha de Henrique e Sarah Morelenbaum, gente tinha a mesma clarineta, a mesma boquilha e as
irmã de Jacques e Eduardo, Lúcia nos conta aqui como mesmas palhetas.
foi sua trajetória como clarinetista e educadora.
Além do Botelho você estudou com outros clari-
Lúcia, como foi a sua iniciação musical e quando a netistas?
clarineta entra na sua vida? Pouco tempo depois, eu já estava na Escola de Mú-
Bem cedinho, me colocaram num curso de musica- sica da UFRJ fazendo licenciatura em educação musi-
lização com Helder Parente. Foi maravilhoso! Depois, cal e resolvi estudar clarineta com o Zé Carlos, como
meu pai me colocou para estudar violino com a pro- instrumento B, mas eu continuava estudando com o
fessora dele, Paulina D’Ambrósio, mas eu detestei to- Botelho também. Eu participei de vários festivais em
car violino. Mais tarde, estudei piano com a Salomea Brasília, onde tive muitas aulas com o Gonzaguinha.
Gandelman, e, em seguida, estudei harpa até 1976. Ele era o máximo, um doce de pessoa. Então, eu pra-
Nesse ano, me inscrevi no Festival de Verão de Curi- ticamente tive aulas com Botelho, Zé Carlos e Gonza-
tiba como aluna de harpa, mas não conseguiram um guinha. Mas se você me perguntar: quem é seu profes-
instrumento para o festival. E aí, como eu era pianista, sor? É o Botelho! Quando criaram o curso de clarineta
me inscrevi no curso de piano e no curso de cravo para na UNIRIO, eu fui para lá fazer bacharelado com ele.
estudar com o Roberto de Regina, além de oficinas de O Botelho sempre foi um professor muito liberal.
canto coral. Neste ano, um quinteto de sopros alemão Ele se guiava muito pelo jeito de cada aluno, sabe? E eu
participou do Festival e eu e meu irmão Eduardo, que adorava! Eu dizia o que queria estudar e a seguiamos
também estava nas oficinas de piano, nos encantamos seguindo um plano. Algumas coisas, obviamente, ele
com o som da clarineta. tinha que dar e eu tinha que tocar. Tinha um programa
Na viagem de volta para o Rio, eu falei para o meu ir- parecido com o da Escola de Música, com os métodos
mão, que hoje também é clarinetista, que, quando che- de estudos e repertório também, mas ele me dava mui-
gasse no Rio, eu iria estudar clarineta e ele falou: “eu ta liberdade para a escolha de repertório e de estudos.
também!” Chegando no Rio, nós pedimos para nosso Era ótimo! Não tenho o que reclamar.
30
Ao lado, nossa entrevistada
clicada pela câmera do
fotográfo Dario Zalis.
Entrevista
31
nervosa. Eu não tinha aquele compromisso, não era da
Entrevista
32
o Norton Morozowicz na flauta e o Noël Devos no fa- lando com uma mulher”. Mas teve um episódio que
gote. O naipe de clarinetas era incrível. Era o Botelho, o achei chato enquanto mulher que foi quando me casei.
Freitas, o Zé Carlos e o Raymundo. Só tinha gente muito Eu tive direito a uma semana de lua de mel e, quando
boa! Então eu estava muito atrás. O que eu tinha de bom voltei, ouvi umas coisas muito chatas. Uma vez me fa-
era a leitura e a vivência musical, porque era um prepa- laram assim: “toca aí em segunda clarineta. Quero ver
ro de anos e anos com piano. Mas eu tinha dificuldades se depois da lua de mel você ainda sabe tocar”. Eu não
técnicas muito grandes para vencer e me sentir bem to- gostei disso, dessa maneira de falar e foi a única coisa
cando ali. Só que tive que vencer esse desafio dentro da assim que me marcou, mas acho que nunca senti pre-
orquestra, e sofri muito com isso. Às vezes, tinha crises conceito em relação ao fato de ser mulher, de ter filhos.
de me achar a pior, de pensar que nunca conseguiria. Era sempre uma relação bem legal.
Acho que todo mundo passa, mas nem todos falam. Eu
não tinha vergonha. Eu falava, chorava, e ligava para o E como foi conciliar a maternidade com a clarineta?
Botelho dizendo que precisava ter aula, tinha aulas com Não foi fácil! Quando me formei no bacharelado na
trompetista para aprender a ter mais ar. Eu tentava me UNIRIO, em 1986, eu tive que fazer um recital grávida.
virar porque havia muita exigência. Meu filho nasceu em janeiro e tive que tocar um recital
em dezembro. Eu conversei com o diretor na época,
Em seus 35 anos na OSB, a sua atuação sempre foi falei do meu barrigão, do calor e não tinha ar-condi-
como segunda clarineta, certo? cionado. Ele disse que, se eu não fizesse o recital, não
Eu sempre toquei segunda clarineta na orquestra. me formaria. Então tive que tocar com aquele barrigão
Entrevista
Fora da orquestra, sempre toquei primeira clarineta, e foi difícil. Eu me lembro uma vez que estávamos to-
porque tocava muita música de câmara. Eu tive quin- cando 1812, de Tchaikovsky, na Quinta da Boa Vista e
tetos, trios de sopros, trio com viola e piano, duos. Teve tinha os canhões. Na hora dos tiros dos canhões, tive
um momento em que o maestro me convidou para ser que parar de tocar e segurei minha barriga porque o
primeira, mas pensei e não aceitei, porque tive três fi- neném mexia. Eu tive outra situação também quan-
lhos. Eu sempre quis ser mãe em tempo integral e fazer do o meu terceiro filho nasceu. Ele nasceu dia dezoi-
música de câmara. Aí eu falei: “não, eu estou feliz aqui to de julho e dia dezessete a gente tinha um concerto.
fazendo esse som mais grave”. A segunda clarineta tem Eu estava indo para o palco e falei para o inspetor que
sorte pois, entre os segundos dentro das madeiras, é o precisava ir ao banheiro. Eu fui ao banheiro e não con-
instrumento que mais faz solos. Faz muito mais que a seguia sair. Eu estava com cólica e ele chegou lá, bateu
segunda flauta, o segundo oboé ou o segundo fagote. na porta me chamando porque todo mundo já estava
Então, me sentia feliz fazendo meus solos ali e acabei no palco. E aí, eu fui para o palco, sentei e o Botelho
nunca indo para a primeira clarineta. A não ser quando me perguntou se estava tudo bem, me falou para tocar
alguém faltava, quando alguém ficava doente. Mas não o que fosse possível. Toquei só os solos. Nos tutti, eu
tinha aquele objetivo. Eu estava feliz no meu lugar e fingi que toquei. Saí do concerto cheia de contração e
assim permaneci durante trinta e cinco anos. E sempre dali já fui para a maternidade. Momentos marcantes
fiz muita música de câmara. Eu acho que música de câ- para clarinetistas mulheres, né? Até hoje meus filhos
mara realmente é a melhor coisa que tem, melhor do brincam comigo que era muito chato ficar escutando
que a orquestra. enquanto eu estudava. Eu tocava as mesmas coisas
Eu me lembro que, em um ensaio, o Noël Devos fa- todos os dias, aquela técnica diária, e eles diziam que
lou com o Botelho assim: “ela leva muito jeito, ela vai eu nunca aprendia: “mas você nunca aprende, porque
ser muito boa” e realmente acho que tinha muita fa- você repete todo dia, mesma coisa, né?” Eu os coloca-
cilidade de afinar e de tocar com o outro pela minha va no tapetinho e estudava. Havia estudo de tocar pia-
experiência de música de câmara . no, pianíssimo para não incomodar muito eles. Eu fui
sempre cuidando deles e trabalhando.
Como era a sua convivência enquanto mulher na
orquestra? Na sua opinião, por que há tão poucas mulheres
A minha convivência enquanto mulher era boa. Um atuando nas orquestras profissionais?
colega, que já faleceu há muito tempo, falava assim: Eu acho que os clarinetistas de orquestra, em geral,
“teu som está muito bonitinho hoje” e aí, logo depois, vêm das bandas e eu acho que a gente não tem, no Bra-
ele corrigia: “ah, não posso falar bonitinho. O som está sil, uma cultura de mulher tocando em banda. Eu acho
muito bom. Não posso falar como se eu estivesse fa- que a clarineta é vista como instrumento de pessoas
33
Foto da esquerda, a esquerda para a direita: Thiago Tavares, Lúcia Morelenbaum,
Cristiano Alves e Fernando Silveira, a direita Lúcia toca com sua neta.
Entrevista
de nível mais baixo. Eu fico triste quando sinto isso. Eu início elas aprendem as claves de Sol e de Fá. O cérebro
dei alguns cursos pelo Sesc em Boa Vista, em Roraima, vai aprendendo a escutar todas as vozes. Elas vão tocar
em Teresina, Piauí, e lá, nos meus cursos, eu tinha mui- a duas vozes, depois a três e a quatro. Isso desenvolve o
tas alunas mulheres, porque eu acho que, nesses esta- cérebro e educa o ouvido harmônico. Você aprende a
dos do Norte e Nordeste, eles têm mais essa cultura de ouvir uma voz que toca piano, uma outra voz que toca
mulheres em banda. Eu acho que, do Rio de Janeiro, forte. Uma voz que é grave de repente está tocando pia-
de São Paulo para o sul, não tem muito essa cultura de no e a voz que é o aguda está tocando forte. Você aprende
mulheres em banda. todas essas diferenças que com instrumento melódico,
você não consegue, não tem como. Eu mesma coloquei
E falando em educação musical, como foi esse tra- um dos meus filhos no método Suzuki e depois tirei do
balho? violino e coloquei na aula de piano. Nenhum dos meus
No início do meu trabalho de música, eu dei aulas de filhos seguiu a carreira musical, mas todos amam e to-
musicalização na Pró-arte, criei o curso de musicaliza- cam, mas, enfim, eu queria que eles tivessem uma boa
ção na Escola de Música Villa-Lobos, trabalhei na escola educação musical, que tivessem ouvidos educados.
de balé da Dalal Achcar com música para as bailarinas
e em escolas particulares. Depois eu trabalhei no pro- Você quer deixar algum recado para os jovens cla-
jeto da Casa de Artes de Paquetá dando aulas de clari- rinetistas?
neta. Depois que me aposentei, criei meu estúdio em Eu acho importante dizer para os jovens que, apesar
casa, onde dou aulas de piano, trabalho com crianças de todas as dificuldades, eles têm que ter sempre em
com autismo e outras deficiências. Aí, eu uso a clarineta mente novas possibilidades de trabalho. Não podemos
como material lúdico, assim como o piano e outros ins- viver de sonhos. A clarineta pode, perfeitamente, ser
trumentos, né? Eu gosto muito dessa parte de educação. um a mais na vida, não tem problema. Mas eu fico com
muita pena quando vejo um aluno super talentoso que
Você acha que fez diferença para você ter tido esse só pensa na clarineta, só faz isso e, de repente, só tem
processo de musicalização desde cedo, tocando uma vaga na orquestra. Onde é que ele vai trabalhar? E
um instrumento harmônico? Talvez seja isso que aí bate aquele desespero. Eu acho que o jovem deveria
tenha feito a diferença para ter facilidade para afi- sempre ter em mente possibilidades de trabalho jun-
nar, de ser natural tocar com naipe? to com a vontade, com amor pelo instrumento. E sem
Com certeza eu acho e, quando os pais me pergun- perseverança e sem esforço a gente não consegue che-
tam, digo que todo mundo deveria começar estudando gar em um lugar, mas com perseverança e com esforço
piano. Eu começo com crianças de seis anos e desde o a gente sempre consegue chegar em algum lugar!
34
Você sabia que... por Rosa Barros
Existem palhetas de
material sintético?
Sim, elas podem ser uma boa alternativa para as palhetas de cana que, em geral, du-
ram pouco, quebram fácil e sofrem com as alterações de humidade e temperatura. Atu-
almente várias empresas fabricam essas palhetas. É possível encontrá-las em material
sintético, plástico ou até mesmo palhetas híbridas que são feitas de cana mas recebem
uma camada de material sintético com a intenção de prolongar sua durabilidade. Entre
as marcas mais conhecidas estão a Fibracell, Légère, Rico Plasticover e a brasileira Le-
gato Palhetas. Há uma série de materiais, marcas, modelos e numerações e, assim como
as palhetas de cana, a qualidade e o preço variam muito, mas vale a pena experimentar.
A formação de
clarinetistas na
Congregação
Cristã do Brasil por Cesar Bonan e Ricardo Dourado Freire
A
Formação
Congregação Cristã do Brasil foi fundada Para aprender na igreja, você passa por algumas eta-
pelo italiano Luiggi Francescon em 1910, na pas: a primeira é a escolinha, quando se aprende teoria
cidade de São Paulo. Hoje possui 20.454 tem- e tem os primeiros contatos com o instrumento. De-
plos em todos os estados brasileiros e estima-se que pois, você faz uma prova para começar a participar dos
250 mil músicos participam das atividades musicais. A ensaios. Em seguida, você faz outra prova para partici-
pesquisadora Yara Monteiro menciona na revista Es- par das reuniões de jovens e depois você faz a oficia-
tudos de Religião que a formação musical básica se faz lização para poder tocar nos cultos. Na escolinha, as
por meio do ensino musical gratuito ministrado den- turmas são abertas a cada semestre. As crianças vêem
tro das próprias igrejas. Mesmo nos locais mais pobres as pessoas tocando, vão se interessando e começam a
e distantes das capitais sempre é possível encontrar estudar. Quando comecei, havia aulas teóricas sema-
grupos de músicos e orquestras capazes de executar nais, que duravam cerca de uma hora, com um grande
todos os 450 hinos de forma adequada.” grupo, e em seguida separavam para aulas de instru-
mentos. As aulas eram aos sábados à tarde, e os mú-
Nesta edição, trazemos a trajetória do jovem clari- sicos mais velhos na igreja se tornavam os instrutores,
netista Rafael Esparell que, aos dezessete anos, atua na sendo que na minha igreja não tinha nenhum músico
Orquestra Jovem do Estado de São Paulo e estuda na profissional.
Escola Municipal de Música de São Paulo (EMESP),
com o professor Otinilo Pacheco. O relato dele ilustra Na orquestra, todo mundo toca o que está escrito. O hi-
a trajetória e o processo de formação dentro da estru- nário tem muitas composições que foram ou são feitas
tura da CCB. por pessoas da CCB, mas acontece de encontrarmos
melodias de outros compositores, como Beethoven
Com a palavra, o próprio Rafael: e Mendelssohn, por exemplo. A música acompanha o
culto do início ao fim. Antes do culto começar, tem o
Os meus pais já tocavam, eu via os irmãos tocarem hino do silêncio, que é uma música instrumental toca-
na igreja e tive vontade de começar a tocar também. da pela orquestra. O hino do silêncio pode ser cantado
Comecei tocando requinta, aos sete ou oito anos. também, mas é feito de forma instrumental. Depois,
Minha mãe, Claudeli Mariano, é formada em flauta tem mais ou menos seis hinos durante o culto que os
pela UNESP e meu pai, Ronaldo Esparrell, é clarine- fiéis cantam junto com a orquestra. Ao final, tem mais
tista. Ele tocou na Banda Jovem do Estado, estudou um hino do silêncio tocado pela orquestra. A partici-
com o prof. Rafael Galhardo Caro (Batatão), e hoje pação não é remunerada. É totalmente voluntário. É
trabalha como luthier de instrumentos de sopros. tudo pela obra.
36
Ao lado, o clarinetista Rafael Esparrell
e, ao fundo, o maestro Claudio Cruz;
no centro à esquerda, Rafael Esparrell
e o clarinetista Rafael Claudio.
Formação
37
Adaptação de dobrados
para quarteto de clarinetes:
uma alternativa para a prática camerística
em bandas de música. por Rafael Fonte
musicais e extra-musicais inerentes às bandas milita- ne Branco, Quatro Dias de Viagem e Bombardeio da
res em seu dia a dia, essa questão acaba ficando em Bahia. Para tanto, decidi realizar um estudo de caso
segundo plano. Para quem não sabe, os músicos de com clarinetistas de uma banda militar de São Paulo
uma banda militar, muitas vezes, se ocupam de reali- a fim de testar as adaptações dos dobrados supracita-
zar atividades administrativas e operacionais dentro dos e observei, por meio de entrevistas, que todos os
e fora dos quartéis, não tendo, assim, tempo hábil de músicos participantes as receberam de modo positi-
ensaio para realizarem um trabalho musicalmente vo. Além disso, os clarinetistas entrevistados concor-
minucioso. No entanto, tenho observado que a prá- daram ser de suma importância reservar um período
tica da música de câmara nas bandas militares pode dentro da rotina da banda para a prática camerística,
ser um caminho profícuo para se alcançar este refi- tendo em vista o aperfeiçoamento continuado do
namento. Percebo, por meio da experiência no naipe músico e o melhoramento da banda.
de clarinetas, que a prática musical com um número Com isso, intenta-se fomentar a criação de outros
reduzido de instrumentistas é benéfica no sentido de grupos de música de câmara que utilizem o repertório
tornar mais acessível a correção focalizada de aspec- de dobrados, por vezes esquecido, a fim de ser utili-
tos musicais. E por que não utilizar para esta prática o zado, não somente nas bandas de música militares,
repertório cotidiano das bandas, o dobrado, adapta- mas também nas bandas civis e escolas de música. A
do para quarteto de clarinetes? título de curiosidade, ainda há diversos dobrados em
O dobrado é um estilo de marcha que se originou arquivos de bandas de igrejas, bandas militares e civis
do passo dobrado português. Este gênero, ao chegar se perdendo com a ação do tempo, que poderiam ser
em terras tupiniquins, recebeu tantas influências re- resgatados para a realização de projetos como o ex-
gionais que se afastou do seu modelo europeu, de posto neste texto. É importante ressaltar que as infor-
modo que, por meio de diversas características dis- mações aqui trazidas fazem parte do produto final do
tintas de sua origem lusitana, tornou-se uma marcha Mestrado Profissional em Música realizado na Uni-
genuinamente brasileira, utilizada para musicalizar versidade Federal da Bahia (UFBA), sob a orientação
não só os eventos da caserna, mas se constituindo do Professor Dr. Pedro Robatto. Para saber mais, aces-
também como repertório comum de bandas civis. se o link abaixo:
Assim, com o objetivo de valorizar o repertório de
dobrados tradicionais e conhecer os benefícios da
prática da música de câmara no naipe de clarinetes, https://drive.google.com/drive/folders/1-PJqBCqyn-
tenho adaptado para quarteto de clarinetes dobrados RW8XTG4zscNv-EPtboBLPE6
38
Ao, lado Rafael Fonte. Abaixo, à esquerda, o pianista
José Artur e, à direita, o clarinetista Rafael Fonte.
Na foto central, da esquerda para direita: Francisco
Júnior, Rafael Fonte, Filipe Sales e Renata Garcia. Na
última foto, da esquerda para direita: Filipe Sales,
Renata Garcia, Rafael Fonte e Francisco Júnior.
Militares
39
Festival
Infantojuvenil de
Ilustrações Isabela Dias
40
A esquerda, Pedro Robatto e Hudson Ribeiro.
A direita e abaixo, clarinetistas participantes
e convidados no espetáculo de encerramento
do Museu do Mar Aleixo Belov.
Encontros
5º Colóquio
para Clarinetistas por Ricardo Dourado Freire
41
Lançamentos org. Batista Jr.
Brincadeiras
de soprar
A voz do Rosa Barros
Editora independente
clarinetista Neste livro, Rosa Barros propõe um conjunto de
atividades lúdicas que vão permitir, de forma diver-
Ricardo Dourado Freire
tida, que as crianças explorem as várias possibilida-
Editora: Sustenutto
des de soprar. São jogos que enriquecem a experiên-
cia da criança oferecendo oportunidades para que o
O livro A voz do clarinetista é mais do que desenvolvimento cognitivo esteja conectado com a
um método nos moldes tradicionais que diversão.
conhecemos. Ricardo Dourado Freire, re- Uma folha de papel pode tornar-se um tapete má-
conhecido clarinetista, professor e pesqui- gico que flutua no ar ao ser soprado ou uma zaraba-
sador, aborda nesta edição aspectos da sua tana que lança bolinhas de papel por aí. Através do
pesquisa pessoal como clarinetista, tendo sopro é possível mover as peças de um jogo de tabu-
como pressuposto a importância do corpo leiro, encontrar a saída de um labirinto e até ganhar
enquanto parte fundamental para a “voz do uma partida de futebol. As brincadeiras tradicionais
clarinetista” e construção da performance. da infância também são resgatadas, como as boli-
Fundamentos do estudo da clarineta como nhas de sabão, o catavento e os barquinhos de papel.
sonoridade, projeção, afinação, ressonância, Depois de todas essas experiências, um canudi-
entre outros, são examinados a partir das re- nho se transforma no Canudofone, afinal tocar um
lações acústicas do instrumento, acrescidos instrumento será sempre um grande divertimento,
de variados exercícios e sugestões práticas. uma grande brincadeira de soprar!
O livro ainda conta com uma caprichada
edição e apresentação visual, além dos rele- Disponível em: https://amzn.to/3GvE5JW
vantes referenciais teóricos utilizados.
Contato: sustenutto@gmail.com
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Guia
prático
de
Clarinete.PT escalas
Nuno Silva Cristiano Alves e Cesar Bonan
Editora: AVA Musical Editions Editora independente
O clarinetista português Nuno Silva, lança o livro “Cla- O estudo de escalas constitui-se como base
rinete.PT”, baseando-se parte em sua tese de doutorado fundamental para a construção da técnica na per-
e parte em suas experiências e aprendizados ao longo de formance musical. Este método se propõe em
30 anos de carreira como clarinetista e professor. desmistificar os contextos relacionados a esse
Inicialmente o livro foca em abordagens do processo estudo, visando auxiliar na aquisição de domí-
e aprendizagem, e assim apresenta o Contextual Interfe- nio do conhecimento por meio da execução de
rence Effect (CIE), que explora e analisa aspectos cogniti- mais de trinta escalas, através do entendimento
vos relacionados ao estudo da clarineta. Em um segundo melódico-harmônico e da memorização de suas
momento o autor discorre acerca de fundamentos do es- estruturas. São quase 200 páginas de exercícios e
tudo da clarineta, como embocadura, afinação, emissão conteúdo especificamente destinado à clarineta,
do som, palhetas, organização dos estudos, entre outros. requinta e clarone. Diferentes abordagens, tais
A edição tem o patrocínio das marcas Buffet Crampon como o uso das cores, foram utilizadas como uma
e D`Addario Woodwinds, das quais Nuno Silva é artista. proposta para auxiliar no entendimento e, conse-
O livro pode ser adquirido diretamente com o autor. quentemente, na construção do conhecimento.
Um clarone brasileiro
Mário Marques
Gravadora Experimental da Fatec (Tatuí-SP)
https://onerpm.link/295319883431
Lançamentos org. Batista Jr.
tiagohora@artway.pt
NORMAS PARA SUBMISSÃO
DE MATÉRIAS PARA PUBLICAÇÃO
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vídeo viral (que aliás, ninguém pode antecipar) ou no to de falar sobre esse assunto com o título em inglês,
desenho de várias estratégias para que as pessoas re- music business, porque primeiro é a música e depois
ajam à sua música online ou sigam você nas redes so- o business.
ciais, concentre-se em planejar cuidadosamente sua
proposta musical, isto é, que sua interpretação seja o Resolvi escrever este texto para lhe dizer para não se
melhor resultado de suas habilidades artísticas no mo- desesperar se você não tem, por enquanto, as possibi-
mento. Sem boa música você não pode construir um lidades de gravar música como outros colegas. Apro-
negócio. Que a sua gravação, álbum ou vídeo alcance veite os seus dias ouvindo novas músicas, praticando
um resultado do qual você se orgulhe, agora e daqui a exercícios técnicos que servirão a um propósito maior,
vinte anos. que é se expressar através da clarineta sem limitações
técnicas. Então, quando você tiver um novo projeto
É impressionante ver na internet as atividades ma- preparado - que pode ser desde a gravação de uma úni-
lucas que as pessoas estão dispostas a fazer para se ca obra até um show de duas horas com vinte músicos
tornarem populares, muitas vezes renunciando à sua atrás de você, certifique-se de que vai contar uma bela
dignidade. Pergunte a si mesmo: você cria música para história, com a qual você se sentirá satisfeito. Que toda
se tornar popular? Você quer fazer alguma coisa para sua família, amigos e o seu país se sintam orgulhosos
que as pessoas reajam à sua música? A verdade é que, do que você produz, mantendo sua integridade artís-
se você fizer isso, as pessoas vão reagir às suas loucuras tica e deixando todos querendo que você compartilhe
Dica do Mestre
por causa do quão divertidas elas são, e sua música vai mais trabalhos. E só então você pode usar ferramentas
para um segundo ou terceiro plano. E aqui você deve de negócios musicais para espalhar sua mensagem.
fazer uma reflexão muito íntima: Por que sou músico? Leve em consideração mais um detalhe: é bem pos-
Qual é a minha visão como artista? As respostas que sível que ainda não tenha nascido o público que vai
você ouve em sua cabeça devem ser levadas muito a apreciar sua música, sua interpretação. Por isso estou
sério, pois guiarão seu caminho e integridade como inclinado a produzir, embora pouco, mas com quali-
artista por anos. dade, e espero que resista ao tempo.
As redes sociais nos fazem acreditar que estamos É hora de ignorar as curtidas ou quantas vezes seu
perdendo coisas, que somos inferiores aos outros por vídeo foi visto como prioridade. Em vez de pensar e
sermos bombardeados com imagens de colegas e ami- gastar tempo para se tornar mais popular, direcione
gos que carregam vídeos de recitais, gravações caseiras essa energia para sua criatividade artística, seus en-
e até compartilham dicas de como serem melhores saios e sua prática pessoal. O público vai te encontrar e
músicos. Todo mundo faz coisas, exceto eu! E você te seguir pela sua sensibilidade musical e por perceber
sabe o quê, está tudo bem. Não há urgência em criar ví- que sua proposta é honesta. Tenha paciência.
deos, gravar músicas, compartilhar tudo o que você faz
durante o dia. Respire e sorria, pois é preferível e mais Lembre-se sempre: primeiro a música e depois os
saudável compartilhar pouca música de alta qualida- negócios.
de do que qualquer coisa porque “você precisa criar
conteúdo”. Você não é um músico melhor porque car-
rega muito conteúdo. Você é um bom músico porque
tomou a decisão de honrar esta arte com dedicação
e realizar seu sonho, seu propósito. Ser músico exige
que nos dediquemos à música e isso não deve ser es-
quecido ou dado como certo. Marco Mazzini é um clarinetista peruano
formado no Conservatório Nacional do Peru e no
Todo curso de negócio da música deve começar Conservatório de Ghent. Criador e diretor do Clariperu
dizendo a você claramente que a prioridade é que que utiliza todo o potencial das redes digitais
você busque e atinja o nível mais alto em cada projeto para conectar clarinetistas de toda a américa latina.
que desenvolver, sem exceção. E é por isso que gos-
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