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Introdução
do texto maior. No dizer de Maria Berenice Dias, “agora, qualquer norma jurídica de
direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional”1.
A doutrina mais tradicional sempre interpretou a Constituição da República
como excluindo tanto o reconhecimento da união estável como do casamento
homossexual do conceito de família que ela protege. Tal interpretação deriva de uma
abordagem literal e restritiva do art. 226, § 3º da mesma, que, ao visar a dar proteção à
união estável, declara: “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar”.
É nesse sentido que raciocina Silvio de Salvo Venosa, ao defender que, “de fato,
no atual estágio legislativo e histórico da nação, a chamada sociedade homoafetiva não
pode ganhar status de proteção como entidade familiar.”2 Tal autor defende que deve
haver modificação social e legislativa para que se possa viabilizar o reconhecimento
jurídico da união homossexual.
Ainda nesta linha de entendimento, podemos citar a posição de Débora Vanessa
Caús Brandão, que rechaça a aplicação do princípio da igualdade para embasar a
extensão aos homossexuais do instituto da união estável, para em seguida afirmar: “O
texto constitucional não visou, em qualquer momento, à criação de outra posição (se é
que podemos assim dizer), além de homens e mulheres; portanto, à luz do ordenamento
jurídico brasileiro, as parcerias homossexuais não integram o direito de família”.3
Explicitando ainda mais seu posicionamento, declara que “somente emenda
constitucional tem competência para estender os mesmo direitos já conferidos às
famílias e entidades familiares às parcerias homossexuais”.4
Resumindo, esta doutrina mais tradicionalista enxerga o conceito constitucional
de casamento como se restringindo ao de pessoas de sexo diverso. Para esta posição, a
união estável entre pessoas do mesmo sexo só seria possível na ordem jurídica brasileira
mediante modificação do texto constitucional, através de emenda. E como a união
estável seria um reflexo do casamento, já que a lei deve facilitar sua conversão ao
mesmo, tampouco este se vislumbraria viável no cenário atual.
Entende-se, assim, por este ângulo, que a diversidade de sexos é parte intrínseca
do conceito de casamento presente na Constituição.
1
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2007.p.36.
2
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 408.
3
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2002. p. 125.
4
Ibid., p. 125.
6
De fato, ao prever, no art. 3º, IV, que desequiparações baseadas em origem, sexo
e raça, entre outros, são contrárias aos objetivos fundamentais do país, a Constituição
não deixou margem para discriminação jurídica baseada em orientação sexual. Desta
forma, à luz do princípio da igualdade, conclui-se que “a Constituição é refratária a
todas as formas de preconceito e discriminação, binômio no qual hão de estar
abrangidos o menosprezo ou a desequiparação fundada na orientação sexual das
pessoas”.8 Diante disto, não prevalecem argumentos que versem sobre padrões de
normalidade moral ou compatibilidade com valores cristãos, mesmo porque o próprio
texto constitucional os afasta ao estipular expressamente que o casamento é ato civil,
dentro de um Estado laico. Tampouco merece prosperar a tese de que a situação é
ontologicamente desigual por conta da impossibilidade de procriação dentro da relação
homossexual, uma vez que esta deixou há muito de ser considerada característica sine
qua non da entidade familiar (vide o casamento de pessoas estéreis), se tratando apenas
de mais um resquício da visão cristã do matrimônio.
Certo é ainda afirmar que a Constituição que protege a liberdade de religião, de
pensamento e de expressão não poderia deixar de tutelar a liberdade de estabelecer laços
familiares de acordo com a orientação sexual de cada indivíduo. Neste sentido, é
oportuno o ensinamento de Gustavo Tepedino, que ao analisar a nova tutela da família
trazida no bojo da Constituição, aponta como um de seus elementos a “liberdade (de
forma) para a constituição da família, vinculada à funcionalização (desta mesma
liberdade individual de planejar a convivência familiar) ao princípio da dignidade da
pessoa humana e à paternidade responsável.”9
Taísa Ribeiro Fernandes também aborda o aspecto da liberdade de constituição
familiar, nos seguintes termos: “Quando a Constituição reconheceu que a união estável
entre o homem e mulher é uma entidade familiar, merecedora da proteção do Estado,
estava se referindo a um modelo de criação da família, (...) sem, absolutamente, excluir,
desprezar ou proibir outros, dado que, neste tema, resguardada a moral e os bons
costumes, impera a liberdade, a autonomia das pessoas interessadas.”10
Gustavo Tepedino, continuando na análise dos princípios constitucionais que
devem ser aplicados às entidades familiares, especialmente no que diz respeito à
8
Ibid., p. 13-14.
9
TEPEDINO, Gustavo. [Opinião doutrinária]. Disponível em <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-
trabalho/dir-sexuais-reprodutivos/docs_atuacao/ parecer%20tepedino.pdf/>. Acesso em 12 de junho de
2009. p. 7.
10
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Ed. Método,
2004. p. 94.
8
11
TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 10
12
Representação disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/dir-sexuais-reprodutivos/
docs_atuacao/represent.05.12.2006.pdf/>
13
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 139.
9
14
TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 12.
10
15
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 54.
11
16
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 144.
12
sempre no interesse do casal e dos filhos”. Basta que se leia simplesmente “por ambos
os cônjuges” no lugar de “pelo marido e pela mulher”, pois a intenção do legislador, ao
enunciar o nome da mulher ao lado do do marido foi apenas a de deixar explícita a
situação de igualdade que ambos os parceiros gozam dentro do matrimônio.
Desta forma, conclui-se que é viável interpretar o Código Civil para que as
mesma normas existentes para regulamentação do casamento heterossexual se estendam
ao casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Por outro lado, se fosse necessário criar uma legislação especial que tratasse do
casamento homossexual como um instituto diferente do casamento que já temos hoje, aí
sim se criaria uma situação de desigualdade. Assim, o Projeto de Lei 1.151/95, que
atualmente tramita na Câmara de Deputados, e que visa a instituir a chamada “parceria
civil registrada”, pode ser visto como eivado de inconstitucionalidade. Por que criar um
gênero diferente de união para os homossexuais, se já existe em nosso direito um ato
que atende a seus interesses tanto quanto ao de heterossexuais? Por que presumir que a
situação demandaria uma resposta legislativa diferenciada, com conseqüências jurídicas
mais restritas? Não há real motivo para invocar aqui uma desequiparação, a não ser o do
conservadorismo, que resiste em intitular casamento o que ontologicamente o é, sob o
pífio argumento de que se estaria enfraquecendo ma instituição tradicional ao alargar-se
sua abrangência. Tal entendimento não pode prosperar, a nosso ver.
casamentos entre pessoas de mesmo sexo. Entendemos, no entanto, que tal não seria a
solução mais técnica, diante da generalidade do argumento, pelo que primeiramente
buscaríamos a direta declaração de inconstitucionalidade de interpretações de textos
legais que negassem o casamento homossexual. No entanto, trazemos que a propositura
das Arguições já mencionadas ocorreu no sentido do entendimento trazido pelo
Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 3.300 MC/DF, cuja ementa
reproduzimos abaixo:
“União civil entre pessoas do mesmo sexo. Alta relevância social e jurídico-
constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas. Pretendida qualificação
de tais uniões como entidades familiares. Doutrina. Alegada inconstitucionalidade
do art. 1º da lei nº 9.278/96. Norma legal derrogada pela superveniência do art.
1.723 do novo Código Civil (2002), que não foi objeto de impugnação nesta sede de
controle abstrato. Inviabilidade, por tal razão, da ação direta. Impossibilidade
jurídica, de outro lado, de se proceder à fiscalização normativa abstrata de normas
constitucionais originárias (cf, art. 226, § 3º, no caso). Doutrina. Jurisprudência
(STF). Necessidade, contudo, de se discutir o tema das uniões estáveis
homoafetivas, inclusive para efeito de sua subsunção ao conceito de entidade
familiar: matéria a ser veiculada em sede de ADPF?”
Entendemos não ser o caso de controle de constitucionalidade de normas
originárias, especialmente no que tange ao casamento homossexual, que defendemos ao
longo do trabalho ser plenamente compatível com o texto original da Constituição da
República.
De fato, temos que posteriormente à propositura da ADPF 178 pela Procuradoria
Geral da República, foi a mesma recebida e reautuda na forma de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, sob o nº 4277, tendo em vista entendimento de não terem restado
cabalmente demonstrados os atos lesivos praticados pelo Poder Público que
justificassem a propositura da demanda em forma de ADPF.
Outro mecanismo que poderia ser adotado para dar efetividade ao entendimento
aqui defendido seria o já manejado pela Defensoria Pública do Estado do Espírito
Santo, que ingressou com Ação Civil Pública em 07/05/09, autuada sob nº
024.09.011981-9, correndo junto à 2ª Vara de Fazenda Pública de Vitória, na qual
requer que os cartórios do Espírito Santo sejam levados a proceder à habilitação e
casamento de pessoas do mesmo sexo (obrigação de fazer).
De toda forma, é sabido que a legitimidade para a propositura de tais ações é
restrita, pelo que vislumbra-se ainda uma outra alternativa: que qualquer casal
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Considerações Finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS