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(P-526)

MERCENÁRIOS DA
GALÁXIA
Autor
H. G. EWERS

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra e nos outros mundos da Humanidade os
calendários registram fins de fevereiro do ano 3.442. Desde o
dia em que ocorreu a onda de imbecilização, retardando as
inteligências de todas as criaturas da galáxia, deste modo,
transcorreram exatamente 15 meses.
O misterioso “Enxame” continua o seu caminho,
voando sem se deixar deter, através da Via-Láctea — assim
como também Perry Rhodan e seus companheiros imunes não
se deixam deter no seu perigoso trabalho de investigar o
sentido e o objetivo dos sinistros invasores.
Perry Rhodan e os outros homens, que lutam com ele, já
sabem por amarga experiência própria que os emissários do
“Enxame” trouxeram desgraças multiplicadas por milhões a
inumeráveis mundos. Entrementes também sabem que o
“Enxame” é responsável pela ascensão do Homo superior e
também pela “grande matança”.
Mas eles ainda não sabem o bastante. Apenas
pressentem que o “Enxame” ainda abriga outras surpresas,
que poderão ser mortíferas para as populações de planetas
inteiros. E então os terranos o presenciam, com seus próprios
olhos. Um planeta é tomado de assalto — o mundo dos
“Mercenários da Galáxia”...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Mincos Polata e Hysk Vantolier — Dois imunes de uma nave
exploradora.
Perry Rhodan — O Administrador-Geral mais uma vez se
preocupa com Gucky.
Gucky e Bossa Cova — O rato-castor e o armador de Olimpo
executam uma tarefa especial.
Tadschor — Representante da primeira civilização do planeta
Aggres.
Id Zirroh Par — Um representante da segunda civilização.
Efer Tusalis — Um homem com uma “pianola de fogo”.
Prólogo

Tadschor seguia o ataque à base de apoio kuaturica Ilkete, nos monitores. Sondas
voadoras transmitiam-lhe imagens e ruídos para a sua central de comando.
A primeira fase do ataque de surpresa fora um êxito total. Ninguém em Ilkete tinha
contado com a nova arma secreta do Reino Sashani. Os “desmiolados” eram vistos pelos
adversários, com eles se apresentavam, ou seja, como fugitivos arruinados em busca de
ajuda, da cidade em ruínas Prulathum, ocupada por tropas sashani.
Tadschor observou como os “desmiolados” eram escoltados por soldados inimigos
e levados para os fortes nas portas da base de apoio. Depois que eles desapareceram nos
portais, o cientista dedicou-se ao copiador de notícias.
Os últimos comunicados do quartel-general não se diferenciavam decisivamente dos
Comunicados do Dia, que davam entrada há semanas. Combates violentos pela ilha
Dideron, batalhas aéreas sobre o Mar Grodones, bombardeios de cidades adversárias, e
ataques inimigos às suas próprias cidades.
Tadschor virou-se quando o seu assistente Porzos entrou.
— Como transcorreram as experiências com nosso Ubalaer, Porzos? — quis ele
saber.
Porzos tirou os olhos dos monitores.
— Até agora satisfatoriamente, Tadschor. Mesmo assim, ainda vai demorar alguns
dias, até que as séries de experimentos sejam concluídas e então saberemos se o Ubalaer
poderá ser usado sem problemas.
— Eu espero que nos dêem este prazo — retrucou Tadschor. — Os kuaturer estão
tentando, há algum tempo, nos pressionar para uma batalha decisiva. Se eles conseguirem
isso — e se por acaso vencerem — então teremos que fazer uso do Ubalaer
imediatamente.
Porzos fez um gesto defensivo com a mão.
— Eu desaconselho isso, Tadschor. Primeiramente ainda vamos ter que calcular as
consequências que poderão advir de uma utilização do Ubalaer.
Tadschor olhou seu ajudante, de má vontade.
— Consequências! — disse ele, com desprezo. — Só existe uma coisa que é
importante para nós, e isto é a reconquista do ídolo Galango.
— Nós não precisamos recuperá-los — retrucou Porzos. — O ídolo Galango
encontra-se na ilha Dideron, que até agora não pôde ser conquistada nem por nossas
tropas nem pelas do Reino Kuatur. As instalações para a proteção de Galango funcionam
um pouco bem demais. — Ele riu. — O que eu vejo como uma grande sorte para a
civilização de Sidir.
O rosto de Tadschor ficou vermelho.
— O senhor fala como um traidor, Porzos! Em primeiro lugar se abstém de dar ao
ídolo Galango o seu título, e em segundo lugar o ídolo pertence apenas a nós, a única
civilização verdadeira em Sidir. Assim está escrito no legado de nossos antepassados, que
vieram do Reino Divino Arkh'Noon.
Porzos sentou-se diante de sua mesa de controles e olhou fixamente para o seu
superior. Tadschor era alto, magro, tinha a pele clara e cabelos brancos compridos. Ele se
parecia como os antepassados eram descritos nos livros da deusa Log. Todos eles eram
descendentes dos antepassados, porém a maioria dos habitantes de Sidir eram
atarracados, tinham a pele escura e cabelos duros, de um preto azulado. Porzos achava
que os descendentes dos primeiros habitantes de Sidir tinham sido modificados pelas
condições do meio ambiente, porém isso ele não devia dizer em voz alta. Seria uma
violação dos princípios de verdades do culto de Galango.
Somente diante de Tadschor, Porzos, de vez em quando, arriscava uma franqueza,
pois o cientista naturalmente defendia os princípios da verdade, mas não era um fanático,
ainda que quase sempre procurava manter essa aparência.
— O ídolo Galango — disse Porzos, pensativo — na minha opinião, de há muito já
suspendeu sua função. Antigamente ele devia imperar sobre Sidir, mas há mais de vinte
anos que ele não edita mais qualquer lei. A luta pela ilha Dideron tomou-se tão insensata
quanto toda a guerra.
Tadschor suspirou.
— O senhor ainda acabará diante do Tribunal de Depuração, se continuar emitindo
opiniões tão heréticas, Porzos. O que então acontecerá com o senhor, eu naturalmente não
preciso descrever. Somente nós sashanis somos os descendentes do direito dos
Arkh'Noon. Somente quando tivermos destruído o Reino Kuatur, podemos assumir o
legado de nossos antepassados.
— Os kuaturenses dizem isso ao contrário. Eu receio que ambos os lados não têm
razão. Esta guerra destrói o legado dos antepassados, que de acordo com a teoria de Isola
não vieram do seu “Reino Divino”, mas sim de um outro planeta.
— Isola foi executado — declarou Tadschor num tom de repreensão. Ele baixou a
voz. — Eu conheço a teoria dele. Pela mesma, nossos antepassados vieram de um grande
reino entre as estrelas, com a tarefa de criarem, aqui em Sidir, uma civilização, e mais
tarde...
Ele interrompeu-se e ergueu a mão.
— Chegou a hora. Nossas tropas atacam Ilkete. Os “desmiolados” executaram sua
tarefa, irradiando o sinal correspondente.
Em muitos monitores ele viu que os carros de combate das tropas estacionadas ante
Ilkete saíram em velocidade, seguidos das tropas de infantaria, com blindados de
proteção de aço, e armas laser portáteis. Eles atravessaram, sem serem detidas, a terra-de-
ninguém, arrasada pelas explosões e queimada pelos raios laser, chegando ao primeiro
âmbito do escudamento da base de apoio inimiga e...
Tadschor estremeceu quando o escudo energético subiu, chamejante, por cima de
Ilkete. Alguma coisa devia ter dado errada, pois os “desmiolados”, a este tempo, já
deviam ter completado sua tarefa.
Os carros de combate sashanis frearam. Alguns deles não o conseguiram mais,
acabaram dentro do escudo energético, e se desfizeram em chamas. Os outros atiraram,
com seus canhões laser sobre o escudo energético, enquanto recuavam. Mas o escudo de
proteção manteve-se de pé, como sempre até agora.
De repente, na retaguarda dos grupos de ataque, abriram-se buracos. Tubos de aço
saíram de dentro dos mesmos, e milhares de pequenos corpos, brilhando metalicamente,
derramaram-se das embocaduras dos tubos para fora.
Robôs!
Tadschor apertou alguns botões comutadores. As tropas de ataque sashânicas —
também chamadas sashanis — deram meia-volta e viraram-se contra os novos
adversários. Travou-se uma luta feroz, que ia e vinha — até que o escudo energético por
cima de Ilkete se apagou e as cúpulas dos canhões da base de apoio foram colocadas em
posição.
Dentro de curto tempo as tropas de ataque sashânicas estavam dizimadas e
dispersadas. Os restos procuravam passar através das colunas de robôs para colocar-se
em segurança. Era apenas uma questão de tempo até que a guarnição da base de apoio
começasse uma contra-ofensiva tomando a base de apoio sashânica — Troastes — de
assalto.
— Troastes está despojada de tropas — disse Tadschor. — Agora estamos na
situação em que queríamos colocar Ilkete. Se quisermos evitar a derrota definitiva, vamos
ter que fazer uso do Ubalaer.
Sua mão estendeu-se para uma alavanca.
— Não! — gritou Porzos. — Não o Ubalaer! Ele provocaria uma derrota tamanha
aos kuaturenses, que...
— É isso que eu quero dele! — retrucou Tadschor, aferrado. — Eles finalmente
precisam saber que jamais poderão ganhar esta guerra.
Ele puxou a alavanca comutadora para baixo.
Por um monitor ele ficou observando como o Ubalaer, um robô gigante de aço
especialmente duro, com um cérebro autônomo, se movimentava no seu duto de
armazenamento.
Tadschor sorriu, em triunfo, quando o Ubalaer abandonou o silo, marchando com
passadas trovejantes na direção das tropas de robôs adversárias. Os canhões laser do robô
cuspiam destruição. Contra eles os robôs inimigos não tinham qualquer chance, uma vez
que o Ubalaer empurrava diante de si um escudo de campos de força, que repelia sem
esforço os fracos raios laser das pequenas máquinas de combate kuaturenses.
Na base de apoio de Ilkete rapidamente reconheceram o perigo. O fogo das cúpulas
foi dirigido em cima do robô gigante. Mas Tadschor estava esperando justamente por
isso. Ele puxou para baixo uma segunda alavanca de comutação.
Exteriormente não aconteceu nada — a não ser que as cúpulas dos canhões de Ilkete
logo suspenderam o seu fogo. Devido a isso Tadschor concluiu que o histerizador,
recentemente desenvolvido, do Ubalaer, agia como se esperava dele.
A prova definitiva disto logo lhe foi fornecida. Os portais dos fortes de Ilkete se
abriram, e num fluxo ininterrupto soldados kuaturenses saíram para fora. Na sua maior
parte eles estavam desarmados, e davam a impressão de um bando de mikassos, que,
cheios de pânico, corriam às cegas para longe dali.
Sem ser tocado por inibições éticas, o Ubalaer disparava para dentro daquela massa
de soldados inimigos correndo sem destino, até que o último movimento cessou...
Tadschor anunciou o êxito para o quartel-general e foi elogiado. Ele foi encarregado
de construir tantos Ubalaer quanto possível, para colocá-los à disposição do alto-
comando.
Porém antes que o cientista pudesse chegar a executar as instruções, os canais de
comunicação foram bloqueados por notícias alarmantes. As centrais de vigilância aérea,
instaladas por toda a parte, anunciavam que grandes enxames de foguetes se
aproximavam da região do Reino Sashani. A julgar pelo seu curso, eles tinham origem no
Reino Kuatur.
Tadschor virou-se procurando por Porzos, porém o seu assistente se retirara. A toda
pressa o cientista dirigiu o Ubalaer de volta para a base de apoio, depois queria tomar o
elevador, para dirigir-se aos fortes subterrâneos, antes que os foguetes inimigos
começassem a cair.
Um aviso da central de vigilância aérea mais próxima fez com que ele ainda
esperasse com isso. A notícia dizia que alguns dos foguetes inimigos tinham explodido na
alta atmosfera. Logo em seguida foi dado alerta de radiação. Todos os foguetes inimigos
tinham explodido na alta atmosfera. Por toda a parte nuvens luminosas passavam por
cima de território sashani. Delas saia uma radiação dura, que ameaçava todas as formas
de vida.
Quando Tadschor ficou sabendo, por um outro comunicado, que também os
foguetes sashani tinham sido disparados, para também despovoar o território kuaturense
através de suas radiações, ele deu-se conta de que Porzos tinha razão com suas
advertências.
O sucesso retumbante do Ubalaer tinha levado o adversário a uma situação de
pânico e em vista da derrota temida, o levara a disparar o seu potencial em bombas
radiativas. Só isso já significava um suicídio, pois as nuvens radiativas circulariam pelo
planeta por muitos séculos, destruindo por baixo delas toda a vida. O disparo das bombas
de radiações sashânicas na realidade tinha sido uma represália supérflua. Ele apenas
aceleraria a morte.
Tadschor estava consciente de sua culpa. Mas ele não queria desistir. Já de há muito
tempo ele providenciara para que ele mesmo sobrevivesse a uma catástrofe, para mais
tarde poder tentar reunir eventuais sobreviventes, ou mesmo seus descendentes, para dar
início a uma nova civilização.
Ele usou o elevador para dirigir-se ao bunker mais profundo da base de apoio, onde
o Ubalaer já o esperava. Depois de ter ordenado ao robô para esperar diante da galeria
secreta, onde deveria vigiar ele abriu a porta do seu laboratório.
Sorrindo, ele examinou os aparelhos, que tinha montado em anos de trabalho.
Ninguém, exceto ele, conhecia seu verdadeiro significado.
E então Tadschor começou a tirar a roupa...
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O som da flauta tremulava por cima do teto de folhas da floresta virgem, no qual os
raios solares eram refletidos por incontáveis gotas de água, criando um mar reluzente de
diamantes. Um arco-íris armou-se, como um portal gigantesco, por cima desta paisagem.
O condor passava...
O tocador de flauta estava sentado no ponto mais alto de uma edificação em ruínas,
que se erguia perto de outras, numa clareira. Troncos de árvores e terra revolvida
revelavam que a clareira fora aberta na floresta só há pouco tempo.
O homem com a flauta de madeira vestia apenas uma calça verde-clara e botas de
cano curto cinzentas. O seu corpo nu, bronzeado, da cintura para cima, brilhava de suor.
Aos pés da edificação semidestruída havia milhares e milhares de criaturas vivas
estranhas. Na sua maior parte elas estavam vestidas em peças de vestuário coloridas,
diferentes entre si, mas em parte estavam despidas, de modo que as formas dos seus
corpos se ofereciam ao observador de forma desinibida.
Corpos de formas que nenhuma criatura humanóide mostrava.
As criaturas tinham 2,40 metros de altura em média, tinham esqueletos externos de
cor preto-avermelhada e oito membros. Quatro membros se encontravam na parte do
tronco, fortemente desenvolvido, parecendo um tonel, enquanto as duas partes traseiras
do corpo, fortemente destacadas — a parte do meio e o baixo-ventre — possuíam cada
uma dois membros.
As cabeças das criaturas eram fortemente achatadas, possuindo um par de olhos
facetados, bem grandes, nos quais a luz solar provocava reflexos de luz iridescentes. A
maior parte dessas criaturas estava acocorada nas pernas, várias vezes articuladas, dos
seus dois segmentos do corpo traseiros, mantendo a parte do peito com a cabeça erguidos
e apoiando-se nos compridos quatro membros anteriores. Dois pares de sensores se
destacavam, ligeiramente vibrando, da cabeça.
Até minha música de flauta, reinava um silêncio total. Eu, Capitão Hysk Vantolier,
cosmozoólogo da nave de exploração terrana EX-6633 Special, tinha chegado há duas
horas a esta clareira, para examinar as escavações feitas das edificações, em tempos mais
felizes, de uma antiquíssima cultura. Havia tanta coisa que ainda não sabíamos. Mas a
forte chuva do meio-dia ainda não terminara, quando o local das escavações foi cercado
por milhares dessas inteligências nativas, e que agora escutavam, sem se mexerem, a
música de minha flauta.
Os plostas, como se chamavam os nativos, eram os descendentes inteligentes de
uma grande espécie de insetos. Depois de tudo que eu conseguira ficar sabendo até agora,
os plostas provavelmente nunca teriam sido capazes de construírem uma civilização, se
não tivesse havido, há cerca de três ou quatro mil anos atrás, um acontecimento incisivo
que levou a uma modificação radical de suas disposições hereditárias.
Durante muitos séculos a superfície do planeta Aggres devia ter sido bombardeada
por radiações duras inimagináveis, evidentemente o resultado de uma guerra louca e
absurda, na qual os descendentes dos colonos arcônidas tinham exterminado a si mesmos
e a sua florescente civilização.
Os plostas, produtos de uma guerra de destruição mortífera, e por isso produtos da
loucura humana, tinham se transformado em seres para os quais a vida do indivíduo valia
menos que nada. Seu único conteúdo vital era — além da manutenção da espécie — a
luta, e esta também era a razão para a minha presença neste planeta.
O Império Solar provavelmente nunca teria ficado sabendo da existência desse
povo, se há algumas décadas atrás muitos milhares destes seres não tivessem aparecido,
como mercenários, a serviço do ditador Dabrifa, da Liga Carsuálica. Eles tinham se
mostrado especialmente em assaltos ousados a planetas de bases de apoio do Império
Solar, bem como em mundos colonizados independentes. Apesar de não terem uma
civilização técnica própria, eles aprendiam bem depressa — sobretudo o modo de
funcionamento de armas de destruição altamente modernas. Onde eles tinham surgido, os
seus ataques sem medo e seu morticínio impiedoso sempre tinham espalhado terror e
pânico. Eles não conheciam hesitação nem compaixão, e muitos dos nossos
cosmopsicólogos afirmavam que eles não tinham sentimento algum.
Eu poderia ter-lhes provado o contrário, pois aquelas criaturas selvagens, sem
medo, já escutavam, em silêncio, há quase vinte minutos, a música de minha flauta,
depois de terem tentado me matar, a principio.
Só me restava continuar tocando. Se eu tirasse a flauta da boca, teria que contar que
os plostas cairiam em cima de mim. Portanto eu toquei todas aquelas melodias, que em
nossa casa, nos Andes terranos, eram passadas de geração a geração, e cuja origem devia
alcançar a remota antiguidade dos incas, conforme contava minha avó.
E enquanto eu tocava, os acontecimentos desde minha chegada a Aggres passaram
indistintamente diante dos olhos do meu espírito...
Desde o aparecimento das primeiras tropas mercenárias plostásicas, a Contra-
Espionagem Galáctica tinha investigado febrilmente em busca da origem dos plostas.
Estas criaturas agressivas significavam um perigo para todos os povos amantes da paz da
galáxia, enquanto pudessem ser alistadas por detentores do poder sem consciência.
Poucas semanas antes da chegada de um acontecimento terrível, ao qual ainda
voltarei mais tarde, as coordenadas galácticas do planeta pátrio plostásico finalmente
puderam ser determinadas. Seguindo os princípios básicos do Império Solar, não se
colocou em marcha uma frota de combate, para eliminar o perigo de modo tão rigoroso
como desumano, mas a Junta de Segurança em Terrânia encarregou um Comando
Explorer, para cuidar do problema.
O Marechal-de-Estado Bell chamou o meu superior, o Major Mincos Polata e a
mim, para o seu gabinete. Ele nos dispensou de nosso comando numa nave de contato no
East Side Galáctico, e ordenou-nos a assumir o comando da nave especial EX-6633, para
equipá-la, e para reunir uma tripulação, com ajuda da positrônica do pessoal, que
trouxesse consigo todas as condições prévias para a exploração pacífica de um povo
agressivo.
A EX-6633 já fora utilizada muitas vezes antes, para este tipo de missão. Construída
sobre a célula globular de um cruzador pesado, ela possuía todos os aparelhos, que eram
necessários para a proteção defensiva de sua tripulação. Para o caso de naves espaciais de
outras civilizações tentarem impedir nosso trabalho pacífico de exploração, também
havia um forte armamento ofensivo. Porém as determinações para o seu uso eram muito
severas, de modo que qualquer mau uso era praticamente impossível. No total, o Major
Polata reuniu quatrocentas pessoas, cientistas masculinos e femininos da Frota de
Exploração, que sempre dominavam, cada um, duas áreas científicas especiais, e
adicionalmente, como era habitual na Frota de Exploração, também estavam
familiarizados com as tarefas cosmonáuticas e militares de uma grande nave cósmica.
Nós partimos em meados de novembro de 3.440, e voamos, sem sermos impedidos,
para dentro do sistema do pequeno sol amarelo, que o Major Polata, conforme o velho
costume, chamou de EX-Polata. O sol possuía somente três planetas, e o número dois era
aquele que, de acordo com os documentos da Contra-Espionagem Solar, levava o nome
Aggres.
O Major Polata levou a EX-6633 para dentro de uma órbita em volta de Aggres e
entrou em contato de rádio com os habitantes do planeta. Nós logo recebemos
informações sobre a organização política dos plostas, quando nosso chamado foi
respondido pela “Coordenadoria Central das Tribos Gloriosas”. Um plosta de nome Id
Zirroh Par saudou-nos num intercosmo pouco inteligível, que teve que ser vertido
primeiramente pelos nossos tradutores de frequência, numa língua aproveitável.
Os plostas eram seres viventes cujas emissões de voz e fala ficavam no âmbito do
ultra-som. O vocabulário, entretanto, combinava bastante com o nosso, o que podia ser
atribuído às experiências no contato com os representantes de outros povos humanóides.
Id Zirroh Par deu-nos autorização de pouso, sem hesitação. Nós recebemos um raio
direcional e pousamos numa planície entre gigantescas edificações de pedra, muito
espalhadas, que na sua forma pareciam-se mais ou menos com formigueiros terranos, só
que em média tinham uma altura de quinhentos metros.
Pouco depois do pouso, nós presenciamos um espetáculo impressionante. De
inúmeras aberturas nas construções de pedra saíram dezenas de milhares de criaturas
aladas, subindo para os céus, e depois velejando, em grandes enxames, por cima de nossa
nave. No começo não entendemos o que eles visavam com isso, até que os enxames
repentinamente se separaram em dois grupos, dois exércitos que atiravam uns nos outros,
com todas as armas de raios imagináveis.
Naturalmente isso nos encheu de susto e mal-estar, pois pensávamos que aqui
estava acontecendo uma carnificina mútua. Mas depois verificamos que os exércitos
plostásicos apenas faziam uma batalha simulada, para nos impressionar. Ninguém foi
morto, e os enxames pousaram, uma hora mais tarde, perto da nave.
Depois da batalha simulada, uma delegação das tribos plostásicas, sob a chefia de Id
Zirroh Par, veio para bordo. Os membros da delegação nos deram as boas-vindas e
mostraram forte interesse nas instalações da nave Explorer especial. Nós fomos
convidados a visitar os castelos da tribo — e eles realmente os chamavam de castelos.
Naturalmente aceitamos o convite. Esta naturalmente era a oportunidade de que
precisávamos, e pela qual, antes, mal tínhamos esperanças de consegui-la.
Nós aprendemos a conhecer o modo de viver de nossos anfitriões, muito
pormenorizadamente. Conforme já tínhamos sabido pelos documentos da Contra-
Espionagem Solar, tratava-se de descendentes inteligentes de insetos. Novo para nós era
o fato de que a maioria dos plostas era do sexo feminino e que os guerreiros eram
exclusivamente guerreiras, ou seja, do sexo feminino.
O motivo disso tinha causas biológicas. Em cada geração de uma tribo, sempre
“nascia” apenas uma criatura masculina. Ele se desenvolvia para um tamanho físico que
ultrapassava em oito vezes o tamanho das fêmeas, e sua única tarefa era a de fertilizar os
ovos das fêmeas. Na morada de um macho, que sempre ficava no andar inferior do
castelo da tribo, reinava um constante ir e vir. Sem levar em conta o preenchimento de
seus deveres de manter a espécie, os machos precisavam ser abarrotados de alimentos de
grande valor, precisavam deixar que os limpassem e cuidassem, para que suas forças não
diminuíssem prematuramente, ou mesmo que morressem antes do “nascimento” e da
puberdade do próximo macho, o que significaria o desaparecimento da tribo.
Como as fêmeas, somente uma vez por ano e dentro de pouco tempo, botavam até
trezentos ovos, elas tinham tempo para executar todos os outros trabalhos. Elas
ampliavam o castelo da tribo, executavam trabalhos de restaurações e cuidavam dos
rebanhos de ghools, vermes de mais de cinquenta quilos, que serviam de alimentação
para os plostas, junto com uma espécie de cogumelo.
Nós tivemos que verificar que em muitas tribos os castelos eram descuidados.
Quase por toda a parte havia sinais de decadência. Em grande contraste estavam as
riquezas, que eram açambarcadas pelos plostas, em forma de aparelhagens técnicas.
Nós reconhecemos rapidamente, que aqui se tratava apenas de um contraste
aparente. Realmente os dois fatores — decadência ampliada e açambarcamento de
riquezas — tinham uma conexão muito estreita. Os plostas, possessos por combater,
deixavam-se alistar, em números cada vez maiores, como mercenários, por potentados
irresponsáveis. Aqueles que regressavam, traziam consigo, como paga pelos seus
serviços de guerra, aparelhagens técnicas modernas de civilizações adiantadas, mas
durante a sua ausência eles faziam falta como força de trabalho. Além do mais, apenas
regressavam em média quarenta por cento dos mercenários, o que levava à diminuição da
população. Com ajuda da aparelhagem técnica, isso naturalmente poderia ter sido
compensado, porém os plostas se interessavam unicamente pelas armas trazidas, e não
pelas máquinas, que poderiam tê-los livrado dos seus trabalhos corporais. Eles mal
utilizavam seus reatores de fusão, para fornecer luz elétrica e calefação para os castelos
de suas tribos.
Infelizmente não chegamos sequer a insinuar muito cautelosamente aos plostas, as
consequências deste perigo, que ameaçava a continuação de sua civilização. É que
quando eles se deram conta de que nós não tencionávamos alistá-los como mercenários,
eles tomaram uma atitude inamistosa, de modo que se tornou impossível continuarmos a
visitá-los ainda nos seus castelos tribais.
Certo dia então eles cercaram nossa nave com uma força de combate fortemente
armada, ameaçando um ataque, se nós não abandonássemos o seu planeta imediatamente.
Mais negociações foram negadas, de maneira bastante rude.
Para nós não restaria outra alternativa, que de seguirmos as suas exigências, pois
nós não devíamos — seguindo nossos princípios — entrar em luta com eles, uma vez que
nos encontrávamos no território de um povo estranho.
E então aconteceu uma coisa, com que ninguém, mesmo em sonho, tinha contado.
A tripulação da nave Explorer imbecilizou quase que de soco — com exceção do Major
Polata e eu. Do mesmo modo imbecilizaram os complementos de bioplasma das
positrônicas de bordo, de modo que uma partida somente poderia ser efetuada com
tripulação completa das centrais principais e anexas. Dois homens sozinhos, depois das
biopositrônicas terem deixado de funcionar, não eram capazes de fazer isso.
Os primeiros dias depois da aparição da imbecilização certamente foram os piores
de minha vida. O Major Polata e eu não apenas tínhamos que cuidar de quatrocentos
homens e mulheres, que se haviam tomado praticamente indefesos, mas também
tínhamos que convencer os plostas, que tinham permanecido inteligentes, que uma
partida da nave Explorer, nestas circunstâncias, era impossível.
Nós passamos por horas difíceis, antes que os seres-inseto nos acreditassem, e mais
tarde, muito mais tarde, tivemos horas mais difíceis ainda. Cerca de um ano depois de
nosso pouso em Aggres, apareceu uma gigantesca nave espacial em formato de
cogumelo, pousou no planeta, e deu início a uma atividade tão misteriosa quanto
ameaçadora. Nós nos mantivemos longe deles, e também não fomos incomodados, mas
os plostas — de acordo com sua mentalidade — atacaram furiosamente, conseguindo
apenas uma derrota depois da outra.
Entrementes o Major Polata e eu já tínhamos terminado os trabalhos de escavações,
de há muito iniciadas, tendo descoberto os restos de uma civilização, cujos portadores
tinham sido criaturas humanóides, como nós. Tudo indicava que devia tratar-se dos
descendentes de colonos arcônidas.
E agora eu estava sentado em cima de uma dessas edificações meio ruídas, tocando
minha flauta para acalmar os agressivos plostas...
***
Um trovejar surdo dominou a música de minha flauta e assustou os plostas. Muito
para o oeste, na savana na qual também se encontrava a EX-6633, viam-se descargas
chamejantes de energia. Nuvens de fumaça erguiam-se para o céu.
Pelos seres-inseto à minha volta, passou uma onde de agitação. Primeiramente
somente alguns deles abriram as asas subindo para o alto, depois mais e mais os
imitaram. Dentro de poucos minutos eu estava sozinho.
Enfiei a flauta no meu cinturão e levantei-me. Eu podia imaginar o que acontecera.
Isso acontecera repetidas vezes, ultimamente. Uma tribo plostásica, irritada pela presença
de nave-cogumelo, tinha passado, mais uma vez, ao ataque — e mais uma vez foram
repelidos com terríveis baixas.
Enquanto eu ainda refletia se devia continuar com minhas investigações na ruína
escavada, ou se devia voltar para a nave Explorer com o meu planador, descobri, logo
acima do teto da floresta verde, um ponto brilhante, que se aproximava de mim em voo
muito rápido. Poucos minutos depois, uma figura, metida num traje de combate terrano,
voou por cima da borda da clareira, e logo pousou perto de mim.
A figura jogou o seu capacete globular para a nuca, e eu vi o rosto largo, de grandes
poros, de Mincos Polata.
— Os plostas são incorrigíveis — disse o major, irritado. — Eles atacaram a nave-
cogumelo novamente, e foram dizimados por um fogo concentrado de pesadas armas
energéticas, e outra vez foram repelidos.
Eu fechei os olhos. Imediatamente senti outra vez, como as lembranças do meu
inconsciente fluíam, paralisando o refletir consciente.
Diante dos olhos do meu espírito apareceu a imagem da nave-cogumelo que
pousava...
Tinha sido de noite, quando aquela nave gigantesca pousou na planície, que mais
parecia uma savana, mas os aparelhos de infravermelho e sensores energéticos da EX-
6633, tinham desenhado uma imagem clara nas telas de vídeo.
Perplexos, o Major Polata e eu observamos a imagem da monstruosa nave cósmica.
Os mostradores indicavam uma altura de cinco mil metros. O “chapéu” do cogumelo era
aproximadamente semi-esférico. O seu corte tinha um diâmetro de sete mil metros. Nele
encontravam-se os propulsores, conforme se podia reconhecer nos fluxos luminosos de
energia. Por baixo do “chapéu” havia uma base em formato de funil de aço, que se
transformava na “haste”, cuja superfície no chão tinha um diâmetro de dois mil metros.
Nós desistimos de ativar os escudos protetores da nave Explorer, ou de fazermos
uso das armas ofensivas, apesar da positrônica de fogo, livre de plasma, ainda funcionar
normalmente e sem problemas.
Fascinados, nós observamos aquela nave monstruosa. Seus propulsores
desencadeavam um tufão, que fazia com que os castelos das tribos dos plostas
tremessem. O chão, por baixo da astronave-cogumelo que pousava, foi queimado e
transformado em lava incandescente e fluida.
Os plostas se mantinham relativamente discretos. Talvez eles pensassem que
finalmente alguém pousava para aliciar mercenários, depois que o seu planeta, já há
muitos meses, não fora mais visitado para isso.
Mincos Polata interrompeu minhas lembranças, e disse:
— Enquanto o senhor persegue os seus pensamentos, Capitão Vantolier, eu darei
prosseguimento nas investigações da edificação sobre a qual o senhor está parado.
Confuso, olhei para ele.
Ele repetiu suas palavras e acrescentou:
— A tripulação de nossa nave foi devidamente alimentada e cuidada, e pela nossa
experiência as ações da astronave-cogumelo se limitam a rechaçar os plostas. Portanto o
senhor ainda pode sonhar um pouco tranquilamente, enquanto eu procuro erguer os véus
do passado deste planeta.
— O que existe ainda para desvendar por aqui — retruquei, sem notar que estava
me contradizendo, pois afinal viera para cá para procurar, nas provas do passado, indícios
de sua existência.
O Major Polata não respondeu nada, apenas ligou seu aparelho de voo e
desapareceu do ângulo de minha visão.
Eu me sentei nas placas de cimento-plástico rachadas, ainda inteiramente tomado
pelas minhas lembranças. Já antes eu notara, que fortes impressões emocionais em mim
levavam a visionárias recordações, e quase sempre, quando um acontecimento provocava
estas lembranças. Porém nunca este fenômeno acontecera tão fortemente quanto aqui em
Aggres. Quando isso tomava conta de mim, só raramente eu ficava em situação de me
apartar dessas visões.
Eu me recostei num pedaço da ruína e olhei por cima da floresta, sem poder
reconhecer as realidades. O meu espírito regressava ao tempo do pouso da nave-
cogumelo...
Dezenas de milhares de plostas tinham saído de seus castelos de tribos, e tinham
cercado a nave-cogumelo, num largo anel. Lentamente solidificou-se a pedra derretida e a
terra por baixo da cúpula do cogumelo. As aberturas dos propulsores ainda estavam
incandescentes. O material esfriava, com ruídos rangentes.
Cada vez mais plostas apareciam, aos borbotões. Eu me lembrei dos tempos difíceis
pelos quais tivéramos que passar, até que os plostas acreditassem, que além do Major
Polata e eu, todos os membros da tripulação de nossa nave, tinham sido imbecilizados.
Como os plostas tinham conservado suas inteligências em sua totalidade, as suas dúvidas
tinham sido compreensíveis. Polata e eu atribuímos a sua imunidade — ou seja lá como
se podia chamar a isso — a uma mutação muito profunda dos seus cérebros.
Somente depois que permitimos que os plostas enviassem comandos de verificação
para dentro da EX-6633, os quais testaram nossos imbecilizados, as suas dúvidas se
desfizeram lentamente. A isso provavelmente ainda se juntavam o fato de que mais
nenhuma astronave estranha pousara, para contratar mercenários, e que a vigilância de
rádio plostásica também captara, como nós, inúmeros pedidos de socorro de outros povos
galácticos, dos quais se depreendia que a onda de imbecilização atacara praticamente
todos os seres inteligentes da galáxia.
Apesar das circunstâncias difíceis, e das dificuldades com nossos imbecilizados,
Polata e eu tínhamos tentado sondar, ao que se poderia atribuir o repentino retardamento
das inteligências. Nós verificamos que a constante de gravitação de linhas de campo tinha
caído em exatos 852 megakalups. Como este novo valor ficava constante, naturalmente o
colocamos em conexão com a imbecilização. A última prova para isto, entretanto, ainda
nos faltava.
Meus pensamentos voltaram novamente para pouco tempo depois do pouso da
astronave-cogumelo...
Passaram-se horas sem que a tripulação da nave se tivesse anunciado pelo rádio ou
mostrado de outra maneira. Os plostas que estavam esperando, começaram a ficar com
uma inquietação crescente.
E então, de repente, na base do “caule” abriram-se oito enormes portais em arco.
Luz clara caía para fora, espelhando-se no magma solidificado e esfriado. Polata e eu,
instintivamente, retivemos a respiração quando daqueles portais saíram milhares de
figuras exóticas. Elas possuíam um corpo cilíndrico de 2,50 metros em média de altura,
com uma superfície em formato semi-esférico abaulado, sobre a qual, por sua vez, havia
uma excrescência também em formato de cúpula, de cerca de trinta centímetros. Oito
pernas, que mais pareciam tocos, sobressaíam da parte inferior lisa do tronco cilíndrico.
Os estranhos se movimentavam, com estas “pernas”, com surpreendente rapidez.
Na realidade o número oito tinha um papel especial nestas criaturas. Na parte
superior em formato de cúpula, provavelmente a cabeça, havia oito pequenos olhos
facetados. Por baixo do abaulamento da cúpula sobressaíam oito cotos curtos, que deviam
ser os braços e que nas suas extremidades se dividiam em dois tentáculos cada. Estes
tentáculos, por sua vez, tinham, cada um, oito finas excrescências parecidas com dedos.
Os estranhos estavam envoltos quase que totalmente em uniformes de cor amarelo-
ocre, de um material de couro, que em intervalos irregulares mostravam buracos de dez
centímetros em média. Através destes buracos — e pela cabeça descoberta — podíamos
ver que a pele dos estranhos era moreno-escura e coriácea.
Eles não deram importância nem para a EX-6633, que na verdade se encontrava a
cerca de oitenta quilômetros do seu lugar de pouso, nem para os plostas que os
esperavam. Em contrapartida eles começaram, muito ativamente, com trabalhos
misteriosos. Pela sua iniciativa verificamos que estas criaturas não podiam estar
imbecilizadas. Mas os seres-inseto também o notaram, e esperaram, com impaciência
ainda maior pela tomada de contato, que, ao que eles acreditavam, lhes daria a desejada
oportunidade de se engajarem em grandes números num exército estrangeiro.
Porém os estranhos não tomaram qualquer medida para isso. Eles continuaram
trabalhando, como se não houvesse dezenas de milhares de outras criaturas, que os
observavam nisto. Lentamente entendemos que o objetivo daquela atividade enorme era a
transformação da nave-cogumelo. Ela se transformava num complexo ainda mais exótico.
Constantemente se faziam novas instalações. Por baixo do “chapéu” do cogumelo surgiu
uma coisa que lembrava remotamente uma imagem de ídolo das religiões antigas da
humanidade terrana. Indistintamente podia reconhecer-se algo semelhante a um rosto, no
qual, depois de algum tempo, apareceram oito orifícios redondos, que brilhavam,
incandescentes, num vermelho-flamingo.
Aquilo parecia fantasmagórico, e esta impressão também continuou, quando o dia
seguinte chegou. Os microfones direcionais da nave Explorer estavam constantemente
dirigidos para o local de pouso da nave espacial-cogumelo. Nós conseguimos escutar que
os estranhos falavam entre si, ininterruptamente. A sua língua infelizmente resistiu aos
esforços de nossos pequenos tradutores, e os tradutores grandes tinham deixado de
funcionar, uma vez que possuíam adições de plasma, nas suas positrônicas.
A única coisa que Polata e eu conseguimos escutar naquela balbúrdia toda, mas sem
poder dar-lhe um sentido, eram gritos repetidos que pareciam “Xanthomonary” aos
nossos ouvidos.
Como o Major Polata e eu receávamos, os plostas finalmente perderam a paciência.
Eles apertaram o anel do seu cerco. Os primeiros enxames subiram nos ares e se
aproximaram da astronave-cogumelo transformada.
De repente formaram-se no casco do “chapéu” do cogumelo, inúmeras aberturas,
das quais raios claros como o sol se projetaram nos céus. Muitos dos seres-inseto
voadores foram queimados por eles.
Este foi o sinal para que os outros atacassem, por seu lado. Eles vieram em
antiquados blindados aéreos de fabricação arcônida, plataformas de canhões, dos efetivos
dos exércitos de Dabrifa e em trajes de combate reformados, aconenses. Durante os
primeiros minutos os seus ataques furiosos provocaram um caos indescritível entre as
criaturas cilíndricas. Muitas delas morreram no fogo dos plostas. As outras voltaram, em
fuga rápida, para dentro da astronave.
O contra-ataque ocorreu de uma maneira, como eu e Polata jamais tínhamos
presenciado antes. Dos “olhos do ídolo” de cor vermelho-flamingo brotaram formas
energéticas fortemente radiantes, de cor vermelho-escuras, e que pareciam lágrimas.
Parecia que o “ídolo” chorava devido ao ataque das criaturas-inseto. Mas então,
repentinamente, as “lágrimas” aceleraram para dentro das fileiras dos plostas atacantes,
explodindo ali com a violência de pequenas bombas de fusão.
Os seres-inseto não se deixaram intimidar nem perturbar com suas terríveis baixas.
Todos os sobreviventes continuaram avançando na direção da astronave-cogumelo,
fazendo fogo ininterruptamente com suas armas diversificadas.
Eles atacaram e lutaram até que foram fustigados e destruídos pelos raios
energéticos que caíam sobre eles. Logo em seguida os seres cilíndricos retomaram sua
estranha atividade, como se não tivesse havido qualquer incidente.
Nos meses que se seguiram as tribos dos plostas demonstraram uma notável reserva.
Evidentemente eles eram absolutamente capazes de avaliarem objetivamente uma
situação militar. Mesmo assim, de vez em quando venciam o seu natural impulso
agressivo. Em intervalos irregulares tribos isoladas tentavam tomar de assalto a
astronave, em ataques de surpresa. Todos esses ataques fracassavam, com grandes perdas
para os seres-inseto.
O Major Polata e eu nos mantínhamos na espera, enquanto cuidávamos de nossos
imbecilizados, e repetidamente executávamos medições, para tentar descobrir o que a
astronave-cogumelo realmente queria em Aggres.
Há pouco tempo atrás, conseguimos o primeiro indício utilizável. Quando as
cinturas cilíndricas terminaram os seus trabalhos, nós medimos, poucas horas mais tarde,
uma estranha erupção energética no âmbito da quinta dimensão. A fonte era
evidentemente a astronave-cogumelo, e logo depois nossos aparelhos de medição
constataram que a constante gravitacional de quinta dimensão da galáxia, dentro do
alcance de nossos aparelhos, fora alçada em exatamente 132,6583 millikalups.
A conclusão de que esta — e outras naves-cogumelo — também tinham provocado
a manipulação original da constante gravitacional, com isto dando origem à onda de
imbecilização, era evidente. Dali em diante o Major Polata e eu refletimos febrilmente, o
que poderíamos fazer contra os estranhos aterrissados em Aggres. Mas as “lágrimas”
mortíferas do “ídolo” tinham nos prevenido. Nós não poderíamos iniciar a luta, antes que
nossa nave estivesse outra vez com capacidade de ser manobrada.
E nisto nem se podia pensar, em tempo previsível.
***
O meu consciente separou-se lentamente das imagens do passado, voltando para o
presente.
Quando olhei para o oeste, verifiquei que os fanais da luta tinham se apagado.
Cautelosamente desci da ruína, voltando-me para a entrada liberada. O meu holofote de
mão ainda estava no mesmo lugar em que eu o colocara, quando os plostas me
acossaram. Eu liguei-o e dirigi o feixe de luz amarelada para o corredor ligeiramente
íngreme, por trás da abertura.
De algum lugar abaixo de mim, em diagonal, vinham ruídos altos. Isso devia ser
Polata. Na realidade era absurdo que, em nossa situação, ainda demonstrássemos
interesse nas escavações de uma civilização de há muito desaparecida. Mas esta parecera
ser a melhor possibilidade de manter íntegra a nossa saúde mental, fortemente
pressionada.
Eu segui a inclinação do corredor. Por toda a parte o teto estava escorado por finas
varas de metal-plástico, vindos dos magazines da Explorer. Depois de alguns minutos
topei com o Major. Com ajuda de um desintegrador ele liberara mais uma abertura. O
recinto por trás parecia um grande salão, e o teto levemente abaulado tinha se mantido
firme, apesar de ser repassado de muitas fendas estreitas.
As instalações, naturalmente, estavam apodrecidas, em sua maior parte. Mas nas
paredes eu descobri, entre fragmentos de molduras de aço enferrujadas, os restos de
grossas placas de vidro. A maioria caíra ao chão e se quebrara, quando as molduras se
abriram, mas elas evidentemente tinham permanecido o tempo suficiente para retardar o
processo de desagregação das peças instaladas por trás delas.
O Major Polata remexeu, com um sensor de medição, por entre módulos
eletrônicos, que ainda estavam dependurados em fios, sem isolamento, de material
inoxidável. Ele virou-se ao ouvir os meus passos, e disse:
— Parece que encontramos os restos de uma instalação de monitores, cujas telas
ainda trabalhavam de conformidade com o antigo sistema holográfico dos arcônidas.
Eu me aproximei mais e pude confirmar a opinião de Polata.
— Uma instalação de monitores... — refleti. — Ela poderia ter servido para vigiar
os arredores, mas também para vigiar outros recintos desta edificação.
Então descobri uma abertura retangular na parede. As duas bordas estavam
desmoronadas, e por baixo dela havia um montinho de ferrugem.
Eu fui até lá, apoiei-me com uma de minhas mãos na parede e iluminei a abertura
com a lanterna de mão.
— Isso é um duto — disse eu, surpreso.
Quando Polata estava do meu lado, eu acrescentei:
— Veja estes tingimentos em estrias cor de ferrugem, nas paredes do poço. Isso
poderiam ser os trilhos direcionais dentro dos quais se movia uma cabine de elevador.
Major, eu acho que fizemos uma descoberta importante. Se descermos nesse poço, com
aparelhos antigravitacionais, provavelmente vamos descobrir que até agora apenas
examinamos uma pequena parte, — a torre superior — de uma edificação bem maior.
Mincos Polata passou a mão pelos seus cabelos louros curtos e sorriu.
— Fico satisfeito em ver que o senhor chegou à mesma conclusão que eu, quando vi
este duto pela primeira vez, Capitão Vantolier. Eu sugiro que o senhor volte para o
planador, vista o seu traje de combate, e volte com ele, para que nós...
Ele interrompeu-se quando o seu telecomunicador de pulso deu o sinal
característico de chamada. Nós ficamos surpresos, pois éramos as únicas pessoas não
imbecilizadas neste planeta amaldiçoado. Quem, portanto, poderia chamar-nos, na
frequência de rádio de nossos aparelhos de pulso?
Levou alguns minutos até que o Major Polata se recuperasse o suficiente de sua
surpresa, para finalmente ligar o seu aparelho de rádio.
— Fala o Major Polata! — avisou ele. — Quem chama?
— O que é isso? — disse alguém, como se falasse consigo mesmo. — Essa coisa
sabe falar, Ossuti, você ouviu isso?
Polata e eu nos entreolhamos rapidamente. Ossuti Wangemu era o chefe do
rastreamento de nossa nave Explorer, pelo menos até sua imbecilização. Pelo que nós
sabíamos ele se encontrava a bordo da nave, e estava trancado na sua cabine, como
também os outros membros da tripulação. Como ele ocupava uma cabine sozinho,
alguém devia ter ido visitá-lo.
E pelas palavras desse visitante não era difícil perceber que ele não tinha clareza
quanto a função de um aparelho de radiotransmissão.
— Isso que está falando não é uma coisa, — explicou o Major lentamente, — mas
sim eu, o Major Mincos Polata, estou falando através do meu aparelho de rádio de pulso,
ao senhor. Como é o seu nome?
Por algum tempo reinou o silêncio. Somente podia ouvir-se alguém respirando
pesadamente, depois a mesma voz de antes falou:
— Isso não pode ser. O Major Mincos Polata... O nome me lembra alguém, um
homem. Mas como é que um homem pode se meter nesta caixinha tão pequena? Ossuti,
você tem uma explicação para isso?
Nós escutamos murmúrios, depois soou uma voz de baixo profundo:
— Aqui fala Ossuti. Eu acho que isso é um aparelho, com o qual se pode falar com
outras pessoas, através de grandes distâncias. Mesmo assim não entendo muita coisa.
Quando depois de algum tempo acordei como de um pesadelo, encontrei-me trancado
num quarto, com objetos estranhos. Mas pude me soltar. Quem fala aí?
— O Major Polata, Comandante da EX-6633 — respondeu Mincos Polata,
conseguindo só a custo abafar sua agitação. — O senhor é Ossuti Wangemu, chefe do
rastreamento da nave Explorer. Por favor não toque em qualquer outro instrumento, antes
que eu esteja aí, com o senhor! Impeça também que outras pessoas manipulem quaisquer
aparelhos! Eu irei o mais depressa possível. Desligo.
Ele levou a mão para o botão do telecomunicador, mas logo decidiu-se a manter a
ligação. Sem que palavras fossem necessárias, Polata e eu corremos ao longo do corredor.
Nós desligamos nossas lanternas de mão, colocamos as mesmas ao lado da entrada e
corremos para o meu planador.
Em alta velocidade voamos de volta para a nossa nave. Também agora ainda
silenciamos, mas nossos pensamentos certamente se movimentavam na mesma linha.
Quando tínhamos abandonado a Explorer, nenhum dos imbecilizados tinha sido
capaz de se libertar de sua cabine, ou então de raciocinar sobre o sentido e a utilização de
aparelhagens técnicas. Menos ainda alguém poderia designar um aparelho transmissor de
rádio, como algo com que se podia falar com outras pessoas, a grandes distancias.
Mas exatamente isso tinha acontecido.
Mincos Polata somente freou já bem perto da nave Explorer, e colocou o planador,
de modo bastante duro, no chão da eclusa aberta dos hangares. Nós saltamos do veículo,
entramos no elevador antigravitacional mais próximo e pairamos para o convés onde
ficavam os alojamentos da tripulação.
Quando entramos no corredor externo, vimos uma porta aberta. Era a de Ossuti
Wangemu. Por trás da curva seguinte vimos uma segunda escotilha aberta. Como as
escotilhas normalmente se fechavam automaticamente depois que alguém passava por
elas, o mecanismo de trava devia ter sido ativado.
Antes de alcançarmos a abertura, dois homens saíram da cabine para o corredor.
Um deles era Ossuti Wangemu, o outro Nosartes Alcante, nosso gerente de magazine, um
senhor de idade meio gordo, cuja profissão principal era a Cosmosociologia.
Eles nos olharam com expressões estranhas no rosto, e nós registramos que os seus
olhos estavam mais claros, que desde a imbecilização.
Polata e eu caminhamos mais devagar, e paramos bem perto dos dois homens. O
Major sorriu, um pouco forçadamente, conforme notei, e disse, quase sem fôlego:
— Eu sou o Major Mincos Polata — caso os senhores não me reconheçam —, e
meu acompanhante é o Capitão Hysk Vantolier. Como se sentem?
Nosartes Alcante sorriu, timidamente, o que normalmente não era do seu feitio —
de qualquer modo não antes da imbecilização.
— Eu acho que me sinto bem — respondeu ele, inseguro. Ele refletiu. — Me parece
que eu tive um sonho terrível, e que ainda não acordei inteiramente. Quando quero
refletir, sinto uma dor surda aqui em cima. — Ele apontou para a cabeça.
— Foi algo bem pior que um sonho terrível — retrucou o Major Polata. — Mas
agora tudo ficará bem novamente, Professor Alcante.
Ossuti Wangemu produziu inúmeras rugas no seu rosto muito moreno, o que
revelou uma reflexão intensa.
— Nossa... inteligência estava... bloqueada, não é mesmo? — perguntou ele, aos
trancos. — Eu só me lembro indistintamente deste espaço de tempo, mas lentamente cada
vez mais recordações voltam do tempo anterior a isto. Nós partimos com uma nave, uma
nave que se movimenta entre as estrelas. A noção “Império Solar” perpassa pelo meu
consciente, mas eu não consigo classificá-la ainda.
Mincos Polata respirou fundo, ruidosamente. Evidentemente ele pensava a mesma
coisa que eu, ou seja, que o pior tempo já se passara e que os imbecilizados lentamente
acordavam do seu estado terrível.
— Nós ainda nos encontramos na nave estelar — explicou ele. — E o Império Solar
é nossa pátria. Nós viajamos... — ele evitou noções difíceis, que poderiam deixar os
recém-acordados confusos —...para um mundo desconhecido, para visitar criaturas que...
— ele procurou pelas palavras —...que têm uma aparência um pouco diferente da nossa.
Aqui chegados, repentinamente, as forças do entendimento se enfraqueceram — com
exceção das do Capitão Vantolier e as minhas. Nós tivemos que trancá-los nos seus
alojamentos, para que não pudessem brincar com aparelhos, cujas funções... quero dizer...
cuja maneira de trabalhar, os senhores não mais entendiam, e assim eventualmente
poderiam causar danos.
Ossuti Wangemu passou os dedos pela sua barba negra. Nós não podíamos também
fazer a barba dos nossos imbecilizados. Lentamente ele disse:
— Quer dizer que nós nos encontramos numa nave estelar. Tenho razão, ao
presumir que não estamos sozinhos?
— O senhor tem razão — respondeu Polata. — Nós somos — no total —
quatrocentas pessoas, além do Capitão Vantolier e eu.
— Então precisamos verificar como vão as outras pessoas — declarou Wangemu.
— Se elas somente acordarem lentamente da... da imbecilização, talvez precisem de
ajuda.
Mincos Polata sorriu, aliviado.
— Eu fico muito contente que esta sugestão parta do senhor, Capitão Wangemu.
Nós vamos imediatamente cuidar de nossos companheiros.
Ele virou-se para o Professor Alcante.
— O senhor, por favor, poderia ajudar-nos nisso, professor?
— Naturalmente, com prazer. Eu naturalmente não entendo tudo sobre o que os
senhores falaram, mas eu ajudarei no que posso.
— Neste caso não vamos mais perder tempo — declarou Mincos Polata. — Vamos
ir de cabine a cabine, falar com seus ocupantes e animá-los psicologicamente. — As
últimas palavras tinham sido dirigidas para mim.
Eu anuí.
— Mas nós também devíamos cuidar para que, além do senhor, ninguém mais
abandone sua cabine, Major. Pelo menos não neste estado ainda.
— Isso é evidente — Polata riu. — Caso contrário, alguém ainda acabará
disparando os canhões.
2

— Uma imagem fantástica, Perry, não é verdade?


Eu me virei. Totalmente imerso na observação do “Enxame”, eu nem havia notado a
entrada de Atlan.
— Para quem pode observá-lo a uma distância segura, certamente — retruquei. —
Não para as criaturas, cujos planetas, em um tempo previsível, serão tragados pelo
“Enxame”.
Meu amigo arcônida anuiu e sentou-se numa poltrona da cúpula de observação.
Eu me dediquei novamente à observação do “Enxame”, ou melhor, às gigantescas
formações semelhantes a bilhões de bolhas de sabão, que formavam o escudo energético,
que envolvia o “Enxame” sem lacunas, e que só permitia uma visão muito imprecisa do
seu interior.
Nós voávamos com a Good Hope II a três semanas-luz da “cabeça” do “Enxame”,
mantendo nisto exatamente a mesma velocidade que ele, ou seja, metade da velocidade
da luz.
Nesta distância diminuta, a cabeça do “Enxame” se mostrava, aos olhos humanos,
como uma parede cintilante e reluzente, que aparentemente dividia o Universo em duas
partes. No momento o diâmetro do arredondamento da cabeça era de cerca de 820 anos-
luz. De vez em quando este valor aumentava ou diminuía, porém para nosso campo de
visão, se mantinha a impressão de uma superfície de tamanho infinitamente grande.
Eu me virei na minha poltrona, e olhei mais ou menos na direção de nossa rota. As
estrelas de nossa galáxia pareciam estranhamente desfiguradas, resultado de nossa
própria velocidade, muito elevada.
Como aos cinquenta por cento da VL já surgia um efeito de dilatação mensurável,
naturalmente não devíamos voar durante semanas diante da cabeça do “Enxame”. A
aceleração — relativa — da passagem do tempo nos planetas, surgida com isto, não seria
exatamente grande, mas ela levaria ao problema de não podermos mais trabalhar com
economia suficiente.
Quando o intercomunicador chamou, eu liguei o aparelho, apertando um botão no
braço da poltrona. Na tela apareceu o símbolo de nossa central de hiper-rádio, e a voz de
Joak Cascal disse:
— Mensagem de hiper-rádio — o Marechal Solar Tifflor, da Intersolar,
Administrador-Geral. Devo passá-la ao senhor?
— Por favor.
Logo em seguida a tela de vídeo se acendeu. O rosto familiar de Julian Tifflor
apareceu no cubo de trivídeo. O rosto de Tiff não tinha perdido nada de sua jovialidade,
mas a sua voz revelava o quanto fora grande a carga psíquica sofrida no último ano.
— Alô, Tiff! — disse eu. — Deixe de formalidades, e diga-me os seus desejos.
Tifflor sorriu.
— De conformidade com as determinações, eu fiz um reconhecimento na direção de
voo do “Enxame”, sir. As naves-auxiliares da Intersolar estão fazendo missões
constantes. Até agora conseguimos registrar oitenta e dois sistemas solares, que ficam a
uma distância de entre quatro horas-luz e onze anos-luz da cabeça do “Enxame”. Um
sistema solar gigante e azul, com um acompanhante anão vermelho e um planeta, vai
entrar em contato com o escudo cristalino, em exatamente três horas, cinquenta e nove
minutos e doze segundos.
— Nenhum planeta habitado, suponho?
— Um mundo morto, sir. Devo passar-lhe as coordenadas?
— Sim, por favor. Passe-as diretamente para a central de comando, Tiff. Eu vou dar
instruções a Senco Ahrat, para que leve a Good Hope II para as proximidades desse
sistema.
Depois de termos terminado a conversa, Atlan olhou para mim.
— Você pretende observar o acontecimento de perto, Perry?
— Especialmente com técnica de medição — retruquei. — Nós não podemos
coletar informações bastantes.
Eu fiz uma ligação pelo intercomunicador com o primeiro oficial de Cosmonáutica
de minha nave. Senco Ahrat confirmou-me ter recebido as coordenadas do sistema em
questão.
— Ele fica a cento e sessenta e quatro anos-luz distante de nós, sir — acrescentou
ele. — Portanto ainda temos bastante tempo. Quando devo iniciar a manobra linear?
— De maneira que cheguemos em cerca de meia hora diante das dobras de escudo
cristalino, a dez anos-luz de distância — retruquei.
Mal eu tinha interrompido a ligação, o intercomunicador tocou novamente.
Desta vez o próprio Cascal apareceu no monitor de vídeo.
— Chamada de hiper-rádio de um certo Major Custosa, Administrador-Geral —
disse ele. — Ele irradiou o grupo de códigos combinado entre o filho do senhor e ele, e
pediu por determinação de posição da Good Hope II.
— Dê-lhe os dados da posição e peça-lhe que se apresse. Nós não vamos ficar mais
muito tempo por aqui. Desligo.
— Evidentemente um correio de Mike — observou Atlan. — Eu estou curioso com
as notícias que ele vai nos trazer.
Eu me levantei.
— Logo vamos sabê-lo. Certamente não serão notícias agradáveis. Só espero que os
superiores não tenham criado problemas novamente.
Fui até a central de comando. Meu amigo seguiu-me. Poucos minutos depois de
termos posto os pés na central de comando, o rato-castor materializou perto de mim.
— Estão esperando um correio? — quis ele saber.
Eu apenas lhe sorri.
Gucky mostrou seu dente roedor e disse:
— Está bem, eu “escutei”, Perry. Mas não em você e sim no assistente de Cascal.
Eu estou curioso pelas novidades.
— Eu também — respondi. — Como vai Harno? — A bola de vídeo vivente tinha
sido libertada, numa missão dentro do “Enxame”, que Gucky, Ras Tschubai, Alaska
Saedelaere e Toronar Kasom tinham executado.
O rato-castor escondeu seu dente-roedor.
— Mal. Ele somente absorve pouca energia, apesar de precisar de grandes
quantidades, para novamente voltar a sua força. A aventura com o cristal das almas
prisioneiras o afetou muito.
— Isso quase custou a vida de vocês todos — acrescentei.
Diante de nós acendeu-se um monitor de vídeo. Podia-se ver a imagem de Alaska
Saedelaere. O lesado por transmissor naturalmente portava a sua máscara de plástico.
— Rastreamento! Space-jet voando diretamente para a Good Hope. Identificado
como veículo de correio de Roi Danton, sir.
Eu agradeci o comunicado. Um quarto de hora mais tarde o Space-jet atracou,
depois da manobra de ajustagem. Logo depois um homem atarracado, de cabelos negros,
em traje espacial, entrou na central.
Eu tinha me levantado, esperando.
— Major Custosa, sir — disse o homem, sorrindo. — Eu trago material informativo
que me foi confiado por Roi Danton.
Ele me estendeu um canudo. Eu o peguei passando-o imediatamente para Fellmer
Lloyd, que estava do meu lado.
— O senhor conhece o material informativo, Major? — quis eu saber.
— Sim, sir.
— Ótimo. Neste caso relate, em poucas palavras, do que se trata.
O Major Custosa respirou fundo e disse:
— Os homens na Terra ganharam de volta parte de sua antiga inteligência. Eles não
estão mais totalmente imbecilizados, mas mostram outra vez grande interesse por tudo
que se passa a seu redor, mesmo em coisas técnicas.
Os presentes na central de comando ergueram os olhos, depois subitamente todos
começaram a falar ao mesmo tempo. Eu levantei o braço e esperei, até que o silêncio se
fez outra vez, e depois perguntei:
— Isso diz respeito a todas as pessoas na Terra?
Custosa anuiu.
— Sim, sir. Mas não é um despertar total da imbecilização. É apenas uma evasão da
total estupidez. Por enquanto parece que apenas a capacidade psíquica de percepção foi
aumentada um pouco. De Olimpo anunciaram o mesmo fenômeno. Também recebemos
comunicados de outros planetas colonizados pelos homens. Ali aconteceu a mesma coisa.
— Esta realmente é uma notícia que nos faz ter esperanças no futuro — disse eu.
Nós naturalmente já tínhamos constatado uma leve melhora, em Alea Onandere, esposa
do terrano adotivo takeriano Aronte, que entretanto devia ser atribuída a um intenso
hipnotratamento a bordo da Good Hope II.
— Mas esta é apenas metade da notícia, sir — retrucou o Major Custosa,
preocupado. — O Homo superior está desaparecendo, morrendo.
— Como disse? — perguntei, horrorizado.
— O Homo superior está desaparecendo — morrendo — repetiu Custosa. —
Começou com as pessoas desta espécie ficando inquietas, cometendo ações erradas,
depois sua inteligência regrediu rapidamente. Eles se tomaram estúpidos, parvos.
Finalmente apareceram os sintomas de decadência física. Nós ajudamos tão bem quanto
podíamos, mas a decadência não pôde ser detida. As células dos corpos simplesmente
pararam suas atividades. Diversos cientistas vêem uma conexão entre a primeira aparição
do Homo superior, seu repentino desaparecimento e o “Enxame”.
Eu estava abalado. Naturalmente eu sempre vira o surgimento do Homo superior
como uma perigosa deformação da Natureza, mas disso os indivíduos isolados não
tinham qualquer culpa. Eu jamais teria desejado a sua morte.
Senco Ahrat pigarreou.
— Sir, dentro de vinte minutos eu precisaria dar início à manobra linear, se
quisermos chegar no ponto indicado.
Eu olhei, indignado, para o emocionauta. Como é que ele podia pensar numa
manobra linear depois de uma notícia destas? Mas quando vi o rosto de Ahrat, eu me
corrigi. O homem não estava menos abalado que todos nós. Ele apenas entendera antes de
nós, que isto não nos livraria de nossos deveres, de coletar tantas informações quanto
possível sobre o “Enxame”, para que pudéssemos descobrir o quanto antes como
poderíamos proteger a Humanidade contra estas terríveis ameaças.
— Execute a manobra linear conforme estava planejado — respondi.
Depois virei-me novamente para o mensageiro.
— O senhor vai precisar de uma pausa para descansar, Major. Vou mandar indicar-
lhe uma cabine, e tomar providências para que o seu Space-jet seja acoplado à Good
Hope.
Custosa sacudiu a cabeça.
— Muito obrigado, sir, mas eu tenho ordens de regressar imediatamente, logo
depois de ter-lhe entregue as informações. Roi Danton precisa de cada homem e de cada
nave. Nós temos que descobrir quantos outros povos — mesmo não-humanóides —
conseguiram de volta parte de sua inteligência.
A isso eu não pude retrucar. Depois de ter agradecido, e entregue uma mensagem
para Mike, eu despedi o mensageiro. Poucos minutos mais tarde ele acelerou o seu
Space-jet, soltando-se da Good Hope.
Ainda antes que ele desaparecesse no semi-espaço, Senco Ahrat aumentou a força
de nossos propulsores. A Good Hope II estava a caminho novamente.
As observações que tínhamos à nossa frente desviaram um pouco nossa atenção
daquilo que o Major Custosa nos relatara. Mais tarde eu avaliaria melhor as informações.
Agora tratava-se de observar um processo, que também ameaçava o sistema solar,
se não conseguíssemos encontrar, em tempo, um meio para deter o “Enxame” dos
Conquistadores Amarelos.
Um “Enxame” da extensão de uma microgaláxia...!
***
Oito dias tinham se passado depois da diminuição da imbecilização, porém as
esperanças de Polata e minhas não tinham sido realizadas. A tripulação da EX-6633
naturalmente tinham “emergido” da mais profunda imbecilização, mas tinha parado num
nível de inteligência, que ficava muito abaixo do seu antigo.
Eu me recostei na minha poltrona e olhei para a faixa eletrônica por cima da
escotilha da cabine.
5 de março 3.442.
Quanto tempo ainda deveríamos ficar presos neste planeta? Dia após dia tínhamos
tomado novos grupos de imbecilizados, dando-lhes informações, respondendo a inúmeras
perguntas e tentando familiarizá-los com a manipulação de aparelhagens técnicas.
Eles absorviam, gulosamente, todas as informações, e aprendiam rapidamente —
mas apenas num âmbito limitado. Eles não entendiam concatenações técnicas.
Eu me perguntava se realmente valia a pena ensinar, a estes homens e mulheres
lastimáveis, a manipulação de aparelhagens técnicas. Certo, a maioria deles entrementes
já sabia utilizar os intercomunicadores e digitar sozinhos as refeições desejadas no
automático de refeições. Porém eles não queriam compreender, que seria perigoso deixar
que eles andassem à vontade no interior da nave. Nós lhes havíamos dado movimentação
livre no convés da tripulação, mas tínhamos trancado os elevadores e fechado as escadas
de emergência.
Quando o intercomunicador tocou, eu me ergui e liguei o aparelho, com a tecla no
braço de minha poltrona. Na tela de vídeo apareceu a parte superior do corpo de um
homem ruivo, musculoso. O Professor Dawidow Selchenin, cosmopsicólogo e folclorista.
— Olá, professor Selchenin — disse eu, cordialmente.
Selchenin olhou-me, furioso.
— Eu finalmente gostaria de sair desta nave, Capitão Vantolier! Não é nada
civilizado o que os senhores fazem conosco. Eu quero novamente respirar o ar fresco de
um planeta, em vez desta coisa regenerada, que sai da estação climatizadora.
Eu sacudi a cabeça.
— Isso, que o senhor chama de “coisa regenerada”, professor, é o ar sugado e
distribuído do planeta Aggres. Nós naturalmente não faríamos uso de nossas reservas, se
temos ar natural suficiente à nossa disposição.
— Eu não creio no que está dizendo — retrucou Selchenin. — Eu mal ainda
consigo respirar, e minha pele está me coçando terrivelmente. Eu preciso do ar natural de
um planeta.
Eu suspirei.
Evidentemente Selchenin já se aferrara de tal maneira em sua falsa opinião sobre a
atmosfera de bordo, que isso já se transformara numa neurose. Quando eu me lembrava
do tempo em que Dawidow Selchenin ainda tinha um quociente de inteligência normal!
Então ele tinha sido um homem que nada podia abalar, um bruto amável com um coração
de ouro.
E o que ele era agora? Um feixe de nervos choramingão!
— Isso naturalmente é outra coisa, professor — respondi, acalmando-o. — Eu vou
até aí, e nós discutimos este problema. Entendido?
— Sim, mas venha logo!
— Naturalmente.
Eu desliguei o intercomunicador, calcei minhas botas e peguei a caixa de
medicamentos de nosso médico de bordo, que estava entre os imbecilizados. Como o
Major Mincos Polata fora de opinião que um zoólogo era um biólogo e um biólogo um
meio-médico, eu tive que assumir esta função. Aliás, eu também não tive alternativa, pois
nossos medo-robôs estavam todos parados, devido às suas biopositrônicas.
A caminho, passei pela cabine de Polata e apertei a campainha. Silenciosamente a
escotilha escorregou para dentro da parede. O comandante estava justamente vestindo um
roupão de banho. Ele tinha tomado uma ducha.
— O que há, Capitão Vantolier? — perguntou ele.
Eu falei-lhe acerca do que acontecia com o Professor Selchenin, e disse que
pretendia dar-lhe um remédio antineurótico.
— Está bem — opinou Polata. — Caso isso não ajudar, mande me chamar. Eu,
afinal de contas, também sou psicólogo. Talvez eu tenha que submeter nosso grandão a
um hipnotratamento.
Eu anuí para ele e abandonei novamente a cabine. Quando cheguei ao convés da
tripulação, afastei o bloqueio da escotilha da escada de emergência, com o decodificador.
No corredor diversas mulheres e homens estavam parados em pequenos grupos.
Eles interromperam suas conversas quando me viram. Lentamente vieram em minha
direção.
Eu fechei a escotilha por trás de mim e disse:
— Por favor não me detenham agora. Eu preciso atender um paciente.
Urovia Deimogh, pelo seu distintivo viróloga e analisadora de programação, veio
para a frente e disse:
— Eu também estou doente, capitão. — Ela me estendeu as palmas das mãos, para
cima. Eu podia ver algumas feridas úmidas. Evidentemente ela mesma as provocara,
talvez com um talher de plástico.
— Em seguida vou examiná-la — respondi. — Por favor vá para a sua cabine, Dra.
Deimogh.
Ela virou-se obedientemente e foi embora. Em contrapartida as outras pessoas me
pressionavam com todos os tipos de problemas. Eu tive que conversar com elas por
alguns minutos, para acalmá-las, antes que me deixassem passar.
Preocupado, fiquei pensando como isso continuaria. Estas pessoas lastimáveis
sofriam com seu estado e com sua inatividade forçada.
Quando alcancei a cabine de Selchenin, o professor estava acocorado em cima do
tampo da mesa. Ele se despira inteiramente. O seu corpo estava recoberto de uma erupção
avermelhada e de ferimentos sangrando, provocados pela coceira.
Eu tranquei o cadeado de impulsos da escotilha, coloquei a maleta de medicamentos
numa poltrona e fui até Selchenin, que me olhou, com o olhar turbado. Pelo que pude ver,
ele provavelmente acabaria sendo um caso para Mincos Polata.
— É, — disse eu, sacudindo a cabeça, — acho que antes de mais nada vamos ter
que fazer alguma coisa contra esta erupção cutânea.
— Eu apenas preciso de ar livre. Isso é tudo, capitão — declarou Selchenin.
— Naturalmente o senhor também precisa de ar fresco, mas antes de mais nada
vamos ter que curar este eczema, caso contrário ainda pode pegar uma infecção. Por
favor, ponha-se de pé, ao lado da mesa. Eu vou colocar-lhe um pequeno emplastro de
injeção.
Eu abri a maleta de remédios e procurei por emplastros de injeções contra neuroses.
De repente duas mãos me agarraram no pescoço e apertaram, cada vez mais fortemente.
Eu fiquei tão surpreso, que reagi tarde demais. Em vez de imediatamente pegar os
polegares de Selchenin para virá-los para trás, eu tentei primeiramente falar com ele, o
que entretanto não conseguia fazer com a garganta apertada. Selchenin sempre fora um
homem forte — só que agora ele desenvolvia praticamente a força de um ertrusiano.
Antes de poder me libertar, eu desmaiei.
Quando voltei a mim, me encontrei deitado, amarrado, no chão do chuveiro.
Portanto Selchenin fora suficientemente premeditado, para não me deixar deitado no
âmbito de alcance da câmera dos monitores, a qual também estava presente na cabine de
Selchenin, como em todas as outras — exceto na minha e de Polata.
Eu tentei livrar-me das amarras. O imbecilizado utilizara faixas de bioemplastros da
maleta de remédios, mas não removera a camada de revestimento, caso contrário jamais
eu poderia livrar-me sozinho. Assim, porém, levou apenas vinte minutos.
Lembrando-me que Dawidow Selchenin, entrementes, poderia fazer mil bobagens,
eu comecei a suar frio. Eu apenas esperava que ele não tivesse levado o meu
decodificador consigo.
Infelizmente minha esperança foi em vão. Depois que me libertei, descobri que a
caixa de plástico do meu decodificador, no cinturão estava vazia. Também a maleta de
emergências médicas tinha desaparecido.
Eu corri para o intercomunicador, e liguei-o para chamar o Major Polata. Porém o
comandante não atendeu. Como não era possível ativar o intercomunicador para uma
chamada circular desde a cabine, eu corri para fora, para procurar Selchenin sozinho.
Desta vez eu não encontrei ninguém no corredor. Isso era incomum, pois os
corredores do convés da tripulação sempre tinham sido um lugar preferido para os
imbecilizados que gostavam de conversar.
Tomando uma rápida decisão, fui até a cabine de Wangemu e coloquei a mão
espalmada sobre a fechadura térmica. A fechadura abriu-se imediatamente. Logo vi
Ossoti Wangemu. Ele estava deitado no sofá e parecia dormir, mas quando ergui suas
pálpebras verifiquei que ele estava sob o efeito de um forte narcótico.
Dawidow Selchenin tinha procedido com uma esperteza, que eu jamais teria
imaginado num imbecilizado. Eu não contei mais em encontrá-lo no convés da
tripulação.
Mais uma vez tentei alcançar o Major Polata pelo intercomunicador, e mais uma vez
o comandante não respondeu. Infelizmente eu não tinha trazido meu telecomunicador de
pulso comigo, mas imaginei que também não o alcançaria com ele. Selchenin devia ter
subjugado Polata, para poder abandonar a nave sem ser detido.
Eu deixei a cabine de Wangemu e corri para a escada de emergência mais próxima.
Naturalmente eu não podia imaginar que Selchenin pudesse avançar, sem ajuda, até a
eclusa de solo, e que pudesse também abri-la, porém eu também não pudera imaginar seu
comportamento até agora.
Felizmente a escotilha diante da escada de emergência não estava trancada, caso
contrário eu estaria preso. Eu corri a escada em caracol de aço-plástico para cima, saí no
convés seguinte, e usei a esteira de transporte que funcionava aqui em cima, para chegar
mais depressa à centrai de comando. Eu poderia cuidar de Polata mais tarde. Agora era
importante revistar a nave com os monitores da central em busca de Selchenin, antes que
o evadido pudesse causar maiores danos.
Chegado à central de comando, eu comecei minha busca pela escotilha da eclusa de
solo. Eu praguejei quando verifiquei que a escotilha externa estava aberta. Selchenin
portanto já estava do lado de fora da nave.
Eu ativei a galeria de visão circular.
Meio minuto mais tarde eu descobrira Dawidow Selchenin. Ele estava a cerca de
quilômetro e meio de distância da nave e marchava em direção à nave-cogumelo.
Eu refleti febrilmente.
O evadido jamais chegaria até a nave-cogumelo. Antes disso eu o teria alcançado
com um planador. Mas também podia ser que os plostas o descobrissem. Neste caso não
se podia prever sua reação. Talvez eles o ignorassem, talvez eles o corressem de volta, e
possivelmente até podiam matá-lo.
Contudo eu não poderia segui-lo imediatamente. Antes eu teria que cuidar do Major
Polata, para que ele pudesse tomar conta dos imbecilizados restantes.
Eu encontrei o Major Polata no chão de sua cabine. Ele também estava amarrado
com faixas de bioplástico, e um inchaço por cima da orelha esquerda revelava o método,
com o qual Selchenin o derrubara.
Depois de ter cortado suas amarras, eu despejei uma caneca de água fria por cima da
cabeça de Polata. Ele respirou fundo, abriu os olhos e gemeu.
— Pode me entender, major? — perguntei.
Ele piscou os olhos.
— Selchenin! O senhor precisa encontrar Selchenin, capitão! Afinal, como é que ele
pôde escapar?
Eu apontei para o meu pescoço, que ainda doía. Pela reação de Polata vi que o lugar
onde fora apertado já estava roxo.
— Ele me cortou a respiração. Agora ele se encontra fora da nave.
O major fez um esforço para se erguer. Eu o ajudei. Ele tocou o galo na sua cabeça.
— Esse sujeito tem um golpe como um ertrusiano. Vamos, pegue um planador e vá
buscá-lo de volta, capitão!
— Imediatamente! — retruquei. — Antes, porém, o senhor precisa saber que
Selchenin provavelmente encheu uma parte dos imbecilizados com narcóticos,
encerrando os restantes em suas cabines. De qualquer modo, os corredores estão vazios, e
Wangemu está caído, paralisado, em sua cabine.
— Eu trato disso. O senhor agora voa atrás de Selchenin.
Eu anuí para o major, depois saí correndo de sua cabine e fui até o hangar dos
planadores. Depois de ter-me certificado de que o paralisador estava preso, bem à mão,
na sua fixação magnética, eu dei partida.
Como tinha anotado a direção de voo, descobri Selchenin logo depois de poucos
segundos. Ele não estava mais sozinho. Cerca de cem plostas o tinham cercado.
Os seres-inseto queriam lutar com Selchenin. Eu o reconheci pelos movimentos
ritualísticos com os quais eles o cercavam, e nas pequenas setas de madeira que enfiavam
nas suas carnes, para irritá-lo. Eles sempre procediam deste modo, quando queriam forçar
alguém à luta.
Enquanto levava o planador na direção do grupo, quebrei a cabeça, refletindo como
podia dissuadir os plostas de suas intenções. Mas não me lembrei de nenhum método,
pelo menos de nenhum que não empregasse a força.
Os seres-inseto finalmente solucionaram o problema para mim. Quando eu vi que
eles metiam uma arma de raios nas mãos de Selchenin, mostrando-lhe um dos seus, que
se tinha postado a cerca de cem metros, armado também com uma arma de raios, eu tive
que intervir.
Eu deslizei o teto da cúpula do meu planador para trás, coloquei o veículo de lado e
apontei minha mão com o paralisador para fora do casco da nave. Meu primeiro tiro
paralisou o adversário de Selchenin, o segundo o evadido. Depois disso, coloquei a arma
em grande leque e atirei nos outros plostas.
Eles ficaram totalmente surpresos, pois em Aggres nós jamais tínhamos atirado nos
nativos, nem mesmo os havíamos ameaçado com alguma arma. De outro modo eu estaria
perdido.
Deste modo, apenas alguns plostas chegaram a revidar o fogo com suas armas de
raios, antes de também caírem ao chão, paralisados. Dois tiros de raspão deixaram traços
de fundição no meu veículo.
Eu pousei Perto de Selchenin, embarquei o evadido um tanto rudemente no
planador, e dei partida novamente, de imediato. Eu tivera razão em não me deter por
muito tempo, pois mal estava outra vez no ar, quando do castelo da tribo mais próxima
saíram cerca de trezentos plostas, para retomar a perseguição.
Naturalmente o planador ganhou a corrida contra as asas dos insetos. Ainda assim
eu vivenciei, depois da volta, dentro da nave, alguns minutos assustadores. Se os plostas
atacassem a Explorer com pesadas armas de raios, eu teria que ativar os escudos
energéticos de proteção; e isso naturalmente teria que ser registrado pela tripulação da
nave-cogumelo. Provavelmente então eles se interessariam pela nossa nave e
possivelmente a destruiriam.
Porém os seres-inseto somente rodearam repetidas vezes a Explorer, depois foram
embora novamente.
Mais uma vez tínhamos escapado de uma enrascada.
***
A Good Hope II caiu exatamente a uma distância de dez anos-luz do sol-duplo para
o espaço normal, acelerando imediatamente outra vez, até chegar à metade da velocidade
da luz.
Por curto tempo a cabeça do “Enxame” diminuiu a distância, depois nós nos
encontrávamos novamente em relativa imobilidade um para com o outro. Nossos
instrumentos de medição trabalhavam e imediatamente passavam os dados conseguidos
para os pequenos bancos de dados positrônicos, para que mais tarde pudessem ser
avaliados.
O astro azul e o vermelho pairavam juntos, com o seu único planeta, na direção
norte, ao longo do escudo de cristal da cabeça do “Enxame”, que se aproximava
irresistivelmente. As forças gravitacionais que emanavam do “Enxame” — ou seja, as
distorções que eram provocadas pela massa do “Enxame” no campo gravitacional
galáctico — modificavam lentamente seus componentes orbitais conjuntos, forçando-as
para uma curva achatada na direção do escudo cristalino.
Naturalmente não se podia reconhecer isso a olho nu, mas os aparelhos de medição
forneciam resultados inequívocos. Nós reconhecemos que também as órbitas interiores
desse sistema solar eram influenciadas. A distancia entre ambos os sóis aumentou,
enquanto o planeta caiu inteiramente na atração da força de gravidade do astro gigante
azul.
— Eu estou contente, por saber que neste planeta não existe vida, Perry — observou
Atlan, que estava sentado do meu lado. — Ao que parece, dentro das próximas semanas,
ele se precipitará para dentro do gigante azul.
— Provavelmente os Conquistadores Amarelos impedirão isso, logo que o sistema
se encontrar dentro do seu escudo de proteção — achou Gucky. — É surpreendente como
eles conseguem fazer um jogo preciso de equilibrismo entre sóis e planetas.
Quando atrás de nós o chão tremeu sob passadas trovejantes, o rato-castor virou-se
e gritou com fingida indignação:
— Outra vez esse halutense com sua corrente idiota! Você não pode ficar onde eu
não estou, Icho?
Icho Tolot riu. Mais uma vez eu achei que os meus tímpanos não resistiriam às
fortes ondas sonoras que meu amigo halutense provocava.
— Você pode teleportar para uma outra seção da nave, se tem tão pouco senso de
beleza, Gucky.
— Teleportar? — O ilt literalmente se estufou. — Como é que eu posso teleportar
se você está nas proximidades com sua corrente de desimbecilização, seu pateador
galáctico!
— Por favor, modere-se! — adverti ao rato-castor.
Gucky sorriu e piscou para Tolot.
— Venha para o meu lado, herói de Halut, dos olhos ardentes. Certamente você
trouxe uma cenoura consigo.
— Uma cenoura eu infelizmente não consegui encontrar, Gucky — respondeu
Tolot. — Mas em lugar dela trouxe uma coisa parecida. — Ele tirou um rabanete do
bolso do seu uniforme.
Gucky quase perdeu a respiração de raiva, pois rabanetes não faziam parte,
absolutamente, das suas comidas preferidas. Porém antes que ele pudesse soltar um novo
canhonaço de imprecações, o halutense colocou o rabanete novamente no bolso, e tirou
de lá um maço de cenouras novas e frescas. Imediatamente o rato-castor estava outra vez
reconciliado.
A sua ira contra a corrente de Tolot naturalmente fora apenas fingida, pois Gucky
sabia muito bem que sem estas pedras rebrilhantes de Hidden World I, o halutense teria
ficado imbecilizado. Suas radiações provocavam em Icho Tolot uma espécie de
estabilização mental, tomando-o, deste modo, imune. Infelizmente as radiações também
causavam um efeito que fazia com que nas proximidades da corrente, não se podia
utilizar nenhuma força parapsíquica, seja telepatia, telecinese ou teleportação, ou o que
havia mais em dons parapsíquicos.
Depois deste pequeno incidente eu voltei minha atenção novamente para o sistema
de sóis duplos. A parede, brilhando cristalina, de escudos de proteção, que se
interpenetravam, tinha se aproximado mais ainda. Depois dos próximos minutos devia
ocorrer a justa posição. Os instrumentos de medição mostravam que na superfície do sol
gigante azul houve violentas erupções. Protuberâncias de muitos milhões de quilômetros
de expansão foram atiradas para o espaço. O acompanhante vermelho, entretanto, não
mostrou nenhuma modificação de rota.
Mentro Kosum, nosso segundo oficial cosmonauta, ligou as aparelhagens de
conversão de valores das medições. Logo depois acendeu-se um cubo de trivídeo
mostrando uma reconstrução tridimensional eletrônica dos valores conseguidos com os
hiper-sensores. Todos os efeitos de desfiguração tinham sido filtrados, de modo que os
dois sóis, seus planetas e o escudo de cristal podiam ser vistos clara e nitidamente, como
se estivéssemos afastados deles apenas poucos minutos-luz.
Pouco mais tarde formou-se no escudo de cristal uma sinuosidade. As bordas
avançaram, passando pelos sóis e depois fecharam-se aos poucos novamente.
Mais uma vez um sistema solar tinha sido incorporado ao “Enxame”.
Antes do escudo energético ter se fechado totalmente, Alaska Saedelaere chamou da
central de rastreamentos. Ele informou, que num lugar do escudo de cristal, afastado
quinze anos-luz, estavam ocorrendo movimentos.
— Ao que parece, logo atrás do escudo, inúmeras naves cósmicas estão sendo
reunidas — completou ele.
Eu pedi-lhe que seguisse atentamente o acontecimento, que me comunicasse
qualquer nova modificação imediatamente.
Ninguém falou nada, apesar de cada uma das pessoas presentes certamente ter sua
ideia sobre o acontecimento observado. Cinco minutos mais tarde, Saedelaere chamou
novamente.
— O escudo energético está se abrindo no lugar mencionado — declarou ele,
agitado.
— Sir, neste instante nossos hipersensores estão medindo as primeiras astronaves
que abandonam o “Enxame”.
Eu levantei-me e fui até a central de rastreamentos, que ficava anexa, para ver o
processo diretamente nas grandes telas eletrônicas. Atlan me seguiu.
Nós vimos a realidade reproduzida eletronicamente. O escudo de cristal abrira-se
num diâmetro de quatorze minutos-luz. Pontos de luz verde designavam as astronaves
que já se encontravam do lado de fora do “Enxame”. Nas telas de avaliações apareceram
as imagens eletrônicas dos tipos de naves, até agora captadas. Eram tantos tipos
diversificados, que a tela logo quase não chegava mais para representá-las todas.
Entrementes o contador de objetos tinha começado a funcionar. O número dos objetos
voados para fora já tinha ultrapassado mil e aumentava constantemente.
Depois de mais cinco minutos a grande tela eletrônica de vídeo comutou
automaticamente. Repentinamente ele só mostrava ainda um único tipo de nave,
enquanto uma voz robotizada declarava que deste tipo um total de oitocentas astronaves
tinha abandonado o “Enxame”.
— Colméias de abelhas! — murmurou Atlan.
Eu olhei, interrogativamente, para o arcônida.
Ele riu, sem humor.
— Desculpe-me, Perry. Eu esqueci que, por colméias de abelhas, você só conhece
aquelas casinhas coloridas de plástico, que são montadas sobre plataformas
antigravitacionais, e totalmente climatizadas. Na realidade eu também não quis dizer
colméias de abelhas, mas sim cortiços de abelhas. Antigamente, os seus antepassados
realmente usavam cestos trançados como “currais” para as produtoras de mel
domesticadas. Estes cestos tinham o mesmo formato que o tipo de astronave mostrada.
Eu me voltei novamente para a tela de vídeo eletrônica, franzindo a testa. O tipo de
astronave mostrado possuía o formato de uma cúpula alongada. Setas luminosas
indicavam, com tabuletas, que os propulsores principais das “naves-colméia” se
encontravam na base circular absolutamente redonda, e que as naves voavam com a parte
abaulada para a frente.
— O escudo está se fechando novamente — avisou Alaska Saedelaere. — Um total
de seis mil astronaves deixaram o “Enxame”, sendo que destas oitocentas são do tipo
“colméia”. Elas voam com sessenta por cento VL e aparentemente ainda estão se
formando.
Eu me levantei.
— Vamos dar uma olhada mais de perto, antes que a formação possa desaparecer no
semi-espaço. Eu me interesso especialmente pelas naves-colméia.
Pelo hipercomunicador eu dei instruções adequadas a Senco Ahrat, depois voltei
com Atlan para a central de comando. A Good Hope II acelerou, entrou no semi-espaço,
e caiu novamente de volta ao espaço normal, quinze anos-luz adiante.
Novamente o “Enxame” recuperou, enquanto nossa nave acelerava de zero até
metade da velocidade da luz. Quando a cabeça do “Enxame” ficou parada, relativamente
a nós, vimos diante de nós a formação de naves, consistindo de seis mil unidades. Ela se
afastou numa linha, que correspondia à rota alongada, até agora, do “Enxame”, e
continuou a acelerar.
Senco Ahrat olhou-me interrogativamente.
Eu fiz que sim.
O emocionauta acelerou novamente. A Good Hope II afastou-se mais uma vez do
“Enxame”, correndo atrás da formação de astronaves. Quando verifiquei que, devido
nossos valores de aceleração maiores, nossas naves teriam alcançado as estranhas dentro
de cerca de meia hora, fui até a central de rádio.
Eu fiz uma ligação de hipercomunicador com a Intersolar.
Julian Tifflor sorriu do alto da tela de vídeo.
— Eu segui sua manobra, sir — declarou ele. — Também a “saída” de seis mil
naves. Onde devemos nos encontrar?
Eu devolvi o sorriso.
— Meio minuto-luz de distância do flanco da formação de naves, ainda a oeste —
dentro de dez minutos.
— Estaremos lá pontualmente — respondeu Tifflor.
Eu chamei Senco Ahrat pelo intercomunicador, e pedi-lhe que avançasse, numa
curta manobra linear, para o flanco noroeste da formação de astronaves.
Depois chamei o Major Bossa Cova, pelo rádio. O ex-armador olímpico a princípio
resistira em aceitar uma patente de serviço, porém quando lhe garanti que se tratava
apenas de uma formalidade, pelo tempo em que trabalharíamos juntos, ele finalmente
concordara.
Logo em seguida ele apareceu.
Eu fui com ele até a central de comando e disse:
— Major Cova, eu tenho uma missão especial para o senhor.
3

O Administrador-Geral tinha-me entregue uma missão especial, que eu deveria


executar com o rato-castor Gucky, quando ocorresse o caso, com o qual Perry Rhodan
contava.
Depois que tínhamos concluído todos os preparativos, Gucky e eu voltamos à
central de comando. Eu vi que tínhamos alcançado as seis mil naves do “Enxame”, com
uma curta manobra linear, e agora nos encontrávamos no seu flanco esquerdo, o do
noroeste, caso nos orientássemos pelos “pontos cardeais” do plano galáctico.
Das seis mil naves espaciais, somente oitocentas possuíam a mesma forma de
construção. Elas se pareciam a cúpulas metálicas, que voavam com seu abaulamento para
a frente. As partes traseiras, absolutamente redondas, emitiam labaredas chamejantes. Ali
se encontravam os propulsores.
Gucky escorregava, inquieto, de um lado para o outro, na poltrona grande demais
para ele.
— O que há com você? — perguntei. — Está com uma abelha na cueca?
O ilt bufou, indignado.
— Justamente abelhas! Você sabe como Atlan chama essas naves-cúpula, Bossa?
Eu fiz-me de desentendido e sacudi a cabeça.
— Colméias voadoras! — declarou Gucky. — Como se abelhas vivessem dentro de
colméias.
O Lorde-Almirante Atlan olhou para nós, pigarreou e disse:
— Antigamente as abelhas realmente eram conservadas em cortiços, especialmente
na Terra, e antes disso elas viviam em árvores ocas.
— Conte suas histórias da carochinha para minha bisavó — retrucou Gucky, com
desprezo. — A Terra e árvores ocas! Cabeças ocas existem em profusão por lá, mas nada
de árvores ocas. Eu, pelo menos, nunca vi nenhuma.
Atlan virou-se, sorrindo.
Gucky logo esqueceu o debate. Ele olhou para o setor ampliado da tela diante de
nós, aonde podia ver-se uma das naves-cúpula.
O ilt hoje devia ter levantado com o pé esquerdo, pois continuou a fieira de
observações rabugentas:
— Eu só queria saber por que os sujeitos dentro dos recipientes de mel iluminam os
cascos exteriores de suas naves! Será que com isso querem provar que têm maiores
reservas de energia do que nós?
Eu observei a nave-cúpula na tela. Ela realmente brilhava em todas as cores do
espectro, mas eu não acreditava que esse brilho era conseguido com ajuda de força
energética.
Eu pedi da positrônica de análises os dados conseguidos até agora, e depois os li,
em voz baixa, para o ilt.
— As paredes de bordo das naves do tipo colméia são divididas em inúmeros
planos hexagonais que são deslocados mutuamente e com isso funcionalmente se fundem
numa superfície de um gigantesco cristal, que tem um valor reflexivo muito grande. A
luminosidade dessas naves ocorre pela quebra e pela reflexão da luz estelar recebida.
— Isso eu não acredito — retrucou Gucky. — Nada pode refletir tão fortemente a
luz de estrelas, que estão muitos anos-luz distantes, que o casco de uma nave que brilha
como um holofote.
Antes que eu pudesse responder alguma coisa, Perry Rhodan saiu da passagem entre
a central de comando e a central de rádio.
— Por favor, ouçam-me! — disse ele. — Eu combinei com o Marechal Solar
Tifflor, cuja Intersolar está distante de nós apenas vinte segundos-luz, que ele lance suas
naves-auxiliares. Elas devem aproximar-se mais da formação de naves, para testar suas
reações. Caso não demonstrem nenhuma reação inimiga, nós também voaremos para
mais perto.
Ele sentou-se do lado de Senco Ahrat e falou em voz baixa com o primeiro oficial
de Cosmonáutica.
— Eu gostaria muito de teleportar uma vez para dentro de uma dessas naves-
colméia, Bossa — declarou Gucky. — Você gostaria de me acompanhar?
Eu olhei para o ilt, franzindo a testa. Naturalmente eu tivera tempo, entrementes,
para conhecê-lo melhor, depois do nosso primeiro encontro em Last Hope, mas suas
sugestões impulsivas ainda conseguiram me surpreender.
— Você sabe muito bem que temos nossas ordens definidas — respondi. —
Teleportar, por isso, por enquanto nem pensar.
— Ordens! — disse Gucky, desdenhoso. — As ordens existem para serem
ignoradas. Desde quando, aliás, você é um defensor tão ferrenho de ordens?
— Desde que eu me coloquei, de livre e espontânea vontade, sob as ordens de
Rhodan. Quem faz uma coisa dessas, deve agir correspondentemente. Aliás, eu me
lembro de ter escutado que você, em missões, também se submete, de livre e espontânea
vontade, ao comando de Rhodan.
— Por velha amizade, Bossa.
— Não importa qual o motivo — retruquei. — Somente o fato conta.
O rato-castor deu um assobio baixinho e apontou para os mostradores de medições.
— As seis mil naves aceleram mais fortemente. Pelo que parece elas estão querendo
atravessar o muro do jardim de Einstein.
Eu suspirei.
O ilt tinha uma maneira de falar engraçadamente de noções científicas, que às vezes
podia pensar-se estar falando com uma criança. Porém sua sabedoria especializada era
muito maior do que a minha.
— Nós poderíamos acelerar cinco vezes mais rapidamente se quiséssemos —
declarou Senco Ahrat. — Evidentemente nossos propulsores são melhores do que os dos
estranhos.
O Administrador-Geral apenas me olhou. Eu sorri, anuindo. Era surpreendente,
como se precisavam de poucas palavras para nos entendermos com este terrano. Às vezes
parecia que ele nos sugeria as suas ideias mudamente.
Diante de Perry Rhodan acendeu-se a tela do intercomunicador. Eu vi o rosto de
Joak Cascal no cubo de trivídeo.
— O Marechal Solar comunica que suas naves-auxiliares se aproximaram da
formação de naves em até um segundo e meio-luz. Não houve reações inamistosas.
— Obrigado — respondeu Rhodan.
Ele virou-se para Senco Ahrat.
— Primeiramente aproxime-se a uma distância de três segundos-luz!
O emocionauta anuiu.
Logo depois a Good Hope II girou em alguns graus para estibordo e depois acelerou
com todas as suas forças. A formação de naves se aproximou. As cinco mil e duzentas
naves de construções diferenciadas não podiam ser vistas na galeria panorâmica normal,
em contrapartida a luminosidade das naves faviformes aumentou fortemente. Parecia que
estávamos voando em direção a uma nebulosa de gases luminosos. Aos poucos, porém,
quando mais próximos chegávamos, a imagem se dividiu em inúmeros pontos de luz.
Depois a Good Hope II girou novamente e ficou voando perto da formação de
astronaves. A velocidade agora era de oitenta e sete por cento da VL, porém como nos
tínhamos ajustado, estávamos parados, em relação aos outros.
— Eu acho que devíamos erguer os escudos protetores, Rhodanos! — trovejou a
voz de Tolot, dos fundos. — Se os estranhos nos atacarem de surpresa, estaremos
perdidos, e com uma velocidade ajustada, nem sequer noventa e nove por cento da VL,
nos salvariam de recebermos os impactos dos seus tiros.
— Você tem razão, Tolotos — respondeu o Administrador-Geral. — Mas
primeiramente eu preciso saber como estão as coisas com as naves-auxiliares da
Intersolar.
Ele ligou o intercomunicador para a central de rádio e disse:
— Cascal, por favor pergunte ao Marechal Solar Tifflor, o que as suas naves-
auxiliares entrementes comunicaram.
Joak Cascal confirmou e chamou novamente, depois de meio minuto.
— Quinze naves-auxiliares da classe corveta estão avançando, com noventa e seis
por cento da VL, através da formação de naves. As outras estão recuando lentamente.
Rhodan assobiou baixinho por entre os dentes.
— Tiff está ousando muito — disse ele, como para si mesmo.
— Não demais, Administrador-Geral — interveio Cascal, sorrindo. — As naves-
auxiliares estão voando nove por cento da VL mais depressa que as naves da formação.
Com isso, não é possível nenhuma mira exata.
O Administrador-Geral anuiu.
— Não nas naves-auxiliares, mas em nós sim!
Ele curvou-se para a frente e apertou as teclas dos três escudos energéticos
diferentes da Good Hope II. Chamejantes, ergueram-se o escudo energético normal, o
escudo de sobrecarga de alta energia, e o escudo paratrônico.
Os pontos luminosos das naves faviformes empalideceram nas telas da galeria
panorâmica. Em contrapartida acenderam-se no local onde as naves restantes da
formação deviam estar, inúmeras manchas claras.
No instante seguinte desencadeou-se uma trovoada energética de amplitude terrível,
sobre os escudos protetores da Good Hope II. A nave foi sacudida violentamente. Sirenes
de alarme tocaram estridentes, sinais de advertência se acenderam nos consoles de
controles.
Senco Ahrat reagiu de modo fulminante. A Good Hope II acelerou com valores
máximos.
Gucky e eu não esperamos para ver o que mais aconteceria. Agora chegara o nosso
momento. Depois que o halutense, que sabia de tudo, abandonou a central de comando
quase que em fuga, eu peguei o braço de Gucky.
O rato-castor teleportou.
Nós materializamos na cúpula de comando de um Space-jet pronto para a partida,
nos sentamos diante dos controles e fizemos as ligações.
Diante de nós abriu-se a escotilha do hangar. Depois o Space-jet foi atirado para o
espaço sideral pela catapulta de lançamento. Eu liguei os propulsores para velocidade
máxima.
Diante de nós relampejava em inúmeros lugares, e ininterruptamente — e atrás de
nós a Good Hope II escapava, com velocidade cada vez maior, do fogo do adversário.
Nossa missão tinha começado.
***
Uma vez que logo desligamos os propulsores novamente, escapamos do
rastreamento adversário. Em consequência da velocidade que ganháramos com a Good
Hope II, éramos um pouco mais rápidos que a formação de naves. Aos poucos, porém,
ela recuperava a distância.
— Eles estão acelerando novamente — verificou o ilt, com um olhar para os
controles. — Dentro de cinquenta segundos também vamos ter que acelerar novamente,
se não quisermos ficar para trás, Bossa.
— Neste caso vamos acelerar — retruquei.
O ilt me olhou, interrogativamente.
Eu sorri.
— Não, eu tenho um medo terrível, baixinho. Mas o que estamos ousando, ousamos
por toda a Humanidade, e esta certamente é mais importante que nós.
— E mais importante que qualquer ordem — respondeu Gucky, enigmaticamente.
Eu acendi um charuto. Quando eu fumava, conseguia raciocinar melhor, e
raciocinar, neste momento, parecia ser a coisa mais importante que eu podia fazer.
Se nós ligássemos nossos propulsores novamente, tão perto da formação de naves,
isso dificilmente escaparia aos aparelhos de rastreamento das naves adversárias. Isso não
nos colocaria apenas em grande perigo, mas provavelmente também nos obrigaria à
suspensão de nossa missão.
Se entretanto nos esgueirássemos para dentro da formação de naves, então a
atividade de nossos propulsores certamente seria encoberta pelas fortes emissões
energéticas das outras naves. Além do mais, no meio da formação, ainda conseguiríamos
resultados de medições melhores que fora dela.
A questão era apenas como nós conseguiríamos entrar na formação sem revelarmos
presença, pela ligação dos propulsores?
Quando tive a ideia salvadora, dei uma risada sem querer.
Gucky olhou-me, desconfiado.
— Agora soltaram-se os últimos parafusos na sua caixa de pensar, não? — quis ele
saber.
Sua maneira de expressar-se realmente confundia as pessoas.
Em vez de responder, liguei as bombas de condensação de nosso grande tanque de
água. Eu esperei até que a pressão interna subisse até cinquenta atmosferas, depois abri,
por telecomando, a tubulação de exaustão rápida de bombordo.
— Para que isso? — gritou o rato-castor. — Está querendo umedecer o cosmo?
Depois ele olhou para o indicador de rota positrônico, e seus olhos se abriram
muito.
— Você soprou a água para fora para modificar nossa rota? — perguntou ele,
incrédulo. — E isso, com quase a velocidade da luz?
— Conforme você vê, funcionou — retruquei. — O impulso naturalmente é
mínimo, comparado com o impulso de nossos propulsores, mas ele nos coloca numa rota
que, pouco a pouco, nos dirige para dentro da formação. E sobretudo, mesmo com os
estranhos, os sensores energéticos certamente também não reagem à água.
O ilt engoliu em seco.
— Com todos os cometas e meteoros! Quando eu contar isso a Perry! — Ele riu. —
Transformar um Space-jet em um foguete com propulsão aquática, isso realmente é o
máximo!
Ele coçou-se atrás da cabeça.
— Não, isso nem é tão despropositado assim. Eu aposto que Perry teria tido a
mesma ideia maluca, se estivesse neste Space-jet.
Eu não respondi nada, mas dediquei minha atenção aos instrumentos de medição. A
formação de naves entrementes alcançara a mesma velocidade que nós, mas em vez de
continuarem acelerando, conforme eu esperava, as naves, subitamente, desligaram seus
propulsores.
Gucky varreu a sintonia, procurando pelas frequências de rádio, mas não conseguiu
quaisquer escutas das conversas dos estranhos. Em contrapartida, repentinamente ouviu-
se uma voz baixinha. Ela falava em intercosmo.
O ilt aumentou o volume, e a voz encheu a cúpula de comando da nave-disco.
—...saímos a sudoeste da formação, sem terem nos atacado a tiros. —
Evidentemente tratava- se de uma mensagem por hiperrádio, da formação de corvetas,
que tinha voado através da formação das seis mil naves. — Depois disso, quinhentas
naves abandonaram a formação e iniciaram a perseguição. A formação suspendeu a
aceleração, provavelmente para esperar pelas naves que nos perseguem.
— Fala Tifflor! — soou a voz do marechal solar. — Recuem sem combater! A sua
tarefa foi completada. A Intersolar está esperando, a uma hora-luz da ponta da formação
de naves. Desligo.
— Eu gostaria que tivéssemos algumas milhares de naves espaciais grandes, com
tripulações psiquicamente intactas — disse eu. — Com a inferioridade técnica das naves
do “Enxame”, nós poderíamos provocar uma grande confusão.
— Você aconselharia um ataque maciço, Bossa?
Eu sacudi a cabeça.
— Não, Gucky, mas sim aconselharia manobras perturbadoras, exatamente
calculadas. Seria suficiente se pudéssemos obrigar o “Enxame” a modificar a sua rota,
mantida até agora. Mas para que, essas reflexões! Nós não poderíamos tripular uma
centena de naves!
O ilt ainda quis dizer alguma coisa, mas silenciou, pois neste momento nós
penetramos na formação de naves. Por todos os lados passavam, deslizando, naves
faviformes, brilhantes. Os dados das medições indicavam que cada nave faviforme media
oito mil metros de comprimento, e tinha, no plano redondo da popa, quatro mil metros de
diâmetro. Nossos sensores de energia verificaram uma forte atividade energética nos seus
interiores.
— A oportunidade é tão boa como nunca — murmurou Gucky. — De dentro das
naves faviformes vêm inúmeros impulsos de pensamentos estranhos. Confusos, mas não
malévolos. O que é que Perry poderia ter contra um pequeno salto de reconhecimento?
Eu fiquei pensando.
A ocasião realmente era oportuna. Se conseguíssemos investigar o interior de uma
nave faviforme diretamente, certamente poderíamos reunir valiosas informações.
Eu somente tinha escrúpulos a respeito.
— Nós teríamos que deixar o Space-jet sozinho — declarei. — Isso significaria que
você teria que nos trazer de volta imediatamente, logo que a formação acelerar
novamente.
— Não, se eu saltar sozinho.
— Isso seria muito perigoso, Gucky. Nós não sabemos o que lhe espera dentro da
nave. Talvez existam perigos com os quais mesmo um multimutante como você não
consiga enfrentar sozinho. De qualquer modo, nós teleportamos juntos.
— Eu acho que encontrei uma solução — opinou o rato-castor. — Nós apenas
precisamos ajustar o piloto automático, de modo que ele passe a funcionar por si mesmo,
no momento em que as naves da formação acelerem.
— E se a formação entrar no semi-espaço?
— Nosso Space-jet poderá segui-la também, se fizermos uma ligação conjunta entre
o sensor de semi-espaço e o piloto automático.
Essa ideia me fascinou. Eu pus de lado todas as objeções. Enquanto Gucky efetuava
a ligação conjunta, eu reprogramei o piloto automático. De agora em diante ele seguiria a
formação de naves por todo o tempo em que nós efetuássemos o programa especial.
Mesmo assim, era possível que surgissem complicações, que dificultariam a ele uma
perseguição, ou a tomasse impossível, mas nem Gucky nem eu agora queríamos desistir.
O ilt mostrou seu dente roedor. Nós fechamos nossos capacetes de pressão, depois
eu peguei Gucky pelo braço...
A desmaterialização e a rematerialização ocorreram praticamente no mesmo
instante. Ainda há pouco ainda estávamos na cúpula de comando do nosso Space-jet e
agora nos encontrávamos num corredor estreito e baixo. O meu capacete globular ficava
afastado apenas poucos milímetros do teto, que brilhava avermelhado.
— Hum! Boa atmosfera de oxigênio — disse o ilt, jogando o seu capacete para a
nuca.
Eu segui seu exemplo, pois deste modo podíamos conversar sem a aparelhagem de
rádio.
Por um tempo ficamos parados, imóveis, escutando os ruídos variados, que
chegavam até nós, aos rumores de fortes reatores de fusão, ao zunido de reostatos de
campo, diversos sons surdos, indefiníveis e o arrastar de inúmeros pés. No meio daquilo
tudo sempre ouvíamos um rumorejar e sibilar.
A boca de Gucky abriu-se. O seu dente roedor apareceu em todo o seu esplendor.
— Os pequenos mudos purpurinos zunem — balbuciou ele. — Eu os reconheço
novamente, nos seus característicos impulsos cerebrais.
Eu sabia o que Gucky queria dizer com “os pequenos mudos purpurinos”. Ele se
encontrara com alguns num planeta de cristal no interior do “Enxame”. Todos nós
tínhamos ouvido o relato sobre isso. Tratava-se de um povo escravo, que executava os
mais variados serviços para os chamados Conquistadores Amarelos. Dizia-se que eles
tinham costumes e usos muito repugnantes, e praticamente não tinham nenhum instinto
de conservação.
Minha direita abriu-se contra minha vontade. Telecinese. Uma coisa fresca, dura,
foi pressionada na minha mão. Eu olhei para aquilo e vi um objeto mais ou menos oval de
material indefinível, que num dos lados terminava em ponta e no lado inferior possuía um
cano curto. Inúmeros buraquinhos perfumavam a superfície do objeto.
Eu olhei para Gucky e perguntei:
— O que é isso e o que devo fazer com isso?
O ilt sorriu, conspirador.
— Isso é uma ocarina, Bossa. Eu pedi-a emprestada da coleção de instrumentos de
Amulf Jensen.
Eu fiquei espantado.
O Dr. Amulf Jensen era um imune e médico de bordo da Good Hope II. Ele possuía
uma rica coleção de instrumentos musicais pré-cósmicos, dos quais não queria se separar
nunca.
— Está bem, você a tomou “emprestada”. Mas o que devo fazer com isso?
— Deve tocar com ela, naturalmente. Eu certa vez ouvi você tocando o seu
saxofone. Era de classe. Pois bem, aqui como lá, basta soprar no lugar certo, e fechar os
buracos certos no tempo certo.
Eu não tive jeito, fui obrigado a rir.
— Com você tudo parece tão terrivelmente simples, Gucky. Por que você não a usa
para tocar?
— Porque o bocal constantemente bate no meu dente roedor. Você hoje está difícil
para entender as coisas! Vamos, experimente a ocarina de uma vez. Se você não quiser
que os pequenos purpurinos mudos não nos torçam o pescoço, você precisa acalmá-los
com música.
Entrementes eu também já pensara nisso, depois de me lembrar que esta
característica dos purpurinos já fora mencionada uma vez no relatório.
Eu coloquei o bocal nos lábios e soprei. Meus dedos deslizaram por cima dos
buracos da cerâmica. Durante alguns minutos os bastidores sonoros da nave foram
enriquecidos por terríveis dissonâncias, porém logo aprendi como se devia tocar numa
ocarina. Eu toquei a “Canção do Pequeno Sol Vermelho”, uma canção favorita dos livres-
mercadores espaciais.
Gucky bateu palmas, entusiasmado.
— O que foi que eu disse! Basta soprar no lugar certo e fechar os buracos certos no
momento certo.
— Você tem razão — como sempre — retruquei, irônico. — E agora vamos dar
uma olhada por aí. Eu não vim para cá só para tocar um pouco de ocarina.
— Segure-a — murmurou o ilt, pegando minha mão livre.
Nós desmaterializamos e nos encontramos novamente numa outra parte da nave
faviforme. Seres de cerca de meio metro, de pele purpurina, passaram rapidamente por
nós. De repente pareceu que eles sentiram que estranhos tinham surgido por ali. E
pararam de soco. Olhos muito grandes foram dirigidos para nos.
— Toque! — murmurou Gucky.
Eu levei a ocarina aos lábios e toquei a “Canção do Garoto que Sonha Voar Entre
as Estrelas”. Os pequenos purpurinos se mexeram inquietos. Eles estavam vestidos só
ligeiramente, de modo que podíamos ver nitidamente a sua pele, que na realidade não era
uma pele no verdadeiro sentido da palavra, mas uma superfície coberta por inúmeras
placas córneas que se tocavam, e eram avermelhadas. Quando estes seres se
movimentavam, desenhava-se por baixo das placas, o jogo de músculos fortes. Nos
crânios redondos, brilhantes, cresciam longos topetes de cabelos de cores variegadas.
Cada mão tinha sete dedos, com unhas compridas e fortes, que pareciam pequenos
punhais afiados.
Lentamente os purpurinos vieram ao nosso encontro. Era evidente que eles estavam
fascinados pela música da ocarina. Eu, ao contrário, não me sentia muito bem dentro de
minha pele. Estes escravos de um povo desconhecido de dominadores e conquistadores
tinham uma tarefa definida a cumprir, conforme se depreendia de seus rápidos
movimentos anteriores. Se eles descuidassem
dos seus deveres por um tempo mais longo,
isso despertaria suspeitas.
De repente os pequenos purpurinos
estremeceram, ficaram parados e murmuraram
uma coisa, que soava como “Y'Xanthimona”.
Depois se viraram e saíram correndo,
apressados.
— Toque mais baixinho! — murmurou
Gucky.
Ele puxou-me pelo braço e foi atrás dos
purpurinos.
Nós chegamos a um pavilhão, no qual
desembocavam dezoito esteiras de transporte.
Elas traziam recipientes que brilhavam
prateados, e que eram erguidos pelos
purpurinos e carregados para outros lugares.
Outros purpurinos voltavam constantemente,
com recipientes evidentemente vazios, e os
colocavam sobre as esteiras de transporte que corriam em direção contrária. Os
purpurinos continuavam olhando para nós, mas não ficavam mais parados para escutar a
música.
O rato-castor puxou-me adiante. Depois de curto espaço de tempo nos encontramos
diante de uma parede de aço quadradona, vertical, e que se constituía de inúmeros tubos
hexagonais. Os purpurinos corriam para cima e para baixo, por cima de degraus e
pranchas. Eu vi que eles sempre paravam diante da desembocadura de um dos canos,
chuviscando o conteúdo dos seus recipientes, com ajuda de mangueiras em formato de
funil, para dentro das aberturas. Tratava-se de uma emulsão branca.
— Favos! — murmurou Gucky, agitado. — Estes canos hexagonais não são outra
coisa que favos grandes.
Eu mal o escutei, pois a mim fascinava aquilo que se mexia nos favos inferiores,
para dentro dos quais eu podia olhar. Eu apertei os olhos, pois os habitantes dos favos —
se é que se tratava realmente de seres viventes — irradiavam uma luz clara, de cor ocre-
amarelada, que me ofuscava.
Quando o ilt puxou seu capacete de pressão para a frente eu segui o seu exemplo. O
filtro automático do capacete evitava o ofuscamento pior. Mesmo assim eu apenas
reconheci, dentro dos favos, um ondear e flutuar, sem contornos, ocre-amarelado. Aquilo
se reforçava, cada vez que um purpurino derramava a emulsão esbranquiçada pela
abertura.
— Nos recipientes evidentemente há uma emulsão nutritiva — murmurei. — Você
consegue reconhecer, como se parecem os seres viventes, alimentados com a mesma,
Gucky?
O rato-castor suspirou.
— Infelizmente não. Eu apenas vejo um ondear e flutuar amarelado. Será que
deveria experimentar puxar um favo, telecineticamente, para a luz?
— Acho melhor você deixar disso — retruquei.
— De qualquer modo não me deixam tempo para isso — disse o ilt, com a voz
mudada.
Ele virara a cabeça para a direita. Eu segui o seu olhar, e vi um pequeno grupo de
purpurinos, que abriam caminho através dos companheiros de sua espécie. Eles
carregavam objetos de cerca de um metro de comprimento, parecendo canos de metal
brilhante, nos quais, em locais diversos, estavam afixados e enfileirados discos de
tamanhos diferenciados.
A sua meta, sem dúvida alguma, éramos nós, e nós não tínhamos nenhuma vontade
para descobrir o que queriam conosco.
Gucky hesitou ligeiramente. Ele refletia provavelmente se deveria proceder
telecineticamente contra os armados. Depois pegou minha mão e teleportou.
Nós materializamos novamente num corredor estreito. Pequenos purpurinos mudos
passavam rapidamente por nós. Quando eles pararam e se viraram para nós, eu mais uma
vez levei a ocarina aos lábios. A música, também desta vez, não negou o seu efeito.
Porém não levou nem meio minuto, e surgiram seres armados em ambas as extremidades
do corredor. Eles ergueram suas armas em formato de canos. Compridas colunas de fogo
partiram das bocas e queimaram alguns dos purpurinos que nos rodeavam. Os outros
saíram gritando, correndo para todos os lados.
Gucky pegou-me pela mão. Novamente rematerializamos numa outra parte da nave
faviforme. Mas desta vez não paramos. Sem falar sobre o assunto, nós sabíamos que as
inteligências dominantes da nave nos tinham marcado como invasores, e agiam
correspondentemente. Como os seres armados tinham surgido pela primeira vez diante da
parede de favos, eu suspeitei que os habitantes ocre-amarelados dos favos eram idênticos
com as inteligências dominantes da nave.
Novamente a cor amarela!
A designação “Conquistadores Amarelos” ganhava cada vez mais em veracidade.
Nós saltamos a torto e direito pelo interior da nave, conseguindo aos poucos uma
visão geral de suas construções internas. Além do setor dos propulsores, ela consistia
principalmente de um ajuntamento de grandes blocos, que por sua vez se juntavam de
muitas células faviformes. Levando em conta esta visão geral, mais tarde seríamos
capazes de poder calcular de quantos blocos e de quantas células faviformes esta nave
consistia.
Entrementes a caçada atrás de nós se organizava cada vez melhor. O ilt tinha que
teleportar em intervalos cada vez mais curtos. Porém ainda não podíamos abandonar a
nave, pois num salto para o setor dos propulsores tínhamos verificado que ali funcionava
um grande aparelho, que em sua maneira de funcionar correspondia mais ou menos aos
conversores-Waringer terranos.
A nave faviforme encontrava-se no semi-espaço.
— Espero que isto não continue desse modo durante horas a fio — disse Gucky,
depois que mais uma vez tínhamos rematerializado. Ele mostrava nítidos traços de
exaustão.
Poucos segundos mais tarde tivemos que teleportar mais uma vez.
— Eu espero apenas que nosso Space-jet não seja desatrelado — declarei, depois da
rematerialização seguinte.
O ilt saltou, quando na próxima curva do corredor apareceu uma tropa de seres
armados. Desta vez ele voltou para o propulsor linear. Ambos ficamos aliviados, ao
constatarmos que o aparelho estava desligado.
— E agora vamos para casa! — gritou Gucky, em triunfo.
Eu agarrei o seu braço, e no momento seguinte materializamos na cúpula de
comando de nosso Space-jet. Ele continuava pairando entre as naves faviformes
luminosas. Mas a formação estava em vias de se desfazer. Diante dela — e de nós —
brilhava, do tamanho de uma cereja, o sol amarelo.
—Eu receio, que até em casa, ainda há um longo caminho — disse eu.
***
Quando a formação de naves acelerou mais uma vez e dez minutos mais tarde
desapareceu no semi-espaço, o Major Cova e Gucky ainda não tinham voltado.
Eu instruí Julian Tifflor para ficar com a Intersolar no espaço normal e enviar todas
as naves-auxiliares, Space-jets e Lightnings disponíveis, à procura dos desaparecidos.
Depois seguimos a formação de naves no semi-espaço.
Nosso sensor de semi-espaço encontrou as seis mil naves quase imediatamente. Os
estranhos voavam com a velocidade da luz referencial mil vezes superior para a direção
noroeste.
Porém já depois de três anos-luz de voo ultraluz, as outras naves caíram de volta ao
espaço normal. Quando a Good Hope II as seguiu, os aparelhos de rastreamento
descobriram, à nossa frente, um sol amarelo com três planetas. Este sistema solar
evidentemente era o destino da formação de naves.
Porém isso não me interessava no momento tanto quanto o destino de Gucky e
Bossa Cova. Meu consolo era que antes da manobra linear nós não tínhamos medido
nenhuma energia de armamentos, e portanto sabíamos que não houvera combate.
Eu virei a cabeça quando uma mão pesada foi colocada no meu ombro.
— Não se preocupe, Perry, o baixinho com certeza vai aparecer — disse Atlan. —
Não houve nenhum combate, consequentemente o Space-jet não pode ter sido destruído.
— Isso eu também já pensei. Mas por que esses dois não entram em contato
conosco?
Meu amigo arcônida desistiu de uma resposta, digitou duas canecas de café no
dispensador automático, e entregou-me uma.
— Tome, esquente-se por dentro — disse ele. — Você parece meio congelado.
Eu realmente me sentia gelado por dentro, porque temia pelo pior para o rato-castor
e Cova. Sobretudo Gucky me era tão querido, que dificilmente podia imaginar uma vida
sem ele. Eu me censurei por tê-lo mandado mais para perto da formação de naves, para
conseguirmos informações maiores e melhores.
Alaska Saedelaere chamou pelo intercomunicador.
— O destino mais provável da formação deveria ser o segundo planeta do sistema
solar desconhecido, sir — declarou ele. — As naves faviformes estão se dirigindo
exatamente para lá, enquanto as outras naves estão se espalhando.
Eu agradeci e depois voltei-me para Mentro Kosum, nosso segundo oficial
cosmonauta.
— O senhor já descobriu indícios sobre o sistema de três planetas, Kosum?
Ele sacudiu a cabeça.
— O catálogo disse, pouco galante, que o trissistema é desconhecido, e o meu
cérebro me diz que o catálogo não erra.
— O seu cérebro realiza coisas extraordinárias — interveio Senco Ahrat,
zombeteiro. — Por que, por uma vez, ele não faz um bom trabalho, parando de
funcionar? A diferença para o estado atual deveria ser mínima.
Kosum sorriu, divertido.
— Ele não se deixa, ao contrário do seu, confundir por conversa mole.
— Por favor, Kosum — disse eu, censurando. — Pelo menos mantenha-se discreto,
até sabermos o que se passou com Gucky e Cova!
Mentro Kosum ficou sério novamente.
— Naturalmente, sir. Posso apresentar uma sugestão?
— Não se faça de rogado!
Kosum pigarreou.
— Pelo que eu sei de Gucky, ele também fez o voo linear junto com a formação.
Como a formação das oitocentas naves faviformes agora está se desarticulando, de
acordo com os últimos rastreamentos, talvez devêssemos procurar pelo Space-jet ali.
Eu refleti, depois sacudi a cabeça.
— A sugestão é boa, mas eu receio que, se nós entramos voando na formação,
puxamos as naves armadas de escolta para lá. E neste caso o Space-jet seria descoberto
por isso. Não, nós ainda vamos esperar.
Eu esvaziei minha caneca de café e fui até a central de rastreamentos. Alaska
Saedelaere virou-se, quando eu entrei. Ele apontou para um indicador de valores de
medição.
— O planeta número dois é um mundo parecido com a Terra, sir. Diâmetro no
equador 14.413 quilômetros, tempo de rotação 31,71 horas, gravidade 1,103 G. Boa
atmosfera de oxigênio, clima úmido e quente. Existem três continentes maiores e
inúmeros grupos de ilhas nos oceanos. As análises espectrais indicam que existe uma
vegetação luxuriante. Talvez ali até tenha se desenvolvido vida inteligente.
Por algum tempo eu esqueci minha preocupação com Gucky e com o armador. O
pensamento de que no segundo planeta do sol amarelo podiam morar criaturas viventes
inteligentes me deixou agitado. E a certeza de que estes seres viventes estavam diante de
um destino terrível me deixou entristecido, e mais uma vez me fez sentir nossa
impotência diante do “Enxame”.
Nós teríamos que ficar olhando, impotentes, quando um dia o Sistema Solar seria
incorporado ao “Enxame”?
— Reflexo de rastreamento fraco! — disse Saedelaere, quase sem fôlego. — Ele
vem do centro da formação de naves faviformes.
— Isso poderia ser o Space-jet!
Eu chamei Ahrat, informei-o sobre o rastreamento de Saedelaere, e ordenei-lhe que
voasse na direção do reflexo de rastreamento. Entrementes, os aparelhos de rastreamento
tinham captado uma formação de cem astronaves, que se retirava da formação de escolta,
tomando curso sobre as naves faviformes.
Isso tornou nossa suposição uma certeza.
Eu voltei para a central de comando, e indiquei a Ahrat que acelerasse mais
fortemente e que abrisse o hangar dos jatos. Mentro Kosum, por si mesmo, ativou o raio
direcional e o raio de tração.
Nosso voo tornou-se uma corrida com as naves de caça do adversário, que foi ganha
decisivamente por nossos propulsores bem mais fortes. Dois e um quarto de minutos-luz
antes da formação de naves faviformes, nós recebemos o Space-jet de volta a bordo. Em
seguida Senco Ahrat levou a Good Hope II, em alta velocidade, por cima da formação
adversária. As naves-caça voltaram, quando perceberam que não poderiam nos alcançar.
Logo em seguida Gucky materializou, com Bossa Cova, na central de comando. O
rato-castor mostrou seu dente roedor em seu tamanho total, o que sempre era sinal de
bom humor.
— O Oficial Especial Gucky apresenta-se de volta de um empreendimento de
reconhecimento, terminado com sucesso — declarou ele. — Nós estivemos dentro de
uma nave faviforme. O que você me diz agora?
— Que vocês, com isso, agiram contrariando minhas ordens — retruquei, severo.
— Por isso Tiff teve que ficar para trás com a Intersolar, para procurar pelo Space-jet.
— Ele vai ter muito que procurar. Não me diga que vocês estiveram preocupados
conosco?
— De jeito nenhum — retruquei. — Quem se coloca desnecessariamente em perigo,
deve saber também sair do mesmo sozinho.
Eu chamei Cascal e pedi-lhe que informasse Tifflor, que Gucky e o Major Cova
tinham reaparecido. Ele devia tomar suas naves-auxiliares de volta a bordo e depois nos
seguir.
Depois pedi que o ilt e Bossa Cova me fizessem o seu relatório. Naturalmente foi
Gucky quem tomou a palavra, e descreveu os acontecimentos, enfeitando-os como bem
entendeu. Ele informou sobre o descobrimento de blocos de favos com habitantes
indefiníveis, sobre os pequenos mudos purpurinos e a caçada que tinham feito a ele e a
Cova. O armador, de vez em quando, ampliava o relato, com algumas conclusões
pragmáticas.
Em seguida fizemos cálculos, para termos uma visão geral sobre o tamanho dentro
da nave. Conforme as mesmas, cada nave faviforme continha exatamente dois mil blocos
grandes, com mil células de favos hexagonais cada um. Isso dava a soma de dois milhões
de células de favos, por nave. Como provavelmente cada célula de favo alojava uma das
criaturas viventes cor de ocre-amarelado brilhante, havia em todas as oitocentas “naves-
colméias” juntas, um total de 1,6 bilhões de criaturas.
1,6 bilhões!
Se eu me lembrava que uma formação de oitocentas naves, em relação ao
“Enxame”, não era maior que um grão de areia em comparação com todo um planeta, eu
facilmente podia imaginar que dentro do “Enxame” ainda havia bilhões de naves
faviformes.
Eu senti um frio na espinha.
Se algum dia todas essas naves faviformes enxameassem para fora da microgaláxia,
então uma torrente de invasores se despejaria sobre a galáxia, que tomaria as hordas
invasoras de Gengis Khan um grupinho de excursionistas domingueiros...
4

Eu fechei a bainha magnética do meu traje de combate, afivelei o largo cinturão de


armas e hesitei um momento, antes de meter a flauta num dos bolsos externos.
Nas conchas acústicas, leves como uma pluma, do telecomunicador do traje, ouviu-
se um estalo, depois Mincos Polata se fez ouvir.
— Se estiver pronto, Vantolier, nós nos encontraremos no hangar.
— Eu estou pronto, major — retruquei — Desligo.
Com a “deixa” “Desligo”, o telecomunicador se desligava automaticamente.
Eu sorri, perdido nos meus pensamentos.
A descoberta conjunta, minha e de Polata, provavelmente nunca seria registrada no
departamento de patentes de Terrânia, nem posta em produção por alguma fábrica. Nós
tínhamos construído o chamado “Supersonic Control System”, quando mês após mês mal
conseguíamos dormir, porque nos oprimia o terrível destino, que se abatera sobre a
maioria das inteligências de nossa galáxia. Com o SCS era possível ligar e desligar
qualquer aparelhagem de rádio ao alcance da voz, podia-se sintonizar frequências e
volume bem como potência receptiva. Com isso deixavam de existir as comutações
manuais e os controles exteriores na protuberância do capacete.
Mas nenhum de nós teria algum lucro com essa descoberta, pois nós estávamos
presos em Aggres, e além disso, apesar de nossas tentativas durante meses, não tínhamos
mais conseguido uma ligação pelo hipercomunicador com outras pessoas que
permaneceram inteligentes. Nós não éramos tão ingênuos para pensar que éramos as duas
únicas pessoas na galáxia que continuavam inteligentes, não afetados pela onda de
imbecilização, mas de que nos adiantava isso, quando não havia nenhuma comunicação
com outros imunes?
Quando entrei no hangar, o Major Polata colocou a cabeça para fora da escotilha
aberta do blindado voador e perguntou, impaciente, onde eu estivera metido.
Quando ele viu o meu rosto, sabia que meus pensamentos eram culpados pela
demora. Ele disse alguma coisa incompreensível e puxou a cabeça novamente para
dentro.
Eu embarquei e me sentei do lado de Polata, que estava diante dos controles de
comando.
— Espero que os nativos tenham se acalmado outra vez — disse Polata. — Seria
muito desagradável para mim, se fôssemos enredados numa luta.
— Nós não precisamos atirar neles — disse eu. — Por isso pegamos o shift, com o
gerador paratrônico. Contra um escudo paratrônico, as armas dos plostas dificilmente
conseguiriam fazer alguma coisa.
Polata sorriu e guiou o veículo através da escotilha aberta do hangar.
— Naturalmente que não. Nossa situação é a de um homem que, sem aparelho
antigravitacional, salta do centésimo andar de um edifício. Enquanto ele está caindo, não
lhe acontece absolutamente nada. Somente quando ele chega embaixo a coisa fica
perigosa. A nós também não acontece nada, enquanto estamos voando ou viajando no
chão. Somente quando desembarcamos, a coisa poderá ficar perigosa.
— Esta comparação é macabra demais para mim — retruquei. — Se o senhor não
quisesse desembarcar, nós poderíamos logo ter ficado na nave. Ou o senhor pretende
examinar as ruínas de dentro do shift?
Mincos Polata riu e colocou a mão no meu antebraço.
— Está bem, Vantolier. É evidente que hoje o senhor está num dia ruim. Daqui por
diante vou tratá-lo como um ovo não cozido.
— Não me lembre de ovos — retruquei de mau humor. — Quando me lembro que
descongelamos duzentos de nossos ovos “Fortefrio”, colocando-os numa chocadeira feita
por nós mesmos, só para conseguirmos duzentos galinhos em vez de galinhas
poedeiras...!
— Pare com isso! — gritou Polata, torturado.
O resto do voo deixamos para trás em silêncio. Mincos Polata pousou o shift na
clareira perto da edificação. Nós esperamos e revistamos os arredores com os sensores
individuais. Porém hoje não apareceu nenhum plosta.
Depois de termos desembarcado nossos instrumentos, reforçamos o resto do
corredor e por precaução também escoramos o teto da sala de monitoramento. Depois
disso, empurramos a placa antigravitacional redonda carregada para dentro do velho poço
do elevador, ativamos os aparelhos antigravitacionais de nossos trajes de combate e
voamos atrás.
Duzentos metros mais abaixo, o poço terminava. Um pequeno monte de ferrugem e
o pó cinza-esbranquiçado do material plástico deteriorado eram a única coisa que sobrara
da cabine do elevador.
Nós jogamos os capacetes para trás, abrimos um pouco as bainhas magnéticas e
começamos com os trabalhos. Nossos desintegradores comeram através dos destroços de
uma galeria desabada. Depois de cada cinco metros, escorávamos os restos do teto com
colunas plásticas infláveis, e borrifamos fibra de vidro de secagem rápida por cima de
todas as fendas.
Depois de menos de uma hora topamos com uma escotilha bem conservada de
metal-plástico. Aqui não havia nenhum traço de decadência. Mas a escotilha tinha um
bloqueio de impulsos, cujo código de abertura não pôde ser determinado nem pelos
nossos aparelhos sensores.
— Ao que parece, pelo menos alguns dos habitantes humanóides desaparecidos
ainda dominavam a técnica dos seus antepassados — opinou Polata.
— Isso geralmente é assim, quando os descendentes dos colunistas astronautas
decaem na escala do desenvolvimento, devido a alguma circunstância — retruquei. —
Algumas pessoas salvam os restos da herança térmica e os utilizam para manter posição
de mando pessoal. Vamos abrir um buraco a fogo?
Mincos Polata anuiu.
Nós retiramos a escotilha pelas bordas, queimando-as com nossas armas de raios de
impulsos. Quando a mesma caiu para dentro da galeria que lhe ficava por trás, de repente
diversas placas do teto se iluminaram no corredor. Algumas acendiam e apagavam,
alternadamente, outras brilhavam apenas muito sombriamente, mas uma parte das placas
luminosas ainda funcionava sem problemas.
— Portanto ainda trabalha até mesmo um gerador de corrente — declarou Polata,
passando pela abertura.
Eu o segui. Depois de cerca de trinta metros, o corredor dobrava para a direita e
após mais trinta metros nós nos encontramos diante da abertura de um poço. Também
aqui não havia decadência, apesar dos trilhos direcionais nas paredes do duto mostrarem
que não se tratava de um elevador antigravitacional e sim de um ascensor de cabine.
Mincos Polata apertou no botão que tinha uma seta apontando para cima. Nós
escutamos um zunido, cada vez mais forte. Mas demorou quase um quarto de hora, até
que a cabine do elevador parou à nossa frente.
Nós entendemos. A cabine tinha se movimentado bastante depressa. Se mesmo
assim ela precisara de quase um quarto de hora até aqui em cima, este poço de elevador
devia ter uma profundidade de pelo menos dois quilômetros e meio.
Suficientemente profundo, para escapar-se das radiações de uma guerra atômica,
caso se tivesse alimentos suficientes, ou então instalações para a produção de alimentos
sintéticos.
Será que, lá embaixo, ainda poderiam existir descendentes dos colonos arcônidas?
Quando eu quis embarcar na cabine do elevador, Polata me deteve.
— Acho melhor sermos cautelosos demais do que levianos demais — declarou ele.
Ele retirou um aparelho de observação, em formato de caixote, da plataforma
antigravitacional, puxou para fora as pernas do tripé, e o colocou dentro da cabine do
elevador. Depois ele curvou-se para a frente, apertou o botão “para baixo” dentro da
cabine, e recuou rapidamente.
A porta fechou-se, depois a cabine deslizou para baixo. Nós ativamos a pequena
aparelhagem monitora, e vimos as paredes da cabine, nas telas de vídeo. Novamente
demorou quase um quarto de hora, exatamente doze minutos e meio, até que a cabine
parou. Curiosos, ficamos aguardando pelo que os monitores nos mostrariam, quando a
porta de cabine se abrisse.
Quando o aparelho de observação então nos transmitiu o que “via” através da porta
aberta, ficamos sem fala. Isso, nós nunca esperáramos ver.
Num dos monitores via-se um grande pavilhão — e nos fundos do pavilhão estava
um robô gigante, de metal que brilhava azulado. Ele tinha pelo menos quinze metros de
altura, e de ombro a ombro tinha cerca de cinco metros de largura. Uma cabeça cupular
semi-esférica, de cerca de metro e meio de altura, e de três metros na base, girava
lentamente de um lado para o outro, enquanto as abas de cobertura dos sistemas de lentes
se fechavam e abriam, alternadamente.
De repente apareceram duas aberturas na altura do tronco. De dentro de uma saiu
um cano vítreo espiralado, que imediatamente me lembrou das primeiras armas de raios
laser, de modelos terranos pré-cósmicos, que eu já vira antes uma vez, no Museu de
Armas de Terrânia. Da outra abertura saiu uma formação, que parecia uma antena cônica,
trançada de fios prateados.
Quando o cano da arma de raios laser se acendeu, nossos monitores deixaram de
funcionar. O aparelho de observação fora destruído.
— Se nós tivéssemos estado na cabine do elevador, no lugar do aparelho... — disse
Polata. Depois ele sacudiu a cabeça. — Não, nós provavelmente teríamos ativado nossos
escudos de proteção paratrônicos, destruindo o robô a tiros. Contra nossas armas, as
chances dele não são maiores que as de uma pistola de água.
— Vamos tentá-lo — disse eu, e apertei no botão com a seta apontando para cima.
Eu ainda escutei o zunido da cabine que subia; depois, subitamente fui inundado por
ruídos surdos, indefiníveis. Diante dos meus olhos dançavam círculos vermelhos, e os
músculos do meu corpo agiam como se tivessem vida própria. Eu não sabia exatamente o
que fazia, nem conseguia influenciar espontaneamente minhas ações. Imagens e sons
passaram confusamente diante de mim, como num caleidoscópio.
Em algum momento eu devia ter perdido a consciência, pois quando novamente
voltei a mim estava deitado num recinto nu, com paredes erguidas com grandes blocos de
pedras.
Eu me virei deitado, depois me sentei, e descobri, por baixo de mim, uma camada
de folhas secas. No ar havia um cheiro estranho, e do teto do recinto pendia uma lanterna
de gás, distribuindo uma luz rápida. Eu olhei para meu corpo e vi que apenas ainda vestia
o uniforme de bordo. O meu traje de combate e minhas armas tinham desaparecido.
— Bom dia, Capitão Vantolier! — disse uma voz familiar, perto de mim.
Eu me virei e vi o Major Polata, que também estava sentado em cima de um monte
de folhagens, olhando para mim.
— Pistola de água — disse eu.
— Como disse?
Eu ri, sem humor.
— O senhor afirmou que o robô não tinha maiores chances contra nosso armamento
que uma pistola de água. Evidentemente o senhor o subestimou. O que pode ter sido, que
nos deixou completamente indefesos?
— Provavelmente uma radiação que provoca histeria. O senhor ainda se lembra
daquela formação parecida com uma antena?
Eu anuí.
— Um emissor de raios de histerismo. Hum! Mas parece que ele só tem efeito em
cérebros humanos.
— Como assim?
Eu apontei para as paredes do nosso alojamento.
— Ao que parece os plostas nos salvaram e nos trouxeram para dentro de um dos
seus “castelos” de tribos. Portanto eles não devem ser atingidos pela radiação histérica.
Antes que o Major Polata pudesse responder, atrás de nós abriu-se uma porta de
madeira com ferragens fundidas, guinchando muito alto.
Eu me virei e vi dois plostas. Os seres-inseto acenaram com pesadas armas
paralisadoras.
Um deles trazia um dos nossos tradutores diante do peito. Ele o ligou e disse:
— Levantem-se e sigam-nos. O Tribunal das Tribos espera por vocês.
Eu me levantei.
— O Tribunal das Tribos? O que querem de nós? Do que nos acusam?
— De preparativos para a invasão. Venham!
Confusos, deixamos que nos levassem. Subimos uma escada de pedra até o telhado
do castelo da tribo, de onde se tinha uma ampla vista da planície, que na realidade era
uma savana — e o que descobrimos ali quase nos roubou a respiração.
Por toda a parte entre os castelos das tribos viam-se formações estranhas, que eu
jamais tinha visto antes. Em volta de bases redondas, perfeitamente circulares,
agrupavam-se, em diversos anéis, formações dodecagonais com inúmeras aberturas
faviformes hexagonais. De cada vez, devia haver no mínimo duas mil destas formações, e
de cada uma saía uma torre, coroada por uma antena globular de metal reluzente.
— O que é isso?—perguntou Mincos Polata, perplexo.
— Estes são os invasores que vocês chamaram — respondeu o plosta com o
tradutor. — O Tribunal das Tribos vai condená-los por isso.
O Tribunal das Tribos estava reunido numa arena oval, em cima do telhado de uma
edificação de pedra que tinha apenas trezentos metros de altura. Quando tínhamos visto
esta edificação, pela primeira vez, logo depois de nosso pouso em Aggres tínhamos
perguntado pela sua importância, mas não obtivemos resposta à nossa pergunta.
Agora sabíamos para que ela servia.
Mais ou menos cento e cinquenta plostas esperavam por nós. Eles estavam sentados
em nichos dos terraços de pedra, que rodeavam a praça livre da arena.
Um dos seres-inseto — eu reconheci-o na sua capa ornada de símbolos — era Id
Zirroh Par, que estava de pé, no centro da arena. Nós fomos levados até lá e tivemos que
ficar de pé ao lado de Id Zirroh Par, que também trazia no peito um dos nossos
tradutores.
— Estes estranhos, — começou Id Zirroh Par — que se dizem terranos, e que foram
recebidos hospitaleiramente pelas nossas tribos, por muito tempo nos fizeram crer na sua
intenção pacífica. Apesar de termos ficado decepcionados com este comportamento, nós
os toleramos no nosso mundo.
Um estalar de tenazes, aplaudindo, fez-se ouvir.
— Hoje, entretanto, tivemos que reconhecer — continuou Id Zirroh Par — que os
dois terranos só vieram até nós para preparar o pouso dos seus amigos. Por toda a parte
neste mundo, os estranhos ergueram seus castelos de tribos entre os nossos, sem pedirem
nossa permissão. Isso ainda seria perdoável se eles tivessem vindo até nós para alistarem
nossos valentes guerreiros. Mas também isso não aconteceu. Por isso eu proponho que os
dois terranos sejam obrigados a tomar a bebida da valentia, para que eles lutem contra
nossos melhores guerreiros, antes de desalojarmos os outros estranhos.
Mais uma vez houve o aplauso das pinças estalantes.
Eu esperei que os outros plostas falassem, mas isso parecia não ser usual com estes
seres-inseto. Por isso eu levantei a mão, e disse em voz alta:
— Esperem um pouco! Vocês laboram num erro lastimável. Nós não conhecemos
os habitantes destes estranhos castelos de tribos, e não motivamos ninguém a pousar em
seu mundo. Vocês são os guerreiros mais valentes que eu jamais conheci, mas eu lhes
peço que não procedam precipitadamente contra os estranhos. Os seus guerreiros,
certamente contra vocês são apenas pobres vermes, mas os seus castelos de tribos, ao que
parece, dispõem de meios técnicos, muito superiores aos que vocês possuem.
Id Zirroh Par virou-se para mim.
— Em você fala o medo de um verme branco, terrano. Não importa se os estranhos
tenham uma técnica superior ou não, eles não resistirão por muito tempo à valentia de
nossos guerreiros. Nós nos alegramos com a luta. Depois que vocês beberem a bebida da
valentia, também sentirão esta alegria. A luta vai proporcionar-lhes a maior alegria de
suas vidas, e a morte nesta luta é o ponto alto dessa felicidade.
— Minha alegria antecipada não tem limites — disse Polata, com amargo sarcasmo.
Ele olhou para mim. — Onde está a sua flauta, capitão?
Como o tradutor naturalmente também vertera estas palavras, Id Zirroh Par
certamente as entendera. Ele tirou minha flauta de sob a capa e entregou-me a mesma.
—Toque uma canção, terrano, antes que você entre na luta!
Eu peguei a flauta de madeira, levei-a aos lábios e toquei minha canção favorita.
O Condor Passa...
Os plostas ficaram escutando, fascinados como sempre, apesar de somente
escutarem os sons superiores, que ficavam no âmbito do ultra-som, e portanto ouviam
algo bem diferente que eu e Polata.
Mesmo assim, eu logo dei-me conta de que a música de minha flauta desta vez não
nos salvaria, pois enquanto eu ainda estava tocando, dez plostas, curiosamente
ornamentados e pintados, saíram de uma porta e entraram na arena. Eles se
movimentavam como dopados. Dois deles traziam recipientes metálicos chatos, dentro
dos quais ondeavam vapores violetas.
A bebida da valentia!
Eu parei de tocar minha flauta. Nas fileiras dos plostas sentados nos terraços, de
repente fez-se um movimento. Primeiramente eu achei que aquilo fora provocado porque
eu parara de tocar flauta, mas então vi o plosta, que com as asas zunindo voava por cima
da borda superior dos terraços.
O ser-inseto pousou diante de Id Zirroh Par, na arena, e disse:
— O Urtaavi está brilhando, Id Zirroh Par! — Apesar do tradutor não conseguir
verter a palavra “Urtaavi” para o intercosmo, nós sabíamos do que se tratava.
Urtaavi era o nome dado pelos plostas à gigantesca nave-cogumelo com os olhos de
ídolo que choravam lágrimas vermelhas.
A menção da nave-cogumelo provocou um tumulto no Tribunal das Tribos. Os
seres-inseto abriram suas asas de pele e subiram, zunindo, nos ares.
Id Zirroh Par hesitou ainda um momento, depois tirou o tradutor, deixou-o cair
desatentamente, e voou atrás de seus companheiros de espécie. Somente os dez guerreiros
enfeitados ficaram parados na arena.
Polata e eu não esperamos mais, para sabermos se nos dariam a bebida da valentia
ou não Nós nos entendemos pelo olhar, depois saltamos os terraços até sua borda
superior.
A astronave-cogumelo estava parada a cerca de dezoito quilômetros na savana.
Porém como tinha cinco mil metros de altura nós podíamos vê-la perfeitamente. O
gigantesco “chapéu” do cogumelo brilhava numa luz amarelo-ocre, pulsante. Eu senti
como, dentro de mim, se espelhava a sensação de um perigo iminente. Aquele brilho
devia significar alguma coisa, e depois de tudo que tínhamos experimentado com esta
nave, não podia ser nada de bom.
Quando meus joelhos de repente se flexionaram, eu murmurei uma imprecação,
querendo me erguer novamente. Porém então uma coisa me puxou totalmente para o
chão. Eu me agarrei num bloco de pedra, não tirando os olhos daquele “chapéu” de
cogumelo, que brilhava amarelado. Os enxames de plostas voadores que tinham tomado a
rota em cima da astronave-cogumelo caíram em desordem. Vertiginosamente os seres-
inseto perderam altura. Eles se chocavam, lutavam furiosamente contra a força que os
puxava para baixo — e finalmente foram todos, sem exceção, para o chão.
— Um gerador de gravidade! — gritou o Major Polata, tossindo. — O chapéu do
cogumelo é um gerador de gravidade. A força da gravidade deve ter, no mínimo,
dobrado.
— E nós estamos sem nossos aparelhos antigravitacionais — respondi.
No mesmo momento me ficou claro que isso não significava nada. Nossa salvação
encontrava-se bem perto, ou seja, dentro da arena.
Nós nos viramos no chão, os dois ao mesmo tempo, e olhamos para o shift que se
encontrava, abandonado, pousado no centro da arena. Os dez plostas, apesar da força de
gravidade aumentada, ainda estavam de pé ali. Naturalmente eles oscilavam, e os
portadores de recipientes tinham deixado cair suas tigelas, mas se mantinham eretos.
Mincos Polata falou meus pensamentos, quando disse:
— Se os guerreiros não nos atacarem, nós conseguiremos chegar ao shift em pelo
menos meia hora, mas se eles nos atacarem a coisa pode ficar preta. Com esta força de
gravidade, e nas condições deles, nós estaríamos indefesos, como criancinhas diante de
uma matilha de lobos.
Falar o deixara exausto. Polata tossia, procurando respirar fundo. Eu esperei
pacientemente, até que ele se recuperara novamente, depois nos esgueiramos, com muito
esforço, por cima do primeiro terraço.
Nós justamente tínhamos alcançado a descida para o segundo terraço, quando
ouvimos os disparos trovejantes de pesadas armas energéticas. Por cima da borda
superior da arena apareceram clarões muito vivos de explosões.
— Esses heróicos idiotas! — gritou Polata, com uma fúria impotente.
De repente ele levantou-se, puxou-se por cima da mureta para a parte superior do
terraço, e ali caiu de joelhos. De joelhos ele continuou a se arrastar em frente. Eu me
controlei, e consegui fazer a mesma coisa, pondo-me de pé, apesar da alta força de
gravidade puxar meus membros, como se cabos de aço os arrancassem para o chão. No
terraço superior, entretanto, eu também caí de joelhos.
Quando alcancei Polata na borda superior do terraço, eu vi uma imagem ao mesmo
tempo fascinante e perturbadora.
Os plostas, roubados de sua capacidade de voar, avançavam a pé ou em plataformas
antigravitacionais e em planadores de transportes, contra o ajuntamento de blocos
faviformes. Evidentemente os castelos das tribos tinham reunido todos os seus guerreiros,
pois a savana estava literalmente coberta de exércitos. Milhões de plostas se atiravam
numa fúria terrível sobre os invasores, e uma grande parte deles avançou na direção da
nave-cogumelo.
Canhões em cima de plataformas antigravitacionais e carretas disparavam sem
pausa sobre os blocos faviformes e a astronave-cogumelo. Milhares de raios energéticos
entrecortavam o ar.
E os invasores revidavam o fogo. Dos olhos do ídolo, por baixo do chapéu do
cogumelo, brotavam lágrimas vermelhas, que corriam velozmente nas suas trilhas
gravitacionais, para dentro da massa dos atacantes. Mas desta vez os castelos das tribos
não foram poupados. Onde as “lágrimas vermelhas” acertavam num castelo de tribo, só
restava um monte chato de pedra derretida e borbulhante.
Já agora era possível reconhecer-se que a luta terminaria com uma derrota terrível
dos insetos lutadores.
Porém o que aconteceu ainda foi pior.
De repente, o local dos combates foi iluminado por uma luz clara, estridente,
impiedosa. Uma torrente de claridade branca fez a paisagem parecer um quadro
fantasmagórico de um artista enlouquecido.
O Major Polata e eu evitamos olhar para o alto. Nós sabíamos o que tinha
acontecido. Logo em seguida, um trovejar de arrebentar os tímpanos confirmava que
diversas astronaves de grande porte tinham penetrado na atmosfera, e agora freavam, sem
consideração, com todas as suas forças. O capim da savana, na medida em que ainda não
fora queimado pelo fogo das armas energéticas, foi apertado para o chão por um punho
imaginário, e as árvores da floresta virgem em volta dobravam-se de um lado para o
outro, como espigas de trigo maduras numa tempestade.
Depois os primeiros raios energéticos foram disparados do alto, arando o solo numa
velocidade louca, e deixando para trás largas valas cheias de pedras derretidas,
incandescentes. Castelos de tribos ruíam sobre si mesmos, ardendo em fogo, a floresta
tropical molhada, queimava intumescida e produzia fumaça e vapor, e nas colunas de
ataque dos plostas fizeram-se novas lacunas.
Mas o fogo dos canhões de raios não continuou por muito tempo. Quando ele
terminou, milhares e mais milhares de pequenos seres vermelhos choveram dos céus.
Eles se reuniram no local de pouso, formando pequenas tropas, e marcharam com a
teimosia e o arrojo de robôs, na direção dos seres-inseto. E então se chocaram seres
viventes, aos quais eram desconhecidas coisas como o medo da morte e a misericórdia.
Com um frio na espinha eu virei o rosto, para não ver aquele morticínio.
— Vamos para o shift, Vantolier! — gritou Polata.
Sua voz soava completamente modificada, e quando olhei para ele vi lágrimas nos
seus olhos.
Nós nos esgueiramos de volta.
Mas também desta vez não chegamos longe. Mais uma vez trovejou acima de nós.
Eu olhei para cima com os olhos semicerrados, e vi uma espaçonave estranhamente
formada, que em seus contornos parecia uma gigantesca escada giratória, que passava
voando a cerca de mil metros de altura.
No momento seguinte eu fechei os olhos, diante do fogo muito claro, que
relampejou na nave e que bateu na arena quase no mesmo instante. Uma onda de choque
me suspendeu, e me atirou contra um bloco de pedra.
Quando, depois disso, novamente reinou o silêncio, eu abri os olhos
cuidadosamente. Eu me encostei num enorme bloco de rocha na borda externa do terraço
superior. No lugar, onde estivera a praça da arena, o planador e a tropa de guerreiros-
inseto, não havia mais nada. A arena tinha desaparecido, a partir do terraço inferior, como
que entrecortada, e as bordas ainda chamejavam, ardentes.
Eu olhei em volta, à procura do major. Mincos Polata estava caído, inconsciente, na
beira do terraço, os seus ombros e sua cabeça dependurados no ar. Com muito esforço eu
me arrastei até ele, puxando-o para trás.
Depois olhei para todos os lados. Na planície continuavam as lutas, com a mesma
dureza. Lágrimas vermelhas isoladas corriam atrás dos seus objetivos. Cerca de um
quarto dos burgos de pedra estavam destruídos ou fortemente danificados.
E nós estávamos deitados em cima de uma construção de pedra, de trezentos metros
de altura, da qual não havia nenhum caminho para baixo...
***
O tenente Efer Tusalis apertou as palmas das mãos contra suas têmporas, que doíam
terrivelmente, martelando o tempo todo. Ele olhou em volta e de repente viu seus
arredores de modo diferente.
Já desde algum tempo ele acordara de um pesadelo e sabia que se encontrava na
cabine de um veículo, que podia voar por entre as estrelas. Ele fora visitado, e tinham lhe
explicado coisas, mas somente agora ele entendia tudo — ou pelo menos pensava que
entendia.
Ele abaixou as mãos.
Ali estava o intercomunicador. Isso ele já soubera, e também que aquele armário
semi-embutido na parede, com o teclado, era o automático de aprovisionamento de sua
cabine. Porém esta mesinha com o console de comutação e a tela de vídeo oval por cima,
ele reconheceu somente agora. Esta era a ligação com o banco de dados da positrônica
principal. Com ajuda dos comutadores podia-se requisitar um número incontável de
informações, além de filmes de entretenimento e milhares de peças musicais.
Efer Tusalis foi até o intercomunicador, ligando-o. Apertando os dentes, ele lutou
contra a terrível dor de cabeça.
A tela do monitor acendeu-se e mostrou um símbolo. Uma voz disse:
— O combate e seus representantes, no momento não podem ser constatados. Por
favor, chame novamente mais tarde, ou deixe gravado um comunicado curto para o
comandante.
— Eu preciso de um médico! — gritou Tusalis, desesperado. — Ou, pelo menos,
um remédio para minha dor de cabeça!
Quando ficou sem resposta, ele desligou o intercomunicador. Hesitante, foi até o
console de requisições do complexo de dados positrônico. Ele apertou uma tecla e disse:
— Tenente Tusalis para a positrônica. Eu necessito urgentemente de informações de
como uma fechadura de impulsos de uma cabine trancada é aberta.
Ninguém respondeu-lhe, nem mesmo a tela de vídeo se iluminou.
Tusalis deu um pontapé no console de requisições, e quis virar-se. De repente ele
estacou, depois sorriu, triunfante.
— Eles vão ficar surpresos — disse ele. — Simplesmente me trancaram na minha
cabine, sem acompanhamento médico e sem possibilidade de falar com alguém.
Ele foi até o seu armário de hobby. As dores de cabeça tinham sumido. O Tenente
Efer Tusalis novamente tinha um objetivo, para o qual valia a pena trabalhar.
Uma grande parte do seu equipamento de hobby tinha sumido. Aparentemente isso
lhe fora tirado. Mas aquilo que ele precisava para seus fins, tinham deixado sem levar.
Um módulo eletrônico, do qual também fazia parte uma pequena positrônica primitiva,
um chamado computador experimental.
Tusalis trabalhou sem interrupção e com grande habilidade, durante praticamente
duas horas, depois um complexo do tamanho de uma maleta de executivo estava diante
dele, sobre a mesa.
Ele apertou diversas teclas de comutação. Duas lâmpadas de controle se acenderam,
e uma antena do tamanho de um dedo girou no centro do complexo. Segundos mais tarde,
uma estreita fita magnética deslizou para fora de uma fenda, na lateral do aparelho do
tamanho de uma maleta.
Tusalis olhou os símbolos perfurados na mesma, depois apertou diversas teclas em
determinada sequência. A pequena antena girou mais uma vez. Alguma coisa fez clique
— e de repente a escotilha da cabine deslizou para o lado.
O tenente riu, loucamente. Ele pegou o aparelho nos braços, deixou sua cabine e
dirigiu-se objetivamente para a escotilha que separava o corredor da escada de
emergência do poço antigravitacional.
Também aqui ele descobriu o código, tateando a fechadura de impulso
eletronicamente. A escotilha abriu-se e Efer Tusalis correu a escada em caracol para
cima.
No mezanino ele deixou a escada. As esteiras rolantes estavam paradas, mas depois
de dez minutos o tenente tinha alcançado a central de comando. Ele precisou de quase
uma meia hora para conseguir vencer a complicada fechadura de impulsos da escotilha
blindada.
Em seguida ele viu-se dentro da central, e olhou em tomo. Ele reconheceu quase
tudo outra vez. Os controles de comando, os telecontroles do console de máquinas, as
regulagens das telas de vídeo —, e sobretudo, o console de comando de fogo, pois antes
de ser trancado na sua cabine ele fora segundo oficial de artilharia da nave Explorer.
Carinhosamente ele passou os dedos sobre as teclas do chamado “realejo de fogo”.
Esta designação muito antiga era desaprovada, e os superiores não gostavam de ouvi-la.
Também Efer Tusalis somente chamara este instrumento de destruição assim, mas no
máximo, depreciativamente.
Porém desta vez ele disse as palavras com visível gozo.
— Realejo de fogo!
Mal ele o dissera, e o chão da central parecia vir ao seu encontro. Tusalis caiu e
bateu com o ombro contra uma poltrona anatômica. Praguejando, ele ergueu-se como
pôde e saiu cambaleando até o console de comutações das telas de vídeo.
Ele apertou as teclas. As telas se iluminaram e mostraram cenas, para as quais
Tusalis olhou por longos minutos, totalmente confuso. Do lado de fora, havia uma
planície parecida com uma savana, com edificações totalmente desconhecidas, e no meio
movimentavam-se, em grandes colunas, seres viventes exóticos que se metralhavam
mutuamente com armas de raios. De um cogumelo gigante, com um teto brilhante de cor
ocre-amarelada, saíam constantemente formações parecidas com lágrimas vermelhas, que
corriam, em sinuosidades loucas, para cima de grandes montes de pedra. Havia explosões
atômicas por toda a parte.
Efer Tusalis estava tão confuso, que somente conseguiu pensar claramente outra vez
quando inúmeras astronaves de formatos diferentes penetraram na atmosfera, derramando
violento fogo de raios sobre os seres em luta.
O tenente respirava com dificuldade. Em posição agachada, ele correu para o
console de comando de fogo e ligou a alimentação energética dos canhões de raios e dos
dois canhões transformadores no máximo de rendimento. Seus dedos trabalharam como
que autonomamente, e possivelmente eles obedeciam menos o seu cérebro que ao
automatismo conseguido por anos de treinamento.
Quando as usinas de alimentação de energia alcançaram cinquenta por cento de sua
capacidade máxima, o Tenente Tusalis ativou o escudo paratrônico, ligando-o em
automático de lacunas estruturais. Para cada tiro que deveria ser disparado, seria aberta
uma lacuna correspondente no escudo paratrônico, por exatamente sua duração.
As astronaves estranhas já tinham suspendido o fogo novamente, quando Tusalis
sentou-se diante do console de comando de fogo, apertando todas as teclas, umas depois
das outras.
Os canhões energéticos da EX-6633 atiravam em compasso regular. Seus
automáticos de perseguição do objetivo faziam com que cada tiro fosse um impacto
certeiro. Dentro de poucos minutos dezessete naves foram destruídas pelas bombas
transformadoras e muitas outras ficaram seriamente danificadas pelos tiros energéticos.
Quando o hipercomunicador chamou, Efer Tusalis ligou os canhões para fogo
constante e correu para o aparelho, ligando-o imediatamente.
O cubo de trivídeo clareou. O busto de um homem apareceu no mesmo. O rosto
pareceu conhecido ao tenente.
— Good Hope II para a astronave globular rastreada — disse o homem,
rapidamente. — Suspenda o fogo sobre as naves faviformes. Quem é o senhor?
O Tenente Efer Tusalis sorriu.
— Tenente Tusalis, segundo oficial de comando de fogo da EX-6633. E quem é o
senhor?
— Eu sou Perry Rhodan. Na realidade o senhor devia me reconhecer. Quem é que
tem, no momento, o comando da Explorer?
— Eu. O senhor é Perry Rhodan? Por isso o seu rosto me pareceu tão conhecido.
— Escute aqui, tenente! — disse Rhodan, de modo penetrante. — Suspenda
imediatamente o fogo. Por cima do senhor está se reunindo uma formação da frota de
caça do “Enxame”. Ela irá atacá-lo dentro de pouco tempo, se o senhor não suspender o
fogo, e contra o seu fogo maciço, nem mesmo o seu escudo paratrônico aguentará, pelo
menos não por muito tempo.
Tusalis sacudiu a cabeça.
— Ninguém vai destruir a EX-6633. — Ele riu, enlouquecido. — Por que não
intervém, Perry Rhodan? Mande sua Frota Solar contra os estranhos. Ou o senhor tem
medo da luta? Eu não tenho medo.
Rhodan abriu a boca para dizer alguma coisa, mas logo a fechou novamente. Ele
refletiu intensamente, e depois de alguns segundos perguntou, de modo calmo:
— O que há com o restante dos membros da tripulação, Tenente Tusalis? Pelo que
me lembro uma Explorer especial como essa tem quatrocentas pessoas. Ainda existe
alguém, além do senhor, que entende das comutações desta nave?
Tusalis fez que sim.
— Sim, o Major Polata e o Capitão Vantolier, mas eles aparentemente abandonaram
a nave. Eles tinham me trancado na minha cabine, e aparentemente também trancaram os
outros.
Perry Rhodan suspirou.
— Tenente, eu lhe peço, eu lhe ordeno, suspenda imediatamente o fogo, e dê
partida, se puder! Não existe mais nenhuma Frota Solar que poderia ajudá-lo. A
Humanidade se encontra em grande perigo. Salve-se junto com a tripulação da Explorer.
Nós precisamos dos senhores — de todos!
Mas Efer Tusalis já nem escutava mais. Ele olhava diretamente em frente, como se
quisesse olhar através do cubo de trivídeo, depois ele ergueu-se, e caminhou, com
passadas duras, para a escotilha. Ele tateou na mesma, enquanto murmurava palavras
incompreensíveis diante de si. Os seus olhos estavam sem brilho e embotados.
Quando descargas muito claras bateram no escudo paratrônico da Explorer, fazendo
a nave oscilar como um sino gigantesco, ele sentou-se no chão, apoiando-se com as
costas na escotilha blindada.
5

Resignado, eu desliguei o hipercomunicador. O espírito do Tenente Tusalis


evidentemente tinha mergulhado numa imbecilização completa depois de uma fase de um
despertar questionável.
— O que podemos fazer para salvar a EX-6633? — perguntou Atlan. — Trezentas
naves da frota de caça já se encontram na rota de ataque.
Eu fiquei refletindo.
— Intervir com a Good Hope seria inútil, e se usarmos a Intersolar apenas atraímos
toda a frota de caça para nós, e com isso também para a Explorer. Entretanto, se
pudéssemos encontrar o Major Polata e o Capitão Vantolier...
— Você acha que eles também levaram consigo um emissor de código que pode
abrir o escudo paratrônico da Explorer, Perry?
— Eu tenho certeza que é assim. Quem abandona uma nave cheia de imbecilizados
terá que tomar precauções para qualquer caso imaginável. Provavelmente Polata e
Vantolier não puderam voltar para a sua nave, devido às lutas, mas se nós mandássemos
teleportadores...
Eu ativei o intercomunicador circular.
— Gucky e Ras, por favor, imediatamente à central de comando!
Segundos mais tarde o rato-castor e o Major Cova materializaram perto de Atlan e
pouco depois também veio Ras Tschubai.
Eu os esclareci sobre a situação e disse:
— O escudo paratrônico da Explorer consegue aguentar o ataque maciço de
trezentas naves de caça, no máximo durante duas horas. Gucky, eu sei que é difícil
rastrear alguém telepaticamente, cujos
padrões de ondas cerebrais não se conhece,
mas...
— Já entendi, Perry — interveio o ilt. —
Desliguei o seu aparelho de fonia, por alguns
minutos, está bem?
Ele teleportou para o sofá, que tinha sido
colocado especialmente para ele na central de
comando, relaxou e fechou os olhos.
Murmurando, eu continuei, voltado para Ras e
Bossa Cova:
— Logo que Gucky rastrear os dois
oficiais, os senhores saltam. Se o senhor
quiser, poderá deixar-ser levar também, Major
Cova. Depois o senhor teleporta de volta com
Polata e Vantolier até a Explorer e para dentro
dela, logo que se abrir uma fenda estrutural.
Desliguem todos os canhões, e dirijam a
energia poupada para o transformador de
energia paratrônica. Depois disso, terá que
decidir sozinho o que é melhor — ou trazer a
Explorer para o espaço, ou colocar todos os imbecilizados numa nave-auxiliar, e fugir
com esta.
Gucky ergue-se de um salto do sofá e gritou, em triunfo:
— Eu consegui! Eles se encontram num corredor subplanetário, que foi aberto por
um tiro energético, — O pelo de sua testa se franziu profundamente. — Estranho, eles
pensam constantemente em algumas instalações secretas, e num robô gigante, que atirou
neles com raios histerizantes. Mas eles não estão histéricos. Arcônidas? Parece que
descendentes de colonos arcônidas construíram as instalações secretas e o robô.
— Arcônidas? — perguntou Atlan. — Arcônidas neste planeta?
O ilt sacudiu a cabeça.
— Não, não. Ali não há mais arcônidas. Além dos impulsos cerebrais da tripulação
da Explorer, eu apenas capto os impulsos mentais de dois seres humanóides, e estes são
Polata e Vantolier. Ao lado deles existem incontáveis impulsos muito exóticos, e também
de pequenos mudos purpurinos. Um momento, mas isso são impulsos de plostas! Sim,
naturalmente! Naquela ocasião, quando eu voei para Goolan, para dirigir a luta contra os
invasores de Dabrifa, nós tivemos que lutar, além de outros, contra cerca de cem mil
seres-inseto, que estavam a soldo de Dabrifa. Eles irradiavam os mesmos impulsos
mentais, que a maioria dos seres inteligentes lá embaixo.
— Eu acho que isso agora é pouco interessante — interveio o Major Bossa Cova,
que rapidamente se enfiara no seu traje de combate. — Agora trata-se de salvar a
tripulação da Explorer. Depois que solucionarmos esse problema, podemos pensar em
outras coisas.
O rato-castor piscou os olhos.
— Isso eu também sei. O que, aliás, ainda estamos esperando?
Ele e Ras, que já vestiam seus trajes de combate, tomaram o Major Bossa Cova no
meio. No instante seguinte eles tinham desaparecido.
Eu me virei e olhei a ampliação setorial dos monitores de vídeo, que mostravam
uma parte da superfície do segundo planeta. Havia apenas seis horas que as oitocentas
naves faviformes tinham pousado no planeta. Nisto, elas tinham se dividido em módulos
unitários, a dez quilômetros acima do solo. E agora viam-se divididos em pequenos
grupos, em todos os continentes do planeta, aglomerações circulares de grandes blocos
faviformes — e na mesma planície parecendo urna savana onde há meia hora atrás
tínhamos rastreado a Explorer, também estava pousada uma astronave-cogumelo dos
chamados instaladores do “Enxame”.
No meio de tudo isso havia, no planeta, grandes construções de pedra, que me
lembravam de gigantescos formigueiros, ou cones de cupins. Evidentemente estas eram
as casas daqueles seres-inseto que Gucky rastreara, que tinham participado muitas vezes,
como mercenários de Dabrifa e do Triunvirato Ertrusiano, em ataques de mundos
pacíficos e bases de apoio pouco vigiadas. Tudo isso ficava bem no passado para nós,
separado por um fosso de tempo, marcado pela imbecilização dos povos galácticos.
— Um momento! — disse eu.
— Sim, Perry? — Atlan me olhou interrogativamente.
— Lá embaixo estão lutando furiosamente, em toda parte — e isso com armas
energéticas. Imbecilizados não sabem manejar armas energéticas. Isso significa que os
plostas não são imbecilizados!
O arcônida anuiu, pensativo.
— Exato. Talvez Polata e Vantolier tenham organizado a resistência dos nativos.
— Isso eu não creio. Oficiais de um comando de exploração sabem avaliar uma
situação sobriamente. Seria irresponsável de sua parte lutar contra a superioridade dos
conquistadores. Quem é assumido pelo “Enxame” e pelas suas tropas avançadas, somente
pode ficar quieto, se ele quiser manter a si mesmo e ao seu povo, pelo menos vivo —
ainda que seja uma vida de escravos.
Eu gemi.
Eu esperava que finalmente encontrássemos alguma coisa, para pelo menos salvar
parte da Humanidade do destino mais terrível que se podia imaginar.
Eu me virei, quando Alaska Saedelaere entrou na central de comando.
— Sinto muito — disse o lesado por transmissor — mas ultimamente eu tinha
dirigido todos os aparelhos de rastreamento para as colônias de favos, a Explorer e as
naves de caça. Por isso somente agora eu verifiquei que a gravitação no segundo planeta
duplicou mais ou menos. Ela agora é de 2,2156 gravos. Além disso estão acontecendo
coisas estranhas com o sol. Eu pude medir protuberâncias de um tamanho, que são
absolutamente incomuns para um sol desse tipo.
Eu olhei para Saedelaere, enquanto na minha cabeça os pensamentos se
confundiam.
Duplicação da gravitação planetária! Era um milagre que os nativos, mesmo assim,
ainda continuavam lutando. Eles deviam dispor de uma constituição excepcionalmente
forte.
E o meu pessoal?
Não, os teleportadores e Cova não estavam em perigo. Os aparelhos
antigravitacionais de seus trajes de combate absorviam, sem problemas, a gravidade
aumentada. Também a tripulação da Explorer não podia ficar em perigo por causa disso.
Para isso existiam os reguladores de gravidade a bordo. E os oficiais imunes certamente
também estariam envergando trajes de combate.
Eu respirei fundo, aliviado.
Provavelmente a tripulação da EX-6633 já se encontrava em segurança dentro de
uma hora...
***
Nós apenas tínhamos que agradecer a um feliz acaso, por termos encontrado a
passagem para o sistema de galerias.
Depois que uma parte da arena foi cortada ao meio pelos tiros energéticos, Polata e
eu resolvemos descer, baixando pela montanha de destroços criada deste modo. Nós nos
arrastamos e trepamos com muito esforço para a frente, mas no decorrer do tempo,
sentimos que o corpo humano podia ajustar-se até certo ponto à gravidade aumentada.
Naturalmente nossos músculos nos doíam, porém nós nos movimentávamos mais
rapidamente que antes, em movimentos que poupavam nossas energias.
Na descida pela montanha de destroços então descobrimos, na parede que sobrara
na edificação, um buraco. Primeiramente foi apenas curiosidade, que nos levou a rolar
para o lado a pedra que bloqueava a passagem. Depois sentimos uma corrente de ar, que
saía da abertura, e que para Aggres era notavelmente fresco.
O major e eu pensamos imediatamente na instalação profunda que descobríramos.
Ali ainda funcionavam reatores de fusão, portanto certamente havia aparelhagens de
climatização e talvez reguladores de gravidade. Se tivéssemos muita sorte, talvez até
encontrássemos reguladores de gravidade portáteis, com os quais nos poderíamos
movimentar normalmente outra vez.
Tomando uma rápida decisão, entramos na galeria escura — e agora nos
encontrávamos num sistema de corredores, que estavam surpreendentemente bem
conservados. Placas luminosas isoladas nos tetos indicavam a direção.
Nós nos arrastamos adiante, incansavelmente, apesar de imaginarmos que no final
de nosso caminho nos confrontaríamos com o robô gigante e seu irradiador de histerismo.
Uma vez que estas instalações entretanto tinham sido feitas por seres vivos orgânicos, os
descendentes de antigos colonos arcônidas, devia haver comutadores, com os quais se
devia poder desativar o robô gigante, quando ele — por exemplo — trabalhasse
irregularmente.
Nós nos arrastávamos justamente através de um cruzamento, e entramos num ramal
que dava para a direita, porque era o único iluminado, quando repentinamente surgiram
do nada três figuras à nossa frente.
O primeiro susto desapareceu rapidamente, pois as figuras caíram ao chão, puxadas
pela alta gravidade, portanto não podiam ser das coleções de favos, do cogumelo ou das
naves exóticas.
Segundos mais tarde, entretanto, elas se ergueram novamente. Mas então eu já tinha
reconhecido, por trás do capacete globular, um rosto que era conhecido de todos os
homens.
O rosto de Gucky, o rato-castor!
Gucky disse alguma coisa aos seus acompanhantes, o que não pudemos entender
devido aos capacetes fechados. Um deles, aparentemente Ras Tschubai, desmaterializou
novamente.
O rato-castor e o outro homem, um sujeito forte de pele negra e cabelos crespos
pretos, onde se viam alguns fios prateados, jogaram seus capacetes para trás.
— Fiquem calmos, Mincos e Hysk — disse o ilt. — Ras foi apenas buscar trajes de
combate para vocês. Logo vocês poderão caminhar novamente como nós seres humanos.
Vocês saíram assim da Explorer?
— Não — respondeu Polata. — Com um shift e com trajes de combate. Os plostas
nos tiraram tudo. Isso são seres-inseto que...
— Eu sei — interrompeu-o Gucky. — Somente o nome do sol e do planeta eu não
conheço. Não, não é totalmente correto. Você é o comandante Mincos, então
naturalmente você batizou o sistema de EX-Polata.
— Correto. E o planeta se chama Aggres.
— Um nome bonito. De dar frio na espinha.
Neste momento apareceu Ras Tschubai. Ele trazia dois trajes de combate por cima
do braço. Os mutantes e o grandão de pele negra nos ajudaram a vesti-los. Depois que
ligamos os aparelhos antigravitacionais, nos sentimos, por alguns momentos, leves como
balões cheios de gás.
— Muito bem — disse o rato-castor enérgico. — Agora vamos refletir como
podemos chegar dentro da Explorer. — Ele apontou para o grandão. — Aliás, esse é
Bossa, Major Bossa Cova. Onde se encontra o transmissor de código, com o qual
podemos criar uma fenda estrutural no escudo paratrônico da Explorer?
— Ele se encontrava no shift, mas foi destruído — respondi. — Escudo
paratrônico? Você se engana, Gucky. Nós evitamos de envolver a Explorer em escudos
de proteção, propositadamente.
— Um certo Tenente Tusalis o fez. Ele, além disso, ativou o console de comando de
fogo, ativando todas as armas, e ligando-as em fogo contínuo. A sua Explorer está
atirando com todos os canhões energéticos e com os canhões transformadores, em cima
das naves-caças. Se nós não empreendermos alguma coisa depressa, a Explorer será
destruída pela superioridade do adversário.
— Efer Tusalis... — repetiu Mincos Polata. — Segundo oficial de comando de fogo
do EX-6633. O homem pertence aos imbecilizados. Mesmo se ele conseguiu recuperar
uma parte diminuta de sua inteligência, ele nem pode abandonar a sua cabine, quanto
mais penetrar na central de comando ou ativar o comando de fogo.
— Mas foi o que ele fez — retrucou o Major Cova. — Perry Rhodan até falou com
ele pelo hipercomunicador...
— Perry Rhodan? — perguntamos Polata e eu a uma só voz.
Bossa Cova anuiu.
— Foi ele quem nos mandou procurá-los. O Administrador-Geral achou que o
Tenente Tusalis era um homem na posse total de sua inteligência, aliás, com perigosos
traços paranóicos. Infelizmente apagou-se a sua inteligência, passageiramente
“descongelada”, enquanto ele ainda falava com Rhodan. De repente não se podia mais
falar com ele e eu receio que por ele mesmo jamais irá suspender o fogo. Ele nem mais
saberá como fazê-lo.
No telecomunicador de Gucky ouviu-se um zunido fraco. O ilt ativou uma tecla e
ficou na escuta.
— Vocês têm o transmissor de código? — ouviu-se num murmúrio. Gucky
aumentou o volume do som. As palavras seguintes foram suficientemente altas, para que
eu soubesse quem estava falando era Perry Rhodan. — A Explorer está sendo
bombardeada sem pausa. As trezentas naves-caças receberam um reforço de cem
unidades, depois de onze terem sido destruídas por tiros transformadores.
— Infelizmente não, Perry — respondeu o ilt. — O transmissor de código foi
destruído junto com o shift, no qual ele se encontrava. Você não pode nos ajudar?
— Não, não existe nenhuma possibilidade para isso. Vocês precisam do transmissor
de código original, e esse não existe mais. Mais uma coisa, baixinho. A nave-cogumelo
dos instaladores do “Enxame” recebeu reforço. No total agora existem dezenove
astronaves-cogumelo no planeta.
— Aggres — disse Gucky.
— Como disse?
— O planeta chama-se Aggres, o sistema, EX-Polata.
— Isso não é importante. As naves-cogumelo estão sugando a energia do sol,
Gucky. Fantásticos sugadores vão buscar gigantescas quantidades de energia de modo
fulminantemente rápido da superfície solar, e com isso esquentam a atmosfera do planeta.
As temperaturas no momento se encontram em cinquenta e três graus centígrados e
continuam subindo.
— Isso é terrível para os plostas — opinou Gucky. — É verdade que eles são tidos
como selvagens sedentos de sangue, e eu mesmo já lutei contra eles, mas para mim não
são piores que vocês, seres humanos. Certa vez quase que vocês exterminaram a si
mesmos, e isso deve ser dito em favor dos plostas.
— Você tem razão — veio a voz de Rhodan mais alta que antes. — Mas agora não
se trata disso. A tripulação da Explorer está em grande perigo. Quatrocentas pessoas!
Reflitam! Nós temos que encontrar um caminho para salvá-las!
— A instalação secreta dos colonos arcônidas! — gritei eu. — Talvez ali
encontremos os meios técnicos para solucionar nosso problema.
O ilt olhou-me pensativo.
— Eu não acredito muito nisso, mas como não nos lembramos de nada melhor,
podemos ir dar uma olhada. Nós chamamos de volta, Perry.
Ele desligou o telecomunicador.
— O que há com esse robô da histeria? — quis ele saber. — Com que ele cria essa
radiação, ou seja, com o que ele a irradia?
— Com uma antena — respondeu Mincos Polata. — Ela tem que ser levada em
consideração, Gucky.
O rato-castor mostrou seu dente roedor.
— Muito bem, nesse caso esperem aqui por mim. Eu vou procurar o robô e entortar-
lhe a antena. Logo que eu fizer isso, volto aqui e venho buscar vocês.
Ele fechou seu capacete de pressão e desapareceu. Depois de poucos minutos ele
voltou outra vez, abriu o capacete e disse, simplesmente:
— Isso estaria liquidado.
Segundos mais tarde nós materializamos no grande pavilhão, que já tínhamos visto,
uma vez, no monitor. O gigantesco robô estava parado nos fundos, imóvel. A antena de
radiação estava caída do seu lado. Além disso, não se via qualquer outro dano.
— Eu teleportei para dentro de sua cúpula de raciocínio e interrompi a ligação com
a instalação energética — explicou o ilt.
Ele caminhou do seu jeito curiosamente bamboleante na direção do robô e passou
por baixo das pernas do mesmo. Quando eu o segui — com sensações variadas — vi que
por trás havia um portal, cujos umbrais ficavam exatamente tapados pelas pernas do robô.
A mesma abriu-se sem qualquer intervenção visível. O ilt certamente usara suas
forças cinéticas. Nós entramos numa câmara de eclusa.
— Será melhor fecharmos os capacetes — achou Bossa Cova.
Gucky anuiu.
— Sim, atrás da próxima escotilha poderá haver qualquer coisa, uma atmosfera
venenosa, ou mesmo nenhuma, ou uma câmara de alta pressão.
Nós fechamos os capacetes. Gucky levou o olhar para a escotilha dianteira, depois
que o portal se fechara atrás de nós.
De repente saíram das paredes e do teto raios fluidos amarelo-esbranquiçados,
transformando-se numa densa névoa. Eu olhei para o aparelho de análises no meu pulso
direito e verifiquei que se tratava de uma substância bactericida que era, ao mesmo
tempo, absorvente de radiações. Em seguida fomos borrifados por outros produtos
químicos e finalmente com água limpa. Os líquidos escorriam por pequenas aberturas
gradeadas, que se tinham aberto no chão.
Depois que a última ducha terminara, abriu-se a escotilha interna.
Eu mais ou menos esperara topar com os distantes descendentes dos sobreviventes
da guerra atômica, porém ninguém veio ao nosso encontro. Nós entramos num pavilhão,
relativamente pequeno em sua superfície, mas bastante alto e de formato octogonal. No
centro, em cima de um pedestal baixo, havia a estátua dourada de uma criatura
humanóide, um homem com cabelos até os ombros e testa alta.
— Um monumento — disse Polata, decepcionado, pelo rádio de capacete.
— Um “monumento” com impulsos mentais — respondeu Gucky, agitado. —
Provavelmente uma espécie de robô com um cérebro orgânico. Os impulsos individuais
estão ficando mais fortes. O cérebro, até poucos minutos atrás, devia ter estado em sono
profundo.
Mal ele havia dito isso, quando a estátua se iluminou brilhantemente. Era um brilho
frio. Nós não registramos nenhum calor. No instante seguinte a camada exterior da
estátua começou a desfolhar-se — e por trás apareceu uma criatura viva, um homem
vestindo uma roupa branca muito justa, um cinturão amarelo com botões comutadores e
botas amarelas curtas. O seu cabelo era branco como o dos arcônidas, porém os olhos não
mostravam o vermelho albinóide como os de Atlan.
De nos olhou fixamente, e o seu olhar repousou mais tempo em Gucky, bem como
nos terranos de pele negra, Ras Tschubai e Bossa Cova. Esta cor parecia irritá-lo.
Nós ficamos parados diante dele, imóveis.
Depois de algum tempo o homem ergueu as mãos e disse em intercosmo
ligeiramente declinado:
— Eu os saúdo. Meu nome é Tadschor. Os senhores são habitantes da superfície?
— Não — respondeu Tschubai. — Nós somos visitantes de um outro planeta,
Tadschor. O senhor é um descendente de colonos arcônidas, não é verdade?
— Os senhores não são de Árcon? — perguntou Tadschor.
Ele sorriu.
— Como os senhores não são da superfície de Sidir, eu posso pronunciar o nome
corretamente. Lá em cima certamente ainda vão mencionar o nome falso. Quantos
habitantes existem lá em cima?
Gucky pisava de um pé para o outro, inquieto. Eu podia compreender o seu
nervosismo, pois eu mesmo também estava nervoso. A conversa com um homem
despertado de um sono profundo apenas nos atrasava, enquanto quatrocentas pessoas
estavam em perigo na Explorer.
— Lá em cima, há milênios, não existem mais criaturas humanóides — disse o
Major Mincos Polata, com franqueza brutal, para terminar o assunto sem proveito. —
Eles se exterminaram mutuamente numa guerra atômica. Seus descendentes são seres-
inseto inteligentes. Mas também eles não existirão mais por muito tempo, pois este
mundo foi tomado de assalto por invasores.
Tadschor balançou.
— Todos estão mortos! — murmurou ele. Com movimentos rígidos ele desceu do
seu pedestal — e foi ao chão, sucumbindo.
Gucky foi quem compreendeu primeiro o motivo. Ele ergueu Tadschor,
telecineticamente, outra vez para cima do pedestal, onde a gravidade evidentemente era
regulada artificialmente. Todos nós não tínhamos mais nos lembrado que a gravitação de
Aggres tinha duplicado. Nossos aparelhos antigravitacionais nos faziam esquecer isso
facilmente.
— Cuide dele, Hysk! — gritou-me o ilt.
Ele acenou para Tschubai. Ambos os teleportadores desapareceram. Eles
procuravam por aparelhos técnicos com os quais se pudesse ligar uma abertura estrutural
no escudo paratrônico da Explorer.
Eu deitei o despertado comodamente e abri a sua roupa no peito. Ele respirava com
dificuldade e mantinha os olhos fechados. O choque com a informação de Polata e o
efeito, ainda que rápido, da alta gravidade, o tinham afetado muito.
Quando eu tirei a caixa de medicamentos do cinturão, para injetar um medicamento
estabilizador da circulação sanguínea em Tadschor, eu escutei um estalo alto.
Eu levantei os olhos para ver de onde tinha vindo o ruído. Quando os membros de
Tadschor logo estremeceram num espasmo repentino, seus olhos se abrindo muito, e ele
dando de si um suspiro fundo, eu sabia o que estava acontecendo.
Eu abri a sua boca e vi a coloração marrom da língua e dos dentes, bem como os
estilhaços de uma cápsula de vidro.
Tadschor se envenenara.
O aparelho de exame da caixa de medicamentos confirmou que os batimentos do
coração e a respiração tinham cessado, e que a morte cerebral já ocorrera.
Eu fechei os olhos do homem e dei um passo para trás.
Neste instante materializaram Gucky e Ras Tschubai.
— Ele está morto — constatou o rato-castor, sobriamente.
Como telepata, ele naturalmente reconheceu isso imediatamente.
— Nada, não é verdade? — perguntou o Major Cova.
— Nada — confirmou Gucky. — Fechem os capacetes. Nós saltamos até a
Explorer. De alguma maneira precisamos entrar na nave. — Sua voz soava desesperada e
desencorajada.
O Major Polata e eu, nós dois sabíamos exatamente que não poderíamos ajudar aos
nossos homens, se não acontecesse um milagre. Então fechamos nossos capacetes e
estendemos as mãos.
Quando materializamos a poucos quilômetros da Explorer, imediatamente tivemos
que ativar os escudos paratrônicos de nossos trajes de combate. No escudo paratrônico da
EX-6633 viam-se os impactos de formidáveis descargas. Mas não apenas a nossa nave
estava sendo atacada. Por toda a parte, até onde podíamos olhar, circulavam grandes
espaçonaves por cima do planeta e destruíam sistematicamente os castelos das tribos dos
plostas. No chão, pequenos seres purpurinos atacavam os restos das tropas plostásicas.
Os teleportadores saltaram conosco para as proximidades de uma gigantesca
instalação de blocos faviformes, quando os purpurinos nos atacaram em grandes
números. Eu olhei pela primeira vez para dentro das células faviformes, e senti um frio na
espinha ao ver aquelas massas ocre-amareladas, que ondeavam dentro das mesmas, sem
que se pudesse reconhecer contornos firmes.
Perry Rhodan entrou em comunicação conosco, pelo rádio de capacete. Ele
perguntou onde nós nos encontrávamos e anunciou um ataque com a Good Hope e com a
Intersolar, para empreender uma última tentativa de salvar a tripulação da Explorer.
— Os senhores devem voltar imediatamente para bordo! — ordenou ele.
Gucky se recusou e conseguiu se impor.
Nós saltamos mais uma vez para escaparmos dos seres purpurinos. Desta vez
materializamos sobre a base do meio, de aço, da instalação faviforme. Logo em seguida a
Intersolar e uma espaçonave globular menor atacaram as naves-caças, que faziam fogo
sobre a Explorer. Aquilo não era mais que um ato de desespero. Para as quatrocentas
pessoas na Explorer, a ajuda veio tarde demais, pois o escudo paratrônico ruiu, antes que
a Good Hope e a Intersolar pudessem iniciar um segundo voo de defesa.
Eu fechei os olhos, quando nossa nave explodiu.
No instante seguinte, os teleportadores saltaram conosco para dentro da espaçonave
globular menor. Nós materializamos na central de comando e ainda pudemos ver como a
nave-cogumelo que se encontrava pousada na planície, e inúmeros blocos faviformes
vizinhos, foram destruídos por um foguete transformador.
Em seguida tivemos que recuar, fugindo rapidamente, pois de todos os lados agora
vinham voando velozmente milhares de naves de combate, concentrando o seu fogo em
cima de nossa nave...
***
Eu não levantei os olhos, quando se abriu a escotilha da cabine, que eu tinha em
conjunto com Mincos Polata. Totalmente mergulhado em pensamentos, eu soprava minha
flauta de madeira.
Depois de algum tempo tirei a flauta dos lábios. Mas os meus pensamentos ainda
não estavam aqui a bordo da Good Hope II, mas numa visão do passado, cuja história era
transmitida de geração em geração, aos pedaços, mas enfeitada com muita imaginação,
pela nossa família.
Quando alguém pigarreou baixinho, as visões se desfizeram. Eu notei que fixava a
parede da cabine e virei a cabeça.
Foi quando vi Perry Rhodan. O Administrador-Geral estava sentado numa poltrona
e me observava, pensativo.
— O senhor é um mestre com a flauta inca — disse ele.
Eu me levantei, coloquei a flauta sobre a mesa, e sentei-me numa poltrona diante do
Administrador-Geral.
— O senhor conhece o instrumento, Mr. Rhodan?
— Eu o ouvi, antigamente, muitas vezes, com um artista famoso, que se apresentava
no Susonic Hall de Terrânia. Eu acho que isso foi há cerca de trezentos anos atrás — e o
artista chamava-se Ezorra Vantolier.
— Um velho antepassado meu. Hoje a flauta me pertence, e se um dia eu tiver
filhos, vou legá-la àquele que a tocar melhor — se é que algum de nós, algum dia, poderá
ter filhos.
Rhodan suspirou.
— Sim, as coisas parecem feias, Mr. Vantolier. Nossas últimas medições
comprovaram que a média de temperatura em Aggres está em sessenta e três graus
centígrados. Se isso — junto com a duplicação da gravidade — acontecer num planeta
habitado por homens, a maioria dos habitantes será exterminada.
Eu olhei para ele. Para mim estava claro que com “um planeta habitado por
homens” ele não quisera dizer um mundo qualquer, mas sim a Terra, a pátria do Homo
sapiens.
E a direção da movimentação do “Enxame” apontava para o braço de Órion, no qual
se encontrava o Sistema Solar terrano.
— A distância entre EX-Polata e o Sol, de qualquer modo é de 20.408 anos-luz —
disse eu. — Antes que o “Enxame” deixasse para trás somente a metade desse trecho, nós
devíamos ter encontrado um meio efetivo para deter esse perigo.
— Nós devíamos, mas será que o conseguiremos? — Os olhos de Rhodan
brilhavam febris. — Este “Enxame”, eu tenho a sensação indistinta de que antes da nossa,
ele já visitou inúmeras outras galáxias — e de que ninguém, até agora, conseguiu opor-
lhe uma resistência efetiva.
— Talvez o “Enxame” é como um cometa, o qual, obedecendo às leis do Universo,
puxa suas órbitas cegamente, voltando sempre, milênio a milênio, por milhões de anos...
— refleti. — Sem ponto de partida e sem destino.
— Por que, afinal, o senhor usa a designação de “Conquistadores Amarelos”, Mr.
Rhodan? É devido ao brilho amarelo pulsante que nós observamos nas células
faviformes?
Perry Rhodan sacudiu a cabeça.
— Originalmente esta designação foi cunhada por Gucky, quando durante um
empreendimento de reconhecimento no interior do “Enxame” ele encontrou
frequentemente a cor ocre-amarelada, em peças de vestuário, símbolos e também num
ídolo robotizado de nome Y'Xanthomonari com o olho consciente. Portanto não se trata
de uma designação exata, mas sim de uma designação aleatoriamente englobando tudo.
Nós dois erguemos os olhos quando a escotilha se abriu. Mincos Polata entrou,
anuiu para nós e dirigiu-se para o automático de aprovisionamento.
— Vou tomar um whisky — disse ele. — Para quem devo digitar alguma coisa
também?
— Whisky, por favor — disse Rhodan.
— Eu também — declarei.
O major voltou com três grandes copos.
— Dizem que o whisky é calmante — disse ele — e eu preciso urgentemente de um
tranquilizante. — Os seus olhos estavam vermelhos.
Depois de todos termos tomado um bom gole, Polata sentou-se e curvou-se na
direção de Rhodan.
— Quer dizer que é verdade? A Humanidade solar foi atingida em cheio pela onda
de imbecilização?
Rhodan fez que sim.
— Com poucas exceções, major. Mas aquilo que o senhor descreveu sobre a
tripulação da EX-6633, também aconteceu com a Humanidade. O grau de imbecilização
ficou menor, diminuiu. Infelizmente isso não é o suficiente para, por exemplo, tomarmos
medidas de grande envergadura para a defesa do Sistema Solar contra o “Enxame”. Mas
deverá ser suficiente para dirigir um grande número de pessoas para as instalações dos
fortes a grande profundidade, em caso de um ataque direto.
— Eu espero que nunca chegue a tanto — disse Polata, sério.
O Administrador-Geral ergueu-se.
— Dentro de poucos minutos teremos que cair de volta do semi-espaço. Eu vou até
a cúpula de observação. Se os senhores quiserem me acompanhar...
Eu me levantei, peguei minha flauta, e fui até a escotilha. Mincos Polata fez um
gesto negativo.
— Obrigado, por enquanto eu fico aqui.
Quando chegamos à cúpula de observação, Senco Ahrat estava justamente dizendo
pelo intercomunicador que a Good Hope II, dentro de trinta segundos, voltaria ao espaço
normal.
Nós nos sentamos em poltronas anatômicas. Logo depois de nós, também apareceu
o Lorde-Almirante Atlan. O arcônida sentou-se perto de mim, anuiu rapidamente e olhou
para a cúpula transparente, atrás da qual ainda se viam as estranhas aparições luminosas
que enfeitam o continuum do semi-espaço.
Um gongo eletrônico anunciou o fim da etapa linear. Era como numa astronave de
passageiros em tempos de paz. As aparições luminosas do semi-espaço desapareceram,
dando lugar ao céu estrelado do setor sudoeste do espaço galáctico.
Atlan curvou-se para a frente e comutou alguma coisa no painel de controles. Da
base da parede saiu uma tela de vídeo chata e grande, que encobriu uma parte da cúpula
transparente. O arcônida ajustou uma ampliação setorial e apontou para um sol do
tamanho de uma cereja, que era retratado na tela.
— Ex-Polata. Naturalmente não se vê nada das erupções, uma vez que esta imagem
não foi conseguida por hiper-sensores. Nós estamos cinco anos-luz afastados da EX-
Polata, e somente poderíamos observar as erupções dentro de cinco anos.
Perry Rhodan girou com sua poltrona anatômica, e apontou para um lugar na cúpula
transparente.
— É dali que se aproxima o “Enxame”. É uma sensação estranha não vermos nada
dele. Poderia até pensar-se que o “Enxame” nem existe.
Eu olhei para a direção indicada. As estrelas brilhavam como diamantes sobre um
pano de veludo negro. O brilho do escudo cristalino, do qual me haviam falado, levaria
4,6 anos para alcançar o atual ponto de estada da Good Hope II.
— Se não for possível de outro jeito... — disse eu, perdido nos meus pensamentos
— ...vamos fechar os olhos e esperar. O “Enxame” veio e vai passar. E então nós
podemos reconstruir tudo que ele destruiu, outra vez...
Eu levei a flauta aos lábios e toquei uma melodia, que meus ancestrais já cantavam,
quando ainda viviam num outro continente.
O Condor Passa...

***
**
*

Os conquistadores chegaram — e uma civilização


foi destruída. Os acontecimentos em Aggres levaram
Perry Rhodan a golpear duramente.
Porém existe mais alguém que golpeia duramente
— Sondal Tolk, o Vingador. Ele se encontra num
planeta no meio do “Enxame” — a caminho da ilha dos
felizes...
A Ilha da Felicidade — é o título do próximo
número da série, que descreve mais uma emocionante
aventura de Perry Rhodan e seus amigos...

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:

www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


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