Você está na página 1de 10

Canções das três primeiras décadas do século XX

Luar do sertão
Catulo, melodia de João Pernambuco, 1913

Oh, que saudade do luar da minha terra


Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão!
Este luar, cá na cidade tão escuro,
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão.

Não há, oh, gente, oh, não


Luar como esse do sertão!

Se a lua nasce por detrás da verde mata


Mais parece um sol de prata
Prateando a solidão!
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer do coração!

Cristo nasceu na Bahia


Sebastião Cirino e Duque, 1927

Dizem que Cristo


Nasceu em Belém
A história se enganou
Cristo nasceu na Bahia, meu bem
E o baiano criou
Na Bahia tem vatapá
Na Bahia tem caruru
Moqueca e arroz-de-auçá
Manga, laranja e caju

Cristo nasceu na Bahia, meu bem


Isto sempre hei de crer
Bahia é terra santa, também
Baiano santo há de ser

Carinhoso
Pixinguinha, 1917?, letra de João de Barro, 1937

Meu coração, não sei por quê


Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim

Ah se tu soubesses como sou tão carinhoso


E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem


Vem sentir o calor dos lábios meus
à procura dos teus
Vem matar essa paixão
que me devora o coração
E só assim então serei feliz
Bem feliz

Rosa
Pixinguinha, 1917, letra de Otavio de Souza, 1937

Tu és divina e graciosa
estátua majestosa do amor
por Deus esculturada
e formada com ardor
da alma da mais linda flor
de mais ativo olor
que na vida é preferida
pelo beija-flor

Se Deus me fora tão clemente


aqui neste ambiente de luz
formada numa tela
deslumbrante e bela
O teu coração junto ao meu
lanceado, pregado e crucificado
sobre a rosa e a cruz
do arfante peito teu

Tu és a forma ideal
estátua magistral, ó alma perenal
do meu primeiro amor, sublime amor!
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
que em todo o coração
sepultas o amor
o riso, a fé, a dor
em sândalos olentes
cheios de sabor
em vozes tão dolentes
como um sonho em flor

És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
em todo o resplendor da santa natureza

Perdão se ouso confessar


que eu hei de sempre amar-te
Ó flor, meu peito não resiste
Ó meu Deus, o quanto é triste
a incerteza de um amor
que mais me faz penar
em esperar
em conduzir-te um dia ao pé do altar!

Jurar aos pés do Onipotente


em prece comovente de dor
e receber a unção de tua gratidão
depois de remir meus desejos
em nuvens de beijos
hei de te envolver
até meu padecer
de todo fenecer

Pelo telefone
Donga, Mauro de Almeida (?)
Gravação em 1917

O Chefe da Folia
Pelo telefone manda me avisar
Que com alegria
Não se questione para se brincar

Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhe


Pra não tornar a fazer isso
Tirar amores dos outros
Depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, Sinhô, Sinhô


Se embaraçou, Sinhô, Sinhô
É que a avezinha, Sinhô, Sinhô
Nunca sambou, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
De arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse

Ah! Ah! Ah!


Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso Carnaval sem rival

Se quem tira o amor dos outros


Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado
Queres ou não, Sinhô, Sinhô
Vir pro cordão, Sinhô, Sinhô
É ser folião, Sinhô, Sinhô
De coração, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
De arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

Quem for bom de gosto


Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto

Ai, ai, ai
Dança o samba
Com calor, meu amor
Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
Não quero saber mais dela
Sinhô - 1927

- Por que foi que tu deixaste


Nossa casa na favela?

- Não quero saber mais dela


Não quero saber mais dela
- A casa que eu te dei
Tem uma porta e uma janela

- Também não quero saber mais dela


Também não quero saber mais dela

- Português, tu não me invoca


Me arrespeita, eu sou donzela
Não vou na sua potoca
Nem vou morar na favela

- Eu bem sei que tu és donzela


Mas isto é uma coisa à toa
Mulata, lá na favela
Mora muita gente boa

- E aquela crioulinha
Que tu dava tanto nela?

- Não quero saber mais dela


Não quero saber mais dela

- E aquela portuguesa
Que tu te casou com ela?

- Também não quero saber mais dela


Também não quero saber mais dela

Jura
Sinhô, 1928

Jura, jura, jura


Pelo Senhor
Jura, pela imagem
Da Santa Cruz
Do Redentor
Pra ter valor
A tua jura

Jura, jura, jura


De coração
Para que um dia
Eu possa dar-te
O meu amor
Sem mais pensar
Na ilusão

Daí então
Dar-te eu irei
O beijo puro
Da catedral do amor
Dos sonhos meus
Bem junto aos teus
Para fugirmos
Das aflições da dor.

Batuque na cozinha
João da Baiana, 1927
Não moro em casa de cômodo
Não é por ter medo não
Na cozinha muita gente
Sempre dá em alteração

/Batuque na cozinha sinhá não quer


Por causa do batuque eu queimei meu pé/

Então não bula na cumbuca


Não me espante o rato
Se o branco tem ciúme
Que dirá o mulato

Eu fui na cozinha pra ver uma cebola


E o branco com ciúme de uma tal crioula
Deixei a cebola, peguei na batata
E o branco com ciúme de uma tal mulata

Peguei no balaio pra medir a farinha


E o branco com ciúme de uma tal branquinha

Então não bula na cumbuca


Não me espante o rato
Se o branco tem ciúme
Que dirá o mulato

Eu voltei na cozinha pra tomar um café


E o malandro tá com olho na minha mulé
Mas comigo eu apelei pra desarmonia
E fomos direto pra delegacia
Seu comissário foi dizendo com altivez
“É da casa de cômodos da tal Inês,
revistem os dois, botem no xadrez
malandro comigo não tem vez”

“Mas seu comissário eu estou com a razão


eu não moro na casa de arrumação
eu fui apanhar o meu violão
que estava empenhado com o Salomão

Eu pago a fiança com satisfação


Não me bota no xadrez com esse malandrão
Que faltou com o respeito ao cidadão
Que é paraíba do norte, maranhão”

Você também pode gostar