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Resenha “Social forces, states and world orders: beyond international relations

theory” (Robert Cox)


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Basicamente, as 35 páginas da obra aqui resenhada estão divididas em dez
seções que, como veremos, estão interligadas e que, a todo momento, o autor as
resgata para fazer com que seu pensamento seja compreendido, a saber:
introdução; prespectivas e propósitos; realismo, marxismo e uma abordagem para
uma teoria crítica da ordem mundial; ambientes para ação: estruturas históricas;
hegemonia e ordens mundiais; forças sociais, hegemonia e imperialismo; a
internacionalização do Estado; a internacionalização da produção; produção
internacional e estrutura de classes; forças sociais, estruturas do Estado e
perspectivas da ordem mundial futura; e notas. Esta resenha não abordará a
última (notas), apesar de ser imprescindível para uma melhor compreensão do
texto.

O autor introduz seu texto demonstrando que uma abordagem teórica, como a que
ele pretende fazer, deve se pautar em aspectos práticos e que sejam nada mais do
que a construção histórica de fatos (sobretudo, das relações humanas/sociais) que
levaram o objeto de estudo da teoria crítica ao que ele é hoje, ouseja, que todo
processo historicamente construído deve ser analisado com suas peculiaridades,
não somente a realidade como um todo. Isso também se encaixa às Relações
Internacionais, que, segundo o autor, é uma área de estudo que envolve atores
estatais e não-estatais em constantes relações que, por sua vez, definirão a paz e
a guerra, em dados momentos. Cox também informa que a Teoria de Relações
Internacionais atual, ao contrário da tradicional, não mais separa a sociedade civil
do Estado em esferas distintas, as quais são fatores imprescindíveis para entender
o campo das RI. Porém, os conceitos abordados nessas duas esferas são
puramente analíticos e muito vagamente e imprecisamente indicativos de distintas
esferas de atividade. Nisso, infoma ainda, que um grupo liderado por Immanuel
Wallerstein e inspirado por Braudel propôs uma teoria dos sistemas-mundo
definida essencialmente em termos de relações sociais – a qual Cox passa a
analisar com foco nas relações de mudança de exploração entre um centro
desenvolvido e uma periferia subdesenvolvida, para a qual correspondem
diferentes formas de controle do trabalho.

Apesar da ênfase nesse sistema-mundo, Cox informa que tal teoria tem sido
criticada por duas razões: (i) sua tendência de subvalorizar o Estado, considerado-
o como meramente derivado de suaposição no sistema mundial; e (ii) sua alegada
preferência na preservação do sistema.

Em perspectivas e propósitos, o autor demonstra a função da teoria, que pode


servir a dois propósitos diferentes: (i) ser uma espécie de bússola para guiar na
resolução de problemas causados dentre de uma perspectiva particular; e (ii) se
tornar claramente aceita para teorizar, e, assim, se tornar (a única, talvez) uma via
para um mundo alternativo. Com isso, ele chega ao conceito geral do que seria
uma teoria para resolver problemas (problem-solving), que seria aquela capaz de
fazer dessas relações e instituições trabalho facilmente ‘delinear’ com fontes
particulares do problema. Portanto, o segundo propósito (ser claramente aceita) é
o que vai alavancar a teoria crítica, que é diferente da teoria de resolver problema,
uma vez que ela não toma instituições e relações de poder sociais, mas as chama
para dentro da questão por considerar elas mesmas com suas origens e como e
onde elas deveriam se situar dentro do processo de mudança. Com isso, o autor
conclui que a teoria crítica é a teoria da história no sentido de ser concebida não
apenas com o passado, mas com um processo contínuo da mudança e que,
apesar de não estar “interessada” com o problema do mundo real, ela contém um
elemento utópico. Isso se fundamenta na explicação de Cox de que, ao contrário
da teoria de resolver problema (que busca sustentar a ordem atual), a teoria crítica
busca levar a uma ordem alternativa.

E com os eventos da década de 1970 (“fluidez e poder”), a teoria crítica teve uma
grande oportunidade para se introduzir nos debates. Feito isso, o autor, nas
seções Realismo, Marxismo e uma abordagem para uma teoria crítica da ordem
mundial, informa sobre a transformação do realismo para o neorrealismo e de
como este último se tornou uma teoria de resolver problema. Tal foto só foi
possível graças ao fato de que o neorrealismo procurou fornecer uma visão
naturalizada da realidade pela: natureza humana, natureza dos Estados e natureza
do sistema de Estado (balança de poder). Com isso, os neorrealistas não se
utilizam da História para fornecer alternativas, e sim meios para perpetuar a ordem
mundial (o anarquismo do sistema internacional), como visto também no debate
neo-neo. Já para o Marxismo, Cox visualiza perspectivas melhores para a teoria
crítica.

Entretanto, alerta sobre a existência de dois marxismos:


1. o materialismo histórico: que busca explicar, bem como promover, mudanças
nas relações sociais, encabeçado por Hobsbawm, Gramsci e franceses da École
dos Annales; e
2. o marxismo estrutural: o qual analisa o Estado e a sociedade capitalista,
resgatando seu passado no conhecimento histórico em favor de uma conceituação
mais abstrata e estática do modo de produção. Seus representantes são Althusser
e Poulantzas.

Para Cox, o marxismo estrutural está mais próximo do neorrealismo (como teoria
de resolver problema) por que compartilha algumas características como sua “não-
história” e epistemologia essencial que não levam a uma aplicabilidade prática
para problemas concretos. Já o primeiro (materialismo histórico), o autor informa
que é uma fonte melhor de teoria crítica e que ele corrige o neorrealismo em
quatro pontos específicos: i) dialético: vê no conflito o processo de uma refilmagem
contínua da natureza humana e a criação de novas maneiras de relações sociais
que mudam as regras do jogos; ii) foca o imperialismo: cuja dimensão é a
dominação e subordinação da metrópole sobre a colônia – centro sobre a periferia
– em uma economia política mundial; iii) relação entre Estado e sociedade civil:
que, de uma perspectiva gramsciana, considera sociedades e Estados complexos
como entidades constituídas de uma ordem mundial; e iv) materialismo histórico:
examina as relações entre poder na produção, no Estado e nas RI.

Feito isso, é possível vislumbrar algumas premissas para tal teoria crítica:

1. Ela começa com uma apreciação histórica da experiência humana (estrura) que
dá origem à necessidade de uma teoria;
2. Está consciente da sua própria relatividade e torna-se menos do que a
resolução de problemas relativos;
3. Na mudança de longa duração do quadro de ação, busca compreender essa
mudança;
4. Esse quadro tem a forma de uma estrutura histórica, uma combinação
específica de pensamento, material condicional humano e instituições. Essas
estruturas não determinam ações do povo, mas o contexto de hábito, expectativas
e constrangimentos dentro do qual se realiza a ação; e
5. O quadro ou estrutura dentro do(a) qual se realiza a ação é para ser visto(a) a
partir do exterior em termos de conflitos que surgem dentro dele, e abrir a
possibilidade da sua transformação.

Porém, em Ambientes para ação: estruturas históricas, o autor informa que


indivíduos e grupos podem deslocar-se com as presões, resistir e opô-las, mas
não podem ignorá-las, e que há três categorias de forças que interagem numa
estrutura: capacidades materiais (recursos que foram acumulados); ideias
(imagens do meio coletivo acerca da ordem mundial); e instituições (que seriam o
amálgama entre os dois primeiros). Neste ponto, o conceito de hegemonia faz-se
imprescindível para demonstrar que há uma estreita relação entre ela e as
instituições, uma vez que as últimas podem se tornar a “âncora” para uma
estratégia hegemônica desde que se prestem com diversos interesses e com a
universalização da política. Porém, Cox é categórico ao informar que a hegemonia
pode não ser reduzida a uma dimensão institucional e que as instituições podem
ser uma manifestação de hegemonia, mas não podem ser tomadas como idênticas
à hegemonia.

Em Hegemonia e ordem mundial, o professor afirma que a hegemonia se baseia


em um conjunto coerente entre uma configuração ou ajuste do poder material,
onde prevalece o intuito da imagem coletiva do mundo e onde um conjunto de
instituições administram a ordem mundial com uma certa aparência de
universalidade. Por isso, ele também afirma que a estabilidade da ordem
internacional pode ser entendida se o conceito de hegemonia (como um ajuste
entre potências, ideias e instituições) também for entendido. O autor, neste ponto,
demonstra de que forma o modo dominante de produção é sustentado a nível
global.

Interligada à questão da hegemonia, está a de internacionalização do Estado.


Essa internacionalização seria a forma encontrada pelos Estados para, através da
queda de fronteiras (em suas várias acepções, sobretudo a comercial), manterem
sua hegemonia. Para tal explicação, Cox se utiliza dos exemplos da pax
americana e das Instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI etc.), além da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Em seguida, tem-se a internacionalização da produção, que está associada à do


Estado e que busca integrar processos de produção em uma escala internacional
e com diversas fases de um processo único para diferentes países.

Essa internacionalização da produção gera uma relação entre a produção


internacional e a estrutura de classe. As barreiras nacionalistas caem, formando,
assim, uma única classe: a classe mundial. Ela se torna objeto de políticas de
órgãos – aqui já mencionados – para manter a hegemonia e a estabilidade da
ordem mundial.

Na penúltima parte (a última, Notas, como já falado, não será tratada nesta
resenha), Forças sociais, estruturas do Estado e perspectivas da ordem mundial, o
autor apresenta as forças sociais como fatores sinequa non para a concepção de
uma mudança na ordem mundial. Para isso, segundo ele, é preciso pensar no
futuro sob o ponto de vista de uma teoria crítica. Eis alguns desses pontos de
partida para a indagação crítica:

1. A perspectiva de uma nova hegemonia que se baseia na estrutura global de


poder social gerada pela internacionalização da produção;
2. Uma estrutura de poder não-hegemônico mundial de centros conflitantes; e
3. Desenvolvimento de uma contra-hegemonia baseada numa coalização contra a
dominação do centro pelos países de Terceiro Mundo e visando o
desenvolvimento autônomo dos países periféricos e à ruptura do relacionamento
centro-periferia.

Tendo em vista essas perspectivas, a solução apresentada por Cox para que essa
mudança na ordem mundial seja alcançada dependerá mais da atuação dos
países periféricos do que dos centrais, uma vez que os últimos constituem a
hegemonia, a qual é sustentada por instituições e políticas comuns. Seguindo esse
raciocínio de Cox, creio que essa mudança só será possível via ação social (das
sociedades civis) e não de instituições internacionais. Logo, não estaria nas
relações sociais internacionais, mas sim nas relações sociais nacionais a chave
para compreender o processo histórico que levou a realidade a se constituir como
ela é (estrutura) e, por conseguinte, modificá-la. Uma visão parecida com a de
Marx, apesar do caráter internacionalista do comunismo.

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