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E LITERATURA
A RECEPÇÃO DO PENSAMENTO
DE GYÖRGY LUKÁCS
EM LEANDRO KONDER
E CARLOS NELSON COUTINHO
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA
Marxismo
e literatura
CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO
Responsável pela publicação desta obra
Marxismo
e literatura
A recepção do pensamento
de György Lukács em
Leandro Konder e Carlos
Nelson Coutinho
© 2013 Editora Unesp
Cultura Acadêmica
Praça da Sé, 108
01001-900 – São Paulo – SP
Tel.: (0xx11) 3242-7171
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feu@editora.unesp.br
M372m
Massuia, Rafael da Rocha
Marxismo e literatura [recurso eletrônico]: a recepção do pensa-
mento de György Lukács em Leandro Konder; Carlos Nelson Coutinho/
Rafael da Rocha Massuia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013.
recurso digital
Formato: ePDF
Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-7983-479-0 (recurso eletrônico)
1. Lukács, Gyorgy, 1885-1971 2. Ontologia. 3. Comunismo.
4. Ciência política. 5. Socialismo. 6. Livros eletrônicos. I. Título.
14-08302 CDD: 111
CDU: 111.1
Editora afiliada:
Aos meus avós paternos, Argemiro (in memoriam) e Maria,
a minha companheira, Carolina,
e ao meu orientador, José Antonio Segatto,
com os quais tanto aprendi e aprendo
e sem os quais o presente estudo jamais teria ganhado vida.
“Enquanto não realizares
esta indicação: ‘Morre e renasce’,
serás apenas um triste hóspede
na obscura terra.”
Johann Wolfgang von Goethe
Sumário
Introdução 11
Renovação do marxismo
5 Coutinho, de acordo com essa visão, escreve que: “Na esteira do XX Con-
gresso e da consequente renovação do PCB, teve lugar entre nós uma abertura
do marxismo, uma quebra do monopólio quase exclusivo dos manuais soviéti-
cos de ‘marxismo-leninismo’” (Coutinho, 2009, p.12).
6 “Em 1964 instalou-se no Brasil o regime militar, a fim de garantir o capital e
o continente contra o socialismo. […] Entretanto, para a surpresa de todos,
a presença cultural da esquerda não foi liquidada naquela data, e mais, de lá
para cá não parou de crescer. A sua produção é de qualidade notável nalguns
campos, e é dominante. Apesar da ditadura da direita, há relativa hegemonia
cultural da esquerda no país” (Schwarz, 2008, p.71).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 19
Marxismo e estética
Desde 1930, ou seja: desde que Lukács iniciou uma obra a todos
os títulos notável, tendo em vista formular uma interpretação real-
mente marxista da literatura... Porque este é, na verdade, o único
testemunho válido duma teoria e duma crítica, não só de inspiração
marxista, mas que atende à básica exigência de não se confundir
literatura e fatores sociais – ou antes, de não se afirmar a depen-
dência daquele em relação a estes, mas sim a interdependência
respectiva, num plano que até então tinham evitado quantos mani-
festarem idênticas ambições. […] A surpresa de quem aborda os
trabalhos de Lukács de teoria e crítica literárias é encontrar uma
linguagem inteiramente diversa de que exemplificamos com os
textos de Plekhanov. Pela primeira vez em toda a história do mar-
xismo, Lukács aborda a literatura como literatura (Monteiro, 1963,
p.44-45, grifo nosso).
12 Não é, portanto, por acaso que Candido afirme que, “[…] com Lukács ela [a
análise literária] assume matizes novos, que abrem para outras perspectivas,
sobretudo porque ele se interessava não apenas pela transposição do fato em
tema, mas pela função deste processo na estruturação da obra. Neste caso,
o elemento social se torna fator de constituição da estrutura, não modelo do
conteúdo, e o paralelismo se atenua até eventualmente desaparecer” (Candido,
2002, p.53).
13 O tom dogmático das críticas de pensadores como Lichtheim (1970), não
chega a chocar o leitor. É, no entanto, lastimável que um teórico do quilate
de Adorno (2002) tenha se envolvido em uma discussão de tal nível, que
constantemente abandona completamente a análise da obra lukacsiana para
simplesmente realizar ataques de ordem pessoal.
26 MARXISMO E LITERATURA
Lukács no Brasil
15 Nesse sentido que Costa Lima afirma: “[…] [O] ideal será conjugar a informa-
ção sociológica sobre o contexto histórico com um conhecimento preciso do esta-
tuto do discurso analisado, para que assim se escape quer da tendência de ver a
obra como ‘ilustração’ de certa força social, quer da tendência estetizante oposta,
na qual vigora um hiato hierarquizante entre o contexto, elemento de ambiência
da obra, e o texto, a ser imanentemente indagado” (Lima, 2002, p.662).
28 MARXISMO E LITERATURA
18 Nesse sentido, segundo Nicolas Tertulian (2008, p.229), Lukács recusa “[...] as
tendências “genetistas” do gênero da teoria de Plekhanov: a missão do crítico é
descobrir “o equivalente sociológico” na obra literária. Estigmatiza essas ten-
dências – desde os anos 1930-1940 – como pertencentes à “sociologia vulgar”.
19 “O imenso poder social da literatura consiste precisamente em que nela o
homem surge sem mediação, em toda riqueza de sua vida interior e exterior; e
isto num nível de concretude que não pode ser encontrado em nenhuma outra
modalidade do reflexo da realidade objetiva” (Lukács, 2010, p.80). É nesse
sentido que Edward Said afirmaria: “Em outras palavras, Lukács foi capaz de
sistematizar os processos pelos quais a realidade entra na arte e é refletida por
ela” (Said, 2003, p.17).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 31
Arte e alienação
duas palavras teu e meu, sendo naquela santa idade todas as coisas
comuns (D. Quixote) (Konder, 2009a, p.172).
autor, mas nas quais a validez não chega a ser completamente des-
truída (Konder, 2009a, p.177).
do seu Ulisses pelo contraste com o modelo épico antigo. Mas ver-
dade é que a rotina parece dominar a própria obra. […] (Konder,
2009a, p.178-9).
Estética(s) marxista(s)
Também não tem sentido dizer que a correta avaliação das obras
de arte do passado ou do presente, a justa formulação da problemá-
tica da arte, em geral, bem como a teorização estética adequada a
propósito da criação artística, quando postas em face das exigências
fundamentais que se acham colocadas para as forças revolucio-
nárias na época atual, não passem de tarefas insignificantes, des-
prezíveis, acerca das quais se travem apenas discussões bizantinas
(Konder, 1967, p.8).
O gênero lírico
Não creio que seja exato dizer que “poetry is irrational”, como
afirma Caudwell. A razão poética é integrada por elementos de
emoção e sensibilidade; não se confunde com a razão lógica, abs-
trata, puramente conceitual, porém não é pura sentimentalidade,
emoção difusa, emoção não superada na expressão (Coutinho;
Konder, 2002, p.141).
O poeta não esconde a triste e dura sina dos judeus, que foram
submetidos a uma situação desconfortável por milênios (há uma
forte aproximação das palavras que se referem aos judeus, jühden e
aos cães da raça mastim, rühden, para os quais os carrascos assoviam,
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 89
O poeta só consegue “se dizer” quando leva aos outros algo que
é pessoal, mas que também interessa a eles, quer dizer, tem univer-
salidade. Não é, portanto, o eu do egocentrismo. Não é o pequeno
eu do consumidor voraz, inflado pela exaltação que lhe fazem as
empresas de publicidade (Konder, 2005, p.17).
Por que o poema bem-sucedido tem esse poder? Essa é uma das
questões cruciais da estética. Poderíamos dar uma resposta sucinta:
porque ele ganha na linguagem uma densidade significativa espe-
cial. Com o tempo, os poemas se articulam num movimento de
vocação dialógica, que nos incita a rever e a ampliar nossa apreen-
são da realidade humana como um todo (ainda que inesgotável)
(Konder, 2005, p.19).
10 “Toda expressão cultural é um movimento de sujeitos que estão indo além dos
limites de suas respectivas singularidades e estão tentando alcançar outros sujei-
tos. O movimento da literatura – como o movimento da cultura e o movimento
da linguagem – é um movimento de universalização” (Konder, 2005, p.67).
102 MARXISMO E LITERATURA
Muita gente teme que esse conceito de grande arte sirva para
legitimar atitudes elitistas. Na criação artística, qualquer coisa que
fique aquém da grande arte é vista como fracasso, um desperdí-
cio de energia criadora. Esse tipo de atitude é, de fato, um grande
equívoco. A função social da arte não se reduz à produção de obras-
-primas (Konder, 2005, p.67).
11 Como observa José Paulo Netto (2004a, p.154), a produção estética de Lukács
“[…] empenha-se na determinação da peculiaridade do estético. Ora, na
cultura a que nos referimos [a do pós-modernismo], põe-se em causa essa
peculiaridade; mais: enfatiza-se precisamente a intencionalidade de apagar as
fronteiras entre o estético e o não estético”.
104 MARXISMO E LITERATURA
12 “Outro livro, o meu 25o, falava de literatura e me levou a revisitar Lukács (que
morreu em 1970). Havia algumas nuvens no céu das nossas relações. Procurei
reexaminar alguns conceitos; em seguida tratei de aproveitá-los, em cotejo
com os romances de Balzac. Por que Balzac? Para verificar se os ensaios que
Lukács dedicou a Balzac ainda são convincentes. Constatei que a leitura dos
romances de Balzac feita há 80 anos pelo crítico húngaro continua iluminando
o percurso do leitor que quiser exercitar o intenso prazer da leitura no conti-
nente da Comédia humana” (Konder, 2008, p.224).
106 MARXISMO E LITERATURA
Nessa altura fica claro que Konder nos fornece indicações va-
liosas para algumas das questões levantadas no livro de 1967, assim
como confirma e reafirma tantas outras. Em concordância com os
aspectos gerais da teoria lukacsiana, Konder reforça a necessidade
Uma obra que não processa essa vinculação orgânica entre con-
teúdo e forma tende a cair ou em uma superficialidade naturalista,
em que a fetichização dos detalhes acaba por assumir a centralidade
artística, afastando qualquer possibilidade de aprofundamento nos
aspectos essenciais do real (aproximando-se do descritivismo me-
ramente documental); ou em um formalismo abstrato, em que as
relações formais perderam o seu lastro sócio-histórico, resumindo-
-se a formulações vazias, que não se concretizam em símbolos au-
tenticamente realistas.
9 Mas alerta Coutinho: “Lukács, naturalmente, está longe de supor que tais
realistas – com exceção talvez de Lorca – devam ser colocados no nível de
Thomas Mann, ou mesmo de Kafka e Proust” (Coutinho, 1991, p.16).
134 MARXISMO E LITERATURA
Fiódor Dostoiévski
Jorge Semprún
Mikhail Sholokhov
Alexander Soljenítsin
J. D. Salinger
tam por este caminho aberto pelo último Thomas Mann, isto é, o
da utilização de técnicas vanguardistas a serviço de um realismo
crítico poderoso e esteticamente significativo. O próprio Lukács,
em seus últimos escritos, indica os nomes de Heinrich Böll, de Elsa
Morante, de Jorge Semprún e de William Styron. A estes podería-
mos acrescentar o de J. D. Salinger (Coutinho, 1991, p.18).
William Styron
Lima Barreto
14 Como observa Konder: “Quando era necessário, produzia-se entre nós uma
‘modernização conversadora’. Esse caminho foi chamado por Lenin de ‘cami-
nho prussiano’ (ou ‘via prussiana’, como se prefere dizer agora); a partir do
exame da evolução da economia agrária alemã, Lenin descobriu a universa-
lidade dessa ‘via’, sua função como meio de evitar a revolução. Lukács ana-
lisou os efeitos da ‘via prussiana’ sobre a supraestrutura política e cultural da
Alemanha e da Hungria. Nestes últimos anos, diversos pesquisadores vêm
observando as formas assumidas pela ‘via prussiana’ no Brasil” (Konder,
1980, p.18-19).
15 Em um texto mais recente, de 1992, Coutinho reafirmaria a mesma ideia em
outras palavras: “Valendo-se de uma terminologia diferenciada – ‘via prus-
siana’, ‘revolução passiva’, ‘contrarrevolução permanente’, ‘modernização
conservadora’ –, parte significativa do pensamento social brasileiro converge
na fixação dos traços decisivos desse processo de modernização: as refor-
mas necessárias à consolidação do capitalismo foram sempre feitas pelo alto,
através da conciliação entre diferentes setores das classes dominantes, com
a permanente tentativa de excluir o povo de qualquer participação decisiva
nas decisões que envolvam as grandes questões nacionais. […] Boa parte da
nossa literatura, consciente ou inconscientemente, adequou-se a essa moda-
lidade antidemocrática e antipopular de modernização, afastando as camadas
populares de qualquer protagonismo efetivo no universo de suas figurações
estéticas” (Coutinho, 2011, p.195).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 167
19 “Reside aqui a razão profunda dos ataques que Lima Barreto, ao longo de
sua vida, não cessou de dirigir a Machado de Assis. O ponto central desses
ataques não seria, como ocorreria pouco após entre os primeiros modernistas,
o pretenso passadismo da linguagem romanesca de Machado. Lima Barreto –
empenhado em um combate impiedoso e quase solitário contra todas as
formações do “intimismo à sombra do poder”, contra todas as formas de
esteticismo aristocratizante – escolheria um outro alvo: o que lhe desagrada,
no autor de Brás Cubas, é precisamente a aparente falta de humanidade, o
suposto abandono das específicas funções sociais e humanistas da literatura”
(Coutinho, 2011, p.100).
180 MARXISMO E LITERATURA
20 A fragilidade da tese de Coutinho pode ser atestada por uma simples leitura
da obra em questão, que testemunha em favor da grandeza do escritor carioca.
Para uma análise do conteúdo artístico-social de Esaú e Jacó, ver o primeiro
ensaio de Segatto e Leonel (2012).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 181
21 “É evidente que Lima propõe a criação de uma literatura desse tipo (cujos
modelos, sintomaticamente, vai mais uma vez buscar na literatura universal),
ou seja, de uma literatura que conjugue indissoluvelmente, a grandeza estética
com um profundo espírito popular e democrático, com uma aberta tomada de
posição em favor dos ‘ofendidos e humilhados’” (Coutinho, 2011, p.104).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 183
importantes, nela colocando todo o seu ódio plebeu contra a injustiça, o calor
do seu generoso pathos de solidariedade aos humilhados e ofendidos. Mas,
apesar do profundo interesse humano da novela, centrada sobre a sedução de
uma jovem de cor por um personagem branco e rico, é impossível considerá-la
como uma realização estética bem-sucedida; Lima perde-se frequentemente
na simples acusação, o que o impede de criar tipos humanos autênticos” (Cou-
tinho, 2011, p.116-7).
RAFAEL DA ROCHA MASSUIA 185
Graciliano Ramos
26 “Nessa fusão entre indivíduo e classe, reside um dos pontos mais altos do
realismo de Graciliano. Seus personagens são sempre tipos autênticos precisa-
mente na medida em que expressam em suas ações o máximo de possibilidade
contidas nas classes sociais a que pertencem” (Coutinho, 2011, p.147).
194 MARXISMO E LITERATURA
evidente decadência que, nesse caso, não foi seguida por nenhuma
renovação capitalista (inclusive no estrito sentido tecnológico)
(Coutinho, 2011, p.175).
Jorge Amado
39 “Por outro lado, não deverá ter escapado ao leitor de Realismo crítico hoje a
dificuldade em que se encontrava Lukács para apontar exemplos contem-
porâneos de um grande realismo crítico nos moldes em que ele o concebia
na época. Thomas Mann, morto em 1955, aparece como um gigante isolado
(incidentalmente são citados como realistas Federico García Lorca, Sinclair
Lewis, Alberto Moravia e pouquíssimos outros), enquanto na outra margem
‘vanguardista’ do rio se situava, junto com Kafka, a grande maioria dos escri-
tores realmente significativos do século XX” (Coutinho, 2005, p.37).
230 MARXISMO E LITERATURA
por Lukács (com base nas indicações deixadas por Marx e En-
gels, em seus esparsos escritos sobre literatura e arte). Em outras
palavras, a proposta de Coutinho centra-se no ousado propósi-
to de reinterpretação dos dois autores, negativamente avaliados
por Lukács, valendo-se para tal empresa de seu próprio sistema
estético-filosófico.
40 “Num processo abstrativo pouco dialético, já que não se apresenta como etapa
inicial de uma elevação ao concreto, Lukács subsume sob essa concepção do
mundo a totalidade dos autores de vanguarda, em particular Proust e Kafka,
afirmando que suas obras não passariam de ilustrações alegóricas do ‘nada’”
(Coutinho, 2005, p.40).
234 MARXISMO E LITERATURA
ção formal das velhas tradições do século XIX (ainda que “atuali-
zadas” pelo emprego de técnicas de vanguarda), Lukács indica o
modo pelo qual os novos pressupostos sociais e ideológicos do capi-
talismo tardio conduziram a uma modificação formal da estrutura
romanesca, cujo centro não seria, como no romance tradicional, a
figuração de uma “totalidade de objetos” – segundo a formulação
hegeliana recolhida por Lukács –, mas a de uma “totalidade de
reações” (Coutinho, 2005, p.44-5).
Marcel Proust
Franz Kafka
1 Ainda que Coutinho tenha tentado propor uma síntese entre Gramsci e
Lukács, entendendo seus pensamentos como compatíveis, desde que se realize
as devidas mediações. Cf. Coutinho (2008).
280 MARXISMO E LITERATURA
pensadores brasileiros desde o início dos anos 1960 e que foi fun-
damental para a disseminação de autores e teorias de relevância nos
debates internacionais.
O estilo dos dois pensadores abordados, como não poderia dei-
xar de ser, difere-se. Enquanto Konder prefere a abordagem mo-
nográfica, de cunho informativo, sempre altamente enriquecedor,
Coutinho adota o ensaísmo de corte lukacsiano, mesclando densos
conceitos teóricos com análises concretas da realidade, com grande
cuidado para a delicada transposição de uns para outros. Opostas e
complementares, as abordagens de Konder e Coutinho colaboram
ativamente para enriquecer o quadro teórico brasileiro, de modo
que ambos os pensadores destacam-se e pertencem a um grupo
bastante seleto de pensadores de relevância nacional, tão logo pu-
blicam suas primeiras obras.
Konder foi o responsável por trazer-nos, quase sempre em pri-
meira mão, pensadores como Lukács, Gramsci, Benjamin, Fischer,
entre outros (seja como tradutor ou como ensaísta, através da pro-
blematização de suas ideias centrais). Sua obra enciclopédica trazia
ao leitor brasileiro referências até então inconcebíveis, desafiando
as barreiras geográficas e linguísticas.
As obras de Konder que adquirem o caráter enciclopédico refe-
rido, filiam-se à tradição clássica dos enciclopedistas franceses pré-
-revolucionários, que retomam a noção formulada originalmente na
Antiguidade clássica, que tinha como missão central a transmissão
do conhecimento acumulado pela humanidade a todos. A palavra
enciclopédia (do grego antigo, ἐγκυκλοπαιδεία), compõe-se da jun-
ção das palavras “circular” (ἐγκυκλο, transliterado para enkyklios)
e “educação” (παιδεία, transliterado para paideia), dando a ideia
de uma “educação circular”, ou de um “conhecimento geral”, que
exprimem de forma acurada a ideia e o propósito do imprescindível
movimento iluminista, que reuniu os espíritos mais elevados de
sua época, ao exemplo de Diderot, d’Alambert, Voltaire, Rousseau,
Montesquieu etc.
Do que decorre o profundo caráter pedagógico da obra de Kon-
der, que, muito além de informar o leitor sobre teorias estrangeiras,
282 MARXISMO E LITERATURA
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Coordenação Geral
Arlete Quaresma