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(P-533)

A
RUPTURA

Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários da Terra e dos outros mundos da
Humanidade registram os meados do mês de abril do ano
3.442.
Para Perry Rhodan e a legião dos terranos não
atingidos, ou não atingidos mais pela deterioração mental
que se espalhou por toda a Galáxia — seu número, embora
já tenha crescido para alguns milhares, é insignificante
diante dos bilhões de seres atingidos — surge uma série
enorme de tarefas importantes, que quase não podem ser
cumpridas por causa da falta de elementos qualificados.
Perry e seus companheiros fazem tudo para deter a
ação nefasta do “Enxame” na galáxia; tentam aliviar o
sofrimento na Terra e nos outros mundos habitados;
preocupam-se com o Império Secreto, cuja existência de
certa forma representa mais um perigo; e tentam mobilizar
todas as forças inteligentes da galáxia que ainda não
foram atingidas pela onda de deterioração mental.
Apesar de todas as dificuldades, já se registraram
importantes êxitos parciais nessas missões difíceis. E
parece que mais um êxito se delineia no confronto com o
“Exame”.
Uma das espaçonaves da 5a Coluna consegue A
Ruptura.

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — O Administrador-Geral que faz sair uma
expedição.
Ribald Corello — O supermutante que manipula o
sextagônio.
Alaska Saedelaere — Chefe da expedição Gevari.
Mentro Kosum — Piloto da nave especial Gevari.
Blazon Alfa e Blazon Beta — Dois irmãos muito diferentes.
Gucky, Merkosh e Balton Wyt — Mutantes a bordo da
Gevari.
1

Blazon Alfa estava prestes a ganhar vinte e três solares de Roi Danton, quando o
rastreador de massa da Gevari deu o sinal. O filho de Rhodan atirou as cartas sobre a
mesa e levantou.
— Um momento! — protestou Blazon Alfa. — Este jogo deve ser levado até o fim.
— Aposto que ele combinou alguma coisa com os emocionautas da Intersolar —
disse Blazon Beta sorrindo. Ao contrário do irmão, que tinha 1,79 metro de altura, era um
homem baixo e magro de rosto enrugado e nariz afilado. Parte de sua cabeça estava
raspada, mas a outra parte era o ponto de partida de uma trança grossa que chegava quase
até os calcanhares.
Blazon Beta viu o rosto do irmão mudar de cor. Normalmente Blazon Alfa era um
homem pacato e bonachão. Mas na mesa de jogo parecia ter esquecido suas boas
intenções.
Blazon Alfa também levantou e afastou as cartas com um movimento da mão.
— Temos contato com a Intersolar — disse. — Não há motivo para interromper o
jogo.
Danton sentara junto aos controles. O oscilógrafo e os rastreadores mostravam
várias amplitudes. A tela de imagem que ficava no centro dos aparelhos de rastreamento
mostrava um forte impulso luminoso.
— Chegou a hora! — exclamou Danton. — É a Intersolar.
Blazon Alfa deixou-se cair numa poltrona. Parecia contrariado.
Danton olhou-o de lado.
— Está aborrecido?
— Está com o rosto verde — disse Blazon Beta em tom malicioso. — Não
percebeu?
Danton afastou os olhos dos controles e fitou Blazon Alfa. Viu um homem
musculoso com cabelos curtos e escuros.
Os dois irmãos, que tinham subido a bordo da Gevari em Last Hope, com Roi
Danton, eram diferentes não somente no aspecto exterior, mas também no caráter. Mas
apesar disso os dois exerciam a mesma profissão. Eram físicos-sextadim.
Blazon Alfa já se recuperara da interrupção do jogo e exibiu a calma que lhe era
peculiar.
— A bordo da Intersolar já devem estar impacientes à nossa espera — opinou Roi
Danton. — Levamos as últimas reservas de sextagônio de Last Hope.
— São quatro quilogramas — acrescentou Blazon Alfa. — É mais do que Corello
pode manipular.
— Talvez sejam necessárias várias experiências — observou Danton. — Nesse caso
ficaremos satisfeitos se pudermos lançar mão de uma reserva.
— Ainda tenho minhas dúvidas — disse Blazon Beta. — O que sabemos a respeito
do campo flexível que cerca o “Enxame” é muito pouco.
Danton podia ver parte do “Enxame” na grande tela de imagem. Se quisessem ter
uma chance mínima de evitar a catástrofe final na Galáxia, tinham de entrar no “Enxame”
e erradicar o mal pela raiz. A única coisa que os impedia de realizar esta operação era o
campo flexível, que só se mostrara permeável quando os habitantes do “Enxame”
concordavam que algum objeto penetrasse nele.
— Temos de aproveitar todas as chances — disse Danton. — Corello sabe
perfeitamente o que quer. Não permitiria que realizássemos este voo se não achasse que
ele serve para alguma coisa.
Voltou a lembrar-se dos planos de Ribald Corello. O supermutante perdera grande
parte de suas faculdades por causa da doença, mas ainda era capaz de transportar 750
gramas de matéria à maneira de um transmissor fictício.
O sextagônio que Danton e os dois físicos sextadim tinham levado de Last Hope
seria irradiado por Corello para explodir junto ao alvo. A estabilidade de supersaturação
da substância desapareceria durante o transporte pelo hiperespaço da quinta dimensão.
Era um fato conhecido, confirmado por experiências anteriores. Com a eliminação da
estabilidade de supersaturação, a energia psiônica contida no sextagônio seria liberada.
Os cientistas acreditavam que essa energia poderia danificar o campo flexível.
Além da possibilidade de um fracasso total, a operação também encerrava o risco de
uma catástrofe. Ninguém sabia exatamente qual seria a reação da energia estranha do
campo flexível durante o contato com o sextagônio. O perigo de graves abalos da
estrutura espácio-temporal em toda a Galáxia não podia ser excluído.
De qualquer maneira que se encarasse a operação planejada, tratava-se de uma
experiência desesperada de inteligências que lutavam pela conservação de sua espécie.
— Em que está pensando? — perguntou Blazon Alfa ao filho de Rhodan.
— Em que poderia pensar? — Danton encarou os dois cientistas imunes. — No
momento a humanidade só enfrenta um problema. Temos de evitar que os conquistadores
amarelos se espalhem pelos planetas da Galáxia. E isto parece iminente. Por enquanto só
nos defrontamos com as forças de vanguarda.
Antes que um dos irmãos pudesse responder, a tela do hiper-rádio iluminou-se,
mostrando o rosto energético de Rhodan.
— Michael! — exclamou. — Está com um dia de atraso.
— Gastamos algum tempo para fazer uma revisão minuciosa da Gevari em Last
Hope. Você sabe que importância esta nave pode ter para todos nós.
— Talvez seja bom vocês terem feito isso — concordou Rhodan em tom pensativo.
— A Gevari deverá transportar nossa 5a Coluna para dentro do “Enxame”.
O Administrador-Geral olhou atentamente para os dois cientistas.
— Trouxeram o sextagônio?
— Naturalmente — respondeu Danton. — Senão não estaríamos aqui. São quatro
quilogramas, o suficiente para várias experiências.
— Você pode atracar com a Gevari junto à eclusa principal da Intersolar — disse
Rhodan. — Não é necessário que a nave seja recolhida a bordo.
Danton, que sabia perfeitamente que isso era uma precaução, confirmou com um
aceno de cabeça.
A Gevari era um modelo especial. De fora parecia-se com um jato espacial, só que
era bem maior. Tinha cinquenta metros de diâmetro e vinte e cinco de altura. Seu reator-
-Schwarzschild em versão ultracompacta percebia acelerações até 800 km/s. A autonomia
da nave em voo linear chegava a 800.000 anos-luz. Havia lugar para dez tripulantes a
bordo. Além disso a Gevari levava seis lentes espaciais extremamente achatadas como
barcos auxiliares e estava armada com dois canhões conversores compactos.
Rhodan cedeu lugar para Corello, que estava sendo carregado por seu robô para a
frente do rádio. O mutante de corpo de anão e cabeça de gigante parecia nervoso.
— Cheguei a recear que tivesse havido um imprevisto, Roi.
— Já expliquei a meu pai que nosso atraso foi devido a mais uma revisão da Gevari.
Corello mexeu com as mãozinhas.
— O principal é que tenham o sextagônio a bordo.
— Temos quatro quilogramas!
— Excelente! — regozijou-se o mutante. — Será o suficiente.
— Em Last Hope não existe mais sextagônio — informou Danton. — E não há
ninguém que possa transformar o hovalgônio nessa substância. Por isso deve economizar
suas reservas.
Corello ficou calado. Parecia que estava refletindo.
— Infelizmente perdi a capacidade de gerador quintadim — disse depois de algum
tempo. — Senão produziria a energia de que precisamos usando meus dons
parapsíquicos.
Danton não pôde deixar de reconhecer que se alegrava no subconsciente por Corello
ter perdido algumas de suas faculdades. Era verdade que depois de sua cura ele sempre se
mostrara leal, mas era uma pessoa psiquicamente instável, que a qualquer momento
poderia enfrentar novas crises. Um Corello que além de telepsimata fosse um gerador
quintadim estaria completamente fora de controle.
Se nas condições em que se encontrava o supermutante perdesse o autocontrole,
sempre seria possível controlá-lo.
Danton fez um esforço para controlar-se.
No momento nem devia pensar na possibilidade de Corello assumir este
comportamento. O mutante era no momento sua arma mais importante na luta com os
conquistadores amarelos, que por algum motivo que eles não conheciam queriam ou
eram obrigados a realizar a divisão das células dentro da Galáxia.
A Gevari saiu do espaço linear.
Estava a apenas seiscentas mil milhas da Intersolar. Rhodan e mais algumas pessoas
importantes tinham ido para a Intersolar porque se tratava de uma nave mais apropriada
para os preparativos da operação que tinham em vista do que a Good Hope II.
Danton recordou que no momento a humanidade unida só dispunha de duas naves
em condições plenas de operar: a Good Hope II e a Intersolar. Era pouco em comparação
com o que havia em outros tempos; e era muito pouco em relação aos objetos voadores
de que o “Enxame” podia lançar mão.
Danton olhou para a tela e viu a Intersolar deslocar-se em queda livre. Mantinha
uma distância de dois anos-luz do “Enxame”. Era o intervalo de segurança escolhido por
Rhodan, que não queria ser pego de surpresa.
Danton fez a Gevari aproximar-se da Intersolar.
Esperava que demorasse mais alguns dias antes que a Gevari pudesse partir para
cumprir sua missão. Era necessário escolher os tripulantes e distribuir as tarefas. O mais
importante era que Ribald Corello fosse muito bem preparado para sua difícil tarefa.
A tela do rádio mostrou Rhodan ao lado do supermutante.
— O sextagônio ficará por enquanto nos recipientes especiais a bordo da Gevari —
decidiu.
Mais uma precaução, pensou Danton. Seu pai tinha consciência do perigo que
representava a substância com a qual queriam realizar experiências.
O sextagônio, recordou Danton, era um elemento artificial produzido por meio do
bombardeio quintatron de 910 bilhões de QWA (Quintron-Wari) sobre o hovalgônio.
Era um elemento violeta brilhante que pulsava levemente, criado para ser usado
principalmente nos rastreadores sonoros dakkar. Corello tivera um papel importante na
estabilização durante o bombardeio quintatron.
Blazon Alfa e Blazon Beta, os dois irmãos tão diferentes, também tinham estado em
Last Hope quando o sextagônio foi produzido pela primeira vez. Por causa de sua
imunidade não tinham acompanhado o voo dos outros cientistas ao Mundo dos Cem Sóis
para continuar a trabalhar nos laboratórios gigantescos de Last Hope.
A Gevari já se aproximara tanto da Intersolar que Danton via a sombra da
gigantesca nave esférica através da cúpula de plástico blindado da sala de comando. O
filho de Rhodan iniciou a manobra de atracação. Só levou alguns minutos para ancorar a
nave-disco à face externa da Intersolar. As amarras magnéticas mantinham-na presa em
seu lugar junto à eclusa principal.
— Vamos colocar trajes de proteção e mudar para a outra nave — decidiu Danton.
— Os senhores ouviram que o sextagônio deve ficar por enquanto a bordo da Gevari.
— Foi uma decisão sensata — concordou Blazon Beta.
Blazon Alfa que, quando não participava de um jogo de cartas, era reservado e
calado, contentou-se com um aceno de cabeça.
— Essa coisa infernal pode transportar-nos para o além — observou Blazon Beta
enquanto fechava o capacete. — Se perder a estabilidade, a Gevari e a Intersolar estão
perdidas. Pouco importa que não tenhamos levado a nave-disco a um hangar.
— O que Rhodan quer é que a Gevari possa ser afastada depressa se surgir uma
situação crítica — explicou Roi Danton e olhou em volta. — Pronto?
Blazon Beta apontou para seu irmão.
— Ele demora um pouco mais.
Blazon Alfa não se irritou. Depois de fechar hermeticamente seu traje de proteção,
fez um sinal para Danton.
O antigo rei dos livres-mercadores, que nos últimos meses trabalhara quase
exclusivamente na Terra, abriu a eclusa da espaçonave.
Danton ligou o equipamento de voo e flutuou para a eclusa principal da Intersolar.
Atrás dele vieram os dois físicos-sextadim. A bordo da Gevari ficou um recipiente
de aspecto inofensivo, no qual uma massa violeta brilhante pulsava regularmente
***
O robô que carregava Ribald Corello entrou na sala de reuniões e atendendo à
ordem do mutante parou junto à entrada. O robô, que tinha de carregar Corello, o mutante
quase completamente imobilizado, evocava em Danton a imagem de uma aranha
metálica.
Rhodan, que estava sentado na cabeceira da mesa, lendo um relato minucioso do
centro de rastreamento, levantou os olhos.
— Estão todos presentes — constatou. Levantou e apoiou-se com as mãos sobre a
mesa. Em seguida fitou os presentes. Todos os imunes que tinham certa importância
haviam comparecido. Havia alguns mutantes. — Os senhores sabem por que estamos
reunidos — principiou Rhodan. — Trata-se do envio de uma quinta coluna para dentro
do “Enxame”. Nossa primeira tentativa nesse sentido fracassou porque só podíamos
entrar num lugar em que o “Enxame” abrisse voluntariamente seu campo elástico.
Sempre que isso acontece, verifica-se uma concentração de belonaves no respectivo
lugar. Com uma única nave não teríamos a menor chance num lugar desses.
Rhodan deu alguns passos para trás. Havia uma imagem do “Enxame” projetada
num quadro luminoso. O Administrador-Geral apontou para a cabeça do “Enxame”.
— Foi aqui que começou nossa tentativa que fracassou. Poderíamos repetir a
tentativa, mas todos sabemos que da segunda vez também não teríamos nenhuma chance.
A mão estendida do terrano passou por cima do quadro.
— Em qualquer outro lugar nossas chances seriam bem maiores. Mas lá o campo
elástico nunca é aberto ou só o é raramente. Não podemos esperar que o acaso nos
proporcione uma possibilidade de entrar. Devemos tomar a iniciativa. Com o plano de
Corello, caso seja possível cumpri-lo, podemos levar a Gevari para dentro do “Enxame”,
e isto num lugar em que a tripulação não precisa contar com a presença de naves
inimigas. Este é o ponto de partida.
Rhodan acenou com a cabeça para o supermutante.
— Corello lhes explicará como devemos agir. Mas antes disso gostaria de explicar
quem serão os oito tripulantes da Gevari quando a nave partir para cumprir sua perigosa
missão.
Todos ficaram em silêncio, olhando ansiosamente para Rhodan enquanto este
segurava uma lista.
— Todos os presentes se ofereceram como voluntários, mas na missão planejada
tivemos de fazer a escolha segundo certos critérios.
“Sem dúvida alguns dos senhores ficarão surpresos porque pessoas importantes
participarão da missão. Neste ponto seguimos uma regra adotada há algum tempo. Até
aqui procuramos proteger a segurança dos mutantes e outros seres de grande capacidade,
para poder dispor deles numa necessidade extrema. Mas agora temos de agir de outra
forma. Temos de encontrar um meio de criar uma cabeça de ponte no interior do
‘Enxame’. Isto deve ser feito antes que a grande massa de conquistadores amarelos
prontos para a divisão orgânica inunde os planetas de nossa Galáxia.”
Rhodan fez uma pausa, para ver se alguém tinha uma objeção. Ninguém pediu a
palavra.
— Quanto mais rápida e eficiente for nossa ação, maiores serão as chances de deter
o inimigo — prosseguiu o Administrador-Geral, que parecia cada vez mais pensativo. —
Fico me perguntando por que o processo de nascimento dos conquistadores amarelos não
é realizado no interior do “Enxame”, onde existem muitos mundos que podem ser
manipulados. É possível que uma interferência ligeira baste para evitar que eles saiam do
“Enxame”.
“Descobrir isto será uma das principais tarefas da 5a Coluna. Os membros dessa
equipe têm de colher todas as informações possíveis a respeito do ‘Enxame’ e seus
habitantes. Talvez tenhamos oportunidade de permanecer em contato com essa equipe. Se
não for possível pelo rádio ou através do transmissor, Harno talvez possa ajudar-nos.”
Rhodan sorriu ao notar a inquietação que aumentava.
— Não quero torturá-los mais. O chefe da equipe de imunes será Alaska Saedelaere.
— Rhodan acenou com a cabeça para o homem de máscara. — Espero que esteja de
acordo. O senhor já esteve em contato com seres do “Enxame”. Por isso foi escolhido.
Saedelaere, que estava sentado à direita de Atlan, levantou desajeitadamente.
— Farei tudo que estiver ao meu alcance para que a missão seja bem-sucedida.
Embaraçado, ajeitou a máscara de plástico e voltou a sentar.
— É claro que a Gevari precisa de um bom piloto, pois poderá enfrentar situações
nas quais a única salvação será uma manobra rápida. Por isso resolvi escolher um dos
emocionautas. Mentro Kosum, o senhor concorda?
O astronauta alto sentado na outra extremidade da mesa sorriu
desembaraçadamente.
— O melhor emocionauta da frota... lutando com o “Enxame”, que já se arrepia de
medo.
— Deixe isso — repreendeu-o Rhodan. — Guarde suas frases para depois de seu
regresso.
— Como queira — respondeu Kosum calmamente. — Já estou sob pressão desde o
início da reunião. Por isso não pude deixar de recitar uma frase.
Rhodan fez um gesto de impaciência.
— É claro que Ribald Corello deverá estar a bordo da Gevari. Tentará fazer
explodir o sextagônio bem à frente do campo elástico.
— Só quero ver quando será minha vez! — exclamou Gucky. — Afinal, tenho o
direito de participar da missão. Já estou surpreso por não ter sido escolhido como chefe.
— Calma! — tranquilizou-o Rhodan. — Você fará parte da equipe. Mas sem seu
amigo Ras Tschubai, que ficará aqui como reserva.
O Administrador-Geral olhou demoradamente para o afro-terrano.
— Decepcionado, Ras?
O teleportador sacudiu a cabeça.
— Por quê? Não acredito que qualquer pessoa a bordo da Intersolar faça questão de
entrar no “Enxame”.
— Disso eu sei — respondeu Rhodan.
— Mais dois mutantes viajarão na Gevari — disse Rhodan em seguida. — Balton
Wyt e Merkosh. Algum deles tem uma objeção?
— Pelo contrário! — Merkosh estufou a boca em forma de tromba. — Acho isso
muito interessante.
Balton Wyt limitou-se a acenar com a cabeça. Não estava surpreendido com a
escolha, pois Atlan falara com ele antes da conferência, comunicando-lhe que faria parte
da equipe.
— Os recém-chegados cientistas Alfa e Beta Blazon completarão a tripulação da
Gevari — disse Rhodan dobrando o papel. — Sua presença a bordo é necessária porque
como especialistas em física sextadim talvez possam orientar Ribald Corello.
Gucky saltou para cima da mesa e correu para o lugar em que estava sentado o
arcônida Atlan.
— E nosso velho companheiro de lutas? — piou indignado.
— Por que não pode estar nessa? Por que tem pés chatos? Alguém disse que um ser
com pés chatos chama a atenção no “Enxame” mais que os outros?
Rhodan fitou o ilt insolente com um ar de repreensão.
— Você está incomodando, baixinho!
— Deixe para lá — pediu Atlan. — Baterei com um dos meus pés chatos em seu
traseiro para que fique seis semanas sem poder sentar.
Gucky subiu para perto do teto e deu uma risadinha de deboche.
— Nenhum arcônida de pés chatos vai pôr as mãos em mim.
— Chega! — gritou Rhodan. — Vamos ao que importa. É claro que Corello será
acompanhado por seu robô, para que tenha a maior liberdade de movimentos possível. A
bordo da Gevari existem dois transmissores: um portátil, que tem de ser montado, e outro
instalado dentro da nave. É possível que através dos transmissores possamos enviar mais
gente para dentro do “Enxame”, embora eu tenha minhas dúvidas, por causa das
peculiaridades dessa figura.
O Administrador-Geral afastou os documentos.
— Coloco todas as propostas em discussão e peço que quem tiver alguma coisa a
dizer se manifeste. Pois não, Ribald! Gostaria mesmo que o senhor fizesse o começo.
***
Dali a duas horas Alaska Saedelaere estava deitado na cama estreita em seu
camarote e tentava dormir. Sabia que era muito importante relaxar naquele momento. A
atuação no interior do “Enxame” exigiria um máximo de concentração.
Alaska trancara a porta do camarote e tirara a máscara de plástico. O fragmento de
cappin brilhava fracamente. Às vezes Saedelaere tinha a impressão de que morreria
sufocado atrás da máscara. Uma máscara biológica seria sem dúvida mais segura e
confortável, mas ela seria rejeitada pelo fragmento de cappin.
Saedelaere estava com os braços cruzados atrás da cabeça, refletindo.
Achava que não conseguiria dormir. Os problemas com que se defrontava a
humanidade e as outras inteligências da Galáxia ocupavam sua mente.
Às vezes tinha a impressão de que aquilo era irreal, não passava de fragmentos de
um sonho do qual não conseguia despertar. Mas já conhecia essa sensação. Ela tomara
conta dele desde o acidente durante o qual recebera um fragmento de cappin dentro do
transmissor.
Alguém bateu à porta.
O homem lesado por um transmissor estremeceu.
— Um momento! — gritou.
Pôs as pernas fora da cama e pegou a máscara. Prendeu-a às pressas sobre o rosto e
certificou-se de que o espelho estava na posição certa. Toda vez que alguém vira o
fragmento, este alguém ficara louco ou morrera.
Saedelaere abriu a porta.
— Mr. Blazon! — exclamou surpreso.
— Blazon Alfa — disse o homem alto que estava no corredor. — Meu irmão
encontra-se na Gevari juntamente com Corello. Estão tirando seiscentos gramas de
sextagônio do recipiente para prepará-los para o transporte.
— E o senhor? Por que não está com eles?
— Hum! — Blazon esfregou o queixo. — Quase não nos conhecemos. Como
teremos de conviver bastante tempo num espaço reduzido, achei que não faria mal se
ficássemos juntos um pouco.
— Vamos lá! — Saedelaere deixou livre o caminho e fez um gesto convidativo. —
Entre e fique junto!
Blazon passou os olhos pelo recinto pequeno.
— Não existe meio melhor de a gente se conhecer que num joguinho.
Saedelaere fitou o visitante com uma expressão de surpresa.
— Como?
— Isso mesmo. — Blazon acenou com a cabeça. — Vamos fazer um joguinho.
Atirou as cartas e os dados sobre a mesa.
— A escolha é sua.
Saedelaere foi obrigado a rir. Blazon usava métodos estranhos. O homem lesado
num transmissor ouvira dizer que seu visitante era um jogador apaixonado, mas seria
incapaz de acreditar que sua paixão fosse tão forte.
Alfa pegou uma cadeira.
— Estive pensando com quem posso jogar durante a viagem — explicou. — Os
mutantes estão fora de cogitação. Têm muita facilidade de trapacear. Kosum estará
ocupado com os controles e meu irmão não gosta de jogar comigo. Lembrei-me do
senhor. Gosta de um joguinho?
— Fiquei um pouco surpreso — confessou Saedelaere. — Mas por que não
haveríamos de fazer um joguinho?
Blazon ameaçou-o de dedo em riste.
— É bom que fique prevenido, Alaska. Jogo muito bem. Ganho quase sempre.
Saedelaere recostou-se e encarou seu interlocutor com um ar de expectativa.
— Serei um bom perdedor.
***
O robô levantou o recipiente com uma das mãos preênseis e colocou-o à frente do
rosto de Corello. As mãozinhas do mutante mexeram-se com muito cuidado.
Blazon Beta ficou surpreso ao ver Corello trabalhar com tanta habilidade.
— Este material tem de ser tratado como se fosse uma coisa viva — disse o mutante
em voz baixa. — De certa forma é mesmo.
Blazon Beta encarou-o um tanto desconfiado.
— Acha que estou exagerando? — perguntou Corello. — Podemos manipular a
energia do sextagônio até certo ponto, mas não somos capazes de controlá-la. É uma
energia tão misteriosa quanto a energia vital.
— Parece uma coisa mística — afirmou Blazon Beta.
Corello interrompeu o trabalho e olhou em volta.
— Não vejo seu irmão — disse. — Por que não está aqui para ajudar-nos?
— Ele e Saedelaere estão fazendo um joguinho. — Blazon Beta sorriu como quem
pede desculpas. — Se precisarmos dele, estará aqui num instante.
— Como poderá saber quando precisamos dele?
— Ele sentirá — disse o pequeno plofosense.
— Sentirá? — perguntou Corello intrigado.
— Ele e eu sentimos quando um precisa do outro — respondeu o físico-sextadim.
— Isto não tem nada a ver com energias parapsíquicas. Deve ser por causa de outro
fenômeno.
O robô entregou o segundo recipiente a Corello.
— Vamos colocar seiscentos gramas em um recipiente — disse o mutante. — Com
o peso do recipiente nossa pequena bomba deverá pesar setecentos gramas. É o máximo
que posso transportar.
Corello colocou os dois recipientes num tanque de trabalho à prova de radiações e
fechou a porta.
— Agora é sua vez, Blazon Beta.
O cientista confirmou com um gesto. Segurou o aparelho de comando. Os pequenos
robôs no interior do tanque começaram a movimentar-se. Olhando pela lâmina de
plástico blindado, os dois viam perfeitamente o que acontecia dentro do tanque. Um robô
parecido com um gafanhoto abriu os dois recipientes. Transferiu a quantidade prescrita.
O sextagônio parecia uma gosma dura. Os seiscentos gramas colocados em outro
recipiente formaram imediatamente uma bola que também começou a pulsar.
— Olhe! — Pediu Corello ao companheiro. — Pode-se separar qualquer
quantidade, que cada partícula de sextagônio tem vida própria.
Os dois viram os robôs fechar de novo os recipientes. Corello verificou se realmente
era à prova de radiações.
— Como qualquer energia, o sextagônio pode ser empregado para o bem e para o
mal — disse. — Pode ser útil, mas também pode causar destruição.
— Aonde quer chegar?
— A bipolarização das coisas — respondeu Corello.
Não deu outras explicações, mas abriu o tanque e tirou o recipiente menor.
— Pensei que o trabalho fosse mais difícil — confessou Blazon Beta. — Em Last
Hope tomávamos uma série de precauções antes de dividir qualquer porção de
sextagônio.
— Tudo depende das circunstâncias — respondeu Corello. — Da harmonia entre o
senhor e essa energia.
— Acho isso um exagero — disse Blazon com toda franqueza.
O rosto do supermutante crispou-se. Blazon Beta compreendeu que Corello estava
sorrindo.
— Tudo que existe começou com um átomo primitivo — disse Corello. — O
senhor, eu e este sextagônio. Por mais estranho que isto pode parecer, a substância faz
parte de nós. Temos a mesma origem.
O físico-sextadim não respondeu. Corello parecia convencido da correção de suas
teorias. Blazon Beta sabia que o mutante era muito sensível. Mas o físico-sextadim não
acreditava na mistificação dos fenômenos físicos. Tudo tinha sua explicação por meio de
fórmulas. Certas coisas que ainda não eram conhecidas poderiam um dia ser explicadas
por meio de fórmulas.
Todo o Universo era uma equação matemática. Suas partes combinavam.
— O senhor disse que entre o senhor e seu irmão existe uma ligação misteriosa —
prosseguiu Corello. — Por que se recusa a supor que sou capaz de prever o que está
acontecendo com o sextagônio? Se entrasse numa fase crítica, eu perceberia
imediatamente.
— O senhor tem dons parapsíquicos.
— Acho que todo ser humano possui energias psi em estado latente — disse
Corello. — Só em poucas pessoas são completamente liberadas.
O robô carregador prendeu o pequeno recipiente em seu corpo.
— É só isto — disse Corello. — Já podemos cuidar do resto.
***
Blazon Alfa colocou seu último soli sobre a mesa. Do outro lado da mesa, à frente
de Saedelaere, havia um bom monte de moedas.
— O senhor tem uma aliança com o diabo? — perguntou Blazon Alfa. — Tirou-me
dezoito solares em trinta minutos.
Saedelaere pegou suas cartas.
— Já estou compreendendo — prosseguiu Alfa. — Preciso ver o rosto da pessoa
com quem estou jogando. Sou treinado para perceber até as menores reações. Um
músculo tremendo, o movimento suave dos lábios, a mudança do tamanho das pupilas.
— Quer que tire a máscara? — perguntou Alaska.
Blazon Alfa sacudiu a cabeça e atirou as cartas sobre a mesa.
— Considero-me derrotado.
O homem lesado pelo transmissor pegou o último soli de seu adversário no jogo e
empilhou as moedas.
— Fico me perguntando se poderei ter uma chance com alguém a bordo da Gevari
— refletiu Blazon Alfa.
— Que tal se deixar de jogar?
— Deixar de jogar? — Blazon Alfa sacudiu a cabeça. — O jogo faz parte de minha
vida. Não posso viver sem ele.
— Pois então — recomendou Saedelaere — leve bastante dinheiro na viagem. Mas
sempre lhe resta um consolo. Talvez nem tenhamos tempo para gastar.
2

A Gevari desprendeu-se da face externa da Intersolar e afastou-se suavemente.


Mentro Kosum aproveitara as últimas horas para familiarizar-se com a direção da
nave-disco. O emocionauta ficou entusiasmado com a Gevari. A versão aperfeiçoada do
capacete-SERT permitia um contato ainda mais estreito com a nave que os modelos já
conhecidos. Os impulsos eram trocados e interpretados com a rapidez do pensamento.
Perry Rhodan e Atlan estavam de pé na sala de comando da Intersolar. Tinham à
sua frente a tela panorâmica e olhavam para ela, vendo a nave menor afastar-se devagar.
A Good Hope II também estava perto. As duas naves estavam preparadas para entrar em
ação. Rhodan contava com a possibilidade de a Gevari ser atacada antes de chegar ao
destino.
A bordo da Intersolar e da Good Hope II estava tudo preparado para interferir assim
que a Gevari estivesse em perigo. Enquanto os tripulantes da nave-disco ainda se
encontravam fora do “Enxame”, podiam usar o transmissor da nave-disco para fugir.
Mais nos fundos Rhodan viu a faixa prateada do “Enxame”. Era o destino da
Gevari.
— Acha que eles conseguirão? — perguntou o terrano ao amigo arcônida.
— Estou preocupado — confessou Atlan. — Existem muitos fatores de
insegurança. A catástrofe já pode verificar-se quando tentarem forçar a passagem.
Mesmo que a Gevari consiga entrar no “Enxame”, estará sempre em perigo. Numa
avaliação objetiva as chances dos oito tripulantes não são das melhores.
— Quer dizer que não deveríamos ter assumido o risco?
— Também já me fiz essa pergunta — respondeu Atlan. — As informações de que
dispomos indicam que o processo de divisão de todos os conquistadores amarelos que se
encontram dentro do “Enxame” é iminente. Se isso acontecer nos planetas de nossa
Galáxia, todas as civilizações correrão perigo. Os povos levariam vários milênios para
recuperar-se do golpe. Segundo um velho provérbio terrano, quem está morrendo
afogado tenta agarrar um talo de capim para salvar-se. Isto se aplica à situação em que
nos encontramos. É tão desesperadora que devemos tentar tudo. A Gevari é nosso talo de
capim, nem mais nem menos que isto. Não acreditamos que a nave e sua tripulação
possam inverter a situação, mas fazemos votos de que isto aconteça.
Rhodan pensava da mesma forma. Realmente se encontravam numa situação
desesperadora.
Quando pensava na extensão espacial do “Enxame”, Rhodan achava impossível que
uma nave do tamanho da Gevari pudesse conseguir alguma coisa.
Como em outras vezes, só lhes restava a esperança de que o acaso os ajudasse.
Talvez uma pequena manipulação bastasse para evitar a invasão dos conquistadores
amarelos prontos para o processo de divisão ou ao menos retardá-la.
— Nosso trabalho é muito lento — prosseguiu Atlan. — Isto não pode ser evitado,
pois a maior parte dos seres humanos tem de lutar para sobreviver. Uma das
consequências da deterioração mental é que não podemos tomar medidas eficazes para
evitá-la.
— Talvez a equipe de Waringer consiga produzir no Mundo dos Cem Sóis um
aparelho que neutralize definitivamente a deterioração mental de todas as inteligências.
— Isso é só mais uma esperança — respondeu Atlan. — Temos de contentar-nos
com o que temos.
Rhodan voltou a olhar para a tela. A Gevari era apenas um pequeno ponto luminoso
na área de projeção. Mas as comunicações pelo rádio eram perfeitas. Estava tudo quieto
perto do “Enxame”. Se havia seres inteligentes observando a Gevari, eles deviam achar
que a nave era inofensiva.
Mas isso mudaria.
Seiscentos gramas de sextagônio explodiriam perto do campo elástico e os
habitantes do “Enxame” compreenderiam que os imunes da Galáxia começavam a
contra-atacar.
***
Do rosto de Kosum só se via o queixo. O novo capacete-SERT era maior e mais
pesado que os modelos anteriores. Uma abertura na altura dos olhos, equipada com
objetivas, permitia que o emocionauta enxergasse.
Da parte superior do capacete saíam numerosas ligações com os controles e o centro
positrônico.
O homem lesado num transmissor olhou para dentro da sala de comando. Viu
Corello sentado na “sela” do robô carregador. O supermutante mantinha os olhos
fechados. Parecia concentrado ao máximo. Balton Wyt e Gucky conversavam em voz
baixa. Os dois físicos sextadim examinavam tabelas de algarismos, Merkosh dava a
impressão de que estava dormindo, mas Saedelaere sabia que não era assim.
— Seguimos uma rota que nos levará diretamente ao “Enxame” — disse Kosum. —
Como foi combinado, entraremos numa rota paralela a trinta e cinco quilômetros do
campo elástico. Manteremos esta rota até que Corello termine seu trabalho. Depois
resolveremos se tentaremos entrar no “Enxame”.
O petardo explosivo de sextagônio estava pendurado em um dos braços do robô que
carregava Corello. Era um recipiente cilíndrico envolto em plástico anti-magnético.
Blazon Alfa levantou os olhos.
— Meu irmão e eu discutimos tudo mais uma vez. As reações do campo elástico
são imprevisíveis. Também não sabemos como reagirá o conjunto espácio-temporal.
— Acha que haverá reações físicas violentas? — perguntou Saedelaere.
— Já alertamos Perry Rhodan sobre isso — respondeu Blazon Alfa. — De qualquer
maneira é uma missão arriscada. Pode haver um choque energético de consequências
devastadoras no setor espacial em que nos encontramos. Se isto acontecer, a segurança de
nossa nave correrá perigo, da mesma forma que a da Good Hope e da Intersolar.
Naturalmente os sistemas solares que ficam nesta área também seriam atingidos.
— Que tal, Alaska? — perguntou Gucky. — Está ficando com os pés frios?
Saedelaere não tomou conhecimento da observação do rato-castor.
— Conhecíamos os riscos antes de partir — disse. — Talvez só tenhamos plena
consciência deles neste momento porque a manobra será realizada daqui a pouco.
Corello abriu os olhos.
— Estou preparado — disse.
Blazon Alfa esfregava as mãos de nervoso.
— Até que poderíamos fazer um joguinho para distrair-nos.
Dali a instantes Corello pediu que a bomba especial fosse colocada em suas mãos.
Segurou-a à sua frente. Estava sentado na cadeira do robô que nem uma estátua.
A Gevari reduziu a velocidade.
Saedelaere comunicou-se pelo rádio com a Intersolar e anunciou que estavam perto
do destino.
— Continua tudo calmo — foi a resposta de Rhodan. — Nossos rastreadores não
mostram nenhuma reação que indique algo de anormal no interior do “Enxame”.
Saedelaere deu uma gargalhada.
— Haveria alguém que se interessasse pela Gevari?
Alaska viu pelos cantos dos olhos um movimento abrupto da cabeça de Kosum:
— Alcançamos o destino provisório. — A voz do emocionauta soava abafada
embaixo do capacete. — Vou entrar numa rota paralela.
Saedelaere sentiu um formigamento na pele. A tensão que se apoderou dele fez com
que sua voz quase chegasse a ser estridente quando disse:
— Está preparado, Ribald Corello?
— Estou.
A tela de imagem mostrava o campo energético cristalino brilhante. Tomava todo o
campo de visão. A Gevari adaptara sua velocidade à do “Enxame”. Desta forma Corello
podia fazer explodir a carga de sextagônio diante de um alvo relativamente imóvel.
Algumas luzes de controle do computador positrônico se acenderam. Kosum fez
contato com o computador de bordo através do capacete-SERT. Logo após a explosão a
nave-disco deveria deslocar-se a toda em direção a uma falha estrutural que se formasse.
“Esta é a teoria!”, pensou Saedelaere.
Ninguém podia dizer o que realmente aconteceria.
O silêncio passou a reinar na sala de comando da Gevari. Todos olhavam
atentamente para Corello, que escolheria o momento do ataque ao campo energético
flexível.
Saedelaere ficou com a garganta seca.
Estava contente porque nenhuma das pessoas a bordo da Intersolar fazia contato
pelo rádio.
Kosum estava sentado em sua poltrona, com o corpo ligeiramente inclinado,
esperando.
Por enquanto a bomba continuava nas mãos de Corello. Seus bracinhos tremiam. O
mutante mal tinha forças para segurar setecentos e cinquenta gramas.
Gucky era o único que não estava em seu lugar. Andava de um lado para outro entre
Balton Wyt e os irmãos Blazon. Merkosh ainda dava a impressão de que estava
dormindo. O homem de vidro inclinara o encosto da poltrona e estava com os braços
cruzados atrás da cabeça.
Se mantivessem a velocidade, poderiam voar durante meses junto ao “Enxame” sem
chegar ao fim dele. Era um sinal do tamanho do “Enxame”.
Saedelaere olhou para o relógio.
Fazia dois minutos que tinham entrado na rota paralela.
Neste instante Rhodan chamou da Intersolar.
— Há algo de errado?
— Nenhum problema, senhor! — O homem magro falou baixo para não perturbar
Corello. — Corello não tem pressa.
Rhodan não parecia muito convencido.
— Talvez seja muito fraco.
Saedelaere olhou preocupado para o telepsimata.
— Não vamos incomodá-los agora — observou Rhodan. — Chame se houver
algum imprevisto.
Saedelaere tinha certeza de que Corello ouvira a troca de mensagens, mas não se
dirigiu ao mutante. Ninguém melhor para saber se devia desistir da experiência do que o
próprio Corello.
Por que ainda estava hesitando?
A sensibilidade do mutante era conhecida. Qualquer crise psíquica podia afetar suas
faculdades parapsíquicas. Setecentos e cinquenta gramas eram o maior peso que Corello
podia transportar para um destino certo através do hiperespaço, à maneira de um
transmissor fictício.
Talvez tivessem de voltar e construir um recipiente mais leve para Corello. Mas
quanto mais fraca a bomba, menores seriam as chances.
Saedelaere ainda estava refletindo sobre isso, quando a bomba que estava nas mãos
de Corello se tornou invisível.
***
Saedelaere cravou os dedos nas braçadeiras da poltrona. Um choque ligeiro sacudira
a Gevari logo depois de o recipiente mental ter-se desmanchado. Antes que o homem
lesado num transmissor se recuperasse, um inferno energético surgiu a trinta e cinco
quilômetros de distância.
Ao perder a estabilidade, o sextagônio liberou instantaneamente as energias
psiônicas concentradas.
Saedelaere viu com os olhos arregalados um buraco enorme, de pelo menos um
mês-luz de diâmetro, formar-se no campo energético flexível. Tremendas correntes
energéticas romperam o conjunto espácio-temporal normal e abriram caminho para o
hiperespaço através da trilha dakkar. Além disso o espaço dakkar também sofreu uma
ruptura. Apesar do formidável espetáculo de cores não se iludiu sobre os perigos da
situação.
— Corello! — gritou. — Está se formando uma ligação energética através da zona
dakkar.
— Eu os preveni — respondeu o mutante.
— Tome cuidado que a Gevari entrará num
campo de sucção energética.
Saedelaere virou-se como um raio. As
telas eram anti-ofuscantes, mas a claridade doía
em seus olhos. Só via a extremidade superior
da abertura criada pela explosão do sextagônio.
O fundo, formado pelo interior do “Enxame”,
parecia escuro, embora normalmente também
emitisse uma luminosidade. As bordas do
buraco pareciam lombadas de borracha em
chamas, emitindo uma luminosidade
avermelhada para o lado de fora.
— Não consigo controlar a nave! —
gritou Kosum. — O capacete-SERT não está
funcionando.
Saedelaere pegou instintivamente o
microfone do rádio, mas logo o largou.
Enquanto durasse o inferno de energias liberadas nem se podia pensar num contato pelo
rádio com a Intersolar ou a Good Hope.
Na segunda tela de imagem Saedelaere viu o lugar da abertura em que o espaço
einsteiniano sofrera uma ruptura. Uma faixa de energia pura parecida com uma
mangueira chegava até o espaço dakkar.
Saedelaere engolia nervosamente em seco. Por enquanto o fluxo de energia só se
realizava em uma direção. Mas segundo as leis da hiperfísica que se conheciam não
continuaria assim. A natureza tinha de procurar e achar uma compensação para evitar que
todos os sistemas ficassem instáveis e entrassem em colapso.
No momento a Gevari não corria um perigo iminente. O campo hiperenergético da
nave absorvia a energia irradiada pela abertura criada à força no campo elástico. As
energias perigosas fluíam para o espaço dakkar.
Saedelaere viu a energia afluindo das áreas adjacentes do campo flexível, sem
conseguir fechar a abertura. Mas com isso a mangueira recebia novo alimento. Novas
quantidades de energia eram represadas na periferia do buraco.
Tudo isso aconteceu dentro de alguns segundos.
Saedelaere sentia-se paralisado. Sabia que os acontecimentos estavam fora de
controle. A única coisa que podiam fazer era esperar.
Blazon Alfa gemeu. O físico-sextadim certamente tivera conhecimento de uma
coisa nada agradável para os tripulantes da Gevari.
— E agora? — exclamou Alaska, que quase não suportava o silêncio na sala de
comando.
— Haverá um refluxo energético — profetizou Blazon Alfa. — Nenhum de nós
esperava que o deslocamento de energia fosse tão grande. Isto não é tolerado nem pelo
hiperespaço, nem pelo espaço dakkar. Os dois ambientes sobrepostos se protegerão à sua
maneira.
— Que significa isso? — perguntou Balton Wyt.
— Certas energias fluirão para dentro de nosso conjunto espácio-temporal e terão
de estabilizar-se — explicou Blazon Beta.
— Energia estranha? — perguntou Saedelaere.
O físico-sextadim confirmou com um movimento da cabeça.
— Seria melhor para nós e para a nave se desaparecêssemos daqui.
— Já é tarde para isso — afirmou Mentro Kosum. — Os controles não reagem.
Antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, verificou-se o efeito anunciado
pelos cientistas. A mangueira no espaço pela qual a energia fluíra para dimensões mais
elevadas inchou. Raios gigantescos saltaram. Dentro de uma fração de segundo surgiu
mais um fluxo dentro da mangueira energética. A energia passou a fluir do espaço dakkar
para o universo einsteiniano.
Foi parar na abertura formada pela explosão do sextagônio.
Saedelaere engoliu em seco. Viu as bordas da abertura modificarem-se de novo. Lá
se verificava o embate de várias espécies de energia.
— O campo de sucção! — gritou Corello. — Cuidado para não entrarmos nele. Se
isso acontecer, seremos arrastados para dentro da mangueira e irradiados para o espaço
dakkar.
Mentro Kosum praguejou que nem um louco e arrancou o capacete-SERT. Suas
mãos apalparam à procura dos controles manuais.
Mesmo esta última tentativa de salvar a nave não produziu o resultado desejado. A
nave-disco ficou envolta em energias estranhas e foi arrastada por elas.
Saedelaere quis saltar da poltrona, mas não teve tempo para esse gesto defensivo
mais ou menos instintivo.
Uma violenta dor de desmaterialização obrigou-o a ficar na poltrona. Enquanto
lutava com a falta de ar, deu-se conta de que a nave estava sendo arrastada para o
hiperespaço.
***
Parecia que naquele momento a trepidação da nave era a única ligação com a
realidade. O casco da Gevari tornara-se transparente. Tinha-se a impressão de que as telas
de imagem se haviam fundido. Pareciam cavernas escuras. Saedelaere teve a impressão
de que seu corpo inchara. Virou a cabeça. O mundo parecia girar em tomo dele. Os
outros tripulantes estavam pendurados nos assentos. Seus movimentos pareciam tirados
de uma cena em câmera lenta; parecia que os corpos levitavam.
Saedelaere quis falar, mas não conseguiu. Grandes sombras disformes apareceram
atrás do casco transparente da nave. Carregavam esferas incandescentes. Mais ao longe
havia outros objetos se movimentando: misteriosos fenômenos luminosos e névoas
ondulantes.
Parecia um quadro gerado pela fantasia. O chão em que descansavam os pés de
Saedelaere também parecia transparente.
O homem lesado por um transmissor estendeu os braços e viu que seu corpo
também começava a ficar transparente. Olhou assustado para os outros e viu um
fenômeno parecido neles. A nave continuava sendo sacudida.
Alaska percebeu que perdera o sentido da orientação e a noção do tempo. Tudo
parecia acontecer agora, o passado e o futuro perderam toda importância. Além disso o
homem de máscara teve dificuldade em aplicar a noção de espaço às coisas que o
cercavam. Teve de fazer um grande esforço para aceitar o piso da nave como sendo a
parte inferior.
“Onde estamos?”, pensou.
O segundo pensamento claro foi: como faremos para sair daqui?
Alaska virou a cabeça e olhou para Kosum.
O emocionauta parecia um homem de vidro. Retribuiu o olhar de Saedelaere e fez
um sinal. Provavelmente também não conseguia falar. Como o movimento que o
astronauta fazia com a mão parecia ser em câmera lenta, Alaska não conseguiu descobrir
o significado de seu gesto.
Saedelaere compreendeu que não se encontravam mais no universo einsteiniano. Os
receios do físico-sextadim se tinham confirmado; a Gevari fora arrastada para um
conjunto espácio-temporal diferente. Restava saber se o ambiente hostil reteria a nave ou
voltaria a expeli-la. Isso dependia em grande parte de que a mangueira energética entre as
dimensões ainda existisse. Se tivesse entrado em colapso, não havia esperança para a
Gevari.
***
Nas telas de imagem da Intersolar e da Good Hope II via-se perfeitamente a falha
estrutural no campo elástico do “Enxame”. Rhodan e Atlan tinham acompanhado
bastante nervosos a Gevari entrar num campo de sucção energético e desaparecer de
repente. O choque energético atingira e sacudira as duas naves maiores. Antes disso os
computadores positrônicos tinham desligado os aparelhos mais sensíveis para evitar que
sofressem danos. Mas naquele momento os aparelhos já estavam funcionando de novo. A
abertura no campo elástico continuava a irradiar ondas de choque. Mas eram muito fracas
para representar qualquer perigo para as duas naves.
— Lamento que Abel não se encontre a bordo — disse Rhodan sem tirar os olhos
das telas de imagem. — Sem dúvida poderia dar-nos um conselho. Talvez fosse um erro
permitir que os dois físicos-sextadim ficassem a bordo da Gevari. Atlan sacudiu a cabeça.
— Os irmãos Blazon formam uma dupla inseparável. Sozinho cada um deles só
vale a metade.
— Seja como for, a Gevari desapareceu — respondeu Rhodan. — Não temos
contato pelo rádio. A ligação pelo transmissor também não reage.
— Todos sabíamos o risco que estávamos correndo — observou Bell.
Rhodan encarou seu velho amigo.
— Recuso-me a acreditar que tenha acontecido alguma coisa à tripulação da Gevari.
— Não podemos fechar-nos à realidade — disse Ras Tschubai em tom sério. —
Também tenho esperança de rever meus amigos, mas parece que isto vai ser daqui a
muito tempo.
Rhodan dirigiu-se a Maddock Holm, um dos principais cientistas da Intersolar.
— Que acha da situação?
O cientista grisalho não teve pressa em responder. Via-se perfeitamente que
também não tinha certeza a respeito dos acontecimentos junto ao “Enxame”.
— O fato de que a abertura ainda existe é uma prova de que a ligação com as
categorias espaciais superiores ainda não desapareceu — disse finalmente. — Se a Gevari
foi arrastada para o hiperespaço ou até para o espaço dakkar, possibilidade que não pode
ser excluída diante do que indicam os instrumentos, ainda existe uma chance de regresso,
ainda mais que uma das características do hiperespaço é que ele não pode reter nenhum
corpo estranho. Mas de outro lado sabemos muito pouco a respeito do espaço dakkar para
dizer alguma coisa sobre suas reações.
— A abertura no campo flexível ainda existe — disse Bell esticando as palavras.
— Sei aonde você quer chegar — disse Rhodan sorrindo. — Mas nem a Intersolar
nem a Good Hope II entrarão no “Enxame”. Ainda não sabemos o que aconteceu com a
Gevari. Além disso as duas naves grandes são importantes demais para serem arriscadas
numa manobra como esta.
Bell fez uma careta. Não concordava com a decisão de Rhodan.
— Talvez o gordo tenha razão — disse Atlan. — Rompemos o campo flexível e não
aproveitamos a chance que isso representa.
Mas Rhodan não mudou de opinião. As duas naves grandes continuaram na mesma
posição.
Dali a meia hora tentou-se novamente estabelecer contato com a Gevari com um
raio direcional extremamente concentrado, mas a tentativa falhou.
O rosto de Rhodan estava cada vez mais sombrio. Recolheu-se ao lugar junto aos
controles e ficou em silêncio. Ninguém podia livrá-lo da responsabilidade pelos oito
tripulantes da Gevari.
O fato de não conseguirmos estabelecer contato com a Gevari não significa
necessariamente que a nave foi destruída — disse Atlan depois de algum tempo, para
animar o amigo.
— Não — respondeu Rhodan em tom sarcástico. — É possível que a Gevari só
tenha ficado presa no espaço dakkar.
— Também é possível que se encontre dentro do “Enxame” — observou Maddock
Holm. — A sucção arrastou a nave para a abertura do campo flexível antes que ela
desmaterializasse completamente. Num caso como este tudo é possível. Até pode ser que
a nave tenha materializado em outro lugar do Universo.
A discussão a bordo da Intersolar continuou. Rhodan quase não participou dela.
Estava em pensamento perto dos tripulantes da Gevari. Seu fim representaria uma perda
irreparável para a Humanidade e abriria de vez o caminho para os conquistadores
amarelos entrarem na Via Láctea.
***
A Gevari continuava presa no espaço estranho para o qual fora arrastada pela
sucção energética.
Saedelaere levantara e estava atravessando a sala de comando. Sentia-se inseguro.
Seus movimentos pareciam exageradamente vagarosos. Ainda não podia falar. Parecia
que se movimentava numa massa viscosa. Olhava fixamente para os dois físicos-
-sextadim que estavam deitados em seus assentos que nem sacos inchados. Alaska
obrigou-se a não tomar conhecimento do ambiente estranho em que se encontrava. Devia
partir do pressuposto de que nada do que seus olhos viam correspondia à realidade.
O olho humano não era capaz de distinguir contornos fixos no hiperespaço. Os
órgãos dos sentidos humanos tinham sido criados para o conjunto espácio-temporal
normal. Numa dimensão superior o cérebro humano ficava sobrecarregado.
“Isto não pode servir de consolo!”, pensou Saedelaere.
Ficou parado à frente dos irmãos Blazon. Em hipótese alguma devia esquecer que
para os dois seu aspecto era tão assustador quanto o dele. Mas eram cientistas que se
ocupavam com coisas fora do comum. Por isso Saedelaere tinha motivos para esperar que
mesmo nestas condições eles saberiam guardar certa distância das coisas que os
cercavam.
Saedelaere levantou a mão. A julgar pelos sentimentos, o movimento durou mais de
um minuto. Mas Saedelaere sabia que isso podia ser uma ilusão. Nenhum ser humano era
capaz de avaliar o tempo real dentro do hiperespaço.
Os cientistas olharam para ele.
Blazon Beta também levantou a mão.
Mais uma vez Alaska tentou falar, mas nenhum som saiu de sua boca.
Deu um passo na direção de Blazon Beta e quis segurar seu braço. Sua mão
atravessou o tecido orgânico transparente do físico-sextadim. Alaska recuou apavorado.
Blazon Alfa levantou. Parecia um pequeno balão subindo devagar.
Saedelaere apontou para os controles.
Gucky apareceu a seu lado. Parecia que tentava usar suas energias parapsíquicas.
Não conseguiu.
Saedelaere foi devagar para junto dos controles. O ilt e Blazon Beta seguiram-no.
Viram que Kosum se mantinha ocupado com os controles. Mas as mãos do
emocionauta atravessaram os elementos de controles. Kosum não podia mudar nada.
Tentou colocar o capacete-SERT, mas não conseguiu segurá-lo.
Só então Saedelaere percebeu que toda vez que seus pés tocavam o chão pareciam
mergulhar nele um pedaço.
Nestas condições não havia possibilidade de influenciar a Gevari por meio dos
controles mecânicos.
Saedelaere refletiu para encontrar um meio de entrar em contato com os outros. Não
podia usar um estilete para escrever, porque sua ponta atravessaria o papel.
“Luz!”, pensou Alaska. “Preciso tentar com impulsos luminosos.”
Chegou mais perto dos controles e cobriu uma lampadazinha com a mão. A luz
atravessou sua mão transparente.
Depois tentou formar certas palavras com os lábios, mas demorou tanto que os
outros não entenderam o sentido de suas palavras.
Alaska deixou-se cair numa poltrona. Afundou um pedaço sem encontrar
resistência. Tudo parecia transparente e sem peso.
Névoas luminosas agitavam-se à frente da nave. Atrás delas Saedelaere distinguiu
figuras parecidas com bolhas de diversos tamanhos.
Eram galáxias — ou até universos?
Seriam formações de energia pura, substância primitiva da criação original?
Saedelaere fechou os olhos. A imagem não desapareceu. O homem lesado por um
transmissor enxergava através das pálpebras transparentes.
Olhou para Mentro Kosum, que continuava ocupado com os controles. Os abalos
que sacudiam a nave tinham diminuído. Mas Saedelaere viu nisso antes um perigo que
um fato tranquilizador. Se a nave parasse de movimentar-se, estariam definitivamente
presos numa dimensão superior.
Por quanto tempo se podia existir num espaço destes?
Provavelmente sucumbia-se à loucura antes de morrer.
Saedelaere teve a impressão de ver uma figura móvel bem nos fundos. Destacava-se
das névoas e bolhas por causa da claridade.
Talvez fosse a abertura que dava para o espaço einsteiniano, numa distância infinita.
Saedelaere surpreendeu-se porque ainda podia respirar. Ou será que não precisava
mais de oxigênio?
O homem de máscara deixou-se escorregar para fora do assento e tentou atravessar
o casco transparente da nave. Não conseguiu. Não sentiu nenhuma resistência, mas seu
corpo imobilizou-se de repente. Não pôde sair.
Quer dizer que no lugar em que estavam também havia limites definidos, linhas que
não podiam ser ultrapassadas.
Blazon Beta, que não tirava os olhos de Saedelaere, fez outra tentativa.
Os outros o observavam.
Enquanto o homem pequeno mergulhava parcialmente no casco da nave, sem
tomar-se invisível, as vibrações que sacudiam a nave voltaram a aumentar de intensidade.
Saedelaere fez um sinal para Blazon Beta.
Os dois voltaram aos seus lugares.
Alaska resolveu aguardar os acontecimentos. A situação dificilmente poderia piorar.
As vibrações da Gevari eram cada vez mais intensas. As imagens captadas pelos
olhos de Saedelaere foram-se tornando menos nítidas. Os contornos deslocaram-se. A
nave parecia cair sobre uma das bolhas suspensas no nada. Era uma vítima indefesa de
forças misteriosas.
De repente o ambiente fantasmagórico desapareceu.
Uma luz forte atravessou a cúpula de plástico blindado ofuscando Saedelaere.
O homem lesado por um transmissor teve a impressão de que a Gevari se deslocava
em alta velocidade em direção a alguma coisa.
— Kosum! — gritou com a voz se atropelando. — Kosum! Faça alguma coisa.
“Minha voz!”, pensou. “Recuperei a voz.”
Em algum lugar à sua frente havia uma gigantesca mancha vermelho-alaranjada. A
Gevari precipitava-se sobre ela.
3

— Um sol! — Como num passe de magia Gucky apareceu de repente perto da


poltrona de Saedelaere. Este compreendeu que o rato-castor fora bem-sucedido numa
teleportação a pequena distância. — Um sol com quatro planetas.
Confuso, Saedelaere examinou os rastreadores. A luz tremia diante de seus olhos,
mas o homem lesado por um transmissor conseguiu ler as indicações.
— Saímos! — Ao dizer isto, Mentro Kosum colocou o capacete-SERT.
— Fomos arrastados pelo refluxo de energia — explicou Blazon Alfa com uma voz
tão calma que até parecia que estavam regressando de um simples voo de
reconhecimento. — Parece que felizmente a abertura no campo elástico ainda existe.
Saedelaere levantou. As imagens projetadas nas telas ainda eram muito confusas.
Alaska olhou através da cúpula de plástico blindado. Viu a abertura gigantesca no campo
elástico. A Gevari devia ter percorrido um trecho enorme, uma vez que Saedelaere via o
campo de um ângulo completamente diferente.
De repente seu coração começou a bater mais depressa. Alaska compreendeu o que
tinha acontecido.
A sucção energética arrastara a Gevari para a abertura no campo elástico, levara-a
ao hiperespaço e a largara no interior do “Enxame”.
As mãos de Saedelaere ficaram úmidas.
Tinham alcançado seu objetivo.
Mas logo chegou outra noticia alarmante.
— O sol vermelho! — informou Kosum. — Está atraindo a nave.
***
— Praspa! — disse Ribald Corello em voz baixa. Estava sentado sobre o assento
móvel de seu robô, com o corpo inclinado para a frente, contemplando as telas de
imagem. — É Praspa.
Saedelaere sabia que em outros tempos o mutante possuía seu próprio vocabulário.
— Que significa isso? — perguntou a Corello.
— O vermelho hostil — traduziu o mutante.
Passou os dedos finos por um painel de controle que ficava à frente de seu assento.
Fazia isto para dar ordens ao seu robô. A máquina automática aproximou-se dos
controles.
O terceiro mundo do misterioso sistema solar apareceu nas telas.
— Acham que foi um acaso termos saído justamente neste lugar? — perguntou
Balton Wyt aos dois físicos-sextadim.
Nenhum dos dois irmãos deu uma resposta. Da mesma forma que os outros
tripulantes, estavam de olho nas telas, nas quais o telerrastreamento projetava uma
imagem grande do terceiro planeta. Era mais ou menos do tamanho da Terra e estava
cercado por uma rede esférica de trilhas energéticas de várias cores.
Saedelaere nunca vira coisa igual.
Parecia que alguém envolvera o planeta em trilhas energéticas.
— O planeta está envolto num casulo de energia — disse Blazon Beta com a voz
abafada.
— Casulo seria um bom nome para este planeta — disse Saedelaere.
— As trilhas energéticas são parecidas com trilhos — constatou Mentro Kosum. —
Gostaria de saber quem fez isto. Não é possível que as trilhas sejam naturais.
— Não há dúvida de que depois de termos saído do hiperespaço somos atraídos por
este sistema — disse Blazon Beta.
Saedelaere ficou aliviado ao perceber que os abalos sofridos pela Gevari
diminuíam.
Kosum também relaxou. Controlava cada vez melhor a nave-disco.
O perigo de a Gevari cair no sol vermelho não existia mais.
— O buraco no campo flexível ainda existe — disse Merkosh. — Se quisermos
podemos voltar.
Saedelaere sacudiu a cabeça. Debruçou-se sobre os controles e tentou fazer contato
pelo rádio com a Intersolar. Não conseguiu. Havia uma parede de energia entre eles e as
duas naves grandes impedindo qualquer contato.
— Pelos meus cálculos o campo flexível deve ficar aberto mais uma hora —
manifestou-se Corello. — Só depois disso a situação se estabilizará.
— Por enquanto ficaremos afastados do mundo cercado por trilhos — decidiu
Saedelaere. — Seria muito arriscado aproximarmo-nos dele agora. Vamos orientar-nos
primeiro. O melhor será pousarmos em um dos outros planetas.
Kosum inclinou-se para a frente. Observara as telas dos rastreadores.
— Sugiro o planeta exterior. Dê uma olhada, Alaska.
— Parece que é um mundo aquático — disse Balton Wyt.
Saedelaere olhou para o telecineta.
— Deve ser muito frio. Mas os mares não estão congelados.
— Estamos muito interessados em Casulo — afirmou Blazon Beta. — Mas na
situação em que nos encontramos é preferível procurarmos primeiro uma base segura.
Saedelaere dirigiu-se a Gucky.
— Está sentindo impulsos mentais?
— Sinto fortes impulsos mentais — respondeu o rato-castor em tom inseguro. —
Mas não tenho certeza se são irradiados por indivíduos. Há inúmeras interferências.
Saedelaere ficou aliviado por não terem aparecido naves dos habitantes do
“Enxame”. Isso confirmava a teoria de Atlan segundo a qual as naves-patrulha dos
conquistadores amarelos só eram encontradas nos lugares em que planetas que ficavam
no caminho deviam ser assumidos. Mesmo para os habitantes do “Enxame” seria difícil
detectar um objeto do tamanho da Gevari, ainda mais que os impulsos da nave eram
neutralizados pelas energias do campo flexível.
Os intrusos podiam ter certeza de que ainda não tinham sido descobertos.
Alaska já não tinha nenhuma dúvida de que podiam escolher com toda calma uma
base para operar. Isto significava mais do que poderiam esperar nas circunstâncias. O
importante era aproveitar a vantagem que já tinham conseguido. Antes de mais nada
deviam encontrar uma possibilidade de entrar em contato com as duas naves grandes fora
do “Enxame”.
A Gevari voltou a afastar-se do sol vermelho. Kosum já tinha a nave completamente
sob controle. Mas ainda não se podia confiar nos rastreadores. Sem dúvida recebiam os
ecos de energias estranhas muito intensas, vindas tanto do planeta cercado por trilhos
como do campo flexível.
O emocionauta fez com que a Gevari se aproximasse do mundo aquático.
Não se via mais Casulo, mas os impulsos emitidos por este planeta eram os
elementos dominantes nos rastreadores.
— Só existe um continente pequeno com várias ilhas perto dele — constatou
Saedelaere quando se aproximaram mais do mundo aquático. — Não há sinal de uma
civilização.
— Apesar disso sugiro que mergulhemos no mar — disse Balton Wyt. — Lá
estaremos mais seguros.
— Meu plano também era este — respondeu Saedelaere. — Mentro, leve a nave
para baixo da água. Deixe-a encostada no fundo, num lugar raso.
O emocionauta confirmou. Concentrou-se exclusivamente nas manobras.
— Nada de uma órbita comprida! — ordenou Alaska. — Isso aumentaria o perigo
de sermos descobertos. Quanto mais depressa descermos, melhor.
Kosum ergueu os ombros. Existiam várias maneiras de fazer descer a Gevari. Se
Saedelaere preferia a mais perigosa, o problema era dele.
Pela primeira vez depois de terem rematerializado Saedelaere tomou um tempo para
examinar as áreas adjacentes ao sistema solar recém-descoberto. A região em que tinham
entrado poderia fazer parte do espaço cósmico. Quase não havia nenhuma diferença com
qualquer outro setor galáctico. Grupos compactos de sóis também existiam no centro da
Galáxia. A luminosidade do campo flexível, que também viam do lugar em que se
encontravam, era a única prova de que estavam dentro do “Enxame”.
Os terranos estavam dando os primeiros passos para criar uma cabeça-de-ponte no
“Enxame”.
Era possível que dentro de pouco tempo Waringer descobrisse um outro sistema de
entrar na grande formação. Corello era muito fraco e sensível para repetir constantemente
este tipo de experiência. Além disso a ação dos mutantes e os efeitos da bomba de
sextagônio tinham provado os perigos que a operação representava para os que
participavam dela.
— Ainda não demos os parabéns a Ribald! — soou a voz de Gucky em meio às suas
reflexões. — Se não fosse ele não estaríamos aqui.
— Não quero que me dêem os parabéns — recusou o mutante. — Ninguém sabe o
que ainda temos pela frente. Estou preocupado com a possibilidade de sermos atraídos
por Casulo. Parece tratar-se de um mundo que assume uma importância toda especial no
interior do “Enxame”. Estamos num setor perigoso.
Merkosh apontou para a tela na qual se via o hemisfério superior do mundo
aquático.
— Logo estaremos em segurança.
— Um dia teremos de sair do esconderijo — interveio Blazon Beta. — Não
chegaremos a lugar algum se ficarmos escondidos embaixo da água.
— Precisamos de algum tempo — disse Saedelaere. — Temos de fazer
rastreamento e interpretar os dados com toda calma. Só depois disso daremos o passo
seguinte.
“Sem dúvida nossa próxima ação nos levará a Casulo”, refletiu o terrano magro.
Era um planeta tão misterioso que não poderiam deixar de interessar-se por ele.
Principalmente os irmãos Blazon fariam questão de realizar pesquisas neste mundo.
Saedelaere resolvera que o mundo aquático seria sua base. De lá poderiam avançar
para outras áreas por meio das lentes voadoras. Se fosse necessário percorrer distâncias
maiores, ainda teriam a Gevari.
Parecia que no mundo aquático, que Mentro Kosum batizara com o nome Praspa
IV, não tinha vida. Segundo as indicações dos instrumentos, a atmosfera era rarefeita,
mas respirável. Há tempos imemoriais Praspa IV devia ter sido um planeta morno. Talvez
tivesse sido capturado pelo “Enxame”, como tantos outros astros.
Mesmo quando a Gevari já voava nas camadas superiores da atmosfera, não havia
nenhum sinal de vida inteligente na superfície do planeta. O único continente parecia ser
de origem vulcânica; montanhas de lava marrom-escuras estendiam-se de costa a costa.
As ilhas também pareciam desertas e abandonadas. A superfície do mar parecia
relativamente calma.
A Gevari descia rapidamente. Seus movimentos já não pareciam tão regulares; eram
antes abruptos.
— É por causa da curva de aterrissagem muito íngreme — explicou Kosum, que
parecia adivinhar os pensamentos dos companheiros. — Em compensação chegaremos
logo lá embaixo.
A nave correu em alta velocidade por cima de um arquipélago e sobrevoou o
continente. Já se distinguiam alguns detalhes da paisagem. As costas eram acidentadas e
consistiam exclusivamente em rochas vulcânicas nuas. Havia alguns vales cobertos de
capim e terra, com alguns arbustos raquíticos. Nas encostas o musgo e os líquenes davam
uma coloração marrom-escura às rochas.
— Lá embaixo não há ninguém com vida — disse Saedelaere com certo alívio. —
Os peixes que devem existir não representam nenhum perigo para nós.
Continuaram voando até um lugar em que apareceu abaixo deles uma área
gigantesca na qual a água era uma cor mais clara.
— Ali há montanhas submarinas — disse Balton Wyt. — Tenho certeza de que
nesta região encontraremos um bom local de pouso embaixo da superfície.
— Vamos descer na água — ordenou Saedelaere.
A Gevari desceu inclinada para o lado. Aproximou-se da superfície do mar num
ângulo de vinte graus. A velocidade era de apenas 800 quilômetros por hora.
Como todos os barcos espaciais, a Gevari também fora construída para viajar
embaixo da água. Seus construtores acreditavam que a nave seria usada em mundos como
aquele em que se encontrava.
O voo voltara a estabilizar-se. Kosum freou mais. A atmosfera do planeta Praspa IV
abafou parte dos impulsos energéticos recebidos, fazendo com que os rastreadores
também se normalizassem até certo ponto. Saedelaere sabia que a situação melhoraria
ainda mais depois que estivessem embaixo da água. .
A face externa da Gevari dividiu a água. A nave afundou.
Um solavanco quase imperceptível atravessou a Gevari.
Kosum tirou o capacete-SERT.
Sorriu.
— Não preciso deste capacete para pilotar um submarino.
De repente começou a praguejar.
— As eclusas estão se enchendo. O dispositivo automático falhou. Abriu-as quando
entramos na atmosfera.
Saedelaere ergueu-se. Estava alarmado.
— O senhor só pode estar enganado.
Kosum sacudiu energeticamente a cabeça.
— As câmaras das eclusas estão se enchendo de água. A nave começa a afundar.
***
Saedelaere reagiu com a rapidez a que estava acostumado.
— Acionar campos energéticos de pressão! — gritou. — Preparar turbo-bombas
para o caso de os campos de pressão não produzirem o resultado desejado. Temos de
colocar a nave na rota.
Os tripulantes viam cardumes de peixes através da cúpula de plástico blindado. No
meio deles movimentavam-se exemplares maiores de animais subaquáticos. Alguns deles
aproximaram-se, curiosos para descobrir que monstro tinha invadido seu reino.
— A água aqui não é muito funda — constatou Kosum satisfeito.
Sua mão que ia pegar a chave dos campos energéticos de pressão recuou
violentamente.
— Olhem só! — exclamou e apontou para a tela que ficava no centro dos controles.
— Lá no fundo.
Saedelaere virou o rosto na direção indicada.
Viu uma coisa que fez seu pulso bater mais depressa.
Embaixo deles, um pouco para o lado, no interior de um vale submarino entre as
íngremes montanhas vulcânicas, havia uma cidade.
4

A cidade era formada por algumas dezenas de edifícios parecidos com abrigos
subterrâneos, cujas formas quase não podiam ser distinguidas, porque estavam quase
completamente cobertos de lama e plantas aquáticas. Além dos edifícios havia cavidades
nas montanhas vulcânicas. Sem dúvida os túneis e galerias não eram naturais. No centro
da cidade via-se uma gigantesca praça livre, na qual havia um obelisco tombado. O chão,
que há milênios devia ter sido plano, parecia uma vela estendida. O fundo propriamente
dito estava coberto de areia e plantas aquáticas. Os edifícios agrupavam-se, com umas
poucas exceções, nas encostas junto a esta praça.
— Estamos descendo diretamente sobre a área vazia! — Kosum falou em voz
baixa, mas todos o entenderam. — Já que é assim, não vamos esvaziar as eclusas;
descansaremos a nave no fundo.
Kosum fitou Alaska com uma expressão indagadora.
— Concordo — disse este. — É possível que na cidade encontremos um bom
esconderijo. Não acredito que algum dos antigos habitantes ainda esteja vivo. Lá embaixo
só existem peixes e outros habitantes do mar.
— Sinto impulsos mentais de pequena intensidade — anunciou Gucky.
— Talvez provenham dos animais marinhos — disse Saedelaere e lançou um olhar
desconfiado para a tela de imagem. Não se via nada de extraordinário embaixo da nave.
Grandes cardumes de peixes coloridos desviavam-se da nave como se estivessem
brincando. Os peixes maiores entraram em posição de combate, mas quase sempre
retiravam-se às pressas. A luz que chegava ao lugar mal bastava para perceber de forma
confusa alguns detalhes.
Pouco antes que a Gevari tocasse o fundo do mar, Kosum ligou os potentes
holofotes externos. Um raio de luz atingiu o obelisco tombado. Era quadrangular, parecia
ser de rocha vulcânica trabalhada e tinha dez metros de diâmetro no ponto mais largo.
Estava quebrado em vários lugares, mas a ponta surpreendentemente erguia-se entre os
fragmentos.
Havia um farol dirigido para um dos edifícios que ficavam um pouco mais
distantes. Tinha entradas parecidas com cavernas, que estavam obstruídas em parte.
Plantas aquáticas cresciam nas paredes e movimentavam-se que nem cortinas ao vento.
Peixes entravam nas aberturas ou saíam delas.
— Uma cidade submersa — disse Balton Wyt. — Caiu no esquecimento há
milênios.
— Não tenho tanta certeza de que se trata de uma cidade submersa — respondeu
Blazon Beta, que se aproximara dos controles. Puxava sua trança comprida. Esta cidade
sem dúvida surgiu no fundo do mar. Os edifícios parecidos com abrigos e as inúmeras
galerias são um sinal de que alguém se refugiou aqui.
A Gevari tocou no fundo do mar com um solavanco quase imperceptível. A nave
ficou na horizontal, apoiada sobre as colunas, cujas placas de apoio tinham afundado
cinquenta centímetros na lama e na areia.
Kosum desligou os propulsores normais e recostou-se.
— Chegamos.
Saedelaere fez votos de que pelo menos por enquanto a descoberta da cidade
submarina fosse a última surpresa pela qual iam passar. Precisavam de algum tempo para
fazer as medições. Era necessário reparar o sistema automático defeituoso, senão haveria
outros incidentes.
Na opinião do comandante a área livre entre os velhos edifícios era um esconderijo
ideal. Se necessário os tripulantes podiam colocar os trajes de combate e esconder-se nos
túneis e corredores.
— Vou expelir a água das câmaras das eclusas, para que possamos esvaziá-las e sair
— disse Kosum e mexeu nos respectivos controles.
—Vamos colocar os trajes de proteção? — perguntou Blazon Beta.
— Daqui a pouco sairei com Wyt — decidiu Saedelaere. — Mas primeiro vamos
verificar se não corremos nenhum perigo.
— De onde poderia vir o perigo? — perguntou Kosum. — Está tudo quieto.
Alaska não respondeu à observação do emocionauta.
— Só Wyt e eu sairemos — repetiu. — Os outros não precisam colocar os trajes.
Saedelaere mudou a posição dos holofotes externos. O raio de luz passou pela praça
coberta de lama e plantas aquáticas. Em alguns lugares viam-se pequenas colinas.
Deviam ser montes de lama acumulada pelas correntes submarinas, ou então havia
escombros escondidos embaixo da areia e da vegetação. Algumas das colinas tinham
certa semelhança com bancos compridos.
O raio de luz parou na parede de um edifício. Uma fenda que alargava para baixo
descia da abertura superior. O edifício acabaria desabando. Não se via mais nada da cor
que devia ter tido. O material com o qual tinha sido construído o edifício estava coberto
de algas e conchas.
Pelos cálculos de Saedelaere o edifício devia ter vinte metros de comprimento e dez
de altura. A parede dos fundos estava presa numa rocha. Era bem possível que algum dos
seus recintos penetrasse na rocha vulcânica.
O homem de máscara ligou o telerrastreamento. A grande tela no centro dos
controles mostrou a imagem ampliada da parede dos fundos do edifício. Saedelaere fez
baixar ligeiramente a câmera externa que fornecia a imagem. Uma entrada semi-obstruída
apareceu na luz do farol.
Saedelaere soltou um assobio.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou Gucky em tom de curiosidade.
— Não tenho certeza — respondeu o homem lesado por um transmissor. — Olhe a
parede de ambos os lados da entrada.
Gucky puxou as orelhas.
— Não noto nada de especial.
— Não mesmo? — Saedelaere ajeitou a máscara para enxergar melhor. — Parece
que em volta da entrada não há conchas e algas.
— Talvez seja por causa da correnteza — observou Kosum.
— Também pode ser que de vez em quando passe alguém nadando e raspe a
vegetação com o tempo.
Os outros ficaram calados. Pareciam incrédulos.
— O senhor acha que talvez tenha sido um peixe grande — disse Merkosh
finalmente.
De tão nervoso que estava esqueceu-se de moderar o volume da voz. Os irmãos
Blazon, que não estavam acostumados a ouvir o homem transparente, tamparam os
ouvidos.
Merkosh pediu desculpas.
— Talvez não tenha sido um peixe — disse Alaska. — É possível que existam
outros animais marinhos de tamanho grande. Por isso não devemos sair da Gevari sem
armas. Todo cuidado é pouco.
Saedelaere mudou de novo a posição da câmera. Outra entrada apareceu na tela.
— É quase a mesma coisa — constatou Balton Wyt. — Tenho certeza de que foi a
correnteza.
Todas as entradas que Saedelaere examinou nos minutos seguintes apresentavam
poucas algas nas imediações. Isso se aplicava a todos os edifícios.
— Se este efeito realmente foi produzido por animais grandes, eu me admiro de que
ainda não tenhamos visto nenhum — disse Mentro Kosum.
Saedelaere continuou a procurar. Não sabia muito bem o que queria encontrar, mas
uma inquietação o fez continuar seus esforços.
Mentro Kosum já retirara a água das câmaras das eclusas e fechara as portas
externas. Balton Wyt acabara de colocar o traje de proteção. O traje de Saedelaere estava
preparado.
— Ainda vai esperar muito tempo, Alaska? — perguntou Gucky impaciente.
Apontou para seu traje especial, que estava pendurado numa armação nos fundos da sala,
ao alcance de sua mão. — Quer que eu saia com Balton?
— Não! — recusou Saedelaere.
Olhou atentamente para Corello. O supermutante estava com os olhos fechados e
sua respiração era regular. Estava dormindo. A experiência com a bomba de sextagônio
consumira muito de suas forças.
— Não vamos fazer barulho para que ele possa descansar — decidiu Saedelaere. —
Voltarei a iluminar a praça e todos os edifícios. Se não descobrirmos nada, Wyt e eu
sairemos.
As imagens projetadas nas telas óticas passaram a mudar mais depressa. Mas apesar
disso Alaska deixou a luz deslizar sobre cada metro. Os peixes, que tinham fugido, já
estavam acostumados ao intruso e nadavam de um lado para outro no meio dos raios de
luz. Saedelaere teve a impressão de que de vez em quando via animais maiores
movimentando-se fora do feixe de luz, mas era possível que fosse uma ilusão.
De repente a câmera parou.
Saedelaere percebeu que Wyt estava inclinado sobre ele.
— Descobriu alguma coisa?
O terrano magro apontou para a tela.
— Olhe! Ali na areia, à frente do edifício baixo.
Balton Wyt franziu a testa. Girava nervosamente o capacete nas mãos.
— São pequenas depressões — disse.
— Não — contestou Alaska em tom enfático. — São rastros. Impressões deixadas
pelos pés de um ser vivo.
***
O arco energético fechou-se em cima do grande transmissor da Intersolar.
Holander Loomen esforçou-se para esconder o nervosismo das pessoas que o
cercavam. Mas tinha certeza de que pelo menos Perry Rhodan imaginava o que estava
acontecendo dentro dele.
Os técnicos que acabavam de ajustar o transmissor informaram que estava tudo em
ordem.
Rhodan aproximou-se do jovem engenheiro.
— Volto a chamar sua atenção para os resultados da experiência, Mr. Loomen. A
fenda estrutural do campo flexível ainda existe, mas ninguém pode garantir que sairá de
um dos transmissores da Gevari depois de desmaterializar aqui. Ainda não sabemos onde
está a Gevari. Se estiver dentro do “Enxame”, suas chances de chegar à nave são boas.
Mas é possível que seja atirado para trás e saia ferido. Também pode ficar preso em
algum lugar do hiperespaço.
Loomen engoliu desesperadamente em seco. Antes da catástrofe causadora da
deterioração mental se ocupara intensamente com a técnica dos transmissores. Seu
trabalho num retropolarizador automático tomara-se conhecido em toda parte. Loomen
quase completara a criação do aparelho quando houve a catástrofe.
E agora tinha uma chance sem igual de colher experiências. Era um dos imunes que
tinham subido a bordo da Intersolar.
— Tenho consciência do perigo — disse a Perry Rhodan. — Sei o que significa dar
um salto de transmissor para o desconhecido. O senhor sabe por que me apresentei como
voluntário.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Não permitimos sua passagem pelo transmissor porque estejamos interessados
em suas experiências — interveio Atlan. — Não se esqueça de que o que está em jogo é a
Gevari, e talvez até o futuro da Galáxia.
— Isso eu sei — disse Loomen.
Naturalmente desejava que os tripulantes da Gevari fossem salvos. Além disso
esperava que conseguissem livrar a Galáxia dos conquistadores amarelos.
Mas desejava mais que qualquer outro dar o salto pelo transmissor. Não era a
primeira vez que atravessava um desses aparelhos, mas nunca enfrentara um perigo tão
grande.
Desta vez a coisa era diferente.
Percorreria vários anos-luz sem saber onde ficava o destino. Naturalmente os
transmissores tinham sido ajustados um para o outro. Sairia na Gevari — desde que ela se
encontrasse no universo einsteiniano.
— Não permitiríamos que o senhor entrasse neste transmissor se a falha estrutural
no campo elástico não continuasse a existir — disse a voz de Rhodan em meio aos seus
pensamentos. — Esta falha parece ser uma garantia de que chegará ao destino.
— Eu mesmo quis cumprir esta tarefa — disse Loomen. — E sinto-me grato porque
o senhor permitiu que eu fosse.
— Não temos contato de rádio com a Gevari — disse Rhodan em tom sério. —
Nem mesmo Harno conseguiu captar uma imagem da nave especial. Mas precisamos
saber se ela conseguiu forçar passagem. As medidas que tomaremos daqui em diante
dependem das informações que recebermos de dentro do “Enxame”.
Loomen encarou o Administrador-Geral.
— Eu lhe fornecerei estas informações.
Loomen viu que Rhodan continuava cético. Provavelmente o Administrador-Geral
sabia perfeitamente quais eram seus motivos. “Que saiba!”, pensou Holander num acesso
de teimosia. Era cientista e queria alcançar seu objetivo. A conclusão do retropolarizador
faria com que dali em diante as viagens pelo transmissor não oferecessem nenhum
perigo. Quem entrasse num transmissor e não chegasse ao destino seria trazido de volta
automaticamente. Bastaria que levasse o aparelho criado por Loomen.
— De qualquer maneira teríamos mandado alguém — disse Rhodan. — Mas nossa
primeira ideia foi escolher um astronauta experiente.
Loomen olhou atentamente para Rhodan. Será que hesitaria no último instante? Que
retiraria sua permissão?
— Mas neste caso preferimos enviar um voluntário — prosseguiu Rhodan,
deixando Loomen mais aliviado. — Além disso o senhor possui experiência em
transmissores, o que é desejável numa missão como esta.
Loomen acenou com a cabeça e fechou o capacete do traje de proteção. Estava
equipado como alguém que vai pôr os pés num planeta hostil. Mas duvidava que seu
equipamento serviria para alguma coisa.
Se não conseguisse saltar para dentro da Gevari, devia esperar a morte, onde quer
que saísse.
Holander Loomen confessou que nem pensara nessa possibilidade. Tinha de
conseguir, no seu interesse e no dos tripulantes da Gevari.
A voz de Rhodan soou no alto-falante instalado em seu capacete.
— Está preparado, Mr. Loomen?
O corpo de Loomen entesou-se. O jovem cientista olhou para a abertura negra do
grande transmissor, na qual começou a surgiu uma ondulação.
O transmissor estava pronto para entrar em funcionamento.
— Estou preparado.
Sua própria voz soava estranha. Tinha um som abafado embaixo do capacete.
— Caminhe devagar em direção ao transmissor. Boa sorte, Mr. Loomen.
Loomen saiu andando sem olhar para trás. Seus pensamentos eram confusos,
embora tentasse concentrar-se em sua tarefa.
Havia um retropolarizador pendurado em seu cinto. O aparelho ainda não tinha sido
completamente desenvolvido e nunca fora testado na prática. Mas apesar disso Loomen
confiava em sua invenção. Talvez fosse sua salvação se alguma coisa não desse certo.
Holander Loomen já estava perto da entrada do transmissor. Ninguém percebeu que
o engenheiro hesitou ligeiramente. Finalmente Loomen deu o passo decisivo.
A dor da desmaterialização foi violenta, mas não chegou a ser insuportável.
Quando a estrutura atômica do corpo de Loomen voltou a recompor-se segundo o
esquema anterior, o cientista só viveu o suficiente para saber onde tinha saído. Flutuava
como uma partícula minúscula numa enorme torrente de energia. As energias cobriam a
abertura do campo elástico que nem um manto. Estavam em constante movimento.
Holander Loomen explodiu.
O que sobrou dele fluiu para o hiperespaço.
Na sala dos transmissores da Intersolar um raio saiu da abertura em arco do grande
aparelho.
Rhodan fechou os olhos e virou-se.
Não era necessário que ninguém lhe dissesse o que significava esse raio.
5

Parado na câmara da eclusa aberta da nave em forma de disco, envolto num traje
protetor e com os braços ligeiramente em ângulo, Alaska Saedelaere parecia antes um
monstro marinho que um ser humano. Os faróis instalados em seu capacete estavam
ligados, apesar de a área que Alaska e Balton Wyt pretendiam investigar ser
suficientemente iluminada pelos holofotes externos da Gevari.
Wyt deslizou para perto do homem lesado por um transmissor.
— Vamos nadar logo para o lugar em que o senhor acredita ter descoberto os
rastros?
Saedelaere fitou-o.
— Ainda duvida de que sejam rastros?
— Duvido, sim — confirmou Wyt. — Esses buracos na areia podem ser qualquer
coisa. Além disso não se sabe quem poderia andar aqui embaixo.
Saedelaere verificou seu equipamento. Não estava muito acostumado a
movimentar-se num traje protetor embaixo da água. Wyt também não tinha nenhuma
experiência nisso. Mas os dois sabiam que não havia muita diferença de um voo pelo
espaço. Os trajes de proteção garantiam a compensação da pressão.
— Vamos examinar isso de perto — sugeriu Saedelaere.
Em seguida empurrou-se e saiu nadando. Wyt seguiu-o de perto. Saedelaere viu a
sombra de seu corpo deslizando sobre o fundo do mar. Um cardume de pequenos peixes
prateados fugiu à sua frente. Lateralmente embaixo dele um animal parecido com uma
folha gigantesca movimentava-se perto do fundo do mar, levantando areia de vez em
quando.
Saedelaere viu que o ser possuía várias ventosas que enfiava constantemente na
camada de lama. Provavelmente tirava alimento do chão.
O animal não tomou conhecimento dos dois intrusos; provavelmente nem era capaz
de perceber sua presença.
Quanto mais se aproximavam dos edifícios, mais sombrios eles pareciam para
Alaska. Que drama não se devia ter verificado ali há vários milênios?
Será que os que tinham buscado proteção tinham perecido apesar dos esforços
feitos? Ou acabaram abandonando o lugar depois de reconhecer o perigo?
— Continua tudo quieto — informou Saedelaere às pessoas que estavam na Gevari.
— Gucky e Merkosh colocaram os trajes de proteção — respondeu Mentro Kosum.
— Estão prontos para ajudá-los caso haja um imprevisto.
— Eles só sairão da nave depois que eu der ordem — disse Alaska.
Sabia como Gucky era precipitado. O ilt provavelmente só esperava uma
oportunidade de sair da Gevari.
Wyt alcançou Saedelaere e apontou com a mão estendida para um dos edifícios.
— É ali.
A luz dos holofotes da nave acompanhou os dois homens. Saedelaere sentiu certo
mal-estar ao lembrar-se de que ele e Wyt eram iluminados como se estivessem num
palco, enquanto os outros seres que talvez estivessem por ali os observavam de longe e
protegidos pela penumbra.
Passou instintivamente as mãos pelo cinto em que estavam guardadas as armas. Os
animais que talvez vivessem onde ele se encontrava não podiam tornar-se perigosos.
Mas talvez houvesse outra coisa...
Alaska fez um esforço para controlar-se. Era um absurdo. Não havia nenhum sinal
da presença de seres perigosos.
Saedelaere viu que a maior parte dos edifícios apresentava rachaduras. Algumas
paredes e telhados tinham desabado. Não havia nada que pudesse evitar a ruína da cidade
submarina. Dali a um milênio talvez só restariam dela alguns montes cobertos de
vegetação.
De repente Saedelaere viu um valo que atravessava a lama que nem o leito de um
rio. Tinha um metro e meio de largura e suas bordas eram nítidas. Saedelaere parou e
chamou a atenção de Wyt para sua descoberta.
— Um valo — disse o telecineta. — Parece que se formou há pouco tempo, senão a
correnteza o teria enchido de lama e só restaria uma pequena depressão. Deve ser de
origem vulcânica.
— É artificial — retrucou Saedelaere. — Olhe só as linhas. O valo liga dois
edifícios.
— É verdade — disse Wyt em tom pensativo. — Mas acho que é um acaso.
— Quantos acasos ainda serão necessários para fazer o senhor acreditar que coisas
misteriosas acontecem aqui embaixo? — perguntou o homem de máscara em tom
contrariado.
Os dois desceram para o valo. Saedelaere constatou que havia arranhões em suas
bordas.
— Este valo foi escavado — afirmou Alaska. — Além disso trabalha-se nele
ininterruptamente. Alguém quer impedir que seja fechado pela correnteza.
Wyt ainda estava cético.
— Não vejo qual poderia ser a finalidade deste valo. Para que poderia servir?
— Faz a ligação entre dois edifícios — afirmou Saedelaere. — Tenho certeza de
que descobriríamos outros valos se nos déssemos ao trabalho de procurá-los.
Wyt suspirou.
— Que conclusão o senhor tira de tudo isso?
A areia em que Saedelaere apoiou os pés dava a impressão de ser macia. Levantou-
-se toda vez que Saedelaere movia os pés. Pequenos regatos correram para dentro do
valo.
Alaska viu que o valo não tinha mais de um metro de profundidade. Até onde podia
enxergar, a profundidade continuava a mesma. Era mais um sinal de que o valo fora obra
de alguém.
— Não sei o que pensar — disse Alaska, aludindo finalmente à pergunta de Wyt. —
De qualquer maneira parece ser um valo recente, escavado há pouco tempo.
Alaska transmitiu a informação à Gevari, onde suas notícias eram esperadas com
muita ansiedade.
— Se quisermos ficar aqui e criar uma base, temos de saber quem mais se encontra
nesta área — disse Kosum.
— As operações de rastreamento espacial revelaram alguma coisa?
— Até agora não apareceu uma única espaçonave na região em que fica o sol
Praspa — respondeu o emocionauta.
Para Saedelaere isso era uma prova de que tinham entrado no sistema sem que
ninguém percebesse. Os habitantes do “Enxame” não tinham detectado a pequena nave.
Nestas condições o lugar no fundo do mar seria um esconderijo ideal.
— Wyt e eu continuamos procurando — anunciou Saedelaere. — Se existem seres
inteligentes embaixo da água, talvez possamos chegar a acordo com eles. Não acredito
que os valos e os rastros de pés provenham dos antigos habitantes dos edifícios. Isto é
obra de outros seres. Talvez tenham sido criaturas que receberam os edifícios daqueles
que os construíram.
Alaska fez um sinal para Wyt.
— Vamos seguir este valo em direção ao edifício. Passaram a nadar mais devagar.
Saedelaere não tirava os olhos do edifício que ficava à sua frente. Notou que certas
espécies de plantas aquáticas cresciam em grupos regulares.
Será que se tratava de canteiros artificialmente construídos?
O homem de máscara preferiu não chamar a atenção de Balton Wyt para isso.
— Cuidado com os peixes! — disse de repente a voz de Kosum saída do alto-
-falante instalado no capacete. — Cuidado com os peixes, Alaska!
Os dois homens que se deslocavam na água viraram-se abruptamente. Saedelaere
viu à luz do farol da nave um cardume de centenas de peixes de um metro de
comprimento vindo em sua direção.
Alaska pegou o desintegrador num gesto hesitante. Não acreditava que estes peixes
podiam tornar-se perigosos. Quando chegaram mais perto, viu que possuíam
excrescências parecidas com rabos que brilhavam na água.
Antes que pudesse pensar mais nisso, os peixes o alcançaram e se agitaram em volta
dele. Houve centenas de descargas elétricas de pequena intensidade quando os rabos dos
peixes entravam em contato com os trajes de proteção dos homens.
Saedelaere empurrou-se do chão e ficou suspenso alguns segundos em cima do
cardume. Uma aglomeração de peixes atacando loucamente formou-se em torno de Wyt.
O cardume dividiu-se. Parte dos peixes voltou a atacar Saedelaere. Sua energia
natural era tão grande que aumentou a capacidade de carga do traje de proteção de
Saedelaere.
Os animais não representavam nenhum perigo para os dois, mas qualquer ser que
nadasse desprotegido provavelmente teria sido morto pelos choques elétricos. Os animais
retiraram-se tão de repente como tinham aparecido.
— Desistiram — afirmou Balton Wyt aliviado.
Saedelaere compreendia os sentimentos do companheiro. Os homens enfiados nos
trajes de proteção não corriam um perigo direto, mas o ataque era um fenômeno
assustador para o qual não havia explicação.
— Invadimos sua área — opinou Wyt. — Por isso atacaram.
Saedelaere sacudiu a cabeça.
— Acho mais provável alguém ter instigado os peixes a nos atacar.
— O quê? — exclamou Wyt surpreso. — Como poderia ser feito isso?
Alaska não soube responder a esta pergunta. Mas preparou-se para enfrentar outros
ataques. Os desconhecidos que em sua opinião controlavam o cardume que acabara de
atacá-los tentariam de novo expulsar os dois intrusos.
— Tenha cuidado, Alaska — alertou Kosum. — Sugiro que nas condições em que
nos encontramos Gucky e Merkosh também saiam.
— Ainda não — recusou Saedelaere.
Já tinham chegado perto do edifício. A parede brilhava num cinza azulado, as
rachaduras pareciam veias negras. O valo terminava bem à frente da entrada inferior. O
último pedaço fora levantado de um dos lados, dando a impressão de que alguém
costumava entrar ou sair rastejando por ali.
Não se via nenhum ser vivo, com exceção de alguns peixes pequenos que nadavam
curiosos de um lado para o outro.
Saedelaere apontou para cima.
— Vamos entrar no edifício!
Ficou com a arma em posição de tiro, pois estavam entrando numa área que não era
iluminada mais pelos faróis da Gevari.
A entrada escolhida por Saedelaere ficava logo embaixo do telhado. Parte da parede
desabara, aumentando a entrada. Saedelaere nadou diretamente para a abertura, seguido
por Wyt, e iluminou o lado de dentro com o farol instalado em seu capacete. Viu alguns
peixes menores nadando na água turva. Não se distinguiam os detalhes do recinto que
ficava à sua frente.
Saedelaere segurou-se com as duas mãos nas bordas da abertura e puxou-se
lentamente para dentro do recinto. Esperava um ataque de surpresa e por isso teve muito
cuidado. Mas nada aconteceu. Alaska foi de vez para dentro do edifício. Olhou para trás e
viu Wyt, que o seguira em silêncio.
O terrano magro iluminou as paredes de ambos os lados da entrada. Quase não tinha
nenhuma diferença da parede externa. Plantas aquáticas, conchas e algas cresciam em
toda parte.
Apesar disso Saedelaere teve a impressão de que havia alguém por perto.
Virou-se que nem um relâmpago, mas não viu nada além de um ser parecido com
uma medusa, que se movimentava pela água com movimentos grotescos.
Foi nadando devagar sala a dentro. Desceu de propósito.
O chão, que já via perfeitamente, estava coberto de plantas aquáticas de um metro
de altura. Podiam ser um bom esconderijo para qualquer ser. Curioso, Alaska desceu
mais. Roçou com as pernas nas pontas das plantas. Alguns peixes fugiram assustados.
— Não há ninguém — disse a Wyt.
— Temos de continuar entrando no edifício — respondeu Alaska.
Logo teve de pagar o preço da distração que só durou um instante.
Tentáculos de plantas subiram abruptamente em torno dele e enlaçaram suas pernas.
Antes que pudesse esboçar qualquer reação foi arrastado para baixo. Outras plantas
cingiram suas coxas e barriga. Alaska fez alguns movimentos natatórios violentos, mas
não conseguiu libertar-se. Caules de plantas bateram ruidosamente na viseira de seu
capacete. O homem de máscara sentiu-se agarrado nas pernas e nos ombros e seu corpo
foi virado violentamente.
— Balton! — gritou. — Para trás imediatamente!
— Estou em cima do senhor, Alaska! — respondeu o mutante. — Ainda bem que
consegui escapar.
Saedelaere acalmou-se um pouco. Wyt estava perto dele. Se a situação piorasse,
Gucky e Merkosh viriam da Gevari e também o ajudariam.
— Não o vejo! — gritou Wyt. — As plantas devem tê-lo puxado bem para baixo.
Saedelaere fez um gesto zangado. Parecia que estava envolto num casulo. Sua
liberdade de movimentos restringira-se a um mínimo. Não podia pôr as mãos na arma
nem regular a potência de seu propulsor.
Novas plantas envolveram o corpo de Saedelaere. Ele o sentia pelos movimentos
repentinos que sacudiam o conjunto toda vez que isso acontecia.
Alaska compreendeu que estava preso. Se os estranhos atacantes não mudassem de
tática, não conseguiria libertar-se sozinho.
Mas apesar de tudo não entrou em pânico.
— As plantas são uma armadilha colocada aqui de propósito. — disse para dentro
do microfone do radiocapacete. — Detêm todos os intrusos indesejáveis.
— Não sei o que fazer — disse Wyt meio perplexo. — Não o vejo. Se descer,
também serei agarrado pelos monstros.
Kosum entrou na ligação.
— Vou mandar Gucky e o transparente. Faço isto sob minha responsabilidade.
Saedelaere não respondeu. Sabia que estava indefeso. A situação era mais perigosa
do que ele queria reconhecer no início. Se os amigos tentassem libertá-lo à força,
poderiam feri-lo e até matá-lo. E não se sabia se os mutantes poderiam fazer alguma coisa
para impedir a ação das plantas.
— Experimente a telecinesia, Balton! — ordenou Alaska ao mutante. — Talvez
possa obrigar os atacantes a se retirarem.
Por um instante os dois ficaram em silêncio. Saedelaere estava cada vez mais tenso.
— Sente alguma coisa — um alívio? — perguntou Wyt depois de algum tempo.
Saedelaere praguejou indignado.
— Quer dizer que não funcionou — disse Wyt em tom seco.
— As plantas não reagem.
O homem lesado por um transmissor não tinha alternativa. Só podia armar-se de
paciência e esperar. Os passos seguintes deviam ficar por conta de seus companheiros.
Merkosh e Gucky chegariam dentro de alguns minutos; talvez conseguissem libertá-lo.
O medo íntimo do homem de máscara de que as plantas pudessem apertá-lo cada
vez mais, até esmagá-lo, felizmente não se confirmara por enquanto. O traje de proteção
era mais forte.
Mas isso podia mudar depressa.
Mentro Kosum desligou o radiotransmissor da Gevari, para que Saedelaere e os
outros tripulantes que se encontravam fora da nave não pudessem ouvi-lo.
— Acho que a única possibilidade será cortar as plantas com armas energéticas para
libertar Alaska. Isso pode pôr em perigo sua vida.
Os irmãos Blazon, que estavam de pé bem à frente dos controles, entreolharam-se
ligeiramente. Os dois tinham imaginado que os preparativos dentro da base fossem bem
diferentes.
— Estamos perdendo tempo — disse Blazon Beta.
— Além disso já deveríamos ter entrado em contato com Rhodan — acrescentou
Blazon Alfa.
Corello, que acordara há tempo, disse:
— Não podíamos esperar que tudo fosse fácil. Dificuldades há em toda parte. Não
devemos desanimar. Afinal de contas só faz meio dia que saímos.
Blazon Beta deu uma risada áspera.
— É o que mostram os relógios de bordo. Quem sabe quanto tempo passamos
mesmo no hiperespaço? Talvez sejam semanas ou meses. — Seu rosto assumiu uma
expressão sombria. — Ou até anos.
Já dissera tudo.
Pela primeira vez estava em discussão o receio que todos nutriam no íntimo.
Kosum fez um gesto resoluto.
— Não acredito que tenhamos sido vítimas de uma dilatação do tempo muito
extensa.
— Ninguém pode saber se fomos ou não fomos — disse Blazon Beta em voz de
oráculo. — Provavelmente até chegamos a permanecer no espaço dakkar, o que pode ter
causado deslocamentos incríveis.
Kosum bateu com o punho nos controles fazendo-os tilintar.
— Sobre isso ainda podemos conversar se houver problemas de verdade. No
momento o importante é tirarmos Alaska de onde está.
O emocionauta voltou a ligar o rádio. Balton Wyt fez contato.
— Gucky e Merkosh acabam de chegar. Parece que achamos
Saedelaere. — Balton hesitou um instante antes de prosseguir. — Embaixo de nós,
um pouco para o lado, há um objeto no chão. Está envolto em plantas. Talvez seja
Alaska.
— Por que não tem certeza? — quis saber o emocionauta.
— Há outras coisas jogadas no fundo do mar — esquivou-se o mutante.
— Até parece que há uma grande armadilha logo na entrada — interveio Corello.
— Tenho certeza de que se trata de plantas carnívoras.
Kosum empalideceu.
— O campo defensivo protege Saedelaere.
— De qualquer maneira Wyt e os outros devem apressar-se para salvá-lo — disse
Corello.
***
— Também não consigo — confessou Gucky cabisbaixo. — As plantas não reagem
aos impulsos telecinéticos. Não é a primeira vez que faço esta experiência em formas de
vida primitivas. Elas geralmente possuem uma imunidade natural.
— Não precisamos de suas explicações — respondeu Wyt.
Merkosh nadou para perto dele. Mesmo enfiado num traje de proteção parecia
frágil.
— Na água e dentro de um traje de proteção não posso usar minha voz malvada.
— Isso eu sei — respondeu Wyt. — Temos de cortar as plantas para tirar Alaska.
Acho que o melhor é queimarmos uma passagem entre elas, para não sermos obrigados a
libertar mais alguém.
Wyt estava suspenso tão perto das plantas perigosas que poderia tocá-las com o
braço estendido. Ficou admirado por não poder ver a luz do farol instalado no capacete de
Saedelaere. As plantas que envolviam a cabeça de Alaska deviam estar tão juntas que não
deixavam passar a luz, ou então o homem lesado por um transmissor estava deitado de
barriga.
Wyt esperou que Gucky e Merkosh nadassem perto dele.
— O monte escuro lá embaixo talvez seja Alaska — disse. — O tamanho
corresponde ao de Saedelaere.
Os três tripulantes da Gevari tão diferentes entre si começaram a usar os
desintegradores. Eram armas que também podiam ser usadas na água. O líquido começou
a ferver e borbulhar. Bolhas gigantescas subiram à superfície. Os raios saídos das armas
pareciam fios prateados no meio das águas agitadas. Parte das plantas começou a
dissolver-se diante dos olhos dos astronautas.
— Cuidado — preveniu Wyt. — Não devemos ferir Alaska.
Em seguida desceu na passagem que se formava lenta mas constantemente.
— Vamos tirá-lo daí, Saedelaere! — gritou para dentro do microfone instalado em
seu capacete.
O homem lesado por um transmissor riu aliviado.
— Está na hora, Wyt. A pressão sobre meu corpo aumenta aos poucos. Receio que
meu traje de proteção não aguente por muito tempo.
Os três mutantes avançaram obstinadamente em direção ao objeto escuro que
acreditavam ser Saedelaere. Wyt ainda não via a luz do farol de Alaska.
— Está deitado de barriga, Alaska? — perguntou.
— Estou — confirmou Saedelaere. — Por que faz essa pergunta?
— Por causa do farol de seu capacete.
— Compreendi. Está ligado. Tentarei...
A voz silenciou, transformando-se num gemido.
— Alaska!
Wyt desceu dois metros sem preocupar-se com a própria segurança e disparou
ininterruptamente o desintegrador. Algumas plantas saltaram em sua direção e
enlaçaram-no. Wyt separou os caules. As plantas foram levadas pela correnteza que nem
cobras se contorcendo.
— Alaska! — voltou a gritar Wyt.
— A pressão... — respondeu Saedelaere com dificuldade. — O senhor tem de
apressar-se.
Do outro lado Gucky e Merkosh aproximavam-se do objeto escuro jogado no fundo
do mar. Wyt começou a transpirar quando se lembrou de que talvez tivessem escolhido o
alvo errado. Era possível que Alaska estivesse a cinquenta metros dali, lutando para
sobreviver.
Wyt regulou a arma para a potência mínima. Tinha de queimar as plantas com
muito cuidado. Elas se desmancharam sob o efeito de seus tiros.
Wyt estremeceu quando clareou em torno dele. Todo o recinto foi inundado por
uma luz forte. Wyt levantou a cabeça. Três objetos esféricos desciam do teto. Era deles
que partia a luz.
— São peixes! — gritou Merkosh. — Peixes gigantes.
Wyt percebeu que os seres esféricos de aproximadamente três metros de diâmetro
possuíam bocas largas, que abriam regularmente. Não se via como se locomoviam, pois
não possuíam caudas nem barbatanas.
Wyt se perguntou como os peixes luminosos podiam ter passado pelas entradas
estreitas do edifício.
Os peixes pararam a cinco metros dos três astronautas. Iluminaram toda a sala. As
paredes dos fundos não diferiam da face externa do edifício. Mais ao longe Wyt viu a
passagem para a sala seguinte. O chão estava completamente coberto das perigosas
plantas de tentáculos.
— Merkosh, fique de olho nos peixes luminosos — ordenou Wyt ao opronense. —
Gucky e eu cuidaremos de Alaska.
Balton voltou a dirigir a arma sobre o objeto envolto por plantas deitado no chão.
Espantou-se ao ver os feixes de plantas levantarem e se dividirem. Libertaram a vítima.
Neste momento Wyt viu a luz do farol embutido no capacete de Alaska. As plantas só se
esticavam e movimentavam com a correnteza.
Wyt fez um teste. Tocou com os pés em um talo de planta.
Não aconteceu nada!
A luz espalhada pelos três peixes esféricos transformara as plantas carnívoras em
vegetais inofensivos. Wyt não perdeu tempo refletindo sobre o problema. Sem preocupar-
se com a própria segurança, desceu para junto de Saedelaere. Levantou-o do chão.
— Tudo em ordem?
— Tudo — conseguiu dizer o homem lesado por um transmissor. — O senhor
chegou no último instante.
— Os elogios devem caber aos peixes esféricos — disse Wyt. — Foram eles que
provocaram de uma forma misteriosa uma modificação no comportamento das plantas.
Alaska levantou a cabeça.
— Será que as duas espécies vivem em simbiose?
— Sinto fortes impulsos mentais — disse Gucky neste instante. — Parece que há
seres inteligentes perto daqui.
Wyt e Alaska subiram para onde estavam os outros. Não se via nada a não ser os
três peixes esféricos e alguns animais menores.
— Os impulsos são emitidos pelos peixes luminosos? — perguntou Merkosh.
O rato-castor respondeu que não.
— Tenho certeza de que provêm de desconhecidos que se encontram neste edifício.
Saedelaere não teve mais nenhuma dúvida de que não se enganara. Havia seres
inteligentes nos antigos edifícios-fortaleza. Eram seres que sempre tinham vivido em
Praspa IV, ou então se tratava dos descendentes dos antigos habitantes do refúgio.
Alaska resolveu estabelecer contato com os desconhecidos arredios. Era possível
que naquele mundo aquático conseguissem algumas informações a respeito dos
habitantes e dos donos do “Enxame”. Pelo menos havia uma esperança de que os
habitantes soubessem alguma coisa a respeito do sistema de Praspa.
— Temos de revistar o edifício — decidiu o comandante da missão de alto risco. —
Mesmo correndo o risco de os desconhecidos acharem que somos seus inimigos e nos
atacarem. Tenho certeza de que só dispõem das armas naturais que já conhecemos. Logo,
não representam nenhum perigo para nós.
Saedelaere dirigiu-se a Gucky.
— Você poderia irradiar impulsos telepáticos tranquilizadores. Talvez reajam a
eles.
— É o que estou fazendo há algum tempo — respondeu o ilt.
— Acontece que não posso prometer que serei bem-sucedido.
De um instante para outro os peixes esféricos se apagaram. Em comparação à
luminosidade espalhada por eles a luz dos faróis parecia fraca. As pontas das plantas
voltaram a tatear embaixo deles, procurando alguma coisa.
— É estranho — disse Wyt. — Assim que os peixes deixam de emitir sua luz, as
plantas voltam a procurar alguma coisa que possam atacar.
— Pelo menos já sabemos que precisamos ter muito cuidado
— disse Alaska.
Em seguida entrou em contato com a Gevari para transmitir um relato resumido a
Kosum.
— Vamos revistar as outras salas — anunciou. — Acabaremos entrando em contato
com os desconhecidos.
Parecia que o fato de quatro de seus companheiros se exporem a novos perigos não
era nada agradável para Kosum.
— Não posso segurá-lo, Alaska. Mas não se esqueça por que viemos.
A ligação foi interrompida. Mantendo sempre uma boa distância das plantas, os
quatro astronautas nadaram para a entrada da outra sala.
— Os desconhecidos estão recuando.
A voz de Gucky parecia sonolenta.
Sem dúvida havia saídas em toda parte. Os habitantes do edifício não precisavam
deixar que os intrusos os vissem se quisessem evitar o contato.
Saedelaere interrompeu os movimentos de nadador.
— Não adianta segui-los. São muito ariscos. Precisamos tentar de outra forma.
— Como? — quis saber Wyt.
— Temos de atraí-los para fora do esconderijo — concluiu Alaska. — Vamos fazer
meia-volta. Apresentaremos juntamente com os outros alguma espécie de espetáculo na
área livre entre os edifícios. Tenho certeza de que desta forma conseguiremos alguma
coisa.
***
Para surpresa geral, foi Blazon Alfa, um sujeito calado, que primeiro se
entusiasmou pela ideia de Saedelaere.
— Temos de encenar qualquer apresentação — sugeriu. — Tenho algumas ideias.
Alaska tirou o traje de proteção e afundou numa poltrona.
— O mais importante são os mutantes. Gucky e Wyt poderão apresentar alguns
jogos telecinéticos. Além disso, tudo de que não precisamos a bordo será empilhado do
lado de fora. Os desconhecidos devem ver que estamos dispostos a fazer-lhes presentes.
Mentro Kosum e os irmãos Blazon colocaram os trajes de proteção e levaram para
fora da nave alguns recipientes cheios de ferramentas e outros objetos úteis. O
emocionauta chegou à conclusão de que o lugar que melhor se prestava para a exposição
dos presentes era a área em torno do obelisco tombado. Os faróis da nave foram dirigidos
para o lugar escolhido por Kosum.
— Chegou a vez de o senhor e Gucky entrarem em ação — disse Saedelaere aos
dois mutantes.
Wyt e o ilt saíram da nave e fizeram algumas apresentações na luz dos faróis.
Fizeram boiar fragmentos do obelisco, agitavam a areia e formaram correntes flutuantes
com conchas abandonadas.
Dali a instantes Gucky comunicou pelo radiofone da sala de comando da Gevari que
sentia um nervosismo cada vez maior dos misteriosos seres submarinos.
— Não há dúvida de que nos observam. Estão curiosos.
— Continuem! — ordenou Alaska.
Gucky e Wyt fizeram os presentes sair dos recipientes e flutuar na água. Bem
enfileirados, atravessaram a água e se aproximaram do maior dos edifícios, onde fizeram
uma curva fechada e voltaram ao ponto de partida.
— Isto deve ter servido pelo menos para aguçar seu apetite — disse o rato-castor.
Mas os habitantes da cidade submarina em ruínas não apareceram. Uma hora
ininterrupta de jogos telecinéticos não produziu nenhum resultado.
Finalmente Wyt cansou-se do trabalho inútil.
— Vamos desistir — disse desanimado. — Talvez alguém tenha uma ideia melhor.
Os dois mutantes mal tinham voltado para dentro da Gevari, quando os corpos de
dezenas de peixes esféricos se iluminaram à frente dos velhos edifícios, iluminando uma
área circular à frente de um deles.
— Que significa isso? — perguntou Corello em tom ansioso.
Não esperou muito. Devagar e com muito cuidado dez desconhecidos saíram de um
dos edifícios.
6

O contato com extraterrestres, onde quer que se verificasse, sempre tinha algo de
excitante. Mesmo os astronautas que tinham estado muitas vezes em mundos estranhos
sempre eram dominados por uma estranha tensão.
Talvez fosse porque geralmente se decidia no primeiro contato entre dois povos se
eles se defrontariam com amigos ou inimigos. O número de povos que se tinha
transformado em inimigos por causa de erros e mal-entendidos era simplesmente
alarmante.
Mas os terranos tinham aprendido com a experiência. Sabiam como evitar
incidentes graves, embora muitas vezes o comportamento dos forasteiros não lhes
deixasse alternativa senão entrar em luta.
Enquanto observava as dez criaturas que executavam uma dança estranha à luz
emitida pelos peixes esféricos, Alaska Saedelaere se perguntou deprimido se o homem
tinha o direito de entrar na vida de outros povos.
Desta vez a resposta só podia ser afirmativa. O que estava em jogo era a existência
dos terranos e de toda uma galáxia com seus habitantes.
Provavelmente os habitantes da cidade submarina não tinham nenhuma participação
nos atos do “Enxame”. Provavelmente nem sabiam que seu mundo passara a fazer parte
de um estranho grupo de astros, que viajava de uma galáxia para outra, seguindo um
instinto antiquíssimo e inexplicável.
— Que estão fazendo? — perguntou Corello em voz baixa. — Aquilo é mesmo uma
dança, ou são movimentos agressivos que representam um desafio?
Para Saedelaere aqueles seres grandes que se movimentavam sob a luz dos peixes
grandes eram parecidos com crianças. Estavam despidos e a pele verde estava coberta de
escamas. Possuíam membranas natatórias dobráveis entre as coxas e embaixo dos braços.
As cabeças eram redondas e apresentavam numerosas excrescências em forma de rolha
com as extremidades esféricas. Parecia que eram os olhos. Em um dos lados da cabeça
havia uma saliência em forma de bolsa com quase vinte centímetros de comprimento. Na
opinião de Saedelaere devia ser a boca.
Nenhum dos seres tinha mais de setenta centímetros de comprimento.
— Não parecem muito perigosos — constatou Kosum. — Mas gostaria de saber o
que significa o espetáculo que estão apresentando.
— É possível que há alguns minutos os desconhecidos se tenham perguntado a
mesma coisa — disse Corello.
Saedelaere fez um gesto pensativo.
— Acha que os seres aquáticos querem retribuir as brincadeiras de Wyt e Gucky
— Parece que sim.
As pequenas criaturas deram-se as mãos e formaram um círculo. Seus movimentos
pareciam leves e graciosos. Descreviam círculos enquanto subiam e desciam. Os peixes
esféricos permaneciam imóveis em cima deles, derramando sua luz sobre os corpos das
criaturas.
— Gostaria de saber como se comunicam com os peixes — pensou Wyt em voz
alta.
— O senhor só acha isso estranho porque está acontecendo embaixo da água —
afirmou Blazon Beta. — Todo povo que alcançou certo grau de inteligência possui
animais domésticos que usa em seu benefício.
Os habitantes da água desfizeram o círculo e baixaram para o fundo do mar, onde
permaneceram imóveis por um instante, para em seguida executar saltos estranhos.
Depois disso desapareceram um após o outro numa vala.
— Será que é nossa vez? — perguntou Alaska.
Blazon Beta, que estava a seu lado, apontou em silêncio para a tela de imagem.
Um peixe negro de pelo menos dez metros de comprimento estava saindo de um
dos edifícios. Havia um ser aquático sentado logo atrás de sua cabeça. Dirigia o peixe
com plantas flexíveis que atravessavam sua boca. O cavaleiro distinguia-se dos
indivíduos da mesma espécie por causa de um colar de conchas prateadas que usava no
pescoço.
— Deve ser o chefe — opinou Saedelaere. — O fato de ele aparecer neste momento
é um bom sinal.
O peixe negro movimentava-se em direção à área livre fazendo movimentos
parecidos com os de uma cobra. Parou bem ao lado do obelisco tombado.
— Sinto os impulsos mentais dessa criatura — disse Gucky. — O cavalgador
controla o peixe. Espera que um de nós saia para comunicar-se com ele.
Alaska pôs a mão no capacete.
— Isso é comigo.
— Seja um pouco mais desconfiado — advertiu Kosum.
— A única coisa que consigo identificar nos pensamentos do cavalgador é a
desconfiança — informou Gucky. — Não existe ódio nem agressividade. Sendo assim,
Alaska pode sair.
Saedelaere acenou com a cabeça e preparou-se. Quando estava na câmara da eclusa
esvaziada pelas bombas arrependeu-se de não ter levado Wyt ou Merkosh. Mas o ser que
cavalgava o peixe também estava só.
A água encheu a câmara. Quando ficou completamente cheia, a parede exterior se
abriu. Alaska ligou o farol instalado em seu capacete e saiu nadando. Os faróis da Gevari
derramavam uma luz forte sobre a área adjacente ao obelisco destruído. Saedelaere viu o
peixe negro fazer movimentos impacientes. Mas era mantido sob controle pelo ser que o
cavalgava.
Mais ao longe dezenas de seres aquáticos apareceram nas entradas dos edifícios.
Mas não saíram para a área livre. Preferiram acompanhar a uma distância segura o que
estava acontecendo em sua cidade.
Alaska não perdeu tempo. Nadou para perto do ser aquático que trazia uma corrente
de conchas pendurada ao pescoço.
Saíra sem armas. Seu equipamento técnico consistia na mochila energética, num
cinto de comando versátil e numa máquina tradutora, sobre cuja utilidade tinha fortes
dúvidas.
Saedelaere sabia que tinha cobertura. Se fosse atacado, as armas da Gevari
entrariam em ação.
O homem de máscara esperava que isso não fosse necessário. Estava decidido a
comunicar-se com o chefe dos seres, aquáticos.
Suspendeu os movimentos natatórios quando se encontrava a alguns metros do
desconhecido. Vista de perto, a criatura tinha uma semelhança surpreendente com uma
criança.
Os dois seres tão diferentes entre si encararam-se em silêncio. Saedelaere sabia que
com o traje protetor seu aspecto devia ser assustador. Para não assustar o outro, desligou
o farol.
Talvez o cavalgador do peixe se desse conta de que se defrontava com um ser cujo
ambiente natural não era a água. A bolsa que serviu de boca alargou-se de repente. Estava
sorrindo para Alaska.
Este gesto quase humano deixou Saedelaere bastante impressionado.
Dominado por uma simpatia inesperada, o terrano ergueu o braço.
Depois disso não aconteceu nada durante algum tempo. Os dois seres se olhavam. O
peixe negro ficou cada vez mais impaciente e seu cavalgador muitas vezes era obrigado a
puxar as rédeas. Não estava acostumado a ficar parado na água.
Alaska estava tão entretido na contemplação daquele ser que estremeceu quando a
voz de Mentro Kosum soou em seu alto-falante.
— E agora, Alaska?
— Estamos nos olhando — respondeu Saedelaere em tom áspero.
Sentia-se contrariado por ter sido perturbado, por mais compreensível que fosse a
impaciência dos homens a bordo da Gevari.
Dali a alguns minutos o ser aquático saiu de cima do peixe e nadou para perto de
Alaska.
Saedelaere preparou-se para um ataque. O desconhecido deu várias voltas em torno
dele. Não parecia muito interessado na mochila energética. Será que sabia que ela não
fazia parte do corpo do astronauta?
Saedelaere permaneceu imóvel, deixando o desconhecido à vontade.
O ser aquático criou coragem e chegou bem perto de Alaska. Saedelaere viu as
membranas natatórias do ser aquático se esticarem e dobrarem. Parecia uma forma de
locomoção complicada, mas parecia que não cansava aquele ser.
Saedelaere deu ao desconhecido o nome de rei das conchas, por causa da corrente
que trazia pendurada ao pescoço.
O rei das conchas ficou suspenso na água bem à frente de Alaska e estendeu o
braço. Quase chegou a tocar em Saedelaere.
Seguindo um impulso, Alaska segurou sua mãozinha. Parecia mole e quebradiça.
O rei das conchas acenou com a mão livre. Com o coração palpitando, Alaska
compreendeu o que o ser aquático queria que ele fizesse. Queria que o acompanhasse
para perto do peixe negro. O terrano hesitou. A pequena criatura puxou-o pela mão.
Finalmente Alaska cedeu. Não via outra possibilidade de entrar em contato com os
habitantes da cidade antiga. Os tripulantes da Gevari precisavam de informações com
urgência. Talvez fosse a melhor maneira de consegui-las sem arriscar-se.
Alaska nadou em direção ao peixe negro, seguindo o rei das conchas. O animal
parecia observá-lo com os olhos malvados. Quando abriu a boca, deixou à mostra duas
fileiras de dentes afiados.
“Um peixe carnívoro!”, pensou o terrano.
Aproximou-se do grande peixe meio inseguro. Parecia que o rei das conchas não
compartilhava de seus receios. Saltou para a nuca do animal com uma calma que dava a
entender que era um movimento que fazia constantemente.
O rei das conchas fez sinal para que o astronauta também sentasse nas costas do
peixe.
— Kosum! — gritou Alaska para dentro do microfone instalado em seu capacete.
— A coisa começa a ficar interessante. O rei das conchas convida-me para dar uma volta.
— Que é isso? — A voz de Kosum parecia explodir no alto-falante de Saedelaere.
— Quem é o rei das conchas?
— Foi o nome que dei ao sujeitinho com quem estou lidando. Parece que devo
acompanhá-lo.
— Não posso dizer o que o senhor deve fazer, Alaska. Mas não se meta numa
aventura perigosa. Não sabemos para onde ele o levará. Quando não o virmos mais, não
poderemos fazer nada para ajudá-lo. O senhor não está armado.
O ser acomodado em cima do peixe fazia gestos impacientes. Dava a impressão de
que não compreendia os motivos por que Alaska ainda hesitava.
— Acho que posso confiar em meu novo amigo.
— Quer que mande Gucky atrás do senhor? — quis saber Kosum.
— Por enquanto não! Se houver um imprevisto, chamarei.
Kosum disse uma coisa que Alaska não compreendeu. Provavelmente não
concordava com os planos do comandante.
Mas Saedelaere tomara sua decisão. Aproveitaria a chance de fazer contato com os
seres aquáticos. Nadou por cima do grande peixe e desceu lentamente em suas costas.
Fazia votos de que o animal estivesse acostumado a levar a carga dupla.
As costas do peixe eram lisas. Saedelaere envolveu-o com as pernas e segurou-se
com uma mão nas costas do rei das conchas.
O ser aquático soltou as rédeas. Parecia que o peixe só esperava por isso. Saltou
para a frente com um movimento rápido. Por pouco Alaska não caiu. Mas o rei das
conchas estava sentado bem à vontade em suas costas. A cavalgada não devia ser nada de
extraordinário para ele.
Alaska viu que nadavam em direção a um dos edifícios.
***
Mentro ficou um tanto preocupado ao ver Alaska e o rei das conchas sentados nas
costas do peixe gigante desaparecendo na entrada de um dos edifícios. O homem lesado
por um transmissor era um astronauta experiente. Também fizera suas experiências com
seres extraterrestres. Mas Kosum era de opinião que desta vez ele se arriscava demais.
Não sabia quase nada a respeito dos seres que viviam nos edifícios em ruínas e não devia
confiar neles.
Provavelmente Saedelaere acompanhara o desconhecido porque queria obter quanto
antes as informações de que precisavam. Com isto Alaska infringia uma das regras
básicas de todas as expedições, segundo a qual ninguém devia assumir riscos por sua
própria conta e levado pela sensação da pressa, pondo em perigo toda a missão.
Mas Kosum teve de reconhecer que se estivesse no lugar de Saedelaere teria agido
da mesma forma. Enquanto continuasse o contato pelo rádio, o homem de máscara não
corria perigo. Gucky podia teleportar ao lugar em que Saedelaere se encontrava para
ajudá-lo.
— Finalmente temos o contato que tanto desejávamos — disse Blazon Beta. —
Confesso que sinto inveja de Saedelaere. Ele encontrará um meio de comunicar-se com
os desconhecidos e descobrirá detalhes interessantes a respeito do “Enxame”.
— Isto se os seres aquáticos souberem alguma coisa sobre isso — disse Merkosh.
— Acho que o sistema de Praspa foi absorvido pelo “Enxame” há vários milênios
— disse Corello. — Provavelmente a cidade-refúgio submarina foi construída nesse
tempo. Deve ter sido construída por seres que se sentiam ameaçados pelo “Enxame”.
— Também não acredito que os planetas do sistema Praspa pertençam ao número
dos planetas originais do “Enxame” — concordou Gucky. — O importante é
descobrirmos o que aconteceu nos diversos planetas, principalmente em Casulo.
Kosum examinou os controles. Estavam detectando os impulsos emitidos por
Casulo. Continuava a não haver nenhum sinal da presença de espaçonaves no sistema de
Praspa. Dali só se podia concluir que a entrada da Gevari no sistema não fora notada.
Kosum não se surpreendeu com isso. Os intrusos não poderiam desejar uma proteção
mais eficiente contra a ação dos rastreadores que as quantidades de energia liberadas na
fresta do campo elástico.
— Casulo sem dúvida é o mundo mais interessante deste sistema — prosseguiu o
rato-castor. — Além dos impulsos energéticos captados por nossos aparelhos existem
misteriosos impulsos mentais que recebemos durante nossa ligeira aproximação.
— Pode dar uma informação concreta sobre estes impulsos? — perguntou Corello.
— Não. Mas eles me repeliam. O que existe em Casulo encontra-se num processo
horrível e incompreensível.
— Ainda estamos em Praspa IV — protestou Kosum. — Seria melhor vocês se
preocuparem com Alaska.
— Sinto seus impulsos — disse Gucky. — Por enquanto está tudo em ordem.
— Será que a fresta no campo flexível já se fechou? — refletiu Blazon Beta.
Kosum apontou para os relógios de bordo.
— A fresta deve ter-se fechado há algumas horas, a não ser que tenhamos sido
vítimas de uma dilatação do tempo.
— Quer dizer que o caminho de volta foi fechado — trombeteou Merkosh.
— Não se esqueça dos astros que são expelidos constantemente pelo “Enxame” —
lembrou Corello. — Deve ser mais fácil sair do “Enxame” que entrar nele.
Todos ficaram calados, pois Kosum tentava estabelecer contato pelo rádio com
Saedelaere.
— Desculpem por não ter chamado — soou dali a instantes a voz conhecida do
homem lesado por um transmissor. — Há tanta coisa interessante aqui.
— Onde está? — perguntou Kosum em tom ansioso.
Houve uma pausa. Provavelmente nem mesmo Saedelaere sabia exatamente para
onde fora carregado pelo peixe.
— Atravessamos o edifício e entramos num conjunto de cavernas na rocha depois
de atravessar um túnel. — Saedelaere tossiu baixo; parecia nervoso. — Os edifícios em
ruínas praticamente só servem de entrada das habitações propriamente ditas dos seres
aquáticos. Também servem como armadilhas. Os seres aquáticos mantêm um excelente
contato com as formas de vida primitivas. Podem exercer sua influência sobre peixes e
plantas.
— Hum! — Kosum mordeu o lábio. — O senhor me deixa curioso, Alaska. Mas
estamos interessados principalmente em sua segurança.
Os sete tripulantes que esperavam no interior da Gevari ouviram Saedelaere dar
uma risada.
— Aqui não corro nenhum perigo. Os habitantes da cidade submarina são seres
amistosos.
— Consegue comunicar-se com eles?
Não houve resposta. Kosum ficou nervoso. Aproximou o microfone dos lábios.
— Alaska! — gritou.
Mais uma vez não houve resposta. Kosum virou-se no assento.
— Sente seus impulsos, Gucky?
— Não — respondeu o ilt. — Mas recebo os impulsos mentais dos seres aquáticos.
— Você precisa dar uma olhada para ver o que aconteceu.
Gucky não respondeu. Desmaterializou e desapareceu da sala de comando da
Gevari. Kosum recostou-se no assento sem tirar os olhos do rádio. Era incapaz de
imaginar que alguma coisa tivesse acontecido com Saedelaere.
Mas por que o contato pelo rádio fora interrompido tão de repente?
7

Para Alaska a grande caverna aquática em cujo interior ele e o rei das conchas
nadavam nas costas do peixe negro tinha certa semelhança com o interior de um velho
castelo terrano. Havia dezenas de peixes esféricos suspensos na água, iluminando até o
último canto do recinto que devia ter cerca de cem metros de diâmetro. O chão, as
paredes e o teto eram de rocha vulcânica negra, polida em quase todos os lugares.
Saedelaere se perguntou como os desconhecidos haviam feito isso.
Havia três entradas circulares ao todo. Havia conchas grandes espalhadas no chão.
Em algumas delas estavam deitados membros do povo aquático, dormindo. No meio do
recinto havia um obelisco construído com conchas. Era uma versão reduzida da pedra
despedaçada na área livre entre os edifícios. Nas paredes Alaska descobriu nichos nos
quais estavam guardadas ferramentas e outros objetos.
Na opinião do terrano devia ser uma espécie de sala coletiva. Saedelaere sentiu o
peixe negro debater-se nervosamente. O animal queria ficar sempre em movimento.
Alguns dos seres desconhecidos acordaram e aproximaram-se. Pareciam curiosos. O
rei das conchas fez um sinal e rosnou alguma coisa. Isto fez com que os seres recuassem
para contemplar o terrano de longe.
O rei das conchas virou o rosto para Saedelaere e emitiu um som estridente.
— Sinto muito — disse Saedelaere. — Assim não podemos comunicar-nos.
O ser com o colar de conchas pendurado no pescoço parecia decepcionado.
Apontou para os nichos nas paredes e saiu de cima do peixe. Saedelaere seguiu-o. O rei
das conchas mostrou bastante orgulhoso algumas ferramentas rudimentares feitas de
rocha vulcânica.
De repente Saedelaere teve uma surpresa.
Entre as ferramentas de pedra havia uma barra de metal.
Saedelaere quis pegá-la, mas o rei das conchas colocou-se à sua frente e abriu
ameaçadoramente os braços.
O terrano recuou um passo. Compreendeu que acabara de ver uma coisa que os
desconhecidos preferiam que continuasse escondida.
Mas por quê?
O rei das conchas apontou na direção em que estava o peixe negro. Era um gesto
muito claro. Alaska não devia ver mais nada dos objetos guardados nos nichos. O
astronauta acreditava que a barra de metal fosse colocada no nicho por engano, senão o
rei das conchas não lhe teria mostrado este lugar.
Será que dali se devia concluir que os seres aquáticos mantinham escondidas outras
coisas interessantes?
Alaska resolveu examinar atentamente tudo que havia no castelo aquático.
Voltou a sentar nas costas do peixe. O rei das conchas fitou-o atentamente e
levantou os ombros. Era um gesto tão humano que Alaska quase esqueceu que se
defrontava com uma criatura completamente estranha. Achava que seu companheiro
queria desculpar-se.
— Está bem — disse Alaska e fez um gesto parecido. — Cuidaremos disso mais
tarde.
O rei das conchas voltou a conduzir o peixe. Afastaram-se da passagem pela qual
tinham entrado e entraram numa caverna quase escura passando por uma abertura nos
fundos. Alaska pôs instintivamente a mão nos controles instalados em seu cinto para ligar
os faróis que trazia no capacete. Mas não chegou a completar o movimento.
Não queria arriscar a amizade com o rei das conchas que mal começara assustando-
-o.
Na caverna em que acabavam de entrar só havia um peixe luminoso. Estava
pendurado logo embaixo do teto e sua luz mal dava para lançar algumas sombras escuras
no chão.
Só então o terrano percebeu que Kosum queria comunicar-se pelo rádio.
Fez um esforço para concentrar-se.
— Desculpe por não ter respondido logo. Há tanta coisa interessante para ver.
— Onde está? — quis saber o emocionauta.
Saedelaere explicou.
— Hum! — fez Kosum. — O senhor me deixa curioso, Alaska, mas estamos
interessados em primeiro lugar em sua segurança.
Alaska riu.
— Aqui não corro nenhum perigo. Os habitantes da cidade submarina são seres
amistosos.
— Consegue comunicar-se com eles?
Antes que pudesse responder, Alaska foi agarrado de traz e arrancado de cima do
grande peixe. Levou uma forte pancada nas costas.
“Minha mochila energética!”
A ideia provocou nele os efeitos de um choque elétrico. Ficou apavorado ao
lembrar-se de que estaria condenado à morte, se a mochila energética fosse danificada.
— Kosum! — gritou nervoso. — Kosum, o senhor me ouve?
Mas o rádio instalado em seu capacete não funcionava. Fora danificado pela
pancada. Saedelaere também não ouviu a voz de Kosum, apesar de ter certeza de que o
emocionauta tentava desesperadamente entrar em contato com ele.
Alguma coisa fechou-se em cima dele. Escureceu de vez. Saedelaere sentiu-se
comprimido, mas com algum esforço conseguiu levantar o braço e ligar o farol instalado
em seu capacete. Não via muita coisa; havia uma superfície cor de cal à frente de seu
rosto.
Será que se encontrava numa sala pequena?
De repente sentiu que o recipiente em cujo interior era mantido preso começou a
movimentar-se.
Para onde estava sendo levado?
Conseguiu girar a cabeça. Estava cercado de paredes brancas. Obliquamente em
cima dele havia uma fresta ondulada.
Alaska compreendeu que se encontrava na casca de uma concha gigante e estava
sendo transportado.
***
Gucky materializou num grande pavilhão iluminado por peixes luminosos. Viam-se
algumas conchas abandonadas no chão. Não havia sinal dos desconhecidos. Mas Gucky
percebeu graças aos seus sentidos paranormais que os seres inteligentes que viviam na
água não estavam longe. Ligou o propulsor da mochila energética e desceu devagar ao
chão. Abandonou por enquanto a decisão de examinar os nichos nas paredes.
Movimentou-se em direção a uma saída. Os impulsos mentais que recebia aumentavam
de intensidade. O ilt concluiu que estava sendo observado. Seguiu os fluxos mentais. Eles
acabariam levando-o para junto dos seres responsáveis pelo desaparecimento de
Saedelaere. Por enquanto não se preocupava com o homem lesado por um transmissor.
Alaska era mentalmente estabilizado e psi-imune. Só em circunstâncias especiais Gucky
poderia estabelecer contato telepático com ele.
O rato-castor avançou cuidadosamente através da saída. Iluminou a caverna
seguinte. Alguns peixes ficaram ofuscados e recuaram. Gucky teve a impressão de que
vira movimentos de seres maiores nos fundos da caverna.
Sentiu um impulso mental agressivo e teleportou instintivamente para o centro do
recinto. Virou-se abruptamente e viu alguns seres aquáticos estupefatos na entrada. Eles o
olhavam atentamente. Seguravam clavas de pedra e cordas trançadas com plantas
aquáticas.
Gucky usou a telecinesia. Fez os cinco desconhecidos flutuarem na horizontal e
amarrou-os com suas próprias cordas. Eles nem reagiram. Provavelmente ficaram
paralisados de pavor.
— Vou depositá-los no chão — explicou Gucky em voz alta. — Fiquem deitados
bem quietinhos.
— Com quem está falando? — perguntou Kosum.
— Não vou contar — respondeu Gucky. — Reflita um pouco para não ser roído
pelo tédio a bordo da Gevari.
— Monstro orelhudo! — xingou Kosum. — Diga logo. — Preciso resolver se
mando mais alguém.
— Sinto-me satisfeito por finalmente estar sozinho — observou Gucky.
Passou a inspecionar calmamente os arredores. As paredes e o teto da caverna na
qual se encontrava não tinham sido trabalhados, mas por vários motivos Gucky os achava
mais interessantes que a grande sala da qual viera.
De um dos lados havia uma coluna metálica de um metro de diâmetro. Estava muito
bem polida e apresentava algumas saliências em forma de alavanca. Gucky acreditava
que a coluna já estivera em outro lugar. Fora trazida para dentro da caverna, embora não
houvesse motivo para estar na caverna. Havia algumas argolas de metal penduradas no
teto. Também não desempenhavam nenhuma função. Na opinião de Gucky deviam ser os
remanescentes da mesma cultura que produzira os edifícios submarinos.
Pela primeira vez o rato-castor pensou na possibilidade de que os seres aquáticos
talvez fossem descendentes degenerados dos seres que tinham construído a cidade sob a
água.
Muita coisa podia acontecer em alguns milênios. Talvez tivesse havido uma
catástrofe depois que a cidade foi construída.
O ilt ligou o microfone instalado no capacete.
— Há peças de máquinas antigas espalhadas aqui embaixo. — informou a Kosum.
— Parece que são guardadas e tratadas como relíquias.
— O que está fazendo neste momento? — perguntou Kosum em tom impaciente.
— Continuo procurando — respondeu Gucky e caminhou calmamente em direção à
saída dos fundos.
Parecia que embaixo das montanhas de lava havia um conjunto de cavernas muito
espalhado.
Gucky deduziu dos pensamentos dos seres aquáticos que Alaska ainda estava vivo.
Os desconhecidos pretendiam levar o prisioneiro a certo lugar. Provavelmente queriam
mostrar-lhe uma coisa.
Além disso o rato-castor identificou um sentimento nos impulsos mentais.
Medo!
Medo dos intrusos.
Gucky ficou parado um instante para concentrar-se. Os desconhecidos receavam
que ele e Saedelaere tivessem vindo do mundo dos degenerados.
Este mundo, compreendeu Gucky surpreso, identificava-se com o terceiro planeta
do sol Praspa, ao qual os tripulantes tinham dado o nome de Casulo.
***
Saedelaere logo compreendeu que não conseguiria romper a concha com a força dos
músculos. Felizmente seus equipamentos energéticos pareciam intactos. Mas a falha do
radiocapacete podia ser decisiva para seu destino.
Apesar do incidente Alaska não acreditava que os desconhecidos quisessem matá-
-lo.
Era possível que tivessem medo dele e por isso resolvessem mantê-lo preso. Mas
talvez o motivo de sua prisão fosse o fato de ter visto a barra de metal.
Depois de algum tempo a concha imobilizou-se.
Saedelaere esperou ansiosamente que ela se abrisse. Queria descobrir para onde
tinha sido levado.
Dentro da concha estava tudo em silêncio. O único ruído que Saedelaere ouvia era o
chiado monótono da válvula de oxigênio.
Quanto maior a espera, mais inseguro se sentia Saedelaere, sem saber se ainda seria
libertado. Talvez os desconhecidos pretendessem deixá-lo preso na concha até morrer.
Mas logo percebeu que seus receios não tinham fundamento. Viu a concha abrir-se
devagar à luz do farol.
Saedelaere teve mais uma surpresa. A água que havia na concha escorreu.
Ela não se encontrava mais no mar.
***
Gucky acostumou-se depressa a ser atacado constantemente por peixes e outros
animais. Não podiam detê-lo. Muitas vezes era cercado por cardumes, mas não precisou
pôr a mão na arma. Seus dons parapsíquicos foram suficientes para manter os atacantes
primitivos sob controle.
Os ataques desesperados dos peixes provavam as condições em que se encontravam
aqueles que os fizeram lugar contra o rato-castor.
Os habitantes das cavernas queriam evitar de qualquer maneira que Gucky
continuasse a entrar em sua área. Mas seus esforços pareciam tão inofensivos que ele não
conseguia imaginar que Alaska tivesse enfrentado um perigo real.
O rato-castor irradiou impulsos telepáticos tranquilizadores, para convencer os
desconhecidos de que suas intenções eram pacatas. Mas ainda não tinha conseguido nada.
As imagens mentais que recebia eram tão confusas que não conseguiu extrair delas
nenhuma informação. Isto levou Gucky a concluir que os seres inteligentes de Praspa IV
estavam nervosos e quase loucos de medo.
Dentro do sentimento do medo configurava-se constantemente o símbolo mental de
um mundo horrível.
Os habitantes das águas temiam os seres a respeito dos quais não sabiam muito.
Gucky acreditava que esse medo era o resultado de velhas tradições. Não conseguia
imaginar que entre os seres de escamas verdes e aqueles que talvez viviam em Casulo já
tivesse havido um conflito.
O rato-castor percebeu que entrara numa correnteza que saía da caverna na qual
acabara de entrar.
— Estou na pista deles — comunicou a Kosum. — Dentro de mais alguns instantes
devo encontrar Alaska.
O rato-castor sentiu que os seres que seguia estavam cada vez mais confusos. Não
sabiam o que fazer.
“Tomara que Alaska e eu consigamos explicar a essas criaturas que os tripulantes
da Gevari não tem nada em comum com o terceiro mundo do sistema de Praspa.”,
pensou. “Sem isso seria praticamente impossível chegar a um acordo.”
***
Cerca de sessenta metros acima de Alaska havia uma abertura na rocha, pela qual
entrava a luz do dia. O homem lesado por um transmissor saiu da concha com muito
cuidado e viu que se encontrava numa grande caverna. Havia várias salas laterais e
corredores, motivo por que era impossível avaliar o tamanho total da caverna. Saedelaere
acreditava que a montanha em cujo interior se encontrava pertencia à ilha que ficava à
frente do único continente do planeta.
A concha na qual fora trazido era quase completamente redonda e apresentava um
grande abaulamento em um dos lados. Tinha cerca de três metros de diâmetro. Naquele
momento estava deitada na margem, banhada pela água de um dos lados. Seis
desconhecidos saíram do mar a frente de Alaska, com o rei das conchas à frente.
Saedelaere surpreendeu-se ao ver que esses seres também podiam viver fora da
água. Isto significava que respiravam por meio de guelras e pulmões.
Nos fundos da caverna havia um veículo enferrujado. Parecia que muitas vezes a
água subia mais na caverna. De fato, Saedelaere viu que os assentos apodrecidos e o piso
em concha do veículo estavam cobertos de conchas e algas. Saedelaere se perguntou
como o veículo fora parar na caverna. Devia estar no mesmo lugar há séculos.
O rei das conchas aproximou-se de Alaska e apontou para o estranho veículo.
Depois disso apontou com o braço estendido para Alaska.
Será que queria saber se havia alguma ligação entre o homem e o veículo?
Alaska sacudiu energicamente a cabeça. Fazia votos de que o ser aquático soubesse
interpretar o gesto.
O rei das conchas baixou a cabeça. Em seguida sua mão trêmula voltou a apontar
para o carro e em seguida para Alaska.
Saedelaere se perguntou se fora mal compreendido. Tirou a tradutora do cinto e
ligou-a. Mas com os seres que tinham trazido o comandante da Gevari a esse lugar o
aparelho por enquanto não podia ajudar muito.
O rei das conchas não tirava os olhos de Alaska. Parecia esperar que acontecesse
alguma coisa.
“Tomara que não pensem que vou sentar nessa lata velha e andar por aí!”, pensou
Alaska.
Ficou refletindo sobre o que podia fazer para deixar satisfeitos os nativos exaltados.
Tentou mais uma vez usar o rádio. Mas não conseguiu contato com a Gevari.
Caminhou lentamente em direção ao carro, para ganhar tempo. Os seres aquáticos
seguiram-no. Conversavam numa língua que soava como uma série de rangidos. Alaska
fazia votos de que a tradutora conseguisse captar e interpretar alguns símbolos.
Quando chegou perto do veículo, Alaska refletiu sobre quem o teria construído. O
rei das conchas e seu povo usavam ferramentas de pedra. Não conheciam máquinas e não
tinham possibilidade de gerar energia.
O terrano estendeu a mão e tocou em uma das barras de suporte nas quais estava
pendurado um assento. A barra cedeu imediatamente. Alaska percebeu que qualquer
toque violento faria desmoronar a máquina.
— Não sei quais são suas intenções — disse Alaska. — Certamente não esperam
que ponha isto em movimento.
— É um presente, Alaska! — gritou uma voz muito conhecida nos fundos da
caverna. — Os seres que trouxeram você para cá querem dar-lhe este veículo para
alcançar suas boas graças.
Alaska virou o rosto na direção da qual
vinha a voz. Gucky ainda estava na água
até os quadris. Fez um sinal para o
homem de máscara. Saedelaere viu que
o ilt estava sem capacete. Toda vez que
soltava o ar aparecia uma coluna branca
em cima de sua cabeça.
Os nativos recuaram ao ver Gucky.
O rei das conchas foi o único que não
saiu do lugar. Parecia mais corajoso que
os outros. Talvez o chefe não tinha
mesmo alternativa, para não fazer feio.
— Segui uma corrente submarina
— explicou Gucky. — Ela me trouxe
diretamente para cá. — O rato-castor
apontou para a abertura que ficava bem
em cima de suas cabeças. — Pode tirar o
capacete. O ar é gelado, mas respirável.
— Em toda parte há sinais de uma
civilização técnica desaparecida — disse
Alaska e tirou o capacete. O ar frio
fustigava seu rosto. Levou alguns
segundos para acostumar-se. — Mas os
seres que construíram os abrigos no
fundo do mar já não existem há muito
tempo.
Gucky acenou calmamente com a cabeça e apontou para o rei das conchas e seus
companheiros.
— Isso só é verdade em parte — contestou. — Os seres que se encontram nesta
caverna são descendentes degenerados do povo que há milênios se refugiou na cidade
submarina.
— O quê? — exclamou Alaska espantado. — Como pode ter tanta certeza?
Gucky apoiou as mãozinhas nos quadris e deu um ar de superioridade a seu rosto.
— Torna-se cada vez mais fácil para mim identificar pensamentos isolados destes
seres. Suas lendas e tradições aludem a antepassados parecidos com deuses, que se
refugiaram do demônio gigante que emitia raios.
— O demônio gigante soltando raios! — repetiu Saedelaere.
— Acha que pode ter sido o “Enxame”?
— Já pensei nisso — respondeu o ilt. Em seguida pôs fim à conversa e comunicou
aos homens da Gevari que estava tudo em ordem. — Não estamos em perigo — dirigiu-
se a Mentro Kosum.
— Alaska e eu tentaremos estabelecer contato com os nativos para colher
informações. Parece que sabem alguma coisa a respeito do “Enxame”, e também sobre o
terceiro mundo deste sistema.
Gucky voltou a dirigir-se a Saedelaere.
— É melhor você sentar nesse veículo desengonçado, para que os seres aquáticos
vejam que aceitou o presente.
Os companheiros do rei das conchas soltaram gritos exaltados quando viram Alaska
subir no carro. Já no primeiro passo os pés de Alaska quebraram uma placa de piso
enferrujado. Saedelaere segurou-se na travessa exterior e deixou-se cair lentamente no
assento.
Os nativos cercaram o carro. O rei das conchas lançou um olhar de veneração para
Alaska.
— E agora? — perguntou este contrariado. — Não posso ficar sentado aqui pelo
resto da vida.
— Talvez eu o reveze dentro de alguns dias — respondeu Gucky.
Saedelaere colocou a tradutora no colo e ligou-a na transmissão. Talvez o aparelho
positrônico já tivesse elaborado símbolos que bastassem para traduzir algumas frases
simples.
— Queremos ser seus amigos — disse Alaska.
A tradutora não reagiu.
— Devemos fazer com que os nativos falem, para que a tradutora receba mais
informações — disse Saedelaere.
Gucky observou o rei das conchas, que fazia sinais com as mãos.
— Ele quer que nós o sigamos — informou o rato-castor. — Parece que quer
mostrar-nos coisas ainda mais interessantes.
Satisfeito por poder sair do frágil veículo, Alaska saiu do assento.
O rei das conchas apontou para a água e sacudiu a cabeça. Em seguida apontou com
o braço estendido para uma passagem no fundo da caverna. Desenhou alguns círculos
imaginários no ar e apertou as mãos contra o peito.
— Ele quer explicar alguma coisa! — Gucky também ligou sua máquina tradutora.
— Deduzo de seus pensamentos que ele quer que ponhamos à mostra nossos olhos
radiantes. Ah, já compreendi. Ele quer que liguemos nossos faróis. No lugar para onde
quer levar-nos deve ser completamente escuro.
Os dois tripulantes da Gevari fizeram o que o rei das conchas queria. Depois que
ligaram os faróis instalados em seus capacetes, o chefe do povo aquático deslocou-se em
direção à entrada que já mostrara a Gucky e Alaska.
Os companheiros do rei das conchas pareciam nervosos. Parecia que tinham
dúvidas em acompanhar o chefe. Certamente tinham medo dos dois desconhecidos, ou
então não queriam arriscar-se numa área conhecida como perigosa.
— Devemos estar atentos para armadilhas — lembrou Alaska ao ilt.
— Não temos nada a recear — informou Gucky. — O medo dos nativos está
diminuindo. Parece que já compreenderam que não viemos do mundo dos degenerados.
Os dois seguiram o rei das conchas que se dirigia à passagem para a caverna
seguinte. O túnel no qual entraram ficou muito mais estreito; Saedelaere teve dificuldade
em seguir Gucky e os desconhecidos. Os outros nativos foram no fim. Alaska viu rochas
vulcânicas iluminadas pela luz dos faróis. O chão era de lava endurecida. Nas erupções
vulcânicas que talvez se tinham verificado há séculos a lava passara pelo corredor.
Depois de duzentos metros o corredor foi dar na caverna seguinte. Era muito menor
que aquela da qual tinham vindo.
Alaska viu que nessa caverna havia sucata armazenada: peças de máquinas
enferrujadas, pedaços de plástico bem conservados, recipientes quebradiços e folhas
prateadas. Na maior parte dos objetos nem se podia ver para que tinham servido.
Gucky soltou um assobio.
— Acho que os nativos tiraram tudo isso dos abrigos e trouxeram para cá. Não
querem mexer com estas coisas, mas tiveram medo de destruí-las ou levá-las para longe.
Saedelaere abaixou-se e levantou um bloco de metal. Tratava-se de uma junta de
pinos, que não conseguiu mover mais.
O próximo objeto que despertou seu interesse foi uma cavilha cor de cobre com
uma saliência em forma de garfo.
— Há muita coisa jogada por aí — constatou Gucky. — Os objetos não foram
separados. Carregaram-nos dos abrigos para cá e jogaram-nos num monte.
O rato-castor tirou um tubo enfiado num recipiente de plástico e sacudiu-o.
— Está oco — disse.
O rato-castor teve de recorrer à telecinesia para abrir o tubo. Em seguida virou-se e
deixou cair uma espula muito bem conservada. Gucky desenrolou uma fita fina de cima
da espula.
— Olhe só! — disse a Alaska. — São sinais gráficos. Infelizmente não podem ser
interpretados a bordo da Gevari. Para isso teriam de ser levados para a Intersolar.
Gucky abaixou-se e tirou mais um tubo do recipiente.
— Aqui há outros sinais.
Alaska aproximou-se impelido pela curiosidade. Os nativos mantinham-se
afastados. Pareciam satisfeitos por terem despertado o interesse dos forasteiros.
Gucky abriu o segundo tubo.
Segurou uma folha de metal. Também estava intacta.
— Um desenho!
Alaska olhou por cima do ombro de Gucky.
— Talvez seja um mapa.
— É um esquema de comando — respondeu o rato-castor. Alaska viu que havia
outros tubos no recipiente. Tirou um deles. Uma folha fotográfica caiu dele. Alaska
segurou-a contra a luz do farol e passou-a a Gucky sem dizer uma palavra. As mãos do
rato-castor tremeram.
— É... é o “Enxame”.
— Isso mesmo — confirmou Alaska. — Uma fotografia do “Enxame” feita há
alguns milênios. Notou alguma coisa?
— A forma do “Enxame” é diferente.
— Isso não tem nada de extraordinário — respondeu Saedelaere. — A forma do
“Enxame” continua a mudar. Mas tenho a impressão de que está muito menor.
— Depende do ângulo em que se encontra o observador. — ponderou Gucky.
— Se as cores são verdadeiras, também devemos admitir que esta fotografia foi
tirada numa galáxia diferente. A nebulosa que ilumina estas cores não existe em nossa
galáxia.
— O sistema de Praspa veio de outra galáxia — concordou Gucky. — Foi levado
pelo “Enxame” em sua viagem.
Saedelaere fechou os olhos. Viu em sua imaginação os seres aquáticos observarem
o “Enxame” cheios de preocupações em suas naves e tirarem fotografias. Parecia que a
desgraça não desabara sobre eles de forma violenta. De fato, tiveram tempo de construir
uma cidade-refúgio no fundo do mar de Praspa IV. Mas também acabaram sendo
atingidos pela onda de deterioração mental e degeneraram.
Bastava que Saedelaere olhasse para os seres que o tinham trazido à caverna.
Pertenciam a um povo que nunca mais se recuperaria da catástrofe. A decadência
tornara-se mais lenta, mas haveria de chegar o dia em que ela deixaria de existir.
Um destino semelhante estaria reservado à Humanidade e a muitos povos
inteligentes da Galáxia, se não fosse possível afastar o perigo.
Saedelaere e Gucky abriram os tubos que conseguiram achar. Descobriram mais
uma foto. Mostrava uma metrópole abandonada num outro mundo, documento da antiga
grandeza daquele povo.
Alaska deixou cair o tubo.
— Ainda continuam prisioneiros do “Enxame”. Não é de admirar que haja tantas
lendas de demônios e forças do mal.
— Desconfio de uma coisa — disse Gucky. — Acho que a foto é da cidade de
Casulo. Antes que o sistema de Praspa fosse assumido pelo “Enxame”, parte dos
habitantes daquele planeta fugiu para o mundo aquático.
— Se fosse assim, deveríamos ter descoberto algum sinal da cidade. O planeta
Casulo está completamente envolto por uma estranha rede de energia.
— Trata-se em minha opinião de modificações provocadas pelos habitantes do
“Enxame” — respondeu Gucky. — Podemos ter certeza de que Casulo é uma estação
importante dentro do “Enxame”. É mais um motivo para nos interessarmos por este
mundo.
Saedelaere olhou para trás.
— O que será feito destas criaturas?
— Não podemos fazer nada por elas — confessou Gucky abatido. — Por enquanto
levam uma vida tranquila e talvez até feliz. Chegará o dia em que sua simbiose com os
animais e plantas do mar se completará. Isto significará o fim de qualquer forma de
iniciativa.
Saedelaere voltou a ligar a tradutora na transmissão. Os nativos tinham conversado
sem parar. Alaska fez votos de que a máquina tivesse alcançado algum resultado.
— Somos amigos — disse Alaska para dentro da tradutora.
Um rangido saiu do alto-falante.
— Tente de novo — disse Gucky.
— Somos amigos — voltou a dizer Saedelaere.
O aparelho fez a tradução.
O rei das conchas respondeu alguma coisa. Saedelaere esperou ansiosamente para
saber se o aparelho daria cabo da tarefa.
— Damos-lhes de presente as almas petrificadas de nossos antepassados — disse a
voz saída do alto-falante.
— Está dando certo! — exclamou Saedelaere em tom exaltado. Sabia que a
comunicação continuaria difícil e cheia de mal-entendidos.
— As almas petrificadas de seus antepassados devem ser os abrigos submarinos —
tentou explicar Gucky. — Pelo menos captei um símbolo mental neste sentido.
Saedelaere sabia que seria inútil tentar explicar aos nativos em detalhes a
procedência da Gevari. Os seres cobertos de escamas verdes certamente não
compreenderiam. Devia usar palavras simples para convencê-los de que suas intenções
eram boas.
— Ficamos alegres com os presentes — disse Alaska. — Mas possuímos muitas
riquezas e não precisamos deles. Queremos viver em paz com seu povo.
Saedelaere não sabia se a máquina faria uma tradução perfeita. De qualquer maneira
o rei das conchas parecia impressionado. Tirou o colar de conchas e aproximou-se de
Alaska. O terrano compreendeu as intenções de seu amigo e inclinou-se a sua frente. O
colar foi colocado em seu pescoço. Os nativos viam nele o novo chefe.
— Não ficaremos muito tempo com vocês. — prosseguiu Saedelaere.
— Faça uma pergunta a respeito do mundo dos degenerados. — pediu Gucky. —
Parece que sabem alguma coisa a respeito de Casulo.
Saedelaere fez a pergunta.
Viu a postura do rei das conchas mudar imediatamente. O ser que ainda há pouco
ficara à sua frente, cheio de confiança, recuou e olhou para ele com uma expressão
assustada.
— Tomara que não tenha cometido um erro — disse Alaska ao rato-castor.
— Diga-lhes que não viemos desse mundo.
Saedelaere seguiu o conselho.
Mas seu interlocutor permaneceu calado. Confabulou em voz baixa com seus
companheiros. Os seres aquáticos insistiram para que o chefe saísse das cavernas. Foi o
que Gucky e Alaska deduziram de seus gestos. Finalmente o rei das conchas conseguiu
impor sua opinião. Voltou para junto de Alaska.
— Se viesse alguém do mundo dos degenerados, seria nosso fim. Esse mundo é
dominado pelo demônio negro.
— O demônio negro! — repetiu Saedelaere dirigindo-se a Gucky. — O que ele quer
dizer com isso?
— Só pode ser uma expressão figurada — respondeu o ilt.
— Que mais você sabe a respeito desse mundo? — perguntou Saedelaere ao nativo.
— Seus braços alcançam até aqui! — respondeu o ser coberto de escamas verdes.
— Será que ele se refere a raios e impulsos energéticos? — refletiu Gucky.
— Provavelmente — concordou Alaska.
O rei das conchas superara de vez o medo e passou a falar mais depressa. Quase
tudo que dizia tinha um sentido puramente simbólico e foi traduzido de forma errada pelo
aparelho.
O terceiro planeta do sistema desempenhava um papel todo especial na história dos
nativos de Praspa IV. Mas não havia dúvida de que depois do nascimento do rei das
conchas não houvera nenhum contato entre os seres dos dois mundos. Mas não se podia
excluir a possibilidade de ter havido contatos antes disso. Era provável que antigamente
os seres que viviam no terceiro mundo apareciam de vez em quando em Praspa IV. Pelo
menos alguns antepassados do rei das conchas tinham estado em contato com
astronautas.
O ser coberto por escamas verdes não podia dar muitas informações sobre o passado
de seu povo. Tudo que disse confirmou a hipótese de Gucky e Alaska segundo a qual os
seres aquáticos eram descendentes daqueles que se tinham refugiado embaixo da água.
O rei das conchas não sabia quais eram as causas da catástrofe. Suas informações
eram cifradas. Além disso havia os erros de transmissão da tradutora, que raramente
podiam ser compensados pela capacidade telepática de Gucky.
— Aqui não descobriremos muito mais — opinou Gucky. — Sem dúvida a
inspeção de todos os edifícios e cavernas ainda poderia render dados importantes, mas
não temos tempo para isso.
— Você tem razão — concordou Saedelaere. — Devemos concentrar-nos no
terceiro planeta do sistema. Não vamos esquecer que na opinião de Corello e dos dois
cientistas esse planeta é responsável pela atração que o sol exerceu sobre nós.
Saedelaere estava decidido a não abandonar por enquanto sua base em Praspa IV.
Subiriam à superfície com a Gevari e procurariam um bom esconderijo no único
continente do planeta. Entre as montanhas vulcânicas acidentadas devia haver muitas
grotas e cavernas às quais a Gevari podia recolher-se.
O próximo passo seria o envio de três ou quatro lentes voadoras para Casulo. A
tarefa de suas tripulações consistiria exclusivamente em examinar aquele mundo de perto
e voltar em seguida.
Saedelaere afastou estes pensamentos. Por enquanto se encontravam numa caverna
em Praspa IV.
— Vamos voltar à Gevari — decidiu o homem lesado por um transmissor. —
Levaremos o material encontrado.
Alaska tirou o colar e devolveu-o ao rei das conchas.
— Vamos sair de sua área residencial — explicou.
— Vamos vê-los de novo?
Alaska sacudiu a cabeça.
— Não acredito. Queremos conhecer o mundo dos degenerados.
O ser coberto de escamas verdes fez um gesto de repugnância.
Gucky aproximou-se e segurou a mão de Saedelaere.
— Pronto?
— Um instante.
Saedelaere fez sinal para que o rei das conchas se aproximasse e lembrou os
presentes que os tripulantes da Gevari tinham deixado na área livre dentro da cidade de
abrigos. Algumas ferramentas e equipamentos poderiam ser úteis aos seres aquáticos.
Mas Saedelaere desconfiava de que todos os presentes acabariam entre a sucata nas
cavernas. Os nativos sentiam uma repugnância inexplicável por tudo quanto eu
equipamento técnico.
— Vamos desaparecer — disse Saedelaere a título de despedida. — Não se assuste.
Alaska fez um sinal para Gucky. Os dois desmaterializaram.
O rei das conchas voltou a colocar o colar no pescoço e levou os companheiros para
fora das grandes cavernas.
8

Alaska Saedelaere colocou as espulas e fotografias que tinha trazido sobre a mesa
na sala de comando da Gevari, para que todos as vissem.
— Eis aí o resultado de nossa expedição. Não é nada impressionante, mas
preferimos não procurar outros documentos porque temos de dedicar nossa atenção ao
terceiro planeta.
Saedelaere dirigiu-se a Kosum.
— Já temos contato com a Intersolar ou a Good Hope?
O emocionauta respondeu que não.
— De qualquer maneira prosseguiremos nas pesquisas — decidiu Alaska. Casulo
deve ser um mundo interessante, e isto não somente por causa da rede energética que o
envolve.
— O que pretende fazer se não conseguirmos aproximar-nos de Casulo ou tivermos
uma decepção? — perguntou Corello.
— Nesse caso teremos de sair à procura de sistemas e planetas interessantes —
respondeu Alaska. — Não adianta ficarmos em mundos como o em que estamos. De
qualquer maneira descobrimos uma base provisória. Subiremos para procurar um
esconderijo no continente vulcânico.
***
No dia 26 de abril de 3.442 a Gevari emergiu na superfície de Praspa IV e
sobrevoou o mar em baixa altura, em direção ao único continente. Os impulsos
energéticos de Casulo voltaram a abafar quase todos os outros fluxos. Saedelaere tinha
certeza de que o rei das conchas estava pensando nesses impulsos ao falar nos braços que
saíam do terceiro mundo em direção a Praspa IV.
O objeto mais discutido a bordo foi a fotografia do “Enxame” descoberta por
Gucky. Os irmãos Blazon também não chegaram a acordo sobre se essa foto mostrava
um “Enxame” menor. Todos os tripulantes concordavam em que a foto fora tirada em
outra galáxia. Dessa forma a teoria de que o “Enxame” viajava de uma galáxia para outra
foi definitivamente confirmada.
Saedelaere entregou o comando para Kosum e deitou para dormir.
As duas horas seguintes foram gastas na procura de um esconderijo. Finalmente
Gucky, que teleportara para fora, descobriu um platô embaixo de uma formação rochosa
saliente.
O voo de aproximação foi difícil, mas Kosum desincumbiu-se da tarefa com a
bravura de sempre.
Quando a Gevari pousou, Alaska foi acordado. Ficou satisfeito com a escolha do
lugar.
— Por enquanto ficaremos aqui. — decidiu.
— Talvez fosse conveniente que dois tripulantes voltassem a examinar a cidade
submarina — sugeriu Blazon Beta — agora que conseguimos estabelecer relações
amistosas com os habitantes isso não deve ser difícil.
— Apesar disso vamos concentrar-nos em Casulo. — respondeu Alaska.
Em seguida escolheu Wyt, Merkosh e os dois irmãos Blazon para tripular as lentes
voadoras.
— Sua tarefa será observar Casulo de perto sem se arriscarem. Voltem assim que
tiverem colhido dados suficientes ou quando surgir algum perigo.
Os quatro membros do comando iniciaram os preparativos. Tinham de usar trajes de
combate voadores, pois ficariam deitados praticamente desprotegidos sobre as lentes.
Kosum, que sentia a impaciência de Saedelaere, disse em voz baixa:
— Não sei se convém precipitarmos as coisas nesta altura.
— O descanso pode ficar para mais tarde — disse Alaska. — Cada dia perdido
poderá significar a catástrofe final.
— Olhe só o que descobri! — gritou Corello neste momento.
Examinara a fotografia do “Enxame” e descobrira que ela consistia em várias
camadas superpostas que podiam ser separadas. — Na verdade são várias fotos — disse e
colocou as camadas finas à sua frente. — Cada uma foi tirada de um ângulo diferente.
As folhinhas enrolaram-se. Eram muito frágeis. Corello resolveu o problema de
uma forma muito simples. Mergulhou as folhinhas na água e colocou-as sobre uma
lâmina de vidro. Alisou-as cuidadosamente e levantou a lâmina.
— São mesmo várias fotografias no “Enxame”, feitas em lugares diferentes da
galáxia desconhecida.
Os outros esperavam impacientes para ver as fotos.
— O “Enxame” realmente era menor — observou Blazon Alfa ao olhar através da
lâmina de vidro.
— Sim. Estas fotos mostram-no de todos os lados. — Blazon Beta recebeu a lâmina
do irmão e colocou-a à frente dos olhos por muito tempo. — Nestas condições é muito
difícil comparar as dimensões, mas não tenho nenhuma dúvida de que desde que foram
tiradas as fotografias o “Enxame” aumentou dez anos-luz cúbicos.
— Será que continua aumentando? — perguntou Kosum deprimido.
O físico-sextadim acenou lentamente com a cabeça.
— Sem a menor dúvida.
— Quer dizer que vem crescendo há milênios, sem que ninguém consiga impedi-lo
— disse Saedelaere. — Desta forma fica bem clara a extensão da tarefa que assumimos.
O fato de o “Enxame” continuar crescendo não tem nada de surpreendente. Afinal, em
cada ciclo de nascimentos o número de conquistadores amarelos aumenta.
— Dessa forma o “Enxame” teoricamente poderia abranger várias galáxias — disse
Corello.
— Ou até envolver todo o Universo — acrescentou Merkosh.
— Isso pode parecer ridículo e nunca vai acontecer — respondeu Blazon Beta. —
Mas o efeito de dilatação é um dado certo, mesmo que se processe relativamente devagar.
Naturalmente devemos partir do pressuposto de que o crescimento do “Enxame” será
cada vez mais rápido, já que o número dos conquistadores amarelos ansiosos para entrar
no trabalho de parto aumenta constantemente.
Saedelaere tinha certeza de que em outras galáxias já se tentara deter o “Enxame”.
O fato de ainda estar atravessando o Universo era a melhor prova de que ainda não havia
sofrido uma derrota fulminante. Era possível que certos seres tivessem escapado ou se
protegido dele, mas por enquanto ninguém fora capaz de impedir definitivamente sua
ação.
— Não vamos perder mais tempo contemplando as fotos — disse Saedelaere,
ansioso para partir. — Vamos soltar as lentes voadoras.
Os irmãos Blazon e os dois mutantes que deviam voar para Casulo com as lentes
voadoras fecharam os capacetes dos trajes de proteção e abandonaram a nave.
Kosum abriu a eclusa do hangar no qual estavam depositadas as lentes voadoras
muito achatadas. Sustentados pelos projetores antigravitacionais, os quatro discos saíram
um após o outro. Os controles e a direção estavam abrigados num pedestal semicircular.
Cada lente voadora estava equipada com um pequeno rastreador e detector de impulsos,
massa e estruturas. Além disso havia um minicomunicador dentro do pedestal.
As lentes voadoras não traziam armas; só contavam com campos defensivos. O
pedestal e as argolas que serviam para alguém segurar-se eram as únicas saliências em
sua superfície.
Os três homens e o opronense subiram nos discos e deitaram de barriga. Os
controles e a direção tinham sido instalados de maneira a poderem ser lidos e
manipulados nessa posição.
Saedelaere verificou o contato de rádio com cada disco voador. Não havia
problemas, a não ser as interferências. Mas o homem de máscara achava que poderia
perder o contato com os quatro astronautas quando estivessem mais perto do planeta
Casulo. As interferências emitidas por este mundo eram muito fortes.
Dentro de mais alguns minutos as lentes voadoras ficaram prontas para partir.
— Em hipótese alguma um de nós deve tentar pousar em Casulo — ordenou
Saedelaere em tom enérgico. Se houver alguma possibilidade, isso ficará por conta da
Gevari.
Os discos voadores ganharam altura rapidamente e saíram do campo de visão dos
tripulantes que ficaram.
— Já estão viajando — disse Corello. — Viajando para um mundo desconhecido.
Depois de algum tempo Balton Wyt fez contato pelo rádio.
— Descobrimos o campo elástico. — Sua voz era acompanhada do ruído das
interferências, mas podia ser entendida perfeitamente. — A falha estrutural criada por
Corello ainda existe.
Saedelaere e Mentro Kosum entreolharam-se espantados.
Alaska inclinou-se sobre o rádio.
— Tem certeza de que não está enganado?
— Certeza absoluta! — respondeu Wyt. — É uma pena o senhor não poder ver. É
um quadro impressionante.
Saedelaere ouviu seu próprio suspiro de alívio. Já podiam ter certeza quase absoluta
de que a data indicada nos calendários de bordo ainda estava certa. Se tivesse havido uma
dilatação do tempo, provavelmente não veriam mais a abertura no campo elástico.
— Não pensei que a falha estrutural continuasse por tanto tempo — disse Ribald
Corello.
— Talvez nunca mais se feche — opinou Gucky.
— Não acredito. — O supermutante acomodou-se no assento carregado por seu
robô. — Pelos meus cálculos a fresta já deveria estar fechada. A perda de energia foi
maior do que se previa. Depois que uma quantidade equivalente de energia tiver saído do
hiperespaço, a situação voltará ao normal. Então a falha estrutural voltará a fechar-se.
Saedelaere voltou a fazer contato com Balton Wyt. Desta vez o mutante quase não
pôde ser compreendido.
— Daqui a pouco o contato será perdido definitivamente — disse Kosum.
— O senhor sabe o que fazer. Se a situação se tornar perigosa perto de Casulo, as
lentes voadoras devem voltar.
Saedelaere levantou. Wyt continuava a falar, mas Alaska não entendia o que dizia o
mutante. Dali a instantes o contato foi rompido de vez.
— A única coisa que podemos fazer é esperar — disse Gucky. — Estou curioso
para ver o que terão para contar depois que voltarem.
— Para os nativos da cidade submarina Casulo é o mundo dos degenerados —
lembrou Saedelaere. — Têm medo do planeta e de tudo que está ligado a ele.
Kosum fez recuar o assento e deitou. Bocejou gostosamente.
— Por enquanto isso não me preocupa.
Naquele momento não poderia imaginar que dali a dois dias poria os pés no mundo
misterioso e compreenderia o medo dos nativos de Praspa IV.

***
**
*

A Gevari, com o supermutante Ribald Corello a


bordo, atravessou o campo flexível conforme estava
planejado e encontra-se num mundo aquático dentro do
“Enxame”, onde está em relativa segurança.
Mas os homens da 5a Coluna não podem dar-se ao
luxo de ficar escondidos se querem desvendar os
mistérios do “Enxame”. Têm de assumir riscos. E um
desses riscos é o demônio negro...
O Demônio Negro — é este o título do próximo
volume da série Perry Rhodan.

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