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E S T AD O D E M I N A S S Á B A D O , 2 D E O U T U B R O D E 2 0 1 0

GERAIS ESPECIAL

TIÃO ROCHA

Educador
Criador de projeto
que ignora normas
convencionais de
ensino fala de sua
experiência em
benefício das
sem escola
crianças e que JACKSONROMANELLI/EM/D.A PRESS

ganhou mundo

MAURÍCIO LARA

Q uando começou a frequentar


escola, aos 7 anos, o antro-
pólogo e educador popular
Sebastião Rocha sentiu o
primeiro incômodo na aula em que a
professora falava de reis e rainhas. Ele
tentou contar que sua tia também era
uma rainha, no caso, do congado, mas
a professora não deu ouvidos. Ele teve
que se calar. Vida afora, tentou outras
vezes falar da tia rainha em sala de aula
e ninguém dava importância. “No curso
de história, estudei sobre reis e rainhas”,
lembra Tião Rocha, que queria mesmo
era conhecer histórias como a da tia
rainha. Depois, estudou antropologia,
encontrou a cultura popular e mudou o
rumo de sua trajetória. Para o incansável

“O que eu estudava parecia que Tião , na busca da transformação social, é importante conhecer a história de cada um
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não era minha vida. Tomei a decisão de com um pedaço de madeira, palha de bananeira
romper”, explica. O passo seguinte foi deixar e arame, a peça mostra uma criança empinando
a universidade em que lecionava e fundar o uma pipa, que é praticamente uma extensão do
Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento braço. Já era o resultado das unidades produtivas
(CPCD), há 26 anos, na casa em que nasceu, da cooperativa Dedo de Gente, outra obra de Tião
no Bairro Santa Tereza. “Não me interessa a Rocha.
história como a da burguesia e das revoluções Em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha,
antes de conhecer a história dos meus alunos”, o desafio era melhorar a aprendizagem da
diz ele, que insiste na afirmação inspirada no meninada, porque só 3,3% dela atingiam o grau
Grande sertão: veredas, de João Guimarães de suficiência pelas medições oficiais. “Montamos
Rosa: “Professor é aquele que ensina e educador uma UTI educacional”, conta. Um exemplo
é o que aprende”. Por isso, informa ele, o CPCD das ações surgiu, segundo ele, da conversa
“é movido a perguntas”. com uma moradora que fazia biscoito de goma,
Tião Rocha viajou para Curvelo, justamente que ela chamava de “biscoito escrevido”, pela
em busca dos personagens roseanos. Lá, fez forma final do biscoito. Pois foi fazendo biscoito
a pergunta: “De onde sai tanto menino?”. E escrevido que os meninos aprenderam a escrever
ouviu a resposta óbvia: “De onde saem todas as o próprio nome. O prêmio era comer o biscoito.
crianças”. Mas, para a pergunta seguinte não “Aprenderam rapidinho a escrever o nome”,
havia resposta: “Para onde vão tantas crianças?”. diverte-se o educador, lembrando que era melhor
Por essa época, começou o Projeto Sementinha, para os que tinham nome com muitas letras,
que funcionava, literal e metaforicamente, porque o biscoito ficava maior. E ele tem um
debaixo do pé de manga. Ele se perguntava se monte de outras histórias para contar.
era possível fazer educação sem escola e tinha “Tiramos aqueles meninos da UTI ou da
dúvidas; mas tinha certeza de que não era morte cívica do analfabetismo precoce”, garante.
possível fazer educação sem bons educadores. O caminho, na avaliação dele, é criar uma
Membros da comunidade começaram a plataforma a partir dos recursos disponíveis,
discutir educação em uma roda, debaixo de para transformar a realidade. O objetivo é chegar
qualquer árvore. E a buscar respostas para as ao outro extremo, de cidade educativa. Tião
perguntas que iam surgindo. Será que a criança Rocha questiona o Índice de Desenvolvimento
poderia aprender brincando? Veio, então, o Humano (IDH) e sugere o Índice de Potencial
projeto Ser Criança. Para Tião Rocha, função de Desenvolvimento Humano (IPHD), no qual
de menino é brincar, como a de passarinho as palavras principais seriam acolhimento,
é voar. “A ideia dos encontros era criar um convivência, aprendizagem e oportunidade.
ambiente amplo de participação. Construímos Aos 62 anos, Tião mantém a trajetória
o que chamamos de ‘pedagogia da roda’. Virou escolhida há 26 anos – “quero fazer transformação
projeto e, depois, política pública.” Na busca social” – e afirma que fechou a equação da tia
das respostas, outras pedagogias vieram: do rainha do congado, que tanto o intrigara, a
brinquedo, do sabão, do abraço. partir da importância da história de cada pessoa.
Hoje, quando as atividades do CPCD estão Ressalva que há sempre “um contrafluxo puxando
espalhadas por 25 municípios de cinco estados para trás”, mas quer continuar. “É preciso ousar,
(Minas, Bahia, Espírito Santo, São Paulo e ir além, dar mais um passo.” Para ele, é preciso
Maranhão), além de Angola e Moçambique, “teimosia e permanência constantes”.
o educador mostra, com orgulho, a pequena e
simbólica obra de O menino passarinho, criada n www.cpcd.org.br
em Curvelo, por Marquinho, aos 11 anos. Feita

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