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Educar na Cultura Light: uma impossibilidade sempre possível.

Introdução

Nesta palestra, tencionamos reflectir um pouco sobre as oportunidades educativas que a


cultura actual nos oferece frente a crise de valores e modelos tradicionais, que se passa com as
novas gerações.1
Com a palavra “educação” referimo-nos em geral a todos os que nas próprias actividades
exercem directa o indirectamente um papel educativo, que cruza com as novas gerações.
O que se passa com as novas gerações, os nossos filhos? Assistimos, de facto, ao congregar-
se de vozes que fazem da lamentação o refrão das próprias análises.
Mas como educadores necessitamos de uma disposição interior mais positiva e optimista,
capaz de dar confiança, de arriscar o novo, de acreditar nos gérmenes.

A Cultura Light
Para descrever a nossa cultura actual já foram usados muitos termos: pós-moderno2,
modernidade líquida, aldeia global... Entre as diferentes análises que se encontram, parece-nos que

1 A crise de valores afecta toda a sociedade e suas instituições - começando na família e nas empresas e
terminando no governo da cidade, do estado e do País. Até os mais velhos, formados sob uma moral
rígida, estão a se acomodar. A falta de respeito é generalizada. Muitos jovens não respeitam os adultos.
E muitos adultos abusam nos cargos de comando - na família, nas empresas, nas repartições. A mesma
coisa acontece com as escolas, que hoje limitam-se a informar e não mais a formar os jovens. A crise de
valores decorrente das rápidas transformações do mundo moderno é um fenômeno mundial. Cf. O
interessante artigo de Maria Helena Brito Izzo, psicoterapeuta familiar: A crise de valores, em Família
Cristã, disponivel em http://www.catequisar.com.br/texto/comp/09.htm.
2 Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética que prevalece no capitalismo contemporâneo

após a queda do Muro de Berlim e a conseqüente crise das ideologias que dominaram o século xx. Para
aprofundar cfr, ANDERSON Perry, Origens Da Pos-Modernidade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999;
BAUMAN Zygmunt, Amor Líquido, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001; BAUMAN Zygmunt, Ética pós-
moderna. São Paulo, Paulus, 1997. BAUMAN Zygmunt, Modernidade e Ambivalência, Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999; BAUMAN Zygmunt, A Modernidade Líquida, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001;
BHABHA Homi K., O Local da Cultura, Belo Horizonte, EDUFMG, 1998; CASTELLS Manuel, A
sociedade em rede, São Paulo, Paz e Terra, 1999; CONNOR Steven, Cultura Pós-Moderna: introdução
às teorias do contemporâneo, São Paulo, Loyola, 1992; GELLNER Ernest, Pós-modernismo, razão e
religião, 1992; GUINSBURG Jaco e BARBOSA Ana Mae, Pós-modernismo, São Paulo, Perspectiva,
2008; HARVEY David, A Condição Pós-Moderna, São Paulo, Loyola, 1993. HOLLANDA Heloísa
Buarque de, Pós-Modernismo e Política, Rio de Janeiro, Rocco, 1992; HUYSSEN Andreas, After the
Great Divide - Modernism, Mass Culture and Postmodernism, Indiana & London, 1986. JAMESON
Fredric, Pós-Modernismo - A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, São Paulo, Ática, 2002. JAMESON
Fredric, Espaço e Imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios, Rio de Janeiro, EdUFRJ, 2003;
KUMAR Krishan, Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: novas teorias sobre o mundo
contemporâneo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997; LYOTARD Jean-François, A condição pós-moderna,
Rio de Janeiro, José Olympio, 2008; LYOTARD Jean-François, O Pós-Moderno Explicado às Crianças,
Lisboa, Dom Quixote, 1987; RECTOR Mônica e NEIVA Eduardo, Comunicação na Era Pós-Moderna,
Petropólis, Vozes, 1997; SANTOS Jair Ferreira dos, O Que É Pós-Modernismo, Coleção Primeiros
1
a da cultura light seja aquela que melhor se aproxima à situação das novas gerações. Para nós, o
termo light serve mais como aproximação conceitual. Ele tenta aproximar, explicar e descrever a
actual visão que os homens do nosso tempo têm de si e do mundo no qual se encontram a viver. A
expressão light é portanto mais uma imagem, uma analogia, que reúne algumas características do
que se convencionou chamar de cultura pós-moderna ou modernidade líquida.3 (Zygmunt
Bauman). Para Z. Bauman (1999 e 2004), o que mudou foi a modernidade sólida que cessa de
existir e em seu lugar surge a modernidade líquida.

A expressão cultura light remonta a um famoso livro de Henrique Rojas, denominado El


hombre light (Ed Temas de Hoy, Madrid, 1992) actualmente na 20a edição. Neste livro é feita uma
descrição muito realista do homem actual; é-nos apresentado um homem sem substância, sem
conteúdo e de um puro individualismo, que vive num vazio moral, entregue ao dinheiro, poder,
êxito e ao prazer ilimitado e sem restrições. Para este homem tudo é transitório, passageiro, tudo se
torna light, centra-se em aproveitar bem os momentos e interessa-se por tudo sem comprometer-se
em nada. A sua ideologia é o pragmatismo e a sua moral reserva-a só para a sua intimidade, tudo é
descartável, incluindo as pessoas. Mas este homem não é feliz, tem bem-estar, tem prazeres, mas é
esvaziado de autêntica alegria.

Light tem, em inglês, muitos sentidos, que directa ou indirectamente concorrem na


denominação daquela que já costumamos chamar cultura light.

Passos, Brasília, Brasiliense, 1987; SARLO Beatriz, Cenas da Vida Pós-Moderna: intelectuais, arte e
videocultura na Argentina, Rio de Janeiro, EdUFRJ, 2000; SCHAFF Adam, A sociedade informática,
São Paulo, Brasiliense, 1995.
3 “Modernidade líquida” è o titulo de uma obra do sociólogo polones Zygmunt Bauman publicada no ano

2000 e em breve traduzida em muitas línguas. Bauman Zygmunt, Liquid Modernity, Polity Press,
Cambridge 2000. Liquid Modernity è uma obra de análise e pensamento a partir da situação económica
mas com implicações a nivel humanístico. Evidencia as insídias de uma perspectiva no interior da
constituição económico-política do presente. De facto, o nomadismo com o qual o capital mundial
suborna a estaticidade dos Estados-Nacção e da força-trabalho se reproduz sujeitando as liberdades que
os indivíduos conquistaram nas lutas das décadas passadas. A prática da flexibilidade e a retórica do
indivíduo self-made constituem as duas faces da mesma estratégia. Isto è, que o actual abatimento dos
custos de organização e controle foi obtido fazendo das mesmas sujectividades, dos seu desejos de
consumo e do seu trabalho imaterial a principal fonte de riqueza.
Bauman usa a metáfora de liquidity para tornar palpável o paradoxo da nossa sociedade, na qual a
rigidez da ordem é o produto da liberdade dos agentes humanos. Por isso o homem líquido deve
aprender "a arte de viver no labirinto", a ser rápido no se desempenhar e a ser habil e subtil no seduzir
a nível intersubjectivo. O problema fundamental é que a "economia política da incerteza" não se limita a
tornar formal o direito de autoafirmação: desde o princípio faz com que a insatisfação do síngulo não se
reencontre numa causa comun. Desta maneira consegue vedar-se a si mesma impedindo a construção de
alternativas plausíveis a si mesma, impelindo os impulsos de autonomia e liberdade no fundo fechado
do self-made.

2
A partir desta referência, no imaginário atual light se associa a leveza, não somente física,
mas também psicológica e comportamental. Uma pessoa light rejeita a rigídez, ou seja, aquilo que é
duro (hard) e pesado (heavy). A essência das coisas não importa, só é quente o superficial, e a vida
pode ser comparada a um cocktail, onde tudo pode ser experimentado, mas tudo está desvalorizado.
Centrado em aproveitar bem o momento e consumir, em se interessar por tudo e, ao mesmo tempo,
por não se comprometer com nada, o homem light ajeita tudo.
Para ele, tudo é transitório, passageiro. Não existem desafios, nem metas históricas e
grandes ideais, nem um esforço ou luta contra si próprio. Como não tem critérios sólidos, o homem
light é superficial e aceita tudo. Geralmente não tem um projeto de vida e lhe interessa possuir e
consumir loucamente. Fabrica a propria verdade de acordo com preferências pessoais, escolhendo o
que gosta e rejeitando o que não lhe apetece. Sua ideologia é o pragmatismo. Sua norma de conduta
é a vigência social, as vantagens que leva, o que está na moda. Tudo é suave, ligeiro, sem riscos;
somente faz algo com garantia. Em sua vida, não há rebeliões, pois a moral se converteu numa ética
de regras de urbanidade ou mera atitude estética.4
Podemos então assim resumir as características do homem light: é uma pessoa que carece de
essência, é consumista, relativista pois é um homem sem referências, sem pontos de apoio,
envelhecido, rebaixado, convertido num ser livre que se move sem saber aonde vai, um homem que
é vedeta. É vazio e vadio, só lhe interessa ascender socialmente e gozar sempre… custe o que
custar. O seu fim é despertar admiração ou inveja. Adquire grande quantidade de informações, mas
não é capaz de fazer uma síntese do que percebe e consequentemente converteu-se num sujeito
trivial que aceita tudo e é muito manejável. Possui uma decadência moral devida ao hedonismo (o
prazer como Archè da sua vida) e à permissividade. O homem light evade-se a si mesmo e
mergulha nas sensações mais sofisticadas, considerando a vida como um gozo ilimitado.
Assim se apresenta a cultura light e diariamente as novas gerações são bombardeadas e
influenciadas pela cultura light, fruto de um sistema capitalista que visa praticamente o lucro. 5 Os
meios de comunicação social evidenciam e, às vezes, induzem os jovens nas várias expressões de
consumo, ou melhor, auxiliam para a cultura light.

4 BARTH Wilmar Luis, O homem pós-moderno, religião e ética, in: Teocomunicação, v.37, n.155, Março
2007, p. 91s.
5 As seguintes obras podem ajudar a ler a situação juvenil na cultura light: CANEVACCI Massimo,

Culturas extremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles, Rio de Janeiro, DP&A, p. 13-153, 2005;
BAUMAN Zygmunt, Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 2008; DICK Hilário, Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na
História, São Paulo, Loyola, 2003; HALL Stuart, A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro, DP&A, p. 135-46, 2001.

3
É relevante salientar que na cultura light, por um lado, evidenciam-se também, de várias
maneiras, alguns valores muito interessantes, tais como flexibilidade, diversidade e tolerância,
capacidade de adaptação, esforço para manter a forma, equilíbrio, busca de qualidade de vida,
captar as tendências actuais, prazer: sentir-se bem, alegre, feliz, ênfase no cotidiano: viver o hoje,
entre outros valores. Por outro lado, há certos limites da cultura light: pouco esforço, inconstância e
imediatismo, superficialidade, falta de sabor, falta de limites, poucas referências, narcisismo, olhar
somente para si, ausência de compromissos duradouros, negação da história, dificuldade em fazer
sacrifício e aceitar a dor, indiferença, insensibilidade, absolutização do prazer, falta de grandes
sonhos, consumismo, etc...
No universo juvenil, uma das realidades é a estética da beleza exterior como forma de
expressão para uma óptima performance: as pessoas são reconhecidas pelo que têm e não pelo que
são.
Outro factor é o imediatismo que é caracterizado em “viver a vida”: busca-se, de maneira
desenfreada, o prazer momentâneo, sobretudo, o prazer sexual. O importante é curtir o momento ou
gozar a vida ao extremo, de maneira descomprometida. A lógica da cultura light é cruel, as relações
se tornam superficiais e líquidas. E apontam para uma cultura do individualismo e do consumismo.
Diante desta realidade, é necessário repensar o modo de ser e de agir nas relações com a
juventude, no que concernem às estruturas familiares, escolares, sociais, disciplinares, religiosas.
Por conseguinte, os adultos, muitas vezes, sentem-se incapazes de acompanhá-las e contribuir na
formação dessa juventude.
Estamos portanto na era da cultura ligth e nos perguntamos: é possível ainda educar nesta
situação?

Educar na cultura light: uma impossibilidade sempre possível.


É possível educar numa cultura light?
Com espírito de fé, o educador deve descobrir nos “Sinais dos Tempos” do homem e da
mulher light não somente as ameaças, mas também as oportunidades para a humanização. Que
valores estão implícitos na cultura light, e poderão ser positivos, se forem desenvolvidos em
perspectiva humanizadora e comunitária, ou seja, voltados para a evolução da humanidade e
compreendidos de forma coletiva, para além do indivíduo?

A Leveza
Consiste em cultivar a gratuidade, a alegria, o contentamento, e o senso de humor, como
elementos decisivos da vida, em contraposição ao pessimismo e ao perfeccionismo. A leveza é um

4
contraponto às exigências demasiadas do mercado, baseado na competição e nos resultados. Não a
devemos confundir com a superficialidade, porque a leveza é um modus essendi de grande
profundidade espiritual.
Fomos criados para a felicidade. Atingir esse estado, é um dos objectivos mais verdadeiros.
Ter saúde, amigos, amores, recursos, pode nos ajudar, mas nem sempre consegue proporcionar-nos
a sensação constante de alegria e serenidade diante dos acontecimentos. A sensação de leveza
corporal, de leveza espiritual, de ausência de sentimentos como mágoas, ressentimentos,
inadequações, é inequívoca.
Quem é feliz aprendeu a ser o seu melhor amigo e a proteger-se de pensamentos nocivos. A
leveza nos lembra a criança do Evangelho, o Homo Ludens do qual fala Battista Mondin na sua
Antropologia Filosofica.6 Fazemos directa referência a um livro que foi publicado no 1938 pelo
Johan Huizinga, filósofo e historiador holandes. O que acontece quando a leveza entra na nossa
vida? Abrimos os olhos uma segunda vez, renascemos à nova vida, nos torna mos voz do
mundo, abertos a novas esperiências, vulneráveis à beleza e ao encontro com os outros.
Temos a certeza que se o educator alcançar esta leveza do homo ludens, ser-lhe-á
menos impossível encontrar brechas de entrada no aparente monadismo das novas gerações.

A Flexibilidade
Na vida, as coisas são como têm de ser. Nem sempre acontece o que se quer.
Na natureza, nada é fixo; tudo vibra, tudo muda, tudo se move. A única coisa imutável é a lei
cósmica de que tudo muda. A flexibilidade é a grande firmeza. Por isso, o bambu novinho não
quebra contra o vento: ele é flexível. Já o bambu velho é ressecado e duro; contra o vento, quebra
facilmente. A flexibilidade pode ser comparada ao instinto da tarântula, quando tece sua teia. Essa
aranha – uma das mais venenosas –, prende as pontas de sua teia em pequenas plantas ou em ramos
flexíveis. Dessa forma, quando o vento sopra contra, sua teia não se rompe, pois sua base não é
rígida. A teia até balança muito, em conseqüência do movimento dos ramos onde está baseada, mas
não quebra. Na flexibilidade de suas bases, está a firmeza!
A pessoa flexivel não leva as coisas para o lado pessoal, não dramatiza excessivamente o
que acontece. Admite mental e afectivamente que certos eventos rolam por causa da relatividade
das possibilidades. A pessoa flexível procura e disciplina a abertura da mente. Não se aplica nas
suas tarefa pensando em si como nalgo de indispensável e não lamenta a cada passo que as coisas
não giram como ela quer. Vive numa serena aceitação dos próprios limites e admite com ánimo

6MONDIN Battista, O Homem, Quem é Ele?: Elementos de Antropologia Filosófica, São Paulo, Paulus,
2003.
5
amplo que os outros tenham as suas zonas obscuras. Desenvolve uma interior capacidade de
adaptação às outras culturas e dimensões do ser humano, sem por isso perder a própria identidade.
“Amo todas as religiões, mas sou apaixonada pela minha”, costumava dizer Madre Teresa de
Calcutta, oferecendo-nos assim uma gostosa geografia do espírito flexível. É hospedaleira a pessoa
flexível, seja com os outros seja com os eventos. Ela vive numa espécie de louvor interior,
agradecida pela vida e pela graça nela contida. Sabe dar-se tempo, para gostar e para metabolizar,
coordenando os seus movimentos ao ritmo da dança.
Se a reação dos educadores à crise de valores persistente no nosso tempo é de rigidez,
dogmatismo e rejeição, será inevitável o colapse. Mas se consideram a instabilidade própria da
Cultura Light como lugar no qual parar e construir, então entrarão numa perspectiva fecunda e
positivamente flexível.

A Cotidianidade
Na cultura light há um desejo de simplesmente viver o hoje, sem excesso de preocupação
com o futuro. A cultura light é fruto de uma rebelião à redução da pessoa a máquina productiva.
A “cotidianidade” da nossa vida é o que vivemos e/ou fazemos cada dia: o conjunto de
circunstâncias, atividades e relações que formam a trama da vida de uma pessoa.
As “acções cotidianas insensatas” podem ser “sensatas”, se percebermos a vida presente
nelas. Descobrir o fluxo da vida escondido no cotidiano é encontrar-se acolhido pelo abraço da vida
que nos envolve. Quando a pessoa assume seu cotidiano e o vivifica com injeções de novidade, de
idealismo, de criatividade... então começa a irradiar uma rara energia interior. A essa força
denominamos de carisma, que significa a energia que tudo vitaliza, que tudo penetra e rejuvenesce.
O carisma nos desperta da letargia do cotidiano. E despertos, descobriremos que o cotidiano guarda
segredos, novidades, mensagens... que podem acordar e conferir sentido e brilho à vida. O cotidiano
passa a ter sabor de eternidade.

A Estética
Na cultura light desenvolve-se a sensibilidade ao belo, em várias instâncias. Desde as
embalagens, até ao corpo humano, contemplando também o design da casa e da cidade, abre-se a
oportunidade de uma nova síntese entre a bondade e beleza. A ética acompanha a estética num
casamento no qual não è possivel divorciar. Na filosofia antiga, em Platão, Aristóteles e Plotino, a
estética era estudada fundida com a lógica e a ética. O belo, o bom e o verdadeiro formavam uma
unidade. A essência do belo era identificada com o bom, tendo em conta os valores morais. Na sede
e tensão estética, exteriorizada e superficial, que caracteriza a “Cultura Light”, o educador pode

6
encontrar uma fenda, brecha ou entrada para o desenvolvimento da sua vocação. É possivel educar
à estética da alma, jovens e adolescentes empenhados na estética do corpo?
As novas gerações são particularmente atentas à beleza, sensualidade, harmonia das formas,
olhar brilhante. Muito fazem para cativar as pessoas.
A preocupação com a beleza e a saúde física são toques de auto-estima. Uma pessoa
deprimida não se preocupa com a beleza. Um toque de vaidade é óptimo sinal de boa saúde mental.
No entanto, há um detalhe imprescindível para a harmonia do corpo: ela não começa de fora para
dentro, mas sim do interior para o exterior. Não é somente a beleza física que atrai, encanta e
surpreende, mas a beleza interior.
O que é beleza interior? É a harmonia dos nossos pensamentos, sentimentos e acções. A
pessoa bela dentro é sempre capaz de um sorriso que ilumina. Não grita mas controla o timbre da
sua voz. É relaxada e relaxante, não fica tensa e nunca se subestima. Não anda de cabeça baixa e
costas recurvadas. Sabe ouvir atentamente e sinceramente as pessoas manifestando-lhes simpatia na
maneira de falar e no olhar vivo e atento. A pessoa bela é fraterna. Está sempre pronta a ajudar,
quando for solicitada. Considera a vida como uma eterna troca de afectos.
A pessoa bela sabe livrar a sua criança interior, sabe rir: de si mesmo, com os outros, mas
nunca dos outros. O riso espontâneo actua nela como fonte de saúde e bem estar interior.
A pessoa bela tira constantemente lições preciosas dos seus aparentes fracassos. Não se faz
de vítima. Faz meditação, e sabe fazer descansar a mente e o corpo. É livre e espontânea em elogiar
as pessoas. É habil no despertar o que há de positivo nos outros e não se importa com a ingratidão.
É uma pessoa que pensa positivo e nunca gosta dos fracassos dos outros.
Nos dias de mau humor, tristeza e nervosismo, a pessoa bela exercita a terapia do silêncio e
dedica-se a boas leituras, sabendo esperar que as nuvens se afastem e o sol volte brilhar.
S. Paulo provavelmente sabia algo disso tudo quando escreveu o Capitulo 13 da primeira
Carta aos Corintios, um trecho que se deveria tornar regra de vida do educador do futuro.

A Corporeidade
A cultura light prega o respeito e a valorização do corpo, até chegar ao extremo do culto do
corpo. Após séculos de negação, parece criar-se um espaço disponível, abre-se a possibilidade de
uma visão unificadora de corpo-espírito, pois o corpo é expressão carnal da pessoa e do seu
mistério.7

7 O corpo como objecto de estudo nas ciências sociais vai se constituir efetivamente a partir dos anos 80.
O corpo passou a ser explicitado por um número crescente de estudiosos, que têm contribuído de forma
significativa com investigações empíricas e teóricas sobre o corpo e a corporalização humana. Cabe
ressaltar alguns autores e obras de referência consideradas de fundamental importância nesse período.
7
Para educar no nosso tempo é necessário resgatar o corpo sendo que é nosso referencial com
o mundo. É por meio dele que existimos e nos relacionamos com os demais. Relacionar a
corporeidade à educação é um caminho necessário para articular conceitos centrais de uma nova
visão pedagógica.
A velha educação, tinha certo desprezo da corporeidade. Até educava-se infligindo ao corpo
punições e privações em nome de uma ascese dissociada, como se para melhorar o espiritual fosse
preciso mortificar o corporal. Educar hoje nos impõe uma dura aprendizagem de novas ciências
atentas à corporeidade.

Conclusão
Chegado a este ponto, cabe-nos dizer uma palavra de síntese. O objectivo desta
breve palestra era de reflectir sobre o binómio cultura-educação. Vimos que a cultura
hodierna é chamada de Cultura light e vimos como oferece aos agentes da educação
várias possibilidades, apesar da crise de valores dos modelos culturais e educativos
tradicionais.
O novo sempre foi motivo de preocupação para o velho e o velho sempre se
encantou e se preocupou pelo novo. Uma situação de conflito e instabilidade aqui é
quase normal e é dentro dessa normalidade que somos convocados a crer num possivel
agir educativo. O que se passa com as novas gerações deve gerar-nos a um contexto
que nos ajude a construir um saber educativo. Trata-se de recriar e repensar estilos e
contextos que tornem possível o educar hoje.
Como educadores necessitamos, no mínimo, de uma disposição interior
positiva, capaz de arriscar o novo e aceitar a reforma sem deformar nada. Chegou a

Bryan Turner, em 1984, publicou “The Body & Society”, após ter trabalhado em vários artigos sobre a
temática. Em 1985, O'Neill publicou a obra intitulada “Five Bodies: The Human Shape of Modern
Society”. Peter Freund, em 1988, com base na sua obra anterior “The Civilized Body: Social Domination
Control and Health”, de 1982, publicou um importante artigo de revisão intitulado “Understanding
Socialized Human Nature”. Outro artigo de revisão que merece ser destacado nesse contexto é de
autoria de Arthur Frank intitulado “Bringing Bodies Back In: A Decade Review”. Os estudos do corpo
ganharam importância com a abordagem histórica conduzida pelos pesquisadores Feher, Naddaff e
Tazi, reunindo vários estudiosos em três volumes publicados em 1989: “Fragments for a History of the
Human Body”. Outro coletivo importante foi organizado por Mike Featherstone, Mike Hepworth e
Bryan Turner, em 1991, sob o título "The Body: Social Process and Cultural Theory"
A pesquisa sobre o corpo aparece concentrada em determinadas áreas do conhecimento. Destacam-se
seis campos específicos nos quais a temática corporal tem sido investigada mais intensamente: (a) o
significado simbólico do corpo refere-se ao uso do corpo como representação e a importância do corpo no
discurso metafórico; (b) a análise do papel activo do corpo na vida social; (c) o estudo da diferença entre
gênero e sexo; (d) a relação entre corpo e tecnologia; (e) estudos de saúde e doença, categorias médicas
da doença e organização dos cuidados com a saúde; (f) a sociologia do esporte.
8
hora de repensar o modo de ser e de agir nas relações com a juventude, é necessária
uma mudança de paradigma. O modus vivendi dos nossos filhos caracterizado por
leveza, flexibilidade, cotidianidade, estética, corporeidade etc...nos oferece uma
oportunidade que torna ainda possível a nossa intervenção educativa.
Tudo isso exige de cada um de nós, agentes de educação, uma mudança de
perspectiva, uma nova posição no campo educativo: acreditar que é possivel se
reecantar e arriscar o novo onde as futuras gerações possam ter um espaço e uma
palavra a dizer. Parece impossível mas é interessante: talvez o velhos, ajudados pelos
jovens, voltem a descobrir que o cotidiano guarda segredos, novidades e mensagem que
podem dar um novo brilho que não é só Cultura light mas também um salada de
oportunidades. Dentro destas oportunidades, eles, pais e avós, encarregados da
educação sempre poderão ajudar a descirnir novos valores e a reafirmar os já
existentes.

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