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O gênero biográfico

Modelos antigos Para tanto, os italianos serviram-se de


modelos antigos, sobretudo latinos
Na literatura italiana tardo-medieval (Suetônio, Salústio, Tito Lívio, Cornélio
podem ser percebidas descrições de Nepos, Filóstrato, Valério Máximo),
feições externas e de aparências referências cada vez mais presentes no
fisionômicas. Com o tempo, a descrição
da vida de um personagem começará a
repertório de leitura e de citações dos
desvencilhar-se das tradicionais biógrafos no século XIV.
narrativas lendárias da ação dos santos As obras de autores gregos antigos
e das canções de gesta, que povoaram
o mundo medieval com os feitos dos conhecidas pelos eruditos florentinos do
cavaleiros, reis e imperadores. século XIV irá se consolidar após a estadia
Irá prevalecer, na Itália, o estudo dos
do erudito grego Manoelo Chrysoloras
homens “mais importantes”. Um entre 1397 e 1400 em Florença por convite
impulso biográfico ligado à paixão pela de Coluccio Salutati. Chrysoloras atuou
fama, perpassado por um senso como professor de língua e cultura gregas,
histórico, destaca a importância da ação estimulando o interesse pela filosofia,
humana no mundo e apresenta os literatura e arte clássicas.
meandros de sua vida interior.
Em sua aulas, fazia uso das Vidas Paralelas
de Plutarco.
As Vidas Paralelas de
Plutarco
(46/48 d.C. – 125 d. C.)

Vidas Paralelas (prov. 96-120 d.C.) é uma obra que contém biografias
dos mais famosos personagens da antiguidade. São 23 duplas de
biografados (um grego e um romano), todos de um passado distante.
O interesse dos humanistas pela língua grega foi fundamental para a
fortuna da obra de Plutarco a partir do século XIV.
Coluccio Salutati traduziu a obra de Plutarco a partir de uma tradução
aragonesa (por Juan Fernández de Heredia, 1379-84), em 1396.
Leonardo Bruni, que havia sido aluno de Chrysoloras, iniciou as
traduções de Plutarco diretamente do grego para o latim, em Florença,
no início do século XV.
Por volta de 1460 todas as Vidas se encontravam traduzidas, cerca de um
quarto delas em mais de uma versão.
A versão completa das Vidas Paralelas aparece impressa pela primeira
vez em Roma em 1470, preparada por Giovanni Antonio Campano, na
qual percebe-se o envolvimento de largos setores da intelectualidade
italiana na atividade de tradução. A obra foi reeditada muitas vezes
(cinco ainda no século XV e cerca de vinte no século seguinte).
* Florença: bottega Giunta, 1517
* Veneza: herdeiros de Aldo Manuzio, 1519 Roma: Ulrich Han, 1470
“Se empreendi a composição destas
1. Breve árvore biografias foi, de início, para
genealógica para proveito dos outros; mas agora é
mostrar origens para mim mesmo que persevero
nobres do biografado nesse agradável desígnio. A história
dos varões ilustres é como um
2. Educação (formação espelho que observo para, de
intelectual e moral) algum modo, tentar regular minha
3. Feitos extraordinários vida conformemente à imagem de
4. Morte suas virtudes. Ocupando-me deles,
parece-me estar vivendo com eles.”
(PLUTARCO, Vida de Timoleão).
“Precursores” do Dante Alighieri, Divina Comédia – narrativa de traços biográficos de
humanismo personalidades antigas e modernas.

Francesco Petrarca, Liber de viris illustribus (1337) – 36 biografias de


homens de primeiro escalão da República romana de Rômulo a Júlio
César (100 – 44 a.C.), além de alguns personagens gregos. História da
Roma antiga narrada através de biografias de homens ilustres.

Giovanni Boccaccio:
De vita et moribus... Francesci Petrarcchi (1348-9).

De claris illustribus (prov. 1362) – cento e cinco biografias de mulheres


da Antiguidade, à exceção das sete últimas, contemporâneas do autor.

Trattatello in laude di Dante (Vita di Dante) (1351-72) – primeira


biografia de um poeta. Inaugura um gênero na literatura histórica, a
biografia de artista. Escrito modelar para as descrições das vidas de
homens ilustres compostas posteriormente.

De Casibus Virorum Illustrium (Sobre os Destinos dos Homens Famosos)


(Livro VIII), composto por 56 biografias, Petrarca é o único personagem
“moderno” dentre os biografados.
Filippo Villani De Vita et moribus Dantis poetae comici insignis (1391-
(1325-1407) 1402).

Vite degli uomini illustri fiorentini – fatos importantes


da história florentina sob uma nova ótica, submetidos a
uma organização que privilegiava os atores no cenário
dos acontecimentos. Foi agregado ao seu Liber de
origine civitatis Florentiae et eiusdem famosis civibus
(1381-8; 1395-7), que incluiu vidas de pintores,
tratando-os como homens ilustres que contribuíam
para a glória de Florença. Inclui biografia de Dante.

Aluno de Boccaccio (que consta entre os biografados),


Villani deu um passo adiante, ao introduzir o gênero
biográfico como base da narrativa histórica. A iniciativa
de Villani deu origem a uma das variedades mais
originais da historiografia humanista: o cultivo da
biografia como base ideal e como princípio narrativo
da história.
Leonardo Bruni
Cicero novus (1413-15)
(1370-1444)
Vita Aristotelis (ant. 1430)

“(...) Dante e (...) Petrarca, (...) se Vite di Dante e del Petrarca (1436) – segue o
comparação se deva fazer, entre esses modelo das Vidas Paralelas de Plutarco. Não
dois muito prestantes homens, (...)
afirmo que ambos foram muito são simples biografias. Com clara
valentes e famosíssimos e dignos de intencionalidade política, Bruni rende
muito grande elogio e louvor (...). homenagem à república florentina através de
Dante na vida ativa e civil foi de maior
preço que o Petrarca. (...) na ciência seus dois filhos prediletos. Descreve e
das letras e gramática e na cognição compara esses dois homens, que se
da língua latina Dante foi muito converteram em símbolos e modelos, inveja
inferior ao Petrarca. (...) Confesso
contudo que Dante na obra principal de toda a Itália. Mostra os dois poetas que,
avantaja toda a obra do Petrarca e, segundo Bruni, se equivalem e, ao mesmo
portanto, concluindo, cada um deles tempo, se superam em excelência.
(...) tem em parte sua excelência, e
em parte é excedido e sobrepujado.”
O segundo Comentário
de Lorenzo Ghiberti

Principal testemunho sobre os artistas do


Trecento junto com a obra de Giovanni
Villani (c. 1276-1348) (Nuova Cronica). O
segundo Comentário consta das mais
antigas biografias de artistas, de caráter
estilístico, até hoje conhecidas. Para além
dos artistas florentinos indicados por Villani,
Ghiberti amplia o horizonte, incluindo
mestres de Roma e de Siena.
O humanista Bartolomeo Fazio, em seu De viris illustribus (1456),
reservou um lugar para os pintores. Para além dos italianos, inova ao
acrescentar Jan Van Eyck e Roger Van der Weyden.

Antonio Manetti (1423-1497) escreveu a Vida de Filippo Brunelleschi


(c. 1480).

Uomini Singhularii in Firenze dal MCCCC innanzi (c. 1482-88) – Texto


anônimo. Trata de catorze homens, dos quais oito são artistas, dois são
escritores e quatro pregadores.

Ugolino Verino, em uma obra que celebra Florença, escrita em c. 1500,


trata (além de santos, poetas, escritores, juristas, eruditos e capitães)
de arquitetos, escultores e pintores.
Cimabue Francesco di Stefano, detto il Pesellino
Andrea Tafi Pietro del Pollaiuolo
O livro de Antonio Billi Giotto Sandro Botticelli
Giottino Alesso Baldovinetti
Taddeo Gaddi Filippo Brunelleschi
Agnolo Gaddi Donatello
Gaddo Gaddi Lorenzo Ghiberti
Provavelmente concluído em 1530. Stefano Fiorentino Luca della Robbia
Buonamico Buffalmacco Desiderio da Settignano
Andrea di Cione detto l'Orcagna Antonio e Bernardo Rossellino
Contém biografias dos seguintes artistas, em
ordem cronológica: Giovanni dal Ponte Andrea del Verrocchio
Maso Fiorentino (Maso di Banco) Nanni di Antonio di Banco
Gherardo Starnina Michelozzo
Bicci di Lorenzo Antonio del Pollaiuolo
Masaccio Bernardo dipintore Jacopo del Casentino
Masolino Dello Delli
Lorenzo Monaco Filippino Lippi
Beato Angelico Benozzo Gozzoli
Lippo Fiorentino Domenico Ghirlandaio
Spinello Aretino Fra Bartolomeo
Andrea del Castagno Andrea del Sarto
Paolo Uccello Leonardo da Vinci
Filippo Lippi Michelangelo Buonarroti
Giuliano d'Arrigo, detto il Pesello Berto linaiuolo
O Anônimo Gaddiano
ou Magliabechiano
Cerca de 1540 (prov. 1537-42)

Seguindo o modelo de Ghiberti, inclui os


artistas de Roma e de Siena, numa lista que
vai de Giotto a Michelangelo.

Sua seção inicial é dedicada aos artistas da


Grécia antiga, seguida de uma parte mais
longa dedicada aos artistas florentinos do
século XIV e do início do século XV e suas
obras.
Giovanni Battista Gelli (1498-1563), florentino, escritor de
comédias e comentador de Dante, escreveu vinte breves
biografias de artistas. Em duas conferências impressas em
1549 relativas a dois sonetos de Petrarca sobre o retrato de
Laura de Simone Martini, Gelli fez um breve compêndio da
história dos artistas florentinos até Michelangelo.
1546: Elogi degli uomini illustri, apposti ai veri ritratti (Elogia veris
Paolo Giovio clarorum virorum imaginibus apposita) - Galeria de homens ilustres
concebida como um diálogo entre biografia e retrato, sob um fundo
historiográfico. Conjunto de biografias de italianos ilustres
acompanhadas de seus respectivos retratos em xilogravura. Grande
representante, no século XVI, da fusão literária entre biografia e
história, além de trazer a novidade de acompanhar a arte
retratística.

1548-1549: Vite di uomini illustri. Vita e gesta di dodici Visconti,


principi di Milano, vita dello Sforza, vita e gesta di Ferdinando
Consalvo, vita e gesta di Ferdinando d'Avalos (Paulii Iovii
Novocomensis Episcopi Nucerini Illustrium virorum vitae. De vita e
rebus gestis XII Vicecomitum Mediolani Principum. Vita Sfortiae. De
vita et rebus gestis Consalvi Ferdinandi Cordubae cognomento
Magni. De vita et rebus gestis Ferdinandi Davali cognomento
Piscarii)

1551: Elogi degli uomini d'arme, apposti ai veri ritratti (Paulii Iovii
Novocomensis Episcopi Nucerini Elogia virorum bellica virtute
illustrium veris imaginibus supposita)

* Na autobiografia de Vasari, em suas Vidas (ed. 1568), ele diz que


Giovio ideou mais tarde escrever um tratado sobre os pintores de
Cimabue em diante, mas, como outros, desistiu depois de impressa
a obra vasariana.
A Vida de Filippo Brunelleschi de
Antonio Manetti
“Tu desejas, Girolamo, saber quem foi o Filippo que pregou aquela peça no Grasso,
a qual tanto admiras (...). E queres saber, tendo ele sido florentino e não de muito
tempo atrás, (...) de que família veio e se existem descendentes dele ou de seus
familiares, e por que lhe foi dada tamanha honra de ser sepultado em Santa Maria
del Fiore, e de ter ali posta a sua efígie esculpida a partir do natural (...) em
mármore para a perpétua memória, e até mesmo um epitáfio; e ainda em que ano
do Senhor ele nasceu e morreu. Dir-te-lo-ei de bom grado quantas notícias tiver,
que muitas não são, primeiramente por causa deste teu pedido, para que leias a
novela como verdadeira e não como uma fábula (...); e para que, mediante esta
história, com o teu engenho, penetres no dele (...); e ainda, porque te satisfarei
mais deste modo do que não tenho feito algumas vezes de viva voz, quando me
perguntaste de onde veio e como se renovou este modo das construções que se
dizem à romana e à antiga, as quais hoje muito em vão tanto se imita, e quem as
trouxe à luz novamente, pois antes eram todas alemãs e ditas modernas. E
entenderás como ele foi um homem de grande intelecto e de grande virtude, e
engenho além do comum, e verás, em algumas partes, até que ponto pode-se
creditar-lhe certas obras e aquilo que merecia por honra, e que, das construções
que se fazem hoje, pode-se quase dizer que foi ele o inventor, seja dos edifícios
públicos como dos privados. E verás que, se houver falhas nos edifícios que iniciou
e dos quais foi inventor, são elas de outros e não suas, ou não é conhecida a
verdade a respeito e quem foi por elas responsável.” (p. 153-4)
Formação

“Na sua infância, Filippo aprendeu a ler, escrever e o ábaco, como


se usa entre os homens de bem, principalmente em Florença,
assim como algumas letras latinas, pois o pai era notário e talvez
* Filippo Brunelleschi (1377-1446); tenha pensado em fazê-lo exercer o mesmo ofício, porque, com
Antonio Manetti (1423-1497) exceção dos que esperavam ser doutores, notários ou sacerdotes,
eram poucos os que, naquele tempo, dessem-se ou fossem dados
às letras. Foi muito obediente a quem lhe ensinou, muito dócil e
atemorizado pela vergonha, e isto funcionava para ele mais que
“Filippo di Ser Brunellesco, arquiteto, foi ameaças ou qualquer outra coisa, e era desejoso de honra em
de nossa cidade e, no meu tempo, tudo o que fazia. Dedicou-se naturalmente ao desenho e à pintura
desde muito pequeno, nos quais era muito interessado, e, no
conheci-o e falei com ele.” (p. 155) entanto, ao encaminhá-lo o pai a algum ofício, como geralmente
se faz, escolheu ser ourives; e o pai, percebendo sua inclinação,
“Eu o tive em mãos e vi-o diversas vezes consentiu-lhe, já que era um homem sábio. E naquele ofício logo
no meu tempo, e posso confirmá-lo.” (p. se tornou muito famoso pelo fundamento do desenho, que nele
165) de imediato mostrou-se maravilhosamente. E em pouco tempo
tornou-se um mestre impecável em nigelagem, esmaltes e
composição de relevos, assim como em cortar, polir e montar
qualquer joia; e, em geral, foi do mesmo modo com qualquer
coisa a que se dedicasse, nesta arte e fora dela. E em tudo com
que tivesse afinidade teve um maravilhoso sucesso, tanto que
não parecia possível àquela idade que tinha.” (p. 158-9)
Narrativa
“(...) no que diz respeito à construção, aquelas coisas
que estavam na moda na sua época não lhe
“(...) naquele tempo, o método de construção agradavam, não podia aceitá-las e, no entanto,
era muito tosco, como se pode ver nos edifícios utilizou-as do mesmo jeito. Aquele modo que
feitos até então.” (p. 161) empregou depois, não o conhecia ainda, já que o
desenvolveu depois de ter visto as construções
antigas dos romanos.
Também naquele tempo, ele próprio foi o primeiro a
pôr em prática o que os pintores de hoje chamam de
perspectiva (...). Dele nasceu a regra, que é a base
fundamental de tudo o que se fez desde aquele
tempo até hoje. E é uma coisa ainda mais difícil
considerando que não se sabe se aqueles pintores
antigos de centenas de anos atrás, os quais acredita-se
que tenham sido bons mestres naquele tempo de bons
escultores, conheciam a regra da perspectiva e
utilizavam-na com a razão. Mas ainda que tenham feito
* A fama de Brunelleschi especialista em com a regra (...), como fez Filippo depois, quem
perspectiva já estava difundida. A referência poderia ensiná-la estava morto havia centenas de
mais antiga é uma carta de Domenico da Prato, anos, e em escritos não se encontra, e se encontra não
de 1413, na qual ele afirma que Brunelleschi é é compreendida; mas a sua indústria e argúcia ou a
“prespettivo, ingegnoso uomo”. reencontraram, ou foram suas inventoras.” (p. 161-2)
Qualidades

“Apesar de ele se destacar de muitos outros em muitas


coisas, através das quais ele educou seu século e aquele
“(...) não era orgulhoso (...)” (p. 168) seguinte, jamais o viram contar vantagem, nem se
autopromover, nem se assoberbar de coisa alguma, nem
nunca se louvar com uma só palavra, mas, nas
“Porém ele perseverou em sua opinião oportunidades que tinha, provava seu valor com suas
com grande prudência e cautela e uma ações. A não ser que fosse muito provocado por uma
paciência incrível, sempre louvando, ofensa, ou despeito que lhe fosse feito, nunca se
por quanto possível, sabiamente e enraivecia, e era afetuoso com os amigos e gostava de
justamente os outros, e fazendo honra a elogiar quem parecia merecê-lo, e ensinava de bom
quem o merecia.” (p. 191)
grado a quem aparentava desejá-lo e que fosse apto
para tanto: e nisto, como em outras coisas, era prudente
e sensato.” (p. 162-3)
Louvor
“A diligência que ele empregava na cal extinta era
“Porque a fama de Filippo ainda não se maravilhosa; ele ia pessoalmente até as fornalhas,
difundira muito, pois era ele ainda examinava as pedras do forno e o cozimento, até
jovenzinho, e tinha a mente mais voltada parecia um mestre de todas as coisas; e da mesma
para fazer do que para aparecer. Mas quando forma com a mistura das areias com a cal extinta e
viram sua obra, todos se surpreenderam e se do que mais fosse necessário.” (p. 213)
maravilharam com os desafios que havia se
colocado (...)” (p. 169) “(...) cada coisa que aconselhava e propunha parecia
digna de grandíssima admiração e de todo o tipo de
louvor (...)” (p. 214)
“Vê-se que o papel de Filippo nesta coisa foi “(...) coisas novas e exóticas, que maravilhavam os
certamente uma extraordinária obra de
Deus; pela qual, junto com as graças
homens entendidos e de bom gosto inato.” (p. 217)
alcançadas através do dito Filippo, nós “(...) tanto engenho, tanta indústria e tanto zelo
devemos agradecer-Lhe muito.” (p. 209) (...)” (p. 236)
“E Niccolò da Pisa fez a seguinte honra a Filippo (...):
“(...) novos métodos e novas ideias, e ‘Mereceis um grandíssimo louvor, e toda a vossa
disposições para várias coisas, que não se república vos é devedora, e tem uma grandíssima
acreditava possível que tivessem sido sorte de ter um homem da vossa qualidade (...)’.”
pensadas por alguém mais (...)” (p. 212) (p. 236-7)
Fama
“(...) e tendo sempre em mente o edifício da dita igreja de
Florença [Santa Maria del Fiore], se no passado havia se
empenhado diligentemente, agora se empenhava mais do que
nunca, uma vez que tinha alguma esperança de ter de se ocupar
“E não houve vez que viesse [a Florença] dela, pesquisando com grandíssima indústria os modos que
que, por sua fama de bom engenho e pela haviam tido os mestres antigos diante das dificuldades que ele
reputação que possuía entre aqueles que encontrava: pois se viam várias reflexões. (...) Nem foram sem
o tinham conhecido em Florença antes e custo essas diligências, tamanha era a sede que tinha de honra,
entre aqueles que conhecera em Roma, de excelência, de glória do seu engenho.” (p. 187)
não lhe fossem pedidas opiniões sobre
edifícios públicos e privados que eram “(...) grandíssima reputação e credibilidade, e louvavam por toda
necessários naquele momento, se não parte o seu maravilhoso engenho e intelecto.” (p. 198)
para soluções construtivas, para conselhos
com relação aos problemas do dia a dia; o
que fazia com que, ao dizer suas opiniões “E desse modo, e de muitos outros modos, comportou-se, e
e mostrar coisas industriosas, a sua fama completou as cúpulas com grandíssima beleza, força e utilidade, e
com grande economia para a Opera, e sem nenhuma falta, com
continuamente se multiplicasse.” (p. 185) grande contentamento de todos os homens, entendidos ou
ignorantes, que vissem a obra, e com sua grandíssima fama e
glória. Todos os homens julgaram que somente um no mundo
era capaz, e este era quem a havia feito: de onde se deduzia que
ela fora realmente uma obra de Deus.” (p. 212-3)
“(...) Donato foi a causa de muita indignação contra
Filippo e detratava a fama e as obras de Filippo o quanto
podia, sendo estimulado por alguém desmiolado. Mas
Filippo não fazia caso, e dava pouca importância às suas
palavras. Mas depois de muitas delas, e de Donato
“(...) [a sacristia da Igreja de San perseverar nas suas presunções, para se livrar de todas
Lorenzo de Florença] foi construída as manchas para o futuro, e para esclarecer que as
portinholas de macigno que têm as folhas em bronze não
de tal maneira que causava estupor são suas, nem coisa alguma relacionada com aquelas
em todos os homens da cidade e paredes das portinholas entre as duas pilastras, da capela
em forasteiros que por acaso a às paredes dos cantos [da Igreja de San Lorenzo de
Florença], Filippo foi obrigado a fazer alguns sonetos que
viam, por causa do seu aspecto o redimem completamente, dos quais ainda existem
novo e belo. E as pessoas alguns.” (p. 225-6)
aglomeravam-se ali
continuamente, causando
“E, reunindo-se para discutir sobre o edifício novo [da
grandíssimo incômodo a quem ali Igreja de San Spirito] sendo Filippo famoso, (...) e sendo
trabalhava.” (p. 223-4) ele a esperança de todos os cidadãos, por causa das suas
muitas experiências em coisas do gênero, mandaram-no
chamar e exortaram-no a trazer-lhes alguma boa ideia,
oferecendo-lhe como compensação honra (...)” (p. 238-
9)
“E para que no lugar onde deveria haver elogios não surja
“Erros” desaprovação, nem se tome o mau exemplo, direi alguma coisa a
mais. (...) é possível ver que ali aquela pilastra que não está bem
colocada, e que quem mandou colocá-la não entendia bem a ideia de
“(...) o pórtico estava já feito na forma que Filippo, e não pensou nas outras arestas, sobre como foram
vemos hoje, o que causou em Filippo um construídas; e foi a causa deste inconveniente nada pequeno um
grande desgosto, porque eles tinham se cidadão de boa reputação, que se achava entendido, e muito se
afastado do projeto original em muitas ocupava dessas coisas, e se intrometia. E foi o mesmo que causou os
coisas (...). Há diversas falhas grandes, e vários desvios dos seus planos do pórtico e da fachada do Spedali
muitas evidentes, discrepantes do desenho
que Filippo havia deixado, e que ainda são
degli Innocenti. Disse essas coisas para que, nos tempos que virão,
visíveis para quem quisesse buscá-las.” (p. alguém acreditando que as coisas deveriam ser assim, não se
215) cometam nem se justifiquem tais erros com a autoridade de Filippo.”
(p. 219)
“Mas arruinar e remover as obras de um
homem como Filippo é uma grande “(...) tribuna [da sacristia da Igreja de San Lorenzo de Florença] foi
presunção. E, nas obras de Filippo, viu-se feita, por dentro e por fora, de maneira muito distante das intenções
depois muitas vezes por experiência que, ao de Filippo. Por esta razão ela não agrada nem a quem responsabiliza
final, nada foi mudado sem que tenha sido Filippo, o qual fazia as suas coisas com as mais variadas considerações
diminuída a beleza, aumentada a despesa e
em boa parte enfraquecidos os edifícios e
sobre a ornamentação e a robustez, coisas que ali não existem, ou
impedida a sua funcionalidade.” (p. 216) melhor, nela existe tudo ao contrário.” (p. 226)
“(...) e julgando que essas falhas são de Filippo julga-se errado,
porque não existe mancha na sua honra.” (p. 227)
“(...) empenhou-se em detrair da fama e da reputação e Filippo
e atribuí-la a si (...)” (p. 229-30)
“E, quando Filippo morreu, então sem medo nenhum, ele fez
tudo o que podia contra a fama de Filippo, e contra as obras
por ele começadas e não acabadas (...)” (p. 230)
“(...) várias vezes eu próprio fiquei abatido, e “Porque aparecem alguns inconvenientes na lanterna, que
também Luca dela Robbia lamentou quando também não foram causados por Filippo, é necessário voltar
foram feitas essas coisas, porque via que um pouco no tempo, para purgá-lo e também para que a sua
aquele [Antonio Manetti Ciaccheri] o fazia autoridade não cause dano a outros nem sirva como desculpa
para detrair da fama de Filippo, pensando aos ignorantes que fizerem erros, acreditando-se que foram
que quem viesse no futuro chegaria a obras suas.” (p. 231-2)
acreditar que fosse uma obra de Filippo, “(...) feitos dessa forma em parte por malícia e em parte por
igual ao resto, como já se vê hoje em boa ignorância de um certo alguém, foi dada a culpa a Filippo. Mas
parte dos pontos nos quais ele interveio, e quem conhecesse Filippo sem preconceito teria em alta
mais ainda nos séculos que virão; o que será consideração as suas coisas e buscaria ao contrário reparação
ainda a causa de grande dano à sua através delas, ao invés de detrair alguma coisa dos seus
autoridade, que é grande, pois quem fará incontáveis louvores. Mas acontecerá assim: que estes que no
como acredita que ele tenha feito pensará
presente buscam fazer as coisas de acordo com a própria
autoridade nas muitas obras importantes que se fazem,
tê-lo feito no modo correto.” (p. 227-8) eclesiásticas ou seculares, e que serão feitas no futuro, por
quanto é possível julgar, virão por caminhos duvidosos, e, para
não fazer como Filippo, encontrar-se-ão em outros caminhos
dos quais não conseguirão sair, e deverão voltar para trás, com
grande dano para quem financia a obra e vergonha para si
próprios.” (p. 233-4)
Observação dos antigos
“Tendo então ficado de fora, parece que Filippo tenha dito: ‘Eu não tive conhecimento o
bastante para que encomendassem a obra somente a mim. Seria bom ir aonde há boas
esculturas para ver’. E foi-se para Roma, onde, naquele tempo, era possível ver em público
muitas coisas boas, as quais ainda existem, se bem que não muitas, pois foram subtraídas,
removidas e despachadas pelos vários pontífices e cardeais, romanos e de outras nações. E, ao
observar as esculturas, como quem tinha um bom olho, inteligente e perspicaz em todas as
coisas, viu o modo de construir dos antigos, e a sua simetria; e pareceu-lhe reconhecer
claramente uma certa ordem nos membros e na ossatura, como se Deus o tivesse iluminado
sobre grandes coisas; e isso muito lhe chamou a atenção, parecendo-lhe assaz diferente daquilo
que se costumava fazer naqueles tempos. E pensou que, enquanto observava as esculturas dos
antigos, não teria menos olhos a esta ordem e modo, do que para a escultura, seja nas
fundações e na firmeza do edifício, no corpo, conformações e soluções, de acordo com os
propósitos a que serviriam, como nos ornamentos. E vendo ali muitas coisas belas e maravilhas
(porque foram feitas em outros tempos, e boa parte delas por mestres excelentíssimos, que
assim se tornaram através de muita experiência e da recompensa dos príncipes, que lhes deram
a possibilidade de estudar, pois afinal não eram homens comuns), pensou em redescobrir o
excelente modo de construir dos antigos, que era de grande artifício, e as suas proporções
musicais, e isso com desenvoltura e economia, onde se pudesse fazê-lo sem ocasionar defeitos.
E ver as coisas grandes e difíceis que faziam parte desses saberes e que, no entanto, foram
realizadas não impediu que pensasse em entender a maneira como eles as haviam feito, e
com quais instrumentos.” (p. 171-2)
“E viu ruínas, algumas eretas e algumas que eram cobertas por abóbadas de diversos tipos; e pensou nos métodos,
nos sustentos de arco e outras armações, e em que casos podia-se construí-las sem elas, com economia de gastos e
comodidade, e em que modo isso poderia ser feito, assim como nos casos em que as armações não funcionam, por
causa da grandeza da cúpula e por diversas outras razões. Viu e meditou muitas belas coisas que, ao que se saiba,
desde o fim daquele tempo antigo dos bons mestres não haviam sido vistas. E com o seu engenho, e com a prova e a
experiência daquelas belas coisas, secretamente e com grandíssimos esforços e tempo, e com o pensá-las
diligentemente, sob o pretexto de fazer outra coisa que não aquela que fazia, tornou-se um mestre consumadíssimo
(...)” (p. 173)

“(...) [Brunelleschi e Donatello] pouco consideravam como comiam e bebiam, como viviam ou se vestiam, contanto
que se satisfizessem naquelas coisas de observar e medir. (...) mandaram cavar em muitos lugares, para encontrar
correspondência de membros e descobrir coisas e edifícios (...) e não existindo outros que fizessem a mesma coisa,
ninguém entendeu aquilo que eles faziam. E a razão da incompreensão é porque naquele tempo não havia quem se
interessasse, nem existiu durante centenas de anos quem tivesse se interessado no modo de edificar antigo; sobre o
qual, se por acaso algum autor do tempo dos gentios deu preceitos, como fez no nosso tempo Batista degli Alberti,
não foram mais do que coisas gerais.” (p. 175)

“(...) reconheceu bem, com o seu olhar agudo, a distinção de cada tipo, como Jônico, Dórico, Toscano, Coríntio e Ático,
e usou a maior parte deles nos momentos e nos lugares onde lhe parecia melhor (...)” (p. 176)

“E [o Tempio degli Angeli] tem tanta durabilidade e artifício, por causa das dificuldades que existiam, que é uma
grande maravilha. Haveria muito a dizer sobre as virtudes de Filippo, com relação a esse templo, se fosse encontrado
o modelo e terminado o edifício segundo o seu projeto, o qual, ainda que seja todo em estilo antigo dentro e fora,
tem invenções de qualidade e, julgando por aquilo que se vê, até onde foi feito, ele tentava coisas novas e belas.
Havia dificuldades que causavam grandes inconvenientes, os quais foram remediados facilmente e com economia, e
se alguém pensasse e pesquisasse, ali apareceriam muitas coisas que fariam o homem maravilhar-se de várias coisas,
que é mais útil buscá-las que ouvir dizê-las.” (p. 220)
História da Arquitetura
“Esta arte de construir no modo dito antigo, como todos os outros modos, teve início a
partir de coisas muito vis e rústicas, necessárias somente para escapar do frio, do
calor, dos ventos e da chuva, para os primeiros povos (...). (...) os homens foram se
* Fontes principais: aperfeiçoando, criando experiência com o tempo (...). E como a Grécia se desenvolveu
História Natural de Plínio e em vários lugares e momentos, foram aprovados diversos modos de construir, de
De re edificatoria de Leon acordo com a qualidade dos homens. E, durante algum tempo, dedicaram-se aos
ornamentos e ao reforço e à durabilidade dos edifícios; e porque cada lugar tinha
Battista Alberti homens de autoridade que favoreciam os seus artífices e os seus engenhos, e um não
queria demonstrar que seguia a regra do outro, nem lhe ser inferior, muitos modos
variados e distintos se estabeleceram (...). E, das coisas públicas e profanas, passaram-
se às igrejas e aos templos e aos diversos tributos aos deuses. (...) Mas como das coisas
mais desordenadas daqueles primeiros tempos se chegasse às coisas mais civilizadas ,
parece que tenha sido como segue (...). E ao purgar a desordem, naquilo que restava e
que não desagradava muito, parece que surgiam algumas coisas que agradavam, e no
agradar, também agradou mais uma coisa do que outra; de modo que se começou a
descobrir alguma coisa sobre a razão, isto é, a razão que convém àquelas coisas; e esta
razão foi pouco a pouco purgada de tudo aquilo que desagradava. E no (...) templo de
Diana Efesia (...) pela primeira vez houve condições para corrigir as coisas, que foram
estas as primeiras regras para afastar de vez os inconvenientes e passar às ordens
recomendáveis. E tendo as ordens (...) florescido maravilhosamente na Grécia, na
passagem do reino da Grécia àquele dos romanos, transferiram-se muitas coisas para
aquela famosíssima cidade que foi dona de todo o mundo. E porque os arquitetos vão
e são atraídos aos lugares onde estão os tesouros e os principados, e onde se investia,
com o reino da Grécia se transferiu a arquitetura porque, não encontrando trabalho na
Grécia, procuraram-no onde estavam os principados e a riqueza; daí que em Roma
floresceram os mestres muito mais do que na Grécia, como também cresceram o
principado e as experimentações. E a arquitetura alcançou aqui tal condição, tanta
reputação e tanta maravilha que só as ruínas e as pequenas relíquias já causam
grandíssimo assombro.
(...) decaindo o império, decaíram a arquitetura e os arquitetos, e surgindo
as nações bárbaras (...), estas trouxeram consigo seus próprios arquitetos, e
construíram, nos países onde comandaram por centenas de anos, segundo
os seus costumes. (...) Todos os edifícios privados, profanos e eclesiásticos
fizeram-se segundo a maneira deles, e abarrotaram toda a Itália,
principalmente dos colégios e dos postos de comando por Carlos Magno, e
ele entrando em acordo com os pontífices romanos e aquele tanto de
república romana que ainda restava, também ele atraiu os arquitetos da
região romana e dos pontífices, mas que não eram muito conhecedores em
matéria arquitetônica por causa da pouca prática. E no entanto construíam
naquela maneira dos antigos, porque tinham nascido entre aquelas coisas,
e não tinham visto nada além daquilo. E tendo Carlos recomposto ou
restaurado nossa cidade, vê-se alguma casinha, da mão dos arquitetos
trazidos consigo, com um reflexo do esplendor daqueles antigos edifícios de
Roma (...). E como a descendência de Carlos Magno se estendeu por poucos
graus de sucessão e o império depois foi em sua maior parte para as mãos
dos alemães, o modo que havia retornado através de Carlos se perdeu
novamente, e retomaram vigor os modos alemães, os quais duraram até o
nosso século, no tempo de Filippo (...)”. (p. 178-84)
Giorgio Vasari
(Arezzo, 1511-Florença, 1575)

• Le vite de’ più eccellenti architetti, pittori


et scultori italiani, da Cimabue, insino a’
tempi nostri (Florença: Lorenzo Torrentino,
1550)

• Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e


architettori (...) di nuovo da medesimo
riviste et ampliate con i ritratti loro et con
l’aggiunta delle Vite de’ vivi, et de’ morti
dall’anno 1550 infino al 1567 (Florença:
Giunti, 1568)

Giorgio Vasari – Autorretrato (c. 1566-8)


Galleria degli Uffizi
As Vidas de Vasari
(1550)
Estrutura da obra

- Dedicatória a Cosme I de Médici


- Proêmio à obra
- Introdução às 3 artes do desenho (dedicada aos
aspectos técnicos):
Da arquitetura (7 capítulos)
Da escultura (7 capítulos)
Da pintura (21 capítulos)
- Proêmio às Vidas (133 títulos)
- Parte I (de Giovanni Cimabue a Lorenzo de Bicci): 28
títulos
- Proêmio à segunda parte das Vidas
- Parte II (de Jacopo della Quercia a Pietro Perugino):
54 títulos
- Proêmio à terceira parte das Vidas
- Parte III (de Leonardo da Vinci a Michelangelo
Buonarroti): 51 títulos
- Conclusão da obra para os artistas e os leitores

Frontispício da edição torrentiniana de


1550
As Vidas de Estrutura da obra
Vasari (1568) Parte I
- Dedicatória a Cosme I Médici
- Proêmio à obra
- Introdução às 3 artes do desenho
- Aos artífices do desenho
- Carta de Giovan Battista Adriani a Vasari sobre os nomes e as
obras dos mais excelentes artífices antigos em pintura, em
bronze e em mármore
- Proêmio às Vidas (178 títulos)
Parte II
- 31 títulos (de Cimabue a Lorenzo de Bicci)
- Proêmio
Parte III
- 59 títulos (de Jacopo della Quercia a Luca Signorelli da Cortona)
- Proêmio
Parte IV
- 51 títulos (de Leonardo da Vinci a Valerio Vicentino, Giovanni da
Castel Bolognese, Matteo dal Nasaro Veronese e outros)
Parte V
- 29 títulos (de Marcantonio Bolognese e outros a Taddeo
Zucchero)
Frontispício da edição giuntina de 1568
Parte VI
- 8 títulos (de Michelangelo Buonarroti a Giorgio Vasari)
Narrativa
“Era infinito o número de males “A benigna mãe natureza, quando faz uma
que deprimiam e afogavam a pessoa muito excelente em alguma profissão,
mísera Itália, não só com a ruína
daquilo que podia ser chamado não costuma fazê-la sozinha, mas, na mesma
de edificações, mas – o que época e nas proximidades, frequentemente faz
importava bem mais – com a outra que com ela concorra, para que na
morte de todos os artistas,
quando (conforme quis Deus) emulação uma possa tirar proveito da outra e
nasceu na cidade de Florença, no impelir com excelência as artes nas quais
ano de MCCXL, para trazer as
primeiras luzes à arte da pintura, laborem, para benefício do universo. (...)
Giovanni Cimabue (...)” (Vida de Florença produziu na mesma época Filippo,
Giovanni Cimabue, p. 79) Donato, Lorenzo, Paolo Uccello e Masaccio,
excelentes todos, cada um em seu gênero, que
“(...) depois de terem ficado não só aboliram os estilos rústicos e
enterrados durante tantos anos canhestros que se mantinham até aquele
pelas ruínas das guerras os
estilos das boas pinturas e tudo o momento, como também, com suas belas
que as circunda, foi somente ele obras, incitaram e estimularam a tal ponto os
[Giotto] que, nascido entre
artistas inaptos, ressuscitou com espíritos dos que vieram depois, que os
talento celeste aquilo que estava trabalhos naquela arte chegaram à grandeza e
no mau caminho, dando-lhe uma perfeição que vemos em nosso tempo.” (Vida
forma que podia ser considerada
boa.” (Vida de Giotto, p. 91) de Masaccio, p. 218)
“E, partindo para Florença, em pouco tempo o menino
Evolução/Superação [Giotto] não só se equiparou a Cimabue no estilo, como
também se tornou tal imitador da natureza, que na sua
dos mestres época ele foi capaz de suprimir aquele estilo grego tosco,
ressuscitando a boa e moderna arte da pintura e
introduzindo a reprodução ao natural das pessoas vivas,
que havia centenas de anos não era usada.” (Vida de
Giotto, p. 92)
“Para sua grande satisfação, foi
preparado por aqueles mestres na arte “Por meio de seu tio Ser Piero, na infância [Leonardo] foi
da pintura e, exercitando-se aprender arte com Andrea del Verocchio que, ao fazer um
continuamente e ajudado pela painel com o batismo de Cristo por São João, incumbiu
natureza, em pouco tempo suplantou Lionardo de pintar um anjo a segurar algumas vestes.
em desenho e colorido os próprios Leonardo, apesar de bem jovem, trabalhou de tal
mestres que o ensinavam (...)” (Vida de maneira, que ao fim o seu anjo ficou muito melhor do
Giovanni Cimabue, p. 80)
que as figuras de Andrea. Por isso, Andrea nunca mais
quis tocar nas cores, inconformado pelo fato de um
menino saber mais que ele.” (Vida de Leonardo da Vinci,
p. 445)
Notícia das obras “Lionardo fez para Francesco del Giocondo o retrato de
Mona Lisa, sua esposa; (…) quem quiser ver até que ponto
a arte consegue imitar a natureza, poderá compreendê-lo
facilmente observando aquele semblante, pois nele estão
reproduzidas todas as minúcias que é possível pintar com
sutileza. Os olhos têm o brilho e a umidade que se
costumam ver nos seres vivos, e em torno deles percebem-
se zonas lívidas e rosadas, assim como pelos, coisas que
não é possível fazer sem muita sutileza. Os cílios,
representados no modo como nascem na carne (…) não
poderiam ser mais naturais. O nariz (…) parece estar vivo. A
boca (…) na verdade não parece feita de tintas, mas de
carne. Na base de seu pescoço, quem olhar atentamente
verá a pulsação das artérias: na verdade, pode-se dizer que
essa pintura foi feita de uma maneira capaz de causar medo
e temor a qualquer artista valente, fosse ele qual fosse.
(Vida de Leonardo da Vinci, p. 448)
“[Donato] Fez para o Mester dos
Couraceiros uma figura de São
Jorge com armadura, que é muito
vivaz e soberba. Em suas feições
percebe-se a beleza da juventude;
nas armas, o brio e o valor; a figura
é dotada de uma vivacidade e de
uma altivez terríveis, que dão à
pedra um movimento maravilhoso.
Sem dúvida, nas figuras modernas
não se vê a vivacidade e no
mármore não se vê o espírito que a
natureza e a arte operaram pelas
mãos de Donato nessa obra.” (Vida
de Donato (Donatello), p. 256)

São Jorge, 1415-17


Museo Nazionale del Bargello (orig. Orsanmichele),
Florença
Anedota
“Conta-se que Ser Piero da Vinci, tio de Leonardo, estando certo dia em sua casa de campo, foi
procurado por um de seus camponeses, que de uma figueira existente na propriedade recortara
uma rodela e lhe pedia que a mandasse a Florença para ser pintada. (...) Quando essa rodela
chegou às mãos de Lionardo, ele, percebendo-a torta, mal trabalhada e tosca, endireitou-a no
fogo e entregou-a a um torneiro, de tal modo que ela, deixando de ser grosseira e tosca, passou a
ser delicada e aparelhada. Depois de revesti-la com gesso e prepará-la a seu modo, começou a
pensar em algo que, pintado na rodela, assustasse quem investisse contra ela (...). Para tal fim,
Lionardo levou para um quarto onde só ele entrava lagartixas, lagartos, grilos, serpentes,
borboletas, gafanhotos, morcegos e outras espécies estranhas de animais semelhantes, de cuja
multidão, arranjada de modos variados, extraiu um animalaço horrível e pavoroso (...).
Representou-o (...). Sofreu muito para fazê-lo, pois naquele quarto era cruel o fedor dos animais
mortos, que Lionardo, porém, não sentia, tão grande era o amor que tinha pela arte. (...) Ser Piero
(...), à primeira vista, (...) levou um susto por não acreditar que se tratasse da rodela, e que fosse
pintada a figura que via. Quando retrocedia, Lionardo o deteve, dizendo: ‘Esta obra serve para o
que foi feita: pegue-a e leve-a, pois essa é a finalidade que dela se espera’. Ser Piero achou aquilo
miraculoso e louvou imensamente o original discurso de Lionardo; depois, comprando
sigilosamente de um merceeiro outra rodela com um coração transpassado por uma flecha, deu-a
ao aldeão, que lhe ficou grato para sempre, enquanto viveu. Depois Ser Piero vendeu
secretamente a de Lionardo a alguns mercadores de Florença, por cem ducados. E em breve ela
chegou às mãos de Francesco, Duque de Milão, comprado por trezentos ducados aos referidos
mercadores.” (Vida de Leonardo da Vinci, p. 445-6)
Crítica “(...) Leonbatista Alberti, que, conhecendo a
língua latina e dedicando-se à arquitetura, à
perspectiva e à pintura, deixou livros escritos
de tal maneira que, não tendo surgido entre
os artistas modernos ninguém que soubesse
escrever sobre tais coisas – ainda que
muitíssimos deles tenham sido melhores que
ele na prática –, é crença geral (...) que ele
superou todos os que o superaram na
prática. (...) foi muito mais dado à escrita que
à prática. (...) Mas em pintura não fez obras
grandiosas nem muito belas; e aquilo que se
conhece de seu, pouca coisa, aliás, não é
muito perfeito; isto porque era ele muito
mais dado aos estudos das letras do que aos
exercícios manuais (...). (...) também fez a
arcada, em cujos cantos há alguns arcos não
perfeitamente executados (...). (...) além de
ciência é preciso ter muita prática e bom
tino; mas não pode tê-los todos quem não se
exercite manualmente com constância.”
(Vida de Leonbatista Alberti, p. 288-90)
“A fortuna é digna de lástima quando vem ao mundo um bom engenho, perfeito
em pintura, que se dê a conhecer como pessoa excelente na arte, capaz de
produzir obras dignas de louvor, mas é dado a modos de vida vis e se mostra
incapaz de temperar por quaisquer meios o mau uso dos costumes. (...) o mal é
daqueles que, enceguecidos pelos próprios desejos, não conseguem reconhecer a
ocasião quando ela se apresenta, pois, se a aproveitassem e a valorizassem
quando vem, não incorreriam nos transtornos em que se veem muitas vezes,
mais por sua própria culpa do que por qualquer outra razão, dizendo-se por isso
infelizes. (...) Caso tivesse levado uma vida mais digna e honrada, não sendo tão
negligente consigo e com os próximos, por desejar tanto uma mulher que
sempre o manteve pobre e rebaixado, Andrea del Sarto teria ficado para sempre
na França, aonde foi chamado pelo rei, que adorava suas obras, o estimava muito
e o teria remunerado largamente. Mas, para satisfazer aos desejos dela e aos
próprios, voltou e viveu sempre miseramente. Seus trabalhos sempre lhe deram
parcos recursos, e ela, único bem que ele via, abandonou-o no fim, quando a
morte se aproximava.” (Vida de Andrea del Sarto, p. 566-7)
Louvor

“Muitas vezes são imensos os dons que, por influxos celestes, chovem naturalmente sobre alguns corpos
humanos; outras vezes, de modo sobrenatural, num só corpo se aglomeram superabundantemente beleza, graça e
virtude, de tal maneira que, para onde quer que ele se volte, todas as suas ações são tão divinas, que, deixando
para trás todos os outros homens, se dão a conhecer como coisas (que de fato são) prodigalizadas por Deus, e
não conquistadas pela arte humana. Isso foi visto pela humanidade em Lionardo da Vinci, em quem a beleza do
corpo, nunca suficientemente louvada, era acompanhada por uma graça mais que infinita em qualquer de suas
ações; era tamanha e de tal índole a sua virtude, que todas as dificuldades para as quais ele voltasse sua atenção
se tornavam facilidades absolutas. Nele, foi grande a força unida à destreza, grande o ânimo, sempre nobre e
magnânimo o valor. (…) De fato, o céu às vezes nos manda algumas pessoas que não representam apenas a
humanidade, mas a própria divindade, de tal modo que, sendo tais pessoas modelo desta, possamos imitá-las
para, em espírito e por meio da excelência do intelecto, aproximarmo-nos das partes mais elevadas do céu.” (Vida
de Leonardo da Vinci, p. 443)
A Vida de Filippo Brunelleschi
Narrativa
“A natureza cria muitas pessoas pequenas no corpo e nas feições, mas com alma cheia de
tamanha grandeza e coração repleto de tão desmedida força, que tais pessoas, se não
empreenderem coisas difíceis e impossíveis, terminando-as e entregando-as ao mundo, para
admiração de quem as vê, nunca terão descanso na vida. E todas as coisas que a ocasião lhes
põe nas mãos, por mais humildes e modestas que sejam, são por elas engrandecidas e
exaltadas. Por isso, nunca deveríamos torcer o nariz quando encontramos pessoas cujo aspecto
não tem a graciosidade ou a formosura que a natureza deveria dar a quem vem ao mundo para
exercer algum talento, porque não há dúvida de que debaixo da terra se escondem os veios de
ouro. E muitas vezes naqueles que nascem com formas débeis há tanta generosidade na alma e
sinceridade no coração que, com o acréscimo da nobreza, de tais pessoas não se pode esperar
senão imensas maravilhas; isto porque elas se esforçam por aformosear a fealdade do corpo
com a virtude do engenho, tal como se viu claramente em Filippo di Ser Brunellesco, de
minguada corporatura, mas de tão elevado engenho, que podemos dizer ter ele nos sido dado
pelo céu para conferir nova forma à arquitetura, desgarrada havia centenas de anos, arte na
qual os homens daquele tempo haviam desbaratado tesouros, construindo sem ordem, mal,
com péssimo desenho, estranhíssimas invenções, desenxabida graça e pior ornamento. E o
céu, vendo que a terra passava tantos anos sem uma alma egrégia e um espírito divino, quis
que Filippo desse ao mundo as maiores e melhores construções entre todas as outras feitas
no tempo dos modernos e no dos antigos, mostrando que o valor dos artistas toscanos,
conquanto perdido, não estava morto.” (p. 225-6)
Formação
“(...) ouvindo-o [Messer Paolo dal Pozzo
Toscanelli] discorrer sobre a arte da
matemática, acabou tomando-se de
amizade por ele e com ele aprendeu
geometria. E Filippo, embora não fosse
um homem de letras, argumentava tão
bem sobre as coisas, com a naturalidade
da prática e experiência, que muitas vezes
o confundia. E, assim continuando,
dedicou-se às coisas da escritura cristã,
não deixando de intervir continuamente
nas discussões e nas pregações dos
doutos, coisas nas quais admitiu grande
cabedal, graças à sua admirável memória
(...). Também nessa época dedicou-se
muito às coisas de Dante (...). E em
pensamento só fazia maquinar e imaginar
coisas engenhosas e difíceis.” (p. 229)
Evolução/Superação dos
mestres
“(...) vendo que ele [Filippo Brunelleschi]
estava sempre à procura de coisas que
exigissem engenho e artes manuais, [Ser
Brunellesco de Lippo Lapi] passou a
ensinar-lhe o manejo do ábaco e a escrita,
mandando-o depois aprender a arte da
ourivesaria e o desenho com um amigo
seu. E isso deu muita satisfação a Filippo,
que começando a aprender e a praticar
essa arte, não demorou muitos anos para
engastar pedras preciosas melhor que o
artista veterano naquele mister.” (p. 226-
7)
Observação dos
“Feita a encomenda a Lorenzo Ghiberti, Filippo e Donato
antigos resolveram partir juntos para Roma e ali ficar alguns
anos, para que Filippo estudasse arquitetura, e Donato,
escultura. Filippo foi por querer ser superior a Lorenzo e a
Donato, assim como a arquitetura é mais nobre que a
escultura e a pintura. (...) saíram de Florença e foram
para Roma, onde, vendo a magnificência dos edifícios e a
“(...) foi tal o seu estudo, que ele perfeição arquitetônica dos templos, ficou absorto,
conseguia imaginar Roma tal qual era parecendo fora de si. (...) inteiramente dedicado aos
antes de arruinar-se.” (p. 232) estudos, não se preocupando em comer ou dormir,
atento apenas à arquitetura já extinta, ou seja, às boas
ordens antigas, e não à alemã e bárbara, muito usada
“Pôs em uso as cornijas antigas e
em seu tempo. Tinha para si dois importantes conceitos:
um era trazer de volta a boa arquitetura, pois acreditava
restabeleceu as primeiras formas das que, renovando-a, não deixaria de si memória menos
ordens toscana, coríntia, dórica e digna do que a deixada por Cimabue e Giotto; o outro
jônica.” (p. 250) era encontrar o modo, se possível, de abobadar a cúpula
de Santa Maria del Fiore de Florença. (...) em Roma,
estudou todas as dificuldades existentes na Rotunda, para
descobrir como construir a abóbada. Anotava e
desenhava todas as abóbadas antigas, estudando-as
continuamente. E, se porventura encontrassem pedaços
enterrados de capitéis, colunas, cornijas e alicerces,
providenciavam para que fossem feitas escavações até
tocar o fundo.” (p. 231)
Comparação com os
antigos “Pode-se dizer com certeza que os antigos
não fizeram construções tão altas, nem
correram risco tão grande de desafiar o céu,
como ela de fato parece desafiar, pois se
ergue a tamanha altura, que se equipara aos
“Acredito que se pode dizer que desde montes que rodeiam Florença. E, de fato,
os antigos gregos e os romanos até parece que o céu tem inveja dela, pois
agora não houve ninguém mais continuamente lhe desfere raios durante todo
extraordinário e excelente do que ele; e o dia, por lhe parecer que sua fama quase
maior é seu mérito porque, na sua venceu as alturas aéreas.” (p. 244)
época, o estilo alemão era venerado
em toda a Itália e praticado pelos
artistas velhos (...)” (p. 250) “(...) consideravam o engenho de Filippo e
admitiam que ele tinha demonstrado uma
coragem que nenhum arquiteto antigo ou
moderno talvez jamais tivesse demonstrado
(...)” (p. 242)
Inovações
“Filippo dedicou-se muito à
perspectiva, então grandemente
prejudicada pelos muitos erros
“ (...) quem considerasse tudo o que eram cometidos. Nisso
que ele havia criado em termos de perdeu muito tempo, até
tirantes de união, encaixes, junções encontrar sozinho uma maneira
e ligações de pedras ficaria de corrigi-la e aperfeiçoá-la, (...)
estarrecido ao pensar que um só coisa realmente engenhosa e útil à
engenho era capaz de tanto.” (p. arte do desenho.” (p. 228)
242)

“Inventou dobradiças com pinos e


chumbadores, facilitando muito a
arquitetura, que certamente
graças a ele atingiu a perfeição
que talvez nunca tivesse atingido
entre os toscanos.” (p. 243)
Louvor “(...) Filippo, habilidoso em muitas coisas,
praticando vários ofícios, não precisou exercitar-se
muito tempo para passar a ser visto entre os
entendidos como excelente arquiteto (...)” (p. 227)

“Filippo continuou crescendo “(...) impossível imaginar coisa melhor em


arquitetura, em vista de sua magnificência.” (p. 248)
tanto, que não havia coisa
humana, por mais difícil e
árdua que fosse, que ele não “Era espirituoso no falar e arguto nas respostas.” (p.
249)
tornasse fácil e plana (...)” (p.
242)
“Foi muito pranteado por seus amigos artistas,
sobretudo os mais pobres, que ele sempre
beneficiou. E, vivendo como cristão, deixou no
mundo odores de sua bondade e das suas grandes
virtudes.” (p. 250)
Fama “Mas ele, firme em seu propósito, saiu de Florença e
voltou para Roma, onde fez rigorosos exames e estudou
ininterruptamente aquele trabalho, organizando-se e
preparando-se para realizá-lo, pois acreditava – o que era
verdade – que nenhum outro poderia fazê-lo. E o
conselho de chamar outros arquitetos não havia sido
dado por Filippo por outra razão senão para que todos
“(...) se não soubesse ser o único capaz fossem testemunha de seu grande engenho, e não para
de executar a obra, não a teria que eles achassem que receberiam a incumbência de
começado; no entanto, ávido de obter construir aquela abóbada e de assumir um encargo
aquela glória, deu-lhe início e demasiadamente difícil.” (p. 234)
comprometeu-se a terminá-la “Sua fama crescera tanto, que de longe lhe chegavam
totalmente.” (p. 238) encomendas de desenhos e modelos para construções
(...)” (p. 248)
“(...) pelo muito que trabalhou como que para deixar
“A obra foi prosseguida com pouca grande memória, mereceu nome honroso neste mundo,
vontade por parte dele, por saber que a e é de acreditar que no céu lhe tenha sido designado um
labuta seria prolongada, mas que ele lugar sereno. Foi grande o pesar de sua pátria, que o
precisaria dividir honras e fama com reconheceu e valorizou muito mais depois de morto do
Lorenzo.” (p. 239) que em vida; foi sepultado com honras em Santa Maria
del Fiore (...)” (p. 250)
Anedota

“Assim, animados, Cônsules, construtores e cidadãos decidiram reunir-


se com os arquitetos para discutir o assunto. Na reunião, diante das
razões expostas, foram todos vencidos e convencidos por Filippo.
Consta que ali surgiu a discussão sobre o ovo da seguinte forma: eles
gostariam que Filippo expusesse suas ideias com minúcias e que
mostrasse seu modelo, tal como haviam mostrado modelos e
desenhos; mas ele não quis fazê-lo e disse àqueles mestres,
estrangeiros e concidadãos que quem pusesse um ovo em pé sobre
um mármore deveria fazer a cúpula, pois assim daria a conhecer o seu
engenho. Tomou-se um ovo, e todos aqueles mestres tentaram deixá-
lo em pé, mas nenhum conseguiu. Pediram então a Filippo que o
fizesse, e ele, com muita graça, pegou o ovo, bateu uma de suas
pontas no plano do mármore, deixando-o em pé. Como os artistas ali
presentes começassem a murmurar que isso eles também poderiam
fazer, Filippo disse, rindo, que eles também saberiam construir a
abóbada da cúpula, caso vissem o modelo ou o desenho. E assim se
decidiu que ele ficaria encarregado da obra e sobre ela informaria
melhor os Cônsules e os construtores.” (p. 236)
As portas do Batistério de San Giovanni
(versões)
Vasari, Vida de Filippo Brunelleschi Manetti, Vida de Filippo Brunelleschi Ghiberti, Comentários

“A melhor [cena] (...) era a de Lorenzo di Cione “(...) ambos os modelos [o de “Foi-me concedida a
Ghiberti, que continha desenho, diligência, Brunelleschi e o de Ghiberti] eram palma da vitória por
invenção, arte e figuras muito bem elaboradas. belíssimos e que eles, considerando
No entanto, não lhe era muito inferior a cada aspecto, não sabiam dizer qual todos os peritos e
história de Filippo (...). Assim, quando as cenas
foram expostas, Filippo e Donato, satisfeitos era o melhor e, como a obra era por todos aqueles
apenas com a de Lorenzo, julgaram-na mais grande e tomaria muito tempo e
adequada do que as suas próprias. Por isso, recursos, que se fizesse a que competiram
com boas razões convenceram os Cônsules de encomenda aos dois igualmente, e comigo.
que deviam encomendar a obra a Lorenzo, que se tornassem colegas.
mostrando que tanto o poder público quanto
Convocados Filippo e Lorenzo, e Universalmente, foi-
os cidadãos seriam assim mais bem servidos;
foi essa realmente uma verdadeira bondade ditas palavras desse teor, Lorenzo me concedida a
de amigos, virtude sem inveja, juízo são sobre mantinha-se calado, enquanto glória sem exceção.”
si mesmos, atitude pela qual merecem mais Filippo não quis aceitar de modo
louvor do que se tivessem realizado a obra. algum, a não ser que ele fosse (2º Coment., §19)
(...) Os Cônsules pediram a Filippo que fizesse
a obra com Lorenzo, mas ele não quis, apesar inteiramente encarregado da obra,
de estar pronto a atender a qualquer sinal, e manteve sua posição.” (p. 170)
pois preferia ser primeiro numa única arte a
ser parceiro ou ajudante naquela obra.” (p.
230-1)
Vasari, Vida de Filippo Brunelleschi Manetti, Vida de Filippo Brunelleschi

“Uma bela manhã, Filippo não foi ao trabalho, enfaixou a cabeça, “(...) uma manhã, Filippo não saiu da cama, ou melhor, ficou nela
enfiou-se na cama e, gritando sem parar, mandava esquentar fingindo estar doente, particularmente de uma dor nos flancos, se
vasilhas e panos com grande aflição, fingindo estar com dor nas lamentando e pedindo panos aquecidos e cuidados semelhantes,
remédios para o suposto mal. E no entanto ele era acostumado a ser o
costas. Ao saberem disso, os mestres, que estavam esperando primeiro a chegar na obra. E sendo necessário a cada momento
instruções para os trabalhos, perguntaram a Lorenzo o que perguntar alguma coisa, e não tendo, como de costume, para quem
deveriam fazer: ele respondeu que as ordens eram de Filippo, e perguntar, eles recorreram a Lorenzo; e ele sabia que o programa era de
que seria preciso esperá-lo. Alguém disse: ‘E tu não sabes o que Filippo, e ele não havia entendido bem o que se devia fazer a seguir –
ele quer?’ ‘Sim – disse Lorenzo –, mas eu não faria nada sem pois Filippo mantinha o programa por quanto possível escondido e
ele.’ Disse isso para desculpar-se, pois, não tendo visto o modelo Lorenzo tinha vergonha de perguntar para não parecer ignorante, e
de Filippo e nunca lhe tendo perguntado suas intenções para porque sabia que ele estava ali contra a sua vontade, e que não lhe diria
nada – e ele não queria causar nenhum inconveniente, dizendo alguma
não parecer ignorante, evitava falar dessas coisas e sempre coisa, para que depois Filippo pudesse se lamentar, dizendo que lhe
respondia com evasivas, sobretudo por saber que estava haviam arruinado o programa, e que se devesse desfazer alguma parte
naquela construção contra a vontade de Filippo. Como durasse exposta, causando-lhe vergonha e aumentando a reputação e a honra
já dois dias aquela dor, o administrador da obra e vários mestres de Filippo, pois lhe parecia que já tivesse ganhado prestígio demais.
foram visitá-lo, perguntando-lhe sempre o que deviam fazer. E Não sabendo o que fazer, acorreu em solicitar que Filippo viesse; e
ele respondia: ‘Lorenzo está lá, ele que faça alguma coisa.’ E mandava lá alguns mestres pedreiros, o provedor etc. para discutirem
mais não se arrancava dele. Em vista disso, começou-se a como se tivessem ido por iniciativa própria. E Filippo fingia estar pior a
cada hora, e a coisa se alongou tanto que a obra teve de ficar suspensa
comentar e a tecer grandes críticas àquela obra; alguns diziam (...). E os amigos de Filippo, aos quais era dita alguma coisa,
que o mal que levara Filippo a cair de cama era a falta de respondiam: ‘Lorenzo não está lá? Se Filippo está doente, que culpa tem
coragem de fazer a abóbada, que ele estava arrependido de ter ele? Ninguém está mais desgostoso do que ele’; e quem estava do lado
entrado na dança. Os amigos o defendiam, dizendo que, se ele contrário acusava Filippo de fingir o mal-estar porque estava
tinha algum desgosto, era pela ofensa de terem posto Lorenzo arrependido de ter se envolvido em tal empreitada, que havia
como seu companheiro; que seu mal era mesmo a dor nas embarcado nela mais para parecer extraordinário do que para sê-lo, e
costas, causada pelo muito trabalho na obra.” (p. 240) que agora não tinha peito de realizá-la.” (p. 204-5)
A Vida de Michelangelo Buonarroti
“Porque sobre os vivos, que por si mesmos
são conhecidíssimos, não cabe aqui
discorrer. Mas aquele que, entre os mortos
e os vivos, sobrepuja, transcende e
Primeira longa biografia de encobre todos os outros é o divino Michel
Michelangelo. Agnolo Buonarroti, que não tem a
supremacia em apenas uma dessas artes,
mas nas três em conjunto. Ele supera e
Único biografado vivo presente na
vence não só todos os outros, que quase
venceram a natureza, mas até mesmo os
edição de 1550 das Vidas. famosíssimos antigos, que com tanto
louvor, sem dúvida alguma, a superaram. É
o único que com justiça triunfa daqueles,
Há controvérsias quanto à aprovação ou destes e da natureza, não se podendo
não do conteúdo da biografia por parte imaginar coisa alguma, por mais estranha
de Michelangelo. e difícil que seja, na qual ele não a
ultrapasse com a virtude de seu
diviníssimo engenho, por meio da
indústria, do desenho, da arte, do tino e
da graça.” (Proêmio da IIIª parte das Vidas,
p. 442)
Narrativa “Enquanto os espíritos industriosos e egrégios,
guiados pela luz do famosíssimo Giotto e de seus
seguidores, se esforçavam por mostrar ao mundo o
valor que a benignidade das estrelas e a bem-
proporcionada mistura dos humores haviam dado a
seus engenhos e debalde trabalhavam no afã de
atingir ao máximo o supremo conhecimento que
muitos chamam universalmente de inteligência, por
desejarem imitar com a excelência da arte a
grandeza da natureza, mais que benigno Regente do
Céu, voltando clemente os olhos para a terra e
vendo a vã infinidade de esforços, os ardentes e
infrutíferos estudos e a opinião presunçosa dos
homens, bem mais distante da verdade que as
trevas da luz, para livrar-nos de tantos erros se
dispôs a mandar para a terra um espírito, que,
atuando por si só em cada uma das artes e em
todos os misteres, fosse capaz de mostrar como
superar as dificuldades da ciência das linhas, da
pintura, da escultura e da invenção da arquitetura
realmente graciosa.” (p. 713)
Comparação com os “E, querendo imitar a sacristia velha [de S. Lorenzo de
antigos, inovação, Florença] feita por Filippo Brunelleschi, mas com outra
ordem de ornamento, fez um ornamento compósito,
superação segundo modos mais variados e novos que em seu tempo
eram usados por alguns mestres, antigos ou modernos;
porque a novidade de cornijas, capitéis, bases, portas,
tabernáculos e sepulturas os distinguia bastante daquilo
“(...) levando-se em conta as invenções da que era feito em termos de proporção, ordem e norma,
arquitetura nas sepulturas, é forçoso segundo o uso comum e de acordo com Vitrúvio e os
confessar que ele superou todos os homens antigos, para só falar destes.” (p. 729)
(...)” (p. 730)

“Quem terá em algum século jamais visto estátuas


assim, antigas ou modernas?” (p. 730)

“E se a inimizade que há entre a fortuna e a virtude, entre


a benignidade de uma e a inveja da outra, tivesse
permitido que tal coisa chegasse ao fim, a arte poderia
mostrar à natureza que a superava de longe em tudo o
que se possa pensar.” (p. 731)
“Em nossa arte esse [o Juízo da Capela Sistina] é o
exemplo e a grande pintura enviada por Deus aos
“Quando Domenico [Ghirlandaio] homens na terra, para que estes vejam como o fado
age quando os intelectos descem à terra vindos das
trabalhava na capela-mor de Santa supremas alturas, trazendo infusas a graça e a
Maria Novella, certo dia em que divindade do saber. Essa obra leva atrás de si,
estava ausente, Michele Agnolo se acorrentados como prisioneiros, aqueles que estão
pôs a retratar o andaime com convictos de conhecer a arte, e ao ver os traços por
algumas mesas, todo o material da ele delineados nos contornos de tudo o que fazia,
arte e alguns jovens que ali
qualquer grande espírito que creia dominar o
desenho treme e teme. E, quando olhamos seus
trabalhavam. Domenico, ao voltar e trabalhos, nossos sentidos se aturdem se pensamos
ver o desenho de Michele Agnolo, o que será das outras pinturas já feitas ou por
disse: ‘Ele sabe mais que eu’ (...)” fazer, quando comparadas às dele. Época realmente
(p. 714) feliz pode ser esta considerada, e grande é a
felicidade da memória de quem viu a realmente
estupenda maravilha do nosso século.” (p. 735)
Louvor/Fama
“(...) tornava facílimo tudo o que era difícil,
tanto para assombro dos que não estavam
acostumados a ver tais coisas, quanto para “(...) dificuldades que ele executou com facilidade.”
os habituados às boas, porque tudo o que se (p. 734)
via nada parecia em comparação com suas
obras.” (p. 717)
“(...) onde quer que ele tenha posto sua divina mão
tudo ressuscitou e ganhou vida eterna.” (p. 736)
“E tal obra [Capela Sistina] é realmente o
fanal que tem feito tanto benefício e dado
tanta luz à arte da pintura, bastando para “E que ninguém se admire por ter eu descrito a
iluminar o mundo inteiro que ficou nas vida de Michelangelo, estando ele ainda vivo, pois,
trevas durante tantas centenas de anos. Na
verdade, quem for pintor não deve buscar como se espera que ele nunca morra, pareceu-me
ver novidades e invenções de atitudes, conveniente contribuir um pouco para sua honra;
roupagens de figuras, novos semblantes e e, embora ele venha a abandonar o corpo como
terribilidade em pinturas variadas, pois toda todos os homens, suas obras imortais nunca
a perfeição que se possa conferir a coisas encontrarão a morte: enquanto o mundo existir, a
feitas em tal mister ali se encontra. Mas fama delas viverá sempre gloriosíssima nas palavras
todos os homens devem assombrar-se dos homens e nas plumas dos escritores, malgrado a
diante da qualidade de suas figuras (...)” (p. inveja e o despeito da morte.” (p. 739)
724)
“Divino”, “celestial”
“(...) sendo por nós designado como
celestial mais que terreno.” (p. 713)
“(...) o batizou com o nome de Michele
Agnolo, querendo significar que ele era um
ser celestial e divino, mais que mortal.” (p.
714)
“(...) quem viu figuras tão divinas (...) de
sua lavra e de outros afirmam serem coisas
cuja divindade nenhum outro engenho
jamais poderá atingir.” (p. 720)
“(...) para quem os vê, parecem coisa mais
divina que humana.” (p. 720)
“(...) não há nada que não tenha sido feito
com grande engenho; todas as figuras são
executadas com escorços belíssimos e
magistrais, e tudo o que se admira é
louvadíssimo e divino.” (p. 727)
Modelo a ser seguido
“Ó feliz idade esta nossa, ó bem-aventurados artistas, pois assim vos
deveis chamar, uma vez que em vosso tempo pudestes aclarar as
tenebrosas luzes dos olhos na fonte de tanta claridade e assim
“(...) mostram realmente como devem ser enxergar tudo o que era difícil, aplanado por tão maravilhoso e
as pinturas feitas por bons e verdadeiros
pintores.” (p. 735) singular artista: sem dúvida a glória de seus esforços vo-lo dá a
conhecer e honrar, pois arrancou de vós a venda que tínheis diante
dos olhos da mente, tão cheia de trevas, e levantou o véu da falsidade
“(...) o Céu o mandou aqui embaixo para que vos turvava as belíssimas estâncias do intelecto. Por isso, deveis
servir de exemplo na vida, nos costumes agradecer ao céu e esforçar-vos por imitar Michele Agnolo em todas
e nas obras, para que aqueles que se as coisas.” (p. 727)
miram nele, imitando-o, possam
aproximar-se da eternidade por meio da
fama, da natureza por meio das obras e
do estudo e do Céu por meio da virtude, “(...) aqueles que conheceram o seu trabalho sentiram-se muito
do mesmo modo que ele sempre foi estimulados a imitá-lo, de tal modo que (...) se viram novas fantasias
motivo de honra para a natureza e para o nos ornamentos, que tinham mais de estilo grotesco que de razão ou
céu.” (p. 739) regra. Por esse motivo, os artistas devem ser-lhe infinita e
perpetuamente gratos, visto que ele rompeu as amarras e as cadeias
“(...) com seu trabalho deu grande das coisas que eles sempre faziam, seguindo um mesmo caminho
proveito a todos os artistas (...)” (p. 737) comum.” (p. 729)
Anedotas
“Quando um amigo lhe perguntou o “Quando lhe mostraram um desenho para recomendar um
menino que estava aprendendo a desenhar, dizendo como
que achava de alguém que fizera escusa que ele começara na arte havia pouco tempo,
réplicas de mármores de algumas Michele Agnolo respondeu: ‘Percebe-se’. Coisa semelhante
das mais celebradas figuras antigas, disse a um pintor que pintara uma Piedade: portara-se
gabando-se o imitador de que bem, pois vê-la causa piedade. Ficou sabendo que
superara em muito os antigos, Sebastian Vinziano precisava fazer um frade na capela de
Michele Agnolo respondeu: ‘Quem San Piero a Montorio e disse que o frade estragaria a obra;
anda atrás dos outros nunca os quando lhe perguntaram por quê, respondeu que, se
tinham estragado o mundo, que é tão grande, não seria
ultrapassa.’ Não sei qual pintor difícil estragarem uma capela tão pequena. (...) Um amigo
fizera uma obra na qual a melhor seu, que já rezava missa e era padre, chegando a Roma
coisa era um boi; quando lhe todo cheio de rendas e de sedas, cumprimentou Michele
perguntaram por que o pintor fizera Agnolo, que fingiu não o ver, de tal modo que o amigo foi
o boi mais vivo que as outras coisas, obrigado a dizer o nome; admirando-se de que ele estivesse
ele disse: ‘Todo pintor se retrata vestindo aquele hábito, Michel Agnolo disse como se
bem.’” (p. 738-9) estivesse alegre: ‘Como estás bonito! Se fosses bonito por
dentro tanto quanto se vê por fora, seria ótimo para a tua
alma.’” (p. 738)
Giulio Mancini
Siena 1558 – Roma 1630
Médico do papa Urbano VIII e colecionador de arte

Escritos:
•Le considerazione sulla pittura (1620)

Obra dividida em 2 partes:


1ª - biografias dos grandes artistas
contemporâneos como Caravaggio e Carracci;

2ª - conselhos práticos sobre como diferenciar um


original de uma cópia, como identificar as várias
escolas, como organizar um exposição de
quadros, etc .
Giovanni Baglioni
Roma 1566 – Roma 1643
Pintor

Escritos:
•Le nove chiese di Roma (1639)

•Le vite de' pittori, scultori et architetti dal pontificato di Gregorio XIII del
1572 in fino a tempi di Papa Urbano VIII nel 1642 (1642)
Giovanni Battista Passeri
Roma c. 1610 – 1679
Pintor

Escritos:
•Le vite de' pittori, scultori et architetti che hanno lavorato in Roma morti del
1641 fino al 1673
Gian Pietro Bellori
Roma 1613 – Roma 1696
Pintor e antiquário, curador de papa Clemente X

Escritos: Corpus Belloriano: http://biblio.signum.sns.it/bellori/postIndex.html

•Vite de' pittori, scultori e architecti moderni (1672)

A obra não faz um inventário sistemático,


mas trata apenas de uma dúzia de
artistas, numa perspectiva internacional:
Caravaggio, Caracci, Rubens, Van Eyck,
Poussin, entre outros.
Filippo Baldinucci
Florença 1624 – 1697
Pintor e curador de Cosme III dos Médicis

Escritos:

•Vocabolario Toscano dell'Arte del Disegno (1681)

•Notizie de' professori del disegno da Cimabue in qua (1681)

•Vita del cavaliere Gio. Lorenzo Bernini (1682)

•Comminciamento e progresso dell'arte dell'intagliare in rame colle vite di


molti de' più eccellenti maestri della stessa professione. (1686)
PAÍSES BAIXOS FRANÇA
Karel Van Mander, Schilder-boeck, O livro André Félibien, Entretiens sur les vies et sur les
dos pintores (1604) ouvrages des plus excellents peintres anciens et
modernes (1666-88)

ALEMANHA
Charles Perrault, Parallèle des anciens et des
Joachim von Sandrart, Teutsche Akademie
modernes en ce qui regarde les arts et les sciences
(1675-9)
(1688)

ESPANHA
Roger de Piles, Abregé de la vie des peintres, avec
Francisco Pacheco, Libro de Verdaderos des reflexions sur leurs ouvrages (1699)
Retratos de Ilustres y Memorables Varones
(1599) (1ª ed. 1886)

Antonio Palomino, El Parnaso español


pintoresco y laureado in Museo pictórico y
escala óptica (1715-24)
Autobiografias
“Precursores” do
humanismo

Dante Alighieri, Vita Nuova (1292-


1293), autobiografia poética de Dante,
escrita em prosa e verso. É consagrada
à história do amor de Dante por
Beatriz.

Francesco Petrarca, Lettera ai posteri


– Na velhice, Petrarca narra sua
própria vida através de um discurso
íntimo.
A autobiografia de “Escreveu o mesmo Lorenzo [Ghiberti] uma
Lorenzo Ghiberti obra [Comentários] em língua vulgar, na qual
tratou de muitas várias coisas, mas sim de fato
pouco constructo dela se tira. Nela, segundo o
meu juízo, somente há de bom que, após ter
tratado de muitos pintores antigos, e
A primeira autobiografia de um particularmente de aqueles citados por
artista de que se tem notícia. Plínio, faz menção brevemente a Cimabue,
Giotto e muitos outros daqueles tempos. E
isto fez porém com mais brevidade do que
A autobiografia de Ghiberti deveria, não por outra razão que para cair no
encontra-se em seu segundo belo tratar de si mesmo, e contar como fez,
Comentário, §19-23. minutamente uma por uma de todas as suas
obras. Nem silenciarei que ele mostra o livro
ter sido feito por outros e depois no processo
do escrever, como aquele que sabe melhor
desenhar, esculpir e trabalhar o bronze que
contar histórias falando de si mesmo, disse
em primeira pessoa: eu fiz, eu disse, eu fazia
e dizia” (Vasari, Vidas (1568))
A autobiografia de Vasari (1568)
“Havendo falado bastante sobre “Tendo eu (...) discutido sobre as obras de outrem, com
a origem da minha família, do aquela maior diligência e sinceridade que soube e pôde
meu nascimento e da minha o meu engenho, quero ainda no fim desses meus
infância, e o quanto eu fui por esforços narrar também e fazer notórias ao mundo as
obras que a divina bondade me deu a graça de conduzir;
Antonio meu pai com toda sorte por isso que, embora elas não sejam daquela perfeição
de amabilidade encaminhado na que eu gostaria, se verá contudo por quem quiser com
via da virtude, e em particular do olho são considerá-las, que elas foram por mim com
desenho, ao qual me via muito estudo, diligência e amável esforço trabalhadas, e por
inclinado, na vida de Luca isso, se não dignas de louvor, ao menos de desculpa (...).
Signorelli da Cortona, meu (...) poderiam (...) ser escritas por qualquer outro, é
parente, naquela de Francesco
melhor que eu confesse a verdade, e acuse a mim
mesmo a minha imperfeição, a qual conheço com
Salviati e em muitos outros vantagem; seguro disto, que se, como eu disse, nelas não
lugares da presente obra, com se verá excelência e perfeição, se avistará pelo menos um
boas ocasiões não estarei a ardente desejo de bem operar, e um grande e indefeso
repetir as mesmas coisas.” (p. esforço, e o amor grandíssimo que eu transmito às nossas
1357-8) artes. (...) segundo as leis, confessando abertamente o
meu defeito, ele me será em grande parte perdoado.”
(p. 1357)
Vasari artista
“E em suma ousarei dizer que tive ocasião de fazer
em dito palco quase tudo aquilo que pode crer
“O que tudo quis dizer não por outra pensamento e conceito de homem, variedade de
coisa que para mostrar com quanto corpos, rostos, vestimentas, roupas, capacetes,
esforço empreguei e emprego todavia elmos, couraças, (...) cavalos, artilharia de todo tipo,
nas coisas da arte, e com quantas justas navegações, tempestades, chuvas, nevadas, e tantas
ocasiões poderei desculpar-me, onde outras coisas que eu não consigo recordar, mas
em alguma tivesse (que creio ter em quem vê essa obra pode facilmente imaginar
muitas) errado.” (p. 1381) quantos esforços e quantas vigílias suportei (...)” (p.
1381)
“O (...) corredor [que liga o Palácio
Vecchio e o Palácio Pitti] foi conduzido “(...) todas as pinturas, ainda que talvez então me
em cinco meses por minha ordem e agradassem e fossem feitas por mim como sendo o
desenho ainda que seja obra que faça melhor, não sei o quanto me agradariam nesta
pensar que não pudesse ser conduzida idade. (...) posso dizer com verdade que sempre fiz
em menos de cinco anos.” (p. 1382) minhas pinturas, invenções e desenhos (...) não
digo com grandíssima presteza, mas sim com
incrível facilidade e sem dificuldade.” (p. 1366)
Artista-cortesão
“(...) enquanto andava obtendo, sob a direção do
duque Alessandro [de Médici] honra, nome e
faculdade, foi o pobre senhor cruelmente
assassinado, e me levou toda esperança daquilo que
me estava, mediante o seu favor, sendo prometido
pela fortuna. Porque faltavam, em poucos anos,
Clemente [Papa Clemente VII], Ipolito e Alessandro,
resolvi, aconselhado por Messer Ottaviano [de
“(...) morrendo Ipolito [de Médici] Médici], a não querer mais seguir a fortuna das
cardeal, no qual estava a soma cortes, mas a arte apenas, se bem que fácil teria sido
me acomodar com o senhor Cosme de Médici novo
colocada de todas as minhas duque.” (p. 1362)
esperanças, comecei a conhecer o
quanto são vãs, na maioria das “(...) provei quanto muito mais proveitoso é aos
vezes, as esperanças deste mundo, estudos uma doce quieta e honesta solidão que os
e que é necessário principalmente rumores das praças e das cortes, entendi (...) o erro
meu, de ter posto no passado as esperanças minhas
confiar em si mesmo (...)” (p. 1361) nos homens (...)” (p. 1362)

“(...) meus esforços ainda que continuem, difíceis e


grandes, fui pela magnânima liberalidade desse
grande Duque [Cosme de Médici], além das
provisões, grandemente e largamente remunerado
com donativos, e casas honradas e cômodas em
Florença e na vila, para que eu pudesse mais
comodamente servi-lo (...)” (p. 1380)
As Vidas
“Naquele tempo, findo o dia, ia com frequência ver o ilustríssimo cardeal Farnese cear. Ali
estavam sempre (...) muitos (...) literatos e cavalheiros (...). Certa noite, vieram à baila o
Museu de Giovio e os retratos de homens ilustres que nele os colocou com ordem e
inscrições belíssimas. (...) monsenhor Giovio disse de sua constante vontade de
acrescentar ao Museu e ao seu livro dos Elogios um tratado relativo aos homens ilustres
na arte do desenho, de Cimabue a nossos dias. E discorrendo a respeito, demonstrou
decerto grande conhecimento nas coisas de nossas artes. (...) com frequência, referindo-
se a tais artistas, trocava os nomes e sobrenomes, os lugares de nascimento, as obras,
ou então não dizia as coisas como de fato ocorreram, mas de modo impreciso. (...) o
cardeal voltou-se para mim e disse: ‘Que dizeis, Giorgio, não seria essa uma bela obra,
um belo esforço?’. ‘Bela’ – respondi – ‘monsenhor ilustríssimo, se Giovio tiver alguém da
arte que o auxilie a colocar as coisas em seus lugares e a dizê-las como estão
verdadeiramente’. ‘Podereis, portanto’ – acrescentou o cardeal a pedido de Giovio, Caro,
Tolomei e outros –, ‘fazer-lhe um compêndio e uma organizada notícia de todos esses
artistas, de suas obras, segundo a ordem dos tempos (...)’. (...) começando a recuperar
meus registros e anotações a respeito, redigidos desde que era jovenzinho por
passatempo e pela afeição que tinha à memória de nossos artistas, sendo-me caríssima
cada informação a respeito, reuni tudo e levei-o a Giovio. E ele, após muito elogiar meu
esforço, disse-me: ‘Giorgio, meu caro, quero que tomeis a vós esta tarefa de redigir tudo
nesse modo que, vejo, otimamente sabereis fazer, pois não tenho ânimo para tanto,
não conhecendo as maneiras, nem sabendo muitos particulares que podereis saber
vós.”
Narrativa
“O mesmo ano 1544 conduzido a Nápoles por Don
Giammateo d’Anversa geral dos monges de Monte Oliveto,
para que eu pintasse o refeitório de um seu monastério
construído pelo rei Alfonso I, quando cheguei fui para não
aceitar a obra, sendo aquele refeitório e aquele monastério
feito de arquitetura antiga (...) duvidando de não vir a
adquirir pouca honra. (...) aceitei finalmente a empresa. (...)
me resolvi a acabar com (...) toda aquela velharia e
grosseria (...). (...) aqueles estuques (...) foram os primeiros
que em Nápoles foram trabalhados modernamente (...).
Mas é grande coisa que depois de Giotto, não havia tido até
então nessa nobre e grande cidade [Nápoles] mestres que
em pintura tivessem feito alguma coisa de importância, se
bem que havia sido conduzida alguma coisa de fora da mão
do Perugino e de Rafael, para o que me engenhei fazer de
maneira, pelo quanto se estendia o meu pouco saber, que se
houvesse de acordar os engenhos daquela região a coisas
grandes e honradas operar.” (p. 1368-9)
Benvenuto Cellini
Florença 1500 – 1571
Escultor e ourives

Escritos:

•Vita di Benvenuto di Maestro Giovanni Cellini fiorentino, scritta, per lui


medesimo, in Firenze (1558-1566)

•Trattato dell'Oreficeria (1565)

•Trattato della Scultura (1565-1567)


Gian Lorenzo Bernini
Nápoles 1598 – Roma 1680
Escultor e arquiteto

Escritos:
•Vita del Cavalier Gio. Lorenzo Bernini (1713)

Publicação póstuma, pelo filho Domenico.

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