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Doris C. C. K. Kowaltowski
Profª Titular da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo – Universidade Estadual de Campinas
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Problemas, soluções e o
processo de projeto
mas, em vez de nos alegrarmos, sentimo- Numa época de rápida mudança social
nos profundamente assustados. e tecnológica, é raro o programador ou
(Leach, 1968) arquiteto que seja capaz de pressupor ver-
dadeiramente que consegue lidar sozinho
com o presente. Sem dúvida, o incorpo-
Tudo isso torna a vida ainda mais rador ou financista que assume o risco da
possibilidade certa de obsolescência fun-
difícil para o projetista, que hoje ali-
cional é bem míope.
menta incertezas não só quanto ao pro-
(Suckle, 1980)
jeto, como também quanto à natureza
do mundo em que esse projeto terá de Assim, como o projetista pode rea-
se encaixar. Muitas vezes, nos últimos gir ao futuro incerto? Ao contrário do
anos, vimos o processo de projeto ser cientista, o projetista não pode se can-
realmente ultrapassado por mudanças didatar a mais uma bolsa de pesquisa
sociais, econômicas ou tecnológicas. e redigir um artigo elegante para des-
Recentemente, a natureza da medici- crever a complexidade da situação.
na e dos sistemas de gerenciamento Espera-se que os projetistas ajam. Há
de assistência médica mudou depressa três maneiras principais de lidar com
demais para projetistas e construtores isso no processo de projeto, as quais
de hospitais, de modo que edificações chamaremos de procrastinação, projeto
novas já estão desatualizadas ou peque- evasivo e projeto descartável. Cada uma
nas demais antes mesmo de ficarem dessas maneiras parece mais popular
prontas. Em áreas urbanas densas como em grupos específicos de projetistas.
Hong Kong, o valor dos terrenos muda
mais depressa do que a construção de
prédios, o que torna os projetos antie- 7.2 Procrastinação
conômicos antes que sejam concluídos.
O poder dos meios de comunicação de A primeira abordagem, procrastinação,
massa pode criar mudanças súbitas baseia-se na ideia de que, de certo modo,
e fundamentais na moda e no gosto, o futuro pode tornar-se mais garantido
fazendo os itens produzidos em mas- caso esperemos um pouquinho. Quan-
sa, como automóveis, parecerem desa- do não é possível ter certeza das nos-
tualizados muito antes do fim da sua sas ações agora, talvez seja mais fácil
vida útil. Novos materiais e métodos de tomar a decisão no ano que vem ou no
fabricação podem alterar tão drastica- seguinte. Encontro regularmente pes-
mente o custo dos itens que pode ficar soas tentadas a adotar essa abordagem
mais caro manter as versões antigas do na hora de comprar um computador. O
que comprar itens inteiramente novos. argumento é que, se eu comprar agora,
Como, então, o projetista deve logo surgirá uma máquina mais nova
reagir a essa incerteza diante do e ficarei com um modelo ultrapassado.
futuro? O arquiteto americano John Tento ressaltar que isso também será
Johansen descreve a situação de manei- verdade na semana que vem, no mês
ra bem concisa: que vem e no ano que vem; logo, não
7 Problemas, soluções e o processo de projeto 113
há razão para esperar. Essa estratégia sível não agir. O próprio processo de evi-
também é comum em quem toma deci- tar ou retardar a decisão provoca efeitos!
sões para períodos mais longos, como
políticos e planejadores urbanos. É com
base nisso que levamos tanto tempo 7.3 Projeto evasivo
para construir o terceiro aeroporto de
Londres e que não temos uma política A segunda reação à incerteza é ser o
energética nacional clara. No fundo, mais evasivo possível no projeto, embo-
essa parece ser uma das razões pelas ra, na verdade, ainda se esteja avan-
quais os governos seguem o exemplo çando. Assim, os arquitetos tenderam a
de Margaret Thatcher e se afastam do projetar edificações neutras, anônimas
planejamento estratégico central para e pouco interessantes, inespecíficas em
deixar que o mercado decida. As deci- termos de função ou localização. Não
sões de projeto tomadas por governos, surpreende que tenha havido uma rea-
sejam eles nacionais, estaduais ou ção a esse tipo de arquitetura, acusa-
municipais, as quais podem mais tarde da de não oferecer ambientes urbanos
ser criticadas, são virtuais pesos eleito- suficientemente positivos. A noção de
rais amarrados ao pescoço dos políti- ambiente flexível e adaptável foi popu-
cos. Então, é muito melhor ser desape- lar durante algum tempo nas escolas de
gado e livre de toda culpa! arquitetura. Habraken e os seus segui-
A verdadeira dificuldade dessa rea- dores tiveram muita influência e che-
ção à incerteza é que, quando se iden- garam a sugerir que os arquitetos deve-
tifica um problema, não se pode mais riam projetar estruturas de sustentação
evitar as consequências de tomar uma que só oferecessem abrigo, apoio e ser-
decisão. Retardar a decisão propriamen- viços, dando aos futuros usuários a
te dita aumenta a incerteza e, portanto, liberdade de criar o próprio lar e expri-
pode acelerar o problema. Assim que se mir a própria identidade arrumando os
identifica a necessidade de ações de pla- kits de peças que se encaixavam nesses
nejamento numa região deteriorada da “suportes” (Habraken, 1972).
cidade, o mais provável é que essa área Em grande parte, essas ideias per-
se degenere ou vire uma “praga” com maneceram teóricas e, sem dúvida, há
rapidez ainda maior antes que sejam muitos problemas práticos e econô-
tomadas decisões quanto ao seu futuro. micos em criar edificações que sejam
Do mesmo modo, caso se planeje uma genuinamente flexíveis e adaptáveis.
nova estrada, mas o traçado continue a Hoje, talvez os arquitetos tenham se
ser debatido por um período prolonga- tornado levemente esquizofrênicos na
do, as propriedades na região dos vários sua atitude diante da flexibilidade. Por
traçados mudam de valor. Assim, a pro- um lado, muito se fala e se escreve sobre
crastinação é uma estratégia profunda- o projeto de edificações capazes de
mente defeituosa. Na situação de muitos sobreviver à função inicial, enquanto,
projetos na vida real, é realmente impos- por outro lado, os arquitetos desco-
114 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM
brem cada vez mais que não é preciso ano. Infelizmente, além de desperdiçar
demolir edificações antigas que, muitas recursos, essa abordagem consumista
vezes, podem ser facilmente conver- também produz mercadorias de vida
tidas para novos usos. John Johansen curta e qualidade cada vez menor, e
descreve a abordagem do projeto arqui- assim a substituição dos objetos passa
tetônico que desenvolveu como res- de opção a necessidade.
posta ao futuro incerto. Ele afirma que
esse é um aspecto fundamental do seu
trabalho e defende que “quando pres- 7.5 Soluções de projeto
supomos que a natureza das nossas que criam problemas
acomodações mudará em futuro próxi- de projeto
mo, devemos escrever programas não
para o presente, mas também para o É claro que projetar em uma época de
futuro”. Para Johansen (Suckle, 1980), mudanças rápidas é mais difícil do que
portanto, parece que a conclusão lógi- projetar num mundo estável e previsí-
ca é que ele tem de projetar edificações vel. Como vimos no Cap. 2, o próprio
que também sejam capazes de mudar. ritmo do desenvolvimento sociotécnico
exerce influência importante sobre o
processo de projeto e sobre o papel do
7.4 Design descartável projetista na sociedade. Mas é impor-
tante reconhecer que, além de depen-
A terceira reação à incerteza é pro- der do futuro, os projetistas também
jetar apenas para o presente. Assim, ajudam a criá-lo. Cada uma das reações
embute-se a obsolescência no obje- ao futuro incerto aqui descritas dá for-
to projetado, pensado para ser jogado ma ao futuro, seja nas áreas degrada-
fora e substituído por um projeto mais das da cidade, na arquitetura indecisa
atualizado. Essa estratégia foi cada vez ou nos carros da moda. Como explica
mais adotada pelos projetistas de mer- Chris Jones (1970): “Projetar não é mais
cadorias produzidas em massa. Tudo, aumentar a estabilidade do mundo fei-
das roupas aos automóveis, pode ser to pelo homem: é alterar, para o bem ou
descartado em troca de novos estilos para o mal, coisas que determinam a
e imagens. Essa abordagem é favore- trajetória do seu desenvolvimento”.
cida principalmente pelos estilistas de Assim, acontece que, substancial-
moda, com a própria palavra “moda” a mente, muitos problemas de projeto
confirmar a sua natureza transitória. contemporâneos também resultam da
No entanto, essas ideias já começaram atividade de projetar anterior. Isso pode
a invadir campos tradicionalmente acontecer sob a forma do barulho gera-
mais estáveis, como o design de interio- do por máquinas ou atividades, ou como
res. Querem que, além de usar as rou- decadência urbana ou vandalismo em
pas deste ano, também preparemos a edificações, ou em termos de aeropor-
comida deste ano em cozinhas deste tos e estradas perigosos e congestiona-