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A Contabilidade do Terceiro Setor

Conceitos - Procedimentos

Luiz Antonio Camboim Felix


Fortaleza - CE

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2019

Sumário
I. Introdução ....................................................................................................................................................... 3

II. O que é o Terceiro Setor ............................................................................................................................ 4

III. O Surgimento das Organizações Não Governamentais ................................................................ 10

IV. O Terceiro Setor no Brasil ..................................................................................................................... 11

V. Desenvolvimento sustentável: oportunidade histórica para o Terceiro Setor ........................ 17

VI. O Terceiro Setor e sua importância para as políticas públicas ................................................. 23

VII. Os efeitos do termo de parceria celebrado entre o poder público e as organizações não
governamentais qualificadas como OSCIPs............................................................................................ 26

VIII. O Surgimento das Organizações Não Governamentais no Brasil e a celebração do


Convênio............................................................................................................................................................. 27

IX. A Lei do Terceiro Setor ............................................................................................................................ 29

X. O Termo de Parceria ................................................................................................................................. 32

XI. Recursos para formação do Patrimônio Social ............................................................................... 35

XIII. Bibliografia ............................................................................................................................................... 41

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As organizações do Terceiro Setor: para que servem,
o que fazem

I. Introdução
As organizações da sociedade civil, cuja história em nosso país se inicia com a colonização,
sempre prestaram um relevante serviço público, porém de forma pontual e modesta frente
às atividades governamentais. Entretanto, uma verdadeira revolução vem ocorrendo na
sociedade civil organizada para atender, de forma mais marcante, as demandas insatisfeitas
na área social e para provocar mudanças em nossa sociedade.
São inúmeros os casos de organizações do Terceiro Setor que se expandiram muito além de
suas pretensões iniciais, tendo em vista a enorme carência e oportunidades de prestação de
serviços sociais para a população. O surgimento de um número considerável de
organizações estruturadas por iniciativas de cidadãos – fora do aparato formal do Estado,
sem fins distributivos de lucros, autogovernadas e envolvendo indivíduos motivados a servir
ao seu semelhante, muitas vezes de forma voluntária – criou massa crítica para
caracterizar, pela sua quantidade e importância na área social, um setor específico de
atividades humanas.
A denominação “Terceiro Setor” surge de uma análise mais profunda das atividades dessas
organizações. Recebeu essa denominação por englobar atividades que não estão dentro da
órbita de atividades governamentais e, muito menos, se identificam com as atividades
privadas, sejam do setor agrícola, industrial ou do setor de serviços, como são
tradicionalmente definidas pela metodologia das contas nacionais. Antes de ser conceituado
como um setor, as organizações da sociedade civil eram definidas por exclusão, ou seja,
eram não governamentais e não lucrativas. Entretanto, são organizações que, embora não
tenham as características de apropriação privada de lucros, podem gerar superávits, que
prestam um serviço público e que sobrevivem basicamente da transferência de recursos de
terceiros, sejam famílias, governo ou empresas privadas. Por não se enquadrarem dentro
das categorias das atividades estatais ou das atividades de mercado, passaram a ser
identificadas como um Terceiro Setor.
O Terceiro Setor se desenvolveu com tal velocidade que, praticamente, vem estimulando a
criação de um novo mercado de trabalho para alimentar suas necessidades de profissionais
especializados na área. Este mercado vem crescendo tanto para as suas atividades-fim
como para suas atividades-meio.

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II. O que é o Terceiro Setor
O Terceiro Setor é constituído por organizações criadas por iniciativas privadas que geram
bens e serviços de caráter público. Essa característica marcante do Terceiro Setor é que o
distingue dos outros dois setores tradicionais: o Estado e o mercado. Essa distinção baseia-
se em uma visão conceitual da sociedade em que se dá relevância às possíveis formas de se
constituir organizações.
Antes de tal concepção, a conceituação do Terceiro Setor utilizava o recurso da negação.
Assim, utilizava-se a denominação de “não lucrativas” ou “não governamentais” para se
chamar a atenção de que existia um conjunto de organizações que não se encaixavam nas
concepções de organizações governamentais e do mercado. Essa concepção pela negação
tinha também o propósito de chamar a atenção para características próprias de tais
organizações. No caso da denominação de “não lucrativas”, a preocupação era mostrar que
nem todas as organizações têm como finalidade última a busca do lucro. Falava-se então,
que tais organizações tinham como objetivo último a promoção do bem aos indivíduos e a
coletividade e, não, a acumulação de capital, como acontece no setor de mercado. Se esta
definição pela negação tinha o propósito de chamar a atenção para uma distinção
econômica do setor, a outra definição pela negação, ou seja, “não governamentais” tinha
um claro propósito político. A partir dessa definição, passou-se a se falar nas ONGs
(organizações não governamentais) como organizações que se opunham às políticas
estatais, principalmente no que dizia respeito aos direitos dos cidadãos, ao processo de
concentração de renda e à ausência de políticas ambientalistas. Além dos protestos de tais
organizações, que se intensificaram no Brasil durante o período ditatorial, as ONGs tinham
uma agenda propositiva, tanto política – em que se destacava a luta pela liberdade
democrática –, quanto econômica – ao propor modelos alternativos de desenvolvimento
econômico com cunho distributivo de renda.
Qual era a grande barreira para se conceituar o Terceiro Setor? Por que o Terceiro Setor
não tinha visibilidade e não era reconhecido como um setor com características próprias?
Os estudiosos, atualmente, reconhecem que o Terceiro Setor se constituiu muito antes do
Estado e do mercado, sendo reconhecido por muitos teóricos como sendo, historicamente, o
primeiro setor. O registro de iniciativas organizadas de seres humanos para atender os mais
necessitados é encontrado tanto na Grécia como na Roma antiga. No Brasil, as primeiras
iniciativas na área partiram da Irmandade de Misericórdia, com a criação das Santas
Casas, a primeira datando de 1543, estabelecida em Santos, São Paulo, e que tinham como
principal finalidade atender aos enfermos e alimentar os famintos.
Assim como o oxigênio, que sempre existiu no ar, mas que somente foi identificado por
Lavoisier no século XVIII, o Terceiro Setor, apesar de sua existência secular, não era
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reconhecido como um setor com características próprias. Se o oxigênio é fundamental para
a vida, o Terceiro Setor tem sido o elo principal da vida em sociedade. Daí a importância do
reconhecimento de sua existência.
A maior barreira para se conceituar o setor originava-se no fato da sociedade ser vista a
partir de um conceito puramente econômico. A teoria econômica construiu um paradigma
sobre a estrutura setorial da sociedade que resultou nas Contas Nacionais – o registro
contábil dos bens e serviços finais produzidos em um país durante um determinado ano.
Nas Contas Nacionais as atividades econômicas são classificadas em três grandes setores,
denominados genericamente de: agricultura, indústria e serviços. Pois bem, sendo o
Terceiro Setor um setor que majoritariamente oferece serviços à população, ele aparece no
setor serviços, misturado com os serviços oferecidos pelo governo e pela iniciativa privada.
Assim, uma escola pública ou privada não é distinguida de uma escola pertencente ao
Terceiro Setor, uma vez que todas oferecem um serviço que tem características comuns, ou
seja, educação.
Este forte paradigma não permitia que se vissem as características peculiares das
organizações do Terceiro Setor. Kuhn (1988) afirma que a predominância de um paradigma
dificulta o avanço do conhecimento científico e, somente quando os conceitos não
conseguem explicar a realidade, é que surge um novo paradigma, que tende a substituir o
velho.
Foi exatamente o que aconteceu, no final dos anos 80 e início dos anos 90, quando se
começou a questionar as razões pelas quais o Terceiro Setor não era identificado nas
Contas Nacionais. Embora o setor tenha sido identificado, já em 1987, em um clássico
artigo de Marc Nerfin que trazia o sugestivo título “Nem príncipe, nem mercador: cidadão –
uma introdução ao Terceiro Sistema” foi somente com a publicação do, já clássico, livro
“The emerging sector: an overview” (SALAMON; HELMUT, 1994), que se conceituou um
“Terceiro Setor” que agrega um grande complexo de instituições, que se diferenciam
daquelas que constituem o Estado e o mercado, ou o setor público e o privado. Segundo os
autores, esse setor é composto por: “(a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do
aparato formal do Estado; (c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas
atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; (d) autogovernadas;
(e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário.”
Essa definição procura chamar a atenção para as características peculiares das
organizações do Terceiro Setor, inclusive para o fato de que elas podem, sim, ser lucrativas,
sob a condição de que o lucro não seja apropriado, como ocorre no setor de mercado, mas,
sim, utilizado para viabilizar as atividades fim da organização. Essa afirmação aponta para
a necessidade do setor ter uma denominação própria, eliminando o uso do termo “não
lucrativo”. A partir de então, o setor vem recebendo diferentes denominações, tais como: o
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setor independente, o setor do voluntariado, o setor da caridade e Terceiro Setor. No Brasil,
esta última denominação acabou prevalecendo e sendo adotada. Hoje o Terceiro Setor é
amplamente citado com um dos pilares de nossa sociedade. A conceituação do Terceiro
Setor, sua mensuração e a constatação de sua importância social e econômica resultou em
uma importante mudança na concepção da base organizacional de nossa sociedade. O
modelo bissetorial, composto pelos dois grandes conjuntos de organizações públicas e
privadas, cedeu lugar para um modelo trissetorial.
Os desenhos a seguir ilustram essa importante mudança, com o reconhecimento da
existência de um Terceiro Setor.
O modelo trissetorial ilustra que entre os três setores, aos pares, existem áreas em comum
que podem ter diversos significados. Como exemplo, podemos dizer que a área comum entre
o Terceiro Setor e o mercado seria formada por organizações que os estudiosos ainda
discutem se pertencem ao Terceiro Setor ou ao mercado como, por exemplo, as cooperativas
e os sindicatos. Por outro lado, a intersecção pode também ilustrar a possibilidade de
parcerias entre os setores, indicando objetivos sociais comuns. Existe uma área comum aos
três setores, que pode ser utilizada para simbolizar objetivos ou ações onde existe uma
convergência de interesses. Como este modelo tem sido relacionado à busca de justiça
social, de igualdade e solidariedade, pode-se colocar, nessa área comum aos três setores, a
promoção do ser humano como objetivo máximo, em torno do qual se pautam as políticas e
ações intersetoriais. O tamanho dos círculos também poderia ser utilizado com finalidade
comparativa, como, por exemplo, para ilustrar a dimensão econômica de cada setor, em um
determinado país, Estado, região ou município. Trataremos da dimensão econômica do
setor em outra seção.
Esse modelo não tem os conceitos econômicos como referência principal. Foi elaborado a
partir de um enfoque classificatório, que tem como preocupação principal subdividir a
sociedade em setores identificados por um tipo particular de organização. Para este
objetivo, as organizações são classificadas de acordo com a natureza de seus agentes
(privados ou públicos) e quanto à finalidade última das organizações, ou seja, se elas tem
uma finalidade pública ou privada.
Os setores apresentam, individualmente, uma característica predominante que os
identificam. A característica predominante do Estado está associada ao seu poder político,
enquanto que o mercado, ou o setor privado, é facilmente reconhecido pelo seu poder
econômico. E o Terceiro Setor, o que se reconhece nele como seu maior capital? O Terceiro
Setor ganhou respeitabilidade e credibilidade por ser depositário de poder moral, sendo os
valores e princípios humanitários que movem a sua ação, seu precioso capital. Dessa
forma, a questão econômica pode afetar a vida de uma organização do Terceiro Setor, mas
sua existência depende, fundamentalmente, de sua credibilidade e do respeito que inspira
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na sociedade onde atua. A morte de uma organização é inevitável quando ela viola
princípios éticos e morais, e essas organizações, assim como as governamentais e privadas,
não estão livres de atos escusos ou de serem utilizadas para encobrir atos criminosos.
A simbologia do modelo trissetorial, representado nos círculos que se interceptam, também
pode estar associada às características de poder específicas a cada setor. Em termos de seu
poder moral, representado pelos mais nobres valores e princípios humanitários, o Terceiro
Setor pode influenciar os outros dois, assim como o poder econômico e político pode atuar
sobre o “capital” do Terceiro Setor, influenciando-o em uma direção ou outra. A força do
Terceiro Setor repousa em seu poder moral e este pode ser o principal elemento para a
construção de uma sociedade justa e igualitária. O setor privado passou a ser influenciado
por esta característica marcante do Terceiro Setor, nos últimos anos, dando origem ao
movimento da responsabilidade social empresarial em nosso país.
Finalmente, os leitores devem estar se perguntado sobre que tipos de organizações fazem
parte do Terceiro Setor. O debate sobre o conceito de Terceiro Setor apenas começou, e
teremos a oportunidade de examinarmos outros enfoques que consideram outras
concepções do que seria este setor, o que tem resultado em um riquíssimo debate entre os
estudiosos. Destacam-se, neste debate, as concepções norte-americana, europeia e
latinoamericana. Um dos pontos de divergência entre as concepções diz respeito à inclusão
ou não de determinadas organizações no setor.
O enfoque norte-americano enfatiza que o setor é constituído pelas organizações que
aparecem no lado esquerdo do quadro 2. A visão europeia se pauta nos princípios
da economia social ou solidária e inclui o Terceiro Setor em uma concepção mais ampla, ao
lado das cooperativas, das sociedades mútuas e das empresas autogeridas. Estudiosos
latino-americanos incluem no Terceiro Setor as religiões e os movimentos sociais, tendo em
vista a importância das religiões em ações sociais e da tradição dos movimentos sociais
populares em nosso continente. A não inclusão de movimentos populares pelos estudiosos
norte-americanos advém do fato de que estas manifestações de cidadania não são
formalmente constituídas, com registro em cartório e contabilidade oficial. Outro
argumento, frequentemente utilizado para a exclusão dos movimentos populares, refere-se
à sua grande instabilidade no que diz respeito à sua perspectiva de vida. Os movimentos
sociais surgem em torno de uma reivindicação como, por exemplo, a instalação de uma
escola em uma determinada comunidade; assim que esta demanda é atendida o movimento
tende a desaparecer.
A discussão em torno da visão europeia e norte-americana será aprofundada na seção a
seguir.
A necessidade de uma definição para o Terceiro Setor surgiu do fato de que, embora ele
possua características próprias que o diferencia do Estado e do mercado, ele não era
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destacado como um setor da economia, aparecendo camuflado no setor de Serviços, no
conceito das Contas Nacionais dos países.
A definição do Terceiro Setor tem gerado muita controvérsia, dentro e fora do mundo
acadêmico. Por questões práticas, o que significa ter em vista a dimensão econômica do
setor, a definição tem hoje duas correntes predominantes que procuram estabelecer as
fronteiras entre o Terceiro Setor, o setor privado e o Estado.
A corrente europeia identifica o Terceiro Setor com a economia social. A economia social
engloba os seguintes setores:
• Cooperativismo (onde se identifica a figura do trabalhador com a do empresário);
• Mutualismo (onde se identifica o uso de serviços com a adesão à organização);
• Associativismo (onde predomina a forma livre de associação dos cidadãos).

Segundo Jacques Defourny (1999), a economia social compreende todas as organizações


que, por questões éticas, seguem os seguintes princípios:
1. De colocar a prestação de serviços aos seus membros ou à comunidade acima da simples
procura por lucro;
2. De autonomia administrativa;
3. De um processo democrático na tomada de decisões;
4. A primazia das pessoas e do trabalho sobre o capital, na distribuição dos resultados de
atividades.
A linha de pensamento norte-americana, identificada com o Center for Policy Studies, da
Johns Hopkins University, define o Terceiro Setor como sendo constituído de:
a. Organizações estruturadas;
b. Localizadas fora do aparato formal do Estado;
c. Que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre os
seus Diretores ou entre um conjunto de acionistas;
d. Autogovernadas;
e. Envolvem indivíduos num significativo esforço voluntário.

Com a finalidade de exemplificar as implicações práticas dessas duas correntes, podem-se


considerar as diferenças na identificação do Terceiro Setor. A corrente norte-americana tem
como um dos elementos-chaves para a definição do Terceiro Setor, o de que ele é formado
por organizações que não são destinadas a distribuir lucros auferidos, com suas atividades,
entre seus diretores ou entre um conjunto de acionistas. Para a corrente europeia, a qual
tem como referência a busca da democracia econômica, é fundamental a inclusão de
organizações coletivas que têm como principio básico a distribuição do lucro entre os seus

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diretores e/ou associados. Assim, para esta corrente, o cooperativismo e o mutualismo se
constituem em setores-chaves para a constituição do Terceiro Setor, além do
associativismo.
Para os teóricos da economia social, o Terceiro Setor é uma oportunidade para mudar os
princípios rígidos do capitalismo e, consequentemente, se constitui no embrião de uma
nova ordem – a democracia econômica –, onde não deverá prevalecer a ideologia do lucro
sobre o atendimento das pessoas ou sobre a comunidade. Assim, a visão da economia
social vai mais em direção a uma mudança na natureza do capitalismo. Aqui, a
solidariedade seria um valor hegemônico nas relações economicossociais, ao invés de,
simplesmente, coexistir com as regras e valores capitalistas. Esta corrente coloca a
primazia das pessoas e do trabalho sobre o capital na distribuição dos resultados das
atividades econômicas. No Brasil, a chamada economia solidária vem sendo considerada
como uma prática inovadora no campo da democracia econômica, em que diversas
experiências vêm ocorrendo no campo do cooperativismo, da autogestão de empresas, do
crédito e do comércio solidário (SINGER; SOUZA, 2000).
Na visão norte-americana, o Terceiro Setor aparece como mais um setor do capitalismo,
tendo, entretanto, características próprias. É considerado como elemento-chave para a
solução dos graves problemas da era pós-industrial, assim como um elemento
indispensável para contrabalançar os inevitáveis danos sociais, ambientais e econômicos
advindos da própria natureza do capitalismo. Esta corrente não questiona o sistema
capitalista e suas regras de funcionamento. Neste caso, o Terceiro Setor assume um papel
estratégico para a permanência do sistema, uma vez que estaria cuidando de suas
“enfermidades” e, desta forma, evitando um desastre socioecológico, principalmente.
Tanto em um caso, como em outro, fica fora da definição as “ações” de caráter privado,
associativo ou voluntarista, geralmente informais. Este subsetor informal da sociedade civil
é imenso, mas impossível de ser mensurado, uma vez que as organizações não são
legalmente constituídas e não apresentam registro de suas atividades (contabilidade, por
exemplo). Apresentam uma grande dinâmica no que diz respeito a nascimento e morte, isto
é, surgem e desaparecem com grande dinamismo, sem deixar registros formais de sua
existência. Entretanto, para os estudiosos latino-americanos, este subsetor informal
corresponderia à parte submersa do iceberg do Terceiro Setor – a maior, a mais dinâmica e
a que provocaria as mudanças mais significativas na sociedade.
Considerando tanto a definição europeia como a definição da Johns Hopkins, isto é,
considerando as organizações formais, constituídas por iniciativa privada, mas voltadas
para a geração de bens e serviços de caráter público, é possível mensurar esse setor. O
conceito norte-americano foi aplicado em um primeiro momento para mensurar o Terceiro
Setor em seis países desenvolvidos (Estados Unidos, Itália, Alemanha, Inglaterra, Japão e
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França) e um país do leste europeu (Hungria), no início da década de 90. Mais
recentemente, o conceito foi aplicado em países da América Latina, África e Ásia. No caso do
Brasil, os primeiros resultados oficiais da pesquisa aparecem em uma publicação (LANDIM,
BERES, 1999) do Instituto de Estudos da Religião (ISER).
O conceito da Johns Hopkins acabou, por questão de articulação e investimento em
pesquisas de campo, prevalecendo sobre o conceito de economia social, a ponto de servir
como referência para o departamento de estatística das Nações Unidas, na elaboração de
uma metodologia de levantamento de informações das Contas Nacionais. Durante
aproximadamente quatro anos, o Centro de Estudos da Sociedade Civil da Johns Hopkins,
liderado pelo prof. Lester M. Salamon trabalhou com a Divisão de Estatísticas das Nações
Unidas para elaborar um sistema de contas satélites que permitia levantar informações
econômicas e sociais sobre o Terceiro Setor. A Divisão de Estatísticas das Nações Unidas
publicou, em março de 2002, um documento intitulado “Manual sobre instituições não
lucrativas no sistema de Contas Nacionais”, que foi testado em 12 países (o documento
pode ser acessado no endereço http://www.jhu.edu/~gnisp/). Constitui-se em um avanço
importantíssimo para que os países possam levantar, oficialmente, informações sobre o
Terceiro Setor, simultaneamente à pesquisa tradicional das Contas Nacionais. Este fato
ilustra que o novo paradigma conceitual sobre o Terceiro Setor acabou por modificar o velho
paradigma das Contas Nacionais, que não davam visibilidade a esta área.

III. O Surgimento das Organizações Não Governamentais


O surgimento das Organizações Não Governamentais doravante ONGs na esfera
internacional remonta à Segunda Guerra Mundial, quando diante das atrocidades
cometidas durante o conflito, atribuiu-se a sociedade civil a função central no processo de
reconstrução da democracia mundial[6].
Após a Segunda Guerra Mundial as ONGs constituem espaços institucionalizados com o
objetivo de garantir a paz entre as nações através do diálogo e da cooperação econômica.
Para tanto, estabeleceram-se dois planos: o “Plano Marshal”, com intenção de socorrer os
países devastados e derrotados na guerra; e o “Plano Aliança para o Progresso”, que
estabelecia programas para o combate à pobreza, estendendo aos países destruídos pela
Segunda Guerra Mundial o modelo democrático e o desenvolvimento capitalista[7].
Após a recuperação desses países em meados de 1970, as ONGs passaram a captar
recursos financeiros providos de entidades da sociedade civil com o objetivo de atender a
população mais carente dos países subdesenvolvidos. A sociedade civil estava movida pela
mentalidade terceiro mundista, corrente de pensamento político de esquerda, que considera
a divisão entre nações desenvolvidas classicamente liberais e as nações em

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desenvolvimento de grande importância política, “voltadas, a princípio, para o apoio aos
processos de descolonização dos países africanos e asiáticos e depois para a
redemocratização dos países do Sul” [8].
Deste modo, verificam-se duas gerações de ONGs na esfera internacional: as ONGs de
primeira geração, desenvolvimentistas que atuavam no desenvolvimento local das
comunidades em meados dos anos 50, e as ONGs de segunda geração, compostas de
entidades assistencialistas, influenciadas pelas políticas européias para o desenvolvimento
da década de 1970.

IV. O Terceiro Setor no Brasil


O desenvolvimento do Terceiro Setor, no Brasil, teve um importante papel na construção
sociopolítica e na democracia econômica. Ao contrário dos EUA, a sociedade civil no Brasil
era inexpressiva quando comparada à histórica influência e dominação do Estado. Durante
o século 20, o Brasil foi governado, principalmente, por ditadura, com curtos períodos de
democracia política.

Com a viabilização da democracia, em 1985, o Brasil passou do controle estatal para uma
maior participação da sociedade, sendo fortalecida com a Constituição de 1988. O poder
econômico estatal estava enfraquecido e a sociedade civil, tradicionalmente caracterizada
pela expectativa de receber todos os benefícios do Estado, começou a se organizar mais
intensivamente do que no passado, formando organizações não lucrativas. Problemas
sociais tais como a concentração de renda, desemprego, pobreza e os assustadores níveis
de violência levaram a sociedade civil a mobilizar-se. A educação foi vista como a área-
chave para a melhora do nível de emprego e, consequentemente, da qualidade de vida em
todos os aspectos. A partir da década de 80, o Terceiro Setor passou a crescer
exponencialmente, o que o caracteriza como um setor jovem, porém robusto. Para a
sociedade civil, a década representou um enorme ganho no que diz respeito à garantia dos
direitos políticos, civis, econômicos e sociais.
No início da década de 90, não se falava nesse conceito e ele não fazia parte da produção de
conhecimento sobre as organizações da sociedade civil. Agora, existe um sentimento de que
as organizações da sociedade civil pertencem a um setor e, por consequência, se deseja
saber o seu tamanho, a sua participação no PIB, na geração de empregos, o perfil do
profissional que nele atua e o tamanho de seu público direto e indireto, entre outras tantas
e importante questões. Pesquisar este universo torna-se prioridade, pois, sem essas
informações, torna-se impossível saber a sua verdadeira identidade econômico-social e,
portanto, realizar comparações com os outros dois setores: o estatal e o privado.

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Como pode um setor ser mobilizado e aperfeiçoado sem o conhecimento de sua natureza e
estrutura? O Instituto para Estudos Religiosos (ISER), do Rio de Janeiro, foi responsável
por importantes estudos pioneiros sobre o Terceiro Setor no Brasil. Em 1994, Fernandes foi
responsável por um levantamento pioneiro, focado nas características históricas do Terceiro
Setor no Brasil, que resultou no livro intitulado “Privado, porém público: o Terceiro Setor na
América Latina”.
O estudo, publicado em 1999 por Landim e Beres por intermédio do Projeto Comparativo do
Setor Não Lucrativo da Johns Hopkins, era, até recentemente, o único trabalho de
referência estatística que trata do setor não lucrativo brasileiro. Este estudo fez parte do
projeto ampliado do Center for Policy Studies da Johns Hopkins University e permite uma
comparação dos resultados obtidos com a pesquisa pioneira realizada em sete países e
publicada em 1994, por esse centro de pesquisa.
O objetivo da metodologia da Johns Hopkins era obter informações para avaliar, sob
critérios econômicos, o Terceiro Setor, principalmente, no que diz respeito a sua
participação no PIB e à geração de emprego. Outras informações importantes sobre a
natureza do Terceiro Setor também aparecem, principalmente, no que diz respeito ao seu
perfil e suas principais fontes de recursos.
Com relação ao PIB, a pesquisa realizada por Landim e Beres revelou que o Terceiro Setor
participava com cerca de 1,5% do produto do país, em moeda de 1995. Isso correspondia a
cerca de 10,9 bilhões de reais, que, para aquele ano, significava uma quantidade muito
próxima em dólares.
Com relação à pesquisa realizada nos sete países, a participação aparece no gráfico a
seguir:
Nota-se que a participação do Terceiro Setor no PIB brasileiro era bastante modesta,
quando comparada com outros países. Tendo em vista a dimensão da economia brasileira,
pode-se afirmar que o Terceiro Setor tinha possibilidades para expansão, podendo, para se
igualar à média dos países industrializados, mais que dobrar o seu tamanho.
Quando se observa o crescimento do emprego no setor, é que fica clara a sua possibilidade
de ocupar um espaço maior dentro da economia brasileira. A tabela a seguir mostra o
espetacular crescimento da população ocupada pelo setor entre os anos de 1991 e 1995.
Enquanto o crescimento da população ocupada na economia brasileira apresentou um
crescimento de cerca de 20%, no Terceiro Setor esse crescimento foi mais que o dobro, ou
seja, 44,38%.
Percebe-se o perfil do Terceiro Setor ao se examinar a distribuição daquela geração de
emprego entre suas diversas atividades. Isto pode ser observado na seguinte tabela:
Tabela 2: Total do pessoal ocupado com remuneração, segundo áreas de atividades

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Pela distribuição do emprego no setor, verifica-se que as áreas de Educação e Pesquisa,
Cultura e Recreação, e Saúde eram as mais importantes no Brasil. A área que apresentava
a mais modesta participação era a dedicada ao Ambientalismo.
O que representa a participação do Terceiro Setor no total de pessoal ocupado no Brasil em
comparação com outros países.
Nota-se que a participação do Terceiro Setor no total de pessoal empregado no Brasil está
bastante abaixo da média, indicando, novamente, que o setor tem uma grande possibilidade
de expansão na economia brasileira. Em alguns países, como no caso da Holanda, Irlanda e
Bélgica, o Terceiro Setor já representa mais de 10% do emprego.
Com relação às origens dos recursos que mantêm as atividades do setor, registrou-se que a
principal fonte, no Brasil, são as receitas próprias, que contribuem com cerca de 68% do
total. A contribuição de outras fontes pode ser visualizada no seguinte gráfico:
Era modesta a participação do governo e das doações privadas – tanto dos indivíduos como
de empresas – para a formação da renda necessária para as atividades do setor no Brasil.
Compare-se com a média apresentada para os sete países em relação à origem dos recursos
apresentada no gráfico a seguir:
Os recursos próprios são constituídos, na realidade, por taxas e pagamentos que as
organizações recebem, ou seja, receitas próprias obtidas pela venda de serviços ou outros
produtos que são produzidos em processos de geração de renda. Existe uma considerável
participação na transferência de recursos públicos naqueles países, contrastando com a
modesta participação do setor público na formação da renda do Terceiro Setor no Brasil. As
doações privadas têm uma participação mais modesta naqueles países (cerca de 10%)
quando comparadas com o Brasil, onde representam cerca de 17%.
Até recentemente, o conceito ainda não estava sendo usado nas práticas de levantamento
de dados econômicos oficiais, principalmente naqueles que se referem às Contas Nacionais.
Desde 1948, quando a contabilidade nacional foi implementada pela Fundação Getulio
Vargas, o método que vinha sendo empregado não permitia que as informações referentes
às organizações da sociedade civil pudessem ser computadas separadamente. A tradicional
metodologia das Contas Nacionais significava um forte paradigma, o qual permaneceu
intocável até março de 2002, quando o departamento de Estatística da ONU admitiu a
importância de se calcular separadamente o valor movimentado pelo Terceiro Setor. Até
então, a metodologia apresentava uma grave distorção, já que possuía uma regra para o
cômputo das organizações sociais que camuflava as suas atividades. Esta regra
determinava que, nos levantamentos estatísticos, aquelas organizações que recebessem
mais de 50% de suas receitas como doações do Estado, eram consideradas como estatais e
aquelas com mais de 50% de receita advinda das empresas ou das famílias acabavam
classificadas como sendo do setor privado. Por essa razão, nenhum país do mundo
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apresentava em separado as informações agregadas sobre o Terceiro Setor. A ONU
denominou de Conta Satélite do Setor Não Lucrativo a metodologia que, agora, orienta os
institutos de pesquisa nos países a levantarem as informações sobre as atividades desse
setor.
A batalha para substituir o velho paradigma iniciou-se nos primeiros anos da década de 90,
quando o Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade Johns Hopkins, liderado
pelo professor Lester Salamon, lançou o Projeto Comparativo do Setor Não Lucrativo, que
congregava pesquisadores de sete países e que lançava a base metodológica conceitual que
orientaria a pesquisa sobre o caráter estrutural e operacional do setor. O Projeto
Comparativo evoluiu e, recentemente, envolveu pesquisadores de 37 países. Foi pela
credibilidade, que este movimento acadêmico angariou para si, que foi possível iniciar, no
final dos anos 90, uma pressão, liderada pelo professor Lester, junto ao Departamento de
Estatística da ONU, para que o sistema de Contas Nacionais fosse reformulado, incluindo
uma nova conta específica para o Terceiro Setor. Em março de 2002, a ONU lançava o
Manual sobre Organizações Não Lucrativas do Sistema de Contas Nacionais, que passou a
ser um referencial para as pesquisas que, desde então, são realizadas sobre o Terceiro
Setor, O Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS da FGV-EAESP tornou-se um dos
protagonistas do processo para convencer o IBGE a adotar a nova metodologia. Em
setembro de 2004, o CETS, em parceria com o Centro de Estudos da Sociedade Civil da
Universidade Johns Hopkins, organizou uma reunião, em São Paulo, com lideranças dos
principais centros de estudos brasileiros, o que resultou em uma manifestação coletiva,
encaminhada ao IBGE, solicitando que fosse considerada a possibilidade de se incluir nas
Contas Nacionais a participação das organizações sociais.
O IBGE adotou a metodologia da ONU para o levantamento de informações sobre o setor
nas pesquisas censitárias realizadas pelo instituto, implementando, dessa forma, uma
conta específica para o Terceiro Setor na contabilidade nacional de nosso país. Com essa
decisão, o Brasil se juntou a outros 12 países (Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá,
Republica Tcheca, França, Israel, Itália, Quênia, Nova Zelândia, Peru e os Estados Unidos),
que se comprometeram, nos últimos dois anos, a adicionarem às suas estatísticas
nacionais uma conta satélite do setor, revelando, finalmente, a sua natureza e importância
nas economias modernas. O Departamento de Estatística da ONU recomenda, em seu
manual, que sejam levantadas informações das organizações caracterizadas como
associações ou fundações. O manual aconselha que cada país poderá, segundo a sua
própria decisão, incluir organizações de cunho religioso, político, ou mesmo, as
organizações informais.
Adotando a metodologia da ONU e para demonstrar a sua importância, o autor coordenou a
realização de um censo do Terceiro Setor no Estado do Pará, em 2004, em que, além das
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organizações formais, foram também pesquisadas as organizações informais, assim como
aquelas vinculadas às religiões e a partidos políticos. Foram pesquisadas 2180 organizações
na região metropolitana de Belém, sendo que 1696 são formais e 484, informais. O setor
apresenta um crescimento explosivo a partir do início da década de 80, uma vez que 77%
das organizações foram criadas, desde então. São organizações pequenas, pois 82% delas
possuem até 10 colaboradores.
Somente 18% poderiam ser classificadas como de tamanho médio, pois possuem entre 11 e
100 pessoas trabalhando. Entretanto, elas ocupam 17960 pessoas, sendo que predominam
os voluntários, pois foram contabilizados 14540 nesta categoria. São 2417 os funcionários
remunerados. O setor ainda conta com 368 comissionados, 556 prestadores de serviço e
somente 79 estagiários. O voluntariado exercido no setor revela uma admirável participação
cidadã nos municípios pesquisados. Chama nossa atenção o volume de recursos
movimentados por essas organizações que atingiram 167,7 milhões de reais por ano, pois
as prefeituras dos seis municípios pesquisados, excetuando-se a de Santa Isabel,
aplicaram, juntas, em fins semelhantes, o valor de 201 milhões de reais! Os recursos
próprios respondem por 67% do total e provêm de receitas de atividades geradoras de
renda, tais como venda de serviços, jantares, bazares e festas. As doações de pessoas físicas
e jurídicas perfazem 18% dos recursos movimentados pelo setor, sendo que 10% têm sua
origem nas transferências governamentais. A principal área de atuação do Terceiro Setor,
na região metropolitana de Belém, é no Desenvolvimento Comunitário, onde se concentram
23% das organizações, o que revela uma admirável capilaridade, pois a sua presença se
nota em todas as comunidades. Essa área é secundada por Cultura e Recreação, onde
atuam 17% do universo cadastrado. Em terceiro lugar, aparece a área Associações
Profissionais, de Classe e Sindicatos, onde se concentram 15% das instituições. Religião,
Assistência e Promoção Social e Educação e Pesquisa são outras áreas importantes, já que
nelas foram encontradas, respectivamente 14% ,12% e 10%, das organizações atuantes.
Saúde, Meio Ambiente e Defesa de Direitos são atividades onde se encontra o menor
número de organizações, o que, de certa forma, é contraditório, tendo em vista que se
constituem em áreas com graves problemas.
No final de 2004, o IBGE anunciou a finalização de um estudo realizado em parceria com a
ABONG e o GIFE, intitulado “As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no
Brasil – 2002” (www.ibge.com.br). O trabalho, realizado a partir do Cadastro Central de
Empresas – CEMPRE, do IBGE, levando em consideração a metodologia da ONU para a
seleção das organizações, é um marco histórico para a análise do papel da sociedade civil
organizada na construção de uma nova realidade social brasileira, considerando que a
única referência estatística sobre o setor era o estudo realizado pelo ISER e publicado em
1999.
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Perguntas, tais como “que tipo de organizações constituem o Terceiro Setor?”, “como estão
estruturadas?”, “quantas são?”, “onde estão localizadas?”, “qual seu papel na
implementação de políticas públicas?”, “quando surgiram?”, “quanto geram de emprego e
renda?”, “qual o perfil salarial e a tendência de crescimento do setor?”, foram respondidas
revelando a pujança e o dinamismo ímpar da cidadania empreendedora.
Vale a pena citar algumas informações importantíssimas oferecidas pelo estudo. De 1996 a
2002, o número de organizações passou de 105 mil para 276 mil, registrando um magnífico
crescimento de 163%, sendo 62% das entidades criadas a partir de 1990. A maioria delas
se encontra no Sudeste (44%), concentrando-se em São Paulo (21%) e Minas Gerais (13%).
Essas organizações empregavam cerca de 1,5 milhão de pessoas em 2002, portanto,
gerando três vezes mais emprego que o governo federal. A movimentação de recursos para
pagamento de salários e outras despesas alcançou a cifra de 17,5 bilhões de reais. São
organizações pequenas, sendo que 77% delas não possuem qualquer empregado e somente
7% contam com 10 ou mais pessoas remuneradas. Com relação à estrutura do setor, o
estudo revela que as organizações religiosas correspondem a 25,5% do total, sendo
seguidas pelas entidades que se dedicam ao desenvolvimento e defesa dos direitos (16,4%) e
pelas associações patronais profissionais (16%). Cultura e recreação, assistência social,
assim como educação e pesquisa, que sempre se destacam como sendo as áreas principais
de atividades no Terceiro Setor, registram, surpreendentemente, 13,6%, 11,6%, e 6%,
respectivamente.
Cabe chamar a atenção para o fato de que se trata de um estudo baseado em dados
secundários e que necessitaram de um tratamento delicado e laborioso, não se
constituindo, portanto, em um levantamento censitário – o que seria o ideal. O estudo não
adotou plenamente a metodologia da ONU, uma vez que foram eliminadas as organizações
políticas, os sindicatos e as informais. A metodologia da ONU aconselha a inclusão das
organizações informais nos levantamentos que, em nosso continente, se constituem em um
número bastante significativo, como demonstrou o censo realizado no Estado do Pará.
Essas informações são importantes para que políticas públicas estejam voltadas para a
formalização e fortalecimento dessas organizações. Algumas informações preliminares de
uma nova pesquisa, publicada pelo IBGE em 2008, e que se refere a dados de 2005,
revelaram que o setor continua crescendo, quando comparado com as informações de 2002,
publicadas em 2004. O número de organizações passou de 276 mil para 338 mil, o que
significa um crescimento de 22,4%. O número de trabalhadores assalariados atingiu 1,7
milhão, sendo que mais da metade (57,1%) está na região Sudeste (32,4% no Estado de São
Paulo). A remuneração dos que trabalham formalmente no setor saltou de 17,5 bilhões de
reais para 24,3 bilhões de reais, representando um crescimento de 38,8% na folha de
pagamento do setor. Esta impressionante evolução do mercado de trabalho tem colocado o
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Terceiro Setor como uma 15área estratégica para a geração de emprego, pois,
caracterizando-se pela mão de obra intensiva, o seu crescimento se faz com a criação
crescente de novos postos de trabalho.
Na última década, o crescimento do setor foi explosivo no Brasil, o que pudemos constatar
por meio dessas pesquisas realizadas pelo IBGE: o número de organizações saltou de 105
mil, em 1996, para 276 mil, em 2002, atingindo o número de 338 mil em 2005!
Comparando-se com a primeira pesquisa, o crescimento, em pouco menos de uma década,
foi de aproximadamente 215%, mas que, para o último intervalo de tempo entre os
levantamentos, ou seja, três anos, nota-se uma leve desaceleração do crescimento. Embora
seja uma taxa de crescimento um pouco menor, o setor continuou em sua trajetória
ascendente, que o destaca como um dos mais dinâmicos de nossa sociedade.
Mais surpreendente foi a evolução do Terceiro Setor nos Estados Unidos, já que dos 341
bilhões de dólares, em 1990, a movimentação de recursos saltou para 1,76 trilhões de
dólares, em 2003, representando cerca de 13% do PIB americano. Esse valor coloca o
Terceiro Setor americano como a sétima economia mundial, sendo o seu tamanho superior
ao da economia brasileira, que, segundo o Banco Mundial, ocupa a sexta posição no
ranking das maiores economias.
Uma das causas para o crescimento espetacular do Terceiro Setor, em escala global, nas
últimas duas décadas, encontra-se, sem dúvida alguma, no desempenho favorável da
economia mundial. Assistimos, tanto no hemisfério norte como no sul, a recuperação das
economias após enfrentarem o que se denominou de década perdida, ou seja, os anos 80.

V. Desenvolvimento sustentável: oportunidade histórica


para o Terceiro Setor
O conceito de desenvolvimento sofreu uma evolução significativa nas últimas décadas.
Primeiramente, abandonou-se o conceito de crescimento econômico, aquele que nos dizia
que bastaria um país acumular riqueza que o bem-estar estaria garantido para todos. A
história econômica dos países que atingiram altas taxas de crescimento demonstrou que a
simples acumulação de capital produtivo e bens não seria suficiente para que a democracia
econômica fosse atingida espontaneamente.
O Brasil pode ser citado como exemplo do fracasso da teoria de fazer crescer o bolo para
que ele fosse, então, dividido. O bolo, de fato, cresceu. O país tornou-se uma potência
econômica, colocando-se entre as dez maiores no ranking mundial. A renda per capita
aumentou significativamente e, hoje, quase atingimos o patamar de um país desenvolvido,
mas a população, em geral, não desfrutou da riqueza acumulada. A concentração de renda

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foi brutal no modelo brasileiro de crescimento, excluindo a grande maioria de nossa
população de uma vida digna.
Tanto o crescimento do PIB como da renda per capita não revelam o verdadeiro padrão de
vida dominante em nosso país. Estudiosos, que se preocuparam com a incapacidade desses
indicadores de revelarem a situação social de um país, criaram novos conceitos de
desenvolvimento, que foram acompanhados com a elaboração de novos indicadores para
mapear o estágio de uma comunidade ou de um país. Graças ao trabalho de Mahbub ul
Haq, que contou com a colaboração de Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia em 1998,
foi idealizado um indicador que vai além da dimensão puramente econômica – o Índice de
Desenvolvimento Humano, conhecido como IDH. O seu valor vai de zero, o que seria uma
situação de extremo atraso, até a unidade, que seria o estágio ideal de desenvolvimento
humano.
Paralelamente aos estudos sobre indicadores do desenvolvimento, foram elaboradas e
testadas teorias sobre a nossa capacidade de atuar em variáveis que são estratégicas para a
melhoria das condições de vida, como a educação e a saúde. Apesar das controvérsias sobre
a teoria do capital social (PUTNAM, 2002), ela tem inspirado uma reformulação nos modelos
de desenvolvimento, incluindo como variável estratégica o fortalecimento das organizações
da sociedade civil, assim como interconexões entre elas e as pessoas de uma comunidade,
com a finalidade de estimular ações coletivas. Quanto mais desenvolvida e rica a teia de
organizações sociais e o envolvimento de pessoas nessa teia, maior o desenvolvimento
humano e econômico. Não é somente a disponibilidade de recursos que possam ser
socializados, mas é relevante que as pessoas estejam, de alguma forma, ligadas a uma rede
de organizações, quer sejam formais ou informais. O relacionamento entre vizinhos, o
envolvimento com atividades de lazer, ser associado ou voluntário em organizações da
sociedade civil, partidos políticos, associações religiosas e sindicatos são listados como
importantes para a existência de condições para a interação dos indivíduos e o
fortalecimento dos laços pessoais na vida comunitária. A saúde cívica de uma comunidade
depende da existência, ou não, deste capital social. Os estudos empíricos demonstram que
os problemas sociais, tais como pobreza, criminalidade, desemprego, analfabetismo etc.,
estão altamente relacionados com a disponibilidade, ou não, de capital social. Por esse
motivo, torna-se importante, para o desenvolvimento local, um mapeamento que informe
sobre como os indivíduos interagem entre si e como estão envolvidos em organizações da
sociedade civil.
Com a realização de pesquisas censitárias sobre o tamanho do Terceiro Setor no Brasil e
considerando a conceituação de capital social, pode-se estabelecer um novo indicador para
mensurar a intensidade da existência do capital social em municípios, estados e mesmo em
nosso país. Os estudos realizados pelo Instituto de Estudos da Religião – ISER (1999) e pelo
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IBGE (2004 e 2008) permitem uma estimativa da existência de 1,6 organizações para cada
1000 habitantes do Brasil.
Se, no Brasil, constatou-se que existe aproximadamente 1,6 organização por 1000
habitantes, no Canadá essa proporção é surpreendente, já que lá existem cinco
organizações por 1000 habitantes. Se tivéssemos a mesma pujança do Terceiro Setor
canadense, no Brasil, deveríamos contar com um número três vezes maior de organizações,
ou seja, ao invés das 338 mil organizações deveríamos ter pelo menos 900 mil! Embora a já
considerável dimensão dos dados agregados do Terceiro Setor brasileiro nos surpreenda,
temos aqui uma informação importantíssima, revelando que ele, certamente, poderá crescer
de forma espetacular.
A quase completa destruição do Estado-providência, como consequência das políticas
neoliberais que se seguiram ao período em que prevaleceu o denominado Consenso de
Washington, foi acompanhada por um extraordinário crescimento do Terceiro Setor. A
minimização do Estado tornou-se meta planetária, a partir dos anos 80, e a privatização de
inúmeras atividades foi um dos meios utilizados para se restringir as atividades estatais aos
campos clássicos da segurança, justiça e defesa territorial. Na área social, assistiu-se a um
perverso processo de privatização de serviços sociais, no qual a previdência privada tornou-
se o carro chefe, seguido pelos serviços de saúde e educação.
Em nosso país, o sonho do Welfare State jamais se tornou realidade e nunca se tornará,
pois essa concepção de um Estado que destinaria a maioria de seus recursos para o bem-
estar social jamais fez parte de projetos para a nossa população e o seu momentum
histórico já passou. Neste cenário, falou-se inclusive na Welfare Society, ou uma sociedade
do bem-estar social, onde o Terceiro Setor deveria assumir os serviços sociais
negligenciados pelo Estado e aqueles desprezados pelo mercado. Essa hipótese de
descentralização radical das políticas sociais foi duramente criticada, já que jamais a
sociedade civil teria ou terá capacidade para atender de forma universal a população em
todos os seus direitos à moradia, saúde, saneamento, educação e tantos outros garantidos
pela nossa Constituição e pelos direitos universais do homem.
Para muitos críticos da supremacia do mercado sobre o Estado, o crescimento do Terceiro
Setor teria sua explicação em uma política deliberada neoliberal, na qual o fortalecimento
do setor seria importante instrumento para minimizar os gastos sociais governamentais. Os
estudos demonstram que a política neoliberal explica, em parte, o crescimento explosivo do
Terceiro Setor, já que outros fatores são tão ou mais importantes para justificar tal
fenômeno. Entre esses fatores, destacam-se: a) a indignação dos cidadãos com relação à
situação de miséria de considerável parcela da população e a possibilidade de combater tal
situação por meio das organizações sociais; b) a redução significativa das taxas de
crescimento dos países pós-crise do petróleo, gerando uma enorme massa de excluídos; c) a
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urbanização acelerada que acompanha o processo de crescimento dos países; d) os meios
de comunicação que difundem projetos sociais e seus resultados positivos, inspirando
novos empreendedores sociais; e) as garantias constitucionais que estimulam os cidadãos
na criação de organizações; e f) internet que possibilita a troca de experiências e o acesso
dos cidadãos às informações sobre as áreas em que as organizações sociais atuam, em um
determinado país, e que podem ser replicadas.
No cenário contemporâneo, marcado pelo fracasso do modelo neoliberal e que resultou em
um Estado frágil, portanto, incapaz de assumir totalmente suas responsabilidades sociais,
propõe-se um novo modelo de política social, batizado
como Welfare Mix ou Welfare pluralism, ou seja, uma forma de gestão compartilhada das
ações sociais pelos três setores.
Embora as responsabilidades compartilhadas devam ser assumidas pela reconstrução dos
papéis dos setores nesse novo sistema, o Estado deve assumir a liderança nesse processo
no que diz respeito à definição, regulamentação e implementação de políticas sociais.
Não existem exemplos, no caso brasileiro, de experiências em que o setor público tenha
considerado, como parte integrante de um plano de desenvolvimento, a inclusão das
alianças intersetoriais como estratégia fundamental. Registra-se, em nosso país, inúmeros
casos de parcerias entre o setor público e o Terceiro Setor, com o objetivo de implementar
ações em áreas específicas, mas são raríssimos os projetos em que os três setores atuem
conjuntamente para minorar os problemas sociais. Nota-se que, aos poucos, e muito
recentemente, os governantes passam a incluir, em seus discursos, a importância de se
unir os recursos e saberes dos três setores para ações compartilhadas que resultem na
melhoria do padrão de vida da população.
Diante da potencialidade que esse novo arranjo oferece para a resolução dos problemas
sociais, é impossível não considerar o Terceiro Setor como componente indispensável em
qualquer programa de desenvolvimento econômico e social, o que ainda, infelizmente, não
aconteceu em nosso país, mas que certamente ocorrerá.
Apesar da descrença geral em nossos políticos e nos programas de seus partidos, não se
pode negligenciar a importância que o sistema de representação possui para que as
aspirações da sociedade possam se concretizar. Já dizia o poeta que o pior analfabetismo é
o analfabetismo político. A participação política é fundamental, não somente durante o
período eleitoral, mas, e principalmente, como uma ação permanente de conscientização
das pessoas para que elas possam se tornar sujeito de seu próprio destino. A utopia política
nos levava a uma visão de que a alienação das pessoas seria varrida de suas cabeças e que
a participação política seria massiva e apoiada em ações que revolucionariam as ordens
econômicas, sociais, culturais e de convivência comunitária.

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A reconquista da democracia, a partir de 1984, e a Constituição cidadã de 1988,
redobravam a esperança de que a utopia se tornaria uma realidade. A renovação política,
com o surgimento de novos partidos, que captam as aspirações dos
movimentos operários e dos movimentos sociais e que floresceram durante o período
ditatorial, resultou em revolucionários programas de governo. Os partidos de esquerda
conseguiram, dessa forma, mobilizar, de maneira eletrizante, parcela significativa da
população, mas, quando conquistaram o poder, as suas bandeiras de lutas foram
parcialmente implementadas ou ignoradas totalmente. A frustração foi tão enorme quanto
foi a dedicação voluntária de milhares de militantes por uma causa política.
Este cenário tornou-se propício para que todos aqueles que aspiravam a uma
transformação da sociedade, buscassem formas alternativas de atuação. Transformar uma
indignação em um processo de mudança da realidade era algo impossível para qualquer ser
deste país, até a descoberta do Terceiro Setor. A ação pública só era identificada com as
atividades do Estado; daí a necessidade de estarmos vinculados a um partido político para
que este sirva de intermediário entre as nossas aspirações e o poder de ação de um
governo.
O Terceiro Setor surge como um atalho entre a nossa vontade transformadora e a ação
necessária sobre a realidade. A admirável possibilidade legal de qualquer pessoa criar uma
organização em defesa de uma causa e dessa pessoa poder atuar diretamente sobre as
injustiças sociais, econômicas, culturais, raciais ou pela preservação do meio ambiente
explica o impressionante crescimento das organizações do Terceiro Setor. Se eu posso atuar
por que esperar que o Estado atue por mim? É isso que passa a habitar o consciente
coletivo.
Não resta dúvida de que a revolução associativa, que dominou, não somente, o nosso país,
mas o mundo todo tornou-se um fenômeno que alterou completamente o pensar e o agir do
público contemporâneo; algumas vezes, de forma distorcida, como é o caso de quando
muitos defendem que o Estado tornou-se um ator secundário na arena social; nada mais
estúpido do que tal pensamento. A sociedade civil, por mais que cresça e apareça, jamais
poderá substituir o Estado em seu poder transformador. Uma ONG ou uma rede de ONGs
ambientalistas pode organizar um espantoso movimento pela despoluição de nossos rios,
mas jamais terão o poder de fazer com que as indústrias poluidoras reduzam a zero o
impacto que causam na natureza. Torna-se necessário que o Estado, por meio de leis e
decretos, determine que tais empresas acabem com a poluição ou então sejam penalizadas
se continuarem com suas atividades. As soluções estruturais só podem ser dadas pelo
Estado.
As organizações do Terceiro Setor podem e devem colocar como uma prioridade em sua
agenda uma atuação coletiva que leve a uma maior influência sobre a atuação do Estado.
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Os períodos eleitorais se constituem em um ambiente propício para que as organizações se
unam em torno de temas que são caros à sua missão e que possam, portanto, ser
apresentados como uma demanda política. Dessa forma, pode-se atuar no sentido de
construir o Estado que queremos e merecemos.
Este material chama a atenção para um fenômeno recente ocorrido na sociedade brasileira
e que tem provocado extraordinárias mudanças, não somente no campo social, como
também no campo econômico, político e ambiental. A visibilidade que o Terceiro Setor
atingiu em tão curto espaço de tempo está relacionada ao seu potencial de revolucionar o
modo de fomentar políticas públicas, em que a governança compartilhada passou a ser
uma alternativa para a solução dos problemas sociais de nosso país. Procurou-se ressaltar
os mais expressivos impactos que esse nascente setor tem provocado e que são resumidos a
seguir:
1. Potencial de crescimento: os números sobre o Terceiro Setor no Brasil demonstram
claramente o seu crescimento exponencial e que existe ainda uma ampla possibilidade de
sua expansão, a qual resultará em uma maior participação no PIB;
2. Possibilidade de ser um setor gerador de emprego: tendo em vista o processo de exclusão
social que se intensificou no Brasil e nos países da América Latina. O setor é por natureza
mão de obra intensivo. São pessoas que atendem outras pessoas na prestação de inúmeros
serviços sociais e que não podem ser substituídas por máquinas.
3. Atuação permanente e imediata na melhoria geral da vida: o Terceiro Setor apresenta a
possibilidade de atuação permanente, fora do aparelho de Estado, para que a condição de
vida da população excluída possa melhorar. O ativismo político poderá ser 20acompanhado
de ações concretas de intervenção na transformação das pessoas e da sociedade.
4. Convergência de interesses: o Terceiro Setor pode aglutinar setores em causas de
interesse comum, mesmo que mantenham uma situação de antagonismo de interesses, por
exemplo, na área econômica. O antagonismo capital-trabalho pode continuar existindo na
disputa por uma melhor distribuição de renda, mas isto não impede que empresas se
dediquem a uma causa social e que possam estar ao lado dos trabalhadores nesta causa.
5. Ampliação da base de atuação política: além de envolver trabalhadores, pode também
contar com o envolvimento de empresários progressistas, grande segmento da classe média
sensível aos problemas sociais.
6. Mobilização em torno de temas mais amplos do que o simplesmente econômico: vida
comunitária, harmonia social, segurança, desenvolvimento humano, melhoria da vida
cultural, os quais contribuem para a criação de uma democracia econômica.
7. Formação de redes para ativismo político: o Terceiro Setor tem demonstrado que possui
um grande poder de mobilização para o ativismo político questionador da ordem econômica
predominante. Por meio de sua tradição de atuação em rede, centenas de organizações
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podem ser mobilizadas em torno de temas críticos para a melhoria das condições
ambientais e de vida em nossa sociedade.
8. Relações intersetoriais: o Estado encontra no Terceiro Setor um parceiro importante para
a implementação de políticas públicas, tendo em vista a sua capilaridade, estando em
contato com distintas classes sociais e com distribuição espacial pulverizada.

VI. O Terceiro Setor e sua importância para as políticas


públicas
De acordo com a pesquisa, as Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no
Brasil - Fasfil (2010), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
em parceria com a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), o
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) e o Instituto de Pesquisa Econômicas
Aplicada (Ipea), existem no país 290.692 Associações Privadas sem Fins Lucrativos (ONGs),
que empregam 2.128.007 milhões de trabalhadores, ou 5,3% dos empregados em todas as
organizações formalmente registradas no País. Por seu tamanho e importância, o chamado
Terceiro Setor é responsável pela formação de 5% do PIB brasileiro (Pnud-2010).
Ainda segundo a F, em Goiás existem 12.600 organizações no Terceiro Setor, que
empregam 61.656 pessoas, com média salarial 25% superior a encontrada na iniciativa
privada, entre 4,5 a 7 salários mínimos. Em comparação com a Fasfil de 2005, houve um
aumento de 61,33% no número de organizações goianas e de 63,22% no incremento em
geração de postos de trabalho em cinco anos no Estado.
As principais cidades onde atuam a maioria das organizações do Terceiro Setor no Estado
de Goiás são Goiânia, com 4.406 organizações e mais da metade (61,75%) dos profissionais
empregados - 38.094, e 34,96% do total de organizações; Anápolis, com 693 (5,5%)
organizações e 5.608 (9,09%) pessoas ocupadas e Aparecida de Goiânia, com 397 OSC
(3,15%) e 1.504 (2,43%) pessoas empregadas. Outras cidades merecem destaque, tais como
Caldas Novas (385); Rio Verde (308); Catalão (164); Luziânia (278); Itumbiara (189); Jataí
(170); Valparaíso de Goiás (137); Santo Antônio do Descoberto (109); Trindade (109);
Ipameri (104); Morrinhos (104). Ao mesmo tempo, não podemos nos esquecer que, de uma
forma ou de outra, todos os 246 municípios goianos contam com uma ou mais
organizações da sociedade civil.
Entre as atividades com mais organizações, levantadas na Fasfil com base no Cadastro
Central de Empresas – Cempre , que atuam em território goiano encontram-se 2.661
(21,11%) com vínculos religiosos, 2.511 (19,92%) no setor da educação; 615 (4,88%) em
atividades culturais e esportivas, 652 (5,17%) em Assistência Social e 125 (0,9%) no setor

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de saúde, compondo, a soma das organizações citadas, 52,98% das entidades goianas do
Terceiro Setor.
Nestas atividades, estão distribuídas pessoas ocupadas da seguinte forma no Estado de
Goiás: 14.562 (23,61%) na Educação; 6.014 (9,75%) em entidades religiosas; 5.237 (8,49%)
na área de assistência social, 5.955 (9,65%) em atividades vinculadas a serviços de saúde e
4.990 (8,09%) no setor de cultura e esportes. Outras atividades que merecem destaque são
a de Desenvolvimento e Defesa de Direitos, com 510 (4,04%) organizações e 1.959 (3,17%)
pessoas ocupadas e Meio Ambiente, com 54 (0,4%) organizações.
Diante dos números, faz-se necessária uma melhor e maior atenção da gestão pública,
tanto estadual quanto a nível municipal, em constatar que na sociedade atual as ONGs
deixam de ser apenas entidades “filantrópicas” para se tornarem parceiras e executoras de
políticas públicas sociais, educacionais, ambientais, dentre várias. Hoje, as ONGs devem
passar da fase da caridade para a busca de mecanismos que lhes garantam
sustentabilidade – organizacional, financeira, humana, qualificando e profissionalizando o
seu quadro dirigente e de colaboradores. Mas para que isto ocorra, é preciso também que a
gestão pública apoie, adote mecanismos de fomento e critérios claros, equânimes e
transparentes para contratar e repassar recursos financeiros.
A maior parte das ONGs que hoje atuam surgiu após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que reconheceu a organização e a participação social como direitos e
valores a serem garantidos e fomentados. A relação de parceria das OSCs com o Estado
permite qualificar as políticas públicas, aproximando-as das pessoas, das realidades locais
e possibilitando o atendimento de demandas específicas de forma criativa e inovadora.
A Secretaria-Geral da Presidência da República, reconhece a contribuição dessas entidades
e tem entre suas ações prioritárias a agenda do Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil (MROSC), cujo objetivo é aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional
relacionado às OSCs e suas relações de parceria com o Estado. Ao final, espera-se que as
organizações da sociedade civil se fortaleçam e possam colaborar cada vez mais com as
transformações políticas, sociais e econômicas do nosso País, além de contribuir com o
amadurecimento das instituições públicas e da democracia brasileira.
Após intensos debates, foi promulgada a Lei 13.019/2014, publicada em 31 de julho de
2014 e que entra em vigor a partir de 27 de julho de 2015, que estabelece o regime jurídico
das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre
a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a
política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo
de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e
9.790, de 23 de março de 1999.
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Com a introdução da nova legislação, os Estados e os municípios, e principalmente a
União, passam a valorizar ainda mais a atuação das ONGs através de 03 eixos:
contratualização, sustentabilidade econômica e certificação. Em relação a contratualização,
refere-se às questões referentes aos instrumentos pelos quais o poder público formaliza as
suas relações de parceria e de contrato com as OSCs. No eixo de sustentabilidade tratam-se
os assuntos relacionados a tributos, tipos societários, ampliação das fontes de recursos,
etc. – temas que alcançam todas as organizações, independentemente de sua relação com o
poder público. Por fim, a certificação trata dos títulos, certificações e acreditações
concedidas às OSCs.
Um dos principais pontos de mudança diz respeito ao que passa a estabelecer um novo
regime jurídico das parcerias voluntárias entre a administração pública e as organizações
da sociedade civil, por meio dos Termos de Fomento e de Colaboração. Ao instituir o Termo
de Colaboração para a execução de políticas públicas e o Termo de Fomento para apoio a
iniciativas das organizações – instrumentos próprios e adequados para as relações de
parceria entre o Estado e as OSCs, em substituição aos convênios (que deixa de existir para
este tipo de relação) – a lei reconhece de forma inovadora essas duas dimensões legítimas
de relacionamento entre as organizações e o poder público.
Por meio da lei, também são instituídos novos princípios e regras para a celebração de
parcerias, tais como a exigência de chamamento público obrigatório, três anos de existência
e experiência prévia das entidades, além da exigência de ficha limpa tanto para as
organizações quanto para os seus dirigentes. Ela passa a regular também a atuação em
rede das entidades para a execução de iniciativas agregadoras, as despesas com as equipes
contratadas para execução dos projetos, as despesas administrativas derivadas dos projetos
e a estabelecer prazos e regras claras, para entrega e análise das prestações de contas.
Outra novidade é que a Lei 13.019/14 possibilita a contratação de organizações da
sociedade civil, legalmente constituídas e com toda documentação regular, mesmo que elas
não sejam qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –
OSCIPs, abrindo possibilidade às Associações e Fundações que não tenham a qualificação,
de pleitearem recursos públicos, desde que, claro, atendidas as outras exigências legais.
A norma prevê, ainda, regras mais claras no planejamento prévio dos órgãos públicos na
seleção das entidades, na aplicação dos recursos durante a execução e monitoramento e
avaliação do cumprimento do objeto da parceria. Também apresenta melhorias no sistema
de prestação de contas dos projetos, diferenciando por volume de recursos e provendo os
alicerces necessários para que se faça também o controle de resultados. Outra novidade é
que Estados e prefeituras irão realizar todas as contratações e repasses de recursos
financeiros com o Terceiro Setor através do Sistema de Convênios – SICONV, gerando maior
transparência e credibilidade na relação entre o primeiro e o terceiro setor.
25
Alguns juristas defendem, com a regulamentação e entrada em vigor da Lei 13.019, o
desaparecimento de algumas qualificações e certificações emitidas pelo poder pública, como
a figura da Utilidade Pública Federal. Isto irá, com certeza, fazer com que Estados e
municípios adéquam as suas legislações e abrindo enormes possibilidades de crescimento e
fortalecimento do Terceiro Setor e criando, em diversos campos, a geração de novos postos
de trabalho para profissionais qualificados em diversas áreas, como na contabilidade,
direito, administração, gerenciamento de projetos, dentre algumas.
Pensando em trazer à tona e dotar nossos gestores – públicos e das OSC, bem como
profissionais e sociedade em geral destas novas conceituações, conhecimentos e
instrumentos legais entre Estado e OSCs, o Instituto Terra Goyazes traz a Goiânia a
palestra "Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: oportunidades e desafios
da nova lei de fomento e colaboração - Lei 13.019/2014", que será proferida pela assessora
especial do ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Laís de Figueirêdo
Lopes, no Auditório João Bennio, localizado a Av Araguaia nº 1.544, Setor Leste Vila Nova,
Ed. Albano Franco, Casa da Indústria, Goiânia-GO, a partir das 14 horas desta quinta, 13
de novembro.
A Kultur – Instituto Terra Goyazes (ITG), é uma organização do Terceiro Setor com sede em
Goiânia, constituída em 2003 e que atua no fortalecimento dos processos de gestão de
outras OSC, de governos e empresas que desenvolvem trabalhos de responsabilidade social.
O ITG atua também na capacitação e qualificação de gestores e profissionais que trabalham
nas OSCs (ONGs), com elaboração de projetos e captação de recursos, gestão, avaliação,
monitoramento e gerenciamento de projetos sempre através de parcerias para formação de
redes que possam, entre si, garantir a sustentabilidade.
O objetivo do Instituto Terra Goyazes diante da importância do tema é propiciar aos
gestores sociais privados e públicos, órgãos de controle, conselheiros de políticas públicas,
profissionais da área, empresas, governos e demais interessados a possibilidade de
conhecerem com mais detalhes as novas regras de parceria e aumentar a capacidade das
OSCs de estarem aptas a ampliarem os seus projetos.

VII. Os efeitos do termo de parceria celebrado entre o


poder público e as organizações não governamentais
qualificadas como OSCIPs
As Organizações Não Governamentais são entidades privadas sem fins lucrativos, surgidas
durante a Segunda Guerra Mundial com a função central de reconstrução da democracia.
No Brasil, as ONGs exerceram importante papel durante a Ditadura Militar uma vez que
assessoravam financeiramente os movimentos sociais[2]. Em meados de 1980, essas

26
entidades deixaram de assessorar os movimentos e passam a concretizar parcerias com o
setor público, suprindo falhas dos órgãos estatais em diversas áreas[3]. Neste sentido,
tornou-se comum o repasse de recursos públicos às ONGs.
O repasse dos recursos era realizado através do Convênio: forma de acordo que disciplina a
transferência de recursos públicos aos órgãos da administração pública federal, estadual,
municipal e para as entidades privadas sem fins lucrativos[4]. Todavia, na prática, esta
forma de acordo tornou-se onerosa demais às ONGs, uma vez que exigia a mesma
prestação de contas exigida ao setor estatal. Deste modo, houve a necessidade de
regulamentar uma legislação que instituísse um novo instrumento jurídico exclusivo para o
repasse de verbas públicas às ONGs[5].
Com efeito, surgiu a Lei 9.970 de 23 de março de 1999, regulamentada através Decreto
3.100 de 30 de junho de 1999, que dispõe sobre a qualificação das ONGs como OSCIPs e
disciplina o Termo de Parceria, que consiste em uma nova forma de acordo que regula o
repasse de verbas públicas exclusivamente às ONGs qualificadas como OSCIPs.
Tendo em vista as notícias recentes vinculadas na mídia a respeito das fraudes, envolvendo
o desvio de recursos públicos repassados às ONGs, por meio de Convênios, propõe-se
através deste trabalho identificar os efeitos positivos, ocasionados pelo Termo de Parceria
quando comparados ao Convênio. O método utilizado é o histórico dedutivo, onde se
procura demostrar os fatos históricos que ocasionaram o surgimento das ONGs, os
aspectos gerais da Lei do Terceiro Setor e, por fim, especificar os efeitos do Termo de
Parceria. A pesquisa de caráter bibliográfico e documental procura embasar as conclusões a
que chegaram os autores, demostrando as características gerais das ONGs qualificadas
como OSCIPs. O desenvolvimento deste trabalho se dará de forma a entender a instituição
das ONGs, o Convênio, a Lei do Terceiro Setor e os efeitos atribuídos ao Termo de Parceria.

VIII. O Surgimento das Organizações Não Governamentais


no Brasil e a celebração do Convênio
O termo Organização Não Governamental se popularizou no Brasil durante a Conferência
da ONU sobre o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a denominada
ECO/92. A Conferência foi considerada “um marco na consolidação de apoios mútuos,
tanto no nível nacional como no nível internacional” [9].
Não obstante, o surgimento das ONGs na esfera nacional ocorreu outrora à Conferência da
ONU e, está relacionada à falta de representações legítimas dos movimentos sociais e dos
partidos políticos no período da Ditadura Militar. O enfraquecimento dessas instituições
incentivou a sociedade a buscar meios alternativos de representação, propiciando o
surgimento das ONGs[10].

27
Após a Ditadura Militar, atribuiu-se as ONGs a função central de assessorar os movimentos
sociais enfraquecidos durante o processo de democratização[11]. Posteriormente, em
meados da década de 80, as ONGs transformam-se de assessoria à parceria, deixaram de
assessorar financeiramente os movimentos sociais e passam a concretizar parcerias com o
setor estatal, adquirindo características próprias e distinguindo-se dos movimentos
sociais[12].
Os Movimentos Sociais “Caracterizam-se por serem coletivos fracamente organizados que
atuam de maneira não institucionalizada, unidos por um objetivo comum de mudança
social”[13]. Devido à estrutura sem burocracia, esses movimentos atuam em relações mais
complexas, muitas vezes, intangíveis pelo Estado. Ao passo que, as ONGs são entidades
institucionalizadas “cujos fins sociais, indiretamente políticos, ora contrapõe-se ao Estado,
ora atuam de forma complementar a ele”[14]. Destarte, as ONGs e os movimentos sociais
distinguem-se na forma de atuação e organização interna.
Ao se transformarem em parceiras do Estado, as ONGs atuam de forma conjunta e
complementar à esfera estatal. Por tais razões, tornou-se praxe o repasse de recursos
públicos às ONGs[15].
A falta de regulamentação jurídica das ONGs fez com que o repasse dos recursos públicos
fosse concretizado através do Convênio: forma de acordo que disciplina o repasse de
recursos financeiros da administração pública federal, para entidades da administração
pública estadual, distrital ou municipal e para as entidades privadas sem fins
lucrativos[16]. Entretanto, na prática, o Convênio não se mostrou eficiente, exige do setor
privado as mesmas condições exigidas ao setor público.
Para a realização do Convênio com o governo, é necessário o cadastramento das ONGs no
Registro do Conselho de Assistência Social e a obtenção do Certificado de Fins
Filantrópicos[17].
Para a concessão do Registro, as ONGs devem comprovar sua inscrição no Registro de
Pessoas Jurídicas e, a aplicação das rendas e recursos em território nacional[18].
Uma vez registrada no Conselho Nacional de Assistência Social, as ONGs devem obter o
Certificado de Fins Filantrópicos[19]. Para tanto, é imprescindível a comprovação de alguns
requisitos dispostos no art. 3° da Resolução 177/00 do Conselho Nacional de Assistência
Social, a saber:
“Art. 3° - O Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos somente poderá ser concedido [...]
para entidade beneficente de assistência social que demonstre, nos três anos imediatamente
anteriores ao requerimento, cumulativamente:
I - estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento;

28
II - estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de
sua sede, se houver, ou no Conselho Estadual de Assistência Social, ou Conselho de
Assistência Social do Distrito Federal;[...]
IV - seja declarada de utilidade pública federal. [...]” [20].
Destarte, a Resolução nº 177/00 se preocupa excessivamente com documentos e registros.
Logo, para a realização dos Convênios com o governo, as ONGs precisam superar várias
barreiras burocráticas, sucessivas e cumulativas, em diferentes instâncias
governamentais[21].
De acordo com Elisabete Ferrarezi:
“[...] tais barreiras vêm se mostrando ineficazes, por não garantirem a formação de uma
base de informações segura para o estabelecimento de parcerias entre entidades sem fins
lucrativos e governos, nem oferecerem condições para a avaliação dos resultados e o
controle social”[22].
Em vista disso, houve a necessidade da instituição de uma legislação mais simples baseada
nos critérios de eficácia e eficiência. Esta foi concretizada através da regulamentação da Lei
9.790/99 que constitui um marco para o reconhecimento institucional das ONGs e para a
concretização de parcerias com os governos.

IX. A Lei do Terceiro Setor


No dia 30 de junho de 1999, através do Decreto n° 3.100 foi regulamentada a Lei 9.970,
cognominada Lei do Terceiro Setor “que dispõem sobre a qualificação de pessoas jurídicas
de direito privado e sem fins lucrativos como Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público, instituindo e disciplinando o Termo Parceria” [24].
A Lei do Terceiro Setor é resultado do trabalho das organizações da sociedade civil, em
parceria com o Governo Federal, o Congresso Nacional e o Conselho da Comunidade
Solidária[25].
A instituição da Lei do Terceiro Setor teve início “[...] nas Rodadas de Interlocução Política
do Conselho da Comunidade Solidária sobre o Marco Legal do Terceiro Setor”[26]. Após a
consulta dos interlocutores, foram apresentadas as dificuldades e as principais sugestões
para a regulamentação das Organizações da Sociedade Civil.
Os principais problemas apontados nessa consulta foram as dificuldades de acesso das
Organizações da Sociedade Civil a qualquer qualificação que estabelecesse o
reconhecimento institucional e, as dificuldades para a realização de parcerias com o setor
estatal[27].
Atribuiu-se a dificuldade do reconhecimento institucional, basicamente, a duas razões: o
excesso de burocracia e o não reconhecimento legal das várias organizações[28]. Com o

29
intuito de solucionar esse problema, “[...] a Lei 9.790/99 simplificou os procedimentos para
o reconhecimento institucional das entidades da sociedade civil como OSCIP”.
No que tange a realização de parcerias entre as Organizações da Sociedade Civil e o setor
estatal, outrora a Lei 9.790/99, a transferência se efetivava através dos Convênios, sendo
obrigatório para tanto o Registro no Conselho de Assistência Social.
Do ponto de vista da agilidade operacional para a formalização de parcerias, o Convênio não
foi considerado adequado pelos interlocutores para atender às especificidades das
organizações privadas com fins públicos. Com o fito de resolver este problema, buscou-se
um novo instrumento, que traduzisse a relação de parceria entre o setor estatal e as
instituições com fins públicos. Este foi concretizado com a instituição do Termo de Parceria,
que se configura como forma de acordo que regula o repasse de verbas públicas
exclusivamente às OSCIPs[29].
Após elaborado o projeto de lei, o mesmo foi enviado ao Congresso Nacional. O projeto foi
aprovado com unanimidade na Câmara dos Deputados e, em seguida, foi aprovada no
Senado Federal[30]. A Lei 9.790 foi sancionada em 23 de março de 1999 e regulamentada
pelo Decreto 3.100/99 em 30 de junho de 1999[31].
A Lei 9.790 foi elaborada com o objetivo principal de fortalecer o Terceiro Setor que se
apresenta como uma “[...] orientação estratégica em virtude da sua capacidade de gerar
projetos, assumir responsabilidades, empreender iniciativas e mobilizar pessoas e recursos
necessários ao desenvolvimento social do País” [32]. E, teve como objetivos específicos, a
qualificação das organizações do terceiro setor por critérios simples e transparentes e,
incentivar a parceria entre as OSCIPs e o Estado por meio do Termo de Parceria[33].
Para qualificar-se como OSCIP, a organização deve ser pessoa jurídica de direito privado
sem fins lucrativos, ou seja, não deve distribuir entre seus dirigentes parcela do patrimônio
que foi recebido mediante o exercício de suas atividades. Em outras palavras, deve aplicá-
los somente na consecução do respectivo objeto social, conforme estabelecido pelo
paragrafo único do artigo 1° da Lei do Terceiro Setor[34].
Além disso, a organização deve esclarecer suas formas de atuação e suas finalidades, “[...]
indicando se é por meio de execução direta de projetos, [...] doação de recursos físicos,
humanos e financeiros ou prestação de serviços intermediários de apoio a outras
organizações sem fins lucrativos” [35].
Com Relação às finalidades, as organizações devem atender aos seguintes objetivos sociais:
“Art. 4º I- promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação
das organizações de que trata esta Lei;

30
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das
organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica
gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de
outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação
de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às, atividades
mencionadas neste artigo”[36].
Diante do exposto, é importante evidenciar a relevância desta alusão, uma vez que há a
ampliação de finalidades sociais quando comparados à legislação anterior, que reconhece
para a concessão do Certificado de Fins Filantrópicos, apenas as organizações que atuam
nas áreas de assistência social, saúde e educação[37], e para a concessão do título de
utilidade pública, as organizações que sirvam desinteressadamente a coletividade[38].
O Estatuto da organização deve observar ainda os princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, economicidade e eficiência, de forma a atuar com presteza e
perfeição para a produção efetiva na consecução das finalidades da organização[39].
As ONGs devem adotar práticas de gestão administrativa que coíbam a obtenção de
benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação nos processos decisórios.
Para tanto, devem possuir um conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência
para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil e sobre as operações
patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade,
conforme disposto no artigo 4º, I da 9.790/99[40].
Em caso de dissolução da ONG ou perda da qualificação como OSCIP, o patrimônio líquido
constituído com recursos públicos deverá ser transferido à outra pessoa jurídica qualificada
como OSCIP, de preferência com os mesmo objetivos sociais[41].
Por fim, a Lei do Terceiro Setor constitui um avanço para a institucionalização das ONGs,
visto que além de qualificá-las como OSCIPs, reconhece pela primeira vez a possibilidade
destas organizações qualificarem profissionalmente seus dirigentes através da

31
remuneração. Destarte, a lei favorece “[...] a profissionalização do quadro funcional das
entidades, na direção da gestão social estratégica”.

X. O Termo de Parceria
O Termo de Parceria é uma das principais inovações apresentadas pela Lei do Terceiro
Setor, uma vez que trata-se de um novo instrumento jurídico destinado a realização de
parcerias unicamente entre o Poder Público e as OSCIPs. Constitui uma alternativa ao
Convênio, dispondo de procedimentos mais adequados do ponto de vista técnico e mais
desejável do ponto de vista social.
A escolha da OSCIP para a celebração de Termo de Parceria pelo órgão estatal será
realizada através de concurso de projetos. O edital do concurso deverá conter informações
básicas sobre condições, forma de apresentação de propostas, prazos, julgamento, critérios
de seleção e valores a serem desembolsados.
O julgamento dos projetos inscritos será realizado por uma Comissão designada pelo órgão
estatal, composta por um membro do Poder Executivo, um especialista no tema do
concurso e um membro do conselho de políticas públicas. A Comissão deverá avaliar o
conjunto das propostas, objetivando a escolha do projeto que apresente um cronograma
adequado para a efetiva realização das atividades sociais.
Após a análise dos projetos inscritos e a posterior escolha do projeto apropriado para a
atividade social almejada, será iniciado a execução do repasse de verbas públicas à OSCIP.
Os recursos financeiros serão liberados conforme cronograma previsto no Termo de
Parceria. De acordo com o artigo 15 do Decreto 3.100/99, os valores serão depositados em
conta bancária específica e liberados em várias parcelas, condicionando-as à comprovação
do cumprimento das metas para o período anterior à última liberação. Poderá haver
prorrogação do termo mediante Registro Simples por Apostila, “caso expire sua vigência
sem a execução total do seu objeto ou no caso da OSCIP dispor em seu poder excedentes
financeiros”.
O repasse dos recursos de origem estatal será acompanhado pelo Conselho de Políticas
Públicas que fiscalizará previamente a forma de aplicação desses recursos. Em seguida,
após o término da execução da parceria, o Conselho analisará os resultados obtidos, com
base no desempenho do programa do trabalho estabelecido, elaborando o relatório
conclusivo sobre o cumprimento das metas e o alcance dos resultados do Termo. O relatório
será encaminhado ao órgão estatal parceiro conforme dispõe o artigo 11 da Lei 9.790/99.
Caso seja constatada a ocorrência de irregularidades na utilização desses recursos pela
OSCIP parceira, os responsáveis pela fiscalização do Termo de Parceria deverão informar
imediatamente ao Tribunal de Contas respectivo e ao Ministério Público, sob pena de

32
responsabilidade solidária. De acordo com o artigo 13 da Lei do Terceiro Setor, havendo
indícios fundados de má administração desses recursos:
“Art. 13 [...] os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à
Advocacia-Geral da União, para que requeiram ao juízo competente a decretação da
indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem
como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado
dano ao patrimônio público[...]”.
Em vista disso, até o término da ação judicial, o poder público deverá velar pela
continuidade das atividades sociais da organização parceira.
Por fim, as OSCIPs devem publicar, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da
União, o extrato do Termo de Parceria e o demonstrativo da sua execução física e
financeira, contendo o comparativo específico das metas propostas com os resultados
alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente
realizadas.
Dado o exposto, o Termo de Parceria configura um novo instrumento jurídico de ajuste, o
qual formaliza parcerias entre o setor público e as ONGs, visando promover o
desenvolvimento dos indivíduos, da sociedade e do país.
O Termo de Parceria é considerado o marco jurídico para a consolidação de um acordo de
cooperação entre o governo e as ONGs qualificadas como OSCIPs. Esta forma de acordo
constitui uma alternativa ao Convênio, acarretando vários efeitos positivos quando
comparados àquele, tais como: acesso mais simples a qualificação, aplicação de recursos de
maneira flexível, punição mais severa aos responsáveis pelo Termo e publicação dos atos
que disponham sobre a efetiva aplicação dos recursos públicos.
A realização de Convênios é regulamentada pela Instrução Normativa n°. 1/97 da
Secretaria do Tesouro Nacional, e exige para o seu acesso a qualificação da ONG com o
Certificado de Fins Filantrópicos[54]. Por outro lado, o Termo de Parceria é regulamentado
pela Lei 9.790/99, o qual exige a qualificação da ONG como organização da Sociedade Civil
de Interesse Público, doravante OSCIP.
O acesso ao Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos exige da ONG a apresentação de
inúmeros documentos, semelhantes aos documentos exigidos aos Estados e Municípios,
tornando-se onerosos demais às ONGs, uma vez que estas não apresentam idêntica
estrutura do setor estatal. Em contrapartida, o acesso à qualificação como OSCIP será
automática com o efetivo cumprimento das exigências dispostas na lei 9.970. Destarte, a
qualificação como OSCIP é mais simples, pois a própria lei foi regulamentada com vistas a
atender exclusivamente as necessidades das organizações não governamentais.
Com relação à aplicação de recursos, o Termo de Parceria apresenta-se mais flexível quando
comparada ao Convênio, uma vez que “[...] são legítimas as despesas realizadas entre a data
33
de término do Termo de Parceria e a data de sua renovação, o que pode ser feito por
Registro por Simples Apostila ou Termo Aditivo”[58], sendo admitidos ainda adiantamentos
feitos pela OSCIP à conta bancária do Termo de Parceria em casos de atrasos nos repasses
de recursos.
Por outro lado, no Convênio há rigidez da forma do gasto, visto que somente serão
permitidos saques para pagamento de despesas constantes do Programa de Trabalho, não
estando previsto adiantamentos na ocorrência de atraso nos repasses desses recursos.
Deste modo, o Termo de Parceria constitui a forma mais adequada para o repasse de verbas
públicas uma vez que evita a paralização das atividades sociais.
No que tange à escolha de parceiros, a celebração do Termo de Parceria, deverá ser
realizada através de concursos de projetos. Por outro lado, o Convênio será proposto pelo
interessado ao titular do Ministério, órgão ou entidade responsável pelo programa,
mediante a apresentação do Plano de Trabalho.
Diante do exposto, o Termo de Parceria apresenta-se como a forma mais democrática de
escolha de parceiros, uma vez que escolhe o parceiro com o cronograma de metas e
resultados mais adequados do ponto de técnico e social[63].
Com relação à avaliação do uso de recursos públicos, no Convênio o controle se concentra
prioritariamente na forma de aplicação dos recursos. Já no Termo de Parceria, o controle se
concentra nos resultados obtidos, que deverão se avaliados por uma Comissão de
Avaliação, “[...] composta por representantes do órgão estatal parceiro, do Conselho de
Política Pública e da OSCIP que avaliarão o Termo de Parceria e verificarão o desempenho
global do projeto em relação aos benefícios obtidos para o público-alvo”. Destarte, verifica-
se uma fiscalização mais efetiva de acordo com o Plano de Trabalho.
No que tange à penalização dos responsáveis pelo uso indevido dos recursos, o Convênio
prevê apenas multa e devolução dos recursos utilizados de maneira indevida[66]. Por outro
lado, o Termo de Parceria imputa aos responsáveis punições severas, visto que além da
previsão de multa e devolução dos recursos prevê o sequestro dos bens dos responsáveis.
No que concerne à transparência da aplicação dos recursos públicos, é vedado a
participação de ONGs qualificadas com o Registro de utilidade pública em campanhas de
interesse político-partidário ou eleitoral com recursos de origem pública. Em contrapartida,
a lei do Terceiro Setor veda a participação de OSCIPs em campanhas de interesse político-
partidário ou eleitoral, independentemente da origem dos recursos. Logo, o Termo de
Parceria se apresenta como forma mais adequada, uma vez que veda qualquer tipo de
participação em campanhas eleitorais, seja com recursos públicos ou recursos privados.
Com relação à publicidade dos atos, a OSCIP deve dar publicidade aos relatórios de
atividades e as suas demonstrações financeiras sob pena de não liberação dos recursos
previstos no Termo de Parceria. Neste sentido, todos os brasileiros terão acesso às
34
informações referentes às OSCIPs e ao Termo de Parceria junto ao Ministério da Justiça.
Em contrapartida, o Convênio nada dispõe sobre a publicidade dos atos. Com efeito, o
Termo de Parceria respeita o princípio da publicidade disposto no art. 4º da Lei do Terceiro
Setor.
Por todos os argumentos apresentados, conclui-se que o Termo de Parceria é
responsável pelo repasse eficaz e transparente de recursos públicos às ONGs que, atuam
com o fim de suprir as falhas do Estado na concretização de direitos sociais.
O desenvolvimento social só será possível mediante um investimento feito nas áreas
corretas, de acordo com a necessidade da população. Como a função de muitas dessas
entidades é suprir as falhas do Estado, cabe a este o dever de auxiliá-las, principalmente
financeiramente.
Para garantir que os recursos de origem estatal administrados pelas OSCIPs sejam, de fato,
destinados a fins públicos, instituiu-se a Lei do Terceiro Setor que dispõe sobre a
qualificação das ONGs como OSCIP e disciplina o Termo de Parceria: forma de acordo para
o repasse exclusivo de recursos públicos às ONGs qualificadas como OSCIPs. Através do
Termo de Parceria, o Estado analisa os objetivos e metas das organizações e,
posteriormente, monitora e avalia os resultados alcançados por elas.
O Termo de Parceria é responsável pelos seguintes efeitos: transparência, visto que
apresenta um controle de fiscalização prévio e posterior à parceria objetivando evitar
fraudes e desvio de recursos; acesso menos burocrático aos recursos públicos, pois a
qualificação como OSCIP é menos onerosa atendendo de maneira eficiente as necessidades
desta organização; maior agilidade gerencial aos projetos, visto que haverá monitoramento e
avaliação dos resultados obtidos; forma democrática de transferência de verbas devido à
realização do concurso de projetos; publicidade dos atos, uma vez que toda a sociedade terá
acesso às informações sobre o destino dos recursos financeiros e; aplicação dos recursos de
maneira mais flexível, visto que são legítimas as despesas realizadas entre a data de
término do Termo de Parceria e a data de sua renovação evitando a paralização de projetos
sociais.
Por tais razões, o Termo de Parceria é considerado o marco para a regulamentação do
repasse de verbas públicas às ONGs. No entanto, é apenas o primeiro passo no processo de
reformulação legal que deve ter prosseguimento para a concretização de um arcabouço
jurídico adequado e atualizado para o fortalecimento das ações sociais realizadas pelas
organizações da sociedade civil.

XI. Recursos para formação do Patrimônio Social

35
Por força da Resolução CFC 1.143/2008, que remete à NBC T 19.4 - subvenção e
assistência governamentais, houve uma sensível mudança nos critérios para contabilização
dos recursos derivados de doações, subvenções e contribuições patrimoniais.
O item 12 da referida resolução determina que uma subvenção governamental deva ser
reconhecida como receita ao longo do período em que puder ser confrontada com as
despesas que pretende compensar, em base sistemática, desde que atendidas às condições
desta Norma. A subvenção governamental não pode mais ser creditada diretamente no
patrimônio líquido.

Importante que a NBC TE - Entidade sem Finalidade de Lucros, posta em Audiência


Pública, já encerrada, possui disposições que convalidam esse entendimento. Essa referida
norma, por ocasião de sua vigência, deverá revogar as NBC T 10.19 - Entidades Sem
Finalidade de Lucros, 10.4 – Fundações e NBC T 10.18 – Entidades Sindicais e Associações
de Classe.
Anteriormente, as doações, subvenções e contribuições patrimoniais, inclusive as
arrecadadas na constituição da entidade, eram contabilizadas diretamente no patrimônio
social.
Enquanto não atendidos os requisitos para reconhecimento no resultado, a contrapartida
da subvenção governamental registrada no ativo deve permanecer em conta específica do
passivo.
O reconhecimento da subvenção também não pode ser efetuado diretamente em conta de
resultado, ficando então temporariamente em conta de passivo, uma vez que os benefícios
econômicos dos ativos somente são obtidos por seu uso ou sua alienação, a não ser no caso
de ativo não depreciável, amortizável ou exaurível.
Desta forma as novas instruções contábeis induzem a manutenção de uma conta de
receitas diferidas no passivo circulante, cuja apropriação efetiva da receita se efetivará na
medida da realização desses bens ou valores.
Considerando que as receitas e os respectivos custos devem ser reconhecidos de forma
correlata a nova proposição do Conselho Federal é interessante e visa uma correta
apresentação do resultado das entidades.

Exemplo:
Doação de um imóvel, no valor de R$ 100.000,00, sendo R$ 20.000,00 do valor de terreno e
R$ 80.000,00 do valor de edificações, na constituição da entidade e para uso desta em seus
objetivos estatutários. A estimativa de vida útil das edificações foi de 25 anos (4% ao ano).
1) Pelo recebimento do imóvel em doação:
D – Terrenos (imobilizado) R$ 20.000,00
36
D – Edificações (imobilizado) R$ 80.000,00
C – Receitas diferidas – terrenos (passivo) R$ 20.000,00
C – Receitas diferidas – edificações (passivo) R$ 20.000,00

2) Pela apropriação mensal da depreciação e da receita diferida:


Cálculo da quota mensal: R$ 80.000,00 x (4% : 12) = R$ 266,67
D – Despesa/custo com encargos de depreciação R$ 266,67
C – Depreciação acumulada edificações R$ 266,67
D – Receitas diferidas – edificações (passivo) R$ 266,67
C – Receita com subvenção (resultado) R$ 266,67

A parcela correspondente ao terreno (R$ 20.000,00) por não ser depreciável não é
apropriada mensalmente, ficando por ser realizada de forma integral na ocorrência de
eventual alienação ou baixa a qualquer título.
A NBC 19.4 dispõe sobre as subvenções de natureza governamental, silenciando-se em
relação às doações originadas da iniciativa privada, para as quais, por uma questão de
consistência, entendemos aplicar-se o mesmo critério.
(...)

XII. Escrituração de Gratuidades nas Entidades do Terceiro


Setor
Da necessidade de as entidades do Terceiro Setor aplicarem de forma completa e eficaz os
procedimentos contábeis pertinentes às contas de resultado (receitas e despesas), tendo em
vista a afetação em sua Demonstração de Resultado e, por consequência, em seu
patrimônio. Assim, de forma complementar aos conceitos trazidos naquele artigo, em
especial quanto à mensuração e ao reconhecimento das receitas e das despesas (lembramos
que receitas e despesas devem ser contabilizadas e reconhecidas de forma associada,
confrontando as despesas com suas respectivas receitas), temos que discutir os aspectos
inerentes a escrituração das gratuidades concedidas no Terceiro Setor.
A gratuidade está normalmente relacionada aos esforços das entidades do Terceiro Setor,
especialmente àqueles prestados de forma gratuita ou parcialmente gratuita, conforme
definido em sua missão e estatuto social, na prestação serviços essenciais para comunidade
nas áreas de saúde, educação e assistência social. Normalmente, a concessão de gratuidade
está ligada aos programas e projetos sociais das entidades, de forma beneficente,
objetivando a promoção social humana.

37
Nesse sentido, ressaltamos que a contabilidade precisa expressar e evidenciar de modo
claro, preciso e transparente toda ação econômica, financeira e patrimonial voltada ao
atendimento de ações prestadas com gratuidade, sejam elas de caráter filantrópico,
assistencial ou de qualquer outra forma que esteja voltada à ação social.
A gratuidade não é somente aplicável à beneficência, mas a todos os serviços e ações
assistenciais que a organização presta à coletividade, que a caracterizam como entidade
social sem fins lucrativos, devendo ser apurada e contabilizada na competência correta em
que ocorre, ou seja, à medida da realização das despesas.
Assim, a Interpretação Técnica Geral (ITG) 2002 estabelece os critérios para registro da
concessão de gratuidades de forma segregada, e destaca no item 13 que: "os benefícios
concedidos pela entidade sem finalidade de lucros a título de gratuidade devem ser
reconhecidos de forma segregada, destacando-se aqueles que devem ser utilizados em
prestações de contas nos órgãos governamentais". Adicionalmente, o item 16 ainda
estabelece que o valor de reconhecimento deve ser o efetivamente praticado pela instituição
(serviço normal prestado): "o benefício concedido como gratuidade por meio da prestação de
serviços deve ser reconhecido pelo valor efetivamente praticado".
É possível, desse modo, percebermos que as gratuidades concedidas, integral ou parcial,
devem ser registradas contabilmente como despesa, tendo por origem uma "renúncia"
financeira de receita auferida pela organização, as quais devem ser mensuradas pelo valor
justo dos serviços ou produtos.
Nas notas explicativas ainda devem ser apresentadas e evidenciadas todas as gratuidades
praticadas de forma segregada e destacadas de acordo com as necessidades de prestação de
contas a órgãos públicos, apresentando dados quantitativos, ou seja:
1. valores dos benefícios;
2. número de atendidos;
3. número de atendimentos; e
4. número de bolsistas com valores e percentuais representativos.
Apesar da importância do tema, muitas entidades não têm apresentado o atendimento
mínimo aos requisitos contábeis referentes ao reconhecimento das gratuidades. Como
exemplo, a pesquisa Evidenciação contábil de gratuidades nas Santas Casas de
Misericórdia: análise da conformidade com as Normas Brasileiras de Contabilidade,
apresentada no Congresso de Contabilidade, em Florianópolis (SC), em 2015, realizada a
partir das demonstrações contábeis de 16 hospitais filantrópicos nos Estados de São Paulo,
Rio Grande do Sul, Pernambuco, Espírito Santo e Minas Gerais nos anos de 2012 e 2013,
apontou que nenhuma das entidades apresentou o reconhecimento das gratuidades
concedidas em suas contas de resultado e que apenas oito delas apresentaram informações
sobre as gratuidades em suas notas explicativas.
38
É importante destacar que a discussão acerca do registro contábil das gratuidades é
essencial para as entidades do Terceiro Setor, tendo em vista que sua concessão é pratica
comum nas organizações. Nesse sentido, a relevância é ressaltada para as entidades que
atuam nas áreas de saúde, educação ou assistência social e que possuem obrigações
oriundas da Lei nº 12.101/2009 (Lei do Cebas).
Ressaltamos que no artigo 10 da referida lei é destacado que "em hipótese alguma será
admitida como aplicação em gratuidade a eventual diferença entre os valores pagos pelo
SUS e os preços praticados pela entidade ou pelo mercado" para as entidades com
certificação na área de saúde. Contudo, apesar de uma aparente contradição inicial entre a
Lei do Cebas e as normas contábeis (que determina que valor de reconhecimento da
gratuidade deve ser o efetivamente praticado pela instituição pelo serviço normal prestado),
a aplicação integral das normas contábeis quanto às regras para concessão das gratuidades
é requisito essencial para obtenção e manutenção dos benefícios fiscais decorrentes da
certificação pois é obrigatório que a entidade "mantenha escrituração contábil regular que
registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada,
em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade" (artigo
29, da Lei nº 12.101/2009).
Assim, reforçarmos mais uma vez que gestores e contadores do Terceiro Setor precisam
priorizar a efetiva adoção dos critérios de cálculo e apresentação dos itens que afetam o
resultado do exercício e o patrimônio de suas entidades (receita e despesas), nesse caso,
realizando a contabilização adequada das receitas e despesas com gratuidades.
Uma das finalidades de boa parte dos esforços das entidades do terceiro setor,
especialmente as que dão assistência social, é oferecer serviços de forma gratuita.
Chama-se “gratuidades” a tais esforços, devendo os valores desembolsados serem
registrados contabilmente, por exigência das Normas Brasileiras de Contabilidade e dos
órgãos de controle (MPAS e SRF).
Como exemplo, as entidades educacionais que cedem bolsas de estudos a alunos carentes,
devem demonstrar, para fins de isenção parcial do INSS, a proporção entre o total das
gratuidades e o total da receita bruta (art. 207 do Regulamento da Previdência Social).

Vamos aos exemplos de contabilização de gratuidades.


1) Doação de bolsas de estudos próprias:
Uma entidade educacional doa 10 bolsas de estudos para crianças carentes. O custo de
cada bolsa é de R$ 500,00 cada. Desta forma, teremos a seguinte contabilização mensal:
D - 5.2.1.02 Educação (Benefícios Concedidos – Gratuidade – conta de Resultado)
C - 4.1.2.01 Atendimento à Criança (Receita de Atividade Educacional – conta de Resultado)
R$ 5.000,00
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2) Doação de mercadorias:
Entidade de assistência a idosos distribui agasalhos e alimentos, no valor de R$ 10.000,00:
D - 5.2.1.03 Assistência Social (Benefícios Concedidos – Gratuidade – conta de Resultado)
C - 1.1.3.04 Mercadorias e Produtos para Distribuição (Estoques – Ativo Circulante)
R$ 10.000,00

3) Serviços de terceiros com reembolso parcial dos beneficiários:


Entidade assistencial de saúde efetua prestação de consultas médicas e análises clínicas à
população de baixa renda, no valor de R$ 1.000,00, sendo reembolsáveis 10% deste valor
pelos usuários:

a) Pelo registro do atendimento realizado:


D - 5.2.2.05 Assistência à Saúde (Benefícios Proporcional – Gratuidade - conta de
Resultado) R$ 900,00
D - 1.1.2.04 Atendimentos a Receber (Ativo Circulante) R$ 100,00
C - 2.1.2.03 Contas a Pagar (Passivo Circulante) R$ 1.000,00
b) Pelo recebimento da parcela não subsidiada aos beneficiários:
D - 1.1.1.01 Caixa (Ativo Circulante)
C - 1.1.2.04 Atendimentos a Receber
R$ 100,00
c) Pelo pagamento dos serviços prestados:
D - 2.1.2.03 Contas a Pagar (Passivo Circulante)
C - 1.1.1.02 Bancos Conta Movimento – Recursos Livres
R$ 1.000,00

GRATUIDADES CONDICIONAIS
Pode ocorrer que a gratuidade concedida exija algum requisito do beneficiário (como
aproveitamento mínimo escolar, para bolsa de estudos).
Neste caso, o registro da gratuidade será em conta de ativo, e a despesa registrada só
deverá ocorrer quando a exigência for satisfeita.

Exemplo:
Concessão de bolsa de estudo a um adolescente, no valor de R$ 500,00 mensais,
condicionada à que o aluno obtenha freqüência e aproveitamento mínimo determinados ao
final de cada bimestre.

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a) Registro no primeiro mês, da gratuidade condicional:
D - 1.1.8.06 Gratuidades Condicionais (Ativo Circulante)
C - 4.1.2.02 Atendimento ao Adolescente (Resultado)
R$ 500,00
b) Cumprimento da condição de gratuidade, verificada no segundo mês:
D – 5.2.1.02 Educação (Benefícios Concedidos – Gratuidade – Resultado)
C - 1.1.8.06 Gratuidades Condicionais (Ativo Circulante)
R$ 500,00
c) Lançamento da gratuidade do segundo mês, cuja condição já esteja cumprida:
D – 5.2.1.02 Educação (Benefícios Concedidos – Gratuidade – Resultado)
C - 4.1.2.02 Atendimento ao Adolescente (Resultado)
R$ 500,00
Na hipótese de o aluno não cumprir a exigência contratual fixada para a bolsa de estudo,
deverá reembolsar a entidade. No recebimento, se contabilizará:
D – Caixa ou Bancos Cta. Movimento (Ativo Circulante)
C - 1.1.8.06 Gratuidades Condicionais (Ativo Circulante)
R$ 500,00

XIII. Bibliografia
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Baltimore: The Johns Hopkins Center for Civil Society Studies,1999.
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Rio de Janeiro: Relume-Dumará,1994.
LANDIM, Leilah; BERES, Neide. As organizações sem fins lucrativos no Brasil: ocupação,
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sociale au Nord e au Sud. Paris: De Boeck & Larcier, 1999.
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legal. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1998.
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41
Plêiade, 2009.
DRUCKER, Peter. Administração de organizações sem fins lucrativos: princípios e práticas.
São Paulo: Pioneira, 1994.
HUDSON, Mike. Administrando organizações do Terceiro Setor: o desafio de administrar
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AS FUNDAÇÕES privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. Rio de
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Cidadania, Governo do Estado do Pará, 2006.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995
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CABRAL, Eloísa Helena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo:
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COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e
Estados Unidos. São Paulo: Editora SENAC, 2000.
D`ORFEUIL, Henri Rouillé. Economia cidadã: alternativas ao neoliberalismo. São Paulo:
Editora Vozes, 2002.
Prof. MS. Felippe Jorge Kopanakis Pacheco, diretor Técnico do Instituto Terra Goyazes -
Contato: terragoyazes@gmail.com)

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