Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Uma lei é bem avaliada pela sua capacidade de dar solução aos problemas que moti-
varam a sua criação. Mas não apenas isso. Ainda que sob o amparo da mais rigorosa
técnica, a solução trazida pela lei não pode estar dissociada do senso comum no sen-
tido de que seja pertinente e justa.
Não que se possa pretender agradar a todos os que estejam sob o alcance da lei,
pois, no contexto de uma sociedade complexa e heterogênea, tal meta se mostraria
intangível. Contudo, nas democracias contemporâneas, ao contrário de se esperar que
o direito se imponha pela força, é possível almejar que a aceitação social geral seja o
principal fator de legitimação das decisões emanadas pelo Estado.
A qualidade de uma lei está, portanto, intrinsecamente vinculada às suas relações com
a realidade social.
Assim atuando, o legislador cuida para que as decisões legislativas sejam percebidas
como sendo o resultado de um processo legislativo bem informado e equitativo. Afinal,
mais do que a satisfação pessoal trazida por determinada regra, a confiabilidade no
processo pelo qual tal regra foi construída é capaz de promover melhor a sua aceitação,
em um sentido moral, pelo conjunto da sociedade.
1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1993.
15
Sob tal aspecto, também não é suficiente que a ação do legislador se dê com estrita
ICMS Solidário 2016
À luz da Legística, a lei, por lidar com uma realidade em constante transformação, sub-
mete-se a uma dinâmica própria, devendo estar sujeita a ajustes e adequações sempre
que as circunstâncias o exigirem. Ou seja, cumpre avaliar diuturnamente se a lei está
em consonância com a conjuntura social e econômica para que os seus propósitos não
sejam desvirtuados ou tornados improfícuos. É o caso das leis formuladoras das polí-
ticas públicas, por exemplo, que, por sua própria natureza, caracterizam-se pela pro-
visoriedade, uma vez que animadas por metas a serem alcançadas em determinados
prazos. Impõe-se, nesse caso, que estejam submetidas a monitoramento constante, o
que pode levá-las, em qualquer tempo, ao reexame pelos legisladores, de modo a se
assegurar a eficácia do seu alcance. Nesse sentido, Wintgens (2013) afirma que o papel
do legislador na produção do direito assume singular importância.
2 CHEVALLIER, Jacques. A racionalização da produção jurídica. Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, n. 3, p. 9-23, jan./mar. 1992.
3 Segundo o autor, tal abordagem refere-se ao esforço para alcançar, por tentativas sucessivas, o melhor equilíbrio possível entre os diferentes
interesses sociais.
16
[...] uma teoria jurídica legiferante, em contraponto à abordagem mais
Para se avaliar o potencial – ou a capacidade – que uma lei tem para atingir os pro-
pósitos almejados, a Legística dispõe do recurso denominado avaliação de impacto
legislativo, que pode ser realizada tanto na fase de elaboração do texto legal (avaliação
de impacto perspectivo ou ex-ante), como após a entrada da lei em vigor (avaliação
retrospectiva ou ex-post).
[...] devem ser respondidas perguntas como: qual o benefício que tal
projeto, se aprovado, trará ao público; como o programa governamen-
tal deve ser definido e como será administrado; quais os incentivos
envolvidos para o alcance do objetivo pretendido e quais consequên-
cias esperadas ou inesperadas podem advir; quais os recursos ne-
cessários para o desenvolvimento do que se pretende; como será a
avaliação da execução do programa. (MENEGUIN, 2010, p. 5).
4 WINTGENS, Luc J., OLIVEIRA-LALANA, A. Daniel. The rationality and justification of legislation: Essays in Legisprudence. Tradução de Ana Luz
Ledic. Switzerland: Springer, 2013.
“[…] A legisprudential theory of law in contradistinction to the widespread jurisprudential approach no longer takes for granted the central
position of the judge as the main legal agent. It aims instead to enlarge the spectrum of legal theory as the meta-theory of legal science by
including the legislator as a legal agent thus downplaying his mainly political role in lawmaking”.
5 MENEGUIN, Fernando B. Avaliação de impacto legislativo no Brasil. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, 2010.
17
Os métodos preconizados pela Legística têm sido utilizados em diversos países, tais como
ICMS Solidário 2016
Alemanha, Suíça, Holanda, Bélgica, Reino Unido, França, Portugal, Estados Unidos, Canadá,
entre muitos outros, e foram mais amplamente divulgados com a publicação do tratado de
legística, do professor suíço Peter Noll, em 1973. A própria Comunidade Europeia, tendo
lançado um projeto batizado de “legislar melhor” (COMMISSION EUROPEENNE, 2001)6,
adota um modelo de “governança europeia”, que envolve a parceria entre os diversos ní-
veis de tomada de decisão (europeu, nacional, local, regional) e a participação de diversos
tipos de atores (órgãos institucionais, parceiros sociais, coletividades, associações, mídias,
universidades, grupos de pressão, experts), tanto para a produção do ordenamento jurídico
comunitário como para a produção jurídica interna dos países-membros (PAPADOPOULOS,
2012)7. Na França, por exemplo, a necessidade de submeter as proposições de lei à avalia-
ção de impacto legislativo configura um imperativo constitucional (FRANCE, 2009)8.
18
REFERÊNCIAS
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1993.
19