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Bom, o seu ponto de vista é primeiramente construído a partir de posições que desrespeitam seu

interlecutor, o que começa por dificultar a construção de um debate que tenha balizas racionais.
Cumpre dizer que entendo por democracia não a possibilidade da criação de uma harmonia
universal, mas justamente a possibilidade da gestão equilibrada e respeitosa do conflito, do
dissenso, da discordância, da diversidade do pensamento (John Rawls, teórico da democracia
liberal e professor de Havard). Então, se estamos agora conversando e divergindo isso só é
possível na democracia.

Daí, não vejo como problema o fato de o homem do vídeo ser pastor (respeito à diversidade
religiosa), ser carioca (respeito à diversidade cultural) e muito menos esquerdista (respeito à
diversidade ideológica). Na mesma medida você desrespeita intelectualmente a pessoa quando a
desqualifica como “historiador de meia pataca”. Ora, se existe uma baixa qualidade nos
argumentos do seu interlocutor necessariamente, em um debate racional com um mínimo de
refinamento, você deve demonstrar logicamente onde se revela a fragilidade do argumento.
Nesse sentido, não basta desqualificá-lo desrepeitosamente como “esquerdopata” (seria uma
aproximação com “psicopata”?).

Na mesma medida, você desrespeita aqueles que são diferentes de você e que se organizam
existencialmente da forma diversa tal como a da tradição judaico-cristã-moderna-burguesa,
quando pejorativamente taxa o outro de “bicha”. Esse termo inferioriza o outro como se fosse de
uma qualidade humana inferior: veja, aqui se revela um importante traço do fanatismo que dá
origem ao stalinismo, ao fascismo, ao nazismo: a crença de que existe uma forma ideal e mais
perfeita de humanidade, o que servirá de régua para hierarquizar outros seres humanos, que
poderão ser considerados inferiores biológica, cultural e moralmente. É diante dessa forma de
pensamento que surgiram as piores desgraças da humanidade como, por exemplo, o holocausto
e a escravidão.

Ainda para referir sobre a categoria da sexualidade, sou crítico ao termo “ideologia de gênero”
como se fosse fruto de um pensamento irracional produzido por paixões ideológicas, o que é
bem ao contrário: o conceito de gênero foi produzido cientificamente nos últimos trinta anos de
maneira interdisciplinar (medicina, psicologia, sociologia, pedagogia, antropologia, filosofia, etc)
nas mais importantes e melhores universidades do mundo. Ou seja, o conceito de “gênero” é
fruto de um debate científico extremamente rigoroso teórica e metodologicamente. Porém,
concordo que seja ideológico, na mesma medida que a tracional heteronormatividade também é
ideológica, pois é referenciada na conservação de um certo modelo político cristão de
organização sexual binária (masculino e feminino) da sociedade. Então, não basta desqualificar o
outro pensamento como ideológico, pois todos as possibilidades de pensamento científico e
político, à esquerda ou à direita, sempre serão ideológicos e isso é um consenso nas ciências
políticas e na filosofia e sociologia da ciência.

“Mandar para o fuzilamento” é exatamente o modus operandi de um tipo de postura política que
não leva em conta o Estado de Direito Democrático, pois não leva em conta a milenar tradição
filosófica e jurídica que defende o direito à justiça. Ora, se alguém comete algum crime, esse
alguém deve ser julgado de maneira transparente e equilibrada por dentro das instituições, de
modo que cumpra com as penas necessárias e proporcionais ao tipo de crime cometido. É só
com justiça que existe democracia. Nesse sentido, opiniões como “eu mandaria morar na cela”
são argumentos rasos e vazios do ponto de vista de um reflexão que tenha referência na tradição
filosófica e jurídica da produção do pensamento ocidental sobre o conceito de individuo ou
mesmo o conceito de humanidade. A Organização das Nações Unidas, após a experiência dos
campos de concentração nazistas, em 1948, estipulou 30 artigos que servissem como parâmetros
para a construção de Estados que respeitassem minimamente a dignidade do humano. A tradição
filosófica que foi sintetizada na Declaração Universal dos Direitos Humanos remonta à
antiguidade, com Zoroastro na Pérsia, Sócrates na Grécia, passando pelo medievo, com os
conceitos cristãos sobre a humanidade de Santo Agostinho e Santo Tomas de Aquino, pela
modernidade, com as noções de autonomia do pensamento racional de Descartes, o imperativo
categórico de Kant, ainda na modernidade com os filósofos iluministas que desdobram a
possibilidade de valores ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, e, por fim, na
contemporaneidade quando a Filosofia faz um balanço das experiências ditatoriais de regimes
tanto socialistas e capitalistas. Por isso, os Direitos Humanos também não são simplesmente
fruto de um delírio ideológico de esquerdistas. Se um guerrilheiro “terrorista” foi preso, do ponto
de vista do Estado Democrático de Direito, ele deveria ter sido julgado e cumprido as penas pelos
crimes cometidos; na mesma medida em que torturadores deveriam ter sido condenados por
violentar brutalmente pessoas completamente inocentes que jamais pegaram em armas ou
participaram de qualquer “grupo terrorista”.

Por fim, é preciso dizer que a Ditadura Militar brasileira se inseriu na lógica da Guerra Fria,
quando tanto a URSS patrocinavam golpes comunistas pelo mundo, na mesma medida que os
EUA patrocinavam golpes capitalistas, com aconteceu no Brasil e no Chile, pelo menos. Nesse
sentido, a Ditadura Militar foi marcada pela subserviência nacional ao interesse norte-americano.
O mesmo ímpeto de impedir que o Brasil se torne uma “Cuba” ou “Venezuela” não é investido
contra políticas privatistas e entreguistas, que oferecem as mais importantes riquezas naturais e
nacionais ao capital estrangeiro. Te pergunto: o EUA seria capaz de privatizar o seu maior
patrimônio estatal, a NASA?

Em uma democracia não existe “porrada neles”, mas sim um debate elevado, respeitoso, dentro
da justiça, dentro da racionalidade. Aqui, não pretendi levantar argumentos de autoridade ao
trazer para o debate referências científicas, sociológicas e filosóficas, mas qualificando meu
argumento exatamente por meio da racionalidade. Vejo Bolsonaro com a expressão da
irracionalidade, do fanatismo e do fascismo. Compartilhar da sensibilidade fascista que lhe dá
suporte é compartilhar de ideais ditatoriais que não devem ser tolerados em uma democracia
evoluída. É preciso ser intolerante com a intolerância.

Quero sim uma bílbia

“a bíblia”

Diversidade de interpretações e de traduções > “a verdade’

Política ideal x maquiavel: “de verdade”, “democracia” > atitudes

“nenhum” político > Marielle

Se mostrar quem ele é > discordo, marketing

Tradição não é automáticamente positiva > a tradição muda

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