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A( metodologia de Jesus

LS\ ?

J esus tinha um grande propósito e necessitava preparar seu pes-


soal com critérios e valores adequados. Para converter cada
um dos seus seguidores em autêntico discípulo, cumpriu um progra-
ma de formação que distinguia perfeitamente as diferentes etapas
pelas quais teriam que passar seus colaboradores, a fim de continuar
a estender sua obra neste mundo.
o processo que Jesus usou para formar os seus primeiros segui-
dores é o mesmo que continua usando para moldar todos os seus
discípulos. Assim como o candelabro que estava no Templo de Jeru-
salém tinha sete lâmpadas, do mesmo modo são sete as luzes que
nos iluminam neste itinerário. Estes elementos os encontramos ex-
postos no que poderíamos, chamar de "o testamento pastoral" do
Mestre:
- Tomou o pão em suas mãos.
- O abençoou.
- O partiu.
- O repartiu.
- E lhes disse: "Isto é o meu Corpo".
- "Comam todos dele".
- "Façam isto em minha memória".

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1. Tomou o pão em suas mãos

Assim como na Última Ceia Jesus tomou o pão em suas mãos,


agora repete exatamente a mesma operação com cada um de nós. O
molde onde os discípulos são produzidos são as mãos que foram
transpassadas pelos cravos da cruz. A primeira coisa que o Senhor
faz para moldar-nos a sua imagem e semelhança, é tomar-nos em
suas mãos.
Isto significa que ele assume a principal responsabilidade, mas,
ao mesmo tempo, exige-nos uma disponibilidade absoluta.
Como o barro nas mãos do oleiro, assim são vocês em minha mão,
casa de Israel! (Ir 18,6).
No Gênesis é dito que Deus tomou o barro em suas mãos e co-
meçou a modelar o homem. O homem novo é unicamente o produto
do Divino Artesão que vai demarcando os traços que definem os
seus.
Para compreender o que significa esta imagem, devemos enten-
der bem o que é o barro:
O barro é um elemento composto de terra e água. No entanto
ambos devem estar perfeitamente combinados, posto que se há mais
água do que o devido, então se converte em lodo sem consistência.
com o qual é impossível fazer qualquer tipo de cerâmica. Se, ao con-
trário, faltar água, a terra endurece tanto, que se torna impossível
modelá-Ia.
O ser humano, feito de barro, é composto pela água e suas qua-
lidades e pela terra e suas carências. Na água se revela sua fecundi-
dade e suas enormes possibilidades. Na terra aparecem suas limita-
ções e necessidades. Não somos só qualidades e virtudes, porém
tampouco somos unicamente defeitos e limitações. Ambos os ele-
mentos constituem um binômio perfeito, que não se pode separar
sem atingir a essência do ser humano.
Deus tem presente estes dois elementos e opera sempre com
ambos. Nossas qualidades e limitações são a matéria-prima com E
qual ele faz um novo vaso. Tudo entra no seu plano. Nem predomí-
nam nossas qualidades com as quais inaugura o Reino de Deus, ner;
tampouco nossas limitações impedem que ele se realize. Que nossas
virtudes não são suficientes, vemo-Ios claramente em Moisés.

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Ninguém melhor do que o filho da filha do Faraó, por sua cultura
e preparo, para tirar do Egito o povo oprimido. No entanto, primeiro
teve que renunciar a essas qualidades, fugindo para o deserto de
Madian; deixando a casa do Faraó com todos os seus privilégios; e
depois, e somente depois, chegou a ser um instrumento útil para a
libertação do seu povo.
Graças a esta dura experiência de despojamento, Moisés sempre
entendeu bem claramente que a obra era de Deus e não de algum
homem. Daí que, depois da apostasia do Sinai, Deus lhe disse: Desce,
porque teu povo, o que tiraste do Egito, pecou - Moisés respondeu
claramente: Esse povo nem é meu nem o libertei, foste tu mesmo quem
o tiraste da escravidão (Ex 32,7-11).
Por outro lado, nossas debilidades não constituem desculpa, nem
nossas limitações são razão suficiente para que Deus detenha seu
plano. Nossa fraqueza nunca será maior que o seu poder. Deus não
pode depender de nós, muito menos de nossos defeitos. Moisés é, ao
mesmo tempo, um exemplo disso:
Quando foi chamado para libertar os hebreus da escravidão, ex-
clamou: Porém, quem sou eu para comparecer diante do Faraó, se
sequer sei falar bem, pois sou gago? Deus lhe respondeu: Eu estarei
contigo e te ensinarei o que tens que dizer.
A incapacidade humana não é obstáculo suficiente para que Deus
interrompa sua ação salvadora. Quando em nossa vida temos água
de sobra, quer dizer, estamos muito confiados em nossas qualidades,
crendo que somos capazes de cumprir a missão encomendada, en-
tão o Senhor se encarrega de nos atirar um pouco de terra para que
sejamos barro e não lodo.
Se, pelo contrário, só olhamos para a terra do nosso pecado e o
pó da nossa incapacidade, então o Senhor nos dá água viva para nos
amolecer e nos poder usar, livres de qualquer complexo de inferiori-
dade ou de culpa.
Antes de trabalhar para o Senhor, o Senhor nos trabalha. Para
trabalhar pelo Senhor, temos que ser trabalhados por ele antes. Nin-
guém pode ser instrumento de libertação sem que antes tenha expe-
rimentado a liberdade. Como se pode pregar que Jesus liberta, sem
tê-lo experimentado na própria carne?

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Nossa Atitude: Desprogramar-nos

o Senhor quer gravar-nos sua imagem com o selo do seu Santo


Espírito (2Cor 3,18), para que cheguemos a ser uma carta de Cristo
(2Cor 3,3). No entanto, para imprimir a Palavra do Senhor, há que se
apagar tudo o que se tenha escrito antes.
Um computador trabalha graças a um programa que o capacita
para funcionar, porém ao mesmo tempo o condiciona. Às vezes, chega
o momento em que o programa já não é suficiente e é preciso deixá-
-10 de lado para colocar outro mais amplo.
O mesmo acontece em nossa vida. Todos nós fizemos um plano
de vida, porém é preciso renunciar a ele para nos abrir ao Senhor. Se
não nos desprogramarmos, não poderemos aceitar o projeto do
Senhor para nós. Há pessoas que, por algum motivo, já estão com-
pletamente convencidas de seguir a vontade de Deus. Mas não nos
esqueçamos que também Saulo de Tarso o estava, quando perseguia
a Igreja de Deus.
Saulo, zeloso fariseu que tinha posto sua confiança na Santa Lei
do Sinai, estava certo de que cumprindo-a, fazia a vontade de Deus.
Tendo sido instruído aos pés do grande Mestre Gamaliel, conhecia
perfeitamente tudo o que tinha que fazer e o que tinha que evitar.
No entanto, ao se encontrar pessoalmente com o Cristo ressuscita-
do, caiu rendido. Depôs as armas nas quais tinha posto sua confiança
e, em vez de decidir, fazer ou ensinar, como era do seu costume, sim-
plesmente fez uma pergunta: Senhor, que queres que eu faça? (At22,10).
O conhecedor da Escritura e o zeloso cumpridor da Lei reconhe-
ceu que não sabia o que tinha a fazer. Renunciou ao seu programa e
abriu-se de novo ao inesperado. Tratava-se de um nascer de novo.
Quando nos desprogramamos e nos abrirmos, nos dispomos às
surpresas do Espírito. Todos nós temos sido os programadores de
nossas vidas e até mesmo das dos outros. Devemos renunciar a essa
tarefa, que não nos cabe, para abrirmo-nos às surpresas do Espírito.
Os aviões contam com umas superfícies adicionais nas asas, que
se chamam estabilizadores, para que o vôo seja cômodo e seguro.
Jesus, ao contrário, sacode nossas seguranças com "desesta-
bilizadores", pois tudo aquilo que nos encaixota, limita a sua ação
forjadora de discípulos. Decidir-se por Jesus é aceitar caminhar numa
corda bamba, aprendendo a caminhar sobre as águas.

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DINÂMICA:

Eu desci à casa do oleiro, e eis que ele estava trabalhando no torno.


E estragou-se o vaso que ele estava fazendo, como acontece à argila
na mão do oleiro. Ele fez novamente um outro vaso, como melhor
pareceu aos olhos do oleiro. Então, a Palavra do Senhor me foi
dirigida nestes termos: Não posso eu agir convosco como este oleiro,
ó casa de Israel? Olhem que, como o barro na mão do oleiro, assim
sais vós na minha mão, ó casa de Israel! (Jr 18,3-6).

Com um pedaço de barro seco e água, cada um faça uma figura que
melhor simbolize a sua própria vida. A idéia é vermos como tratamos
de ser arquitetos de nossos destinos.
Finalmente, todas as figuras que representam o plano de vida indivi-
dual e que cada um fez, são desmanchadas, para significar que nos
desprogramamos e nos abandonamos nas mãos do divino oleiro,
para que faça de nós o que ele quiser.

DINÂMICA:

O que sentiste ao ter o barro nas mãos? Qual foi a figura que
moldaste e por quê? Qual foi tua experiência ao estar formando
essa figura? Como o aplicas à tua vida? Estarias disposto a que o
Senhor desfizesse o teu plano de-vida para formar-te de acordo
com o seu?

2. Abençoou-o

Jesus toma o pão em suas mãos e o abençoa. O verbo abençoar,


ou bendizer, é composto de duas palavras: "bem" e "dizer", em grego:
( Eú-dojéco - Eu-logueo).

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A primeira coisa que o Senhor faz é nos falar com a verdade.
Pronuncia uma Palavra que é viva e eficaz, que é espírito e vida, mais
cortante que a espada de dois gumes, que penetra até as profundi-
dades da alma. Nesta etapa, a Palavra de Deus vai nos configurando
para que adquiramos os critérios de Jesus Cristo e vamos nos iden-
tificando com os seus próprios valores.
Qualquer palavra que escutemos molda de tal modo nossa ma-
neira de pensar, que determina depois nossa forma de ser e atuar.
Nossa mente é como fita cassete virgem, que reproduz o que foi gra-
vado nela. Assim como os jovens cantam canções de memória e de
algum modo tratam de imitar os seus ídolos, do mesmo modo, se
escutamos a Palavra de Deus, nossa mente irá se identificando com
a vontade divina e os critérios do Senhor nos chegarão a parecer a
coisa mais natural. Assim como a água empapa a terra e a fecunda,
a Palavra de Deus irá nos penetrando até a raiz das nossas decisões.

Nossa Atitude: Ouvir

Se nesta etapa o Senhor se manifesta como o Mestre que nos


ensina, nossa principal atitude há de ser a do discípulo que ouve
para aprender.
Certa ocasião um escriba perguntou a Jesus qual era o maior dos
mandamentos. O Mestre respondeu:
Ouve, Israel ... (Me 12,28-29).
O primeiro e o maior dos mandamentos não é amar a Deus, mas
ouvir, porque ao ouvi-lo, ele nos expressa seu amor, nos enamora e
nos capacita a responder-lhe com todo o nosso coração.
Um sinal de que caímos nos laços do ativismo é quando falamo:
mais do Senhor do que com o Senhor.
Quando Samuel ouviu uma voz, o sacerdote Eli lhe disse que eu.
Deus quem o chamava e deveria responder: "Fala, Senhor, que ter.
servo escuta". Infelizmente nós dizemos o contrário: "Cala, Senhor
que teu servo fala".
Quem nasce surdo, jamais poderá falar. Ao não poder ouvir -
palavras, não é capaz de pronunciá-Ias. A mesma coisa acontece ~
vida espiritual e pastoral: se não sabemos ouvir a Deus, não podere

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mos falar em seu Nome. Por outro lado, a oração que se concentra
em falar com Deus, sem dar-lhe oportunidade de comunicar-se, vai
atrofiando o crescimento espiritual.
Existem pessoas que decidem os caminhos da pastoral ou im-
põem um critério a ser seguido conforme o que têm em mente; e
para que tenham força e não encontrem oposição ao seu projeto,
acrescentam: "Esta é a vontade do Senhor!". Porém quem lhes disse
que era o plano divino? Como e quando souberam que essa era a
vontade de Deus? A única coisa que fizeram para impô-lo aos demais
foi atribuí-Ia ao Senhor! ...
Os piores são aqueles que pensam que por ter certa autoridade
ou título gozam da infalibilidade, e que suas diretrizes são automa-
ticamente a vontade Divina, como se o Senhor dependesse dos ser-
vos. Ao invés de perguntar ao Senhor o que ele quer, dizem o que
pensam e logo tratam de fazer com que os outros creiam no que eles
mesmos não sabem: que esse projeto, e sobretudo essa proibição, seja
vontade celestial.
Há três coisas que afogam a Palavra de Deus, não lhe permitem
criar raízes, nem muito menos dar fruto:
- As preocupações do mundo: consiste em desvelar-se pelas
coisas transitórias. Viver como se somente contássemos com
nossas próprias forças para solucionarmos os nossos proble-
mas.
- O afã de riquezas: compreende a exagerada busca dos bens
materiais, títulos, ou poder. A ambição que nunca se sacia,
pelo contrário, mergulha-se no redemoinho da cobiça, que é
idolatria.
- A concupiscência da carne: é a satisfação desmedida de todos
os sentidos, vivendo sob a lei do menor esforço.

DINÂMICA:

Pôr nossas mãos sobre os ouvidos, para pedir ao Senhor que nos
conceda o dom de saber escutá-Io (cf. Mc 7,31-37).

Pôr a Bíblia sobre o coração e orar para que o Senhor nos dê amor
à sua Palavra, inteligência para entendê-Ia e força para vivê-Ia.

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3. Partiu-o

Jesus, tendo tomado e transformado o pão com sua Palavra de


bênção, o partiu. O terceiro aspecto na formação de um discípulo
consiste em ser partido. Por "ser partido" entendemos a etapa de
purificação através da qual o Senhor nos consagra totalmente a ele .
... Sem esta condição, não seríamos capazes de sermos oferendas do
culto espiritual.
O apóstolo Paulo expressa esta necessidade com uma idéia to-
mada da Páscoa judaica, raiz da nossa Eucaristia: ser pães ázimos. O
pão da Páscoa era "massot" isto é, sem levedura e livre de toda con-
taminação. Só com massa pura era possível celebrar a libertação da
escravidão. Na liturgia do Novo Testamento nós somos esse pão ázimo
que se converte em hóstia pura, santa e agradável a Deus:
Purifiquem-se do velho fermento
para que sejam massa nova,
porque são pães ázimos
porquanto Cristo, nossa Páscoa,
foi imolado (lCor 5,7).
Assim como o ouro se depura, assim também nós temos que ser
purificados e santificados para poder servir como ministros da nova
aliança, cada qual de acordo com sua vocação. Esta etapa consiste,
fundamentalmente, em nos despojarmos de tudo o que nos sobra ou
nos danifica ...
Muitas vezes pensamos que se tivéssemos mais possibilidades
materiais ou melhores instalações poderíamos superar em muito o
nosso trabalho pastoral. No entanto, o que mais nos impede de dar
o fruto, e fruto que permaneça, não é o que nos faz falta, mas sim o
que nos sobra: egoísmo, materialismo, rivalidade com outros servi-
dores, orgulho e soberba espiritual, isso à parte as feridas emocio-
nais e conseqüências do pecado que ainda arrastamos como negra
sombra.
Miguelangelo, o grande artista florentino, gostava de trabalhar a
sós, sem ser visto por ninguém, até terminar suas obras, quando então
as mostrava ao público. Quando terminou as estátuas "Os Escravos",
fez-se uma grande festa em Florença para que fosse vista pela pri-
meira vez. Os nobres, os artistas e autoridades ficaram impressiona-
dos diante de obra tão maravilhosa. Ao ser felicitado e ser reconheci-

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do por tanta gente, o gênio disse: "Mas o que fiz foi um nada. Quan-
do me trouxeram o bloco de mármore, essa escultura já vinha den-
tro. Eu só fiz tirar uns pedacinhos que lhe sobravam".
Deus nos destinou a ser uma obra de arte em suas mãos. Porém
antes tem que nos tirar tudo o que nos atrapalha. Nosso problema é
que ainda temos conosco demasiadas coisas que não nos permitem
ser livres para servir ao Senhor.

a. A pureza de intenção

Se pudéssemos reunir numa única frase em que consiste esta


purificação, diríamos assim: "Ter pureza de intenção", quer dizer,
que o exterior corresponda com o interior e não existam segundas
intenções no que fazemos. Não se trata só de fazer bem as coisas, ou
de cumprir com o dever, mas de realizá-lo com as motivações ade-
quadas.
É por esta razão que Jesus atacava tanto o formalismo dos fari-
seus, que aparentavam proceder sempre bem e cumprir esmerada-
mente toda a Lei, porém suas motivações não eram puras:
- Jejuavam de acordo com a Lei, porém desfiguravam seu rosto
para que todo mundo percebesse o seu sacrifício.
- Faziam longas orações, porém sua vista não estava em Deus,
mas procuravam ser reconhecidos pelos homens.
- Procuravam tornar-se notórios na suas devoções para que as
pessoas falassem bem deles.
Jesus usou três imagens gráficas que descrevem a impureza de
intenção:
- Sepulcros caiados (Mt 23,27);
- Lobos com pele de ovelha (Mt 7,15);
- Copos limpos por fora, mas sujos por dentro (Mt 23,26).
Em todos estes casos apresenta-se uma aparência que não cor-
responde à realidade. Disfarça-se com máscara de bondade e sacri-
fica-se o essencial para aparentar-se o que não se é.

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Para entender melhor, vejamos alguns exemplos de contamina-
ção de nossas motivações:
- Algumas vezes realizamos um importante trabalho apostólico,
porém nossa intenção final é de sermos levados em conside-
ração pelos demais. Por isso desanimamos quando não so-
mos reconhecidos pelos outros.
- Esforçamo-nos por cumprir o dever e realizar o encargo, po-
rém motivados para vencer uma concorrência com outros diri-
gentes. Procuramos, antes de mais nada, ficar bem diante dos
demais, ou superá-los, ao invés de cumprir a vontade de Deus.
- Há gente que trabalha com os pobres, porque isso lhes ofere-
ce prestígio apostólico: "Fulano está comprometido com os
pobres e vive sua opção preferencial". Porém, no fundo, não
ama os pobres. Mais do que servir-lhes, serve-se deles para
incrementar o culto à sua pessoa.
Às vezes não aprovamos um bom projeto, assinalando mil des-
vantagens, mas no fundo isto se deve ao fato de não termos sido
considerados nele, como pensávamos que merecíamos.
- Uma das piores impurezas é servir ao Senhor esperando uma
recompensa de tipo material. Essa é a maior desgraça em que
pode cair um ministro do Senhor.
A relação poderia ser interminável. Tão ampla e diversa como a
diversidade das pessoas. Por isso, é essencial fazer uma revisão nas
intenções secundárias que nos movem a realizar o que fazemos. In-
clusive, às vezes, essas são as intenções primárias, porém revesti das
de pele de ovelha: zelo apostólico ao serviço dos demais ou em cum-
primento da vontade divina.
O Senhor nos aceita com nossa impureza, porém nunca consen-
tirá a nossa hipocrisia. Isto foi precisamente o que jamais pôde tole-
rar dos fariseus, "Que fingiam de justos diante dos homens". O Senhor
nos aceita e nos ama com nossos erros, porém o que vomita é a
duplicidade do coração. Nem às prostitutas, nem aos publicanos, lhes
falou tão duramente, como o fez com os hipócritas fariseus, que atu-
avam com duplicidade de coração.
Contudo, não se trata de julgar aquelas pessoas daqueles tempos,
mas de descobrir o fariseu que há dentro de cada um de nós, sempre
que atuamos com duplicidade de coração.

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Talvez não encontremos em toda a Bíblia caso mais impressio-
nante do que este:
Um dia, um bom casal entregou a Pedro uma oferenda vultosa,
resultado da venda de sua propriedade rural. Porém, o apóstolo, ao
invés de lhes agradecer, colocando em sua casa uma placa de reco-
nhecimento, se encheu de raiva. Eles caíram mortos a seus pés. Pre-
tendiam ser incluídos na lista de honra, ao lado de Barnabé, que
havia entregue tudo aos apóstolos. No entanto, eles haviam guarda-
do para si uma parte do ganho na venda do campo.
Não tinham obrigação de vender sua propriedade, nem de ofere-
cer o seu preço. Eles queriam que os outros os considerassem gene-
rosos e desprendidos, quando na realidade não o eram. O Senhor
não aceitou sua oferenda e, em vez de premiá-los, deixou que se
afundassem no mundo da morte.
A duplicidade de coração é fatal para a saúde mental, pois está
dividida interiormente. É como se uma flecha se dirigisse, ao mesmo
tempo, a dois objetivos diferentes. Esta é a origem e raiz de depres-
sões, complexos e frustrações. É precisamente a nós que prejudica,
por isso Deus quer purificar-nos a qualquer preço.

DINÂMICA:

Identificar qual é a pele de ovelha que uso mais freqüentemente, ou


com a qual oculto ou disfarço minhas segundas intenções:

b. Uma única motivação: O Reino de Deus

A pureza de intenção existe quando se atua por uma única mo-


tivação, sem segundas intenções, buscando um só objetivo na vida.
Para consegui-Ia, Jesus insistiu na necessidade de uma hierarquia de
valores, onde um deles estivesse acima de todos os demais. O segre-
do da vida em plenitude do Mestre, baseou-se em que estava anima-
do por uma motivação: o zelo da tua casa me consome (]o 2,17). Não

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tinha, senão, um alimento: fazer a vontade do Pai 004,34), que con-
sistia em anunciar e instaurar o Reino de Deus neste mundo. Em
torno disso girava todo o seu ministério.
A seus discípulos e amigos, ele revelou o grande segredo da vida
plena: "somente uma coisa é necessária" (Lc 10,42). Mais adiante
definiu a que se referia: Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua
justiça (Mt 6,33). Tudo o mais é considerado um simples acréscimo.
Assim, o Reino de Deus converte-se no valor supremo, do qual de-
pende toda a vida do Mestre. Portanto, esta deve ser a motivação
única e o objetivo exclusivo de cada um dos seus seguidores.
Mas, o que é este Reino? O mistério do Reino foi expressado com
tal variedade de imagens, que é impossível defini-Io num único
modelo. É um mistério que cada um há de ir descobrindo dentro de
si mesmo, de tal modo que se componha o arco-íris das caracterís-
ticas mencionadas nas parábolas evangélicas. Não obstante, o essen-
cial é que está acima de tudo o mais.
Quando Paulo o encontrou, exclamou: Tudo tenho como esterco,
em comparação com o conhecimento de meu Senhor Jesus Cristo, por
quem tudo perdi (FI 3,8). Inclusive sua vida e até sua morte estavam
a serviço do Reino, como disse: Para mim, a vida é Cristo e a morte
é lucro (Fl1,21). Havia encontrado sua razão de viver e o sentido para
toda a sua existência!
Na parábola do mercador de pérolas fala-se expressamente que
ele encontrou "uma". Essa foi a singularidade do seu achado e o que
mereceu a focalização de toda a sua atenção e sua vida. Enquanto
não se encontre "essa" pérola, se terá muitas outras, porém nenhuma
que se aproxime àquela em termos de valor (Mt 13,45).
Um valor acima de todos os demais, é como o sol que origina o
sistema planetário e o mantém em harmonia. Sem este valor supre-
mo, tudo converter-se-ia em caos e confusão. Se bem que o caminho
e a porta sejam estreitas, o jugo e a carga do Mestre são leves, sempre
que a vida se apóie na plataforma de um valor que dê sentido a todo
o resto da existência.
o Mestre nos revela o sentido da existência, ensinando-nos a viver
em plenitude, quando afirma: onde está o teu tesouro, aí está tam-
bém o teu coração (Mt 6,21). Porém, quando não encontramos esse
tesouro, andamos à deriva, levados por todos os ventos, com a inse-
gurança de não saber para onde vamos. Falta-nos, precisamente, a

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direção única de vida, que se sobreponha a todos os nossos interes-
ses. A maior parte dos nossos problemas emocionais tem origem na
inexistência de uma hierarquia de valores e prioridades na vida. Há
muitos tesouros, mas como só temos um coração, este se divide. Os
desequilíbrios psicológicos provêm de querer tudo ao mesmo tempo,
e não se estar disposto a pagar o preço de uma escolha. O neurótico
pretende que sua flecha acerte em vários objetivos de uma só vez,
provocando assim uma tensão que acaba com a mais robusta saúde
mental.
Quem encontrou o tesouro, vende com alegria todos os seus
outros valores. E mais, o texto grego do Evangelho dá a entender que
o achado é "a causa da alegria" que leva a vender os seus bens. Tudo
passa a um segundo plano: a fama, as recompensas humanas, a ri-
queza e até os êxitos pastorais. Tudo está submetido à supremacia
absoluta do Reino.
Quando Jesus afirmava que o caminho da salvação era estreito,
jamais disse que estava cheio de pedras e de obstáculos, mas que
não convinha levar excesso de bagagem, porque a porta era demasi-
adamente pequena e não havia lugar para o que o mundo considera
riqueza.
Toda opção implica, necessariamente, uma renúncia. Quem não
está disposto a sacrificar o secundário, nunca possuirá o essencial,
verdadeiramente. Quem não pagar este preço, jamais gozará do Reino.
No "baseball", existe uma estratégia muito significativa que se
chama "fly" de sacrifício, ou levantamento de sacrifício, que ocorre
quando um jogador está na terceira base; quem rebate, golpeia a
bola o mais alto e distante possível para que o seu companheiro
possa chegar à "home", Ele se sacrifica, saindo do jogo, contanto que
outro consiga anotar uma corrida.
Assim também na conquista do Reino algo necessariamente se
deve perder. Jesus expressa-o claramente na parábola da rede, onde
existem peixes bons e maus. Enquanto os bons são guardados, os
outros são lançados fora (Mt 13,47-50). Não se pode ficar com todos
os peixes da rede ...
Assim, pois, a hierarquia de valores não só significa uma ordem,
senão que implica, ao mesmo tempo, a renúncia a tudo que não vá
na direção da prioridade fundamental. Há ruas e avenidas nas quais
não se pode transitar nos dois sentidos. O caminho do discipulado

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também tem um só sentido. Não admite nem distrações, nem muito
menos voltar a vista para os alhos e cebolas do Egito. Esta atitude
não é condição para encontrar o Reino, mas conseqüência necessá-
ria de tê-lo achado.
A pureza de intenção, que consiste em agir só pelos motivos e
interesses do Reino, é uma moeda que tem duas caras: de um lado
encontra-se a direção única que a vida vai tomar; do outro, renunciar
a tudo aquilo que nos pode desviar.
Nossa intenção, ou melhor dito, nossa pureza de intenção, deter-
mina o valor das nossas ações. O mais importante não é o que rea-
lizamos, mas, por que e para que o fazemos. Assim é que, sobre os
limpos de coração, pende a mais bela das bem-aventuranças:
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus (Mt
5,8).
O primeiro passo para se obter a pureza de intenção é identificar
as principais motivações que determinam a nossa vida: os interesses
e razões do nosso agir e ser neste mundo. Uma vez descobertas, deve-
se colocá-Ias na ordem hierárquica de valores, ou sacrificar-se em
relação ao Reino.

DINÂMICA:

Imagina-te percorrendo o caminho da vida, carregando cinco male-


tas, que são os cinco interesses ou propósitos que, alternadamente,
motivam a tua vida. Identificá-Ios com duas ou três palavras. Exem-
plo: adquirir um posto de autoridade, ganhar fama, servir aos pobres,
amar, dar glória a Deus, evangelizar ...
Maleta n° 1:
------------------------------------------
Ma leta n° 2: _
Maleta n° 3: _
Maleta n° 4: _
Maleta n° 5: _

Nesta viagem, ao passar pela alfândega, tens que deixar uma destas
maletas. A qual delas renunciarias?

!O8
Já cansado com tanta carga, e para ser capaz de seguir adiante, há
que abandonar mais uma. Qual deixarias?

Em seguida, vais passar um rio num pequeno bote, no qual só podes


levar duas maletas. Qual delas deixarias na margem?

Por último, para ingressar no Reino, somente é permitido levar uma


maleta na mão. Qual das duas que te restam escolherias para entrar?

Este é "teu reino" que está acima de tudo. Para que, em verdade,
assim seja, há que se responder a duas perguntas:
- Este reino está de acordo com as características propostas nas
parábolas do Evangelho de Jesus?

- Estarias disposto a que essa fosse a única motivação, excluindo


todas as demais?

c. Por que Deus nos purifica?

o ouro e a prata passam por um longo processo de purificação.


o entanto, os diamantes não podem ser purificados. No nosso caso,
isto significa que há áreas em nossa vida nas quais podemos fazer
algo para sermos purificados, porém existem outras que não depen-
dem de nós, mas tão somente da ação santificadora do Espírito San-
to. Somos livres para aceitar ou para repelir que o Senhor nos lave os
pés, porém nada podemos fazer para que nos lave as mãos e a cabe-
ça. Isto depende unicamente d'Ele e do seu plano sobre nós.
A qualidade de um metal se estriba em estar livre de toda mescla
de qualquer outro elemento. Assim, o ouro e a prata são puros quan-
do não contêm nenhuma liga. Certamente um diamante puro é muito
mais valioso que a soma de mil impuros. A pureza é considerada a
qualidade por excelência.
Deus nos purifica por duas razões, basicamente: porque o neces-
itamos, e pela missão que nos tem reservada.

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• Porque precisamos

o Senhor nos purifica pela simples razão de que precisamos.


Ninguém pode afirmar que não precisa ser purificado. Nossos pés se
empoeiraram nos caminhos da vida e precisamos ser lavados com
água ou purificados com fogo abrasador. Sobretudo, quando se levou
uma vida cheia de sensualidade e materialismo, é preciso mudar a
fundo e não apenas superficialmente. A conduta moral pode ser trans-
formada em um minuto, porém a mudança da mentalidade precisa
de muito mais tempo e uma metodologia especial.
Um recém-convertido pode cair na tentação de transplantar seus
antigos critérios e valores para a obra de Deus, a qual se leva a cabo
mediante métodos diferentes e até opostos aos do mundo comercial
e social.
Por outro lado, quem viveu submergido no pecado tem que pas-
sar um bom pedaço de tempo se reabilitando. Assim como os alco-
ólatras ou os drogados precisam de uma etapa de desintoxicação,
assim também quem tenha estado dependendo de valores munda-
nos necessita de uma etapa de purificação.
Maria, chamada de Madalena, da qual Jesus tirou sete demônios,
precisava de um longo período de convalescença para mudar sua
mentalidade. Apesar de seguir a Jesus, tinha necessidade de transfor-
mar seu coração.
Sua conduta mudou num instante, porém precisou de toda a sua
vida para ser completamente transformada. Jesus a foi polindo pou-
co a pouco até convertê-Ia na primeira evangelizadora que anunciou
sua ressurreição.
Se os alimentos se lavam e são até mesmo desinfetados, assim
nós temos que ser purificados por dentro e por fora para não enve-
nenar os demais, já que somos o pão que vai ser comido por eles.
Quando se compreende assim o plano de Deus, passamos pelo
forno da purificação, como os três jovens do livro de Daniel que
cantavam e louvavam a Deus. O fogo não os destruía, mas, ao con-
trário, lhes dava uma oportunidade de comprovar a sabedoria e o
poder de seu Deus.
Ao descobrir este objetivo já não se procura culpados, acabam-se
os rancores, volta a paz ao nosso coração, e se entoa um canto de
vitória por se ter encontrado libertação do fogo devorador.

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• Pela missão que o Senhor nos confere

Filho, se te dedicares a servir ao Senhor, prepara-te para a prova


(Eclo 2,1).
Todos, certamente, necessitamos da purificação, porém esta será
tanto mais profunda quanto maior for a missão, para a qual o Senhor
nos chamar. Quanto mais importante for o plano do Senhor, no to-
cante à nossa vida, tanto mais profunda será a purificação que ele
realizar em nós.
Uma pedra preciosa é polida com tanto mais esmero quanto mais
valiosa seja. Esta é a razão última da purificação que o Senhor quer
fazer em nós, e que, infelizmente, às vezes não entendemos e, por
isso, resistimos e renegamos.
Todos os grandes profetas passaram pelo forno da purificação:
- Isaías teve que ser purificado com um carvão aceso (Is 6,1-11).
- Ieremías sofreu a perseguição dos seus (Ir 20,7-12).
- Ezequiel foi julgado louco e impertinente.
- O sacerdote Arnasias colocou em tela de juízo o ministério do
profeta Arnós (Arn 7,12-15).
Porém, o exemplo mais evidente é o de Saulo de Tarso: poucos
foram tocados pela purificação como ele. Como bom fariseu e estrito
cumpridor de toda Lei, era irrepreensível e gozava de todas as rega-
lias da estrutura religiosa. Porém, ao aceitar Jesus Cristo como seu
Salvador e Senhor, renunciou a qualquer outra vantagem de tipo
humano, inclusive religiosa. Desse modo, perdeu imediatamente seu
prestígio diante de seus antigos colegas, que o tacharam de traidor e
o expulsaram da sinagoga. E o pior é que não foi aceito pelos santos
cristãos de Jerusalém: estes não acreditaram na sinceridade de sua
conversão e, para evitar problemas, o afastaram da comunidade. Ele,
que havia recebido diretamente do Cristo o encargo de evangelizar
Reis e Príncipes, sendo a luz dos gentios, teve que passar por um longo
período de desintoxicação da Lei no deserto da Arábia e, depois, na
lidão de Tarso. No entanto, as circunstâncias o obrigaram a se escon-
r em algum árido deserto ou num obscuro vilarejo da Cilícia.
Para chegar a ser o maior evangelizador da Igreja teve que ser
cado durante muitos anos e de diversos modos antes de come-

III

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