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Parte 1

Conjuntos finitos, enumeráveis e


não-enumeráveis Georg Ferdinand Ludwig
Philipp Cantor
(1845-1818) Rússia.

Para saber mais sobre os núme-

A descoberta de que há diversos tipos de infinito deve-se a Georg ros cardinais, consulte:

Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, será necessário distin-


Halmos, Paul R., Teoria Ingénua
guir os conjuntos, quanto ao número de elementos, apenas em três ca- dos Conjuntos, Editora Polı́gono,
São Paulo, 1970.
tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeráveis e os conjuntos
não-enumeráveis.
A noção de conjunto enumerável, como veremos, está estritamente
ligada ao conjunto N dos números naturais. Por isso iniciamos o curso
com uma breve apresentação da teoria dos números naturais a partir dos
axiomas de Peano, que exibem os números naturais como números ordi-
nais, isto é, objetos que ocupam lugares determinados numa sequência
ordenada. Depois, empregaremos os números naturais para a contagem
Giuseppe Peano
dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como (1858-1932) Itália.
números cardinais.
Dedekind definiu o conjunto N dos números naturais a partir da teoria
dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos.
É apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem
e tudo o mais decorre daı́. Não interessa o que os números são, mas
apenas as suas propriedades.
Julius Wihelm
Richard Dedekind
(1831-1916) Braunschweig,
hoje Alemanha.

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2 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

1. Os números naturais

Toda a teoria dos números naturais pode ser deduzida dos três axi-
omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.
São dados, como objetos não-definidos, um conjunto, que se de-
signa pela letra N, cujos elementos são chamados números naturais, e
uma função s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o número natural s(n) é
chamado o sucessor de n.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
(I) s : N −→ N é injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), então m = n.
(II) N − s(N) consiste de um único elemento, ou seja, existe um
único número natural que não é sucessor de outro número natural. Este
número, chamado um, é representado pelo sı́mbolo 1.
Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um único m ∈ N
tal que s(m) = n.
Uma demonstração na qual o axi-
(III) (Princı́pio de Indução) Se X ⊂ N é tal que 1 ∈ X e, para todo oma (III) é empregado, chama-se
uma demonstração por indução.
n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, então X = N. Ver exemplo 1.1.

Exemplo 1.1 Demonstrar por indução que s(n) 6= n para todo n ∈ N.


Solução: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .
(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular
s(1) 6= 1.
(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.
Como s é injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto é, s(n) ∈ X.
Então, pelo princı́pio de indução, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n
para todo n ∈ N. 

Não menos importante do que de-


As definições por indução baseiam-se na possibilidade de se iterar monstrar proposições usando o
princı́pio de indução é saber de-
uma função f : X −→ X um número arbitrário, n, de vezes. finir objetos por indução.

Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma função.


A cada n ∈ N podemos associar, de modo único, uma função fn : X −→ X
tal que:

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Análise na Reta

Numa exposição sistemática da f1 = f e fs(n) = f ◦ fn .


teoria dos números naturais, a
existência do n−ésimo iterado fn Usando as iteradas da função s : N −→ N vamos definir por indução
de uma função f : X −→ X é
um teorema, chamado Teorema
a adição de números naturais.
da Definição por Indução.

Definição 1.1 Sejam m, n ∈ N. O número natural sn (m) é chamado a


A operação de adição de
soma de m e n e é designado por m + n. Isto é,
números naturais é uma função
que a cada par de números m + n = sn (m) .
naturais (m, n) ∈ N × N faz
corresponder o número natu- A operação que consiste em somar números naturais é denominada adição,
ral sn (m) designado m + n e
chamado a soma de m e n. e é designada pelo sı́mbolo +.
Isto é,
+:N×N −→ N Assim,
(m, n) 7−→ m + n = sn (m)
• m + 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).

• m + s(n) = ss(n) (m) = s(sn (m)) = s(m + n),


ou seja,
m + (n + 1) = (m + n) + 1 .

Proposição 1.1 A adição de números naturais possui as seguintes pro-


priedades:
(a) Associatividade: m + (n + p) = (m + n) + p .
(b) Comutatividade: m + n = n + m .
(c) Tricotomia: dados m, n ∈ N, exatamente uma das seguintes três alter-
nativas ocorre: ou m = n , ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe
q ∈ N tal que n = m + q.
(d) Lei de cancelamento: m + n = m + p =⇒ n = p .

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N números naturais arbitrários e seja
X = {p ∈ N | m + (n + p) = (m + n) + p} .
Então 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que
m + (n + s(p)) = m + s(n + p) = s(m + (n + p)) = s((m + n) + p)
= (m + n) + s(p) .

Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,


quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

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Os números naturais

(b) • Seja X = {m ∈ N | m + 1 = 1 + m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se


1 + s(m) = s(1 + m) = s(m + 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,
ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto é, m + 1 = 1 + m, qualquer que seja
m ∈ N.
• Seja Y = {m ∈ N | m + n = n + m}, onde n ∈ N.
Então, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que
n + s(m) = s(n + m) = s(m + n) = m + s(n)
= m + (n + 1) = m + (1 + n) = (m + 1) + n
= s(m) + n ,

ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, m + n = n + m quaisquer que


sejam m, n ∈ N.
(c) Seja m ∈ N e seja
X = {n ∈ N | n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .
(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m é o sucessor de
algum número n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que
1 + n0 = n0 + 1 = s(n0 ) = m .
(2) Seja n ∈ X. Então, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou
existe q ∈ N tal que m = n + q.
Vamos provar que s(n) ∈ X.
De fato,
• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m + 1 .
• se n = m + p =⇒ s(n) = s(m + p) = (m + p) + 1 = m + (p + 1) .
• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,
s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.
Logo,
m = n + q = n + (q0 + 1) = n + (1 + q0 ) = (n + 1) + q0 = s(n) + q0 .
Exercı́cio 1: Para provar que vale
Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que exatamente uma das três alterna-
tivas ao lado, verifique antes que
s(n) = m + r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `. n + p 6= n quaisquer que sejam
n, p ∈ N.
Logo, X = N, ou seja, dados m, n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe
p ∈ N tal que m = n + p, ou existe q ∈ N tal que n = m + q.

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Análise na Reta

(d) Sejam m, n, p ∈ N tais que m + n = m + p.


Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal
que n = p + q, ou existe ` ∈ N tal que p = n + `.
Então, se p 6= n, temos que:
• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que é
uma contradição (ver o exercı́cio 1 acima).
ou
• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que é também uma
contradição.
Logo, p = n. 

A relação de ordem no conjunto dos números naturais é definida em


termos da adição.

Definição 1.2 Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor do que n (ou


A notação m ≤ n significa que m
que n é maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir
é menor do que ou igual a n.
p ∈ N tal que n = m + p.

Proposição 1.2 A relação < possui as seguintes propriedades:


(a) Transitividade: se m < n e n < p, então m < p.
(b) Tricotomia: dados m, n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas
seguintes:
m = n, ou m < n, ou n < m.
(c) Monotonicidade: se m < n então m + p < n + p para todo p ∈ N.

Prova.
(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1
e p = n + q2 .
Logo,
p = n + q2 = (m + q1 ) + q2 = m + (q1 + q2 ).
Então, m < p.
(b) Sejam m, n ∈ N. Então, ocorre exatamente uma das seguintes alter-
nativas:

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Os números naturais

• ou m = n;
• ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou seja n < m;
• ou existe q ∈ N tal que n = m + q, ou seja m < n.
(c) Sejam m, n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m + q.
Logo,
n + p = (m + q) + p = m + (q + p) = m + (p + q) = (m + p) + q ,
ou seja, m + p < n + p. 

Definiremos, agora, a multiplicação de números naturais.

Definição 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a função definida por A operação de multiplicação é
a função que a cada par de
fm : N −→ N números naturais associa o seu
p 7−→ fm (p) = p + m . produto:
·:N×N −→ N
O produto de dois números naturais é definido por: (m, n) 7−→ m·n
Multiplicar dois números naturais
• m · 1 = m, significa calcular o produto entre
eles.
• m · (n + 1) = (fm )n (m) . O produto de m e n é designado
por m · n ou por m n.
Assim, multiplicar um número m por 1 não o altera, e multiplicar m
por um número maior que 1, ou seja, por um número da forma n + 1, é
iterar n−vezes a operação de somar m, começando com m.
Por exemplo:
m · 2 = fm (m) = m + m;

m · 3 = (fm )2 (m) = fm (fm (m)) = fm (m + m) = m + m + m.

Observação 1.1 Pela definição acima, temos que


m · (n + 1) = m · n + m , ∀ m, n ∈ N
De fato, se n = 1, então
m · n + m = m · 1 + m = m + m = (fm )1 (m) = m · (1 + 1) .
Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0 ) = n. Logo,
m · n + m = m · (n0 + 1) + m = (fm )n0 (m) + m
= fm ((fm )n0 )(m) = (fm )s(n0 ) (m)
= (fm )n (m) = m · (n + 1) .

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Análise na Reta

Proposição 1.3 A multiplicação de números naturais satisfaz as se-


guintes propriedades:
(a) Distributividade: m · (n + p) = m · n + m · p e (m + n) · p = m · p + n · p.
(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.
(c) Comutatividade: m · n = n · m.
(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.
(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.

Prova.
(a) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n + p) = m · n + m · p} .
Já vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Então,
m · (n + (p + 1) = m · ((n + p) + 1) = m · (n + p) + m · 1
= (m · n + m · p) + m = m · n + (m · p + m)
= m · n + m · (p + 1) , ou seja, p + 1 ∈ X.

Logo, X = N. Isto é, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam


m, n, p ∈ N.
Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m + n) · p = m · p + n · p} . Então,
• 1 ∈ Y, pois (m + n) · 1 = m + n = m · 1 + n · 1.
• Se p ∈ Y, temos:
(m + n) · (p + 1) = (m + n) · p + (m + n) = m · p + n · p + m + n
= m · p + m + n · p + n = m · (p + 1) + n · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto é, (m + n) · p = m · p + n · p quaisquer


que sejam m, n, p ∈ N.
(b) Sejam m, n ∈ N e seja X = {p ∈ N | m · (n · p) = (m · n) · p} . Então,
• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.
• Se p ∈ X, temos
m · (n · (p + 1)) = m · (n · p + n) = m · (n · p) + m · n
= (m · n) · p + m · n = (m · n) · (p + 1) ,

ou seja, p + 1 ∈ X .
Logo, X = N, isto é, m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejam m, n, p ∈ N.

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Os números naturais

(c) Seja X = {m ∈ N | m · 1 = 1 · m} . Então, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que


(m + 1) · 1 = m · 1 + 1 · 1 = 1 · m + 1 · 1 = 1 · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ X.
Logo, X = N, isto é, m · 1 = 1 · m, ∀ m ∈ N.
Seja, agora, Y = {m ∈ N | m · n = n · m} , onde n ∈ N. Então, pelo que
acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.
Se m ∈ Y, temos
(m + 1) · n = m · n + 1 · n = n · m + 1 · n = n · m + n = n · (m + 1) ,
ou seja, m + 1 ∈ Y.
Logo, Y = N, ou seja, m · n = n · m quaisquer que sejam m, n ∈ N.
(d) Sejam m, n ∈ N tais que m < n. Então, existe q ∈ N tal que n = m+q.
Logo,
n · p = (m + q) · p = m · p + q · p ,
ou seja, m · p < n · p.
(e) Sejam m, n, p ∈ N tais que m · p = n · p.
Então, m = n, pois, caso contrário, terı́amos que:
• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),
ou
• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . 

Definição 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o menor elemento de


X, ou o elemento mı́nimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.

Observação 1.2 • 1 é o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe


n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Então, n > 1.
• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, então 1 é o menor elemento de X.
Existe X ⊂ N sem menor ele-
• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, é único. De fato, se
mento?
p e q são menores elementos de X, então p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.

Definição 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X é o maior elemento de


X, ou o elemento máximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.

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Análise na Reta

Observação 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-


mento. Por exemplo, N não tem um maior elemento, pois se n ∈ N, então
n + 1 = s(n) ∈ N e n + 1 > n.
• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele é único.

Teorema 1.1 (Princı́pio da Boa Ordenação)


Todo subconjunto não-vazio A ⊂ N possui um elemento mı́nimo.

Prova.
Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N − A} .
Se 1 ∈ A, então 1 é o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, então 1 ∈ X.
Como A 6= ∅ e X ⊂ N − A, temos que X 6= N.
Logo, pelo princı́pio de indução, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,
1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.
Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.
Outra demonstração.
Suponha, por absurdo, que A não tem um menor elemento. Seja
X = {p ∈ N | p ≤ n , ∀ n ∈ A} .
Então:
(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀ n ∈ N.
(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀ n ∈ A.
Como A não tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para
todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p + qn .
Então, p < p + qn =⇒ p + 1 ≤ p + qn = n , ∀ n ∈ A =⇒ p + 1 ∈ X.
Pelo princı́pio de indução, temos que X = N, o que é um absurdo, pois,
como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,
n0 + 1 ≤ n0 . 

Teorema 1.2 (Segundo Princı́pio de Indução)


Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se
X contém todos os números naturais m tais que m < n, então n ∈ X.
Nestas condições, X = N.

10 J. Delgado - K. Frensel
Os números naturais

Prova.
É obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrário, existiria algum número natural
n 6∈ X tal que n < 1.
Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n + 1 ∈ X.
De fato, se n + 1 6∈ X, existe p0 < n + 1 tal que p0 6∈ X.
Seja A = {q ∈ N | q < n + 1 e q 6∈ X}.
Então, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,
q0 < n + 1 e q0 6∈ X.
Se p < q0 , temos que p ∈ X, já que p < q0 < n + 1 e q0 é o menor
elemento não pertencente a X com esta propriedade.
Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipótese, que q0 ∈ X,
o que é uma contradição.
Assim, se n ∈ X, temos que n + 1 ∈ X.
Então, pelo Primeiro Princı́pio de Indução, X = N.
Outra demonstração.
Seja A = N − X. Se X 6= N, então A 6= ∅.
Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo
n ∈ A.
Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipótese, p ∈ X, o
que é uma contradição. Logo, X = N. 

Exemplo 1.2 Um número natural p é chamado primo quando p 6= 1 e


não pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.
O Teorema Fundamental da Aritmética diz que todo número natural maior
do que 1 se decompõe, de modo único, como um produto de fatores pri-
mos.
Podemos provar a existência desta decomposição utilizando o Segundo
Princı́pio de Indução.
De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo número natural m < n pode
ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.
Se n é primo, não há nada a provar.

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Análise na Reta

Se n não é primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.


Pela hipótese de indução, p e q são produtos de fatores primos. Logo,
n = pq é também um produto de fatores primos.
Pelo Segundo Princı́pio de Indução, obtemos que todo número natural,
n > 1, é produto de números primos. 

Teorema 1.3 (Definição por Indução)


Para ver uma prova do Teorema Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor
de Definição por Indução, con-
f(1) e seja dada também uma regra que nos permite obter f(n) a partir do
sulte Fundamentals of Abstract
Analysis de A.M. Gleason, p. 145. conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Então, existe uma, e
somente uma função f : N −→ X que toma esses valores.

Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma função f : N −→ N por


indução, pondo f(1) = a e f(n + 1) = a · f(n).
Então, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.
Logo, f(n) = an . Definimos, assim, por indução, a n−ésima potência do
número natural a. 

Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a função definida indutivamente por


f(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) · (n + 1).
Então, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.
Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! é o fatorial de n. 

Exemplo 1.5 Definir por indução a soma de uma n−úpla de números


A multiplicação de uma n−úpla
de números naturais pode ser de- naturais.
finida, também, por indução como
fazemos para a adição no exem- Solução: Seja X o conjunto das funções tomando valores em N e seja
plo ao lado.
f : N −→ X a função definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que
f(1)(a) = a, e f(n + 1) : Nn+1 −→ N tal que
f(n + 1)(a1 , . . . , an+1 ) = f(n)(a1 , . . . , an ) + an+1 .
Então, f(1)(a) = a, f(2)(a1 , a2 ) = f(1)(a1 )+a2 = a1 +a2 , f(3)(a1 , a2 , a3 ) =
f(2)(a1 , a2 ) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.
Assim, f(n)(a1 , . . . , an ) = f(n−1)(a1 , . . . , an−1 )+an = a1 +. . .+an−1 +an .


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Conjuntos finitos e infinitos

2. Conjuntos finitos e infinitos

Definição 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.


Um conjunto X chama-se finito quando é vazio ou quando existe uma
bijeção ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.
No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,
dizemos que X tem n elementos.

Observação 2.1 Intuitivamente, uma bijeção ϕ : In −→ X significa uma


contagem dos elementos de X.
Pondo ϕ(1) = x1 , ϕ(2) = x2 ,. . . ,ϕ(n) = xn , temos X = {x1 , x2 , . . . , xn } .

Observação 2.2
• Cada conjunto In é finito e possui n elementos.
• Se f : X −→ Y é uma bijeção, então X é finito se, e só se, Y é finito.

Para verificar que o número de elementos de um conjunto está bem


definido, devemos provar que se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e
ψ : Im −→ X, então n = m.
Considerando a função f = ψ−1 ◦ ϕ : In −→ Im , basta provar que se
existe uma bijeção f : In −→ Im , então m = n. Podemos supor, também,
que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In .

Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto não vazio. Se existe uma


bijeção f : In −→ A, então A = In .

Prova.
Provaremos o resultado por indução em n.
Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.
Logo A = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para n e consideremos uma bijeção
f : In+1 −→ A.
A restrição de f a In fornece uma bijeção f 0 : In −→ A − {f(n + 1)}. Se
A−{f(n+1)} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A−{f(n+1)} = In .

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Análise na Reta

Então, f(n + 1) = n + 1 e A = In+1 .


Se, porém, A − {f(n + 1)} 6⊂ In , então n + 1 ∈ A − {f(n + 1)}. Neste caso,
existe p ∈ In tal que f(p) = n + 1, e f(n + 1) = q ∈ In .
Definimos, então, uma nova bijeção g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se
x 6= p e x 6= n + 1, g(p) = q e g(n + 1) = n + 1.
Agora, a restrição de g a In nos dá uma bijeção g 0 : In −→ A − {n + 1}.
Como A − {n + 1} ⊂ In , temos, pela hipótese de indução, que A − {n + 1} =
In , ou seja A = In+1 . 

Corolário 2.1 Se existir uma bijeção f : Im −→ In então m = n. Con-


seqüentemente, se existem duas bijeções ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X
então m = n.

Prova.
Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im .
Logo, m = n, pelo teorema anterior.
Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im é uma bijeção tal que Im ⊂ In .
Portanto, Im = In . 

Corolário 2.2 Não existe uma bijeção f : X −→ Y de um conjunto finito


X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Sendo X finito, existe uma bijeção ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.
Seja A = ϕ−1 (Y).
Então, A é uma parte própria de In e a restrição de ϕ a A fornece uma
bijeção f 0 : A −→ Y.
X −−−→ Y
f
x x

ϕ
 0
ϕ
In −−−→ A
g

A composta g = (ϕ 0 )−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria então uma bijeção de In


sobre sua parte própria A, o que é uma contradição pelo teorema anterior.
Logo, não existe a bijeção f : X −→ Y. 

14 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Teorema 2.2 Se X é um conjunto finito então todo subconjunto Y ⊂ X é


finito. Além disso, o número de elementos de Y é menor do que ou igual
a o número de elementos de X e é igual se, e somente se, Y = X.

Prova.
Designaremos por #(A) o número
Seja f : In −→ X uma bijeção e seja f 0 : A −→ Y a restrição de f a
de elementos de um conjunto A.
A = f−1 (Y) ⊂ In .
Se provarmos que A é finito, que #(A) é menor do que ou igual a n e é
igual a n se, e somente se, A = In , teremos que Y é finito, que #(Y) = #(A)
é menor do que ou igual a #(In ) = #(X), e é igual se, e somente se A = In ,
ou seja, se, e somente se, Y = X.
Basta, então, provar o teorema no caso em que X = In .
Se n = 1, então Y = ∅ ou Y = {1}.
Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e só se, Y = {1} = I1 .
Suponhamos que o teorema seja válido para In e consideremos um sub-
conjunto Y ⊂ In+1 .
Se n + 1 6∈ Y, então Y ⊂ In . Logo, pela hipótese de indução, Y é um
conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n + 1.
Se, porém, n + 1 ∈ Y, temos que Y − {n + 1} ⊂ In . Logo, Y − {n + 1} é um
conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.
Se Y − {n + 1} 6= ∅, existe uma bijeção ψ : Ip −→ Y − {n + 1}.
Definimos, então, a bijeção ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ip
e ϕ(p + 1) = n + 1.
Segue-se que Y é finito e que #(Y) = p + 1 ≤ n + 1.
Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos então Y = In .
Se #(Y) = n, existe uma bijeção f : In −→ Y.
Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In . 

Corolário 2.3 Seja f : X −→ Y uma função injetiva. Se Y é finito, então


X também é finito, e o número de elementos de X não excede o de Y.

Prova.
Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) é uma bijeção.

Instituto de Matemática - UFF 15


Análise na Reta

Como f(X) ⊂ Y e Y é finito, temos que f(X) é finito e #(f(X)) ≤ #(Y).


Logo, o conjunto X é finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). 

Corolário 2.4 Seja g : X −→ Y uma função sobrejetiva. Se X é finito,


então Y é finito e o seu número de elementos não excede o de X.

Designamos por IA : A −→ A a Prova.


função identidade do conjunto A.
Como g : X −→ Y é sobrejetiva, existe uma função f : Y −→ X tal que
g ◦ f = IY , ou seja, g possui uma inversa à direita.
De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, então,
Exercı́cio 2: Prove que dada uma
função f : X −→ Y injetiva, existe f(y) = x.
uma função g : Y −→ X tal que
g ◦ f = IX , ou seja, f possui Além disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y 0 )
uma inversa à esquerda. Verifi-
que, também, que se g ◦ f = IX ,
então y = y 0 , ou seja, f é injetiva.
então g é sobrejetiva.
Então, pelo corolário anterior, Y é um conjunto finito e o seu número de
elementos não excede o de X. 

Definição 2.2 Um conjunto X é infinito quando não é finito. Ou seja,


X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, não existe uma bijeção ϕ : In −→ X.

Exemplo 2.1 O conjunto dos números naturais é infinito.


De fato, dada qualquer função ϕ : In −→ N, n > 1, tome
p = ϕ(1) + . . . + ϕ(n) .
Então, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In ), ou seja,
ϕ não é sobrejetiva.
Outra maneira de verificar que N é infinito é considerar o conjunto dos
números naturais pares
P = {2 n = n + n | n ∈ N}
e a bijeção ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2 n.
Como P é um subconjunto próprio de N, temos, pelo corolário 2.2, que N
é infinito. 

Observação 2.3 Como consequência dos fatos provados acima para


conjuntos finitos, segue que:
• se X é infinito e f : X −→ Y é injetiva, então Y é infinito.

16 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

• se Y é infinito e f : X −→ Y é sobrejetiva, então X é infinito. Segue da observação ao lado


que os conjuntos Z e Q, dos
• se X admite uma bijeção sobre uma de suas partes próprias, então X é números inteiros e dos números

infinito. racionais, respectivamente, são


infinitos, pois ambos contêm N.

Definição 2.3 Um conjunto X ⊂ N é limitado se existe p ∈ N tal que


n ≤ p para todo n ∈ X.

Teorema 2.3 Seja X ⊂ N não-vazio. As seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) X é finito;
(b) X é limitado;
(c) X possui um maior elemento.

Prova.
(a)=⇒(b) Seja X = {x1 , . . . , xn } e seja a = x1 + . . . + xn . Então a > xi
para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X é limitado.
(b)=⇒(c) Como X é limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.
Então, o conjunto
A = {p ∈ N | p ≥ n ∀ n ∈ X}
é não-vazio. Pelo Princı́pio da Boa Ordenação, existe p0 ∈ A que é o
menor elemento de A.
Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀ n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.
Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1 + q0 .
Assim, p0 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n + 1 ∀ n ∈ X. Então q0 ≥ n
∀ n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que é absurdo, pois q0 < p0 e p0 é o menor
elemento de A.
Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀ n ∈ X, ou seja, p0 é o maior elemento de X.
(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Então, p ∈ X e p ≥ n ∀ n ∈ X.
Logo, X ⊂ Ip e é, portanto, finito. 

Observação 2.4 Um conjunto X ⊂ N é ilimitado quando não é limitado, Note que: pelo teorema 2.3, an-
terior, X é infinito se, e somente
ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p. se, X é ilimitado.

Instituto de Matemática - UFF 17


Análise na Reta

Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-


mentos respectivamente. Então, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos.

Prova.
Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijeções.
Definamos a função f : Im+n −→ X ∪ Y pondo
f(x) = f1 (x) se 1 ≤ x ≤ m
f(m + x) = f2 (x) se 1 ≤ x ≤ n .

Como X ∩ Y = ∅, é fácil verificar que f é uma bijeção.


Logo, X ∪ Y é finito e possui m + n elementos. 

Exercı́cio 3: Use o teorema 2.4 e


Corolário 2.5 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,
o Princı́pio de Indução para pro- com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente. Então X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e
var o corolário 2.5, ao lado.
possui n1 + . . . + nk elementos.

Corolário 2.6 Sejam Y1 , . . . , Yk conjuntos finitos (não necessariamente


disjuntos) com n1 , . . . , nk elementos, respectivamente.
Então Y1 ∪ . . . ∪ Yk é finito e possui no máximo n1 + . . . + nk elementos.

Prova.
Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi } e seja ϕi : Yi −→ Xi
a função definida por ϕi (x) = (x, i).
Como ϕi é uma bijeção, temos que Xi é finito e possui ni elementos,
i = 1, . . . , k. Além disso, os conjuntos finitos X1 , . . . , Xk são disjuntos dois
a dois.
Logo, pelo corolário anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk é finito e possui n1 + . . . + nk
elementos.
Seja
f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk
a função definida por f(x, i) = x.
Como f é sobrejetiva, X1 ∪ . . . ∪ Xk finito e possui n1 + . . . + nk elementos,
temos que Y1 ∪. . .∪Yk é finito e possui no máximo n1 +. . .+nk elementos.


18 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos finitos e infinitos

Corolário 2.7 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos com n1 , . . . , nk elemen-


tos respectivamente. Então o produto cartesiano X1 × . . . × Xk é finito e
possui n1 · . . . · nk elementos.

Prova.
Basta provar o corolário para k = 2, pois o caso geral segue por indução
em k.
Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.
Se Y = {y1 , . . . , yn }, então X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn , onde Xi = X × {yi },
i = 1, . . . , n.
Como X1 , . . . , Xn são disjuntos dois a dois e todos possuem m elementos,
temos que X × Y é finito e possui m · n elementos. 

Corolário 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos res-


pectivamente. Então o conjunto F(X; Y) de todas as funções de X em Y é
finito e possui nm elementos.

Prova.
Seja ϕ : Im −→ X uma bijeção. Então, a função
H : F(X; Y) −→ F(Im ; Y)
f 7−→ f ◦ ϕ

é uma bijeção. De fato, a função


L : F(Im ; Y) −→ F(X; Y)
g 7−→ g ◦ ϕ−1

é a inversa da função H.
Logo, basta provar que F(Im ; Y) é um conjunto finito e que possui nm
elementos.
Seja a função
F : F(Im ; Y) −→ Y × . . . × Y (m fatores)
definida por
F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .
Como F é uma bijeção e Y × . . . × Y (m fatores) possui nm elementos pelo
corolário anterior, temos que F(Im ; Y) é finito e possui nm elementos. 

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Análise na Reta

3. Conjuntos enumeráveis

Definição 3.1 Um conjunto X é enumerável quando é finito ou quando


existe uma bijeção f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumerável e
pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeração de X:
X = {x1 , . . . , xn , . . .} .

Exemplo 3.1 O conjunto P dos números naturais pares e o conjunto


I = N − P dos números naturais ı́mpares são conjuntos infinitos enu-
meráveis.
De fato, as funções
ϕ1 : N −→ P ϕ2 : N −→ I
e
n 7−→ ϕ1 (n) = 2 n n 7−→ ϕ2 (n) = 2 n − 1

são bijeções. 

Exemplo 3.2 O conjunto Z dos números inteiros é infinito enumerável.


De fato, a função ϕ : Z −→ N definida por

2 n se n ≥ 1
ϕ(n) =
−2n + 1 se n ≤ 0

é uma bijeção. Logo, ϕ−1 : N −→ Z é uma enumeração de Z. 

Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contém um subconjunto infinito


enumerável.

Prova.
Basta provar que existe uma função f : N −→ X injetiva, pois, assim,
f : N −→ f(N) é uma bijeção, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-
nito enumerável de X.
Para cada subconjunto A não-vazio de X podemos escolher um elemento
xA ∈ A.
Vamos definir por indução uma função f : N −→ X.
Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) já foram definidos.
Seja An = X − {f(1), . . . , f(n)}.

20 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos enumeráveis

Como X não é finito, An não é vazio.


Defina, então f(n + 1) = xAn .
A função f : N −→ X é injetiva.
Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, então f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n − 1)} e
f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n − 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). 

Corolário 3.1 Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma


bijeção f : X −→ Y de X sobre uma parte própria Y ⊂ X.

Prova.
Se uma tal bijeção existir, pelo corolário 2.2, X não é finito.
Reciprocamente, se X é infinito, X contém um subconjunto infinito enu-
merável A = {a1 , . . . , an , . . .}.
Seja Y = (X − A) ∪ {a2 , a4 , . . . , a2n , . . .}.
Então Y é uma parte própria de X, pois
X − Y = {a1 , a3 , . . . , a2n−1 , . . .}.
Além disso, a função f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e
f(an ) = a2n , n ∈ N, é uma bijeção de X sobre Y. 

Observação 3.1 Como consequência do teorema anterior, temos que:


Um conjunto é finito se, e somente se, não admite uma bijeção sobre uma
parte sua própria.
Obtém-se, assim, uma caracterização dos conjuntos finitos que independe
do conjunto N.

Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N é enumerável.

Prova.
Se X é finito, então X é enumerável, por definição.
Suponhamos que X é infinito.
Vamos definir por indução uma bijeção f : N −→ X.
Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram
definidos satisfazendo as seguintes condições:

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Análise na Reta

(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;


(b) Se Bn = X − {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn .
Como Bn 6= ∅, pois X é infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de
Bn . Então, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =
X − {f(1), . . . , f(n + 1)}.
Como f : N −→ X é crescente, f é injetiva.
Além disso, f é sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X − f(N), terı́amos
que
x ∈ X − f(N) ⊂ X − {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,
para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ N
seria infinito e limitado, o que é absurdo. 

Exemplo 3.3 O conjunto dos números primos é infinito (fato conhecido)


e enumerável. 

Corolário 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijeção


crescente ϕ : N −→ X.

Corolário 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.

Corolário 3.4 Se f : X −→ Y é uma função injetiva e Y é enumerável,


então X é enumerável.

Prova.
Como f(X) ⊂ Y é enumerável e f : X −→ f(X) é uma bijeção, temos
que X é enumerável. 

Corolário 3.5 Se f : X −→ Y é uma função sobrejetiva e X é enu-


merável, então Y é enumerável.

Prova.
Como f : X −→ Y é sobrejetiva, f possui uma inversa à direita, ou seja,
existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY . Então, g é injetiva. Logo, Y é
enumerável. 

Teorema 3.3 Se X e Y são conjuntos enumeráveis, então o produto


cartesiano X × Y é enumerável.

22 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Prova.
Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeráveis, existem funções f : X −→ N
e g : Y −→ N injetivas.
Seja f × g : X × Y −→ N × N definida por f × g(x, y) = (f(x), g(y)). Como
f e g são injetivas, f × g também é injetiva.
Basta, então, provar que N × N é enumerável. Para isso, definimos a
função h : N × N −→ N, pondo h(m, n) = 2m · 3n . Pela unicidade da
decomposição em fatores primos, f é injetiva e, portanto, N × N é enu-
merável. 

Corolário 3.6 O conjunto Q dos números racionais é enumerável.

Prova.

p Designamos Z? = Z − {0} .
Sabemos que Q = p ∈ Z e q ∈ Z? , e que Z × Z? é enumerável.
q
p
Como a função f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) = é sobrejetiva,
q
segue-se do corolário 3.5 que Q é enumerável. 

Corolário 3.7 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos enumeráveis. Então a



[
reunião X = Xn é enumerável. Ou seja, uma reunião enumerável de
n=1

conjuntos enumeráveis é enumerável.

Prova.
Tomemos, para cada m ∈ N, uma função fm : N −→ Xm sobrejetiva, e
definamos a função f : N × N −→ X pondo f(m, n) = fm (n). Como f é
sobrejetiva e N × N é enumerável, tem-se que X é enumerável. 

Observação 3.2 Uma reunião finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos


enumeráveis é enumerável.

Observação 3.3 Se X1 , . . . , Xk são conjuntos enumeráveis, seu pro-


duto cartesiano X1 × . . . × Xk é enumerável.
Y

Porém, nem sempre, o produto cartesiano X = Xn de uma seqüência
n=1

de conjuntos enumeráveis é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 23


Análise na Reta

4. Conjuntos não-enumeráveis

Veremos, agora, que existem conjuntos não-enumeráveis. Mais ge-


Ao lado, estamos designando ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um
card(X) o número cardinal do
conjunto cujo número cardinal é maior do que o de X.
conjunto X. Quando X é um con-
junto finito, card(X) é o número
• Não vamos definir o que é o número cardinal de um conjunto. Diremos,
de elementos de X, que anterior-
mente designamos #(X). apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijeção
f : X −→ Y.
• Assim, dois conjuntos finitos têm o mesmo número cardinal, se, e so-
mente se, têm o mesmo número de elementos. E se X é infinito enu-
merável, então card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,
Y é infinito enumerável.
• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir
uma função injetiva f : X −→ Y, mas não existir uma função sobrejetiva
g : X −→ Y.
• Como todo conjunto X infinito contém um subconjunto enumerável, tem-
se que card(N) ≤ card(X), ou seja, o número cardinal de um conjunto
infinito enumerável é o menor dos números cardinais dos conjuntos infini-
tos.
• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das
Para ver as demonstrações dos seguintes alternativas:
fatos citados ao lado e obter mais
card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .
informações sobre números car-
dinais de conjuntos, veja o livro: • Se existirem uma função injetiva f : A −→ B e uma função injetiva
Teoria Ingênua dos Conjuntos de
Paul Halmos. g : B −→ A, existirá também uma bijeção h : A −→ B.

Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)


Sejam X um conjunto arbitrário e Y um conjunto contendo pelo menos dois
elementos. Então, nenhuma função ϕ : X −→ F(X; Y) é sobrejetiva.

Prova.
Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma função e seja ϕx : X −→ Y o valor da função
ϕ no ponto x ∈ X.
Construiremos uma função f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.

24 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx (x), o que é possı́vel, pois
Y tem pelo menos dois elementos.
Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx (x) para todo x ∈ X.
Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ não é sobrejetiva. 

Observação 4.1 Sejam y1 , y2 ∈ Y tais que y1 6= y2 , e seja ψ : X −→


F(X; Y) a função definida por ψx (x) = y1 e ψx (z) = y2 se z 6= x.
Então ψ é injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).
Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-
junto cujo número cardinal é maior do que o de X

Corolário 4.1 Sejam X1 , X2 , . . . , Xn , . . . conjuntos infinitos enumeráveis.


Y

Então, o produto cartesiano Xi não é enumerável.
i=1

Prova.
Basta considerar o caso em que todos os Xn são iguais a N. De fato,
para cada n ∈ N, existe uma bijeção fn : N −→ Xn . Então, a função
Y∞ Y∞
F: Ni −→ Xi
i=1 i=1
(x1 , x2 , . . . , xn , . . .) 7−→ (f1 (x1 ), f2 (x2 ), . . . , fn (xn ), . . .) ,

é uma bijeção, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a função


Y∞
H: Ni −→ F(N; N)
i=1
hx : N −→ N
x = (x1 , . . . , xn , . . .) 7−→
i 7−→ xi

é uma bijeção e F(N; N) não é enumerável pelo teorema anterior, o con-


Y

junto Ni não é enumerável. 
i=1

• O argumento usado na demonstração do teorema acima, chama-se


método da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.
Os elementos de F(N; Y) são as seqüências de elementos de Y.
Para provar que nenhuma função ϕ : N −→ F(N; Y) é sobrejetiva, escre-

Instituto de Matemática - UFF 25


Análise na Reta

vemos ϕ(1) = s1 , ϕ(2) = s2 , . . . etc., onde s1 , s2 , . . . são seqüências de


elementos de Y, ou seja,
s1 = (y11 , y12 , y13 , . . .)
s2 = (y21 , y22 , y23 , . . .)
s3 = (y31 , y32 , y33 , . . .)
.. ..
. .

Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn , onde


ynn é o n−ésimo termo ynn da diagonal.
Então a seqüência s = (y1 , y2 , y3 , . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois
o n−ésimo termo yn da seqüência s é diferente do n−ésimo termo da
seqüência sn .
Assim, nenhuma lista enumerável pode esgotar todas as funções em
F(N; Y).

Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Então, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das
seqüências cujos termos são 0 ou 1 não é enumerável. 

• Seja P(A) o conjunto cujos elementos são todos os subconjuntos do


conjunto A.
Vamos mostrar que existe uma bijeção
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .
Para cada X ⊂ A, consideremos a função caracterı́stica de X:
ξX : A −→ {0, 1}

1, se x ∈ X
7 → ξX (x) =
x −
0, se x 6∈ X

A função
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})
X 7−→ ξX

é uma bijeção, cuja inversa associa a cada função f : A −→ {0, 1} o con-


junto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.
Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-
nhuma função ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) é sobrejetiva. Logo, nenhuma

26 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos não-enumeráveis

função ψ : A −→ P(A) é sobrejetiva. Mas existe uma função injetiva


f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.
Então, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.
No caso particular em que A = N, temos que
card(N) < card(P(N))

ou seja, P(N) não é enumerável.

Instituto de Matemática - UFF 27


28 J. Delgado - K. Frensel
Parte 2

O conjunto dos números reais

Neste capı́tulo, adotaremos o método axiomático para apresentar os


números reais. Isto é, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o
conjunto R dos números reais como um corpo ordenado completo.
Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado
completo? Ou melhor: partindo dos números naturais, seria possı́vel, por
meio de extensões sucessivas do conceito de número, chegar à construção
dos números reais? A resposta é afirmativa e a passagem crucial é dos
racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos
números reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos são
coleções de números racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-
pleto cujos elementos são as classes de equivalência de seqüências de
Cauchy de números racionais.
Provada a existência, surge uma outra pergunta relevante: será que
existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?
A resposta é negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem
apenas pela natureza de seus elementos, mas não pela maneira como os
elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questão
da unicidade é a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,
existe um único isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma única bijeção
f : K −→ L tal que f(x + y) = f(x) + f(y) e f(x · y) = f(x) · f(y). Como, além
disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),
K e L são indistinguı́veis no que diz respeito as propriedades de corpos
ordenados completos (ver exercı́cios 55 e 56).

Instituto de Matemática - UFF 29


30 J. Delgado - K. Frensel
Corpos

1. Corpos

Um corpo é um conjunto K munido de duas operações:


Adição + : K × K −→ K Multiplicação · : K × K −→ K
(x, y) 7−→ x + y (x, y) 7−→ x · y ,

que satisfazem as seguintes condições, chamadas axiomas de corpo:

Axiomas de corpo para a adição:


(1) Associatividade: (x + y) + z = x + (y + z) , para todos x, y, z ∈ K.
(2) Comutatividade: x + y = y + x , para todos x, y ∈ K.
(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado
zero, tal que x + 0 = x, para todo x ∈ K.
(4) Simétrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e
chamado o simétrico de x, tal que x + (−x) = 0.
A soma x + (−y) será indicada
Observação 1.1 apenas por x − y e chamada
a diferença entre x e y. A
operação (x, y) 7−→ x−y chama-
•0+x=x e (−x) + x = 0 , para todo x ∈ K.
se subtração.

• x − y = z se, e só se, x = y + z. De fato,


x − y = z ⇐⇒ x + (−y) = z ⇐⇒ x + (−y) + y = z + y
⇐⇒ x + 0 = y + z ⇐⇒ x = y + z .

• O zero é único, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, então θ = 0. De


fato,
x + θ = x ⇐⇒ θ = x − x = 0 .
• Todo x ∈ K possui apenas um simétrico. De fato,
x + y = 0 =⇒ y = 0 + (−x) = −x .
• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .
• Lei de cancelamento: x + z = y + z =⇒ x = y. De fato,
x + z + (−z) = y + z + (−z) =⇒ x + 0 = y + 0 =⇒ x = y .

Axiomas de corpo para a multiplicação:


(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.
(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.

Instituto de Matemática - UFF 31


Análise na Reta

(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e cha-


mado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.
(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento
designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.

Observação 1.2
• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.
• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.
x
• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 = . A operação
y
x x
A multiplicação de x por y 7 → , x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisão e o número
(x, y) − é o
será designada, também, pela y y
justaposição xy.
quociente de x por y.
x
• Se y 6= 0, = z ⇐⇒ x = yz. De fato,
y
x
= z ⇐⇒ (xy−1 )y = zy ⇐⇒ x(y−1 y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .
y

• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, então x = y.


• Se xy = x para todo x ∈ K, então, tomando x = 1, temos y = 1. Isto
prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.
• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.
Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos
depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.
• se xy = 1, então, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,
xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1 (xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .
Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.

Por fim, as operações de adição e multiplicação num corpo K acham-


se relacionadas pelo axioma:
(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.

Observação 1.3
• (x + y) · z = x · z + y · z para todos x, y, z ∈ K.
• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,
x · 0 + x = x · 0 + x · 1 = x · (0 + 1) = x · 1 = x ,

32 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

logo, x · 0 = 0.
• se x · y = 0 então x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, então x−1 · (x · y) =
x−1 · 0. Logo, y = 0.
Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, então x · y 6= 0.
• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .
De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,
(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).
Logo,
(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .
Em particular, (−1) · (−1) = 1.

2. Exemplos de corpos

Exemplo 2.1 O conjunto Q dos números racionais, com as operações


p p0 pq 0 + p 0 q p p 0 p · p0
+ 0 = e · = , é um corpo.
q q qq 0 q q0 q · q0

p p0
De fato, lembrando que = 0 ⇐⇒ pq 0 = p 0 q, vamos provar primeiro
q q
que a soma e a multiplicação de números racionais estão bem definidas.
p p p0 p0
Sejam = 1 e 0 = 10 . Então
q q1 q q1

p p0 pq 0 + p 0 q p1 q10 + p10 q1 p1 p10


• + 0 = = = + , pois, como pq1 = p1 q e
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
p 0 q10 = p10 q 0 , segue-se que
(pq 0 + p 0 q)(q1 q10 ) = pq 0 q1 q10 + p 0 qq1 q10
= (pq1 )(q 0 q10 ) + (p 0 q10 )(qq1 )
= p1 qq 0 q10 + p10 q 0 qq1
= (p1 q10 + p10 q1 )(qq 0 ) .

p p0 pp 0 p1 p10 p1 p10
• · 0 = = = · , pois
q q qq 0 q1 q10 q1 q10
(pp 0 )(q1 q10 ) = p1 qp10 q 0 = (p1 p10 )(qq 0 ) .

Instituto de Matemática - UFF 33


Análise na Reta

0
• O elemento neutro da adição é , para todo p 0 6= 0, pois
p0
p 0 pp 0 + 0q 0 pp 0 p
+ 0 = 0
= 0
= .
q p qp qp q

1 p0
• O elemento neutro da multiplicação é = 0 , p 0 ∈ Z? , pois
1 p
p 1 p·1 p
· = = .
q 1 q·1 q
p −p p
• seja ∈ Q. Então é o simétrico de , pois
q q q
p −p p · q + (−p) · q 0
+ = = = 0.
q q q·q q·q
p q p
Exercı́cio 1: Verificar as propri- • Seja ∈ Q, com p 6= 0. Então é inverso de , pois
edades comutativa, associativa e
q p q
a distributividade das operações p q p·q
· = = 1.
definidas no exemplo 2.1 sobre os q p q·p
números racionais.


Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operações de adição e


multiplicação definidas nas tabuadas abaixo é um corpo.
+ 0 1 · 0 1
0 0 1 0 0 0
1 1 0 1 0 1
Exercı́cio 2: Verificar a associ-
atividade e a distributividade das Pela definição, a adição e a multiplicação são comutativas; o elemento
operações definidas no exemplo neutro da adição é o 0; o elemento neutro da multiplicação é o 1; o
2.2 sobre Z2 .
simétrico do 0 é o 0 e do 1 é 1; o inverso do 1 é 1. 

Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} é um corpo com as


operações de adição e multiplicação definidas por
(x, y) + (x 0 , y 0 ) = (x + x 0 , y + y 0 )
(x, y) · (x 0 , y 0 ) = (xx 0 − yy 0 , xy 0 + x 0 y) ,

De fato, a comutatividade e a associatividade da adição seguem-se direto


do fato que Q é um corpo.
O elemento neutro da adição é (0, 0) e o simétrico de (x, y) é (−x, −y).
A comutatividade da multiplicação sai direto da definição e da comutativi-
dade da multiplicação de números racionais.

34 J. Delgado - K. Frensel
Exemplos de corpos

O elemento neutro da multiplicação é (1, 0), pois


(x, y) · (1, 0) = (x · 1 − y · 0, x · 0 + 1 · y) = (x, y) .
 
x −y
O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) é 2 2
, 2 2
, pois
x +y x +y Exercı́cio 3: Verificar a proprie-
dade associativa da multiplicação
x2 + y2 6= 0 e e propriedade distributiva das
    operações definidas no exemplo
x −y x2 y2 −xy xy 2.2 sobre Q(i).
(x, y) · , = + , + 2
x + y2 x2 + y2
2 x2 + y2 x2 + y2 x2 + y2 x + y2
 
x2 + y2 0
= 2 2
, 2 = (1, 0)
x +y x + y2

• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que


◦ iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;
◦ ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0 − 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;
◦ (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x + iy .
O corpo Q(i) chama-se o corpo dos números complexos racionais. 

p(t)
Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funções racionais r(t) = , onde
q(t)
p e q são polinômios com coeficientes racionais, sendo q(t) não identica-
mente nulo, com as operações de adição e multiplicação definidas abaixo
é um corpo.
p(t) p 0 (t) p(t) · q 0 (t) + p 0 (t) · q(t) p(t) p 0 (t) p(t) · p 0 (t)
+ 0 = · 0 = .
q(t) q (t) q(t) · q 0 (t) q(t) q (t) q(t) · q 0 (t)

Observação 2.1 Num corpo K tem-se:


x2 = y2 =⇒ x = ±y .
Com efeito,
x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0
=⇒ (x − y)(x + y) = 0
=⇒ x − y = 0 ou x + y = 0
=⇒ x = y ou x = −y
=⇒ x = ±y .

Instituto de Matemática - UFF 35


Análise na Reta

3. Corpos ordenados

Um corpo ordenado é um corpo K no qual existe um subconjunto


P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-
guintes propriedades:
(1) A soma e o produto de elementos positivos são elementos posi-
tivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x + y ∈ P e x · y ∈ P.
(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das três alternativas seguintes
ocorre:
ou x = 0 ; ou x ∈ P ; ou −x ∈ P .
• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos
K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,
onde P, −P e {0} são subconjuntos de K disjuntos dois a dois.
Os elementos de −P chamam-se negativos.
• Num corpo ordenado, se a 6= 0 então a2 ∈ P.
De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,
a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.
Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 é sempre positivo e,
portanto, −1 ∈ −P.
Logo, num corpo ordenado, −1 não é quadrado de elemento algum.


p
Exemplo 3.1 Q é um corpo ordenado no qual P = pq ∈ N .
q

p p0
• De fato, se , ∈ P, então pq, p 0 q 0 ∈ N e, portanto,
q q0

p p0 pq 0 + p 0 q
◦ + 0 = ∈ P, pois
q q qq 0
(pq 0 + p 0 q)(qq 0 ) = (pq)q 02 + (p 0 q 0 )q2 ∈ N .
p p0 pp 0
◦ · 0 = ∈ P, pois pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) ∈ N.
q q qq 0
p p 0
• Seja∈ Q. Então, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja, = = 0
q q q
p −p p
ou ∈ P ou = − ∈ P. 
q q q

36 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

Exemplo 3.2 Q(t) é um corpo ordenado no qual



p(t) Lembre que o coeficiente lı́der de
P= pq é um polinômio cujo coeficiente lider é positivo . um polinômio é o coeficiente do
q(t)
seu termo de maior grau.

De fato:
p(t) p 0 (t)
• Se , ∈ P, então os coeficientes an e bm dos termos de maior
q(t) q 0 (t)
grau de pq e p 0 q 0 , respectivamente, são positivos.
Logo,
◦ o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq 0 + p 0 q)qq 0 =
pqq 02 + p 0 q 0 q2 é positivo, pois cj = an q 0 2i + bm q2i ou cj = an q 0 2i ou
cj = bm q2i , onde qi e qi0 são os coeficientes dos termos de maior grau
de q e q 0 , respectivamente.
◦ o coeficiente do termo de maior grau de pp 0 qq 0 = (pq)(p 0 q 0 ) é
an bm > 0.
p(t)
• Se ∈ Q(t), então ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente
q(t)
do termo de maior grau de pq é positivo ou o coeficiente do termo de
p(t) p(t) p(t)
maior grau de pq é negativo. Logo, ou = 0 ou ∈ P ou − ∈P
q(t) q(t) q(t)


Exemplo 3.3 O corpo Z2 não é ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo


ordenado 1 é positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos é um
elemento positivo. 

Exemplo 3.4 O corpo Q(i) não é ordenado, pois i2 = −1, e num corpo
ordenado −1 é negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de
zero é positivo. 

Definição 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x é menor do que


y, e escrevemos x < y, se y − x ∈ P, ou seja, y = x + z, z ∈ P. Podemos,
também, dizer que y é maior do que x e escrever y > x.

Observação 3.1
• Em particular, x > 0 se, e só se, x ∈ P e x < 0 se, e só se, −x ∈ P, ou
seja, x ∈ −P.

Instituto de Matemática - UFF 37


Análise na Reta

• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x + (−y) ∈ P.

Proposição 3.1 A relação de ordem x < y num corpo ordenado satis-


faz as seguintes propriedades:
(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;
(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes
alternativas:
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Monotonicidade da adição: Se x < y, então x + z < y + z para todo
z ∈ K.
(4) Monotonicidade da multiplicação: Se x < y, então xz < yz para
todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.

Prova.
(1) Se x < y e y < z, então y − x ∈ P e z − y ∈ P. Logo, (y − x) + (z − y) =
z − x ∈ P, ou seja, x < z.
(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
ou y − x = 0 , ou y − x ∈ P , ou y − x ∈ −P ,
ou seja,
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Se x < y então y − x ∈ P. Logo, (y + z) − (x + z) = y − x ∈ P, ou seja
x + z < y + z, para todo z ∈ K.
(4) Se x < y e z > 0, então y − x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y − x)z = yz − xz ∈ P,
ou seja xz < yz. Se, porém, x < y e z < 0, então y − x ∈ P e −z ∈ P,
donde (y − x)(−z) = xz − yz ∈ P, ou seja, xz > yz.
• Em particular, x < y é equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou
seja, −x > −y, já que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.
• Se x < x 0 e y < y 0 então x + y < x 0 + y 0 .
De fato, por (3), se x < x 0 , então x + y < x 0 + y, e se y < y 0 , então
x 0 + y < x 0 + y 0 . Logo, por (1), x + y < x 0 + y 0 .
• Se 0 < x < x 0 e 0 < y < y 0 , então xy < x 0 y 0 .
De fato, por (4), x · y < x 0 y e x 0 y < x 0 y 0 , e por (1), xy < x 0 y 0 .

38 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

• se x > 0 e y < 0, então xy < 0.


De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.

• Se x > 0 então x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.


x x
• Se x > 0 e y > 0, então > 0, pois = xy−1 e y−1 > 0.
y y
1 1
• Se x < y, x > 0 e y > 0, então < .
y x
1 1 y−x
De fato, como y − x > 0 e xy > 0, então x−1 − y−1 = − = > 0,
x y xy
ou seja, x−1 > y−1 . 

Definição 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x é menor ou igual a


y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os
elementos do conjunto P ∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se não-negativos.

• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e só se, x ≤ y e y ≤ x.


• Com exceção da tricotomia, que é substituı́da pelas propriedades:
Reflexiva: x ≤ x,
Anti-simétrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,
todas as outras propriedades acima demonstradas para a relação x < y
são válidas, também, para a relação x ≤ y.
• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o
subconjunto de K formado por estes elementos é infinito, e se identifica
de maneira natural ao conjunto N dos números naturais.
Indiquemos por 1 0 o elemento neutro da multiplicação de K e defina-
mos por indução a função f : N −→ K, pondo
f(1) = 1 0 e f(n + 1) = f(n) + 1 0 .
Por indução, podemos verificar que f(m + n) = f(m) + f(n) e que se
m < n então f(m) < f(n). De fato:
• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m + n) = f(m) + f(n)}.
Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, então
f(m + (n + 1)) = f((m + n) + 1) = f(m + n) + 1 0
= f(m) + f(n) + 1 0 = f(m) + f(n + 1) .

Instituto de Matemática - UFF 39


Análise na Reta

ou seja, n + 1 ∈ X. Logo, X = N.
• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Então:
◦ 1 ∈ Y, pois f(1) = 1 0 ∈ P ,
◦ se n ∈ Y, então n + 1 ∈ Y, pois f(n + 1) = f(n) + 1 0 ∈ P.
Logo, Y = N.
Temos, assim, que se m < n então f(m) < f(n), pois, como existe
Exercı́cio 4: Verifique que
f(mn) = f(m)f(n) , ∀ m, n ∈ N . p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,
f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.
Portanto, f : N −→ f(N) = N 0 ⊂ K é uma bijeção, onde N 0 é o
subconjunto de K formado pelos elementos 1 0 , 1 0 + 1 0 , 1 0 + 1 0 + 1 0 , . . . que
preserva a soma, o produto e a relação de ordem. Podemos, então, iden-
tificar N 0 com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em
vez de 1 0 .
Em particular, um corpo ordenado K é infinito e tem caracterı́stica
zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o número de
parcelas 1.
Considere o conjunto Z 0 = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n | n ∈ N}.
Então, Z 0 é um subgrupo abeliano de K com respeito à operação de
adição.
De fato, 0 ∈ Z 0 e se x ∈ Z 0 então −x ∈ Z 0 . Resta verificar que se
x, y ∈ Z 0 então x + y ∈ Z 0 .
• Se x, y ∈ N então x + y ∈ N ⊂ Z 0 .
• Se x, y ∈ −N então (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z 0 .
• Se x ∈ N e y ∈ −N então, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou
Exercı́cio 5: Verifique que se
m, n ∈ N 0 e m − n > 0 então
x + y = x − z = 0 ∈ Z 0 , ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou
m − n ∈ N0 . x + y = x − z < 0 e, portanto, x + y ∈ −N.

Exercı́cio 6: Verifique que xy ∈ • Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 então x + y = x ∈ Z 0 .


Z 0 quaisquer que sejam x, y ∈
Z0 . Podemos, assim, identificar Z 0 com o grupo Z dos números inteiros.

m
Seja, agora, Q 0 = m ∈ Z e n ∈ Z? . Então, Q 0 é um subcorpo

n
de K, pois:

40 J. Delgado - K. Frensel
Corpos ordenados

◦ 0, 1 ∈ Q 0 ,
m m −m
◦ se ∈ Q 0 então − = ∈ Q 0.
n n n
m n
◦ se ∈ Q 0 ? então ∈ Q 0.
n m
m m0 m m0
◦ se , 0 ∈ Q 0 então + 0 ∈ Q 0 . De fato, como
n n n n
 
0 m m0 mnn 0 m 0 nn 0
nn + 0 = + = mn 0 + m 0 n ,
n n n n0

temos que
m m0 mn 0 + m 0 n
+ 0 = ∈ Q0 ,
n n nn 0
pois, como já vimos, mn 0 + m 0 n ∈ Z e nn 0 ∈ Z? .
• Q 0 é o menor subcorpo de K.
Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por
adições sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os
simétricos, deve conter Z e por divisões em Z, deve conter o conjunto das
m
frações , m ∈ Z e n ∈ Z? .
n
Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o
corpo Q dos números racionais.
Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo
natural, as inclusões
N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K.

Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contém todas as frações do tipo


p
, onde p e q são polinômios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,
q
Q ⊂ Q(t). 

Proposição 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)


Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 então
(1 + x)n ≥ 1 + nx

Prova.
Faremos a demonstração por indução em n.
Johann Bernoulli
(1667-1748) Suı́ça.

Instituto de Matemática - UFF 41


Análise na Reta

Para n = 1 a desigualdade é óbvia.


Se (1 + x)n ≥ 1 + nx, então
Exercı́cio 7: Mostre que se n ∈
N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, então (1 + x)n+1 = (1 + x)n (1 + x) ≥ (1 + nx)(1 + x)
a desigualdade de Bernoulli é es- = 1 + nx + x + nx2 = 1 + (n + 1)x + nx2
trita, isto é,
(1 + x)n > 1 + nx . ≥ 1 + (n + 1)x .

Observação 3.2 (Sobre a Boa Ordenação)


Existem conjuntos não-vazios de números inteiros que não possuem um
menor elemento.

Exemplo 3.6 O conjunto Z não possui um menor elemento.


De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0 , pois n0 − (n0 −
1) = 1 > 0. 

Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n | n ∈ Z} dos inteiros pares não possui


um menor elemento.
De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0 . 

Exemplo 3.8 Se X ⊂ N é um conjunto infinito de números naturais,


então −X = {−n | n ∈ X} é um conjunto não-vazio de números inteiros
que não possui um menor elemento.
Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.
Então, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que é absurdo, pois, como X é infinito,
X não é limitado superiormente. 

Mas, se um conjunto não-vazio X ⊂ Z é limitado inferiormente, então


X possui um menor elemento.
Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Então, x − a > 0 para todo
x ∈ X, ou seja x − a ∈ N para todo x ∈ X.
Seja A = {(x − a) | x ∈ X}.
Como A ⊂ N, temos, pelo Princı́pio da Boa Ordenação, que existe
n0 ∈ A tal que n0 ≤ x − a para todo x ∈ X.

42 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Então, x0 − a ≤ x − a para todo


x ∈ X.
Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.

4. Intervalos

Num corpo ordenado, existe a importante noção de intervalo.


• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos
limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:
◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K | a ≤ x ≤ b} ;
◦ Intervalo fechado à esquerda: [a, b) = {x ∈ K | a ≤ x < b} ;
◦ Intervalo fechado à direita: (a, b] = {x ∈ K | a < x ≤ b} ;
◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K | a < x < b} ;
• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados
de origem a como sendo os conjuntos:
◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;
◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;
◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a, +∞) = {x ∈ K | a ≤ x} ;
◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a, +∞) = {x ∈ K | a < x} ;
◦ (−∞, +∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.

Observação 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] é conveniente


admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do único
ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.

Observação 4.2 Todo intervalo não-degenerado é um conjunto infinito.


a+b
Com efeito, se a, b ∈ K e a < b então a < < b, pois
2
a+b b−a a+b b−a
−a= > 0, e b− = > 0.
2 2 2 2
a+b a + xn
Faça x1 = , e defina por indução, xn+1 = .
2 2

Instituto de Matemática - UFF 43


Análise na Reta

Então, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.


Como a função ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , é uma bijeção,
ϕ(N) é um conjunto infinito enumerável.

Fig. 1: Construção da sequência x1 , x2 , . . . , xn , . . ..

Definição 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou


módulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e
−x, se x < 0. Assim,


x , se x > 0


|x| = 0 , se x = 0



−x , se x < 0

Observação 4.3 Tem-se


|x| = max{x, −x} ,
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.

Proposição 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes


afirmações são equivalentes:
(1) −a ≤ x ≤ a ;
(2) x ≤ a e −x ≤ a ;
(3) |x| ≤ a.

Prova.
Temos que
−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x e x≤a
⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x
⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .

Corolário 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se


|x − a| ≤ b se, e só se, a − b ≤ x ≤ a + b .

44 J. Delgado - K. Frensel
Intervalos

Prova.
De fato, |x − a| ≤ b se, e só se, −b ≤ x − a ≤ b, ou seja, a − b ≤ x ≤ a + b
(somando a). 

Observação 4.4 Todas as afirmações da proposição e do seu corolário


são verdadeiras com < em vez de ≤.
Em particular,
x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ a − ε < x < a + ε ⇐⇒ |x − a| < ε .
Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, é formado
pelos pontos x ∈ K cuja distância, |x − a|, de a é menor do que ε. Na figura ao lado, representa-
mos os elementos do conjunto em
questão, no caso, a, x ∈ (a −
ε, a + ε), por um ponto cheio. Os
pontos sem preenchimento repre-
Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.
sentam pontos que não perten-
cem ao conjunto em questão.

Proposição 4.2 Para elementos arbitrários de um corpo ordenado K,


valem as relações:
(1) |x + y| ≤ |x| + |y| ;
(2) |x · y| = |x| · |y| ;
(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x − y| ;
(4) |x − y| ≤ |x − z| + |z − y| .

Prova.
(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que
−(|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
Logo, |x + y| ≤ |x| + y|.

(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2 , pois se |x| = x, então |x|2 = x2 , e se


|x| = −x, também |x|2 = (−x)2 = x2 . Logo,
|xy|2 = (xy)2 = x2 y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .
Então, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.
(3) Por (1), |x| = |x − y + y| ≤ |x − y| + |y|, ou seja, |x − y| ≥ |x| − |y|.
De modo análogo, |y − x| ≥ |y| − |x|.
Como |y − x| = |x − y|, temos que −|x − y| ≤ |x| − |y|.

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Análise na Reta

Assim,
−|x − y| ≤ |x| − |y| ≤ |x − y| .
Logo, pela proposição 4.1,
| |x| − |y| | ≤ |x − y| .
A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definição de valor
absoluto.
(4) Por (1), |x − y| = |x − z + z − y| ≤ |x − z| + |z − y| . 

Definição 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.


• X é limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo
x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade é uma cota
superior de X.
• X é limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo
x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a, +∞). Cada a com esta propriedade é uma cota
inferior de X.
• X é limitado quando é limitado superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Exemplo 4.1 No corpo Q dos números racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferiormente, pois N ⊂ [1, +∞), mas não
é limitado superiormente.
p p
De fato, se ∈ Q, então |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 > , pois
q q
p |p|q + q − p
|p| + 1 − =
q q
e
(|p|q + q − p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq
≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .

Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das frações racionais, o conjunto N dos


números naturais é limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0, +∞) e
n < t para todo n ∈ N, já que o coeficiente do termo de maior grau de
t − n é 1 > 0 

46 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(a) N ⊂ K é ilimitado superiormente;
(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.
1
(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 < < a.
n

Prova.
(a)=⇒(b) Como N é ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,
b b
existe n ∈ N tal que n > . Logo, na > a · = b.
a a
(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Então
1
0< < a.
n
(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, então b < 1 e, portanto, b não é cota
superior de N.
1 1
Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 < < . Logo, b < n e não é,
n b
portanto, uma cota superior de N. 

Definição 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K é arquimediano se


N ⊂ K é ilimitado superiormente.

Exemplo 4.3 O corpo Q dos números racionais é arquimediano, mas o


corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, não é arquimediano.


5. Números reais

Definição 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto


limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X
quando b é a menor das cotas superiores de X em K.

Assim, b ∈ K é o supremo de X se, e só se, b satisfaz as duas


condições abaixo:

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Análise na Reta

S1: b ≥ x para todo x ∈ X.


S2: Se c ∈ K é tal que c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b.
A condição S2 é equivalente à condição:
S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.

Observação 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, é único.


De fato, se b e b 0 em K cumprem as condições S1 e S2, então, b ≤ b 0 e
b 0 ≤ b, ou seja, b 0 = b.
O supremo de um conjunto X será denotado por sup X.

Observação 5.2 O conjunto vazio ∅ não possui supremo em K, pois


todo elemento de K é uma cota superior do conjunto vazio e K não possui
um menor elemento.

Definição 5.2 Um elemento a ∈ K é o ı́nfimo de um subconjunto Y ⊂ K


limitado inferiormente quando a é a maior das cotas inferiores de Y.

Assim, a ∈ K é o ı́nfimo de Y se, e só se, a satisfaz as duas


condições abaixo:
I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.
I2: Se c ∈ K é tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, então c ≤ a.
A condição I2 é equivalente à condição:
I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.

Observação 5.3 O ı́nfimo de um conjunto X, quando existe, é único, e


será denotado por inf X

Observação 5.4 O conjunto ∅ não possui ı́nfimo em K, pois todo ele-


mento de K é uma cota inferior do conjunto vazio e K não possui um maior
elemento.

Exemplo 5.1
• Se X ⊂ K possui um elemento máximo b ∈ X, então b = sup X. De fato:
(1) b ≥ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, então c ≥ b, pois a ∈ X.

48 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

• Se X ⊂ K possui um elemento mı́nimo a ∈ X, então a = inf X. De fato:


(1) a ≤ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, então c ≤ a, pois a ∈ X.
• Se b = sup X ∈ X, então sup X é o maior elemento de X, pois b ≥ x para
todo x ∈ X e b ∈ X.
• Se a = inf X ∈ X, então inf X é o menor elemento de X, pois a ≤ x para
todo x ∈ X e a ∈ X.
Em particular, se
◦ X é finito, então o sup X e o inf X existem e pertencem a X.
◦ X = [a, b], então sup X = b e inf X = a.
◦ X = (−∞, b], então sup X = b.
◦ X = [a, +∞), então inf X = a. 

Exemplo 5.2 Se X = (a, b), então inf X = a e sup X = b.


Com efeito, b é uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,
a+b a+b
existe x =∈ X, por exemplo, tal que c < . Se a < c < b, então
2 2
c+b c+b
∈Xec< . Assim, b = sup X.
2 2
De modo análogo, podemos provar que a = inf X.
Observe que, neste exemplo, sup X 6∈ X e inf X 6∈ X. 

1
Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das frações do tipo , n ∈ N.
2n
1
Então, sup Y = e inf Y = 0.
2
1 1 1 1
• Como ∈ Y e n < para todo n > 1, n ∈ N, temos que é o maior
2 2 2 2
elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.
1
• Sendo ≥ 0 para todo n ∈ N, 0 é cota inferior de Y.
2n
Seja b > 0 em Q. Como Q é um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal
1 1
que n0 > − 1. Logo, n0 + 1 > .
b b
Pela desigualdade de Bernoulli, temos que

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Análise na Reta

1
2n0 = (1 + 1)n0 ≥ 1 + n0 > ,
b
1
ou seja, b > . Assim, 0 = inf X. 
2n0

Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de números ra-


cionais não possuem ı́nfimo ou supremo em Q.

Lema 5.1 (Pitágoras)


Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2.

Prova.
p
Suponhamos, por absurdo, que existe ∈ Q tal que
q
 2
p
= 2,
q

ou seja p2 = 2q2 .
O fator 2 aparece um número par de vezes na decomposição de p2 e de
q2 em fatores primos.
Como p2 possui um número par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um
número ı́mpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradição. 

Exemplo 5.4 Sejam



X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y = x ∈ Q | y > 0 e y2 > 2 .

Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X é um subconjunto


limitado.
Sendo Y ⊂ [0, +∞), Y é limitado inferiormente.
Mostraremos que X não possui um supremo em Q e que Y não possui um
ı́nfimo em Q.
(1) O conjunto X não possui elemento máximo.

2 − b2
Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como > 0 e Q é arquimediano,
1 + 2b
1 2 − b2
existe n ∈ N tal que < .
n 1 + 2b
1
Faça r = . Então 0 < r < 1 e
n

50 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

(b + r)2 = b2 + 2rb + r2 < b2 + 2rb + r


2 − b2
= b2 + (2b + 1)r < b2 + (2b + 1)
2b + 1
= b2 + 2 − b2 = 2 .

Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que


b + r > b.Logo, X não possui maior elemento.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,
existe n ∈ N tal que
1 b2 − 2
0<r= < .
n 2b
Logo,
(b − r)2 = b2 − 2br + r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2
e
b2 − 2 b 1 b 1
b−r>b− = b − + = + > 0,
2b 2 b 2 b
ou seja, b − r ∈ Y e b − r < b. Assim, X não possui menor elemento.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, então x < y.
De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >
0 =⇒ y − x > 0, ou seja, y > x, pois y + x > 0.
• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que não existem sup X e inf Y em Q.
◦ Suponhamos, primeiro, que existe a = sup X, a ∈ Q. Então, a > 0
e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.
Se a2 > 2, então a ∈ Y. Como a não é o menor elemento de Y, existe
b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz
ser a = sup X.
Assim, se existir a = sup X, a2 = 2 e a ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema
de Pitágoras.
◦ Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Então, b > 0,
pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.
Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que é absurdo
por (2).

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Análise na Reta

Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, então b ∈ X. Como b não é o maior elemento de


X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que
contradiz ser b = inf Y.
Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que é absurdo pelo Lema de Pitágoras. 

Observação 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo


ordenado K no qual todo subconjunto não-vazio limitado superiormente
possui supremo, existirá neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.
De fato, K, sendo ordenado, contém Q e, portanto, contém o conjunto
X, que é limitado superiormente. Então, existirá a = sup X em K, cujo
quadrado deverá ser igual a 2.

Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado não arquimediano.


Então, N ⊂ K é limitado superiormente, mas não possui supremo.
De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Então, n + 1 ≤ b para todo
n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 é uma cota superior
de N menor do que b. 

Definição 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo


subconjunto de K não-vazio e limitado superiormente possui supremo em
K.

Observação 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto


Y ⊂ K não-vazio limitado inferiormente possui ı́nfimo em K.
De fato, considere X = −Y = {−y | y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de
Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Então, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou
seja, −b é uma cota superior de X e, portanto, X é limitado superiormente.
Sendo K completo, existe a = sup X.
Vamos mostrar que −a = inf Y:
◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.
◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, então −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,
a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.

Observação 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado
completo é arquimediano.

52 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Exemplo 5.6
• Q não é completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q não-vazio
e limitado superiormente não possui supremo em Q.
• Q(t) não é completo, pois Q(t) não é arquimediano. 

Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Análise Matemática.

Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo


dos números reais.

Observação 5.8 Existe em R um número positivo a tal que a2 = 2, que



é representado pelo sı́mbolo 2, e é único.
De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, então
a2 − b2 = 0 =⇒ (a − b)(a + b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.
Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.
Além disto, a ∈ R − Q.

Definição 5.4 O conjunto I = R − Q é o conjunto dos números irracio-


nais.

Exemplo 5.7 2 ∈ I .

Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um único


número real b > 0 tal que bn = a. O número b chama-se raiz n−ésima

de a e é representado pelo sı́mbolo n a.
Consideremos os conjuntos:
X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a} e Y = {y ∈ R | y > 0 e yn > a}
O conjunto Y é limitado inferiormente pelo zero.
O conjunto X não é vazio, pois 0 ∈ X, e é limitado superiormente. De fato:
• se a ≤ 1, então 1 é cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que
zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].
• se a > 1, então an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se
zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).
Como R é completo, existe b = sup X. Vamos provar que bn = a.

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Análise na Reta

(1) X não possui elemento máximo.


Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,
x + d ∈ X e x + d > x.
Afirmação: Dado x > 0 existe, para cada n, um número real positivo An ,
que depende de x, tal que (x + d)n ≤ xn + An d seja qual for 0 < d < 1.
Vamos provar esta afirmação por indução em n.
Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que
(x + d)n+1 = (x + d)n (x + d) ≤ (xn + an d)(x + d)
= xn+1 + An dx + dxn + An d2
= xn+1 + (An x + xn + An d)d
< xn+1 + (An x + xn + An )d ,

já que 0 < d < 1. Tomando An+1 = An x + xn + An , temos que


(x + d)n+1 ≤ xn+1 + An+1 d.
Dado x ∈ X, isto é, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que

a − xn
0 < d < min 1, .
An

Então,
An (a − xn )
(x + d)n ≤ xn + An d < xn + = a,
An

ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X não possui elemento


máximo.
(2) O conjunto Y não possui elemento mı́nimo.
Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y − d)n > a,
ou seja, y − d ∈ Y e y − d < y.
d d
Seja 0 < d < y. Então, 0 < < 1, ou seja, −1 < − < 0.
y y

Pela desigualdade de Bernoulli, temos


 n  
n n d n d
(y − d) = y 1 − ≥y 1−n = yn − ndyn−1 .
y y

yn − a
Se tomarmos 0 < d < min y, n−1 , teremos que
ny
(yn − a)
(y − d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1 = yn − yn + a = a ,
nyn−1

54 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

ou seja, y − d > 0 e (y − d)n > a.


(3) Se x ∈ X e y ∈ Y então x < y.
De fato, como xn < a < yn , x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn
e, portanto,
yn − xn = (y − x)(yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 ) > 0 .
Como
yn−1 + yn−2 x + . . . + yxn−2 + xn−1 > 0, Exercı́cio 8: Prove que
yn − xn = (y − x) yn−1 + yn−2 x
`

temos que y − x > 0, ou seja, x < y. + . . . + yxn−2 + xn−1 ,


´

quaisquer que sejam x, y ∈ R e


Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = sup X, então n ∈ N.

bn = a.
Se bn < a, temos que b ∈ X, o que é absurdo, pois
b = sup X e, portanto, o elemento máximo de X, o que contradiz (1).
Se bn > a, então b ∈ Y, pois b > 0.
Exercı́cio 9: Mostrar que Y 6= ∅
Como, por (2), Y não possui um elemento mı́nimo, existe c ∈ Y tal que e bn = a, onde b = inf Y .

c < b.
Exercı́cio 10: Mostrar que existe
um único b > 0 em R tal que
Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c é uma cota superior de X
bn = a (ver observação 5.9).
menor do que b = sup X, o que é absurdo. Logo, bn = a. 

Observação 5.9 Dado n ∈ N, a função f : [0, +∞) −→ [0, +∞) definida


por f(x) = xn é sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo
a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e é injetiva, pois se 0 < x < y, então,
pela monotonicidade da multiplicação, 0 < xn < yn .
Logo, f é uma bijeção de [0, +∞) sobre si mesmo, e sua inversa

f−1 : [0, +∞) −→ [0, +∞) é dada por y −→ n y, a única raiz n−ésima
não-negativa de y.

Observação 5.10 (Generalização do Lema de Pitágoras)


Dado n ∈ N. Se um número natural m não possui uma raiz n−ésima
natural, também não possui uma raiz n−ésima racional.
 n
p
De fato, sejam p, q números naturais primos entre si tais que = m.
q
Então, pn = m qn .

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Análise na Reta

Como pn e qn são primos entre si e qn divide pn , temos que q = 1, ou


p
seja, ∈ N, o que é absurdo.
q
√ √ √
Então, dados m, n ∈ N, se n
m 6∈ N então n
m ∈ I = R − Q, ou seja, n
m
é um número irracional.

Exemplo 5.9
√ √
• 2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja, 2 6∈ N.
√ √
• 3 3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3 3 6∈ N.
√ √
• 3 6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3 6 ∈6 N. 

Mostraremos, agora, que os números irracionais se acham espa-


lhados por toda parte entre os números reais e que há mais números
irracionais do que racionais.

Definição 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo


intervalo aberto (a, b) contém algum ponto de X.

Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z é denso em R.


De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Então, existe n0 ∈ Z
tal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,
(a, b) ∩ Z ⊂ {n0 , . . . , n0 + (m0 − n0 )} ,
que é um conjunto finito.
Como já provamos que (a, b) é um conjunto infinito, temos que o conjunto
(a, b) ∩ (R − Z) é, também, infinito e, em particular, é não-vazio. 

Teorema 5.1 O conjunto Q dos números racionais e o conjunto R − Q


dos números irracionais são densos em R.

Prova.
Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.
Afirmativa 1: Existe um número racional em (a, b).
1
Como b − a > 0, existe p ∈ N tal que < b − a.
p

m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

56 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

Como R é arquimediano, A é um conjunto não-vazio de números inteiros,


limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por
um número inteiro.
Então, pelo Princı́pio de Boa Ordenação (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal
que m0 ≤ m para todo m ∈ A.
m0 − 1
Logo, como m0 − 1 < m0 , temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p
m0 − 1
Temos, também, que a < < b, pois, caso contrário,
p
m0 − 1 m
≤a<b≤ 0,
p p
m0 m −1 1
o que acarretaria b − a ≤ − 0 = , uma contradição.
p p p
m0 − 1 m −1
Logo, a < < b, ou seja, 0 ∈ (a, b) ∩ Q.
p p

Afirmativa 2: Existe um número irracional em (a, b).


Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b
ou a < b < 0.

1 b−a 2
Seja p ∈ N tal que < √ , ou seja, < b − a.
p 2 p

2m
Seja A = m ∈ Z ≥b .
p

Como R é arquimediano, A é não-vazio, limitado inferiormente por


bp
√ ∈ R. Então, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo
2

2 (m0 − 1)
m0 − 1 < m0 , m0 − 1 6∈ A, ou seja, < b.
p

2 (m0 − 1)
Além disso, > a, pois, caso contrário,
p
√ √
2 (m0 − 1) 2 m0
≤a<b≤ .
p p
√ √
2 2 (m0 − 1)
Então, b − a ≤ , o que é absurdo. Assim a < < b e
p p
m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).

Instituto de Matemática - UFF 57


Análise na Reta


2(m0 − 1)
Logo, ∈ (R − Q) ∩ (a, b).
p

• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal

1 b 2
que < √ , ou seja, < b.
p 2 p
√ √
2 2
Como a < 0 < < b, temos que ∈ (R − Q) ∩ (a, b). 
p p

Teorema 5.2 (Princı́pio dos Intervalos Encaixados)


Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma seqüência decrescente de intervalos
In = [an , bn ] limitados e fechados.
\
Então a interseção In não é vazia. Mais precisamente,
n∈N
\
In = [a, b] ,
n∈N

onde a = sup an e b = inf bn .

Prova.
Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn , pois In+1 = [an+1 , bn+1 ] ⊂
[an , bn ] = In . Segue-se, então, que
a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,
pois an ≤ bm quaisquer que sejam m, n ∈ N.
De fato, se m = n, an ≤ bn . Se n < m, an ≤ am ≤ bm , e se n > m,
an ≤ bn ≤ bm .
Sejam A = {an | n ∈ N} e B = {bn | n ∈ N}. Então A e B são subconjuntos
limitados de R, já que: a1 é uma cota inferior e bm é uma cota superior de
A, para todo m ∈ N; e b1 é uma cota superior e am é uma cota inferior de
B, para todo m ∈ N.
Sejam a = sup A e b = inf B.
Como, para todo m ∈ N, bm é uma cota superior de A e am é uma cota
inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am .
Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.
Então, [a, b] ⊂ In , pois an ≤ a ≤ b ≤ bn , para todo n ∈ N.

58 J. Delgado - K. Frensel
Números reais

\
Portanto, [a, b] ⊂ In .
n∈N
\
Precisamos ainda provar que In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe
n∈N

x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.


Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x é cota superior de A e, portanto, x ≥ a,
o que é uma contradição.
De modo análogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo
n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y é uma cota inferior de B. Logo,
b ≥ y, o qual é absurdo.
\
Temos, então, que [a, b] = In . 
n∈N

Teorema 5.3 O conjunto R dos números reais não é enumerável.

Prova.
Precisamos, antes, provar a seguinte:
Afirmação: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um
número real x0 , existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal
que J ⊂ I e x0 6∈ J.
De fato:
• se x0 6∈ I, tome J = I.
• suponha que x0 ∈ I. Se
ha + b i
◦ x0 = a, tome J = ,b ;
2
a+b
h i
◦ x0 = b, tome J = a, ;
2
h a+x i
0
◦ a < x0 < b, tome J = a, .
2
• Seja X = {x1 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de R.
Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.
Seja I1 um intervalo limitado, fechado e não-degenerado tal que x1 6∈ I1 .
Supondo que é possı́vel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,
fechados e não-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos

Instituto de Matemática - UFF 59


Análise na Reta

obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e não-degenerado tal que In+1 ⊂


In e xn+1 6∈ In+1 .
Isto nos fornece uma seqüência decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de
intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para
todo n ∈ N.
Como xn 6∈ In , para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.
Logo x ∈ R − X, ou seja, R não é enumerável. 

Corolário 5.1 Todo intervalo não-degenerado de números reais é não-


enumerável.

Prova.
[
• Primeiro vamos provar que R = (n, n + 1], isto é, dado x ∈ R existe
n∈N

n ∈ N tal que n < x ≤ n + 1.


Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A é um subconjunto não-vazio de Z
limitado inferiormente, A possui um elemento mı́nimo n0 .
Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.
• Precisamos, também, verificar que a função f : (0, 1) −→ R definida por
f(x) = (b − a)x + a é uma bijeção sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:
◦ se 0 < x < 1, então a < (b − a)x + a < b .
◦ se f(x) = f(y), então (b − a)x + a = (b − a)y + a, donde (b − a)x =
(b − a)y, ou seja, x = y.
y−a
◦ se y ∈ (a, b), então x = ∈ (0, 1) e f(x) = y.
b−a

• Portanto, se provarmos que (0, 1) não é enumerável, então todo intervalo


não-degenerado é não-enumerável.
Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) é enumerável.
Então, o intervalo (n, n + 1] também seria enumerável, pois a função fn :
(0, 1] −→ (n, n + 1] definida por f(x) = x + n é uma bijeção para todo
n ∈ N.
[
Mas, assim, R = (n, n + 1] seria enumerável por ser uma reunião
n∈N

60 J. Delgado - K. Frensel
enumerável dos conjuntos enumeráveis (n, n + 1]. 

Corolário 5.2 O conjunto dos números irracionais não é enumerável.

Prova.
Como Q é enumerável e R = Q ∪ (R − Q), então R − Q não é enu-
merável, pois, caso contrário, R seria enumerável por ser reunião de dois
conjuntos enumeráveis. 

Instituto de Matemática - UFF 61


62 J. Delgado - K. Frensel
Parte 3

Sequências e séries de números


reais

A noção de limite tem um papel central no estudo da Análise Ma-


temática, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a
limites direta ou indiretamente.

Instituto de Matemática - UFF 63


64 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1. Seqüências

Definição 1.1 Uma seqüência de números reais é uma função definida


no conjunto N dos números naturais e tomando valores no conjunto R dos
números reais.
Se x : N −→ R é uma seqüência de números reais, o valor x(n) será
representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−ésimo termo
da seqüência x.
Escreveremos (x1 , x2 , . . . , xn , . . .) ou (xn )n∈N ou (xn ) para indicar a
seqüência x.

Observação 1.1
• Não se deve confundir a seqüência x com o conjunto de seus termos:
x(N) = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} ,
que pode ser finito, pois a seqüência x : N −→ R não é necessariamente
injetiva.

Definição 1.2 Quando a seqüência a : N −→ R for injetiva, ou seja,


xn 6= xm , se n 6= m, diremos que x é uma seqüência de termos dois a
dois distintos.

Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência (xn )n∈N é


• limitada superiormente quando existe um número real b tal que xn ≤ b
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.
• limitada inferiormente quando existe um número real a tal que a ≤ xn
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a, +∞) para todo n ∈ N.
• limitada quando é limitada superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.
• ilimitada quando não é limitada.

Observação 1.2
• Todo intervalo [a, b] está contido num intervalo centrado em 0 da forma
[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤
c, já que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.

Instituto de Matemática - UFF 65


Análise na Reta

• Assim, uma seqüência é limitada se, e só se, existe c ∈ R?+ tal que
|xn | ≤ c para todo n ∈ N.
• Então, (xn )n∈N é uma seqüência limitada se, e só se, (|xn |)n∈N é uma
seqüência limitada.

Definição 1.4 Uma subseqüência da seqüência x = (xn )n∈N é a restrição


da função x : N −→ R a um subconjunto infinito N 0 = {n1 < n2 <
. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se x 0 = (xn )n∈N 0 ou (xnk )k∈N ou
0
(xn1 , xn2 , . . . , xnk ) para indicar a subseqüência x = x|N 0 .

Observação 1.3 Lembremos que um subconjunto N 0 ⊂ N é infinito


se, e só se, é ilimitado, isto é, para todo m ∈ N existe n ∈ N 0 tal que
m < n. Neste caso, dizemos que N 0 contém números naturais arbitraria-
mente grandes.
Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N 0 , então
N − N 0 é finito e, portanto, N 0 é infinito. Dizemos, neste caso, que N 0
contém todos os números naturais suficientemente grandes.

Observação 1.4 Toda subseqüência de uma seqüência limitada é limi-


tada

Note que: Uma seqüência cres-


Definição 1.5
cente ou não-decrescente é limi-
• Uma seqüência (xn )n∈N é crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,
tada inferiormente pelo seu pri-
meiro termo. ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a
seqüência é não-decrescente.
Note que: Uma seqüência de-
crescente ou não-crescente é li- • Uma seqüência (xn )n∈N é decrescente quando xn > xn+1 para todo
mitada superiormente pelo seu n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a
primeiro termo.
seqüência é não-crescente.
• As seqüências crescentes, não-decrescentes, decrescentes e não-crescentes
são chamadas seqüências monótonas.

Observação 1.5 Uma seqüência monótona (xn )n∈N é limitada se, e só
se, possui uma subseqüência limitada.
Com efeito, vamos supor que x = (xn )n∈N é não-decrescente e (xn )n∈N 0
é uma subseqüência limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b

66 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

para todo n ∈ N 0 . Como N 0 é ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N 0 tal que


m > n.
Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.

Analisaremos agora alguns exemplos de seqüências.

Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é uma seqüência


constante. Então, ela é limitada não-decrescente e não-crescente. 

Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada inferiormente, ilimitada superiormente e monótona crescente. 

Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ı́mpar. Essa


seqüência é limitada e não é monótona. Observe que a seqüência se
1 + (−1)n
 nπ 
define, também, pelas fórmulas xn = ou xn = sen2 .
2 2 

1 1 1
 
Exemplo 1.4 Se xn = para todo n ∈ N, então x = 1, , . . . , , . . .
n 2 n
é uma seqüência limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para
todo n ∈ N.

n(1 + (−1)n+1 )
Exemplo 1.5 Seja x = (xn )n∈N , onde xn = para todo
2
n ∈ N. Então xn = 0 para n par e xn = n para n ı́mpar, ou seja, x =
(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela é ilimitada superiormente, limitada inferiormente e
não é monótona, mas seus termos de ı́ndice ı́mpar x2n−1 = 2n − 1 formam
uma subseqüência monótona crescente ilimitada superiormente e seus
termos de ı́ndice par x2n = 0 formam uma subseqüência constante. 

Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a seqüência xn = an , n ∈ N.


• se a = 0 ou a = 1, então xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo
n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn )n∈N é constante.

• Se 0 < a < 1, então an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,
(xn )n∈N é decrescente e limitada.
• Se −1 < a < 0, então a seqüência não é monótona, pois seus termos
são alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,
pois |an | = |a|n , com 0 < |a| < 1.

Instituto de Matemática - UFF 67


Análise na Reta

• Se a = −1, então a seqüência (an )n∈N é (−1, 1, −1, 1, . . .) e é, portanto,


limitada, mas não é monótona.
• Se a > 1, então a seqüência (an )n∈N é monótona crescente e ilimitada
superiormente.
De fato:
◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a·an > 1·an , ou seja, an+1 > an
para todo n ∈ N.
◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Então, pela desigualdade de Ber-
b−1
noulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n > .
h
Logo, an ≥ 1 + nh > b.
• se a < −1, a seqüência não é monótona, pois seus termos são al-
ternadamente positivos e negativos, e não é limitada superiormente nem
inferiormente.
De fato:
◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2 )n formam uma sub-
seqüência monótona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.

a2n
◦ Os termos de ordem ı́mpar x2n−1 = a2n−1 = formam uma
a
subseqüência decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n )n∈N
é uma seqüência crescente ilimitada superiormente. 

Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an =
1−a
para todo n ∈ N.
Então, (xn )n∈N é uma seqüência crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn
1
para todo n ∈ N; e é limitada, pois 1 < xn < para todo n ∈ N.
1−a
1
1 1 1 1 − n+1 1
Em particular, se a = , temos que 1+ +. . .+ n = 2 < =2
2 2 2 1 1
1− 1−
2 2
para todo n ∈ N. 

68 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
Exemplo 1.8 Seja an = 1 + + + . . . + , n ∈ N. A seqüência
1! 2! n!
(an )n∈N é crescente e é limitada, pois
1 1 1
an < 1 + 1 + + + . . . + n−1 < 1 + 2 = 3 ,
2 2·2 2
para todo n ∈ N. 

 1
n
Exemplo 1.9 Seja bn = 1 + , n ∈ N. A fórmula do binômio de
n
Newton (que pode ser provada por indução) nos dá
 1
n
bn = 1+
n
1 n(n − 1) 1 n(n − 1)(n − 2) 1
= 1+n· + · 2+ · 3
n 2! n 3! n
n(n − 1) . . . 2 · 1 1
+... + · n,
n! n

ou seja,

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 − .
n! n n n

j
Como 1 − > 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn é uma
n
soma de parcelas positivas. Além disso,cada parcela cresce com n, pois
j j
   
1− > 1− , 1 ≤ j ≤ n − 1, e, também, o número de parcelas
n+1 n
cresce com n.
Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn )n∈N é uma seqüência
crescente.
Observe ainda que (bn )n∈N é uma seqüência limitada, pois
Importante: Provaremos depois
1 1 1
0 < bn < 1 + 1 + + + ... + < 3, que as seqüências (an )n∈N e
2! 3! n! (bn )n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9
convergem para o número e.
para todo n ∈ N. 

Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,


a+b
1 sua média aritmética 2
é ob-
Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 = (xn + xn+1 ), para todo tida somando-se ao número a a
2 metade da distância b−a de a a
2
1 3 5 11
 
b−a
n ∈ N. A seqüência que se obtém é 0 , 1 , , , , , ... . b, ou subtraindo-se 2
de b.
2 4 8 16

Instituto de Matemática - UFF 69


Análise na Reta

Segue-se que os termos desta seqüência são:

x1 = 0 ,

x2 = 1 ,
1 1
x3 = 1 − = ,
2 2
1 1 1
x4 = 1− + =1− ,
2 4 4
1 1 1 1 1 1 1
 
x5 = 1− + − = + = 1+ ,
2 4 8 2 8 2 4
1 1 1 1 1 1
1 1

x6 = 1− + − + =1− − =1− + 2 ,
2 4 8 16 4 16 4 4
etc

Provaremos alguns fatos para obter a fórmula geral dos termos de ordem
par e de ordem ı́mpar.
1
Afirmação 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 · , para todo n ∈ N.
2n−1
De fato:
1
◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1 − 0 = 1 = (−1)2 · .
20
◦ Suponhamos que a afirmação seja válida para n. Então
1 1
xn+2 − xn+1 = (xn + xn+1 ) − xn+1 = (xn − xn+1 )
2 2
1 1 1
= − (xn+1 − xn ) = − (−1)n+1 · n−1
2 2 2
1 1
= (−1)n+2 · n = (−1)(n+1)+1 (n+1)−1 .
2 2
Note que:
• Se n é par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 · < 0.
2n−1
• Se n é ı́mpar, xn < xn+1 , e, portanto, xn < xn+2 < xn+1 , pois
1
xn+1 − xn = (−1)n+1 > 0.
2n−1

Fig. 1: Posicionamento dos pontos da seqüência (xn )n∈N .

70 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências

1 1 1
 
Afirmação 2: x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 para todo n ∈ N.
2 4 4
De fato:
0+1 1 1
◦ Se n = 1, x3 = = = · 1.
2 2 2
◦ Suponhamos a afirmação verdadeira para n.
Então, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2 , temos que
1
x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 + (x2n+2 − x2n+1 )
2
1
 1 1
 1 (−1)2n+2
= 1 + + . . . + n−1 + ·
2 4 4 2 22n
1 1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + · n
2 4 4 2 4
1 1 1 1
 
= 1 + + . . . + n−1 + n .
2 4 4 4
1 1

Afirmação 3: x2n = 1 − + ... + para todo n ∈ N, n ≥ 2.
4 4n−1
De fato:
1
◦ Se n = 2, x4 = 1 − .
4
◦ Suponhamos que a igualdade seja válida para n.
Então, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n , temos que
1 1
x2n+2 = x2n − (x2n − x2n+1 ) = x2n + (x2n+1 − x2n )
2 2
1 1
 (−1)2n+1 1 1
 1
= 1− + . . . + n−1 + 2n−1
= 1 − + . . . + n−1
− n
4 4 2·2 4 4 4
1 1 1

= 1− + . . . + n−1 + n .
4 4 4
• Assim, como
1
1 1 1 1 − n+1 1 4
1 + + . . . + n−1 + n = 4 < = ,
4 4 4 1 1 3
1− 1−
4 4
para todo n ∈ N, temos que
1 4 4
0 ≤ x2n+1 < · = < 1,
2 3 6
para todo n ≥ 0, e
4 2
 
1 ≥ x2n >1+ 1− = , para todo n ≥ 1.
3 3

Instituto de Matemática - UFF 71


Análise na Reta

Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn )n∈N é limi-


tada, sendo (x2n+1 )n∈N uma subseqüência crescente e (x2n )n ∈ N uma
subseqüência decrescente. 

Exemplo 1.11 Seja xn = n
n para todo n ∈ N.
A seqüência (xn )n∈N é decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,
1 n 1 n
   
como 1 + < 3 para todo n ∈ N, 1 + < n para todo n ≥ 3.
n n
(n + 1)n
Logo, < n, ou seja, (n + 1)n < nn+1 .
nn

n+1

Assim, n + 1 < n n para todo n ≥ 3.
√ √ √
Como 1 = x1 < 2 = x2 < 3 3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 = 3 3 para todo n ∈ N,
concluı́mos também que (xn )n∈N é limitada. 

2. Limite de uma seqüência

Definição 2.1 Dizemos que o número real a é limite da seqüência (xn )n∈N
de números reais, e escrevemos
a = lim xn ,
n→∞

quando para cada número real ε > 0 é possı́vel obter um número natural
n0 tal que
|xn − a| < ε ,
para todo n > n0 .
Simbolicamente, temos que
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀ n > n0
n→∞

ou seja,
a = lim ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a − ε, a + ε) , ∀ n > n0
n→∞

Assim, a = lim xn se, e só se, todo intervalo aberto de centro a


n→∞

contém todos os termos xn da seqüência, salvo, talvez, para um número


finito de ı́ndices n.

72 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Observação 2.1
• Quando lim xn = a, dizemos que a seqüência (xn )n∈N converge para a
n→∞

ou tende para a e escrevemos, também, xn −→ a.


• Uma seqüência que possui limite chama-se convergente. Caso contrário,
chama-se divergente, ou seja, uma seqüência (xn )n∈N é divergente se,
para nenhum número real a, é verdade que lim xn = a.
n→∞

• lim xn 6= a se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe
n→∞

n1 > n0 com |xn1 − a| ≥ ε0 .

Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)


Se a = lim xn e b = lim xn , então a = b.
n→∞ n→∞

Prova.
1
Suponhamos a 6= b e seja ε = |b − a| > 0. Temos que:
2
• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩
(b − ε, b + ε), terı́amos que:
|b − a| = |b − x + x − a| ≤ |b − x| + |x − a| < ε + ε = 2ε = |b − a| .
• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n > n0 .
Logo, xn 6∈ (b − ε, b + ε) para todo n > n0 . Então lim xn 6= b. 
n→∞

Teorema 2.2 Se n→∞


lim xn = a então toda subseqüência de (xn )n∈N con-
verge para a.

Prova.
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn )n∈N . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N
tal que |xn − a| < ε para todo n > n0 .
Como o conjunto N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é ilimitado, existe k0 ∈ N
tal que nk0 > n0 .
Logo, nk > nk0 > n0 e |xnk − a| < ε para todo k > k0 . 

Corolário 2.1 Se lim xn = a então, para todo k ∈ N, lim xn+k = a.


n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 73


Análise na Reta

Prova.
De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) é uma subseqüência de (xn )n∈N e,
portanto, converge para a.

Observação 2.2
• O limite de uma seqüência não se altera quando dela se omite um
número finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantém
Exercı́cio 12: Se (xn+k )n∈N
converge para a, para algum k ∈ quando se omite um número infinito de termos desde que reste ainda um
N, então xn −→ a.
número infinito de ı́ndices.
• Se (xn )n∈N possui duas subseqüências com limites distintos então (xn )n∈N
é divergente.
• Se (xn )n∈N converge e a subseqüência (xnk )k∈N converge para a, então
xn −→ a.

Teorema 2.3 Toda seqüência convergente é limitada.

Prova.
Seja a = lim xn e tome ε = 1. Então, existe n0 ∈ N tal que xn ∈
n→∞

(a − 1, a + 1) para todo n > n0 .


Sejam A = {a − 1, a + 1, x1 , . . . , xn0 }, M = max A e m = min A. Então
m ≤ xn ≤ M para todo n ∈ N, ou seja, (xn )n∈N é limitada.

Observação 2.3 A recı́proca do teorema anterior não é verdadeira. Por


exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) é limitada, mas não é conver-
gente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn )n∈N possui
duas subseqüências que convergem para limites diferentes.

Observação 2.4 Se uma seqüência não é limitada, ela não é conver-


gente.

Teorema 2.4 Toda seqüência monótona limitada é convergente.

Prova.
Suponhamos que (xn )n∈N é não-decrescente, isto é, xn ≤ xn+1 para todo
n ∈ N.
Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn | n ∈ N}.

74 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

Vamos mostrar que a = lim xn .


n→∞

Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε não é cota superior do conjunto dos


termos da seqüência. Logo, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn0 ≤ a. Como
xn ≥ xn0 , para todo n ≥ n0 , temos
a − ε < xn0 ≤ xn ≤ a < a + ε para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a.
n→∞

De modo análogo, podemos provar que se (xn )n∈N é não-crescente, então


lim xn = inf{xn | n ∈ N}.
n→∞

Corolário 2.2 Se uma seqüência monótona (xn )n∈N possui uma sub-
seqüência convergente, então (xn )n∈N é convergente.

Prova.
Pela observação 1.5, temos que a seqüência monótona (xn )n∈N é limi-
tada porque possui uma subseqüência convergente e, portanto limitada.
Então, pelo teorema anterior, (xn )n∈N é convergente.

Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto à convergência.

Exemplo 2.1 Toda seqüência constante, xn = a, n ∈ N, é convergente


e tem limite a.

Exemplo 2.2 A seqüência de termo geral xn = n, n ∈ N, não é conver-


gente porque não é limitada.

1 + (−1)n+1
Exemplo 2.3 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn = , n ∈ N,
2
é divergente porque possui duas subseqüências (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N que
convergem para limites diferentes.

1
Exemplo 2.4 A seqüência tem limite zero.
n n∈N

1
De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que < ε.
n0
1 1
Então, −ε < < < ε, para todo n > n0 . 
n n0

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Análise na Reta

Exemplo 2.5 A seqüência (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) não é


convergente porque possui uma subseqüência, (x2n−1 )n∈N , ilimitada.

Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a seqüência (an )n∈N . Então:


• Se a = 1 ou a = 0, a seqüência constante (an )n∈N converge e tem limite
1 e 0, respectivamente.
• Se a = −1, a seqüência (−1, 1, −1, 1, . . .) é divergente, pois possui duas
subseqüências, (x2n )n∈N e (x2n−1 )n∈N , que convergem para limites dife-
rentes.
• Se a > 1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois é crescente e ilimitada
superiormente.
• Se a < −1, a seqüência (an )n∈N é divergente, pois não é limitada supe-
riormente nem inferiormente.
• Se 0 < a < 1, a seqüência (an )n∈N é decrescente e limitada, logo,
convergente. Além disso, lim an = 0.
n→∞

1 1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > para todo n ≥ n0 ,
a ε
  n 
1
pois a seqüência é crescente e ilimitada superiormente, já
a n∈N
1
que > 1. Logo, −ε < an < ε ∀ n ≥ n0 .
a
• Se −1 < a < 0, lim an = 0, pois lim |an | = lim |a|n = 0, já que
n→∞ n→∞ n→∞

0 < |a| < 1.

lim xn = 0 ⇐⇒ lim |xn | = 0.


Observação 2.5 n→∞
n→∞

Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a seqüência (xn )n∈N , onde


1 − an+1
x n = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

é convergente porque é crescente e limitada superiormente. Além disso,


1
lim xn = .
n→∞ 1−a

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an | < ε(1 − a) para todo n > n0 .
1 |an+1 |

Logo, xn − = < ε para todo n ≥ n0 .

1−a |1 − a|

76 J. Delgado - K. Frensel
Limite de uma seqüência

1
O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, lim xn = , apesar
n→∞ 1−a
de (xn )n∈N não ser monótona para −1 < a < 0. 

1 1 1 1
 n
Exemplo 2.8 Sejam an = 1 + + + . . . + + . . . e bn = 1 + ,
1! 2! n! n
para todo n ∈ N.
Como as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes e limitadas, elas
são convergentes.
Mostraremos depois que lim an = lim bn = e, onde e é a base dos
n→∞ n→∞

logaritmos naturais.

Exemplo 2.9 Seja (xn )n∈N a seqüência dada por


xn + xn+1
x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 = , n ∈ N.
2
Já vimos que:
 n  
1
1 1 1
 1 1 −  2  1
4
 
x2n+1 = 1 + + . . . + n−1 =  = 1 − ,
2 4 4 2  1  3 4n
1−
4

e
1 1
 1
 1

x2n = 1 − + . . . + n−1 = 2 − 1 + + . . . + n−1
4 4 4 4
1
 1 − 4n  4 1
  2 4 1
= 2− = 2 − 1 − = + · n.
1  n 3 4 3 3 4
1−
4

Então a subseqüência (x2n−1 )n∈N é crescente limitada superiormente e a


subseqüência (x2n )n∈N é decrescente limitada inferiormente.
2
Afirmação 1: lim x2n−1 = .
n→∞ 3
1
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que < ε, para todo n > n0 ,
4n
1 1
pois lim = 0, já que 0 < < 1 .
n→∞ 4n 4
2 2
1
Logo, x2n+1 − = < ε para todo n > n0 .

3 n 3 4
2
Afirmação 2: lim x2n = .
n→∞ 3

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Análise na Reta

1 3
Dado ε > 0 , ∃ n0 ∈ N tal que n
< ε para todo n ≥ n0 .
4 4
2 4 1

Assim, x2n − = · n < ε para todo n ≥ n0 .

3 3 4
Afirmação 3: Se lim x2n+1 = lim x2n = a então lim xn = a.
n→∞ n→∞ n→∞

De fato, dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1 , n


par, e |xn − a| < ε se n > n2 , n ı́mpar.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então, |xn − a| < ε para todo n > n0 , pois n >
n0 ≥ n1 e n > n 0 ≥ n2 .
Pelas 3 afirmações acima, temos que a seqüência (xn )n∈N é convergente
2
e lim xn = . 
n→∞ 3

Exemplo 2.10 Como a seqüência ( n n)n∈N é decrescente a partir do

terceiro termo e é limitada inferiormente por 0, temos que ( n n)n∈N é con-

vergente. Mostraremos depois que lim n n = 1 .
n→∞

3. Propriedades aritméticas dos limites

Teorema 3.1 Se n→∞


lim xn = 0 e (yn )n∈N é uma seqüência limitada, então

lim (xn yn ) = 0.
n→∞

Prova.
Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn | < c para todo n ∈ N.
ε
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn | < para todo n > n0 . Logo,
c
ε
|xn yn | < c · = ε para todo n > n0 .
c
Isso mostra que lim (xn yn ) = 0. 
n→∞

sen(nx)
Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, n→∞
lim = 0, pois a seqüência
n
1
(sen(nx))n∈N é limitada já que | sen(nx)| ≤ 1, e a seqüência con-
n n∈N
verge para zero. 

78 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Observação 3.1 Se n→∞


lim yn = b e b 6= 0, então existe n0 ∈ N tal que

yn 6= 0 para todo n > n0 .


De fato, seja ε = |b| > 0. Então existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b − |b|, b + |b|)
para todo n > n0 , ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0 . Logo,
yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0 , se b > 0, ou yn < b + |b| =
b − b = 0 para todo n > n0 , se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0 , se
b 6= 0.

 
xn
No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a seqüência
yn n∈N

a partir de seu n0 −ésimo termo, onde n0 ∈ N é tal que yn 6= 0 se n ≥ n0 .

Teorema 3.2 Se n→∞


lim xn = a e lim yn = b, então:
n→∞

(1) lim (xn + yn ) = a + b ; lim (xn − yn ) = a − b ;


n→∞ n→∞

(2) lim (xn · yn ) = a · b ;


n→∞

xn a
(3) lim = , se b 6= 0.
yn b

Prova.
(1) Dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|xn − a| < para n > n1 ,
2
ε
|yn − b| < para n > n2 .
2
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,
|(xn + yn ) − (a + b)| = |(xn − a) + (yn − b)|
≤ |xn − a| + |yn − b|
ε ε
< + =ε
2 2
para todo n > n0 .
Se prova, de modo análogo, que (xn − yn ) −→ (a − b) .
(2) Como xn yn − ab = xn yn − xn b + xn b − ab = xn (yn − b) + (xn − a)b,
lim (xn − a) = lim (yn − b) = 0 e (xn )n∈N é limitada, por ser convergente,
n→∞ n→∞

temos que lim xn (yn − b) = lim (xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.
n→∞ n→∞

Instituto de Matemática - UFF 79


Análise na Reta

Logo, pelo item (1),


lim (xn yn − ab) = lim xn (yn − b) + lim (xn − a)b = 0 .
n→∞ n→∞ n→∞

Assim, lim xn yn = ab .
n→∞

b2
(3) Pelo item (2), lim yn b = b2 . Então, dado ε = , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 2
b2 b2
yn b > b2 − = > 0 para todo n > n0 .
2 2
1 2
Segue-se que 0 < < para todo n > n0 .
yn b b2
 
1
Logo, a seqüência é limitada.
yn b n∈N

Assim,
 
xn a xn b − yn a
lim − = lim =0
n→∞ yn b n→∞ yn b

pelo teorema 3.1, pois lim (xn b − yn a) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e


n→∞
 
1
(2), e é limitada.
yn b n≥n0

a
Logo, lim xn yn = .
n→∞ b 

Observação 3.2 Resultados análogos aos itens (1) e (2) do teorema


anterior valem, também, para um número finito qualquer de seqüências.
Mas, o resultado não se aplica para somas, ou produtos, em que o número
de parcelas, ou fatores, é variável e cresce acima de qualquer limite.
1 1
Por exemplo, seja sn = + . . . + (n parcelas).
n n
Então, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, lim sn = 1.
n→∞

1 1
Assim, lim sn 6= lim + . . . + lim = 0 + . . . + 0 = 0.
n→∞ n→∞ n n→∞ n


Exemplo 3.2 Seja a seqüência (xn )n∈N , onde xn = n
a , a > 0.
√ √
n
• Se a = 1, n
a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim a = 1.
n→∞
√ √
Sejam b = n+1
aec= n
a, ou seja, bn+1 = cn = a .

80 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites


• Se a > 1, então n a é decrescente e limitada.

De fato, b = n+1 a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b < c, ou seja, n+1 a < n a, e n a > 1 para todo n ∈ N.

• Se 0 < a < 1, então n a é crescente e limitada.

De fato, b = n+1 a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bn b = bn+1 = cn .
√ √ √
Logo, b > c, ou seja, n+1 a > n a e n a < 1 para todo n ∈ N.

Como, para todo a > 0, a seqüência ( n a)n∈N é monótona e limitada,

temos, pelo teorema 2.4, que existe lim n a = `.
n→∞

n
Afirmação: lim a = ` > 0.
n→∞
√ √ √
Se a > 1, lim n
a = inf{ n a | n ∈ N} ≥ 1, pois ( n a)n∈N é decrescente e 1
n→∞

é uma cota inferior.


√ √ √
Se 0 < a < 1, lim n a = sup{ n a | n ∈ N} ≥ a, pois ( n a)n∈N é crescente
n→∞

e n a ≥ a para todo n ∈ N.

Afirmação: lim n a = 1.
n→∞

1 1 1
Consideremos a subseqüência (a n(n+1) )n∈N = (a n − n+1 )n∈N . Pelo teorema
2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:
1
1 1 1 an `
` = lim a n(n+1) = lim a n − n+1 = lim 1 = = 1.
n→∞ n→∞ n→∞ a n+1 `



Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que n→∞
lim n n = 1.

Como ( n n)n∈N é uma seqüência decrescente a partir de seu terceiro

termo e n n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que
√ √
` = limn→∞ n n = inf{ n n | n ≥ 3} ≥ 1 .
1
Tomando a subseqüência ((2n) 2n )n∈N , obtemos que
h 1
i2 1
h 1 1
i
`2 = lim (2n) 2n = lim (2n) n = lim 2 n · n n
n→∞ n→∞ n→∞
1 1
= lim 2 · lim n = 1 · ` = ` .
n n
n→∞ n→∞

Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. 

Instituto de Matemática - UFF 81


Análise na Reta

Exemplo 3.4 Seja n→∞


lim yn = 0.
 
xn
• Se a seqüência é convergente ou, pelo menos, limitada, então
yn n∈N

lim xn = 0, pois
n→∞
 
x
lim xn = lim yn n = 0.
n→∞ n→∞ yn

Portanto, se lim yn = 0 e a seqüência (xn )n∈N diverge ou converge para


n→∞
 
xn
um limite diferente de zero, então a seqüência é divergente e
yn n∈N

ilimitada.
• Suponhamos agora que lim xn = lim yn = 0. Neste caso, a seqüência
n→∞ n→∞
 
xn
pode ser convergente ou não. Por exemplo:
yn n∈N

1 1 x
◦ se xn = e yn = , a 6= 0, então n = a −→ a.
n an yn
 
(−1)n 1 xn
◦ se xn = e yn = , então a seqüência é diver-
n n yn n∈N
xn
gente, pois = (−1)n .
yn
 
1 1 xn
◦ se xn = e yn = 2 , então a seqüência não converge,
n n yn n∈N
xn
pois = n. 
yn

Teorema 3.3 (Permanência do sinal)


Se lim xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0 .
n−→∞

Prova.
a a a
Dado ε = > 0, existe n0 ∈ N tal que a − < xn < a + para todo
2 2 2
a a
n ≥ n0 . Logo, xn > a − = > 0 para todo n ≥ n0 . 
2 2

Observação 3.3 De modo análogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal


que xn < 0 para todo n ≥ 0.

82 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades aritméticas dos limites

Corolário 3.1 Sejam (xn )n∈N e (yn )n∈N seqüências convergentes. Se


xn ≤ yn para todo n ∈ N, então lim xn ≤ lim yn
n→∞ n→∞

Prova.
Suponhamos, por absurdo, que lim xn > lim yn .
n→∞ n→∞

Então, lim (xn − yn ) = lim xn − lim yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal


n→∞ n→∞ n→∞

que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0 . o que contradiz a


hipótese.

Observação 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, não se pode ga-


rantir que lim xn < lim yn .
n→∞ n→∞

1 1 1
Por exemplo, tome xn = 0 e yn = , ou xn = 2 e yn = .
n n n

Corolário 3.2 Se (xn )n→∞ uma seqüência convergente. Se xn ≥ a para


todo n ∈ N, então lim xn ≥ a .
n→∞

Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)


Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e lim xn = lim yn = a , então
n→∞ n→∞

lim zn = a.
n→∞

Prova.
Dado ε > 0, existem n1 , n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo
n ≥ n1 e a − ε < yn < a + ε para todo n ≥ n2 .
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo
n ≥ n0 .
Logo, lim zn = a. 
n→∞

1 1 1 1
 n
Exemplo 3.5 Sejam an = 1 + + + . . . + e bn = 1 + , n ∈ N.
1! 2! n! n
Já provamos antes que as seqüências (an )n∈N e (bn )n∈N são crescentes
e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.
Então, lim bn ≤ lim an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para
n→∞ n→∞

todo n > p,

Instituto de Matemática - UFF 83


Análise na Reta

1 1 1 1 2
    
bn = 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 2 n−1
    
+ 1− 1− ... 1 −
n! n n n
1 1 1 1 2
     
≥ 1+1+ 1− + 1− 1− + ...
2! n 3! n n
1 1 p−1
   
+ 1− ... 1 − .
p! n n

Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima


tende para ap .
Logo, lim bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim bn ≥ lim ap .
n→∞ n→∞ p→∞

Obtemos, então, que


1 n 1 1 1
   
Notação: no seguinte, escrevere- lim 1 + = lim 1 + + + . . . + = e.
n→∞ n n→∞ 1! 2! n!
mos as seqüências na forma (xn )
mais simples do que (xn )n∈N e 
os limites lim xn , também, na
n→∞
forma mais simples lim xn , desde
que não surjam ambigüidades.

4. Subseqüências

O número real a é o limite da seqüência x = (xn ) se, e só se, para


todo ε > 0 o conjunto
x−1 (a − ε, a + ε) = { n ∈ N | xn ∈ (a − ε, a + ε) }
tem complementar finito em N.
Para subseqüências, temos o seguinte resultado:

Teorema 4.1 Um número real a é o limite de uma subseqüência de


(xn ) se, e só se, para todo ε > 0, o conjunto dos ı́ndices n tais que xn ∈
(a − ε, a + ε) é infinito.

Prova.
(=⇒) Seja a = lim0 xn , onde N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Então,
n∈N

para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk ∈ (a − ε, a + ε) para todo k > k0 .
Como o conjunto {nk | k > k0 } é infinito, existem infinitos n ∈ N tais que
xn ∈ (a − ε, a + ε).
(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1 ∈ (a − 1, a + 1).

84 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Suponhamos, por indução, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de


1 1
 
modo que xni ∈ a − , a + , para i = 1, . . . , k.
i i
1

 1 1

Seja ε = > 0. Como o conjunto n ∈ N | xn ∈ a − ,a +
k+1 k+1 k+1
1 1
 
é infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1 > nk e xnk ∈ a − ,a + .
k+1 k+1
1
Então, N 0 = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} é infinito e como |xnk − a| <
k
para todo k ∈ N , temos que lim xnk = a, ou seja, a é o limite de uma
k→∞

subseqüência de (xn )n∈N . 

Definição 4.1 Um número real a é valor de aderência da seqüência Terminologia: na literatura,


(xn ) quando a é o limite de uma subseqüência de (xn ). ponto de acumulação, valor de
acumulação, valor limite, ponto
limite e ponto aderente são
sinônimos de valor de aderência.
Observação 4.1 Como um subconjunto de N é infinito se, e só se, é
ilimitado, temos que as seguintes afirmações são equivalentes:
• a ∈ R é valor de aderência da seqüência (xn ) ;
• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e
xn ∈ (a − ε, a + ε) ;
• todo intervalo de centro a contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente
grandes.

Observação 4.2 Se lim xn = a, então a é o único valor de aderência


de (xn ). Mas a recı́proca não é verdadeira.
Por exemplo, a seqüência (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) só possui o zero como valor
de aderência, mas é divergente, já que é ilimitada.

Exemplo 4.1 A seqüência (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como


valores de aderência. 

Exemplo 4.2 Seja {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos números ra-


cionais de termos dois a dois distintos.
Como todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), a ∈ R e ε > 0, contém uma infi-
nidade de números racionais, pois Q é denso em R, temos que o conjunto
{n ∈ N | rn ∈ (a − ε, a + ε)}

Instituto de Matemática - UFF 85


Análise na Reta

é infinito e, portanto, a é valor de aderência de (rn ). Ou seja, todo número


real a é valor de aderência da seqüência (rn ). 

Exemplo 4.3 A seqüência (xn ), xn = n, não possui valor de aderência,


pois toda subseqüência de (xn ) é ilimitada.

• Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais, onde γ ≤ xn ≤ β


para todo n ∈ N.
Seja Xn = {xn , xn+1 , . . .}. Então,
[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .
Sendo an = inf Xn e bn = sup Xn , temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn ,
pois, como Xn+1 ⊂ Xn , temos
an = inf Xn ≤ xj e bn = sup Xn ≥ xj ,
para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n + 1.
Ou seja, an é cota inferior de Xn+1 e bn é cota superior de Xn+1 .
Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn .
Além disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer
que sejam n, m ∈ N, pois:
◦ se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,
◦ se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .
Logo,
γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .
Existem, portanto, os limites
a = lim an = sup an = sup inf Xn ,
n∈N n∈N

e
b = lim bn = inf bn = inf sup Xn .
n∈N n∈N

Dizemos que a é o limite inferior e b é limite superior da seqüência


Notação: em alguns livros de
Análise, pode ser encontrada
limitada (xn ), e escrevemos
a notação lim xn em vez de a = lim inf xn e b = lim sup xn .
lim sup xn e lim xn em vez de
lim inf xn . Temos, também, que sup an ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup an
n∈N n∈N

é uma cota inferior do conjunto {bm | m ∈ N}.

86 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Logo, sup an ≤ inf bn , ou seja,


n n

a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .

1 1
Exemplo 4.4 Seja a seqüência (xn ), onde x2n−1 = − e x2n = 1 + ,
n n
n ∈ N. Então,

1 1 1 1

◦ X2n−2 = 1+ ,− ,1 + ,− ,... ,
n−1 n n n+1

1 1 1 1

◦ X2n−1 = − , 1 + , − ,1 + ,... ,
n n n+1 n+1

1 1 1 1

◦ X2n = 1 + , − ,1 + ,− ,... ,
n n+1 n+1 n+2
1 1
Assim, inf X2n−2 = inf X2n−1 = − e sup X2n−1 = sup X2n = .
n 1+n
Logo, a = lim inf xn = sup inf Xn = 0 e b = lim sup xn = inf sup Xn = 1.
n n

Como (x2n−1 ) e (x2n ) são subseqüências convergentes de (xn ), e


lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n , segue-se que 0 e 1 são seus únicos valo-
res de aderência. 

Teorema 4.2 Seja (xn ) uma seqüência limitada. Então, a = lim inf xn é
o menor valor de aderência de (xn ) e b = lim sup xn é o maior valor de
aderência de (xn ).

Prova.
Vamos provar primeiro que a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ).
Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = lim an , existe n1 > n0 tal que
an1 ∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1 = inf Xn1 e a + ε > an1 , existe n ≥ n1 tal
que a − ε < an1 ≤ xn < a + ε.
Provamos, então, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε). Logo, pelo teorema 4.1, a é valor de aderência de (xn ).
Vamos, agora, provar que a é o menor valor de aderência de (xn ).
Seja c < a. Como a = lim an , existe n0 ∈ N, tal que c < an0 ≤ a. Ou seja,
c < an0 ≤ xn , para todo n ≥ n0 ,
pois an0 = inf{xn0 , xn0 +1 , . . .}.

Instituto de Matemática - UFF 87


Análise na Reta

Tomando ε = an0 − c, temos que c + ε = an0 . Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,


xn 6∈ (c − ε, c + ε) para todo n ≥ n0 .
Assim, c não é valor de aderência de (xn ).
A demonstração de que b = lim sup xn é o maior valor de aderência de
(xn ) se faz de modo análogo. 

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Como a = lim inf xn é valor de aderência de (xn ), (xn ) possui uma sub-
seqüência que converge para a. 

Corolário 4.2 Uma seqüência limitada de números reais (xn ) é conver-


gente se, e só se, lim inf xn = lim sup xn , isto é, se, e só se, (xn ) possui
um único valor de aderência.

Prova.
(=⇒) Se (xn ) é convergente e lim xn = c, então c é o único valor de
aderência de (xn ).
Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .
(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn .
Como lim an = lim bn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
a − ε < an0 ≤ a ≤ bn0 < a + ε.
Mas, an0 ≤ xn ≤ bn0 para todo n ≥ n0 . Logo,
a − ε < an0 ≤ xn ≤ bn0 < a + ε ,
para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a . 

Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn , onde (xn ) é uma
seqüência limitada.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para
todo n > n0 . Além disto, a é o maior e b é o menor número com esta
propriedade.

88 J. Delgado - K. Frensel
Subseqüências

Prova.
Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais que
xn < a − ε. Estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N infinito.
Então, a subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≤ a − ε,
pois xn < a − ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c < a e a é o
menor valor de aderência de (xn ).
Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε para todo n > n2 .
De modo análogo, suponha que existe uma infinidade de ı́ndices n tais
que xn > b + ε. Então estes ı́ndices formam um subconjunto N 0 ⊂ N
infinito. A subseqüência (xn )n∈N 0 possui um valor de aderência c ≥ b + ε,
já que xn > b + ε para todo n ∈ N 0 , o que é absurdo, pois c ≥ b + ε > b
e b é o maior valor de aderência de (xn ). Logo, existe n2 ∈ N tal que
xn < b + ε para todo n > 1.
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então a − ε < xn < b + ε para todo n > n0 .
1
• Seja a < a 0 e tome ε = (a 0 − a). Então, a + ε = a 0 − ε.
2
Sendo a um valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices
n tais que a − ε < xn < a + ε = a 0 − ε. Logo, nenhum número real a 0 > a
goza da propriedade acima.
1
• Seja b 0 < b e tome ε = b − b 0 . Então, b 0 + ε = b − ε.
2
Como b é valor de aderência de (xn ), existe uma infinidade de ı́ndices n
tais que b 0 + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum número real b 0 < b
goza da propriedade. 

Corolário 4.3 Se c < lim inf xn , então existe n1 ∈ N tal que c < xn para
todo n > n1 . Analogamente, se d > lim sup xn , então existe n2 ∈ N tal
que xn < d para todo n > n2 .

Prova.
Se c < a = lim inf xn , então c = a − ε, com ε = a − c > 0. Então,
pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a − ε = c para todo n > n1 .
De modo análogo, podemos provar a afirmação com respeito ao
lim sup xn = b, tomando ε = d − b > 0. 

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Análise na Reta

Corolário 4.4 Dada uma seqüência limitada (xn ), sejam a e b números


reais com as seguintes propriedades:
◦ se c < a, então existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1 ;
◦ se b < d, então existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.
Nestas condições a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.

Os corolários acima apenas repetem, com outras palavras, as afir-


mações do teorema 4.3.
• Sem usar as noções de limites inferior e superior de uma seqüência
limitada vamos provar que:

Toda seqüência limitada de números reais possui uma sub-


Veja, também, o exercı́cio 15.
seqüência convergente.

Prova.
Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja
A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ı́ndices n} .
Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento
de A pode ser maior do que b.
Assim, A 6= ∅ e é limitado superiormente por b.
Portanto, existe c = sup A.
Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c é valor de aderência da
seqüência (xn ).
Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c − ε < t ≤ c. Logo, há uma infinidade de
ı́ndices n tais que c − ε < xn .
Por outro lado, como c + ε 6∈ A, existe apenas um número finito de ı́ndices
n tais que xn ≥ c + ε.
Assim, existe um número infinito de ı́ndices n tais que c − ε < xn < c + ε.

Observação 4.3 c = lim sup xn .


• Sejam Xn = {xn , xn+1 , . . .} e bn = sup Xn , n ∈ N . Por definição,
lim sup xn = inf bn .
Afirmação: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c é uma cota inferior do
conjunto {bn | n ∈ N}.

90 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn , então


t ≥ xm para todo m ≥ n.
Logo, A ⊂ (−∞, bn ), ou seja, c = sup A ≤ bn .
• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = inf bn , temos que
n∈N

c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.


Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1 .
Então, α ≥ bn para todo n ≥ n1 . Mas, α = inf bn , ou seja, α ≤ bn para
n∈N

todo n ∈ N.
Assim, α = bn = sup Xn para todo n ≥ n1 .
1
Tome ε = (α − c) . Então, para todo n ≥ n1 , existe m > n tal que
2
1
α − ε < xm , ou seja, xm > (α + c) > c .
2
1
Portanto, o conjunto dos ı́ndices n tais que (α + c) < xn é ilimitado,
2
logo, infinito.
1 1
Então (α + c) ∈ A e (α + c) > c = sup A , o que é uma contradição.
2 2
Logo, c = sup A = α = lim sup xn .

5. Seqüências de Cauchy

Definição 5.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) é de Cauchy quando


para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn | < ε quaisquer que
sejam m, n > n0 .

Teorema 5.1 Toda seqüência convergente é de Cauchy.

Prova.
ε
Seja a = lim xn . Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| < e
2
ε
|xn − a| < , quaisquer que sejam m, n > n0 .
2
ε ε
Logo, |xm − xn | ≤ |xm − a| + |xn − a| < + = ε para todos m, n > n0 . 
2 2

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Análise na Reta

Antes de provarmos a recı́proca do teorema acima, vamos demons-


trar dois lemas importantes.

Lema 5.1 Toda seqüência de Cauchy é limitada.

Prova.
Seja ε = 1 > 0. Então, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | < 1, quaisquer
que sejam m, n ≥ n0 .
Em particular, |xm − xn0 | < 1, ou seja, xn0 − 1 < xn < xn0 + 1 para todo
n ≥ n0 .
Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto
{xn0 − 1, xn0 + 1, xn1 , . . . , xn0 −1 } .
Então, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a seqüência (xn ) é limitada.

Lema 5.2 Se uma seqüência de Cauchy (xn ) possui uma subseqüência


convergindo para a ∈ R, então lim xn = a.

Prova.
ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn | ≤ quaisquer que sejam
2
m, n > n0 .
Como a é limite de uma subseqüência de (xn ), existe, pelo teorema 4.1,
ε
n1 ∈ N, n1 > n0 , tal que |xn1 − a| < .
2
Logo,
ε ε
|xn − a| ≤ |xn − xn1 | + |xn1 − a| < + = ε,
2 2
para todo n > n0 .
Com isto, provamos que a = lim xn .

Teorema 5.2 Toda seqüência de Cauchy de números reais converge.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de Cauchy.
Pelo lema 5.1, (xn ) é limitada e, portanto, pelo corolário 4.1, (xn ) possui
uma subseqüência convergente. Então, pelo lema 5.2, (xn ) é conver-
gente.

92 J. Delgado - K. Frensel
Seqüências de Cauchy

Observação 5.1 (Método das aproximações sucessivas)


Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a seqüência (xn ) satisfaz a seguinte
condição:
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | , para todo n ∈ N.

Então, |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 | , para todo n ∈ N .

De fato, se n = 1, a desigualdade é válida, e se |xn+1 − xn | ≤ λn−1 |x2 − x1 |,


então
|xn+2 − xn+1 | ≤ λ|xn+1 − xn | ≤ λn |x2 − x1 | .
Assim, para m, p ∈ N arbitrários, temos:

|xn+p − xn | ≤ |xn+p − xn+p−1 | + . . . + |xn+1 − xn |

≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . . + λn−1 ) |x2 − x1 |

= λn−1 (λp−1 + λp−2 + . . . + λ + 1) |x2 − x1 |


1 − λp λn−1
= λn−1 |x2 − x1 | ≤ |x2 − x1 | .
1−λ 1−λ

λn−1
Como lim |x2 − x1 | = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que
n→∞ 1 − λ

λn−1
0≤ |x2 − x1 | < ε para todo n > n0 .
1−λ

Logo, |xn+p − xn | < ε para todo p ∈ N e todo n > n0 , ou seja, |xm − xn | < ε
quaisquer que sejam m, n > n0 .
Então, (xn ) é de Cauchy e, portanto, converge.

Aplicação: Aproximações sucessivas da raiz quadrada


Seja a > 0 e seja a seqüência definida por x1 = c, onde c é um
 
1 a
número real positivo arbitrário, e xn+1 = xn + , para todo n ∈ N.
2 xn

Se provarmos que a seqüência é convergente e lim xn = b > 0,


então teremos que
 
1 a 1 a
 
b = lim xn+1 = lim xn + = b+ .
2 xn 2 b
a
Logo, b = , ou seja, b2 = a.
b

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Análise na Reta

Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:


r
1 a a
 
Lema 5.3 Para todo x > 0, tem-se x+ > .
2 x 2

Prova.
r √
1 a a a 2 a a2
 
x+ > ⇐⇒ x + > √ ⇐⇒ x2 + 2a + 2 > 2a, o que é
2 x 2 x 2 x
a2
verdadeiro, pois x2 ≥ 0 e ≥ 0.
x2
r
a a
• Pelo lema, temos que xn > , para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 > ,
2 2
a
ou seja, < 1 para todo n > 1 .
2 xn xn+1

1
Afirmação: |xn+2 − xn+1 | ≤ |xn+1 − xn | para todo n > 1.
2
De fato, como
   
1 a 1 a
xn+2 − xn+1 = xn+1 + − xn +
2 xn+1 2 xn
 
1 a 1 1
= (xn+1 − xn ) + −
2 2 xn+1 xn
 
1 a xn − xn+1
= (xn+1 − xn ) + ,
2 2 xn+1 xn

temos que

|xn+2 − xn+2 | 1 a 1
≤ ,
= −
|xn+1 − xn | 2 2 xn xn+1 2
a
pois 0 < < 1.
2 xn xn+1

• Pela observação 5.1, (xn ) é de Cauchy e, portanto, convergente, e


r
a
lim xn = b > 0, pois xn > , para todo n > 1.
2

6. Limites infinitos

Definição 6.1 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para mais infi-
nito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo número real A > 0
dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0 .

94 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

Exemplo 6.1 Se xn = n, então lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe


n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0 .

Exemplo 6.2 Seja a seqüência (an ), onde a > 1.


Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1 + h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal
A−1
que n0 > . Logo, pela desigualdade de Bernoulli,
h
an = (1 + h)n ≥ 1 + nh > 1 + n0 h > A ,
para todo n > n0 .
Logo, lim an = +∞ se a > 1. 

• Mais geralmente, uma seqüência não-decrescente (xn ) ou é conver-


gente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.
De fato, se (xn ) é não-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que xn0 > A. Logo, xn ≥ xn0 > A para todo n ≥ n0 .

Observação 6.1 Se lim xn = +∞, então (xn ) é ilimitada superiormente,


mas é limitada inferiormente.

Observação 6.2 Se lim xn = +∞, então toda subseqüência de (xn )


também tende para +∞.

lim np = +∞, pois (1p , 2p , . . . , np , . . .)


Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, n→∞
é uma subseqüência da seqüência (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .


Exemplo 6.4 A seqüência ( p n)n∈N , para todo p ∈ N, tende para +∞,

pois é crescente e ilimitada superiormente, já que ( p np )n∈N = (n)n∈N é

uma subseqüência ilimitada superiormente da seqüência ( p n)n∈N .

Exemplo 6.5 A seqüência (nn )n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para
todo n ∈ N e a seqüência (n) tende para +∞.

Definição 6.2 Dizemos que uma seqüência (xn ) tende para −∞, e es-
crevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que
xn < −A para todo n > n0 .

Observação 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn ) = −∞ .

Instituto de Matemática - UFF 95


Análise na Reta

Observação 6.4 Se lim xn = −∞ então (xn ) é ilimitada inferiormente,


mas é limitada superiormente.

Exemplo 6.6 A seqüência ((−1)n n)n∈N não tende para +∞ nem para
−∞, pois ela é ilimitada superiormente e inferiormente.

Exemplo 6.7 A seqüência (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) é ilimitada superiormente


e limitada inferiormente, mas não tende para +∞, pois possui uma sub-
seqüência (x2n−1 = 0) que não tende para +∞ por ser constante.

Teorema 6.1 (Operações aritméticas com limites infinitos)


(1) Se lim xn = +∞ e a seqüência (yn ) é limitada inferiormente, então
lim(xn + yn ) = +∞ .
(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, então
lim(xn yn ) = +∞ .
1
(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Então lim xn = 0 ⇐⇒ lim = +∞ .
xn

(4) Sejam (xn ) e (yn ) seqüências de números positivos. Então:


(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se lim yn = 0,
xn
então lim = +∞ .
yn
xn
(b) se (xn ) é limitada e lim yn = +∞, então lim = 0.
yn

Prova.
(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos
que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0 .
Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0 e, portanto
lim(xn + yn ) = +∞ .
A
(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn > para todo n > n0 . Logo,
c
A
xn yn > c = A para todo n > n0 . Portanto, lim xn yn = +∞ .
c
(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
1 1
0 < xn < para todo n > n0 . Logo, > A para todo n > n0 . Assim,
A xn
1
lim = +∞.
xn

96 J. Delgado - K. Frensel
Limites infinitos

1
Suponhamos, agora, que lim = +∞ .
xn
1 1
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que > para todo n > n0 .
xn ε

Então −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0 .


Logo, lim xn = 0.
c
(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn < .
A
xn c
Então, > = A para todo n > n0 .
yn c/A
xn
Logo, lim = +∞ .
yn

(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe
b
n0 ∈ N tal que yn > para todo n > n0 .
ε
xn b x
Então, 0 < < = ε para todo n > n0 e, portanto, lim n = 0 .
yn b/ε yn

Observação 6.5 ∞ − ∞ é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn ).
Pode ser que a seqüência (xn + yn ) seja convergente, tenda para +∞,
tenda para −∞ ou não tenha limite algum.

Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , então lim xn = +∞ ,


lim yn = −∞ e lim(xn + yn ) = a.

√ √
Exemplo 6.9 Se xn = n + 1 e yn = − n, então lim xn = +∞ e
lim yn = −∞, mas
√ √ √ √
√ √ ( n + 1 − n)( n + 1 + n)
lim (xn + yn ) = lim ( n + 1 − n) = lim √ √
n→∞ n→∞ n→∞ n+1+ n
1
= lim √ √ = 0.
n→∞ n+1+ n

Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, então lim xn = +∞, lim yn = −∞


e lim(xn + yn ) = lim(n2 − n) = +∞ , pois n2 − n = n(n − 1) > n se n ≥ 2.
E, portanto, lim(n − n2 ) = −∞ .

Instituto de Matemática - UFF 97


Análise na Reta

Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, então lim xn = +∞ e


lim yn = −∞, mas a seqüência (xn + yn ) = ((−1)n ) não possui limite
algum.


Observação 6.6 é indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e

 
xn
lim yn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da seqüência .
yn
Pode ser que essa seqüência convirja, que tenha limite +∞ ou que não
tenha limite algum.

Exemplo 6.12 Se xn = n + 1 e yn = n − 1, então lim xn = lim yn = +∞,


e
xn n+1 1 + 1/n
lim = lim = lim = 1.
yn n−1 1 − 1/n

Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, então lim xn = lim yn = +∞ e


xn
lim = lim n = +∞ .
yn

Exemplo 6.14 Se xn = (2 + (−1)n )n e yn = n , então, lim xn = +∞ ,


 
xn
lim yn = +∞ , mas a seqüência = (2 + (−1)n ) não possui limite.
yn

Exemplo 6.15 Se xn = a n , a > 0 e yn = n , então lim xn = +∞


xn
lim yn = +∞ e lim = lim a = a .
yn

an
Exemplo 6.16 Se a > 1 , então lim = +∞ , para todo p ∈ N .
np
Como a > 1, a = 1 + h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,
X n n−j j X n j
n   p+1  
n n
a = (1 + h) = 1 h ≥ h
j=0
j j=0
j
n(n − 1) 2 n(n − 1) . . . (n − p) p
= 1 + nh + h + ... + h .
2! p!

Daı́,
an 1 h 1 1 h2
 
≥ + + 1 − + ...
np np np−1 2 n np−2
1 1 p−1 n 1 p
       
p−1
+ 1− ... 1 − h + 1− ... 1 − hp .
(p − 1)! n n p! n n

98 J. Delgado - K. Frensel
Séries numéricas

Como
   2    
1 h 1 1 h 1 1 p−1
lim + p−1 + 1− + ... + 1− ... 1 − hp−1
n→∞ np n 2 n np−2 (p − 1)! n n
   
n 1 p p
+ 1− ... 1 − h = +∞ ,
p! n n

an
temos que lim = +∞ , qualquer que seja p ∈ N.
n→∞ np

Isto significa que as potências an , a > 1, crescem com n mais rapida-


mente do que qualquer potência de n de expoente fixo. 

an
Exemplo 6.17 Mas, n→∞
lim = 0, a > 0.
nn
a 1
De fato, seja n0 ∈ N tal que < .
n0 2
 n
an
 a n a 1
Então, 0 < n = ≤ < ; para todo n ≥ n0 .
n n n0 2n

an 1 an
Logo, 0 ≤ lim ≤ lim = 0 , ou seja, lim = 0.
nn 2n nn

n!
Exemplo 6.18 Para todo número real a > 0, tem-se lim = +∞ .
an
n0
De fato, seja n0 ∈ N tal que > 2. Logo, para todo n > n0 , temos que
a
n! n ! n +1 n + (n − n0 ) n !
n
= n00 0 ... 0 > 0n 2n−n0 ,
a a a a a0

n! n0 ! n n n!
ou seja, n
> n
2 . Como lim 2 = +∞, temos que lim = +∞ .
a (2a) 0 an

Isso significa que n! cresce mais rápido do que an , para a > 0 fixo.

7. Séries numéricas

• A partir de uma seqüência de números reais (an ) formamos uma nova


seqüência (sn ), cujos termos são as somas:
sn = a1 + . . . + an , n ∈ N,
X

que chamamos as reduzidas da série an .
n=1

Instituto de Matemática - UFF 99


Análise na Reta

A parcela an é chamada o n−ésimo termo ou termo geral da série.


Se existe o limite
s = lim sn = lim (a1 + . . . + an ) ,
n→∞ n→∞

dizemos que a série é convergente e que s é a soma da série. Escreve-


mos, então,
X

s= an = a 1 + a2 + . . . + an + . . . .
n=1

Notação: Usaremos também a Se a seqüência das reduzidas não converge, dizemos que a série
notação
P
an para designar a P

an é divergente ou que diverge.
X
série an .
n=1
Observação 7.1 Toda seqüência (xn ) pode ser considerada como a
seqüência das reduzidas de uma série.
De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,
assim, teremos:
s1 = x1 ,
s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,
.. ..
. .
sn = x1 + (x2 − x1 ) + . . . + (xn − xn−1 ) = xn .

X

Assim, a série x1 + (xn+1 − xn ) converge se, e só se, a seqüência (xn )
n=1

converge. E, neste caso, a soma da série é igual a lim xn .


P
Teorema 7.1 Se an é uma série convergente, então, lim an = 0.

Prova.
Seja s = lim sn , onde sn = a1 + . . . + an .
Então, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1 , temos que
lim an = lim(sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = 0.

Exemplo 7.1 A recı́proca do teorema acima é falsa.


X

1 1
De fato, basta considerar a série harmônica . Seu termo geral
n n
n=1

tende para zero, mas a série diverge.

100 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Com efeito, para todo n ≥ 1, temos


1
1 1 1 1 1 1  1 1

s2n = 1 + + + + + + + + ... + + ... +
2 3 4 5 6 7 8 2n−1 + 1 2n
1 2 4 2n−1 1
> 1 + + + + ... + n = 1 + n ,
2 4 8 2 2

Logo, a subseqüência (s2n ) tende a +∞. Como a seqüência (sn ) é cres-


cente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a série
X∞
harmônica diverge. 
n=1

X

1 1 1
• Como consequência, para 0 < r < 1, a série diverge, pois >
nr n r n
n=1
Lembre que: nr = er log n <
para todo n > 1. elog n = n .

X

Exemplo 7.2 A série geométrica an é
n=0

◦ divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an não


tende para zero.
◦ convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a seqüência das reduzi-
das é
1 − an+1
sn = 1 + a + . . . + an = ,
1−a

1 X

1
que tende para . Isto é, an = , se |a| < 1.
1−a 1−a
n=0

Observação 7.2 Das propriedades aritméticas dos limites de seqüências,


resulta que:
P P P
• se an e bn são séries convergentes, então a série (an + bn ) é
P P P
convergente e (an + bn ) = an + bn .
P P P
• se an é convergente, então a série (ran ) é convergente e (ran ) =
P
r an , para todo r ∈ R.
P P P
• se as séries an e bn convergem, então a série cn cujo termo
X
n X
n−1
P P P
geral é cn = ai bn + an bj converge e cn = ( an ) ( bn ).
i=1 j=1

Instituto de Matemática - UFF 101


Análise na Reta

De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das


P P
séries an e bn .
Como sn −→ s e tn −→ t, temos que
P P X
n
( an ) ( bn ) = s · t = lim sn tn = lim ai bj .
n→∞ n→∞
i,j=1

X
n X
n
Afirmação: c` = ai bj , para todo n ∈ N.
`=1 i,j=1

X
1 X
1
◦ Se n = 1, c` = c1 = a1 b1 = ai bj .
`=1 i,j=1

◦ Suponhamos, por indução, que


X X X
n n
! n
!
c` = ai bj .
`=1 i=1 j=1

Então,

X X X X
n+1 n n
! n
!
c` = c` + cn+1 = ai bj + cn+1
`=1 `=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n+1 n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X X
n
! n
! n n
= ai bj + ai bn+1 + an+1 bn+1 + an+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1

X X X
n
! n+1
! n+1
= ai bj + an+1 bj
i=1 j=1 j=1

X X
n+1
! n+1
!
= ai bj .
i=1 j=1

◦ Veremos depois que, em casos especiais,


P P P
( an ) ( bn ) = pn ,
X
n
onde pn = ai bn+1−i = a1 bn + a2 bn−1 + . . . + an b1 .
i=1

X

1
Exemplo 7.3 A série é convergente e sua soma é 1.
n(n + 1)
n=1

102 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

1 1 1
De fato, como = − , a reduzida de ordem n da série é
n(n + 1) n n+1
1
  1 1 1 1
 1
sn = 1 − + − + ... + − =1− .
2 2 3 n n+1 n+1
P 1
Logo, = lim sn = 1.
n(n + 1)

P
Exemplo 7.4 A série (−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + . . . é divergente, pois
seu termo geral não tende para zero. Suas reduzidas de ordem par são
iguais a zero e as de ordem ı́mpar são iguais a um.

X
∞ X

Observação 7.3 A série an converge se, e somente se, an
n=1 n=n0

converge, onde n0 ∈ N é fixo.


De fato, as reduzidas da primeira série são sn = a1 + . . . + an e as da
segunda série são tn = an0 + an0 +1 . . . + an0 +n−1 , ou seja, tn+1 = sn0 +n −
sn0 −1 . Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.

• Isto significa que a convergência de uma série se mantém quando dela


retiramos ou acrescentamos um número finito de termos.

P
Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A série an converge se, e
somente se, a seqüência das reduzidas é limitada, ou seja, se, e somente
se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . . + an < k para todo n ∈ N.

Prova.
Como an ≥ 0 para todo n, a seqüência (sn ) é monótona não-decrescente.
Logo, (sn ) converte se, e somente se, (sn ) é limitada.

Corolário 7.1 (Critério de comparação)


P P
Sejam an e bn séries de termos não-negativos. Se existem c > 0
e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0 , então a convergência de
P P P
bn implica a convergência de an , enquanto a divergência de an
P
acarreta a de bn .

Prova.
Sejam sn0 = an0 + . . . + an e tn0 = bn0 + . . . + bn para todo n ≥ n0 .

Instituto de Matemática - UFF 103


Análise na Reta

P
◦ Se a série bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k
para todo n ∈ N. Logo, a seqüência crescente (sn0 ) converge, pois sn0 < k
para todo n ≥ n0 .
X X

Assim, a série an converge, e, portanto, an é uma série conver-
n≥n0 n=1

gente.
P
◦ Se a série an diverge, a seqüência (sn ) de suas reduzidas,
tende a ∞. Como sn0 = sn − sn0 −1 , temos que a seqüência (sn0 ) tende a ∞.
P 1
Então a série bn diverge, pois tn ≥ tn0 ≥ sn0 , para todo n ≥ n0 , já que
c
bn ≥ an c para todo n ≥ n0 .

X

1
Exemplo 7.5 Se r > 1, a série é convergente.
nr
n=1

1
Como os termos da série são positivos, a seqüência (sn ) de suas re-
nr
duzidas é crescente.
Então, para provar que (sn ) converge, basta mostrar que (sn ) possui uma
subseqüência limitada.
Para m = 2n − 1,
1 1
 1 1 1 1

s2n −1 = 1 + r + r + r + r + r + r + . . .
2 3 4 5 6 7
 
1 1
+ n−1 r
+ ... + n r
(2 ) (2 − 1)
2 4 2n−1
< 1+ + + . . . +
2r 4r (2n−1 )r
X
n−1 
2 i

= ,
2r
i=0

1 1
pois = n−1 .
(2n − 1)r (2 + 2n−1 − 1)r

2 X 2 ∞  n
Como r > 1, temos r < 1. Logo, a série converge e é, portanto,
2 2r
n=0

limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subseqüência


(s2n −1 )n∈N é limitada.

104 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.3 (Critério de Cauchy para séries)


P
Uma série an é convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,
existe n0 ∈ N tal que
|an+1 + . . . + an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Prova.
P
Seja (sn ) a seqüência das reduzidas da série an .
Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p , basta aplicar à seqüência (sn ) o
critério de Cauchy para seqüências.

P
Definição 7.1 Uma série an chama-se absolutamente convergente
P
quando a série |an | é convergente.

Exemplo 7.6 Toda série convergente cujos termos não mudam de sinal
é absolutamente convergente.

P
Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a série geométrica an é absolutamente
convergente.

Mas nem toda série convergente é absolutamente convergente.

X

(−1)n+1
Exemplo 7.8 A série é convergente, mas não é absoluta-
n
n=1

mente convergente.
Já provamos que a série
X (−1)n+1 X
∞ ∞

1

n
= ,
n
n=1 n=1

P (−1)n+1
é divergente. Vamos mostrar agora que a série é convergente.
n
◦ Suas reduzidas de ordem par são:
1 1
  1 1
s2 = 1 − ; s4 = 1 − + − ;...;
2 2 3 4
1
  1 1  1 1

s2n = 1 − + − + ... + − ;...
2 3 4 2n − 1 2n

Instituto de Matemática - UFF 105


Análise na Reta

 
1 1
Como − > 0, para todo j > 1, temos que a subseqüência (s2n )
j−1 j
é crescente.
Além disso, (s2n ) é limitada superiormente.
Com efeito, existe c > 0 tal que
1 1 1
s2n = + + ... +
2×1 3×4 (2n − 1) × (2n)
1 1
< 1+ 2
+ ... + < c,
3 (2n − 1)2
P 1
para todo n ∈ N, pois a série é convergente e, portanto, limitada.
n2
Logo, existe lim s2n = s 0 .
◦ Suas reduzidas de ordem ı́mpar são:
1 1
s1 = 1 ; s3 = 1 − − ;...;
2
1 1 3 1 1

s2n−1 = 1 − − + ... + − ;...
2 3 2n − 2 2n − 1

Então a subseqüência (s2n−1 ) é decrescente.


Além disso, como, para todo n ∈ N,
1 1 1
s2n−1 = 1 − − − ... −
2×3 4×5 (2n − 2)(2n − 1)
1 1 1
> 1− 2
− 2 − ... −
2 4 (2n − 1)2
 
1 1 1
> 1− 1 + 2 + 2 + ... + .
2 3 (2n − 1)2
P 1
e a série é convergente, temos que a subseqüência (s2n−1 ) con-
n2
verge, pois (s2n−1 ) é limitada inferiormente.
Seja s 00 = lim s2n−1 .
1
Como s2n+1 − s2n = −→ 0, temos que s 0 = s 00 . Logo, a seqüência
2n + 1
X

(−1)n
(sn ) converge, e s = s 0 = s 00 = .
n
n=1

P P
Definição 7.2 Se a série an é convergente, mas a série |an | é
P
divergente, dizemos que an é condicionalmente convergente.

106 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

Teorema 7.4 Toda série absolutamente convergente é convergente.

Prova.
P
Se a série |an | converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
|an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como
|an+1 + . . . + an+p | ≤ |an+1 | + . . . + |an+p | < ε ,
P
temos, pelo critério de Cauchy para séries, que a série an converge.

P
Corolário 7.2 Seja bn uma série convergente com bm ≥ 0 para todo
n ∈ N.
Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an | ≤ kbn para todo n > n0 , então a
P
série an é absolutamente convergente.

Prova.
Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que
ε
|bn+1 + . . . + bn+p | = bn+1 + . . . + bn+p < ,
k
quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.
Tome n2 = max{n1 , n0 }. Então,
|an+1 | + . . . + |an+p | ≤ k (bn+1 + . . . + bn+p ) < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Corolário 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an | ≤ kcn , onde 0 < c < 1
P
e k > 0, então a série an é absolutamente convergente.

Prova.
P
Basta aplicar o corolário anterior, já que a série geométrica cn con-
verge se 0 < c < 1.

Observação 7.4 Tomando k = 1 no corolário anterior, temos que


|an | ≤ cn se, e somente se, n |an | ≤ c.
p

Mas, se n |an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então sup{ n |an | | n ≥ n1 } ≤ c


p p

para todo n1 > n0 .

Logo, lim sup n |an | ≤ c < 1.


p

Instituto de Matemática - UFF 107


Análise na Reta

E reciprocamente, se lim sup n |an | < 1, então existe n0 ∈ N e 0 < d < 1


p

tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .


p

De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Então, pelo corolário —,
existe n0 ∈ N tal que n |an | < d < 1 para todo n > n0 .
p

Corolário 7.4 (Teste da raiz)


P
|an | ≤ c < 1 para todo n > n0 , então a série
p
n
Se existe c tal que an
é absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup xn < 1, então a série
P
an é absolutamente convergente.

P
|an | < 1, então a série
p
Corolário 7.5 Se lim n
an é absolutamente
convergente.

Observação 7.5 Se existe uma infinidade de ı́ndices n para os quais


P
|an | ≥ 1, então a série
p
n
an é divergente, pois seu termo geral não
tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n |an | > 1 ou
p

lim inf n |an | > 1.


p

P
|an | = 1 e lim an = 0, a série
p
Observação 7.6 Se lim n
an pode
convergir ou não.
P1 P 1
Por exemplo, para ambas as séries e
temos que lim an = 0 e
n n2
r  2
1 1 1
lim |an | = 1, pois lim √
p
n n
n
= 1 e, portanto lim 2
= lim √n
= 1.
n n n
P1 P 1
No entanto, a série diverge e a série converge.
n n2

X

Exemplo 7.9 Consideremos a série nr an , onde a, r ∈ R. Temos
n=1
√ r √ r
lim n |nr an | = lim n |a| = |a| lim n n = |a|.
p n

n→∞ n→∞

Logo, a série converge se |a| < 1.


Como |nr an | ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da
série não tende para zero.
Exercı́cio 13: Determine quando
P r n P r n
a série n a diverge ou con-
Logo, a série n a diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.
verge, se |a| = 1 e r < 0.

108 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

an
Se |a| > 1 e r < 0, temos que lim −r = +∞. Logo, neste caso, também,
n→∞ n
P r n
a série n a diverge.

Exemplo 7.10 Seja a série 1+2a+a2 +2a3 +a4 +. . .+2a2n−1 +a2n +. . .,


cujos termos de ordem par são b2n = 2a2n−1 e os de ordem ı́mpar são
b2n−1 = a2n−2 .
• Se |a| = 1, temos que lim |bn | = +∞, pois, neste caso, |b2n = 2 e
|b2n−1 | = 1. Assim, a série diverge se |a| = 1.
√ |a|
|b2n | = lim = |a| , e
p
2n 2n
• Como lim 2 2n
|a|
p

|a|
|b2n−1 | = lim |a|2n−2 = lim = |a| ,
2n−1
p 2n−1
p
lim
|a|
2n−1
p

temos que a série converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.
Portanto, a série converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.

Teorema 7.5 (Teste da razão)


P P
Sejam an uma série de termos não nulos e bn uma série conver-
|a | b
gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que n+1 ≤ n+1
|an | bn
P
para todo n > n0 , então an é absolutamente convergente.

Prova.
Seja n > n0 . Então,
|an0 +2 | b |an0 +3 | b |an | b
≤ n0 +2 , ≤ n0 +3 , . . . , ≤ n .
|an0 +1 | bn0 +1 |an0 +2 | bn0 +2 |an−1 | bn−1

Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos


|an | bn
≤ ,
|an0 +1 | bn0 +1

|a |
ou seja, |an | ≤ k bn , onde k = n0 +1 . Então, pelo corolário —-, a série
bn0 +1
P
an é absolutamente convergente.

|an+1 |
Corolário 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e ≤c
|an |
P
para todo n ≥ n0 , então a série an é absolutamente convergente.

Instituto de Matemática - UFF 109


Análise na Reta

|an+1 | P
Ou seja, se lim sup < 1, a série an converge absolutamente.
|an |

Prova.
P
Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a série geométrica cn
converge se 0 < c < 1.

|an+1 | P
Corolário 7.7 Se lim < 1 então a série an é absolutamente
|an |
convergente.

P
Exemplo 7.11 Seja a série nan . Como
|(n + 1)an+1 |
n + 1
lim = lim |a| = |a| ,
|na |n n
P
temos que a série an converge.
Neste caso, o teste da raiz e da razão levam ao mesmo resultado, pois,

como já vimos, lim n nan = |a|.

Exemplo 7.12 Considere a série


1 + 2a + a2 + 2a3 + a4 + . . . + 2a2n−1 + a2n + . . .
|an+1 | |a| |a |
Para n par, = , e, para n ı́mpar n+1 = 2|a|.
|an | 2 |an |

|an+1 |
Logo, lim sup = 2|a| e, pelo teste da razão, temos que a série con-
|an |
1
verge se |a| < .
2

|bn | = |a|, onde bn é o termo geral da série.


p
n
Mas, como vimos antes, lim
Logo, pelo teste da raiz, a série converge se |a| < 1.

Veremos, depois, que o teste da raiz sempre é mais eficaz do que o


da razão, pois
|an+1 |
|an | ≤ lim sup
p
n
lim sup
|an |

|an+1 |
, então existe também lim n |an | e, mais ainda,
p
e, se existe lim
|an |
esses limites coincidem.

110 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

X

xn
Exemplo 7.13 Seja a série , onde x ∈ R.
n!
n=0

|x|n+1 n! |x| X

xn
Como · n = −→ 0, temos que a série é absoluta-
(n + 1)! |x| n+1 n!
n=0

mente convergente para todo x ∈ R.

|an+1 |
Observação 7.7 Quando lim = 1 nada se pode afirmar, ou seja,
|an |
P
a série an pode convergir ou divergir. Por exemplo,
P1 |an+1 | n+1
• a série harmônica diverge e lim = lim = 1;
n |an | n

P 1 |an+1 | n+1
 2
• a série converge e lim = lim = 1.
n2 |an | n

|an+1 | P
Observação 7.8 Quando ≥ 1 para todo n ≥ n0 , a série an
|an |
diverge, pois seu termo geral não tende para zero.
P
Mas, ao contrário do teste da raiz, não se pode concluir que a série an
|an+1 |
diverge apenas pelo fato de se ter ≥ 1 para “uma infinidade de
|an |
valores de n”.
P
Com efeito, se an é uma série convergente qualquer e an > 0 para todo
n ∈ N, a série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . . também é convergente,
0 0
pois s2n = 2sn e s2n−1 = 2sn − an e, portanto,
0 0
P
lim s2n = lim s2n−1 = 2s = 2 an ,
onde sn0 e sn são as reduzidas de ordem n das séries a1 + a1 + a2 + a2 +
P
. . . + an + an + . . . e an , respectivamente.
Mas, se bn é o termo geral da série a1 + a1 + a2 + a2 + . . . + an + an + . . .,
bn+1
temos que = 1 para todo n ı́mpar.
bn

Teorema 7.6 Seja (an ) uma seqüência limitada de números reais posi-
tivos. Então,
an+1 √ √ a
lim inf ≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup n+1 .
an an
an+1 √
Em particular, se existir lim , existirá, também, lim n an e os dois limi-
an

Instituto de Matemática - UFF 111


Análise na Reta

tes serão iguais.

Prova.
Vamos provar que
an+1 √
lim inf ≤ lim inf n an .
an

Suponhamos, por absurdo, que



a = lim inf an+1 an > lim inf n
an = b .
Então, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,
√ a
b = lim inf n an < c < lim inf n+1 = a .
an
an+1
Pelo corolário —, existe p ∈ N tal que > c para todo n ≥ p. Assim,
an
ap+1 ap+2 a
>c, > c ,... , n > c ,
ap ap+1 an−1

para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,


a √ √
obtemos que n > cn−p , ou seja, n an > c k para todo n > p, onde
n

ap
ap
k= . Logo,
cp
√ √
√ √
inf { an+1 , . . . } ≥ inf c k, c
n n+1
n
an , n+1
k, . . .

pois,

√ √ √ √
n n+1 m
inf c k, c k, . . . ≤ c k < m am ,

√ √
n n+1
para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf c k, c k, . . . é uma cota
√ √
inferior do conjunto { n an , n+1 an+1 , . . . }.
Assim, temos que

n √ √
n
an ≥ lim inf c k = lim c k = c ,
lim inf n


o que é absurdo, pois estamos supondo que lim inf n an < c.
A desigualdade
√ an+1
lim sup n
an ≤ lim sup
an

prova-se de modo análogo.

Exemplo 7.14 Consideremos a seqüência (xn ), onde


x2n−1 = an bn−1 e x2n = an bn , n ∈ N,

112 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

ou seja, x = (a, ab, a2 b, a2 b2 , a3 b2 , . . .), onde a, b ∈ R.


xn+1 x
Como = b, se n é ı́mpar, e n+1 = a, se n é par, temos que não
xn xn
x
existe lim n+1 .
xn

Mas,
√ 1
• lim 2n−1
x2n−1 = lim(an bn−1 ) 2n−1
n n−1
= lim a 2n−1 b 2n−1
1 1 1 1
= lim a 2 + 2(2n−1) b 2 − 2(2n−1)
√  1
√  1

= a lim a 2(2n−1) b lim b− 2(2n−1)

= ab
√ √
2n
√ √
• lim 2n
x2n = lim an bn = lim a b = a b
√ √
Logo, lim n
xn = a b .

Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista
o limite da razão.

1 1 √
Exemplo 7.15 Seja xn = √
n
. Tome yn = . Então, xn = n yn .
n! n!

Como
yn+1 1 1
lim = lim n! = lim = 0,
yn (n + 1)! n+1

temos que lim n
yn também existe e
√ y
lim n yn = lim n+1 = 0 .
yn

Logo, lim xn = lim n
yn = 0.

n nn √
Exemplo 7.16 Seja xn = √
n
e considere yn = . Então, n yn = xn .
n! n!

Como
yn+1 (n + 1)n+1 n! (n + 1)(n + 1)n n! 1
 n
= · n = n
= 1+ −→ e ,
yn (n + 1)! n n!(n + 1)n n

temos que existe lim n
yn . Logo,

Instituto de Matemática - UFF 113


Análise na Reta

√ yn+1
lim xn = lim n
yn = lim = e.
yn

Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)


P
Seja an uma série cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma
seqüência limitada. Seja (bn ) uma seqüência não-crescente de números
P
positivos com lim bn = 0. Então a série an bn é convergente.

Prova.
Vamos mostrar, primeiro, por indução, que, para todo n ≥ 2,
X
n
a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + . . . + an bn = si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn ,
i=2

ou seja,

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )(b2 − b3 )


+ (a1 + a2 + a3 )(b3 − b4 )
+ . . . + (a1 + . . . + an ) bn .

De fato
• Se n = 2, a1 b1 + a2 b2 = a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 )b2 .
• Suponhamos que a igualdade é verdadeira para n. Então,

a1 b1 + a2 b2 + . . . + an bn + an+1 bn+1
X
n
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn + an+1 bn+1
i=2
Xn
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn (bn − bn+1 ) + sn bn+1 + an+1 bn+1
i=2
X
n+1
= si−1 (bi−1 − bi ) + sn+1 bn+1 .
i=2

Como a seqüência (sn ) é limitada, existe k > 0 tal que |sn | ≤ k para todo
n ∈ N.
Temos também que a reduzida de ordem n da série de termos não-
X

negativos (bn−1 − bn ) é b1 − bn+1 , que converge para b1 .
n=2

114 J. Delgado - K. Frensel


Séries numéricas

X
∞ X

Logo, a série sn−1 (bn−1 −bn ) é convergente, pois a série (bn−1 −bn )
n=2 n=2
converge e
|sn−1 (bn−1 − bn )| ≤ k(bn−1 − bn ) , para todo n ≥ 2.
X

Então a série an bn é convergente, pois lim sn bn = 0, ou seja, a redu-
n=1

X
n
P
zida si−1 (bi−1 − bi ) + sn bn de ordem n da série an bn converge.
i=2

Corolário 7.8 (Critério de Abel)


P
Se a série an é convergente e (bn ) é uma seqüência não-crescente e
P
limitada inferiormente, então a série an bn é convergente.

Prova.
Como a seqüência (bn ) é não-crescente e limitada inferiormente, existe
lim bn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.
Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) é uma seqüência não-crescente.
P
Então, pelo teorema de Dirichlet, a série an (bn − b) é convergente e,
P P
portanto, a série an bn também é convergente, já que a série bn an
converge.

Corolário 7.9 (Critério de Leibniz)


P
Se a seqüência (bn ) é não-crescente e lim bn = 0, então a série (−1)n bn
é convergente.

Prova.
P
Pelo teorema de Dirichlet, a série (−1)n bn converge, pois as reduzidas
P
da série (−1)n são limitadas por 1.

P (−1)n
Exemplo 7.17 A série é convergente para todo r > 0, pois a
nr
1
seqüência é decrescente e tende para zero.
nr
P (−1)n
Logo, a série é condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,
nr
P 1
pois já provamos que a série não converge quando r ≤ 1.
nr

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Análise na Reta

X

cos(nx) X sen(nx)
Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as séries e ,
n n
n=1

são convergentes.
1
Como a seqüência é decrescente e tende para zero, basta mostrar
n
que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +
P P
sen(2x) + . . . + sen(nx) das séries cos(nx) e sen(nx) são limitadas.
Temos que 1 + sn e tn são, respectivamente, a parte real e imaginária do
número complexo
1 − (eix )n+1
1 + eix + . . . + einx = .
1 − eix

Logo, como eix =


6 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que

1 − eix n+1
2
≤ , para todo n ∈ N.

1 − eix |1 − eix |



Ou seja, a seqüência 1 + eix + . . . + einx n∈N
é limitada e, portanto, as
seqüências de suas partes reais e imaginárias são, também, limitadas.

P
Observação 7.9 Dada uma série an , definimos

an se an > 0
pn =
0 se an ≤ 0 .

O número pn é chamado parte positiva de an .


Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o número

0 se an ≥ 0
qn =
−a se a < 0 . n n

Então, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e


an = pn − qn ; |an | = pn + qn ; |an | = an + 2qn ; |an | = 2pn − an .
P
• Se an é absolutamente convergente então, para todo k ∈ N, temos:
X
∞ X
k X
k X
k
≥ |an | = pn + qn .
n=1 n=1 n=1 n=1
P P
Logo, as séries pn e qn são convergentes, pois suas reduzidas for-

116 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

X

mam seqüências não-decrescentes limitadas superiormente por |an |.
n=1
P P
E, reciprocamente, se as séries pn e qn são convergentes, então a
P
série an é absolutamente convergente.
P
• Mas, se a série an é condicionalmente convergente, então as séries
P P
pn e qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas séries con-
P
verge, a série an também converge.
P
Suponha, por exemplo, que a série qn converge.
P
Então, a série |an | converge, pois
X
k X
k X
k X
∞ X

|an | = an + 2 qn −→ an + 2 qn .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
P P
O caso em que a série pn converge, prova-se que a série |an | con-
verge de modo análogo usando a relação |an | = 2pn − an , para todo
n ∈ N.

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 7.19 Já sabemos que a série = 1− + − +. . . é
n 2 3 4
n=1
P
condicionalmente convergente. Logo, a série das partes positivas pn =
1 P 1 1
1 + 0 + + 0 + . . . e a série das partes negativas qn = 0 + + 0 + + . . .
3 2 4
divergem.

8. Aritmética de séries

Vamos investigar, agora, se as propriedades aritméticas, tais como


associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as
séries.
P
• Associatividade: Dada uma série an convergente, ao inserirmos
parênteses entre seus termos, formamos uma nova série cuja seqüência
(tn ) das reduzidas é uma subseqüência da seqüência (sn ) das reduzidas
P
da série an .
Como (sn ) é uma seqüência convergente, (tn ) também o é, ou seja,

Instituto de Matemática - UFF 117


Análise na Reta

X

a nova série é convergente e sua soma é igual a s = an .
n=1

Por exemplo, a reduzida tn da série


(a1 + a2 ) + (a3 + a4 ) + (a5 + a6 ) + . . .
é igual a s2n .
• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma série conver-
gente, podemos obter uma série divergente, pois a série original pode ser
obtida da nova série por associação de seus termos. Logo, a seqüência
das reduzidas (sn ) da série original é uma subseqüência das reduzidas
(tn ) da nova série. Assim, (sn ) pode convergir sem que (tn ) convirja.
P
Por exemplo, dada a série an convergente, podemos dissociar
seus termos da forma an = an + 1 − 1. Então, a nova série
a1 + 1 − 1 + a2 + 1 − 1 + a3 + 1 − 1 + . . .
diverge, pois seu termo geral não converge para zero.
P
Mas, quando a série an é absolutamente convergente e dissocia-
mos seus termos como somas finitas an = a1n + . . . + akn de parcelas com
o mesmo sinal, a nova série obtida converge e converge para a mesma
soma.
Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escre-
vermos cada an como uma soma finita de números não-negativos, obte-
P
mos uma nova série bn , com bn ≥ 0, cuja seqüência das reduzidas
(tn ) é uma seqüência não-decrescente, que possui como subseqüência a
P
seqüência (sn ) das reduzidas da série an .
Como a subseqüência (sn ) é limitada superiormente, por ser conver-
gente, então (tn ) é, também, limitada superiormente. Logo, (tn ) converge
e converge para o mesmo limite da subseqüência (sn ). Ou seja, a nova
P P P
série bn converge e tem soma bn = an .
P
Seja, agora, uma série an absolutamente convergente.
Se pn e qn são, respectivamente, a parte positiva e a parte nega-
P P
tiva de an , temos que as séries pn e qn têm todos os termos não-
negativos, são convergentes, e
P P P
an = pn − qn .

118 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

Como toda dissociação dos an em somas finitas de parcelas com


P P
o mesmo sinal determina uma dissociação em pn e outra em qn ,
temos, pelo visto acima, que esta dissociação mantêm a convergência e
P P
o valor da soma das séries pn e qn .
P
Logo, a nova série é convergente e tem a mesma soma que an .

P P
Exemplo 8.1 Sejam an e
bn séries convergentes com somas s e
P
t, respectivamente. Já sabemos que a série (an + bn ) = (a1 + b1 ) +
(a2 + b2 ) + . . . converge para s + t.
Vamos provar que a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociação
P
dos termos da série (an + bn ) converge e sua soma é s + t.
Observamos primeiro, que esta afirmação não decorre do provado acima,
P P
pois não estamos supondo que as séries an e bn sejam absoluta-
mente convergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo
sinal.
P P
Sejam sn e tn as reduzidas das séries an e bn respectivamente.
Então, a série a1 +b1 +a2 +b2 +a3 +b3 +. . . tem como reduzidas de ordem
par r2n = sn +tn e como reduzidas de ordem ı́mpar r2n−1 = sn−1 +tn−1 +an .
Logo, lim rn = s + t , ou seja, a série a1 + b1 + a2 + b2 + . . . é convergente
e tem soma s + t.

P
• Comutatividade: Dada uma série an , mudar a ordem de seus termos
significa considerar uma bijeção ϕ : N −→ N para formar uma nova série
P
bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) , para todo n ∈ N.

P
Definição 8.1 Uma série an é comutativamente convergente quando,
P
para toda bijeção ϕ : N −→ N, a série bn , cujo termo geral é bn = aϕ(n) ,
P P
é convergente e an = bn .

X

(−1)n+1 1 1 1
Exemplo 8.2 A série = 1− + − + . . . é convergente,
n 2 3 4
n=1
Provaremos depois que a soma s
mas não é absolutamente convergente. da série do exemplo 8.2 é igual a
log 2 , usando a série de Taylor da
X

(−1)n+1 1 função logaritmo.
Seja s = . Multiplicando os termos da série por , obtemos
n 2
n=1

Instituto de Matemática - UFF 119


Análise na Reta

s X

(−1)n+1 1 1 1 1 1
= = − + − + ...
2 2n 2 4 6 8 10
n=1

Então,
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ...,
2 2 4 6 8 10
pois, se incluirmos zeros entre os termos de uma série, não alteramos a
sua convergência e nem a sua soma.
P P
• De fato, se sn e tn são as reduzidas da série an e da série bn ,
obtida acrescentando zeros entre os seus termos an , temos que, dado
n0 ∈ N, existe m0 ∈ N tal que tm0 = sn0 .
Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0 , então |tn − s| < ε para todo
m ≥ m0 , existe n ≥ n0 tal que m = n.
Então, somando termo a termo as séries
s 1 1 1 1 1
=0+ +0− +0+ +0− +0+ ... ,
2 2 4 6 8 10
e
1 1 1 1 1 1 1 1 1
s=1− + − + − + − + − + ...,
2 3 4 5 6 7 8 9 10
obtemos a série
3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+0+ − + +0+ − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
Pela propriedade associativa, pois retiramos os termos zeros de uma série
sem alterar sua convergência nem a sua soma. Logo,
3s 1 1 1 1 1 1 1 1
=1+ − + + − + + − + ...
2 3 2 5 7 4 9 11 6
P
• Precisamos ainda provar que os termos da série (an + bn ), onde
P 1 1 1
an = 0 + + 0 − + 0 + + . . .
2 4 6
e
P 1 1 1 1 1
bn = 1 − + − + − + ...
2 3 4 5 6
P
são os termos da série bn , depois de eliminarmos os zeros, só que
numa ordem diferente!
(−1)n+1 (−1)n+1
◦ De fato, como a2n−1 = 0, a2n = e bn = , temos:
2n n
a2n−1 + b2n−1 = b2n−1

120 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

e
(−1)n+1 (−1)2n+1 (−1)n+1 + (−1)2n+1
a2n + b2n = + = .
2n n 2n
−2 (−1)n+1
Logo, a2n + b2n = = se n é par, e a2n + b2n = 0 se n é ı́mpar.
2n n
• Provamos, assim, que os termos da série
1 1 1 1 1 1 1 1
1+ − + + − + + − + ...
3 2 5 7 4 9 11 6
3s
cuja soma é são os mesmos da série original, cuja soma é s, apenas
2
com uma mudança de ordem.
Assim, uma reordenação dos termos de uma série convergente pode al-
terar o valor da sua soma!

Teorema 8.1 Toda série absolutamente convergente é comutativamente


convergente.

Prova.
P
• Suponhamos, primeiro que an é uma série convergente com an ≥ 0
para todo n.
Seja ϕ : N −→ N uma bijeção e tomemos bn = aϕ(n) .
P P P
Vamos provar que a série bn é convergente e que bn = an .
Sejam sn = a1 + . . . + an e tn = aϕ(1) + . . . + aϕ(n) as reduzidas de ordem
P P
n das séries an e bn , respectivamente.

Afirmação 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm .


De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Então
{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . , m} .
Logo,
X
n X
m
tn = aϕ(i) ≤ aj = sm .
n=1 i=1

Afirmação 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn .


X
m X
m
De fato, dado m ∈ N, temos que sm = ai = bϕ−1 (i) .
i=1 i=1

Instituto de Matemática - UFF 121


Análise na Reta


Seja n = max ϕ−1 (1), . . . , ϕ−1 (m) . Então,
 −1
ϕ (1), . . . , ϕ−1 (n) ⊂ {1, 2, . . . , n} .

Logo,
X
m X
n
sm = bϕ−1 (i) ≤ = tn .
i=1 j=1

P
Afirmação 3: lim sn = lim tn = s , ou seja, bn é convergente e
P P
bn = an .
De fato, como s = lim sm = sup sm e t = lim tn = sup tn , temos que
m∈N n∈N

sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.


Assim, pelas afirmações (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para
todo m ∈ N.
Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.
P
• No caso em que a série an é absolutamente convergente, temos que
P P P
an = pn − qn , onde pn e qn são a parte positiva e a parte negativa
de an , respectivamente.

Afirmação 4: Toda reordenação (bn ) dos termos an da série original dá


lugar a uma reordenação (un ) para os pn e uma reordenação (vn ) para
os qn , de tal modo que cada un é a parte positiva e cada vn é a parte
negativa de bn .
De fato, se bn = aϕ(n) , sendo ϕ : N −→ N uma bijeção, temos que:

un = aϕ(n) = pϕ(n) = bn , se aϕn = bn < 0
v = 0 = q , se a = b ≥ 0.
n ϕ(n) ϕ(n) n

P P
• Pelo provado anteriormente, as séries un e vn convergem, sendo
P P P P
un = pn e vn = qn .
P P P P
Logo, a série bn é absolutamente convergente e bn = un − vn .
P P P P P P
Além disso, an = pn − qn = un − vn = bn .

P
Teorema 8.2 Seja an uma série condicionalmente convergente. Dado
P
qualquer número real c, existe uma reordenação (bn ) dos termos de an ,
P
de modo que bn = c.

122 J. Delgado - K. Frensel


Aritmética de séries

Prova.
sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an . Como a série
P
an é condicionalmente convergente, temos que lim an = 0, e, portanto,
P P
lim pn = lim qn = 0, mas pn = +∞ e qn = +∞.
P
Vamos reordenar os termos da série an da seguinte maneira:
Sejam
◦ n1 ∈ N o menor ı́ndice tal que p1 + . . . + pn1 > c .
◦ n2 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn−2 < c .
◦ n3 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn−2 + pn1 +1 + . . . + pn3 > c .
◦ n4 ∈ N o menor ı́ndice tal que
p1 + . . . + pn1 − q1 − . . . − qn−2 + pn1 +1 + . . . + pn3 − qn2 +1 − . . . − qn4 < c .
P P
Esses ı́ndices existem, pois pn = +∞ e qn = +∞.
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série tal que
as reduzidas tn da nova série tendem para c.
De fato, para todo i ≥ 3 ı́mpar, temos
X
ni X
ni+1
X
ni X
ni−1
tni +ni+1 = pj − q` < c < pj − q` = tni−1 +ni ,
j=1 `=1 j=1 `=1

0 < tni−1 +ni − c < pni , e 0 < c − tni +ni+1 < qni+1 ,

X
ni X
ni−1
pois ni é o menor inteiro tal que pn − q` < c e ni+1 é o menor
j=1 `=1

X
ni X
ni−1
inteiro tal que pj − q` > c.
j=1 `=1

Sendo lim pni = lim qni+1 = 0, temos que lim tni +ni+1 = lim tni−1 +ni = 0 .
Além disso, dado n ∈ N, existe i ı́mpar, tal que
◦ ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni−1 +ni ,
ou
◦ ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni +ni+1 ≤ tn ≤ tni+1 +ni+2 .
Logo, lim tn = c, ou seja, a nova série tem soma c.

Instituto de Matemática - UFF 123


Análise na Reta

P
Observação 8.1 Podemos reordenar uma série an condicionalmente
convergente de modo que a série reordenada tenha soma +∞ ou −∞.
De fato, sejam
◦ n1 ∈ N tal que p1 + . . . + pn1 > 1 + q1 ,
◦ n2 ∈ N tal que n2 > n1 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 > 2 + q2 ,
◦ n3 ∈ N tal que n3 > n2 e
p1 + . . . + pn1 − q1 + pn1 +1 + . . . + pn2 − q2 + pn2 +1 + . . . + pn3 > 3 + q3 .
P
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenação da série an ,
de modo que as reduzidas tn da nova série satisfazem:
tni +(i−1) > i + qi > i e tni +i > i , para todo i ∈ N .

Além disso, se n ≥ ni + (i − 1), existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou


n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j.
Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1 +j = tnj +j + pnj +1 + pnj+1 .

Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A
para todo n ≥ ni0 +(i0 −1)

Portanto, as reduzidas da nova série tendem para +∞.


P
Para provar que existe uma reordenação dos termos da série an de
modo que a nova série tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argu-
mento acima.

P
Corolário 8.1 Uma série an é absolutamente convergente se, e so-
mente se, é comutativamente convergente.

X X
Teorema 8.3 Se an e bn são séries absolutamente convergen-
n≥0 n≥0

tes, então
P P P
( an ) ( bn ) = cn ,
onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 para todo n ≥ 0.

Prova.
Já sabemos que, para todo n ≥ 0,

124 J. Delgado - K. Frensel


X X X
n
! n
! n
ai bj = ai bj = x0 + x1 + . . . + xn ,
i=0 j=0 i,j=0

onde
X
n X
n−1
xn = ai bn + an bj
i=0 j=0

= a0 bn + a1 bn + . . . + an bn + an bn − 1 + . . . + an b0 .
P P P
E, portanto, ( an ) ( bn ) = xn .
P
Pela dissociação dos termos xn , obtemos a série ai bj , cujos termos
são ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn + 1.
P
Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k + 1)2 da série |ai bj | é
X X X X X
k k
! k
! ! !
|ai | |bj | = |ai | |bj | ≤ |an | |bn | ,
i,j=0 i=0 j=0 n≥0 n≥0
P
ou seja, a subseqüência das reduzidas de ordem (k + 1)2 da série |ai bj |
é limitada.
P
Logo, a seqüência das reduzidas da série |ai bj | é convergente, por ser
não-decrescente e limitada, já que possui uma subseqüência limitada.
P
Assim, a série ai bj é absolutamente convergente.
P
Reordenando e depois associando os termos da série ai bj , obtemos a
P X
nova série cn , onde cn = a0 bn + . . . + an b0 = ai bj .
i+j=n
P
Como a série ai bj é absolutamente convergente, temos que
X X X X X
! !
an bn = xn = ai bj = cn .
n≥0 n≥0 n≥0 n≥0

Instituto de Matemática - UFF 125


126 J. Delgado - K. Frensel
Conjuntos abertos

Parte 4

Topologia da reta

Nesta parte estudaremos as propriedades topológicas do conjunto


dos números reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e conti-
nuidade de funções reais de variável real.

1. Conjuntos abertos

Definição 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x é um ponto interior


de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.
Isto significa que todos os pontos suficientemente próximos de x ainda
pertencem ao conjunto X.

Observação 1.1 x é um ponto interior do conjunto X se, e só se, existe


ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ X.
De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x − a, b − x} > 0.
Então, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,
(x − ε, x + ε) ⊂ X.

Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.

Observação 1.2 x é um ponto interior de X se, e só se, existe ε > 0 tal
que |y − x| < ε =⇒ y ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 127


Análise na Reta

De fato,
|y − x| < ε ⇐⇒ −ε < y − x < ε ⇐⇒ x − ε < y < x + ε ⇐⇒ y ∈ (x − ε, x + ε).

Definição 1.2 O interior do conjunto X, representado por int X, é o con-


junto dos pontos x ∈ X que são interiores a X.

Observação 1.3
• int X ⊂ X.
• X ⊂ Y então int X ⊂ int Y.
• Se int X 6= ∅, X contém um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito
não-enumerável.
Logo, int X = ∅, se X é finito ou infinito enumerável.
Em particular int N = int Z = int Q = ∅.
• O conjunto R − Q dos números irracionais, apesar de ser infinito não-
enumerável, também possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contém
um número racional.

Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a, +∞), então


int X = X.
De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No
segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,
dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x + 1) ⊂ X.
Logo, X ⊂ int X, ou seja, X = int X.

Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c, +∞) e Z = (−∞, d]. Então,
int X = (c, d) , int Y = (c, +∞) , int Z = (−∞, d) .
De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ int X.
Além disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,
temos que c 6∈ int X.
Do mesmo modo, d 6∈ int X, pois para todo intervalo aberto (a, b) que
contém d, temos que (d, b) 6⊂ X. Então, int X ⊂ (c, d). Logo, int X = (c, d).
Analogamente, podemos provar os outros casos e, também, que
int(c, d] = int[c, d) = (c, d).

128 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Definição 1.3 Dizemos que um subconjunto A ⊂ R é um conjunto aberto


quando todos os seus pontos são interiores, isto é, quando int A = A.
Assim, A ⊂ R é aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um
intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.

Exemplo 1.3 O conjunto vazio é aberto, pois um conjunto X só deixa


de ser aberto se existir algum ponto de X que não está em seu interior.

Exemplo 1.4 A reta R é um conjunto aberto.

Exemplo 1.5 Um intervalo é um conjunto aberto se, e só se, é um in-


tervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a, +∞), (−∞, b)
são os únicos tipos de intervalos que são conjuntos abertos (ver exemplo
1.2).

Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto não-vazio é não-enumerável.


Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos
de R não são abertos.

Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos números irracio-


nais é aberto, pois todo intervalo aberto contém um número racional.

Teorema 1.1 A interseção de um número finito de conjuntos abertos é


um conjunto aberto.

Prova.
Sejam A1 , . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja
A = A1 ∩ . . . ∩ An .
Se x ∈ A, então x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai , bi ) tal que
x ∈ (ai , bi ) ⊂ Ai .
Sejam a = max{a1 , . . . , an } e b = min{b1 , . . . , bn }.
Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi , temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi .
Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai , bi ) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.

Instituto de Matemática - UFF 129


Análise na Reta

Teorema 1.2 Se (Aλ )λ ∈ L é uma famı́lia arbitrária de subconjuntos


abertos na reta R, então a reunião:
[
A= Aλ
λ∈L

é um conjunto aberto.

Prova.
S
Se x ∈ A = λ∈L Aλ , então existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 .

Como Aλ0 é aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que


x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0 .
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0 ⊂ A.

Observação 1.4 Se (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) 6= ∅, então


(a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ) = (a, b),
onde a = max{a1 , a2 } e b = min{b1 , b2 }.
De fato, como existe x ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), temos
a1 < x < b1 e a2 < x < b2 .
Logo, a1 < b1 , a1 < b2 e a2 < b1 , a2 < b2 .
Então, a = max{a1 , a2 } < b = min{b1 , b2 }, ou seja, (a, b) é realmente um
intervalo.
Se y > a, então y > a1 e y > a2 , e se y < b, então y < b1 e y < b2 .
Logo, se y ∈ (a, b), então y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ).
E, reciprocamente, se y ∈ (a1 , b1 ) ∩ (a2 , b2 ), então y > a1 , y > a2 e
y < b1 , y < b2 . Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .

Observação 1.5 A interseção de uma infinidade de conjuntos abertos


pode não ser um conjunto aberto.
 1 1
Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto aberto An = − ,
n n
T
e seja A = n∈N An .

Então, A = {0} e, portanto, A não é aberto.


De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.
1
Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 < < |x|, ou
n0

130 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

 
1 1
seja, x 6∈ An0 = − , .
n0 n0

Logo, se x 6= 0, então x 6∈ A.

Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, então


∞ 
1 1
\ 
A= a− ,b + = [a, b] .
n n
n=1

1 1
De fato, se x ∈ [a, b], então a − ≤ a ≤ x ≤ b < b + para todo n ∈ N,
n n
∞ 
1 1
\ 
ou seja, x ∈ a− ,b + . Assim [a, b] ⊂ A.
n n
n=1

1 1
Se x > b, existe n0 ∈ N tal que < x − b, ou seja, x > b + . Então
n0 n0
  ∞ 
1 1 1 1
\ 
x 6∈ a − ,b + e, portanto, x 6∈ a− ,b + .
n0 n0 n n
n=1

1
De modo análogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que < a − x, ou seja,
n0
 
1 1 1
x < a − . Logo, x 6∈ a − , a + e, portanto, x 6∈ A.
n0 n0 n0
∞  ∞ 
1 1 1 1
\  \ 
Então, a − ,b + ⊂ [a, b]. Logo, a − ,b + = [a, b].
n n n n
n=1 n=1

Exemplo 1.9 Seja X = {x1 , . . . , xn } um conjunto finito de números reais,


com x1 < x2 < . . . < xn .
Então, R−X = (−∞, x1 )∪(x1 , x2 )∪. . .∪(xn−1 , xn )∪(xn , +∞) é um conjunto
aberto.
Ou seja, o complementar de um conjunto finito de números reais é um
conjunto aberto.

Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos números inteiros


é aberto, pois
[
R−Z= (n, n + 1)
n∈Z

é uma reunião de conjuntos abertos.

Instituto de Matemática - UFF 131


Análise na Reta

Observação 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R é união de intervalos


abertos.
De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Logo,
[ [
A= {x} ⊂ Ix ⊂ A ,
x∈A x∈A
[
ou seja, A = Ix .
a∈A

Lema 1.1 Seja (Iλ )λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos, todos con-
tendo o ponto p ∈ R.
[
Então, I = Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L

Prova.
Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ , bλ ). Então, aλ < bµ quaisquer que se-
jam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ .
Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.
Então, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.
Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer
que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto
{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.
[
Afirmação: (a, b) = Iλ .
λ∈L
[
Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que Iλ ⊂ (a, b).
λ∈L

Suponhamos que x ∈ (a, b).


Então, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0 , µ0 ∈ L
tais que aλ0 < x < bµ0 .
[
Se x < bλ0 , então x ∈ (aλ0 , bλ0 ) ⊂ Iλ . Se x ≥ bλ0 , então aµ0 < bλ0 ≤
λ∈L
[ [
x < bµ0 , ou seja, x ∈ (aµ0 , bµ0 ) ⊂ Iλ . Logo, (a, b) ⊂ Iλ . 
λ∈L λ∈L

132 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos abertos

Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)


Todo subconjunto aberto não-vazio A ⊂ R se exprime, de modo único,
como uma reunião enumerável de intervalos abertos dois a dois disjuntos.

Prova.
Para cada x ∈ A, seja Ix a reunião de todos os intervalos abertos que
contêm x e estão contidos em A. Cada Ix , pelo lema anterior, é um inter-
valo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Se I é um intervalo aberto qualquer que contém x e está contido em A,
então, I ⊂ Ix . Isto é, Ix é o maior intervalo aberto que contém x e está
contido em A.
Afirmação 1: Se x, y ∈ A, então Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.
• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy , ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Então, pelo
lema anterior, I = Ix ∪ Iy é um intervalo aberto contido em A que contém
os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy . Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy , temos
que I = Ix = Iy .
[
Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A = Ix e Ix ∩ Iy = ∅
x∈L

se x, y ∈ L e x 6= y.
[
Afirmação 2: Se A = Jλ é uma união de intervalos abertos dois a
λ∈L

dois disjuntos, então L é enumerável.


• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩ Q.
Como Jλ ∩ Jλ 0 = ∅ se λ 6= λ 0 , temos que r(λ) 6= r(λ 0 ) se λ 6= λ 0 .
Ou seja, a função
r : L −→ Q
λ 7−→ r(λ)

é injetiva. Logo, L é enumerável, pois Q é enumerável.

Unicidade
[
Seja A = Jm , onde os Jm = (am , bm ) são intervalos abertos dois a
m∈N

dois disjuntos.

Instituto de Matemática - UFF 133


Análise na Reta

Afirmação 3: am e bm não pertencem a A.


De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap , bp ). Então,
pondo b = min{bm , bp }, terı́amos que (am , b) ⊂ Jm ∩ Jp o que é absurdo,
pois Im ∩ Ip = ∅.
De modo análogo, podemos provar que bm 6∈ A.

Afirmação 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) é um intervalo


aberto, então I ⊂ Jm . Ou seja, Im é a reunião de todos os intervalos
abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm , ou melhor, Im = Ix
é o maior intervalo aberto contido em A que contém x, onde x ∈ Jm .
• De fato, am < a < b < bm , pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b
(ver figura 3), terı́amos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que é
absurdo.

Fig. 2: a ≥ am .

Fig. 3: bm ≤ b.

Corolário 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B


são conjuntos abertos disjuntos, então um desses conjuntos é igual a I e
o outro é vazio.

Prova.
Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposições de A e B em intervalos aber-
tos disjuntos dariam origem a uma decomposição de I com pelo menos
dois intervalos, o que é absurdo, pela unicidade da decomposição, já que
I é um intervalo aberto.

2. Conjuntos fechados

Definição 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto


X ⊂ R quando a é limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A.

134 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

Observação 2.1
• Todo ponto a ∈ X é aderente a X.
Basta tomar a seqüência constante xn = a, n ∈ N.
• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.
1
Por exemplo, 0 é aderente ao conjunto X = (0, +∞), pois ∈ X, para todo
n
1
n∈Ne −→ 0.
n

Observação 2.2 Todo valor de aderência de uma seqüência (xn ) é um


ponto aderente ao conjunto X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}. Mas a recı́proca não
é verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn ) não é uma seqüência
constante, então a é o único valor de aderência da seqüência, mas todos
os pontos xn , por pertencerem a X, são pontos aderentes a X.

Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e só


se, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

Prova.
(=⇒) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X tal que xn −→ a.
Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo
n > n0 .
Assim, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
1 1
 
(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩ a − , a + . Então (xn ) é uma
n n
1
seqüência de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| < para todo
n
1
n ∈ N, e −→ 0.
n

Corolário 2.1 Um ponto a ∈ R é aderente a um conjunto X ⊂ R se, e


só se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.

Prova.
Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0
tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I.

Instituto de Matemática - UFF 135


Análise na Reta

Corolário 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ R


um conjunto limitado superiormente. Então, a = inf X é aderente a X e
b = sup Y é aderente a Y.

Prova.
Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a + ε e b − ε < y ≤ b.
Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅ e (b − ε, b + ε) ∩ Y = ∅.

Definição 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R é o conjunto X formado pelos


pontos aderentes a X.

Observação 2.3
• X ⊂ X.
• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .

Definição 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R é fechado quando


X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.

Assim, X ⊂ R é fechado se, e só se, para toda seqüência conver-


gente (xn ) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.

Observação 2.4 Se X ⊂ R é limitado, fechado e não-vazio, então sup X


e inf X pertencem a X.

Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) é o intervalo fechado


[a, b].
1 1
• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a + , b − ∈ (a, b), para n suficientemente
n n
1 1
grande, e a + −→ a, b − −→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).
n n
Por outro lado, se (xn ) é uma seqüência de pontos do intervalo (a, b) que
converge para c ∈ (a, b), então a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo
n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. 

Observação 2.5
• De modo análogo, podemos provar que

136 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

[a, b) = [a, b] ; (a, b] = [a, b] ;


[a, b] = [a, b] ; (a, +∞) = [a, +∞) ;
[a, +∞) = [a, +∞) ; (+∞, b) = (+∞, b] ;
(−∞, b] = (−∞, b] e (−∞, +∞) = (−∞, +∞) = R .

• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a, +∞) são conjuntos
fechados e R também o é.
• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} é um conjunto
fechado. Ou seja, todo conjunto unitário é fechado.

Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contém números


racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q não são conjuntos fecha-
dos.

Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu com-


plementar R − F é aberto.

Prova.
De fato, F é fechado

⇐⇒ todo ponto aderente a F pertence a F


⇐⇒ se a ∈ R − F então a não é aderente a F
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI∩F=∅
⇐⇒ se a ∈ R − F então existe um intervalo aberto I tal que
a∈IeI⊂R−F
⇐⇒ se a ∈ R − F então a pertence ao interior de R − F
⇐⇒ R − F é aberto.

Corolário 2.3 (a) R e o conjunto vazio são fechados.


(b) Se F1 , . . . , Fn são conjuntos fechados, então F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.
(c) Se (Fλ )λ∈L é uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados, então a
\
interseção F = Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L

Instituto de Matemática - UFF 137


Análise na Reta

Prova.
(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R são conjuntos abertos, temos que
R e ∅ são conjuntos fechados.
n
\
(b) Como R − (F1 ∪ . . . ∪ Fn ) = (R − Fi ) é um conjunto aberto, pois cada
i=1

R − Fi , i = 1, . . . , n, é aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn é fechado.


\ [
(c) Como R − Fλ = (R − Fλ ) é um conjunto aberto, por ser a reunião
λ∈L λ∈L
\
dos conjuntos abertos da famı́lia (R − Fλ )λ∈L , temos que Fλ é um con-
λ∈L

junto fechado.

Observação 2.6 A reunião de uma famı́lia arbitrária de conjuntos fe-


chados pode não ser um conjunto fechado.
De fato, como todo conjunto X é a reunião de seus pontos, ou seja,
[
X = {x} , e os conjuntos {x} são fechados, basta considerar um con-
x∈X

junto X que não é fechado.

Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R é um conjunto fechado.


Isto é, X = X.

Prova.
Seja x ∈ R − X, ou seja, x não é aderente a X. Então, existe um intervalo
I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.

Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X é um conjunto aberto.

Logo, X é um conjunto fechado.

Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1 , . . . , xn } finito é fechado, pois


n
[
F = {xi } é a reunião finita dos conjuntos {xi }, i = 1, . . . , n, fechados,
i=1

ou porque R − F é aberto, como já vimos anteriormente.

[
Exemplo 2.4 Z é um conjunto fechado, pois R − Z = (n, n + 1) é um
n∈Z

138 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

conjunto aberto.

Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] não são conjuntos abertos nem


fechados.

Observação 2.7 Um conjunto X ⊂ R é aberto e fechado ao mesmo


tempo se, e só se, X = R ou X = ∅.
• De fato, já provamos que R e ∅ são conjuntos abertos e fechados ao
mesmo tempo.
Se X ⊂ R é aberto e fechado, então R − X é aberto e fechado. Logo,
R = X ∪ (R − X) é a reunião de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,
pelo corolário 1.1, X = ∅ ou X = R.

Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)


O conjunto de Cantor é um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reunião enumerável de intervalos abertos,
da seguinte maneira.

Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terço médio 13 , 23 . Depois, retira-




se os terços médios abertos 91 , 29 e 79 , 89 dos intervalos restantes 0, 13 e


   
2 
, 1 , sobrando, assim, os intervalos fechados 0, 19 , 29 , 31 , 32 , 79 e 79 , 1 .
       
3

Em seguida, retira-se o terço médio aberto de cada um desses quatro


intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de
Cantor é o conjunto K que consiste dos pontos não retirados.

Fig. 4: Construção do conjunto de Cantor.

Se indicarmos por I1 , I2 , . . . , In , . . . os intervalos abertos omitidos, temos


∞ ∞
!
[ [
K = [0, 1] − In = [0, 1] ∩ R − In .
n=1 n=1


[
Logo, K é um conjunto fechado, pois [0, 1] e R − In são conjuntos fe-
n=1

chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13 ,


2 1 2 7 8
, , , ,
3 9 9 9 9
etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa

Instituto de Matemática - UFF 139


Análise na Reta

da construção, são retirados apenas pontos interiores dos intervalos res-


tantes da etapa anterior.
Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto
infinito enumerável de K, mas, como veremos depois, K não é enumerável.
Vamos provar, agora, que K não contém nenhum intervalo aberto, ou seja,
int K = ∅.
De fato, na n−ésima etapa da construção de K, são retirados 2n−1 in-
1
tervalos abertos de comprimento 3n
, restando 2n intervalos fechados de
1
comprimento 3n
.

Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que


1
3n0
< `.
n0
2[
Se I ⊂ K, então I ⊂ Jk , onde Jk , k = 1, . . . , 2n0 , são os intervalos
k=1
1
fechados de comprimento 3n0
restantes da n0 −ésima etapa.

Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0 } (verifique!) tal que I ⊂ Jk0 , o que é absurdo,
1
pois 3n0
< `.

Definição 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos


que X é denso em Y quando todo ponto de Y é aderente a X, ou seja,
quando Y ⊂ X.

Observação 2.8 X ⊂ Y é denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y é limite de


uma seqüência de pontos de X.

Observação 2.9 X é denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q


são densos em R, pois, como já vimos, Q = R − Q = R.

Observação 2.10 Se J é um intervalo não-degenerado, então J ∩ Q e


J∩(R−Q) são densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma seqüência
(xn ) de pontos de J ∩ Q e uma seqüência (yn ) de pontos de J ∩ (R − Q)
que convergem para a (verifique!).

Observação 2.11

140 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos fechados

• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se


(y − ε, y + ε) ∩ X 6= ∅.
• X ⊂ Y é denso em Y se, e só se, todo intervalo aberto que contém algum
ponto de Y contém, necessariamente, algum ponto de X.
Em particular, X ⊂ R é denso em R se, e só se, I ∩ X 6= ∅ para todo
intervalo aberto I.
Assim, dizer que X é denso em R a partir da definição acima, coincide
com a definição dada anteriormente.

Teorema 2.4 Todo conjunto X de números reais contém um subcon-


junto enumerável E denso em X.

Prova.
• Se X é finito, então X é denso em si mesmo, pois X = X.
• Suponhamos, agora, que X não é finito.
Dado n ∈ N, podemos exprimir R como união enumerável de intervalos
1
de comprimento :
n
[ h p p + 1
R= , .
n n
p∈Z

h p p + 1
Se X ∩ , 6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa interseção.
n n

Afirmação: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos é enumerável.



De fato, como o conjunto A = (p, n) ∈ Z × N | X ∩ np , p+1
 
n
6
= ∅ é enu-
merável e a função
ϕ : A −→ X
(p, n) 7−→ xpn

é injetiva, temos que E = ϕ(A) é enumerável.

Afirmação: E é denso em X.
Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja
x ∈ I ∩ X.

Instituto de Matemática - UFF 141


Análise na Reta

1
Sejam n0 ∈ N tal que < max{d(a, x), d(b, x) } e p0 ∈ Z tal que
n0
   
p0 p0 + 1 p0 p0 + 1
x∈ , . Então, , ⊂ I, pois, caso contrário, terı́amos
n0 n0 n0 n0
1 1
que > d(a, x) ou > d(b, x).
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 5: x ∈ n0
, n ∩ (a, b) .
0

 
p0 p0 + 1
Logo, como x ∈ , ∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0 n0 ∈ E, que
n0 n0
 
p p +1
também pertence a I, pois xp0 n0 ∈ 0, 0 ⊂ I.
n0 n0

h ”
p0 p0 +1
Fig. 6: xp0 n0 ∈ n0
, n ⊂ I = (a, b) .
0

Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contém um ponto de


X, também contém um ponto xpn ∈ E.
Logo, E é denso em X.

Observação 2.12 O conjunto enumerável E dos extremos dos interva-


los omitidos na construção do conjunto de Cantor K é denso em K.
1
Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤ . Assim, pelo menos um dos inter-
2
valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) está contido em [0, 1], pois, caso contrário, 2ε
seria maior que 1.
Suponhamos, então, que [x, x + ε) ⊂ [0, 1].
1
Seja n0 ∈ N tal que < ε. Como depois da n0 −ésima etapa da
3n0
construção de K restam apenas intervalos de comprimento menor que
1
, alguma parte do intervalo [x, x + ε) é retirada na n0 −ésima etapa, ou
3n0
foi retirada antes.
Além disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode
ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrário, x
seria retirado.

142 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Logo, y ∈ E ∩ [x, x + ε) ⊂ E ∩ (x − ε, x + ε).


Mostramos, assim, que (x − ε, x + ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.

3. Pontos de acumulação

Definição 3.1 Seja X ⊂ R. Um número a ∈ R é ponto de acumulação


do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e
raio ε > 0, contém algum ponto x ∈ X diferente de a.
O conjunto dos pontos de acumulação de X, também chamado o derivado
de X, será representado por X 0 .
Simbolicamente, temos que a ∈ X 0 se, e só se,
• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x − a| < ε
ou
• ∀ ε > 0 , (a − ε, a + ε) ∩ (X − {a}) 6= ∅ .

Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equi-


valentes:
(1) a ∈ X 0 ;
(2) a = lim xn , onde (xn ) é uma seqüência de elementos de X, dois a dois
distintos;
(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos
de X.

Prova.
(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.
Suponhamos que foi possı́vel determinar pontos x1 , x2 , . . . , xn ∈ X tais que
1
0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| < , j = 2, . . . , n.
j

Existe, então, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde



1
ε = min , |xn − a| .
n+1

Instituto de Matemática - UFF 143


Análise na Reta

Com isso, construı́mos uma seqüência (xn ) de pontos de X dois a dois


1
distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| < ,
n
para todo n ∈ N.
(2) =⇒ (3) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X dois a dois distintos
que converge para a e seja I um intervalo aberto que contém a.
Então, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que
xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo n ≥ n0 .
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ I. Assim I contém uma infinidade de pontos de X,
pois os termos xn da seqüência são dois a dois distintos.

(3) =⇒ (1) É trivial verificar esta implicação.

Corolário 3.1 Se X 0 6= ∅, então X é infinito.

Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um número infinito de ı́ndices n ∈ N e


lim xn = a, então X 0 = {a}, onde X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é o conjunto
formado pelos termos da seqüência (xn ).
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0 .
Então, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1 − a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal
que xn1 ∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrário, terı́amos xn = a para
todo n ≥ n0 . Logo, a ∈ X 0 .
|b − a|
Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < para
2
todo n ≥ n0 .
|b − a|
Logo, |xn − b| > para todo n ≥ n0 .
2
|b − a|
Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε = > 0, contém apenas
2
um número finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X 0 .
Assim, X 0 = {a}.

1 1
1 1
Em particular, X 0 = {0}, onde X = 1 , , . . . , , . . . , pois → 0 e 6= 0
2 n n n

1 1

para todo n ∈ N, e Y 0 = {a}, onde Y = a, a + 1, a, a + , . . . , a, a + , . . . ,
2 n
1
pois a seqüência cujos termos são yn = a para n ı́mpar e yn = a + ,
n

144 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.


• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, então X 0 = ∅, pois X = {a} é
um conjunto finito.

Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K é um ponto de


acumulação de K, ou seja, K ⊂ K 0 .
Suponhamos, primeiro, que x não pertence ao conjunto E das extremida-
des dos intervalos retirados. Como E é denso em X, dado ε > 0, existe
y ∈ E tal que y ∈ (x − ε, x + ε). Então, existe y ∈ K tal que 0 < |y − x| < ε.
Logo, x ∈ K 0 .
Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x é a extremidade direita do in-
tervalo (a, x) retirado na n0 −ésima etapa da construção do conjunto de
Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1 ]. Na etapa seguinte, será
omitido o terço médio do intervalo [x, b1 ], sobrando um intervalo [x, b2 ] ⊂
[x, b1 ]. Assim, nas outras etapas, sobrarão [x, b3 ] , [x, b4 ] , . . . , [x, bn ] , . . .,
com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e lim bn = x ,
1
pois |x − bn | = , para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K 0 .
3n0 +n−1
De modo análogo, podemos provar que se x ∈ E é a extremidade es-
querda de um intervalo retirado durante a construção do conjunto de Can-
tor, então x ∈ K 0 .
1 1
Observe, também, que 0, 1 ∈ K 0 , pois n
, 1 − n ∈ E ⊂ K, para todo
3 3
1 1
n ∈ N, e −→ 0 e 1 − n −→ 1.
3n 3
Assim, todo ponto de K é um ponto de acumulação de K.

Exemplo 3.3 Q 0 = (R − Q) 0 = R 0 = R, pois todo intervalo aberto de R


contém uma infinidade de números racionais e irracionais (por quê?).

Exemplo 3.4 (a, b) 0 = [a, b) 0 = (a, b] 0 = [a, b] 0 = [a, b] (verifique!).

Definição 3.2 Um ponto a ∈ X que não pertence a X 0 é um ponto iso-


lado de X.
Assim, a ∈ X é um ponto isolado de X se, e só se, existe ε > 0 tal que
(a − ε, a + ε) ∩ X = {a}.

Instituto de Matemática - UFF 145


Análise na Reta

Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z é um ponto isolado de Z, pois


(a − 1, a + 1) ∩ Z = {a}.

Observação 3.1 X não possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X 0 .


Em particular, Q e o conjunto de Cantor K não possuem pontos isolados,
pois Q ⊂ Q 0 = R e K ⊂ K 0 .

Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X 0 .


Ou seja, o fecho de um conjunto X é obtido acrescentando-se a X os seus
pontos de acumulação.

Prova.
Pela definição de ponto aderente e de ponto de acumulação, temos que
X ⊂ X e X 0 ⊂ X. Logo, X ∪ X 0 ⊂ X.

Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.


Então, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,
x ∈ (a − ε, a + ε) ∩ X.
Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a − ε, a + ε) ∩ X − {a} 6= ∅.

Assim, se a ∈ X, então a ∈ X ou a ∈ X 0 , isto é, X ⊂ X ∪ X 0 .

Observação 3.2 X e X 0 podem ter interseção não-vazia. Por exemplo,


se X = (0, 1), então X 0 = [0, 1].

Corolário 3.2 X é fechado se, e somente se, X 0 ⊂ X.

Prova.
X é fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X 0 ⇐⇒ X 0 ⊂ X.

Exemplo 3.6 Se K é o conjunto de Cantor, então K = K 0 , pois K é


fechado, ou seja, K 0 ⊂ K, e também K ⊂ K 0 , pelo exemplo 3.2.

Corolário 3.3 Um conjunto X ⊂ R é fechado sem pontos isolados se, e


somente se, X 0 = X.

146 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Corolário 3.4 Se todos os pontos do conjunto X são isolados, então X


é enumerável.

Prova.
Seja E ⊂ X um subconjunto enumerável denso em X, ou seja, X ⊂ E.

Seja x ∈ X. Então x ∈ E. Como x 6∈ X 0 , temos, também, que x 6∈ E 0 , pois


E ⊂ X.
Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X é enumerável.

Definição 3.3 Dizemos que a é ponto de acumulação à direita de X


quando (a, a + ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Indicaremos X+0 o conjunto dos pontos de acumulação à direita de X.

Observação 3.3 a é ponto de acumulação à direita de X ⇐⇒ todo in-


tervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contém uma infinidade de pontos de
X ⇐⇒ a é ponto de acumulação de X ∩ [a, +∞) ⇐⇒ a é limite de uma
seqüência decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)
contém algum ponto de X.
Verifiquemos apenas que a é ponto de acumulação à direita de X se, e só
se, a é limite de uma seqüência decrescente de pontos de X.
• De fato, seja (xn ) uma seqüência decrescente de pontos de X que con-
verge para a e seja ε > 0.
Então, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0 , pois
a = inf{xn | n ∈ N}, já que (xn ) é decrescente e converge para a.
Além disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.
Logo, {xn | n ≥ n0 } ⊂ X ∩ (a, a + ε), ou seja, X ∩ (a, a + ε) é infinito.
Suponhamos, agora, que a é ponto de acumulação à direita de X.
Seja x1 ∈ (a, a + 1) ∩ X. Suponhamos que seja possı́vel encontrar pontos
1
x1 , . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a + , j = 1, . . . , n.
j

1
Seja ε = min , xn − a > 0.
n+1
Então, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a + ε.

Instituto de Matemática - UFF 147


Análise na Reta

1
Logo, a < xn+1 < a + e xn+1 < a + xn − a = xn .
n+1

Isto completa a definição, por indução, da seqüência (xn ) decrescente de


1
pontos de X tal que a < xn < a + para todo n ∈ N.
n
Logo, lim xn = a.

Definição 3.4 Dizemos que a é ponto de acumulação à esquerda de X,


quando (a − ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.
Indicaremos por X−0 o conjunto dos pontos de acumulação à esquerda de
X.

Observação 3.4 a ∈ X−0 ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a − ε, a),


ε > 0, contém uma infinidade de pontos de X ⇐⇒ a é ponto de acumulação
do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a é limite de uma seqüência crescente de
pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contém algum ponto de X.

Exemplo 3.7 Se X = 1, 12 , . . . , n1 , . . . , então 0 é ponto de acumulação
à direita de X, mas não é ponto de acumulação à esquerda de X. 

Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) é ponto de acumulação à es-


querda e à direita de X, mas a é apenas ponto de acumulação à direita de
X e b é apenas ponto de acumulação à esquerda de X.

Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Já provamos que K = K 0 .


• O ponto 0 é apenas ponto de acumulação à direita e o ponto 1 é apenas
ponto de acumulação à esquerda de K.
• se a ∈ K é extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, então
a é apenas ponto de acumulação à esquerda de K.
De fato, se (a, x) é o intervalo aberto retirado na n0 −ésima etapa, vai
1
restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1 , a] de comprimento . E,
3n0
nas etapas seguintes, vão sobrar intervalos [b2 , a], [b3 , a], . . . , [bn , a], . . .,
1
tais que [bn+1 , a] ⊂ [bn , a] e a − bn = para todo n ∈ N.
3n0 +n+1
Assim, (bn ) é uma seqüência crescente de pontos de K tais que bn → a.
Logo, a ∈ K−0 .

148 J. Delgado - K. Frensel


Pontos de acumulação

Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K+0 .


• Se a é extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, então a
é apenas ponto de acumulação à direita de K. A demonstração é análoga
à anterior.
• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, então a é ponto de acumulação à esquerda e
à direita de K.
De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que
(a − ε, a) ∩ X = ∅.
Então, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) é um dos intervalos abertos retirados.
Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que é absurdo.
Assim, a é ponto de acumulação à esquerda de K.
De modo análogo, podemos provar que a é ponto de acumulação à direita
de K.

Lema 3.1 Seja F ⊂ R não-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para


todo x ∈ R, existe Fx limitado, não-vazio, fechado e sem pontos isolados
tal que x 6∈ Fx ⊂ F.

Prova.
Como F 0 = F e F 6= ∅, temos que F 0 6= ∅. Logo, F = F 0 é infinito. Então,
existe y ∈ F tal que y 6= x.
Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).
Seja G = (a, b) ∩ F. Então, G é limitado e não-vazio, pois y ∈ G. Além
disso, G não possui pontos isolados.
De fato, se c é um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que
(c − ε, c + ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.
Então, para ε 0 = min{ε, b − c, c − a}, temos
(c − ε 0 , c + ε 0 ) ⊂ (a, b) ∩ (c − ε, c + ε)
e, portanto, (c − ε 0 , c + ε 0 ) ∩ F = {c}, o que é absurdo, pois F não possui
pontos isolados.
Se G é fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.
Suponhamos que G não é fechado.

Instituto de Matemática - UFF 149


Análise na Reta

Como G ⊂ [a, b] ∩ F, então ou a ∈ G 0 ou b ∈ G 0 .


Acrescentamos, então esse(s) ponto(s) a G para obter Fx .

Assim, x 6∈ Fx , Fx é fechado e não é vazio, pois Fx = G. Além disso, Fx não


possui pontos isolados.
De fato, já provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, então c não é ponto isolado
de G, e, portanto, não é ponto isolado de G.

Suponhamos que a ∈ G é ponto isolado de G. Então a ∈ G 0 , e, portanto,


a é ponto de acumulação de G, o que é absurdo.

De modo análogo, prova-se que b não é ponto isolado de G, caso b ∈ G.

Logo, Fx = G não possui pontos isolados.

Teorema 3.3 Se F é um conjunto não-vazio, fechado e sem pontos iso-


lados, então F é não-enumerável.

Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de F.
Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 não-vazio, limitado, fechado, e
sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.
Suponhamos que existem subconjuntos F1 , F2 , . . . , Fn , não-vazios, limita-
dos, fechados e sem pontos isolados tais que
Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F e xj 6∈ Fj , para todo j = 1, . . . , n.
Então, pelo lema, existe Fn+1 não-vazio, limitado, fechado e sem pontos
isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn .
Obtemos, assim, uma seqüência decrescente (Fn ) de conjuntos não-vazios,
fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo
n ∈ N.
Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn . A seqüência (yn ) é
limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 é limitado.
Logo, a seqüência (yn )n∈N possui uma subseqüência (ynk )k∈N conver-
gente.
Seja y = lim ynk .
k→∞

150 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Dado j ∈ N, temos que ynk ∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj , para todo


j ∈ N, pois Fj é fechado e ynk → y.
Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F
não é enumerável.

Corolário 3.5 Todo conjunto fechado não-vazio enumerável possui al-


gum ponto isolado.

Corolário 3.6 O conjunto de Cantor é não-enumerável.

4. Conjuntos compactos

Definição 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R é uma famı́lia


[
C = (Cλ )λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂ Cλ .
λ∈L

Uma subcobertura de C é uma subfamı́lia C 0 = (Cλ )λ∈L 0 , L 0 ⊂ L, tal que


[
X⊂ Cλ .
λ∈L 0

h1 3i
Exemplo 4.1 Seja X = , e seja C = {C1 , C2 , C3 } uma famı́lia de
3 4
subconjuntos de R, onde
 2 1  1 9 
C1 = 0, , C2 = ,1 e C3 = , .
3 3 2 10
Então, C é uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e
C 0 = {C1 , C2 } é uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).

Exemplo 4.2 C = (Cn )n∈Z , onde Cn = [n, n+1), n ∈ Z, é uma cobertura


de R que não possui uma subcobertura própria, pois os conjuntos Cn são
dois a dois disjuntos.


1 1

Exemplo 4.3 Seja X = 1, , . . . , , . . . . Então X é infinito e todos os
2 n
seus pontos são isolados, pois X = {0} e, portanto, X ∩ X 0 = ∅.
0

Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix ∩X = {x}.

Instituto de Matemática - UFF 151


Análise na Reta

[ [ [
Como X = {x} ⊂ Ix ⊂ X, temos que X = Ix , ou seja C = (Ix )x∈X é
x∈X x∈X x∈X

uma cobertura de X.
Mas C não possui uma subcobertura própria, pois se x ∈ X, então x 6∈ Iy ,
para todo y 6= x, y ∈ X, já que Iy ∩ X = {y}.

Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)


Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famı́lia (Iλ )λ∈L de
[
intervalos abertos tais que [a, b] ⊂ Iλ , existe um número finito deles
λ∈L

Iλ1 , . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]
por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.

Prova.
Seja
X = {x ∈ [a, b] [a, x] pode ser coberto por um número finito dos intervalos Iλ } .

Como X é limitado e não-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = sup X.

Afirmação: c ∈ X.
Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].
Então existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0 = (α, β).
Sendo α < sup X = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,
existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn .
Então, [a, c] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , pois [x, c] ⊂ (α, β) = Iλ0 . Logo, c ∈ X.

Afirmação: c = b.
Suponhamos que c < b. Então existe c 0 ∈ Iλ0 tal que c < c 0 < b.
Assim, [a, c 0 ] ⊂ Iλ1 ∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0 , ou seja, c 0 ∈ X, o que é absurdo, pois
c 0 > c = sup X.
Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] está contido numa união finita dos
I λ .

Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)


Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma sub-
cobertura finita.

152 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Prova.
Seja C = (Aλ )λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ é aberto.
Seja x ∈ [a, b]. Então existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,
existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .
[
Logo, [a, b] ⊂ Ix . Pelo teorema anterior, existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b]
x∈[a,b]

tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ Ix2 ∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn .

Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)


Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Então toda cobertura
[
F⊂ Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura
λ∈L

finita.

Prova.
Sejam A = R − F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].
!
[
Logo, [a, b] ⊂ Aλ ∪ A. Como A é aberto, temos, pelo teorema
λ∈L

anterior, que existem λ1 , . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn ∪ A .


Então, F ⊂ Aλ1 ∪ . . . ∪ Aλn , pois F ∩ A = ∅.

Observação 4.1 As três formas do teorema de Borel-Lebesgue anteri-


ores são equivalentes.

Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n, n) )n∈N de R não possui


uma subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos abertos da
forma (−n, n) coincide com o maior deles e, portanto, não pode ser R.
Observe, neste caso, que R é fechado, mas não é limitado.

1 
Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta ,2
n n∈N

que não possui subcobertura finita, pois uma reunião finita de intervalos
1 
da forma , 2 é o maior deles e, portanto, não pode conter (0, 1].
n
Neste exemplo, o intervalo (0, 1] é limitado, mas não é um conjunto fe-
chado.

Instituto de Matemática - UFF 153


Análise na Reta

Teorema 4.4 As seguintes afirmações a respeito de um conjunto K ⊂ R


são equivalentes.
(1) K é fechado e limitado.
(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura
finita.
(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulação per-
tencente a K.
(4) Toda seqüência de pontos de K possui uma subseqüência que con-
verge para um ponto de K.

Prova.
(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.
(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulação em K.
Vamos provar que X é finito.
Seja x ∈ K. Como x 6∈ X 0 , existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩ X = {x}
se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.
[
Como K ⊂ Ix , existem x1 , . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1 ∪. . .∪Ixn . Então,
x∈K

X ⊂ (Ix1 ∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1 , . . . , xn } .


Logo, X é finito.
(3) =⇒ (4) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de K.
Então X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} é um conjunto finito ou infinito.
Se X é finito, então existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de
ı́ndices n ∈ N, ou seja, existe N 0 ⊂ N infinito tal que xn = a para todo
n ∈ N 0 . Logo, a subseqüência (xn )n∈N 0 é convergente.
Se X é infinito, existe a ∈ K que é ponto de acumulação de X. Então,
para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contém infinitos pontos
de X e, portanto, contém termos xn com ı́ndices arbitrariamente grandes.
Logo, a é valor de aderência da seqüência (xn ) ou seja, a é limite de uma
subseqüência de (xn ).
(4) =⇒ (1) Suponhamos que K não é limitado superiormente. Então, para
todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.

154 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Seja (xn )n∈N 0 uma subseqüência de (xn ). Como N 0 ⊂ N é ilimitado, para


todo n ∈ N existe n 0 ∈ N 0 tal que n 0 > n.
Logo, xn 0 > n 0 > n. Então, a subseqüência (xn )n ∈ N 0 não é limitada
superiormente e, portanto, não é convergente.
Assim, a seqüência (xn )n∈N de pontos de K não possui uma subseqüência
convergente, o que é absurdo. Logo, K é limitado superiormente.
De modo análogo, podemos provar que K é limitado inferiormente. Então,
K é limitado.
Seja (xn ) uma seqüência convergente de pontos de K com lim xn = x.
Como (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um
ponto de K e lim xnk = x, temos que x ∈ K.
k→∞

Logo, K é fechado.

Corolário 4.1 Toda seqüência limitada de números reais possui uma


subseqüência convergente.

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência limitada de números reais e seja
X = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}.
Como X é limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Então, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X é fechado e limitado. Logo, pelo teorema


anterior, a seqüência (xn ) de pontos de X possui uma subseqüência con-
vergente.

Corolário 4.2 (Bolzano-Weierstrass)


Todo conjunto limitado e infinito de números reais possui um ponto de
acumulação.

Prova.
Seja X um conjunto limitado e infinito de números reais. Então, existem
a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Logo, X ⊂ [a, b]. Então, X é fechado, limitado, e X ⊂ X é infinito. Assim,


pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulação.

Instituto de Matemática - UFF 155


Análise na Reta

Definição 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R é compacto se toda


cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.

Observação 4.2 K é compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, por-
tanto todas) as afirmações do teorema 4.4.

Exemplo 4.6

1 1

• O conjunto Y = 0, 1, , . . . , , . . . é compacto, pois Y = X = X ∪ X 0 ,
2 n

1 1

onde X = 1, , . . . , , . . . .
2 n
• O conjunto de Cantor é compacto.
• Os intervalos do tipo [a, b] são compactos.
• R, Q e Z não são compactos porque não são limitados.

• Q ∩ [0, 1] não é compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]


não é fechado.

Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma seqüência


\
decrescente de compactos não-vazios. Então K = Kn é não-vazio e
n∈N

compacto.

Prova.
O conjunto K é fechado, pois é interseção de uma famı́lia de conjuntos
fechados, e é limitado, pois K ⊂ K1 e K1 é limitado (por ser compacto).
Logo, K é compacto.
Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn . Então, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em
particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.
Como K1 é compacto, a seqüência (xn ) de pontos de K1 possui uma sub-
seqüência convergente (xnk ). Seja x = lim xnk .
k→∞

Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0 ≥ j. Então, xnk ∈ Kj , para todo


k ≥ k0 , já que nk ≥ nk0 ≥ j.
Logo, xnk −→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj é fechado para todo j ∈ N.
Ou seja, x ∈ K.

Aplicação do Teorema de Borel-Lebesgue

156 J. Delgado - K. Frensel


Conjuntos compactos

Definição 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e


[a, b) é o número b − a.

n
[ X
n
Proposição 4.1 Se [a, b] ⊂ (ai , bi ), então b − a < (bi − ai ).
i=1 i=1

Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai , bi ) ∩ [a, b] 6= ∅ para
todo i.
Sejam c1 < c2 < . . . < ck os números ai e bj ordenados de modo cres-
cente.
k−1
[
Então {a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn } ∩ (cj , cj+1 ) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj , cj+1 ) e
j=1

bk 6∈ (cj , cj+1 ) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k − 1.


Além disso, c1 < a e ck > b. Logo, b − a < ck − c1 , ou seja,
b − a < (ck − ck−1 ) + . . . + (c3 − c2 ) + (c2 − c1 ) = ck − c1 .
Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum
intervalo (ai , bi ).
• cj ∈ [a, b]
Neste caso, cj ∈ (ai , bi ) para algum i = 1, . . . , n. Como bi não está entre
cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).

Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .

• cj < a
Neste caso, cj não pode ser um dos bi , pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩
[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi não pode estar
entre cj e cj+1 , temos que (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi )

Fig. 8: Caso cj < a .

• cj > b

Instituto de Matemática - UFF 157


Análise na Reta

Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,


pois, caso contrário, (ai , bi ) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj , cj+1 ), temos que
ai ≤ cj e, portanto, (cj , cj+1 ) ⊂ (ai , bi ).
Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,
bi = cp+q e p + q ∈ {1, . . . , k}. Então,
bi − ai = (cp+q − cp+q−1 ) + . . . + (cp+1 − cp ) .
X
n
Logo, (bi − ai ) é uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj , sendo que
i=1

cada parcela cj+1 − cj , j = 1, . . . , k − 1, aparece pelo menos uma vez, pois


cada intervalo (cj , cj+1 ) está contido em algum intervalo (ai , bi ).

Fig. 9: Posição relativa do intervalo (a, b) entre os (ai , bi ) .

X
k−1 X
n
Assim, b − a < (cj+1 − cj ) ≤ (bi − ai ) . 
j=1 i=1


[ X

Proposição 4.2 Se [a, b] ⊂ (an , bn ) então (b − a) < (bn − an ) .
n=1 n=1

Prova.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1 , . . . , nk ∈ N tais que
[a, b] ⊂ (an1 , bn1 ) ∪ . . . ∪ (ank , bnk ) .
Então, pela proposição anterior, b − a < (bn1 − an1 ) + . . . + (bnk − ank ) .
X

Portanto, b − a < (bn − an ) .
n=1

X

Proposição 4.3 Se (bn − an ) < b − a, então o conjunto
n=1

[
X = [a, b] − (an , bn )
n=1

é não-enumerável.

158 J. Delgado - K. Frensel


Prova.
X

Seja c = (b − a) − (bn − an ) > 0, e suponha que X = {x1 , . . . , xn , . . .} é
n=1

enumerável.
c
Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raio n+2 . Logo,
2
∞ ∞
! !
[ [
[a, b] ⊂ (an , bn ) ∪ Jn . (?)
n=1 n=1

Mas,

X ∞
X ∞
X ∞
X ∞
1 cX 1
(bn − an ) + |Jn | = (bn − an ) + c = (b − a) − c +
2n+1 2 2n
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
c c
= (b − a) − c + = (b − a) − < b − a ,
2 2
o que contradiz (?), pela proposição anterior.

Aplicações
(A) Existe uma coleção de intervalos abertos cujos centros são todos
os números racionais do intervalo [a, b] que não é uma cobertura de [a, b].
• Seja X = {r1 , r2 , . . . , rn , . . .} uma enumeração dos racionais contidos no
intervalo [a, b].
b−a
Para cada n ∈ N, seja (an , bn ) o intervalo aberto de centro rn e raio .
2n+2
X

b−a X ∞
Então, (bn − an ) = < b − a . Logo, [a, b] − (an , bn ) não
2
n=1 n=1

[
é vazio, pois não é enumerável, ou seja, [a, b] 6⊂ (an , bn ).
n=1

(B) Existe um conjunto fechado, não-enumerável, formado apenas


por números irracionais.
Com efeito, sejam (an , bn ), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.
Então
∞ ∞
!
[ [
X = [a, b] − (an , bn ) = [a, b] ∩ R− (an , bn )
n=1 n=1

é fechado, não enumerável e formado apenas por números irracionais.

Instituto de Matemática - UFF 159


160 J. Delgado - K. Frensel
Definição e propriedades do limite

Parte 5

Limites de funções

Voltaremos à noção de limite sob uma forma mais ampla, conside-


rando, agora, funções reais de variável real, f : X −→ R, com X ⊂ R, em
vez de sequências.

1. Definição e propriedades do limite

Definição 1.1 Seja f : X −→ R uma função definida num subconjunto


X ⊂ R e seja a ∈ X 0 um ponto de acumulação.
Dizemos que o número real L é o limite de f(x) quando x tende para a e
escrevemos
lim f(x) = L
x→a

quando para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) =⇒ |f(x) − L| < ε

Assim, simbolicamente escrevemos:


lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X e 0 < |x − a| < δ =⇒ |f(x) − L| < ε
x→a
⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f ( (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) ) ⊂ (L − ε, L + ε) .

Ou seja, lim f(x) = L quando é possı́vel tornar f(x) arbitrariamente


x→a

próximo de L, desde que se tome x ∈ X suficientemente próximo de a e


diferente de a.

Instituto de Matemática - UFF 161


Análise na Reta

lim f(x) = L quando a ∈ X 0 ,


Observação 1.1 Só tem sentido escrever x→a
pois se a 6∈ X 0 , todo número real L seria limite de f(x) quando x tende
para a.
De fato, como a 6∈ X 0 , existe δ0 > 0 tal que (X − {a}) ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) = ∅.
Então, para cada ε > 0 dado, existe δ = δ0 > 0, tal que
∅ = f ( (X − {a}) ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) ) ⊂ (L − ε, L + ε) ,
qualquer que seja L ∈ R.

Observação 1.2 O ponto a pode pertencer ou não ao domı́nio X. Mesmo


quando a ∈ X, o valor f(a) não interfere na determinação de lim f(x), pois
x→a

tal limite, quando existe, depende apenas dos valores f(x) para x próximo
e diferente de a.
É possı́vel ter-se lim f(x) 6= f(a).
x→a

1 , se x ∈ R − {0}
Por exemplo, se f : R → R é a função definida por f(x) =
0 , se x = 0 ,

então lim f(x) = 1 6= 0 = f(0).


x→0

Observação 1.3 Se x→a


lim f(x) = L então L é aderente ao conjunto f(X −

{a}), pois todo intervalo aberto de centro L contém pontos deste conjunto.

Tem-se, também, que L ∈ f(Vδ ), onde Vδ = (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) e


δ > 0.

Teorema 1.1 (Unicidade do limite)


Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 .
Se lim f(x) = L1 e lim f(x) = L2 , então L1 = L2 .
x→a x→a

Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
ε
• x ∈ X − {a} e 0 < |x − a| < δ1 =⇒ |f(x) − L1 | < ;
2
ε
• x ∈ X − {a} e 0 < |x − a| < δ2 =⇒ |f(x) − L2 | < .
2

162 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Como a ∈ X 0 , existe x0 ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).


Logo,
ε ε
|L1 − L2 | ≤ |L1 − f(x0 )| + |f(x0 ) − L2 | < + = ε.
2 2
Ou seja, |L1 − L2 | < ε para todo ε > 0. Logo, L1 = L2 , pois, se L1 6= L2 ,
|L1 − L2 | |L − L2 |
terı́amos que |L1 −L2 | < , para ε = 1 > 0, o que é absurdo.
2 2

Teorema 1.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R, a ∈ X 0 . Seja Y ⊂ X tal que


O teorema 1.2 é análogo à
a ∈ Y 0 e seja g = f|Y . afirmação de que toda sub-
seqüência de uma seqüência
Se lim f(x) = L, então lim g(x) = L . convergente é também conver-
x→a x→a
tente e tem o mesmo limite.

Prova.
Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε qualquer que seja
x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .
Então, |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Logo, lim g(x) = L.
x→a

Teorema 1.3 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Se I é um intervalo


O teorema 1.3 diz que a
aberto que contém a, Y = I ∩ X, g = f|Y e lim g(x) = L, então lim f(x) = L. existência e o valor do limite
x→a x→a
de uma função f depende apenas
do comportamento de f numa
Prova. vizinhança de a.

Seja δ0 > 0 tal que (a − δ0 , a + δ0 ) ⊂ I. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal


que |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (I ∩ X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Tome δ 0 = min{δ, δ0 }. Então,
(I ∩ X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ) = (X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ) ,
pois (a − δ 0 , a + δ 0 ) ⊂ I.
Logo, |f(x) − L| = |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ 0 , a + δ 0 ).
Portanto, lim f(x) = L.
x→a

Teorema 1.4 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Se existe x→a


lim f(x),

então f é limitada numa vizinhança de a, ou seja, existem A > 0 e δ > 0


tais que |f(x)| < A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 163


Análise na Reta

Prova.
Seja L = limx→a f(x). Dado ε = 1 > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < 1
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Então, |f(x)| ≤ |f(x) − L| + |L| < 1 + |L| = A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a −
δ, a + δ).

Teorema 1.5 (Princı́pio do Sandwiche)


Sejam X ⊂ R, f, g, h : X −→ R e a ∈ X 0 . Se limx→a f(x) = limx→a h(x) = L
e f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo x ∈ X − {a}, então limx→a g(x) = L .

Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
ε
• |f(x) − L| < se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ1 .
2
ε
• |h(x) − L| < se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ2 .
2
Tome δ = min{δ1 , δ2 }. Então,
L − ε ≤ f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) ≤ L + ε ,
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo, lim g(x) = L. 
x→a

Teorema 1.6 Sejam X ⊂ R, f, g : X → R e a ∈ X 0 .


Se lim f(x) = L < lim g(x) = M, então existe δ > 0 tal que x ∈ X,
x→a x→a

0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < g(x).

Prova.
M−L L+M
Seja ε = > 0. Então, L + ε = = M − ε e existe δ > 0
2 2
tal que L − ε < f(x) < L + ε = M − ε e M − ε < g(x) < M + ε para todo
x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
M+L
Logo, f(x) < < g(x), ou seja, f(x) < g(x) para todo x ∈ (X − {a}) ∩
2
(a − δ, a + δ).

Corolário 1.1 Se x→a


lim f(x) = L > 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X,

0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) > 0.

164 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

Corolário 1.2 Se x→a


lim f(x) = L, lim g(x) = M e f(x) ≤ g(x) para todo
x→a

x ∈ X − {a}, então L ≤ M.

Teorema 1.7 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X 0 . Então x→a


lim f(x) = L

se, e só se, lim f(xn ) = L para toda seqüência (xn ) ⊂ X − {a} tal que
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Prova.
Suponhamos que lim f(x) = L e que lim xn = a, com xn ∈ X − {a}
x→a n→∞

para todo n ∈ N. Então, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que |f(x) − L| < ε
para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.
Como lim xn = a e xn 6= a para todo n ∈ N, existe n0 ∈ N tal que
n→∞

0 < |xn − a| < δ para todo n > n0 .


Logo, |f(xn ) − L| < ε para todo n > n0 . Assim, lim f(xn ) = L.
n→∞

Suponhamos, agora, que lim f(x) 6= L. Então existe ε0 > 0 tal que para
x→a
1
todo n ∈ N podemos obter xn ∈ X tal que 0 < |xn −a| < e |f(xn )−L| ≥ ε0 .
n
Logo, lim xn = a, mas lim f(xn ) 6= L.
n→∞ n→∞

Corolário 1.3 Existe x→a


lim f(x)se, e só se, lim f(xn ) existe e independe
n→∞

da seqüência (xn ) ⊂ X − {a} com lim xn = a.


n→∞

lim f(xn ) para toda seqüência (xn ) ⊂ X − {a}


Corolário 1.4 Se existe n→∞
tal que lim xn = a, então existe lim f(x).
n→∞ x→a

Prova.
Basta provar que lim f(xn ) independe da seqüência (xn ) ⊂ X − {a} com
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Suponhamos, por aburdo, que existem duas seqüências (xn ) e (yn ) de


pontos de X − {a} tais que lim xn = lim yn = a, mas lim f(xn ) = L 6=
n→∞ n→∞ n→∞

M = lim f(yn ).
n→∞

Instituto de Matemática - UFF 165


Análise na Reta

Então, a seqüência (zn ) ⊂ X − {a}, dada por z2n = xn e z2n−1 = yn , é uma


seqüência de pontos de X − {a} que converge para a, mas que (f(zn )) não
converge, porque possui duas subseqüências (f(z2n )) e (f(z2n−1 )) que
convergem para limites diferentes.
Logo, o valor de lim f(xn ) independe da seqüência (xn ) com xn ∈ X − {a}
n→∞

e lim xn = a. Então, pelo corolário 1.3, existe lim f(x).


n→∞ x→a

Teorema 1.8 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 , f, g : X −→ R.


Se lim f(x) = L e lim g(x) = M, então:
x→a x→a

(1) lim (f(x) ± g(x)) = L ± M .


x→a

(2) lim (f(x) g(x)) = L M .


x→a

f(x) L
(3) lim = , se M 6= 0.
x→a g(x) M

(4) Se lim f(x) = 0 e existe A > 0 tal que |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a},
x→a

então lim f(x) g(x) = 0.


x→a

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} com lim xn = a.
n→∞

• Então, lim (f(xn ) ± g(xn )) = L ± M e lim (f(xn ) g(xn )) = L M, pois


n→∞ n→∞

lim f(xn ) = L e lim g(xn ) = M.


n→∞ n→∞

Logo, pelo teorema 1.7


lim (f(x) ± g(x)) = L ± M e lim (f(x) g(x)) = L M .
x→a x→a

• Se M 6= 0, temos, pelo teorema 1.6, que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Como lim xn = a e xn ∈ X − {a},
n→∞

existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ para todo n > n0 . Logo, g(xn ) 6= 0
f(xn ) L
para todo n > n0 e lim = .
n→∞ g(xn ) M

f(x)
Assim, pelo teorema 1.7, tem sentido para todo x suficientemente
g(x)
f(x) L
próximo e diferente de a e lim = .
x→a g(x) M

166 J. Delgado - K. Frensel


Definição e propriedades do limite

• Se lim f(x) = 0 e |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a}, então lim f(xn ) = 0


x→a n→∞

e (g(xn )) é uma seqüência limitada. Logo, lim (f(xn ) g(xn )) = 0. Assim,


n→∞

pelo teorema 1.7, lim (f(x) g(x)) = 0.


x→a

f(x) f(x)
Observação 1.4 Se x→a
lim g(x) = 0 e existe lim ou o quociente
x→a g(x) g(x)
é limitado numa vizinhança de a, então, pelo teorema acima,
 
f(x)
lim f(x) = lim g(x) = 0.
x→a x→a g(x)

Logo, se lim g(x) = 0 e lim f(x) 6= 0 ou não existe lim f(x), então o quoci-
x→a x→a x→a

f(x)
ente não é sequer limitado numa vizinhança de a.
g(x)

Teorema 1.9 (Critério de Cauchy para limites de funções)


Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Então existe lim f(x) se, e só se, para
x→a

todo ε > 0 dado, existe δ > 0, tal que |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam
x, y ∈ ( X − {a} ) ∩ (a − δ, a + δ) .

Prova.
ε
lim f(x) = L, então, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(x) − L| <
(=⇒) Se x→a
2
para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.
Logo,
ε ε
|f(x) − f(y)| ≤ |f(x) − L| + |f(y) − L| < + = ε,
2 2
quaisquer que sejam x, y ∈ X, 0 < |x − a| < δ e 0 < |y − a| < δ.

(⇐=) Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} com n→∞


lim xn = a.

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x)−f(y)| < ε para x, y ∈ X, 0 < |x−a| <
δ e 0 < |y − a| < δ.
Como lim xn = a e xn ∈ X − {a}, existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ
n→∞

para todo n > n0 .


Logo, |f(xn ) − f(xm )| < ε para todos n, m > n0 . Ou seja, a seqüência
(f(xn )) é de Cauchy e, portanto, converge.
Então, pelo corolário 1.4, existe lim f(x).
x→a

Instituto de Matemática - UFF 167


Análise na Reta

• Sejam X ⊂ R, Y ⊂ R, a ∈ X 0 , b ∈ Y 0 , f : X −→ R e g : Y −→ R tais que


f(X) ⊂ Y, lim f(x) = b e lim g(y) = c.
x→a y→b

Então, para x próximo de a, f(x) está próximo de b, mas pode ocor-


rer que f(x) = b para x arbitrariamente próximo de a. Neste caso, b ∈ Y e
lim (g ◦ f)(x) pode existir ou não. Caso exista, deve ser igual a g(b), que
x→a

pode ser diferente de c.

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R a função identicamente nula e seja



1 , se x 6= 0
g : R −→ R a função definida por g(x) =
0 , se x = 0 .

Então, lim f(x) = 0, lim g(y) = 1 e lim (g ◦ f)(x) = 0, que é diferente de


x→0 y→0 x→0

1.

Exemplo 1.2 Sejam f : R −→ R e g : R −→ R as funções definidas da


seguinte maneira:
 
0 , se x ∈ Q 0 , se y 6= 0
f(x) = e g(x) =
x , se x ∈ R − Q , 1 , se y = 0 .

Então, lim f(x) = 0 e lim g(y) = 0, mas não existe lim g(f(x)), pois
x→0 y→0 x→0

1 , se x ∈ Q
g ◦ f(x) =
0 , se x ∈ R − Q . 

Teorema 1.10 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, com f(X) ⊂ Y,


a ∈ X 0 e b ∈ Y ∩ Y 0.
Se lim f(x) = b e lim g(y) = g(b), então, lim (g ◦ f)(x) = g(b).
x→a y→b x→a

Prova.
Dado ε > 0 existe η > 0 tal que |g(y) − g(b)| < ε para todo y ∈ Y,
|y − b| < η.
Sendo lim f(x) = b, existe δ > 0 tal que |f(x) − b| < η para todo x ∈ X,
x→a

0 < |x − a| < δ.
Logo, |g(f(x)) − g(b)| < ε para todo x ∈ X, 0 < |x − a| < δ.

168 J. Delgado - K. Frensel


Exemplos de limites

2. Exemplos de limites

Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a função identidade, ou seja, f(x) = x


para todo x ∈ R.
Então, lim f(x) = lim x = a para todo a ∈ R.
x→a x→a

Por indução, lim xn = an para todo n ∈ N, porque se lim xj = aj , temos,


x→a x→a

pelo teorema 1.8, que


  
lim xj+1 = lim xj lim x = aj a = aj+1
x→a x→a x→a

Logo, pelo teorema 1.8, temos que se


p(x) = an xn + an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0
é um polinômio, então, para a ∈ R,
lim p(x) = an lim xn + an−1 lim xn−1 + . . . + a1 lim x + a0
x→a x→a x→a x→a
= an an + an−1 an−1 + . . . + a1 a + a0 = p(a) .

p(x)
Assim, se f(x) = é o quociente de dois polinômios, ou seja, f é uma
q(x)
função racional, então lim f(x) = f(a), se q(a) 6= 0.
x→a

Se q(a) = 0, então a é uma raiz de q(x) e, portanto, x − a divide q(x).


Seja m ≥ 1 tal que q(x) = (x − a)m q1 (x), com q1 (a) 6= 0, e seja n ≥ 0 tal
que p(x) = (x − a)n p1 (x), com p1 (a) 6= 0.
p1 (x) p (a) p (x)
Se m = n, lim f(x) = lim = 1 , pois f(x) = 1 para todo
x→a x→a q1 (x) q1 (a) q1 (x)
x 6= a.
p1 (x)
Se m < n, lim f(x) = 0, pois f(x) = (x − a)n−m para todo x 6= a.
x→a q1 (x)

p1 (x)
Se m > n, então lim f(x) não existe, pois f(x) = , onde o
x→a (x − a)m−n q1 (x)
denominador tem limite zero e o numerador não (ver observação 1.4).

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a função definida por



0 , se x ∈ Q
f(x) =
1 , se x ∈ R − Q .

Instituto de Matemática - UFF 169


Análise na Reta

Então, não existe lim f(x) para todo a ∈ R.


x→a

De fato, existe uma seqüência (xn ) de números racionais, xn 6= a, tal que


xn −→ a e existe uma seqüência (yn ), yn 6= a, de números irracionais tal
que yn −→ a. Então, lim f(xn ) = 0 e lim f(yn ) = 1. Logo, pelo corolário
n→∞ n→∞

1.3, não existe lim f(x).


x→a

Mas, se g(x) = (x − a)f(x), temos que lim g(x) = 0, pois lim (x − a) = 0 e


x→a x→a

f é limitada.

Exemplo 2.3 Seja f : Q −→ R a função definida por



1/q , se p/q é uma fração irredutı́vel com q > 0
f(x) =
1 , se x = 0 .

Como Q 0 = R, tem sentido falar em lim f(x) para todo a ∈ R.


x→a

Vamos provar que lim f(x) = 0 para todo a ∈ R.


x→a

Afirmação: Seja a ∈ R fixo. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que 0 <

p
− a < δ =⇒ 0 < 1 < ε, ou seja, q > 1 .

q q ε

1
Seja F = {q ∈ N | q ≤ } . Então, F é um conjunto fiinito. Para cada q ∈ F
ε
m
fixo, as frações , m ∈ Z, decompõem a reta em intervalos juxtapostos
q
1
de comprimento , pois
q
[  m m+1 
R= , .
q q
m∈Z

mq m0
Para cada q ∈ F, seja mq ∈ Z o maior inteiro tal que < a. Seja q0 a
q q
mq
maior das frações , com q ∈ F, a qual existe, pois F é finito.
q

De modo análogo, para cada q ∈ F, seja nq ∈ Z o menor inteiro tal que


nq n 00
> a. Como F é finito, existe nq 00 ∈ Z tal que q00 é a menor das frações
q q
nq
, com q ∈ F.
q

170 J. Delgado - K. Frensel


Exemplos de limites

mq 0
Assim, é a maior fração que tem denominador em F e é menor do que
q0
nq 00
a, e é a menor fração com denominador em F que é maior do que
q 00
a. Então, salvo possı́velmente a, nenhum número racional do intervalo
 
mq 0 nq 00
0
, 00 pode ter denominador em F.
q q

m 0 n 00
Seja δ = min a − q0 , q00 − a . Então,
q q

p p p
0 < − a < δ =⇒ a − δ < < a + δ , 6= a

q q q
mq 0 p n 00 p
=⇒ 0
< < q00 , 6= a
q q q q
1 1
=⇒ q 6∈ F =⇒ q > =⇒ 0 < < ε
  ε q
p
=⇒ f − 0 < ε .
q
 
p
Logo, provamos que dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f
− 0 < ε para
q

p p
todo ∈ Q, 0 < − a < δ. Assim, lim f(x) = 0 para todo a ∈ R.
q q x→a

Observação 2.1 Seja g : R −→ R a função definida por






0 , se x ∈ R − Q

g(x) = 1 , se x = 0



 1 p
 , se é irredutı́vel com q > 0 .
q q

Então, lim g(x) = 0 para todo a ∈ R.


x→a

x
Exemplo 2.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x + , ou seja,
|x|

x + 1 , se x > 0
f(x) =
x − 1 , se x < 0 .

Então, não existe lim f(x), pois


x→0
1 1   1  1  1
lim f = lim +1 =1 e lim f − = − 1 = − 1 = −1 .
n→∞ n n→∞ n n→∞ n n n


Instituto de Matemática - UFF 171


Análise na Reta

1
Exemplo 2.5 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por f(x) = sen .
x
Então não existe lim f(x).
x→0

De fato, seja c ∈ [−1, 1] e b ∈ R tal que sen b = c.


1
 
Então, a seqüência tende para zero e
b + 2πn n∈N
1
 
lim f = lim sen(2πn + b) = sen b = c .
n→∞ 2πn + b n→∞

1
Mas, como a função f é limitada, temos que lim g(x) sen = 0 para toda
x→0 x
função g : R − {0} −→ R tal que lim g(x) = 0.
x→0

1
Em particular lim xn sen = 0 para todo n ∈ N.
x→0 x

3. Limites laterais

Definição 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ R


é o limite à direita de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = lim+ f(x) ,
x→a

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a < x < a + δ

Simbolicamente, temos:
lim f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , a < x < a + δ =⇒ |f(x) − L| < ε" .
x→a+

ou
lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L − ε, L + ε) ∀ x ∈ X ∩ (a, a + δ) .
x→a+

Definição 3.2 Sejam X ⊂ R, a ∈ X−0 e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ R


é o limite à esquerda de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = lim− f(x) ,
x→a

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a − δ < x < a.

Simbolicamente, temos:

172 J. Delgado - K. Frensel


Limites laterais

lim f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , a − δ < x < a =⇒ |f(x) − L| < ε" ,
x→a−

ou
lim f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L − ε, L + ε) ∀ x ∈ X ∩ (a − ε, a) .
x→a−

Teorema 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 , f : X −→ R, Y = X ∩ (a, +∞) e Um resultado análogo ao teorema


g = f|Y . Então, lim+ f(x) = L se, e só se, lim g(x) = L. 3.1 vale para o limite à esquerda.
x→a x→a

Prova.
(=⇒) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f(x) ∈ (L − ε, L + ε) para todo
x ∈ X ∩ (a, a + δ).
Como (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ), temos que |g(x) − L| < ε
para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

(⇐=) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ).

Observação 3.1 Pelo teorema acima, o limite à direita e o limite à es-


querda são o limite de uma restrição de f. Assim, os teoremas 1.1 a
1.10 valem também para os limites laterais, substituindo nos enunciados
(a − δ, a + δ) por (a, a + δ) no caso de limite à direita, e (a − δ, a + δ) por
(a − δ, a) no caso de limite à esquerda.

Exemplo 3.1 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y,


a ∈ X+0 , b ∈ Y 0 ∩ Y.
Se lim+ f(x) = b e lim g(y) = g(b) então lim+ g(f(x)) = g(b).
x→a y→b x→a

Teorema 3.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X+0 ∩ X−0 . Então existe


lim f(x) se, e só se, existem e são iguais os limites laterais lim+ f(x) e
x→a x→a

lim f(x). Neste caso,


x→a−

lim f(x) = lim+ f(x) = lim− f(x) .


x→a x→a x→a

Prova.
(=⇒) Suponhamos que L = lim f(x). Sejam Y = (a, +∞) ∩ X e g = f|Y .
x→a

Instituto de Matemática - UFF 173


Análise na Reta

Como a ∈ Y 0 , pois a ∈ X+0 , temos, pelo teorema 1.2, que lim g(x) = L.
x→a

Então, pelo teorema 3.1, existe lim+ f(x) e é igual a L.


x→a

De modo análogo, podemos provar que o lim− f(x) existe e é igual a L.


x→a

(⇐=) Suponhamos que L = lim− f(x) = lim+ f(x).


x→a x→a

Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que


• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ1 ) ,
e
• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a − δ2 , a).
Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, temos que |f(x) − L| < ε para todo x tal que
x ∈ (X ∩ (a, a + δ)) ∪ (X ∩ (a − δ, a)) = (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .
Logo, lim f(x) = L. 
x→a

x
Exemplo 3.2 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x + . Como
|x|
f(x) = x + 1 para x ∈ (0, +∞) e f(x) = x − 1 para x ∈ (−∞, 0), temos que
lim f(x) = 1, lim− f(x) = −1 e não existe lim f(x).
x→0+ x→0 x→0

1
Exemplo 3.3 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = .
x
Então, 0 ∈ (R − {0})+0 ∩ (R − {0})−0 , mas não existem os limites laterais à
direita e à esquerda no ponto 0.

1
Exemplo 3.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = e− x .
Então, lim+ f(x) = 0, mas não existe lim− f(x), pois f(x) não é limitada
x→0 x→0

para x negativo próximo de 0.

Definição 3.3 Seja f : X ⊂ R −→ R. Dizemos que f é


• crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) < f(y).
• não-decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).
• decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) > f(y).
• não-crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≥ f(y).

174 J. Delgado - K. Frensel


Limites laterais

• monótona quando f é de algum dos quatro tipos acima.

Teorema 3.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 , b ∈ X−0 e f : X −→ R, uma função


monótona limitada. Então, existem os limites laterais
L = lim+ f(x) e M = lim− f(x).
x→a x→b

Prova.
Suponhamos que f : X −→ R é não-decrescente.
Seja a ∈ X+0 e seja A = {f(x) | x ∈ X e x > a}.
Como a ∈ X+0 e f é limitada, temos que A é não-vazio e limitado inferior-
mente. Então, existe L = inf A.
Afirmação: L = lim+ f(x) .
x→a

Dado ε > 0, existe x ∈ X, x > a, tal que L ≤ f(x) < L + ε.


Seja δ = x − a > 0. Então, para x ∈ X, a < x < a + δ = x temos que
L − ε < L ≤ f(x) ≤ f(x) < L + ε. Logo, lim+ f(x) = L.
x→a

Sejam, agora, b ∈ X−0 e B = {f(x) | x ∈ X e x < b}. Então, existe M =


sup B, pois B 6= ∅ e é limitado superiormente.
Dado ε > 0, existe x ∈ X, x < b, tal que M − ε < f(x) ≤ M.
Tome δ = b − x > 0. Então, para x ∈ X, x = b − δ < x < b, temos que
M − ε < f(x) ≤ f(x) ≤ M < M + ε.
Logo, lim− f(x) = M.
x→b

Observação 3.2 Se a ∈ X, então não é preciso supor que f é limitada,


pois, se f é não decrescente, por exemplo, f(a) é uma cota inferior para
o conjunto {f(x) | x ∈ X e x > a} e é uma cota superior para o conjunto
{f(x) | x ∈ X e x < a}.

Observação 3.3 Uma sequência monótona limitada é convergente, mas


para uma função monótona limitada pode não existir lim f(x) quando
x→a
x
a ∈ X 0 . Isso acontece, por exemplo, com a função f(x) = x + , para
|x|
x ∈ (R − {0}) ∩ (−1, 1), porque o limite de uma seqüência é um limite
lateral à esquerda, pois quando n → +∞, tem-se n < +∞.

Instituto de Matemática - UFF 175


Análise na Reta

4. Limites no infinito, limites infinitos e expressões


indeterminadas

Definição 4.1 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado superiormente e f :


X −→ R. Dizemos que L é o limite de f(x) quando x → +∞, e escrevemos
lim f(x) = L ,
x→+∞

quando
∀ ε > 0 ∃ A > 0 ; x ∈ X , x > A =⇒ |f(x) − L| < ε .

Definição 4.2 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado inferiormente e f :


X −→ R. Dizemos que L é o limite de f(x) quando x → −∞, e escrevemos
lim f(x) = L ,
x→−∞
Os resultados do teorema 1.1 ao
teorema 1.9 são válidos para li- quando
mites no infinito com as devidas
∀ ε > 0 ∃ A > 0 ; x ∈ X , x < −A =⇒ |f(x) − L| < ε .
adaptações.

Observação 4.1 O limite quando x tende a +∞ é, de certo modo, um


limite lateral à esquerda, e o limite quando x tende a −∞, um limite lateral
à direita.
Assim, o resultado do teorema 3.3 continua válido. Mais precisamente:
• Seja f : X −→ R uma função monótona limitada e X ⊂ R um conjunto
ilimitado superiormente.
◦ Se f é não-decrescente, então lim f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.
x→+∞

◦ Se f é não-crescente, então lim f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.


x→+∞

• Seja, agora, X ⊂ R ilimitado inferiormente.


◦ Se f é não-decrescente, então lim f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.
x→−∞

◦ Se f é não-crescente, então lim f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.


x→−∞

Observação 4.2 O limite de uma sequência f : N → R é um caso


particular de limite de uma função no infinito, pois lim f(x) = lim f(n).
x→+∞ n→∞

176 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

1 1
Exemplo 4.1 x→±∞
lim = 0, pois dado ε > 0 existe A = > 0 tal que
x ε
1 1 1 1
0 < < ε, para todo x > = A, e −ε < < 0, para todo x < −A = − .
x ε x ε

lim sen x, pois 2πn → +∞ e sen(2πn) → 0,


Exemplo 4.2 Não existe x→+∞
π π
   
enquanto 2πn + → +∞ e sen 2πn + → 1.
2 2
De modo análogo, podemos verificar que não existe lim sen x.
x→−∞

lim ex = 0, mas não existe lim ex .


Exemplo 4.3 x→−∞
x→+∞

Definição 4.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f(x)


tende para +∞ quando x tende para a e escrevemos
lim f(x) = +∞ ,
x→a

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) > A .

1 1
Exemplo 4.4 x→a
lim = +∞, pois dado A > 0 existe δ = √ > 0
(x − a)2 A
tal que
1 1
0 < |x − a| < δ =⇒ 0 < (x − a)2 < =⇒ > A.
A (x − a)2

Definição 4.4 Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f(x)


tende para −∞ quando x tende para a e escrevemos
lim f(x) = −∞ ,
x→a

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que


x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < −A .

−1
Exemplo 4.5 x→a
lim = −∞ .
(x − a)2

Outros casos possı́veis

Definição 4.5 Sejam X ⊂ R, a ∈ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que:

Instituto de Matemática - UFF 177


Análise na Reta

• lim+ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a + δ =⇒ f(x) > A.


x→a

• lim+ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a + δ =⇒ f(x) < −A.


x→a

De modo análogo, podemos definir lim− f(x) = +∞ e lim− f(x) = −∞,


x→a x→a

quando a ∈ X−0 .

Definição 4.6 Sejam X ⊂ R ilimitado superiormente e f : X −→ R.


Dizemos que:
• lim f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) > A.
x→+∞

• lim f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) < −A.


x→+∞

Definição 4.7 Sejam X ⊂ R ilimitado inferiormente e f : X −→ R. Dize-


mos que:
• lim f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) > A.
x→−∞

• lim f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) < −A.


x→−∞

1 1
Exemplo 4.6 lim+ = +∞ ; lim− = −∞ ; lim ex = +∞ ;
x→a x−a x→a x−a x→+∞
k
lim x = +∞ , k ∈ N.
x→+∞

• Modificações que devem sofrer os teoremas provados para limites finitos


de modo a continuarem válidos no caso de limites infinitos.
(1) Unicidade. Se lim f(x) = +∞, então f é positiva e ilimitada supe-
x→a

riormente numa vizinhança de a. Logo, não se pode ter lim f(x) = L, pois,
x→a

neste caso, f seria limitada numa vizinhança de a, nem lim f(x) = −∞,
x→a

pois f seria negativa numa vizinhança de a.


(2) Sejam Y ⊂ X com a ∈ Y 0 e g = f|Y .
Se lim f(x) = +∞ =⇒ lim g(x) = +∞.
x→a x→a

Sejam Y = (a − δ, a + δ) ∩ X, δ > 0, e g = f|Y .


Se lim g(x) = +∞ =⇒ lim f(x) = +∞.
x→a x→a

178 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

(3) Se lim f(x) = +∞ então f é ilimitada superiormente em qualquer


x→a

vizinhança de a.
(4) Se f(x) ≤ g(x) ∀ x ∈ X e lim f(x) = +∞, então lim g(x) = +∞.
x→a x→a

(5) Se lim f(x) = L e lim g(x) = +∞, então existe δ > 0 tal que
x→a x→a

x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ f(x) < g(x).


(6) lim f(x) = +∞ ⇐⇒ lim f(xn ) = +∞ para toda seqüência (xn )
x→a n→+∞

de pontos de X − {a} com lim xn = a.


n→∞

(7) ◦ Se lim f(x) = +∞ e g(x) > c ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


x→a

então lim (f(x) + g(x)) = +∞.


x→a

◦ Se lim f(x) = +∞ e g(x) > c > 0 ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


x→a

então lim (f(x) g(x)) = +∞.


x→a

◦ Se f(x) > 0 ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), então lim f(x) = 0 ⇐⇒


x→a
1
lim = +∞.
x→a f(x)

◦ Sendo f(x) > c > 0 e g(x) > 0 para todo x ∈ (X−{a})∩(a−δ, a+δ),
f(x)
temos que se lim g(x) = 0 então lim = +∞.
x→a x→a g(x)

◦ Sendo |f(x)| ≤ c para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), temos que


f(x)
se lim g(x) = +∞, então lim = 0.
x→a x→a g(x)

(8) Não existe algo semelhante ao critério de Cauchy para limites


infinitos.
(9) ◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(y) = L, então lim g(f(x)) = L.
x→a y→±∞ x→a

◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(y) = +∞, então lim g(f(x)) = +∞.


x→a y→±∞ x→a

◦ Se lim f(x) = ±∞ e lim g(x) = −∞, então lim g(f(x)) = −∞ .


x→a x→±∞ x→a

(10) Sejam a ∈ X+0 e f : X −→ R monótona.


◦ lim+ f(x) existe se, e só se, existe δ > 0 tal que f é limitada no
x→a

conjunto X ∩ (a, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 179


Análise na Reta

◦ Se f é ilimitada superiormente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0,


então lim+ f(x) = +∞.
x→a

De fato, dado A > 0, existe x ∈ X ∩ (a, a + 1) tal que f(x) > A.


Se f é não-crescente ou decrescente, temos que f(x) ≥ f(x) > A
para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ), onde δ = x − a > 0.
Observe que, neste caso, f não pode ser não-decrescente ou cres-
cente, pois, dado x > a, x ∈ X, existiria x ∈ (a, x) tal que f(x) > f(x).
◦ De modo análogo, podemos provar que se f é ilimitada inferior-
mente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0, então lim+ f(x) = −∞ e f tem
x→a

que ser crescente ou não-decrescente.

Observação 4.3 No entanto, se a ∈ X−0 , temos que:


• lim− f(x) existe se, e só se, existe δ > 0 tal que f é limitada no conjunto
x→a
Exercı́cio: Se f : X → R X ∩ (a − δ, a).
é monótona, então ou existe
lim f(x) ou
x→+∞
lim f(x) =
x→+∞
• Se f é ilimitada superiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, então
±∞. lim f(x) = +∞ e f é não-decrescente ou crescente.
De modo análogo, ou existe x→a−
lim f(x) ou lim f(x) =
x→−∞ x→−∞
±∞. • Se f é ilimitada inferiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, então
lim f(x) = −∞ e f é não-crescente ou decrescente.
x→a−

Agora, vamos falar um pouco sobre expressões indeterminadas do


0 ∞ 0
tipo , ∞ − ∞, 0 × ∞, , 0 , ∞0 , 1∞ .
0 ∞
0
• Indeterminação do tipo .
0
Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 , f, g : X −→ R tais que lim f(x) = lim g(x) = 0.
x→a x→a

f(x)
Se a ∈ Y 0 , onde Y = {x ∈ X | g(x) 6= 0}, então o quociente está
g(x)
f(x)
definido em Y e faz sentido indagar se existe lim . Mas nada se pode
x→a g(x)
afirmar sobre esse limite, pois, dependendo das funções f e g, ele pode
assumir qualquer valor ou não existir.
Por exemplo, se f(x) = cx e g(x) = x, temos

180 J. Delgado - K. Frensel


Limites no infinito, limites infinitos e expressões indeterminadas

f(x)
lim f(x) = 0, lim g(x) = 0 e lim = c.
x→0 x→0 x→0 g(x)

1
Por outro lado, se f(x) = x sen , x 6= 0, e g(x) = x, então lim f(x) =
x x→0

f(x) 1
lim g(x) = 0, mas não existe lim = lim sen .
x→0 x→0 g(x) x→0 x

• Dizer que ∞ − ∞ é indeterminado, significa que, dependendo das esco-


lhas para f e g, tais que lim f(x) = lim g(x) = +∞, o limite lim (f(x)−g(x))
x→a x→a x→a

pode ser um valor real c arbitrário ou pode não existir.


1
Por exemplo, se f, g : R − {a} −→ R são dados por f(x) = c +
(x − a)2
1
e g(x) = , então lim f(x) = lim g(x) = +∞ e lim (f(x) − g(x)) = c.
(x − a)2 x→a x→a x→a

1 1 1
E se f(x) = sen + 2
e g(x) = , temos que
x−a (x − a) (x − a)2
lim f(x) = lim g(x) = +∞,
x→a x→a

mas não existe lim (f(x) − g(x)).


x→a

• Para a indeterminação do tipo 00 , dado qualquer c > 0, existem funções


f, g : X −→ R, com a ∈ X 0 , lim f(x) = lim g(x) = 0 e f(x) > 0 para todo
x→a x→a
g(x)
x ∈ X, tais que lim f(x) = c.
x→a

Por exemplo, para as funções f, g : (0, +∞) −→ R dadas por f(x) = x


log c
e g(x) = , temos que
log x
lim f(x) = lim g(x) = 0 e lim f(x)g(x) = lim eg(x) log f(x) = lim elog c = c .
x→0 x→0 x→0 x→0 x→0

Podemos, também, escolher f e g de modo que o limite de f(x)g(x)


não existe. Basta tomar, por exemplo, as funções dadas por f(x) = x e
1
 
g(x) = log 1 + sen · (log x)−1 , x > 0, para termos

x
lim f(x) = lim g(x) = 0,
x→0 x→0

mas o limite
1
 
lim f(x)g(x) = lim eg(x) log f(x) = lim 1 + sen

x→0 x→0 x→0 x

não existe.

Instituto de Matemática - UFF 181


Análise na Reta

5. Valores de aderência de uma função, limsup


e liminf

Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 e f : X −→ R. Para cada δ > 0, indicaremos


por Vδ o conjunto
Vδ = {x ∈ X | 0 < |x − a| < δ} = (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) .

Definição 5.1 Dizemos que f é limitada numa vizinhança de a quando


existe δ > 0 tal que f|Vδ é limitada, ou seja, existe K > 0 tal que |f(x)| ≤ K
para todo x ∈ Vδ .

Definição 5.2 Dizemos que c ∈ R é um valor de aderência de f no


ponto a quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X − {a} tal que
lim xn = a e lim f(xn ) = c.
n→+∞ n→+∞

Indicaremos por VA(f; a) o conjunto dos valores de aderência de f no


ponto a.

Observação 5.1 Pelo teorema 1.7, temos que se L = x→a


lim f(x), então L

é o único valor de aderência de f no ponto a.

Mostraremos, mais adiante, que se f é limitada numa vizinhança de


a e L é o único valor de aderência de f no ponto a, então lim f(x) = L.
x→a

Mas se f não é limitada numa vizinhança de a, pode ocorrer que não


exista lim f(x), mesmo quando f possui um único valor de aderência no
x→a

ponto a.


1 , se x ∈ Q
Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R a função f(x) = 1 .
 , se x ∈ R − Q
x
Então, 1 é o único valor de aderência de f no ponto 0, mas não existe
lim f(x), pois f não é limitada numa vizinhança de 0.
x→0

Teorema 5.1 Um número real c é valor de aderência de f no ponto a


se, e só se, c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.

182 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

Prova.
(=⇒) Seja c um valor de aderência de f no ponto a e seja (xn ) uma
seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e f(xn ) −→ c.
Como xn −→ a, dado δ > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ Vδ para todo
n > n0 . Logo, f(xn ) ∈ f(Vδ ) para todo n > n0 , ou seja, (f(xn ))n>n0 é uma
seqüência de pontos de Vδ que converge para c.

Então, c ∈ f(Vδ ) .

(⇐=) Suponhamos que c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.


Então, c ∈ f(V 1 ) para todo n ∈ N.
n

1
Assim, para todo n ∈ N, existe xn ∈ V 1 tal que |f(xn ) − c| < .
n n
1 1
Como xn ∈ X, 0 < |xn − a| < e |f(xn ) − c| < para todo n ∈ N,
n n
temos que (xn ) é uma seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e
f(xn ) −→ c. Logo, c é um valor de aderência de f no ponto a.

\
Corolário 5.1 VA(f; a) = f(Vδ ) .
δ>0

\
Corolário 5.2 VA(f; a) = f(V 1 ) .
n
n∈N

Prova.
\
Se c ∈ f(Vδ ), então c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0. Em particular, c ∈ f(V 1 )
n
δ>0
\
para todo n ∈ N. Logo, c ∈ f(V 1 ) .
n
n∈N
\
Suponhamos, agora, que c ∈ f(V 1 ).
n
n∈N

1
Dado δ > 0, existe n ∈ N, tal que < δ. Logo, V 1 ⊂ Vδ e, portanto,
n n

f(V 1 ) ⊂ f(Vδ ). Assim, f(V 1 ) ⊂ f(Vδ ) .


n n

Como c ∈ f(V 1 ) para todo n ∈ N, temos que c ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0.
n

Portanto,

Instituto de Matemática - UFF 183


Análise na Reta

\
c∈ f(Vδ ) = VA(f; a) ,
δ>0

ou seja, c é um valor de aderência de f no ponto a.

Corolário 5.3 O conjunto dos valores de aderência de f num ponto a ∈


X 0 é fechado. Se f é limitada numa vizinhança de a, então VA(f; a) é
compacto e não-vazio.

Prova.
Como VA(f; a) é uma interseção de conjuntos fechados, temos que VA(f; a)
é fechado.
Suponhamos que f é limitada numa vizinhança de a. Então existe n0 ∈ N
tal que f(V 1 ) é limitado. Logo, f(V 1 ) é fechado e limitado e, portanto,
n0 n0

compacto.

Seja Kn = f(V 1 ), n ∈ N. Como Kn ⊂ Kn0 para todo n ≥ n0 , temos


n

que (Kn )n≥n0 é uma seqüência decrescente de conjuntos compactos não-


\
vazios tal que VA(f; a) = Kn . Logo, pelo teorema 4.5 da parte 4,
n≥n0

temos que VA(f; a) é compacto e não-vazio.

Observação 5.2 Se f é ilimitada em qualquer vizinhança de a, isto é,


f(Vδ ) é ilimitado para todo δ > 0, então VA(f; a) pode não ser compacto.

1 1
Exemplo 5.2 Se f : R−{0} −→ R é a função definida por f(x) = sen ,
x x
então f é ilimitada em toda vizinhança de 0 e VA(f; 0) = R, que não é
compacto, pois é ilimitado.
1
De fato, 0 ∈ VA(f; 0), pois xn = −→ 0 e
2nπ
f(xn ) = 2πn sen(2πn) = 0 −→ 0.
Seja, agora, c > 0.
1 1
Afirmação: Dado n ∈ N, existe xn > 0 tal que xn < e sen = xn c .
n xn
1 1 c
De fato, como c − sen(nπ) = c−0= >0 e
nπ nπ nπ
1 π c
π c − sen(2πn + (4kn − 3) 2 ) = −1<0
2πn + (4kn − 3) 2 2πn + (4kn − 3) π2

184 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

para algum kn ∈ N, temos, pelo teorema do valor intermediário para


funções contı́nuas, que provaremos na próxima parte, que existe
 
1 1 1
xn ∈ π, tal que xn c − sen = 0.
2πn + (4kn − 3) 2 nπ xn

1
Logo, 0 < xn < e f(xn ) = c para todo n ∈ N. Assim, xn −→ 0 e
n
f(xn ) −→ c, ou seja, c ∈ VA(f; 0).
De modo análogo, se c < 0, dado n ∈ N, temos que
1 c
c − sen(nπ) = <0
nπ nπ
e
1 π c
 
c − sen 2πn + (4kn + 3) = +1>0
2πn + (4kn + 3) π2 2 2πn + (4k + 3) π2

para algum kn ∈ N.
Logo, pelo teorema do valor intermediário para funções contı́nuas, existe
 
1 1 1
xn ∈ π, tal que xn c − sen = 0.
2πn + (4kn + 3) 2 nπ xn

Assim, c ∈ VA(f; 0), pois xn −→ 0, f(xn ) = c −→ c e xn = 0 para todo


n ∈ N.

Observação 5.3 Também pode ocorrer que VA(f; a) seja vazio quando
f é ilimitada em toda vizinhança de a. Por exemplo, se f : R − {0} −→ R é
1
a função definida por f(x) = , então VA(f; a) = ∅.
x

Observação 5.4 Como VA(f; a) é compacto e não-vazio quando f é


limitada numa vizinhança de a, VA(f; a) possui um maior elemento e um
menor elemento.

Definição 5.3 Chamamos limite superior de f no ponto a ao maior valor


de aderência L de f no ponto a, e escrevemos:
lim sup f(x) = L .
x−→a

Chamamos limite inferior de f no ponto a ao menor valor de aderência `


de f no ponto a, e escrevemos:
lim inf f(x) = ` .
x−→a

Instituto de Matemática - UFF 185


Análise na Reta

1
Exemplo 5.3 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por f(x) = sen .
x
Então, pelo visto no exemplo 2.5, VA(f; 0) = [−1, 1].
Logo, lim sup f(x) = +1 e lim inf f(x) = −1 .
x−→0 x−→0

Observação 5.5 Às vezes escrevemos lim sup f(x) = +∞ para indi-
x−→a

car que f é ilimitada superiormente em toda vizinhança de a, e escreve-


mos lim inf f(x) = −∞ para indicar que f é ilimitada inferiormente em toda
x−→a
1 1
vizinhança de a. Por exemplo, para f(x) = sen , x 6= 0, do exemplo
x x
5.2, terı́amos lim sup f(x) = +∞ e lim inf f(x) = −∞.
x−→0 x−→0

Também, quando lim f(x) = ±∞, terı́amos


x→a

lim sup f(x) = lim inf f(x) = +∞ .


x−→a x−→a

Consideraremos, agora, o valor de aderência de f quando x → +∞


ou x → −∞.
• Dizemos que c ∈ VA(f; +∞), ou seja, que c é um valor de aderência
de f em +∞, quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X tal que
xn → +∞ e f(xn ) → c.
• Dizemos que c ∈ VA(f; −∞), ou seja, que c é um valor de aderência
de f em −∞, quando existe uma seqüência (xn ) de pontos de X tal que
xn → −∞ e f(xn ) → c.
Seja Vδ = X ∩ (δ, +∞), δ > 0, e Wδ = X ∩ (−∞, δ), δ < 0. Então,
\ \ \ \
VA(f; +∞) = f(Vδ ) = f(Vn ) e VA(f; −∞) = f(Wδ ) = f(Wn ) .
δ>0 n∈N δ<0 n∈N

A demonstração destes fatos faz-se de modo análogo ao caso finito.


• Dizemos que f é limitada numa vizinhança de +∞ quando existe δ > 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x > δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈ Vδ = X ∩ (δ, +∞).
• E dizemos que f é limitada numa vizinhanza de −∞ quando existe δ < 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x < δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈ Wδ = X ∩ (−∞, δ).

186 J. Delgado - K. Frensel


Valores de aderência de uma função, limsup e liminf

Como no caso finito, podemos provar que VA(f; +∞) e VA(f; −∞)
são compactos não-vazios quando f é limitada numa vizinhança de +∞
e −∞, respectivamente. Então, nestes casos, temos, também, o maior
e o menor valor de aderência, que serão denotados por lim sup f(x) e
x−→±∞

lim inf f(x), respectivamente.


x−→±∞

Os fatos que serão provados a seguir para VA(f; a) se estendem aos


valores de aderência no infinito com as devidas adaptações.
• Seja f limitada numa vizinhança Vδ0 de a, ou seja, f(Vδ0 ) é um conjunto
limitado. Então f(Vδ ) é limitado para todo δ ∈ (0, δ0 ].
Sejam as funções
L : (0, δ0 ] −→ R ` : (0, δ0 ] −→ R
δ 7−→ Lδ = sup f(x) e δ 7−→ `δ = inf f(x)
x∈Vδ x∈Vδ

Como Vδ ⊂ Vδ0 para δ ∈ (0, δ0 ], temos que `δ0 ≤ `δ ≤ Lδ ≤ Lδ0 para


todo δ ∈ (0, δ0 ].
Se 0 < δ 0 < δ 00 ≤ δ0 , então Vδ 0 ⊂ Vδ 00 e, portanto, `δ 00 ≤ `δ 0 e
Lδ 0 ≤ Lδ 00 , ou seja, δ 7−→ `δ é uma função monótona não-crescente e
δ 7−→ Lδ é uma função monótona não-decrescente.
Logo, pelo teorema 3.3, existem os limites lim `δ e lim Lδ , e
δ→0 δ→0

lim `δ = sup{`δ | δ ∈ (0, δ0 ]} e lim Lδ = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]} .


δ→0 δ→0

Teorema 5.2 Se f é limitada numa vizinhança de a, então


lim sup f(x) = lim Lδ e lim inf f(x) = lim `δ .
x−→a δ→0 x−→a δ→0

Prova.
Sejam L = lim sup f(x) e L0 = lim Lδ . Como L é valor de aderência de
x−→a δ→0

f no ponto a, então L ∈ f(Vδ ) para todo δ > 0. Logo, L ≤ Lδ para todo


δ ∈ (0, δ0 ], ou seja, L é uma cota inferior do conjunto {Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]}.
Assim, L ≤ L0 = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0 ]}.
Vamos provar, agora, que L0 é valor de aderência de f no ponto a.
1 1
 
Como L 1 = sup{f(x) | x ∈ V 1 }, existe xn ∈ V 1 = X ∩ a − , a + tal
n n n n n

Instituto de Matemática - UFF 187


1
que L 1 − < f(xn ) ≤ L 1 .
n n n

Então xn → a, xn ∈ X − {a}, e f(xn ) → L0 , pois lim L 1 = lim Lδ = L0 .


n→∞ n δ→0

Logo, L0 é valor de aderência de f no ponto a e, portanto, L0 ≤ L.


Provamos, assim, que L = L0 .
A igualdade lim inf f(x) = lim `δ se demonstra de maneira análoga.
x−→a δ→0

Teorema 5.3 Se f é limitada numa vizinhança de a, então


∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X, 0 < |x − a| < δ =⇒ ` − ε < f(x) < L + ε,
onde ` = lim inf f(x) e L = lim sup f(x).
x−→a x−→a

Prova.
Pelo teorema anterior, ` = lim `δ e L = lim Lδ . Então, dado ε > 0,
δ→0 δ→0

existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que ` − ε < `δ1 ≤ ` e L ≤ Lδ2 < L + ε.


Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, temos que ` − ε ≤ `δ1 ≤ `δ ≤ f(x) ≤ Lδ ≤ Lδ2 <
L + ε,
para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 5.6 Como no caso de seqüências, L é o menor número


que goza da propriedade acima, e ` é o maior número com a propriedade
acima.

Corolário 5.4 Seja f limitada numa vizinhança de a. Então existe x→a


lim f(x)

se, e só se, f possui um único valor de aderência no ponto a.

Prova.
(=⇒) Se lim f(x) = L então L é o único valor de aderência de f no ponto
x→a

a, pois se (xn ) é uma seqüência de pontos de X − {a} que converge para


a, temos, pelo teorema 1.7, que f(xn ) −→ L.

(⇐=) Se f possui um único valor de aderência no ponto a, então L = `.


Assim, pelo teorema anterior, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que
L − ε < f(x) < L + ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo,
L = lim f(x).
x→a

Instituto de Matemática - UFF 189


190 J. Delgado - K. Frensel
A noção de função contı́nua

Parte 6

Funções contı́nuas

1. A noção de função contı́nua

Definição 1.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto


a ∈ X, quando para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ X, |x − a| < ε.

Simbolicamente, f : X −→ R é contı́nua no ponto a se, e sómente


se:
∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X , |x − a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε

Observação 1.1 Em termos de intervalos, temos que f é contı́nua no


ponto a se, e só se:
• ∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; f(I ∩ X) ⊂ J, onde I = (a − δ, a + δ) e J = (f(a) − ε, f(a) + ε) .
ou
• Para todo intervalo aberto J contendo f(a) existe um intervalo aberto I
contendo a tal que f(I ∩ X) ⊂ J.

Definição 1.2 Dizemos que uma função f : X −→ R é contı́nua quando


é contı́nua em todos os pontos de X.

Observação 1.2 Se a é um ponto isolado de X, então toda função


f : X −→ R é contı́nua no ponto a.
De fato, seja δ0 > 0 tal que (a − δ0 , a + δ0 ) ∩ X = {a}.

Instituto de Matemática - UFF 191


Análise na Reta

Então, dado ε > 0, existe δ = δ0 > 0, tal que |f(x) − f(a)| < ε para todo
x ∈ X ∩ (a − δ0 , a + δ0 ) = {a}.
Em particular, se todos os pontos de X são isolados, então toda função
f : X −→ R é contı́nua.

Observação 1.3 Seja a ∈ X ∩ X 0 . Então f é contı́nua no ponto a se, e


só se, lim f(x) = f(a).
x→a

Então, se a ∈ X 0 , temos que lim f(x) = L se, e só se, a função


x→a

f(x), se x ∈ X − {a}
g : X ∪ {a} −→ R dada por g(x) =
L, se x = a

é contı́nua no ponto a.

Observação 1.4 Sejam Y ⊂ X e f : X −→ R. Se f é contı́nua num ponto


a ∈ Y, então f|Y é contı́nua no ponto a. Mas a recı́proca não é verdadeira.
Basta tomar f descontı́nua no ponto a e Y ⊂ X finito ou discreto com
a ∈ Y.

Exemplo 1.1 Toda função f : Z −→ R é contı́nua, pois todo ponto de Z


é isolado, ou seja, Z é um conjunto discreto.

1 1 1

Pela mesma razão, toda função f : 1, , , . . . , . . . −→ R é contı́nua.
2 3 n

1 1 1

Mas se Y = 0, 1, , , . . . , . . . , uma função f : Y −→ R é contı́nua se,
2 3 n
1
e só se, é contı́nua no ponto 0, ou seja, se, e só se, f(0) = lim f .
n→∞ n 

Os resultados enunciados abaixo decorrem dos fatos análogos já


demonstrados para limites na parte anterior e das observações 1.2 e 1.3
acima.

Teorema 1.1 Seja f : X −→ R contı́nua no ponto a ∈ X.


Se a ∈ Y ⊂ X e g = f|Y , então g é contı́nua no ponto a.
Em particular, toda restrição de uma função contı́nua é contı́nua.

Teorema 1.2 Sejam a ∈ X, f : X −→ R e g = f|Y , onde Y = I ∩ X e I é


um intervalo aberto que contém a.

192 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

Então f é contı́nua no ponto a se, e só se, g é contı́nua no ponto a.

Observação 1.5 Este resultado diz que a continuidade de uma função


f é uma propriedade local, ou seja, se f coincide com uma função contı́nua
no ponto a numa vizinhança do ponto a, então f também é contı́nua no
ponto a.

Teorema 1.3 Se f é contı́nua no ponto a ∈ X, então f é limitada numa


vizinhança de a, ou seja, existe δ > 0 tal que f(Uδ ) é limitado, onde
Uδ = X ∩ (a − δ, a + δ).

Teorema 1.4 Se f, g : X −→ R são contı́nuas no ponto a ∈ X, e f(a) <


g(a), então existe δ > 0 tal que f(c) < g(x) para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Corolário 1.1 Sejam K ∈ R e f : X −→ R uma função contı́nua no


ponto a ∈ X. Se f(a) < K, então existe δ > 0 tal que f(x) < K para todo
x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Prova.
Dado ε = K − f(a) > 0, existe δ > 0 tal que f(a) − ε < f(x) < f(a) + ε = K
para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 1.6 De modo análogo, podemos provar que:


• se f(a) > K, então existe δ > 0 tal que f(x) > K ∀ x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
• se f(a) 6= K, então existe δ > 0 tal que f(x) 6= K ∀ x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Observação 1.7 Sejam f : X −→ R uma função contı́nua e K ∈ R.


Então, A = {x ∈ X | f(x) > K} é a interseção de X com um conjunto U
aberto em R.
De fato, seja a ∈ A, ou seja, f(a) > K. Então, pelo corolário acima, existe
δa > 0 tal que f(x) > K para todo x ∈ X ∩ Ia , onde Ia = (a − δa , a + δa ).
[
Seja U = Ia . Então, U é aberto e A = U ∩ X, pois U ∩ X ⊂ A e
a∈A

A ⊂ U ∩ X.
• Em particular, se X é aberto, então A é aberto.

Instituto de Matemática - UFF 193


Análise na Reta

Teorema 1.5 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, lim f(xn ) = f(a) para toda seqüência (xn ) de pontos de X que
n→∞
converge para a.

Corolário 1.2 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, lim f(xn ) existe e independe da seqüência (xn ) de pontos de X
x→∞

com lim xn = a.
n→∞

Corolário 1.3 Uma função f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X se,


e só se, existe lim f(xn ) para toda seqüência (xn ) de pontos de X com
n→∞

lim xn = a.
n→∞

Teorema 1.6 Se f, g : X −→ R são contı́nuas no ponto a ∈ X, então


f
f ± g e f · g são contı́nuas em a. Se g(a) 6= 0, então : X0 −→ R é
g
contı́nua em a, onde X0 = {x ∈ X | g(x) 6= 0}.

Em particular, se f é contı́nua no ponto a ∈ X, então cf é contı́nua


1
em a, onde c ∈ R. E, se f(a) 6= 0, então é contı́nua em a.
f

Teorema 1.7 Se f : X −→ R é contı́nua no ponto a ∈ X e g : Y −→ R é


contı́nua no ponto b = f(a) e f(X) ⊂ Y, então g ◦ f : X −→ R é contı́nua
no ponto a.

Em particular, a composta de duas funções contı́nuas é contı́nua no


seu domı́nio de definição.

Observação 1.8 A restrição de uma função f : X −→ R a um subcon-


junto Y ⊂ X é um caso particular de função composta, pois f|Y = f ◦ i :
Y −→ R, onde i : Y −→ R é a inclusão, ou seja, i(y) = y para todo y ∈ Y.

Observação 1.9 Como a função identidade x 7−→ x é contı́nua, temos,


pelo teorema 1.6, que a função x 7−→ xn é contı́nua para todo n ∈ N.
Pelo mesmo teorema, temos que toda função polinomial p : R −→ R,
p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 , é contı́nua, e, portanto, toda função racional

194 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

p(x)
f(x) = , onde p e q são funções polinomiais, é contı́nua nos pontos
q(x)
onde o denominador q não se anula.

x + 1, se x ≥ 5
Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
16 − 2x, se x < 5

Então, f é contı́nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 5) ∪ (5, +∞),


pois f restrita ao conjunto aberto (−∞, 5) coincide com a função contı́nua
x 7−→ x + 1 e f restriga ao conjunto aberto (5, +∞) coincide com a função
contı́nua x 7−→ 16 − 2x.
Além disso, f também é contı́nua no ponto 5, pois
lim f(x) = lim− f(x) = 6 = f(5) .
x→5+ x→5

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R definida por




 x , se x 6= 0
f(x) = |x|

1 , se x = 0 .

Então f é contı́nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 0) ∪ (0, +∞),


mas não é contı́nua em x = 0, pois lim+ f(x) = 1 6= lim− f(x) = −1, ou
x→0 x→0

seja, não existe lim f(x).


x→0

Observação 1.10 O motivo que assegura a continuidade da função do


exemplo 1.2, mas permite a descontinuidade da função do exemplo 1.3, é
fornecido pelo teorema abaixo.

Teorema 1.8 Sejam f : X −→ R e X ⊂ F1 ∪F2 , onde F1 e F2 são conjuntos


fechados. Se f|X∩F1 e f|X∩F2 são contı́nuas então f é contı́nua.

Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Precisamos analisar três casos:
(1) a ∈ F1 ∩ F2
Como f|X∩F1 e f|X∩F2 são contı́nuas no ponto a, existem δ1 > 0 e δ2 > 0
tais que:

Instituto de Matemática - UFF 195


Análise na Reta

|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ1 , a + δ1 ) ,


e
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F2 ) ∩ (a − δ2 , a + δ2 ) .
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então,


∀ x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ), a + δ)


|f(x) − f(a)| < ε e



∀ x ∈ (X ∩ F ) ∩ (a − δ), a + δ) .
2

Mas, como X ⊂ F1 ∩ F2 , temos que


( (X ∩ F1 ) ∪ (X ∩ F2 ) ) ∩ (a − δ, a + δ) = ( X ∩ (F1 ∪ F2 ) ) ∩ (a − δ, a + δ)
= X ∩ (a − δ, a + δ)

Logo, |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) .


(2) a ∈ F1 e a 6∈ F2 .
Como f|X∩F1 é contı́nua no ponto a, existe δ1 > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ1 , a + δ1 ).
Além disso, como a 6∈ F2 e F2 é fechado, existe δ2 > 0 tal que (a − δ2 , a +
δ2 ) ∩ F2 = ∅.
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então, se x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) temos que
|f(x) − f(a)| < ε, pois
X ∩ (a − δ, a + δ) = ((X ∩ F1 ) ∩ (a − δ, a + δ)) ∪ ((X ∩ F2 ) ∩ (a − δ, a + δ))
= (X ∩ F1 ) ∩ (a − δ, a + δ),

já que (X ∩ F2 ) ∩ (a − δ, a + δ) = ∅ .
(3) a ∈ F2 e a 6∈ F1 .
Este caso prova-se de modo análogo ao anterior.

Corolário 1.4 Sejam f : X −→ R e X = F1 ∪ F2 , onde F1 e F2 são conjun-


tos fechados. Se f|F1 e f|F2 são contı́nuas então f é contı́nua.

Observação 1.11 O teorema 1.8 e o corolário 1.4 são válidos também


quando se tem um número finito de conjuntos fechados. Mas, para uma
infinidade de conjuntos, o resultado é, em geral, falso.
Por exemplo, para uma função f : X −→ R que não é contı́nua num ponto

196 J. Delgado - K. Frensel


A noção de função contı́nua

[
x0 ∈ X, temos X = {x}, com {x} fechado, e f|{x} contı́nua em x, para
x∈X

todo x ∈ X.

Observação 1.12 No exemplo 1.2, R = F ∪ G, onde F = (−∞, 5] e


G = [5, +∞) são fechados. Como f|F e f|G são contı́nuas, temos que f é
contı́nua.
Mas, no exemplo 1.3, R = A ∪ B, onde A = (−∞, 0) e B = [0, +∞), f|A
e f|B são contı́nuas e f não é contı́nua no ponto 0. Isso ocorre porque A
não é fechado.
[
Teorema 1.9 Sejam f : X −→ R e X ⊂ Aλ uma cobertura de X por
λ∈L

meio de abertos Aλ , λ ∈ L. Se f|Aλ ∩X é contı́nua para todo λ ∈ L, então f


é contı́nua.

Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Então existe λ0 ∈ L tal que a ∈ Aλ0 .
Como Aλ0 é aberto, existe δ1 > 0 tal que (a − δ1 , a + δ1 ) ⊂ Aλ0 .
Além disso, como f|X∩Aλ0 é contı́nua no ponto a, existe δ2 > 0 tal que
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩ Aλ0 ) ∩ (a − δ2 , a + δ2 ) .
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0. Então,
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩ Aλ0 ) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a − δ, a + δ),
pois (a − δ, a + δ) ⊂ Aλ0 . Logo, f é contı́nua no ponto a.
[
Corolário 1.5 Sejam f : X −→ R e X = Aλ , onde cada Aλ é aberto.
λ∈L

Se f|Aλ é contı́nua para todo λ ∈ L, então f é contı́nua.

Exemplo 1.4 Seja f : R − {0} −→ R a função definida por:



1, se x ∈ (0, +∞)
f(x) =
−1, se x ∈ (−∞, 0) .

Então f : R − {0} −→ R é contı́nua, pois R − {0} = (−∞, 0) ∪ (0, +∞), os


conjuntos A = (−∞, 0) e B = (0, +∞) são abertos e as funções f|A e f|B
são contı́nuas.

Instituto de Matemática - UFF 197


Análise na Reta

2. Descontinuidades

Definição 2.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é descontı́nua no


ponto a ∈ X quando f não é contı́nua no ponto a.

Ou seja, f é descontı́nua no ponto a se existe ε0 > 0 tal que para


todo δ > 0 existe xδ ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) tal que |f(xδ ) − f(a)| ≥ ε0 .

0, se x ∈ Q
Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a função f(x) =
1, se x ∈ R − Q .

Então f é descontı́nua em todos os pontos de R, pois não existe lim f(x)


x−→a

qualquer que seja a ∈ R.

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a função




0, se x ∈ R − Q


f(x) = 1, se x = 0



 1 , se x = p ∈ Q é uma fração irredutı́vel, com q > 0 .
q q

Pela observação 2.1 da parte 5, temos que lim g(x) = 0 para todo a ∈ R.
x→a

Logo, g é contı́nua nos números irracionais e descontı́nua nos racionais.

Ver o exercı́cio 18 do livro.


Mas não existe uma função f : R −→ R que seja contı́nua nos pontos
raiconais e descontı́nua nos pontos irracionais. 


0, se x = 0
Exemplo 2.3 Seja f : R −→ R definida por f(x) = x

x + , se x 6= 0 .
|x|

Então o ponto 0 é o único ponto de descontinuidade de f.

Exemplo 2.4 Sejam K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor e f : [0, 1] −→ R a


função definida por

0, se x ∈ K
f(x) =
1, se x 6∈ K .

Então o conjunto dos pontos de descontinuidade de f é K.

198 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

De fato, como A = [0, 1] − K é aberto e f|A ≡ 1 é constante, temos que f é


contı́nua em todos os pontos de A.
Mas, como int K = ∅, para cada x ∈ K, existe uma seqüência (xn ) de
pontos de A com lim xn = x.
n→∞

Então, lim f(xn ) = 1 6= 0 = f(x).


n→∞

Logo, f é descontı́nua em todos os pontos de K.

Definição 2.2 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade


de primeira espécie no ponto a ∈ X quando f é descontı́nua em a, mas
existe lim+ f(x) se a ∈ X+0 e existe lim− f(x) se a ∈ X−0 .
x→a x→a

Definição 2.3 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade de


segunda espécie no ponto a ∈ X se f é descontı́nua no ponto a quando

• a ∈ X+0 e lim+ f(x) não existe


x→a
ou
• a ∈ X−0 e lim− f(x) não existe.
x→a

Exemplo 2.5 Seja f : R −→ R a função




0, se x ∈ R − Q


f(x) = 1, se x = 0



 1 , se x = p ∈ Q é uma fração irredutı́vel, com q > 0 .
q q

Como lim f(x) = 0 para todo a ∈ R, todas as descontinuidades de f são


x→a

de primeira espécie.
Neste exemplo, os limites laterais nos pontos de descontinuidade existem
e são iguais, mas são diferentes do valor da função nesses pontos.

Exemplo 2.6 No exemplo 2.3, o zero é um ponto de descontinuidade


de primeira espécie, pois, os limites laterais existem nesse ponto, embora
sejam diferentes.

Exemplo 2.7 No exemplo 2.1, todos os números reais são desconti-


nuidades de segunda espécie, pois não existem os limites lim f(x) e
x−→a+

lim f(x) para todo a ∈ R.


x−→a−

Instituto de Matemática - UFF 199


Análise na Reta

Exemplo 2.8 No exemplo 2.4, todos os pontos do conjunto de Cantor


são descontinuidades de segunda espécie, pois ou não existe lim+ f(x)
x→a

ou não existe lim− f(x), para todo a ∈ K.


x→a

De fato:
• se a é a extremidade superior de um dos intervalos abertos retirados na
construção do conjunto de Cantor K, temos que a ∈ K+0 e a ∈ A+0 , pois
int K = ∅ (lembre que A = [0, 1] − K), então, existem sequências (xn ) e
(yn ) tais que xn ∈ K, xn > a, yn ∈ [0, 1] − K = A, yn > a, xn → a e
yn → a.
Logo, f(xn ) → 0 e f(yn ) → 1. Portanto, não existe lim+ f(x), apesar
x→a

de existir lim− f(x) = 1, pois a é a extremidade superior de um intervalo


x→a

aberto contido em A.
• se a = 0, não existe o limite lim+ f(x) pelo mesmo motivo exposto acima,
x→0

e lim− f(x) não faz sentido, pois 0 6∈ [0, 1]−0 é o domı́nio da função.
x→0

• se a é a extremidade inferior de um dos intervalos retirados na cons-


trução do conjunto K, temos que a ∈ K−0 e a ∈ A−0 , pois intK = ∅, então,
existem seqüências (xn ) de pontos de K e (yn ) de pontos de A tais que
xn < a, yn < a, xn → a e yn → a. Logo, lim f(xn ) = 0 e lim f(yn ) = 1.
n→∞ n→∞

Portanto, não existe lim− f(x), mas existe lim+ f(x) = 1, pois a é a extre-
x→a x→a

midade inferior de um intervalo aberto contido em A.


• se a = 1, o limite lim− f(x) não existe pelo mesmo motivo exposto acima,
x→1

e lim+ f(x) não faz sentido, pois 1 6∈ ([0, 1])+0 .


x→1

• se a não é extremidade de intervalo algum retirado na construção de K,


então a ∈ K−0 ∩ K+0 e a ∈ A−0 ∩ A+0 , pois int K = ∅.
Logo, não existem lim+ f(x) e lim− f(x).
x→a x→a

Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a função



sen 1 , se x 6= 0
x
f(x) =
a, se x = 0 .

200 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

Então, para qualquer a ∈ R, o zero é um ponto de descontinuidade de


segunda espécie, pois os limites laterais à esquerda e à direita em 0 não
existem.

Exemplo 2.10 Seja f : R −→ R a função




sen 1
, se x 6= 0
1
f(x) = 1 + ex

0, se x = 0 .

Então, 0 é o único ponto de descontinuidade de f e é de primeira espécie,


pois lim+ f(x) = 0 = f(0) e lim− f(x) = sen 1 6= f(0).
x→0 x→0

 1

 sen( x1) , se x 6= 0
Exemplo 2.11 Seja f : R −→ R a função f(x) = 1 + ex

0, se x = 0 .

Então, 0 é a única descontinuidade de f e é de segunda espécie, pois


 1 
lim f(x) = 0 = f(0), mas lim− f(x) não existe, já que f − −→ 0 e
x→0+ x→0 2πn
 
1
f − π −→ −1 .
2πn + 2

Exemplo 2.12 Seja f : R −→ R a função dada por



0, se x ∈ R− ∪ (R+ ∩ Q)
f(x) =
1, se x ∈ (R − Q).
+

Então lim− f(x) = f(0) = 0, mas não existe lim+ f(x). Logo, 0 é um ponto
x→0 x→0

de descontinuidade de segunda espécie, no qual um dos limites laterais


existe.

Teorema 2.1 Uma função monótona f : X −→ R não admite desconti-


nuidades de segunda espécie.

Prova.
Se a ∈ X é um ponto isolado, então f é contı́nua em a. Seja a ∈ X ∩ X 0 .
Se a ∈ X ∩ X+0 , então existe δ > 0 tal que a + δ ∈ X. Logo, f|X∩[a,a+δ] é
limitada e monótona e, portanto, existe lim+ f(x).
x→a

Instituto de Matemática - UFF 201


Análise na Reta

Se a ∈ X ∩ X−0 , então existe δ > 0 tal que a − δ ∈ X. Logo f|X∩[a−δ,a] é


limitada e monótona e, portanto, existe lim− f(x).
x→a

Logo, para todo a ∈ X ∩ X 0 , existem os limites laterais que façam sentido


nesse ponto.

Teorema 2.2 Seja f : X −→ R monótona. Se f(X) é denso em algum


intervalo I, então f é contı́nua.

Prova.
Se a é ponto isolado de X, então f é contı́nua em a.
Seja a ∈ X ∩ X 0 . Se a ∈ X ∩ X+0 , existe lim+ f(x) = f(a+ ) e se a ∈ X ∩ X−0 ,
x→a

existe lim− f(x) = f(a ), pelo teorema anterior.
x→a

Afirmação: f(a+ ) = f(a) se a ∈ X ∩ X+0 e f(a− ) = f(a) se a ∈ X ∩ X−0 .


Suponhamos que f é não-decrescente.
Nesse caso, f(a+ ) = inf{f(x) | x > a}. Como f(a) ≤ f(x) para todo x > a,
x ∈ X, temos que f(a) ≤ f(a+ ).
Vamos supor, por absurdo, que f(a) < f(a+ ).
Seja I um intervalo que contém f(X), ou seja, f(X) ⊂ I.
Como a ∈ X+0 , existe x > a tal que x ∈ X. Sendo f(x) ≥ f(a+ ), temos que
( f(a), f(a+ ) ) ⊂ I, pois ( f(a), f(a+ ) ) ⊂ ( f(a), f(x) ) e f(a), f(x) ∈ f(X).
Mas ( f(a), f(a+ ) ) ∩ f(X) = ∅, pois se x < a, f(x) ≤ f(a) e se x > a,
f(x) ≥ f(a+ ).

Então, se f(X) é denso em I, ou seja, f(X) ⊂ I e I ⊂ f(X), chegamos


1
a uma contradição, pois ( f(a) + f(a+ ) ) ∈ I e ( f(a), f(a+ ) ) é um inter-
2
1
valo aberto que contém ( f(a) + f(a+ ) ) tal que ( f(a), f(a+ ) ) ∩ f(X) = ∅.
2
Logo, f(a+ ) = f(a).
De modo análogo, podemos provar que f(a− ) = f(a) se a ∈ X−0 .
Logo, f é contı́nua em todos os pontos de X.

Corolário 2.1 Se f : X −→ R é monótona e f(X) é um intervalo, então f


é contı́nua.

202 J. Delgado - K. Frensel


Descontinuidades

Exemplo 2.13 Seja f : R −→ R a função dada por



x, se x ∈ Q
f(x) =
−x, se x ∈ R − Q .

Então f é contı́nua apenas no ponto 0, pois:


• se a ∈ Q − {0}, existe uma seqüência (xn ), xn ∈ R − Q, tal que xn −→ a
e f(xn ) = −xn −→ −a 6= a = f(a) ,
e
• se a ∈ R − Q, existe uma seqüência (xn ), xn ∈ Q, tal que xn → a e
f(xn ) = xn → a 6= −a = f(a).
Além disso, f é uma bijeção, ou seja, f é injetiva e f(R) = R. Em particular,
f(R) é um intervalo. Isto só é possı́vel porque f não é monótona.

• Seja f : X −→ R uma função cujas descontinuidades são todas de


primeira espécie. Seja σ : X −→ R a função definida por


max { |f(x) − f(x+ )| , |f(x) − f(x− )| } , se x ∈ X+0 ∩ X−0





|f(x) − f(x+ )|, se x ∈ X+0 e x 6∈ X−0
σ(x) =

|f(x) − f(x− )|, se x ∈ X−0 e x 6∈ X+0





0, se x é um ponto isolado de X ,

onde f(a+ ) = lim+ f(x) e f(a− ) = lim− f(x).


x→a x→a

O valor σ(x) é chamado o salto de f no ponto x.

Observação 2.1 Se a ≤ f(x) ≤ b para todo x ∈ X, então 0 ≤ σ(x) ≤


b − a. De fato:
• Se x0 ∈ X+0 , existe uma seqüência (xn ), xn > x0 , xn ∈ X, tal que
f(xn ) −→ f(x+
0 ).

Logo, |f(x0 ) − f(x+


0 )| ≤ b − a, pois |f(x0 ) − f(xn )| ≤ b − a para todo n ∈ N.

• Se x0 ∈ X−0 , existe uma seqüência (xn ), xn < x0 , xn ∈ X, tal que f(xn ) →


f(x−
0 ).

Logo, |f(x0 ) − f(x−


0 )| ≤ b − a, pois |f(x0 ) − f(xn )| ≤ b − a para todo n ∈ N.

Observação 2.2 σ(x) > 0 se, e só se, x é uma descontinuidade de f.

Instituto de Matemática - UFF 203


Análise na Reta

Teorema 2.3 Seja f : X −→ R uma função cujas descontinuidades são


todas de primeira espécie. Então o conjunto dos pontos de descontinui-
dade de f é enumerável.

Prova.


1

Para cada n ∈ N, seja Dn = x ∈ X σ(x) ≥ .

n
Então o conjunto dos pontos de descontinuidade de f é
[
D= Dn .
n∈N

Se provamos que, para todo n ∈ N, o conjunto Dn só possui pontos isola-


dos, então Dn é enumerável e, portanto, D será enumerável.

Afirmação: Para todo n ∈ N, Dn só possui pontos isolados.


1
Seja a ∈ Dn , ou seja, σ(a) ≥ . Então a ∈ X 0 , pois f é descontı́nua em a.
n
Suponhamos que a ∈ X+0 .
Pela definição de limite lateral à direita, existe δ > 0 tal que
1 1
f(a+ ) − < f(x) < f(a+ ) + ,
4n 4n
para todo x ∈ (a, a + δ) ∩ X.
1 1
Então, σ(x) < < para todo x ∈ (a, a+δ)∩X. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
2n n
Se a 6∈ X+0 , existe δ > 0 tal que (a, a+δ)∩X = ∅. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Assim, para todo a ∈ X 0 , existe δ > 0 tal que (a, a + δ) ∩ Dn = ∅.
De modo análogo, podemos provar que para todo a ∈ X 0 existe δ > 0 tal
que (a − δ, a) ∩ Dn = ∅.
Então, se a ∈ Dn , existe δ > 0 tal que (a − δ, a + δ) ∩ Dn = {a}, ou seja a
é um ponto isolado de Dn .

Corolário 2.2 Seja f : X −→ R uma função monótona. Então o conjunto


dos pontos de descontinuidade de f é enumerável.

Prova.
Pelo teorema 2.1, todas as descontinuidades de f são de primeira espécie.

204 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em intervalos

3. Funções contı́nuas em intervalos

Teorema 3.1 (Teorema do valor intermediário)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se f(a) < d < f(b) então existe c ∈ (a, b)
tal que f(c) = d.

Prova.
Primeira demonstração.
Como f é contı́nua no ponto a, dado ε = d − f(a) > 0, existe δ > 0,
δ < b − a, tal que f(x) < f(a) + ε = d para todo x ∈ [a, a + δ).
Então A = { x ∈ (a, b) | f(x) < d } 6= ∅, pois (a, a + δ) ⊂ A, e é aberto, pela
observação 1.7.
Como f também é contı́nua no ponto b, dado ε = f(b)−d > 0 existe δ > 0,
δ < b − a, tal que d = f(b) − ε < f(x) para todo x ∈ (b − δ, b]. Então o
conjunto B = {x ∈ (a, b) | f(x) > d} é não-vazio, pois (b − δ, b) ⊂ B, e é
aberto, pela observação 1.7.
Se não existir c ∈ (a, b) tal que f(c) = d, terı́amos (a, b) = A ∪ B, o que é
absurdo pela unicidade da decomposição de um aberto como reunião de
intervalos abertos dois a dois disjuntos, já que A 6= ∅, B 6= ∅ e (a, b) é
um intervalo aberto (ver corolário 1.1 da parte 4).

Segunda demonstração.
Seja A = {x ∈ [a, b] | f(x) < d}. Então, A é limitado e não-vazio, já que
f(a) < d. Seja c = sup A.

Afirmação: c 6∈ A.
Suponhamos, por absurdo, que c ∈ A, ou seja, que f(c) < d.
Como c ≤ b e f(b) > d, temos que a ≤ c < b. Sendo f contı́nua em c,
dado ε = d − f(c) > 0, existe δ > 0, δ < b − c, tal que f(x) < f(c) + ε = d
para todo x ∈ [c, c + δ) ⊂ [a, b), o que é absurdo, pois c é o supremo de
A e (c, c + δ) ⊂ A.
Além disso, como c é o limite de uma seqüência de pontos xn ∈ A, temos
f(c) = lim f(xn ) ≤ d.
n→∞

Logo, f(c) = d, pois c 6∈ A, ou seja, f(c) ≥ d.

Instituto de Matemática - UFF 205


Análise na Reta

Observação 3.1 O teorema continua válido quando f(b) < d < f(a).

Corolário 3.1 Seja f : I −→ R uma função contı́nua num intervalo I


qualquer. Se a < b pertencem a I e f(a) < d < f(b) (ou f(b) < d < f(a)),
então existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.

Prova.
Basta restringir f ao intervalo [a, b] e aplicar o teorema anterior.

Corolário 3.2 Seja f : I −→ R uma função contı́nua num intervalo I.


Então f(I) é um intervalo.

Prova.
Sejam α = inf{f(x) | x ∈ I} e β = sup{f(x) | x ∈ I}.
Podemos ter α = −∞ se f é ilimitada inferiormente, e β = +∞ se f é
ilimitada superiormente.

Afirmação: f(I) é um intervalo, cujos extremos são α e β.


Seja α < y < β. Então, pelas definições de sup e inf, ou pela definição
de conjunto ilimitado, quando um dos extremos α ou β é infinito ou ambos
são infinitos, existem a, b ∈ I tais que f(a) < y < f(b). Pelo Teorema do
Valor Intermediário, existe x entre a e b tal que f(x) = y, ou seja, y ∈ f(I).


Observação 3.2 No corolário acima, podemos ter f(I) = [α, β], f(I) =
(α, β], f(I) = [α, β) ou f(I) = (α, β).

Exemplo 3.1 Seja f : (−1, 3) −→ R dada por f(x) = x3 . Então, f((−1, 3)) =
[0, 9).

Observação 3.3 Se I é um intervalo e f : I −→ R é uma função


contı́nua tal que f(I) ⊂ Z, então f é constante, pois todo intervalo con-
tido em Z é degenerado. Mais geralmente:
• Se f : X −→ R é contı́nua, f(X) ⊂ Y e int Y 6= ∅, então f é constante em
cada intervalo contido em X.

Observação 3.4 Seja p : R −→ R, p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 , an 6= 0

206 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em intervalos

um polinômio de grau n ı́mpar. Então, p possui uma raı́z real, ou seja,


existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Suponhamos que an > 0. Se a0 = 0, temos p(0) = 0. Caso contrário,
para todo x 6= 0, p(x) = an xn r(x), onde
an−1 1 a 1 a 1
r(x) = 1 + + . . . + 1 n−1 + 0 n .
an x an x an x

Como lim r(x) = 1, lim an xn = +∞ e lim an xn = −∞, temos que


x→±∞ x→∞ x→−∞

lim p(x) = +∞ e lim p(x) = −∞. Logo, p(R) = R, pois p(R) é um


x→+∞ x→−∞

intervalo ilimitado superior e inferiormente.


Ou seja, p é sobrejetiva. Então para todo d ∈ R existe c ∈ R tal que
p(c) = d. Em particular, existe c ∈ R tal que p(c) = 0.

Exemplo 3.2 Para cada n ∈ N, seja f : [0, +∞) −→ [0, +∞) a função
definida por f(x) = xn .
Como f é contı́nua, f(0) = 0 e lim xn = +∞, temos que
x→+∞

f([0, +∞)) = [0, +∞),


ou seja, f é sobrejetiva. Além disso, f é crescente e, portanto, injetiva.
Então f : [0, +∞) −→ [0, +∞) é uma bijeção contı́nua.

Assim, dado y ≥ 0 existe um único x ≥ 0, que denotamos por x = n y, tal
n
que x = y.

A inversa g da função f, g : [0, +∞) −→ [0, +∞), g(y) = n y, é também
contı́nua e crescente, pelo teorema que provaremos abaixo.

Teorema 3.2 Seja f : I −→ R uma função contı́nua, injetiva, definida


num intervalo I. Então f é monótona, sua imagem J = f(I) é um intervalo
e sua inversa f−1 : J −→ I é contı́nua.

Prova.
Para verificar que f é monótona, basta provar que f é monótona em todo
intervalo limitado e fechado [a, b] ⊂ I.
Como f é injetiva, temos f(a) 6= f(b).
Vamos supor que f(a) < f(b).

Afirmação: A função f é crescente.

Instituto de Matemática - UFF 207


Análise na Reta

Suponhamos, por absurdo, que existem x, y ∈ [a, b] tais que x < y e


f(x) > f(y). Há, então, duas possibilidades: f(a) < f(y) ou f(a) > f(y).
1o caso: f(a) < f(y) < f(x).
Pelo Teorema do Valor Intermediário, existe c ∈ (a, x) tal que f(c) = f(y),
o que é absurdo, pois c < y e f é injetiva.
2o caso: f(y) < f(a) < f(b).
Pelo Teorema do Valor Intermediário, existe c ∈ (y, b) tal que f(c) = f(a),
o que é absurdo, pois c > a e f é injetiva.
Logo, f é monótona e J = f(I) é um intervalo, pois f é contı́nua. Então,
f : I −→ J é uma bijeção contı́nua e monótona.
Além disso, f−1 : J −→ I é também monótona, pois se y < z, y, z ∈ J, então
f−1 (y) < f−1 (z) se f é crescente e f−1 (y) > f−1 (z) se f é decrescente, já
que y = f(f−1 (y)) < z = f(f−1 (z)).

Então, pelo corolário 2.1, f−1 : J −→ I é contı́nua, pois f−1 é monótona e


f−1 (J) = I é um intervalo.

Observação 3.5 Se f : I −→ R é contı́nua, injetiva e, portanto, monótona,


então o intervalo J = f(I) é do mesmo tipo (aberto, fechado, semi-aberto)
do intervalo I.
Mas, um dos intervalos I e J pode ser ilimitado e o outro limitado.
1
Por exemplo, para a função f : (0, 1] −→ R dada por f(x) = , temos
x
f((0, 1]) = [1, +∞).

Definição 3.1 Sejam X, Y ⊂ R. Uma bijeção contı́nua f : X −→ Y, cuja


inversa f−1 : Y −→ X também é contı́nua, chama-se um homeomorfı́smo
entre X e Y

• Pelo teorema anterior, se f : I −→ R é uma bijeção contı́nua definida


num intervalo I, então f(I) = J é um intervalo e f−1 : J −→ I é também
contı́nua, ou seja f : I −→ J é um homeomorfismo.
Mas, nem toda bijeção contı́nua f : X −→ Y tem inversa contı́nua.
Por exemplo, seja f : X = [0, 1)∪[2, 3] −→ Y = [1, 3] definida por f(x) = x+1
se x ∈ [0, 1) e f(x) = x se x ∈ [2, 3).

208 J. Delgado - K. Frensel


Funções contı́nuas em conjuntos compactos

Então, f é uma bijeção contı́nua e crescente, mas a função inversa


f−1 : [1, 3] −→ [0, 1) ∪ [2, 3] é descontı́nua no ponto 2. De fato, como
f−1 (y) = y se y ∈ [2, 3) e f−1 (y) = y − 1 se y ∈ [1, 2), então f−1 (2) = 2 e
lim f−1 (y) = 1 6= f−1 (2).
y−→2−

4. Funções contı́nuas em conjuntos compac-


tos

Teorema 4.1 Seja f : X −→ R uma função contı́nua. Se X é compacto


então f(X) é compacto.

Prova.
Primeira demonstração.
[
Seja (Aλ )λ ∈ L uma cobertura aberta de f(X), ou seja, f(X) ⊂ Aλ e
λ∈L

cada Aλ , λ ∈ L, é aberto.
Então, para todo x ∈ X, existe λx ∈ L tal que f(x) ∈ Aλx .
Como f é contı́nua, para cada x ∈ I, existe um intervalo aberto Ix centrado
em x tal que f(Ix ∩ X) ⊂ Aλx .
[
Logo, como X ⊂ Ix e X é compacto, existem x1 , . . . , xn ∈ X tais que
x∈X

X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Assim, f(X) ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪ Aλxn , o que prova a compacidade de f(X).

Segunda demonstração.
Seja (yn ) uma sequência de pontos de f(X).
Para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tal que f(xn ) = yn . Como X é compacto,
(xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N que converge para um ponto x ∈
X.
Então, pela continuidade de f, temos que ynk = f(xnk ) −→ f(x), ou
seja, (yn ) possui uma subseqüência que converge para um ponto de f(X).
Logo, f(X) é compacto.

Instituto de Matemática - UFF 209


Análise na Reta

Corolário 4.1 (Weierstrass)


Toda função contı́nua f : X −→ R definda num compacto X é limitada e
atinge seus valores extremos, ou seja, existem x1 , x2 ∈ X tais que
f(x1 ) ≤ f(x) ≤ f(x2 ) ,
para todo x ∈ X.

Prova.
Pelo teorema acima, f(X) é compacto e, portanto, limitado e fechado.
Então, inf f(X) e sup f(X) existem e pertencem a f(X), ou seja, existem
x1 , x2 ∈ X tais que f(x1 ) = inf f(X) e f(x2 ) = sup f(X).

1
Exemplo 4.1 A função f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = é
1 − x2
contı́nua, mas não é limitada, pois f((−1, 1)) = [1, +∞). Isto é possı́vel,
porque o domı́nio (−1, 1) não é compacto, pois, apesar de ser limitado,
não é fechado.

Exemplo 4.2 A função f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = x é contı́nua


e limitada, mas não possui um ponto de máximo nem de mı́nimo em seu
domı́nio. Observe que, nesse exemplo, o domı́nio (−1, 1) não é compacto,
já que não é fechado.

1
Exemplo 4.3 A função f : [0, +∞) −→ R definida por f(x) =
1 + x2
é contı́nua e limitada, pois f([0, +∞)) = (0, 1]. A função f assume seu
máximo 1 no ponto zero, mas não existe x ∈ [0, +∞) tal que
f(x) = 0 = inf{f(x) | x ∈ [0, +∞)}.
Isto é possı́vel porque o domı́nio de f não é compacto, pois, apesar de ser
fechado, não é limitado.

Observação 4.1 Dados a ∈ R e um subconjunto fechado não-vazio


F ⊂ R, existe x0 ∈ F tal que |a − x0 | ≤ |a − x| para todo x ∈ F.
Seja n ∈ N tal que K = [a−n, a+n]∩F 6= ∅. Como K é limitado e fechado,
K é compacto.
Seja f : K −→ R a função definida por f(x) = |a − x|. Sendo f contı́nua e K
compacto, existe x0 ∈ K tal que f(x0 ) = |a − x0 | ≤ f(x) = |a − x| para todo
x ∈ K.

210 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

Se x 6= K e x ∈ F, temos que |a − x| > n > |a − x0 |. Logo, |a − x0 | ≤ |a − x|


para todo x ∈ F.

Observação 4.2 Se F não é fechado e a ∈ F − F, então


inf{|a − x| | x ∈ F} = 0.

De fato, como a ∈ F, existe uma seqüência (xn ) de pontos de F tal que


xn −→ a.
Logo, |a − xn | −→ 0 e, portanto inf{|a − x| | x ∈ F} = 0.
Mas, como a 6∈ F, não existe x0 ∈ F tal que |a − x0 | ≤ |a − x| para todo
x ∈ F, pois, neste caso, |a − x0 | = inf{|a − x| | x ∈ X} = 0, ou seja, a = x0 , o
que é absurdo, pois a 6∈ F e x0 ∈ F.

Teorema 4.2 Seja X ⊂ R compacto. Se f : X −→ R é contı́nua e


injetiva, então Y = f(X) é compacto e f−1 : Y −→ R é contı́nua.

Prova.
Seja b = f(a) ∈ f(X) = Y e seja yn −→ b, onde yn = f(xn ) ∈ f(X).

Afirmação: xn = f−1 (yn ) −→ f−1 (b) = a.


Como X é compacto e xn ∈ X para todo n ∈ N, a sequência (xn ) é
limitada. Então, basta mostrar que a é o único valor de aderência da
sequência (xn ).
Seja (xnk )k∈N uma subseqüência de (xn ) que converge para a 0 ∈ R. Como
X é compacto, a 0 ∈ X. Logo, ynk = f(xnk ) −→ b e ynk = f(xnk ) −→ f(a 0 ),
pois f é contı́nua em a 0 . Então, b = f(a 0 ) = f(a) e, portanto, a 0 = a, pois
f é injetiva. 

5. Continuidade Uniforme

Definição 5.1 Dizemos que uma função f : X −→ R é uniformemente


contı́nua quando, para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
|x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.

Observação 5.1 Toda função uniformemente contı́nua é contı́nua.


De fato, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que

Instituto de Matemática - UFF 211


Análise na Reta

x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.


Se a ∈ X, temos que |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X, |x − a| < δ. Observe
que o número real positivo δ não depende do ponto a ∈ X, apenas de ε.

Observação 5.2 Uma função f : X −→ R não é uniformemente contı́nua


se, e só se, existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0 existem xδ , yδ ∈ X tais
que |xδ − yδ | < δ e |f(xδ ) − f(yδ )| ≥ ε0 .

Observação 5.3 Nem toda função contı́nua é uniformemente contı́nua.


1
Por exemplo, seja f : (0, +∞) −→ R dada por f(x) = . Então, f é
x
contı́nua, mas não é uniformemente contı́nua em (0, +∞).
De fato, sejam ε > 0 e δ > 0 dados.
1 δ
Sejam aδ ∈ R tal que 0 < aδ < δ e 0 < aδ < e bδ = a + . Então,
3ε 2
δ
|bδ − aδ | = <δe
2

1 1 2 1
|f(bδ ) − f(aδ )| = δ
− = −
δa + 2
aδ 2aδ + δ aδ
δ δ 1
= > = > ε.
aδ (2aδ + δ) 3δaδ 3aδ

Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ax + b, a 6= 0.


ε
Dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
|a|
ε
x, y ∈ R, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| = |c| |x − y| < |c| = ε.
|c|

Logo, f é uniformemente contı́nua em R.

Definição 5.2 Dizemos que uma função f : X −→ R é lipschitziana


quando existe uma constante c > 0 tal que |f(x)−f(y)| ≤ c |x−y| quaisquer
que sejam x, y ∈ X. A menor de tais constantes c > 0 é chamada a
constante de Lipschitz de f.

Exemplo 5.2 A função f : R −→ R, f(x) = ax + b, a 6= 0 é lipschitziana


em toda a reta com constante de Lipschitz c = |a|.

212 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

Observação 5.4 Toda função f : X −→ R lipschitziana é uniforme-


ε
mente contı́nua, pois dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
c
ε
x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| ≤ c|x − y| < c · = ε.
c

Exemplo 5.3 Se X ⊂ R é limitado, a função f : X −→ R, f(x) = x2 , é


lipschitziana. De fato, seja A > 0 tal que |x| ≤ A para todo x ∈ X. Então,
|f(x) − f(y)| = |x2 − y2 | = |x − y| |x + y| ≤ 2A|x − y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ A.
Mas, se X = R, a função f(x) = x2 não é sequer uniformemente contı́nua.
1 δ
De fato, dados ε = 1 e δ > 0, sejam xδ > e yδ = xδ + . Então,
δ 2
2 Exercı́cio.
δ δ δ2

|xδ − yδ | = < δ e |f(xδ ) − f(yδ )| = xδ + − x2δ = xδ δ + > xδ δ > 1 . Mostrar que a função f : R −→ R
2 2 4
dada por f(x) = xn não é uni-
 formemente contı́nua para todo
n > 1.

Teorema 5.1 Seja f : X −→ R uniformemente contı́nua. Se (xn ) é uma


seqüência de Cauchy em X, então ( f(xn )) é uma seqüência de Cauchy.

Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Como (xn ) é de Cauchy, existe n0 ∈ N tal que |xm −xn | < δ para m, n > n0 .
Logo, |f(xn ) − f(xm )| < ε para m, n > n0 , ou seja, (f(xn )) é uma seqüência
de Cauchy.

Corolário 5.1 Se f : X −→ R é uniformemente contı́nua, então existe


lim f(x) para todo a ∈ X 0 .
x→a

Prova.
Seja (xn ) uma seqüência de pontos de X − {a} tal que xn −→ a. Então,
pelo teorema anterior, (f(xn )) é de Cauchy e, portanto, convergente. Logo,
pelo corolário 1.4 da parte 5, existe lim f(x).
x→a

Observação 5.5 Para provar o corolário acima podemos usar também


o Critério de Cauchy para funções(teorema 1.9, parte 5).

Instituto de Matemática - UFF 213


Análise na Reta

De fato, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


δ
x, y ∈ X, |x − y| < =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
2
Então, se x, y ∈ X,
δ δ
|x − a| < e |y − a| < =⇒ |x − y| ≤ |x − a| + |a − y| < δ
2 2
=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .

Logo, existe lim f(x) para todo a ∈ X 0 .


x→a

1 1
Exemplo 5.4 As funções f, g : (0, 1] −→ R, f(x) = sen e g(x) = ,
x x
não são uniformemente contı́nuas, pois não existem lim g(x) e lim f(x),
x→0 x→0
0
no ponto 0 ∈ (0, 1] .

Observação 5.6 Uma função f : X −→ R não é uniformemente contı́nua


se, e só se, existem ε0 > 0 e duas seqüências (xn ), (yn ) de pontos de X
tais que |xn − yn | −→ 0 e |f(xn ) − f(yn )| ≥ ε0 para todo n ∈ N.

Exemplo 5.5 A função f : R −→ R, f(x) = x3 , não é uniformemente


1
contı́nua em R. De fato, existem ε = 3 e duas seqüências xn = n + e
n
1
yn = n tais que |xn − yn | = −→ 0 e
n
 3
1 n 2 n 1
|f(xn ) − f(yn )| = n +

− n3 = n3 + 3 + 3 2 + 3 − n3
n n n n
3 1
= 3n + + 3 ≥ 3 , para todo n ∈ N .
n n


Teorema 5.2 Seja X compacto. Então toda função contı́nua f : X −→ R


é uniformemente contı́nua.

Prova.
Primeira demonstração.
Dado ε > 0. Para cada x ∈ X existe δx > 0 tal que
ε
y ∈ X, |y − x| < 2δx =⇒ |f(y) − f(x)| <
2

214 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

[
Seja Ix = (x − δx , x + δx ). Então a cobertura aberta X ⊂ Ix admite uma
x∈X

subcobertura finita X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .


Seja δ = min{δx1 , . . . , δxn } > 0. Se x, y ∈ X e |x − y| < δ, tome j ∈ {1, . . . , n}
tal que x ∈ Ixj .

Então, |x − xj | < δxj e |y − xj | ≤ |y − x| + |x − xj | < δ + δxj ≤ 2δxj .


ε ε
Logo, |f(x) − f(xj )| < e |f(y) − f(xj )| < , donde |f(x) − f(y)| < ε.
2 2

Segunda demonstração.
Suponhamos que f não é uniformemente contı́nua.
Então existe ε0 > 0 tal que, para todo n ∈ N existem xn , yn ∈ X com
1
|xn − yn | < e |f(xn ) − f(yn )| ≥ ε0 .
n
Como X é compacto, a seqüência (xn ) possui uma subseqüência (xnk )k∈N
que converge para um ponto x ∈ X.
Então ynk −→ x, pois (xnk − ynk ) −→ 0.
Sendo f contı́nua, temos que lim f(xnk ) = lim f(ynk ) = f(x), o que
k→+∞ k→+∞

contradiz a desigualdade |f(xnk ) − f(ynk )| ≥ ε0 , para todo k ∈ N.


Logo, f é uniformemente contı́nua.


Exemplo 5.6 A função f : [0, 1] −→ R, f(x) = x, é contı́nua e, portanto
uniformemente contı́nua, pois [0, 1] é compacto.
√ √
| x − y| 1
Mas, f não é lipschitziana, pois o quociente = √ √ não é
|x − y| x+ y
1
limitado, já que lim+ √ √ = +∞.
x→0 x+ y

Por outro lado, a função g : [0, +∞) −→ R, g(x) = x, da qual f é uma
restrição, é uniformemente contı́nua, embora seu domı́nio [0, +∞) não
seja compacto.
De fato, g|[1,+∞) é lipschitziana, pois
|x − y| 1
|g(x) − g(y)| = √ √ ≤ |x − y|, para x, y ∈ [1, +∞) .
x+ y 2

Como g|[0,1] e g|[1,+∞) são uniformemente contı́nuas, temos que g|[0,+∞) é

Instituto de Matemática - UFF 215


Análise na Reta

uniformemente contı́nua, pois dado ε > 0 existem δ1 , δ2 > 0 tais que:


ε
• x, y ∈ [0, 1], |x − y| < δ1 =⇒ |g(x) − g(y)| < ˙;
2
ε
• x, y ∈ [1, +∞), |x − y| < δ2 =⇒ |g(x) − g(y)| < .
2
Seja δ = min{δ1 , δ2 } > 0 e sejam x, y ∈ [0, +∞), |x − y| < δ.
Assim, se
ε
• x, y ∈ [0, 1] =⇒ |g(x) − g(y)| < < ε;
2
ε
• x, y ∈ [1, +∞) =⇒ |g(x) − g(y)| < < ε;
2
• x ∈ [0, 1] e y ∈ [1, +∞) =⇒ |x − 1| < δ e |y − 1| < δ
ε ε ε ε
=⇒ |g(x) − g(1)| < e |g(y) − g(1)| < =⇒ |g(x) − g(y)| < + ≤ ε .
2 2 2 2

Definição 5.3 Dizemos que uma função ϕ : Y −→ R é uma extensão


da função f : X −→ R, quando f é uma restrição de g, ou seja, X ⊂ Y e
ϕ(x) = f(x) para todo x ∈ X.
Quando ϕ é contı́nua, dizemos que f se estende continuamente à função
ϕ.

Teorema 5.3 Toda função uniformemente contı́nua f : X −→ R admite


uma extensão contı́nua ϕ : X −→ R. A função ϕ é a única extensão
contı́nua de f a X e é uniformemente contı́nua.

Prova.
Vamos definir ϕ no conjunto X = X ∪ X 0 .
Como f é uniformemente contı́nua, pelo Corolário 5.1, existe lim0 f(x) para
x→x
0 0
todo x ∈ X .
Definimos, então, ϕ da seguinte maneira:
ϕ(x 0 ) = lim0 f(x) se x ∈ X 0 e ϕ(x) = f(x) se x ∈ X.
x→x

Se x 0 ∈ X 0 ∩ X, então ϕ(x 0 ) = lim0 f(x) = f(x 0 ), pois f é contı́nua em x 0 .


x→x

Logo, ϕ está bem definida em X.

Observe que se x ∈ X, xn −→ x, xn ∈ X, então ϕ(x) = lim f(xn ).


n→+∞

216 J. Delgado - K. Frensel


Continuidade Uniforme

Afirmação: ϕ : X −→ R é uniformemente contı́nua.

Instituto de Matemática - UFF 217


Análise na Reta

De fato, como f é uniformemente contı́nua em X, dado ε > 0 existe δ > 0


ε
tal que x, y ∈ X, |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2

Sejam x, y ∈ X tais que |x − y| < δ.


Então existem seqüências (xn ) e (yn ) em X tais que xn −→ x e yn −→ y.
Como |xn − yn | −→ |x − y| e |x − y| < δ, existe n0 ∈ N tal que |xn − yn | < δ
ε
para todo n ≥ n0 . Então, |f(xn ) − f(yn )| < para todo n ≥ n0 e, portanto,
2
ε
|ϕ(x) − ϕ(y)| = lim |f(xn ) − f(yn )| ≤ < ε .
n→+∞ 2

Unicidade: Seja ψ : X −→ R outra extensão contı́nua de f e seja x ∈ X.


Então existe uma seqüência (xn ) em X com lim xn = x.
n→+∞

Logo,
ψ(x) = lim ψ(xn ) = lim f(xn ) = lim ϕ(xn ) = ϕ(x) .
n→+∞ n→+∞ n→+∞

Corolário 5.2 Seja f : X −→ R uniformemente contı́nua. Se X é limi-


tado, então f(X) é limitado, ou seja, f é limitada.

Prova.
Seja ϕ : X −→ R a extensão contı́nua de f.

Como X é limitado, X é compacto. Logo, ϕ(X) é compacto e, portanto,


f(X) é limitado, pois f(X) ⊂ ϕ(X).

218 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Parte 7

Derivadas

1. A derivada de uma função

Definição 1.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X 0 e f : X −→ R. Dizemos que f é


derivável no ponto a quando existe o limite
f(x) − f(a)
f 0 (a) = lim
x→a x−a

Neste caso, f 0 (a) chama-se a derivada de f no ponto a

f(x) − f(a)
Observação 1.1 Seja q : X − {a} −→ R definida por q(x) = .
x−a

Geometricamente, q(x) é a inclinação, ou coeficiente angular, da reta se-


cante ao gráfico de f que passa pelos pontos (a, f(a)) e (x, f(x)).

Definição 1.2 A reta r : y = f 0 (a)(x − a) + f(a) que passa pelo ponto


(a, f(a)) e tem inclinação f 0 (a) é chamada de reta tangente ao gráfico de
f no ponto a.

Observação 1.2 A inclinação da reta tangente é, portanto, o limite,


quando x −→ a, das inclinações das retas secantes que passam pelos
pontos (a, f(a)) e (x, f(x))

Observação 1.3 Seja h = x − a, ou x = a + h, h 6= 0. Então


f(a + h) − f(a)
f 0 (a) = lim
h→0 h

Instituto de Matemática - UFF 217


Análise na Reta

f(a + h) − f(a)
onde a função h 7−→ está definida no conjunto
h
Y = {h ∈ R − {0} | a + h ∈ X} ,
que tem o zero como ponto de acumulação.

Definição 1.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X+0 e f : X −→ R. Dizemos que f é


derivável à direita no ponto a quando existe o limite
f(x) − f(a) f(a + h) − f(a)
f 0 (a+ ) = lim+ = lim+ .
x→a x−a h→0 h

No caso afirmativo, f 0 (a+ ) é a derivada à direita de f no ponto a.


Seja a ∈ X∩X−0 . Dizemos que f é derivável à esquerda no ponto a quando
existe o limite
f(x) − f(a) f(a + h) − f(a)
f 0 (a− ) = lim− = lim− .
x→a x−a h→0 h

Neste caso, f 0 (a− ) é a derivada à esquerda de f no ponto a.

Observação 1.4 Se a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 , f 0 (a) existe se, e só se, existem
e são iguais as derivadas laterais f 0 (a+ ) e f 0 (a− ).

Observação 1.5 Dizer que uma função f : [c, d] −→ R é derivável no


ponto a significa que:
• f possui as duas derivadas laterais no ponto a e elas são iguais quando
a ∈ (c, d).
• f possui derivada lateral à direita no ponto a quando a = c.
• f possui derivada lateral à esquerda no ponto a quando a = d.

Observação 1.6 Pelas propriedades gerais do limite, temos que f é


derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 se, e só se,
f(xn ) − f(a)
lim = f 0 (a)
n→+∞ xn − a

para qualquer seqüência (xn ) de pontos de X − {a} com lim xn = a.


n→∞

Mais geralmente, f é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 se, e só se, dada


uma função g : Y −→ R, com b ∈ Y 0 , tal que lim g(y) = a e g(y) 6= a para
y→b

y 6= b, temos que
f(g(y)) − f(a)
f 0 (a) = lim .
y→b g(y) − a

218 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R constante, ou seja, existe c ∈ R tal que


f(x) = c para todo x ∈ R. Então f 0 (a) = 0 para todo a ∈ R.

Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) = cx + d e seja a ∈ R.


f(x) − f(a) c(x − a)
Então f 0 (a) = c, pois = = c para todo x 6= a.
x−a x−a

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R, f(x) = x2 e seja a ∈ R. Então,


f(a + h) − f(a) a2 + 2ah + h2 − a2
= = 2a + h −→ 2a
h h
quando h −→ 0. Assim, f 0 (a) = 2a para todo a ∈ R.

Exemplo 1.4 Seja f : R −→ R, f(x) = xn , n ∈ N e seja a ∈ R.


Então, pela fórmula do binômio de Newton, temos que
Xn  
n j n−j
n
f(a + h) − f(a) = (a + h) − a = n
ah − an
j=0
j
X
n−2  
!
n j n−j−1 n
 n−1
= ah h + n−1 a h.
j=0
j

Logo,
X
n−2  
!
f(a + h) − f(a) n
lim = lim aj hn−j−1 + nan−1
h→0 h h→0 j
j=0
n−1
= na , pois n − j − 1 ≥ 1 para 0 ≤ j ≤ n − 2 .

Então, f 0 (a) = nan−1 para todo a ∈ R.


Se p(x) = an xn + . . . + a1 x + a0 é um polinômio, então, usando as proprie-
dades conhecidas do limite, temos
p 0 (x) = nan xn−1 + . . . + 2a2 x + a1 ,
para todo x ∈ R.

Exemplo 1.5 Seja f : R −→ R a função definida por f(x) = |x|.


f(x) − f(0) |x|
Então, = . Logo,
x−0 x
|x| |x|
f 0 (0+ ) = lim+ = lim+ 1 = 1 e f 0 (0− ) = lim− = lim− (−1) = −1 .
x→0 x x→0 x→0 x x→0

Como f 0 (0+ ) 6= f 0 (0− ), f não é derivável no ponto 0, mas é derivável nos


demais pontos da reta, com f 0 (a) = 1 se a > 0 e f 0 (a) = −1 se a < 0.

Instituto de Matemática - UFF 219


Análise na Reta


Exemplo 1.6 Seja f : [0, +∞) −→ R definida por f(x) = x. Então,
para a ∈ [0, +∞), h 6= 0 e a + h ≥ 0, temos
√ √
a+h− a h 1
= √ √  = √ √ .
h h a+h+ a a+h+ a

1
Logo, f é derivável em todo ponto a > 0 e f 0 (a) = √ , mas f não é
2 a
derivável no ponto zero, pois o quociente
√ √ √
0+h− 0 h 1
= =√
h h h
1
é ilimitado numa vizinhança de zero e, portanto, não existe lim+ √ .
h→0 h

Exemplo 1.7 Seja f : R −→ R a função definida por


f(x) = inf { |x − n| | n ∈ Z } ,
ou seja, f(x) é a distância de x ao inteiro mais próximo. Temos que

x − n 1
h i
se x ∈ n, n +
f(x) = 2
n + 1 − x se x ∈ n + 1 , n + 1 .
h i
2
1 1
 
Então, f(n) = 0 e f n + , para todo n ∈ Z, e o gráfico de f é uma
=
2 2
1 1
 
serra cujos dentes tem pontas nos pontos n + , .
2 2

1
A função f é derivável em todo x ∈ R, x 6= n, x 6= n + , n ∈ Z, sendo
2

1 1
 
se x ∈ n, n +
f 0 (x) = 2
−1 se x ∈ n + 1 , n + 1 .
 
2
1
Mas f não é derivável nos pontos n e n + , n ∈ N, porque f 0 (n+ ) = 1 6=
2
 +
   
1 1 −

0 − 0 0
f (n ) = −1 e f n+ = −1 6= f n+ = 1 .
2 2

220 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Observação 1.7 A derivada, sendo um limite, satisfaz aos seguintes


resultados, provados para limite de uma função:
• Se f : X −→ R possui derivada no ponto a ∈ X ∩ X 0 , então, dado
Y ⊂ X com a ∈ Y ∩ Y 0 , a função g = f|Y também é derivável no ponto a e
g 0 (a) = f 0 (a).
• Se Y = I ∩ X, onde I é um intervalo aberto contendo o ponto a, e g = f|Y
é derivável no ponto a, então f é derivável no ponto a e f 0 (a) = g 0 (a).
Este resultado mostra o caráter local da derivada.

Definição 1.4 Dizemos que uma função f : X −→ R é derivável no


conjunto X quando f é derivável em todos os pontos a ∈ X ∩ X 0 .

Observação 1.8 Seja f : X −→ R derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 . Seja r


a função dada por
r(h) = f(a + h) − f(a) − f 0 (a) h
definida no conjunto Da = {h ∈ R | a + h ∈ X}.
Então, para todo h ∈ Da − {0}, temos

r(h)
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + r(h) , com lim = 0. (1)
h→0 h

r(h)
Sendo lim = 0, dizemos que o resto r(h) tende para zero mais rapi-
h→0 h

damente que h, ou que r(h) é um infinitésimo (=função com limite zero)


de ordem superior a 1, relativamente a h.
Reciprocamente, se existe L ∈ R tal que
r(h)
f(a + h) = f(a) + L h + r(h) , com lim = 0, (2)
h→0 h

então f é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 e f 0 (a) = L, pois


 
f(a + h) − f(a) r(h)
lim = lim L + = L.
h→0 h h→0 h

• A condição (1) pode ser escrita sob a forma

f(a + h) = f(a) + (f 0 (a) + ρ(h)) h , com lim ρ(h) = 0 , (3)


h→0

r(h) f(a + h) − f(a)


onde ρ(0) = 0 e ρ(h) = = − f 0 (a) para todo h 6= 0 tal
h h
que a + h ∈ X.

Instituto de Matemática - UFF 221


Análise na Reta

Assim, a continuidade da função ρ no ponto 0 equivale à existência da


derivada f 0 (a) de f no ponto a.

Observação 1.9 As condições (1), (2) e (3) também são válidas para
as derivadas laterais, supondo h > 0 para a derivada à direita e h < 0
para a derivada à esquerda.

Exemplo 1.8 Seja f(x) = x2 . Então, dados a ∈ R e h 6= 0, temos


r(h) = (a + h)2 − a2 − 2ah = h2 .

Exemplo 1.9 Sabemos do Cálculo que a função f : R −→ R dada por


f(x) = sen x é derivável na reta e f 0 (a) = cos a para todo a ∈ R. Então,
r(h)
sen(a + h) = sen a + h cos a + r(h) , com lim = 0.
h→0 h

Usando a fórmula da trigonometria


sen(a + h) = sen a cos h + sen h cos a ,
obtemos que
r(h) = sen a cos h + sen h cos a − sen a − h cos a
= sen a(cos h − 1) + cos a(sen h − h) .

r(h)
Isto confirma que lim = 0, pois
h→0 h
cos h − 1
lim = cos 0 (0) = − sen(0) = 0 ,
h→0 h
e
sen h − h sen h − sen 0
lim = lim − 1 = cos 0 − 1 = 0 .
h→0 h h→0 h−0


Definição 1.5 Seja f : X −→ R uma função derivável no ponto a. A


diferencial de f no ponto a é a transformação linear df(a) : R −→ R
definida por df(a)h = f 0 (a) h.
Se f é derivável em todo X, definimos a diferencial de f como sendo a
função df : X −→ L(R; R), a 7−→ df(a), onde L(R; R) é o espaço vetorial
dos operadores lineares de R em R.

Teorema 1.1 Sejam a ∈ X ∩ X 0 e f : X −→ R. Se f é derivável no ponto


a, então f é contı́nua no ponto a.

222 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Prova.
f(x) − f(a)
Como o limite lim existe e lim (x − a) = 0, temos que
x→a x−a x→a
 
f(x) − f(a)
lim ( f(x) − f(a) ) = lim (x − a)
x→a x→a x−a
f(x) − f(a)
= lim · lim (x − a) = 0 ,
x→a x−a x→a

ou seja, lim f(x) = f(a). Logo, f é contı́nua no ponto a.


x→a

Observação 1.10
• Se a ∈ X ∩ X+0 e f : X −→ R é derivável à direita no ponto a, então f é
contı́nua à direita no ponto a, ou seja, lim+ f(x) = f(a) .
x→a

• E se a ∈ X∩X−0 e f é derivável à esquerda no ponto a, então f é contı́nua


à esquerda no ponto a, ou seja, lim− f(x) = f(a) .
x→a

Estes resultados demonstram-se de modo análogo quando f é derivável


no ponto a.
• Então, f é contı́nua no ponto a, se f possui derivada à direita e à es-
querda no ponto a, mesmo sendo diferentes.

1 se x ≥ 0
Exemplo 1.10 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
−1 se x < 0 .

Então f é contı́nua à direita no ponto zero e f 0 (0+ ) = 0, mas f não é


contı́nua à esquerda no ponto 0 nem existe a derivada à esquerda de f no
ponto 0. Portanto, f não é contı́nua no ponto 0.

Exemplo 1.11 Os exemplos 1.5, 1.6 e 1.7, mostram que uma função
pode ser contı́nua em toda a reta e não ser derivável em alguns pontos.
Na realidade, a maioria das funções contı́nuas em R não possuem de-
rivada em ponto algum (ver E. Lima, Espaços Métricos, exemplo 33 do
capı́tulo 7).

Teorema 1.2 Sejam f, g : X −→ R funções deriváveis no ponto


f
a ∈ X ∩ X 0 . Então, f ± g, f · g e (quando g(a) 6= 0) são deriváveis
g
no ponto a e valem as seguintes fórmulas:

Instituto de Matemática - UFF 223


Análise na Reta

(f ± g)(a) = f 0 (a) ± g 0 (a)

(f · g) 0 (a) = f 0 (a) g(a) + f(a) g 0 (a)


 0
f f 0 (a) g(a) − f(a) g 0 (a)
(a) = 2
g ( g(a) )

Prova.
Vamos demonstrar a fórmula de derivação do quociente, deixando as ou-
tras como exercı́cio.
Sendo g(x) 6= 0 para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), para algum δ > 0,
f
a função está definida nesta vizinhança de a.
g

Como, para x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),


f(x) f(a)

g(x) g(a) f(x) g(a) − f(a) g(x) 1
= ·
x−a x−a g(x) · g(a)
   
f(x) − f(a) g(x) − g(a) 1
= g(a) − f(a) ,
x−a x−a g(x)g(a)

temos que
f(x) f(a)
−  
g(x) g(a) f(x) − f(a) g(x) − g(a) 1
lim = g(a) lim − f(a) lim · lim
x→a x−a x→a x−a x→a x−a x→a g(x)g(a)
1
= ( g(a) f 0 (a) − f(a) g 0 (a) ) · .
( g(a) )2

pois g é contı́nua no ponto a, já que g é derivável no ponto a.

Corolário 1.1
• Se c ∈ R então (c · f) 0 (a) = c · f 0 (a) .
 1 0 f 0 (a)
• Se f(a) 6= 0 então (a) = − 2
.
f f(a)

Teorema 1.3 (Regra da cadeia)


Sejam f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y, a ∈ X ∩ X 0 , b = f(a) ∈ Y ∩ Y 0 .
Se f é derivável no ponto a e g é derivável no ponto b = f(a), então
g ◦ f : X −→ R é derivável no ponto a e tem-se a regra da cadeia:

( g ◦ f ) 0 (a) = g 0 (b) · f 0 (a)

224 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Prova.
Sejam ρ e σ funções definidas numa vizinhança de 0, tais que
f(a + h) = f(a) + ( f 0 (a) + ρ(h) ) h , onde lim ρ(h) = 0 ,
h→0
g(b + k) = g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) ) k , onde lim σ(k) = 0 .
k→0

Tomando k = f(a + h) − f(a) = ( f 0 (a) + ρ(h) ) h, temos que


f(a + h) = f(a) + k = b + k
e
(g ◦ f)(a + h) = g(f(a + h)) = g(b + k) = g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) )k
= g(b) + ( g 0 (b) + σ(k) ) ( f 0 (a) + ρ(h) ) h
= g ◦ f(a) + ( g 0 (b) f 0 (a) + θ(h) ) h ,

onde θ(h) = σ( f(a + h) − f(a) ) ( f 0 (a) + ρ(h) ) + g 0 (b) ρ(h) .


Como f é contı́nua no ponto a, σ e ρ são contı́nuas no ponto 0, com
σ(0) = ρ(0) = 0, temos que
lim θ(h) = 0 ,
h→0

pois lim σ(f(a + h) − f(a)) = σ(0) = 0 e lim ρ(h) = ρ(0) = 0 .


h→0 h→0

Logo, g ◦ f é derivável no ponto a e (g ◦ f) 0 (a) = g 0 (b) f 0 (a) .

Corolário 1.2 (Derivada da inversa de uma função)


Seja f : X −→ Y uma função que possui inversa g = f−1 : Y −→ X. Se f é
derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 e g é contı́nua no ponto b = f(a), então g é
derivável no ponto b se, e só se, f 0 (a) 6= 0. Neste caso,
1
g 0 (b) =
f 0 (a)

Prova.
Como g é contı́nua no ponto b = f(a) e é injetiva, temos que
lim g(y) = g(b) = a ,
y→b

e g(y) 6= a quando y ∈ Y − {b}.


Além disso, b ∈ Y ∩ Y 0 , pois f é contı́nua no ponto a, é injetiva em X e
a ∈ X ∩ X 0.
Logo, se f 0 (a) 6= 0, então

Instituto de Matemática - UFF 225


Análise na Reta

g(y) − g(b) g(y) − g(b)


lim = lim
y→b y−b y→bf(g(y)) − f(a)
 −1
f(g(y)) − f(a) 1
= lim = 0 ,
y→b g(y) − a f (a)

1
ou seja, g é derivável no ponto b e g 0 (b) = .
f 0 (a)

Reciprocamente, se g é derivável no ponto b, então, pela regra da cadeia,


g ◦ f = idX é derivável no ponto a e g 0 (b) f 0 (a) = 1, ou seja, f 0 (a) 6= 0 e
1
g 0 (b) = .
f 0 (a)

Exemplo 1.12 A função f : R −→ R, dada por f(x) = x3 , é uma bijeção



contı́nua com inversa contı́nua g : R −→ R com g(y) = 3 y.

Como f 0 (a) = 3a2 6= 0 para todo a 6= 0 e f(0) = 0, temos que g é derivável


1 1 1
em todo ponto b ∈ R − {0} e g 0 (b) = = = √ .
f 0 (g(b)) 3(g(b))2 3
3 b2

Definição 1.6 Dizemos que uma função f : X −→ R possui um máximo


local no ponto a ∈ X, quando existe δ > 0 tal que f(x) ≤ f(a) para todo
x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).
E quando existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩
(X − {a}), dizemos que f possui um máximo local estrito no ponto a ∈ X.
Há definições análogas para os conceitos de mı́nimo local e mı́nimo local
estrito de uma função.

Exemplo 1.13 A função f : R −→ R, dada por f(x) = x2 , possui um


mı́nimo local estrito no ponto 0, pois f(x) = x2 > f(0) = 0 para todo
x ∈ R − {0}.

Exemplo 1.14 A função g : R −→ R, g(x) = sen x , possui máximos


π π
 
locais estritos nos pontos (4k + 1) , pois g (4k + 1) = 1 > g(x)
2 2
 π π

π

para todo x ∈ 4k − , 4k + 3 − (4k + 1) , e possui mı́nimos locais
2 2 2
π π
 
estritos nos pontos (4k−1) , pois g (4k − 1) = −1 < g(x) , para todo
2 2
 3π π

π

x ∈ 4k − , 4k + − (4k − 1) .
2 2 2 

226 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

Exemplo 1.15 Uma função constante possui máximo local e mı́nimo


local não-estritos em cada ponto do seu domı́nio.


1 se x ≥ 0
Exemplo 1.16 A função h : R −→ R, dada por h(x) =
−1 se x < 0 ,
possui um máximo local não-estrito no ponto 0.

1
 
Exemplo 1.17 A função ϕ : R −→ R, ϕ(x) = x 2
1 + sen se x 6= 0
x
e ϕ(0) = 0, é contı́nua em toda a reta e possui um mı́nimo local não
estrito no ponto 0, pois ϕ(x) ≥ 0 = ϕ(0) para todo x ∈ R e, em toda
1
vizinhança de 0, há pontos x tais que ϕ(x) = 0, já que π −→ 0 e
(4k − 1)
2
 
1  = 0 para todo k ∈ Z.
ϕ π 
(4k − 1)
2

Observação 1.11 Se f : X −→ R é não-decrescente e derivável no


f(x) − f(a)
ponto a ∈ X∩X 0 , então f 0 (a) ≥ 0, pois ≥ 0 para todo x ∈ X−{a}.
x−a

• Analogamente, se f : X −→ R é não-crescente e derivável no ponto


a ∈ X ∩ X 0 , então f 0 (a) ≤ 0.
• Se f : X −→ R é crescente (decrescente) e derivável no ponto a ∈ X∩X 0 ,
não temos necessariamente f 0 (a) > 0 (< 0).

Por exemplo, a função f(x) = x3 é crescente e f 0 (0) = 0.


• Se a ∈ X ∩ X 0 ∩ X−0 e existe δ > 0 tal que f(y) ≤ f(a) ≤ f(x) para
a − δ < y < a < x < a + δ, então f 0 (a) ≥ 0, mas não implica que f seja
não-decrescente (ver exemplo 1.18).

Teorema 1.4 Seja f : X −→ R uma função derivável à direita no ponto


a ∈ X ∩ X+0 . Se f 0 (a+ ) > 0, então existe δ > 0 tal que f(a) < f(x) para todo
x ∈ X ∩ (a, a + δ).

Prova.
f(x) − f(a) f(x) − f(a)
Como lim + = f 0 (a+ ) > 0, existe δ > 0 tal que >0
x−→a x−a x−a
para todo x ∈ X ∩ (a, a + δ), ou seja, f(x) > f(a) ∀ x ∈ X ∩ (a, a + δ).

Instituto de Matemática - UFF 227


Análise na Reta

Observação 1.12 Valem também os seguintes resultados, que podem


ser provados de modo análogo ao teorema anterior:
• Se a ∈ X ∩ X+0 e f 0 (a+ ) < 0, então existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo X ∩ (a, a + δ).
• Se a ∈ X ∩ X−0 e f 0 (a+ ) > 0, então existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a − δ, a).
• Se a ∈ X ∩ X−0 e f 0 (a− ) < 0, então existe δ > 0 tal que f(x) > f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a − δ, a).

Corolário 1.3 Seja a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Se f : X −→ R possui no ponto


a derivada f 0 (a) > 0 (f 0 (a) < 0), então existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
a − δ < x < a < y < a + δ =⇒ f(x) < f(a) < f(y) (f(y) < f(a) < f(x)).

Corolário 1.4 Seja a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Se f : X −→ R é derivável no ponto


a e possui um máximo ou um mı́nimo local nesse ponto, então f 0 (a) = 0.

Prova.
Se f 0 (a) > 0 ou f 0 (a) < 0, temos, pelo corolário anterior, que a não é
ponto de máximo nem de mı́nimo local.

Observação 1.13 O teorema 1.4 não diz que existe um intervalo à di-
reita de a no qual f é crescente quando f 0 (a+ ) > 0, nem o corolário 1.3
diz que f é crescente numa vizinhança de a quando f 0 (a) > 0.

Exemplo 1.18
• Antes de dar o exemplo de uma função que ilustre a observação acima,
faremos o estudo de algumas funções.
1
• A função f : R −→ R, f(x) = x sen se x 6= 0 e f(0) = 0, é contı́nua
x
1 1 1
em toda a reta e possui derivada f 0 (x) = sen − cos em todo x 6= 0,
x x x
f(x) − f(0)
mas não é derivável no ponto zero, pois não existe o limite de =
x−0
1
sen quando x −→ 0.
x
1
• A função g : R −→ R, g(x) = x2 sen se x 6= 0 e g(0) = 0, é contı́nua
x

228 J. Delgado - K. Frensel


A derivada de uma função

1 1
em toda a reta e possui derivada g 0 (x) = 2x sen − cos em todo ponto
x x
g(x) − g(0) 1
6 0. Além disso, como lim
x= = lim x sen = 0, temos que g é
x→0 x−0 x→0 x
derivável no ponto 0 e g 0 (0) = 0.
Assim, g : R −→ R possui derivadas em todos os pontos da reta, mas
g 0 : R −→ R não é contı́nua no ponto zero, pois não existe lim g 0 (x) =
x→0
1 1
 
lim 2x sen − cos .
x→0 x x
1 x
• Seja a função ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = x2 sen + se x = 6 0e
x 2
1
ϕ(0) = 0. Como ϕ é contı́nua e derivável em toda a reta, e ϕ 0 (0) = > 0,
2
temos, pelo corolário 1.3, que existe δ > 0 tal que 0 < x < δ =⇒ ϕ(x) > 0
e −δ < x < 0 =⇒ ϕ(x) < 0.
Mas, ϕ não é crescente em vizinhança alguma do ponto 0, pois, como
1 1 1
ϕ 0 (x) = 2x sen − cos + , para x 6= 0,
x x 2
1 1
dado δ > 0 existe n0 ∈ N tal que < δ. Então, ∈ (0, δ) e
2n0 π 2n0 π
   
0 1 1 0 1 1
ϕ < 0, − ∈ (−δ, 0), e ϕ − < 0, π ∈ (0, δ) e
2n0 π 2n0 π 2n0 π 4n0 π + 2
   
1 1 1
ϕ0 π > 0, − π ∈ (−δ, 0) e ϕ 0 − π > 0.
4n0 π + 2 4n0 π + 2 4n0 π + 2

Ou seja, dado δ > 0, existem pontos xδ , xδ ∈ (0, δ) e yδ , yδ ∈ (−δ, 0) tais


que ϕ 0 (xδ ) > 0, ϕ 0 (xδ ) < 0 , ϕ 0 (yδ ) > 0 e ϕ 0 (yδ ) < 0.
Logo, ϕ não pode ser monótona em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pelas observações feitas antes do teorema 1.4. Isto só
foi possı́vel, porque ϕ 0 não é contı́nua no ponto zero (por quê?).
Além disso, ϕ não pode ser injetiva em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pois, caso contrário, ϕ seria monótona, por ser contı́nua e
injetiva num intervalo (ver teorema 3.2 da parte 6).

Observação 1.14
• A recı́proca do corolário 1.4 não é verdadeira.
Por exemplo, a função f : R −→ R, f(x) = x3 , apesar de ter derivada zero

Instituto de Matemática - UFF 229


Análise na Reta

no ponto 0, tal ponto não é de máximo nem de mı́nimo local, pois f é uma
função crescente em toda a reta.
• No corolário 1.4, não basta que f possua derivadas laterais no ponto de
máximo ou de mı́nimo para podermos concluir que as derivadas laterais
são nulas nesse ponto. Por exemplo, a função g : R −→ R, g(x) = |x|,
possui um mı́nimo no ponto 0, mas as derivadas laterais neste ponto
g 0 (0+ ) = 1 e g 0 (0− ) = −1 não são nulas.
• E, também, a condição de a ∈ X+0 ∩X−0 é necessária para que o corolário
1.4 seja válido. Por exemplo, a função h : [0, +∞) −→ R, h(x) = x2 + x
possui um mı́nimo local no ponto 0, mas h 0 (0) = 1 6= 0.

2. Funções deriváveis num intervalo

Seja X ⊂ R um conjunto compacto tal que todo x ∈ X é ponto de


acumulação à esquerda e à direita de X, com exceção de a = inf X e
b = sup X, e, além disso, X 6= {a, b}. Então, X = [a, b].
De fato, o aberto R − X é reunião de intervalos abertos dois a dois
disjuntos, sendo (−∞, a) e (b, +∞) dois deles. Se (c, d), c < d fosse outro
intervalo componente de R−X, então c e d pertenceriam a X. Como c não
é ponto de acumulação à direita de X, terı́amos c = a ou c = b, e, como
d não é ponto de acumulação à esquerda de X, terı́amos d = a ou d = b.
Sendo c < d e a < b, terı́amos (c, d) = (a, b) e, portanto, X = {a, b}, o
que é absurdo.

Definição 2.1 Quando a função f : I −→ R possui derivada em todos os


pontos do intervalo I, podemos considerar a função derivada f 0 : I −→ R
dada por x 7−→ f 0 (x).
E quando f 0 : I −→ R é uma função contı́nua, dizemos que f é uma função
continuamente derivável, ou uma função de classe C1 .

Observação 2.1 Mas nem sempre a função derivada é uma função



 x2 sen 1 se x 6= 0
contı́nua. Por exemplo, a função f : R −→ R, f(x) = x
 0 se x = 0 ,

230 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

1 1
é derivável em todos os pontos da reta, com f 0 (x) = 2x sen − cos se
x x
x 6= 0 e f 0 (0) = 0.
Mas f 0 : R −→ R não é contı́nua no ponto zero e, portanto, f não é de
classe C1 em toda a reta.

Observação 2.2 Seja f : I −→ R uma função de classe C1 no intervalo


I e sejam a < b em I, tais que f 0 (a) < d < f 0 (c).
Então, pelo teorema do valor intermediário (TVI) para funções contı́nuas
aplicado à derivada f 0 , existe c ∈ (a, b) ⊂ I tal que f 0 (c) = d.
Mas o teorema abaixo, devido a Darboux, nos diz que se f é derivável em
[a, b], então f 0 satisfaz o TVI, mesmo sendo descontı́nua.

Teorema 2.1 (Valor intermediário para a derivada)


Se f : [a, b] −→ R é derivável no intervalo [a, b] e f 0 (a) < d < f 0 (b), então Jean Gaston Darboux
(1842-1917) França.
existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d.

Prova.
Suponhamos, primeiro, que d = 0, ou seja, f 0 (a) < 0 < f 0 (b). Como
f 0 (a) < 0, existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a, a + δ), e como
f 0 (b) > 0, existe δ 0 > 0 tal que f(y) < f(b) para todo y ∈ (b − δ 0 , b).
Além disso, como f é contı́nua no compacto [a, b], temos, pelo teorema
de Weierstrass, que f possui um ponto de mı́nimo e um ponto de máximo
no intervalo [a, b].
Logo, o ponto de mı́nimo c pertence ao intervalo (a, b), pois, pelo visto
acima, a e b não são pontos de mı́nimo.
Assim, pelo corolário 1.4, f 0 (c) = 0, pois c ∈ (a, b) é ponto de acumulação
à direita e à esquerda do conjunto [a, b].
No caso geral, basta considerar a função g(x) = f(x) − dx, x ∈ [a, b].
Então, g 0 (x) = f 0 (x) − d e f 0 (a) < d < f 0 (b) se, e só se, g 0 (a) < 0 < g 0 (b).
Logo, se f 0 (a) < d < f 0 (b), existe c ∈ (a, b) tal que g 0 (c) = 0, ou seja,
f 0 (c) = d.

Corolário 2.1 Se f : I −→ R é derivável no intervalo I, então f 0 não tem


descontinuidade de primeira espécie em I.

Instituto de Matemática - UFF 231


Análise na Reta

Prova.
Seja c ∈ I um ponto de acumulação à direita de I, isto é, c não é a
extremidade superior de I.

Afirmação: Se existe lim+ f 0 (x) = L, então L = f 0 (c).


x→c

Suponhamos, por absurdo, que f 0 (c) < L.


Seja d ∈ R tal que f 0 (c) < d < L.
Para ε = L − d > 0, existe δ > 0 tal que f 0 (x) > L − ε = d para todo
x ∈ (c, c + δ).
δ δ
   
0 0
Em particular, f (c) < d < f c + , mas não existe x ∈ c, c + tal
2 2
que f(x) = d, o que contradiz o teorema 2.1.
De modo análogo, podemos provar que L não pode ser menor que f 0 (c).
Logo, L = f 0 (c).
• Se c é um ponto de acumulação à esquerda, podemos mostrar, também,
que se existe lim− f 0 (x) = M então M = f 0 (c).
x→c

Logo, f não possui descontinuidade de primeira espécie, pois se os li-


mites laterais existem num ponto a, f é necessariamente contı́nua neste
ponto.

Exemplo 2.1 A função f : R −→ R, f(x) = |x|, não é um contra-exemplo


para o corolário acima, pois, apesar de f 0 : R − {0} −→ R, ser dada por
f 0 (x) = −1 se x < 0 e f 0 (x) = 1 se x > 0, 0 não é uma descontinuidade de
primeira espécie de f 0 , já que f 0 (0) não existe.
Mas, o corolário 2.1 nos diz que não existe uma função g : R −→ R
derivável em toda a reta tal que g 0 = f 0 em R − {0}, pois, nesse caso, g 0
teria uma descontinuidade de primeira espécie no ponto 0.


0 se x ∈ Q
Exemplo 2.2 A função ϕ : R −→ R, dada por ϕ(x) =
1 se x ∈ R − Q ,
não é a derivada de uma função ξ : R −→ R, pois, embora suas descon-
tinuidades sejam todas de segunda espécie, ela não satisfaz ao teorema
do valor intermediário para funções deriváveis.

232 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Teorema 2.2 (Rolle)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se f(a) =
f(b), então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.

Prova.
Se f é constante em [a, b], então f 0 (c) = 0 para todo c ∈ (a, b).
Suponhamos, então, que f não é constante em [a, b]. Como f é contı́nua
no compacto [a, b], o máximo e o mı́nimo de f são atingidos em pontos do
intervalo [a, b]. Então, existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = M ou f(c) = m, pois
se o máximo M e o mı́nimo m fossem ambos atingidos nas extremidades,
terı́amos M = m, pois f(a) = f(b), e f seria, portanto, constante.
Logo, pelo corolário 1.4, f 0 (c) = 0, pois c é um ponto de acumulação à
direita e à esquerda do intervalo [a, b] e f é derivável no ponto c.

Exemplo 2.3 Seja f : [0, 1] −→ R definida por f(x) = x se x ∈ [0, 1) e


f(1) = 0. Então f(0) = f(1) = 0 e f é derivável em (0, 1), mas f 0 (x) = 1 6= 0
para todo x ∈ (0, 1). Isto ocorre porque f não é contı́nua em [0, 1].

Exemplo 2.4 Seja g : [−1, 1] −→ R dada por g(x) = |x|. Então g é


contı́nua em [−1, 1] e g(−1) = g(1) = 1, mas não existe c ∈ (−1, 1) tal que
g 0 (c) = 0. Isto ocorre porque g não é derivável no intervalo aberto (−1, 1),
já que não é derivável no ponto 0.

1
Exemplo 2.5 Seja h : [−1, 1] −→ R definida por h(x) = (1−x2 ) sen
1 − x2
se x 6= ±1 e h(±1) = 0. Então, h é contı́nua em [−1, 1] e derivável apenas
no intervalo aberto (−1, 1). Neste exemplo, podemos aplicar o teorema de
Rolle para garantir que existe c ∈ (−1, 1) tal que f 0 (c) = 0. Na realidade,
1 2x 1
f 0 (0) = 0, pois f 0 (x) = −2x sen 2
+ 2
cos para x 6= ±1.
1−x 1−x 1 − x2

Exemplo 2.6 Apesar do teorema de Rolle não se aplicar à função ϕ :


1
[−1, 1] −→ R definida por ϕ(x) = sen se x 6= ±1 e ϕ(±1) = 0, por ϕ
1 − x2
não ser contı́nua no intervalo fechado [−1, 1], existem infinitos pontos em
(−1, 1) nos quais a derivada de ϕ se anula.

Instituto de Matemática - UFF 233


Análise na Reta

Teorema 2.3 (valor médio de Lagrange)


Seja f : [a, b] −→ R contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Então existe
c ∈ (a, b) tal que
f(b) − f(a)
f 0 (c) = .
b−a

• Um enunciado equivalente ao teorema acima é o seguinte:


Seja f : [a, a + h] −→ R contı́nua no intervalo [a, a + h] e derivável
em (a, a + h). Então existe t ∈ (0, 1) tal que
f(a + h) = f(a) + f 0 (a + th)h .
Prova.
 
f(b) − f(a)
Seja g : [a, b] −→ R definida por g(x) = (x − a) + f(a).
b−a

Como g é contı́nua e derivável em [a, b], g(a) = f(a) e g(b) = f(b), temos
que a função ϕ : [a, b] −→ R, ϕ(x) = f(x) − g(x) satisfaz as hipóteses
do teorema de Rolle, pois ϕ é contı́nua em [a, b], derivável em (a, b) e
ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Logo, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ 0 (c) = 0. Mas, como ϕ 0 (x) = f 0 (x) − g 0 (x)
f(b) − f(a)
e g 0 (x) = para todo x ∈ (a, b), temos que
b−a
f(b) − f(a)
f 0 (c) = g 0 (c) = .
b−a


Observação 2.3 Geometricamente, o teorema de valor médio de


Lagrange nos diz que existe um ponto c ∈ (a, b) tal que a reta tangente
ao gráfico de f no ponto (c, f(c)) é paralela à reta secante ao gráfico que
liga os pontos (a, f(a)) e (b, f(b)).

Corolário 2.2 Se uma função contı́nua f : [a, b] −→ R possui derivada


nula em todos os pontos x ∈ (a, b), então f é constante.

Prova.
Seja x ∈ (a, b). Então existe cx ∈ (a, b) tal que
f(x) − f(a)
0 = f 0 (cx ) = .
x−a

Logo, f(x) = f(a) para todo x ∈ (a, b).

234 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Então, f(a) = lim f(x) = f(b), pois f é contı́nua em [a, b].


x→b

Assim, f(x) = f(a) para todo x ∈ [a, b], ou seja, f é constante em [a, b].

Corolário 2.3 Se f, g : [a, b] −→ R são contı́nuas em [a, b], deriváveis


em (a, b) e f 0 (x) = g 0 (x) para todo x ∈ (a, b), então existe c ∈ R tal que
g(x) = f(x) + c para todo x ∈ [a, b].

Prova.
Como a função g − f : [a, b] −→ R é contı́nua em [a, b], derivável em
(a, b) e (g − f) 0 (x) = g 0 (x) − f 0 (x) = 0 para todo x ∈ (a, b), temos, pelo
corolário anterior, que g − f é constante em [a, b], ou seja, existe c ∈ R tal
que g(x) − f(x) = c para todo x ∈ [a, b].

x
Observação 2.4 A função f : R − {0} −→ R, definida por f(x) = , não
|x|
é constante, apesar de f 0 (x) = 0 para todo x ∈ R − {0}. Isto ocorre porque
o domı́nio de f não é um intervalo.

Corolário 2.4 Seja f : I −→ R derivável no intervalo aberto I. Se existe


k ∈ R tal que |f 0 (x)| ≤ k para todo I ∈ I, então
|f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ I.

Prova.
Sejam x, y ∈ I, x < y. Como f é contı́nua em [x, y] e derivável em (x, y),
existe z ∈ (x, y) tal que
f(x) − f(y) = f 0 (z)(x − y) .
Logo, |f(x) − f(y)| = |f 0 (z)| |x − y| ≤ k|x − y| .
O mesmo vale se y < x.

Observação 2.5 Podemos concluir que se f possui derivada limitada


num intervalo aberto I, então f é lipschitziana e, portanto, uniformemente
contı́nua em I. Em particular, se I = (a, b), então existem lim− f(x) e
x→b

lim f(x).
x→a+

1
Por exemplo, a função f : (0, +∞) −→ R, definida por f(x) = sen , não
x

Instituto de Matemática - UFF 235


Análise na Reta

tem limite à direita no ponto 0 e tem derivada ilimitada em qualquer inter-


1 1
valo do tipo (0, δ], pois f 0 (x) = − cos para x 6= 0.
x2 x

Observação 2.6 Se f é uma função contı́nua em [a, b], derivável em


(a, b) e |f 0 (x)| ≤ k para todo x ∈ (a, b), então |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y|
quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b].
De fato, sejam (xn ) e (yn ) seqüências de pontos do intervalo (a, b) tais
que xn −→ a e yn −→ b.
Como |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| para todos os pontos x, y ∈ (a, b), temos que
|f(xn ) − f(yn )| ≤ k|xn − yn |
para todo n ∈ N.
Logo,
|f(a) − f(b)| = lim |f(xn ) − f(yn )| ≤ k lim |xn − yn | = k|a − b| .
n→+∞ n→+∞

E, se x ∈ (a, b), então,

• |f(a) − f(x)| = lim |f(xn ) − f(x)| ≤ k lim |xn − x| = k|a − x| ,


n→+∞ n→+∞

• |f(x) − f(b)| = lim |f(x) − f(yn )| ≤ k lim |x − yn | = k|x − b| .


n→+∞ n→+∞

Logo, |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y| para todos x, y ∈ [a, b].

Corolário 2.5 Seja f contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se existe


lim f 0 (x) = L, então existe f 0 (a+ ) e L = f 0 (a+ ).
x→a+

Prova.
f(xn ) − f(a)
Basta provar que lim = L , para toda seqüência (xn ) de pon-
n→+∞ xn − a
tos de (a, b) com lim xn = a.
n→+∞

Pelo teorema do valor médio, para todo n ∈ N, existe yn ∈ (a, xn ) tal que
f(xn ) − f(a)
f 0 (yn ) = .
xn − a

Como yn −→ a e lim f 0 (yn ) = lim+ f 0 (x) = L, temos que


n→+∞ x→a

f(xn ) − f(a)
lim = L.
n→+∞ xn − a

Logo, f é derivável à direita no ponto a e f 0 (a+ ) = L.

236 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Observação 2.7 De modo análogo, podemos provar que se f é contı́nua


em [a, b], derivável em (a, b) e existe lim− f 0 (x) = L, então existe f 0 (b− ) e
x→b
0 −
L = f (b ).

Corolário 2.6 Seja f : (a, b) −→ R derivável, exceto, possivelmente,


num ponto c ∈ (a, b), onde f é contı́nua. Se existe lim f 0 (x) = L, então f é
x→c
0
derivável no ponto c e f (c) = L.

Prova.
Seja δ > 0 tal que [c − δ, c + δ] ⊂ (a, b).
Como a função f é contı́nua em [c − δ, c], derivável em (c − δ, c) e existe
lim− f 0 (x) = L, então f é derivável à esquerda no ponto c e f 0 (c− ) = L.
x→c

E, também, como f é contı́nua em [c, c + δ], derivável em (c, c + δ) e existe


lim f(x) = L, então f é derivável à direita no ponto c e f 0 (c+ ) = L.
x→c+

Logo, f é derivável no ponto c e f 0 (c) = L.

Corolário 2.7 Seja f : I −→ R derivável no intervalo I. Então, f 0 (x) ≥ 0


para todo x ∈ I se, e só se, f é não-decrescente em I.
E se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I, então f é crescente. Neste caso, f possui
uma inversa, definida no intervalo J = f(I), que é derivável no intervalo J
1
com (f−1 ) 0 (y) = , para todo y ∈ J.
f 0 (f−1 (y))

Prova.
(=⇒) Sejam x, y ∈ I, x < y. Pelo teorema do valor médio, existe
f(y) − f(x)
z ∈ (x, y) tal que = f 0 (z). Como f 0 (z) ≥ 0 e y − x > 0, te-
y−x
mos que f(y) ≥ f(x).

(⇐=) Se f é não-decrescente e derivável em a ∈ I, então f 0(a) ≥ 0, pois


f(a + h) − f(a)
≥ 0 , para todo h 6= 0 tal que a + h ∈ I.
h
• Se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I, temos que se a < b, a, b ∈ I, então existe,
Note que: a recı́proca deste re-
pelo teorema do valor médio, c ∈ (a, b) tal que f(b) − f(a) = f 0 (c)(b − a). sultado não é verdadeira, pois
Logo, f(b) > f(a), já que f 0 (c)(b − a) > 0. f(x) = x3 é crescente e derivável
em toda a reta, mas f 0 (0) = 0.

Instituto de Matemática - UFF 237


Análise na Reta

Como f é contı́nua e injetiva no intervalo I, então, pelo teorema 3.2 da


parte 6, J = f(I) é um intervalo e f−1 : J −→ I é contı́nua.
Além disso, como f 0 (x) 6= 0 para todo x ∈ I, temos, pelo corolário 1.2, que
1
f−1 é derivável em J e (f−1 ) 0 (y) = para todo y ∈ J.
f 0 (f−1 (y))

Observação 2.8 Vale um resultado análogo para funções não-crescentes


e decrescentes com ≤ e <, respectivamente.

Exemplo 2.7 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ex . Sabemos do


Cálculo que f é derivável em toda a reta e f 0 (x) = ex para todo x ∈ R.
Dado x > 0, existe, pelo teorema do valor médio, c ∈ (0, x) tal que f(x) =
f(0) + f 0 (c)x = 1 + ec x. Como c > 0 temos que ec > 1. Logo, ex > 1 + x
para todo x > 0.
xn
Aplicação: x→+∞
lim = 0 para todo n ∈ N.
ex
x x x
Com efeito, como e n+1 > 1 + > para todo x > 0 e n ∈ N,
n+1 n+1
xn+1
temos que ex > .
(n + 1)n+1

ex x xn A
Então, n
> , ou seja, 0 < x
< para todo x > 0, onde A = (n+1)n+1 .
x A e x
xn
Logo, lim = 0.
x→+∞ ex

p(x)
Mais geralmente: x→+∞
lim = 0 para todo polinômio p(x) = an xn +
ex
an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0 .
an−1 a
De fato, como p(x) = an xn q(x), onde q(x) = 1 + + . . . + 0 n , temos
an x an x
p(x)
que lim = an e, portanto,
n→+∞ xn
p(x) p(x) xn p(x) xn
lim = lim · = lim · lim = an · 0 = 0 .
x→+∞ ex x→+∞ xn ex x→+∞ xn x→+∞ ex

1
Exemplo 2.8 Seja f : R −→ R definida por f(x) = e− x2 se x 6= 0 e
1
f(0) = 0. Como lim e− x2 = 0, f é contı́nua em R. Além disso, f é derivável
x→0

238 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

2 − 12
em R − {0}, com f 0 (x) = e x para x 6= 0.
x3
3
1 2y 2
Pondo y = 2 , temos, pelo exemplo acima, que lim |f 0 (x)| = lim =
x x→0 y→+∞ ey
3
y y2 y2 y y2
0, já que y < y < y , para todo y > 1, e lim y = lim y = 0.
e e e y→+∞ e y→+∞ e

Logo, pelo corolário 2.6, f é derivável no ponto 0 e f 0 (0) = 0.


e− x1 se x 6= 0
Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a função f(x) = .
0 se x = 0
1 1
Como lim+ e− x = 0 = f(0) e lim− e− x = +∞, f não é contı́nua no ponto
x→0 x→0

zero, mas é contı́nua à direita nesse ponto.


1 y2
Sendo f 0 (x) = 1 −x
x2
e para todo x 6= 0 e lim+ f 0 (x) = lim = 0, onde
x→0 y→+∞ ey

1
y= , temos, pelo corolário 2.5, que f é derivável à direita no ponto 0 e
x
f 0 (0+ ) = 0.
1
Observe que lim− f 0 (x) = lim− 1 = +∞.
x→0 x→0 x2 e x

Observação 2.9 Há duas situações nas quais vale o teorema do valor
médio sem supor que a função f : [a, b] −→ R seja contı́nua nos pontos a
e b:
Primeira: Suponhamos que existem lim+ f(x) = L e lim− f(x) = M. Então,
x→a x→b

a função g : [a, b] −→ R definida por g(x) = f(x) se x ∈ (a, b), g(a) = L e


g(b) = M é contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Logo, pelo teorema
do valor médio, existe c ∈ (a, b) tal que
g(b) − g(a) = g 0 (c)(b − a) ,
ou seja, existe c ∈ (a, b) tal que (M − L) = f 0 (x)(b − a).
Temos f(b) − f(a) = f 0 (c)(b − a) se, e só se, M − L = f(b) − f(a).
Segunda: Se f : [a, b] −→ R é limitada em [a, b], derivável em (a, b)
e pelo menos um dos limites nas extremidades, digamos lim+ f(x), não
x→a

f(b) − f(a)
existe, então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = .
b−a

Instituto de Matemática - UFF 239


Análise na Reta

De fato, como não existe lim+ f(x), temos, pela observação feita após o
x→a

corolário 2.4, que f 0 não é limitada em (a, b).

Afirmação: f 0 é ilimitada inferior e superiormente.


De fato, suponhamos, por absurdo, que f 0 (x) ≥ A para todo x ∈ (a, b).
Então, a função g(x) = f(x) − Ax seria não-decrescente em (a, b), pois
g 0 (x) ≥ 0 em (a, b), e limitada. Existiria, portanto, lim+ g(x), o que é
x→a

absurdo, pois isto implicaria na existência de lim+ f(x).


x→a

De modo análogo, podemos provar que f 0 não é limitada superiormente


em (a, b).
f(b) − f(a)
Seja d = . Então existem pontos x1 , x2 ∈ (a, b) tais que f 0 (x1 ) <
b−a
d < f 0 (x2 ). Logo, pelo teorema do valor intermediário para a derivada,
f(b) − f(a)
existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d = .
b−a

Definição 2.2 Dizemos que uma função f : I −→ R é uniformemente


derivável no intervalo I quando f é derivável em I e para cada ε > 0 dado,
existe δ > 0 tal que

f(x + h) − f(x)
0 < |h| < δ =⇒ 0

− f (x) < ε ,
h

seja qual for x ∈ I, x + h ∈ I.


• Uma condição equivalente seria:

∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; 0 < |h| < δ =⇒


| (f(x + h) − f(x) − f 0 (x)h | < ε |h| ∀ x, x + h ∈ I

Teorema 2.4 Uma função f : [a, b] −→ R é uniformemente derivável se,


e só se, f é de classe C1 .

Prova.
(=⇒) Suponhamos que f é de classe C1 em [a, b], ou seja, f é derivável
em [a, b] e f 0 é contı́nua em [a, b]. Então, f 0 é uniformemente contı́nua em
[a, b], já que [a, b] é compacto.
∀ ε > 0 , ∃ δ > 0 tal que x, y ∈ [a, b], |x − y| < δ =⇒ |f 0 (x) − f 0 (y)| < ε .

240 J. Delgado - K. Frensel


Funções deriváveis num intervalo

Sejam x, x + h ∈ [a, b] com 0 < |h| < δ. Então, pelo teorema do valor
médio, existe y entre x e x + h tal que f(x + h) − f(x) = f 0 (y) h. Logo,
|f(x + h) − f(x) − f 0 (x)h| = |f 0 (y) − f 0 (x)| |h| < ε|h|,
pois |(x + h) − x| = |h| < δ e, portanto, |y − x| < δ.
Assim, f é uniformemente derivável em [a, b].
(⇐=) Suponhamos, agora, que f é uniformemente derivável em [a, b].
Provaremos que a derivada f 0 é contı́nua em todos os pontos do intervalo
compacto [a, b].
Seja x0 ∈ (a, b) e tome δ = min{b − x0 , x0 − a} > 0.
δ
Dado ε > 0, existe 0 < δ 0 < tal que se x ∈ [a, b], x + h ∈ [a, b] e
2
0 < |h| < δ 0 , então

f(x + h) − f(x) 0
ε
− f (x) < .
h 3

Sejam h > 0 fixo tal que h < δ 0 .



f(x + h) − f(x) 0
ε
Então, − f (x) < para todo x ∈ [a, x0 + h], pois
h 3
(x0 + h) + h < x0 + δ ≤ x0 + (b − x0 ) = b.
• Mostraremos que f 0 é contı́nua em x0 .
Seja x tal que |x − x0 | < h. Então, x ∈ (x0 − h, x0 + h) ⊂ (a, b) , pois,
x0 − h > x0 − (x0 − a) = a e x0 + h < x0 + b − x0 = b , e

f(x + h) − f(x)
|f (x) − f (x0 )| ≤ f (x) −
0 0
0

h

f(x + h) − f(x) f(x0 + h) − f(x0 )
+ −
h h

f(x + h) − f(x0 )
+ 0

− f 0 (x0 )
h

ε f(x + h) − f(x) f(x0 + h) − f(x0 ) ε
< + − + .
3 h h 3

f(x + h) − f(x)
Como a função g : [a, x0 + h] −→ R definida por g(x) = é
h
contı́nua em x0 , existe 0 < δ 00 < h tal que
ε
|x − x0 | < δ 00 =⇒ |g(x) − g(x0 )| < .
3

Instituto de Matemática - UFF 241


Análise na Reta

ε ε ε
Então, |f 0 (x) − f 0 (x0 )| < + + = ε para todo x ∈ (x0 − δ 00 , x0 + δ 00 ).
3 3 3
• Mostraremos, agora, que f 0 é contı́nua no ponto a.
b−a
Dado ε > 0, existe 0 < δ < tal que
2

f(x + h) − f(x)
x, x + h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ 0

− f (x) < ε3.
h

Seja h > 0 fixo tal que h < δ. Então,



f(x + h) − f(x) 0

− f (x) < ε3 ,
h
h a + bi a+b a+b b−a
para todo x ∈ a, , pois a < +h< + = b.
2 2 2 2
h a + bi f(x + h) − f(x)
Como a função g : a, −→ R definida por g(x) = é
2 h
00
contı́nua no ponto a, existe 0 < δ < h tal que
ε
a ≤ x < a + δ 00 =⇒ |g(x) − g(a)| < .
3
Logo,
|f 0 (x) − f 0 (a)| ≤ |f 0 (x) − g(x)| + |g(x) − g(a)| + |g(a) − f 0 (a)|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo x ∈ [a, a + δ 00 ).
Assim, f 0 é contı́nua no ponto a.
• Finalmente, mostraremos que f 0 é contı́nua no ponto b.
b−a
Seja 0 < δ < tal que
2

f(x + h) − f(x) ε
x, x + h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒
0
− f (x) < .
h 3

Seja h < 0 fixo tal que h > −δ. Então,



f(x + h) − f(x) 0
ε
− f (x) < ,
h 3
ha + b i a+b a+b b−a
para todo x ∈ , b , pois b > +h> − = a.
2 2 2 2
ha + b i f(x + h) − f(x)
Como a função g : , b −→ R , g(x) = , é contı́nua
2 h
no ponto b, existe 0 < δ < |h| tal que
00

242 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

ε a+b
h i
|g(x) − g(b)| < para todo x ∈ (b − δ 00 , b] ⊂ ,b .
3 2
Logo,
|f 0 (x) − f 0 (b)| ≤ |f 0 (x) − g(x)| + |g(x) − g(b)| + |g(b) − f 0 (b)| Para uma demonstração mais
ε ε ε
< + + = ε, sintética, veja Curso de Análise,
3 3 3 Vol. I de Elon Lima

para todo x ∈ (b − δ 00 , b] . Assim, f 0 é contı́nua no ponto b.

3. Fórmula de Taylor

Seja n ∈ N. A n−ésima derivada, ou derivada de ordem n, da


função f no ponto a é indicada por f(n) (a) e é definida por indução da
seguinte maneira:
f 00 (a) = f(2) (a) = [f 0 ] 0 (a) ,
f 000 (a) = f(3) (a) = [f 00 ] 0 (a) ,
··· ···
(n) (n−1) 0
f (a) = [f ] (a) .

• É conveniente considerar f como a sua própria derivada de ordem zero


e escrever f(0) (a) = f(a), para simplificar as fórmulas.

• A derivada de ordem n, f(n) (a), de f no ponto a só faz sentido quando


f(n−1) (x) existe para todo x num conjunto ao qual a pertence e do qual é
ponto de acumulação. Em todos os casos que estudaremos, tal conjunto
será um intervalo contendo a.

Definição 3.1 Dizemos que f : I −→ R é n−vezes derivável no intervalo


I quando existe f(n) (x) para todo x ∈ I. Quando x é uma das extremidades
de I, f(n) (x) é uma derivada lateral.

Definição 3.2 Dizemos que f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto


a ∈ I, quando existe um intervalo aberto J contendo a tal que f é
(n − 1)−vezes derivável em I ∩ J e, além disso, existe f(n) (a).

Definição 3.3 Dizemos que f : I −→ R é de classe Cn , e escrevemos


f ∈ Cn , ou f ∈ Cn (I; R), quando f é n−vezes derivável em I e a derivada
de ordem n, x 7−→ f(n) (x), é contı́nua em I.

Instituto de Matemática - UFF 243


Análise na Reta

Observação 3.1 Em particular, dizer que f ∈ C0 significa que f é contı́-


nua em I.

Exemplo 3.1 Para cada n = 0, 1, 2, . . ., seja ϕn : R −→ R a função


definida por ϕn (x) = |x|n x .

Então, ϕn (x) = xn+1 , se x ≥ 0 e ϕn (x) = −xn+1 se x ≤ 0.

Afirmação: ϕn0 (x) = (n + 1)ϕn−1 (x) para todo x ∈ R e n ∈ N.


De fato,
• Se x > 0, ϕn0 (x) = (n + 1)xn = (n + 1)xn−1 |x| = (n + 1)ϕn−1 (x) .

• Se x < 0, ϕn0 (x) = −(n + 1)xn (n + 1)xn−1 |x| = (n + 1)ϕn−1 (x) .

• ϕn0 (0+ ) = ϕn0 (0− ) = 0 , pois lim± ϕn0 (x) = lim± (n + 1)xn−1 |x| = 0 .
x→0 x→0

Logo ϕn0 (0) = 0 = (n + 1)ϕn−1 (0) .

Afirmação: ϕ(n)
n (x) = (n + 1)! ϕ0 (x) para todo x ∈ R.

• Se n = 1, ϕ10 (x) = 2ϕ0 (x) = 2! ϕ0 (x) , ∀ x ∈ R.


(n)
• Suponhamos, por indução, que ϕn (x) = (n+1)! ϕ0 (x), para todo x ∈ R.
0
Então, como ϕn+1 (x) = (n + 2) ϕn (x), temos que
(n+1) 0 (n)
ϕn+1 (x) = [ϕn+1 ](n) (x) = (n + 2) ϕn (x)
= (n + 2) (n + 1)! ϕ0 (x)
= (n + 2)! ϕ0 (x) ,

para todo x ∈ R.
Como ϕ0 (x) = |x|, x ∈ R, é contı́nua, mas não é derivável no ponto zero,
temos que ϕ ∈ Cn , mas não é (n + 1)−vezes derivável no ponto zero.
Então, ϕ 6∈ Cn+1 .

Exemplo 3.2
• Sejam as funções fn , hn : R −→ R definidas por:
 
x2n sen 1 , se x 6= 0 x2n cos 1 , se x 6= 0
fn (x) = x e hn (x) = x
 
0 se x = 0 0 se x = 0 .

(n) (n)
Então fn e hn são n−vezes deriváveis em R, mas fn e hn não são
contı́nuas no ponto zero. Logo, fn 6∈ Cn e hn 6∈ Cn .

244 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Em particular, fn e hn não são (n + 1)−vezes deriváveis.


• Sejam as funções gn , ϕn : R −→ R definidas por:
 
x2n+1 sen 1 se x 6= 0 x2n+1 cos 1 se x 6= 0
gn (x) = x e ϕn (x) = x
 
0 se x = 0 , 0 se x = 0 .

Então, gn ∈ Cn e ϕn ∈ Cn , mas não são (n + 1)−vezes deriváveis no


ponto zero.
Vamos provar as afirmações feitas acima por indução sobre n.
Caso n = 1: Como
1 1
f10 (x) = 2x sen − cos se x 6= 0 e f10 (0) = 0 ,
x x
1 1
h10 (x) = 2x cos + sen se x 6= 0 e h10 (0) = 0 ,
x x

temos que f1 e h1 são deriváveis em R, mas f10 e h10 não são contı́nuas no
ponto zero.
• Como
1 2
g10 (x) = 3x2 sen − x cos , x 6= 0 e g10 (0) = 0,
x x
1 1 1 1
g100 (x) = 6x sen − 4 cos + sen , x 6= 0,
x x x x
1 1
ϕ10 (x) = 3x2 cos + x sen , x 6= 0 , e ϕ10 (0) = 0,
x x
1 1 1 1
ϕ100 (x) = 6x cos + 4 sen − cos , x 6= 0 ,
x x x x

temos que g1 e ϕ1 são de classe C1 , mas não são 2−vezes deriváveis no


g10 (x) − g10 (0) ϕ 0 (x) − ϕ10 (0)
ponto zero, pois não existem lim e lim 1 .
x→0 x−0 x→0 x−0

Caso geral: Suponhamos que as afirmações feitas sejam válidas para fn ,


hn , gn e ϕn .
Sendo
0 1 1 0
fn+1 (x) = (2n + 2)x2n+1 sen − x2n cos , x 6= 0, e fn+1 (0) = 0 ,
x x
temos que
0
fn+1 (x) = (2n + 2)gn (x) − hn (x) para todo x ∈ R .
Como as funções gn e hn são n−vezes deriváveis na reta, mas a derivada
de ordem n de hn não é contı́nua na origem e a derivada da função gn é

Instituto de Matemática - UFF 245


Análise na Reta

contı́nua em R, temos que fn+1 é (n + 1)−vezes derivável em R, mas sua


derivada de ordem n + 1 não é contı́nua no ponto 0.
De modo análogo, temos que:
0 1 1 0
hn+1 (x) = (2n + 2)x2n+1 cos + x2n sen , x 6= 0 , e hn+1 (0) = 0
x x
ou seja,
0
hn+1 (x) = (2n + 2)ϕn (x) + fn (x) para todo x ∈ R .
Logo, hn+1 é (n + 1)−vezes derivável em R, pois ϕn e fn são n−vezes
(n+1) (n)
deriváveis em R, mas hn+1 não é contı́nua no ponto zero, já que fn não
(n)
é contı́nua no ponto zero e ϕn é contı́nua em toda a reta.
• Sendo
0 1 1 0
gn+1 (x) = (2n + 3)x2n+2 sen − x2n+1 cos , x 6= 0 , e gn+1 (0) = 0 ,
x x
temos que
0
gn+1 (x) = (2n + 3)fn+1 (x) − ϕn (x) para todo x ∈ R .
Como ϕn ∈ Cn e fn+1 ∈ Cn , pois fn+1 é (n + 1)−vezes derivável em
R, temos que gn+1 ∈ Cn+1 , mas gn+1 não é (n + 2)−vezes derivável no
ponto zero, pois ϕn não é (n + 1)−vezes derivável no ponto zero e fn+1 é
(n + 1)−vezes derivável em R.
De modo análogo, temos que
0 1 1 0
ϕn+1 (x) = (2n + 3)x2n+2 cos + x2n+1 sen , x 6= 0 , e ϕn+1 (0) = 0 ,
x x
ou seja,
0
ϕn+1 (x) = (2n + 3)hn+1 (x) + gn (x) .

Logo, ϕn+1 ∈ Cn+1 , pois hn+1 , gn ∈ Cn , mas não é (n+2)−vezes derivável


no ponto zero, pois gn não é (n + 1)−vezes derivável no ponto 0 e hn+1 é
(n + 1)−vezes derivável em R.

Definição 3.4 Dizemos que f : I −→ R é de classe C∞ em I quando


f ∈ Cn para todo n = 0, 1, 2, . . . ,ou seja, pode-se derivar f tantas vezes
quantas se deseje, em todos os pontos do intervalo I.

Exemplo 3.3
• Todo polinômio é uma função C∞ em R.

246 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

• Uma função racional, quociente de dois polinômios, é de classe C∞ em


todo intervalo onde é definida.
• As funções trigonométricas, a função logaritmica e a função exponencial
são de classe C∞ em cada intervalo onde são definidas.

 1
e− x2 se x 6= 0
Exemplo 3.4 A função f : R −→ R, f(x) = é de
0 se x = 0
classe C∞ .
É claro que existem as derivadas de todas as ordens num ponto x 6= 0.

Vamos provar que existe f(n) (0) para todo n ∈ N.


1 1
Afirmação: Para cada n ∈ N, fn (x) = pn e− x2 , x 6= 0, onde pn (x) é
x
um polinômio.
2 − 12 1
• Para n = 1, f 0 (x) = 1
e− x2 , x 6= 0, onde p1 (y) = 2y3 .

e x = p1 x
x3
1 1
• Suponha que f(n) (x) = pn e− x2 , x 6= 0, onde
x
pn (y) = ak yk + . . . + a1 y + a0
é um polinômio, ou seja,
a a
 1
f(n) (x) = kk + . . . + 1 + a0 e− x2 , x 6= 0.
x x
Então, para x 6= 0,
 ka a
 2 ak
 a1

k 2 −1/x2
f(n+1) (x) = − k+1 − . . . − 21 e−1/x + 3 + . . . + + a 0 e
x x x xk x
1
2
= pn+1 e−1/x ,
x

onde pn+1 (y) = −kak yk+1 − . . . − a1 y2 + 2ak yk+3 + . . . + 2a1 y4 + 2a0 y3 , é


um polinômio de grau k + 3.

Afirmação: f(n) (0) existe e é igual a zero para todo n ∈ N.


1
• Fazendo y = , temos que
x
f(x) − f(0) 1/x y
lim± = lim± 1/x2 = lim y2 .
x→0 x−0 x→0 e x→±∞ e

Logo, f 0 (0) existe e é igual a zero, pois f 0 (0+ ) = f 0 (0− ) = 0.

Instituto de Matemática - UFF 247


Análise na Reta

• Suponhamos que f(n) (0) existe e é igual a zero.


1
2
Como f(n) (x) = p e−1/x , x 6= 0 , para algum polinômio p, fazendo
x
1
y = , obtemos que
x
f(n) (x) − f(n) (0) 1 1 yp(y)
  2
lim± = lim± p e−1/x = lim 2 = 0.
x→0 x−0 x→0 x x y→±∞ ey

Logo, f(n+1) (0+ ) = f(n+1) (0− ) = 0. Então, f(n+1) (0) existe e é igual a zero.

• Quando f é derivável num ponto a,


r(h)
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + r(h) , onde lim = 0,
h→0 h

ou seja, o resto r(h) é um infinitésimo de ordem maior do que 1 em relação


à h.
Mostraremos que quando f é n−vezes derivável no ponto a, existe
um polinômio p de grau ≤ n, polinômio de Taylor de f no ponto a, tal que
r(h)
f(a + h) = p(h) + r(h) , onde lim = 0,
h→0 hn

ou seja, o resto r(h) é um infinitésimo de ordem superior a n em relação


a h.
Isto é, uma função n−vezes derivável num ponto pode ser aproxi-
mada por um polinômio de grau ≤ n na vizinhança daquele ponto.
No caso n = 1, a existência de um polinômio p(h) = f(a) + Lh de
r(h)
grau ≤ 1 tal que lim = 0, onde r(h) = f(a+h)−p(h), é uma condição
h→0 h

necessária e suficiente para que f seja derivável no ponto a.


Mas, quando n > 1, a existência de um polinômio p(h) de grau
r(h)
≤ n tal que lim = 0, onde r(h) = f(a + h) − p(h), decorre de f ser
h→0 hn
n−vezes derivável no ponto a, mas não é suficiente para garantir que f
seja n−vezes derivável no ponto a.

Exemplo 3.5 Seja f : R −→ R definida por



1 + x + (x − a)2 + (x − a)3 sen 1
, se x 6= a
f(x) = x−a
1 + a , se x = a .

248 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Então,
1
f(a + h) = 1 + a + h + h2 + h3 sen , h 6= 0 ,
h
ou seja,
f(a + h) = p(h) + r(h) ,

onde p(h) = 1 + a + h + h2 é um polinômio de grau 2 e o resto


1 r(h)
r(h) = h3 sen cumpre a condição lim 2 = 0.
h h→0 h

Temos que f é derivável em toda a reta com


1 1
• f 0 (x) = 1 + 2(x − a) + 3(x − a)2 sen − (x − a) cos , para x 6= a
x−a x−a
e
1
f(x) − f(a) (x − a) + (x − a)2 + (x − a)3 sen
• f 0 (a) = lim = lim x−a
x→a x−a x→a x−a
1
= lim 1 + (x − a) + (x − a)2 sen = 1,
x→a x−a

mas f não é duas vezes derivável no ponto a, pois não existe


f 0 (x) − f 0 (a) 1 1
h i
lim = lim 2 + 3(x − a) sen − cos .
x→0 x−a x→a x−a x−a


Observação 3.2 Um polinômio de grau ≤ n


p(x) = b0 + b1 x + . . . + bn xn
fica determinado quando se conhecem o seu valor e o de suas derivadas
até a ordem n no ponto 0, ou seja, o conhecimento de p(0), p 0 (0),. . .,p(n) (0)
determina os valores de b0 , b1 , . . . , bn .
De fato, p(0) = b0 , p 0 (0) = b1 , p 00 (0) = 2 ! b2 ,. . .,p(n) (0) = n ! bn , ou seja,
p(j)
bj = , j = 0, 1, . . . , n.
j!

Definição 3.5 Se f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto a ∈ I, o


polinômio de grau ≤ n

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


p(h) = f(a) + f 0 (a)h + h + ... + h
2! n!

é o polinômio de Taylor de ordem n de f no ponto a.

Instituto de Matemática - UFF 249


Análise na Reta

Observação 3.3 O polinômio de Taylor de ordem n de f no ponto a


é o único polinômio p de grau ≤ n cujas derivadas p(0), p 0 (0),. . .,p(n) (0)
no ponto 0 coincidem com as derivadas correspondentes de f no ponto
p(j) (0) f(j) (a)
a, pois, nesse caso o coeficiente de ordem j de p é = ,
j! j!
j = 0, 1, . . . , n.

Lema 3.1 Seja r : I −→ R uma função n−vezes derivável, n ≥ 1, no


ponto 0 ∈ I. Então,
r(x)
r(0) = r 0 (0) = . . . = r(n) (0) = 0 ⇐⇒ lim = 0.
x→0 xn

Prova.
(=⇒) Mostraremos, por indução sobre n, que se r é n−vezes derivável,
r(x)
n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e r(0) = r 0 (0) = . . . = r(n) (0) = 0, então lim = 0.
x→0 xn

Caso n = 1: Se r(0) = r 0 (0) = 0, então


r(x) r(x) − r(0)
lim = lim = r 0 (0) = 0 .
x→0 x x→0 x−0

Caso geral: Suponhamos o resultado válido para n − 1, n ≥ 2.


Seja r : I −→ R n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I com r(0) = r 0 (0) =
. . . = r(n) (0) = 0.
r 0 (x)
Então, a hipótese de indução, aplicada a r 0 , nos dá que lim = 0.
x→0 xn−1

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que



r 0 (x)
x ∈ I , 0 < |x| < δ =⇒ n−1 < ε .
x

Como r é pelo menos uma vez derivável numa vizinhança do ponto zero,
pois n ≥ 2, existe 0 < δ 0 < δ, tal que r é derivável em I ∩ (−δ 0 , δ 0 ).
Então, pelo teorema do valor médio, para cada 0 < |x| < δ 0 , x ∈ I, existe
cx ∈ I, 0 < |cx | < |x|, tal que
r(x) = r(x) − r(0) = r 0 (cx )x .
Logo,

r(x) r 0 (cx ) r 0 (cx ) n−1
cx
xn = xn−1 = cn−1 · < ε.

x

x

250 J. Delgado - K. Frensel


Fórmula de Taylor

Provamos, assim, que dado ε > 0 existe δ 0 > 0 tal que



r(x)
x ∈ I, 0 < |x| < δ =⇒ n < ε .
0
x

r(x)
Logo, lim = 0.
x→0 xn

(⇐=) Mostraremos, agora, por indução, que se r : I −→ R é n−vezes


r(x)
derivável, n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e lim = 0, então r(0) = r 0 (0) =
x→0 xn

r 00 (0) = . . . = r(n) (0) = 0 .


r(x)
Caso n = 1: Se lim = 0, então
x→0 x

r(x) r(x)
r(0) = lim r(x) = lim x = lim lim x = 0 ,
x→0 x→0 x x→0 x x→0

r(x) − r(0) r(x)


e r 0 (0) = lim = lim = 0.
x→0 x−0 x→0 x

Caso geral: Suponhamos o resultado válido para n − 1, n ≥ 2, e conside-


remos uma função r : I −→ R n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I tal que
r(x)
lim = 0.
x→0 xn

r(n) (0) n
Seja ϕ : I −→ R definida por ϕ(x) = r(x) − x .
n!
Então, ϕ é n−vezes derivável no ponto 0 ∈ I e
 
ϕ(x) r(x) r(n) (0)
lim n−1 = lim n
x− x = 0.
x→0 x x→0 x n!

Pela hipótese de indução, temos que


ϕ(0) = ϕ 0 (0) = . . . = ϕ(n−1) (0) = 0 .
Então, r(0) = 0 e como
r(n) (0)
ϕ(k) (x) = r(k) (x) − n (n − 1) . . . (n − (k − 1)) xn−k ,
n!

para todo x ∈ I e k = 1, 2, . . . , n, temos r(j) (0) = 0, para todo


r(n) (0) n !
j = 1, . . . , n − 1, e ϕ(n) (0) = r(n) (0) − = 0.
n!
ϕ(x)
Logo, pela parte do lema já demonstrada, temos que lim = 0, já que
x→0 xn
ϕ(0) = ϕ 0 (0) = . . . = ϕ(n−1) (0) = ϕ(n) (0) = 0 .

Instituto de Matemática - UFF 251


Análise na Reta

r(x)
Então, como lim = 0, temos que
x→0 xn
 
r(n) (0) r(n) (0) xn r(x) ϕ(x) r(x) ϕ(x)
= lim = lim − n = lim − lim n = 0 ,
n! x→0 n ! xn x→0 xn x x→0 x n x→0 x

ou seja, r(n) (0) = 0, o que completa a demonstração.

• Sejam f : I −→ R uma função definida no intervalo I, a ∈ I e p : R −→ R


um polinômio. Se fizermos
f(a + h) = p(h) + r(h) ,
obtemos uma função r : J −→ R definida no intervalo J = −a + I = {h ∈
R | a + h ∈ I} que contém o ponto 0.
Como p ∈ C∞ , temos que f é n−vezes derivável no ponto a se, e só
se, r é n−vezes derivável no ponto 0.
Suponhamos que f é n−vezes derivável no ponto a. Segue-se do
r(h)
lema anterior, que lim = 0 se, e só se, r(j) (0) = 0 , 0 ≤ j ≤ n, ou seja,
h→0 hn

r(h)
lim = 0 se, e só se, f(j) (a) = p(j) (0), para todo j = 0, 1, . . . , n.
h→0 hn

r(h)
Se, além disso, impusermos que grau(p) ≤ n, temos que lim =
h→0 hn

0 se, e só se, p é o polinômio de Taylor de ordem n para f no ponto a.


Com estas observações, provamos o seguinte:

Teorema 3.1 (Fórmula de Taylor infinitesimal)


Seja f : I −→ R uma função n−vezes derivável no ponto a ∈ I.
Então, para todo h tal que a + h ∈ I, tem-se

f(n) (a) n
f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + . . . + h + r(h)
n!

r(h)
onde lim = 0.
h→0 hn

X
n
f(j) (a)
Além disso, p(h) = hj é o único polinômio de grau ≤ n tal que
j!
j=0

r(h)
f(a + h) = p(h) + r(h) , com lim =0
h→0 hn

252 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

• Este teorema nos diz que o polinômio de Taylor de ordem n para f


no ponto a aproxima f, numa vizinhança do ponto a, a menos de um
infinitésimo de ordem superior a n.

Exemplo 3.6 Seja p : R −→ R um polinômio de grau ≤ n. Dados


a, h ∈ R, a fórmula de Taylor infinitesimal nos diz que
p(n) (a) n
p(a + h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h + r(h) ,
n!
r(h)
onde lim = 0.
h→0 hn

Como r é um polinômio de grau ≤ n e r(j) (0) = 0, 0 ≤ j ≤ n, temos que


r = 0, ou seja,
p(n) (a) n
p(a + h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h ,
n!
quaisquer que sejam a, h ∈ R.
Poderı́amos, também, chegar ao mesmo resultado observando que q(h) =
p(a + h) é um polinômio de grau ≤ n tal que r(h) = p(a + h) − q(h) = 0
r(h)
satisfaz, trivialmente, a condição lim = 0. Então, pela unicidade do
h→0 hn
polinômio de Taylor, temos que
p(n) (a) n
p(a + h) = q(h) = p(a) + p 0 (a)h + . . . + h .
n!


4. Aplicações da fórmula de Taylor

4.1 Máximos e mı́nimos locais

Seja f : I −→ R uma função n−vezes derivável no ponto a perten-


cente ao interior do intervalo I. Dizemos que a é um ponto crı́tico de f
quando f 0 (a) = 0.

Suponhamos que f 0 (a) = f 00 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 , mas


f(n) (a) 6= 0. Então:

(1) Se n é par, então a é ponto de máximo local quando f(n) (a) < 0, e um

Instituto de Matemática - UFF 253


Análise na Reta

ponto de mı́nimo local quando f(n) (a) > 0.


(2) Se n é ı́mpar, o ponto a não é de máximo nem de mı́nimo local.
De fato, pela fórmula de Taylor infinitesimal, temos que
 (n) 
f (a)
f(a + h) = f(a) + + ρ(h) hn ,
n!

r(h)
onde ρ(0) = 0 e ρ(h) = se h 6= 0, a + h ∈ I.
hn

Como lim ρ(h) = 0 e f(n) (a) 6= 0, temos que, para h suficientemente


h→0

f(n) f(n) (a)


pequeno, o sinal de + ρ(h) é o mesmo de .
n! n!

Então, se n é par e f(n) (a) > 0, temos que f(a + h) > f(a) para todo
h 6= 0 pertencente a uma vizinhança do ponto zero, pois hn > 0 para todo
h 6= 0. Ou seja, a é um ponto de mı́nimo local estrito.

E, se n é par e f(n) (a) < 0, temos que f(a + h) < f(a) para todo
h 6= 0 suficientemente pequeno, já que hn > 0 para todo h 6= 0. Ou seja,
a é um ponto de máximo local estrito.

Agora, se n é ı́mpar e f(n) (a) > 0, como existe δ > 0 tal que
f(n) (a)
(a − δ, a + δ) ⊂ I e + ρ(h) > 0 ∀ h ∈ (−δ, δ) − {0}, temos que
n!
 
f(n) (a)
f(a + h) − f(a) = + ρ(h) hn < 0 , se −δ < h < 0 ,
n!
 
f(n) (a)
e f(a + h) − f(a) = + ρ(h) hn > 0 , se 0 < h < δ .
n!

Ou seja, a não é ponto de máximo nem de mı́nimo local de f.

De modo análogo, podemos provar que se n é ı́mpar e f(n) (a) < 0,


então a não é ponto de máximo nem de mı́nimo local de f.
• Em particular, temos que se f : I −→ R é n−vezes derivável no ponto
a ∈ int I, f 0 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 e f(n) (a) 6= 0, então existe δ > 0 tal
que f(a + h) 6= f(a) para todo h ∈ (−δ, δ) , h 6= 0.
Como conseqüência, temos que se (xn ) é uma seqüência de pontos
de X − {a} tal que lim xn = a e f(xn ) = f(a) para todo n ∈ N, então
n→+∞

todas as derivadas de f que existam no ponto a são nulas.

254 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

Exemplo 4.1 A função f : R −→ R, f(x) = xn , tem um ponto de mı́nimo


no ponto zero se n é par, pois f 0 (0) = . . . = f(n−1) (0) = 0 e f(n) (0) = n ! >
0 , e é crescente se n é ı́mpar, pois f 0 (x) = nxn−1 > 0 para todo x 6= 0,
f(x) < 0 para x < 0 e f(x) > 0 para x > 0.

0
4.2 Indeterminação do tipo .
0

Sejam f, g : I −→ R funções n−vezes deriváveis no ponto a ∈ I. Su-


ponhamos que f(a) = f 0 (a) = . . . = f(n−1) (a) = 0 e g(a) = g 0 (a) = . . . =
g(n−1) (a) = 0, mas f(n) (a) 6= 0 ou g(n) (a) 6= 0. Além disso, suponhamos
que g(x) 6= 0 para todo x 6= a suficientemente próximo de a. Então,
f(x) f(n) (a)
lim = (n) , se g(n) (a) 6= 0 ,
x→a g(x) g (a)
e

f(x)
lim = +∞ , se g(n) (a) = 0 ,
x→a g(x)

Para provar este resultado, basta observar, fazendo h = (x − a), que


!
f(n) (a)
+ ρ(h) hn
f(x) f(a + h) n!
= = !
g(x) g(a + h) g(n) (a)
+ σ(h) hn
n!
f(n) (a) + n ! ρ(h)
= , onde lim ρ(h) = lim σ(h) = 0 .
g(n) (a) + n ! σ(h) h→0 h→0

• Veremos, agora, outra fórmula de Taylor, que nos dá uma estimativa
da diferença f(a + h) − f(a) para um valor fixo de h, isto é, sem supor
h −→ 0. A fórmula de Taylor que iremos obter nos dá uma generalização
do Teorema do Valor Médio para funções n−vezes deriváveis.

Teorema 4.1 (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange)


Seja f : [a, b] −→ R uma função de classe Cn−1 , n−vezes derivável no
intervalo aberto (a, b). Então existe c ∈ (a, b) tal que

f(n−1) (a) f(n) (c)


f(b) = f(a) + f 0 (a) (b − a) + . . . + (b − a)n−1 + (b − a)n
(n − 1) ! n!

Instituto de Matemática - UFF 255


Análise na Reta

Pondo b = a + h, isto equivale a dizer que existe θ ∈ (0, 1) tal que

f(n−1) (a) n−1 f(n) (a + θ h) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + . . . + h + h
n! n!

Prova.
Seja ϕ : [a, b] −→ R definida por
f(n−1) (x) k
ϕ(x) = f(b) − f(x) − f 0 (x) (b − x) − . . . − (b − x)n−1 − (b − x)n ,
(n − 1) ! n!

onde a constante k é escolhida de modo que ϕ(a) = 0.


Então, ϕ é contı́nua em [a, b], derivável em (a, b), ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Além disso, temos que
Xn 
f(j) (x) f(j−1) (x)

0 0 j−1 j−2
ϕ (x) = −f (x) + − (b − x) + (b − x)
(j − 1) ! (j − 2) !
j=2

k
+ (b − x)n−1
(n − 1) !
X
n−1 (j+1)
f (x) X
n−2 (j+1)
f (x) (b − x)n−1
j
= −f (x) − 0
(b − x) + (b − x)j + k
j! j! (n − 1) !
j=1 j=0

k − f(n) (x)
= (b − x)n−1 .
(n − 1) !

Pelo teorema de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ 0 (c) = 0, ou seja, k =


f(n) (c) .
Então, como ϕ(a) = 0, temos que
f(n−1) (a) f(n) (c)
f(b) = f(a) + f 0 (a)(b − a) + . . . + (b − a)n−1 + (b − a)n .
(n − 1) ! n!

4.3 Funções convexas

Dizemos que uma função f : I −→ R, definida num intervalo I, é


convexa, quando para a < x < b arbitrários em I, o ponto (x, f(x)) do
gráfico de f está situado abaixo da secante que liga os pontos (a, f(a)) e
(b, f(b)).
Como a equação da reta secante é

256 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

f(b) − f(a) f(b) − f(a)


y= (x − a) + f(a) , ou y= (x − b) + f(b) ,
b−a b−a

dizer que, para a < x < b o ponto (x, f(x)) do gráfico de f está abaixo da
secante, significa que
f(b) − f(a)
f(x) ≤ (x − a) + f(a) ,
b−a
e
f(b) − f(a)
f(x) ≤ (x − b) + f(b) ,
b−a
ou seja,
f(x) − f(a) f(b) − f(a) f(b) − f(x)
≤ ≤
x−a b−a b−x
Na realidade, basta que uma dessas desigualdades ocorra para que
a função seja convexa.

Teorema 4.2 Seja f : I −→ R uma função duas vezes derivável no


intervalo aberto I. Então, f é convexa se, e só se, f 00 (x) ≥ 0 para todo
x ∈ I.

Prova.
(⇐=) Suponhamos que f 00 (x) ≥ 0 para todo x ∈ I.
Sejam a, a + h ∈ I, h 6= 0. Então, pelo teorema anterior, existe c ∈ I entre
f 00 (c) 2
a e a + h tal que f(a + h) = f(a) + f 0 (a)h + h .
2!
Como f 00 (a) ≥ 0, temos que
f(a + h) − f(a)
≥ f 0 (a) se h > 0,
h
e
f(a + h) − f(a)
≤ f 0 (a) se h < 0.
h
Logo, se a < x < b, a, b, x ∈ I, temos que
f(a) − f(x) f(b) − f(x)
≤ f 0 (x) ≤ ,
a−x b−x
f(x) − f(a) f(b) − f(x)
isto é, ≤ .
x−a b−x

Somando (f(x) − f(a))(x − a) a ambos os membros da desigualdade,


(f(x) − f(a))(b − x) ≤ (f(b) − f(x))(x − a) ,

Instituto de Matemática - UFF 257


Análise na Reta

obtemos que
(f(x) − f(a))(b − a) ≤ (f(b) − f(a))(x − a) ,
ou seja,
f(x) − f(a) f(b) − f(a)
≤ ,
x−a b−a

Logo, f é convexa no intervalo I.

(=⇒) Suponhamos que f é convexa em I. Então, dados a < x < b em I,


temos que
f(x) − f(a) f(b) − f(a) f(x) − f(b)
≤ ≤ .
x−a b−a x−b
Fazendo x −→ a na primeira desigualdade e x −→ b na segunda, obte-
mos que:
f(b) − f(a)
f 0 (a) ≤ ≤ f 0 (b) ,
b−a

ou seja, f 0 (a) ≤ f 0 (b).


Como f 0 é não-decrescente e derivável em I, temos que f 00 (x) ≥ 0 para
todo x ∈ I.

Observação 4.1 Tomando a desigualdade estrita < em vez de ≤ 0 na


definição de função convexa, obtemos o conceito de função estritamente
convexa.

Usando a mesma demonstração que fizemos acima, podemos pro-


var que se f : I −→ R é duas vezes derivável no intervalo aberto I e
f 00 (x) > 0 para todo x ∈ I, então f é estritamente convexa.
Mas a recı́proca nem sempre é verdadeira.

Exemplo 4.2 A função f : R −→ R, f(x) = x4 , é estritamente convexa,


pois se a < x < b, então
x 4 − a4 (x2 − a2 )(x2 + a2 )
= = (x + a)(x2 + a2 )
x−a x−a
b4 − a4
< (b + a)(b2 + a2 ) = ,
b−a

mas f 00 (x) = 12x2 não é positiva em todo x, pois f 00 (0) = 0.

258 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

4.4 Série de Taylor — funções analı́ticas

Seja f : I −→ R uma função de classe C∞ no intervalo I. Então,


dados a ∈ int I e a + h ∈ I, podemos escrever, para todo n ∈ N,
f(n−1) (a) n−1
f(a + h) = f(a) + f 0 (a)h + . . . + h + rn (h) ,
(n − 1)!

f(n) (a + θn h) n
onde rn (h) = h , com 0 < θn < 1.
n!
A série
X

f(n) (a)
hn
n!
n=0

chama-se série de Taylor da função f em torno do ponto a.

Observação 4.2 Toda função C∞ definida num intervalo I possui uma


série de Taylor em torno de cada ponto a ∈ int I. Mas tal série pode con-
vergir ou divergir e, mesmo quando converge, sua soma pode ser diferente
de f(a + h).

Definição 4.1 Dizemos que uma função f : I −→ R de classe C∞ no


intervalo aberto I é analı́tica quando, para cada a ∈ I existe εa > 0 tal
X∞
f(n) (a) n
que a série de Taylor h converge para f(a + h) para todo
n!
n=0

h ∈ (−εa , εa ).

X

f(n) (a)
Observação 4.3 A série de Taylor hn converge para f(a+h)
n!
n=0

se, e só se, lim rn (h) = 0.


n→+∞

Exemplo 4.3 Todo polinômio p : R −→ R é uma função analı́tica, pois,


se p tem grau ≤ n, então
p(n) (a) n X p(j) (a) j

p(a + h) = p(a) + p 0 (a) h + . . . + h = h ,
n! j!
j=0

para todo a, h ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 259


Análise na Reta

Observação 4.4 Costuma-se usar a unicidade do polinômio de Taylor


para se obter as derivadas de ordem superior de uma função f.

Exemplo 4.4 Seja a função racional f : R −→ R definida por f(x) =


1
. Então, f ∈ C∞ e, como
1 + x2
1 − yn
= 1 + y + y2 + . . . + yn−1 ,
1−y

ou seja,
1 yn
= 1 + y + . . . + yn−1 + ,
1−y 1−y

para todo y 6= 1, temos, fazendo 1 + x2 = 1 − (−x2 ), que


1 2 4 6 n−1 2n−2 (−1)n x2n
f(x) = f(x + 0) = = 1 − x + x − x + . . . + (−1) x + ,
1 + x2 1 + x2
para todo x ∈ R e n ∈ N.

(−1)n x2n
Sejam p(x) = 1 − x2 + x4 − x6 + . . . + (−1)n−1 x2n−2 e r(x) = .
1 + x2
r(x) (−1)n x
Como p é um polinômio de grau ≤ 2n − 1 e lim 2n−1 = lim = 0,
x→0 x x→0 1 + x2

temos que p é o polinômio de Taylor de ordem 2n − 1 de f no ponto zero.


Logo, f(2n−1) (0) = 0 e f(2n−2) (0) = (−1)n−1 (2n − 2) ! para todo n ∈ N.

(−1)n x2n
Além disso, como r2n−1 (x) = r2n (x) = , e lim rn (x) = 0 se, e só
1 + x2 n→0

se, lim rn (x) = 0 se, e só se, lim r2n−1 (x) = lim r2n (x) = 0 temos
n→+∞ n→+∞ n→+∞

que, lim rn (x) = 0 se, e só se, |x| < 1.


n→+∞

X

Então a série de Taylor de f em torno de zero, (−1)n x2n , converge
n=0

para f(x) se |x| < 1 e diverge se |x| ≥ 1, pois, neste caso, o termo geral
(−1)n x2n não tende a zero quando n −→ ∞.
Apesar disto, como veremos depois, f é analı́tica em toda a reta. O que
acontece é que a série de Taylor de f em torno de um ponto a 6= 0 é
diferente da série acima.

e−1/x2 se x 6= 0
Exemplo 4.5 Seja f : R −→ R a função f(x) =
0 se x = 0 .

260 J. Delgado - K. Frensel


Aplicações da fórmula de Taylor

Já vimos, no exemplo 3.4, que f é de classe C∞ e que f(n) (0) = 0 para
todo n ∈ N.
X

f(n) (0)
Logo, a série de Taylor xn de f em torno do ponto 0 é identi-
n!
n=0

camente nula e, portanto, converge para zero, para todo x ∈ R. Como


f(x) 6= 0 para todo x 6= 0, a série de Taylor de f em torno do ponto 0
não converge para f(x) para todo x 6= 0. Em particular, f não é analı́tica
em intervalo algum que contém o zero. Mas, como veremos depois, f é
analı́tica em (0, ∞) e em (−∞, 0).

Exemplo 4.6 Seja f : R −→ R dada por f(x) = sen x.


Como f(2n+1) (x) = (−1)n cos x e f(2n) (x) = (−1)n sen x, para todo x ∈ R
e n ∈ N, temos que a fórmula de Taylor de f com resto de Lagrange em
torno do zero é
x3 x5 (−1)n x2n+1
sen x = x − + + ... + + r2n+2 (x) ,
3! 5! (2n + 1) !

sen(n) (c) n
onde rn (x) = x e |c| < |x|.
n!
|x|n
Logo, |rn (x)| ≤ para x ∈ R e n ∈ N.
n!
|x|n
Então, como lim = 0, temos que lim rn (x) = 0 para todo x ∈ R.
n→+∞ n ! n→+∞

Ou seja, a série de Taylor da função seno em torno do ponto 0 converge


para sen x, para todo x ∈ R.
De modo análogo, podemos provar que a série de Taylor
h2 h3 h4
sen a + h cos a − sen a − cos a + sen a + . . .
2! 3! 4!
da função seno em torno de um ponto a ∈ R também converge para
sen(n) (c) n
sen(a + h) para todo h ∈ R, pois o resto rn (h) = h , onde c está
n!
entre a e a + h, da fórmula de Taylor com resto de Lagrange da função
seno em torno do ponto a também converge para zero quando n → +∞
para todo h ∈ R.
Assim, a função seno é analı́tica em toda a reta e sua série de Taylor em
torno de qualquer ponto a converge para sen(a + h) para todo h ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 261


De modo análogo, podemos provar que o mesmo vale para a função cos-
seno.

Exemplo 4.7 Seja f : R −→ R a função exponencial f(x) = ex . Como


f(n) (x) = ex para todo x ∈ R e n ∈ N, temos que a fórmula de Taylor com
resto de Lagrange de f em torno de um ponto a ∈ R é dada por
h2 hn
ea+h = ea + ea h + ea + . . . + ea + rn+1 (h) ,
2! n!
ecn hn+1
onde rn+1 (h) = , para algum cn entre a e a + h.
n!
hn+1
Como ecn < ea+|h| e lim = 0, temos que lim rn+1 (h) = 0.
n→+∞ (n + 1)! n→+∞

X

ea hn
Logo, a série de Taylor da função exponencial em torno do ponto
n!
n=0
a+h
a converge para e para todo h ∈ R.
Assim, a função exponencial é analı́tica em toda a reta e
X

ea
x
e = (x − a)n
n!
n=0

para todo x ∈ R e a ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 263


264 J. Delgado - K. Frensel
Integral superior e integral inferior

Parte 8

Integral de Riemann

1. Integral superior e integral inferior

Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada no intervalo compacto [a, b].


Então, existem m, M ∈ R tais que m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], ou
seja, f(x) ∈ [m, M] para todo x ∈ [a, b].
O menor intervalo [m, M] que contém f([a, b]) é dado por
m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} = inf f e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]} = sup f .

Definição 1.1 Uma partição do intervalo [a, b] é um subconjunto finito


P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que a = t0 < t1 < . . . < tn = b.
Os intervalos [ti−1 , ti ], i = 1, . . . , n, são os intervalos da partição P.

• Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma


partição de [a, b]. Para cada i = 1, . . . , n, tome
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]} e Mi = sup{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]} .

Definição 1.2 Os números reais


X
n X
n
s(f; P) = mi (ti − ti−1 ) e S(f; P) = Mi (ti − ti−1 )
i=1 i=1

são chamados, respectivamente, a soma inferior e a soma superior da


função f relativa à partição P.

• Se m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]}, temos

Instituto de Matemática - UFF 265


Análise na Reta

m(b − a) ≤ s(f; P) ≤ S(f; P) ≤ M(b − a) ,


para toda partição P do intervalo [a, b].

Observação 1.1 Se f é positiva no intervalo [a, b], s(f; P) e S(f; P) são,


respectivamente, a área de um polı́gono inscrito e a área de um polı́gono
circunscrito e, portanto, valores aproximados, por falta, e por excesso, da
área compreendida entre o gráfico de f e o eixo das abscissas.

Definição 1.3 Sejam P e Q partições do intervalo [a, b].


Quando P ⊂ Q, dizemos que a partição Q é mais fina do que a partição
P, ou que a partição Q é um refinamento da partição P.

Seja Q = {t0 , t1 , . . . , ti−1 , r, ti , . . . , tn } um refinamento da partição


P = {t0 , t1 , . . . , ti−1 , ti , . . . , tn }, obtido acrescentando apenas um ponto

266 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

r ∈ (ti−1 , ti ) à partição P.
Sejam
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , ti ]}
m 0 = inf{f(x) | x ∈ [ti−1 , r]}
m 00 = inf{f(x) | x ∈ [r, ti ]} .

Então, mi ≤ m 0 e mi ≤ m 00 .
Assim,
s(f; Q) − s(f; P) = m 00 (ti − r) + m 0 (r − ti+1 ) − mi (ti − ti−1 )
= m 0 (ti − r) + m 00 (r − ti−1 ) − mi (ti − r) − mi (r − ti−1 )
= (m 0 − mi )(ti − r) + (m 00 − mi )(r − ti−1 ) ≥ 0 ,

ou seja, s(f; Q) ≥ s(f; P).


Podemos, então, provar por indução que s(f; Q) ≥ s(f; P) para toda
partição Q mais fina do que P.
De modo análogo, podemos mostrar que se Q é um refinamento de
P, isto é, P ⊂ Q, então S(f; Q) ≤ S(f; P).

Teorema 1.1 Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e P, Q partições


de [a, b]. Se P ⊂ Q, então
s(f, P) ≤ s(f; Q) e S(f; P) ≥ S(f; Q) .

Corolário 1.1 Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada.


Então s(f; P) ≤ S(f; Q) quaisquer que sejam P e Q partições de [a, b].

Prova.
Como P ∪ Q refina P e Q, temos
s(f; P) ≤ s(f; P ∪ Q) ≤ S(f; P ∪ Q) ≤ S(f; Q) .

Definição 1.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Chamamos integral inferior


de f no intervalo [a, b] o número real
Zb
f(x) dx = sup s(f; P)
a P

e integral superior de f no intervalo [a, b] o número real

Instituto de Matemática - UFF 267


Análise na Reta

Zb
f(x) dx = inf S(f; P)
a P

Zb Zb
Ou seja, f(x) dx e f(x) dx são caracterizados pelas proprieda-
a a

des abaixo:
Zb
(1) f(x) dx ≥ s(f; P) para qualquer partição P de [a, b]
a

(2) Dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que


Zb
s(f; P) > f(x) dx − ε .
a

Zb
(1’) f(x) dx ≤ S(f; P) para qualquer partição P de [a, b]
a

(2’) Dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que


Zb
S(f; P) < f(x) dx + ε .
a

Então, se m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], temos que


Zb Zb
m(b − a) ≤ f(x) dx ≤ f(x) dx ≤ M(b − a) ,
a a

pois
m(b − a) ≤ s(f; P) ≤ S(f; Q) ≤ M(b − a) ,
quaisquer que sejam as partições P e Q de [a, b].
Em particular, se |f(x)| ≤ K, ou seja, −K ≤ f(x) ≤ K, para todo
x ∈ [a, b], então
Z Z
b b
f(x) dx ≤ K(b − a) e f(x) dx ≤ K(b − a) .


a a


1 se x ∈ Q
Exemplo 1.1 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) =
0 se x ∈ R − Q .

Dada uma partição P de [a, b], temos mi = 0 e Mi = 1, para todo


i = 1, . . . , n, pois todo intervalo [ti−1 , ti ] de P contém números racionais e
irracionais.

268 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Logo, s(f; P) = 0 e S(f; P) = (b − a), para toda partição P de [a, b].


Zb Zb
Portanto, f(x) dx = 0 e f(x) dx = b − a.
a a

Exemplo 1.2 Seja f : [a, b] −→ R a função constante f(x) = c para todo


x ∈ [a, b]. Então mi = Mi = c em todo intervalo [ti−1 , ti ] de uma partição
P de [a, b]. Logo, s(f; P) = S(f; P) = c(b − a) para toda partição P de
[a, b]. Daı́,
Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx = c(b − a) .
a a

Teorema 1.2 Sejam a < c < b e f : [a, b] −→ R limitada. Então,


Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

e
Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

Lema 1.1 Seja a < c < b. Então,


Zb
f(x) dx = sup { s(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P }
a
Zb
f(x) dx = inf { S(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P }
a

Prova.
Dada uma partição P de [a, b], seja P 0 = P ∪ {c}. Então, s(f; P) ≤ s(f; P 0 ) .
Zb
Como f(x) dx ≥ s(f; P) para toda partição P de [a, b], temos que
a
Zb
f(x) dx ≥ s(f; Q) ,
a

para toda partição Q de [a, b] que contém c. Então,


Zb
sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q } ≤ f(x) dx .
a

Por outro lado, dada uma partição P de [a, b], temos que

Instituto de Matemática - UFF 269


Análise na Reta

s(f; P) ≤ s(f; P 0 ) ≤ sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q } ,


onde P 0 = P ∪ {c}. Logo,
Zb
f(x) dx ≤ sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q }.
a

Zb
Assim, f(x) dx = sup { s(f; Q) | Q partição de [a, b] com c ∈ Q} .
a

De modo análogo, podemos provar a outra igualdade.

Observação 1.2 Usando o mesmo tipo de argumento feito na demons-


tração do lema acima, podemos mostrar que, para calcular as integrais
superior e inferior de uma função, basta considerar as partições de [a, b]
que refinam uma partição P0 dada. Ou seja,
Zb Zb
f(x) dx = sup s(f; P) e f(x) dx = inf S(f; P) .
a P⊃P0 a P⊃P0

Lema 1.2 Sejam A e B conjuntos não-vazios limitados de números re-


ais. Então,
sup(A + B) = sup A + sup B e inf(A + B) = inf A + inf B ,
onde A + B = { x + y | x ∈ A e y ∈ B }.

Prova.
Como x ≤ sup A para todo x ∈ A e y ≤ sup B para todo y ∈ B, te-
mos x + y ≤ supA + sup B. Logo, sup A + sup B é uma cota superior do
conjunto A + B.
ε
Além disso, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que x ≥ sup A − e
2
ε
y > sup B − .
2
Então, x + y > (sup A + sup B) − ε. Logo, sup A + sup B é a menor cota
superior de A + B, ou seja,
sup(A + B) = sup A + sup B .
De modo análogo, podemos provar que inf(A + B) = inf A + inf B. 

Corolário 1.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R funções limitadas. Então,


sup(f + g) ≤ sup f + sup g e inf(f + g) ≥ inf f + inf g.

270 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Prova.
Sejam A = { f(x) | x ∈ [a, b] } , B = { g(y) | y ∈ [a, b] } e C = { f(x) +
g(x) | x ∈ [a, b] }. Como C ⊂ A + B, temos, pelo lema anterior, que
• sup(f + g) = sup C ≤ sup(A + B) = sup A + sup B = sup f + sup g ,
e
• inf(f + g) = inf C ≥ inf(A + B) = inf A + inf B = inf f + inf g. 

Exemplo 1.3 Sejam f, g : [−1, 1] −→ R dadas por f(x) = x e g(x) = −x.


Então, sup f = 1 = sup g e sup(f + g) = 0, pois f(x) + g(x) = 0 para todo
x ∈ [−1, 1]. Logo, neste exemplo, sup(f + g) < sup f + sup g. 

Prova. (do Teorema 1.2)


Sejam
A = {s(f|[a,c] ; P) | P é partição de [a, c] }
B = {s(f|[c,b] ; P) | P é partição de [c, b] } .

Então, A + B = {s(f; P) | P é partição de [a, b] com c ∈ P } .


Logo, pelos lemas 1.1 e 1.2, temos que
Zb Zc Zb
f(x) dx = sup(A + B) = sup A + sup B = f(x) dx + f(x) dx .
a a c

De modo análogo, temos que


Zb Zc Zb
0 0 0 0
f(x) dx = inf(A + B ) = inf A + inf B = f(x) dx + f(x) dx ,
a a c

onde
A 0 = {S(f|[a,c] ; P) | P é partição de [a, c] }

e B 0 = {S(f|[c,b] ; P) | P é partição de [c, b] } . 

Observação 1.3 Sejam a < c < b e seja f : [a, b] −→ R a função dada



α , a≤x<c
por f(x) =
β , c ≤ x ≤ b.

Então,
Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a a

Instituto de Matemática - UFF 271


Análise na Reta

De fato, como f|[c,b] ≡ β, temos, pelo teorema anterior e pelo exemplo —,


que
Zb Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + β(b − c) ,
a a c a

e
Zb Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + β(b − c) .
a a c a

Suponhamos, para fixar as idéias, que α ≤ β. Então, α ≤ f(x) ≤ β para


todo x ∈ [a, b].
Zc
Logo, para todo ε > 0 tal que a < c − ε < c, temos que f(x) dx ≤ βε
c−ε
e, portanto,
Zc Z c−ε Zc
α(c − a) ≤ f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c−ε
≤ α(c − ε − a) + βε
= α(c − a) + (β − α)ε ,

Assim, fazendo ε tender a zero, temos que


Zc
f(x) dx = α(c − a)
a

Zb
e, portanto, f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a

Além, disso, como s(f|[a, c] ; P) = α(c − a) para toda partição P de [a, c],
Zc
pois α ≤ β, temos que f(x) dx = α(c − a) e, portanto,
a
Zb
f(x) dx = α(c − a) + β(b − c) .
a

Observação 1.4 Observe, pela demonstração feita acima, que o valor


da função f|[a,c] no ponto c não influência nos valores das integrais, ou

α , se x ∈ [a, c)
seja, se g(x) = , então, para todo M ∈ R , temos
M , se x = c
Zc Zc Zc Zc
f(x) dx = g(x) dx e f(x) dx = g(x) dx .
a a a a

272 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

De modo análogo, podemos povar que


Zc Zc Zc Zc
f(x) dx = h(x) dx e f(x) dx = h(x) dx
a a a a

α , se x ∈ (a, c]
onde h(x) = e M ∈ R é um número qualquer.
M , se x = a ,

Zc Zc
Logo, f(x) dx = α(c − a) e f(x) dx = α(c − a) quaisquer que sejam os
a a

valores de f nos pontos a e c, onde f|(a,c) ≡ α.

Definição 1.5 Dada uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b], uma


função f : [a, b] −→ R constante, igual a ci , em cada intervalo aberto
(ti−1 , ti ), i = 1, . . . , n, chama-se uma função escada.

Repetindo o argumento feito acima um número finito de vezes, temos


que
Zb Zb X
n
f(x) dx = f(x) dx = ci (ti − ti−1 ) ,
a a i=1

quaisquer que sejam os valores que f assume nos pontos t0 , t1 , . . . , tn


da partição P.

Lema 1.3 Seja A um conjunto limitado não-vazio de números reais.


Dado c ∈ R, seja cA = {cx | x ∈ A}. Então,
• sup cA = c sup A e inf cA = c inf A se c > 0,
• sup cA = c inf A e inf cA = c sup A se c < 0.

Prova.
Seja c > 0. Como x ≤ sup A para todo x ∈ A, temos que cx ≤ c sup A
para todo cx ∈ cA. Logo, c sup A é uma cota superior de cA.
ε
Além disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > sup A − . Logo,
c
cx > c sup A − ε. Então sup A é a menor cota superior de cA, ou seja,
c sup A = sup cA.
Seja, agora, c < 0. Como x ≤ sup A para todo x ∈ A, temos cx ≥ c sup A
para todo cx ∈ cA. Logo, c sup A é uma cota inferior de cA.

Instituto de Matemática - UFF 273


Análise na Reta

ε ε
Além disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > sup A + , pois < 0.
c c
Logo, cx < c sup A + ε. Portanto, c sup A é a maior cota inferior de cA, ou
seja, inf cA = c sup A.
De modo análogo, podemos provar que
inf cA = c inf A se c > 0 e sup cA = c inf A se c < 0. 

Teorema 1.3 Sejam f, g : [a, b] −→ R limitadas. Então:


Zb Zb Zb Zb
(1) f(x) dx + g(x) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx
a a a a
Zb Zb
≤ f(x) dx + g(x) dx .
a a

Zb Zb Zb Zb
(2) Quando c > 0, c f(x) dx = c f(x) dx e c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a a

Zb Zb Zb Zb
Quando c < 0, c f(x) dx = c f(x) dx e c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a a

Zb Zb Zb Zb
Em particular, − f(x) dx = − f(x) dx e − f(x) dx = − f(x) dx .
a a a a

(3) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx e f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a a a

Prova.
Zb Zb
(1) Já sabemos que (f(x) + g(x)) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx .
a a

Zb Zb Zb
Vamos provar que f(x) dx + g(x) dx ≤ (f(x) + g(x)) dx .
a a a

Sejam P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b] e mi (f), mi (g), mi (f + g)


os ı́nfimos das funções f, g e f + g no intervalo [ti−1 , ti ], i = 1, . . . , n.
Como, pelo corolário 1.2, mi (f + g) ≥ mi (f) + mi (g), temos que
s(f + g; P) ≥ s(f; P) + s(g; P)
para toda partição P de [a, b].

274 J. Delgado - K. Frensel


Integral superior e integral inferior

Logo,
Zb
(f(x) + g(x)) dx ≥ s(f; P) + s(g; P) ,
a

para toda partição P de [a, b].


Então, dadas partições P e Q arbitrárias de [a, b], temos que
Zb
s(f; P) + s(g; Q) ≤ s(f; P ∪ Q) + s(g; P ∪ Q) ≤ (f(x) + g(x)) dx
a

Assim, pelo lema 1.2,


Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = sup{s(f; P) + s(g; Q) | P , Q partições de [a, b] }
a a
Zb
≤ (f(x) + g(x)) dx .
a

A última desigualdade de (1) mostra-se de modo análogo.


(2) Pelo lema 1.3, mi (c f) = c mi (f) e Mi (c f) = c Mi (f) se c > 0 , e
mi (c f) = c Mi (f) e Mi (c f) = c mi (f) se c < 0 .
Então, pelo lema 1.3, novamente, temos
Zb
• c f(x) dx = sup s(c f; P) = sup c s(f; P)
P P
a
Zb
= c sup s(f; P) = c f(x) dx , se c > 0 ,
P a

Zb
• c f(x) dx = inf S(c f; P) = inf c S(f; P)
P P
a
Zb
= c inf S(f; P) = c f(x) dx , se c > 0 ,
P a
Zb
• c f(x) dx = sup s(c f; P) = sup c S(f; P)
a P P
Zb
= c inf S(f; P) = c f(x) dx , se c < 0 ,
P a

Zb
• c f(x) dx = inf S(c f; P) = inf c s(f; P)
P P
a Zb
= c sup s(f; P) = c f(x) dx , se c < 0 ,
P a

(3) Como f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], temos que

Instituto de Matemática - UFF 275


Análise na Reta

mi (f) ≤ mi (g) e Mi (f) ≤ Mi (g)


para todo intervalo [ti−1 , ti ] de uma partição P de [a, b].
Logo,
s(f; P) ≤ s(g; P) e S(f; P) ≤ S(g; P)
para toda partição P de [a, b].
Assim,
Zb Zb Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx e f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a a a

Corolário 1.3 Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb
f(x) dx ≥ 0 e f(x) dx ≥ 0 .
a a

2. Funções integráveis

Definição 2.1 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável quando


Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx
a a

Zb Zb
Este valor comum, indicado por f(x) dx ou f , é chamado a integral
a a
de f.

Exemplo 2.1 Toda função constante, f(x) = c é integrável e


Zb
f(x) dx = c(b − a) .
a

Exemplo 2.2 Toda função escada f : [a, b] −→ R é integrável e


Zb X
n
f(x) dx = ci (ti − ti−1 ),
a i=1

onde f|(ti−1 ,ti ) ≡ ci , i = 1, . . . , n, a = t0 < t1 < . . . < tn = b.

276 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis


0 , x ∈ [a, b] ∩ (R − Q)
Exemplo 2.3 A função f : [a, b] −→ R, f(x) =
1 , x ∈ [a, b] ∩ Q
Zb Zb
não é integrável, pois f(x) dx = 0 6= 1 = f(x) dx .
a a

Observação 2.1 Suponhamos que f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b] e seja


A = { (x, y) ∈ R2 | a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x) }
a região do plano limitada pelo gráfico de f, pelo segmento [a, b] e pelas
Zb
retas verticais x = a e x = b. Como em f(x) dx usamos áreas de
a

polı́gonos contidos em A como aproximação por falta da área de A e em


Zb
f(x) dx tomamos polı́gonos que contêm A, isto é, aproximações por
a
Zb
excesso, podemos dizer que f(x) dx é a área interna do conjunto A e
a
Zb
f(x) dx é a área externa de A.
a

Dizer, então, que f é integrável, significa que a área interna e a área ex-
Zb
terna de A são iguais, ou seja, que A possui uma área igual a f(x) dx.
a

Observação 2.2 Sejam f : [a, b] −→ R limitada,


σ = { s(f; P) | P partição de [a, b] } e Σ = { S(f; P) | P partição de [a, b] } .
Como s ≤ S para todo s(f; P) ∈ σ e para todo S = S(f; P) ∈ Σ, temos que
sup σ ≤ inf Σ, ou seja,
Zb Zb
f(x) dx ≤ f(x) dx .
a a

Dizer, então, que f é integrável, significa afirmar que sup σ = inf Σ.

Lema 2.1 Sejam σ, Σ conjuntos limitados não-vazios de números reais


tais que s ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ.
Então, sup σ = inf Σ se, e só se, para todo ε > 0 existem s ∈ σ e S ∈ Σ tais
que S − s < ε.

Instituto de Matemática - UFF 277


Análise na Reta

Prova.
Já sabemos que sup σ ≤ inf Σ.
(⇐=) Suponhamos que sup σ < inf Σ e tomemos ε = inf Σ − sup σ > 0.
Como s ≤ sup σ ≤ inf Σ ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ, temos
que S − s ≥ inf Σ − sup σ = ε para todo S ∈ Σ e todo s ∈ σ, o que contradiz
a hipótese.
(=⇒) Suponhamos que sup σ = inf Σ. Seja ε > 0. Então existem s ∈ σ e
ε ε
S ∈ Σ tais que s > sup σ − e S < inf Σ + .
2 2
ε ε
 
Logo, S − s < inf Σ + − sup σ − = ε. 
2 2

Definição 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Sua oscilação no conjunto


X é definida por
ω(f; X) = sup f(X) − inf f(X) .

Lema 2.2 Seja Y ⊂ R limitado não-vazio. Se m = inf Y e M = sup Y,


então
M − m = sup{ |x − y| | x, y ∈ Y }.

Prova.
Seja A = { |x − y| | x, y ∈ Y }. Dados x, y ∈ Y, podemos supor que x ≥ y.
Então,
|x − y| = x − y ≤ M − m ,
ou seja, M − m é uma cota superior de A.
ε ε
Além disso, dado ε > 0, existem x, y ∈ Y tais que x > M − e y < m+ .
2 2
Logo,
ε ε
|x − y| ≥ x − y > M − − m − = M − m − ε,
2 2
ou seja, M − m é a menor cota superior de A. Então, M − m = sup A.

Corolário 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, para todo X ⊂ [a, b]


não-vazio tem-se
ω(f; X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ Y } .

Observação 2.3 Dadas f : [a, b] −→ R limitada e uma partição P de


[a, b], indicaremos por ωi = Mi − mi a oscilação de f no intervalo [ti−1 , ti ].

278 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

Teorema 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. As seguintes afirmações


são equivalentes:
(1) f é integrável.
(2) Para todo ε > 0 existem partições P e Q de [a, b] tais que
S(f; Q) − s(f; P) < ε .
(3) Para todo ε > 0 existe uma partição P de [a, b] tal que
S(f; P) − s(f; P) < ε .
(4) Para todo ε > 0 existe uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que
X
n
ωi (ti − ti−1 ) < ε.
i=1

Prova.
Pelo lema 2.1, temos que (1)⇐⇒(2). E (3)⇐⇒(4), pois, pelo corolário
2.1,
X
n
S(f; P) − s(f; P) = ωi (ti − ti−1 ).
i=1

É óbvio que (3)=⇒(2), e (2)=⇒(3), pois se S(f; Q) − s(f; P) < ε, então


S(f; P ∪ Q) − s(f; P ∪ Q) < ε, já que
s(f; P) ≤ s(f; P ∪ Q) ≤ S(f; P ∪ Q) ≤ S(f; Q) . 

Observação 2.4 Sejam f, g : [a, b] −→ R funções limitadas que dife-


rem apenas num subconjunto finito de [a, b]. Então, f é integrável se, e só
Zb Zb
se, g é integrável. E, neste caso, tem-se f(x) dx = g(x) dx .
a a

De fato, seja X = { x ∈ [a, b] | f(x) 6= g(x) }. Então P = X ∪ {a, b} é uma


partição de [a, b] tal que f − g é constante igual a zero no interior de cada
intervalo dessa partição.
Zb
Logo, f − g é integrável e (f − g) dx = 0, pois f − g é uma função escada.
a

Como f = g + f − g, segue-se do Teorema abaixo, que f é integrável se, e


só se, g é integrável com
Zb Zb Z Zb
f(x) dx = g(x) dx + (f(x) − g(x)) dx = g(x) dx .
a a a a

Instituto de Matemática - UFF 279


Análise na Reta

Teorema 2.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R integráveis. Então:


(1) Para a < c < b, f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis e
Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx
a a c

Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis, então f é integrável e


vale a igualdade acima.
(2) Para cada c ∈ R, cf é integrável e
Zb Zb
(cf(x)) dx = c f(x) dx .
a a

(3) f + g é integrável e
Zb Zb Zb
(f(x) + g(x)) dx = f(x) dx + g(x) dx .
a a a

(4) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], então


Zb Zb
f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a
Zb
Em particular, se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], então f(x) dx ≥ 0.
a

(5) |f(x)| é integrável e


Zb Zb
f(x) dx ≤ |f(x)| dx .


a a

Segue-se de (4) e (5) que se |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b], então
Zb

f(x) dx ≤ k(b − a) .

a

(6) O produto f · g é integrável.

Prova.
(1) Sejam
Zc Zb Zc Zb
α= f(x) dx, β = f(x) dx, A = f(x) dx, e B = f(x) dx.
a c a c

Zb Zb
Como f(x) dx = α + β, f(x) dx = A + B, α ≤ A e β ≤ B, temos que f
a a

é integrável, ou seja, α + β = A + B, se, e só se, α = A e β = B, ou seja,


se, e só se, f|[a,c] e f|[c,b] são integráveis.

280 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

E, neste caso,
Zb Zb Zc Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx .
a a a c a c

(2) Seja c > 0. Então, pelo teorema 1.3,


Zb Zb Zb
cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx
a a a
Zb Zb Zb
e cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a
Zb Zb
Logo, cf é integrável e cf(x) dx = c f(x) dx .
a a

De modo análogo, se c < 0, temos que


Zb Zb Zb
cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx
a a a
Zb Zb Zb
e cf(x) dx = c f(x) dx = c f(x) dx .
a a a

Zb Zb
Logo, cf é integrável e cf(x) dx = c f(x) dx .
a a

O caso c = 0 é trivial.
(3) Pelo teorema 1.3, temos que
Zb Zb Zb Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = f(x) dx + g(x) dx ≤ ( f(x) + g(x) ) dx
a a a a a
Zb Zb Zb
≤ ( f(x) + g(x) ) dx ≤ f(x) dx + g(x) dx
a a a
Zb Zb
= f(x) dx + g(x) dx .
a a

Logo,
Zb Zb Zb Zb
f(x) dx + g(x) dx = ( f(x) + g(x) ) dx = ( f(x) + g(x) ) dx ,
a a a a

Zb Zb Zb
ou seja, f + g é integrável e ( f(x) + g(x) ) dx = f(x) dx + g(x) dx.
a a a

(4) Pelo teorema 1.3, temos

Instituto de Matemática - UFF 281


Análise na Reta

Zb Zb Zb Zb
f(x) dx = f(x) dx ≤ g(x) dx = g(x) dx ,
a a a a

Zb Zb
ou seja, f(x) dx ≤ g(x) dx .
a a

(5) Provaremos, primeiro, que |f| é integrável.


Para x, y ∈ [a, b], temos |f(x)| − |f(y)| ≤ |f(x) − f(y)|.
Logo, para todo X ⊂ [a, b],
ω(|f|, X) = sup{ | |f(x)| − |f(y)| | | x, y ∈ X }
≤ sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ X }
= ω(f, X) .

Então, dada uma partição P de [a, b], ωi (|f|) ≤ ωi (f) , ∀ i = 1, . . . , n.


Como f é integrável, dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que
X
n
ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε. Então,
i=1

X
n X
n
ωi (|f|)(ti − ti−1 ) ≤ ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε .
i=1 i=1

Segue-se, então, do teorema 2.1, que |f| é integrável.


Além disso, como −|f(x)| ≤ f(x) ≤ |f(x)| para todo x ∈ [a, b], temos, por
(2) e (4), que
Zb Zb Zb Zb
− |f(x)| dx = −|f(x)| dx ≤ f(x) dx ≤ |f(x)| dx ,
a a a a

ou seja,
Zb Zb
f(x) dx ≤ |f(x) dx .


a a

(6) Como f e g são limitadas no intervalo [a, b], existe K > 0 tal que
|f(x)| ≤ K e |g(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Para x, y ∈ [ti−1 , ti ] quais-
quer, temos

|f(x)g(x) − f(y)g(y)| ≤ |f(x)| |g(x) − g(y)| + |g(y)| |f(x) − f(y)|


≤ K ( |g(x) − g(y)| + |f(x) − f(y)| )
≤ K ( ωi (f) + ωi (g) ) ,

282 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

e, portanto,
ωi (f + g) ≤ K ( ωi (f) + ωi (g) ) ,
onde ωi (f+g), ωi (f), ωi (g) são as oscilações dessas funções no intervalo
[ti−1 , ti ].
Logo, como f e g são integráveis, dado ε > 0, existem partições P e Q de
[a, b], tais que
ε ε
S(f; P) − s(f; P) < e S(g; Q) − s(g; Q) < .
2K 2k
Então, sendo P 0 = P ∪ Q, temos que
ε ε
S(f; P 0 ) − s(f; P 0 ) < e S(g; P 0 ) − s(g; P 0 ) < .
2K 2K
Daı́, para a partição P 0 = {t0 , t1 , . . . , tn },
X
n X
n X
n
ωi (f + g)(ti − ti−1 ) ≤ K ωi (f)(ti − ti−1 ) + K ωi (g)(ti − ti−1 )
i=1 i=1 i=1

= K ( S(f; P 0 ) − s(f; P 0 ) ) + K ( S(g; P 0 ) − s(g; P 0 ) )


ε ε
< K +K = ε.
2K 2K

Provamos, assim, que dado ε > 0, existe uma partição P 0 de [a, b] tal que
X
n
ωi (f + g)(ti − ti−1 ) < ε .
i=1

Logo, pelo teorema 2.1, f + g é integrável.

Zb Zc Zb
Observação 2.5 A igualdade f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx só
a a c
tem sentido quando a < c < b.
Para torná-la verdadeira quaisquer que sejam a, b, c ∈ R, precisamos
fazer as seguintes convenções:
Za
• f(x) dx = 0
a
Zb Za
e • f(x) dx = − f(x) dx .
a b

Com essas convenções, vale, para toda função f integrável, a igualdade:


Zb Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx , ∀ a, b, c ∈ Dom(f) ⊂ R
a a c

Instituto de Matemática - UFF 283


Análise na Reta

Há seis possibilidades:

a ≤ b ≤ c; a ≤ c ≤ b; b ≤ c ≤ a;

b ≤ a ≤ c; c ≤ a ≤ b; c ≤ b ≤ a.

Por exemplo, se a ≤ b ≤ c, então


Zc Zb Zc
f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx.
a a b

Logo,
Zb Zc Zc Zc Zb
f(x) dx = f(x) dx − f(x) dx = f(x) dx + f(x) dx .
a a b a c

De modo análogo, podemos verificar a igualdade nos outros casos.

Teorema 2.3 Toda função contı́nua f : [a, b] −→ R é integrável.

Prova.
Como [a, b] é compacto, f é limitada e uniformemente contı́nua no in-
tervalo [a, b]. Então, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [a, b], |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
b−a
b−a
Seja n ∈ N tal que < δ e considere a partição P = {t0 , t1 , . . . , tn },
n
i(b − a)
onde ti = a + , i = 0, . . . , n.
n
b−a
Para x, y ∈ [ti−1 , ti ], temos |x − y| ≤ |ti − ti−1 | = < δ.
n
ε
Logo, |f(x) − f(y)| < , para x, y ∈ [ti−1 , ti ].
b−a
Assim,
ε
ωi (f) = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ [ti−1 , ti ] } ≤ , i = 1, . . . , n,
b−a
X
n
e, portanto, ωi (f)(ti − ti−1 ) ≤ ε.
i=1

Logo, pelo teorema 2.1, f é integrável.

Teorema 2.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para todo c ∈ [a, b),
f|[a,c] é integrável, então f é integrável.

284 J. Delgado - K. Frensel


Funções integráveis

Prova.
Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
ε
Dado ε > 0, tome c ∈ (a, b) tal que b − c < .
4K
Como f|[a,c] é integrável, existe uma partição {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, c] tal que
X
n
ε
ωi (f)(ti − ti−1 ) < .
2
i=1

Pondo tn+1 = b, obtemos uma partição {t0 , t1 , . . . , tn , tn+1 } de [a, b] tal que
X
n+1
ε
ωi (f)(ti − ti−1 ) < ε, pois ωn+1 (f)(tn+1 − tn ) < , já que
2
i=1
ε
ωn+1 (f) ≤ 2K e tn+1 − tn = b − c < .
4K
Logo, pelo teorema 2.1, f é integrável no intervalo [a, b]. 

Observação 2.6 De modo análogo, temos que se f : [a, b] −→ R é


limitada e f|[c,b] é integrável para todo c ∈ (a, b], então f é integrável.

Corolário 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para a < c < d < b
quaisquer, f|[c,d] é integrável, então f é integrável.

Prova.
Seja p ∈ (a, b) fixo. Como f|[q,p] é integrável para todo q ∈ (a, p] e f|[p,r] é
integrável para todo r ∈ [p, b), temos, pela observação 2.6 e pelo teorema
2.4, que f|[a,p] e f|[p,b] são integráveis.

Logo, pelo item (1) do teorema 2.2, f é integrável em [a, b].

Corolário 2.3 Seja f : [a, b] −→ R limitada com um número finito de


descontinuidades. Então, f é integrável.

Prova.
Seja {t0 , t1 , . . . , tn } = X ∪ {a, b}, onde t0 = a, tn = b e X é o conjunto
dos pontos de [a, b] onde f é descontı́nua.
Então, pelo corolário acima, f|[ti−1 ,ti ] é integrável para cada i = 1, . . . , n,
pois f é contı́nua e, portanto, integrável em todo intervalo [c, d], com
ti−1 < c < d < ti . Logo, pelo teorema 2.2, f é integrável em [a, b].

Instituto de Matemática - UFF 285


Análise na Reta


sen 1 , se x 6= 0
Exemplo 2.4 A função f : [−1, 1] −→ R , f(x) = x
0 , se x = 0 ,
é integrável, pois f é limitada e descontı́nua apenas no ponto 0. 

Observação 2.7 A observação 2.4 não contém o corolário 2.3, pois


uma função pode ser descontı́nua num número finito de pontos sem coin-
cidir com uma função contı́nua fora desses pontos.

Exemplo 2.5 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q ou


 
p 1 p
x=0ef = se é uma fração irredutı́vel com q > 0 e p 6= 0.
q q q

Já provamos, anteriormente, que f é descontı́nua em todos os pontos do


conjunto [a, b] ∩ Q − {0}. Além disso, f é limitada, pois f(x) ∈ [0, 1] para
todo x ∈ [a, b].
Zb
Mostraremos, agora, que f é integrável e f(x) dx = 0.
a

ε
De fato, dado ε > 0, o conjunto F = x ∈ [a, b] | f(x) ≥ é finito,
2(b − a)
pois F é o conjunto das frações irredutı́veis pertencentes a [a, b] cujos
2(b − a)
denominadores são > 0 e ≤ .
ε
Tomemos, então, uma partição P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
ε
tos dos intervalos de P que contêm algum ponto de F seja < .
2
ε
Observe que se F ∩ [ti−1 , ti ] = ∅, então 0 ≤ f(x) < para todo
2(b − a)
ε
x ∈ [ti−1 , ti ] e, portanto, Mi (f) ≤ .
2(b − a)

X
n
Então, podemos decompor a soma superior S(f; P) = Mi (ti − ti−1 )
i=1

relativa à partição P em duas parcelas:


X
n X X
S(f; P) = Mi (ti − ti−1 ) = Mi0 (ti0 − ti−1
0
)+ Mi00 (ti00 − ti−1
00
)
i=1

0
onde [ti−1 , ti0 ] são os intervalos de P que contêm algum ponto de F e
00
[ti−1 , ti00 ] são os intervalos de P disjuntos de F.

286 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

X X ε
Como, Mi0 (ti0 − ti−1
0
)≤ (ti0 − ti−1
0
) < , pois Mi0 ≤ 1 e
2
X ε ε
Mi00 (ti00 − ti−1
00
)≤ · (b − a) ≤ ,
2(b − a) 2

temos que 0 ≤ S(f; P) < ε.


Logo, 0 é a maior cota inferior do conjunto {S(f; Q) | Q partição de [a, b]},
Zb
ou seja, f(x) dx = 0.
a

Além disso,
Zb Zb
0≤ f(x) dx ≤ f(x) dx = 0 .
a a

Zb
Logo, f é integrável e f(x) dx = 0. 
a

3. O teorema fundamental do Cálculo

Seja f : [a, b] −→ R integrável. Como, para todo x ∈ [a, b], f|[a,x] é


integrável, podemos definir a função F : [a, b] −→ R pondo
Zx
F(x) = f(t) dt
a

Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b]. Então,
Zy
|F(y) − F(x)| = f(t) dt ≤ K|y − x| .

x

Logo, F é lipschitziana e, portanto, uniformemente contı́nua no inter-


valo [a, b].

Exemplo 3.1 Seja f : [0, 2] −→ R definida por f(t) = 0 se 0 ≤ t < 1 e


f(t) = 1 se 1 ≤ t ≤ 2. Então, f é integrável e F : [0, 2] −→ R é a função
Z x



 f(t) dt = 0 , se x ∈ [0, 1]

 0
F(x) =

 Zx Zx Zx



 f(t) dt = f(t) dt = 1 dt = x − 1 , se x ∈ [1, 2] .
0 1 1

Instituto de Matemática - UFF 287


Análise na Reta

Logo, F é contı́nua em [0, 2] e derivável em [0, 2]− {1}, onde x = 1 é o único


ponto de descontinuidade de f. 

Zx
Note que: o processo de passar
de f para F melhora, ou amacia,
Definição 3.1 A função F(x) = f(t) dt chama-se uma integral indefi-
a
as qualidades da função f.
nida de f.

Teorema 3.1 Seja f : [a, b] −→ R integrável. Se f é contı́nua no ponto


Zx
c ∈ [a, b], então a função F : [a, b] −→ R , definida por F(x) = f(t) dt, é
a

derivável no ponto c com F 0 (c) = f(c).

Prova.
Sendo f contı́nua no ponto c, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
t ∈ [a, b], |t − c| < δ =⇒ |f(t) − f(c)| < ε.
Então, se 0 < h < δ e c + h ∈ [a, b], temos
Z c+h
F(c + h) − F(c) 1
− f(c) = f(t) dt − h f(c)
h h c
Z c+h
1
= (f(t) − f(c)) dt
h c
Z c+h
1 1
≤ |f(t) − f(c)| dt ≤ ε h = ε ,
h c h

pois |f(t) − f(c)| < ε para todo t ∈ [c, c + h] ⊂ [a, b].


Logo, F é derivável à direita no ponto c e F 0 (c+ ) = f(c).
Analogamente, podemos provar que se −δ < h < 0 e c + h ∈ [a, b], então

F(c + h) − F(c)
− f(c) ≤ ε.
h

Logo, F é derivável à esquerda no ponto c e F 0 (c− ) = f(c).


Assim, F é derivável no ponto c e F 0 (c) = f(c). 

288 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

Corolário 3.1 Dada f : [a, b] −→ R contı́nua, existe F : [a, b] −→ R


derivável tal que F 0 = f.

Prova.
Zx
Basta tomar F(x) = f(t) dt.
a

Definição 3.2 Dizemos que uma função F : [a, b] −→ R é uma primitiva


da função f : [a, b] −→ R quando F é derivável e F 0 = f.

Observação 3.1 Toda função contı́nua num intervlao compacto possui


primitiva.
Mas nem toda função integrável possui primitiva, pois se f = F 0 , para
alguma função F derivável, então f não pode ter descontinuidades de pri-
meira espécie.

Exemplo 3.2 A função integrável f do exemplo 3.1 não possui primitiva


em intervalo algum que contém o ponto 1 no seu interior, pois o ponto 1 é
uma descontinuidade de primeira espécie de f. 

1
Exemplo 3.3 A função f : [−1, 1] −→ R, definida por f(x) = 2x sen −
x
1 1
cos se x 6= 0 e f(0) = 0, possui a primitiva F(x) = x2 sen se x 6= 0 e
x x
F(0) = 0 e uma descontinuidade de segunda espécie no ponto 0. 

Observação 3.2 Se f : [a, b] −→ R possui uma primitiva F, então F + c


é também uma primitiva de f para todo c ∈ R.
E, reciprocamente, se G é uma primitiva de f, então G = f + c para algum
c ∈ R, pois F 0 = G 0 = f em [a, b], ou seja, (F − G) 0 = 0 em [a, b].

Observação 3.3 Se F : [a, b] −→ R é de classe C1 , então


Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a) .
a
Zx
0
De fato, como F é contı́nua, a função ϕ(x) = F 0 (t) dt e a função F são
a
0
ambas primitivas de F em [a, b]. Logo, ϕ(x)−F(x) = c para todo x ∈ [a, b],
para algum c ∈ R.

Instituto de Matemática - UFF 289


Análise na Reta

Como ϕ(a) = 0, temos que −F(a) = c, ou seja, ϕ(x) = F(x) − F(a) para
todo x ∈ [a, b]. Em particular, para x = b,
Zb
ϕ(b) = F 0 (t) dt = F(b) − F(a) .
a

• Mostraremos que não é preciso supor F 0 contı́nua.

Teorema 3.2 (Teorema Fundamental do Cálculo)


Se uma função integrável f : [a, b] −→ R tem uma primitiva F : [a, b] −→ R,
então
Zb
f(x) dx = F(b) − F(a)
a

Isto é, se uma função F : [a, b] −→ R possui derivada integrável, então


Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a)
a

Prova.
Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Pelo teorema do valor
médio, para todo i = 1, . . . , n, existe ξi ∈ (ti−1 , ti ) tal que
F(ti ) − F(ti−1 ) = F 0 (ξi )(ti − ti−1 ).
Então,
X
n X
n
F(b) − F(a) = [ F(ti ) − F(ti−1 ) ] = F 0 (ξi )(ti − ti−1 ) .
i=1 i=1

Sendo
mi = inf { F 0 (x) | x ∈ [ti−1 , ti ] } e Mi = sup { F 0 (x) | x ∈ [ti−1 , ti ] } ,
temos que mi ≤ F 0 (ξi ) ≤ Mi para todo i = 1, . . . , n e, portanto,
s(F 0 ; P) ≤ F(b) − F(a) ≤ S(F 0 ; P)
Logo,
Zb Zb
0
F (t) dt ≤ F(b) − F(a) ≤ F 0 (t) dt ,
a a

ou seja,
Zb
F 0 (t) dt = F(b) − F(a). 
a

290 J. Delgado - K. Frensel


O teorema fundamental do Cálculo

Observação 3.4 Este teorema nos diz que as únicas primitivas de uma
função integrável f : [a, b] −→ R, caso existam, são da forma
Zx
f(t) dt + Const ,
a
Zb
e reduz a avaliação de f(t) dt à obtenção de uma primitiva.
a

Exemplo 3.4 Determinemos, agora, o desenvolvimento de Taylor da


função log em torno do ponto 1, ou de log(1 + x) em torno do ponto 0,
usando o teorema fundamental do Cálculo.
Sendo
1 − tn
1 + t = 1 − (−t) e = 1 + t + . . . + tn−1 ,
1−t
temos que
1 (−1)n tn
= 1 − t + t2 − . . . + (−1)n−1 tn−1 + , ∀ t 6= −1 .
1+t 1+t

1 ti+1
Como log(1 + t) é uma primitiva de e é uma primitiva de ti ,
1+t i+1
1
sendo e ti , i ∈ N , integráveis, por serem contı́nuas, temos que:
1+t
Zx
1
log(1 + t) = dt
0 1+t
Zx  
2 n−1 n−1 (−1)n tn
= 1 − t + t − . . . + (−1) t + dt
0 1+t
Zx
x2 x3 xn tn
= x− + + . . . + (−1)n−1 + (−1)n dt ,
2 3 n 0 1+t

para todo x > −1.


Zx
n tn
Fazendo rn (x) = (−1) dt , observamos que se:
0 1+t
Zx
xn+1
• 0 ≤ x =⇒ |rn (x) ≤ tn dt = , pois 1 + x ≥ 1 ;
0 n+1
Z0 Z0 Z0
|t|n (−t)n (−1)n tn
• −1 < x ≤ 0 =⇒ |rn (x)| ≤ = dt = dt
x 1+x x 1+x x 1+x

(−1)n+1 xn+1 |x|n+1


= = ,
(1 + x)(n + 1) (1 + x)(n + 1)

Instituto de Matemática - UFF 291


Análise na Reta

rn (x)
pois 0 < 1 + x ≤ 1 + t para t ∈ [x, 0]. Logo lim = 0.
x→0 xn

x2 x3 xn
Então, pn (x) = x − + − . . . + (−1)n−1 é o polinômio de Taylor
2 3 n
de ordem n para a função log(1 + x) em torno do ponto zero, ou, fazendo
a mudança de variável u = 1 + x, o polinômio p̃n (u) = pn (u − 1), é o
polinômio de Taylor de ordem n para a função log u em torno do ponto
1.
Além disso, como lim rn (x) = 0 para todo x ∈ (−1, 1], o desenvolvimento
n→∞

de Taylor
x2 x3 xn
log(1 + x) = x − + − . . . + (−1)n−1 + . . .
2 3 n
vale para todo x ∈ (−1, 1].
Em particular, para x = 1, obtemos que:

1 1 (−1)n−1 X

(−1)n−1
log 2 = log(1 + 1) = 1 − + − . . . + +... = .
2 3 n n
n=1

4. Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Teorema 4.1 (Mudança de variável)


Seka, f : [a, b] −→ R uma função contı́nua, g : [c, d] −→ R uma função
derivável, com g 0 integrável e g([c, d]) ⊂ [a, b]. Então,
Z g(d) Zd
Fórmula de mudança de variável. f(x) dx = f(g(t)) g 0 (t) dt
g(c) c

Prova.
Como f é contı́nua, f possui uma primitiva F : [a, b] −→ R. Então, pelo
teorema fundamental do Cálculo, temos:
Z g(d)
f(x) dx = F(g(d)) − F(g(c)) .
g(c)

Por outro lado, usando a regra da cadeia, temos


(F ◦ g) 0 (t) = F 0 (g(t)) g 0 (t) = f(g(t)) g 0 (t) , ∀ t ∈ [c, d] .

292 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Assim, F ◦ g : [c, d] −→ R é uma primitiva da função integrável


t 7−→ f(g(t)) g 0 (t) ,
pois f ◦ g é contı́nua e g 0 é integrável.
Logo, pelo teorema fundamental do Cálculo, temos
Zd
f(g(t)) g 0 (t) dt = F ◦ g(d) − F ◦ g(c) .
c

Observação 4.1 No teorema acima, não exigimos que para todo


t ∈ [c, d], o ponto g(t) pertença ao intervalo cujos extremos são g(c) e
g(d), o que ocorreria se a função g fosse monótona, por exemplo. Em
compensação, supomos f contı́nua.
Na realidade, a demonstração usa apenas o fato de f ser integrável e
possuir primitiva e que f ◦ g e g 0 são integráveis.
No exercı́cio 11, é dada uma outra versão do teorema 4.1, onde supomos
f apenas integrável, mas g monótona:

Seja f : [a, b] −→ R integrável e g : [c, d] −→ R monótona, com


g 0 integrável tal que g([c, d]) ⊂ [a, b]. Então,
Z g(d) Zd
f(x) dx = f(g(t)) g 0 (t) dt
g(c) c

Zb Zb
Observação 4.2 A notação f(x) dx, em vez de f, encontra uma
a a
boa justificativa no teorema anterior, pois se tomarmos x = g(t), teremos
dx = g 0 (t) dt, x = g(c) e x = g(d) quando t assume os valores c e d,
respectivamente.
Essas substituições nos dão, então, a fórmula de mudança de variável.

Teorema 4.2 (Integração por partes)


Se f, g : [a, b] −→ R possuem derivadas integráveis, então
Zb Zb
b
f(t) g (t) dt = (f · g) a − f 0 (t) g(t) dt
0
a a

b
onde f · g a = f(b)g(b) − f(a)g(a).

Instituto de Matemática - UFF 293


Análise na Reta

Prova.
Como (f · g) 0 (t) = f 0 (t) g(t) + f(t) g 0 (t) para todo t ∈ [a, b], temos que
f ◦ g é uma primitiva de f 0 g + f g 0 . Além disso, como f 0 g e g 0 f, e, portanto,
f 0 g + fg 0 , são integráveis, temos, pelo teorema fundamental do Cálculo,
que
Zb
( f 0 (t) g(t) + f(t) g 0 (t) ) dt = (f · g)(b) − (f · g)(a) .
a

Logo,
Zb Zb
0
b
f (t) g(t) dt + f(t) g 0 (t) dt = (f · g) a . 
a a

Teorema 4.3 (Fórmulas do valor médio para integrais)


São dadas as funções f, p : [a, b] −→ R, com f contı́nua. Então:
Zb
A. Existe c ∈ (a, b) tal que f(x) dx = f(c)(b − a) .
a

B. Se p é integrável e não muda de sinal, existe c ∈ [a, b] tal que


Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx.
a a

C. Se p é positiva, decrescente, com derivada integrável, existe c ∈ [a, b]


Zb Zc
tal que f(x) p(x) dx = p(a) f(x) dx.
a a

Prova.
A. Como f é contı́nua, f possui uma primitiva F. Então, pelo teorema
do valor médio, existe c ∈ (a, b) tal que
Zb
f(x) dx = F(b) − F(a) = F 0 (c)(b − a) = f(c)(b − a) .
a

B. Sendo m = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] }, temos


m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b] e existem x0 , y0 ∈ [a, b] tais que
f(x0 ) = m e f(y0 ) = M.
Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b]. Então,
m p(x) ≤ p(x) f(x) ≤ M p(x) , ∀ x ∈ [a, b] .
Logo,

294 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Zb Zb Zb
m p(x) dx ≤ p(x) f(x) dx ≤ M p(x) dx .
a a a
Zb Zb Zb
Se p(x) dx = 0, temos p(x) f(x) dx = 0, e se p(x) dx > 0, temos
a a a
Zb
f(x) p(x) dx
a
m≤ Zb ≤ M.
p(x) dx
a

Em qualquer caso, existe d ∈ [m, M] tal que


Zb Zb
d p(x) dx = f(x) p(x) dx .
a a

E, como f é contı́nua, existe c entre x0 e y0 tal que f(c) = d, ou seja,


Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx .
a a
Zx
C. Seja F : [a, b] −→ R dada por F(x) = f(t) dt .
a

Então, F 0 = f e F(a) = 0.
Integrando por partes, obtemos
Zb Zb Zb
f(x) p(x) dx = F (x) p(x) dx = F(b) p(b) − F(x) p 0 (x) dx .
0
a a a

Como p 0 (x) ≤ 0 para todo x ∈ [a, b] e p 0 é integrável, temos, pelo item B,


que existe ξ ∈ [a, b] tal que
Zb Zb
0
F(x) p (x) dx = F(ξ) p 0 (x) dx .
a a

Logo,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = F(b) p(b) − F(ξ) p 0 (x) dx
a a

= F(b) p(b) − F(ξ) p(b) + F(ξ) p(a)


 
p(a) − p(b) p(b)
= F(ξ) + F(b) p(a)
p(a) p(a)

= ( α F(ξ) + β F(b) ) p(a) ,

Instituto de Matemática - UFF 295


Análise na Reta

p(a) − p(b) p(b)


onde α = ≥ 0, β = ≥ 0 e α + β = 1.
p(a) p(a)

Como α F(ξ) + β F(b) pertence ao intervalo cujos extremos são F(ξ) e


F(b) , temos, pela continuidade de F, que existe c ∈ [ξ, b] ⊂ [a, b] tal que
α F(ξ) + β F(b) = F(c) .
Provamos, então, que existe c ∈ [a, b] tal que
Zb Zc
f(x) p(x) dx = p(a) F(c) = p(a) f(x) dx.
a a

Observação 4.3 No item B, podemos sempre obter c ∈ (a, b).


Zb Zb
0
De fato, como f(x) p(x) dx = f(c ) p(x) dx = 0 para um certo c 0 ∈
a a
Zb
[a, b], temos que, se p(x) dx = 0, então
a
Zb Zb
f(x) p(x) dx = f(c) p(x) dx , ∀ c ∈ (a, b) .
a a

Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b].


Zb Zb
Assim, p(x) dx > 0 se p(x) dx 6= 0.
a a
Zb
Sejam L = p(x) dx > 0 e M 0 > 0 tal que 0 ≤ p(x) ≤ M 0 , ∀ x ∈ [a, b] .
a

b−a L

Seja 0 < δ < min , . Então,
2 4M 0
Z a+δ Zb
0 L L
0≤ p(x) dx ≤ M δ < e 0≤ p(x) dx ≤ M 0 δ < .
a 4 b−δ 4

Logo,
Zb Z a+δ Z b−δ Zb
L = p(x) dx = p(x) dx + p(x) dx + p(x) dx
a a a+δ b−δ
Z b−δ
L
< + p(x) dx .
2 a+δ

Então,
Z b−δ
L
p(x) dx > .
a+δ 2

296 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

Sejam
m = f(x0 ) = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = f(y0 ) = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] } ,
onde x0 , y0 ∈ [a, b].
Seja
Zb
f(x) p(x) dx
a
d= Zb .
p(x) dx
a

Então, como foi provado no item B, m ≤ d ≤ M.


• Se m < d < M, existe, pela continuidade de f, um número c entre x0 e
y0 , e, portanto, c ∈ (a, b), tal que f(c) = d.
• Suponhamos que d = m e f(x) 6= m para todo x ∈ (a, b), ou seja,
f(x) > m para todo x ∈ (a, b).
Então,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = m p(x) dx ,
a a

ou seja,
Zb
(f(x) − m) p(x) dx = 0 .
a

Mas, como f é contı́nua em [a, b] e f(x) > m para x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) ≥ K + m para todo x ∈ [a + δ, b − δ].
Logo,
Z b−δ Z b−δ
KL
(f(x) − m) p(x) dx ≥ K p(x) dx > > 0.
a+δ a+δ 2

Assim, sendo (f(x) − m)p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b],


Zb Z a+δ
0 = (f(x) − m)p(x) dx = (f(x) − m)p(x) dx
a a
Z b−δ Zb
+ (f(x) − m)p(x) dx + (f(x) − m)p(x) dx > 0 ,
a+δ b−δ

o que é um absurdo.
• Suponhamos, agora, que d = M e f(x) 6= M para todo x ∈ (a, b), ou
seja, f(x) < M para todo x ∈ (a, b).

Instituto de Matemática - UFF 297


Análise na Reta

Logo,
Zb Zb
f(x) p(x) dx = M p(x) dx ,
a a

e, portanto,
Zb
(M − f(x))p(x) dx = 0 .
a

Como f é contı́nua em [a, b] e f(x) < M para todo x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) < M − K para todo x ∈ [a + δ, b − δ].
Z b−δ
KL
Assim, (M − f(x))p(x) dx ≥ > 0 e, portanto,
a+δ 2
Zb Z a+δ
0 = (M − f(x))p(x) dx = (M − f(x))p(x) dx
a a
Z b−δ Zb
+ (M − f(x))p(x) dx + (M − f(x))p(x) dx > 0 ,
a+δ b−δ

o que é um absurdo.
• Deduziremos, agora, a Fórmula de Taylor com resto integral, usando
integração por partes.

Lema 4.1 Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função que possui derivada de


ordem n + 1, n ≥ 1, integrável em [0, 1]. Então,
Z1
ϕ 00 (0)
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + ... + + ϕ (t) dt .
2! n! 0 n!

Prova.
Provaremos este lema por indução sobre n.
• Caso n = 1: Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função que possui derivada de
ordem 2 integrável em [0, 1].
Z1
0
Como ϕ é contı́nua, temos que ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ 0 (t) dt .
0

Fazendo f(t) = 1 − t e g(t) = ϕ 0 (t), obtemos, integrando por partes, que


Z1 Z1 Z1
0
0
ϕ (t) dt = (−f (t)g(t)) dt = f g 1 + f(t) g 0 (t) dt
0
0 0 0
Z1
= ϕ 0 (0) + (1 − t)ϕ 00 (t) dt ,
0

298 J. Delgado - K. Frensel


Fórmulas clássicas do Cálculo Integral

ou seja,
Z1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + 0
(1 − t)ϕ 00 (t) dt
0

• Caso geral: Suponhamos o resultado válido para funções que possuem


derivada de ordem n + 1, n ≥ 1, integrável em [0, 1].

Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma função (n + 2)−vezes derivável, com ϕ(n+2)


integrável em [0, 1].

(1 − t)n+1 (1 − t)n
Sejam f(t) = e g(t) = ϕ(n+1) (t) . Então, f 0 (t) = − e
(n + 1) ! n!
g 0 (t) = ϕ(n+2) (t) , para todo t ∈ [0, 1].
Como f 0 e g 0 são integráveis, temos
Z1 Z1 Z1
(1 − t)n (n+1) 0
ϕ (t) dt = − f (t) g(t) dt = f g 1 + f(t) g 0 (t) dt
0
0 n ! 0 0
Z1
ϕ(n+1) (0) (1 − t)n+1 (n+2)
= + ϕ (t) dt .
(n + 1) ! 0 (n + 1) !

Além disso, sendo ϕ (n + 1)−vezes derivável, com ϕ(n+1) integrável, ob-


temos, pela hipótese de indução, que
Z1
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + . . . + + ϕ (t) dt .
n! 0 n!

Logo,
Z1
0 ϕ(n) (0) ϕ(n+1) (0) (1 − t)n+1 (n+2)
ϕ(1) = ϕ(0)+ϕ (0)+. . .+ + + ϕ (t) dt .
n! (n + 1) ! 0 (n + 1) !


Teorema 4.4 (Fórmula de Taylor com resto integral)


Se f : [a, a + h] −→ R possui derivada de ordem n + 1 integrável, então

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + h + ... + h
2! n!
 Z1  Fórmula de Taylor com resto inte-
(1 − t)n (n+1) gral.
+ f (a + th) dt hn+1
0 n!

Prova.
Seja ϕ : [0, 1] −→ R definida por ϕ(t) = f(a + th), t ∈ [0, 1].

Instituto de Matemática - UFF 299


Análise na Reta

Então, ϕ(j) (t) = f(j) (a + th)hj para todo 1 ≤ j ≤ n + 1. Logo, ϕ possui


derivada de ordem n + 1 integrável (por quê?) e ϕ(j) (0) = f(j) (a)hj para
todo 1 ≤ j ≤ n + 1.
Assim, pelo lema anterior,
Z1
ϕ 00 (0)
0 ϕ(n) (0) (1 − t)n (n+1)
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ (0) + + ... + + ϕ (t) dt ,
2! n! 0 n!

ou seja,

f 00 (a) 2 f(n) (a) n


f(a + h) = f(a) + f 0 (a) h + h + ... + h
2! n!
 Z1 
(1 − t)n (n+1)
+ f (a + th) dt hn+1 ,
0 n!

como querı́amos.

Observação 4.4 Ao usarmos a notação [a, a + h], estamos admitindo


h ≥ 0. Mas a mesma fórmula vale para h < 0, pois a definição de ϕ não
leva isto em conta.

Observação 4.5 Fazendo b = a+h e realizando a mudança de variável


x = a + th, t ∈ [0, 1], obtemos que:

f(n) (a)
f(b) = f(a) + f 0 (a)(b − a) + . . . + (b − a)n
n!
Zb
(b − x)n (n+1)
+ f (x) dx ,
a n!

já que
Zb Z1
(b − x)n (n+1) (b − a − th)n (n+1)
f (x) dx = f (a + th) h dt
a n! 0 n!
Z1
(h − th)n (n+1)
= f (a + th) h dt
0 n!
Z1
(1 − t)n (n+1)
= f (a + th) hn+1 dt .
0 n!

300 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

5. A integral como limite de somas

Definição 5.1 Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição do intervalo [a, b].


Chamamos norma de P ao número

|P| = max | ti − ti−1 | i = 1, . . . , n .

Mostraremos que
Zb
f(x) dx = lim S(f; P),
a |P|→0

onde f : [a, b] −→ R é uma função limitada.

Teorema 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, para todo ε > 0,


existe δ > 0 tal que
Zb Zb
f(x) dx ≤ S(f; P) < f(x) dx + ε ,
a a

qualquer que seja a partição P com norma menor do que δ .

Prova.
Suponhamos, primeiro, que f(x) > 0, para todo x ∈ [a, b].
Seja M = sup { f(x) | x ∈ [a, b] } > 0.
Dado ε > 0, existe uma partição P0 = { t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b] tal que
Zb Zb
ε
f(x) dx ≤ S(f; P0 ) < f(x) dx + .
a a 2
ε
Tome 0 < δ < e seja P uma partição arbitrária de [a, b] com |P| < δ.
2Mn
Indiquemos por [rα−1 , rα ] os intervalos de P contidos em algum intervalo
[ti−1 , t1 ] de P0 , e escrevemos α ⊂ i para indicar que [rα−1 , rα ] ⊂ [ti−1 , t1 ] .
Chamemos [rβ−1 , rβ ] os intervalos restantes. Como cada um destes in-
tervalos contém pelo menos um ponto ti em seu interior, há, no máximo,
n − 1 intervalos do tipo [rβ−1 , rβ ].
X
Se α ⊂ i, então Mα ≤ Mi e (rα − rα−1 ) ≤ ti − ti−1 , onde
α⊂i

Mα = sup f(x) e Mi = sup f(x) .


x∈[rα−1 ,rα ] x∈[ti−1 ,ti ]

Portanto,

Instituto de Matemática - UFF 301


Análise na Reta

X
Mα (rα − rα−1 ) ≤ Mi (ti − ti−1 ) .
α⊂i

Além disso, Mβ (rβ − rβ−1 ) ≤ Mδ , pois Mα , Mβ e Mi são números


positivos.
Assim,
X X
S(f; P) = Mα (rα − rα−1 ) + Mβ (rβ − rβ−1 )
α β
X
n
≤ Mi (ti − ti−1 ) + Mδ(n − 1)
i=1
Zb
ε
< S(f; P0 ) + < f(x) dx + ε .
2 a

No caso geral, como f é limitada, existe c ∈ R tal que f(x) + c > 0 para
todo x ∈ [a, b].
Tomando g(x) = f(x) + c, temos que g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b],
Mi (g) = Mi (f) + c , S(g; P) = S(f; P) + c(b − a) ,
e, portanto,
Zb Zb
g(x) dx = f(x) dx + c(b − a) .
a a

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


Zb
|P| < δ =⇒ S(g; P) < g(x) dx + ε ,
a

ou seja,
Zb
S(f; P) + c(b − a) < f(x) + c(b − a) + ε .
a

Então,
Zb Zb
f(x) dx ≤ S(f; P) < f(x) dx + ε . 
a a

Zb
Corolário 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, f(x) dx = lim s(f, P),
a |P|−→0

ou seja: dado ε > 0, existe δ > 0 tal que


Zb Zb
|P| < δ =⇒ f(x) dx − ε < s(f; P) ≤ f(x) dx .
a a

302 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

Prova.
Pelo teorema anterior, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |P| < δ, então
Zb Zb
− f(x) dx ≤ S(−f; P) < − f(x) dx + ε .
a a

Logo,
Zb Zb
f(x) dx − ε < s(f; P) ≤ f(x) dx ,
a a

Zb Zb
pois S(−f; P) = −s(f; P) e − f(x) dx = − f(x) dx . 
a a

• Vamos, agora, caracterizar as funções integráveis exprimindo suas inte-


grais em termos de limites de somas.

Definição 5.2 Seja P = {t0 , t1 , . . . , tn } uma partição de [a, b]. Pontilhar


a partição P é escolher um ponto ξi ∈ [ti−1 , ti ] para todo i = 1, . . . , n.
Se f : [a, b] −→ R é limitada e P ? é uma partição pontilhada de [a, b],
chamamos
X
n
Σ(f; P) = f(ξ)(ti − ti−1 )
i=1

de soma de Riemann de f relativa à partição pontilhada P ? de [a, b].

Observação 5.1 Seja qual for a maneira de pontilhar a partição P,


temos s(f; P) ≤ Σ(f; P ? ) ≤ S(f; P) , já que ξi ∈ [ti−1 , ti ] e, portanto,
mi ≤ f(ξi ) ≤ Mi para todo i = 1, . . . , n.

Definição 5.3 Dada f : [a, b] −→ R limitada, dizemos que I ∈ R é o


limite de Σ(f; P ? ) quando |P| tende a zero e escrevemos

I = lim Σ(f; P ? )
|P|→0

quando, para tdo ε > 0, existe δ > 0, tal que |Σ(f; P ? ) − I| < ε, seja qual
for a partição pontilhada P ? de [a, b], com |P| < δ.

Teorema 5.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, existe o limite


Zb
?
I = lim Σ(f; P ) se, e só se, f é integrável. Neste caso, I = f(x) dx .
|P|→0 a

Instituto de Matemática - UFF 303


Análise na Reta

Prova.
(⇐=) Seja f integrável. Pelo teorema 5.1 e pelo corolário 5.1, temos:
Zb
f(x) dx = lim S(f; P) = lim s(f; P) .
a |P|→0 |P|→0

Mas, como s(f; P) ≤ Σ(f; P ? ) ≤ S(f; P) para toda partição pontilhada P ?


Zb
?
de [a, b], temos que o limite lim Σ(f; P ) existe e é igual a f(x) dx.
|P|→0 a

(=⇒) Suponhamos que existe o limite I = lim Σ(f; P ? ).


|P|→0

Dado ε > 0, existe uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } tal que


ε
|Σ(f; P ? ) − I| < ,
4
seja qual for a maneira de pontilhar P.
Vamos pontilhar P de duas maneiras:
• Em cada intervalo [ti−1 , ti ], existe ξi tal que
ε
f(ξi ) < mi + .
4n(ti − ti−1 )

Isto nos dá uma partição pontilhada P ? tal que


X
n X
n
ε ε
?
Σ(f; P ) = f(ξi )(ti − ti−1 ) < mi (ti − ti−1 ) + = s(f; P) + .
4 4
i=1 i=1

• Em cada intervalo [ti−1 , ti ], existe ηi tal que


ε
f(ηi ) > Mi − .
4n(ti − ti−1 )

Isto nos dá uma partição pontilhada P # tal que


X
n X
n
ε ε
#
Σ(f; P ) = f(ηi )(ti − ti−1 ) > Mi (ti − ti−1 ) − = S(f; P) − .
4 4
i=1 i=1

Logo,
ε ε
Σ(f; P ? ) − < s(f; P) ≤ S(f; P) < Σ(f; P # ) + .
4 4
ε ε
 
Mas, como Σ(f; P ? ) e Σ(f; P # ) pertencem ao intervalo I − ,I + ,
4 4
temos que
ε ε
I− < s(f; P) ≤ S(f; P) < I + ,
2 2
e, portanto, S(f; P) − s(f; P) < ε .

304 J. Delgado - K. Frensel


A integral como limite de somas

Então, f é integrável e, pela parte já provada do teorema,


Zb
f(x) dx = lim Σ(f; P ? ) . 
a |P|→0

Exemplo 5.1 Seja f : [a, b] −→ R uma função integrável. Então, dada


uma seqüência (Pn? ) de partições pontilhadas com lim |Pn? | = 0, temos
n→∞
que
Zb
f(x) dx = lim Σ(f; Pn? ) .
a n→∞

1
Consideremos, por exemplo, a função f : [1, 2] −→ R dada por f(x) = .
x
Então, f é integrável, pois f é de classe C∞ , e, como veremos depois,
Z2
dx
= log 2.
1 x

n+1 n+2 n+n

Para cada n ∈ N, seja Pn = 1, , ,..., a partição que
n n n
subdivide o intervalo [1, 2] em n intervalos, cada um com comprimento
1
hn + i − 1 n + ii
. Pontilhemos Pn tomando em cada intervalo , o ponto
n n n
n+i
ξi = , i = 1, . . . , n.
n
n + i n 1
Como f(ξi ) = f = , temos que f(ξi )(ti − ti−1 ) = e,
n n+i n+i
portanto,
1 1 1
Σ(f; Pn? ) = + + ... +
n+1 n+2 2n

é a soma de Riemann da partição pontilhada Pn? .


Logo,
Z2
dx 1 1 1
 
log 2 = = lim Σ(f; Pn? ) = lim = lim + + ... + .
1 x n→∞ n→∞ n→∞ n + 1 n+2 2n


Exemplo 5.2 Valor médio de uma função num intervalo


Seja f : [a, b] −→ R uma função integrável. Dividindo o intervalo [a, b]
em n partes iguais, obtemos a partição Pn = {a, a + h, . . . , a + nh}, onde
b−a
h= .
n

Instituto de Matemática - UFF 305


Análise na Reta

A média aritmética dos n números f(a + h), f(a + 2h), . . .,f(a + nh) = f(b)
1X
n
é indicada pela notação M(f; n) = f(a + ih). E definimos o valor
n
i=1

médio de f no intervalo [a, b] como sendo o limite

M(f; [a, b]) = lim M(f; n)


n→∞

Escolhendo o ponto a + ih em cada intervalo [a + (i − 1)h, a + ih],


i = 1, . . . , n, obtemos uma partição pontilhada Pn? tal que
X
n
b−a X
n
Σ(f; Pn? ) = f(a + ih)h = f(a + ih) = (b − a) M(f; n) ,
n
i=1 i=1

ou seja,
1
M(f; n) = Σ(f; Pn? ) .
b−a
Logo,
Zb
1 1
M(f; [a, b]) = lim Σ(f; Pn? ) = f(x) dx .
n→∞ b − a b−a a

Em particular, se f está definida no intervalo [a, a + 1], seu valor médio


Z a+1
nesse intervalo é f(x) dx . 
a

6. Caracterização das funções integráveis

Indiquemos com |I| = b − a o comprimento de um intervalo I cujos


extremos são a e b.

Definição 6.1 Seja X ⊂ R. Dizemos que X tem conteúdo nulo e escre-


vemos c(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe uma coleção finita de
abertos I1 , . . . , Ik tal que

X
k
X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ Ik e |Ij | < ε
j=1

Observação 6.1 Na definição acima, não foi exigido que os intervalos


abertos Ii , . . . , Ik sejam disjuntos.

306 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Mas, o conjunto aberto I1 ∪. . .∪Ik pode ser expresso, de modo único, como
uma reunião finita de intervalos abertos disjuntos J1 , . . . , Jr , com r ≤ k.
De fato, como I1 ∪ . . . ∪ Ik é um conjunto aberto, existe uma única coleção
(Jn ) enumerável de intervalos abertos disjuntos tais que

[
I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn .
n=1


[
Como, para todo j = 1, . . . , k, Ij = Ij ∩ Jn e Ij ∩ Jn é vazio ou é um
n=1

intervalo aberto, temos que existe um único nj tal que Ij ∩ Jnj 6= ∅, pois,
caso contrário, o intervalo aberto Ij se escreveria como reunião de dois
conjuntos abertos disjuntos e não-vazios.
Logo, Ij ⊂ Jnj , e, portanto,
I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn1 ∪ . . . ∪ Jnk .
Assim, a coleção (Jnk ) é finita e tem no máximo k elementos, pois podem
existir j 6= `, j, ` = 1, . . . , k, tais que Jnj = Jn` .

Então, existe r ≤ k tal que


I 1 ∪ . . . ∪ I k = J1 ∪ . . . ∪ Jr ,
onde J1 , . . . , Jr são intervalos abertos disjuntos.

Lema 6.1 Sejam I1 , . . . , Ik e J1 , . . . , Jr intervalos abertos, tais que os in-


tervalos Ji são dois a dois disjuntos
Se I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr , então
|J1 | + . . . + |Jr | ≤ |I1 | + . . . + |Ik | ,
ocorrendo a igualdade somente quando os intervalos Ij são também dois
a dois disjuntos. Nesse caso, k = r e os intervalos I1 , . . . , Ik coincidem
com os intervalos J1 , . . . , Jk a menos da enumeração.

Prova.
Seja ξX : R −→ R a função caracterı́stica de um conjunto X ⊂ R, ou

1 se x ∈ X
seja ξX (x) =
0 se x ∈
6 X.

Instituto de Matemática - UFF 307


Análise na Reta

X
k
Afirmação 1: Se Y = X1 ∪ . . . ∪ Xk , então ξY ≤ ξX , ocorrendo a
j
j=1

igualdade se, e só se, os conjuntos Xj são dois a dois disjuntos.


De fato, se x ∈ Y, existe j ∈ {1, . . . , k} tal que x ∈ Xj .

X
k
Logo, ξY (x) = 1 = ξXj (x) ≤ ξX (x), pois ξX (y) ≥ 0 para todo y ∈ R.
i i
i=1

Se x 6∈ Y, então x 6∈ Xj para todo j = 1, . . . , k. Assim, ξY (x) = ξX (x) = 0


j

para todo j = 1, . . . , k, ou seja,


X
k
ξY (x) = ξX (x) = 0 .
j
j=1

Suponhamos, agora, que os conjuntos X1 , . . . , Xk são dois a dois disjun-


tos. Então, para todo x ∈ Y, existe um único j = 1, . . . , k tal que x ∈ Xj .
X
k
Logo, ξY (x) = 1 = ξXj (x) = ξX (x), já que ξX (x) = 0 para todo i 6= j.
i i
i=1

X
n
Suponhamos que ξY = ξX . j
Então, os conjuntos Xj são disjuntos,
j=1

pois se existisse x ∈ Xj ∩ Xi , j 6= i, terı́amos que


X
k
2 = ξXj (x) + ξXi (x) ≤ ξX (x) = ξY (x) = 1 ,
`
`=1

o que é absurdo.
• No caso em que X é um intervalo contido no intervalo [a, b], temos que
ξX : [a, b] −→ R é uma função escada e, portanto,
Zb
ξX(x) dx = |X|
a

• Logo, se [a, b] é um intervalo tal que Y = I1 ∪. . .∪Ik = J1 ∪. . .∪Jr ⊂ [a, b],


onde I1 , . . . , Ik e J1 , . . . , Jr são intervalos abertos, sendo os intervalos Ji
dois a dois disjuntos, então
X
r X
k
ξY = ξJ i
≤ ξI J
,
i=1 i=1

308 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

e, portanto,
X
r r Zb
X Z X
r Zb X
k k Zb
X X
k
|Ji | = ξJ i
= ξJ i
≤ ξI j
= ξI j
= |Ij | .
i=1 i=1 a a i=1 a j=1 j=1 a j=1

Suponhamos, agora, que existem i 6= j , i, j ∈ {1, . . . , k}, tais que Ii ∩Ij 6= ∅.


Então, existe um intervalo aberto I0 = (c, d) ⊂ Ii ∩ Ij .

X
k X
k
Logo, ξY (x) < ξI (x) para todo x ∈ I0, ou seja,
`
ξI (x) − ξY (x) ≥ 1
`
`=1 `=1

para todo x ∈ I0 .
Assim,
X
k X̀ Zb X
k X
r
!
|I` | − |Js | = ξI (x) −
`
ξJ (x)
s
dx
`=1 s=1 a `=1 s=1
Zb X
k
! Zc X
k
!
= ξI (x) − ξY (x)
`
dx = ξI (x) − ξY (x)
`
dx
a `=1 a `=1
Zd X
k
! Zb X
k
!
+ ξI (x) − ξY (x)
`
dx + ξI (x) − ξY (x)
`
dx
c `=1 d `=1
Zd
≥ 1 dx = d − c = |I0 | > 0 .
c

Provamos, então, que se os intervalos abertos I1 , . . . , Ik não são disjuntos,


X
k X
r
então |I` | > |Js | . 
`=1 s=1

Corolário 6.1 Seja X ⊂ [a, b] um conjunto de conteúdo nulo. Então,


dado ε > 0, existe uma partição P de [a, b] tal que a soma dos compri-
mentos dos intervalos de P que contêm algum ponto de X é < ε.

Prova.
Dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik
X
k
e |Ij | < ε. Pela observação 6.1 e pelo lema 6.1, existem intervalos
j=1

abertos J1 , . . . , Jr , r ≤ k, disjuntos tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr


Xr
e |Ji | < ε.
i=1

Instituto de Matemática - UFF 309


Análise na Reta

As extremidades dos Ji contidas em [a, b], juntamente com os pontos a e


b, formam uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b].
Seja i = 1, . . . , n, tal que X ∩ [ti−1 , ti ] 6= ∅. Então, existe x ∈ X ∩ [ti−1 , ti ]
e, portanto, existe ` = 1, . . . , r tal que x ∈ J` .
Suponhamos que 0 < ε ≤ b − a. Assim, uma das extremidades de J` está
contida em [a, b], pois, caso contrário, terı́amos |J` | > b − a ≥ ε, já que
J` ∩ [a, b] 6= ∅.
Logo, se:
• ti−1 = a =⇒ [a, t1 ) ⊂ J` e t1 é a extremidade superior de J` .

ou
• ti−1 6= a e ti 6= b =⇒ (ti−1 , ti ) = J` .

• ti = b =⇒ (tn−1 , b] ⊂ J` e tn−1 é a extremidade inferior de J` .

ou
Em qualquer caso, temos que ti − ti−1 ≤ |J` |. Então,
X X
r
|ti − ti−1 | ≤ |Js | < ε . 
X∩[ti−1 ,ti ]6=∅ s=1

Observação 6.2 Os conjuntos de conteúdo nulo gozam das seguintes


propriedades:
1. Se c(X) = 0, então X é limitado.
De fato, como X está contido numa união finita de intervalos limitados,
temos que X é limitado.
2. Se c(X) = 0 e Y ⊂ X, então c(Y) = 0.
3. Se c(X1 ) = c(X2 ) = . . . = c(Xn ) = 0, então c(X1 ∪ . . . ∪ Xn ) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem, para cada k = 1, . . . , n, intervalos abertos
Ik1 , . . . , Ikjk tais que

310 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

X
jk
ε
Xk ⊂ Ik1 ∪ ... ∪ Ikjk e |Iki | < .
n
i=1

Logo,
jk
n [
[ X
n X
jk
ε
X1 ∪ . . . ∪ Xn ⊂ Iki e |Iki | < n × = ε.
n
k=1 i=1 k=1 i=1

4. Se para cada ε > 0 existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik e um subcon-


junto finito F ⊂ X tais que
X − F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1 | + . . . + |Ik | < ε ,
então c(X) = 0 .
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik e F ⊂ X finito tais
que
ε
X − F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1 | + . . . + |Ik | < .
2
ε ε
 
Sejam F = {x1 , . . . , xr } e Ik+i = xi − , x i + , i = 1, . . . , r. Então,
4r 4r
r
[ X
r
2εr ε
F⊂ Ik+i e |Ik+i | = = .
4r 2
i=1 i=1

X
k+r
ε ε
Logo, X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ∪ Ik+1 ∪ . . . ∪ Ik+r e |Ij | < + = ε.
2 2
j=1

5. c(X) = 0 ⇐⇒ dado ε > 0, existem intervalos fechados J1 , . . . , Jk tais


X
k
que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e |Ji | < ε.
i=1

De fato, se c(X) = 0, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , Ik tais


X
k
que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik e |Ii | < ε. Seja Ji = Ii , ou seja, Ji = [ai , bi ]
i=1

se Ii = (ai , bi ). Então, |Ji | = |Ii |, i = 1, . . . , k. Logo, X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e


X
k X
k
|Ji | = |Ii | < ε .
i=1 i=1

Reciprocamente, dado ε > 0, existem intervalos fechados Ji = [ai , bi ],


X
k
i = 1, . . . , k , tais que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk e |Ji | < ε.
i=1

Instituto de Matemática - UFF 311


Análise na Reta

Sejam F = {a1 , b1 , a2 , b2 , . . . , an , bn } e Ii = (ai , bi ), i = 1, . . . , n.

X
k
Então, X − F ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik e |Ii | < ε . Logo, pela propriedade 4,
i=1

c(X) = 0.
• Em particular, vale a recı́proca do corolário 6.1: Se X ⊂ [a, b] e, para
cada ε > 0 existe uma partição P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
tos dos intervalos de P que contêm pontos de X é < ε, então c(X) = 0.

Exemplo 6.1 Seja X = Q ∩ [a, b], com a < b. Então, X é enumerável,


mas não tem conteúdo nulo.
De fato, se c(X) = 0, então, dado 0 < ε < b − a, existiria uma partição P
de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de P contendo
pontos de P seria < ε. Mas, como Q ∩ [ti−1 , ti ] 6= ∅ para todo i, terı́amos
X
que (ti − ti−1 ) = b − a, o que é um absurdo. Logo, X não tem
[ti−1 ,ti ]∩X6=∅

conteúdo nulo. 

Exemplo 6.2 Todo intervalo não-degenerado não tem conteúdo nulo.


De fato, os intervalos do tipo (a, +∞), [a, +∞), (−∞, b) e (−∞, b] não
têm conteúdo nulo, pois são ilimitados.
E os intervalos do tipo (a, b) e [a, b] não tem conteúdo nulo, pois (a, b)∩Q
não têm conteúdo nulo e (a, b) ∩ Q ⊂ (a, b) ⊂ [a, b]. 

Exemplo 6.3 Se X tem conteúdo nulo, então X tem interior vazio.


De fato, se x0 ∈ int X, existiria um intervalo aberto I tal que x0 ∈ I ⊂ X.
Logo, como c(X) = 0, I teria conteúdo nulo, o que é um absurdo. 

Exemplo 6.4 Seja K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor. Então K não é enu-


merável e tem conteúdo nulo.
De fato, depois da n−ésima etapa da construção do conjunto de Cantor,
foram omitidos intervalos abertos cuja soma dos comprimentos é
1 X 2 i
n−1    2 n
1 2 22 2n−1
+ 2 + 3 + ... + n = =1− .
3 3 3 3 3 3 3
i=0

312 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Então, K está contido numa união finita de 2n intervalo fechados, cada um


1
de comprimento n . Como a soma dos comprimentos desses intervalos
3
 2 n  2 n
fechados é , dado ε > 0, basta tomar n ∈ N tal que < ε.
3 3
Portanto, c(X) = 0. 

• Sejam f : [a, b] −→ R uma função limitada e X ⊂ [a, b]. A oscilação de f


no conjunto X é
ω(f; X) = sup f(X) − inf f(X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, ∈ X } .
Logo, se X ⊂ Y, então ω(f; X) ≤ ω(f; Y) .
Definiremos, agora, a oscilação de f num ponto x ∈ [a, b]:
Para cada δ > 0, escrevemos
ωx (δ) = ω(f; (x − δ, x + δ) ∩ [a, b]) .
• se a < x < b, existe δ0 > 0 tal que (x − δ0 , x + δ0 ) ⊂ [a, b]. Logo,
ωx (δ0 ) = ω(f; (x − δ0 , x + δ0 )) .
• Se x = a e 0 < δ0 ≤ b − a, então ωx (δ0 ) = ω(f; [a, a + δ0 )) .
• Se x = b e 0 < δ0 ≤ b − a, então ωx (δ0 ) = ω(f; (b − δ0 , b]) .
Então a função ω : (0, δ0 ) −→ R é monótona não-decrescente e é
limitada, pois f é limitada.
Existe, portanto, o limite
ω(f; x) = lim+ ωx (δ) = inf { ω(δ) | δ ∈ (0, δ0 ) }
δ→0

que chamamos a oscilação de f no ponto x .

Observação 6.3 Seja Vδ (x) = (x − δ, x + δ) ∩ ( [a, b] − {x} ).


Então, se 0 < δ < δ0 , temos que Vδ (x) = (x − δ, x + δ) − {x} quando
a < x < b, Vδ (a) = (a, a + δ) e Vδ (b) = (b − δ, b) .
Como já provamos, as funções
`x : (0, δ0 ) −→ R
δ 7−→ `xδ = infδ∈(0,δ0 ) f(Vδ )

Instituto de Matemática - UFF 313


Análise na Reta

Lx : (0, δ0 ) −→ R
δ 7−→ Lxδ = supδ∈(0,δ0 ) f(Vδ ) ,

são monótonas não-crescente e não-decrescente, respectivamente,


L(x) = lim Lxδ é o limite superior de f no ponto x e `(x) = lim `xδ é o
δ→0 δ→0

limite inferior de f no ponto x.


Observe que, ao calcularmos os limites `(x) e L(x), não levamos em conta
o valor de f no ponto x. Por isso, não se tem, em geral, ω(f; x) igual a
L(x) − `(x).
Mas, como ω(δ) = max { Lxδ , f(x) } − min { `xδ , f(x) }, temos que

Lxδ + f(x) + |Lxδ − f(x)| `x + f(x) − |`xδ − f(x)|


ω(f; x) = lim+ ωxδ = lim+ − lim+ δ
δ→0 δ→0 2 δ→0 2
L(x) + f(x) + |L(x) − f(x)| `(x) + f(x) − |`(x) − f(x)|
= −
2 2

= max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } .

Além disso, temos que f é contı́nua em x se, e só se, lim f(t) = f(x), ou
t→x

seja, se, e só se, L(x) = `(x) = f(x). Logo,


f é contı́nua em x se, e só se, ω(f; x) = 0 .
De fato, se f é contı́nua em x, então ω(f; x) = 0, pois
max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = 0 ,
já que L(x) = `(x) = f(x).
Suponhamos, então, que ω(f; x) = 0.
• Se f(x) ≤ `(x) ≤ L(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − f(x) ,
ou seja, L(x) = f(x), e, portanto, f(x) = `(x) = L(x).
• Se `(x) ≤ L(x) ≤ f(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = f(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = f(x), e, portanto, `(x) = L(x) = f(x) .
• Se `(x) ≤ f(x) ≤ L(x), então
0 = ω(f; x) = max { L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = L(x), e, portanto, `(x) = f(x) = L(x) .

314 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Em qualquer caso, temos que L(x) = `(x) = f(x). Logo, f é contı́nua em x


se ω(f; x) = 0.

Daremos, agora, uma outra demonstração deste resultado, sem usar


as noções de limite superior e inferioir de uma função num ponto x.

Teorema 6.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Então, f é contı́nua no ponto


x0 ∈ [a, b] se, e só se, ω(f; x0 ) = 0 .

Prova.
(=⇒) Suponhamos f contı́nua no ponto x0 ∈ [a, b]. Dado ε > 0, existe
δ > 0 tal que
ε ε
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ f(x0 ) − < f(x) < f(x0 ) + .
2 2
Então, |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b] ∩ (x0 − δ, x0 + δ)
e, portanto, 0 ≤ ωδ ≤ ε.
Logo, ω(f; x0 ) = lim+ ωδ = 0.
δ→0

(⇐=) Suponhamos, agora, que ω(f; x0 ) = lim+ ωδ = 0 .


δ→0

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que 0 ≤ ωδ < ε, ou seja, |f(x) − f(y)| < ε
quaisquer que sejam x, y ∈ (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b].
Em particular,
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε.
Logo, f é contı́nua no ponto x0 . 

• O próximo teorema diz que a oscilação x 7−→ ω(f; x) é uma função se-
micontı́nua superiormente no intervalo [a, b], e os corolários estabelecem
propriedades gerais das funções semicontı́nuas superiormente.

Teorema 6.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Dado x0 ∈ [a, b], para todo
ε > 0, existe δ > 0, tal que
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0 ) + ε .

Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que ωx0 (δ) < ω(f; x0 ) + ε, pois
lim ωx0 (δ) = ω(f; x0 ).
δ→0

Instituto de Matemática - UFF 315


Análise na Reta

Como
ωx0 (δ) = ω(f; (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b]),
temos que para todo x ∈ X = (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b] , existe δx > 0 tal
que (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b] ⊂ X .
Logo,
ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b]) ≤ ω(f; X) = ωx0 (δ) < ω(f; x0 ) + ε.
Mas, como
ω(f; x) ≤ ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b]),
já que
ω(f; x) = lim ωxδ 0 = inf { ωx (δ 0 ) | δ 0 > 0 },
0 δ →0

onde ωx (δ 0 ) = ω(f; (x−δ 0 , x+δ 0 )∩[a, b]), temos que ω(f; x) < ω(f; x0 )+ε.


Corolário 6.2 Se ω(f; x0 ) < α então existe δ > 0 tal que


x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < α .

Prova.
Pelo teorema acima, dado ε = α − ω(f; x0 ) > 0, existe δ > 0 tal que
x ∈ [a, b] , |x − x0 | < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0 ) + ε = α . 

Corolário 6.3 Para todo α > 0, o conjunto


Eα = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ α }
é compacto.

Prova.
Seja
Aα = [a, b] − Eα = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) < α } .
Pelo corolário anterior, para todo x ∈ Aα , existe δx > 0, tal que (x − δx , x +
δx ) ∩ [a, b] ⊂ Aα .
Logo,
[
Aα = [a, b] ∩ (x − δx , x + δx ) = [a, b] ∩ Uα ,
x∈Aα
[
onde Uα = (x − δx , x + δx ) é aberto.
x∈Aα

316 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Então, Eα = [a, b] ∩ (R − Uα ) é fechado e limitado, pois [a, b] e R − Uα são


fechados e [a, b] é limitado. Portanto, Eα é compacto. 

Corolário 6.4 Seja (xn ) uma seqüência de pontos de [a, b] que con-
verge para x. Se o lim ω(f; xn ) = L existe, então L ≤ ω(f; x), ou seja
n→∞

lim ω(f; xn ) ≤ ω(f; lim xn ) .


n→∞ n→∞

Prova.
L − ω(f; x)
Suponhamos, por absurdo, que ω(f; x) < L e seja ε = > 0,
2
isto é, ω(f; x) + ε = L − ε. Pelo teorema 6.2, existe δ > 0 tal que
y ∈ [a, b] ∩ (x − δ, x + δ) =⇒ ω(f; y) < ω(f; x) + ε = L − ε .
Mas, como xn −→ x, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ [a, b] ∩ (x − δ, x + δ) para
todo n ≥ n0 .
Logo, ω(f; xn ) < L − ε para todo n ≥ n0 , o que é um absurdo, pois
lim ω(f; xn ) = L. 
n→∞

x
Exemplo 6.5 Seja a função f : R −→ R dada por f(x) = , x 6= 0, e
|x|
f(0) = 0. Então, ω(f; x) = 0 para todo x 6= 0, pois f é contı́nua nesses
pontos, e ω(f; 0) = 2, pois ω0δ = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ (−δ, δ) } = 2,
para todo δ > 0. 

Exemplo 6.6 Seja g : R −→ R definida por g(x) = 0 se x ∈ (R − Q) ∪ {0}


 
p 1 p
eg = se é irredutı́vel e q > 0.
q q q

Como lim g(x) = 0 para todo x0 ∈ R, temos que L(x0 ) = `(x0 ) = 0,


x→x0

onde L(x0 ) e `(x0 ) é o limite superior e o limite inferior de g no ponto x0 ,


respectivamente.
Então, ω(g; x0 ) = 0 para todo x0 ∈ (R − Q) ∪ {0} e ω(g; x0 ) = g(x0 ) para
todo x0 ∈ Q − {0}, já que, pela observação 6.3,
ω(g; x0 ) = max { L(x0 ), g(x0 ) } − min { `(x0 ), g(x0 ) } . 

Exemplo 6.7 Seja h : R −→ R dada por h(x) = 0 para x ∈ Q e h(x) = 1


para x ∈ R − Q. Então, ω(h; x) = 1 para todo x ∈ R, pois

Instituto de Matemática - UFF 317


Análise na Reta

ωx (δ) = sup { |h(y) − h(z)| | y, z ∈ (x − δ, x + δ) } = 1


para todo δ > 0. 

Teorema 6.3 Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada. Se ω(f; x) <


ε para todo x ∈ [a, b], então existe uma partição P de [a, b] tal que
ωi = Mi − mi < ε em todos os intervalos [ti−1 , ti ] da partição.

Prova.
Como ω(f; x) = lim+ ωx (δ) = inf {ωx (δ) | δ > 0 } < ε, para todo x ∈ [a, b],
δ→0

existe δx > 0 tal que ωx (δx ) = ω(f; (x − δx , x + δx ) ∩ [a, b] } < ε.


δ δ
  [
Seja Ix = x − x , x + x , x ∈ [a, b]. Como [a, b] ⊂ Ix é uma cober-
2 2
x∈[a,b]

tura aberta do compacto [a, b], existem x1 , . . . , xn ∈ [a, b], pelo teorema
de Borel-Lebesgue, tais que [a, b] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Os pontos a, b, juntamente com as extremidades dos intervalos Ixj que
pertencem a [a, b], deterrminam uma partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b].

Afirmação: ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) < ε, i = 1, . . . , n.


• i = 1: Como [a, t1 ] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a
extremidade inferior de Ixj é < a e sua extremidade superior é ≥ t1 e,
portanto, [a, t1 ) ⊂ Ixj . Assim, [a, t1 ] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ), e
ω1 = ω(f; [a, t1 ]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

• i 6= 1, n: Como [ti−1 , ti ] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n} tal que a


extremidade inferior de Ixj é < ti−1 e sua extremidade superior é ≥ ti , ou
seja, (ti−1 , ti ) ⊂ Ixj . Assim, [ti−1 , ti ] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ) e
ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

• i = n: Como [tn−1 , b] ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a


extremidade superior de Ixj é > b e sua extremidade inferior é ≤ tn−1 , ou
seja, (tn−1 , b] ⊂ Ixj . Assim, [tn−1 , b] ⊂ (xj − δxj , xj + δxj ) e

ωn = ω(f; [tn−1 , b]) ≤ ω(f; (xj − δxj , xj + δxj ) ∩ [a, b]) < ε .

Teorema 6.4 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável se, e só


se, para todo δ > 0, o conjunto Eδ = { x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ δ } tem conteúdo
nulo.

318 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Prova.
(=⇒) Sejam f integrável e δ > 0. Dado ε > 0, existe uma partição
X
n
P = {t0 , . . . , tn } de [a, b] tal que ωi (ti − ti−1 ) < εδ.
i=1

Se (ti−1 , ti ) ∩ Eδ 6= ∅, existe x ∈ (ti−1 , ti ) ∩ Eδ e δx > 0 tal que


(x − δx , x + δx ) ⊂ (ti−1 , ti ).
Logo,
ωi = ω(f; [ti−1 , ti ]) ≥ ω(f; (x − δx , x + δx )) ≥ ω(f; x) ≥ δ .
Seja I = { i ∈ {1, . . . , n} | Eδ ∩ (ti−1 , ti ) 6= ∅ }.
Então,
X X
δ (ti − ti−1 ) ≤ ωi (ti − ti−1 ) < δ.
i∈I i∈I

Isto é,
X
(ti − ti−1 ) <  ,
i∈I

ou seja, a soma dos comprimentos dos intervalos de P que contêm algum


ponto de Eδ em seu interior é < ε.
[ X
Portanto, Eδ − ( Eδ ∩ P ) ⊂ (ti−1 , ti ) e (ti − ti−1 ) < ε .
i∈I i∈I

Assim, como Eδ ∩ P é finito, temos que c(Eδ ) = 0.

(⇐=) Suponhamos que c(Eδ ) = 0 para todo δ > 0.


ε
Dado ε > 0, tomemos δ0 = .
2(b − a)

Como Eδ0 ⊂ [a, b] e c(Eδ0 ) = 0, temos, pelo corolário 6.1, que existe uma
partição P0 de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de
ε
P0 que contêm algum ponto de Eδ0 é < , onde M = sup f e
2(M − m)
m = inf f. Observe que M − m > 0 se f não é constante.
Nos outros intervalos, onde [tk−1 , tk ] ∩ Eδ0 = ∅, temos que ω(f; x) < δ0
para todo x ∈ [tk−1 , tk ]. Logo, pelo teorema anterior, podemos subdividir
cada um dos intervalos [tk−1 , tk ] que não intersectam Eδ0 de modo a se
obter uma partição P que é um refinamento de P0 , com ωi < δ0 nos
intervalos que não contêm pontos de Eδ0 .

Instituto de Matemática - UFF 319


Análise na Reta

Relativamente a P, podemos escrever


X X X
ωi (ti − ti−1 ) = ωi0 (ti0 − ti−1
0
)+ ωi00 (ti00 − ti−1
00
),

onde o primeiro somatório refere-se aos intervalos de P que contêm um


ponto de Eδ0 .
Então,
X ε
ωi0 ≤ M − m e (ti0 − ti−1
0
)< .
2(M − m)
X ε
Logo, ωi0 (ti0 − ti−1
0
)< .
2
O segundo somatório corresponde aos intervalos de P que não contêm
pontos de Eδ0 . Logo, ωi00 < δ0 e, portanto,
X ε
ωi00 (ti00 − ti−1
00
) < δ0 (b − a) = .
2
X
Assim, ωi (ti − ti−1 ) < ε e f é integrável. 

• Vamos introduzir agora a noção de conjunto de medida nula para obter-


mos a forma definitiva de caracterizar as funções integráveis.

Definição 6.2 Dizemos que um conjunto X ⊂ R tem medida nula (à


Lebesgue) e escrevemos m(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe
uma coleção enumerável de intervalos abertos I1 , I2 , . . . , In , . . . tais que
X

X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e |In | < ε.
n=1

• Em particular, se X tem conteúdo nulo, então X tem medida nula.


• Valem as seguintes propriedades:
1. Se m(X) = 0 e Y ⊂ X então m(Y) = 0. Em particular m(∅) = 0.
2. Se X é compacto e m(X) = 0, então c(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existe uma coleção enumerável de intervalos
X

abertos I1 , . . . , In , . . . tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e |In | < ε.
n=1

Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem k1 , . . . , kn ∈ N tais que


X ⊂ Ik1 ∪ . . . ∪ Ikn .

320 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

X
n X

Logo, |Iki | ≤ |Ij | < ε e, portanto, c(X) = 0.
i=1 j=1

3. Se Y = X1 ∪ X2 ∪ . . . ∪ Xn ∪ . . ., onde m(X1 ) = m(X2 ) = . . . =


m(Xn ) = . . . = 0, então, m(Y) = 0. Ou seja, uma reunião enumerável de
conjuntos de medida nula tem medida nula.
De fato, para cada n ∈ N, existe uma coleção (In,j )j∈N de intervalos
[ X ε
abertos tal que Xn ⊂ In,j e |In,j | < n .
2
j∈N j∈N
[
Logo, Y ⊂ In,j , onde
n,j∈N

XX X

ε
|In,j | < = ε.
2n
n j n=1

Assim, m(Y) = 0.
• Em particular, como um conjunto formado por um único ponto tem me-
dida nula, todo conjunto enumerável tem medida nula.
Assim, m(Q) = 0 e, portanto m(Q ∩ [a, b]) = 0, mas, como já vimos,
Q ∩ [a, b] não tem conteúdo nulo.
4. Se, para cada ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , In , . . . e
[ X
um subconjunto enumerável E ⊂ X tais que X − E ⊂ In e |In | < ε,
n∈N n∈N

então m(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1 , . . . , In , . . . e E ⊂ X
[ X ε
enumerável tais que X − E ⊂ In e |In | < .
2
n∈N n∈N

Mas, como E tem medida nula (por ser enumerável), existem inter-
[ X ε
valos abertos J1 , . . . , Jn , . . . tais que E ⊂ Jn e |Jn | < .
2
n∈N n∈N
[ [ X X
Logo, X ⊂ In ∪ Jk e |In | + |Jk | < ε e, portanto, X tem
n∈N k∈N n∈N k∈N

medida nula.
5. m(x) = 0 ⇐⇒ para todo ε > 0, existe uma coleção enumerável de
[ X
intervalos fechados F1 , F2 , . . . , Fn , . . . tal que X ⊂ Fn e |Fn | < ε.
n∈N n∈N

Instituto de Matemática - UFF 321


Análise na Reta

De fato, se m(X) = 0, dado ε > 0, existe uma coleção (In )n∈N de


intervalos abertos tal que
[ X
X⊂ In e |In | < ε .
n∈N n∈N

Então, Fn = In é um intervalo fechado tal que |Fn | = |In | e In ⊂ Fn


para todo n ∈ N.
[ X
Logo, X ⊂ Fn e |Fn | < ε .
n∈N n∈N

Reciprocamente, dado ε > 0, existe uma coleção (Fn )n∈N de interva-


[ X
los fechados tal que X ⊂ Fn e |Fn | < ε.
n∈N n∈N

Então, int(Fn ) = In é um intervalo aberto e |In | = |Fn | para todo


n ∈ N, e o conjunto E das extremidades dos intervalos Fn é enumerável.
[ X
Logo, X − E ⊂ In e |In | < ε e, portanto, pela propriedade 4,
n∈N n∈N

X tem medida nula.

Teorema 6.5 Uma função limitada f : [a, b] −→ R é integrável se, e só


se, o conjunto D dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.

Prova.
Para cada δ > 0, seja Eδ = {x ∈ [a, b] | ω(f; x) ≥ δ}.
[ [
Então, D = Eδ = E1/n , já que f é contı́nua num ponto x ∈ [a, b] se,
δ>0 n∈N

e só se, ω(f; x) = 0.

(⇐=) Se m(D) = 0 então m(Eδ ) = 0 para todo δ > 0. Como Eδ é


compacto, pelo corolário 6.3, temos que c(Eδ ) = 0 para todo δ > 0. Logo,
pelo teorema 6.4, f é integrável.

(=⇒) Se f é integrável, então, pelo teorema 6.4, para todo n ∈ N,


c(E1/n ) = 0 e, portanto, m(E1/n ) = 0.
[
Logo, D tem medida nula, pois D = E1/n é uma reunião enumerável
n∈N

de conjuntos de medida nula. 

322 J. Delgado - K. Frensel


Caracterização das funções integráveis

Corolário 6.5 Se f, g : [a, b] −→ R são integráveis, então o produto f · g


1
é integrável. Se, além disso, f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e é limitada,
f
1
então é integrável.
f

Prova.
Se f e g são limitadas, existem K > 0 e M > 0 tais que |f(x)| ≤ K e
|g(x)| ≤ M para todo x ∈ [a, b] e, portanto, |f(x) · g(x)| ≤ KM para todo
x ∈ [a, b], ou seja, f · g é limitada.
Além disso, como D(f · g) ⊂ D(f) ∪ D(g), temos que m(D(f · g)) = 0, pois
m(D(f)) = m(D(g)) = 0.
Logo, f · g é integrável.
1 1
Se f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e é limitada, temos que é integrável,
f f
já que D(1/f) = D(f) e m(D(f)) = 0. 

Corolário 6.6 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se o conjunto dos seus


pontos de descontinuidade é enumerável, então f é integrável.

Corolário 6.7 Seja f : [a, b] → R limitada. Se existem os limites laterais


de f em todos os pontos de [a, b], ou seja, se f só possui decontinuidades
de primeira espécie, então f é integrável.

Prova.
Se todas as descontinuidades de f são de primeira espécie, então D é
enumerável e, portanto, tem medida nula. 

Corolário 6.8 Se f : [a, b] −→ R é monótona, então f é integrável.

Prova.
Se f é monótona em [a, b], então f é limitada e todas as suas descon-
tinuidades são de primeira espécie. Logo, pelo corolário anterior, f é in-
tegrável. 

Instituto de Matemática - UFF 323


Análise na Reta

7. Logarı́tmos e exponenciais

Vamos definir primeiro a função Logarı́tmo e a partir dela a função


Exponencial como sendo sua inversa, pois , desta maneira, as proprieda-
des de ambas funções são provadas de forma mais simples.
O contrário também pode ser feito, mas torna as coisas mais difı́ceis
(ver exercı́cios 2 e 60 da parte 2 e exercı́cios 11 e 12 da parte 5).

Definição 7.1 Seja R+ o conjunto dos números reais positvos. Defini-


mos a função real log : R+ −→ R pondo, para cada x > 0,
Zx
1
log x = dt
1 t

O número log x é chamado o logarı́tmo natural de x ou o logarı́tmo de x.

Zx
1 x−1
Observação 7.1 log x = dt ≥ > 0 para todo x > 1, já que,
1 t x
1 1
≥ para todo t ∈ [1, x].
t x

Z1
1
Observação 7.2 log 1 = dt = 0 e
1 t
Zx Z1
1 1
log x = dt = − dt ≤ −(1 − x) = x − 1 < 0 ,
1 t x t

1
para todo 0 < x < 1, pois ≥ 1 para todo t ∈ [x, 1].
t

1
Observação 7.3 Como (log) 0 (x) = > 0 para todo x > 0, a função
x
log : R+ −→ R é monótona crescente.
1
Além disso, log ∈ C∞ , já que a função x 7−→ é de classe C∞ .
x

Observação 7.4 Quando x > 1, log x é a área da faixa de hipérbole



1

Hx1 = (t, y) 1 ≤ t ≤ x e0≤y≤
t

E quando 0 < x < 1, logx é a área da faixa H1x com o sinal trocado.

324 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

1
Fig. 1: Area Hx
1 delimitada pelo gráfico de x
no intervalo [1, x] .

Teorema 7.1 Sejam x, y ∈ R+ . Então, log xy = log x + log y.

Prova.
Temos
Z xy Zx Z xy
1 dt dt
log xy = dt = +
1 t 1 t x t
Zy Zy
x ds
= log x + ds = log x +
1 xs 1 s

= log x + log y ,
Z xy
dt
onde, na integral , realizamos a mudança de variável t = xs. 
x t

Corolário 7.1 Seja x > 0. Então, log(xr ) = r log x para todo r ∈ Q.

Prova.
Seja n ∈ N. Então, podemos provar, por indução, usando o teorema
acima, que log(xn ) = n log x , já que log x = log(x1 ) = 1 log x e, se
log(xn ) = n log x , então
log(xn+1 ) = log(xn · x) = log(xn ) + log x = n log x + log x = (n + 1) log x .

Como xn · x−n = x0 = 1, temos


0 = log 1 = log(xn · x−n ) = log(xn ) + log(x−n ) ,
e, portanto, log(x−n ) = − log(xn ) = −n log x.
Provamos, assim, que log(xr ) = r log x para todo r ∈ Z.

Instituto de Matemática - UFF 325


Análise na Reta

p
No caso geral, r = , p ∈ Z e q ∈ Z? . Como por definição, (xp/q )q = xp ,
q
temos que
p log x = log(xp ) = log((xp/q )q ) = q log(xp/q ) .
p
Assim, log(xp/q ) = log x . 
q

Corolário 7.2 A função log : R+ −→ R é um homeomorfismo de R+


sobre R .

Prova.
Já sabemos que a função log é contı́nua e crescente, donde injetiva.
Como, pelo corolário 3.2 da parte 6, log(R+ ) é um intervalo, para provar
que log(R+ ) = R, basta mostrar que
lim log x = +∞ e lim log x = −∞ .
x→∞ x→0+

Sendo lim log(2n ) = lim n log 2 = +∞ e a função log crescente, temos


n→∞ n→∞

que limx→∞ log x = +∞, já que dado A > 0 existe B = 2n0 > 0, onde
A
n0 > , tal que
log 2
x > B =⇒ log x > log(2n0 ) = n0 log 2 > A .
Temos, também, que lim+ log x = −∞, pois, dado A > 0, existe
x→0
A
δ = 2−n0 > 0, onde n0 > , tal que
log 2
0 < x < δ =⇒ log x < log(2−n0 ) = −n0 log 2 < −A .
Além disso, como log : R+ −→ R é uma bijeção contı́nua definida no
intervalo R+ = (0, ∞), temos, pelo teorema 3.2 da parte 6, que sua função
inversa log−1 : R −→ R+ é contı́nua em R. 

Observação 7.5 O teorema acima, juntamente com o teorema 7.1, nos


dá que log : R+ −→ R é um isomorfismo contı́nuo do grupo multiplica-
tivo R+ sobre o grupo aditivo R e que seu isomorfismo inverso também é
contı́nuo.

Exemplo 7.1 Os únicos homomorfı́smos contı́nuos f : R+ −→ R são os


da forma f(x) = c log x, onde c ∈ R (exercı́cio 33 do livro). 

326 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

Observação 7.6 Sendo log R+ −→ R uma bijeção, existe um único


número real, indicado pelo sı́mbolo e, cujo logarı́tmo é 1, ou seja, log e = 1.
O número e é chamado de base dos logarı́tmos naturais.
Mostraremos, depois, que
 1
n
e = lim 1+
n→∞ n

Definição 7.2 A função exponencial exp : R −→ R+ é, por definição, a


inversa da função logarı́tmo, ou seja,
exp(x) = y ⇐⇒ log y = x .
Em particular, exp(log y) = y e log(exp x) = x .

Teorema 7.2 A função exponencial é uma bijeção crescente de R sobre


R+ . Ela é infinitamente diferenciável, com (exp) 0 (x) = exp(x). Além disso,
exp(x + y) = exp(x) · exp(y) , ∀x, y ∈ R e exp(r) = er , ∀ r ∈ Q .

Prova.
A função exp : R → R+ é uma bijeção contı́nua crescente de R sobre
R+ , pois ela é a inversa de uma bijeção contı́nua crescente de R+ sobre
R.
Além disso, pela regra de derivação da função inversa, temos que exp é
1
derivável, já que a função exp é contı́nua e (log) 0 (y) = 6= 0 para todo
y
y > 0, e
1 1
(exp) 0 (x) = 0 = = exp(x) , ∀ x ∈ R .
log (exp x) 1
exp(x)

Logo, exp é uma função de classe C∞ .


Sejam x, y ∈ R e x 0 = exp(x), y 0 = exp(y). Então,
log(x 0 ) = x e log(y 0 ) = y.
Assim
exp(x + y) = exp(log(x 0 ) + log(y 0 )) = exp(log(x 0 y 0 )) = x 0 y 0 = exp(x) · exp(y) .
Seja, agora, r ∈ Q. Então, pelo corolário 7.2,
exp(rx) = exp(r log(x 0 )) = exp(log((x 0 )r )) = (x 0 )r = (exp(x))r .
Em particular, se x = 1, temos que exp(r) = exp(r · 1) = (exp(1))r = er .

Instituto de Matemática - UFF 327


Análise na Reta

Observação 7.7
• lim exp x = +∞ .
x→∞

De fato, dado A > 0, existe D = max{log A, 1} > 0, tal que


x > D =⇒ exp x > exp D ≥ exp log A = A.
• lim exp x = 0
x→−∞

1

De fato, dado ε > 0, existe D = max log , 1 > 0, tal que
ε
1
 
x < −D =⇒ 0 < exp x < exp(−D) ≤ exp − log = exp log ε = ε .
ε

Observação 7.8 A igualdade exp r = er , quando r ∈ Q, juntamente


com a relação exp(x + y) = exp x · exp y, nos indicam que exp x se com-
porta como uma potência de base e e expoente x.
Portanto, vamos escrever
exp x = ex .
Com a nova notação, temos
1
ex+y = ex · ey , e0 = 1 , e−x = ,
ex
x < y ⇐⇒ ex < ey , log(ex ) = x e elog x = x .

Observação 7.9 Como y = ex e y = log x são funções inversas uma


da outra, os seus gráficos são simétricos relativamente à diagonal y = x .

Fig. 2: Simetria entre os gráficos de y = ex e y = log x em relação à diagonal y = x .

Pelos gráficos, podemos observar que a função ex tende mais rapida-

328 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

mente para +∞, quando x −→ +∞, do que a função x 7−→ x, e que a


função log x tende mais lentamente para +∞, quando x −→ +∞, do que
a função x 7−→ x.
p(x)
De fato, já provamos, na parte 7, exemplo 2.7, que lim = 0 para
x→+∞ ex
todo polinômio p(x). E provaremos, agora, o seguinte resultado com res-
peito ao crescimento logarı́tmico.

log x
Teorema 7.3 x→+∞
lim = 0.
x

Prova.
Pelo teorema do valor médio, para todo x > 1, existe cx ∈ (1, x) tal que
x−1
log x = log x − log 1 = log 0 (cx ) (x − 1) = .
cx
1 1
Logo, log x < x para todo x > 1 e, portanto, 0 < log(x 2 ) < x 2 para todo
x > 1.
1 1
Assim, como log(x 2 ) = 2
log x , temos, elevando ao quadrado a última
(log x)2 log x 4
desigualdade, que 0 < < x , ou seja, 0 < < para todo
4 x log x
x > 1.
log x 4
Logo, lim = 0, pois lim = 0. 
x→+∞ x x→+∞ log x

Corolário 7.3 lim+ (x log x) = 0 .


x→0

Prova.
1
Fazendo x = , temos
y

log(1/y) − log y
lim+ x log x = lim = lim = 0. 
x→0 y→+∞ y y→+∞ y

Observação 7.10 Se c, k ∈ R, a função f(x) = c ekx tem como deri-


vada f 0 (x) = k c ekx = k f(x) para todo x ∈ R, ou seja, a derivada de f é
proporcional a si própria.
Mostraremos, agora, que tal propriedade é exclusiva das funções do tipo
acima.

Instituto de Matemática - UFF 329


Análise na Reta

Teorema 7.4 Seja f : R −→ R uma função derivável tal que


f 0 (x) = k f(x) para todo x ∈ R. Se f(x0 ) = c , para um certo x0 ∈ R,
então f(x) = c ek(x−x0 ) para todo x ∈ R.

Prova.
Seja ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = f(x) e−k(x−x0 ) .
Então
ϕ 0 (x) = f 0 (x)e−k(x−x0 ) − kf(x)e−k(x−x0 ) = kf(x)e−k(x−x0 ) − kf(x)e−k(x−x0 ) = 0
para todo x ∈ R.
Logo, como ϕ(x) é constante e ϕ(x0 ) = c, temos que ϕ(x) = c para todo
x ∈ R , ou seja, f(x) = cek(x−x0 ) para todo x ∈ R. 

Definição 7.3 Sejam a > 0 e x ∈ R. Definimos a potência ax por


ax = ex log a

ou seja, ax é o único número real cujo logarı́tmo é x log a.

Propriedades da função f : R −→ R definida por f(x) = ax :


p √
(1) Se x = ∈ Q então f(x) = q ap .
q
p √
q √
De fato, f(x) = e q log a = elog ap
= q
ap .
(2) ax+y = ax · ay .

De fato, ax+y = e(x+y) log a = ex log a ey log a = ax · ay .


(3) a0 = 1 .
De fato a0 = e0 log a = e0 = 1 .
1
(4) a−x = .
ax
1
De fato, 1 = a0 = ax−x = ax · a−x , ou seja, a−x = .
ax
(5) (ax )y = axy .

De fato, (ax )y = (ex log a )y = exy log a = axy , já que


log(ex log a )y = y log ex log a = yx log a e log(exy log a ) = xy log a .
(6) A função f : x 7−→ ax é derivável com f 0 (x) = (log a) ax .

330 J. Delgado - K. Frensel


Logarı́tmos e exponenciais

De fato, como f(x) = exp(x log a), temos que


f 0 (x) = log a exp 0 (x log a) = log a exp(x log a) = (log a) ax .
(7) A função f : x 7−→ ax é de classe C∞ .
(8) A função f : x 7−→ ax é crescente se a > 1, decrescente se
0 < a < 1 e constante se a = 1.
De fato, sendo f 0 (x) = (log a)ax > 0, temos f 0 (x) > 0 se a > 1,
f 0 (x) < 0 se 0 < a < 1 e f 0 (0) = 0 se a = 1, para todo x ∈ R.
(9) lim ax = +∞ e lim ax = 0 quando a > 1.
x→+∞ x→−∞

De fato, lim ax = lim ex log a = +∞, pois lim x log a = +∞ e


x→+∞ x→+∞ x→+∞

lim ax = lim ex log a = 0 , já que lim x log a = −∞.


x→−∞ x→−∞ x→−∞

• De modo análogo, podemos provar que lim ax = 0 e lim ax = +∞


x→+∞ x→−∞

quando 0 < a < 1.


(10) Para todo a > 0, a 6= 1, a função f : x 7−→ ax é uma bijeção
contı́nua de R sobre R+ .

Definição 7.4 A função inversa da função f : R −→ R+ , f(x) = ax ,


a 6= 1, indica-se com loga : R+ −→ R e o seu valor num ponto x > 0
chama-se o logarı́tmo de x na base a.

Assim, loga x = y ⇐⇒ ay = x.

Observação 7.11 Quando a = e, loga x = log x coincide com o


logarı́tmo natural.

Observação 7.12 Para todo x > 0, temos que


elog x = x = aloga x = eloga x · log a , se a 6= 1 ,
e, portanto, log x = loga x · log a, ou seja,
log x
loga x =
log a

Desta relação entre o logarı́tmo de base a e o logarı́tmo natural, resultam


propriedades para loga x análogas às de log x.
Por exemplo,

Instituto de Matemática - UFF 331


Análise na Reta

(1) loga (xy) = loga x + loga y .


(2) loga (1) = 0 .
(3) A função loga é de classe C∞ e
1
(loga ) 0 (x) = .
x log a

Observação 7.13 Mostraremos, agora, que


lim (1 + x)1/x = e
x→0

1
De fato, como log 0 (x) = , a derivada da função log no ponto 1 é igual a
x
1, ou seja,
log(1 + x) − log 1 log(1 + x)
lim = lim = 1.
x→0 x x→0 x

Então,
lim log(1 + x)1/x = 1 ,
x→0

e, portanto,
lim (1 + x)1/x = lim exp(log(1 + x)1/x ) = e .
x→0 x→0

1
Fazendo y = , temos
x
 y
1
lim 1+ =e
y→+∞ y

e, em particular, se n ∈ N, temos
1 n
 
lim 1 + =e
n→+∞ n

332 J. Delgado - K. Frensel

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