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Paulo de Bessa Antunes Direito Ambiental 2010
Paulo de Bessa Antunes Direito Ambiental 2010
i
ES8 j - Ensino Superior 8imi
DIREITO AMBIENTAL
Lumen hJuri$\Qditora
Ensino Supe ior Bureau Jurídico
Ex. 19 NF 3027
10/00/201G 55063
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tSB J - Ênsmo Superior Bumai MI»
PAULO DE BESSA ANTUNES
Advogado
Mestre (PUC/RJ) e Doutor (UERJ) em Direito Professor Adjunto
de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro - UNIRIO
DIREITO AMBIENTAL
12a edição Amplamente reformulada
2â tiragem
EDITORA LUMEN JURIS Rio de Janeiro 2010
Copyright © 2010 by Paulo de Bessa Antunes
Categoria: Direito Ambiental
PRODUÇÃO EDITORIAL Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
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É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS
EDITORES DE LIVROS, RJ
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12.ed.
Antunes, Paulo de Bessa
Direito ambiental / Paulo de Bessa Antunes. - 12.ed. - Rio
de Janeiro : Lumen Juris, 2010.
"Amplamente reformulada"
ISBN 978-85-375-0616-5
1. Direito ambiental - Brasil. I. Título.
10-0161.
13.01.10 14.01.10
CDU: 349.6:347.9(81) 017109
ISBJ - Ensino Superior Bure&j
Este livro é dedicado aos meus filhos Anã Carolina, Rafael,
Paula, Carína e Gabriel.
B Direito Ambiental
2.2. Impactos Ambientais Gerados na Fase de Implantação e na
Fase de Operação ............... 307
2.3. Área Geográfica a Ser Diretamente Atingida 308
2.4. Consideração de Planos e Programas Governamentais 308
2.5. Impactos Sociais e Humanos................ 308
3. Requisitos Técnicos ..................... 309
4. Requisitos Formais..................... 311
4.1. Equipe Técnica Habilitada ................. 312
4.1.1. Independência da Equipe Técnica...... . .. 312
4.1.1.1. Revogação do Artigo 7e da Resolução na 1/86 do CONAMA.
313
4.1.2. Responsabilidade dos Elaboradores do EÍA 314
4.2. Despesas e Independência Técnica......... 314
4.2.1. Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos
de Defesa Ambiental ........................ 315
4.3. O Relatório de Impacto Ambiental — RIMA.. 316
5. Audiência Pública.... , ...................... 317
5.1. Convocação................................. 317
5.2. Realização da Audiência....................... : 318
5.3. Função da Audiência.................... 318
TERCEIRA PARTE MEIO AMBIENTE URBANO
Capítulo XIV — A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano 321
1. Introdução........................... 321
2. Preceitos Constitucionais.............. - .... 322
3. Instrumentos da Política Urbana ......... 324
3.1. Instrumentos com Imediata Repercussão Ambiental 324
3.1.1. Direito de Preempção.......... . ......... 324
3.1.2. Transferência do Direito de Construir ... 326
3.1.3. Concessão de Uso Especial................ 326
3.1.4. Estudo de Impacto de Vizinhança...... 327
3.1.4.1. Estudo de Impacto de Vizinhança no Município de São
Paulo ................ . .................... 328
3.1.4.1.1. Mecanismo de Análise do RIVI 330
3.2. Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade 330
3.2.1. Elaboração Democrática das Normas do Plano Diretor
330
3.2.2. Obrigatoriedade do Plano Diretor......... 331
3.2.3. Gestão Democrática da Cidade,............ 331
3.2.3.1. Loteamento fechado..................... 332
4. Conclusão ............................... 333
QUARTA PARTE PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Capítulo XV — A Perda da Diversidade Biológica como um
Problema Contemporâneo ...................... 337
tSBi - Ensno Susedor
Sumário
1. Introdução ........................... i . 337
2..A Dimensão da Atual Perda de Diversidade Biológica
340
2.1. O Banco Mundial e a Perda de Diversidade Biológica
342
2.2. O Brasil e a Perda da Diversidade Biológica 343
2.2.1. O Difícil Relacionamento com os Povos Autóctones
343
2.2.2. Novos Povos ..................... 344
3. Perda de Diversidade Biológica nos Biomas Brasileiros
345
3.1. Perda de Diversidade Biológica na Amazônia. 345
3.2. Perda de Diversidade Biológica no Bioma Mata Atlântica
........................................... 346
4. Diversidade Biológica e Atividade Econômica 348
4.1. Diversidade Biológica e Propriedade Intelectual 350
4.1.1. Base Constitucional para o Patenteamento de Organismos
Geneticamente Modificados (OGM) ........ 351
5. Conclusão... ............... ; . i .... 352
Capítulo XVI - Proteção Internacional da Diversidade Biológica
(Principais
Documentos) .............................. .'353
1. Introdução ; ........................... 353
2. Principais Documentos Internacionais Assinados pelo Brasil
353
2.1. Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 354
2.1.1. Preâmbulo................... - ...... 355
2.1.2. Objetivos da CDB..................... 357
2.1.3. Glossário da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) 358
2.1.4. Soberania e Diversidade-Biológica ..... . 359
2.1.5. Medidas de Proteção da Diversidade Biológica 360
2.1.6. Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade
Biológica 362
2.1.7. Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos
Negativos 363
2.1.8. Acesso a Recursos Genéticos... ;..... 364
2.1.9. Acesso à Tecnologia........... esua Transferência .
364
2.1.9.1, Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus
Benefícios. 366
2.1.9.2. Relações entre Diversidade Biológica e Produção de
Medicamentos ..................... \..... 367
2.2. Agenda 21............................ 369
2.3. Convenção de RAMSAR............. :..... 370
2.3.1. Preâmbulo.......................... 370
2.3.2. Glossário da Convenção............. 371
2.3.3. Indicação pelas Partes de áreas a Serem Incluídas na
Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional 371
2.3.3.1. Obrigações com relação às Áreas Incluídas na Lista
372
2.3.3.2. Acompanhamento da Implementação da Convenção 373
2.3.3.3. Conferência das Partes Contratantes 373
2.3.3.4. Competência da Conferência das Partes 374
2.3.3.5. Atribuições do Bureau.............. 374
2.4. Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna
Selvagem em Perigo de Extinção - CITES...... 375
2.4.1. Abrangência da CITES: Conteúdo dos Anexos 375
Direito Ambiental
2.4.2. Glossário da Convenção............... 376
2.4.3. Relação entre a CITES e outras Convenções
Internacionais e a Legislação Nacional ... 377
2.4.4. Implementação da CITES pelo Brasil... 378
2.4.4.1. Papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA no âmbito da CITES.
378
2.4.5. Procedimentos Necessários ao Comércio Internacional de
Espécies (Espécies Integrantes dos Anexos I, II e III da
CITES) ................................... 379
2.4.6. Licenças e Certificados CITES........ 380
2.4.7. Não-Incidência das Normas da CITES... 381
Capítulo XVn - Biossegurança................ 383
1. Objetivos, conceitos e proibições da Lei de Biossegurança
383
2. Estrutura administrativa de Biosegurança . 385
2.1. Conselho Nacional de Biossegurança..... 385
2.1.1. Atribuições e competências......... 385
2. L2. Composição .................. - ... 386
2.2. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio...
............................................ 387
2.2.1. Composição da CTNbio................. 387
2.2.2. Funcionamento da CTNbio.............. 388
2.2.2.1. Audiência Pública.................. 390
2.2.2.2. Normas de conduta ética dos conselheiros 390
2.2.3. Competência da CTNbio........... - . 390
2.2.3.1. A CTNbio e o licenciamento ambiental 395
2.2.3.2. Forma das decisões da CTNbio....... 395
2.3. Comissão Interna de Biossegurança...... 396
2.4. Registro de OGM....................... 396
3. Responsabilidade Civil, Administrativa e Penal 398
Capítulo XVHI - Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
401
1. Introdução ............................... 401
2. O Quadro Jurídico do Acesso à Biodiversidade 401
2.1. Patrimônio Genético ...... . ........... 403
2.2.1. Inaplicabilidade das Normas e Vedação de Acesso 404
2.2.2. Gestão do Patrimônio Genético.... 405
2.2.3. Conselho de Gestão: Regulamentação... 408
2.2.3.1. Composição e Funcionamento ....... 408
2.2.3.2. Forma de Deliberação............... 409
2.2.3.3. Competência........................ 410
2.2.3.4. Secretaria Executiva............... 411
2.2.4. Acesso aos Recursos Genéticos........ 412
2.2.4.1. A Experiência da Costa Rica........ 412
2.2.4.2. Bioamazônia........................ 413
2.2.5. Requisitos para Acesso............... 414
2.2.5.1. Condições Legais................... 414
2.2.5.2. Regulamentação..................... 417
2.2.6. Acesso e Remessa..................... 421
s
&JB833L&
Sumário
2.2.6.1. Acesso à Tecnologia, Transferência de Tecnologia e
Registro de Patentes ..................... 421
2.2.7. Repartição de Benefícios............. 422
2.2.7.1. Benefícios...................... 422
2.2.8. Cláusulas Contratuais Cogentes..... 424
2.2.9. Sanções Administrativas.............. 425
2.2.9.1. As sanções em espécie.............. 426
2.2.9.2. Infrações Administrativas.......... 428
2.2.9.3. Processo Administrativo ........... 431
Capítulo XIX - Política Nacional de Biodiversidade 433
1. Introdução............................... 433
2. Política Nacional da Biodiversidade...... 434
2.1. Objetivos, Princípios e Diretrizes Gerais da Política
Nacional da Biodiversidade .............. 434
2.1.1. Objetivos........................... 434
2.1.2. Características Básicas da Principiologia: Pouca
Clareza e Inexatidão ..................... 434
2.1.2.1. Princípios Referentes ao Acesso aos Conhecimentos
Tradicionais Associados .................. 437
2.2. Diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade 437
2.3. Dos Componentes da Política Nacional da Biodiversidade
438
3. Conclusão .... ... ...................... 440
Capítulo XX - Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
............................................ 441
1. Introdução............................... 441
2. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre
443
2.1. Âmbito de Aplicação da Norma........... 443
2.2. Princípios........................... 444
2.3. Poder de Polícia e Aplicabilidade da Norma 445
2.4. Obrigações Institucionais do Poder Público 447
2.5. Acesso aos Recursos Genéticos.......... 448
2.5.1. Acesso em Condições In Situ.......... 448
2.5.1.1. Condições para a Obtenção da Autorização 448
2.5.2. Contrato de Acesso................... 449
2.5.2.1. Execução e Acompanhamento dos Contratos de Acesso...
452
2.5.2.2. Retribuição........................ 452
2.5.2.3. Disposições Gerais sobre os Contratos de Acesso
453
25.2.4. Contratos Conexos de Acesso ... 453
2.6. Acesso aos Recursos em Condições Ex Sita 454
2.7. Proteção do Conhecimento Tradicional Associado aos
Recursos Genéticos ...................... 454
2.8. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia 455
2.9. Sanções Administrativas.............. 456
3. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá
456
3.1. Disposições Gerais..................... 456
3.2. Atribuições do Poder Público Estadual.. 458
Direito Ambiental
3.3. Acesso aos Recursos Genéticos.............. 458
3.3.1. Introdução de Recursos Genéticos no Amapá.... 460
3.4. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia. . 460
3.5. Sanções Administrativas.................... 460
3.6. Conclusão.................................. 461
Capítulo XXI - Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional
Associado 463
1. Introdução ............................ 463
2. Direitos das Comunidades Indígenas e da Comunidade
Local 467
2.1. Comunidades Indígenas...................... 467
2.1.1. Usufruto Indígena........................ 468
2.2. Comunidades Locais .................. .. .. 468
2.2.1. Remanescentes de Quilombos............... 468
2.2.2. Populações Tradicionais ................ 469
2.3. Disposições Comuns....................... 470
2.4. Conclusão................................ 471
3. Experiência Brasileira de Utilização do Conhecimento
Tradicional Associado. 471
3.1. Carta de São Luís do Maranhão............ 471
4. Registro do Conhecimento Tradicional Associado 473
4.1. Origens do Reconhecimento dos Conhecimentos Tradicionais
Associados. 473
4.1.1. Abrangência do Termo..................... 473
4.1.2. Evolução da Matéria....,................ 475
4.2. Experiências de Reconhecimento de Conhecimentos
Tradicionais 476
4.2.1. América Latina........................... 476
4.2.1.1. Costa Rica............................. 477
4.2.1.1.1. Forma de Reconhecimento do Conhecimento Tradicional
Associado .................................... 477
4.2.1.1.2. Acordo Instituto Nacional de Biodiversidade (INBio)
e Merck® ..................................... 479
4.2.1.1.2.1. Análise do desenvolvimento do
acordo. 480
4.2.1.2. Panamá............................... 480
4.2.2. Comunidade de Países Andinos ........... 481
4.2.2.1. Bolívia................................ 483
4.2.2.2. Colômbia............................... 484
4.2.2.3. Equador .......................... 485
4.2.2.4. Peru................................... 486
4.2.2.5. Venezuela ........................ 486
4.2.3. Austrália e Nova Zelândia................ 487
4.2.3.1. Austrália.............................. 487
4.2.3.2. Nova Zelândia.......................... 490
4.2.4. Registro do Patrimônio Imaterial no Brasil 491
4.2.4.1. limitações do Registro do Patrimônio Imaterial
493
4.2.4.2. Banco de Dados Nacional................ 494
Capítulo XXÜ - As Florestas e sua Proteção Legal 495
1. Introdução................................... 495
2. Os Diversos Tipos de Florestas............... 498
ESSJ - cnsrvo Superior Sureau Juríolcâ
Sumário
2.1. Floresta Boreal................. .... 498
2.2. Floresta Temperada.............. . ... 499
2.3. Floresta Tropical............... . ... 500
2.3.1. Florestas Brasileiras......... . ... 502
3. A Legislação Brasileira de Proteção Florestal
504
3.1. Evolução da Legislação Nacional. . ... 504
3.1.1. Período Colonial.................... 504
3.1.2. Período Imperial............ i .. 505
3.1.3. Período Republicano........... ; .... 506
3.2. O Código Florestal (Lei n2 4.771, de 15 de setembro de
1965)...................................... 507
3.2.1. Competência Legislativa em Matéria Florestal
..................................... 507
3.2.1.1. Da Carta de 1934 até a de 1969 ... 507
3.2.1.2. Constituição de 1988........ . ... 508
3.3. Política Florestal dos Estados.... ... 509
3.4. O Regime Jurídico das Florestas i.... 510
3.4.1. O Conceito Jurídico de Floresta. ... 511
3.4.1.1. As Diferentes Florestas Tratadas pelo Código
Florestal 514
3.4.1.1.1. Florestas de Preservação Permanente pelo Efeito
do Código Florestal.................. . ... 514
3.4.1.1.1.1. Proteção da água........ . ... 516
3.4.1.1.1.2. Lei Geral sobre Florestas - Código Florestal
517
3.4.1.1.1.3. Reconhecimento Judicial da Legislação Estadual
sobre Florestas ....................... 518
3.4.1.1.1.4. Poder Regulamentar do Presidente da República
.................................. . 520
3.4.1.1.1.5. Poder Regulamentar do CONAMA 521
3.4.1.1.1.5.1. Natureza Jurídica das Resoluções
do CONAMA ................................. 522
3.4.1.1.15.2. Jurisprudência Relativa aos Limites
das Resoluções 525
3.4.1.1.1.5.3. Flagrante Ilegalidade das Resoluções nQs 302 e
303, de 20 de ' março de 2002, do CÒNAMA.. 528
3.4.1.1.1.5.4. Violação do Princípio do Desenvolvimento
Sustentável e da Proteção das Comunidades Humanas
.................................. 528
3.4.1.1.1.6. Proteção das Encostas e das Elevações... 529
3.4.1.1.1.7. Proteção das Restingas.. ■ .... 531
3.4.1.1.1.8. Áreas de Preservação Permanente em Regiões
Urbanas ........................... . ... 532
3.4.1.1.2. Florestas de Preservação Permanente por Ato do
Poder Público ........................... 532
3.4.1.1.3. Terras Indígenas como Florestas de Preservação
Permanente ........................ . ... 534
B Direito Ambiental
4. O Exercício do Direito de Propriedade em Áreas Florestais
............................................ 535
4.1. Contorno Jurídico da Propriedade Florestal 535
4.2. As Limitações Decorrentes da Condição de Bem deInteresse
Comum.. 537
4.3. Reserva Florestal Legal ................. 538
4.3.1. Conceito Normativo de Reserva Florestal Legal - RFL
538
4.3.2. A Reserva Legal como Interesse dos Habitantes do País
................................................ 539
4.3.3. A Reserva Legal como Obrigação......... 542
4.3.3.1. Prazos para Recomposição da Reserva Legal 543
4.3.3.2. A Delimitação, pela Autoridade Pública, da Área a Ser
Preservada ................................. 544
4.3.3.3. Percentuais que Devem Ser Mantidos como Reserva
Legal. 546
4.3.3.3.1. Reserva Legal e Pequena Propriedade Rural 546
4.3.3.3.2. Posse e Reserva Legal................ 546
4.3.3.3.3. Reserva Florestal Legal e os reservatórios de hi-
drelétricas ............................... 547
4.4. Proteção Florestal e Desapropriação....... 551
5. A Floresta, os Desmatamentos e a Utilização de Fogo
553
5.1. Desflorestamento e Queimadas............. 554
5.2. Regime Legal da Utilização do Fogo....... 555
5.2.1. Proibição do Uso de Fogo................. 555
5.2.2. Permissão do Emprego de Fogo............. 556
5.2.2.1. Requisitos para a Queima Controlada.... 556
5.2.3. Ordenamento e Suspensão Temporária do Emprego de
Fogo 557
5.2.4. Redução Gradativa do Emprego de Fogo..... 558
5.3. Conclusão.................................. 558
Capítulo XXIII - Áreas de Preservação Permanente e Unidades de
Conservação.. 561
1. Fundamentos Constitucionais das Áreas Protegidas e das
Unidades de Conservação ...................... 561
1.1. Áreas Protegidas Diretamente pela CF....... 563
1.2. Patrimônio Nacional...................... 564
2. As Diferentes Áreas Protegidas ........... 565
2.1. Breve Histórico da Legislação.............. 565
3. As Unidades de Conservação ....... ..... 566
3.1. Sistema Nacional de Unidades de Conservação como Sistema
Federal de Unidades de Conservação ........... 566
3.1.1. Conceitos Normativos Aplicáveis às Unidades de
Conservação 568
3.1.2. Criação das Unidades de Conservação...... 570
3.2. Definição e Objetivos do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação -SNUC * .......................... 572
3.3. Órgãos Integrantes do SNUC................. 573
3.4. As Unidades de Conservação: Seus Diferentes Tipos e
Funções......................................... 574
3.4.1. Unidades de Proteção Integral ...... 574
3.4.1.1. Estação Ecológica...................... 574
3.4.1.1.1. Novo Regime Jurídico das Estações Ecológicas....
576
3.4.1.1.2. Intervenções Admitidas............... 576
Sumário
3.4.1.2. Reservas Ecológicas........... 577
3.4.1.3. Reserva Biológica............. 578
3.4.1.4. Parque Nacional............... 578
3.4.1.4.1. Aspectos Históricos......... 578
3.4.1.4.2. Regime Jurídico............. 579
3.4.1.4.2.1. Reassentamento de Populações Tradicionais 579
3.4.1.5. Monumento Natural............. 581
3.4.1.6. Refúgio de Vida Silvestre..... 582
3.4.2. Unidades de Uso Sustentável..... 582
3.4.2.1. Áreas de Proteção Ambiental... 583
3.4.2.1.1. Histórico Legislativo....... 583
3.4.2.2. Área de Relevante Interesse Ecológico 587
3.4.2.2.1. Histórico da Legislação..... 587
3.4.2.2.2. Novo Regime Jurídico........ 588
3.4.2.3. Floresta Nacional............. 588
3.4.2.3.1. Titularidade das Terras Brasileiras 588
3.4.2.3.2. Serviço Florestal Brasileiro 590
3.4.2.3.3. Código Florestal de 1934.... 592
3.4.2.3.3.1. Florestas de Domínio Público: Nacionais,
Estaduais e Municipais .............. 593
3.4.2.3.4. Código Florestal de 1965 ... 594
3.4.2.3.4.1. Florestas Públicas: Nacionais, Estaduais e
Municipais .......................... 595
3.4.2.3.4.1.1. A inadequada colocação das Florestas
Nacionais no SNUC: Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000.
596
3.4.2.4. Reserva Extrativista.......... 597
3.4.2.4.1. Histórico da Legislação..... 597
3.4.2.4.2. Novo Regime Jurídico........ 598
3.4.2.5. Reserva de Fauna............ 599
3.4.2.6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável 599
3.4.2.7. Reserva Particular do Patrimônio Natural 600
3.4.3. Criação, Implantação e Gestão das Unidades de
Conservação 600
3.4.3.1. Normas Gerais................. 600
3.4.3.1.1. Gestão...................... 602
3.4.3.1.1.1. Gestão Compartilhada com OSCIP 603
3.4.3.1.1.2. Natureza Jurídica das OSdP’S 604
3.4.3.2. Normas Aplicáveis às Unidades de Uso Sustentável
605
3.4.3.2.1. Zonas de Amortecimento...... 606
3.4.3.2.2. Normas Aplicáveis a Diferentes Unidades de
Conservação de um Mesmo Ecossistema . 606
3.4.3.2.2.1. Mosaico de Unidades de Conservação ...
606
3.4.3.2.3. Plano de Manejo............. 608
3.4.3.2.4. Atividades Proibidas nas Unidades de Conservação.
609
3.4.3.2.5. Órgão Gestor................ 610
O Direito Ambiental
Capítulo I O Direito Ambiental
1. Apresentação
O Direito Ambiental (DA) é um dos mais recentes “ramos” do
Direito e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais
relevantes modificações, crescendo de importância na ordem
jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade,
existem incompreensoes e incongruências sobre o papel que ele
deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral.
A sua implementação não se fez sem dificuldades das mais
variadas origens, indo desde as conceituais até as
operacionais. Contudo, uma verdade pode ser proclamada: a
preocupação do Direito com o meio ambiente é irreversível.
Este livro objetiva organizar o conhecimento hoje existente
sobre o DA no Brasil e expô-lo sistematicamente aos
interessados no árduo tema.
A preocupação fundamental do DA é organizar a forma pela
qual a sociedade se utiliza dos recursos ambientais,
estabelecendo métodos, critérios, proibições e permissões,
definindo o que pode e o que não pode ser apropriado
economicamente (ambientalmente). Não satisfeito, o DA vai
além. Ele estabelece como a apropriação econômica (ambiental)
pode ser feita. Assim, não é difícil perceber que o DA se
encontra no coração de toda atividade econômica, haja vista
que qualquer atividade econômica se faz sobre a base de uma
infraestrutura que consome recursos naturais, notadamente sob
a forma de energia.
O surgimento do DA como disciplina jurídica denota que as
relações entre o Homem (antropo) e o mundo que o envolve vêm
se modificando de forma muito acelerada e profunda. O DA é um
dos mais marcantes instrumentos de intervenção em tal
realidade. Thornton e Beckwith1 nos chamam a atenção para o
fato de que uma definição de Direito Ambiental vai depender
muito da definição de meio ambiente, pois uma é subordinada à
outra. Os citados autores sublinham que as definições de
ambiente muitas vezes são extremamente amplas e, portanto,
pouco operacionais. Einstein - o genial físico como apontam,
havia definido o ambiente como “everything that isn't me”
(tudo que não seja eu). Ora, se adotarmos um conceito tão
amplo como o de Einstein, tudo estará compreendido no direito
ambiental e, portanto, ele seria uma espécie de Pandireito
capaz de abarcar toda e qualquer atividade humana, o que,
evidentemente, é um despropósito.
1 Justine Thornton e Silas Beckwith, Environmental Law,
London: Sweet & Maxwell, 1997, p. 2.
Direito Ambiental
É claro que, ao tratarmos de Direito Ambiental, não estamos
falando de toda e qualquer atividade humana. Falamos
fundamentalmente daquelas atividades que afetam as águas, a
fauna, as florestas, o solo e o ar em especial. Normalmente,
as leis que tratam desses temas definem padrões de lançamento
de substâncias químicas, de partículas, padrões de qualidade,
proteção de espécies animais e vegetais. Certamente, muitas
zonas de interseção com diversos outros campos do direito
existem. Contudo, a definição de limites é essencial para que
o DA possa cumprir a sua principal missão, que é servir como
marco regulatório e normativo das atividades humanas em
relação ao meio ambiente.
A combinação dos diferentes elementos acima mencionados
servirá de substrato para a elaboração de uma Teoria do
Direito Ambiental que se constitui em província da Teoria
Geral do Direito, eis que o DA é parte do mundo jurídico.
O objetivo deste capítulo, portanto, é o exame da Teoria do
Direito Ambiental como parte da Teoria Geral do Direito, de
forma a destacar o que ela tem de comum e de singular,
indicando de forma clara qual o significado e papel do DA na
ordem jurídica contemporânea. A importância de investigar as
peculiaridades do DA e das normas jurídicas destinadas à
proteção do meio ambiente (MA) pode ser avaliada pelo fato de
que sempre houve normas voltadas para a tutela da natureza.
Tal proteção, quase sempre, fazia~se através de normas de
direito privado que protegiam as relações de vizinhança, ou
mesmo por normas de Direito Penal ou Administrativo, que
sancionavam o mau uso dos elementos naturais ou a utilização
de forma prejudicial a terceiros. Entretanto, a problemática
suscitada pelos novos tempos demanda uma outra forma de
conceber a legislação de proteção da natureza. As antigas
formas de tutela propiciadas pelo Direito Público ou pelo
Direito Privado são insuficientes para.responder a uma
realidade qualitativamente diversa. É por isso que o DA não se
confunde com as formas de proteção jurídica dos bens naturais
que o antecederam, sendo de fato um setor específico da ordem
jurídica.
As diferenças fundamentais entre a proteção jurídica dos
bens ambientais feitas no passado e a tutela conferida pelo DA
são:
a) modificação ontológica da tutela conferida aos bens
naturais;
b) abrandamento dos conceitos de direito público e direito
privado;
c) abrandamento dos conceitos de direito interno e direito
internacional;
d) integração entre diversas áreas do conhecimento humano na
aplicação da ordem jurídica;
e) consideração do desenvolvimento econômico com respeito ao
meio ambiente e com a integração das popidações nos
benefícios gerados pelo desenvolvimento.
2. Direito Ambiental: conceito
Metodologicamente, só se pode saber o que é o DA após se
saber o que é Direito e o que é MA ou ambiente.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
Miguel Reale,2 em conhecida formulação, aduzia que o Direito
é interação tridimensional de norma, fato e valor. "A
integração de três elementos na experiência jurídica (o
axiológico, o fático e técnico-fonnal) revela-nos a
precariedade de qualquer compreensão do Direito isoladamente
como fato, como valor ou como norma, e, de maneira especial, o
equívoco de uma compreensão do Direito como pura forma, sus-
cetível de albergar, com total indiferença, as infinitas e
conflitantes possibilidades dos interesse humanos,”3
Particularmente no que se refere ao DA, a concepção realiana é
extremamente feliz, pois o aspecto ético-valorativo nele
ressalta de forma candente.
O fato que se encontra à base do DA é a própria vida humana,
que necessita de recursos ambientais para a sua reprodução, a
excessiva utilização dos recursos naturais, o agravamento da
poluição de origem industrial e tantas outras mazelas causadas
pelo crescimento econômico desordenado, que fizeram com que
tal realidade ganhasse uma repercussão extraordinária no mundo
normativo do dever ser, refle- tindo-se na norma elaborada com
a necessidade de estabelecer novos comandos e regras aptos a
dar, de forma sistemática e orgânica, um novo e adequado
tratamento ao fenômeno da deterioração do meio ambiente. O
valor que sustenta a norma ambiental é o reflexo no mundo
ético das preocupações com a própria necessidade de
sobrevivência do Ser Humano e da manutenção das qualidades de
salubridade do meio ambiente, com a conservação das espécies,
a proteção das águas, do solo, das florestas, do ar e, enfim,
dé tudo aquilo que é essencial para a vida, isto para não se
falar da crescente valorização da vida de animais selvagens e
domésticos.
É também no campo do valor que se manifestam com intensidade
os chamados conflitos de uso dos recursos ambientais, pois as
diferentes perspectivas axiológicas tendem a identificar, em
um mesmo bem, utilidades diversas e que nem sempre são
coincidentes. Ao contrário, a evolução normativa do DA
demonstra que é, precisamente, em função de marcantes
divergências axiológicas que se faz necessária a intervenção
normativa com vistas à racionalização do conflito e a sua
solução em bases socialmente legítimas.
O Direito Ambiental é, portanto, a norma que, baseada no
fato ambiental e no valor ético ambiental, estabelece os
mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades
humanas em relação ao MA. Há uma questão relevante e altamente
complexa, que é a medida de equilíbrio que cada uma das três
diferentes dimensões do direito deve guardar em relação às
demais. Com efeito, a gravidade da chamada “crise ecológica” -
ou uma determinada percepção dela - pode induzir a uma supe-
rafetação do aspecto ético - com riscos da abstração nele
encerrada - sobre o normativo e o fático, gerando situações
juridicamente espinhosas e de insegurança. É como afirma
Dworkin,4 “hão se pode definir os direitos dos cidadãos de modo
que possam ser anulados por supostas razões de bem-estar
geral’.
2Miguel Reale, Filosoßa do Direito, São Paulo: Editora
Saraiva. 15* edição, 1993, pp. 701 e segs.
3Miguel Reale, Filosoßa do Direito, São Paulo: Editora
Saraiva. 153 edição, 1993, pp. 701-2.
4Ronald Dworkin, Levando os Direitos a Sério (tradução Nélson
Bodera), São Paulo: Martins Fontes, 2002,
Direito Ambiental
O DA tem. sido entendido de forma extremamente ampla e, de
certa maneira, imperialista, pois se pretende que, ante os
seus aspectos peculiares, outros valores constitucionalmente
tutelados cedam passagem, haja vista que, muitas vezes, parte-
se de vima ideia de que o ambiente é tudo que não seja eu,
conforme o conceito de Einstein. O corte é claramente
autoritário, pois em sociedade democrática somente a atuação
saída dos processos regulares de direito deve ser tida como
legítima. Infelizmente, o discurso da hecatombe ambiental tem
servido de base de sustentação para muitos procedimentos que
não se sustentam do ponto de vista democrático, como já tem
decidido o STF.5
Elementar que o DA deve ser visto antes como direito — com
todas as limitações que tal instrumento tem para atuar como
elemento de equilíbrio entre as diferentes tensões que existem
no fato ambiental - do que como estrutura cabalística capaz de
dar solução a problemas para além do jurídico.
O tratamento jurídico do MA se faz em diferentes áreas do
Direito e por diferentes instrumentos que, nem sempre, são de
“DA”. Talvez este fato seja um dos mais relevantes no contexto
do DA, pois nem toda norma que, direta ou indiretamente,
relaciona-se a uma questão ambiental pode ser compreendida no
universo do DA. Ao mesmo tempo, a amplitude - cada vez
crescente - do chamado ambiente faz com que muitas províncias
jurídicas se especializem e se tome cada vez mais difícil
tratá- las dentro de um enorme “guarda-chuva” designado
Direito Ambiental. Existem um direito da proteção da
Diversidade Biológica, um direito da proteção dos mares, um
direito referente aos produtos tóxicos, outro sobre espécies
ameaçadas de extinção e daí por diante, e isso ocorre tanto no
Direito Internacional como no Direito interno. Cada um destes
diferentes segmentos vem solidificando uma principiologia
própria, normas próprias e padrões aplicativos e operacionais
específicos. O tratamento só se justifica na medida em que
possamos identificar alguns pontos de contato, coordenação e
coerência entre todos esses segmentos da ordem jurídica.
Veja~se que não é pouco comum que se pretenda atribuir ao
domínio do DA questões que dificilmente poderão ser
consideradas “ambientais”, tais como a participação feminina
nas questões públicas e outras correlatas.6
A doutrina jurídica se baseia em classificação e subdivisão
do Direito em “ramos”, o que sem dúvida é reflexo do
pensamento classificatório positivista. Como entender o
componente ambiental do DA? O DA é um direito da natureza?
Esta é
5 STF. RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 157905 - SP - SÃO PAULO.
DJU 25.09.1998. P. 20. Relator: . Ministro MARCO AURÉLIO.
Ementa "DEVIDO PROCESSO LEGAL - INFRAÇÃO - AUTUAÇÃO - MULTA
- MEIO AMBIENTE - CIÊNCIA FICTA - PUBLICAÇÃO NO JORNAL
OFICIAL - INSUBSISTÊNCIA. A ciência ficta de processo
administrativo, via Diário Oficial, apenas cabe quando o
interessado está em lugar incerto e não sabido.
Inconstitucionalidade do § 4a do artigo 32 do Regulamento da
Lei n* 997/76 aprovado via Decreto n° 8.468/76 com a redação
imprimida pelo Decreto n® 28.313/88, do Estado de São Paulo,
no que prevista a ciência do autuado por infração iigada ao
meio ambiente por simples publicação no Diário."
6 Declaração do Rio: “PRINCÍPIO 20 - As mulheres desempenham
papel fundamental na gestão do meio ambiente e no
desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto,
essencial para a promoção do desenvolvimento sustentável.”
tSS*' • mim Superior fesy Juries
O Direito Ambientai
uma questão importante e que merece alguma reflexão
preliminar.7 Certamente, a natureza é parte importante do meio
ambiente, talvez a mais .importante delas. Mas o meio ambiente
não é só a natureza. Meio ambiente é natureza mais atividade
antrópíca, mais modificação produzida pelò Ser Humano sobre o
meio físico de. onde retira o seu sustento. Não se deve,
contudo, imaginar que o Homem não é parte do mundo natural, ao
contrário, ele é parte essencial, pois dotado de uma
capacidade de intervenção e modificação da realidade externa
que lhe outorga uma posição extremamente diferente da
ostentada pelos demais animais. Um dos fundamentos da atual
"crise ecológica” é, sem dúvida, a concepção de que o humano é
externo e alheio ao natural. Averbe-se que, no entanto, o
conceito de natureza é vago, como bem registrado por Michel
Prieur ao afirmar que:8 S’il est un concept vague c’est bien
celui de nature.(Se existe um conceito vago, é bem aquele de
natureza).
A palavra natureza é originada do latim Natura, de nato,
nascido. Os seus principais significados são: (a) conjunto de,
todos os seres que formam o universo; e (b) essência e
condição própria de um ser. Whitehead, em conhecida obra
dedicada ão estudo da natureza,9 afirma que “a natureza é
aquilo que observamos pela percepção obtida através dos
sentidos. Nessa percepção sensível estamos cônscios de que
algo que não é pensamento e que é contido em si mesmo com
relação ao pensamento. Essa propriedade de ser autocontido em
si mesmo em relação ao pensamento está na base da ciência
natural. Significa que a natureza pode ser concebida como um
sistema fechado cujas relações mútuas prescindem da expressão
do fato de que se pensa acerca das mesmas”. Ao tomarmos
consciência da natureza como realidade que nos é extema, damos
início ao mundo da cultura. É apenas por intermédio do mundo
da cultura que sobrevivemos às dificuldades do mundo exterior,
tal a nossa fragilidade perante o mundo natural. “É óbvio que
esse mundo não é nenhuma exceção às regras biológicas que
regem a vida de todos os demais organismos. No entanto, no
mimdo humano encontramos uma característica nova que parece
ser a^marca distintiva da* vida huhiana. O círculo funcional
do homem não é só quantitativamente maior;pas- . sou também
por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim
dizer, um novo método para adaptar-se ao ambiente”, segundo
Cassirer.10
Não devemos esquecer também que Natureza é um conceito
político que tem servido de inspiração para filósofos e
reformadores políticos. O Estado da Natureza é um marco
teórico que tem sustentado diferentes Teorias de Filosofia
Política e Social. Para Rousseau, o estado de natureza não
caracteriza um período da história humana marcado por
inconveniências a serem superadas pela constituição da socie-
dade civil. Aqueles para os quais o estado de natureza
constituía tuna etapa que precisava ser necessariamente
ultrapassada para que a humanidade pudesse estabelecer
7 Paulo de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma abordagem
conceituai. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Passim.
8 Michel Prieur, Droit de L’Environnement. Paris: Dalloz, 24
ed., 1984, p. 5. '
9 Alfred North Whitehead, O conceito de Natureza, São Paulo:
Martins Fontes, 1994, p. 7.
10 Ernst Gassier, Ensaio sobre o Homem — Introdução a uma
Filosoßa da Cultura Humana (tradução de Tomás Rosa Bueno).
São Paulo: Martins Fontes. 4* tiragem, 1» ed., 2001, p. 47.
Direito Ambiental
formas de convivência mais adequadas ao conjunto dos
indivíduos, como é, por exemplo, o caso de Locke e Hobbes,
essa passagem implicava perdas em termos da limitação da
liberdade e do julgamento e execução pelos próprios indivíduos
da “lei da natureza”. Mas o estabelecimento da sociedade civil
através de um pacto acordado por toda a comunidade trazia
ganho suficiente - em termos de preservação da vida, da
liberdade, da propriedade, da igualdade, dos bens e da
segurança e do respeito às leis que deveriam submeter
igualmente a todos - para ser amplamente adotado. O caminho
aberto pela sociedade civil é para eles, portanto, o que leva
às conquistas mais caras à civilização e a formas mais
adequadas de convivência entre os homens. Para estes
pensadores e filósofos políticos, o estado de natureza era um
período de selvageria fundamentalmente insatisfatório, onde os
aspectos negativos dificultavam demasiadamente - quando não
inviabilizavam - a vida em coletividade.11 O Homem sobrevive às
intempéries e às diferentes condições climáticas que lhes são
desfavoráveis culturalizando a natureza, transformando-a em
menos hostil, mediante uma evolução que o leva às cidades que
refletem a expressão máxima da cultura como atividade humana,
como observado pelo Estágiríta.12 “Essas considerações tomam
evidente que a cidade é uma realidade natural e que o homem é,
por natureza, um animal político (politikón zôon). E aquele
que, por natureza e não por mero acidente, não faz parte de
uma cidade é ou um ser degradado ou um ser superior ao homem;
ele é como aquele a quem Homero censura por ser sem clã, sem
lei e sem lar”;13 um tal homem é, por natureza, ávido de
combates, e é como uma peça isolada no jogo de damas. É
evidente, assim, a razão pela qual o homem é um animal
político em grau maior que as abelhas ou todos os outros
animais que vivem reunidos. Dizemos, de fato, que a natureza
nada faz em vão, e o homem é o único entre todos os animais a
possuir o dom da fala. Sem dúvida, os sons da voz (phoné)
exprimem a dor e o prazer e são encontrados nos animais em
geral, pois sua natureza lhes permite experimentar esses
sentimentos e comunicá-los uns aos outros. Mas quanto ao
discurso (lógos), ele serve para exprimir o útil e o nocivo e,
em conseqüência, o justo e o injusto. De fato, essa é a
característica que distingue o homem de todos os outros
animais: só ele sabe discernir o bem e o mal, o justo e o
injusto, e os outros sentimentos da mesma ordem; ora, é
precisamente a posse comum desses sentimentos que engendra a
família e a cidade. A cidade, portanto, é por natureza
anterior à família e a cada homem tomado individualmente, pois
o todo é necessariamente anterior à parte; assim, se o corpo é
destruído, não haverá mais nem pé nem mão, a não ser por
simples analogia, como quando se fala de uma mão de pedra,
pois uma mão separada do corpo não será melhor que esta. Todas
as coisas se definem sempre pelas suas funções e
potencialidades; por conseguinte, quando elas não têm mais
suas características próprias, não se deve dizer mais que se
trata das mesmas coisas, mas
11 José Sávio Leopoldi, Rousseau — estado de natureza, o “bom
selvagem”e as sociedades indígenas, in, http://
publíque.rdc.puc
rio.br/revistaalceu/media/aiceu_n4_Leopoldi.pdf, capturado
aos 22 de junho de 2007.
12 http://www.umcamp.br/~jmarqueVcursos/1998-hg-
022/politica.doc, capturado aos 19.05.2007.
13 Usada, ix, 63.
O Direito Ambiental
apenas que elas têm o mesmo nome (homônima). É evidente,
nessas condições, que a cidade existe naturalmente e que é
anterior aos indivíduos, pois cada um destes, isoladamente,
não é capaz de bastar-se a si mesmo e está [em relação à
cidade] na mesma situação que uma parte em relação ao todo; o
homem que é incapaz de viver em comunidade, ou que disso não
tem necessidade porque basta-se a si próprio, não faz parte de
uma cidade e deve ser, portanto, um bruto ou um deus. ”
Tem sido recorrente na Ciência Política o recurso à natureza
sempre que se busca um modelo alternativo de organização
social. Filósofos como Rousseau, Locke, Hobbes sustentavam a
existência de um “estado da natureza” como base teórica para
as críticas sociais que produziam. A natureza como conceito
político e filosófico encontra as suas origens na Grécia
Antiga, pois foi através da observação da natureza que os
primeiros filósofos buscaram estabelecer leis universais
capazes de explicar os diferentes fenômenos físicos e,
sobretudo, a sociedade. Modernamente, o conceito político de
natureza foi resgatado por Henry David Thoreau, filósofo e
humanista norte-americano que pode ser considerado o pai do
ecologismo moderno, diante da importante crítica que traçou à
sociedade moderna e o seu apego exagerado à acumulação de
riquezas sem uma base ética sólida, privilegiando o imediato e
material em detrimento do mais distante e despretensioso, cuja
seguinte passagem é bem representativa: e'If a man walk in the
woods for love of them half ofeach day, he is in danger
ofbeing regarded as a loafer; but if he spends his whole day
as a specula- tor, shearing off those woods and making earth
bald before her time, he is esteemed an industríous and
enterprising citizen. As if a town had no interest in its
forests but to cut them down/”*4
Meio ambiente compreende o humano como parte de um conjunto
de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a
partir da apropriação dos bens naturais que, por serem
submetidos à influência humana, transformam-se em recursos
essenciais para a vida humana em quaisquer de seus aspectos. A
construção teórica da natureza como recurso é o seu
reconhecimento como base material da vida em sociedade. Como
demonstrado por Thoreau, todo o conflito sobre os bens natu-
rais é um conflito sobre o papel que a eles atribuímos para a
nossa vida. Conflito entre o mero utilitarismo e o desfrute
das belezas cênicas que muitas vazes servem como descanso para
a alma.
Assim, o Direito que se estrutura com vistas a regular as
atividades humanas sobre o meio ambiente somente pode ser
designado como Direito Ambiental. Nos primórdios do DA como
disciplina universitária, outras designações foram ensaiadas,
contudo não lograram se firmar em função das fragilidades
teóricas sobre as quais se apoiavam.
A Declaração do Rio, que foi proclamada na CNUMAD), Rio 92,
embora não tenha utilizado a expressão Direito Ambiental,
demonstrou uma preferência inequí-
14 Henry David Thoreau, Life wichout principie, in,
http://thoreau.eserver.org/lifel.htmle, capturado aos 15 de
agosto de 2007.
Direito Ambiental
voca pelo termo ambiental, em relação à ecologia ou natureza,
por exemplo, como demonstra o Princípio 11 do importante
documento,15
Nos primórdios de nossa disciplina no Brasil, ela era
conhecida como Direito Ecológico, como consta dos trabalhos de
Sérgio Ferraz16 e Diogo de Figueiredo Moreira Neto.17 O
desenvolvimento dos estudos sobre a disciplina conduziu a
maioria dos autores à utilização da expressão Direito
Ambiental,18 por ser mais abrangente e mais capaz de assimilar
as nuances da matéria em questão. A experiência prática tem
demonstrado que muitos e diferentes problemas acabam sendo
absorvidos pelo DA, ainda que não se refiram direta e
unicamente às questões estritamente ecológicas. Aliás, uma das
grandes dificuldades em nossa disciplina é, efetivamente,
estabe- lecer-lhe limites de abrangência que evitem os desvios
da tentativa de ela se transformar em Pandireito. Sabemos que
a proteção jurídica compreendida pela legislação ambiental
estende-se a horizontes mais vastos do que a natureza
considerada em si própria. A este respeito, é conveniente
lembrar a lição de Rodgers:19 “Environmental law is not
concerned solely with the natural environment - the physical
condition of the land, air, water. It embraces also the human
environment ~~ the health, social and other man-made
conditions affecting a human being’s place on earth. ”
A produção nacional, bem representada por Toshio Mukai,
assim compreende o DA: “O Direito Ambiental (no estágio atual
de sua evolução no Brasil) é um conjunto de normas e
institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito
reunidos por sua função instrumental para a disciplina do
comportamento humano em relação ao seu meio ambiente. ’20 O
Professor Paulo Affonso Leme Machado, nas primeiras edições de
seu Direito Ambiental Brasileiro, não chegou a apresentar uma
definição de Direito Ambiental, preferindo, em sua obra,
fornecer ao leitor uma metodologia para que este compreenda o
conteúdo e o significado do Direito Ambiental. Para o
consagrado autor, o Direito Ambiental é um direito de proteção
à natureza e à vida, dotado de instrumentos peculiares que se
projetam em diversas áreas do Direito, sobretudo no Direito
Administrativo. Posteriormente, o consagrado mestre evoluiu em
sua concepção e nos fornece a seguinte definição: "O Direito
Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação
da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes
aos elementos que integram o meio ambiente. Procura evitar o
isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica.
Não se trata mais de construir um Direito das águas, um
Direito da atmosfera, um Direito do solo, um Direito
florestal, um Direito da fauna ou um Direito da
biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada
matéria tem de específico, mas busca interHgar estes
15 Principio 11 - "Os Estados devem adotar uma legislação
ambiental eficaz ...”
16 “Direito Ecológico, perspectivas e sugestões”, Porto Alegre:
Revista da Consultoria-Geral do Estado, vol. 2, no 4, 1972,
pp. 43-52.
17 Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico,
Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 23.
18 O Dicionário Aurélio Eletrônico dá a seguinte definição para
o termo ambiental: “Verbete: ambiental Adj. 2 g. 1. Relativo
a, ou próprio de ambiente; ambiente.”
19Willian H. Rodgers Jr. - Environmental Law, St. Paul: West,
1977, p. 1.
20 Toshio Mukai, ob. cit., p. 10.
O Direito Ambiental |
temas com a argamassa da identidade de instrumentos jurídicos
de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e
de participação. '21
Entendo que o Direito Ambiental pode ser definido como um
direito que tem por finalidade regular a apropriação econômica
dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em
consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvi-
mento econômico e social, assegurando aos interessados a
participação nas diretrizes a serem adotadas, bem como padrões
adequados de saúde e renda. Ele se desdobra em três vertentes
fundamentais, que são constituídas pelo: (i) direito ao meio
ambiente, (ii) direito sobre o meio ambiente e (iu) direito do
meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o
direito ao meio ambiente é um direito humano fundamental que
cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade
de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos
recursos naturais. Mais do que um ramo autônomo do Direito, o
DA é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra,
transversalmente, em todos os ramos do Direito. O DA tem uma
dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão
econômica que devem ser compreendidas harmonicamente.
Evidentemente que, a cada nova intervenção humana sobre o
ambiente, o apHcador do DA deve ter a capacidade de captar os
diferentes pontos de tensão entre as três dimensões e
verificar, no caso concretos qual delas é a que se destaca e
que está mais precisada de tutela em um dado momento.
A doutrina nacional se divide em duas correntes básicas: (i)
uma que privilegia o chamado ambientalismo social ou
socioambientalismo22 e (ii) outra mais voltada para o
preservacionismo. A doutrina socioambiental pode ser assim
resumida: “O socioambientalismo passou a representar uma
alternativa ao conservadorismo/pre- servacionista ou movimento
ambientalista tradicional, mais distante dos movimentos
sociais e das lutas políticas por justiça social e cético
quanto à possibilidade de envolvimento das populações
tradicionais na conservação da biodiversidade. Para uma parte
do movimento ambientalista tradicionai/preservaciohista, as
populações tradicionais - e os pobres de uma maneira geral -
são uma ameaça à conservação ambiental, e as unidades de
conservação devem ser protegidas permanentemente dessa ameaça.
O movimento ambientalista tradicional tende a se inspirar e a
seguir os modelos de preservação ambiental importados de
países do primeiro mundo, onde as populações urbanas procuram,
especialmente em parques, desenvolver atividades de recreação
em contato com a natureza, mantendo intactas ás áreas
protegidas. Longe das pressões sociais típicas de países em
desenvolvimento, com populações pobres e excluídas, o modelo
preservacionista tradicional funciona bem nos países
desenvolvidos, do norte, mas não se sustenta politicamente
aquif23 A vertente pre-
21 Paulo Aífonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro,
São Paulo: Malheiros. 13* edição. 2005, pp. 148-9.
22 Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos -
proteção jurídica da diversidade biológica e cultural. São
Paulo: Editora Petrópolis, 2005.
23 Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos—
proteção jurídica da diversidãde biológica e cultural. São
Paulo: Editora Petrópoiis, 2005, pp. 40-1.
Direito Ambiental
servacionista se encontra reunida em tomo do grupo Planeta
Verde e encontra forte base de sustentação no Ministério
Público.
Certamente, não se pode pensar o Direito Ambiental de forma
rígida e dogmática, pois isto é uma contradição em seus
próprios termos. É da própria natureza do Direito Ambiental
que ele seja examinado de forma flexível e maleável. A
relevância do chamado socioambientalismo e a sua compreensão
jurídica é que, efetivamente, ele busca localizar o Ser Humano
no centro do Direito Ambiental, o que, em minha opinião,
corresponde ao comando de nosso legislador constitucional ao
definir o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
princípios basilares de nosso ordenamento jurídico. Equivoca-
se o socioambientalismo ao pretender que, necessariamente, as
populações tradicionais protejam o meio ambiente, pois a
prática tem demonstrado que populações tradicionais também
podem ser promotoras de degradação ambiental quando as
pressões econômicas se tomam irresistíveis.
2.1. A vertente econômica do Direito Ambiental
Economia e ecologia têm muita coisa em comum, pois têm
origem na palavra oikos, casa. No entanto, tal relação óbvia
não tem tido aceitação entre as partes envolvidas, existindo
sempre a irreal dicotomia entre “desenvolvimento e meio
ambiente”. Fato é que as relações entre economia e ecologia
têm sido muito tensas e, especialmente no Direito Ambiental,
elas não têm tido a atenção que merecem. No particular, é
relevante a seguinte observação de Christopher D. Stone:24
“Indeed, it is a shame that economic analysis is so commonly
disparaged by environmentalists, who have somehow gotten the
idea that economic thinking and environmental thinking are
inherentely opposed.” A doutrina relevante de Direito
Ambiental no Brasil ainda voltou a sua atenção para a vertente
econômica do Direito Ambiental, fazendo com que muita
incompreensão reine em tão importante área. Mais uma vez não
posso deixar de recorrer à constatação de Stone no sentido de
que: “Here, the point is simply this. The mutual distrust
between economists and environmentahsts is unfortunate.,25 A
ideia que me dirige nesta seção é a de demonstrar cabalmente
que o Direito Ambiental não pode, sequer, ser imaginado sem
uma consideração profunda de seus aspectos econômicos, pois
dentre os seus fins últimos se encontra a regulação da
apropriação econômica dos bens naturais.
A Constituição de 1934 introduziu em nosso meio jurídico os
primeiros mecanismos constitucionais de atuação positiva do
Estado na ordem econômica. 1934 marca o início do modelo de
intervenção econômica e do federalismo cooperativo que passa a
dotar a União de novos poderes para, mediante a execução de
programas específicos, alavancar a atividade econômica. A
Constituição de 1934 foi concebida
24 Christopher D. Stone. The Gnat is Older than Man - Global
Environment and Human Agenda. Princeton: Princeton
University Press. 1995, p. 150.
25 Christopher D. Stone. The Gnat is Older than Man - Global
Environment and Human Agenda. Princeton: Princeton
University Press. 1995, p. 151.
O Direito Ambiental |
sobre o conceito de intervenção econômica. Foi naquela Carta
que teve início o nosso Direito Econômico, que está contido no
direito público* a sua característica mais marcante: a
interdisciplinaridade.26 O Direito Econômico é um polo, ao
redor do qual circulam o Direito Tributário, o Direito
Administrativo, o Direito Financeiro, o Direito Ambiental e
inúmeros outros.
Direito Econômico é o direito considerado em suas
conseqüências econômicas27 que para Savatier tem por finalidade
dirigir a vida econômica e em especial a produção e a
circulação das riquezas.28 Para o Direito Econômico, o
relevante é a eficácia, isto é, a capacidade de produzir
alterações na ordem econômica como consequência das medidas
implementadas. Ele é, assim como o Direito Ambiental, um
direito de organização que não se submete apenas às forças do
mercado, muito embora não possa desconsiderá-las.
O Direito Econômico está intimamente ligado à intervenção do
estado sobre a ordem econômica que em seus aspectos ambientais
se faz mediante a utilização de mecanismos jurídicos próprios
e que pertencem ao campo do Direito Ambiental. O Direito
Ambiental como parte do Direito Econômico vai além do mero
poder de polícia, haja vista que orienta as forças produtivas
em uma determinada direção, no caso concreto, a utilização
racional dos recursos ambientais. A intervenção econômica se
diferencia do poder de polícia, na medida em que este último
se limita à proibição de atividades, condutas ou
comportamentos de particulares.
A intervenção econômica, segando Eros Roberto Grau,29 possui
três modalidades principais:
a) participação, absorção;
b) direção;
c) indução.
A participação e a absorção indicam que o Estado ou está
atuando como agente econômico através de suas entidades
criadas especificamente para tal fim, ou está atuando mediante
a atividade de empresas que, por um motivo ou por outro, foram
incorporadas ao patrimônio público. Direção é o processo pelo
qual o Estado dirige um determinado empreendimento econômico,
assumindo as responsabilidades essenciais do mesmo. Indução é
um mecanismo pelo qual o Estado cria incentivos ou punições
para a adoção de determinados comportamentos econômicos ou
cria condições favoráveis para que se desenvolvam
empreendimentos privados em determi-
26Tal característica informa todos os novos “ramos” do
Direito.
27Jacquemin e Scbrams, apiid Lufe Cabral Moncada. Direito
Econômico, Coimbra: Coimbra Editora, 2»
ed.,
1988, p. 12.
28Jacquemin e Schrams, apud Luís Cabral Moncada. Ob. cit., p.
8.
29A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e
crítica), São Paulo:RT, 21 ed„ 1991,
pp. 49
e seguintes.
| Direito Ambiental
nadas regiões, ou mesmo que determinadas atividades econômicas
possam ser realizadas mediante medidas especiais de política
econômica.
Para o DA, a indução é o instrumento mais importante, haja
vista que somente através dele é que se podem tomar medidas
com vistas a impedir que danos ambientais significativos se
concretizem, A indução se faz, essencialmente, com a adoção
dos chamados mecanismos de incentivo econômico.
A proteção do meio ambiente é, em nossa Constituição, um dos
princípios basilares de nossa Ordem Econômica constitucional,
estando prevista no artigo 170, inciso VI. Ao mesmo nível do
princípio da proteção ao meio ambiente, a Constituição
reconhece outros princípios, tais como (i) soberania nacional;
(ii) propriedade privada, (iii) função social da propriedade,
(iv) livre-concorrência, (v) defesa do consumidor, (vi)
redução das desigualdades regionais e sociais, (vii) busca do
pleno emprego e (viii) tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.
A inclusão do “respeito ao meio ambiente” como um dos
princípios da atividade econômica e financeira é medida de
enorme importância, pois ao nível mais elevado de nosso
ordenamento jurídico está assentado que a licitude
constitucional de qualquer atividade fundada na livre
iniciativa está, necessariamente, vinculada à observância do
respeito ao meio ambiente ou, em outras palavras, à
observância das normas de proteção ambiental vigentes.
Relevante anotar que as dificuldades ocasionadas por uma
legislação ambiental extremamente fragmentária, com
competências legais e administrativas mal definidas, fizeram
com que o Poder Constituinte derivado determinasse um
“princípio” que se expressa em tratamento “diferenciado” (rec-
tius: diferente) em função do impacto ambiental produzido pela
atividade. O Constituinte, no particular, reconheceu uma grave
extemalidade negativa da norma constitucional, que é a
proliferação de um conjunto de normas que, antes de proteger o
meio ambiente, dificultam a pequena atividade econômica com
onerosidade excessiva e, muitas vezes, desproporcional. Tal
princípio, contudo, não tem sido observado, visto que os
órgãos ambientais tratam igualmente as empresas,
independentemente do padrão de tecnologia que adotem com
vistas à redução dos impactos. O artigo 174 e seu § 3«
referem-se diretamente ao meio ambiente quando tratam da
organização de cooperativas de garimpeiros, que deverão levar
em conta a proteção ao meio ambiente. Também no artigo 176
podem ser contempladas normas de natureza ambiental. Os
capítulos da política urbana (arts. 182/183) e da política
agrícola e fundiária (arts. 184/191) guardam enorme
proximidade com a matéria ambiental, sendo certo que a própria
função social da propriedade ficou submetida à necessidade de
preservação ambiental, havendo quem fale em uma função
socioambiental da propriedade.
O desenvolvimento brasileiro, como regra, sempre se fez com
pouco respeito ao ambiente, pois calcado na exploração
intensiva de produtos primários com vistas ao mercado externo,
sem qualquer preocupação mais profunda quanto à sua conserva-
ção. A partir da década de 80 do século XX, sobretudo após a
edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, começou a
se formar uma nova maneira de pensar as relações entre a
atividade econômica e o meio ambiente. Isto se dá,
principalmente, com a introdução do conceito de
sustentabilidade e a constatação de que recursos
O Direito Ambiental
naturais não são infinitos. Esta mudança de concepção,
contudo, não é linear e, sem dúvida, podemos encontrar
diversas contradições e dificuldades na implementação de
políticas industriais que levem em conta o fator ambiental e
que, mais do que isso, estejam preocupadas em assegurar a
sustentabilidade da utilização de recursos ambientais.
A concepção do desenvolvimento sustentado tem em vista a
tentativa de: conciliar a conservação dos recursos ambientais
e o desenvolvimento econômico. A Lei n2 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que "dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins, mecanismos de formulação e aplicação, e
dá outras providências”, foi a primeira norma legal construída
sobre a base da proteção ambiental como elemento essencial
para o desempenho da atividade econômica, e mais: compreende a
própria proteção ao meio ambiente como atividade de natureza
econômica, como deixa ver o seu artigo 2S: “A Política Nacional
do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições de desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana”.
O Direito Econômico é essencialmente instrumento de
intervenção na ordem econômica. O Direito Ambiental é um de
seus principais instrumentos. Como Direito Econômico, o DA é
dotado de instrumentos específicos que não se confundem com os
demais postos. Estes instrumentos estão previstos tanto na CF
quanto na legislação ordinária, merecendo destaque aqueles que
estão previstos na Lei n2 6.938/81, como instrumentos da
política nacional do meio ambiente. Entre os diversos
instrumentos, aqueles que merecem mais atenção são, por
exemplo, os seguintes:
(i) a Avaliação Ambiental Estratégica e (ii) o Zoneamento
Econômico Ecológico, cujas finalidades, em linhas gerais,
estão relacionadas com a realização de diagnósticos
antecipados das consequências ambientais decorrentes da
possível implantação de atividades potencialmente degradadoras
do meio ambiente em determinados meios físicos.
O estabelecimento de preços pela utilização dos recursos
ambientais e a criação de incentivos para a utilização menos
intensiva de recursos ambientais também são instrumentos
importantes de intervenção econômica, pois condicionam a ação
do agente econômico em busca de uma atividade menos agressiva
em relação ao ambiente na qual ele está inserido.
2.2. A vertente humana do Direito Ambiental
O conteúdo econômico do DA já foi exaustivamente
demonstrado. Nesta etapa, cumpre demonstrar o seu conteúdo
humanístico. O primeiro ponto que chama a atenção é o feto de
que a sua construção prática demonstra que ele, em grande
medida, é originado de movimentos reivindicatórios e de
protestos contra más condições de vida, poluição, falta de
saneamento e tantas outras. No contexto brasileiro que de
certa forma reproduz o internacional, há um amálgama que funde
ações políticas com medidas judiciais e legislativas, criando
uma base bastante rica e fértil para a produção de regras
ambientais.
Direito Ambiental
Em inúmeras ocasiões, os Tribunais têm sido provocados a dar
seu veredito sobre situações que, do ponto de vista das ações
judiciais, são lesivas ao meio ambiente.30 É certo, ademais,
que muitas vezes os litígios judiciais são a única forma de
impedir medidas ilegais até mesmo do Poder Público, como muito
bem observado por Farber e Findley: “Apart írom the political
process, the only check on agency acdon is foimd in the
courts. ” 31
Atualmente, vivemos uma “era dos direitos”32 com recursos
escassos, na qual as diferentes parcelas da população postulam
direitos de forma cada vez maior e que resultam em normas cada
vez mais atributivas de garantias processuais e direitos subs-
tantivos, ainda que muitas vezes os orçamentos públicos
previstos para a concretização das novas realidades normativas
nem sempre sejam capazes de tomá-las efetivas.
O caput do artigo 225 da CF define o direito ao meio
ambiente equilibrado como um “direito de todos”, logo,
subjetivamente exigível por toda e qualquer pessoa. No
particular, averbe-se que há forte tendência teórica de
incluir os animais irracionais como “sujeitos,33 de direito e,
portanto, devendo ser compreendidos no conceito de “todos”
formulado pela Constituição.
Os direitos humanos vêm se ampliando, a cada dia que passa.
Este feto é uma resposta que a sociedade vem dando ao fenômeno
da massificação social e às dificuldades crescentes para que
todos possam vivenciar uma sadia qualidade de vida, ainda que
a violação dos direitos humanos seja mais evidente que o seu
respeito. O fato é que, se há violação, é porque existe uma
norma a ser violada ou respeitada. Esta realidade desempenha
um papel fundamental na conscientização de todos aqueles que,
subjetivamente, consideram que os seus direitos fundamentais
foram violados. Hoje já se fala em uma nova geração de
direitos humanos, direitos estes que não se limitam àqueles
fruíveis individualmente ou por grupos determinados, como foi
o caso dos direitos individuais e dos direitos sociais.
Norberto Bobbio, ao se referir ao problema dos direitos
humanos de terceira geração, disse que: “O mais importante
deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito
de viver num ambiente não poluído.”
É imperioso perceber que, mesmo com forte conteúdo
econômico, não se pode entender claramente o DA como um tipo
de relação jurídica que privilegie a atividade produtiva em
detrimento dos valores propriamente humanos. A conservação e
sustentabilidade dos recursos ambientais (recursos econômicos)
é um instrumento para garantir um bom padrão de qualidade de
vida para os indivíduos. O fator eco
30 O sítio Internet do Conselho da Justiça Federal, visitado
aos 21 de agosto de 2007, registrou para a expressão “meio
ambiente” 2.879 entradas, número muito expressivo,
http://www.jf.gov.br/juris/?
31 Roger Findley, e Daniel Farber. Environmental law, St.
Paul: West publishing, 1988, p. 2.
32 Norberto Bobbio, A era dos direitos, Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
33Para uma ampla discussão sobre o tema do Direito dos
Animais, ver: Peter Singer, Libertação Animal (tradução de
Marly Winckler). Porto Alegre/SãoPaulo: Lugano Editora.
Edição revista. 2004. passim. Contra: Richard A. Posner,
Animal Rights: Legal, Philosophical, and Pragmatic
Perspectives, in, Cass R. Suns te in and Martha C. Nussbaum
(edited by), Animal Rights — Current Debates and new
Directions, New York: Oxford University Press, 2004, pp. 51-
77.
O Direito Ambientai
nômico deve ser compreendido como desenvolvimento, evolução,
melhora contínua e não como simples crescimento ou acúmulo. O
desenvolvimento se distingue do crescimento na medida em que
pressupõe uma harmonia entre os diferentes elementos
constitutivos.
No regime constitucional brasileiro, o artigo 225 da CF
impõe a conclusão de que o direito ao ambiente prístino é um
dos direitos humanos fundamentais. É, o meio ambiente, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
portanto, é res comune omnium,34 interesse comum, tutelável
judicialmente por meio de ação popular, como se pode ver do
artigo 5S da Lei Fundamental em seu inciso LXXIII: “Qualquer
cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que
o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, fícando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas judiciais e
do ônus da sucumbência. ”
Uma consequência lógica da identificação do direito ao
ambiente como um direito humano fundamental, conjugada com o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, é que
no centro de gravitação do DA se encontra o Ser Humano.
Entretanto, a concepção ora esposada encontra acirrada
oposição em parte significativa do pensamento contemporâneo
que tem buscado identificar uma igualdade essencial entre
todos os seres viventes. Tais correntes encontram muita
repercussão no DA, sobretudo nos países mais desenvolvidos nos
quais problemas básicos já tenham sido superados. Há,
inclusive, a construção de um chamado Direito dos Animais,35
merecedor de uma Declaração Universal dos Direitos dos
Animais,36 que,
34 Coisa comum a todos.
35 Http://law.lclark.edu/org/animalaw/
36 Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses
direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer
crimes contra os animais e contia a natureza; Considerando
que o reconhecimento pela espécie humana do direito à
existência das outras espécies animais constitui o
fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e
há o perigo de continuar á perpetrar outros; Considerando
que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao
respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a
educação deve ensinar desde a infância a observar, a
compreender, a respeitar e a amar os animais, Proclama-se o
seguinte: Artigo 1® Todos os animais nascem iguais perante a
vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2« 1.
Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem,
como espécie animal, não pode exterminar os outros animais
ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os
seus conhecimentos a serviço dos animais 3.Todo o animal tem
o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo 3o l.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos
nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele
deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não
provocar-lhe angústia. Artigo 4® 1. Todo o animal
pertencente a tuna espécie selvagem tem o direito de viver
livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou
aquático e tem o direito de se reproduzir. 2. Toda a
privação de liberdade, mesmo que tenha fim educativos, é
contrária a este direito. Artigo 5* 1. Todo o animal
pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio
ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao
ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são pró-
prias da sua espécie. 2. Toda a modificação deste ritmo ou
destas condições que forem impostas pelo homem com fins
mercantis é contrária a este direito. Artigo 6fi 1. Todo o
animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito
a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2.
O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Artigo
7a Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação
razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma
alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8° 1. A
experimentação animal que implique sofrimento físico ou
psicológico é incompatível com os
Direito Ambiental
contudo, penso não fazer parte da disciplina Direito
Ambiental, não se confundindo com esse último. Uma boa mostra
do pensamento que serve de base para os “direitos animais”
pode ser encontrada na seguinte passagem de Singer:37
“Normalmente, isso significa que, se tivermos de escolher
entre a vida de um ser humano e a vida de outro animal,
deveríamos escolher salvar a vida do ser humano; mas pode
haver casos especiais em que o inverso é verdadeiro, porque o
ser humano em questão não possui as capacidades de um ser
humano normal, ”
Pretende-se que o DA represente a ruptura do
antropocentrismo na ordem jurídica. Sustenta-se que, ao
proteger a vida, em especial a vida animal e vegetal, o DA
teria reconhecido novos sujeitos de direito que, conjuntamente
com o ser humano, passariam a ocupar o núcleo central do mundo
jurídico. Em meu ponto de vista, tal raciocínio é primário,
pois deixa de considerar uma questão essencial e inafastável,
que é o fato de que o Direito positivado é uma construção
humana para servir propósitos humanos. O fato de que o direito
esteja evoluindo para uma posição na qual o respeito às formas
de vida não humanas seja uma obrigação jurídica cada vez mais
relevante não é suficiente para deslocar o eixo ao redor do
qual a ordem jurídica circula. A obrigação jurídica de
respeito aos animais e às demais formas de vida é prin-
cipalmente a expressão de um movimento de “humanização” dos
animais cujas dimensões crescentes têm implicado o aumento do
arco protetivo.
A ONU, pela da Resolução nô 37/7, de 28 de outubro de 1982,
proclamada pela Assembleia Geral, afirmou que: “ Toda forma de
vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua
utilidade para o homem, e, com a finalidade de reconhecer aos
outros organismos vivos este direito, o homem deve se guiar
por um código moral de ação. ”
O DA, quando confere proteção aos bens naturais, o faz na
função de mediador entre os diferentes agentes econômicos e
das respectivas visões axáológicas sobre o destino a ser dado
aos elementos naturais quando parte do tráfico econômico e
jurídico. Na medida em que se reconhece uma carga axiológica
mais densa, menor é a utilização econômica legalmente
consentida para o bem considerado em si mesmo.
direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica,
científica, comercial ou qualquer que seja a forma de
experimentação. 2. As técnicas de substituição devem de ser
utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9a Quando o animal é criado
para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado,
transportado e morto sem que disso resulte para ele nem
ansiedade nem dor. Artigo 10« 1. Nenhum animal deve de ser
explorado para divertimento do homem. 2. As exibições de
animais e os espetáculos que utilizem animais sâo incom-
patíveis com a dignidade do animai. Artigo 11“ Todo o ato que
implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio,
isto é, um crime contra a vida. Artigo 12a 1. Todo o ato que
implique a morte de grande um número de animais selvagens é um
genocídio, isto é, um crime contra a espécie. 2. A poluição e
a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo
13a 1.0 animal morto deve de ser tratado com respeito. 2. As
cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser
interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por
fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14a
1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais
devem estar representados a nível governamental. 2. Os
direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os
direitos do homem.” Proclamada pela Unesco aos 27 de janeiro
de 1978,
37 Peter Singer, Libertação Animal (tradução de Marly
Winckler), Porto Alegre/São Paulo: Lugano, edição
tsw - ensino Superior tas Mc*
O Direito Ambiental
Ao afastar determinados bens da apropriação direta pela
atividade econômica e com o estabelecimento de medidas que
sejam capazes de garantir tal afastamento — legitimidade
extraordinária para a proteção dos bens ambientais está
propiciando um equilíbrio na competição no mercado entre os
agentes econômicos, além de assinalar de forma bastante clara
o nível de valor cultural e espiritual que determinado bem
possui na sociedade. Processualmente, os interesses difusos e
o sistema de legitimidade que lhes asseguram tutela é a forma
encontrada pela sociedade para permitir que um conflito de uso
relevante possa ser racionalmente mediado.
O Direito brasileiro reconhece à natureza um elevado nível
de tutela positivamente fixado. Isto ocorre tanto em relação à
norma constitucional, quanto em relação à legislação
ordinária. Relembre-se que os incisos I, II e VII dò artigo
225 da Lei Fundamental falam em: “Proteger e restaurar os
processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
dos ecossistemas”, “preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do Pais” ‘proteger a fauna e a Hora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco
sua função ecológica"
Observe-se que há uma obrigação social, legal e
constitucional para com a tutela dos processos ecológicos
essenciais que, a toda evidência, só reflexamente pode ser
vinculada ao sujeito de direito, entendido como tal o ser
humano. Há obrigação do Estado de empenho para com a
preservação das espécies da flora e da fauna, não se cogitando
imediatamente da suas necessidades ou utilidades imediatas. O
direito, igualmente, age com um poder geral de cautela, pois
prefere determinar que alguns bens sejam protegidos e
“congelados”, ainda que não tenham utilidade imediata. Cria-
se, portanto, uma reserva de valor que poderá vir a ser
utilizada - ou não - em um futuro não especificado.
O reconhecimento de tutela a bens jurídicos que não estejam
diretamente vinculados à pessoa humana é um aspecto de grande
importância para que se possa medir o real grau de
co~dependência entre o homem e o mundo qüe o cerca, do qual
ele é parte integrante e, sem o qual, não logrará sobreviver.
A atitude de respeito e proteção às demais formas de vida ou
aos sítios que as abrigam é uma prova de compromisso do ser
humano com a própria raça e, portanto, consigo mesmo.
3. A metodologia do Direito Ambiental
É tempo de examinar as peculiaridades metodológicas que
fazem com que o DA possa se destacar como província peculiar e
inconfundível do conhecimento jurídico. Isso se faz,
principalmente, pela identificação de sua metodologia peculiar
e de outros aspectos que serão adequadamente desenvolvidos
daqui para frente.
3.1. Autonomia do Direito Ambiental
A autonomia dos chamados “ramos” do Direito é sempre
problemática concei- tualmente e deve ser considerada antes
uma questão de natureza acadêmica e periférica e não deve
impressionar aqueles que pretendam estudar as diferentes
manifes-
Direito Ambiental
tações setoriais do fenômeno jurídico. O mesmo se passa com a
autonomia do DA e, provavelmente, de forma mais dramática do
que em outras searas do Direito, haja vista que o DA é,
seguramente, um dos setores do Direito nos quais as variegadas
tensões políticas, econômicas, sociais e científicas se
manifestam de forma mais vibrante. Se é verdade que as
diferentes manifestações do Direito, como fenômeno normativo,
possuem peculiaridades e particularidades, também não é menos
verdade que ele busca um certo grau de harmonia e coerência
entre os seus diferentes setores, ainda que nem sempre consiga
atingi-lo. No caso específico do DA, é relevante considerar
que ele, em função do elevado nível de influência exercido por
saberes não jurídicos e por situações extralegais, possui
especificidades que o distinguem dos “ramos tradicionais” do
Direito. Em primeiro lugar, há que se observar que a relação
do DA com os demais ramos do Direito é transversal, isto é, as
normas ambientais tendem a se incrustar em cada uma das demais
normas jurídicas, obrigando que se leve em conta a proteção
ambiental em cada um dos demais “ramos” do Direito. Uma norma
de direito público que determine a administração, a realização
de estudos de impacto ambiental para a implementação de
determinadas atividades está situada no Direito Administrativo
ou no DA? Uma norma que tipifica crimes contra o meio ambiente
é uma norma criminal ou ambiental? Essas são questões que, se
não forem bem articuladas, acarretarão confusão teórica. No
caso, o importante é ter em vista que a proteção ambiental
pode ocorrer mediante a tutela conferida por normas dos mais
diferentes campos do Direito.
Os chamados “novos direitos”, dentre os quais o DA é um dos
mais eminentes, que vêm surgindo a partir da década de 60 do
século XX, são essencialmente direitos de participação, ou
seja, direitos que se formam em decorrência de uma crise de
legitimidade da ordem tradicional que não incorpora a
manifestação direta dos cidadãos na resolução de seus
problemas imediatos. O movimento de cidadãos conquista espaços
políticos que se materializam em leis de conteúdo, função e
perspectivas bastante diversos dos conhecidos pela ordem
jurídica tradicional.
É desnecessário reconhecer o DA como um ramo "autónomo” do
Direito para que possa compreender a sua relevância no atual
contexto da proteção do direito. Esta questão não se coloca em
relação a ele. Em primeiro lugar: o conceito de autonomia dos
ramos do Direito é bastante discutido e discutível. Sabemos
que tal conceito implica a existência de setores estanques no
interior da ordem jurídica que, apenas e tão-somente, mantêm
algumas relações formais entre si. Ora, na realidade, tal con-
cepção é falha, pois os conceitos fundamentais do Direito
tradicional são válidos em qualquer um dos diferentes “ramos”
do Direito. O conceito de Sujeito de Direito é válido tanto
para o Direito Penal quanto para o Direito Tributário ou o
Direito Civil. Acresce, ademais, que a ideia de ramos
autônomos do Direito está vinculada à concepção da existência
de um certo “paralelismo” entre os diversos ramos da Ciência
do Direito. Assim, existe um Direito Civil que é paralelo ao
Direito Administrativo, que, por sua vez, é paralelo ao
Direito Penal, e assim sucessivamente.
O DA não se situa em “paralelo” a outros “ramos” do Direito.
O DA é um direito de coordenação e, nesta condição, é um
Direito que impõe aos demais setores do universo jurídico o
respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de
validade
O Direito Ambiental
é emanado diretamente da Norma Constitucional. Trazer para o
DA a discussão sobre ser este autônomo ou não é reproduzir uma
discussão ontologicamente superada.
3.2. Princípios do Direito Ambiental
O Direito é ciência complexa que se estrutura sobre bases
múltiplas. Diferentemente do que pensa o leigo, ele não se
confunde com as normas positivadas na legislação. Estas
formam, apenas e tão-somente, uma parte da ordem jurídica. Em
sistemas como o adotado no Brasil, cuja tradição se filia ao
modelo romano-germânico, a norma escrita é importantíssima e
não seria exagerado afirmar que ela se constitui no eixo
central ao redor do qual os demais elementos da ordem jurídica
gravitam. Evidentemente que não se pode pensar a ordem
jurídica brasileira “fora” do elemento basilar da norma
escrita.
Ocorre que, no DA, a produção legislativa tende a perder
algumas de suas principais características, tais como a (i)
abstração e a (ii) generalidade. No DA, há um crescimento de
normas específicas que se multiplicam em verdadeira metástase
legislativa. Peguemos o exemplo da proteção florestal.
Inicialmente, havia o CFlo que, bem ou mal, tratava das
questões referentes à proteção das florestas. Hoje, o CFlo é,
apenas, mais um elemento a ser considerado quando falamos em
defesa das florestas. Já não se pode mais falar em proteção de
florestas, mas em proteção da Diversidade Biológica, de biomas
específicos etc. Daí não ser excessivo considerar que o CFlo é
parte de um subsistema de proteção da diversidade biológica
que se constitui principalmente pelas seguintes normas: (i)
CFlo; (ii) CBD; (iii) SNUC; (v) normas estaduais e municipais
de proteção aos bens anteriormente mencionados; e, ainda, (vi)
normas destinadas à proteção desta ou daquela espécie da flora
brasileira. Bem se vê que, diante da enorme quantidade de
normas legais destinadas à proteção das florestas, a
incoerência, a contradição e o conflito entre elas não são
algo que possa surpreender ao observador atento.
A jurisprudência tem um papel relevantíssimo na proteção do
meio ambiente, pois é a aplicação concreta das normas
jurídicas. O papel da jurisprudência avulta no Direito
Ambiental, na medida em que as matérias são decididas muito na
base do caso a caso, pois muito raramente se pode tratar de
uma “repetição” de ações ambientais, visto que as
circunstâncias particulares de cada hipótese tendem a não se
reproduzir. Por outro lado, ainda que a produção legislativa
cresça em velocidade exponencial, ela não tem capacidade de
dar conta das diferentes situações que surgem no dia-a-dia.
Resulta daí que os princípios do Direito Ambiental se tomam
mais relevantes e importantes, pois é a partir deles que as
matérias que ainda não foram objeto de legislação específica
podem ser tratadas pelo Poder Judiciário e pelos diferentes
aplicadores do Direito, pois, na inexistência de norma legal,
há que se recorrer aos diferentes elementos formadores do
Direito, conforme expressa determinação da Lei de Introdução
ao CC e do próprio CPC.
Entretanto, o recurso aos princípios jurídicos é uma tarefa
que está longe de ser simples e tranquila, pois não há,
sequer, um consenso doutrinário acerca dos princí-
Direito Ambiental
pios reconhecidos do Direito Ambiental e, ao mesmo tempo,
existem divergências profundas sobre o significado concreto de
cada um dos princípios.
3.2.1. Natureza dos princípios do DA
Os princípios jurídicos podem ser implícitos ou explícitos.
Explícitos são aqueles que estão claramente escritos nos
textos legais e, fundamentalmente, na CRFB; implícitos são os
princípios que decorrem do sistema constitucional, ainda que
não se encontrem escritos.
É importante frisar que tanto os princípios explícitos como
os princípios implícitos são dotados de positividade e,
portanto, devem ser levados em conta pelo apli- cador da ordem
jurídica, tanto no âmbito do Poder Judiciário, como no âmbito
do Executivo ou do Legislativo. Os princípios jurídicos
ambientais devem ser buscados, no caso do ordenamento jurídico
brasileiro, em nossa Constituição e nos fundamentos éticos que
iluminam as relações entre os seres humanos. Dentro da
perspectiva acima apontada, considero que é possível destacar
os seguintes princípios fundamentais que podem ser encontrados
nas diferentes áreas das atividades humanas, que podem ser
catalogadas sob a rubrica DA.
3.2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana
Para aqueles que, como o autor, entendem que a dignidade da
pessoa humana é o centro da ordem jurídica democrática, não há
como se afastar a centralidade do princípio em nosso Direito
Ambiental. Em anteriores edições de Direito Ambiental, o
princípio ora examinado foi denominado "princípio do direito
humano fundamental”. Examinando a questão com mais vagar e
profundidade, cheguei à conclusão de que havia um equívoco
básico. Princípio jurídico não se coníimde com direito. O
princípio jurídico servirá de base para o reconhecimento ou
declaração de um direito, jamais como o próprio direito.
Os princípios jurídicos (constitucionais ou não) sustentam
os direitos reconhecidos. E mais: em determinadas situações,
mesmo a inexistência de uma lei não servirá de obstáculo para
que um direito possa ser exercido. O direito estabelecido pelo
artigo 225 da Constituição é fundado no princípio da dignidade
da pessoa humana e somente nele encontra a sua justificativa
final.38"39 Sendo o princípio basilar, dele
38 CF: “Art. Ia A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: (...) III — a dignidade da pessoa humana;
(...)”
39 STF: HC 82424 QO/RS - QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS.
Relator: Min. MOREIRA ALVES; Reí. Acórdão Min. MAURÍCIO
CORRÊA. Tribunal Pleno DJU19-03-2004 p. 17 “HABEAS CORPUS.
PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME
IMPRESCRITÍVEL. CON- CEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1.
Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo
apologia de idéias preconceituosas e
discriminatórias’’contra a comunidade judaica (Lei 7.716/89,
artigo 20, na redação dada pela Lei 8.081/90) constitui
crime de racismo sujeito às cláusulas de inaSançabilidade e
imprescridbilidade (CF,
O Direito Ambiental
decorrem todos os demais subprincípios constitucionais, ou
princípios setoriais, tais como os princípios comumente
identificados como princípios de Direito Ambiental.
artigo 5a, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescrídbiUdade
geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que
contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a
exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência
da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a
definição e o mapeamento do genoma humano, dentiScamente não
existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da
pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras
características físicas, visto que todos se qualificam como
espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres
humanos. Na essência, são todos iguais. 4. Raça e racismo. A
divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de
conteúdo meramente político -social. Desse pressuposto
origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e
o preconceito segregacionista.. 5. Fundamento do núcleo,do
pensamento do nacio- nal-socialismo de que os judeus e os
aríanos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça
inferior, nefasta e infecta> características su&cientes para
justificar a segregação e o extermínio: inconciabihdade com os
padrões éticos e morais deSmdos na Carta Política do Brasil e
do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o
estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de
racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se
erige e se organiza a sociedade humana, baseada na res-
peitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica
convivência no meio social. Condutas e evocações aéacãs e
imorais que impEcam repulsiva ação estatal por se revestirem
de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento
mfraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do
Brasil a tratados e acordos mulülaterais, que energicamente
repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as
distinções entre os homens por restrições ou preferências
oriundas de raça, cór, credo, descendência ou origem nacional
ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo
sobre outro, de que sãó exemplos a xenofobia, “negrofobia",
“ishmafobia” e o anti-semitismo. 7. A CF de 1988 impôs aos
agentes de delitosdessa natureza, pela gravidade e
repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade,
para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio
e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo.
Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos,
etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de
modo a construir a deSnição jmídico-constitucional do termo.
Interpretação teleológica e sistêmica da CF, conjugando
fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que
regeram sua formação e aplicação, a Sm de obter-se o real
sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do
Brasil, as legislações de países organizados sob a égide do
estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu
ordenamento legal punições para delitos que estimulem e
propaguem segregação raciaL Manifestações da Suprema Corte
Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte
de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos, que consagraram
entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as
regras de boa convivência social com grupos humanos que
simbolizem a prática.de racismo. 10. A edição e publicação de
obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam
resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo
regime nazista, negadoras e subver- soras de fatos históricos
incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa
inferioridade e desqualiScação do povo judeu, equivalem à
incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, refor-
çadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se
baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo
agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada
premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do
que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e
pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como
deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que con-
figura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências
gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que imo se tem como absoluta. Limites
morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode
abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral
que implicam üidtude penal. 14. As liberdades públicas não são
incondicionais, por issó devem ser exercidas de maneira
harmônica, observados os limites definidos na própria CF (CF,
artigo 5a, § 2a, primeira parte). O preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao
racismo", dado que um direito individual não pode constituir-
se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os
delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15.
“Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este
tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória,
apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança
sobre o esquecimento." No estado de direito democrático devem
ser intransigentemente respeitados, os princípios que garantem
a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da
memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos
do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais
por motivos raciais
Direito Ambiental
O reconhecimento internacional do princípio da dignidade da
pessoa humana encontra guarida, por exemplo, nos princípios 1
e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972,40 sendo
posteriormente reafirmado pela Declaração do Rio, proferida na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Rio 92: “Princípio 1 - Os seres humanos
constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e
produtiva em harmonia com o meio ambiente
O Ser Humano, conforme estabelecido em nossa Constituição e
na Declaração do Rio - embora essa não tenha força obrigatória
é o centro das preocupações do Direito Ambiental que existe em
função do Ser Humano e para que ele possa viver melhor na
Terra. Este princípio precisa ser reafirmado com veemência,
pois é cada vez mais frequente a tentativa de estabelecimento
de uma igualdade linear entre as diferentes formas de vida
existentes sobre o planeta Terra, gerando situações extre-
mamente cruéis em desfavor das pessoas pobres e desprotegidos
da sociedade. A relação com os demais animais deve ser vista
de uma forma caridosa e tolerante, sem que se admitam a
crueldade, o sofrimento desnecessário e a exploração
interesseira de animais e plantas. Mas, evidentemente, não se
pode perder de vista o fato de que o Homem se encontra em
posição superior aos demais animais, haja vista a sua capa-
cidade de raciocínio, transformação consciente da natureza e
dado ao fato de que foi criado à semelhança de Deus e,
portanto, não pode se coníundir com os dentais animais. A
compaixão pelos animais é uma imposição para todos aqueles que
se acreditam frutos da criação divina, que a todos deu origem.
3.2.3. Princípio do desenvolvimento
O maior nível de instrumentos institucionais de proteção
ambiental é uma razão direta do maior nível de bem-estar
social e renda da população, ainda que sociedades mais ricas
consumam mais recursos ambientais e, portanto, em tese, gerem
mais degradação ambiental. Apesar desta constatação, as
principais declarações internacionais sobre meio ambiente
sempre levam em consideração a necessidade de desenvolvimento
econômico, que deverá ser realizado de forma sustentável.
Neste particular, é bem significativo o chamado Relatório
Brundtland, do qual destaco a seguinte passagem: “Mas isto não
basta. A administração do meio ambiente e a manutenção do
desenvolvimento impõem sérios problemas a todos os países.
Meio
de torpeza inominável. 16. A ausência, de prescrição nos
crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as
gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a
reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos gue a
consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem
denegada.”
40 Principio 1 - “O homem tem o direito fundamental à
liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar; e é
portador solene de obrigação de melhorar o meio ambiente,
para as gerações presentes e futuras...” Princípio 2 - “Os
recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo,
a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas
dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em
benefício das gerações atuais e futuras...”
I
O Direito Ambiental
ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados;
estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se
mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio
ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em
conta as consequências da destruição ambiental. Esses
problemas não podem ser tratados separadamente por
instituições e políticas fragmentadas. Eles fazem parte de um
sistema complexo de causa e efeito. ”41
Qualquer análise que se faça do estado do meio ambiente no
Brasil - e, nisto, nada temos de diferente dos demais países
do mundo — demonstrará que os principais problemas ambientais
se encontram nas áreas mais pobres e que as grandes vitimas do
descontrole ambiental são os mais desafortunados. De fato, há
uma relação perversa entre condições ambientais e pobreza.
Assim, parece óbvio que a qualidade ambiental somente poderá
ser melhorada com mais adequada distribuição de renda entre
membros de nossa sociedade, A propósito, o Brasil é signatário
da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que, no § ls
do artigo Ia, dispõe: "O direito ao desenvolvimento é um
direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e
todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele
contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
"Tal disposição deve ser interpretada conjuntamente com o § 1-
do artigo 2a, que define: “A pessoa humana é o sujeito central
do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e
beneficiário do direito ao desenvolvimento."
Há ainda que considerar que o conceito de desenvolvimento
tem alguns ele- mentos-chave como aquele que determina: “Os
Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas
necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e
devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para
todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de
saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição
equitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para
assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de
desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas. ”
A Declaração prossegue afirmando em seu artigo 9S que:
“Todos os aspectos do direito ao desenvolvimento estabelecidos
na presente Declaração são indivisíveis e interdependentes, e
cada um deles deve ser considerado no contexto do todo. ”
O princípio do desenvolvimento, como acima demonstrado,
materializa-se no direito ao desenvolvimento sustentável, que
se encontra presente em diferentes textos normativos nacionais
e internacionais. Há, evidentemente, tuna zona de fricção
entre o princípio do desenvolvimento e o chamado princípio da
precaução, como será adiante demonstrado. Compreender e
harmonizar ambos os princípios é essencial para que se possa
alcançar um nível ótimo de proteção ambiental.
41 Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Noiso Futuro Comum, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1988, p. 40.
Direito Ambiental
3.2.4. Princípio democrático
O DA tem uma das suas principais origens nos movimentos
reivindicatórios dos cidadãos. Logo, a democracia é uma de
suas bases mais caras e consistentes. O princípio democrático
encontra a sua expressão normativa especialmente nos direitos
à informação e à participação. Tais direitos encontram-se,
expressamente, previstos no texto da Lei Fundamental e em
diversas leis esparsas.
O DA, em seus aspectos regulatórios, depende da
Administração Pública, que tem no princípio da publicidade
administrativa um dos seus alicerces. Obviamente, o princípio
se faz presente também no conjunto de normas constitucionais
voltadas para a organização da proteção ao meio ambiente.
O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito de,
na forma da lei ou regulamento, participar das discussões para
a elaboração das políticas públicas ambientais e de obter
informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à
defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de
recursos ambientais e que tenham significativas repercussões
sobre o ambiente, resguardado o sigilo industrial. No sistema
constitucional brasileiro, tal participação faz-se por várias
maneiras diferentes, das quais merecem destaque:
(i) o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente;
(ii) o direito de opinar sobre as políticas públicas, através
de:
a) participação em audiências públicas, integrando órgãos
colegiados etc.;
b) participação mediante a utilização de mecanismos judiciais
e administrativos de controle dos diferentes atos praticados
pelo Executivo, tais como as ações populares, as
representações e outros;
c) as iniciativas legislativas que podem ser patrocinadas
pelos cidadãos. A materialização do princípio democrático
faz-se através de diversos instrumentos processuais e
procedimentais.
As iniciativas legislativas são:
a) Iniciativa Popular, prevista no artigo 14, inciso II, da
CF;
b) Plebiscito, previsto no artigo 14, inciso I, da Lei
Fundamental; e
c) Referendo, previsto no artigo 14, inciso II, da CF.
Medidas administrativas fundadas no princípio democrático:
a) Direito de informação. O artigo 5a, XXIII, da CF estabelece
que: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja indispensável à segurança da sociedade e do estado.”
O Direito Ambiental
A Lei n2 10.650, de 16 de abril de 2003, é especificamente
voltada para assegurar o direito à informação em questões de
meio ambiente.
b) Direito de petição. Previsto na alínea a do inciso XXIV
do artigo 5Ô da CF.
É a possibilidade que o cidadão tem de acionar o Poder
Público para que este, no exercício de sua autotutela, ponha
fim a uma situação de ilegalidade ou de abuso de poder.
Exemplo: exigir que o Estado puna o possuidor de um depósito
clandestino de produtos tóxicos.
c) Estudo prévio de impacto ambiental
É exigência constitucional prevista no § Ia, inciso IV, do
artigo 225 da CF, para toda instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente. O Estudo de Impacto Ambiental deve ser tomado
público. O EIA deve ser submetido à audiência pública. É
importante frisar que a exigência de Estudo de Impacto
Ambiental só é legal nas hipóteses em que o órgão ambiental
demonstre a potencialidade de um impacto negativo a ser
causado ao meio ambiente. A exigência da avaliação ambiental
prévia não se confunde com a exigência de prévio Estudo de
Impacto Ambiental.
Medidas judiciais fundadas no princípio democrático:
a) Ação popular
É ação constitucional, cuja finalidade é anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade da qual o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência. Ela tem sido muito utilizada e tem obtido
resultados bastante satisfatórios.42
42 TRF - PRIMEIRA REGIÃO. AGSS - AGRAVO REGIMENTAL NA
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - 01000386700. Processo:
200201000386700/MG. CORTE ESPECIAL: 09/12/2002. DJU:
18/06/2003, p. 45. DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE. AGRAVO
REGIMENTAL - SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - LIMINAR DEFERIDA EM
AÇÃO POPULAR - SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE LICENÇAS AMBIENTAIS
EXPEDIDAS PELO CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL PARA
EDIFICAÇÃO DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO DE CAPIM BRANCO I E II,
NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA, ESTADO DE MINAS GERAIS -
DISCUSSÃO SOBRE O DOMÍNIO DO RIO ARAGUARI - COMPETÊNCIA DO
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA PARA A EXPEDIÇÃO DA LICENÇA -
INTERESSE PÚBLICO E GRAVE LESÃO À ORDEM, À SAÚDE E À
ECONOMIA PÚBLICAS COM ESPEQUÉ, TÃO-SOMENTE, NA
ESSENCIALTOADE DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E NOS
BENEFÍCIOS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO. 1 — Embora em
Suspensão de Segurança não se analise, em princípio, questão
de mérito, cabe ao Presidente do Tribunal verificar, se
necessário, matéria de fundo, para convencer-se da existên-
cia ou não de ofensa aos bens jurídicos tutelados no art. 4a
da Lei n° 8.437/92. 3 - Não demonstrada, no caso, a
“flagrante ilegitimidade”, a Suspensão de Segurança não é
meio hábil à solução de pendenga atinente ao domínio do Rio
Araguari, se federal ou estadual, para aferir-se a
competência para licenciamento
Direito Ambiental
b) Ação Civil Pública
É ação constitucional (artigo 129, III) que somente pode ser
proposta por determinadas pessoas jurídicas ou pelo Ministério
Público, que são dotados de legitimação extraordinária para a
tutela dos interesses protegidos pela norma processual
constitucional.
3.2.5. Princípio da precaução
É dentre os princípios do Direito Ambiental aquele objeto
das mais acirradas polêmicas e debates, com grande repercussão
nos foros judiciais,43 na imprensa e em toda a sociedade. O
Direito Ambiental, diferentemente das áreas tradicionais do
mundo jurídico, é dotado de uma fortíssima característica
transdisciplinar, pois não reconhece fronteiras entre
diferentes campos do saber humano. Muitas áreas do
conhecimento humano estão diretamente envolvidas nas questões
ambientais e, por consequência, repercutem no contexto
normativo do meio ambiente. Em vários casos, a norma deve
incidir sobre realidades factuais e se localizam na fronteira
da investigação científica e, por isso, nem sempre a ciência
pode oferecer ao Direito a tranquilidade da certeza. Aquilo
que hoje é visto como inócuo amanhã poderá ser considerado
extremamente perigoso e vice-versa.
3.2.5.1. Gênese do Princípio da Precaução
O Princípio da Precaução tem origem no Direito Alemão e,
certamente, é uma de suas principais contribuições ao DA. Foi
na década de 70 do século XX que o Direito alemão começou a se
preocupar com a necessidade de avaliação prévia das
consequências sobre o meio ambiente dos diferentes projetos e
empreendimentos que se encontravam em curso ou em vias de
implantação. Daí surgiu a ideia de precaução. A concepção foi
incorporada no projeto de lei de proteção da qualidade do ar
que, finalmente, foi aprovado em 1974 e que estabelecia
controles para uma série de atividades potencialmente danosas,
tais como ruídos, vibrações e muitas outras relacionadas à
limpeza atmosférica. Na sua formulação original, o princípio
estabelecia que a precaução era desenvolver em todos os
setores da economia processos que reduzissem
significativamente as cargas ambientais, principalmente
aquelas originadas por substâncias perigosas.44 Outras
formulações do Princípio foram sendo cons-
ambiental, nem para avaliar o cabimento de Ação Popular na
espécie. 3 — 0 interesse público e a grave lesão à ordem, à
saúde e à economia públicas, alegados pela Agravada basearam-
se, tão-somente, na essen- cialidade do serviço de energia
elétrica e nos benefícios decorrentes da construção das Usinas
Capim Branco I e II, fatores que, mesmo somados à questão
relativa ao aspecto econômico, isoladamente, principalmente no
caso, em que não foram comprovados ou quantificados eventuais
prejuízos àqueles bens, não autorizam a Suspensão da
Segurança. 4 - Agravo Regimental rejeitado. 5 - Decisão
confirmada.
43 O sítio do Conselho da Justiça Federal
(http://www.jf.gov.br/juris/?) registra 62 entradas para
"principio da precaução”, conforme visita realizada aos
28.08.2007.
44 Http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001395/139578e.pdf,
capturado aos 13 de junho de 2007.
O Direito Ambiental
traídas e, em pouco tempo, o Vorsorgeprinzip se expandiu para
o Direito Internacional e para diversos direitos internos,
inclusive o brasileiro. Apesar disso, é importante ressaltar
que não existe ton consenso internacional quanto ao seu
significado. Contudo, é possível identificar nas diferentes
visões alguns pontos comuns, como por exemplo: "A total ban
may not be a proportional response to a potential risk in all
cases” como ressaltado no documento da Unesco elaborado sobre
a matéria.
3.2.5.2. Breve definição
Ante a inexistência de um consenso, entre estudiosos e
partes envolvidas, a respeito do conteúdo concreto do
princípio da precaução, há tendência à adoção de uma definição
negativa do princípio, ou definição do que ele não é: “To
avoid misunderstandings and confusions, it is useful to
elaborate on what the PP is not. The PP is not based on ‘zero
risks’ but aims to achieve lower or more acceptable risks or
hazards. It is not based on anxiety or emotion, but is a
rational decision rule, based in ethics, that aims to use the
best of the systems sciences' ofcomplex processes to make
wiser decisions. Finally, like any other principle, the PP in
itself is not a decision algorithm and thus cannot guarantee
consistency between cases. Just as in legal court cases, each
case will be somewhat different, having its own facts,
uncertainties, circumstances, and decision-makers, and the
element of judgment cannot be eliminated
Desnecessário dizer que, ao se estabelecer a precaução como
principio, esta não pode ser interpretada como uma cláusula
geral, aberta e indeterminada. É necessário que se defina o
que se pretende prevenir e qual o risco a ser evitado. Isto,
contudo, só pode ser feito diante da análise das diferentes
alternativas que se apresentam para a implementação ou não de
determinado empreendimento ou atividade, A precaução,
inclusive, deve levar em conta os riscos da não-implementação
do projeto proposto.
Rodrigues expressa muito bem a concepção de boa parte da
doutrina: “Tem se utilizado o postulado da precaução quando
pretende-se evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos
de incerteza científica acerca da sua degradação. Assim,
quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao
meio ambiente acerca de qualquer conduta que pretenda ser
tomada (ex. liberação e descarte de organismo geneticamente
modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou
defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.),
incide o princípio da precaução para prevenir o meio ambiente
de um risco futuroZ’45
Na verdade, na concepção acima, há uma visão unilateral do
risco e este é confundido com o próprio dano. Se tomarmos como
exemplo o DDT, que vem sendo fortemente combatido desde a
publicação de Silent Spring de Rachel Carson,40 em função de
alegados danos à saúde humana e ao meio ambiente, poderemos
ver que a
45 Marcelo Abelha Rodrigues, Insátuições de Direito Ambiental,
Vol. J (parte geral), São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 150.
46 Http://www.rachelcarsorLorg/.
Direito Ambiental
sua virtual eliminação causou danos muito maiores do que a
continuidade de seu uso de forma adequada, conforme tem sido
reconhecido por pesquisadores da área médica quando
relacionados com os problemas de malária: “O controle
sistemático de combate aos vetores da doença iniciou-se na
Amazônia, em 1945, nas localidades de Breves e Santa Mônica,
Pará. Em setembro de 1947, já havia sido utilizado em outras
locahdades do estado, no estado do Amazonas e em Guaporé
(atual Rondônia) e Amapá, territórios federais na época.
Segundo Roberts, o reaparecimento da malária na América do Sul
deve-se ao fato de os países terem deixado de utilizar DDT nos
programas de controle. Os dois únicos países onde a malária
não reapareceu foram Venezuela e Equador, devido ao fato de o
DDT não ter sido proibido. Alguns mala- riologistas argumentam
que a aplicação dentro de residências, que seria prejudicial à
saúde humana, não é convincente. E que em vários países o uso
de inseticidas orga- noclorados é o único meio economicamente
viável de controle, assim como para a leishmaniose. Seus
escassos orçamentos para as campanhas de saúde não
possibilitariam substituir satisfatoriamente os inseticidas
organoclorados, tendo em vista os preços mais elevados de
possíveis alternativas. ”47
Um dos pontos centrais da argumentação em favor de uma
aplicação maximalista do Princípio da Precaução é a chamada
equidade intergeracional, de forma que as nossas ações
presentes devem ser pautadas por um comportamento ético em
relação às gerações do porvir.
Kiss,48 justamente considerado um dos maiores autores
mundiais do Direito Ambiental, com o pragmatismo cartesiano
que caracteriza a cultura francesa, assim trata do assunto: “O
enfoque inicial do direito das gerações futuras levou à
conclusão de que o direito buscou proteger as opções que temos
atualmente e procurou transmiti-las às gerações futuras.
Entretanto, essa abordagem não é necessariamente satisfatória
porque coloca excessiva ênfase nos deveres da geração
presente. Não considera o fato de que a própria natureza do
conceito exige que seja aplicado ao longo dos séculos. Como
pode a mesma quantidade de espaço, de regiões naturais, de
água limpa, de animais selvagens ser garantia para infinitas
gerações com número cada vez maior de indivíduos? Deve o mundo
ser transformado em um museu ocupado sempre com maior número
de monumentos, de artefatos e locais históricos? Mesmo se a
humanidade atual pudesse aceitar essa abordagem, não poderia
ser aceitável para as gerações futuras. Como podemos saber as
preferências das gerações futuras daqui a, por exemplo,
cinquenta ou cem anos?”
Como ainda não temos a capacidade de prever o futuro, é
extremamente difícil imaginarmos qual o pensamento das
gerações de amanhã com as nossas atitudes de hoje. Aliás, do
ponto de vista ético, a prevenção do que ainda não ocorreu é
muito
47 Claudio D'AMATO; João P. M TORSES; Olaf MALM,. DDT
(dicMorodiphenyitrichloroethane): toxicity and environmental
contamnation - a review. Quito. Nova., São Paulo, v. 25, n.
6a, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scieIo.php?script=sd_amext&pid=SO 100
40422002000600017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 June 2007.
Pré~publicação.
48 Alexandre Kiss. Os direitos e interesses das gerações
faturas e o princípio da precaução, in Marcelo Dias Va- reüa e
Ana Flavia Barros Plautau. Princípio da precaução. ESMPU/Del
Rey: Belo Horizonte. 2004, p. 7 {2).
“““ I
complexa, pois o futuro pode não ser exatamente como
imaginamos que ele será. Um excelente ensaio sobre a questão
da previsão do faturo e da antecipação do que poderá ocorrer
nos é dado pelo notável conto Minority Report.4®
Na versão cinematográfica, a história é mais ou menos assim:
"Washington D.C., 2054. Há seis anos que se encontra em
funcionamento o departamento poúcial de Pré-Crime, que recorre
a três indivíduos com poderes psíquicos que, Hgados a um
sistema informático, conseguem prever com exatidão a
ocorrência de homicídios. Tal leva a uma virtual erradicação
destes crimes em Washington e há planos para ampliar o
programa para todos os Estados Unidos. John Anderton (Cruise),
o chefe do departamento, dedica-se de corpo e alma ao projeto,
no qual acredita piamente, depois de uma tragédia que levou à
desintegração da sua família. Danny Witwer (Farrell) é um
agente do FBI determinado a encontrar falhas no sistema, antes
do mesmo passar a ter âmbito nacional. Certo dia, Anderton vê-
se forçado a pôr em causa o sistema em que depositou a sua fé
e a fugir para conseguir provar ser inocente de um crime que
ainda não cometeu”50
Ainda que voltado para o Direito Penal, as circunstâncias do
conto podem ser pensadas em termos de precaução ambiental e da
sua relação com os princípios constitucionais da presunção de
inocência, do devido processo legal e muitos outros. Será que
o Princípio da Precaução pode ser alargado até o ponto de
criar uma presunção de culpa antes do evento danoso ter
ocorrido? Será que a simples possibilidade de determinadas
atividades virem a ser exercidas e a inexistência de uma
certeza absoluta quanto aos seus efeitos podein determinar uma
presunção de nocividade? Estas são questões que ainda não
foram respondidas.
* * *
Um aspecto do Princípio da Precaução que tem sido muito
pouco ressaltado é que prevenir riscos ou danos implica
escolher quais os riscos ou danos pretendemos prevenir e quais
aceitamos correr. Se feita racionalmente a escolha,
escolheremos o risco menor em preferência ao maior. Contudo,
nem sempre as escolhas são feitas racionalmente, pois a
percepção do risco nem sempre guarda alguma relação com o
risco real e, muitas vezes, a escolha é feita com base na
percepção è não no risco real. Pensemos no seguinte exemplo: O
risco de se morrer afogado ao se tomar banho em lima banheira
é, por exemplo, inúmeras vezes maior do que o risco de
acidente nuclear, que é de 10-14. Segundo o Harvard Center for
Risk Analisys,51 um tenor de banheiro corre o risco de 1 em
840.000 chances de morrer afogado. Muito maior do que o “risco
nuclear”. Por outro lado, ser atingido por um raio implica um
risco de 1 para 3 milhões, segundo a mesma fonte.
49 Phillip K. Dick Minority Report: a nova lei (tradução de
Ana Luiza Borges). Rio dé Janeiro: Record. 2002,
pp. 11-62.
50 Http://www.cinedíe.com/mmority_report-hcm) capturado aos 15
de junho de 2007.
51 Http://www.hcra.harvard,edu/quiz.html, capturado aos 14 de
junho de 2007.
Direito Ambiental
Se com base no Princípio da Precaução tomamos uma atitude
contrária à energia nuclear, não podemos utilizá-lo contra os
combustíveis fósseis, visto que consideramos como risco maior
a energia nuclear. Por outro lado, se o utilizamos contra os
combustíveis fósseis, pois temos fundados receios quanto ao
aquecimento global, não podemos nos insurgir contra as
hidrelétricas. Contudo, julgamos necessário que o princípio da
precaução seja utilizado para a defesa da diversidade
biológica, logo não podemos argumentar contra o nuclear ou os
combustíveis fósseis. Na verdade, tais dilemas só existem
quando não estamos preparados, como sociedade, para enfrentar
os custos de nossas decisões e fazer as escolhas necessárias,
arcando com as consequências que daí advêm. A incapacidade de
escolher nos leva à paralisia, como no poema da grande Cecília
Meireles.
Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem
chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não
se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, quem ãca no chão não sobe
nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em
dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e
gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . . e vivo escolhendo o
dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico
tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou
aquilo.
Hoje é uma prática recorrente que, em matéria de prevenção
de risco, se opere com o chamado cenário do pior caso. Até que
ponto isto é racional? O pior cenário é uma probabilidade, não
uma fatalidade. Entretanto, a consideração da probabilidade
nem sempre é levada em conta e a mera possibilidade de danos
se transforma em dano atual e não meramente potencial.
“Probability neglect is especially large when
I
ts&J - tnsno 5®ers5r8asaa Juns&s
O Direito Ambiental I
people focus on the worst possible case or otherwise are
subject to strong emotion”, conforme o lúcido comentário de
Sunstein. 52
Um exemplo interessante que Sunstein oferece é o caso da
proibição e substituição dos asbestos nas escolas de Nova
Iorque. Segundo o autor, a medida era muito popular e, na
verdade» foi solicitada pelos pais do alunos. Como ele nos
informa, o risco de uma criança contrair câncer devido aos
asbestos era 1/3 do risco de que ela fosse atingida por um
raio. “But when it emerged that the removal would cause
schools to be closed for a period of weeks, and when the
closing caused parents to become greatly inconvenienced,
parental attitudes turned right around, and asbestos removal
seemed like a really bad idea. As the costs of the removal
came onscreen, parents thought much more like experts, and the
risks of asbestos seemed tolerable. Statistically small, and
on balance worth incurring.”53 Não se tome a afirmativa como
verdade absoluta, mas pensemos um pouco sobre ela.
Em nossa vida diária buscamos evitar os riscos conhecidos,
muito embora não vivamos tentando evitar os riscos
desconhecidos - ou as surpresas. Evitamos andar em locais cujo
índice de criminalidade seja elevado, muito embora não
demonstremos preocupação ao caminharmos no Jardim Botânico. A
segunda hipótese indica uma preocupação desnecessária.
Admitimos que algo possa ocorrer, todavia a probabilidade é de
tal maneira remota que não chega a justificar uma preocupação
real. As balas perdidas são motivos suficientes para que não
saiamos de casa?
A mesma lógica deve presidir a aplicação do chamado
princípio da precaução, se é que estejamos falando do
princípio como medida racional para evitar danos possíveis e
prováveis. Não se pode esquecer, também, o papel que o
princípio exerce como um elemento relevante na guerra
comercial entre empresas e países.
3.2.53. Rio 92 e Princípio da Precaução
O grande lançamento internacional do Princípio da Precaução
ocorreu com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - CNU- MAD, que ficou conhecida
como Rio 92. Na oportunidade, foi proclamada a Declaração do
Rio que, muito embora não seja juridicamente vinculante para
os seus signatários, tem gozado de enorme prestígio e servido
de inspiração para grande parte das normas que foram
produzidas posteriormente.
O Princípio da Precaução foi redigido como o princípio
número 15 da Declaração do Rio da seguinte maneira: “De modo a
proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas
capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis. a ausência de absoluta certeza científica
[grifo PBA] não deve ser utilizada como razão para pos
52 Cass R. Sunstein, laws of Fear — Beyond the Precautionary
Principle, Cambridge: Cambridge University Press. 2005.
53 Cass R. Sunstein, Laws of Fear - Beyond the Precautionary
Principle, Cambridge: Cambridge University Press. 2005, p.
48.
Direito Ambiental
tergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir
a degradação ambiental”.
Vários documentos internacionais dotados de força
obrigatória têm expressamente assumido o Princípio da
Precaução como um de seus fundamentos. Permito- me citar
alguns:
Protocolo de Cartagena: É um documento internacional que
encontra suas origens na Convenção sobre Diversidade
Biológica, cujo objetivo fundamental é estabelecer normas de
biossegurança no que se refere à transferência, à manipulação
e ao uso dos organismos vivos modificados (OVMs) resultantes
da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica,
levando em conta os riscos para a saúde humana, decorrentes do
movimento transfronteira. Tal documento foi promulgado pelo
Decreto 5.705, de 16 de fevereiro de 2006.
Convenção de Estocolmo Sobre Poluentes Orgânicos
Persistentes. Tal Convenção, promulgada pelo Decreto 5.472, de
20 de junho de 2005, estabelece em seu artigo lô que: “Tendo
presente o Principio da Precaução consagrado no Princípio 15
da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o
objetivo da presente Convenção é proteger a saúde humana e o
meio ambiente dos poluentes orgânicos persistentesEsta mesma
Convenção, na sua Parte IV, reconhece que a utilização das
melhores técnicas disponíveis para prevenir a liberação de
poluentes orgânicos persistentes deve levar em conta uma
análise custo-benefício quando da aplicação de medidas de
precaução e prevenção. "O conceito de melhores técnicas
disponíveis não está dirigido a uma técnica ou tecnologia
específica, mas deve levar em conta as características
técnicas da instalação em questão, sua localização geográfica
e as condições ambientais locais. As técnicas apropriadas de
controle para reduzir hberações das substâncias químicas
relacionadas na Parte I são em geral as mesmas. Na
determinação das melhores técnicas disponíveis, consideração
especial deve ser dada, em geral ou em casos específicos, aos
seguintes fatores, tendo em mente os prováveis custos e
benefícios de uma medida e as considerações de precaução e
prevenção fgrifo PBA1. ” 54
O artigo le refere-se à abordagem da precaução, o que
claramente indica uma forma de compreender o problema, não uma
norma jurídica cogente. “De acordo com a abordagem de
precaução [grifo PBA] contida no Princípio 15 da Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o objetivo do
presente Protocolo é de contribuir para assegurar um nível
adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação
e do uso seguro dos organismos vivos modificados resultantes
da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica,
levando em conta os riscos para a saúde humana e enfocando
especificamente os movimentos transfronteiriços. Observa-se
54 Http://ww\v2.mre.gcv.br/daj/in__5472_2005.htm, capturado
aos 13 de junho de 2Ó07.
O Direito Ambiental j
que o Protocolo “encoraja” as Partes a levarem em consideração
os avanços científicos com vistas à proteção do meio ambiente
e da saúde humana: “As Partes são encorajadas a levar em
consideração, conforme o caso, os conhecimentos
especializados, os instrumentos disponíveis e os trabalhos
realizados nos fóruns internacionais competentes na área dos
riscos para a saúde humana.”
Verifica-se, sem grande dificuldade, que a comunidade
internacional tem oscilado na adoção do nomen jurís princípio
da precaução, abordagem de precaução e considerações de
precaução, sendo certo que a denominação princípio tem sidp
adotada preferentemente em documentos em força obrigatória.
Uma primeira exegese do texto do princípio n? 15 da
Declaração do Rio nos indica que:
(i) O critério da precaução não é um critério (princípio)
definido pela ordem internacional, mas, ao contrário, é um
princípio que se materializa na ordem interna de cada
Estado, na exata medida das capacidades dos diferentes
Estados. Ou seja, a aplicação de tal princípio deve levar em
conta o conjunto de recursos disponíveis, em cada um dos
Estados, pa^a a proteção ambiental, considerando as
peculiaridades locais. Em outras palavras, as medidas
adotadas para prevenir a poluição atmosférica em Hamburgo
não são as mesmas necessárias para uma pequena cidade no
interior da Costa Rica.
(ii) A dúvida sobre a natureza nociva de uma substância não
deve ser interpretada como se não houvesse risco. A dúvida,
entretanto, não se confunde com a mera opinião de leigos ou
"impressionistas”. A dúvida, para fins de que se impeça uma
determinada ação, é fundada em análises técnicas e
científicas, realizadas com base em protocolos aceitos pela
comunidade internacional. O que tem ocorrido é que; muitas
vezes, uma opinião isolada e sem a necessária base
científica tem servido de pretexto para que se interrompam
projetos e experiências importantes. Dúvida é um elemento
fundamental no avanço da ciência, pois sem ela ainda
acreditaríamos na quadratura da Terra. Todo conhecimento
científico é sujeito à dúvida. O que não admite a dúvida é o
dogma religioso que pertence a um domínio diferente da vjda
humana, que é o campo da fé. É evidente que, se do ponto de
vista científico existir uma dúvida - que não se confunde,
repita-se, com um palpite -, as medidas de precaução deverão
ser tomadas.
O princípio não determina a paralisação da atividade, mas
que ela seja realizada com os cuidados necessários, até mesmo
para que o conhecimento científico possa avançar e a dúvida
ser esclarecida.
O grupo ambientalista Greenpeace define o princípio da
seguinte forma: “Não emita uma substância se não tiver provas
de que ela não irá prejudicar o meio ambiente.*55 A
compreensão, em meu ponto de vista, é equivocada, pois a
quanti
55 Jeremy Legget (org.), Aquecimento global— o relatório do
Greenpeace, Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 425.
Direito Ambiental
dade de substâncias inócuas para o meio ambiente é muito
pequena, talvez inexistente, Por outro lado, não existe
nenhuma certeza de que uma determinada substância não irá
prejudicar o ambiente, pois a verdade científica é
historicamente determinada, mediante a adoção de certos
critérios aceitos pela comunidade científica internacional.
Não há atividade humana que possa ser considerada isenta de
riscos; o que a humanidade faz, em todas as suas atividades, é
uma análise de custo e benefício entre o grau de risco
aceitável e o benefício que advirá da atividade. Se vou
almoçar em um restaurante, não tenho nenhuma garantia de que a
minha refeição não será envenenada. Entretanto, considero a
qualidade do restaurante, o fato de que não possuo — ou julgo
não possuir inimigos que fossem capazes de me envenenar - e
considero desprezível a possibilidade de que o cozinheiro seja
louco para colocar veneno no prato de refeição. Portanto,
almoço em um restaurante. Caso estivesse ocorrendo uma onda de
envenenamentos em restaurantes, a situação seria totalmente
diversa. Se estudos preliminares demonstram ser muito pequena
a possibilidade de um dano, nada justifica que a medida não
seja tomada, até para que possa servir como medida de estudo.
3.2.5.4. Constituição e Princípio da Precaução
O surgimento das questões ambientais no mundo do Direito é
um fato extremamente importante e que tem gerado as mais
relevantes consequências na vida prática das pessoas e
empresas. É indiscutível que as justas necessidades da
proteção do meio ambiente precisam se compatibilizar com os
princípios constitucionais que regem a ordem jurídica
democrática, muito embora nem sempre isto ocorra. De fato, a
proteção ao meio ambiente deve ser entendida dentro do
conjunto de normas e princípios constantes da Constituição e
da ordem jurídica em geral, harmonizando- se com o texto
constitucional. Como se sabe, não há, em princípio, hierarquia
entre os diversos direitos e garantias assegurados pela Norma
Fundamental aos cidadãos, gozando todos a mesma dignidade
constitucional.
A CF, por força do artigo l2, III, erigiu a “dignidade da
pessoa humana” como um dos princípios fundamentais da nossa
República. Isto significa que, do ponto de vista jurídico-
ambiental, o constituinte originário fez uma escolha
indiscutível pelo chamado antropocentrismo, ou seja, entendeu
que o Ser Humano é o centro das preocupações constitucionais e
que a proteção do meio ambiente se faz como uma das formas de
promoção da dignidade humana. Aliás, isso resulta claro da
simples leitura do caput do artigo 225, quando é estabelecido
o dever de defesa e preservação do meio ambiente para as
“presentes e futuras gerações” Os princípios do direito
ambiental, quando analisados sob o ponto de vista
constitucional, são princípios setoriais (pois pertencentes a
um único ramo do direito) e que devem se submeter aos
princípios constitucionais mais amplos. O chamado princípio da
precaução é, assim, um princípio setorial que não pode se
sobrepor aos princípios constitucionais mais abrangentes como
aqueles previstos no artigo Ia da CF, devendo ser harmonizados
com os demais princípios, tais como a ampla defesa, a isonomia
e tantos outros.
O Direito Ambiental
Em termos práticos, como se deve proceder diante de uma
fundada incerteza quanto aos efeitos que uma determinada
intervenção sobre o meio ambiente pode acarretar? Como deve
ser aplicado o princípio da precaução? Em primeiro lugar, há
que se consignar que o princípio da precaução encontra uma
expressão concreta nos sete incisos do § l2 do artigo 225 da
CF, ou seja, naqueles incisos existem determinações para que o
Poder Público e o legislador ordinário definam meios e modos
para que a avaliação dos impactos ambientais seja realizada e
que sejam evitados - tanto quanto possível - danos ao meio
ambiente. Fora dessas circunstâncias, a aplicação do princípio
da precaução não pode ocorrer de forma imediata e sem uma base
legal que a sustente.
A expressão normativa do princípio da precaução se
materializa nas diversas normas que determinam a avaliação dos
impactos ambientais dos diferentes empreendimentos capazes de
causar lesão ao meio ambiente, ainda que potencialmente. Não
há qualquer previsão legal para uma aphcação genérica do
princípio da precaução, sob o argumento de que os superiores
interesses da proteção ambiental assim o exigem. De feto, é
muito comum que, na ausência de norma específica para o
exercício de uma determinada atividade, a administração
pública se socorra de uma equivocada interpretação do
princípios da precaução para criar obstáculos a tal atividade,
violando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, da prevalência dos valores do trabalho e da hvre-
iniciativa e frustrando os objetivos ümdamentais da República,
quais sejam, garantir o desenvolvimento nacional (CF, art. 35,
II) e erradicar a pobreza e marginalização (CF, art. 3Q, III).
Juridicamente, o princípio da precaução, como mero princípio
setorial, não pode se sobrepor, por exemplo, aos princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, art. I2, III), dos valores
sociais do trabalho e da Iivre-ini- ciatíva (CF, art. I3, IV).
Isso para não se falar na impossibilidade de sobreposição de
outros princípios setoriais, tais como o da legalidade (CF,
art. 37), com os quais deve se harmonizar, visto que
hierarquicamente nivelados.
A única aplicação juridicamente legítima que se pode fazer
do princípio da precaução é aquela que leve em consideração as
leis existentes no País e que determine a avaliação dos
impactos ambientais de uma certa atividade, conforme a
legalidade infraconstitucional existente. Infelizmente, tem
havido uma forte tendência a se considerar que o princípio da
precaução é um superprincípio que se sobrepõe aos princípios
fundamentais da República, tal como estabelecidos pela própria
CF, o que, evidentemente, é uma grave ruptura da legalidade
constitucional e prova de precário conhecimento jurídico. Ante
a possível existência de conflito entre uma norma legal
expressa e um princípio setorial, há que prevalecer a norma
positivada, salvo se ela se apresentar maculada pela
inconstitucíonalidade. Observe-se que, no caso, não se trata
propriamente da prevalência de um princípio setorial, mas de
uma afronta à Constituição, o que é uma preliminar
inafastável.
O princípio da precaução tem sido prestigiado pelo
legislador brasileiro que, em muitas normas positivadas,
determina uma série de medidas com vistas à avaliação dos
impactos ambientais reais e potenciais gerados pelos
diferentes empreendimentos. Ainda que extremamente relevante -
o que é reconhecido por toda a doutrina brasileira e pelo
nosso ordenamento jurídico o princípio da precaução não é
dota-
Direito Ambiental
do de normatividade capaz de fazer com que ele se sobreponha
aos princípios da legalidade (um dos princípios setoriais
reitores da administração pública) e, especialmente, aos
princípios fundamentais da República, repita-se. A aplicação
do princípio da precaução somente se justifica
constitucionalmente quando observados os princípios
fundamentais da República e ante a inexistência de norma capaz
de determinar a adequada avaliação dos impactos ambientais.
Fora de tais limites, a aphcação do princípio da precaução se
degenera em simples arbítrio.
3.2.5.5. Princípio da Precaução e litígios judiciais
Como foi visto acima, o princípio da precaução tem sido
bastante invocado judicialmente. Em linhas gerais, podemos
identificar três tendências judiciárias, a saber: (i) posição
maximalista, (ii) posição minimalista e (iii) posição
intermediária. A posição maximalista é aquela que entende que
o Princípio da Precaução é aplicável como medida cautelar
independentemente da natureza dos danos que teoricamente devem
ser evitados. O maximalismo trata o Princípio da Precaução
como um princípio que ultrapassa os demais e não é limitado
por nenhum tipo de norma legal ou administrativa que o
anteceda. Já a concepção minimalista é aquela que afasta quase
que completamente a aphcação do Princípio da Precaução, pois
considera que as necessidades econômicas são mais relevantes
e, portanto, devem ser consideradas como prioritárias.
A posição intermediária busca estabelecer um mecanismo de
equilíbrio entre todos os diferentes aspectos envolvidos no
caso concreto, privilegiando a racionalidade e a solução de
compromisso entre os diferentes atores. Para tal concepção, o
Princípio da Precaução não pode ser considerado como um
instrumento de paralisação das atividades e das pesquisas. Ela
determina á adoção de medidas de controle e monitoramento para
a realização de uma determinada atividade, jamais a sua
paralisação pura e simples, salvo com a possibilidade real de
existência concreta de danos.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, por diversas vezes,
tem enfrentado a questão da aphcação do Princípio da
Precaução. Não há, contudo, uma interpretação uniforme na
Corte sobre o seu signifícado e, sem dúvida alguma, as
decisões têm sido muito influenciadas pelas circunstâncias
econômicas concretas e pelas condições de competitividade da
economia europeia dentro da realidade de mercado de cada um
dos diferentes produtos.56 Merece ser sublinhado que a União
Europeia57 reconhece expressamente o Princípio da Precaução
como um dos instrumentos de análise de suas políticas
ambientais, conforme disposição constante do artigo 174 do
Tratado de
56 Http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-
bin/form.pl?lang=pt&Subniit=Pesquisar&alldocs=all-
docs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&docjo=docjo&numaff=&d
atefs=&datefe=&n.omu-
suel=&domame=&mots=%22principio+da+precau%C3%A7%C3%A3o%22&re
smax=100, capturado aos
13 de junho de 2007.
57 http ://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2Q06/ce32
l/ce32120061229pt00010331.pdf, capturado aos
14 de junho de 2007.
O Direito Ambiental
Maastricht,58 muito embora a interpretação do princípio seja
ponto de relevantes controvérsias: “Embora as instituições
comunitárias possam, no âmbito da Diretiva 70/524, adotar uma
medida fundada no princípio da precaução, as partes não estão
aqui, todavia, de acordo sobre a interpretação deste princípio
e sobre a questão de saber se as instituições comunitárias o
aplicaram corretamente no caso vertente. ” Isto significa que
mesmo onde o Princípio da Precaução é expressamente admitido
como uma fonte de direito a questão é problemática. Aliás,
mesmo na Europa não há uma definição consensual quanto ao seu
significado: "Nem o Tratado nem o direito derivado aplicável
ao caso sub judice contêm qualquer definição do princípio da
precaução”,
Os riscos, como definido pelo Tribunal, não podem ser meras
alegações sem uma base fática ou científica sólida: “Do mesmo
modo, no contexto da aplicação do princípio da precaução, que
corresponda por hipótese a uma situação de incerteza especí-
fica, não se pode exigir que uma avaliação dos riscos forneça
obrigatoriamente às instituições comunitárias provas
científicas concludentes da realidade do risco e da gravidade
dos efeitos adversos potenciais em caso de efetivação deste
risco [grifo PBA]...
Todavia, resulta igualmente da jurisprudência já referida no
n 152 supra que uma medida preventiva não pode ser validamente
8
11
■il
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Capítulo IV Política e Sistema Nacional de Meio Ambientei
O SISNAMA é o conjunto de órgãos e instituições vinculadas
ao Poder Executivo que, nos níveis federal, estadual e
municipal, são encarregados da proteção ao meio ambiente,
conforme definido em lei. Além do SISNAMA, cuja estruturação é
feita com base na lei da PNMA, muitas outras instituições
nacionais têm importantes atribuições no que se refere à
proteção do meio ambiente. Vejamos, em apertada síntese, a
atividade desempenhada pelas diferentes instituições.
1. O Papel de Cada um dos Poderes da República
Cada um dos diferentes Poderes da República tem uma tarefa
específica a desempenhar na proteção ao meio ambiente.
Contudo, o papel mais relavante é o do Executivo. Em uma
sociedade democraticamente organizada, a divisão dos Poderes
políticos é um importante elemento para a proteção dos
cidadãos contra o abuso de poder.2 Este é o sistema adotado por
nossa Constituição. A CRFB, em seu artigo 2a, estabelece que:
1 Os leitores que desejarem uma informação mais pormenorizada
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente poderão encontrá-
la em Paulo de Bessa Antunes. Política Nacional do Meio
Ambiente - Comentários à Lei ns 6.938, de 31 de agosto de
1981. Rio de Janeiro: Luraen Juris, 2005.
2 STF - MS 23452 / RJ. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Tribunal
Pleno. DJU: 12-05-2000, p. 20. EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR
DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, § 3») -
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE
JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR
AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E
TELEFÓNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO,
ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE
SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO -
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. - Compete ao STF processar e
julgar, em sede originária, mandados de segurança e habeas
corpus impetrados contra Comissões Parlamentares de
Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no
de qualquer de suas Casas. É que a Comissão Parlamentar de
Inquérito, enquanto projeção orgânica do Poder Legislativo
da União, nada mais é senão a longa manos do próprio
Congresso Nacional ou das Casas que o compõem, sujeitando-
se, em consequência, em tema de mandado de segurança ou de
habeas corpus, ao controle juiisdicíonal originário do STF
(CF, art. 102, I, “d” e “i”). Precedentes. O CONTROLE
JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR
DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder,
além de derivar da necessidade de conter os excessos dos
órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o
princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui
o meio mais adequado para tomar efetivos e reais os direitos
e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio,
que tem assento no art. 2° da Carta Política, não pode
constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto
protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte
de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer
instituição estatal. - O Poder Judiciário, quando intervém
para assegurar as Aanquias constitucionais e para garantira
integridade e a supremacia da Constituição,
Direito Ambientai
São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Evidentemente que, na proteção ambiental, cada um dos
Poderes terá um papel a desempenhar. Ao Executivo, estão
afetadas as tarefas de licenciamento e controle das atividades
utilizadoras de recursos ambientais. Ao Legislativo, compete a
elaboração de leis, a fixação dos orçamentos das agências
ambientais e controle das atividades desempenhadas pelo
Executivo. Ao Judiciário, compete a revisão de todos os atos
administrativos praticados pelo Executivo que tenham
repercussão sobre o meio ambiente e o controle da
constitucionaUdade das normas elaboradas pelos demais Poderes.
Ao Judiciário, está reservada, ainda, a importante missão de
ser o instrumento pelo qual o povo poderá contestar medidas
adotadas pelo Executivo e pelo Legislativo que, eventualmente,
prejudiquem a qualidade ambiental. É através do Judiciário que
os cidadãos interessados poderão contra-arrestar decisões
administrativas que não se enquadrem nas normas
constitucionais e legais. O Ministério Público, cuja função é
eminentemente ativa, tem por tarefa a integral fiscalização
dos atos e procedimentos dos Poderes Públicos para, em caso de
violação da legalidade, acioná-los judicialmente.
1.1. Atribuições do Congresso Nacional
O sistema constitucional brasileiro atribui ao Congresso
Nacional toda tuna série de atribuições fundamentais para a
proteção do meio ambiente. O artigo 48 da CF determina que:
Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da
República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49,
51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da
União...
desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que
lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício
da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado
pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da
separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afir-
mar, na hipótese de desvios jurídico-constimcionais nas quais
incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício
da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação
de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da
República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE
ORDEM POLÍTJCO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO. - O
sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da
limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo
destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de
poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano
políúco-jurídico, a possibilidade de dominação institucional
de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da
soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício
abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas
que transgridam o regime das liberdades públicas e que
sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias
individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a íimção
eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das
esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por
Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de
poder o« em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua
competência inves- tigatóría.(...)”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente I
A competência legislativa da União em matéria ambiental é
extremamente vasta.3 O Congresso Nacional, especialmente em
matéria de energia nuclear, é dotado de competência,
independentemente de sanção do Presidente da República.
Pertence, ainda, à competência exclusiva do Congresso Nacional
sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do
poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativaA
Integram, também, as competências privativas do Congresso
Nacional:
Fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas
Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da
administração indireta>
Os incisos que demonstram mais claramente as atribuições
congressuais em matéria de proteção ao meio ambiente são os de
números XIV, XVI e XVII. Pelas normas contidas em tais
incisos, o Congresso possui atribuição para
aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades
nucleares,6 autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais?
e mais,
aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras
públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.8
A importância de tais tarefas é muito clara, por exemplo, em
relação à região Amazônica, visto que nela se encontram
presentes praticamente todos os bens tutelados pela norma
constitucional.
É fácil constatar que o Congresso possui atribuições de, no
mínimo, três ordens distintas. A primeira delas é a de: (i)
poder sustar a execução ou a vigência de atos normativos que
não estejam em sintonia com a Constituição e com as leis
votadas pelo próprio Congresso Nacional. O Congresso não tem
usado desta sua prerrogativa fundamental. Outra categoria de
atribuição do Congresso Nacional é: (ii) a de permitir a
supervisão de órgãos e agências do Executivo. Aqui, também, o
Congresso, como instituição, não tem exercido um controle
eficiente dos órgãos executivos voltados para o meio ambiente.
Alguns poucos congressistas, com enorme esforço, têm buscado
exercer um controle de órgãos como o IBAMA, por exemplo, mas
têm encontrado enormes dificuldades para fazê-lo. A Comissão
da Câmara dos Deputados
3 Ver item 2.1.
4CF,art. 49, V.
5CF,art. 49, X.
6CF,art. 49, XIV.
7CF,axt. 49, XVI.
8CF,axt. 49, XVII.
í Direito Ambiental
que trata dos assuntos ambientais é voltada, também, para as
minorias e o consumidor. Tais temas, embora importantíssimos,
diluem o caráter ambiental da Comissão.
A maior omissão do Congresso Nacional, contudo, está na
total inoperância com que tem enfrentado a chamada questão
nuclear. A vigente Constituição outorga ao Congresso os
maiores poderes em matéria nuclear. Relembre-se o conteúdo da
norma constitucional: aprovar iniciativas do Poder Executivo
referentes a atividades nucleares.9 Também no artigo 225, §
6S,10 estabelece uma importante atribuição do Legislativo em
matéria nuclear, cabendo-lhe o poder-dever de, mediante lei,
estabelecer a localização das usinas nucleares brasileiras. O
Congresso Nacional jamais votou qualquer lei especiãcamente
voltada para a localização das usinas nucleares Angra II e
III.
Dentre outras atividades relacionadas com a atividade
nuclear, cuja regulamentação depende de lei, está aquela
contemplada no § 29 do artigo 177 da CF, que diz respeito ao
transporte e à utilização de materiais radioativos no
território brasileiro. Merece ser observado que, apenas em
2001, o Congresso Nacional aprovou a Lei n9 10.308, de 20 de
novembro, que dispõe sobre a seleção de locais, a construção,
o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a
indenização, a responsabilidade civil e as garantias
referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras
providências.
1.2. Atribuições do Poder Judiciário
O regime constitucional brasileiro estabelece que nenhuma
ameaça ou lesão a direito poderá ser subtraída da apreciação
do Poder Judiciário. H Esta norma constitucional, integrante
do rol dos direitos e garantias individuais, estabelece um
amplo sistema de revisão judicial de todo e qualquer ato
administrativo exarado por qualquer um dos diversos níveis em
que se encontre organizado o Estado brasileiro. Este é um
fator fundamental para que o Poder Judiciário, de feto, passe
a desempenhar um papel importante no SISNAMA. Será através do
Judiciário que, basicamente, os direitos individuais serão
exercidos. O controle popular da Administração Pública
exercido através do Poder Judiciário é um dos mais eficientes.
Os diplomas legais mais importantes para que o cidadão possa
exercer o controle da correta aplicação das leis de proteção
ambiental são, sem dúvida, a ação popular, a ação civil
pública e a própria lei de improbidade administrativa. Essas
ações judiciais, especialmente a ação civil pública, têm
possibilitado que o povo questione as autoridades perante uma
Corte de Justiça. A CF de 1988 deu um grande impulso ao papel
desempenhado pelo Poder Judiciário na defesa do meio ambiente
e da qua lidade de vida. Atualmente, várias centenas de ações
civis públicas versando sobre o meio ambiente encontram-se
aguardando a decisão dos tribunais brasileiros.
9CF, art. 49, XIV.
10 CF, art. 225, § 6® As usinas que operem com reacor nuclear
deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o
que não poderão ser instaladas.
11 CF, art. 5«, XXXV.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
O desempenho do Poder Judiciário em nosso tema está
intimamente ligado ao tipo de demandas que lhe são propostas,
seja pelo Ministério Público,12 seja pelos demais legitimados à
propositura das ações civis públicas.
J. William Futrell13 afirma, com razão, que os tribunais
desempenham o vital papel de assegurar o poder de participação
popular efetiva em uma democracia gerida por burocracias
complexas.
1.2.1. Atribuições do Judiciário e separação de poderes
A questão da separação de poderes e a participação do Poder
Judiciário na formulação de políticas públicas é tema
controverso. A separação de poderes é um dos mais importantes
dogmas do regime democrático, tal como ele tem sido
compreendido nos países ocidentais. O Supremo Tribunal
Federal, seguidamente, tem se pronunciado no sentido de que
não compete ao Poder Judiciário impedir possa o Executivo dar
seguimento e implementar as políticas públicas definidas pela
Administração.14 No entanto, a inércia com a qual o Executivo
tem implementado determinadas questões tem feito com que
muitas Cortes ultrapassem os limites da separação de poderes
e, efetivamente, passem a avançar em áreas tipicamente
executivas, sobretudo no campo da distribuição de
medicamentos.15 Há decisão isolada do TRF 1 que determina
proceda o Executivo à coleta seletiva de resíduos sólidos, o
que se constitui, em meu ponto de vista, em ingerência no
mérito da ação administrativa, pois, se a coleta de resíduos é
uma obrigação do Poder Público, a forma pela qual ela será
realizada implica juízo de conveniência e oportunidade,
sobretudo em razão das limitações orçamentárias.16
12 MP.
13 “The history of environmental law”, in Campbell-Mohn,
Celia; Breen, Baixey e FutrelI, J. William. Environmental
Law from Resources to Recovery, St Paul: West Publishing,
1993, p. 45.
14 STF. STA-ED - EMB. DECL. NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
85/ PE. Relator Ministra EUen Gracie. DJU: 11-10-2007 pg. 38
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS À DECISÃO
DO RELATOR. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE
TUTELA ANTECIPADA. DECISÃO QUE IMPEDE A ADMINISTRAÇÃO DE
IMPLEMENTAR A REFORMA AGRÁRIA. EXISTÊNCIA DE GRAVE LESÃO À
ORDEM PÚBLICA. ARTIGOS 184 A 191 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. 1. Embargos de declaração opostos à decisão
singular do relator. Conversão dos embargos em agravo
regimental. 2. Art. 1° da Lei 9.494/97, c/c art. 4a, § 4o,
da Lei 8.437/92: configuração de grave lesão à ordem
pública. Pedido de suspensão de tutela antecipada deferido
em parte. 3. A decisão impugnada no presente pedido de
suspensão concedeu antecipação de tutela para sobrestar o
processo administrativo de desapropriação, até que se
providenciasse a exclusão das áreas destacadas do imóvel
expropriando e transferidas para outras matrículas. 4.
Existência de grave lesão à ordem pública, considerada em
termos de ordem administrativa. dado que a decisão impugnada
no presente pedido de suspensão impede a Administração de
executar uma política pública, qual seia. a implementação da
reforma agrária.fgrifo: PBAj 5. Inexistência de contradição
entre os fundamentos da decisão ora agravada e a sua
conclusão. 6. Descabimento, em suspensão, da fixação das
áreas destacadas do imóvel desapropriado, que não se
sujeitariam à imissão na posse. 7. Embargos de declaração
recebidos como agravo regimental, ao qual se nega
provimento.”
15 TRF 4 - AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO. 200704000038903/RS. 3*
Turma. Relatora: VÂNIA HACK DE ALMEIDA. D.E.13/02/2007.
16 TRF 1. AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 200601000192919. 6*
Turma. DJU: 13/8/2007 pg. 78. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
SOUZA PRUDENTE. “PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E
AMBIENTAL. ILHA DE ALGODOAL/MA1ANDEUA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
AMBIENTAL. TU-
Direito Ambiental
O exemplo mais completo de separação de poderes em matéria
ambiental, na minha opinião, é o caso TVA vs. Hill, que
cuidava da construção de barragens, ou outras obras de grande
porte, e seus impactos sobre espécies listadas como ameaçadas
de extinção. Nos Estados Unidos, a proteção de espécies, ao
contrário do Brasil, é feita por lei e, portanto, expressa uma
inequívoca manifestação de vontade do Congresso em preservar a
diversidade biológica. No contexto do Direito Administrativo
americano, o Congresso delega ao Executivo, no caso
representado pelo Secretário do Interior e pelo Secretário de
Comércio, a autoridade para incluir espécies na lista de
animais ameaçados, cabendo ao Fish and Wildlife Service
administrar o Endangered Species Act (ESA) e zelar pelas
espécies tuteladas pela lista. A Environment Protection Agency
(EPA) é responsável pela administração de outras leis, tais
como a National Environment Policiy Act, o Clear Water Act ou
o Comprehensive Environmental Response, Compensation and
Liability Act (CERCLA), por exemplo.
O ESA, à época da decisão do caso TVA vs. Hill, em sua seção
7, ostentava a seguinte redação: “Federal departments and
agencies shall...with the assistance of the Secretary, utilize
their authorities in furtherance of the purposes of [the] Act
by carrying out programs for the conservation of endangered
species ....and by taking such action necessary to insure that
actions authorized, funded or carried out by them do not
jeopardize the continued existence of such endangered
species.A seção 7, como se vê do texto legal, proibia qualquer
ação que pudesse pôr em risco a existência de espécies
ameaçadas de extinção. Se deixarmos de lado a questão
ambiental e olharmos a decisão sob o prisma do Direito
Constitucional - que é a forma atual como tem sido olhado o
caso TVA vs. Hill pelos juristas norte-americanos veremos que
ela encerra uma lição de separação de Poderes e de isenção do
TELA PROCESSUAL-CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225,
CAPUT). IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO. PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. I - No caso, em
se tratando de ação civil pública, cujo objeto seja o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, consistente na
coleta seletiva e destino adequado de resíduos sólidos
lançados na área de preservação ambiental, bem como na
implementação de medidas necessárias à preservação ambiental,
o juiz poderá determinar a adoção dessas medidas de
preservação, em sede de antecipação de tutela, inclusive, com
a fixação de prazo e a imposição de multa diária, no caso de
descumprimento. II - A cutela constitucional, que impôe ao
Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e
preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia
qualidade de vida, como direito difiiso e fundamental, feito
bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já
instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da
precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de
uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais
conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção
(pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade
possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se,
inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas
públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio
ambiental, como na hipótese dos autos. Hl - Se a Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei n» 6.938,
de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política
pública “a compatibilização do desenvolvimento econômico e
social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico” e “a preservação e restauração dos
recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e
disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do
equilíbrio ecológico propício à vida” (art. 4®, incisos I e
VI), há de se entender que o princípio do poluidor-pagador
busca, sobretudo, evitar a ocorrência de danos ambientais e,
só no último caso, a sua reparação. IV Agravo de instrumento
desprovido”.
tm - Ensno Suppler %umi &ridk3
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente I
Judiciário perante as pressões do Executivo. Vale notar que
importantes obras de Direito Ambientai não trazem mais o caso
TVA vs. Hill como matéria de estudo, por considerá-lo
superado.17
A chave constitucional da decisão TVA vs. Hill se encontra
na seguinte passagem do voto do Justice Burger: “It may seem
curious to some that the survival of a relatively small number
of three-inch fish among all the countless millions of species
extant would require the permanent halting of a virtually
completed dam for which Congress has expended more than $ 100
million. The paradox is not minimized by the fact that
Congress continued to appropriate large sums of pubhc money
for the project, even after congressional Appropriations
Committees were apprised of its apparent impact upon the
survival of the sail darter. We conclude however that the
explicit provisions of the Endangered Species Act require
precisely that result
Se formos um pouco mais adiante na decisão, veremos que em
uma outra passagem do voto o Juiz Burger afirma claramente que
o desejo do Congresso era: “to halt and reverse the trend
toward species extinction whatever the cost. ” Ante tão clara
concepção da Corte, de fato, não havia outra decisão possível
que não fosse a de determinar a paralisação das obras.
Entendeu a Suprema Corte que, diante do expresso mandamento
legal “do not jeopardize (não arriscar, não pôr em perigo)”,
não havia qualquer margem de discricionariedade para o
Executivo que deveria se limitar a cumprir o comando que o
Legislativo havia acionado. No particular, há que se verificar
que a discricionariedade administrativa já havia sido exercida
com a inclusão do snail darter na relação de animais a serem
protegidos. Vale observar que, no caso brasileiro, algumas
decisões judiciais de Cortes Regionais Federais têm sido
tomadas em aparente conflito com os expressos termos da norma
constitucional - haja vista que deram ao Texto Fundamental uma
interpretação bastante alargada e, em geral, privilegiando a
ação Executiva em detrimento da letra constitucional. Refiro-
me ao caso do § 6® do artigo 225 da Constituição, que
determina ao Executivo que se muna de autorização do Congresso
Nacional para localizar usinas nucleares, sem o que não
poderão operar. No caso TVA vs. Hill, a Suprema Corte entendeu
que a mera apropriação de recursos para uma atividade não
indicava que o Congresso estivesse revogando uma norma que
claramente determinava o não molestamento de espécies
definidas em uma relação elaborada pelo Executivo.
A interpretação que o TRF218 tem dado ao § 69 do artigo 225,
conforme mostra o aresto a seguir transcrito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, QUE
DEFERIU LIMINAR, DETERMINANDO A SUSPENSÃO DO LICENCIAMENTO
AMBIENTAL DA USINA NUCLEAR DE ANGRA III. I - Trata-se de
Agravo de Instrumento, interposto por ELETRONUCLEAR em face de
Deci-
17 Craig Johnston, William Puak e Victor Flatt - Legal
protection of the: environment, St Paul, Thomson/West,
18 TKF2. AG - AGRAVO DEINSTRUMENTO -151046. DJU DATA:
24/04/2007.
Direito Ambiental
são, proferida em Ação Civil Pública, que indeferiu seu
ingresso no feito como Htisconsorte passiva necessária,
deferindo, ainda, a liminar requerida pelo MPF, determinando a
suspensão do procedimento de licenciamento ambiental da Usina
Nuclear de Angra III. II - Pretendeu o MPF, na referida Ação
Civil Pública, a declaração de nulidade dos atos
administrativos tendentes ao licenciamento de empreendimento
nuclear conhecido como Angra III, tendo em vista suposto
descumprimento dos mandamentos constitucionais previstõs nos
arts. 21, XXIII, a; 49, XIV, e 225, § 6e. III - Quanto à
legitimidade passiva da ELETRONUCLEAR, sabe-se que a mesma
recebeu autorização do Poder Público para atuar como
construtora e operadora de usinas nucleares. Destarte, tendo
sido iniciado o procedimento para licenciamento ambiental
prévio da Usina de Angra III e, posteriormente, por decisão
judicial, tendo ocorrido a suspensão de tal procedimento,
conclui-se pela necessidade de ingresso da Agravante no polo
passivo do feito, mormente ao se verificar que o resultado da
demando originária do presente Agravo de Instrumento irá
afetar diretamente as atividades da mesma. IV — De fato, a
CRFB/88 exige a autorização do Congresso Nacional para a
instalação de usinas nucleares. Estabelece, também, que lei
federal deverá determinar o local em que as mesmas deverão ser
instaladas. V — Cumpre registrar, todavia, que o planejamento
para a efetivação do empreendimento Angra III iniciou-se muito
antes da ordem constitucional atual. Registre-se, também, que,
consoante a CRFB/67, emendada em 1969, a autorização para
instalações nucleares se dava sob a forma de decreto presiden-
cial. Desta maneira, no ano de 1975, nos exatos termos
constitucionais, o então Presidente da República, através do
Decreto ns 75.870, autorizou a estruturação de uma terceira
unidade de usina nuclear (fl. 85). VI — Verifica-se, assim,
que o empreendimento em testilha foi iniciado ao tempo da
Constituição anterior, que dispensava as exigências de
autorização do Congresso Nacional para a construção de usinas
nucleares, bem como a disposição sobre a localização das mes-
mas. VII - Deve-se afirmar, desta maneira, que não há que se
falar em caducidade do Decreto n9 75.870/75 em confronto aos
preceitos da nova ordem constitucional. E isso porque,
analisando a jurisprudência do Pretório Excelso, quando o
texto constitucional pretender assumir efeito retrospectivo,
deve assim se manifestar expressamente. VIII - Outrossim,
ainda que se admita a imprescin- dibilidade de cumprimento de
tais requisitos, entende-se que os mesmos não devem vincular o
início do procedimento de licenciamento ambiental. E isso
porque é neste procedimento onde serão realizados todos os
estudos necessários para a efetivação de empreendimento
considerado poluidor, estudos estes imprescindíveis ao
Congresso Nacional no momento em que for avaliar se deve ou
não autorizar o funcionamento do referido empreendimento. IX —
Caso contrário, o Congresso Nacional estaria sem qualquer
referencial para emitir sua decisão, seja sobre a aprovação da
construção da usina, seja sobre o local em que a mesma deverá
ser construída. X - Agravo Interno prejudicado. XI — Agravo de
Instrumento provido.”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Sem pretender polemizar com a decisão, aliás proferida em
sede de Agravo, parece-me evidente que se avançou em uma
interpretação da norma constitucional muito além daquela que
seria razoável, sobretudo em caso da magnitude do decidido. Ao
revogar a Ordem Constitucional anterior, o Constituinte de
1988 dispôs de forma inteiramente diversa sobre energia
nuclear. Caso ele entendesse existente algum direito adquirido
a ser mantido na nova ordem constitucional, no que se refere à
instalação das usinas nucleares, certamente teria feito a
ressalva, como fez para diversas outras questões nas
disposições constitucionais transitórias. TVA vs. Hill, no
particular, é uma lição de independência judiciária e não
intervenção sobre a vontade do Congresso até o ponto de
descaracterizá-la, como ocorreu na decisão brasileira
apresentada. Não há que se confundir planejamento com
instalação e muito menos autorização para planejamento com
autorização para instalação. Além disso, no caso concreto,
ante a não-implementação da autorização, haja vista que nada
foi construído, não me parece razoável que tal interpretação
possa persistir contra expressa disposição constitucional. Há,
indiscutivelmente, um custo envolvido; contudo, em primeira
análise, parece que o Congresso, assim como o norte-americano,
não se importou com os custos, pois achou que outros valores
superavam o mero custo financeiro.
O poder do Executivo Americano para elaborar as listas de
espécies ameaçadas, sob a doutrina Chevron (Chevron USA v.
Natural Resources Defense Council, 467 U.S. 837 (1984)) tem
sido amplamente reconhecido, e o Poder Judiciário deve aceitá-
lo com base em deferência ao poder discricionário do
Executivo, desde que a ação executiva tenha sido razoável.
Assim, a Suprema Corte reconhece que o Congresso delegou a
atribuição de formar a lista para o Executivo (Chevron Step 1)
e que a escolha foi razoável e não exorbitante (Chevron Step
2). Cabe, segundo a doutrina Chevron, ao Executivo definir as
questões de políticas públicas a serem aplicadas, segundo a
determinação do Congresso, tal como expressas em lei.
TVA vs. Hill teve como uma de suas consequências uma
modificação no texto da seção 7 do ESA com a substituição da
expressão “do not jeopardize” por “is not llkely to
jeopardize”, ou seja, provavelmente não prejudique, não
arrisque. A norma, portanto, tomou-se muito mais abstrata e
ampliou o poder discricionário do Executivo para avaliar as
medidas a serem tomadas em cada caso que, conforme a doutrina
Chevron, devem ser respeitadas pelos tribunais desde que sejam
razoáveis.
TVA vs. Hill é um marco judiciário extraordinário e
demonstra claramente o que é uma Corte independente e, ao
mesmo tempo, é uma aula sobre separação de poderes. Não há
dúvida de que a decisão, se analisada sob o prisma de danos
ambientais concretos, custo e benefício, investimentos
realizados e a serem realizados, é extremamente exagerada e
absurda. Por outro lado, se o Tribunal tivesse resolvido
"legislar” e dar uma interpretação à norma que, evidentemente,
não era possível, teria dado ao Executivo a possibilidade de,
simplesmente, não cumprir a determinação do Legislador que,
exagerada, por certo, era aquela mesmo. Seguramente, todo o
sistema de proteção de espécies estaria colocado sob uma
discricionariedade absoluta do Executivo, o que não era o
desejo do Congresso.
Direito Ambiental
Em um país como o nosso, que necessita de
institucionalização, TVA vs. Hill deveria ser ensinado em
todos os cursos de Direito Constitucional como um exemplo a
ser seguido por todos os poderes, pelo Congresso, para que
faça leis razoáveis, pelo Executivo, para que não tente
exercer poderes que não tem, e pelo Judiciário, para que não
“crie” normas por meio de interpretação “ad hoc”.
1.3. Atribuições do Ministério Público
As atribuições do Ministério Público em matéria de proteção
ao meio ambiente datam de longo tempo, já a lei de proteção
aos animais outorgava a nobre missão ao MP.19 A Lei ne
6.938/81, desde a sua primeira versão, já determina competir
ao Ministério Público promover a responsabilização daqueles
que fossem responsáveis por danos ao meio ambiente.20
Posteriormente, a Lei ne 7.347, de 24 de julho de 1985, veio a
atribuir funções a serem desempenhadas pelo Ministério Público
na proteção de todo e qualquer interesse difuso. Tanto a Lei ns
7.347/85 como diversos outros diplomas legais têm atribuído ao
MP funções extrajudiciais. Tais funções implicam que o parquet
é dotado de legitimidade para celebrar transações e termos de
compromisso e ajustamento de conduta com agentes degradadores
do meio ambiente, de molde que os mesmos se enquadrem em
condutas, ambientalmente sadias. As atribuições do Ministério
Público se dividirão em conformidade com as competências
constitucionais.21 Observe-se, contudo, que a ação do
Ministério Público não pode ser substituta da ação a ser
desenvolvida pelo Executivo.
19 Decreto 4.645, de 10 de Junho de 1934. Estabelece medidas
de proteção aos animais. “Alt. 2“ - Aquele que, em lugar
público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus-txatos aos
animais, incorrerá em multa de Cr$ 20,00 a Cr$ 500,00 e na
pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquente
seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação
civil que possa caber... § 3a - Os animais serão assistidos
em hifcn pefm representantes do Ministério Público. seus
substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras
de animais.”
20 Lei n» 6.938/81, art. 14, § 1«.
21 Superior Tribunal de Justiça - REsp 440002 / SE; Relator;
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. PRIMEIRA TURMA. DJU:
06.12.2004 p. 195. Ementa PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE.
COMPETÊNCIA. REPARTIÇAO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E
LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. 1. A ação civil pública, como
as demais, submete-se, quanto à competência, à regra
estabelecida no art. 109,1, da Constituição, segundo a qual
cabe aos juizes federais processar e julgar “as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes
ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério
Público Federal, que é órgão da União, a competência para a
causa é da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência
com legitimidade das partes. A questão competencial é
logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da
legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciara
legitimação ativa do Ministério Público Federa/ para
promover a demanda, consideradas as suas características, as
suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À luz do
sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o
princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da
União promover as ações civis públicas de interesse federal
e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que
há interesse federal nas ações civis públicas que (a)
envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da
União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser
legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da
União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais
Regionais Federais e
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
2. O SISNAMA
As origens do SISNAMA remontam à constituição da Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA) pelo Decreto n2 73.030, de 30
de outubro de 1973, logo após a Conferência de Estocolmo sobre
o Meio Ambiente Humano de 1972. Outro momento que marca os
antecedentes do SISNAMA foi o IIPND — Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico, no qual as questões ambientais
mereceram atenção.
(...) compreendia três linhas de ação: política ambiental na
área urbana e definição das áreas críticas de poluição,
política de preservação de recursos naturais e política de
proteção à saúde humana.22
A SEMA foi criada no âmbito do Ministério do Interior; como
órgão autônomo, é diretamente subordinada ao Ministro de
Estado. A SEMA deveria ter a sua orientação voltada para a
conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos
naturais. Ela foi extinta pela Lei n2 7.735, de 22 de fevereiro
de 1989, que resultou da aprovação da Medida Provisória n2 34,
de 23 de janeiro de 1989.
A Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a
política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e apUcaçãoi instituiu, através de seu artigo 69, o
SISNAMA.23 Este sistema é claramente influenciado pelo modelo
estabelecido pelo NationalEnvironmental PolicyAct norte-
americano.24 A finalidade do SISNAMA é estabelecer uma rede de
agências governamentais, nos diversos níveis da Federação,
visando assegurar mecanismos capazes de, eficientemente,
implementar a PNMA.
A PNMA tem os seus objetivos estabelecidos pelo artigo 2® da
Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981. A norma legal determina
que a
política nacional do meio ambiente tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, visando assegurar ao País
Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da
matéria ~ as fundadas em tratado ou contrato da União com
Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art.
109,[III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas
(CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão
da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas
entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que
uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais
no pólo acivo (CF, art. 109,1); e (e) as demais causas que
envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e
dos valores jurídicos que se visa tutelar. 6. No caso dos
autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque
nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da
União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar
bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a
saber; o meio ambiente em área de mangue- zal, situada em
terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União
(CF, art. 20, VTI), sujeitos ao poder de polícia de autarquia
federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4a
). 7. Recurso especial provido.
22 Dalia Mainon. Ob. cit., p. 268.
23 A Lei n» 6.938/81 sofreu várias alterações desde a sua
promulgação. O texto ao qual irei me referir é o resultante
das alterações introduzidas peias Leis n°s 7.804, de
18/7/1989, e 8.028, de 12/4/1990.
24 42 U.S.C.A §§ 4321/4370 c, in Selected Environmental Law
Scacuces (1991-92), Educational Edition, St. Paul, West
publishing, 1991, pp. 541 e seguintes.
Direico Ambiental
condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana...
A PNMA, como não é difícil perceber, tem abrangência
bastante grande. Em primeiro lugar, ela visa à preservação do
meio ambiente. Preservação tem o sentido de perenizar, de
perpetuar, de salvaguardar, os recursos naturais. Além dos
objetivos traçados pelo artigo 2a da Lei n2 6.938/81, o seu
artigo 4e estabelece uma lista mais ampla de objetivos, a
saber:
a) a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com
a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico;
b) a definição de áreas prioritárias de ação governamental
relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo
aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Territórios e dos Municípios;
c) o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade
ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos
ambientais;
d) o estabelecimento de pesquisas e de tecnologias nacionais
orientadas para o uso racional dos recursos ambientais;
e) a difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, a
divulgação de dados e informações ambientais e a formação de
uma consciência pública sobre a necessidade de preservação
da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;
f) a preservação e restauração dos recursos ambientais com
vistas à sua utilização racional e disponibilidade
permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio
ecológico propício à vida;
g) a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização dos recursos ambientais com
fins econômicos.
As boas condições ambientais, nos termos da lei, constituem-
se em um importante elemento indutor do desenvolvimento
socioeconômico. Servem, também, como meio indispensável para a
segurança nacional e proteção da dignidade humana. Estes três
últimos elementos somente podem ser compreendidos sob a ótica
do desenvolvimento sustentado. A PNMA, portanto, deve ser
compreendida como o conjunto dos instrumentos legais,
técnicos, científicos, políticos e econômicos destinados à
promoção do desenvolvimento sustentado da sociedade e economia
brasileiras. A implementação da PNMA fez-se a partir de
princípios que são estabelecidos pela própria CF e pela
legislação ordinária.
O artigo 2e da Lei ne 6.938/81, em seus incisos I e X,
estabelece os princípios legais que devem reger a PNMA. Tais
princípios, obviamente, estão submetidos aos princípios gerais
do DA. A conclusão é óbvia, pois a PNMA é uma importante par-
cela do DA positivo brasileiro. Na eventual contradição entre
um princípio estabelecido para uma atividade ambiental
setorizada e um princípio geral do direito ambiental, deverá
prevalecer o princípio que seja dotado de um conteúdo mais
favorável à proteção do meio ambiente.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Os princípios estabelecidos na lei são os seguintes:
I) ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como patrimônio público25 a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo;
II) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
III) planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;
TV) proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas
representativas;
V) controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente polui- doras;
VI) incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias
orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos
ambientais;
VII) acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII) recuperação de áreas degradadas;
IX) proteção de áreas ameaçadas de degradação; e
X) educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive
a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente.
Nem todos os tópicos arrolados no artigo 2e são verdadeiros
princípios jurídicos ambientais. De fato, a maioria dos
incisos acima transcritos representa uma orientação prática à
ação governamental que decorre dos princípios do DA. E
importante considerar, ademais» que nem todos os princípios do
Direito Ambiental encontram- se presentes na principiologia
estabelecida pela PNMA.
O princípio do meio ambiente como Direito Humano Fundamental
deve ser considerado como um princípio implícito na PNMA,
pois, embora não seja expressamente mencionado na lei, é um
princípio constitucional26 e, portanto, presente nas normas de
natureza iníraconstitucional.
O princípio democrático encontra-se presente na
principiologia estabelecida pela Lei ns 6.938/81 através da
norma contida no inciso X do artigo 2a:
Educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade objetivando capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente.
Esta é uma das normas mais importantes da PNMA.
Lamentavelmente, o preceito legal tem sido muito pouco
observado, pois a educação ambiental e a capacitação dos
cidadãos para a defesa ativa do meio ambiente restam como
objetivos a serem alcançados.
25 A Lei n4 4.717, de 29/6/1965, em seu art. Ia, § Ia, define o
patrimônio público como: (...) os bens e direitos de valor
econômico, artístico, estético ou histórico.
26 Conforme o artigo da CF.
Direito Ambiental
O princípio do limite, igualmente, está presente na PNMA.
Assim é que os incisos II, III e V do artigo 2a determinam:
II) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
III) planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;
V) controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente polui-
doras.
A Lei ne 6.938/81, em seu artigo 9e, estabeleceu uma série
de instrumentos cuja finalidade é a de viabilizar a consecução
dos objetivos da PNMA instituídos no artigo 42. Tais
instrumentos são:
a) o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
b) o zoneamento ambiental;
c) a avaliação de impactos ambientais;
d) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou
potencialmente polui- doras;
e) os incentivos à produção e instalação de equipamentos e à
criação ou absorção de tecnologia voltados para a melhoria
da qualidade ambiental;
f) criação de espaços territoriais especialmente protegidos
pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal, tais como
áreas de proteção ambiental, de relevantes interesses
ecológicos e extrativistas;
g) o Sistema Nacional de Informações sobre o meio ambiente;
h) o Cadastro Técnico Federal de atividades e instrumentos
de defesa ambiental;
i) as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não-
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou
correção da degradação ambiental;
j) a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a
ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis — IBAMA;
1) a garantia de prestação de informações relativas ao meio
ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando
inexistentes;
m) o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente
poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais.
Os instrumentos acima mencionados encontram a sua base
constitucional no conjunto de normas jurídicas que se
encontram presentes no artigo 225 da CF, especialmente no § le
e seus incisos. Neste ponto, é desnecessário examinar cada um
individualmente, pois isso será feito ao longo de todo o
presente trabalho.
3. Órgãos Integrantes do SISNAMA
O SISNAMA é integrado por vim órgão superior; por um órgão
consultivo e deliberativo; por um órgão central; um órgão
executor; diversos órgãos setoriais; órgãos
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
seccionais e órgãos locais. Cada um destes órgãos possui
atribuições próprias. Compete-lhes precipuamente o exercício
do poder de polícia em matéria ambiental.27
A fiscalização das atividades degradadoras do meio ambiente
por parte dos órgãos integrantes do SISNAMA tem se revelado
hipertrofiada e pouco eficiente.
A Lei da PNMA estruturou o SISNAMA em sete níveis poKtico-
acLministrati- vos, o que por si só já demonstra a inequívoca
vocação cartorial e burocrática. O SISNAMA, na forma da lei, é
constituído pelos
(...) órgãos e entidades da União, cios Estados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as
Fundações instituídas pelo Poder Público,
responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade
ambiental.28
Os órgãos formadores do SISNAMA são:
a) Órgão Superior: o Conselho de Govemo;
b) Órgão Consultivo e Deliberativo: o CONAMA;
c) Órgão Central: o Ministério do Meio Ambiente;
d) órgão Executor: o IBAMA;
e) Órgãos Setoriais: órgãos da Administração Federal, direta,
indireta ou fun- dacional voltados para a proteção ambiental
ou disciplinamento de atividades utilizadoras de recursos
ambientais;
f) Órgãos Seccionais: órgãos ou entidades estaduais
responsáveis por programas ambientais ou pela fiscalização
de atividades utilizadoras de recursos ambientais;
g) Órgãos Locais: as entidades municipais responsáveis por
programas ambientais ou responsáveis pela fiscalização de
atividades utilizadoras de recursos ambientais.
O Conselho de Governo é órgão integrante da Presidência da
República e é encarregado do assessoramento imediato ao
Presidente da República, conforme determinação que se continha
na Lei n2 8.028, de 12 de abril de 1990. A reorganização da
estrutura administrativa da Presidência da República ocorrida
em razão das disposições contidas na Lei n2 8.490, de 19 de
novembro de 1992, manteve o Conselho de Govemo como órgão de
assessoramento imediato do Presidente da República. O Conselho
de Govemo é constituído por todos os Ministros de Estado,
pelos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da
República e pelo Advogado Geral da União, com a finalidade de
assessorar o Presidente da República na formulação de
diretrizes de ação governamental.29
27 Eventualmente, outros órgãos, ainda que indiretamente,
poderão exercer o poder de polícia ambiental em matéria de
saúde pública etc.
28 Lei n» 6.938/81, art. 6«.
29 Lei n* 9.649, de 27/5/1998.
Direito Ambiental
3.1. O CONAMA
O CONAMA foi criado pelo artigo 6B, inciso II, da Lei n9
6.938/81 com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao
Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para
o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito
de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o
meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida. O CONAMA, portanto, é uma entidade dotada
de poder regulamentar em razão de expressa determinação legal.
A competência legal do CONAMA está estabelecida no artigo 8B
dà Lei n2 6.938/81. Nos termos da lei, compete ao CONAMA:
a) estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios
para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado
pelo IBAMA;
b) determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alternativas e das possíveis conseqüências
ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando
aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a
entidades privadas, as informações indispensáveis para
apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos
relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa
degradação ambiental, especialmente em áreas consideradas
património nacional;
c) decidir como última instância administrativa em grau de
recurso, mediante depósito prévio, sobre multas e outras
penalidades impostas pelo IBAMA;30
d) homologar acordos, visando à transformação de penalidades
pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse
para a proteção ambiental;
e) determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou
restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder
Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou
suspensão de participação em linhas de financiamentos em
estabelecimentos oficiais de crédito;31
f) estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de
controle de poluição por veículos automotores, aeronaves e
embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
g) estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com
vistas ao uso racional dos recursos ambientais,
principalmente os hídricos. A Presidência do CONAMA é exer-
cida pelo Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.
30 O Poder Judiciário tem decidido, a meu ver de forma
equivocada, que a exigência de depósito prévio para o
recurso administrativo é inconstitucional.
31 A Resolução CONAMA n® 4, de 28/6/1990, determinou a perda
de todos os incentivos fiscais concedidos ou a serem
concedidos ao cidadão José Ávila Bassul, em razão de
sentença proferida pelo MM. Juízo da Comarca de Iconha,
Estado do Espírito Santo.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Outras atribuições legais do CONAMA:
a) Órgão Consultivo e deliberativo do SNUC;32
b) Definir atividades de interesse social e utilidade pública
para fins de supressão de vegetação.33
0 Decreto n9 99.274, de 6 de junho de 1990, com nova redação
dada pelo Decreto n9 3.942, de 27 de setembro de 2001, em seu
artigo 7S, regulamentou tal competência da seguinte maneira:
1 - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e
critérios para o
licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, a ser concedido pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios e supervisionada pelo referido Instituto;
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alter
nativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos
públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais,
estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as
informações indispensáveis para apreciação dos estudos de
impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras
ou atividades de significativa degradação ambiental,
especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional;
III- decidir, após o parecer do Comitê de Integração de
Políticas Ambien
tais, em última instância administrativa em grau de recurso,
mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades
impostas pelo IBAMA;
IV - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou
restrição de
benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter
geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação
em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito;
V - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais
de controle da
poluição causada por veículos automotores, aeronaves e
embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
VI- estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manu
tenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso
racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos;
32 Art. 6a, I, da Lei n9 9.985, de 18 de julho de 2000.
33 Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de Agosto de 2001. Art.
1« Os arts. I2,4=, 14,16 e 44, da Lei nB 4.771, de 15 de
setembro de 1965, passam a vigorar com as seguintes
redações: ”Art. I9 (...) - § 2o Para os efeitos deste
Código, entende-se por: (...) IV — utilidade pública: c)
demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em
resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente — CONAMA; V
- interesse social: a) as atividades imprescindíveis à
proteção da integridade da vegetação nativa, tais como:
prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão,
erradicação de invasores e proteção de plantios com espécies
nativas, conforme resolução do CONAMA; (...) c) demais
obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução
do CONAMA.
Direito Ambiental
VII ~ assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo
diretrizes de polí
ticas governamentais para o meio ambiente e os recursos
naturais;
VIII ~ deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas
e padrões com
patíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
essencial à sadia qualidade de vida;
IX - estabelecer os critérios técnicos para declaração de
áreas críticas, satu
radas ou em vias de saturação;
X - acompanhar a implementação do SNUC, conforme disposto no
inciso I
do art. 65 da Lei n2 9.985, de 18 de julho de 2000;
XI - propor sistemática de monitoramento, avaliação e
cumprimento das
normas ambientais;
XII - incentivar a instituição e o fortalecimento
institucional dos Conselhos
Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, de gestão de recursos
ambientais e dos Comitês de Bacia Hidrográfica;
XIII - avaliar a implementação e a execução da política
ambiental do País;
XIV - recomendar ao órgão ambiental competente a elaboração
do Relatório
de Qualidade Ambiental, previsto no art. 9a, inciso X, da Lei
n2 6.938, de 31 de agosto de 1981;
XV - estabelecer sistema de divulgação de seus trabalhos;
XVI - promover a integração dos órgãos colegíados de meio
ambiente;
XVII - elaborar, aprovar e acompanhar a implementação da
Agenda Nacional
de Meio Ambiente, a ser proposta aos órgãos e às entidades do
SISNA- MA, sob a forma de recomendação;
XVIII - deliberar, sob a forma de resoluções, proposições,
recomendações e
moções, visando ao cumprimento dos objetivos da PNMA; e
XIX - elaborar o seu regimento interno.
Determina o § Ia do artigo 79 que: As normas e os critérios
para o licenciamento de atividades potencial ou efetivamente
poluidoras deverão estabelecer os requisitos necessários à
proteção ambiental. Disposição, em minha opinião, totalmente
redundante, pois o objetivo do licenciamento é o de
“estabelecer os requisitos neces- sários para a proteção
ambiental”.
As penalidades previstas no inciso TV do artigo 79 somente
serão aplicadas nos casos previamente definidos em ato
específico do CONAMA, assegurando-se ao interessado a ampla
defesa.
Uma importante inovação é a constante do § 3® do artigo 7Ô,
que estabelece que: “na fixação de normas, critérios e padrões
relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio
ambiente, o CONAMA levará em consideração a capacidade de
auto-regeneração dos corpos receptores e a necessidade de
estabelecer parâmetros genéricos mensuráveis.” Isto implica
que o elemento mais importante a ser considerado seja a
capacidade de suporte ambiental e não o parâmetro em si
próprio. Prevalece, em minha opinião, a capacidade de suporte
sobre o parâmetro, abrindo- se espaço para o controle
ambiental pela qualidade e não meramente por limites
estabelecidos sem qualquer base científica.
catw - cnsinç iUDsnor
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
3.1.1. O Conama e a delegação de competências
A separação de poderes entre o Executivo e o Legislativo,
bem como o consequente controle judicial de legalidade,
acrescidos da grande complexidade da vida atual, sobretudo em
matérias para as quais seja requerido um elevado grau de
informação técnico-científica, tem acarretado um deslocamento,
cada vez maior, para o Poder Executivo de atribuições
regulatórias específicas. Este fenômeno se consubstancia na
criação das chamadas “agências regulatórias”, tais como a
ANEEL e tantas outras. O Conama não ostenta explicitamente a
condição de agência regulatória, muito embora a sua função
normativa seja evidente. A Lei 6.938/81, como visto,
expressamente delegou algumas atribuições ao Conselho, assim
como o fez a Lei do SNUC e a nova redação do CFlo. Assim,
inicialmente está colocada a questão de saber quais os limites
da delegação feita pelo Legislativo para o Executivo e, em um
segundo momento, se o órgão de execução das decisões do
Conama, no caso os integrantes do Sisnama, está agindo dentro
dos limites fixados pelo Conselho. Tem sido entendido pelos
Tribunais Superiores que as competências das agências
reguladoras prevalecem em relação a normas editadas por entes
federados, mesmo sob a forma de lei quando invadem competência
federal delegada às agências,34 sobretudo quando se tratar de
matéria técnica. Está claro, contudo, que as agências
reguladoras, no exercício de suas regulares atribuições
legais, não estão autorizadas à ultrapassagem dos limites
fixados pela lei, como tem sido decidido pelos Tribunais
Superiores.35
34 Superior Tribunal de Justiça - AgRg na MC 11870 / RS;
Relator; Ministro LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. DJU: 16.11.2006
p. 216, Ementa AÇÃO CAUTELAR. TUTELA ANTECIPADA RECURSAL.
RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. CORTE DE ANTENAS DE TELEFONIA
MÓVEL. LEI MUNICIPAL EM CONTRAVENÇÃO AO ATO DA AGÊNCIA
REGULADORA. DECISÃO DA JUSTIÇA ESTADUAL MERCÊ DO PEDIDO DE
INTERVENÇÃO DA AUTARQUIA FEDERAL. CORTE ABRUPTO.
INTELIGÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA MERITÓRIA DO STJ E DA SÚMULA
150. TUTELA DEFERIDA. PER1CULUM IN MORA INVERSO. 1. A
descontinuidade da prestação de serviço público de atividade
regulada consoante as regras da agência reguladora é feto
inequívoco de exsurgimento de periculum in mora. 2. Deveras,
o surgimento superveniente de determinação municipal em
confronto com ato da agência reguladora impõe análise
pormenorizada da proposição técnica, revelando-se temerário
o cumprimento de determinação local em detrimento de
atividades essenciais e do interesse da coletividade.
Precedente do E. STJ: MC 3982/AC Relator Ministro LUIZ FUX
DJ 15.03.2004. 3. Uma vez questionado o ato da agência
reguladora, cuja natureza autárquica resta inequívoca,
seguido de seu pleito de intervenção para manter hígida a
sua determinação, o deslocamento da competência para a
Justiça Federal se impunha na forma da jurisprudência
cristalizada pelo verbete sumular 150, da Corte, verbis.
"Compete à Justiça Federal decidir o interesse jurídico que
justifique a presença no processo da União, autarquias ou
empresas públicas.” 4. É cediço no Tribunal não só a
excepcionalidade da interrupção abrupta dos serviços
concedidos como também a intromissão de outros órgãos nas
atividades reguladas, o que se equipara à invasão do
Judiciário acerca da conveniência e oportunidade dos atos
administrativos. Precedentes: MC 2675/RS, Relatora Ministra
Eliana Calmon, DJ de 04.08.2003; REsp 572070/PR, Relator
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 14.06.2004) 5. Destarte,
sob o ângulo da razoabilidade não se revela crível que a
atividade empreendida há uma década pela requerente, como o
beneplácito da agência, tenha a sua continuidade
abruptamente rompida por força de novel legislação municipal
exarada de órgão administrativamente incompetente, o que
nulifica o ato administrativo, mercê do disposto no art. 19
da lei federal 9.472/97, que atribui competência exclusiva à
ANATEL para os fins desvirtuados pela decisão atacada. 6.
Recurso Especial admitido,' adjun- tando-se notório
periculum in mora e manifesto fumus boni iuris. 7. Agravo
Regimental desprovido.
35 STJ - REsp 676172 / RJ. Relaton Ministro JOSÉ DELGADO.
PRIMEIRA TURMA. DJU: 27.06.2005 p. 253 Ementa ADMINISTRATIVO.
RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS POR DISTRIBUI-
Direito Ambiental
Portanto, cada ato emando do Conama deverá ser examinado em
duas etapas distintas: (i) saber se houve delegação
legislativa para o ato especificamente considerado e (ii)
examinar se a delegação foi exercida dentro de limites
razoáveis.
DORAS. OPÇÃO PELO REGIME DE PEDIDOS MENSAIS. SUBMISSÃO À
PORTARIA DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO N° 72/2000.
LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À LEI N* 9.478/97, ARTS. 1® e
8a, 1. Mandado de segurança com pedido de liminar impetrado por
BUFFALO PETRÓLEO DO BRASIL LTDA. e TM DISTRIBUIDORA DE
PETRÓLEO contra o DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO -
ANP, em que se discute a legalidade e inconstitucionalidade da
Portaria n® 72/2000, que limita o volume de combustível a ser
adquirido pelas distribuidoras, pugnando pela prevalência das
Portarias n®s 25/94 e 60/97, vigentes à data de sua
constituição. Liminar deferida e depois cassada pelo TRF/2*
Região. Sentença julgando parcialmente procedente o pedido a
fim de que a ANP homologue as cotas de combustíveis das
impetrantes e a PETROBRÁS forneça os produtos sem as
restrições da Portaria n® 72/2000, observando, caso o estoque
seja insuficiente, o princípio da igualdade entre as
adquirentes. Execução da sentença suspensa e, posteriormente,
restabelecida, por reconsideração. Interpostas apelações pela
ANP e pela PETROBRÁS, o TRF deu-lhes provimento por entender
que a CF/88 autoriza a fixação de limites a que a livre
concorrência deve se sujeitar, sendo um dos motivos que
inspiraram a criação das chamadas Agências Reguladoras.
Discorre que só uma das impetrantes pretende retirar 50% do
que foi fornecido a todas as demais distribuidoras, num só
mês, o que seria comercialmente inviável e inaceitável.
Afirma, ainda, que as impetrantes desejam adquirir combustível
à margem de qualquer regulamentação de sua atividade, não
celebrando contrato de for- necimento com o produtor (a
Petrobrás), nem se submetendo ao regime de cotas da ANP.
Recurso especial da TM Distribuidora de Petróleo Ltda.
alegando violação dos arts. 1° e 8a da Lei n® 9.478/97 em razão
de ter direito adquirido à aplicação das Portarias n«s 25/94 e
60/97, que não restringiram a aquisição de combustíveis. Aduz,
ainda, que a Portaria na 72/2000 usurpa os limites que a
referida lei impôs à ANP porque impede a livre concorrência
entre as distribuidoras ao fixar as cotas das empresas que,
caso esgotem seus estoques, não mais poderão adquirir o
combustível da refinaria. Contra-razÕes da ANP sustentando que
as distribuidoras, de acordo com o art. 3® da Portaria n®
72/00, podem optar pelo “regime de contrato de fornecimento
direto com os produtores” ou pelo “regime de pedido mensal”,
este último criado para assegurar que novos distribuidores
tenham garantido o acesso ao fornecedor de combustíveis e ao
recebimento dos mesmos, e que a impetrante valeu-se de
provimento jurisdicional para aproveitar-se dos dois regimes
sem suportar os ônus de qualquer deles, não se podendo falar
em direito adquirido a regime jurídico. Interposição
concomitante de recurso extraordinário, que foi provido. 2. O
art. 3® da Portaria n® 72/2000 é claro ao proporcionar dois
sistemas de aquisição de combustíveis pelas distribuidoras: “A
aquisição de gasolina automotiva e óleo diesel pelo
distribuidor de combustíveis derivados de petróleo, álcool
combustível e outros combustíveis deverá ser feita sob regime
de contrato de fornecimento com o produtor ou sob o regime de
pedido mensal”. Ao fazer a opção pelo sistema de pedido
mensal, deve a distribuidora obedecer, consequentemente, aos
critérios estabelecidos para esse tipo de procedimento,
prescritos no art. 7® da Portaria n® 72/2000. 3. Não se
encontra infringido o teor do art. 1®, incisos V e IX, da Lei
9.478/97. Ao estabelecer a opção para as distribuidoras fir-
marem contrato direto com seus fornecedores ou se valerem do
direito de realização de pedidos mensais, a Portaria 72/2000
prestigia a liberdade de escolha de suprimento além de
garantir o produto para aquelas que optam por não serem
regidas pelo sistema de contrato direto com o fornecedor. 4.
Não há violação do art. 8« da Lei n® 9.478/97. A proteção das
distribuidoras não pode ocorrer com o comprometimento do
mercado nacional de combustíveis e da satisfação do
consumidor, devendo haver a conciliação de interesses. O ato
hostilizado — a Portaria n° 72/2000 — é medida técnica que
materializa a atribuição para regular o setor petrolífero
(art. 8®, caput e XV, da Lei n® 9.478/97) conferida à ANP,
levando em conta o suprimento de derivados de petróleo em todo
o território nacional (art. 8a, I, da Lei n® 9.478/97), a
garantia de oferta de produtos aos consumidores (art. 8°, I,
da Lei n® 9.478/97) e o volume comercializado por cada
distribuidora nos meses anteriores, permitindo ainda o gradual
crescimento dessas últimas, sem realizar impacto excessivo e
desequilíbrio no mercado. 5. A Portaria n» 72/2000 não
extrapolou os limites fixados pela Lei n® 9.478/97,
preservando, com a sua sistemática, a garantia do fornecimento
de derivados de petróleo em harmonia e com respeito ao
princípio da livre-concorrência. 6. Recurso especial
desprovido.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
3.1.2. Composição do GONAMA: separação de poderes e
autonomia do Ministério Público
O CONAMA, curiosamente, não tem a sua composição definida em
lei, visto que, na primeira versão da Lei ne 6.938, de 31 de
agosto de 1981, em seu artigo 7Q, havia a previsão da
composição do Conselho, com a indicação de seus membros.36
Infelizmente, as Leis n2s 7.804 e 8.028 expungiram do universo
jurídico a composição legal do Conama. Agora, a composição do
Conselho é fixada por um mero decreto,37 baixado segundo a
competência constitucional do Presidente da Repúbli
36 “Art. 7* - É criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente ~
CONAMA, cuja composição, organização, competência e
funcionamento serão estabelecidos, em regulamento, pelo
Poder Executivo. Parágrafo único. Integrarão, também, o
CONAMA: a) representantes dos Governos dos Estados,
indicados de acordo com o estabelecido em regulamento,
podendo ser adotado um critério de delegação por regiões,
com indicação alternativa do representante comum, garantida
sempre a participação de um representante dos Estados em
cujo território haja área crítica de poluição, assim
considerada por decreto federal; b) Presidentes das
Confederações Nacionais da Indústria, da Agricultura e do
Comércio, bem como das Confederações Nacionais dos
Trabalhadores na Indústria, na Agricultura e no Comércio; c)
Presidentes da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária
e da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza d)
dois representantes de Associações legalmente constituídas
para a defesa dos recursos naturais e de combate à poluição,
a serem nomeados pelo Presidente da República.”
37 Decreto na 3.942, de 27 de setembro de 2001. “Art. Ia Os
arts. 4a, 5a, 6a, 7a, 10 e 11 do Decreto na 99.274, de 6 de
junho de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:
"(...) Art. 5a Integram o Plenário do CONAMA: I — o Ministro
de Estado do Meio Ambiente, que o presidirá; II - o
Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente, que
será o seu Secretário-Executivo; UI ~ um representante do
IBAMA; IV ~ um representante da Agência Nacional de Águas —
ANA; V — um representante de cada um dos Ministérios, das
Secretarias da Presidência da República e dos Comandos
Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos
respectivos titulares; VI — um representante de cada um dos
Governos Estaduais e do Distrito Federal, indicados pelos
respectivos governadores; VII — oito representantes dos
Governos Municipais que possuam órgão ambiental estruturado
e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo, sendo;
a) um representante de cada região geográfica do País; b) um
representante da Associação Nacional de Municípios e Meio
Ambiente-ANAMMA; c) dois representantes de entidades
municipalistas de âmbito nacional; VIII - vinte e um
representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade
civil, sendo: a) dois representantes de entidades
ambientalistas de cada uma das Regiões Geográficas do País;
b) um representante de entidade ambientalista de âmbito
nacional; c) três representantes de associações legalmente
constituídas para a defesa dos recursos naturais e do
combate à poluição, de livre escolha do Presidente da
República; d) um representante de entidades profissionais,
de âmbito nacional, com atuação na área ambiental e de
saneamento, indicado pela Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental-ABES; e) um representante
de trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e
confederações de trabalhadores da área urbana (Central Única
dos Trabalhadores-CUT, Força Sindical, Confederação Geral
dos Trabalhadores-CGT, Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Indústria-CNTI e Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Comércio-CNTC), escolhido em processo
coordenado pela CNTI e CNTC; f) um representante de
trabalhadores da área rural, indicado pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG; g) um
representante de populações tradicionais, escolhido em
processo coordenado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento
Sustentável das Populações Tradicionais-CNPT/IBAMA; h) um
representante da comunidade indígena indicado pelo Conselho
de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil
- CAPOIB; i) um representante da comunidade científica,
indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da
Gíênda-SBPC; j) um representante do Conselho Nacional de
Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares- CNCG; 1) um representante da Fundação
Brasi-leira para a Conservação da Natureza-FBCN; IX — oito
representantes de entidades empresariais; e X — um membro
honorário indicado pelo Plenário. § Ia Integram também o
Plenário do CONAMA, na condição de Conselheiros Convidados,
sem direito a voto: I - um representante do Ministério
Público Federal; II - um representante dos Ministérios
Públicos Esta-
Direito Ambiental
ca.38 Há, contudo, uma figura esdrúxula, que é o “conselheiro
convidado”, visto que ela viola inteiramente a separação dos
Poderes prevista no artigo 29 da Constituição e a autonomia
funcional do Ministério Público.
O Ministério Público é dotado de atribuições essenciais para
as funções jurisdi- cionais do Estado, exercendo-as em todos
os juízos brasileiros perante os quais desempenha as suas
funções institucionais, dentre as quais se destacam aquelas
indispensáveis ao controle da legalidade dos atos praticados
pelos próprios juizes, além de promover a defesa judicial de
diversos interesses e direitos socialmente relevantes. Veja-se
a determinação contida no artigo 127 da CF: “O Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. ”A CF foi mais além ao estabelecer
um rol das chamadas funções institucionais do Ministério
Publico que se constituem em um conjunto de atividades típicas
do MP e que desenham o perfil da instituição. É o artigo 129
da Lei Fundamental da República que explicita a referida
relação, dela constando: (i) promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei; (ii) zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia; (iii) promo-
ver o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; (iv) promover a ação de
inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição; (v) defender judicialmente os direitos e
interesses das populações indígenas; (vi) expedir notificações
nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva; (vii) exercer o controle
externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior; (viii) requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais; (ix) exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-
lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas.
Conforme se pode perceber do § 5e do artigo 128 da CF, leis
complementares da União e dos Estados estabelecerão “a
organização, as atribuições”de cada um dos Ministérios
Públicos. Veja-se que a questão da estrita reserva
constitucional e da observância da vocação natural de cada um
dos diferentes ramos do MP tem sido tão restritivamente
tratada pelo STF que a Corte sequer admite que o MP comum exer
duais, indicado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais
de Justiça; e III — um representante da Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados.”
38 CF; “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República;... VI — dispor, mediante decreto, sobre; a)
organização e funcionamento da administração federal, quando
não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de
órgãos públicos.”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente |
ça as funções do Ministério Público Especial junto aos
Tribunais: de Contas, como algumas constituições estaduais
buscaram estabelecer.39
Pelo que se percebe do texto constitucional, as funções
institucionais do Ministério Público não se constituem em
numerus clausus, ao contrário, poderão ser ampliadas, desde
que compatíveis com a finalidade da própria instituição.
Entretanto, a CF, a priori, definiu algumas atividades que não
poderão ser conferidas ao Ministério Público, a saber: (a)
representação jurídica e (b) consultoria jurídica de entidades
públicas.
Estas são redações institucionais, entretanto, a CF define
uma vedação específica para os membros do Ministério Público.
Vejamos o teor: Art. 128. O Ministério Público abrange: “(-.)
§ 42 - (...) II - as seguintes vedações: (...) d) exercer,
ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,
salvo uma de magistério," Função, como se sabe, é qualquer
encargo atribuído pelo Poder Público a um cidadão, seja
remunerado ou não. Trata-se de um conceito mais amplo do que o
de cargo público.40 É indiscutível que o exercício de mandato
de conselheiro do Conama se constitui em função pública
relevante, conforme é admitido em sede normativa.41 Resulta daí
inteiramente contrário ao sistema constitucional que rege as
elevadas funções do Ministério Público a presença do parquet
no Conama, seja em que condição for.
Em sede doutrinária, os autores que versaram especificamente
sobre o papel constitucional do Ministério Público, com
destaque para Mazzüli,42 sustentam tese idêntica. “A vedação só
tem duas exceções, tuna de caráter permanente (tuna função de
magistério) e outra transitória, aliás, já vencida (para os
optantes a que se refere o art. 29, § 3®, do ADCT). Tem havido
controvérsia sobre a participação de membros do Ministério
Público em comissões ou organismos estatais. Não raro por
imposição de leis municipais, estaduais e federais, há
previsão da participação de membros do Ministério Público em
conselhos de defesa de direitos humanos, comissões de trân-
sito, conselhos de entorpecentes, enfim, em órgãos
administrativos diversos. As próprias leis orgânicas do
Ministério Público são as primeiras a, erroneamente, prever
39 “A questão pertinente ao Ministério Público Especial junto
ao tribunal de Contas Estadual: uma realidade institucional
que não pode ser desconhecida. Consequente impossibilidade
constitucional de o Ministério Público Especial ser
substituído, nessa condição, pelo Ministério Público comum
do Estado-Mem- bro. Ação Direta julgada parcialmente
procedente” (ADI 2.068, Relator Ministro Celso de Mello, DJU
16/05/2003).
40 Lei n9 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 3o Cargo
público é o conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que devem ser
cometidas a um servidor. Parágrafo único. Os cargos
públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por
lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres
públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.
41 Decreto n» 99.274, de 6 de junho de 1990. “Art. 6« O
Plenário do CONAMA reunir-se-á, em caráter ordinário, a cada
três meses, no Distrito Federal, e, extraordinariamente,
sempre que convocado pelo seu Presidente, por iniciativa
própria ou a requerimento de pelo menos dois terços de seus
membros (...)§ 4a A participação dos membros do CONAMA é
considerada serviço de natureza relevante e não será
remunerada, cabendo às instituições representadas o custeio
das despesas de deslocamento e estadia.”
42 Hugo Nigro Mazzilli. Introdução ao Ministério Público. SP:
Saraiva, 2a edição, 1998, p. 53.
Direito Ambiental
sua participação em organismos administrativos. Inexiste
vedação para o exercício de algumas funções administrativas da
própria instituição (para os assessores do procurador-geral, o
corregedor-geral, os conselheiros), mas há vedação à
participação do membro do Ministério Público em conselhos ou
organismos estatais, porque isso importa o exercício de outra
função pública.”
A participação em Conselhos, data venia, não se confunde com
"função institucional”, visto que a capacidade de decisão do
Ministério Público e a sua independência funcional restam
prejudicadas ao participar do colegiado, pois é uma prática
elementar de qualquer regime democrático que os conselheiros
se submetam às decisões dos colegiados que integram. Ora, não
se pode admitir que o MP, por integrar o conselho, se exonere
de suas funções de fiscalização da legalidade, o que gera uma
incompatibilidade entre ambas as funções, ou seja, a de
“fiscal da lei” e a de conselheiro. Não se pretende dizer que
os conselhos ajam ilegalmente, o que se afirma é que a
independência de um e de outro fica tolhida.
É importante observar que qualquer nova função institucional
do Ministério Público, ou mesmo instrumento de atuação,
conforme definido pela Lei Orgânica do Ministério Público,
somente poderá ser atribuída por lei. Lei, no caso, há que ser
tomada em seu sentido formal, pois aqui se trata de definições
extremamente relevantes para a ordem jurídica democrática.
Caso se pudesse cogitar do deferimento de atribuições ao
Ministério Público pela via do Decreto Presidencial, de fato,
as cláusulas de independência e autonomia funcionais restariam
como letra morta. Acresce, ainda, o fato de que, para se
evitar uma contradição lógica, a nova função institucional não
poderá implicar, seja a que título for, que o membro do
parquet passe a exercer uma função pública distinta ou
adicional àquela que já exerce normalmente.
Admitindo-se, por amor à argumentação, a constitucionalidade
da participação em Conselhos por integrante do MP,
representando a instituição. Ao Procurador Geral da República,
no caso do Ministério Público Federal, dada a sua condição de
Chefe da instituição,43 a Lei Complementar n2 75/93 reservou a
exclu-
43 MS 21239 / DF. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. TRIBUNAL
PLENO. DJ 23-04-1993. PG 6920. Ementa. MANDADO DE SEGURANÇA:
LEGITIMAÇÃO ATIVA DO PROCURADOR-GERAL DA RE- PÜBLICA PARA
IMPUGNAR ATOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUE ENTENDE
PRATICADOS COM USURPAÇÃO DE SUA PRÓPRIA COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL E OFENSIVOS DA AUTONOMIA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E REAFIRMAÇAO DA JURIS-
PRUDÊNCIA. 1. A LEGITIMIDADE AD CAUSAM NO MANDADO DE
SEGURANÇA PRESSUPÕE QUE O IMPETRANTE SE AFIRME TITULAR DE UM
DIREITO SUBJETIVO PRÓPRIO, VIOLADO OU AMEAÇADO POR ATO DE
AUTORIDADE; NO ENTANTO, SEGUNDO ASSENTADO PELA DOUTRINA MAIS
AUTORIZADA {CF. JELUNEK, MALBERG, DUGUIT, DABIN, SANTI
ROMANO), ENTRE OS DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS, INCLUEM-SE
OS CHAMADOS DIREITOS-FUNÇÃO, QUE TÊM POR OBJETO A POSSE E O
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA PELO TITULAR QUE A DETENHA, EM
TODA A EXTENSÃO DAS COMPETÊNCIAS E PRERROGATIVAS QUE A
SUBSTANTIVEM: INCENSURÁVEL, POIS, A JURISPRUDÊNCIA
BRASILEIRA, QUANDO RECONHECE A LEGITIMAÇÃO DO TITULAR DE UMA
FUNÇÃO PÚBLICA PARA REQUERER SEGURANÇA CONTRA ATO DO
DETENTOR DE OUTRA, TENDENTE A OBSTAR OU USURPAR O EXERCÍCIO
DA INTEGRALIDA- DE DE SEUS PODERES OU COMPETÊNCIAS: A
SOLUÇÃO NEGATIVA IMPORTARIA EM “SUBTRAIR
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
siva competência para definir as condições de atuação dos
integrantes do MP em órgãos externos. Ou seja, a Lei define os
órgãos de atuação externos à instituição do
A&MTiar
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Assim, e de acordo com o que foi exposto, o licenciamento
ambiental em águas interiores, ainda que marítimas, não
encontra qualquer ressonância legal. Da mesma forma, merece
ser ressaltado que a Resolução Conama 237/1997, em seu artigo
4a, I, determina que: “Art. 4® Compete ao Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA,
órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se
refere o artigo 10 da Lei n9 6.938, de 31 de agosto de 1981, de
empreendimentos e atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I -
localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país
limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na
zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades
de conservação do domínio da União.”
Direito Ambientai
Gomo se vê, para que o IBAMA tenha competência para o
licenciamento ambiental no mar, devem ser preenchidos dois
requisitos: a) o empreendimento seja no mar territorial e b)
seja capaz de gerar significativo impacto regional ou
nacional. Significativo é um conceito a ser preenchido
casuisticamente e que, por excepcional, precisa ser
demonstrado pelo órgão federal ao reivindicar a atividade.
4.2.1.2. Localização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental
Tem sido uma prática administrativa muito comum a exigência
de apresentação pelo empreendedor de Estudo Prévio de Impacto
Ambiental antes da concessão da Licença Prévia - LP, o que
implica investimentos significativos antes da existência de um
planejamento mais consistente da atividade, Em que ponto do
licenciamento ambiental deve o EIA ser exigido? A Constituição
Federal, em seu artigo 225, §19, IV, estabelece que incumbe ao
Poder Público exigir, na forma da lei, “para a instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade. ”
Do ponto de vista constitucional, a questão se divide em
três aspectos relevantes: (i) o poder público deve estabelecer
o conceito de obra ou instalação capaz de causar significativa
degradação ambiental; (ii) verificar se o empreendimento em
questão é potencialmente capaz de produzir a significativa
degradação ambiental, e (iii) se presente a segunda condição,
cabe exigir do empreendedor a apresentação de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental.
A norma constitucional é clara e não admite outra
interpretação: os estudos de impacto ambiental devem ser
exigidos antes da instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental. A Constituição não exige, e nem é o seu papel, que
o EIA seja apresentado logo no início do processo de
licenciamento ambiental, ou seja, antes mesmo da concessão de
Licença Prévia (LP).
A Lei Federal n9 6.938/81, em seu artigo 9S, estabelece os
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e,
expressamente, dá ao licenciamento ambiental a condição de seu
instrumento, conforme a redação do inciso IV.46
No artigo 10 da mesma lei, está determinado que atividades
capazes de causar significativa degradação ambiental devem ser
submetidas a prévio licenciamento pelo órgão estadual
competente. Tal licenciamento é realizado de acordo com as
diferentes fases de implementação dos projetos, motivo pelo
que se subdivide em etapas bastante precisas e sucessivas,
cada qual com as suas exigências próprias.
Decorre daí que o Decreto Federal n9 99.274/90, ao
regulamentar a Lei n9 6.938/81, estabeleceu uma tripartição do
licenciamento ambiental que se faz mediante a concessão de
três licenças distintas que são outorgadas de acordo com as
diferentes etapas de planejamento da atividade pretendida. De
fato, dispõe o artigo 19 do Decreto Federal 99.274/90:
46 Art 9a - São Instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente: ...IV - o licenciamento e a revisão de atividades
efetiva ou potencialmente polmdoras.
C53J ■ tnsmo aupenor vmm jun®co
Poder de Polícia Ambiental
Art. 19-0 Poder Público, no exercício de sua competência de
controle, expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia - LP, na fase preliminar do planejamento
da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos
nas fases de localização, instalação e operação, observados os
planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;
II - Licença de Instalação - LI, autorizando o início da
implantação, de acordo com as especificações constantes do
Projeto Executivo aprovado; e
ni - Licença de Operação - LO, autorizando, após as
verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o
funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de
acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.
Pela norma regulamentadora (Decreto 99.274/90), a Licença
Prévia corresponde à fase preliminar, momento em que ainda não
existem elementds suficientes para a realização do EIA. dentre
os quais, por exemplo, o Projeto Básico do empreendimento a
ser desenvolvido e, muito menos, existe uma relação de estudos
requeridos pelos órgãos técnicos tais como sondagens,
levantamentos de solo, água, flora e fauna e tantos outros.
Em nível procedimental, a Resolução CONAMA n9 01/86 define
as hipóteses exemplificativas nas quais o estudo prévio de
impacto ambiental é exigível e, no que tange ao licenciamento
ambiental propriamente dito, é determinado que: os órgãos
ambientais devem compatibilizar os processos de licenciamento
com as etapas de planejamento e implantação das atividades
modificadoras do meio ambien- te (artigo 4a). Veja-se, ademais,
que o artigo 9S da Resolução Conama 001/8647 determina que o
ELA deve analisar o projeto que, como se sabe, só é plenamente
definido após a concessão da LP. Mesmo a Resolução Conama 237,
de 19 de novembro de 1997, que deu tratamento mais completo ao
licenciamento ambiental - aplicável aos órgãos federais ou aos
Estados e Municípios que não tenham tratado do tema em normas
próprias — não alterou as condições básicas acima descritas e,
nem poderia, haja vista que não lhe caberia contrariar a
Constituição ou a lei, ou mesmo o decreto presidencial.
Com efeito, o artigo 10 da Resolução Conama 237/97 determina
que: “Art. 10 O procedimento de licenciamento ambiental
obedecerá às seguintes etapas: I - definição pelo órgão
ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos
documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao
início do processo de licenciamento correspondente à licença a
ser requerida; II ~ requerimento da licença
47 Artigo 9a - O relatório de impacto ambiental - RIMA
refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e
conterá, no mínimo: ...II ~ A descrição do projeto e suas
alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para
cada um deles» nas fases de construção e operação a área de
influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de
energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis
efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos
diretos e indiretos a serem gerados.
Direito Ambiental
ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos,
projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida
publicidade; III - análise pelo órgão ambiental competente,
integrante do SISNAMA, dos documentos, projetos e estudos
ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas,
quando necessárias; IV - solicitação de esclarecimentos e
complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do
SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos
documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando
couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso
os esclarecimentos e complementações não tenham sido
satisfatórios; V - audiência pública, quando couber, de acordo
com a regulamentação pertinente; VI - solicitação de
esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber,
podendo haver reiteração da solicitação quando os
esclarecimentos e complementações não tenham sido
satisfatórios; VII - emissão dé parecer técnico conclusivo e,
quando couber, parecer jurídico; VIII - deferimento ou indefe-
rimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade. §
le No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar,
obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal,
declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade
estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e
ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para
supressão de vegetação e a outorga para o uso da água,
emitidas pelos órgãos competentes. § 29 No caso de
empreendimentos e atividades sujeitos ao estudo de impacto
ambiental - EIA, se verificada a necessidade de nova
complementação em decorrência de esclarecimentos já prestados,
conforme incisos IV e VI, o órgão ambiental competente,
mediante decisão motivada e com a participação do
empreendedor, poderá formular novo pedido de complementação.”
Como se viu, o Conselho Nacional do Meio Ambiente — CONAMA,
na Resolução 237, estabeleceu, apenas, que o processo de
licenciamento ambiental deverá contemplar determinadas etapas
que deverão ser condizentes com o planejamento do projeto a
ser implantado. Logo, não há qualquer exigência no sentido de
que o EIA deva anteceder a LP. Ele deve ser anterior à
implantação do projeto ou atividade.
4.3. O licenciamento Federal
O licenciamento ambiental federal é efetivado perante o
IBAMA e vem crescendo de importância gradativamente. Com
efeito, dentre as atividades submetidas ao licenciamento pelo
órgão federal, podem ser destacadas as seguintes: Usinas
Hidrelétricas, Pequenas Centrais Hidrelétricas, Mineração,
Linhas de Transmissão, Usinas Termelétricas, Ferrovias,
Rodovias, Hidrovias, Pontes, Portos, Dragagens, Dutos,
Empreendimentos Militares, Exploração de Calcáreo Marinho,
Nuclear. Com exceção daquelas atividades que, por lei, estão
claramente definidas como incluídas a competência federal para
licenciamento, não é simples a identificação do órgão
competente para o processo de concessão de licença. Vários
critérios têm sido tentados. Contudo, as contradições
legislativas são de tal ordem que a norma é a imprecisão: "As
próprias normas são contraditórias. Algumas utilizam a
localização do
Poder de Polícia Ambiental
empreendimento ou da atividade como critério para definir a
competência. Outras, a abrangência de seu impacto. A Resolução
Conama 237/97 utiliza vários critérios, ao mesmo tempo”.48
A CF de 1988 adotou o modelo do chamado federalismo
cooperativo, deixando claro que os diferentes integrantes da
federação, embora autônomos, devem partilhar responsabilidades
em relação à condução das questões referentes à proteção do
meio ambiente. Tais responsabilidades vão desde a competência
legislativa até a competência de implementação ou de
execução.49 Contudo, há que se observar que, ainda que este
tenha sido um comando do Constituinte originário ao
legislador, tanto o complementar quanto o originário, o
Legislador, contudo, não observou o determinado pelo autor do
pacto fundante.
Em nível constitucional, o licenciamento ambiental - parcela
poder de polícia administrativo-ambiental - é tratado como
matéria de competência comum dos entes da federação,
disciplinada pelo artigo 23, inciso VI, da CF. O licenciamento
ambiental é atividade administrativa com caráter
essencialmente tutelar e, assim, compreende-se no âmbito de
competência de implementação, e portanto na chamada
competência comum e como tal exercida pelos três níveis
federativos. A PNMA, insculpida na Lei ns 6.938, de 31 de
agosto de 1981, ainda que elaborada em regime Constitucional
diverso, busca dar organicidade ao relacionamento político
institucional entre os diferentes entes políticos federados,
articulando-os em um regime institucional de colaboração
recíproca com a formulação de um modelo institucional capaz de
integrá-los com vistas a racionalizar esforços, poupar
recursos e aumentar a eficiência da proteção ao meio ambiente,
mediante a adoção de ações descentralizadas. Em princípio, do
ponto de vista administrativo, tal articulação se encontra
perfeitamente compatível com os princípios presentes no caput
do artigo 37 da CF,50 no que se refere à eficiência
administrativa.
É com vistas a alcançar a eficiência que a Lei n9 6.938/81,
em seu artigo 10, definiu uma repartição de competências
ambientais para o licenciamento. Foi adotada como critério
geral a fixação da competência dos estados para o licen-
ciamento ambiental. É verdade que a lei admite que o IBAMA
possa exercer o licenciamento ambiental em caráter supletivo,
ou seja, excepcionalmente, condição na qual deve ser
compreendido o licenciamento de caráter nacional ou regional.
A “estadualizaçao” do licenciamento ambiental corresponde à
salutar medida de descentralização administrativa e de
consequente economia de recursos públicos e privados.
Importante observar que a manutenção do caráter de
“estadualização” do licenciamento ambiental é reforçada pela
Resolução nQ 237, de 19 de dezembro de 1997,
48 Curt Trermenpohl e Terence Trennenpohl, Licenciamento
Ambiental, Niterói: Editora Impetus, 2007, p. 14.
49 Edis Milaré. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 541.
50 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:” (grifei)
Direito Ambientai
do CONAMA, que estabeleceu a ampla delegabilidade do
Licenciamento de âmbito regional, conforme o disposto no § 2a
do artigo 42 da mencionada Resolução.51 Assim, mesmo os casos
nos quais o licenciamento seja de empreendimentos de caráter
regional, não há qualquer obstáculo para a sua realização pelo
órgão estadual, ou pelos órgãos estaduais, conforme a
hipótese.
Como se observa, trataram referidos diplomas sobre as normas
federais básicas para a uniformização do licenciamento
ambiental em todo o território nacional, referendando a
descentralização de sua outorga, que ficou entregue
fundamentalmente aos órgãos estaduais. Posteriormente, a
Constituição de 1988, recepcionando a Lei n° 6.938/81, deixou
claro que os diversos entes da Federação devem partilhar as
responsabilidades sobre a condução das questões ambientais,
tanto no que tange à competência legislativa, quanto no que
diz respeito à competência dita implementadora ou de execução
(competência administrativa).
Assim, integrando o licenciamento o âmbito da competência de
implementação, os três níveis de governo estão habilitados a
licenciar empreendimentos com impactos ambientais, cabendo,
portanto, a cada um dos entes integrantes do SISNA- MA,
promover a adequação de sua estrutura administrativa com o
objetivo de cumprir essa função, que decorre diretamente da
Constituição.
O licenciamento ambiental em nível federal52 é o Decreto ns
99.274, de 6 de junho de 1990, que vem sendo complementado por
uma grande quantidade de Portarias e outras normas
administrativas.53 O artigo 17 do decreto determina que:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas
efetiva ou potencialmente polui- doras, bem assim os
empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento dos
órgãos estaduais que integrem o SISNAMA.
51 Art. 4* Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do
SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo
10 da Lei nB 6.938, de 31 de agosto de 1981, de
empreendimentos e atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:... II -
localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III -
cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites
territoriais do País ou de um ou mais Estados;... § l2 O
IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após
considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais
dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou
empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos
demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de
licenciamento. §2aO IBAMA, ressalvada sua competência
supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de
atividade com significativo impacto ambiental de âmbito
regional, uniformizando, quando possível, as exigências.”
52 Cada Estado da federação é dotado de autonomia política
para a fixação de seu sistema de licenciamento ambiental
próprio.
53 Http://www.ibama.gov.br/licenciamento/, capturado aos
07/02/2008.
Poder de Polícia Arabiental
O agente licenciador típico das atividades potencialmente
causadoras de degradação ambiental é o órgão estadual
integrante do SISNAMA- Não obstante a competência dos órgãos
estaduais, compete ao CONAMA e ao Poder Público Federal a
fixação dos critérios gerais a serem adotados para o
licenciamento de atividades utilizadoras de recursos
ambientais e potencialmente poluidoras. Usualmente, tem sido
entendido que tais critérios gerais poderão ser modificados
pelos Estados, desde que os padrões estaduais impliquem maior
proteção ao meio ambiente. Este é um ponto que na minha
opinião demanda um maior aprofundamento e análise crítica. Um
padrão não tem existência em si mesmo. Ao contrário, ele
existe com a finalidade de garantir um nível de qualidade
ambiental. Penso que, em função de diferentes níveis de
concentração urbana, capacidade de dispersão atmosférica,
capacidade de diluição de corpos hídricos e outros fatores, os
Estados de forma fundamentada tecnicamente poderiam
estabelecer padrões adequados às suas necessidades e que, não
necessariamente, fossem mais restritivos que os federais.
O CONAMA deverá fixar os critérios básicos a serem
empregados para fins de licenciamento, nos quais
necessariamente deverão estar incluídos:
a) o diagnóstico ambiental;
b) descrição da ação proposta e suas alternativas;
c) identificação, análise e previsão dos impactos
significativos, positivos e negativos.54
O IBAMA exerce funções de caráter supletivo na atividade de
licenciamento ambiental e na consequente fiscalização do
efetivo cumprimento dos termos nos quais foi concedida a
licença; isto porque o licenciamento é fundamentalmente
desempenhado pelos órgãos estaduais integrantes do SISNAMA.
Por atividade supletiva, não se deve entender uma atividade
exercida em substituição daquela desempenhada pelo órgão
estadual de controle ambiental. A atividade supletiva limita-
se a atender aspectos secundários do processo de
licenciamento. Entende-se, igualmente, como atividade
supletiva a atividade complementar ao processo de
licenciamento. Não pode, contudo, o órgão federal “discordar”
da licença concedida pelo órgão estadual e, na vigência desta,
embargar obras etc. Isto somente pode ocorrer, em tese, se o
órgão federal demonstrar que a licença estadual está eivada de
vício. A observância deste parâmetro de atribuição admi-
nistrativa é fundamental para que o SISNAMA possa, de fato,
existir. Se se admitisse que os órgãos públicos de diferentes
esferas federativas pudessem, a seu talante, embargar,
paralisar e contestar atividades que se encontram autorizadas
regularmente pelos demais integrantes do SISNAMA, no uso
normal e legal de suas atribuições, o sistema se tomaria
completamente inviável.: Aliás, a própria
54 Os estudos de impacto ambiental serão examinados em
capítulo próprio e com detalhes.
Direito Ambiental
criação do SISNAMA tem por finalidade última a organização de
atribuições diferenciadas e a descentralização administrativa
de forma cooperativa e harmônica. Desejo ressaltar que,
evidentemente, no uso da competência administrativa residual
de cada um dos integrantes do SISNAMA, é plenamente possível
que sejam necessárias licenças diversas e que a concessão de
uma delas, por si só, não seja suficiente para autorizar
determinado empreendimento. Nesta hipótese, é possível a
oposição de embargos administrativos a empreendimentos que não
possuam todas as licenças necessárias.
0 procedimento padrão de licenciamento ambiental compreende
a concessão de duas licenças preliminares e a licença final
que o encerra. Essas licenças são:
1 - Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento
da atividade,
contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de
localização, instalação e operação, observados os planos
municipais, estaduais ou federais do uso do solo.
II ~ Licença de Instalação (LI), autorizando o início da
implantação, de
acordo com as especificações constantes do projeto executivo
aprovado.
III - Licença de Operação (LO), autorizando, após as
verificações necessárias,
o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus
equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto
nas licenças prévia e de instalação.
Penso que não existe uma obrigação para que as licenças
sejam concedidas em sequência. Muitas vezes, não há a
necessidade concreta de que uma ou outra licença seja
concedida. Nem sempre há a necessidade de uma LP, por exemplo.
Em diversas hipóteses, serão necessárias outras licenças
diferentes.
4.3.1. Responsabilidade pela emissão das licenças
ambientais
A grande polêmica relacionada à concessão de licenças
ambientais que, seguidamente, tem acarretado o ajuizamento das
mais diversas ações judiciais em face de servidores dos órgãos
ambientais implicou a elaboração da Lei ne 11.516, de 28 de
agosto de 2007, que em seu artigo estabelece que “A
responsabilidade técnica, administrativa e judicial sobre o
conteúdo de parecer técnico conclusivo visando à emissão de
licença ambiental prévia por parte do Ibama será exclusiva de
órgão colegia- do do referido Instituto, estabelecido em
regulamento.” Com isto, o legislador buscou afastar a
responsabilidade individual do servidor público e diluí-la
entre os diferentes membros do colegiado que emitiram o
parecer técnico que deu embasamento à emissão da licença
ambiental. A medida responde a uma situação de fato na qual os
órgãos administrativos chegaram a quase paralisação no que diz
respeito à emissão de licenças, tendo em vista o potencial
“risco” para os funcionários que as assinassem.
Poder de Policia Ambiental
Organograma55 do licenciamento Federal
Legenda: Coordenação Geral de Infraestrutura de Energia
Elétrica - CGENE; Coordenação de Energia Hidrelétrica e
Transposições - COHID; Coordenação de Energia Elétrica,
Nuclear e Dutos - COEND; Coordenação Geral de Transporte,
Mineração e Obras Civis - CGTMO; Coordenação de Transporte -
COTRA; Coordenação de Mineração e Obras Civis - COMOC;
Coordenação Geral de Petróleo e Gás - CGPEG. Coordenação de
Exploração de Petróleo e Gás - COEXP; Coordenação de Produção
de Petróleo e Gás - CPROD.
4.3.2. O Sistema Estabelecido pela Resolução n2 237, de 19
de Dezembro de 1997
As grandes dificuldades existentes no processo de
licenciamento ambiental, decorrentes, em grande parte, de uma
incompreensão da Lei ns 6.938/81, acarretaram que, muitas
vezes, fossem exigidas dos empreendedores diferentes licenças
ambientais. Tal situação, evidentemente, não poderia
prosseguir, em razão dos seus elevados custos e de sua
irracionalidade latente. O CONAMA, acertadamente, tentou
enfrentar a questão. Infelizmente, a solução dada ao problema
não foi a mais adequada, como se demonstrará.
De fato, nos termos do artigo 10 da Lei n9 6.938/81, cabe
aos Estados o licenciamento ambiental; a União, através do
IBAMA, limita-se a exercer competência supletiva. A Resolução
CONAMA ns 237, de 19 de dezembro de 1997, sem qualquer base
legal, estabeleceu, em seu artigo 4a, que: Compete ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
- IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental
a que se refere o artigo 1(P6 da Lei n9 6.938,
55 Http://www.ibama.gov.br/licen.ciamento/index.php, capturado
aos 25.09.2007.
56 Lei n® 6.938/81, Art, 10. A construção, instalação,
ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento por órgão estadual competente, integrante do
SISNAMA — SISNAMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter
supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
Direito Ambiencal
de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com
signiãcativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional,
a saber:
I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e
em país limítro
fe, no mar territorial, na plataforma continental, na zona
econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de
conservação do domínio da União;
II - licenciadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os
limites do País ou de um
ou mais Estados;
IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar,
transportar, armaze
nar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que
utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e
aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia
Nuclear - CNEN;
V - bases ou empreendimentos militares, quando couber,
observada a legisla-
ção específica.
A mesma Resolução, ilegalmente, invadiu a competência
exclusiva dos Estados no que diz respeito ao licenciamento
ambiental, ao lhes retirar atribuições e delegá- las aos
Municípios (arts. 5S e 6e). Curioso foi que a atribuição de
licenciamento ambiental aos “entes federados” ficou
condicionada à existência de Conselhos de Meio Ambiente, com
caráter deliberativo e participação social e, ainda, que eles
possuam profissionais habilitados (art. 20). O CONAMA, no
particular, logrou se superar: ou os Estados e Municípios
possuem competência para licenciar em termos ambientais -
competência outorgada pela CF - ou não possuem.
O artigo 5e definiu que:
Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o
licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou
em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito
Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais
formas de vegetação natural ou de preservação permanente
relacionadas no artigo 2Q da Lei n3 4.771, de 15 de setembro de
1965, e em todas que assim forem consideradas por normas
federais, estaduais ou mimicipais;
III-cujos impactos ambientais ultrapassem os limites
territoriais de um ou mais Municípios;
IV — delegados pela União aos Estados ou ao Distrito
Federal, por instrumento legal ou convênio.
Para os órgãos ambientais municipais, foi estabelecida a
competência para o licenciamento ambiental dos empreendimentos
e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhes
forem delegadas por instrumento próprio.
e&tíJ - fcnstno Superior Sureau M&a
Poder de Polícia Ambiental
4.3.2.I. Itinerário para o Licenciamento
A Resolução n9 237/97 estabeleceu um roteiro mínimo a ser
observado nos processos de licenciamento ambiental, roteiro
este composto por oito etapas:
I - Definição pelo órgão ambiental, com a participação do
empreendedor,
dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários para
o começo do processo de licenciamento.
II — Requerimento da licença ambiental, acompanhado da
documentação
definida no item I — deve ser dada publicidade ao requerimento
de licença.
III - Análise pelo órgão ambiental.
IV — Possibilidade de formulação de pedidos de
esclarecimentos pelo órgão
ambiental - uma única vez, podendo haver renovação caso os
esclarecimentos não sejam satisfatórios.
V - Audiência pública, se for o caso.
VI - Novos esclarecimentos ao órgão ambiental se, da
audiência pública, sur
gir a necessidade.
VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, se for o
caso, parecer jurídico.
VIII- Deferimento ou indeferimento do pedido, com a devida
publicidade.
Uma medida extremamente importante foi a definida no § l2 do
artigo 10, que determina que os requerimentos de licenças
ambientais devem vir instruídos com certidão emitida pelo
Poder Público municipal, demonstrando que o empreendimento
encontra-se em conformidade com o zoneamento municipal. Evita-
se, assim, que os órgãos ambientais utilizem uma prática
condenável, que é a de se sobrepor às prefeituras quanto ao
uso do solo, que é atribuição exclusiva dos Municípios. Merece
aplauso o artigo 14 da Resolução nQ 237/97, ao definir prazo
para a tramitação dos processos de licenciamento ambiental,
evitando-se, desta forma, os processos ,que nunca chegavam ao
fim. Estabeleceu-se, também, a prorrogação automática das
licenças quando estas não forem renovadas no prazo
regulamentar, por culpa exclusiva da administração (art. 18, §
4a).
Quanto ao mais, foram mantidos os instrumentos e institutos
anteriormente vigentes.
4.3.3. Licenciamento de Petróleo
O regime jurídico da exploração de petróleo no Brasil foi
extremamente modificado com a quebra do monopólio do petróleo,
do qual era titular a empresa Petróleo Brasileiro S/A —
PETROBRÁS. Com as modificações constitucionais e legais, que
permitiram o ingresso de diversas outras companhias no negócio
do petróleo, existe uma expectativa bastante justificada de
que todo o ciclo da atividade seja fortemente ampliado. Este
fato será mais verdadeiro no Estado do Rio de Janeiro, que
■BBS Direito Ambiental
ostenta a marca de responsável por cerca de setenta e cinco
por cento de toda a produção nacional de petróleo e gás
natural. Sem pretender adotar uma postura catas- trofista,
não se pode deixar de constatar que, potencialmente, o risco
de acidentes ambientais é muito maior no novo cenário que se
inaugura, pois teremos muitos atores novos, com interesses
contraditórios, muito novos pontos de exploração etc. A
legislação brasileira sobre o particular ainda é muito
incipiente e incapaz de responder aos enormes desafios que
se começam a apresentar. Sem pretender esgotar a matéria,
passo a fazer uma breve análise da legislação brasileira
sobre o licenciamento ambiental do petróleo, em especial da
fase de prospecção.
A Lei nQ 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a
política energética nacional, as atividades relativas ao
monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de
Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá
outras providências, e em seu artigo ls, IV, determina que:
Art. I9 As políticas nacionais para o aproveitamento racional
das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: (...)
IV - proteger o meio ambiente e promover a conservação de
energia (...). Os objetivos gerais da política nacional de
petróleo têm, na Agência Nacional de Petróleo - ANP, o seu
principal garante. E importante observar, também, que a ANP
não é estranha às responsabilidades ambientais decorrentes do
negócio do petróleo. Assim é que o artigo 89, IX, da Lei ne
9.478/97, determina, in verbis: “Art. 82 A ANP terá como
finalidade promover a regulação, a contratação e a
fiscalização das atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo, cabendo-lhe: (...) IX - fazer cumpriras
boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, dos
derivados e do gás natural e de preservação do meio
ambiente...” Nos termos da lei retromencionada, não há dúvida
de que a ANP é dotada de competências ambientais específicas
quanto à atividade do setor petrolífero e de gás natural.
Penso que, no caso concreto, caso não exista uma coordenação
muito clara e precisa entre o CONAMA e a ANP, poderemos, em
breve tempo, estar diante de conflitos interadministrativos
muito sérios e relevantes para o meio ambiente.57
Uma característica bastante interessante é que a legislação
que instituiu a ANP admite que os próprios contratos de
concessão estabeleçam obrigações de natureza ambiental para
serem cumpridas pelas concessionárias, conforme determinado
pelo artigo 44,1:
Art. 44. O contrato estabelecerá que o concessionário estará
obrigado a:
I — adotar, em todas as suas operações, as medidas
necessárias para a conservação dos reservatórios e de outros
recursos naturais, para a segurança das pessoas e dos
equipamentos e para a proteção do meio ambiente...
57 Decreto-Lei n® 4.657, de 4/9/1942 (Lei de Introdução ao CC
Brasileiro), Art. 2S Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue. § I® A lei posterior revoga a ante- rior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei
anterior.
Poder de Polícia Ambiental
O CONAMA buscou dar tratamento normativo à exploração de
petróleo mediante a edição da Resolução ne 23, de 7 de dezembro
de 1994, que regulamenta a atividade que denominou como
EXPROPER (Exploração, Perfuração e Produção de Petróleo e Gás
Natural). O CONAMA, pela resolução citada, instituiu um
conjunto de procedimentos específicos para o licenciamento das
atividades relacionadas à exploração e lavra de jazidas de
combustíveis líquidos e gás natural.
O artigo 29 considera atividade de exploração e lavra de
jazidas de combustíveis líquidos e gás natural:
i) a perfuração de poços para identificação das jazidas e suas
extensões;
ii) a produção para pesquisa sobre a viabilidade econômica;
iii) a produção efetiva para fins comerciais.
Nas hipóteses em que a atividade de EXPROPER se realize em
terras indígenas, deverá ser ouvida a autoridade indigenista.
0 licenciamento de EXPROPER possui características próprias
e é assim definido:
1 — Licença Prévia para Perfuração — LPper, autorizando a
atividade de perfu
ração e apresentando, o empreendedor, para a concessão deste
ato, Relatório de Controle Ambiental — RCA das atividades e a
delimitação da área de atuação pretendida;
ii - Licença Prévia de Produção para Pesquisa - LPpro,
autorizando a produ
ção para pesquisa da viabilidade econômica da jazida,
apresentando, o empreendedor, para a concessão deste ato, o
Estudo de Viabilidade Ambiental — EVA;
iii - Licença de Instalação — LI, autorizando, após a
aprovação do EIA ou RAA e
contemplando outros estudos ambientais existentes na área de
interesse, a instalação das unidades e sistemas necessários à
produção e ao escoamento;
iv - Licença de Operação - LO, autorizando, após a aprovação
do Projeto de
Controle Ambiental — PCA, o início da operação do
empreendimento ou das unidades, instalações e sistemas
integrantes da atividade, na área de interesse.
0 procedimento de licenciamento é feito mediante a
utilização dos seguintes instrumentos:
1 — Estudo de Impacto Ambiental — EIA e respectivo RIMA, de
acordo com as
diretrizes gerais fixadas pela Resolução/CONAMA/n® 001, de 23
de janei
ro de 1986;
ii — Relatório de Controle Ambiental — RCA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo a descrição da atividade de perfuração, riscos
ambientais, iden
tificação dos impactos e medidas mitigadoras;
170
Direito Ambiental
iii - Estudo de Viabilidade Ambiental - EVA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo plano de desenvolvimento da produção para a pesquisa
pretendida, com avaliação ambiental e indicação das medidas de
controle a serem adotadas;
iv - Relatório de Avaliação Ambiental - RAA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo diagnóstico ambiental da área onde já se encontra
implantada a atividade, descrição dos novos empreendimentos ou
ampliações, identificação e avaliação do impacto ambiental e
medidas mitigadoras a serem adotadas, considerando a
introdução de outros empreendimentos;
v - Projeto de Controle Ambiental - PCA, elaborado pelo
empreendedor, con
tendo os projetos executivos de minrmização dos impactos
ambientais avaliados nas fases da LPper, LPpro e II, com seus
respectivos documentos.
Para a perfuração, são necessárias as seguintes licenças:
I - Licença Prévia para Perfuração ~ LPper, que deverá ser
instruída com os
seguintes documentos: (i) Requerimento de Licença Prévia para
Perfuração - LPper; (ii) Relatório de Controle Ambiental —
RCA; (iii) autorização de desmatamento, quando couber,
expedida pelo IBAMA; (v) Cópia da publicação do pedido de
LPper.
II - Licença Prévia de Produção para Pesquisa — LPpro, que
deverá ser instruí
da com os seguintes documentos: (i) Requerimento de licença
Prévia de Produção para Pesquisa - LPpro; (ii) Estudo de
Viabilidade Ambiental — EVA; (iii) autorização de
desmatamento, quando couber, expedida pelo IBAMA; (iv) cópia
da publicação do pedido de LPpro.
III - Licença de Instalação - LI, que deverá ser instruída
com os seguintes do
cumentos: (i) Requerimento de Licença de Instalação — LI; (ii)
Relatório de Avaliação Ambiental - RAA ou Estudo de Impacto
Ambiental - EIA;
(iii) outros estudos ambientais pertinentes, se houver
necessidade; (iv) autorização de desmatamento, quando couber,
expedida pelo IBAMA; (v) cópia da publicação de pedido de LI.
IV - Licença de Operação - LO: (i) Requerimento de Licença
de Operação -
LO; (ii) Projeto de Controle Ambiental - PCA; (iii) cópia da
publicação de pedido de LO.
4.3.4. Licenciamento Ambiental para Empreendimentos
Elétricos de Pequeno Porte
4.3.4.1. Introdução
Conforme se sabe, o licenciamento ambiental é o instrumento
mais importante para a aplicação do princípio da prevenção de
danos ambientais, pois é por seu intermédio que as autoridades
públicas responsáveis pela proteção ambiental podem,
Poder de Polícia Ambiental
efetivamente, adotar medidas capazes de evitar danos
ambientais ou mitigá-los. O licenciamento ambiental é um ato
administrativo complexo no qual intervêm diferentes
autoridades, associações, empreendedores etc.
O licenciamento ambiental, por diversos motivos, perdeu o
seu caráter de análise profunda das diferentes implicações
ecológicas, sociais e econômicas de um determinado projeto
para se transformar em um procedimento quase sempre buro-
crático, lento e incapaz de atender às necessidades da
sociedade que necessita de proteção ambiental e de atividades
econômicas. A crise de energia que se abateu sobre o país no
ano 2000 teve uma repercussão imediata no licenciamento
ambiental, pois a necessidade premente de novas fontes
geradoras de energia levou a uma série de investimentos em
usinas termelétricas e hidrelétricas de pequeno porte que, por
seu curto espaço de tempo para construção, desempenham um
importante papel na rápida criação de alternativas viáveis. A
Resolução CONAMA ne 279, de 27 de junho de 2001, é,
infelizmente, o reconhecimento cabal de que o modelo de
licenciamento ambiental atualmente vigente encontra-se
profundamente desgastado e não consegue cumprir com as suas
finalidades e objetivos básicos, basta que se observe o con-
junto de consideranda que inauguram a mencionada Resolução.58
4.3.4.2. Campo de Incidência da Resolução CONAMA n9 279, de 27
de Junho de 2001
A Resolução CONAMA n9 279, de 27 de junho de 2001, aplica-se
ao licenciamento ambiental simplificado de empreendimentos
elétricos, com pequeno potencial de impacto ambiental, dentre
os quais a Resolução destaca:
58 Considerando a necessidade de estabelecer procedimento
simplificado para o licenciamento ambiental, com prazo
máximo de sessenta dias de tramitação, dos empreendimentos
com impacto ambiental de pequeno porte, necessários ao
incremento da oferta de energia elétrica no País, nos termos
do Art, 8>, § da Medida Provisória ifi 2.152-2, de P de
junho de 2001; Considerando a crise de energia elétrica e a
necessidade de atender a celeridade estabelecida pela Medida
Provisória ifi 2.152-2, de P de junho de 2001; Considerando
a dificuldade de defínir-se, a priori, impacto ambiental de
pequeno porte, antes da análise dos estudos ambientais que
subsidiam o processo de licenciamento ambiental e, tendo em
vista as diversidades e peculiaridades regionais, bem como
as complexidades de avaliação dos efeitos sobre o meio
ambiente decorrentes da implantação de projetos de energia
elétrica; Considerando as situações de restrição, previstas
em leis e regulamentos, tais como unidades de conservação de
uso in direto, terras indígenas, questões de saúde pública,
espécies ameaçadas de extinção, sítios de ocorrência de
patrimônio histórico e arqueológico, entre outras, e a
necessidade de cumprimento das exigências que regulamentam
outras atividades correlatas com o processo de licenciamento
ambiental; Considerando os dispositivos constitucionais, em
especial o Artigo 225, relativos à garantia de um ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as gerações futuras;
Considerando os princípios da eficiência, publicidade,
participação e precaução; Considerando que os procedimentos
de licenciamento ambiental atuais são estabelecidos nas
Resoluções CONAMA n*s 001, de 23 de janeiro de 1986, e 237,
de 19 de dezembro de 1997, e, para empreendimentos do setor
elétrico, de forma complementar, na Resolução CONAMA rfi
006, de 16 de setembro de 1987, resolve:...
BB
raBfflggj
O artigo l9 da Resolução repete uma velha prática do CONAMA,
que é a de estabelecer normas sobre matéria para as quais ele
não possui competência constitucional ou legal. Tanto é assim
que no artigo consta: os procedimentos e prazos estabelecidos
nesta Resolução aplicam-se em qualquer nível de competência. E
evidente que o CONAMA é completamente destituído de atribuição
legal para dispor sobre questões que dizem respeito,
diretamente, às autonomias constitucionais de Estados e
Municípios, tal como definidas59 nos artigos l9 e 18 da CF. De
fato, normas meramente instrumentais, como a fixação de
procedimentos e prazos, são da mais elementar economia interna
dos Estados e Municípios.
43.4.3. Glossário da Resolução
A Resolução adotou os seguintes conceitos:
(i) Relatório Ambiental Simplificado - RAS: os estudos
relativos aos aspectos ambientais relacionados à
localização, instalação, operação e ampliação de iima
atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para
a concessão da licença prévia requerida, que conterá, dentre
outras, as informações relativas ao diagnóstico ambiental da
região de inserção do empreendimento, sua caracterização, a
identificação dos impactos ambientais e das medidas de
controle, de mitigação e de compensação.
(ii) Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais: é o
documento que apresenta, detalhadamente, todas as medidas
mitigatórias e compensatórias e os programas ambientais
propostos no RAS.
(iii) Reunião Técnica Informativa: Reunião promovida pelo
órgão ambiental competente, às expensas do empreendedor,
para apresentação e discussão do Relatório Ambiental
Simplificado, Relatório de Detalhamento dos Programas
Ambientais e demais informações, garantidas a consulta e
participação pública.
(iv) Sistemas Associados aos Empreendimentos Elétricos:
sistemas elétricos, pequenos ramais de gasodutos e outras
obras de infraestrutura comprovada- mente necessárias à
implantação e operação dos empreendimentos.
Direito Ambiental
(i) sistemas de transmissão de energia elétrica (linhas de
transmissão e subestações);
(ii) usinas eólicas e outras fontes alternativas de energia.
59 CF, Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos (...) Art. 18. A organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil compreende
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.
\
Poder de Polícia Ambiental I
O Relatório Ambiental Simplificado, em minha opinião, não é
uma contrafação do Estudo de Impacto Ambiental, pois, nos
termos da CF, o Estudo de Impacto Ambiental somente é exigível
para a instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente.60 É
óbvio que cabe aos órgãos ambientais definir aquilo que se
deve ter como, em tese, efetiva ou potencialmente causador de
significativa degradação do meio ambiente. Este, aliás, é um
critério que tem sido adotado desde a Resolução n2 001/86 do
CONAMA. Em verdade, a CF, no artigo 225, § l2, IV, pretendeu
estabelecer a necessidade de avaliação de impacto ambiental.
Esta é uma categoria ampla que contempla o estudo de impacto
ambiental.
Ora, se houve a definição de empreendimentos com pequeno
impacto ambiental, não há qualquer obrigatoriedade legal para
que tais empreendimentos sejam precedidos de estudo de impacto
ambiental, pois não caracterizada a efetiva ou potencial
signáficãtivâ degradação do meio ambiente. Não resta dúvida,
no entanto, de que uma declaração judicial poderá reconhecer a
existência dos requisitos constitucionais aptos a tomarem
exigível o estudo de impacto ambiental. O RAS parece-me,
portanto, perfeitamente legal e constitucional.
Deve ser levado em consideração, ademais, que cabe ao órgão
ambiental fazer o enquadramento da atividade pretendida dentro
dos parâmetros da Resolução n2 279/2001. O empreendedor limita-
se a solicitar o enquadramento. Caso este não seja concedido
pelo órgão ambiental, o licenciamento seguirá os procedimentos
gerais e, considerando-se que a atividade é efetiva ou
potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental, exigível o Estudo de Impacto Ambiental.61
43.4A. Procedimentos
O requerimento de Licença Prévia deve ser instruído com o
Relatório Ambiental Simplificado, que deverá atender, pelo
menos, ao conteúdo do Anexo I da Resolução,62 assim como o
registro na Agência Nacional de Energia - ANEEL, quando
60Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. § P Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)
IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade.
61 A«. 4® O órgão ambiental competente deõnirá, com base no
Relatório Ambiental Simplificado, o enquadramento do
empreendimento elétrico no procedimento de licenciamento
ambiental simpliScado, mediante decisão fundamentada em
parecer técnico. § Ia Os empreendimentos que, após análise
do órgão ambiental competente, não atenderem ao disposto no
caput Gearão sujeitos ao licenciamento não simpliScado, na
forma da legislação vigente, o que será comunicado, no prazo
de até dez dias úteis, ao empreendedor. § 2* Os estudos e
documentos juntados ao RAS poderão ser utilizados no Estudo
Prévio de Impacto Ambiental, com ou sem complementação, após
manifestação favorável do órgão ambiental.
62 ANEXO I-PROPOSTA DE CONTEÚDO MÍNIMO PARA O RELATÓRIO
AMBIENTAL SIMPLIFICADO. A - Descrição do Projeto. Objetivos
e justificativas, em relação e compatibilidade com as
políticas setoriais, planos e programas governamentais;
descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e
loca- cionais, considerando a hipótese de não-realização,
especificando a área de influência; B - Diagnóstico e
174
Direito Ambiental
couber, e pareceres dos órgãos envolvidos. Um elemento
importante na Resolução é que o § 1® do artigo 35 exige,
acompanhando o requerimento de LP, “a declaração de
enquadramento do empreendimento” à Resolução, firmada pelo
responsável técnico pelo RAS e pelo responsável principal do
empreendimento. Esta é uma medida importante, pois elimina
análises, muitas vezes, desnecessárias e, ao mesmo tempo,
firma a responsabilidade do empreendedor e seus prepostos. É
igualmente importante a obrigatoriedade de apresentação do
cronograma físico-financeiro a partir da Concessão da Licença
de Instalação, destacando-se a data de início das obras.
A expedição da Licença Prévia condiciona-se à apresentação,
quando couber, da outorga de direito de utilização dos
recursos hídricos ou da declaração da reserva de
disponibilidade hídrica, feitas pelo órgão competente. O
requerimento da Licença de Instalação deverá vir acompanhado
da comprovação do atendimento das condicionantes da licença
Prévia, do Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais,
e outras informações, quando couber. A Licença de Instalação
somente será expedida após a comprovação, quando couber, da
Declaração de Utilidade Pública do empreendimento.
4,3.4.5. Prazos
O prazo para emissão da Licença Prévia e da Licença de
Instalação é de até sessenta dias, contados a partir da data
em que o requerimento tenha dado entrada no órgão. Caso sejam
necessários estudos ambientais complementares, o prazo para a
entrega do Alvará de Licença é suspenso enquanto tais estudos
estiverem sendo realizados. Tal suspensão, de sessenta dias,
poderá ser prorrogada pelo órgão ambiental mediante
solicitação fundamentada do empreendedor. Caso os estudos não
sejam apresentados no prazo estipulado, o procedimento de
licenciamento é arquivado. A Resolução, em péssima técnica
redacional, usa o termo “cancelado”. Ora, só haveria
cancelamento se o protocolo fosse alterado, como se o
procedimento administrativo nunca houvesse existido, o que não
é o caso.
O § 4® do artigo 6S determina que:
“A Licença de Instalação perderá sua eficácia caso o
empreendimento não inicie sua implementação no prazo indicado
pelo empreendedor conforme cronograma apresentado, facultada
sua prorrogação pelo órgão ambiental mediante provocação
justificada. ”
Prognóstico Ambiental. Diagnóstico ambiental; Descrição dos
prováveis impactos ambientais e sócio-eco- nômicos da
implantação e operação da atividade, considerando o projeto,
suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos
impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios para sua
identificação, quantificação e interpretação; caracterização
da qualidade ambiental futura da área de influência, consi-
derando a interação dos diferentes fatores ambientais; C —
Medidas Mitigadoras e Compensatórias. Medidas mitigadoras e
compensatórias, identificando os impactos que não possam ser
evitados; recomendação quanto à alternativa mais favorável;
programa de acompanhamento, monitoramento e controle.
Poder de Polícia Ambiental
Aplica-se aos empreendimentos que já se encontravam em
licenciamento ambiental na data da publicação da Resolução e,
desde de que possam ser enquadrados nos seus pressupostos, o
licenciamento ambiental simplificado, qUando requerido pelo
empreendedor.
A licença de Operação será emitida pelo órgão ambiental
competente no prazo máximo de sessenta dias após seu
requerimento, desde que tenham sido cumpridas todas as
condicionantes da Licença de Instalação, no momento exigíveis,
ántes da entrada em operação do empreendimento, verificando-
se, inclusive, quando for o caso, por meio da realização de
testes pré-operadonais necessários, previamente autorizados.
4.3.4.6. Reunião Técnica Informativa
O artigo 8e define a possibilidade da realização de Reunião
Técnica Informativa, seja por iniciativa própria do órgão
ambiental, ou por solicitação de entidade civil, pelo
Ministério Público, ou por cinquenta pessoas maiores de
dezoito ános. Em minha opinião, a simples apresentação de
requerimento, desde que atendidas as formalidades legais,
impõe a convocação da Reunião Técnica Informativa, em até 20
(vinte) dias após a data de publicação do requerimento das
licenças pelò empreendedor. O mesmo prazo deve ser observado
para a realização da Reunião.
Na Retimão Técnica Informativa, é obrigatória a presença do
empreendedor, das equipes responsáveis pela elaboração do
Relatório Ambiental Simplificado e do Relatório de
Detalhamento dos Programas Ambientais, e de representantes do
órgão ambiental competente. Ê assegurado a qualquer cidadão o
direitò de se manifestar, por escrito, no prazo de quarenta
dias da publicação do requerimento de licença, cabendo ao
órgão ambiental juntar as manifestações ao processo de
licenciamento ambiental e considerá-las na fundamentação da
emissão da licença ambiental.
4.3.4.7. Publicidade
As publicações deverão ser feitas em Diário Oficial e em
jornal de grande circulação ou outro meio de comunicação
amplamente utilizado na região onde se pretende instalar o
empreendimento. Delas devem constar:
(i) a identificação do empreendedor,
(ii) o local de abrangência;
(iii) o tipo de empreendimento; e
(iv) o endereço e telefone do órgão ambiental competente.
Cabe ao empreendedor encaminhar cópia das publicações ao
Conselho de Meio Ambiente competente.
A divulgação por meio de rádio, quando determinada pelo
órgão ambiental competente ou a critério do empreendedor,
deverá ocorrer por, no mínimo, três vezes ao dia durante três
dias consecutivos em horário das 6:00 às 20:00 horas.
Direito Ambiental
4.3.5. Agentes Ambientais Voluntários
A Constituição brasileira, em seu artigo 225, determina que
todos têm o dever de proteger e preservar o meio ambiente, que
é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida. Esta é uma das normas mais importantes de nossa Lei
Fundamental. A própria CF criou uma série de instrumentos
capazes de assegurar ao cidadão vima ampla participação na
defesa do meio ambiente, dentre elas destaco: a ação popular,
o direito de representação aos Poderes Públicos, as audiências
públicas, a publicidade dos relatórios de impacto ambiental.
Para as associações que se dedicam à defesa do meio ambiente,
a CF outorgou-lhes legitimidade para o ajui- zamento de ações
civis públicas de responsabilidade. É um amplo leque de opções
que, se bem utilizado — e tem sido até aqui —, pode contribuir
enormemente para a defesa e conservação do meio ambiente.
O Poder Público, dentro do quadro legal da proteção
ambiental, está dotado de amplas prerrogativas para agir em
defesa dos valores do meio ambiente, embora nestas não se
incluam atribuir poder de polícia a particulares, pois a
polícia administrativa é uma função típica do Estado e
indelegável.
O comprometimento da administração pública com os seus
programas é facilmente medido pela análise da execução
orçamentária, e não pelo desrespeito à lei e à Constituição
que, não raras vezes, é feito com barretadas fáceis. Refiro-me
à Instrução Normativa ns 19, de 5 de novembro de 2001, do IBAMA
— Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis. Tal Instrução Normativa encerra um dos
maiores absurdos jurídicos já praticados por um órgão
ambiental em nosso país. O IBAMA, pela absurda IN, estabeleceu
critérios para a designação de Agentes Ambientais Voluntários
(AAV), que são os participantes de MUTIRÕES AMBIENTAIS “como
forma de ampliação das atividades de controle e fiscalização
do uso dos recursos naturais renováveis”. O artigo 39 da IN ns
19/2001 definiu as seguintes atribuições para os AAV: “Art. 3g
Compete aos Agentes Ambientais Voluntários: (i) atuarem sempre
através de MUTIRÕES AMBIENTAIS, como previsto no artigo 2? da
Resolução CONAMA n2 003, de 1988; (ii) lavrarem Autos de
Constatação circunstanciados e devidamente assinados pelos
presentes, sempre que for identificada infração à legislação
ambiental; (iii) reterem, quando possível, os instrumentos
utilizados na prática da infração penal e/ou os produtos dela
decorrentes, e encaminhá- los imediatamente à autoridade
policial mais próxima ”,
Uma outra questão que não pode passar em branco é a
responsabilidade civil do Estado em razão de danos praticados
pelo AAV. Refiro-me, inclusive, aos danos morais e à imagem.
Não é difícil imaginar o clima de “power rangers”ou de “cruza-
dos ambientais” que cercarão as ações dos Mutirões Ambientais.
A este respeito, o jornal Estado de S.Paulo do dia 29-11.2001
noticiou declaração de “ambientalista”, nos seguintes termos:
“Iremosprovocar e mediar mutirões ambientais no estado, que
serão operações de fiscalização de órgãos públicos com a
participação da sociedade. ” E evidente que qualquer pessoa
que seja “constatada” por um AAV que, nos termos da Resolução
ne 003/1988 do CONAMA, deverá agir com grupos de 3 (três) a 5
(cinco) pessoas, estará sofrendo um constrangimento ilegal e
que merece ser punido.
Poder de Polícia Ambiental
4.3.6. Licença Especial para Fins Científicos
O licenciamento das atividades direta ou indiretamente
ligadas ao meio ambiente divide-se em múltiplas licenças. Em
geral, os estudiosos têm dado atenção, apenas, ao
licenciamento das atividades poluidoras e têm relegado a
segundo plano a licença estabelecida pelo artigo 14 da Lei n9
5.197/67 (Código de Caça). Tal licença é referente à coleta de
material para fins científicos e é outorgada a cientistas
devidamente credenciados. A importância da referida licença é
extraordinária, pois é através da sua concessão que se podem
realizar importantes estudos sobre a vida dos animais, sobre a
biodiversidade, pesquisas concernentes à descoberta de
remédios etc.
O artigo 14, § 4a, do Código de Caça estabelece que:
Poderá ser concedida a cientistas, pertencentes a
instituições científicas oficiais ou oficializadas, ou por
estas indicadas, licença especial para a coleta de material
destinado a fins cientíãcos, em qualquer época...
§ # Aos cientistas das instituições nacionais que tenham,
por Lei, a atribuição de coletar material zoológico, para Uns
científicos, serão concedidas licenças permanentes.
Administrativamente, a concessão da referida licença foi
regulamentada pela Portaria n2 332, de 13 de março de 1990, do
IBAMA.
A Portaria regulamentadora, em seu artigo l9, estabelece
que:
A licença para coleta de material zoológico, destinado a
fins cientíãcos ou didáticos, poderá ser concedida pelo IBAMA
em qualquer época, a cientistas e profissionais devidamente
qualificados, pertencentes a instituições científicas
brasileiras públicas credenciadas pelo IBAMA ou por elas
indicadas.
O § 3e do mencionado artigo da Portaria nQ 332/90 determina
que:
A licença a que se refere o caput do artigo será concedida
em caráter temporário aos cientistas brasileiros ou
estrangeiros pertencentes a departamento ou unidade
administrativa que tenham, por lei, a atribuição de coletar
material zoológico, para fins científicos em instituição na
qual mantenham vínculo empregatício.
Em seu artigo 2S, a citada Portaria estabelece que:
A licença para a coleta de material zoológico será concedida
desde que demonstrada a sua finalidade científica ou didática
e que não afetará as populações das espécies ou grupos
zoológicos objeto da pesquisa.
No artigo 89, são estabelecidos os requisitos para a
concessão da licença.
Direito Ambiental
O licenciamento de atividades ambientais é diligência
tipicamente administrativa e, por isso, essencialmente sujeita
às regras gerais do Direito Administrativo e, evidentemente,
às normas especiais de Direito Ambiental. A licença, no
presente caso, é um direito subjetivo dos cientistas e das
instituições científicas. Mais do que isto, é um dever, na
medida em que estes não podem exercer as suas atividades em
desobediência às normas legais pertinentes.
Como se sabe, para que uma licença seja concedida, basta que
aquele que a pretenda preencha as condições legais cabíveis na
hipótese. Esta é a opinião de todos os autores. Assim é porque
o direito preexiste à própria licença. Não é a concessão da
licença que o constitui. A licença apenas declara o direito. A
concessão da licença, portanto, é obrigatória.
Se as condições para. a edição do consentimento da
Administração são estritamente aquelas que estão previstas na
norma legal, sem margem alguma de apreciação administrativa
casuística, sua cabal satisfação pelo particular postulante
obriga à outorga de uma licença.63
Celso Antônio Bandeira de Mello64 afirma, sobre a licença, que:
Uma vez cumpridas as exigências legais, a Administração não
pode negá-la.
Em igual direção estão apontados os ensinamentos de Hely
Lopes Meirelles65 e de Diógenes Gasparini.66 Para o primeiro, a
licença é
o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder
Público, verificando que o interessado atendeu às exigências
legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou realizações
de fatos materiais antes vedados ao particular, como, p. ex.,
o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em
terreno próprio.
Para o segundo, trata-se de
aro vinculado através do qual a Administração Pública faculta
ao interessado o exercício de certa atividade material, sempre
que satisfeitas as exigências legais.
63 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 10a ed., p. 296.
64 Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2a ed.,
1991, p. 23.
65 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros,
18» ed., p. 170,
66 Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 73.
Poder de Polícia Ambiental
179
a
E de se observar que a licença da qual ora tratamos não é
uma licença outorgada a particulares com a finalidade de
exercício de atividades privadas. Não. No caso específico,
cuida-se de uma licença para o exercício de uma atividade que
possui uma dúplice função. A primeira é a de atividade
laborativa capaz de assegurar a sobrevivência de um indivíduo.
A segunda é a de aprimoramento científico do País. Ambas as
finalidades merecem proteção constitucional (CF, art. 5a, IX e
XIII, c/c 218, §ls).
Basta que os interessados preencham os requisitos
estabelecidos no artigo 14 do Código de Caça para que façam
jus à licença. Tais requisitos são:
a) ser cientista;
b) estar vinculado profissionalmente a uma instituição
científica oficial ou oficializada;
c) que os trabalhos científicos a serem realizados os sèjam na
área de Zoologia.
Por instituição científica oficializada podem ser entendidas
as Universidades Privadas que, obviamente, necessitam de
autorização do Governo Federal para funcionar. Nesta categoria
podem incluir-se, ainda, fundações ou institutos de pesquisa
privados que estejam submetidos a algum tipo de fiscalização
ou controle oficial. A título de exemplo, podemos citar um
laboratório privado que esteja pesquisando algum tipo de
vacina a ser produzida a partir de produto de origem animal.
Nos presentes casos, a licença a ser concedida é a de caráter
temporário. '
Aqueles que tenham preenchido os requisitos acima e, além
disso, estejam vinculados a instituições criadas por lei têm
direito à obtenção de licença de caráter permanente. Nesta
condição, incluem-se os pesquisadores vinculados, por exemplo,
às Universidades Federais, pois estas, como se sabe, são
criadas por lei. E indiscutível que uma das finalidades
precípuas das Universidades é a pesquisa científica, seja em
Zoologia, seja nos demais campos do conhecimento humano.
Como se vê, a licença especial para fins científicos
prevista no artigo 14 do Código de Caça é um Direito subjetivo
público e, ao mesmo tempo, um dever dos pesquisadores,
cientistas e instituições científicas voltadas para o estudo
da Zoologia, de forma que estes possam exercer suas atividades
profissionais déntro da legalidade vigente no País. Uma vez
preenchidos os requisitos legais, a licença deve ser concedida
pela autoridade competente, que não pode negá-la em nenhuma
hipótese. A recusa na expedição da licença dá margem à
impetração de Mandado de Segurança, em razão do direito
líquido e certo violado.
4.3.7. Licenciamento Ambiental de Postos de Gasolina
Os postos de revenda de combustíveis, até recentemente, não
estavam submetidos ao licenciamento ambiental. O CONAMA
aprovou uma nórma geral — a ser adaptada pelos Estados às suas
realidades locais, mediante a expedição de normas
Direito Ambiental
próprias a Resolução CONAMA n2 273, de 29 de novembro de
2000,67 comple-
67 RESOLUÇÃO CONAMA N2 273 DE 29 DE NOVEMBRO DE 2000 (publicada
no DOU de 8 de janeiro de 2001). O CONAMA - CONAMA, no uso
das competências que lhe foram conferidas pela Lei n8 6.938,
de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto n°
99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto
na Resolução CONAMA n® 237, de 19 de dezembro de 1997 e em
seu Regimento Interno, e considerando que toda instalação e
sistemas de armazenamento de derivados de petróleo e outros
combustíveis, configuram-se como empreendimentos
potencialmente ou parcialmente poluidores e geradores de
acidentes ambientais; considerando que os vazamentos de
derivados de petróleo e outros combustíveis podem causar
contaminação de corpos d’água subterrâneos e superficiais,
do solo e do ar; considerando os riscos de incêndio e
explosões, decorrentes desses vazamentos, principalmente,
pelo feto de que parte desses estabelecimentos localizam-se
em áreas densamente povoadas; considerando que a ocorrência
de vazamentos vem aumentando significativamente nos últimos
anos em função da manutenção inadequada ou insuficiente, da
obsolescência do sistema e equipamentos e da feita de
treinamento de pessoal; considerando a ausência e/ou uso
inadequado de sistemas confiáveis para a detecção de
vazamento; considerando a insuficiência e ineficácia de
capacidade de resposta frente a essas ocorrências e, em
alguns casos, a dificuldade de implementar as ações
necessárias, resolve: Art. 1® A localização, construção,
instalação, modificação, ampliação e operação de postos
revendedores, postos de abastecimento, instalações de siste-
mas retalhistas e postos flutuantes de combustíveis
dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental
competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente
exigíveis. § 1® Todos os projetos de construção, modificação
e ampliação dos empreendimentos previstos neste artigo
deverão, obrigatoriamente, ser realizados, segundo normas
técnicas expedidas pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas - ABNT e, por diretrizes estabelecidas nesta
Resolução ou pelo órgão ambiental competente. § 2a No caso
de desativação, os estabelecimentos ficam obrigados a
apresentar um plano de encerramento de atividades a ser
aprovado pelo órgão ambiental competente. § 3* Qualquer
alteração na titularidade dos empreendimentos citados no
caput deste artigo, ou em seus equipamentos e sistemas,
deverá ser comunicada ao órgão ambiental competente, com
vistas à atualização dessa informação, na licença ambiental.
§ 4a Para efeito desta Resolução, ficam dispensadas dos
licenciamentos as instalações aéreas com capacidade total de
armazenagem de até quinze m3, inclusive, destinadas
exclusivamente ao abastecimento do detentor das instalações,
devendo ser construídas de acordo com as normas técnicas
brasileiras em vigor, ou na ausência delas, normas
internacionalmente aceitas. Art. 2° Para efeito desta
Resolução são adotadas as seguintes definições: I — Posto
Revendedor - PR: Instalação onde se exerça a atividade de
revenda varejista de combustíveis líquidos derivados de
petróleo, álcool combustível e outros combustíveis
automotivos, dispondo de equipamentos e sistemas para
armazenamento de combustíveis automotivos e equipamentos
medidores. II - Posto de Abastecimento-PA: Instalação que
possua equipamentos e sistemas para o armazenamento de
combustível automotivo, com registrador de volume apropriado
para O abastecimento de equipamentos móveis, veículos
automotores terrestres, aeronaves, embarcações ou
locomotivas; e cujos produtos sejam destinados
exclusivamente ao uso do detentor das instalações ou de
grupos fechados de pessoas físicas ou jurídicas, previamente
identificadas e associadas em forma de empresas,
cooperativas, condomínios, clubes ou assemelhados. III -
Instalação de Sistema Retalhista - ISR: Instalação com
sistema de tanques para o armazenamento de óleo diesel, e/ou
óleo combustível, e/ou querosene iluminante, destinada ao
exercício da atividade de Transportador Revendedor
Retalhista. IV — Posto Flutuante - PF: Toda embarcação sem
propulsão empregada para o armazenamento, distribuição e
comércio de combustíveis que opera em local fixo e
determinado. Art. 3a Os equipamentos e sistemas destinados
ao armazenamento e a distribuição de combustíveis
automotivos, assim como sua montagem e instalação, deverão
ser avaliados quanto à sua conformidade, no âmbito do
Sistema Brasileiro de Certificação. Parágrafo único.
Previamente à entrada em operação e com periodicidade não
superior a cinco anos, os equipamentos e sistemas, a que se
refere o caput deste artigo deverão ser testados e ensaiados
para a comprovação da inexistência de folhas ou vazamentos,
segundo procedimentos padronizados, de forma a possibilitar
a avaliação de sua conformidade, no âmbito do Sistema
Brasileiro de Certificação. Art. 4a O órgão ambiental compe-
tente exigirá as seguintes licenças ambientais: I — Licença
Prévia — LP: concedida na íase preliminar do planejamento do
empreendimento aprovando sua localização e concepção,
atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas
próximas fases de sua implementação; II — Licença de
Instalação-LI: autoriza a instalação do empreendimento com
as especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo medidas de controle ambien-
cgog - CH»« aupenor stssgy
Poder de Polícia Ambiental
mentada pela Resolução CONAMA ns 276, de 25 de abril de 2001. É
importante fri-
tal e demais condicionantes da qual constituem motivo
determinante; III — Licença de Operação - LO: autoriza a
operação da atividade, após a verificação do efetivo
cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as
medidas de controle ambiental e condicionantes determinados
para a operação. § Ia As licenças Prévia e de Instalação
poderão ser expedidas concomitantemente, a critério do órgão
ambiental competente. § 2a Os estabelecimentos definidos no
art. 2® que estiverem em operação na data de publicação desta
Resolução, ficam também obrigados à obtenção da licença de
operação. Art. 5E O órgão ambiental competente exigirá para o
licenciamento ambiental dos estabelecimentos contemplados
nesta Resolução, no mínimo, os seguintes documentos: I — Para
emissão das Licenças Prévia e de Instalação: a) projeto básico
que deverá especificar equipamentos e sistemas de
monitoramento, proteção, sistema de detecção de vazamento,
sistemas de drenagem, tanques de armazenamento de derivados de
petróleo e de outros combustíveis para fins automotivos e
sistemas acessórios de acordo com as Normas ABNT e por dire-
trizes definidas pelo órgão ambiental competente; b)
declaração da prefeitura municipal ou do governo do Distrito
Federal de que o local e o tipo de empreendimento ou atividade
está em con- formidade com o Plano Diretor ou similar; c)
croqui de localização do empreendimento, indicando a situação
do terreno em relação ao corpo receptor e cursos d’água e
identificando o ponto de lançamento do efluente das águas
domésticas e resíduárias após tratamento, tipos de vegetação
existente no local e seu entorno, bem como contemplando a
caracterização das edificações existentes num raio de 100 m.
com destaque para a existência de clínicas médicas, hospitais,
sistema viário, habitações muldfamiliares, escolas, indústrias
ou estabelecimentos comerciais; d) no caso de posto flutuante
apresentar cópia autenticada do documento expedido pela
Capitania dos Portos, autorizando sua localização e
funcionamento e contendo a localização geográfica do posto no
respectivo curso d’água; e) caracterização hidrogeológica com
definição do sentido de fluxo das águas subterrâneas,
identificação das áreas de recarga, localização de poços de
captação destinados ao abastecimento público ou privado
registrados nos órgãos competentes até a data da emissão do
documento, no raio de 100 ra„ considerando as possíveis
interferências das atividades com corpos d’água superficiais e
subterrâneos; f) caracterização geológica do terreno da região
onde se insere o empreendimento com análise de solo,
contemplando a permeabilidade do solo e o potencial de
corrosão; g) classificação da área do entorno dos
estabelecimentos que utilizam o Sistema de Armazenamento
Subterrâneo de Combustível - SASC e enquadramento deste
sistema, conforme NBR 13.786; h) detalhamento do tipo de
tratamento e controle de efluentes provenientes dos tanques,
áreas de bombas e áreas sujeitas a vazamento de derivados de
petróleo ou de resíduos oleosos; i) previsão, no projeto, de
dispositivos para o atendimento à Resolução CONAMA n° 9, de
1993, que regulamenta a obrigatoriedade de recolhimento e
disposição adequada de óleo lubrificante usado. II ~ Para a
emissão de Licença de Operação: a) plano de manutenção de
equipamentos e sistemas e procedimentos operacionais; b) plano
de resposta a incidentes contendo: 1. comunicado de
ocorrência; 2. ações imediatas previstas; e 3. articulação
institucional com os órgãos competentes; c) atestado de
vistoria do Corpo de Bombeiros; d) programa de treinamento de
pessoal em; 1. operação; 2. manutenção; 3. resposta a
incidentes; e) registro do pedido de autorização para
funcionamento na Agência Nacional de Petróleo - ANP; f)
certificados expedidos pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Normatização e Qualidade Industrial — INMETRO, ou entidade por
ele credenciada, atestando a conformidade quanto à fabricação,
montagem e comissionamento dos equipamentos e sistemas
previstos no art. 4a desta Reso-lução; g} para instalações em
operação definidas no art. 2« desta Resolução, certificado
expedido pelo INMETRO ou entidade por ele credenciada,
atestando a inexistência de vazamentos. § 1« Os
estabelecimentos definidos no art. 2o que estiverem em operação
na data de publicação desta Resolução para a obtenção de
Licença de Operação deverão apresentar os documentos referidos
neste artigo, em seu inciso I, alíneas “a”, “b” (que poderá
ser substituída por Alvará de Funcionamento), “d", “g”, "h“,
“i”e inciso II, e o resultado da investigação de passivos
ambientais, quando solicitado pelo órgão ambiental
licenciador. § 2® Os estabelecimentos abrangidos por esta
Resolução ficam proibidos de utilizarem tanques recuperados em
instalações subterrâneas — SASCs. Art. 6a Caberá ao órgão
ambiental competente definir a agenda para o licenciamento
ambiental dos empreendimentos identificados no art. 1® em
operação na data de publicação desta Resolução. § Ia Todos os
empreendimentos deverão, no prazo de seis meses, a contar da
data de publicação desta Resolução, cadastrar-se junto ao
órgão ambiental competente. As informações mínimas para o
cadastramento são aquelas contidas no Anexo I desta Resolução.
§ 2® Vencido o prazo de cadastramento, os órgãos competentes
terão prazo de seis meses para elaborar suas agendas e
critérios de licenciamento ambiental, resultante da atribuição
de prioridades com base nas informações cadastrais. Art. 7a
Caberá ao órgão ambiental licenciador, exercer as atividades
de fiscalização
Direito Ambiental
sar que nenhuma das Resoluções é de aplicação imediata,
necessitando — repita-se — de legislação estadual que lhes
sirvam de suporte.68
A Resolução CONAMA 273, de 29 de novembro de 2000, é uma
orientação política formulada pelo CONAMA, que funciona como
diretriz para os Estados. A propósito, vale trazer à colação a
lição da ilustre Procuradora do Estado do Paraná, Doutora
Márcia Diéguez Leuzinger,69 que sustenta:
“No Brasil, a competência concorrente, prevista pelo art. 24
da Constituição, classifica-se como não-cumulativa, cabendo à
União a edição de normas
dos empreendimentos de acordo com sua competência estabelecida
na legislação em vigor. Art. 8= Em caso de addentes ou
vazamentos que representem situações de perigo ao meio
ambiente ou a pessoas, bem como na ocorrência de passivos
ambientais, os proprietários, arrendatários ou responsáveis
pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os
fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a
unidade, responderão solidariamente, pela adoção de medidas
para controle da situação emergen- dal, e para o saneamento
das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas
pelo órgão ambiental licencíador. § Ia A ocorrência de
quaisquer acidentes ou vazamentos deverá ser comunicada
imediatamente ao órgão ambiental competente após a constatação
e/ou conhecimento, isolada ou solidariamente, pelos
responsáveis pelo estabelecimento e pelos equipamentos e
sistemas. § 2a Os responsáveis pelo estabelecimento, e pelos
equipamentos e sistemas, independentemente da comunicação da
ocorrência de acidentes ou vazamentos, deverão adotar as
medidas emergenciais requeridas pelo evento, no sentido de
minimizar os riscos e os impactos às pessoas e ao meio
ambiente. § 3a Os proprietários dos estabelecimentos e dos
equipamentos e sistemas deverão promover o treinamento, de
seus respectivos funcionários. visando orientar as medidas de
prevenção de acidentes e ações cabíveis imediatas para
controle de situações de emergência e risco. § 4a Os tanques
subterrâneos que apresentarem vazamento deverão ser removidos
após sua desgaseificação e limpeza e dispostos de acordo com
as exigências do órgão ambiental competente. Comprovada a
impossibilidade técnica de sua remoção, estes deverão ser
desgaseificados, limpos, preenchidos com material inerte e
lacrados. § 5a Responderão pela reparação dos danos oriundos de
acidentes ou vazamentos de combustíveis, os proprietários,
arrendatários ou responsáveis peio estabelecimento e/ou
equipamentos e sistemas, desde a época da ocorrência. Art. 9®
Os certificados de conformidade, no âmbito do Sistema
Brasileiro de Certificação, referidos no art. 3a desta
Resolução, terão sua exigibilidade em vigor a partir de Ia de
janeiro de 2003. Parágrafo único. Até 31 de dezembro de 2002,
o órgão ambiental competente, responsável pela emissão das
licenças, poderá exigir, em substituição aos certificados
mencionados no caput deste artigo, laudos técnicos, atestando
que a fabricação, montagem e instalação dos equipamentos e
sistemas e testes aludidos nesta Resolução, estão em
conformidade com as normas técnicas exigidas pela ABNT e, na
ausência destas, por diretrizes definidas pelo órgão ambiental
competente. Art. 10. O Ministério do Meio Ambiente deverá
formalizar, em até sessenta dias, contados a partir da
publicação desta Resolução, junto ao Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial — INMETRO, a
lista de equipamentos, sistemas e serviços que deverão ser
objeto de certificação, no âmbito do Sistema Brasileiro de
Certificação. Art. 11. A cada ano, no segundo trimestre, a
partir de 2003, o Ministério do Meio Ambiente deverá fornecer
ao CONAMA informações sobre a evolução de execuções das
medidas previstas nesta Resolução, por Estado, acompanhadas
das análises pertinentes. Art. 12. O não-cumprímento do
disposto nesta Resolução sujeitará os infratores às sanções
previstas nas Leis n®s 6.938, de 31 de agosto de 1981; 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998 e no Decreto n° 3.179, de 21 de
setembro de 1999, Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na
data de sua publicação.
68 RESOLUÇÃO CONAMA Na 276, DE 25 DE ABRIL DE 2001. Publicada
no DOUàe 3 de julho de 2001. O CONAMA — CONAMA, no uso das
competências que lhe são conferidas pela Lei n° 6.938, de 31
de agos-to de 1981, regulamentada pelo Decreto na 99.274, de
6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu
Regimento Interno, anexo à Portaria na 326, de 15 de
dezembro de 1994, resolve:
Art. Ia Prorrogar o prazo de seis meses, constante no art. 6a,
§ 1®, da Resolução na 273, de 29 de novembro de 2000, publicada
no Diário Oficial da União de 8 de janeiro de 2001, Seção I,
p. 20, por mais noventa dias, a contar do seu término. Art. 2a
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
69 Ver: LEUZINGER, Márcia Diéguez. Meio Ambiente —propriedade
e repartição constitucional de competência. RJ: Esplanada,
2002, p. 125.
££•?'
■ Poder dePolícia
Ambiental
gerais, assim entendidas como normas fundamentais ou
diretrizes, e aos Estados, de normas específicas e de
aplicação.”
O Professor Paulo Affonso Leme Machado70 sustenta que:
“Assim, não se suplementa a legislação que não exista.
Portanto, quando a competência da pessoa de Direito Público
interno for somente suplementar a legislação de outro ente, se
inexistirem normas, não existirá o poder supletório. Não se
suplementa uma regra jurídica simplesmente pela vontade dos
Estados inovarem diante da legislação federal. A capacidade
suplementária está condicionada à necessidade de aperfeiçoar a
legislação federal ou diante da constatação de lacunas ou
imperfeições da norma geral federaF (grifei).
Estabelece a Resolução ne 273/2000 que:
“Art. 1Q A localização, construção, instalação, modificação,
ampliação e operação de postos revendedores, postos de
abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos
flutuantes de combustíveis dependerão de prévio licenciamento
do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças
legalmente exigíveis.
Art. 4a O órgão ambiental competente exigirá as seguintes
licenças ambientais: I - Licença Prévia - LP: concedida na
fase preliminar do planejamento do empreendimento aprovando
sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental
e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem
atendidos nas próximas fases de sua implementação; II -
Licença de Instalação - LI: autoriza a instalação do
empreendimento com as especificações constantes dos planos,
programas e projetos aprovados, incluindo medidas de controle
ambiental e demais condicionantes da qual constituem motivo
determinante; III - Licença de Operação — LO: autoriza a
operação da atividade, após a verificação do efetivo
cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as
medidas de controle ambiental e condicionantes determinados
para a operação. § 1^ As Licenças Prévia e de Instalação
poderão ser expedidas conco- mitantemente, a critério do órgão
ambiental competente. § 22 Os estabelecimentos definidos no
art. 2® que estiverem em operação na data de publicação desta
Resolução ficam também obrigados à obtenção da licença de
operação.
Art. 6e Caberá ao órgão ambiental competente definir a
agenda para o licenciamento ambiental dos empreendimentos
identificados no art. I2 em operação na data de publicação
desta Resolução. § le Todos os empreendimentos \ deverão, no
prazo de seis meses, a contar da data de publicação desta
Resolução,
í cadastrar-se junto ao órgão ambiental competente. As
informações mínimas
70 Ver: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Malheiros. S3 edição, 2000, p. 79.
Direito Ambiental
para o cadastramento são aquelas contidas no Anexo I desta
Resolução. § 2e Vencido o prazo de cadastramento, os órgãos
competentes terão prazo de seis meses para elaborar suas
agendas e critérios de licenciamento ambiental, resultante da
atribuição de prioridades com base nas informações cadastrais.
Art. 7- Caberá ao órgão ambiental licenciador exercer as
atividades de fiscalização dos empreendimentos de acordo com
sua competência estabelecida na legislação em vigor.”
A Resolução CONAMA ne 273/2000 não é imediatamente exigível,
pois limita- se a estabelecer um modelo com critérios mínimos
a serem observados pelos Estados- Membros da Federação quando
da implementação das medidas de controle ambiental. A boa
doutrina administrativista, da qual José dos Santos Carvallio
Filho71 é um excelente exemplo, tem definido o Poder
Regulamentar da seguinte forma:
“O poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a
existência desta. E com esse enfoque que a Constituição
autorizou o chefe do Executivo a expedir decretos e
regulamentos: viabilizar a efetiva execução das leis (art. 84,
IV).
Por essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a
lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício
somente pode dar-se secun- dum legem, ou seja, em conformidade
com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. Decorre
daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e
obrigações, porque tal é vedado num dos postulados
fundamentais que norteiam nosso sistema jurídico: ‘Ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei’ (art. 5e, II, CF).”
Como se sabe, as resoluções são atos normativos de escala
hierárquica inferior que não podem ultrapassar os limites da
lei e mesmo dos decretos. Existem para dar forma à atividade
administrativa e fazer a administração se mover em casos
concretos. No caso vertente, a Resolução n9 273/2000 expressa
vima manifestação do órgão colegiado centro do Sistema
Nacional de Meio Ambiente — SISNAMA que, por integrado pelos
Estados e por outros órgãos — estabelece uma diretriz a ser
considerada pelos Estados da federação quando necessário o
licenciamento ambiental das atividades que estão sendo
examinadas.
Conforme se depreende de todo o acima exposto, o
licenciamento ambiental é uma atividade desenvolvida pelos
Estados e não pela União, mediante a atuação do IBAMA -
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis,72 motivo pelo qual é evidente a necessidade de
normas estaduais capazes de viabilizar as diretrizes
estabelecidas pela Resolução CONAMA ns 273/2000.
Firmes no mesmo entendimento acima, diferentes Estados da
Federação passaram a adotar normas para licenciamento
ambiental, conforme veremos a seguir.
71 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 31.
72 A competência do IBAMA para licenciar somente ocorre quando
for expressamente prevista em lei.
Poder de Polícia Ambiental
4.3.7.1. Minas Gerais
O Estado de Minas Gerais disciplinou a matéria mediante a
expedição da Deliberação Normativa COPAM n9 50, de 28 de
novembro de 2001,73 publicada no
73 “Deliberação Normativa COPAM n8 50, de 28 de novembro de
2001. Estabelece os procedimentos para o licenciamento
ambiental de postos revendedores, postos de abastecimento,
instalações de sistemas retalhistas e postos flucuantes de
combustíveis e dá outras providências (Publicação — Diário
do Executivo - Minas Gerais ~ 15/12/2001). O Presidente do
Conselho Estadual de Política Ambiental - COPAM, no uso da
atribuição que lhe confere o artigo 10, inciso VI, do
Decreto n® 39.490, de 13 de março de 1998, tendo em vista o
disposto no artigo 4a, inciso VIII, da Lei n5 12.585, de 17
de junho de 1997, no artigo 40 do Decreto n® 39.424, de 5 de
fevereiro de 1998, e a proposta aprovada pela Câmara de
Política Ambiental na reunião de 20 de novembro de 2001, bem
como a necessidade de sua adoção imediata: DELIBERA: Art. 1®
A localização, construção, instalação, modificação,
ampliação e operação de postos revendedores, postos de
abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos
flutuantes de combustíveis dependerão de prévio
licenciamento ambiental, conforme as normas da Resolução
CONAMA n® 273, de 29 de novembro 2000, e o disposto por esta
Deliberação Normativa. Art. 2° O licenciamento ambiental das
atividades a se instalarem a partir da data de publicação
desta Deliberação Normativa compreenderá a Licença Prévia,
Licença de Instalação e Licença de Operação, sendo as
Licenças Prévia e de Instalação concedidas
concomitantemente, conforme o § Ia do artigo 4« da Resolução
CONAMA n® 273, de 29 de novembro 2000. Parágrafo único. Para
obtenção concomitante das Licenças Prévia e de Instalação,
serão apresentados os documentos previstos pelo inciso I, do
artigo 5®, da Resolução CONAMA n® 273, de 29 de novembro
2000. Art. 3® Caso a etapa prevista para a obtenção de
licença Prévia ou licença de Instalação esteja vencida, a
mesma não será expedida,- não desobrigando o interessado da
apresentação ao COPAM das informações cabíveis, para a
obtenção da Licença de Operação. § 1® Para a obtenção da
Licença de Operação dos empreendimentos iá instalados ou em
operação na data de publicação desta Deliberação Normativa-
o empreendedor deverá apresentar a documentação exigida pelo
§ Ia, artigo 5* da .Besolução CONAMA ns 273. de 29 de
novembro 2000. § 2a Além da apresentação dos documentos
exigidos pelo parágrafo anterior, os empreendimentos a que
se refere este artigo deverão cumprir, para a obtenção da
Licenca de Operação, as seguintes medidas de controle
ambiental. nos prazos respectivos, contados a partir da
publicação desta Deliberação Normativa: I — (REVOGADO); II —
instalar válvulas de recuperação de gases nos respiros: 6
(seis) meses; 1H- efetuar teste de estanqueidade em tanques
subterrâneos instalados a mais de 10 (dez) anos: 6 (seis)
meses, conforme NBR n® 13.784; IV - concretar pista da área
da troca de óleo e da lavagem de veículos: 6 (seis) meses; V
— instalar Caixa Separadora de Água e óleo — SAO na área de
lavagem de veículos, troca de óleo: 8 (oito) meses; VI -
apresentar controle de manutenção dos SAOs; 12 (doze) meses;
VII — apresentar proposta de cronograma para troca dos
tanques subterrâneos instalados há mais de 20 anos: 60
(sessenta) dias; VIII - apresentar proposta de cronograma
para troca dos tanques subterrâneos instalados há mais de 10
(dez) anos que, após o teste de estanqueidade, constante do
inciso III, acusarem va-zamentos: 60 (sessenta) dias; IX —
concretar pista cujo SASC estanques com menos de 10 anos de
instalação possuírem piso de paralelepípedo, de asfalto
etc.: 60 (sessenta) dias; X - apresentar outorga de direito
de uso de recursos hídricos, quando necessário; XI —
apresentar projeto e cronograma de implantação de passeio na
área do empreendimento com o objetivo de facilitar o
trânsito de pedestres à frente do posto de combustíveis,
aprovado pelos órgãos competentes (Prefeitura Municipal,
Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas
Gerais — DES/MG ou Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem — DNER): 6 (seis) meses. § 3® Caso seja constatada a
não-estanquiedade dos tanques após o teste exigido pelo
inciso UI do parágrafo anterior, a utilização dos mesmos
deve ser suspensa imediatamente. Art. 4® Fica acrescido ao
Anexo I da Deliberação Normativa n® 1, de 22 de março de
1990, o seguinte item: “91 — Atividades Diversas 91.23.00-9
— Postos revendedores, postos de abastecimento, instalações
de sistemas retalhistas e postos flutuantes de combustíveis.
Pot. Poluidor/degradadon Ar = P Água = P Solo = M Geral = P
Porte: CA £ 45 : pequeno
45 > CA £ 90 : médio
CA > 90 : grande”
186
Direito Ambiental
“Minas Gerais” aos 15 de dezembro de 2001. Pela mencionada
deliberação COPAM, é possível se verificar que a primeira
exigência feita aos revendedores somente se tomou exigível 6
(seis) meses após a sua publicação.
“Art. 3a Caso a etapa prevista para a obtenção de Licença
Prévia ou Licença de Instalação esteja vencida, a mesma não
será expedida, não desobrigando o interessado da apresentação
ao COPAM das informações cabíveis, para a obtenção da Licença
de Operação.
§ Ia Para a obtenção da Licença de Operação dos
empreendimentos já instalados ou em operação na data de
publicação desta Deliberação Normativa, o empreendedor deverá
apresentara documentação exigida pelo § 1°, artigo 5*, da
Resolução CONAMA 273, de 29 de novembro 2000.
§ 2? Além da apresentação dos documentos exigidos pelo
parágrafo anterior, os empreendimentos a que se refere este
artigo deverão cumprir, para a obtenção da Licença de
Operação, as seguintes medidas de controle ambiental, nos
prazos respectivos, contados a partir da publicação desta
Deliberação Normativa:
I - (REVOGADO);
II - instalar válvulas de recuperação de gases nos respiros: 6
(seis) meses;
Hl -efetuar teste de estanqueidade em tanques subterrâneos
instalados há mais de 10 (dez) anos: 6 (seis) meses,
conforme NBR nfi 13.784;
IV — concretar pista da área da troca de óleo e da lavagem de
veículos — 6 (seis)
meses;
V - Instalar Caixa Separadora de Água e Óleo ~ SAO na área de
lavagem de
veículos, troca de óleo: 8 (oito) meses;
VI - apresentar controle de manutenção das SAOs: 12 (doze)
meses;
VII - apresentar proposta de cronograma (...).”
4.3.7.2. Rio de Janeiro
O Estado do Rio de Janeiro, como não poderia deixar de ser,
utilizando-se de suas competências, adotou o mesmo critério
dos demais Estados da federação e edi-
Parágrafo único. Fica acrescida a sigia CA, significando
Capacidade de Armazenagem, em metros cúbicos (CA - m3), na
Tabela A-3, do Anexo I da Deliberação Normativa n« 1 de 22 de
março de 1990. Art. 5* Ficam convocados ao licenciamento
ambiental, na forma do artigo 39 desta Deliberação Normativa,
todos os postos revendedores, postos de abastecimento,
instalações de sistemas retalhistas e postos flutuantes de
combustíveis em operação no Estado na data de Publicação desta
Deliberação Normativa, conforme publicação de agenda a ser
deünida pela FEAM. Art. 6o Ficam dispensadas do licenciamento
ambiental a que se refere esta Deliberação Normativa as
instalações aéreas com capacidade total de armazenagem menor
ou igual a 15 m3 (quinze metros cúbicos), desde que destinadas
exclusivamente ao abastecimento do detentor das instalações,
devendo ser construídas de acordo com as normas técnicas em
vigor, ou, na ausência delas, com normas internacionalmente
aceitas. Art. 7* Quanto aos empreendimentos a que se refere
esta Deliberação Normativa, não incidem as normas do § 5’, do
artigo 2S, da Deliberação Normativa nB 1, de 22 de março de
1990. Art. 89 Esta Deliberação Normativa entra em vigor na data
de sua publicação e revoga as disposições em contrário. Belo
Horizonte, 28 de novembro de 2001.”
Poder de Polícia Ambiental
tou normas próprias para que os postos de combustível
passassem a se enquadrar no regime de licenciamento ambiental.
Assim é que a Comissão Estadual de Licenciamento Ambiental -
CECA expediu normas referentes ao mencionado licenciamento
ambiental. Veja-se a DELIBERAÇÃO CECA/CN Ns 4.138, de 12 de
março de 20027*
4.3.7.3. São Paulo
No Estado de São Paulo, a matéria está regida pela Resolução
SMA n9 05, de 28.03.2001,75 que “dispõe sobre a aplicação e o
licenciamento ambiental das fontes de poluição a que se refere
a Resolução n3 273, de 29 de novembro de 2000, do CONAMA -
CONAMA. ”
A mencionada Resolução determina que:
“O Secretário do Meio Ambiente, no cumprimento de suas
atribuições legais e considerando o disposto na Resolução ne
273, de 29 de novembro de 2000, do CONAMA - CONAMA, resolve:
Art. Ia Compete à CETESB - Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambiental, vinculada à Pasta, a aplicação do
disposto na Resolução n2 273, de 29 de novembro de 2000, do
CONAMA - CONAMA, bem como a correlata fiscalização e
licenciamento ambiental das fontes de poluição a que se
refere.
74 "DELIBERAÇÃO CECA/CN No 4.138, de 12 de março de 2002.
Aprova a DZ~l.841.R-0 — Diretriz para o Licenciamento
Ambiental e para a autorização do encerramento das
atividades dè postos de serviços, que disponham de sistemas
de acondicionamento ou armazenamento de combustíveis,
graxas, lubriScantes e seus respectivos resíduos, e dá
outras providências. A Comissão Estadual de Controle
Ambiental - CECA, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro,
através da Câmara de Norraatização, no uso das atribuições
que lhe são conferidas pelo Decreto-Lei n2 134, de 16 de
junho de 1975, e pelos Decretos n^s 1.633, de 21 de dezembro
de .1977, e 21.287, de 23 de janeiro de 1995, CONSIDERANDO o
que consta do Processo na E-07/200973/97, CONSIDERANDO o que
dispõe a Deliberação CECA/CN na 3.710, de 07 de maio de
1998, que altera a Deliberação CECA/CN n5 3.588, de 23 de
dezembro de 1996, e dá outras providências, DELIBERA: Art.
Ia Aprovar e mandar publicar a DZ-1841.R-0 - DIRETRIZ PARA O
LICENCIAMENTO AMBIENTAL E PARA A AUTORIZAÇÃO DO ENCERRAMENTO
DAS ATIVIDADES DE POSTOS DE SERVIÇOS QUE DISPONHAM DE SISTE-
MAS DE ACONDICIONAMENTO OU ARMAZENAMENTO DE COMBUSTÍVEIS,
GRAXAS, LUBRIFICANTES E SEUS RESPECTIVOS RESÍDUOS. Art. 2«
Ficam suieitos ao licenciamento ambiental os empreendimentos
abrangidos pela Diretriz aprovada no artigo Ia desta
Deliberação. Art. 3a As prioridades para o licenciamento
desta tipologia serão definidas oportunamente através de
nova Deliberação. Art.
4 Os empreendi mentos que apresentam ou tenham apresentado
a
1. Apresentação
Para que o EIA possa ser juridicamente válido, é necessário
que preencha uma série de requisitos de ordem formal e
material. Infelizmente, os referidos requisitos não se
encontram organizados e sistematizados em um único diploma
legal; ao contrário, encontram-se distribuídos ao longo de
diversas Resoluções do CONAMA, sem que haja uma organicidade
entre as mesmas.
Os requisitos de conteúdo encontram-se previstos na
Resolução ne 1/86, em seus artigos 59 e 99. Já os requisitos
formais estão na própria Resolução n2 1/86 e na Resolução ns
1/88.
2. Requisitos de Conteúdo
Requisitos de conteúdo são aqueles que dizem respeito aos
aspectos materiais que devem estar presentes nas Avaliações de
Impactos Ambientais - AIA, expressas em estudo de impacto
ambiental e em seus Relatórios de Impacto sobre o Meio
Ambiente ~ RIMA. O sistema jurídico brasileiro, fundado no
princípio da legalidade,1 impede que os aspectos e questões
que, necessariamente, devem estar contidos em estudos e
relatórios de impacto ambiental sejam aleatórios, ou feitos
sem a existência prévia de uma norma legal. Assim sendo, a
legislação ambiental brasileira estabelece um conteúdo
material mínimo que deve estar presente em todas as avaliações
de impacto ambiental, que devem ser submetidas ao Poder
Público para fins de licenciamento de uma atividade ou
empreendimento. Nada impede, contudo, que a equipe técnica
responsável pelo EIA avance na análise de assuntos que não são
formalmente exigidos pelas normas legais. Evidentemente que,
em tais casos, as informações colhidas servirão, apenas, de
subsídio para o órgão licenciante. Tudo aquilo que exceder a
exigência legal deve ser tido como mera informação.
O artigo 59 da Resolução do CONAMA n9 1, de 23 de janeiro de
1986, estabelece que o estudo de impacto ambiental deverá
obedecer às seguintes diretrizes gerais:
I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de
localização do pro-
jeto} confrontando-as com a hipótese de não-execução do
projeto;
1 CF, art. 5«, II.
Direito Ambiental
II - identificar e avaliar sistematicamente os impactos
ambientais gerados nas fases de implantação e operação da
atividade;
III - definir os limites da área geográfica a ser direta ou
indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de
influência do projeto, considerando, em todos os casos, a
bacia hidrográfica na qual se localiza;
IV - considerar os planos e programas governamentais,
propostos e em implantação na área de influência do projeto, e
sua compatibilidade.
É de se considerar que, quando da determinação da realização
do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual, federal ou
municipal, conforme o caso, poderá determinar as diretrizes
adicionais que, em razão das peculiaridades do projeto e
características ambientais da área, façam-se necessárias,
indicando, inclusive, os prazos para que os estudos sejam
concluídos. Assim sendo, o órgão licenciante, quando formular
a exigência de que seja feito um EIA, deverá indicar
imediatamente quais são os estudos complementares necessários.
Ultrapassada esta fase, a agência ambiental não poderá
formular outras exigências para o empreendedor. Aqui, opera-se
uma preclusão administrativa. Assim é, na medida em que os EIA
são estudos de longa duração, complexos e caros, e,
evidentemente, compete à Administração Pública expor,
claramente, aquilo que deseja saber sobre um projeto
determinado. Exigências imprecisas, pouco claras ou sem base
legal devem ser evitadas, pois somente servem para causar
prejuízos a toâas as partes envolvidas, inclusive para a
Administração Pública, visto que o Poder Judiciário poderá
invalidar as exigências ilegais.
A determinação regulamentar é no sentido de que o órgão
licenciante e a própria equipe que se encarregará de realizar
o trabalho utilizem uma determinada abordagem filosófica no
desenvolvimento do estudo de impacto ambiental. A abordagem
requerida pela legislação brasileira é interdisdpiinar e
abrangente. Deve prever todas as hipóteses suscitadas pelo
empreendimento. Como se materializam as determinações do
artigo 59? Passemos a examinar o que é desejado pela norma
legal.
2.1. Alternativas Tecnológicas e de Implantação
O estudo de impacto ambiental deve examinar todas as opções
tecnológicas para que a finalidade do empreendimento proposto
possa ser alcançada. Exemplificati- vamente, se o projeto a
ser implantado tem por finalidade a geração de energia elé-
trica para uma determinada região, é necessário que a equipe
técnica examine todas as possibilidades de geração elétrica
disponíveis. Assim sendo, deverão ser vistas as consequências
da geração hidrelétrica, termelétrica, eólica etc. Neste
ponto, a análise prende-se ao aspecto tecnológico, isto é, se
a tecnologia disponível atende, do ponto de vista da qualidade
do produto final, à demanda concreta. A análise tecnológica
implica, necessariamente, o exame de outros fatores envolvidos
no projeto. Dentre todos os fatores factíveis de exercer
influência na implementação de nTn projeto, obviamente, avulta
o fator econômico. A relação comparativa entre os custos dos
diversos projetos e a análise dos benefícios eventualmente
gerados por cada uma opções é fundamental na definição da
alternativa tecnológica a ser adotada. Não há
Requisitos do EIA
como dissociar a análise tecnológica do custo da tecnologia.
Um elemento importante que não pode ser descurado é aquele que
determina a opção pela melhor tecnologia disponível, isto é,
em geral, os projetos devem ser implantados com a utilização
dos aparelhos e tecnologias que sejam os mais eâcientes em
termos de proteção ambiental.
Nem a equipe técnica nem o órgão licenciante estão adstritos
a examinar, apenas, a opção tecnológica oferecida pelo
empreendedor. É possível que um projeto seja inviável com a
utilização de uma determinada opção tecnológica e perfeitamen-
te viável se for adotado outro caminho técnico. O mesmo deve
ser dito quanto à localização. O local pretendido, muitas
vezes, pode não ser o adequado e a equipe técnica deve dizê-lo
claramente, inclusive sugerindo outra localização.
Uma questão polêmica é a da opção zero, isto é, a análise
dos efeitos produzidos pela não-realização do empreendimento.
Trata-se, evidentemente, de comparar a situação ecológica
atual da região em que se pretende implantar determinado
projeto com a situação futura. Não se trata, contudo, apenas
disso. Deve ser analisada, igualmente, a situação econômico-
social da área de influência do projeto nas hipóteses de
realização e de não-realização do empreendimento. Aqui é
preciso lembrar que a legislação brasileira, em matéria
ambiental, tem como um de seus objetivos... assegurar...
condições de desenvolvimento socioeconômico.2 Parece-nos,
portanto, que a opção zero somente deve ser considerada como a
mais adequada quando o projeto causar grandes impactos
ambientais, sem possibilidade de mitigação aceitável, e que os
seus resultados econômíco-sociais sejam desprezíveis. Deve ser
relembrado que, no regime constitucional brasileiro, a regra
ambiental não é a da intocabilidade do meio ambiente, mas, ao
contrário, a da utilização equilibrada. Aliás, este é um dos
motivos pelos quais se afirma a extraordinária importância da
Avaliação de Impactos Ambientais. Se a regra fosse a da
intocabilidade, seriam desnecessários os estudos de impacto.
2.2. Impactos Ambientais Gerados na Fase de Implantação e na
Fase de
Operação
A avaliação dos impactos ambientais derivados da fase de
implantação e de operação do projeto não se constitui matéria
de fácil análise. O impacto da fase de implantação é de curto
prazo e não exige maior esforço de investigação, muito embora
os seus efeitos possam ser duradouros. O impacto ambiental
gerado na fase de implantação é, ainda, bastante visível, de
imediato reconhecimento. A sua caracterização, portanto, é
menos problemática do ponto de vista tecnológico e científico.
A questão toma-se complexa quando se trata dos impactos
ambientais decorrentes da fase de operação. Normalmente, são
utilizados modelos matemáticos, que buscam realizar simulações
das situações que, eventualmente, poderão apresentar-se quando
o empreendimento estiver em pleno funcionamento. Apesar da
sofisticação
2 Lei 6.938/81, art. 2°.
Direito Ambiental
do método, não raro, a natureza apresenta surpresas que os
melhores modelos matemáticos têm dificuldade de prever.
2.3. Área Geográfica a Ser Diretamente Atingida
A análise dos impactos ambientais ao longo do tempo será uma
função da análise dos impactos ambientais em uma determinada
área geográfica, a chamada área de influência do projeto. A
definição da área de influência é uma das tarefas mais
inglórias em matéria de estudos ambientais. A enorme inter-
relação entre todos os componentes da biosfera fazem com que
os atos praticados localmente repercutam globalmente. O
fenômeno da poluição transfronteira, das chuvas ácidas e
outros demonstram a dificuldade da abordagem do tema.
Obviamente que a resolução não pretende o impossível, mas
apenas e tão-somente que se faça um estudo cientificamente
sério e dentro de limites razoáveis. O referencial da bacia
hidrográfica é razoável e somente precisará ser ultrapassado
em circunstâncias específicas e peculiares. Paulo Affonso Leme
Machado3 sugere um critério casuístico bastante útil: A
possibilidade de se registrarem impactos significativos é que
vai definir a área chamada de influência do projeto.
2.4. Consideração de Planos e Programas Governamentais
Com o planejamento urbano e industrial que hoje é cada vez
mais uma presença na atividade humana, não se pode deixar de
considerar o projeto a ser implantado em integração com todo o
planejamento governamental para a região na qual este deverá
ser localizado. Assim sendo, pode ocorrer que a região esteja
planejada para ser uma área de residências, impedindo a
implantação da atividade industrial.
2.5. Impactos Sociais e Humanos
A Resolução n5 1/86 do CONAMA não exige, explicitamente, a
análise dos impactos sociais e humanos do projeto proposto. O
entendimento da necessidade da realização de tal análise
decorre de uma compreensão holística das ciências ambientais
e, evidentemente, do próprio DA. O conjunto de disposições
legais contidas na Lei ne 6.938/81 é suficiente para demonstrar
que, efetivamente, os impactos sociais e humanos dos projetos
a serem implantados devem ser examinados pelo EIA, sob pena de
nuhdade do próprio estudo. Além de instituto
constitucionalmente previsto,4 o estudo de impacto ambiental5 é
um dos instrumentos da PNMA.6 Ora, na qua-
3 Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 4» ed„
1992, p. 136.
4 CF, art. 225, § 1«, IV.
5 Na hipótese, denominado mais abrangentemente como Avaliação
de Impacto Ambiental — AIA.
6 Lei na 6.938/81, art. 9o.
Requisitos do EIA
lidade de instrumento da PNMA, os EIA têm por desiderato o
alcance dos objetivos fixados para a PNMA. Como se sabe, o
artigo 2e da Lei ns 6.938/81 determina que, dentre os objetivos
da PNMA, estão os de recuperação da qualidade ambiental pro-
pícia à vida e a proteção da dignidade humana. Necessário,
portanto, que as repercussões sociais e humanas dos projetos
sejam bem examinadas no estudo para que este seja válido e
completo.
Não bastassem os argumentos acima expendidos, é de se
acrescentar que a própria Lei n2 6.938/81, em seu artigo 3Q,
inciso III, estabelece que:
Art. 3Q Para os fms previstos nesta Lei, entende-se por:
(~)
III - poluição: a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas...
Ora, se a avaliação dos impactos ambientais, em última
análise, tem por finalidade a pesquisa e o descobrimento das
repercussões eventualmente geradas pela poluição causada por
um empreendimento especificamente considerado, e que, no
próprio conceito de poluição, estão incorporadas as
perturbações sensíveis da atividade social e econômica, não se
pode deixar de incluir nas análises dos impactos tudo aquilo
que seja repercussão na vida social e econômica da população
da área de influência do projeto.
Necessário se faz que o aspecto qualidade de vida seja
examinado de forma muito clara e precisa. A implantação de
projetos e a utilização de recursos ambientais devem ser
realizadas com vários objetivos e, dentre estes, não pode
faltar o da geração de empregos e da utilização de mão-de-obra
local. Decorre daí que o próprio conceito de melhor tecnologia
disponível (visto acima) deve ser compreendido, também, sob o
ponto de vista do aproveitamento profissional de inúmeros
desempregados. Portanto, um impacto sobre o meio ambiente
humano que deve ser examinado é o da geração de empregos,
embora não seja o único.
3. Requisitos Técnicos
O artigo ô2 da Resolução n9 1/86 do CONAMA determina quais
são as alternativas técnicas mínimas que deverão ser
desenvolvidas no EIA. O primeiro requisito é o diagnóstico da
área de influência do projeto, completa descrição e análise
dos recursos ambientais e suas interações, tal como existentes
antes da implementação do projeto, de modo a caracterizar a
situação ambiental da área. Trata-se, portanto, de um
inventário ambiental da região. Há determinação normativa de
que, no curso do aludido inventário, sejam considerados três
parâmetros, que são:
Direito Ambiental
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima,
destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e
aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as
correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais — a fauna e a
flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade
ambiental, de valor científico-econô- mico, raras e
ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;
c) o meio socioeconômíco — o uso e ocupação do solo, os usos
da água e a socioe- conomia, destacando os sítios e
monumentos arqueológicos, históricos e culturais da
comunidade, as relações de dependência entre a sociedade
local, os recursos ambientais e o potencial de utilização
futura destes recursos.
Não são poucas as exigências contidas neste primeiro inciso
do artigo 6a. A primeira providência a ser tomada é uma ampla
investigação sobre a base física na qual deverá ser instalado
o projeto proposto, para que se saiba de sua compatibilidade
com a instalação projetada. Este é um exame preliminar. Em
determinados momentos, é possível que se verifique que o
lençol freático não comporta o projeto, embora haja
compatibilidade do projeto com o regime de ventos da região
etc. Além das repercussões sobre o meio físico, devem ser
examinadas as suas repercussões sobre a vida animal e vegetal
existentes na região na qual se pretende executá-lo. Ê uma
análise ampla. Muitas vezes, um projeto poderá tomar inviável
a sobrevivência de uma espécie animal ou vegetal; poderá
afetar as características básicas de vida de animais e
vegetais. Estes elementos devem ser sopesados, e propostas
alternativas capazes de viabilizar a vida devem ser
apresentadas para exame. A questão grave que se coloca é
quando, por exemplo, tomar-se factível a extinção de uma
determinada espécie animal ou vegetal em razão do projeto.
Neste caso, é necessário que se faça uma dura opção entre os
eventuais benefícios compreendidos pelo projeto e os danos
ambientais, cuja quantificação é extremamente difícil, senão
impossível. Nestes casos, o projeto deverá prever e prover os
meios que se façam necessários para que se evite uma perda
irreparável em termos ambientais.
O que deve estar contido no EIA é tuna exposição clara e
precisa dos impactos. Caberá à sociedade avaliar quais as
opções a serem tomadas diante do caso concreto. O EIA, na
medida do possível, não deve formular juízos de valor, uma vez
que esta não é a sua finalidade. O que deve estar contido no
EIA é a mais ampla pluralidade de alternativas e situações
possíveis. Os julgamentos de valor devem ser feitos pelas
autoridades governamentais e pela sociedade.
Por fim, faz~se necessária uma análise cultural do projeto,
ou seja: como o empreendimento irá repercutir na vida social
de uma determinada localidade. Este é um elemento fundamental,
pois não se pode esquecer que a vida humana é um dos valores
ambientais mais caros, senão o mais caro. Não se pode admitir
a destruição de localidades inteiras, de modos de vida e de
cultura, sob o pretexto do “progresso”. A história recente do
Brasil bem demonstrou tristes exemplos de destruição de co-
munidades inteiras para a construção de barragens e outros
empreendimentos de grande porte. Felizmente, de algum tempo
para cá, está se organizando um forte movimento de cidadãos em
defesa de suas comunidades, que já logrou conquistar
Requisitos do EIA
algumas vitórias contra a destruição de seus valores
culturais. Há uma importante decisão do TRF da 4a Região que
determinou a paralisação das obras de construção de uma
barragem, pois estas não haviam sido precedidas do EIA.7
Algumas outras decisões no mesmo sentido já vêm sendo tomadas
por diversas Cortes brasileiras.
O inciso II do artigo 69 determina seja analisada a natureza
do impacto a ser produzido pelo projeto. Nesta análise deverão
estar incluídas também as alternativas para os impactos.
Deverão ser analisados os impactos positivos e os negativos
que, eventualmente, serão produzidos. Estes impactos deverão
ser dimensionados em curto, médio e longo prazos. Deverão,
ainda, ser estudados quais os impactos que permanecerão
perenes e quais aqueles outros que somente se manifestarão ao
longo de certo lapso de tempo. Parece-nos importante afirmar
que os impactos ambientais nem sempre são negativos.
A caracterização dos impactos ambientais como algo negativo
em si deve ser rejeitada por ser preconceituosa e pouco útil
para o desenvolvimento social e a própria proteção ambiental.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, possui um belíssimo
exemplo de impacto ambiental positivo que nos é dado pelo
Aterro do Flamengo. Como se sabe, a construção do Aterro do
Flamengo foi feita com pedras e terra retiradas do desmonte do
Morro de Santo Antônio, situado no Centro da cidade.
Gonstruiu~se o aterro, com belíssimos jardins e monumentos,
área de recreação para milhares de pessoas, solucionou-se o
problema de trânsito da Zona Sul da cidade para o Centro e,
por fim, estabeleceu-se uma nova urbanização para a área do
Morro de Santo António. Como se vê, portanto, a retomada de um
pedaço da Baía de Guanabara e o desmonte do Moiro de Santo
Antônio foram amplamente compensados. Um outro exemplo
positivo de impacto ambiental nos é trazido pelo Elevado do
Joá, também na cidade do Rio de Janeiro; trata-se da
construção de estrada que, margeando o mar, incorporou-se de
tal maneira à montanha que circunda que, de fato, passou a
integrar o complexo ecológico da região.
Os impactos ambientais negativos, por serem os mais
corriqueiros, não necessitam de menção específica neste
trabalho.
A conclusão do EIA deverá apontar, quando viáveis, as
providências capazes de diminuir ou cancelar os efeitos dos
impactos ambientais negativos. Na análise de tais
providências, deverá constar, inclusive, um exame do material
técnico necessário para implementar as medidas, avaliando a
eficiência destes. Há, ainda, a necessidade de que se preveja
um sistema de acompanhamento e monitoramento permanente das
repercussões ambientais do projeto que se pretenda implantar.
4. Requisitos Formais
Requisitos formais são aqueles que dizem respeito à forma
jurídica pela qual o EIA/RIMA deve ser expresso em sua
integralidade e, igualmente, quais os preceitos
7 TRF da 4» Região, AI n» 92.04.03619-2/PR, rei. Juiz Vladimir
Passos, DJÜ, seção II, 14/4/1992, p. 9.483.
j Direito Ambientai
legais que não podem ser olvidados, sob pena de nulidade do
estudo. Os requisitos formais do EIA são fundamentais e não
devem ser desprezados por aqueles que militam em defesa do
meio ambiente. A experiência prática tem demonstrado que, em
muitas oportunidades, a violação de requisitos formais é uma
preliminar para a posterior violação de requisitos de conteúdo
do EIA. A forma, aqui, milita em defesa do meio ambiente. A
defesa dos requisitos formais da legislação de proteção
ambiental é, quase sempre, o primeiro passo em defesa do meio
ambiente considerado em si próprio.
4.1. Equipe Técnica Habilitada
A equipe técnica exigida para a realização de estudos de
impacto ambiental é multidisciplinar. Esta exigência decorre
da própria natureza do EIA que, como se viu, engloba
conhecimentos de várias ciências. Os integrantes da equipe
técnica, portanto, devem ser profissionais das diversas áreas
envolvidas no projeto cujo licenciamento se pretende.
4.1.1. Independência da Equipe Técnica
Penso que a primeira formalidade a ser examinada é aquela
contida no artigo 7e da Resolução nB 1/86 do CONAMA. Tal
artigo, como se sabe, diz respeito à independência da equipe
técnica responsável pelo EIA. Com efeito, o artigo 1- da
Resolução ns 1/86 determina que:
O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe
multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou
indiretamente do proponente do projeto e que será responsável
tecnicamente pelos resultados apresentados.
Este é um artigo de alta moralidade pública. Efetivamente, o
EIA e o consequente RIMA são atividades fiscalizadoras e de
auditoria, de caráter público, pois instrumentos da política
nacional do meio ambiente, com previsão constitucional. A
independência técnica deve ser total, não se admitindo
vínculos entre esta e o proponente do projeto. Tal vínculo não
precisa ser explícito, cabal. O que se pretende é afastar
qualquer parcialidade da equipe técnica, qualquer suspeita,
qualquer promiscuidade.
O tema da independência técnica, contudo, não é facil e tem
suscitado inúmeras polêmicas nos meios ambientalistas. Antônio
Inagê Assis de Oliveira,8 profundo conhecedor que é da
legislação ambiental brasileira, informa-nos que:
Com o desenvolvimento do sistema de licenciamento, cedo se
veriíicou que os órgãos ambientais, por melhor aparelhados que
fossem, apenas com o conhecimento de seus técnicos, não teriam
condições de procederão estudo de
8 Meio Ambiente — Legislação Vigente no Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro: Sindibrita, s/d, p. 38.
\
Requisitos do EIA
avaliação de impacto ambiental de certas atividades ou
empreendimentos de maior sofisticação técnica ou elevado
porte.
Prossegue o autor:
Esse problema não poderia ser resolvido simplesmente com a
contratação de novos técnicos especialistas na matéria
versada, inclusive por óbices administrativos, mas
principalmente pela relativa ociosidade a que estariam
destinados, cumprida a tarefa específica. A princípio foi
tentada a utilização de consultores independentes, logo
inviabilizada pelo elevado montante de recursos necessários...
O papel da equipe técnica é, claramente, o de fornecer ao
órgão licenciante um parecer prévio sobre o projeto. Tal
parecer, muito mais que um aconselhamento, é, obviamente, um
laudo técnico cujas repercussões são extraordinariamente
importantes. É necessário, portanto, que seja aplicado aos
seus membros um sistema de impedimentos, objetivamente
estabelecidos, capaz de assegurar um mínimo de isenção. Penso,
portanto, que são aplicáveis aos membros da equipe técnica
multidisciplinar os mesmos impedimentos dos peritos judiciais
estabelecidos pelo CPC.
A elaboração de estudos de impacto ambiental por peritos
impedidos implica, desta forzna, a nulidade do respectivo
estudo.
4.1.1.1. Revogação do Artigo 79 da Resolução n9 1/86 do CONAMA
A prática administrativa demonstrou que as excelentes
intenções demonstradas pelo CONAMA, ao elaborar a Resolução n2
1/86, no concreto, revelaram-se irreais. Com efeito, a
obrigatoriedade de total independência das equipes técnicas
para a elaboração de estudos de impacto ambiental fez com que
se criasse um verdadeiro cartório de profissionais
inescrupulosos que, frequentemente, preparavam estudos
absolutamente incompetentes e inaptos a dar soluções aos
problemas ambientais. As equipes técnicas, contratadas pelas
empresas, dificilmente mantinham a independência requerida na
norma. O resultado objetivo foi que os EIA/RIMA, em sua
maioria, não passavam de blocos de papel, sem qualquer consis-
tência técnico-científica e que apenas serviam para onerar as
empresas e nada contribuíam para o meio ambiente.
A Resolução CONAMA ne 237, de 19 de dezembro de 1997, em seu
artigo 11, alterou o sistema anteriormente vigente. De fato,
pelo artigo 11 da Resolução que foi recém-mencionada, in
verbis:
Art. 11. Os estudos necessários ao processo de licenciamento
deverão ser realizados por profissionais legalmente
habilitados, às expensas do empreendedor.
Na forma do parágrafo único do mencionado artigo:
Direito Ambiental
O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos
previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas
informações prestadas, sujeitando-se às sanções
administrativas, civis e penais.
A nova regulamentação apenas reconhece uma prática que já
existia, isto é, a remuneração da equipe técnica pelo
empreendedor. Na vigência do sistema anterior, qualquer
empresa idônea de consultoria, contratada para a elaboração do
ELA/RIMA, deveria ser remunerada. Tal remuneração, obviamente,
só poderia ser feita pelo empreendedor. Pelo novo sistema, a
própria empresa licencianda poderá elaborar o E1A/RIMA e levá-
lo à apreciação do órgão licenciador. Certamente, existe uma
diminuição de custos. Entretanto, somente as grandes empresas
terão capacidade técnica acumulada para a elaboração de
EIA/RIMA de maior complexidade. O ideal é que se busque a
colaboração de técnicos externos, que poderão examinar os
projetos com olhos mais críticos. Observe-se que a natureza
pública do EIA/RIMA não foi suprimida e, portanto, permanecem
vigentes todas as implicações quanto à veracidade e à
seriedade das informações constantes do documento. Penso que
ainda não chegamos a um modelo adequado.
4.1.2. Responsabilidade dos Elaboradores do ELA
Como já foi visto, o EIA é parte integrante do processo de
licenciamento de tuna atividade utilizadora de recursos
ambientais, e a Administração deve levar em conta as suas
conclusões para a concessão da licença. Ocorre que, não raras
vezes, as conclusões do EIA podem estar erradas. Neste caso, a
concessão da licença pode implicar danos ambientais
irreversíveis. Como proceder?
Penso que em tuna primeira fase, isto é, antes da instalação
da atividade potencialmente poluidora, é possível a impugnação
judicial do EIA. Nestas hipóteses, o que se persegue é a
declaração de nulidade do ELA. O caminho a ser trilhado é o do
CPC, cumulado com o da Lei ne 7.347/85. É possível a ação
declaratória de nulidade ou a medida cautelar. Já em se
tratando da hipótese em que a obra tenha sido realizada e que
os danos ambientais estejam se manifestando evidentemente, o
caminho da escolha da ação a ser ajuizada é mais simples,
embora o desenvolvimento desta seja mais complexo, em razão
dos tradicionais argumentos do “fato consumado”. Trata-se da
mera propositura de uma ação visando à reparação dos danos
causados.
4.2. Despesas e Independência Técnica
Foi com o intuito de viabilizar a independência técnica que
o artigo 89 da Resolução ns 1/86 do CONAMA determinou que as
despesas deveriam correr todas por conta do proponente do
projeto, in verbis.
Correrão por conta do proponente do projeto todas as
despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto
ambiental, tais como: coleta e aqui-
ÍS8J • Ensina Suí&rior Siss#» Jurfe
Requisitos do EIA I
sição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo,
anáhses de laboratório, estudos técnicos e científicos e
acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do
RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias.
O espírito da proposituxa é o de impedir que a sociedade
arque com uma despesa que, obviamente, tem por objetivo
examinar um projeto que, em muitos casos, implicará a
percepção de lucro pelo proponente. A idéia subjacente é a de
que os custos ambientais, de qualquer origem, devem ser
suportados por quem tenha lhes dado causa.
Lamentavelmente, na prática, tem havido muita dificuldade em
se assegurar a pretendida independência da equipe técnica,
pois vários expedientes têm sido usados para solapá-la. Muitas
vezes, os proponentes do projeto estabelecem cláusulas
contratuais com os membros da equipe técnica, mediante as
quais somente se obrigam a pagar os estudos de impacto
ambiental após a aprovação destes pelo órgão licenciante.
Outras vezes, têm sido contratados para a realização dos EIAs
os próprios autores dos projetos a serem analisados, enfim, a
“criatividade” no setor tem sido imensa.
Logicamente que a forma mais adequada, dentro da legislação
brasileira, é a de que o órgão licenciante estabeleça uma
estimativa dos custos do ELA e que, após cobrar do proponente
o respectivo valor, contrate a equipe técnica. É, ademais,
importante ressaltar que os membros da equipe técnica são
responsáveis pelos resultados. Tal responsabilidade, é
desnecessário dizer, é de pleno direito.9
4.2.1, Cadastro Técnico Federal de Atividades e
Instrumentos de Defesa Ambiental
A Lei ns 6.938/81, por seu artigo 17,1, estabeleceu o
Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental, in verbis:
Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA: I
— Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental, para registro obrigatório de pessoas físicas
ou jurídicas que se dedicam à consultoria técnica sobre
problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de
equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle
de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
O CONAMA, mediante a expedição da Resolução n9 1, de 13 de
junho de 1988, visou disciplinar o registro de técnicos que,
eventualmente, venham a compor equipes técnicas com a
finalidade de elaborar projetos para a realização de EIAs. O
artigo 2Ô da Resolução acima mencionada determina que:
315
9 Resolução CONAMA nfl 1/86, art. 7a.
Direito Ambiental
Art. 2g A Secretaria Especial do Meio Ambiente e os órgãos
ambientais, no prazo de 90 (noventa) dias, a partir da
publicação desta resolução, somente aceitarão, para fins de
análise, projetos técnicos de controle da poluição ou estudo
de impacto ambiental, cujos elaboradores sejam profissionais,
empresas ou sociedades civis regularmente registradas no
Cadastro de que trata o art. Ia.
Prossegue a Resolução, determinando o prazo de validade do
registro, que será de dois anos,10 competindo aos cadastrados
promover a renovação dos registros. Pelo artigo 59 da Resolução
estabeleceu-se que:
Para fins de cadastramento, serão exigidos das pessoas
físicas e jurídicas interessadas tão-somente os dados
necessários à sua caracterização jurídica e responsabilidade
legal, bem como avaliação da capacidade técnica e da eficácia
dos serviços oferecidos, dados esses a serem coletados através
de formulário próprio, cabendo à declarante responder sob as
penas da lei, em qualquer tempo, pela veracidade das
informações apresentadas.
Já o artigo 62 dispõe que:
A inclusão de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro
Técnico Federal não implicará, por parte da SEMA e perante
terceiros, certificação de qualidade, nem juízo de valor de
qualquer espécie.
O tema tratado na Resolução nõ 1/88 é extremamente polêmico.
Com efeito, a matéria diz respeito ao exercício profissional
e, efetivamente, a referida resolução estabeleceu uma
limitação ao exercício profissional de várias categorias. Pelo
sistema adotado no Brasil, quando se tratar de profissões
regulamentadas, o registro será exigido nos órgãos
pertinentes. Ou seja, o registro deverá ser feito junto aos
organismos encarregados pela fiscalização de cada uma das
diferentes profissões. Nem o IBAMA nem o CONAMA possuem
atribuições para controlar o exercício de atividades
profissionais de qualquer profissão. Pelos termos da
resolução, se um advogado oferecer parecer acerca de um EIA, o
órgão ambiental somente poderá aceitá-lo se o profissional
estiver cadastrado junto ao Cadastro Técnico Federal. Ora,
somente a Ordem dos Advogados do Brasil tem poderes para
fiscalizar o exercício da profissão de Advogado, e o bacharel
não precisa inscrever-se em nenhum outro órgão para exercer
sua profissão.
4.3. O Relatório de Impacto Ambiental - RIMA
Muitas vezes, há confusão entre Estudo de Impacto Ambiental
e Relatório de Impacto Ambiental. O Estudo de Impacto
Ambiental — EIA é o conjunto de pesqui-
Requisitos do EIA
sas que se fazem necessárias para avaliar o impacto ambiental
de um determinado empreendimento. O Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA é parte integrante do EIA e tem por
finalidade fazer com que conceitos técnicos e científicos
sejam acessíveis à população em geral.
Deve ser dada a mais ampla divulgação ao RIMA; admite-se,
apenas, o sigilo de natureza industrial. O RIMA é um resumo do
EIA e deve conter todas as informações contidas naquele, de
forma simplificada e acessível.
5. Audiência Publica
A pouca tradição democrática de nossa sociedade faz com que
a audiência pública seja, de longe, o mais criticado dos
institutos jurídicos postos a serviço da defesa do meio
ambiente. As audiências públicas, em nível federal, estão
regulamentadas pela Resolução Conama ns 9, de 3 de dezembro de
1987, que inexplicavelmente só foi publicada aos 9 de julho de
1990. Tal Resolução foi a que estabeleceu as linhas básicas a
serem observadas nas audiências públicas.
A finalidade legal das audiências públicas é a de assegurar
o cumprimento dos princípios democráticos que informam o
Direito Ambiental. A audiência fará com que os cidadãos tomem
conhecimento do conteúdo do EIA e do RIMA. Para a
Administração, ela tem a função de ser um momento no qual
poderá ser feita a aferição das repercussões junto à
sociedade, do empreendimento proposto. Sugestões e críticas
podem, e devem, ser feitas, assegurando que os administradores
possam saber exatamente qual é a opinião popular sobre o
projeto.
A Lei ns 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que instituiu no
âmbito da Administração Pública Federal o processo
administrativo para a defesa de direitos perante a
administração, admite em seu artigo 3211 a realização de
audiências públicas como parte do processo instrutório. Tal
norma é, evidentemente, aplicável ao licenciamento ambiental.
Posteriormente, a Lei n9 11.105, de 24 de março de 2005
(Biossegurança), também dispôs sobre audiências públicas,
conforme o contido no artigo 15 e seu parágrafo.12
Assim, existe na legislação brasileira uma ampla previsão de
participação cidadã no processo deliberatório das questões
ambientais.
5.1. Convocação
A audiência pública pode ser marcada de ofício ou a
requerimento do Ministério Público ou, ainda, por convocação
de 50 cidadãos. A convocação de ofício não
11 “Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da
autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser
realizada audiência pública para debates sobre a matéria do
processo.”
12 “Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas,
garantida participação da sociedade civil, na forma do
regulamento. Parágrafo único. Em casos de liberação
comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes
interessadas, incluindo-se entre estas organizações da
sociedade civil que comprovem interesse relacionado à
matéria, na forma do regulamento”.
Direito Ambiental
é obrigatória, pois a Resolução ns 9/87 do CONAMA estabelece
que ela será feita sempre que o órgão ambiental “julgar
necessário”. Muito embora o órgão ambiental não esteja
obrigado a realizar a convocação da audiência pública, ele
está obrigado a, mediante edital ou anúncio na imprensa local,
abrir prazo de, no mínimo, 45 dias para que os interessados,
se assim o desejarem, solicitem a realização da public
hearing.
A convocação da audiência pública pelo parquet ou pelo grupo
de 50 cidadãos é um direito subjetivo público que não pode ser
obstruído pelos órgãos licenciantes. O não-atendimento do
requerimento dá margem à impetração de mandado de segurança
por ser hipótese de direito líquido e certo. É importante
observar que, se a audiência pública tiver sido convocada e
não realizada, a licença concedida poderá ser anulada,
conforme o artigo le, § 3®.
No caso de ter sido apresentada a solicitação da audiência
pública, o órgão Kcen- ciador deverá, mediante edital, fixar
data e local para a realização da mesma e, ainda, fazer
comunicação escrita, através de correspondência, àqueles que
tenham realizado a solicitação.
5.2. Realização da Audiência
A audiência deve ser realizada de forma a permitir que os
cidadãos possam dela participar efetivamente. Dependendo da
complexidade do projeto a ser examinado, poderá ser realizada
mais de uma audiência. Encerrada a audiência, desta deverá ser
lavrada uma ata circunstanciada na qual constem todos os
incidentes e, principalmente, deverão ser anexados todos os
documentos nela produzidos ou encaminhados pela sociedade para
consideração pelo órgão licenciante.
A abrangência do projeto, a sua extensão geográfica, a
localização dos solicitantes e outros fatores a serem
estabelecidos, caso a caso, poderão determinar a realização de
audiências públicas em locais diferenciados.
5.3. Função da Audiência
A audiência pública não possui caráter decisório. É uma
atividade de natureza consultiva. Ela é, entretanto, um ato
oficial e que, nesta condição, deve ter os seus resultados
levados em consideração. Cabe, no entanto, observar que o
artigo 52 da Resolução n9 9/87 vem sendo pouco explorado.
Determina o artigo mencionado:
Art. 5Õ A ata da(s) audiencia(s) pública(s) e seus anexos
servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e o
parecer fínal do licenciador quanto à aprovação ou não do
projeto.
Qual o alcance desta norma? Penso que aqui se estabeleceu um
dever de levar em conta a manifestação pública. Este dever se
materializa na obrigação jurídica de que o órgão licenciante
realize um reexame, em profundidade, de todos os aspectos do
empreendimento que tenham sido criticados, fundamentadamente,
na audiência pública.
TERCEIRA PARTE MEIO AMBIENTE URBANO
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
Capítulo XIV A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
1. Introdução
A Lei ns 10.257/2001 foi introduzida no ordenamento jurídico
brasileiro com o objetivo de5 regulamentar” os mandamentos
constitucionais contidos nos artigos 182 e 183 de nossa Lei
Fundamental, com vistas a regular o uso da propriedade urbana
em benefício da coletividade, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos1 e, também, do equilíbrio ambiental. O artigo 2S da
lei estabelece as diretrizes (rectius: princípios) norteadoras
da política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana.
Os princípios são os seguintes:
(i) garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes
e futuras gerações;
(ii) gestão democrática por meio da participação da população
e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
(iii) cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os
demais setores da sociedade no processo de urbanização, em
atendimento ao interesse social;
(iv) planejamento do desenvolvimento das cidades, da
distribuição espacial da população e das atividades
econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;
(v) oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte
e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades
da população e às características locais;
(vi) ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar;
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a
proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o
parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessi
1 O vocábulo “cidadãos” não deve ser tomado em seu sentido
técnico, pois o Estatuto da Cidade tem por objetivo a tutela
dos direitos de “todos” que habitam as cidades, sejam
nacionais ou estrangeiros, eleitores ou não. Seria
recomendável a adoção do vocábulo “indivíduo”.
Direito Ambientai
vos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a
instalação de empreendimentos ou atividades que possam
funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da
infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de
imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou
não~utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a
poluição e a degradação ambiental;
(vii) integração e complementaridade entre as atividades
urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento
socíoeconômico do Município e do território sob sua área de
influência;
(viii) adoção de padrões de produção e consumo de bens e
serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da
sustentabiüdade ambiental, social e econômica do Município e
do território sob sua área de influência;
(ix) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do
processo de urbanização;
(x) adequação dos instrumentos de política econômica,
tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos
do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos
bens pelos diferentes segmentos sociais;
(xi) recuperação dos investimentos do Poder Público de que
tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;
(xii) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente
natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico;
(xiii) audiência do Poder Público municipal e da população
interessada nos processos de implantação de empreendimentos
ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o
meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a
segurança da população;
(xiv) regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas
por população de baixa renda mediante o estabelecimento de
normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação socioeco- nômica da
população e as normas ambientais;
(xv) simplificação da legislação de parcelamento, uso e
ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a
permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos
lotes e unidades habitacionais;
(xvi) isonomia de condições para os agentes públicos e
privados na promoção de empreendimentos e atividades
relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse
social.
2.Preceitos Constitucionais
A Constituição brasileira possui dois artigos especialmente
voltados para o estabelecimento de uma disciplina para a
ocupação do solo urbano e para as políticas públicas cujo
objetivo é assegurar uma ocupação racional e socialmente justa
dos territórios de nossas cidades. Tais artigos são: (i)
artigo 182 e (ii) artigo 183.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
Em sede constitucional, foi estabelecido que a Política de
Desenvolvimento Urbano é executada, fundamentalmente, pelo
Poder Público Municipal, de acordo com as diretrizes gerais
que tenham sido fixadas em lei. Tal política tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes. O “instrumento
básico” da política de desenvolvimento urbano é o plano
diretor, que possui caráter obrigatório para cidades com mais
de 20.000 habitantes. Ele é fundamental, pois é quem definirá
quando a propriedade privada estiver, ou não, cumprindo com as
suas funções sociais, mediante o atendimento das “exigências
fundamentais” de ordenação da cidade expressas no Plano
Diretor.
A necessidade premente de uma norma infraconstitucional para
regular a aplicação dos preceitos constitucionais do § # do
artigo 182, que estipula que é facultado ao Poder Público
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano
diretor, exigir, nos termos da lei federal,2 do proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,
de: I -parcelamento ou edMcação compulsórios; II - imposto
sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo; III — desapropriação com pagamento mediante títulos
da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado
Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
Usucapião urbana. A Lei Fundamental da República, em seu
artigo 183, estabeleceu a possibilidade da usucapião urbana,
assim definida: Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, inin-
terruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir~lhe~á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O próprio texto
constitucional definiu os contornos, mínimos, a serem obser-
vados pelo legislador ordinário ao dispor sobre a matéria.
Assim sendo, determinou o Constituinte que:
(Í) O título de domínio e a concessão de uso3 serão conferidos
ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do
estado civil;
(ii) o direito de concessão de uso não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.
(iii) os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.4
2 O RE na 194.036, relator o Sr. Ministro Umar Galvio,
estabeleceu jurisprudência no STF no sentido da incons-
titucionalidade do ÍPTU progressivo. Provavelmente, tal
jurisprudência tenderá a mudar, diante da lei que ora está
sendo comentada.
3 Concessão de uso é um instrumento típico de Direito
Administrativo, mediante o qual se permite ao particular a
utilização de bens públicos. A Constituição, em tese,
admitiu uma espécie de usucapião sobre terras públicas que
não se caracteriza pela transmissão do domínio, mas do mero
direito a uma concessão de uso. O projeto de lei que deu
origem à Lei na 10.257/2001 dispôs sobre a matéria em seus
artigos 15/20. Tais artigos, entretanto, foram completamente
vetados pelo Chefe do Poder Executivo.
4 A idéia que permeia o texto constitucional é de que os
imóveis públicos pudessem ter os seus usos concedidos
àqueles que os ocupassem por prazos razoáveis, sem a
oposição do Estado.
Direito Ambiental
O texto constitucional, em face dos vetos apostos peio Chefe
do Executivo, ficou totalmente estéril, pois as suas
disposições ficaram sem a necessária densifica- ção legal. É
certo que não há qualquer óbice para que um novo projeto de
lei trate da matéria em tela.
3.Instrumentos da Política Urbana
O artigo 42 da lei estabelece um conjunto de instrumentos a
serem utilizados pelo Poder Público para a implementação e
efetivação da política urbana. Tais instrumentos, entretanto,
não se constituem em numerus clusus, podendo ser acrescentados
outros àqueles exemplificados. Os instrumentos dividem-se em:
(i) Ações de planejamento, seja no nível nacional, estadual,
municipal, metropolitano, de micror- regiões ou aglomerações
urbanas; (ii) planejamento municipal — que mereceu destaque
especial - com as seguintes ações: plano diretor, disciplina
do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento
ambiental; plano pkmanual; diretrizes orçamentárias e
orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos,
programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento
econômico e social; (iii) institutos tributários e
financeiros: imposto sobre a propriedade predial e territorial
urbana - IPTU; contribuição de melhoria; incentivos e
benefícios fiscais e financeiros; (iv) institutos jurídicos e
políticos: desapropriação; servidão administrativa; limitações
administrativas; tombamento de imóveis ou de mobiliário
urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de
zonas especiais de interesse social; concessão de direito real
de uso; concessão de uso especial para fins de moradia;
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião
especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de
preempção; outorga onerosa do direito de construir e de
alteração de uso; transferência do direito de construir;
operações urbanas consorciadas; regularização fundiária;
assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e
grupos sociais menos favorecidos; referendo popular e
plebiscito; (iv) estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e
estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).
O Estatuto da Cidade teve o cuidado de procurar evitar a
superposição de institutos jurídicos, institucionais ou
técnicos, pois explicitamente determinou que “os instrumentos
mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é
própria”.
3.1. Instrumentos com Imediata Repercussão Ambiental
3.1.1. Direito de Preempção
O artigo 25 define os contornos do direito de preempção do
Poder Público Municipal.5 Por tal direito é conferida “ao Poder
Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano
objeto de alienação onerosa entre particulares”.
5 Por se tratar de ujna forma de intervenção na propriedade
privada, ainda que onerosa, tal direito não se estende às
demais entidades de direito público. É exclusivo do Poder
Público municipal.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
O direito de preempção, para ser legalmente exercido pelo
Poder Público municipal, demanda a existência de determinadas
condições legais bem caracterizadas e absolutamente
necessárias para que ele possa ser exercido. Em primeiro
lugar, faz-se necessário que haja uma lei municipal,6
diretamente emanada do Plano Diretor, à qual cabe delimitar as
áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de
vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um
ano após o decurso do prazo inicial de vigência. Assim, nós
poderíamos definir o direito de preempção como o direito de
preferência que é outorgado ao Poder Público municipal, por
lei própria, com delimitação espacial e temporal e com
definição do objetivo do exercício da preferência. A
declaração do direito de preempção não obsta que se realizem
transações entre particulares no imóvel declarado sujeito à
sua incidência. Dentro do prazo legal, o Poder Público poderá
exercê-lo.
O direito de preempção somente será exercido quando o Poder
Público necessitar de áreas para: (i) regularização fundiária;
(ii) execução de programas e projetos habitacionais de
interesse social; (iii) constituição de reserva fundiária;
(iv) ordenamento e direcionamento da expansão urbana; (v)
implantação de equipamentos urbanos e comunitários; (vi)
criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; (vi)
criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas
de interesse ambiental; (vii) proteção de áreas de interesse
histórico, cultural ou paisagístico.
O proprietário deve notificar sua intenção de alienar o
imóvel para que o Município, no prazo máximo de trinta dias do
recebimento da notificação, manifeste por escrito seu
interesse em comprá-lo. À notificação deve ser anexada
proposta de compra assinada por terceiro interessado na
aquisição do imóvel, na qual deverão constar preço, condições
de pagamento e prazo de validade. Compete ao Município fazer
publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou
regional de grande circulação, edital de aviso da notificação
recebida e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da
proposta apresentada. Uma vez decorrido o prazo, sem
manifestação, fica o proprietário autorizado a realizar a
alienação para terceiros, nas condições da proposta
apresentada. Tão logo seja concretizada a venda a terceiro, o
proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo
de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do
imóvel. Caso a alienação seja processada em condições diversas
da proposta apresentada, é nula de pleno direito. O Município
poderá, nos casos de venda fora da proposta apresentada,
adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou
pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for
inferior àquele.
É desnecessário dizer que o exercício do direito de
preempção deve ser feito mediante o pagamento em dinheiro e
que, igualmente, as verbas a ele destinadas estejam previstas
em rubrica orçamentária própria.
6 Trata-se de lei, em sentido formal.
Direito Ambiental
3.1.2. Transferência do Direito de Construir
Uma das questões mais tormentosas que têm estado bastante
presentes na vida de todas as áreas urbanas é a resultante do
conflito entre o estabelecimento de determinados padrões
urbanísticos e a limitação ao direito de construir. Não raras
vezes, projetos já autorizados e licenciados têm sofrido
enormes dificuldades para chegarem a bom termo, tendo em vista
o estabelecimento de padrões diferentes daqueles vigentes à
época da concessão das licenças ou autorizações. A
Transferência do Direito de Construir, em princípio, parece
ser tuna boa alternativa para a questão, pois por seu
intermédio é possível compatibilizar o desenvolvimento
harmônico da cidade com a preservação de direitos individuais,
em especial com o direito de propriedade.
Na forma do artigo 35> a lei municipal, baseada no Plano
Diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano,7
privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar,
mediante escritura pública, o direito de construir previsto no
Plano Diretor ou em legislação urbanística dele decorrente,
quando o referido imóvel for considerado necessário para as
seguintes finalidades: (i) implantação de equipamentos urbanos
e comunitários; (ii) preservação, quando o imóvel for
considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico,
social ou cultural; (iíi) servir a programas de regularização
fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda e habitação de interesse social.
3.1.3. Concessão de Uso Especial
A Medida Provisória na 2.220, de 4 de setembro de 2001, que
dispõe sobre o uso especial de que trata o § le do artigo 183
da Constituição•> cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano — CNDU e dá outras providências, estabeleceu impor-
tantes normas ambientais. A Concessão de uso especial tem
expressa previsão constitucional. Nos termos do artigo 1« da
Medida Provisória n^ 2.220/2001, aquele que até 31 de junho de
2001 possuiu como seus, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de
imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua
moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso
especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da
posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a
qualquer título, de um imóvel urbano ou rural A MP admite,
ademais, a concessão de uso especial coletiva para as
populações de baixa renda, nos locais nos quais não se pode
identificar o possuidor individual.
O artigo 59 da MP estabelece que é facultado ao Poder
Público assegurar o exercício do direito de concessão de uso
tratado pelos artigos l9e29 em outro local, quando a ocupação
do imóvel ocorrer, dentre outras, em área de interesse para a
preservação ambiental e para a proteção de ecossistemas
naturais. A Medida é muito importante, pois não raras vezes se
estabelece uma contraposição entre os chamados
7 Aplicam-se as mesmas disposições para aquele proprietário
que doar imóvel ao Poder Público, com vistas
à realização das atividades previstas nos incisos I, II, e UI
do artigo 25.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
“interesses sociais” e os de preservação ambiental, com a
ocupação de encostas de morros, faixas marginais de proteção e
outras áreas ambientalmente sensíveis e incapazes de assegurar
moradias adequadas para as pessoas. O Poder Público, agora,
tem os instrumentos legais adequados para providenciar a
desocupação de áreas extremamente perigosas e ambientalmente
sensíveis e, ao mesmo tempo, conceder direito de uso de bens
públicos para aqueles que necessitam ter uma habitação
adequada.
3.1.4. Estudo de Impacto de Vizinhança
A lei estabeleceu, em seu artigo 36, uma importantíssima
inovação denominada Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O
EIV deverá estar previsto em lei municipal que definirá as
atividades para cuja implantação o mencionado estudo se fará
necessário, com vistas à obtenção das licenças ou autorizações
de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder
Público municipal.
O ÉIV, assim como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental
(EIA), é um aperfeiçoamento das análises de custo/benefício de
um determinado empreendimento. De acordo com o determinado no
artigo 37, o EIV será executado de forma a contemplar os
efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na área e
suas proximidades.
O conteúdo mínimo do EIV deverá contemplar as seguintes
questões:
(i) adensamento populacional;
(ii) equipamentos urbanos e comunitários;
(iii) uso e ocupação do solo;
(iv) valorização imobiliária;
(v) geração de tráfego e demanda por transporte público;
(vi) ventilação e iluminação; e
(vii) paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
O EIV deve ser disponível para a consulta por parte dos
interessados.
O artigo 38 determina que: A elaboração do EIV não substitui
a elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto
Ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação
ambiental.
O EIV, conforme se pode facilmente verificar, é uma evolução
do Estudo de Impacto Ambiental — sendo ambos espécies de
Avaliação de Impacto Ambiental, AIA — previsto na Constituição
para todas as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
Infelizmente, o legislador deixou passar uma ótima
oportunidade para disciplinar adequadamente a avaliação de
impactos em atividades urbanas, especialmente as atividades
não industriais. Todos aqueles que militam na área da proteção
ao meio ambiente sabem que os estudos de impacto ambiental têm
uma vocação eminentemente industrial, ou, no mínimo, de
projetos que signifiquem intervenção em ambiente não
urbanizado. No entanto, à mingua de outras normas, o EIA
passou a ser exigido pelos órgãos ambientais para a
implantação de shopping centers, condomínios e outros
empreendimentos semelhantes. Tais Estudos de Impacto, de
acordo
Direito Ambiental
com os seus termos de referência, normalmente, têm por
objetivo investigar os assuntos relacionados como conteúdo
mínimo do EIV. Penso que o EIV é um instrumento mais do que
suficiente para que se avaliem os impactos gerados por uma
nova atividade a ser implantada em área urbana - não se
tratando de atividade industrial. Penso que o EIV nada mais é
do que um EIA para área urbanas e, data venia, creio ser
completamente destituída de lógica ou razão a obrigatoriedade
de ambos os estudos.
3.1.4.1. Estudo de Impacto de Vizinhança no Município de São
Paulo
O chamado Estudo de Impacto de Vizinhança teve a sua origem
no Município de São Paulo, mediante a edição da Lei Municipal
n2 11.426, de 18 de outubro de 1993, que dispôs sobre a criação
da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e deu
outras providências. Em seu artigo 23, IV, criou a figura dos
Estudos e Relatórios de Impacto de Vizinhança (EIVI/RIVI). É
inequívoca a semelhança com o ELA/RIMA estabelecido para a
análise de requerimentos de licenciamento ambiental de
projetos com significativo impacto sobre o meio ambiente. O
Decreto Municipal n2 34.713, de 30 de novembro de 1994,
regulamentou administrativamente o RTVL Tal decreto foi
alterado pelo Decreto Municipal n9 36.613, de 06 de dezembro de
1996.
Determina o artigo l2 do Decreto n9 34.713/94 que: São
considerados como de significativo impacto ambiental ou de
infra-estrutura urbana os projetos de iniciativa pública ou
privada, referentes à implantação de obras de empreendimentos
cujo uso e área de construção compatível estejam enquadrados
nos seguintes parâmetros: I - Industrial - igual ou superior a
20.000m2 (vinte mil metros quadrados); II - Institucional -
igual ou superior a 40.000m2 (quarenta mil metros quadrados);
III- Serviços/comércio ~ igual ou superior a 60.000 m2
(sessenta mil metros quadrados); IV - Residencial - igual ou
superior á 80.000 m2 (oitenta mil metros quadrados). § P Os
projetos de empreendimentos com diferentes categorias de uso,
que tenham condições de implantação, construção e
funcionamento totalmente autônomos, serão considerados
separadamente para os efeitos de enquadramento nos parâmetros
estabelecidos neste artigo.8
Uma vez que o empreendimento, que se pretenda seja
implementado, esteja arrolado em uma das categorias acima
descritas, o interessado deverá solicitar ao órgão municipal
que proceda tal enquadramento. Tal solicitação deve vir
acompanhada do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI), que
deverá conter os elementos que possibilitem a análise da
adequação do empreendimento às condições do local da possível
futura implantação e de seu entorno. Não é exigível o RIVI nas
seguintes hipóteses:
(i) Projetos de empreendimentos destinados à Habitação de
Interesse Social (HIS), construídos com recursos do Fundo
Municipal de Habitação, e os empreendimentos cujos novos
parâmetros urbanísticos tenham sido aprovados pela Comissão
Normativa de Legislação Urbanística - CNLU da
8 O § 2a admite que outras obras ou empreendimentos possam ser
incluídos na lista, desde que por decreto.
- Ensino Supçriof Bissa/ Jurf$c9
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano j
Secretaria Municipal de Planejamento, conforme a Lei ne 11.713,
de 18 de maio de 1995;
(ii) Projetos de empreendimentos cujos parâmetros urbanísticos
específicos tenham sido fixados pela Secretaria Municipal de
Planejamento - SEM- PLA para Zonas de Uso Espacial Z.8-200 e
os contidos em perímetros de Leis de Operação Urbana;
(iii) Projetos de empreendimentos anteriormente aprovados com
análise do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI); desde
que sejam mantidas as categorias do uso e não seja ampliada
a área total de construção compatível;
(iv) Os projetos modificativos de empreendimento cujas obras
já tenham sido iniciadas ou os de reforma, com acréscimo de
área compatível de até 20% (vinte por cento), desde que
mantida a categoria de uso.
0 Relatório de Impacto de Vizinhança (RTVl) deve ser
instruído com os seguintes documentos:
1 - Dados necessários à análise da adequação do empreendimento
às condições
do local e do entorno:
a) localização e acesso gerais;
b) atividades previstas;
c) áreas, dimensões e volumetria;
d) levantamento planialtimétrico do imóvel;
e) mapeamento das redes de água pluvial, água, esgoto, luz e
telefone para a implantação do empreendimento;
f) capacidade do atendimento pelas concessionárias das redes
de água pluvial, água, esgoto, luz e telefone para a
implantação do empreendimento;
g) levantamento dos usos e volumetria de todos os imóveis e
construções existentes localizadas nas quadras limítrofes às
das zonas de uso constantes da legislação de uso e ocupação
do solo das quadras limítrofes;
h) indicação dos bens tombados pelo CONPRESP ou pelo
CONDEPHAAT no raio de 300 (trezentos) metros contados do
perímetro do imóvel ou dos imóveis onde o empreendimento
será localizado.
II — Dados necessários à análise das condições viárias da
região:
a) entradas, saídas, geração de viagens e distribuição no
sistema viário;
b) sistema viário e de transportes coletivos do entorno;
c) demarcação de melhoramentos públicos, em execução ou
aprovados por lei;
d) compatibilização do sistema viário com o empreendimento;
e) certidão de diretrizes fornecida pela Secretaria Municipal
de Transportes.
III - Dados necessários à análise das condições ambientais
específicas do local e
seu entorno:
a) produção e nível de ruído;
b) produção e volume de partículas em suspensão e de fumaça;
Direito Ambiental
c) destino final do entulho da obra;
d) existência de recobrimento vegetal em grande parte do
terreno.
3.1.4.LI. Mecanismo de Análise do RIVI
O artigo 49 do Decreto Municipal (SP) ne 34.713, de 30 de
novembro de 1994, determina que a análise do RIVI deverá ser
feita por uma Comissão que funcionará junto à Secretaria de
Habitação e Desenvolvimento Urbano, formada por 1 (um)
representante da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento
Urbano, da Secretaria Municipal de Transportes e da Secretaria
do Verde e do Meio Ambiente. Tal Comissão tem o prazo de 10
(dez) dias para se pronunciar sobre o RIVI; em seguida, deve
remeter o RIVI para a apreciação da Secretaria do Verde e do
Meio Ambiente, que decidirá com base no parecer encaminhado.
3.2. Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade
O instrumento jurídico mais importante para a vida das
cidades é o Plano Diretor, pois é dele que se originam todas
as diretrizes e normativas para a adequada ocupação do solo
urbano. É segundo o atendimento das normas expressas no Plano
Diretor que se pode avaliar se a propriedade urbana está, ou
não, cumprindo com a sua função social tal qual determinado
pela Lei Fundamental da República. Assim é que determina o
artigo 39: A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento
das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à
justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas,
observadas as diretrizes previstas no art. 2a do próprio
Estatuto da Cidade. O Plano Diretor é lei formal, não podendo
ser substituído por decreto ou outro ato administrativo de
qualquer natureza. Como instrumento básico da politica de
desenvolvimento e expansão urbana, ele é parte integrante e
indissociável do processo de planejamento municipal. Tanto o
plano plurianual como as diretrizes orçamentárias e o
orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as
prioridades nele contidas. Isto, entretanto, ainda não vem se
realizando na prática Não é pouco comum que normas de diversas
hierarquias contrariem, frontalmente, as diretrizes do Plano
Diretor municipal.
O Plano Diretor não pode se limitar às áreas de expansão
urbana do município, pois deve abranger todo o território
municipal, inclusive as áreas rurais, quando houver. Com
vistas a manter-se atualizado, o Plano Diretor deve ser
submetido a um processo de ampla revisão a cada 10 anos.
3.2.1. Elaboração Democrática das Normas do Plano Diretor
O estatuto da cidade definiu preceitos de participação
cidadã, mínimos, a serem observados quando da elaboração dos
Planos Diretores dos diferentes Municípios, a saber:
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
a) promoção de audiências públicas e debates com a
participação da população e de associações representativas
dos vários segmentos da comunidade;
b) publicidade quanto aos documentos e informações
produzidos;
c) acesso de qualquer interessado aos documentos e
informações produzidos.
3.2.2. Obrigatoriedade do Plano Diretor
A existência do Plano Diretor é obrigatória para cidades:
a) com mais de vinte mil habitantes;
b) integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas;
c) onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os
instrumentos previstos no § 4a do artigo 182 da CF;
d) integrantes de áreas de especial interesse turístico;
e) inseridas na área de influência de empreendimentos ou
atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional.
O conteúdo mínimo do Plano Diretor deve contemplar o
seguinte:
a) a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
considerando a existência de infra-estrutura e de demanda
para utilização, na forma do art, 59 do Estatuto da Cidade;
b) disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 do
estatuto;
c) sistema de acompanhamento e controle.
3*2.3. Gestão Democrática da Cidade
O Estatuto estabeleceu uma relação de instrumentos com
vistas a assegurar a gestão democrática da cidade. Tais
instrumentos são, a saber:
(i) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
(ii) debates, audiências e consultas públicas;
(iii) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos
níveis nacional, estadual e municipal;
(iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano.
O legislador assegurou uma enorme variedade de instrumentos
aptos a assegurar a participação cidadã em todos os aspectos
da vida urbana. Não se deve esquecer, contudo, que, em face da
autonomia constitucional dos Estados e dos Municípios em
relação à União, estes deverão estabelecer, em leis próprias,
os
| Direito Ambiental
mecanismos de participação que deverão guardar simetria com os
estabelecidos em âmbito federal.
Diante da importância crucial que os orçamentos públicos
desempenham na vida de qualquer coletividade, o artigo 44
determinou que: No âmbito municipal, a gestão orçamentária
participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. #
desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da
lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como
condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
O artigo merece reflexão, pois determina uma condição prévia
para a aprovação do plano plurianual que não encontra amparo
na CF, seja na forma procedimental, seja na imposição de
limitações ao exercício da soberania popular por meio de seus
representantes. Acredito que a matéria será submetida à
apreciação do egrégio STF para decidir quanto à sua
constitucionalidade.
O artigo 45, igualmente, apresenta questões de
constitucionalidade que não são simples. Assim é que determina
o mencionado artigo: Os organismos gestores das regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e
significativa participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a
garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exer-
cício da cidadania. O controle dos órgãos administrativos, na
forma da CF, pode ser exercido por duas vias: (i) interna e
(ii) externa. O controle interno se faz pelos órgãos de
controle do próprio Poder em questão; já o controle externo se
fez pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de
Contas. É indiscutível que o Ministério Público, igualmente,
exerce um importante papel no controle da legalidade dos
Poderes. A participação popular no controle dos diferentes
atos administrativos se faz por meio da representação aos
Poderes Públicos, ou pela ação popular. Como compatibilizar os
preceitos constitucionais com a norma contida no artigo 45 é
uma questão que, em minha opinião, está aberta.
3.2.3.1. Loteamento fechado
Uma tendência que tem se verificado em muitas cidades é a
construção dos chamados “loteamentos fechados”, que não são
condomínios, haja vista que as “áreas” comuns são públicas e
doadas à municipalidade, nem loteamentos clássicos, pois
implicam um determinado grau de controle de circulação e
acesso. O campo permanece sem uma legislação de regência,
muito embora as Cortes de Justiça tenham admitido a hipótese,
desde que sem caráter obrigatório para a associação. Nor-
malmente, o mecanismo funciona com a constituição de uma
associação de moradores que congregue a maioria dos
adquirentes de lotes dos loteamentos fechados e tais
associações se encarregam de prover alguns serviços para os
moradores, com ênfase para a segurança. “Loteamento.
Associação de moradores. Cobrança de taxa condo- minial.
Precedentes da Corte. 1. Nada impede que os moradores de
determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser
obedecido o que dispõe o art. 8e da Lei na 4.591/64. No caso,
isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os esta-
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
tutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou
forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido
e provido”.9
4. Conclusão
O Estatuto da Cidade é uma norma jurídica que veio
estabelecer os princípios gerais a serem adotados para a boa
gestão da vida urbana. Este capítulo não se preocupou em
realizar a análise integral do Estatuto, levando em conta os
aspectos ambientais da norma. É evidente, contudo, que gerir
cidades é produzir impactos sobre o meio ambiente - positivos
ou negativos. Como um todo, a lei é positiva. É verdade que
ela é muito mais uma consolidação de práticas administrativas
que vêm sendo implementadas em diversas urbes brasileiras. As
questões referentes à consti- tucionaüdade de algumas normas
serão dirimidas pela nossa mais elevada corte, fazendo uma
adaptação da norma aos termos da CF vigente.
9 STJ - REsp 623274 / RJ. Relator Ministro Carlos Alberto
Direito. 3» Turma. DJ 18.06.2007, p. 254.
QUARTA PARTE
PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
I
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
Capítulo XV A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
1. Introdução
A percepção de que certos elementos do mundo natural estão
desaparecendo em função da atividade humana é um fenômeno
social muito antigo e que, praticamente, acompanha a vida do
Ser Humano sobre o Planeta Terra. Para o pensamento ocidental,
a primeira constatação de mudanças negativas no meio natural
que cerca o Homem foi feita por Platão em seu célebre diálogo
Críto, no qual ele lamenta, aci- damente, o estado de
degradação ambiental do mundo que lhe era contemporâneo.1 Mesmo
sociedades tidas como "primitivas” e paradisíacas foram
responsáveis pela extinção de espécies. Paul R. Ehrlich2
demonstra que os Maori, em menos de 1.000 anos de presença na
Nova Zelândia, promoveram a extinção de cerca de 13 espécies
de Moa (pássaro sem asas), em função de caça intensiva e da
destruição de vegetação. Há suspeitas de que a aparição do
Homem no continente americano pode ter contribuído fortemente
para a extinção de pelo menos duas espécies de mamíferos.3
Pesquisas arqueológicas demonstram que mesmo comunidades pré-
históricas poderiam ter levado inúmeros animais à extinção.
Não seria exagerado dizer que a convivência “natural” do Ser
Humano com outros animais é, eminentemente, semelhante à luta
pela sobrevivência e evolução natural que se verifica entre
todas as espécies.
“Como quer que seja, o fim da megafauna foi a mais
importante extinção de animais do planeta desde a época dos
dinossauros, podendo ser considerada importante por ter sido
contemporânea do ser humano e, portanto, possivelmente
relacionada à ação deste. Entretanto, seria mesmo correto
atribuir ao homem essa destruição, ou seria apenas nossa
consciência pesada a sugerir tais hipóteses? Não sabemos, mas
o estudo da megafauna extinta por essa ligação umbilical com o
ser humano promete continuara concentrara atenção dos pes-
quisadores do passado pré-histórico e a gerar novos
conhecimentos co-evolu- cionários entre humanos e animais. ”4
1 Paulo de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma Abordagem
Conceituai, p. 26.
2 Paul R. Ebxlich. Human Natures - Genes, Cultures, and the
Human Prospect. Washington: Island Press/Shearwater Books,
2000, p. 242.
3 Jared Diamond. De l’inégalité parmi lês sociétés - Essai sur
L’Homme et L’Environnement dans L’histoire. Paris:
Galimmard, 2000, p. 45.
4 Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noeili. Pré-História do
Brasil. São Paulo: Contexto, 2002, p. 57.
337 -
Direito Ambiental
Aliás, o estado do mundo natural tem servido,
principalmente, como um paradigma para a crítica dos modelos
políticos vigentes e para a busca da construção de outros
novos. Os atuais problemas referentes à perda de diversidade
biológica não são diferentes, nem poderiam sê-lo. É importante
que não percamos de vista que, em grande parte da discussão
sobre perda de diversidade biológica, existe um certo grau de
arrogância humana, na medida em que nos consideramos capazes
de produzir danos irreversíveis à Terra. Quanto ao particular,
não posso deixar de fazer referência à lúcida e perspicaz
anotação de Gould,5 ín verbis:
Esta dechração de nossa impotência poderia ser contestada se
nós, apesar de termos chegado tarde, tivéssemos hoje algum
poder sobre o futuro do planeta. Mas não temos poder nenhum,
apesar da imagem distorcida que fazemos de nossa própria
força. Não temos, na prática, nenhum poder sobre a Terra, em
termos de escala de tempo geológico de nosso planeta. Toda a
megatonelagem de todos os nossos arsenais nucleares soma
apenas um décimo de milionésimo da força do asteróide de dez
quilômetros que pode ter desencadeado a extinção em massa do
Cretáceo. Ainda assim a Terra sobreviveu àquele choque e, com
a extinção dos dinossauros, abria-se o caminho para a evolução
dos mamíferos maiores, entre eles os seres humanos. Tememos o
aquecimento global, mas nem mesmo o mais radical dos modelos
fala de uma Terra tão quente quanto a que havia em muitas
etapas prósperas e felizes do passado pré-humano.
Há que ser considerado, porém, que esta é, nada mais, nada
menos, a prova irrefutável de que a atual discussão se faz no
interior de quadros políticos, econômicos e sociais bastante
definidos. O que importa ao atual debate é um preciso grau de
perda de diversidade biológica, com influências temporais e
econômicas muito definidas.6
Evitar a perda de diversidade biológica, em uma escala
geológica de tempo, por exemplo, é absolutamente impossível
para os limites da capacidade do Homem. Mayr7 assinala que “os
organismos são condenados à extinção, a menos que se alterem
continuamente”. A perda de diversidade biológica como
consequência da própria evolução é um fenômeno corriqueiro e
não deve impressionar.8 A extinção, ou melhor, as extinções
ocorrem de tempos em tempos e são parte da história da Terra e
do próprio Universo. Leakey e Lewin9 falam de cinco extinções
em massa antes da nossa era - causadas por razões naturais - e
de uma sexta extinção em massa, que é
5 Stephan Jay Gould. Dedo Mindinho e Seus Vizinhos - Ensaios
de História Natural (tradução de Sérgio Flaksinan). São
Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 46-47.
6 Pauio de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma Abordagem
Conceituai, passim.
7 Ernst Mayr. O Desenvolvimento do Pensamento Biológico
(tradução de Ivo Mamnazzo; revisão técnica
de José Maria G. de Almeida Jr.) Brasília: UnB, 1998, p. 540.
8 Charles Darwin. The origin of species - by means of natural
selection or the preservation of favoured
races in the struggle for life. New York: Bantam Books, pp.
259 e seguintes.
9 Richard Leakey e Roger Lewin. La Sbàéme Extinction —
Évoluúon et Catastrophes (traduit par Vincent Fleury).
Paris: Flammaiion, 1999, passim.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo |
a de nosso tempo, causada por fatores humanos, motivo que a
toma diferente de todas as que a precederam. Entretanto, como
foi salientado, a simples presença humana implica um fator
diferenciado de extinção, com ritmos particulares. Se obser-
varmos a questão do ponto de vista puramente biológico, o Ser
Humano está, em suas condições próprias, lutando pela
sobrevivência, assim como as demais espécies. A questão é se a
luta que está sendo desenvolvida pode, ou não, assegurar uma
sobrevivência em longo termo, ou se é meramente imediatista.
Os mesmos autores estimam que 30 bilhões de espécies tenham
existido sobre a face da Terra desde a aparição dos primeiros
organismos multicelulares. Acredita-se que, atualmente,
existam cerca de 30 milhões de espécies vivas, o que significa
que cerca de 99,99% de todas as espécies já foram extintas.10
Os números, certamente, são impressionantes. Não deve ser
esquecido, entretanto, que há enorme controvérsia sobre a
quantidade real de espécies existentes sobre o planeta, assim
como do ritmo da marcha da extinção. Ao que parece, as
informações disponíveis encontram-se muito mais em um terreno
especulativo do que em um campo de segurança e certeza. A
variação para o número de espécies existentes em nosso planeta
demonstra quão pouco seguros são os cálculos até aqui
utilizados. A própria definição de espécie é altamente
controversa. Parte-se de um patamar mínimo de 3 milhões de
espécies e chega-se a um número de 100 milhões; desnecessário
dizer que o grau de variação é excessivo. Sabe-se que foram
descritas cerca de 1,7 milhão de espécies, das quais um pouco
mais de 1 milhão são de insetos, 250.000 de plantas superiores
e cerca de 4.500 mamíferos.11 Uma crítica bastante severa
quanto aos métodos de calcular o número de espécies, bem como
a taxa de extinção, pode ser encontrada em Lomborg.12 Na
contramão, ele afirma: “Never before have there been so many
species as there are now.,513
É importante, também, que estejamos atentos para o fato de
que, ao falarmos de perda de diversidade biológica,
necessariamente, estamos falando de determinadas espécies e
não de outras, pois é claro que a morte é parte da própria
vida. De fato, todo o nosso discurso, por social, está pleno
de um receio de perda da vida em sociedade tal qual a
conhecemos e, portanto, ao lutarmos pela preservação da
diversidade biológica, de fato, estamos lutando pela nossa
sobrevivência em um horizonte visível de tempo. A luta pela
preservação da diversidade biológica encerra, portanto, um
receio da própria extinção da sociedade e do planeta que a
contém. A questão da proteção da diversidade biológica contra
as perdas deve ser enfocada, portanto, do ponto de vista
social, pois do ponto de vista científico existe um relativo
grau de certeza de que a extinção é o destino final.14 Isto nos
remete a questões teológicas e
10 Richard Leakey e Roger Lewin. la Sixième Extinction -
Évolution et Catastrophes, p. 56.
11 Fraser D. M Smith; Gretchen C. Daily e Paul R.Ehrlich.
“Human population dynamics and biodiversity loss”, in
Swanson, Timothy M, (edited by). The economic and ecology of
biodiversity decline - The forces driving global change.
Cambridge: Cambridge University, 1998, p. 126.
12 Bjom Lomborg. The Skeptics! Environmentalist — Measuring
the Real State of the World. Cambridge: Cambridge University
Press, 2001, pp. 249-256.
13 Bjom Lomborg. The Skeptical Environmentalist, p. 249.
14 Stephen W. Hawking A Brief History of Time 6om the Big Bang
to Black Holes. New York; Bantam, 1989, pp 121-149.
Direito Ambiental
morais que, infelizmente, fogem dos limites deste trabalho. O
raciocínio que vem sendo desenvolvido neste parágrafo não tem
por finalidade diminuir ou reduzir o significado que a perda
de diversidade biológica tem para a nossa sociedade concreta
no tempo presente. Ao contrário, dando-lhe a dimensão
histórica precisa, fica mais fácil entender-lhe o significado,
bem como perceber as suas limitações sociais. Gould,15
analisando o problema da preservação de uma determinada
espécie, afirmou:
“Não resolvemos proteger os esquilos vermelhos do monte
Grahan porque estejamos preocupados com a estabilidade
planetária num íuturo distante que provavelmente não vai nos
incluir. Estamos tentando preservar populações e certos meios
ambientes porque o conforto e a decência presentes de nossas
vidas, bem como das vidas das espécies que conosco
compartilham o planeta, dependem desta estabilidade. ”
O mesmo autor16 acrescenta:
“(...) estou disposto a empregar todas as minhas energias na
defesa das espécies, mas não podemos lutar pela preservação de
todo e qualquer gene, a menos que encontremos algum modo de
abolir a própria morte (porque muitos organismos individuais
apresentam mutações singulares). ”
Finalizando a introdução ao presente capítulo, parece-me
relevante deixar consignado que, efetivamente, diante do
incalculável número de micro-organismos e insetos, a maior
preocupação com a perda da diversidade biológica está voltada
para a extinção de animais superiores que, ipso facto, passam
a se constituir em uma elite biológica que recebe um grau
maior de proteção vis-à-vis aos demais seres vivos. Isto
corresponde ao simples fato de que é o Homem quem define,
concreta- mente, o que deve e o que não deve ser protegido e
conservado. Este fenômeno pode ser facilmente constatado com a
“eleição” de certos animais para serem domesticados, animais-
símbolos para a proteção ambiental, como, por exemplo, o urso
panda ou o mico-leão dourado.
2. A Dimensão da Atual Perda de Diversidade Biológica
A perda da diversidade biológica é decorrente de múltiplos
fatores. Obviamente que ela somente poderá ser minimizada se
tais fatores forem enfrentados de forma estrutural e não se
forem atacadas, apenas, as consequências do fenômeno. Um
primeiro fator que tem sido destacado é o chamado consumo
excessivo e não sustentável realizado pelas populações que se
encontram nos chamados países de primeiro mundo e parcelas
mais favorecidas dos países do terceiro mundo e das economias
de transição.
15 Stephan Jay Gould, Dedo Miudinho e Seus Vizinhos, p. 46.
16 idem, pp. 41-42.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
Ehirning17 sustenta que “a maior parte das ameaças ao meio
ambiente que, pouco a pouco, avultam por sobre o mundo, desde
a contaminação da água do subsolo à mudança no clima, é
subproduto da riqueza”. É claro que a maior capacidade de con-
sumo implica um consumo maior de recursos ambientais. Esta
hipótese, contudo, deve ser considerada em termos. E
indiscutível que o maior avanço nos mecanismos de proteção
ambiental encontra-se nos países com maior nível de renda e,
portanto, de consumo. Aliás, a proteção do meio ambiente e,
portanto, da diversidade biológica somente se toma uma questão
central quando ultrapassados certos níveis de renda.18
A pressão causada pela pobreza19 sobre os recursos naturais
não deve ser menosprezada. Quanto ao particular, julgo ser
conveniente trazer a lume a seguinte assertiva de Flavin:20
fíConsiderados há muito como questões distintas, confiadas a
Direito Ambiental
cacau, do México etc., o mesmo sendo válido para a
silvicultura, para os animais de corte, piscicultura, enfim. À
megabiodiversidade brasileira não corresponde um mesmo nível
de autonomia no que diz respeito à produção de alimentos, por
exemplo. Uma outra questão que não pode ser negligenciada é
que a diversidade biológica somente possui valor se existente
a tecnologia para explorá-la. Logo, para que o Brasil realize
o valor que, em tese, está em sua imensa biodiversidade,
necessariamente, terá que se associar com aqueles que possuam
as tecnologias adequadas. Esta é uma parceria obrigatória,
pois, sem tecnologia, a diversidade biológica é incapaz de
gerar benefícios e renda para os países que a detêm. Não se
deve descurar do fato de que a pesquisa em moderna
biotecnologia é altamente intensiva em capitais e cérebros.
Para que o setor se expanda, os 3 (três) segmentos são
igualmente necessários. É certo, inclusive, que modelos
computacionais podem modelar moléculas para servir em
pesquisas.
Assim sendo, tanto do ponto de vista ambiental quanto do
tecnológico ou econômico, o Brasil precisa se credenciar para
desempenhar o papel que, por direito próprio, detém em todos
os aspectos do acesso à diversidade biológica. Modestamente,
este trabalho busca ser parte do processo de compreensão das
questões que foram mencionadas. E mais um elemento posto à
mesa das discussões e dos debates. Ante a novidade do tema, é
uma obra aberta e que espera poder ser criticada por aqueles
que se interessam pela matéria.
4.1. Diversidade Biológica e Propriedade Intelectual
Muitas críticas têm sido feitas à possibilidade legal de
patenteamento de microorganismos e das diferentes formas de
manipulação genética em animais e plantas. Provavelmente, a
expressão mais representativa das diferentes correntes
críticas sobre o tema seja a representada pela cientista
indiana doutora Vandana Shiva,57 para quem, “por meio das
patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo
estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos e a
atmosfera têm sido todos colonizados> depauperados e
poluídosAcoimando de biopirataria ao vigente sistema de
proteção da propriedade intelectual sobre Organismos
Geneticamente Modificados (OGM), prossegue a autora,
‘‘resistir à biopirataria é resistir à colonização final da
própria vida - do futuro da evolução como também do futuro das
tradições não ocidentais de relacionamento com o conhecimento
da natureza. É »ma forma de luta para proteger a liberdade de
evolução de culturas diferentes. É a luta pela conservação da
diversidade, tanto cultural quanto biológica”. No mesmo diapa-
são da autora acima mencionada está a opinião do conhecido
escritor norte-americano Jeremy Rifkin:58 “O debate sobre a
concessão de patentes a formas de vida é
57 Jeremy Rifkm, O Século da Biotecnologia — A Valorização dos
Genes e a Reconstrução do Mundo (tradução de Arão Sapiro).
São Paulo: Makron Books, 1999, p. 68.
58 Lei na 11.105, de 24 de março de 2005. Artigo 3e, IV —
engenharia genética: atividade de produção e manipulação de
moléculas de ADN/ARN recombinante.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
uma das questões mais importantes enfrentadas pela humanidade,
pois vai direto ao âmago de nossas crenças acerca da natureza
da vida, questionando se o seu valor é intrínseco ou meramente
utilitário. ” Como se vê, o tema não é exclusivamente legal ou
técnico. Ao contrário, o seu principal elemento é o aspecto
ético e filosófico. Logo, a discussão sobre o patenteamento de
OGMs deixou de ser um debate puramente econômico ou legal para
assumir contornos ético-políticos. A nova dimensão, no
momento, é a que domina a cena.
4.1.1. Base Constitucional para o Patenteamento de
Organismos Geneticamente Modificados (OGM)
A Constituição da República, em seu artigo 225, § l9, II e
V, determina ao Poder Público que preserve a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do País e que fiscalize as
entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material
genético, o que, com isto, significa que a nossa Lei
Fundamental expressamente reconheceu as repercussões
ambientais das atividades relacionadas àquilo que ficou
conhecido como engenharia genética,59 ou biotecnologia. O
legislador ordinário, obedecendo à norma constitucional, fez
editar as seguintes normas: (i) Lei n2 8.974, de 5 de janeiro
de 1995; (ii) Lei ne 9.279, de 14 de maio de 1996; (iii) Lei n2
9.456, de 28 de abril de 1997; (iv) Decreto n9 2.519, de 16 de
março de 1998; e Lei ne 11.105, de 24' de março de 2005. Há que
se considerar, em acréscimo, que o artigo 5e, XXIX, da Lei
Fundamental protege o direito de propriedade intelectual.
Por sua vez, a engenharia genética está intimamente
relacionada a, no mínimo, dois temas ambientais essenciais:
(i) Biodiversidade e (ii) liberação de organismos
geneticamente modificados (OGM)60 no ambiente. É importante a
observação de Rifkin61 no sentido de que “a biotecnologia está
sendo vista como a principal ferramenta na limpeza do meio
ambienteÉ certo, inclusive, que o início do debate legal sobre
a patenteabilidade de organismos vivos teve por base,
exatamente, o requerimento de patente para um micro-organismo
destinado a combater a poluição. A primeira vez que o Direito
se defrontou com o importante tema das relações entre pro-
priedade intelectual, meio ambiente e organismos geneticamente
modificados foi no leading case julgado pela Suprema Corte dos
Estados Unidos, Diamond vs Chakrabarty.62 A hipótese era a
seguinte: “Em 1971 a General Eletric e um dos seus
funcionários, Anand Mohan Chakrabarty, entraram com um pedido
de patente nos Estados Unidos para bactérias do tipo
pseudomonas geneticamente modificadas. Chakrabarty extraíra
plasmídeos de três tipos de bactérias e os introduzia em um
quarto tipo.”63 A bactéria em questão tinha por função a quebra
de moléculas de óleo
59 Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005. Artigo 3a - V—
organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo
material genético - ADN/AEN tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética.
60 Jeremy Rifkin. O Século da Biotecnologia, p. 17.
61 A íntegra da decisão pode ser encontrada em
www.Iaw.uconn.edu.
62 Ver Shiva, Vandana. Biopirataria: A Pilhagem da Natureza e
do Conhecimento, p. 41.
63 Capturado em 22/7/2002.
Direito Ambiental
bruto, com fins de minimizar os efeitos de poluição hídrica
causada por derramamento de óleo. A patente foi negada pelo
Departamento de Patentes. O cientista e a empresa recorreram
para a Corte de Patentes, que reformou a decisão administrati-
va, resultando daí um requerimento de writ of certiorari
postulado pela Administração, perante a Suprema Corte dos
Estados Unidos, que manteve a decisão do Tribunal a quo,
concedendo o registro, restando vencido o órgão público.
Depois da decisão acima mencionada, o Departamento de
Patentes dos Estados Unidos passou a conceder amplamente
patentes sobre organismos geneticamente modificados.
As relações entre propriedade intelectual e meio ambiente
estão reguladas por uma complexa rede de normas jurídicas da
qual a mais importante é a Lei ne 6.938, de 31 de agosto de
1981. Infelizmente, a doutrina jurídica nacional tem se
dedicado pouquíssimo ao relevante tema. Aliás, de maneira
geral o assunto tem sido pouco tratado pelos juristas. No caso
particular do Brasil, esta situação é extremamente danosa,
pois somos, de longe, o país que detém a maior reserva de
biodiversidade do planeta e temos urgência em utilizá-la como
um poderoso instrumento de nosso desenvolvimento econômico e
social. Acrescente-se o fato de que a inexistência de um amplo
debate jurídico sobre o tema tem sido um dos principais
elementos geradores de uma permanente insegurança jurídica,
prejudicando todas as partes interessadas na questão, assim
como a preservação do meio ambiente.
5. Conclusão
O objetivo do presente capítulo foi o de estabelecer o
contexto dentro do qual têm sido examinadas as questões
referentes à perda de diversidade biológica. Pretendo ter
demonstrado que, ao se falar em perda de diversidade,
biológica, estamos tratando de uma específica diminuição de
diversidade biológica e que o problema deve ser compreendido
dentro de uma perspectiva bastante definida e clara.
No caso do Brasil, como julgo tenha ficado demonstrado,
existe um enorme potencial de aproveitamento da imensa
variabilidade biológica existente em nosso território. Este
potencial, no entanto, necessita que sejam investidos altos
recursos em capital, seja humano, seja econômico, sem o que
não haveria a menor possibilidade de conversão do potencial
econômico em realização de valor concreto. Um aspecto
importante que merece e deve ser ressaltado, quando se trata
de diversidade biológica, é o reconhecimento de que a própria
existência dele está associada ao reconhecimento da
diversidade cultural que é o elemento estimulador e — por que
não? - o próprio gerador da diversidade biológica, que nada
mais é do que o produto da intervenção humana sobre o meio
“natural”.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
Capítulo XVI Proteção Internacional da Diversidade Biológica
(Principais Documentos)
1. Introdução
Uma das principais características do chamado Direito
Internacional do Meio Ambiente é uma enorme proliferação de
Tratados, Convenções e Protocolos internacionais,
multilaterais e bilaterais voltados para a proteção ambiental.
Outra característica marcante é a segmentação dos temas.
Explica-se esta segunda característica na medida em que é
muito mais simples se alcançar consensos internacionais sobre
temas predeterminados do que sobre temas muito genéricos, tais
como proteção da vida marinha, proteção da fauna silvestre
etc. O presente capítulo, como de resto todo o conjunto do
presente trabalho, está voltado, fundamentalmente, para o
Direito Interno. Não obstante isto, penso ser extremamente
relevante que sejam apresentadas algumas das principais
questões que estão relacionadas à proteção internacional do
meio ambiente, pois, de tuna forma ou de outra, elas acabam
tendo uma enorme repercussão no Direito brasileiro.
2, Principais Documentos Internacionais Assinados pelo Brasil
Os documentos abaixo relacionados estão organizados de forma
restritiva, isto é, só foram indicados aqueles que,
diretamente, têm relação com a proteção da diversidade
biológica.
Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no Campo da Proteção
da Diversidade Biológica
Título Data de Promulgação
Assinatu Decreto
ra n® Data
Convenção para a 12/10/19 58054 23/03/19
Proteção da Flora, da 40 66
Fauna e das Belezas
Cênicas Naturais dos
Países da América.
Convenção 14/05/19 65.026 20/08/19
Internacional para a 66 69
Conservação do Atum
do Adântico.
Convenção Relativa às 02/02/19 1.905 16/05/19
Zonas Úmidas de 71 96
Importância
Internacional,
Particularmente como
“Habitats” das Aves
Aquáticas.
■BiDireito Ambiental
l
Convenção para o 03/03/19 76.623 17/11/19
Comércio 73 75
Internacional das
Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção.
Emenda ao Artigo XI 22/06/19 133 24/05/19
da Convenção sobre 79 91
Comércio
Internacional das
Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção.
Protocolo de Emendas 03/12/19 1.905 16/05/19
à Convenção Relativa 82 96
às Zonas Úmidas de
Importância Inter-
nacional,
Particularmente como
“Habitats” das Aves
Aquáticas.
Emenda ao Artigo XXI 20/04/19 92.446 07/03/19
da Convenção sobre o 83 86
Comércio
Internacional das
Espécies da Fauna e
Flora Selvagens em
Extinção.
Protocolo Adicional à 10/07/19 97.612 04/04/19
Convenção Interna- 84 89
cional para
Conservação do Atum e
Afins do Atlântico
(CICAA).
Convenção sobre 05/06/19 2.519 16/03/19
Diversidade Biológica 92 98
(Rio-92)
Convenção 15/10/19 2.741 20/08/19
Internacional de 94 98
Combate à De-
sertificação nos
Países Afetados por
Seca e/ou
Desertífícação
Principalmente na
África.
Convenção 01/12/19 3.842 13/06/20
Interamericana para a 96 01
Proteção e
Conservação das
Tartarugas Marinhas
Fonte: http://www.mre.gov.br1
2.1. Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
Dentre os instrumentos legais gerados na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),
realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992, a
Convenção2 sobre Diversidade Biológica (CDB) ocupa um local de
merecido destaque. Apesar de toda a importância da Convenção,
é relevante deixar consignado que os Estados Unidos ainda não
a ratificaram. Este fato, na prática, enfraquece sobremaneira
o acordo internacional, tomando bastante problemática a sua
implementação, tendo em vista a importância política e
econômica do mencionado país. É desnecessário dizer, ademais,
que os termos da CDB não são
1 Capturado em 22/7/2002.
2 Convenção (...) âesigna[r] atos multilaterais, oriundos de
conferências internacionais e que versem assunto de
interesse geral, como por exemplo as convenções de Viena
sobre relações diplomáticas, relações consulares e direito
dos tratados; as convenções sobre aviação civil, sobre
segurança no mar, sobre questões trabalhistas, É um tipo de
instrumento internacional destinado em geral a estabelecer
normas para o corn- portamento dos Estados em uma gama cada
vez mais ampla de setores. No entanto, existem algumas, pou-
cas é verdade, Convenções bilaterais, como a Convenção
destinada a evitar a dupla tributação e prevenir s evasão
fiscal celebrada com a Argentina (1980) e a Convenção sobre
Assistência Judiciária Gratuita, celebrada com a Bélgica
(1955). Fonte: http://www.mre.gov.br.
- tnsno àypsnor eurgau Mm
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos) !
obrigatórios para aqueles que não aderiram aos seus termos.3
Registre-se, ainda, que a CDB deu origem ao Protocolo4-5-6 de
Cartagena sobre Biossegurança7 de 24 de maio de 2000, tema que
seguramente será uma das questões dominantes no cenário
internacional nos próximos anos.
A CDB está em plena vigência no Brasil, pois foi promulgada
pelo Decreto nQ 2.159, de 16 de março de 1998, que promulga a
Convenção sobre Diversidade Biológica., assinada no Rio de
Janeiro, em 5 de junho de 1992, após a sua aprovação pelo
Congresso Nacional, mediante a expedição do Decreto
Legislativo n9 2, de 3 de fevereiro de 1994. O decreto de
aprovação da CDB é bastante simples, limitando-se a dois
artigos.8
O elemento mais importante a ser destacado, com a
incorporação da CDB ao direito interno brasileiro, é que o
Estado brasileiro obrigou-se a implementar diversas medidas
previstas na Convenção. É bom que se diga - a bem da verdade —
que o Brasil vem dando cumprimento às determinações contidas
na CDB, não obstante as dificuldades que daí surgem. Diversas
são as ações legais e institucionais que vêm sendo tomadas
para a integral aplicação da CDB. A entrada em vigor da CDB,
no Brasil, não significa que as normas nela contidas serão
aplicadas por si mesmas. Ao examinarmos os principais pontos
da CDB, não será difícil perceber que ela estabelece normas a
serem seguidas pelos Estados, seja em suas relações
internacionais, seja na ordem interna. Trata-se de uma
“convenção quadro” que define medidas legislativas, técnicas e
políticas a serem adotadas pelos Estados-Partes. Ao
analisarmos a legislação ambiental brasileira pós-Rio 92,
facilmente se constata que o Brasil vem elaborando as normas
definidas na CDB e, portanto, nos limites de sua capacidade
técnica e econômica, está cumprindo fielmente as obrigações
que assumiu perante a Comunidade Internacional. Prova disto é
a legislação que será examinada posteriormente. É preciso que
se reconheça, contudo, que há ainda muito por se fazer, espe-
cialmente no que concerne ao tema central deste trabalho.
2.1.1. Preâmbulo
O preâmbulo de um diploma legal, como se sabe, não tem força
vinculante, pois não é propriamente uma norma jurídica. É,
isto sim, uma introdução a uma norma
3 Atualmente, a CDB é formada por 182 paites, contando com 162
assinaturas (7/11/2001). Fonte: http://
www.biodiv.org/world/parties.asp.
4 Protocolo é um termo que tem sido usado nas mais diversas
acepções, tanto para acordos bilaterais quanto para
multilaterais. Aparece designando acordos menos formais que
os tratados, ou acordos complementares ou intezpretaávos de
tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para
designar a ata Gnal de uma conferência internacional. Tem
sido usado, na prática diplomática brasileira, muitas vezes
sob a forma de “protocolo de intenções”, para sinalizar um
início de compromisso. Fonte: http://www.mre.gov.br.
5 Será examinado conjuntamente com o tema biossegurança.
6 O Brasil não é parte do Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança.
7 Formado por 7 partes e 103 assinaturas. Fonte:
http://www.biodiv.org/world/parties.asp.
8 Art. I9 A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no
Rio de Janeiro, em05 de junho de 1992,
apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada tão
inteiramente como nela se contém. Art. 2° O presente Decreto
entra em vigor na data de sua publicação.
Direito Ambiental
jurídica, uma declaração antecipatória do que virá mais à
frente, um resumo do compromisso político do qual resultou o
documento legal. Por outro lado, o preâmbulo define os termos
em que as partes concordaram e, principalmente, estabelece
alguns critérios a serem observados quando for necessário
dirimir alguma controvérsia. É desnecessária a reprodução de
todos os consideranda do preâmbulo. Destacarei aqueles que, na
minha opinião, têm maior repercussão:
(i) a conservação9 da diversidade biológica é uma preocupação
comum à humanidade;
(ii) os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios
recursos biológicos;
(iii) os Estados são responsáveis pela conservação de sua
diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus
recursos biológicos;
(iv) é vital prever, prevenir e combater na origem as causas
da sensível redução ou perda da diversidade biológica;
(v) quando exista ameaça de sensível redução ou perda de
diversidade biológica, a falta de plena certeza científica
não deve ser usada como razão para postergar medidas para
evitar ou minimizar essa ameaça;
(vi) a exigência fundamental para a conservação da diversidade
biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos
habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações
viáveis de espécies no seu meio natural;
(vii) medidas exsitu, preferivelmente no país de origem,
desempenham igualmente um importante papel;
(viii) reconhecendo a estreita e tradicional dependência de
recursos biológicos de muitas comunidades locais e
populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que
é desejável repartir equitativamente os benefícios derivados
da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de
práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e
à utilização sustentável de seus componentes;
(ix) a importância e a necessidade de promover a cooperação
internacional, regional e mundial entre os Estados e as
organizações intergovemamen- tais e o setor não-govemamental
para a conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes;
(x) cabe esperar que o aporte de recursos financeiros novos e
adicionais e o acesso adequado às tecnologias pertinentes
possam modificar sensivelmente a capacidade mundial de
enfrentar a perda da diversidade biológica;
(xi) que medidas especiais são necessárias para atender às
necessidades dos países em desenvolvimento, inclusive o
aporte de recursos financeiros novos e adicionais e o acesso
adequado às tecnologias pertinentes;
(xii) que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação
da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas dos
países em desenvolvimento;
9 É importante ter claro que a CDB não busca a preservação
(intocabilidade), mas a conservação (utilização racional) da
diversidade biológica.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(xiii) que a conservação e a utilização sustentável da
diversidade biológica é de importância absoluta para atender
às necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza
da crescente população mundial, para o que são essenciais o
acesso e a repartição de recursos genéticos e tecnologia.
Pelos elementos acima destacados, a CDB estabeleceu uma
série de princípios que se desdobram na Convenção, em si,
mediante as normas contidas nos diversos artigos. Os
princípios se referem a temas como:
(i) políticos;
(ii) prevenção de danos;
(iii) conservação;
(iv) utilização da diversidade biológica como instrumento de
desenvolvimento econômico e social.
Os princípios definidos nas consideranda alicerçam-se no
reconhecimento de que, embora jurisdicionados aos Estados
nacionais que sobre ela exercem direitos soberanos, a
preservação da diversidade biológica é matéria de preocupação
de todos os integrantes da comunidade internacional. Isto faz
com que a CDB vá se desenvolver sobre os termos desta
polaridade que, no entanto, não deve ser antagônica, mas
complementar.
Todos os Estados são responsáveis pela conservação da
diversidade biológica que se deve fazer, principalmente, in
situ. Cabe aos Estados ricos em biodiversidade tomar as
medidas para mantê-la íntegra; aos Estados que não a possuem
em mesmo grau de qualidade ou quantidade, mas que, em
contrapartida, possuem recursos econômicos e tecnológicos,
auxiliar os primeiros a dela se utilizarem.
A CDB reconhece, também, que populações indígenas e
comunidades locais têm colaborado ativamente na conservação da
diversidade biológica e que, em função disso, tais comunidades
devem merecer o devido reconhecimento internacional, sendo
recompensados não só pela conservação, mas, igualmente, em
razão do conhecimento tradicional que detêm sobre os segredos
existentes em seus habitats.
2.1.2. Objetivos da CDB
Os objetivos da CDB estão estabelecidos em seu artigo primeiro
e são os seguintes:
(i) conservação da diversidade biológica;
(ii) a utilização sustentável de seus componentes e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o
acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência
adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos
os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante
financiamento adequado.
Direito Ambiental
A tradução dos objetivos da CDB, em minha opinião, é a de
que ela visa estabelecer - pelo menos em tese - um fluxo
contínuo de informações, tecnologia e recursos genéticos. É
evidente, no entanto, que tal fluxo não se faz de forma
linear, pois muitas são as dificuldades para que ele seja
implementado.
A conservação da diversidade biológica é uma aspiração de
todos. Contudo, desde a elaboração da CDB, a diversidade
biológica vem diminuindo, pois a sua conservação não é
meramente uma questão de desejo. É, sobretudo, uma questão de
recursos financeiros. A repartição justa e equitativa dos
benefícios do acesso deve ser feita com a consideração das
diferentes variáveis do processo, ou seja, a variável eco-
nômica dos investimentos, de sua escassez etc. A transferência
adequada de tecnologia é outro ponto sensível, pois é
totalmente onírico acreditar que ela possa ser feita de forma
eficiente, se não houver um sistema de patentes muito bem
consolidado e implementado.
2.1.3. Glossário da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB)
Com vistas à sua aplicação, a CDB estabeleceu um glossário
específico. É importante a iniciativa, pois a Convenção trata
de diversos assuntos de natureza científica, embora seja uma
norma jurídica. Seria completamente ineficiente e inaplicável
uma norma que não fosse bastante clara e definida, em relação
aos termos que emprega, É importante assinalar que o glossário
é uma relação de conceitos normativos. Ainda que haja
divergência científica sobre o seu significado, para o mundo
jurídico isto é irrelevante. Juridicamente, o que importa são
os conceitos estabelecidos pelo próprio Direito. Desta forma,
para os propósitos da CDB, foram estabelecidos os seguintes
conceitos:
(i) “área protegida” significa uma área definida
geograficamente que é destinada, ou regulamentada, e
administrada para alcançar objetivos específicos de
conservação;
(ii) “biotecnologia” significa qualquer aplicação tecnológica
que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos
para utilização específica;
(iii) “condições in situ” significa as condições em que
recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats
naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas,
nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades
características;
(iv) “conservação ex situ” significa a conservação de
componentes da diversidade biológica fora de seus habitats
naturais;
(v) “conservação in sita” significa a conservação de
ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e
recuperação de populações viáveis de espécies
10 Tais conceitos normativos passam a se incorporar ao direito
interno e são utilizados em diversas outras normas jurídicas
sobre temas correlatos.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
359
em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou
cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas
propriedades características;
(vi) ''diversidade biológica” significa a variabilidade de
organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre
outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros
ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que
fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas;
(vii) “ecossistema” significa um complexo dinâmico de
comunidades vegetais, animais e de micro-organismos e o seu
meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional;
(viii) “espécie domesticada ou cultivada” significa espécie em
cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender
suas necessidades;
(ix) “habitat” significa o lugar ou tipo de local onde um
organismo ou população ocorre naturalmente;
(x) “material genético” significa todo material de origem
vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades
funcionais de hereditariedade;
(xi) “organização regional de integração econômica” significa
uma organização constituída de Estados soberanos de uma
determinada região, a que os Estados-Membros transferiram
competência em relação a assuntos regidos por esta
Convenção, e que foi devidamente autorizada, conforme seus
procedimentos internos, a assinar, ratificar, aceitar,
aprovar a mesma e a ela aderir;
(xii) “país de origem de recursos genéticos” significa o país
que possui esses recursos genéticos em condições in sita;
(xiii) “país provedor de recursos genéticos” significa o país
que provê recursos genéticos coletados de fontes in situ,
incluindo populações de espécies domesticadas e silvestres,
ou obtidas de fontes ex sita, que possam ou não ter sido
originados nesse país;
(xiv) “recursos biológicos” compreende recursos genéticos,
organismos ou partes destes, populações, ou qualquer outro
componente biótico de ecossistemas, de real ou potencial
utilidade ou valor para a humanidade;
(xv) "recursos genéticos” significa material genético de
valor real ou potencial;
(xvi) “tecnologia” inclui biotecnologia;
(xvii) “utilização sustentável” significa a utilização de
componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais
que não levem, a longo prazo, à diminuição da diversidade
biológica, mantendo assim seu potencial para atender às
necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras.
2.1.4. Soberania e Diversidade Biológica
O artigo 3a da CDB estabelece a forma pela qual os Estados
exercerão o direito soberano de explorar seus próprios
recursos naturais. Este deve ser exercido em conformidade com
a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito
Internacional. Tal exploração deve ser realizada segundo as
políticas ambientais adotadas
Direito Ambiental
por cada um dos Estados-Partes da CDB. Há uma soberania
solidária e responsável em relação aos demais países da
comunidade internacional, na medida em que os Estados têm a
obrigação de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou
controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou
de áreas além dos limites da sua jurisdição nacional. Dado o
fato de que a diversidade biológica é um interesse de toda a
humanidade, está claro que o direito soberano dos Estados não
inclui o de destruí- la. Ela deve ser utilizada à luz do
conceito de desenvolvimento sustentável.
A CDB expressamente reconhece que, sendo certo que a
diversidade biológica ultrapassa fronteiras nacionais, a sua
exploração não pode implicar danos além fronteira. Está
estabelecido, portanto, um princípio de solidariedade e
responsabilidade entre as nações para a conservação de uma
“preocupação comum” da humanidade e, portanto, dos Estados. O
reconhecimento de que os Estados têm direitos soberanos sobre
os seus próprios recursos biológicos afasta de plano a ideia
de que a diversidade biológica existente em cada um dos
Estados é um patrimônio comum da Humanidade. Se aceita a tese
do patrimônio comum, a consequência lógica seria o
estabelecimento de algum mecanismo internacional que se
encarregasse de geri-lo. Não há, portanto, uma gestão
internacional sobre a diversidade biológica de cada um dos
países.
2.1.5. Medidas de Proteção da Diversidade Biológica
A CDB determina que os Estados-Partes desenvolvam uma série
de medidas com vistas à preservação da diversidade biológica.
Tais medidas devem ser adotadas dentro das limitações
econômicas, financeiras e institucionais de cada um dos
Estados-Partes.
As medidas institucionais a serem adotadas são:
(i) desenvolver estratégias, planos ou programas para a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou
programas existentes que devem refletir, entre outros
aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção
concernentes à Parte interessada; e
(ii) integrar, na medida do possível e conforme o caso, a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica em planos, programas e políticas setoriais ou
intersetorias pertinentes.
Medidas de monitoramento e identificação:
(i) identificar componentes da diversidade biológica
importantes para sua conservação e sua utilização
sustentável, levando em conta a lista indicativa de
categorias constante no anexo I da CDB;
(ii) monitorar, por meio de levantamento de amostras e outras
técnicas, os componentes da diversidade biológica
identificados em conformidade com a letra (i) acima,
prestando especial atenção aos que requeiram urgen-
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
temente medidas de conservação e aos que ofereçam o maior
potencial de utilização sustentável;
(iii) identificar processos e categorias de atividades que
tenham ou possam ter sensíveis efeitos negativos na
conservação e na utilização sustentável da diversidade
biológica, e monitorar seus efeitos por meio de levantamento
de amostras e outras técnicas;
(iv) manter e organizar, por qualquer sistema, dados derivados
de atividades de identificação e monitoramento em
conformidade com as alíneas (i), (ii) e (iii) anteriores.
Quanto à conservação in situ, na medida do possível e
conforme o caso, deve providenciado o seguinte:
(i) estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde
medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a
diversidade biológica;
(ii) desenvolver, se necessário, diretrizes para a seleção,
estabelecimento e administração de áreas protegidas ou áreas
onde medidas especiais precisem ser tomadas paxa conservar a
diversidade biológica;
(iii) regulamentar ou administrar recursos biológicos
importantes para a conservação da diversidade biológica,
dentro ou fora de áreas protegidas, a fim de assegurar sua
conservação e utilização sustentável;
(iv) promover a proteção dè ecossistemas, habitats naturais e
manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio
natural;
(v) promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente
sadio em áreas adjacentes às protegidas, a fim de reforçar a
proteção dessas áreas;
(vi) recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover
a recuperação de espécies ameaçadas, mediante, dentre outros
meios, a elaboração e implementação de planos e outras
estratégias de gestão;
(vii) estabelecer ou manter meios para regulamentar,
administrar ou controlar os riscos associados à utilização e
liberação de organismos vivos modificados resultantes da
biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental
negativo que possa afetar a conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica, levando também em
conta os riscos para a saúde humana;
(viii) impedir que se introduzam, controlar ou erradicar
espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou
espécies;
(ix) procurar proporcionar as condições necessárias para
compatibilizar as utilizações atuais com a conservação da
diversidade biológica e a utiliza- ção sustentável de seus
componentes;
(x) em conformidade com sua legislação nacional, respeitar,
preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das
comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida
tradicionais relevantes à conservação e à utilização
sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais
ampla aplicação com a aprovação e a participação desse
conhecimento,
Direito Ambiental
inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos
benefícios oriundos da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas;
(xi) elaborar ou manter em vigor a legislação necessária e/ou
outras disposições regulamentares para a proteção de
espécies e populações ameaçadas;
(xii) quando se verifique um sensível efeito negativo à
diversidade biológica, em conformidade com o Artigo 7°,
regulamentar ou administrar os processos e as categorias de
atividades em causa;
(xiii) cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra
natureza para a conservação in sita a que se referem as
alíneas (i) a (xii), particularmente aos países em
desenvolvimento.
Quanto à conservação ex situ, na medida do possível e
conforme o caso, e principalmente a fim de complementar
medidas de conservação in situ:
(i) Adotar medidas para a conservação ex situ de componentes
da diversidade biológica, de preferência no país de origem
desses componentes;
(ii) estabelecer e manter instalações para a conservação ex
situ e pesquisa de vegetais, animais e micro-organismos, de
preferência no país de origem dos recursos genéticos;
(iii) adotar medidas para a recuperação e regeneração de
espécies ameaçadas e para sua reintrodução em seu habitat
natural em condições adequadas;
(iv) regulamentar e administrar a coleta de recursos
biológicos de habitats naturais com a finalidade de
conservação ex situ de maneira a não ameaçar ecossistemas e
populações in situ de espécies, exceto quando forem neces-
sárias medidas temporárias especiais ex situ de acordo com a
alínea (iii);
(v) cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra
natureza para a conservação ex situ a que se referem as
alíneas (i) a (iv) e com o estabelecimento e a manutenção de
instalações de conservação ex situ em países em
desenvolvimento.
2.1.6. Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade
Biológica
A CDB estabelece que as Partes Contratantes, na medida do
possível e conforme o caso, devem:
(i) incorporar o exame da conservação e utilização sustentável
de recursos biológicos no processo decisório nacional;
(ii) adotar medidas relacionadas à utilização de recursos
biológicos para evitar ou minimizar impactos negativos na
diversidade biológica;
(iii) proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos
biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais
compatíveis com as exigências de conservação ou utilização
sustentável;
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(iv) apoiar populações locais na elaboração e aplicação de
medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade
biológica tenha sido reduzida;
(v) estimular a cooperação entre suas autoridades
governamentais e seu setor privado na elaboração de métodos
de utilização sustentável de recursos biológicos.
2.1,7. Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos
Negativos
A CDB determina que as Partes Contratantes devem, na medida
do possível e conforme o caso:
(i) estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação
de impacto ambiental de seus projetos que possam ter
sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim
de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso,
permitir a participação pública nesses procedimentos;11
(ii) tomar providências adequadas para assegurar que sejam
devidamente levadas em conta as consequências ambientais de
seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos
negativos na diversidade biológica;12
(iii) promover, com base em reciprocidade, notificação,
intercâmbio de informação e consulta sobre atividades sob
sua jurisdição ou controle que possam ter sensíveis efeitos
negativos na diversidade biológica de outros Estados ou
áreas além dos limites da jurisdição nacional, estimulando-
se a adoção de acordos bilaterais, regionais ou
multilaterais, conforme o caso;
(iv) notificar, imediatamente, no caso em que se originem sob
sua jurisdição ou controle, perigo ou dano iminente ou grave
à diversidade biológica em área sob jurisdição de outros
Estados ou em áreas além dos limites da jurisdição nacional,
os Estados que possam ser afetados por esse perigo ou dano,
assim como tomar medidas para prevenir ou minimizar esse
perigo ou dano;
(v) estimular, providências nacionais sobre medidas de
emergência para o caso de atividades ou acontecimentos de
origem natural ou outra que representem perigo grave e
iminente à diversidade biológica e promover a cooperação
internacional para complementar tais esforços nacionais e,
conforme o caso e em acordo com os Estados ou organizações
regionais de integração econômica interessados, estabelecer
planos conjuntos de contingência.
11 Tais medidas estão completamente implementadas pelo Direito
brasileiro, mediante a metodologia adota
da para a análise de impactos ambientais e todos os mecanismos
de participação pública no licenciamento ambiental, com a
realização de audiências públicas.
Direito Ambiental
2.1.8. Acesso a Recursos Genéticos
Os recursos genéticos pertencem ao domínio eminente de cada
Estado que, no entanto, não deve negar acesso aos demais,
desde que obedecidas as leis de cada país detentor de
mencionados recursos. Devem ser observados os seguintes
procedimentos:
(i) em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre
seus recursos naturais, a autoridade para determinar o
acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais
e está sujeita à legislação nacional;
(ii) cada Parte Contratante deve procurar criar condições para
permitir o acesso a recursos genéticos para utilização
ambientalmente saudável por outras Partes Contratantes e não
impor restrições contrárias aos objetivos da CDB;
(iii) para os propósitos da CDB, os recursos genéticos
providos por uma Parte Contratante, a que se referem os
Artigos 15,16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes
Contratantes que sejam países de origem desses recursos ou
por Partes que os tenham adquirido em conformidade com esta
Convenção;
(iv) o acesso, quando concedido, deverá sê-lo de comum acordo
e sujeito ao disposto no Artigo 15;
(v) o acesso aos recursos genéticos sujeita-se ao
consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante
provedora, salvo se for estipulado ou de outra forma
determinado pela mencionada parte;
(vi) cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar
pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos
providos por outras Partes Contratantes com sua plena
participação e, na medida do possível, no território da
parte provedora do acesso aos recursos genéticos;
(vii) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso e em
conformidade com os artigos 16 e 19 e, quando necessário,
mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos artigos
20 e 21, para compartilhar de forma justa e equitativa13 os
resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos
genéticos e os benefícios derivados de sua utilização
comercial e de outra natureza com a Parte Contratante pro-
vedora desses recursos. Essa partilha deve ser feita de
comum acordo.
2.1.9. Acesso à Tecnologia e sua Transferência
Este é um dos temas màis complexos da CDB, pois ele busca
fazer com que o acesso aos recursos genéticos implique, de
alguma forma, uma troca entre os mencionados recursos e o
desenvolvimento tecnológico do País provedor, mediante um
procedimento de acesso e transferência de tecnologia. A
Convenção, como se vê, está
13 O equilíbrio será definido, caso a caso, conforme a vontade
dos contratantes, observados os preceitos e princípios da
CDB.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
estruturada dentro de uma concepção de que há dois fluxos
distintos e paralelos, conforme o seguinte quadro:
Recursos
Acesso aos Recursos
Tecnologia Genético
Recursos Financeiros
s
Sul -
Norte - Sul Norte - Sul Norte - Sul
Norte
(i) As Partes da CDB reconhecem que tecnologia inclui
biotecnologia, e que tanto o acesso à tecnologia como a sua
transferência entre Partes Contratantes são elementos
essenciais para a realização dos objetivos da Convenção, por
isso se comprometem, conforme o disposto no artigo 16, a
permitir e/ou facilitar a outras Partes Contratantes acesso
a tecnologias que sejam pertinentes à conservação e
utilização sustentável da diversidade biológica ou que
utilizem recursos genéticos e não causem dano sensível ao
meio ambiente, assim como a transferência dessas
tecnologias;
(ii) o acesso à tecnologia e sua transferência a países em
desenvolvimento, a que se refere o § l9 do artigo 16, devem
ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as
mais favoráveis, inclusive em condições de concessão e
preferenciais quando de comum acordo, e, caso necessário, em
conformidade com mecanismo financeiro estabelecido nos
Artigos 20 e 21 da CDB. No caso de tecnologia, sujeita a
patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o
acesso à tecnologia e sua transferência devem ser permitidos
em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a
adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade
intelectualM Mantendo- se compatibilidade com os parágrafos
3S, 4a e 5a do artigo 16;
(iii) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para que as
demais Partes Contratantes, em particular as que são países
em desenvolvimento, que proveem recursos genéticos, tenham
garantido o acesso à tecnologia que utilize esses recursos e
sua transferência, de comum acordo, incluindo tecnologia
protegida por patentes e outros direitos de propriedade
intelectual, quando necessário, mediante as disposições dos
Artigos 20 e 21, de acordo com o Direito internacional e
conforme os parágrafos 4a e 5a do artigo 16;
(iv) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para que o
setor privado permita o acesso à tecnologia a que se refere
o parágrafo l2 do artigo 16, seu desenvolvimento conjunto e
sua transferência em benefício das instituições govemamen-
14 Decreto nfl 1.355, de 30/12/1994. Promulga a Ata Final que
Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações
Comerciais Muldlaterais do GATT. Are. 27. (...) 2. Os
membros podem considerar como não patenteáveis invenções
cuja exploração em seu território seja necessário evitar
para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive
para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou
para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que
esta determinação não seja feita apenas porque a exploração
é proibida por sua legislação.
Direito Ambiental
tais e do setor privado de países em desenvolvimento, e a esse
respeito deve observar as obrigações constantes dos parágrafos
l2, 2a e 3e do artigo 16;
(v) as Partes Contratantes, reconhecendo que patentes e
outros direitos de propriedade intelectual podem influir na
implementação da CDB, devem cooperar a esse respeito em
conformidade com a legislação nacional e o direito
internacional para garantir que esses direitos apoiem e não
se oponham aos objetivos da Convenção.15
2.1.9.1. Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus
Benefícios
Um dos aspectos mais complexos da CDB é o que diz respeito à
gestão da biotecnologia. Como se sabe, o tema tem suscitado
muita polêmica. As determinações contidas na CDB são as
seguintes:
(i) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para permitir
a participação efetiva, em atividades de pesquisa
biotecnológica, das Partes Contratantes, especialmente
países em desenvolvimento, que proveem os recursos genéticos
para essa pesquisa, e se possível nos países provedores de
recursos genéticos;
(ii) cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas
possíveis para promover e antecipar acesso prioritário, em
base justa e equitativa das Partes Contratantes,
especialmente países em desenvolvimento, aos resultados e
benefícios derivados de biotecnologia baseada em recursos
genéticos providos por essas Partes Contratantes. Esse
acesso deve ser definido de comum acordo;
(iii) as Partes devem examinar a necessidade e as modalidades
de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados,
inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada,
no que respeita à transferência, manipulação e utilização
seguras de todo organismo vivo modificado pela biotec-
nologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e
utilização sustentável da diversidade biológica;
(iv) cada Parte Contratante deve proporcionar, diretamente ou
por solicitação, a qualquer pessoa física ou jurídica, sob
sua jurisdição, provedora dos organismos a que se refere o §
3a acima, à Parte Contratante em que esses organismos devam
ser introduzidos, todas as informações disponíveis sobre a
utilização e as normas de segurança16 exigidas por essa
Parte Contratante
15 A CDB, em minha opinião, reconhece um determinado grau de
complementaridade entre as diferentes normas de proteção à
propriedade intelectual e às patentes e a proteção à
diversidade biológica que ela regula.
16 Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança,
COW • pliHiVWWW«« *WÍ*>*»w
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
para a manipulação desses organismos, bem como todas as
informações disponíveis sobre os potenciais efeitos negativos
desses organismos específicos.
2.1.9.2. Relações entre Diversidade Biológica e Produção? de
Medicamentos
As relações entre a produção de produtos farmacêuticos e a
preservação da diversidade biológica são intensas e profundas,
muito embora nem sempre sejam claramente colocadas e,
principalmente, compreendidas. Na verdade, a indústria farma-
cêutica é, seguramente, um dos ramos industriais mais
fortemente interessados na conservação da diversidade
biológica e na sua utilização racional, pois, conforme será
demonstrado adiante, ela pode servir de matéria-prima para a
pesquisa de importantes princípios ativos.17 Há uma tendência
bastante generalizada de confundir a produção de medicamentos,
realizada por laboratórios que fazem investimentos pesados em
pesquisa e desenvolvimento, com a elaboração de poções mágicas
a partir de extratos vegetais. Em realidade, entre uma planta
e um medicamento que seja produzido com base em um dos
princípios ativos nela existentes, há uma longa jornada a ser
percorrida. Em primeiro lugar, há que se considerar que menos
de 1% (um por cento) das plantas floreadas foi pesquisado
cientificamente para o conhecimento de suas propriedades
químicas.18 Em contrapartida, o conhecimento tradicional sobre
as qualidades terapêuticas das plantas é muito vasto, pois
“thousands of years of direct dependence on plants has
required the revision and perpetuation of a significant body
of information regarding the value of individual species and
their habitats”A questão que se coloca, portanto, é a de
compatibilizar as pesquisas científicas com o conhecimento
tradicional, tudo isto com vistas a proporcionar avanços na
produção de novos medicamentos eficientes e seguros. A
indústria farmacêutica, conforme nos relembra Aylward,21 data
do século XIX e, até aquela época, a maioria dos remédios
derivava diretamente da natureza, especialmente das plantas.
Desde então, tem havido uma variação muito grande entre a
pesquisa baseada em estudos sobre plantas e pesquisas com
produtos químicos smtéticos. É necessário que se observe, no
entanto, que, entre o início das pesquisas para um novo pro-
duto farmacêutico e a sua efetiva comercialização, o tempo
gasto é de, aproximada-
17 Éa substância existente na formulação do medicamento,
responsável pelo seu efeito terapêutico. Também denomina-se
fármaco. Fonte: httpVAvww.genéricos.med.br/faq. html#10.
18 Jennie Wood Sheldon e Michael Balíck. “Etnobotany and the
Search for Balance Between Use and Conservation’’, in
Swanson, Timothy M. Intellectual Property Rights and
Biodiversity Conservation - An interdisciplinary analysis of
the values of medical plants. Cambridge; Cambridge, 1998, p.
46.
19 Idem, p. 47.
20 Milhares de anos de dependência direta das plantas exigiu a
revisão e perpetuação de um corpo sigmSca- dVo de informação
referente ao valor de espécies individuais e seus habitats.
21 Biuce Aylward. “The Role of Plant Screening and Plant
Supply in Biodiversity Conservation, drug development and
health care”, in Swanson, Timothy M. Intellectual Property
Rights and Biodiversity Conservation ~ An interdisciplinary
analysis of the values of medical plants. Cambridge:
Cambridge, 1998, p. 103.
Direito Ambientai
mente, 14 (quatorze) anos,22-23-24 com custos que superam, em
muito, a centenas de milhões de dólares americanos.25 O volume
de recursos necessários para a produção de um novo
medicamento, seja do ponto de vista econômico, seja dos pontos
de vista científicos e tecnológicos (a indústria farmacêutica
é uma das mais fortemente conhecimento-intensivas), faz com
que somente poucos países possam pertencer a um “clube” muito
fechado, pois somente grandes empresas podem suportar os cus-
tos e os riscos de pesquisa que se prolongam por mais de uma
década, sem que haja qualquer segurança de que o produto delas
resultantes será efetivo e seguro e terá aceitação no mercado.
Cerca de 90% (noventa por cento) dos novos produtos farma-
cêuticos criados nos últimos 30 (trinta) anos têm origem em 10
(dez) países. Alguns países em desenvolvimento têm buscado
estabelecer uma indústria farmacêutica autóctone, mas, nestes
mesmos 30 (trinta) anos, eles foram responsáveis por apenas 20
(vinte) novos medicamentos, ou seja, cerca de 1% (um por
cento) da produção total.26
Do ponto de vista prático, a patente de um medicamento tem a
duração de cerca de 6 (seis) anos, entre sua concessão e o
término de sua validade, período no qual os investimentos
devem ser recuperados, sob pena de o produto ser um fracasso
comercial, ainda que possa ser um excelente produto nos
aspectos medicinais. A manutenção dos mecanismos de proteção
da propriedade intelectual, por intermédio das patentes, é
extremamente importante para que os investimentos continuem a
ser gerados e novos medicamentos produzidos. Qualquer pressão
para que os mecanismos de proteção da propriedade intelectual
referente aos medicamentos sejam enfraquecidos criará
seguramente uma redução de investimentos privados em novos
produtos. A indústria farmacêutica, no entanto, tem se
mostrado um “easy target^7~28 para o corte de custos com saúde.
E tais dificuldades econômicas e incertezas - aliadas aos
baixíssimos investimentos governamentais na pesquisa de novos
medicamentos - fizeram com que o ritmo de novas descobertas
tenha diminuído e que a maioria dos medicamentos que
atualmente estão entrando em uso tenha sido descoberta
22 Idem, p. 97
23 Lei nfi 9.279, de 14/5/1996, Art. 40. A patente de invenção
vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de
utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de
depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será
inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção ea7
(sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a coutar
dfa data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar
impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por
pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.
24Lei n° 9.787, de 10/2/1999, Ait. Io A Lei ns 6.360, de 23 de
setembro de 1976, passa a vigorar com as seguintes
alterações: "Art 3a (...) XXI — Medicamento Genérico —
medicamento similar a um produto de referência ou inovador,
que se pretende ser com este intercambiável, geralmente
produzido após a expiração ou renúncia da proteção
patentáría ou de outros direitos de exclusividade,
comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e
designado pela DCB ou, na soa ausência, pela DCI.
25Financiamentos, em sua maioria, de natureza privada e que,
em tal condição, necessitam dar retomo econômico ao
investidor.
26 Bruce Aylward. Jlie Role ofPlant Screening and Plant Supply
m Biodiversity Conservation, drug deve- lopment and health
care, p. 97.
27 Bruce Aylward. The Role of Plant Screening and Plant Supply
in Biodiversity Conservation, drug deve- lopment and health
care, p. 99.
28“Alvo fácil”.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
há quase 20 anos.29 Um outro fator ao qual não tem sido dada a
necessária atenção é que as universidades utilizam muito mais
recursos genéticos oriundos dos países em desenvolvimento do
que as indústrias.30 Merece, ademais, ser ressaltado que a
maioria dos medicamentos atualmente em uso não possui mais
patentes válidas.31
É bastante significativo o feto de que os grandes
laboratórios farmacêuticos de pesquisa estejam se dedicando ao
lançamento de genéricos.32
2.2. Agenda 21
A Agenda 21 é um conjunto de metas e objetivos que visam
estabelecer orientações para a comunidade internacional
durante o século XXI. É um documento que surgiu no contexto da
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento que foi realizada no Rio de Janeiro em 1992. O
capítulo 15 da Agenda 21 trata da Conservação da Diversidade
Biológica. De fato, cada um dos capítulos da Agenda 21 busca
definir um conjunto de ações e atividades a serem cumpridas na
ordem internacional que se materializarão em tratados e
convenções específicos. A Agenda 21 é uma declaração política
firmada pelos Estados e não tem força obrigatória, muito
embora os seus signatários venham desenvolvendo toda uma série
de ações para a sua implementação. A Agenda 21, em seu item
15.2, proclama que: “Os bens e serviços essenciais de nosso
planeta dependem da variedade e variabilidade dos genes,
espécies, populações e ecossistemas. Os recursos biológicos
nos alimentam e nos vestem, e nos proporcionam moradia,
remédios e alimento espiritual. Os ecossistemas naturais de
üorestas, savanas, pradarias e pastagens, desertos, tundras,
rios, lagos e mares contêm a maior parte da diversidade
biológica da Terra. Os campos agrícolas e os jardins também
têm grande importância como repositórios, enquanto os bancos
de genes, os jardins botânicos, os jardins zoológicos e outros
repositórios de germoplasma fazem uma contribuição pequena mas
significativa. O atual declínio da diversidade biológica
resulta em grande parte da atividade humana, e representa uma
séria ameaça ao desenvolvimento humano.”
Dentre os objetivos da Agenda 21 está bastante caracterizada
a importância das comunidades locais e indígenas, naquilo que
concerne à produção dos conhecimentos tradicionais associados.
Assim é que em 15.5 está disposto que os diferentes atores do
cenário internacional devem levar em “consideração as
populações indígenas e suas comunidades”.
Especificamente sobre a repartição dos benefícios
decorrentes do acesso à diversidade biológica, a Agenda 21
estabelece como objetivo (15.2. d) o de adotar as medidas
apropriadas para a repartição justa e equitativa dos
benefícios advindos da pes
29 Bruce Aylward. The Role of Plant Screening and Plant Supply
in Biodiversity Conservation, drug development and health
care, p. 98.
30 Siddartha Prakash. “Towards a Synergy Between Biodiversity
and Intellectual Property Rights”, in The Journal of World
Intellectual Property Rights, voL 2» n° 5, September 1999,
p. 823.
31 Margalit Edelman. “Os beneficiários da propriedade
intelectual”, in Gazeta Mercantil, 16, 17 e 18/11/2001, p.
A-3.
32 O Estado de S.Paulo, 14.11.2001, p. A-15, “Empresa lança
Remédios Genéricos”.
Direito Ambiental
quisa e desenvolvimento, bem como do uso dos recursos
biológicos e genéticos, inclusive da biotecnologia, entre as
fontes desses recursos e aqueles que os utilizam.
Os Estados signatários da Agenda 21 igualmente assumem o
compromisso de (15.2.g) “reconhecer e fomentar os métodos
tradicionais e os conhecimentos das populações indígenas e
suas comunidades, enfatizando o papel específico das mulheres,
relevantes para a conservação da diversidade biológica e o uso
sustentável dos recursos biológicos, e assegurar a esses
grupos oportunidade de participação nos benefícios econômicos
e comerciais decorrentes do uso desses métodos e conhecimentos
tradicionaisO mesmo tema é reenfatizado no item 15.5.e da
Agenda 21, desta vez como comprometimento de elaboração de uma
legislação nacional apta a assegurar a proteção dos
conhecimentos tradicionais e a sua remuneração adequada, in
verbis, “em conformidade com a legislação nacional, adotar
medidas para respeitar, registrar, proteger e promover uma
maior aplicação dos conhecimentos, inovações e práticas das
comunidades indígenas e locais que reflitam estilos de vida
tradicionais e que permitam conservar a diversidade biológica
e o uso sustentável dos recursos biológicos, com vistas à
partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes, e
promover mecanismos que promovam a participação dessas
comunidades, mclusive das mulheres, na conservação e manejo
dos ecossistemas”
2.3. Convenção de RAMSAR
É uma Convenção internacional que antecede à própria CNUMAD,
pois foi realizada em 1971. Os primeiros sete Estados que dela
participaram foram: (i) Austrália;
(ii) Finlândia; (iii) Grécia; (iv) Irã; (v) Noruega; (vi)
África do Sul e (vii) Suécia. O objetivo da referida Convenção
é o de estabelecer mecanismos de cooperação internacional com
vistas à proteção de áreas úmidas, bem como de aves aquáticas
que tenham importância internacional. Ela entrou em vigor no
ano de 1975.
A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional,
especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, concluída em
Ramsar, Ira, a 2 de fevereiro de 1971, foi ratificada pelo
Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo n2 33, de
1992, tendo sido promulgada pelo Decreto n2 L905, de 16 de maio
de 1996, que: Promulga a Convenção sobre Zonas Úmidas de
Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves
Aquáticas, conhecida como Convenção de Ramsar, de 02 de
fevereiro de 1971.
2.3.1. Preâmbulo
O Preâmbulo da Convenção de Ramsar está firmado sobre a
premissa da interdependência entre o Homem e o Meio Ambiente e
considera a importância das funções ecológicas fundamentais
das zonas úmidas enquanto reguladoras dos regimes de água e
enquanto habitats de uma flora e fauna características,
especialmente de aves aquáticas.
É importante ressaltar que a Convenção considera que as
zonas úmidas constituem um recurso de grande valor econômico,
cultural, científico e recreativo, cuja
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
perda seria irreparável. A Convenção, portanto, é celebrada
com O objetivo de assegurar a interrupção do processo de
degradação das áreas úmidas com importância internacional. É
importante ressaltar que a Convenção de Ramsar reconhece que
as aves aquáticas, em suas migrações sazonais, atravessam
fronteiras e, em tal condição, devem ser consideradas como um
recurso internacional.
A Convenção expressa a confiança de que a conservação de
zonas úmidas, da sua flora e da sua fauna, pode ser assegurada
com políticas internacionais conjuntas de longo alcance,
através de ação internacional coordenada.
2.3.2. Glossário da Convenção
Como toda Convenção internacional, a Convenção de Ramsar
define um glossário básico, de forma que a matéria tratada não
deixe margem a dúvidas ou gere conflitos de interpretação.
Para os efeitos da Convenção de Ramsar:
(i) Zonas Úmidas: são áreas de pântano, charco, turfa ou água,
natural ou artificial, permanente ou temporária, com água
estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo
áreas de água marítima com menos de seis metros de
profundidade na maré baixa.
(ii) Aves Aquáticas: são pássaros ecologicamente dependentes
de zonas úmidas.
2.3.3. Indicação pelas Partes de Áreas a Serem Incluídas na
Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional
As Partes Contratantes deverão indicar as zonas úmidas
existentes em seus territórios, que deverão constar da Lista
de Zonas Úmidas de Importância Internacional. Tais áreas devem
ter os seus limites descritos pormenorizadamente e delimitados
no mapa, podendo incorporar áreas ribeirinhas ou trechos de
litorais adjacentes às zonas úmidas e ilhas ou porções de água
marítima que possuam mais de seis metros de profundidade na
maré baixa e que estejam situadas dentro da área de zona
úmida, principalmente onde estas tenham, ainda, importância
como habitat de aves aquáticas.
A indicação de áreas para integrar a Lista não pode ser
aleatória, mas, pelo contrário, deve seguir critérios de
escolha que se baseiem em sua importância internacional pelos
seus aspectos ecológicos, botânicos, zoológicos, imunológicos
ou hidrológi- cos. O primeiro critério a ser utilizado quando
da escolha de uma área para ser incluída como integrante da
lista é o da importância ecológica em qualquer estação do ano.
A indicação de uma área como integrante da Lista não retirai
do país, dentro do qual ela esteja situada, os direitos de
soberania inerentes à sua condição de soberania nacionaL
As Partes integrantes da Convenção têm o direito de
adicionar à Lista outras zonas úmidas situadas no seu
território, bem como aumentar os: limites das que já estão
incluídas na Lista, ou, por motivo de interesse nacional
urgente, anular ou res-
| Direito Ambiental
tringir os limites das zonas úmidas já incluídas na lista.
Para que assim procedam, devem informar a realização de tais
alterações, em curto prazo, ao organismo ou ao governo
encarregado das funções de bureau permanente, conforme
especificado no Art. 89 da Convenção. Como forma de mitigação
dos direitos estipulados no artigo 2,5 da Convenção, cada
Parte Contratante deverá levar em conta a sua
responsabilidade, no plano internacional, para a conservação,
orientação e exploração racional da população migrante de aves
aquáticas, tanto ao designar as zonas úmidas de seu território
a serem inscritas na Lista, como ao exercer o seu direito de
modificar a inscrição.
Áreas Brasileiras incluídas na Convenção
Fonte: http://www.rBmsar.org/about_brazil_p.Iitm
2.3.3.1. Obrigações com relação às Áreas Incluídas na Lista
(i) elaborar e executar os seus planos de modo a promover a
conservação das zonas úmidas incluídas na Lista e, na medida
do possível, a exploração racional daquelas zonas úmidas do
seu território;
(ii) tomar as medidas necessárias para ser informada com a
possível brevidade sobre as modificações das condições
ecológicas de qualquer zona úmida
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
situada no seu território e inscrita na Lista que se modificar
ou esteja em vias de se modificar, devido ao desenvolvimento
tecnológico, poluição ou outra intervenção humana. As
informações destas mudanças serão transmitidas sem demora à
organização ou ao governo responsável pelas funções do bureau
especificadas no Art. 8a;
(iii) promover a conservação de zonas úmidas e de aves
aquáticas, estabelecendo reservas naturais nas zonas úmidas,
quer estas estejam ou não inscritas na Lista, e providenciar
a sua proteção apropriada;
(iv) em caso de anulação ou diminuição dos limites de uma zona
úmida incluída na Lista, em função de interesse nacional
urgente, a Parte Contratante providenciar a compensação, na
medida do possível, da perda de recursos da zona úmida e em
especial criar novas reservas naturais para as aves
aquáticas e para a proteção dentro da mesma região ou em
outra, de uma porção apropriada do habitat anterior;
(v) incentivar a pesquisa e o intercâmbio de dados e
publicações relativas às zonas úmidas e à sua flora e fauna;
(vi) empreender esforços pela sua gestão para aumentar a
população das aves aquáticas nas zonas úmidas apropriadas;
(vii) promover a formação do pessoal competente para estudo,
gestão e proteção das zonas úmidas.
2.3.3.2. Acompanhamento da Implementação da Convenção
O mecanismo de acompanhamento da Convenção baseia-se em
consultas mútuas sobre a execução das obrigações contraídas na
Convenção, principalmente no caso de uma zona úmida estender-
se sobre territórios de mais de uma Parte Contratante ou no
caso em que a bacia hidrográfica seja compartilhada pelas
Partes Contratantes. As Partes obrigam-se, mutuamente, a
empreender esforços no sentido de coordenar e apoiar políticas
e regulamentos atuais e futuros relativos à conservação de
zonas úmidas e à sua flora e fauna.
2.3.3.3. Conferência das Partes Contratantes
A Conferência das Partes Contratantes tem por finalidade
primordial a de verificar e promover a implementação da
Convenção. Cabe ao bureau instituído pelo Art. 8e, parágrafo
l9, convocar reuniões ordinárias da Conferência das Partes
Contratantes em intervalos, mínimos, de três anos. A
Conferência, soberanamente, poderá decidir em sentido
contrário à periodicidade definida no Artigo 6e, parágrafo le.
As reuniões extraordinárias podem ser convocadas por
requerimento escrito de, pelo menos, um terço das Partes
Contratantes.
374
Direito Ambiental
2.3.3.4. Competência da Conferência das Partes
A Conferência das Partes Contratantes tem as seguintes
competências:
(i) examinar a execução da Convenção;
(ii) examinar inclusões e mudanças na Lista;
(iii) analisar a informação relativa às mudanças de caráter
ecológico de zonas úmidas incluídas na Lista, fornecida em
conformidade com o parágrafo 22 do Art. 32;
(iv) formular recomendações, de ordem geral ou específica, às
Partes Contratantes acerca de conservação, gestão e
exploração racional de zonas úmidas, da sua flora e fauna;
(v) solicitar aos organismos internacionais competentes a
elaboração de relatórios e estatísticas sobre assuntos de
natureza especialmente internacional relativas às zonas
úmidas; e
(vi) adotar outras recomendações ou resoluções para promover o
funcionamento da Convenção.
2.3.3.5. Atribuições do Bureau
De acordo com o artigo 8a, I, da Convenção de Ramsar, a
União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos
Naturais (UICN) foi encarregada das funções de bureau
permanente da Convenção, até que haja a nomeação de outra
Organização ou governo pela maioria de dois terços de todas as
Partes Contratantes. O bureau tem as seguintes atribuições,
dentre outras:
(i) auxiliar na convocação e organização das conferências
especificadas no
Art. 69;
(ii) manter a Lista de Zonas Úmidas de Importância
Internacional e receber das Partes Contratantes as
informações sobre adições, extensões, supressões ou
diminuições relativas às zonas úmidas inscritas na lista,
conforme pre
ceitua o parágrafo 5e do Art. 22;
(iii) receber das Partes Contratantes as informações, conforme
previsto no
parágrafo 2Q do Art. 32, sobre todas as mudanças de natureza
ecológica das zonas úmidas inscritas na lista;
(iv) notificar todas as Partes Contratantes sobre qualquer
alteração na Lista ou mudanças nas características das zonas
úmidas inscritas e providenciar que estes assuntos sejam
discutidos na conferência seguinte;
(v) dar conhecimento à Parte Contratante interessada das
recomendações
relativas a estas alterações na Lista ou das mudanças de
características das zonas úmidas inscritas.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
2.4. Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção - CITES
Um dos elementos mais importantes dentro do contexto da
perda de diversidade biológica é o tráfico internacional de
espécies da flora e da faxina silvestre ameaçadas de extinção.
A importância do assunto é de tal ordem que a comunidade
internacional dedicou-lhe a “convenção sobre o comércio
internacional das espécies da flora e fauna selvagem em perigo
de extinção” firmada aos 3 de março de 1973, aprovada pelo
Brasil mediante o Decreto Legislativo nô 54, de 24 de junho de
1975, e promulgada pelo Decreto n9 76.623, de 17 de novembro de
1975. O quadro normativo da inserção da CITES no Direito
interno brasileiro é complementado, ainda, pelas seguintes
disposições legais: (i) Decreto Legislativo 21, de 1985, que:
Aprova o texto da emenda à alínea a, do § 3a, do artigo XI, da
Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna
e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, de 3 de março de
1973, adotada pela Sessão Extraordinária da Conferência das
Partes, realizada ém Bonn, aos 22 de Junho de 1979; Decreto
Legislativo n2 35, de 1985, que: Aprova o téxto da Emenda ao
Artigo XXI da Convenção sobre o Comércio Internacional das
Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção, de
1973, aprovado pela Conferência das Partes, em Reunião
extraordinária realizada em Gaborone, em 20 de abril de 1983;
Decreto ne 92.446, de 7 de março de 1986, que: Promulga a
Emenda ao Artigo XXI da Convenção sobre o Comércio
Internacional das Espécies da Fauna e da Flora em Perígp de
Extinção; e Decreto nfi 3.607, de 21 de setembro de 2000, que:
Dispõe sobre a implementação da Convenção sobre Comércio
Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo
de Extinção - CITES, e dá outras providências.
2.4.1. Abrangência da CITES: Conteúdo dos Anexos
A Convenção é seguida de três anexos que se destinam a
definir as espécies que, de uma forma ou de outra, estão sob a
sua tutela. O conteúdo dos anexos é o seguinte:
ANEXO I: Todas as espécies ameaçadas de extinção que são ou
possam ser afetadas pelo comércio.
O comércio de qualquer espécime de tais espécies deve estar
submetido à regulamentação “particularmente” rigorosa, com
vistas a assegurar que elas não sejam mais ameaçadas em sua
sobrevivência, e somente deve ser autorizado em situações
excepcionais.
ANEXOU:
a) todas as espécies que, embora atualmente não se encontrem
necessariamente em perigo de extinção, possam vir a estar em
tal condição, a menos que o comércio de espécimes de tais
espécies esteja sujeito à regulamentação rigorosa, a fim de
evitar exploração incompatível com sua sobrevivência; e
Direito Ambiental
b) outras espécies que devam ser objeto de regulamentação, a
fim de permitir um controle eficaz do comércio dos espécimes
de certas espécies a que se refere o subparágrafo a do
presente parágrafo.
ANEXO III: Todas as espécies que qualquer das partes declare
sujeitas, nos limites de sua competência, à regulamentação
para impedir ou restringir sua exploração e que necessitam
da cooperação das outras partes para o controle do comércio.
As partes integrantes da CITES somente podem permitir o
comércio de espécimes de espécies incluídas nos Anexos I, II e
III com a observância das disposições contidas na Convenção.
2.4.2. Glossário da Convenção
O artigo I da CITES adota as seguintes definições:
(i) “espécie” significa toda espécie, subespécie ou uma
população geograficamente isolada;
(ii) “espécime” significa:
a) qualquer animal ou planta, vivo ou morto;
b) no caso de um animal: para as espécies incluídas nos anexos
I e II, qualquer parte ou derivado facilmente identificável;
e para as espécies incluídas no anexo III qualquer parte ou
derivado facilmente identificável que haja sido especificado
no anexo IH em relação à referida espécie;
c) no caso de uma planta: para as espécies incluídas no anexo
I, qualquer parte ou derivado, facilmente identificável; e,
para as espécies incluídas nos anexos II e III, qualquer
parte ou qualquer derivado facilmente identificável
especificado nos referidos anexos em relação com a referida
espécie;
(iii) “comércio” significa exportação, reexportação,
importação e introdução procedente do mar;
(iv) “reexportação” significa a exportação de todo espécime
que tenha sido previamente importado;
(v) “introdução procedente do mar” significa o transporte,
para o interior de um Estado, de espécimes de espécies
capturadas no meio marinho fora da jurisdição de qualquer
Estado;
(vi) “autoridade científica”33 significa tuna autoridade
científica nacional designada de acordo com o artigo IX;
33 Decreto n® 3.607, de 21/9/2000, Art. 5® Ficam designados
como Autoridades Científicas, conforme determina a letra ‘V
do artigo Dí da Convenção, o IBAMA e suas respectivas
unidades especializadas em recursos n aturais. Parágrafo
único. O IBAMA poderá designar pessoas físicas ou jurídicas,
de reconhecida capacidade ciendBca, para awdliá-lo no
desempenho da função de Autoridade Científica.
ÜSJ - Ensino Sypsncr gtsesu Jista
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(vii) “autoridade administrativa”34 significa uma autoridade
administrativa nacional designada de acordo com o artigo IX;
(viii) “parte” significa um Estado para o qual a convenção
tenha entrado em vigor.
2.4.3. Relação entre a CITES e outras Convenções
Internacionais e a Legislação Nacional
A condição de parte signatária da CITES não impede o direito
soberano de adoção de:
(i) medidas internas mais rígidas com referência às condições
de comércio, captura, posse ou transporte de espécimes de
espécies incluídas nos anexos I, II e III, ou proibi-los
inteiramente; ou
(ii) medidas internas que restrinjam ou proíbam o comércio, a
captura, a posse ou o transporte de espécies não incluídas
nos anexos I, II ou IIL
As disposições da CITES não afetam as disposições de
qualquer medida interna ou obrigações das partes derivadas de
qualquer tratado, convenção ou acordo internacional referentes
a outros aspectos do comércio, da captura, da posse ou do
transporte de espécimes que estejam em vigor, ou que entrem em
vigor posteriormente para qualquer das partes, incluídas as
medidas relativas à alfândega, saúde pública ou quarentenas
vegetais ou animais. Da mesma forma, não afetam as disposições
ou obrigações emanadas de qualquer tratado, convenção ou
acordo internacional celebrados ou que venham a ser celebrados
entre Estados e que criem uma união ou acordo comercial
regional, que estabeleça ou mantenha um controle aduaneiro
comum externo e elimine controles aduaneiros entre as partes
respectivas, na medida em que se refiram ao comércio entre os
Estados-Membros dessa união ou acordo.
Um Estado-parte da presente convenção que seja também parte
de outro tratado, convenção ou acordo internacional vigente
quando entrar em vigor a presente convenção e em virtude de
cujas disposições se protejam as espécies marinhas incluídas
no anexo II, ficará isento das obrigações que lhe impõem as
disposições da presente convenção com referência aos espécimes
de espécies incluídas no anexo II capturados tanto por barcos
matriculados nesse Estado e de conformidade com as disposições
desses tratados, convenções ou acordos internacionais.
Sem prejuízo das disposições dos artigos III, IV e V, para
qualquer exportação de um espécime capturado de conformidade
com o parágrafo 4e do presente artigo somente será necessário
um certificado de uma autoridade administrativa do Estado
34 Decreto n° 3.607, de 21/9/2000, Art. 3« Fica designada como
Autoridade Administrativa, conforme determina a letra “a” do
artigo IX da Constituição, o Instituto Biasüeiro de Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
378
Direito Ambiental
de introdução, assegurando que o espécime foi capturado de
acordo com as disposições dos tratados, convenções ou acordos
internacionais pertinentes.
Nenhum dispositivo da presente convenção prejudicará a
modificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar
pela Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
convocada de acordo com a Resolução n9 2.750 C (XXV) da
Assembléia Geral das Nações Unidas, nem as reivindicações e
teses jurídicas presentes ou futuras de qualquer Estado no que
se refere ao Direito do Mar e à natureza e extensão da
jurisdição costeira e da bandeira do Estado.
2.4.4. Implementação da CITES pelo Brasil
A implementação da CITES pelo Brasil está regulamentada pelo
Decreto n2 3.607, de 21 de setembro de 2000, que: “Dispõe sobre
a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das
Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção -
CITES, e dá outras providências” A importância do decreto
acima mencionado é que ele, no âmbito das atribuições de uma
parte da CITES, estabeleceu os critérios para a aplicação da
referida Convenção pelas diferentes autoridades brasileiras.
2.4.4.1. Papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA no âmbito da CITES
0 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA, conforme determinação contida nos
artigos 4a e 52 do Decreto n9 3.607, de 21 de setembro de 2000,
desempenha simultaneamente o papel de autoridade admi-
nistrativa e de autoridade científica, competindo-lhe o
seguinte:
Como autoridade administrativa:
1 - manter o registro do comércio de espécimes das espécies
incluídas nos
Anexos I, II e III da CITES, que deverá conter, no mínimo:
a) nomes e endereços dos exportadores e importadores;
b) número e natureza das Licenças e Certificados emitidos;
c) países com os quais foi realizado o comércio;
d) quantidade e tipos de espécimes;
e) nomes das espécies incluídas nos Anexos I, II e III da
CITES; e
f) tamanho e sexo dos espécimes, quando for o caso;
II - elaborar e remeter relatórios periódicos à Secretária
da CITES, nos ter
mos do artigo VIII da Convenção;
III — fiscalizar as condições de transporte, cuidado e
embalagem dos espéci
mes vivos, objeto de comércio;
IV - coordenar as demais autoridades que com ela atuam em
conjunto na
atribuição prevista no inciso anterior;
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos) j
V - apreender os espécimes obtidos em infração à Lei n2 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998; espécimes vivos apreendidos nos
termos do inciso IV do artigo 4a de Decreto n2 3.607, de 21
de setembro de 2000;
VII - organizar e manter atualizado o registro dos
infratores;
VIII - propor emendas, inclusões e transferências aos Anexos
I, II e III da
CITES, conforme estabelecido nos artigos XV e XVI da
Convenção;
IX - propor a capacitação do pessoal necessário para o
cumprimento da Con
venção e do Decreto n2 3,607, de 21 de setembro de 2000;
X ~ designar, em conjunto com a Secretaria da Receita
Federal, o Departa
mento de Polícia Federal e o Ministério da Agricultura e
Abastecimento, os portos habilitados para a entrada e saída de
espécimes, sujeitos ao comércio internacional; e
XI — estabelecer as características das marcas que devem ser
utilizadas nos
espécimes, produtos e subprodutos, objeto do comércio
internacional.
Conforme determinação do parágrafo único do artigo 4a, as
Licenças ou Certificados CITES com efeito retroativo somente
poderão ser emitidos nos casos em que: (i) houver acordo entre
a autoridade do país exportador e a autoridade do país impor-
tador em seguir este procedimento; (ii) a irregularidade não
seja atribuída a nenhuma das partes envolvidas na transação; e
(iii) as espécies objeto da transação não estiverem incluídas
no Anexo I da Convenção.
Como autoridade científica:
I - informar à Autoridade Administrativa as variações
relevantes do status
populacional das espécies, incluídas nos Anexos II e III da
CITES, com o objetivo de propor a elaboração de planos de
manejo;
II - cooperar na realização de programas de conservação e
mánejo das espécies
autóctones incluídas nos Anexos II e III da CITES, com o
comércio internacional significativo, estabelecido pelo IBAMA;
e,
III — assessorar a Autoridade Administrativa a respeito do
destino provisório ou
definitivo dos espécimes interditados, apreendidos ou
confiscados.
2.4.5, Procedimentos Necessários ao Comércio Internacional
de Espécies (Espécies Integrantes dos Anexos I, II e III da
CITES)
O Anexo I da CITES é integrado pelas espécies que são
consideradas ameaçadas de extinção e, portanto, potencialmente
afetadas pelo comércio, necessitando que a sua comercialização
seja submetida a controle estrito das Autoridades Administra-
tivas, o que se faz mediante a concessão de Licença ou
Certificado.
A exportação de qualquer espécime de uma espécie incluída no
Anexo I da CITES somente pode ser autorizada pela expedição e
apresentação prévia de Licença de Exportação, que somente será
concedida após o atendimento dos seguintes requisitos: (i)
emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que
a exportação
Direito Ambiental
não prejudicará a sobrevivência da espécie; e (ii)
verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte
não causará danos ao espécime, se foi concedida a Licença de
Importação e se é legal sua aquisição.
A importação de qualquer espécime de uma espécie incluída no
Anexo I da CITES somente será autorizada mediante a concessão
e apresentação prévia de Licença de Exportação ou Certificado
de Reexportação, e de Licença de Importação, a qual somente
será concedida uma única vez, atendidos os seguintes
requisitos: (i) emissão de parecer, pela Autoridade
Científica, atestando que a exportação não prejudicará a
sobrevivência da espécie; (ii) verificação, pela Autoridade
Administrativa, se o transporte não causará danos ao espécime,
se foi concedida a Licença de Importação e se é legal sua
aquisição. Deve, ainda, ser providenciado para que o espécime
não seja utilizado para fins comerciais. Igualmente, deve ser
assegurado que o importador, o exportador ou reexportador,
conforme o caso, dispõem de instalações adequadas para a
recepção do espécime vivo. As atividades comerciais acima
mencionadas somente poderão ser praticadas caso não haja
ameaça à sobrevivência da espécie.
O Anexo II da CITES compõe-se de espécies que, embora não se
encontrem em perigo de extinção, necessitam de cuidados
especiais para que não atinjam tal condição. Daí a necessidade
de que o comércio de espécimes de tais espécies esteja
srujeito à regulamentação rigorosa, podendo ser autorizada a
sua comercialização, pela Autoridade Administrativa, somente
mediante a concessão de Licença ou emissão de Certificado.
Tanto a importação, a exportação e a reexportação demandarão a
emissão de licenças e certificados, que deverão atestar as
condições sanitárias do receptor dos espécimes de espécies, o
não-prejuízo para as espécies da comercialização do espécime.
A Autoridade Administrativa deverá certificar a legalidade da
atividade e, também, que as condições de transporte não são
prejudiciais ao espécime.
A autoridade administrativa poderá estabelecer cotas tanto
para importação como para exportação de espécimes de espécies
contempladas no Anexo II da CITES.
Conforme determina o Art. 10 do Decreto, “as espécies
incluídas no Anexo III da CITES por intermédio da declaração
de qualquer país são aqueles cuja exploração necessita ser
restrita ou impedida e que requer a cooperação no seu
controle, podendo ser autorizada sua comercialização, mediante
concessão de Licença ou Certificado, pela Autoridade
Administrativa”. Uma vez que a espécie seja incluída no Anexo
III, as transações comerciais internacionais somente poderão
ser autorizadas mediante a concessão e apresentação prévia de
licenças de importação, exportação e/ou reexportação, conforme
o caso.
2.4.6. Licenças e Certificados CITES
Na forma do artigo 11 do decreto, todas as licenças ou
certificados CITES deverão conter, no mínimo, as seguintes
informações: (i) título da Convenção; (ii) nome e domicílio da
Autoridade Administrativa que o emitiu; (iii) número de
controle; (iv) nomes, sobrenomes e domicílios do importador e
do exportador; (v) tipo da operação comercial (exportação,
reexportação, importação ou introdução procedente do mar);
(vi) nome científico da espécie ou das espécies; (vii)
descrição do espécime ou
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
dos espécimes em um dos três idiomas oficiais da Convenção;
(viii) número de identificação das marcas dos espécimes, se as
tiverem; (ix) Anexo da CITES em que a espécie está incluída;
(x) propósito da transação; (xi) data em que a Licença ou
Certificado foi emitido e data em que expira; (xii) nome e
assinatura do emitente;
(xiii) selo de segurança da Autoridade Administrativa; e
(xiv) origem dos espécimes que a Licença ou Certificado
ampara.
Em se tratando de reexportação, os Certificados CITES
deverão conter, além das informações exigidas no artigo 11, os
seguintes dados: (i) o país de origem; (ii) o número de
controle da Licença ou Certificado CITES emitido pelo país de
origem e a data em que este foi emitido; e (iii) o país da
última reexportação caso já tenha sido reexportado, e, neste
caso, o número do Certificado e a data em que foi expedido.
As Licenças e Certificados CITES são intransferíveis e não
poderão ter período de validade superior a seis meses. A
pessoa física ou jurídica que se dedique à comercialização, a
qualquer título, ao transporte ou à compra e venda de
espécimes importados, de espécies incluídas na Convenção e
seus produtos e subprodutos, deverá possuir Certificado CITES
original. Somente serão aceitas cópias dos Certificados CITES
quando estiverem registradas perante o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e nos
casos de transferências parciais derivadas do Certificado
CITES original. Quando se tratar de embargo de cada espécime,
será requerida a Licença ou Certificado respectivo.
2.4.7. Não-Incidência das Normas da CITES
As disposições do Capítulo II do Decreto ns 3.607, de 21 de
setembro de 2000, não são aplicáveis nas hipóteses seguintes:
(i) trânsito ou transbordo de espécimes no território de país
que seja signatário da Convenção, enquanto os espécimes perma-
necerem sob o controle aduaneiro; (ü) quando a Autoridade
Administrativa do país de exportação ou de reexportação
verificar que um espécime foi adquirido antes de a Convenção
entrar em vigor; (iii) espécimes que sejam objetos pessoais ou
de uso doméstico, exceto nos casos previstos no § 39 do art. 7a
da Convenção; (iv) empréstimo, doação ou intercâmbio sem fim
comercial entre cientistas ou instituições científicas
registradas junto às Autoridades Administrativas dos
respectivos países; e
(v) espécimes que fazem parte de zoológico, circo, coleção
zoológica ou botânica ambulantes, desde que sejam obedecidos
os seguintes requisitos: a) o exportador ou importador
registre todos os pormenores sobre os espécimes junto à
Autoridade Administrativa; b) os espécimes estejam incluídos
nos incisos II e IV do artigo 16 do Decreto na 3.607, de 21 de
setembro de 2000; e c) a Autoridade Administrativa verifique
se o transporte não causará dano ao espécime.
Capítulo XVII Biossegurança
Biossegurança
A produção e utilização dos organismos geneticamente
modificados no Brasil encontram-se regidas pela Lei ne 11.105,
de 24 de março de 2005, que “regulamenta os incisos ü, IV e V
do § le do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas
de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e seus
derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança ~ CNBS,
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança -
PNB, revoga a Lei ns 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória n- 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5e,
&, 7% 8% 93,10 e 16 da Lei ns 10,814, de 15 de dezembro de
2003, e dá outras providências”. Tal lei foi regulamentada
pelo Decreto n9 5.591, de 22 de novembro de 2005» e por muitos
outros atos normativos e, em especial, por normas da Comissão
Técnica nacional de Biossegurança - CTNbio.
1. Objetivos, conceitos e proibições da Lei de Biossegurança
A Lei ns 11.105/2005 tem por escopo estabelecer as normas de
segurança e mecanismos de fiscalização relativos a construção,
cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência,
importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comer-
cialização, consumo, liberação no meio ambiente e o descarte
de organismos geneticamente modificados - OGM e seus
derivados. É, ainda, objetivo da norma servir de estímulo ao
avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, à
proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e à
observância do princípio da precaução para a proteção do meio
ambiente. Quanto à observância do princípio da precaução, não
resta dúvida de que esta se fará, nos termos precisos da Lei
de biossegurança, haja vista que tal Lei é a expressão
normativa da aplicação do mencionado princípio pelo legislador
pátrio. A lei não autoriza uma aplicação subjetiva e autônoma
do princípio da precaução, sobretudo se considerarmos que a
aplicação do princípio precaucionário está, em sede legal,
hierarquizada em mesmo nível que o estímulo ao desenvolvimento
científico. Faço tal observação, pois não me parece que o PP
possa ser invocado, no caso concreto, como um fireio à
pesquisa e ao estudo, como tantas vezes acontece.
A atividade de pesquisa tratada pela Lei é aquela que é
realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como
parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de
avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados. Estão
compreendidos em tais atividades, no âmbito experimental, a
construção, o cultivo,
Direito Ambiental
a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a
exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o
descarte de OGM e seus derivados.
A Lei considera comercial aquela atividade que não se
enquadra como de pesquisa e que trata do cultivo, da produção,
da manipulação, do transporte, da transferência, da
comercialização, da importação, da exportação, do
armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e
seus derivados para fins comerciais.
Os agentes das atividades e projetos que envolvam OGM e seus
derivados, relacionados ao ensino com manipulação de
organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico e à produção industrial somente podem ser pessoas
jurídicas de direito público ou privado, devidamente
registradas perante a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança ~ CTNbio, que serão responsáveis pela obediência
aos preceitos da Lei e de sua regulamentação e responderão em
caso de sua inobservância.
Conceitos da lei:
(a) organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou
transferir material genético, inclusive vírus e outras
classes que venham a ser conhecidas;
(b) ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico ~
AJRN: material genético que contém informações determinantes
dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
(c) moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas
manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de
segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam
multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de
ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se
também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos
de ADN/ ARN natural;
(d) engenharia genética: atividade de produção e manipulação
de moléculas de ADN/ARN recombinante;
(e) organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo
material genético — ADN/ARN tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética;
(f) derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua
capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma
viável de OGM.
O artigo 6® estabeleceu uma série de proibições no que se
refere à utilização de OGMs, que são as seguintes:
(a) implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção
de registro de seu acompanhamento individual;
(b) engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro
de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo
com as normas previstas na Lei;
(c) destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus
derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela
CTNBio, pelos órgãos e entida
Biossegurança
des de registro e fiscalização, referidos no art. 16 e demais
da Lei e de sua regulamentação.
(d) liberação no meio ambiente de OGM on seus derivados, no
âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica
favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem
o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o
licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável,
quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente
causadora de degradação ambiental. ou sem a aprovação do
Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, quando o processo
tenha sido por ele avocado, na forma da Lei e de sua
regulamentação;
(e) a utilização, a comercialização, o registro, o
patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de
restrição do uso.
Art. 7a São obrigatórias:
I — a investigação de acidentes ocorridos no curso de
pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio
de relatório respectivo à autoridade competente no prazo
máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;
EE - a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da
saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre
acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus
derivados;
III — a adoção de meios necessários para plenamente informar
à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente,
da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados
da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar
submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso
de acidentes com OGM.
2. Estrutura administrativa de Biosegurança
2.1. Conselho Nacional de Biossegurança
2.1.1. Atribuições e competências
A Biossegurança no Brasil é estruturada de forma
hierárquica, sendo encimada pelo Conselho Nacional de
Biossegurança - CNBS, que é vinculado organicamente à
Presidência da República, órgão de assessoramento superior do
Presidente da República para a formulação e implementação da
Política Nacional de Biossegurança - PNB. É órgão de natureza
política e não técnica. As suas decisões, ainda que levando em
consideração as questões técnicas decididas pela CTNbio, não
estão adstritas ao parecer técnico emitido pela Comissão. O
juízo formulado pelo CNBS é essencialmente de conveniência e
oportunidade. Averbe-se, contudo, que o juízo discricionário
não se afasta do balizamento legal. Logo, uma decisão fundada
em juízo de conveniência e oportunidade não significa que os
aspectos de legalidade tenham sido
Direito Ambientai
desprezados pelo administrador, haja vista que este último
está jungido à observância do princípio da legalidade. O que o
CNBS faz é examinar se determinada liberação de OGM atende às
diferentes necessidades públicas que vão desde o incremento da
atividade econômica até a proteção da saúde e o meio ambiente.
As suas competências são as seguintes:
(a) fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa
dos órgãos e entidades federais com competência sobre a
matéria;
(b) analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da
conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse
nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM
e seus derivados;
(c) avocar e decidir, em última e definitiva instância, com
base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário,
dos órgãos e entidades referidos no art. 16 da Lei> no
âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a
atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus
derivados.
É interessante observar que a natureza política do GNBS se
materializa em sua capacidade avocatória, quando julgar
necessário. O permissivo está perfeitamente inserido no
princípio básico da hierarquia administrativa que faz com que
os órgãos superiores possam exercer controle sobre aqueles que
lhes são inferiores, seja quanto à legalidade das ações
empreendidas, seja quanto à conveniência e oportunidade da
ação de determinados comportamentos por parte dos órgãos
inferiores da pública administração. Observe-se que ele pode
avocar e decidir, como última instância administrativa, os
processos administrativos que tramitam perante a CTNbio.
Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da
atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e
entidades de registro e fiscalização referidos no art. 16 da
Lei. Quando o CNBS deliberar contrariamente à atividade anali-
sada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao
requerente. Neste último caso, somente a revisão judicial
poderá reverter a decisão do CNBS, alertando-se para o fato de
que tal reversão somente poderá ocorrer em função de vícios de
legalidade» vez que ao Judiciário é defeso o exame de mérito
dos atos administrativos, salvo quando este se confundir com
questões de legalidade.
2.1.2. Composição
O CNBS é formado por integrantes de alto nível governamental
que são os seguintes:
(a) Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da
República, que o presidirá;
(b) Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;
(c) Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;
(d) Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;
(e) Ministro de Estado da Justiça;
ES8J - Ensino Superior Btssaa Jufâoa
Biossegurança
(f) Ministro de Estado da Saúde;
(g) Ministro de Estado do Meio Ambiente;
(h) Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior;
(i) Ministro de Estado das Relações Exteriores;
(j) Ministro de Estado da Defesa;
(k) Secretário Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República.
2.2. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança é a base do
sistema de biossegurança e dela partem as principais decisões
sobre o tema. Ela é um órgão que integra a estrutura do
Ministério da Ciência e Tecnologia, sendo uma instância
colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e
deliberativo cuja finalidade é prestar apoio técnico e de
assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e
implementação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e
seus derivados, assim como estabelecer normas técnicas de
segurança e oferecer pareceres técnicos referentes à
autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso
comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de
seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio
ambiente. Assim, toda e qualquer questão referente à biossegu-
rança é decidida administrativamente pela CTNbio, cuja decisão
prevalecerá sobre a de qualquer outro órgão administrativo, à
exceção do Conselho Nacional de Biossegurança que lhe é
hierarquicamente superior
2.2.1. Composição da CTNbio
A CTNbio é composta por 27 (vinte e sete) cidadãos
brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória
atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e
com destacada atividade profissional nas áreas de
biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal
ou meio ambiente. Assim, como se vê de sua composição, em
princípio, a principal característica é que ela é técnica.
Observe-se que a CTNbio é uma Comissão e não um Conselho. A
designação de Comissão tem por finalidade enfatizar o lado
técnico das atividades por ela desenvolvidas, em contraposição
aos aspectos políticos e sociais que caracterizam, por
exemplo, o Conama, sendo:
Integram a CTNbio: (a) 12 (doze) especialistas de notório
saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional,
dos quais (i) 3 (três) da área de saúde humana; (ü) 3 (três)
da área animal; (iii) 3 (três) da área vegetal; (iv) 3 (três)
da área de meio ambiente; (b) um representante de cada ura dos
seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares: (i)
Ministério da Ciência e Tecnologia; (ii) Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (iii) Ministério da
Saúde; (iv) Ministério do Meio Ambiente; (v) Ministério do
Desenvolvimento Agrário; (vi) Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior; (vii) Ministério da Defesa;
(viii) Secretaria Especial de
Direito Ambiental
Aquicultura e Pesca da Presidência da República; (ix)
Ministério das Relações Exteriores; (C) um especialista em
defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça; (d)
um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da
Saúde; (e) um especialista em meio ambiente, indicado pelo
Ministro do Meio Ambiente; (f) um especialista em
biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento; (g) um especialista em agricultura familiar,
indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário;
(h) um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo
Ministro do Trabalho e Emprego.
O legislador adotou um sistema que garante uma participação
moderada da sociedade na composição da CTNbio, haja vista que
determina que os integrantes externos à Administração sejam
selecionados a partir de listas tríplices encaminhadas ao
Executivo para que seja escolhido o membro da Comissão. Os
conselheiros serão indicados para mandatos de dois anos que,
no entanto, não lhes assegura direi- to ao exercício do tempo
integral, pois na realidade os mandatos são meras delegações
administrativas, não podendo impedir que o Executivo substitua
o conselheiro que não esteja atuando conforme as expectativas
da Administração.1 Na verdade, portanto, os dois anos devem ser
entendidos como um período máximo de exercício da função de
conselheiro, permitida a recondução por igual período.
2.2.2. Funcionamento da CTNbio
O funcionamento da CTNbio tem sido motivo de muita
controvérsia e polêmica. Não há a menor dúvida de que a
CTNbio, como uma comissão governamental, está plenamente
adstrita à observância dos elementos e princípios que regem
todo e qualquer órgão da Administração Pública, principalmente
os princípios da legalidade e da publicidade dos atos
administrativos. Assim, salvo justificativa fundamentada e
levada ao conhecimento público, as reuniões da CTNbio devem
ser públicas e abertas ao público em geral que, evidentemente,
deverá se comportar de forma compatível. Contudo, a CTNbio tem
tido muita dificuldade em observar tal circunstância legal, o
que tem gerado muitas medidas judiciais sobre o fato. Por
força de tais realidades, o TRF l2 reafirmou o caráter público
das reuniões da CTNbio, como nos deixa ver o seguinte aresto:
1 STF - SÚMULA N* 8 - DIRETOR DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
PODE SER DESTITUÍDO NO CURSO DO MANDATO. SÚMULA N* 25 - A
NOMEAÇÃO A TERMO NÃO IMPEDE A LIVRE DEMISSÃO PELO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, DE OCUPANTE DE CARGO DIRIGENTE DE AUTARQUIA.
2 TRF 1 - AG 2007.01,00.017904-0/DF; Relator; JUIZ FEDERAL DA
VXD WILSON DE ABREU PARDO (CONV.). 6a Turma. DJU:
26/11/2007, p. 115.
Biossegurança
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COMISSÃO TÉCNICA DE
BIOSSEGURANÇA ~ CTNBio. REUNIÕES PLENÁRIAS E DAS SUBCOMISSÕES
SETORIAIS. RESTRIÇÃO GENÉRICA E TOTAL AO ACESSO. ILEGITI-
MIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE. 1. Deve ser
assegurado a qualquer pessoa o direito de estar presente às
reuniões da CTNBio, na condição de ouvinte, ressalvadas as
deliberações sobre questões sigilosas, de interesse comercial,
nas quais o seu Presidente ou o colegiado, fundamentada-
mente, podem determinar o caráter reservado das discussões e
votações. 2. A pretensão da CTNBio de, cautelarmente, tomar
restrito o acesso a todas as suas reuniões, e sigilosas todas
as suas deliberações, independentemente de justificar se o
tema em debate exige sigão, viola o princípio constitucional
da publicidade, de observância obrigatória por todos os órgãos
da Administração Pública (Constituição Federal, art. 37,
caput). 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento,
mantendo a decisão liminar que garantiu o acesso de qualquer
pessoa às reuniões da CTNBio, salvo nos casos de discussão e
apreciação de procedimentos com informações sigilosas,
decretados previamente em decisão fundamentada. ”
Dentro das normas de publicidade que devem reger as
assentadas da CTNbio a Administração Pública poderão
participar das reuniões para tratar de assuntos de seu
interesse, sem direito a voto. Por medida de isonomia e, em
observância da proibição de tratamento desigual entre os
administrados, nada impede que os interessados em determinado
processo sejam chamados à CTNbio para que exponham as suas
razões e sustentem suas posições quanto a determinado
processo, No caso, é plenamente aplicável o artigo 38 da Lei n2
9.784/99.3 Admite-se, também, que a CTNbio convide para suas
reuniões quaisquer interessados, o que aliás é desnecessário,
haja vista que as reuniões são públicas.
A instalação das reuniões da CTNbio somente ocorrerá com a
presença de 14 membros que, no entanto, deverá refletir a
presença de pelo menos 1 membro de cada uma das diferentes
áreas técnicas que compõem o colegiado deliberativo. As
deliberações deverão ser tomadas por maioria absoluta. A lei
não fala em membros presentes, o que significa que o quórum
mínimo de instalação deverá ser exigido para a deliberação,
sob pena de nulidade das decisões.
O Decreto nfi 5.591, de 22 de novembro de 2005, que
regulamentou a Lei n2 11.105/2005, sanciona com nulidade a
decisão técnica que tenha sido proferida com voto decisivo de
membro que tenha declarado impedido. Há uma certa contradição
no dispositivo do § 5e do artigo 14 do decreto.4 Ora, se o
membro foi declarado impe
3 Alt. 38.0 interessado poderá, na fase mstrutória e antes da
tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer
diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes
à matéria objeto do processo. § 1« Os elementos probatórios
deverão ser considerados na motivação do relatório e da
decisão. § 2a Somente poderão ser recusadas, mediante
decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados
quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou
protelatórias.
4 Art. 14... § 5a É nula a decisão técnica em que o voto de
membro declarado impedido tenha sido decisivo para o
resultado do julgamento.
390
Direito Ambiental
dido, não há como ele possa vir a participar do julgamento,
haja vista que a declaração de impedimento é uma preliminar ao
próprio julgamento. A hipótese é, evidentemente, de declaração
superveniente de impedimento. O conceito de voto decisivo, em
meu ponto de vista, só pode ser juridicamente válido se ele
compuser a maioria absoluta (metade mais 1), pois do
contrário, estaria sendo posta em julgamento a autonomia dos
demais votos que teriam sido contaminados pelo voto impedido.
Se o voto do conselheiro impedido estiver na minoria, não há
sentido em se falar em anulação, pois não se registrou
prejuízo para as partes.
A CTNbio poderá se dividir em subcomissões para apreciar de
forma mais minuciosa os diferentes processos que lhe são
submetidos.
2.2.2.1. Audiência Pública
O artigo 15 estabelece a possibilidade de convocação de
audiência pública por parte da CTNbio, como forma de obtenção
de informações e opiniões da comunidade sobre a matéria em
debate. É relevante observar que a audiência não se restringe
à comunidade científica, mas está “garantida a participação da
sociedade civil”, na forma do regulamento.
2.222. Normas de conduta ética dos conselheiros
A lei (§ 6a do artigo 11) determina que os membros da CTNBio
devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos
conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do
julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento
de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de
mandato, na forma do regulamento. Os termos nos quais os
impedimentos estão lavrados de forma pouco clara e, até mesmo,
abstrata. Mais fácil teria sido a utilização da fórmula geral
de impedimento e suspeição contida na Lei n9 9.784/99,5 o que
lamentavelmente não foi feito pelo legislador.
2.2.3. Competência da CTNbio
À CTNbio foram atribuídas as seguintes competências:
5 Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o
servidor ou autoridade que: I — tenha interesse direto ou
indireto na matéria; II — tenha participado ou venha a
participar como perito, testemunha ou representante, ou se
tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou
parente e afins até o terceiro grau; III — esteja litigando
judicial ou administrativamente com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro. Art. 19. A autoridade ou
servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o feto à
autoridade competente, abstendo-se de atuar. Parágrafo
único. A omissão do dever de comunicar o impedimento
constitui falta grave, para efeitos disciplinares. Art. 20.
Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que
tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos
interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros,
parentes e afins até o terceiro grau. Art. 21. O
indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de
recurso, sem efeito suspensivo.
Biossegurança
(a) estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados
de OGM;
(b) estabelecer normas relativamente às atividades e aos
projetos relacionados a OGM e seus derivados;
(c) estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de
avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados;
(d) proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso,
relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e
seus derivados;
(e) estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões
Internas de Biossegurança - CIBio, no âmbito de cada
instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica,
ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que
envolvam OGM ou seus derivados;
(f) estabelecer requisitos relativos à biossegurança para
autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou
empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e
seus derivados;
(g) relacionar-se com instituições voltadas para a
biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e
internacional;
(h) autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de
pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da
legislação em vigor;
(i) autorizar a importação de OGM e seus derivados para
atividade de pesquisa;
(j) prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao
GNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados;
(k) emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB
para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus
derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar
cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização
referidos no art. 16 da Lei;
(1) emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança
de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa
e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a
classificação quanto ao grau de risco e nível de biosse-
gurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e
restrições ao uso;
(m) definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e
seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de
segurança quanto aò seu uso, conforme as normas
estabelecidas na regulamentação da Lei, bem como quanto aos
seus derivados;
(n) classificar os OGM segundo a classe de risco, observados
os critérios estabelecidos no regulamento da Lei;
(o) acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-
científico na biossegurança de OGM e seus derivados;
(p) emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as
matérias de sua competência;
(q) apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de
prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades,
verificados no curso dos projetos e das atividades com
técnicas de ADN/ARN recombinante;
Direito Ambiental
(r) apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 da Lei, no exercício de
suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;
(s) divulgar no Diário Oficial da União, previamente à
análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos
pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como
dar ampla publicidade no Sistema de Informações em
Biossegurança - SIB a sua agenda, processos em trâmite,
relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações
sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas,
de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim
consideradas pela CTNBio;
(t) identificar atividades e produtos decorrentes do uso de
OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação
do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;
(u) reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus
membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos
científicos novos, que sejam relevantes quanto à
biossegurança do OGM ou derivado, na forma da Lei e seu
regulamento;
(v) propor a realização de pesquisas e estudos científicos no
campo da biossegurança de OGM e seus derivados;
(x) apresentar proposta de regimento interno ao Ministro
da Ciência e Tecnologia,
É importante frisar que, quanto aos aspectos de
biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da
CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração.
Isto significa que a decisão da CTNbio se sobrepõe e prevalece
sobre a decisão de qualquer órgão administrativo sobre o tema.
Uma questão bastante complexa tem sido a relação da CTNbio com
os órgãos de controle ambiental, sobretudo no que se refere ao
licenciamento ambiental. A Resolução Conama ns 237/97, em seu
anexo 1, determina ser necessário o licenciamento ambiental
dos organismos geneticamente modificados. Contudo, tal
determinação só tem validade legal nas hipóteses nas quais a
CTNbio reconheça que os OGMs, em cada caso concreto, são
"efetiva ou potencialmente poluidores”, que é a hipótese legal
prevista no artigo 10 da PNMA.6 Tal declaração não é da alçada
dos órgãos ambientais, conforme se pode perceber do § ls do
artigo 14 da Lei na 11.105/2005. Ainda na vigência da Lei n9
8.974/95 a matéria já estava regulada da mesma forma, tendo
obtido reconhecimento judicial,7 como nos deixa ver o seguinte
aresto:
“CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225, § 1«,
INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL... EFICÁCIA DA NORMA DO
6 Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras
de recursos ambientais, ccmsideiudos efetiva e
potencialmente pohridores, bem como os capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento de órgão estadual competente, integrante do
Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças
exigíveis
7 TRF 1 — AC 1998.34.00.027682-0/DF. Relatora: Desembargadora
Federal Selene Maria de Almeida. 53
Turma. DJU: 01/09/2004, p. 14.
Biossegurança
ARTIGO 225, § 1«, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO. DISCIPLINA
JURÍDICA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NA LEI 6.398, DE 1981,
E NA CONSTITUIÇÃO DE OUTUBRO DE 1988. RESOLUÇÕES N91/86 E
237/97 DO CONA- MA. ALTERAÇÕES NA RESOLUÇÃO 237/97 DO CONAMA E
NA RESOLUÇÃO CONAMA 1/86. LEI 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995.
CONFLITO APARENTE DE NORMAS: O DIREITO INTERTEMPORAL APLICÁVEL
À ESPÉCIE.
NATUREZA JURÍDICA DO PARECER TÉCNICO CONCLUSIVO DA CTNBIO...
2. A Constituição determinou que o Poder Público (artigo 225,
§ Ia, inc. IV) tem o dever de exigir, na forma da lei, estudo
de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente. 3. Da dicção do art. 225 da Constituição Federal
ressai que não há qualquer discricionariedade para a
Administração Pública, quanto a exigir ou não o estudo do
impacto ambiental, na hipótese de pedido de licenciamento de
atividade ou obra potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, sempre que o administrador se
encontrar diante de pedido de licença para atividades ou obras
com essas características. 4. O Constituinte de 1988 remeteu
ao legislador ordinário a competência para regular essa
imposição da obrigatoriedade do estudo de impacto ambiental
nos casos em que ocorrer significativa degradação do meio
ambiente...
6. Os incisos dispõem de maneira genérica, porém declaram,
desde logo, quais as funções que o Poder Público tem a
obrigação de exercer, fazendo ou impedindo que algo se faça,
no âmbito da imperatividade estatuída, mas há funções
dependentes de lei ou regulamento que especifique e concretize
o que deve ser feito ou proibido.
... 8.0 inciso IV, do § Ia, do ardgo 225, da Constituição é
uma norma constitucional de eficácia diferida (Paulo
Bonavides) ou norma constitucional de eficácia contida Qosé
Afonso da Silva) porque seu real alcance e inteligência só
podem ser estabelecidos pelo legislador ordinário a quem a
norma constitucional diretamente se dirigiu... 15. Em 19 de
dezembro de 1997, o CONAMA editou a Resolução 237, publicada
no D.O.U. de 22 de dezembro de 1997, adaptando a Resolução 1,
de 23.01.86, às normas da Constituição Federal de 1988, no que
se refere às competências para o licenciamento ambiental, O
CONAMA, ao tratar do licenciamento para liberação de
organismos geneticamente modificados (OGMs) no meio ambiente,
para fins de pesquisa e comércio, nem sempre exige o estudo de
impacto ambiental, que pode ser substituído “por outros estu-
dos ambientais”, o que está em conformidade com o inciso II do
art. 8® da Lei 6.938/81, na redação da Lei 8.028/90, que
facultou ao referido órgão exigir “estudos das alternativas e
das possíveis consequências ambientais dos projetos públicos
ou privados...” apenas quando julgar necessário.
16. A Resolução tem que se adaptar à Constituição e não a
Constituição à Resolução. Se a Constituição diz que o estudo
de impacto ambiental é obrigatório sempre que houver
significativa degradação ambiental, não é possível se aplicar
a Resolução que diz que o estudo de impacto ambiental é
obrigatório em qualquer caso.
Direito Ambiental
Mesmo que a Resolução CONAMA 1/86 não tivesse sido revogada
pela Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, não
teria validade em face do que dispõe o inciso IV, do § ls, do
artigo 225, da Constituição Federal de 1988... 18. O Congresso
Nacional aprovou a Lei 8.974, de 05 de janeiro de 1995, cuja
ementa diz que ela regulamenta o disposto nos incisos II e V,
do § ls, do art. 225, da CF/88. A Lei estabeleceu normas
ambientais especiais sobre biossegurança, distintas daquelas
destinadas às questões ambientais gerais (Lei 6.938/81). 19. A
Lei 8.974/95 não arrolou as obras e atividades, relacionadas
com a biossegurança que, por apresentarem potencialmente
significativa degradação do meio ambiente, devem ser
precedidas de estudo de um impacto ambiental. A questão ficou
no âmbito de normas iníralegais. Não há norma de lei ordinária
detalhando que obras ou atividades são aptas a causarem
significativa degradação ambiental, devendo tal especificação
se dar em cada caso concreto pelo órgão competente. Essa
competência é deferida, em termos gerais, ao CONAMA, pelo art.
82, II, da Lei 6.938/81, na redação dada pela Lei 8.028/90, e
pela Resolução 237, de 19 de dezembro de 1997, do próprio
CONAMA. No gnp diz respeito aos projetos que envolvam
biossegurança, tal competência é exclusiva da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança - CTNBio. por força do disposto na
Lei 8.974/95. alterada pelas Medidas Provisórias 2.137/2000 e
2.191/2001. especificamente em face do seu art. inciso VI.
sendo essa a lei que regulamenta o disposto nos incisos IL IV
e V do § le do art. 225 da Constituição Federal, no que pertine
ao plantio e comercialização de organismos geneticamente
modificados. 22. A lei especial afasta a aplicabilidade da lei
geral que é aplicável para os casos gerais. As regras
genéricas da lei genérica sobre meio ambiente foram afastadas
pelas normas específicas de lei especial sobre OGMs. As normas
da Lei 6.938/81 são gerais em matéria ambiental e as normas da
Lei 8.974/95 são especiais, pois dizem respeito apenas a um
dos aspectos do meio ambiente (a construção, a manipulação e a
liberação de organismos geneticamente modificados). 23. No
conflito aparente de normas. só uma pode prevalecer, pois não
é possível que normas de igual hierarquia regu- fom
diferentemente a mesma matéria e amhaq incidam
concomitantemente. A solução para o conflito aparente de
normas está na Lei de introdução ao Código Civil cuia regra é:
as normas de lei especial se aplicam aos casos especiais que
arrola (art. 2g da LICC - Decreto-lei 4.657. de 1942).
A regência da Lei 6.938/91 ficou afastada pela aplicação
excepcionante das disposições da Lei 8.974/95. A lista
constante do Anexo I da Resolução 237/97 do CONAMA, no ponto
onde indica a ‘‘introdução de espécies exóticas e/ou geneti-
camente modificadas” é ilegal, não podendo ser aplicada
validamente, posto que a Lei 8.974/95 é de janeiro de 1995 e
não previu mais o licenciamento ambiental♦ mas sim
autorizações pelos órgãos Sscalizadores dos Ministérios que
indica. A Resolução. norma administrativa genérica. não pode
contrariar a foi e nm decreto. A Resolução 237. de 9 de
dezembro de 1997. entrando em vigor posteriormente à lei
mencionada neste ponto, infringe a Lei 8.974/95, sendo assim
ilegal. 24. As Resoluções 01/86 e 237/97, do CONAMA, não são
aplicáveis aos estudos de impac-
ESBJ • Ensmo Supsrior Bumsu Jurt^es
Biossegurança
to ambiental que venham a ser exigidos pela CTNBio no
exercício da competência sobre biossegurança, restando ao
CONAMA sua aplicação nos casos de significativa degradação
ambiental e em casos gerais que assim venham a ser considera-
dos pelo órgão federal competente para efeito de licenciamento
pelo IBAMA.
25. A Resolução 305, do CONAMA, ao pretender exigir, para
toda liberação de OGMs no meio ambiente, realização de estudo
prévio de impacto ambiental (E1A/RIMA) e não-avaliação de
risco, deve ser interpretada e aplicada de acordo com a
Constituição Federal, com a Lei 8.974, de 1995, e a Medida
Provisória 2.137, de 2000, sucedida pela MP 2.191/01, visto
que a competência para dizer se os OGMs especificamente
considerados causam ou não significativo impacto no meio
ambiente foi atribuída legalmente à CTNBio...
32. O parágrafo único do artigo 7S da Lei de Biossegurança
dispõe que o "parecer técnico conclusivo da CTNBio vincula os
demais órgãos da Administração, quanto aos aspectos de
biossegurança do OGM por ela analisados. preservadas as
competências dos órgãos de fiscalização de estabelecer exi-
gências e procedimentos adicionais específicos às suas
respectivas áreas de com- petência legal”. 33. Como se trata
de parecer técnico da área específica de biossegurança. tem
eficácia vinculante aos demais órgãos da Administração Federal
Pública. porque esses outros órgãos não têm competência
científica para discutir o mérito do parecer técnico da
CTNBio. que não é órgão consultivo. mas deliberativo quanto à
segurança dos produtos que contenham OGM... 53. Não é a
Justiça Federal o locus para se deliberar, do ponto de vista
estritamente científico, sobre a segurança alimentar e
ambiental de todos os OGMs que são consumidos no mundo. Os
órgãos jurisdicionais não são academias e não foram
instituídos para se manifestarem ex cathedra sobre teses
científicas. O juiz só se pronuncia sobre o fenômeno
científico quando ele está implicado com o fato jurídico e
dele decorre um conflito de interesse qualificado por uma
pretensão resistida...
89. Apelações providas. Remessa oficial prejudicada.”
2.2.3.1. A CTNbio e o licenciamento ambiental
Na forma do artigo 16, § 3», da Lei, A CTNBio delibera, em
última e definitiva instância, sobre os casos em que a
atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação
ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento
ambiental Caberá ao Ibama o licenciamento ambiental, sempre
que a CTNbio entender seja o caso. Por fim, é de se ressaltar
que somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do
art. S9 e do caput do art. 10 da Lei ne 6.938, de 31 de agosto
de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o OGM é
potencialmente causador de significativa degradação do meio
ambiente.
2.2.3.2. Forma das decisões da CTNbio
Como em todo órgão da Administração Pública, as decisões da
CTNbio devem ser públicas e fundamentadas, com vistas a poder
assegurar a qualquer interessado o
Direito Ambiental
direito de revisão, seja judicial, seja administrativa. As
decisões técnicas proferidas pela CTNbio devem conter resumo
de sua fundamentação técnica, explicitando as medidas de
segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e,
ainda, considerar as particularidades das diferentes regiões
do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e
entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 da
Lei, no exercício de suas atribuições.
2.3. Comissão Interna de Biossegurança
Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de
engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus
derivados deve instituir uma Comissão Interna de Biossegurança
- CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para
cada projeto específico, cuja competência será:
(a) manter informados os trabalhadores e demais membros da
coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela
atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a
segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de
acidentes;
(b) estabelecer programas preventivos e de inspeção para
garantir o funcionamento das instalações sob sua
responsabilidade, dentro dos padrões e normas de
biossegurança, definidos pela CTNBio;
(c) encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será
estabelecida na regulamentação da Lei, para efeito de
análise, registro ou autorização do órgão competente, quando
couber;
(d) manter registro do acompanhamento individual de cada
atividade ou projeto em desenvolvimento que envolva OGM ou
seus derivados;
(e) notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 da Lei, e às entidades de
trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão
submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente
ou incidente que possa provocar a disseminação de agente
biológico;
(f) investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades
possivelmente relacionadas a OGM e seus derivados e
notificar suas conclusões e providências à CTNBio.
2.4. Registro de OGM
Conforme está definido no artigo 16 da Lei n2 11.105/2005, o
registro de OGMS é múltiplo, realizando-se em diferentes
órgãos administrativos, dependendo do aspecto que se pretenda
registrar. Observe-se, contudo, que cabe à CTNbio definir os
aspectos referentes à biossegurança, o que na minha opinião
quer dizer que os diferentes ministérios e órgãos
administrativos devem, apenas e tão-somente, exercer a função
registrária, sem questionar o mérito do produto licenciando.
Quanto ao particular deve ser relembrado que na composição da
CTNbio estão presentes representantes de diferentes
ministérios e órgãos públicos que, desta forma, já tomaram
conhecimento dos aspectos relevantes do produto a ser
licenciado. Admitir-se um exame de mérito quanto ao produto a
ser registrado e, ipso iure, subtrair atribuições da CTNbio.
Biossegurança
Assim, na forma do artigo 16 cabe aos órgãos e entidades de
registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do
Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca
da Presidência da República, entre outras atribuições, no
campo de suas competências, observadas a decisão técnica da
CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos
na Lei e em seu regulamento. Tais atribuições são:
(a) fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus
derivados;
(b) registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e
seus derivados;
(c) emitir autorização para a importação de OGM e seus
derivados para uso comercial;
(d) manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e
responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos
relacionados a OGM e seus derivados;
(e) tomar públicos, inclusive no SIB, os registros e
autorizações concedidas;
(í) aplicar as penalidades de que trata a Lei;
(g) subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação
de biossegurança de OGM e seus derivados.
Assim, é importante que se frise, a atribuição dos órgãos
externos à CTNbio é meramente registrária e fiscalizatória e,
jamais, autorizativa. Observe-se que a lei expressamente
afirma que as autorizações e registros *estarão vinculados à
decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas
exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas
naquela decisão, nos aspectos relacionados à biosse-
gurançacabendo ao CNBS dirimir quaisquer divergências quanto à
decisão técnica da CTNBio sobre a liberação comercial de OGM e
derivados, os órgãos e entidades de registro e fiscalização,
no âmbito de suas competências.
Competência registrária e fiscalizatória
Ministério Ministério Ministério Secretaria
da Agricul- da Saúde do Meio Am- Especial de
tura, biente Aquicultura
Pecuária e e Pesca
Abas-
tecimento
emitir as emitir as emitir as emitir as
autorizaçõe autorizaçõe autorizaçõe autorizaçõe
s e s e s e s e
registros e registros e registros e registros
fiscalizar fiscalizar fiscalizar de produtos
produtos e produtos e produtos e e
atividades atividades atividades atividades
que com OGM e que en- com OGM e
utilizem seus volvam OGM seus
OGM e seus derivados e seus de- derivados
derivados destinados rivados a destinados
destinados a uso huma- serem ao uso na
a uso no, liberados pesca e
animal, na farmacológi nos aquicultura
agricultura co, do- ecossistema .
, pecuária, missanitári s naturais,
agroindústr o e áreas bem como o
ia e áreas afins. li-
afins. cenciamento
, nos casos
em que a
CTNBio
deliberar
que o OGM é
po-
tencialment
e causador
de
significati
va degrada-
ção do meio
ambiente.
Direito Ambiental
3. Responsabilidade Civil, Administrativa e Penal
A lei estabeleceu um amplo sistema de responsabilidade civil
e administrativa em seus artigos 20 e seguintes. Em primeiro
lugar, há que se observar que a lei seguiu o caminho que tem
sido o prevalente nas modernas leis que tratam de proteção ao
meio ambiente, que é o de se fundar na responsabilidade sem
culpa ou objetiva. Também foi estabelecida uma
responsabilidade solidária entre aqueles que tenham dado
origem ao dano e, diferentemente da PNMA, foi definido que a
reparação do dano deve ser integral, não se admitindo, no caso
específico, qualquer possibilidade de tarifação. Contudo, há
que se observar que o artigo 21 repetiu tendência já encon-
trada na Lei ne 9.605/98, que é o estabelecimento de tipos
administrativos abertos, o que é péssimo. Permito-me relembrar
a fórmula geral do artigo 21: “Considera-se infração
administrativa toda ação ou omissão que viole as normas
previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes. ”
A punição para a infração administrativa se divide em:
(a) advertência
(b) multa;
(c) apreensão de OGM e seus derivados;
(d) suspensão da venda de OGM e seus derivados;
(e) embargo da atividade;
(f) interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade
ou empreendimento;
(g) suspensão de registro, licença ou autorização;
(h) cancelamento de registro, licença ou autorização;
(i) perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal
concedidos pelo governo;
(j) perda ou suspensão da participação em linha de
financiamento em estabelecimento oficial de crédito;
(k) intervenção no estabelecimento;
(I) proibição de contratar com a administração pública, por
período de até 5 (cinco) anos.
As multas, na forma do artigo 22, podem oscilar entre R$
2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e
quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da
infração, podendo ser aplicadas cumulativamente e dobradas em
caso de reincidência. Na ocorrência de infração continuada,
que se caracteriza pela permanência da ação ou omissão
inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada
diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação
imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da
instituição ou empresa responsável.
A competência para a aplicação das multas é dos órgãos e
entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio
Ambiente e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República, referidos no art. 16 da Lei, de
acordo com suas respectivas competências.
Biossegurança
Uma importante inovação da lei é que ela estabeleceu uma
solidariedade entre os agentes financeiros e os eventuais
infratores da lei, sempre que o financiador deixe de exigir o
Certificado de Qualidade em Biossegurança.
Constituem-se crimes:
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em
desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos
órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1= (VETADO)
§ 29 Agrava-se a pena:
I - de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à
propriedade alheia;
II - de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao
meio ambiente;
III - da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão
corporal de natureza grave em outrem;
IV - de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte
de outrem.
Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e
licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar,
importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou
em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos
órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
Capítulo XVIII Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
1. Introdução
O acesso aos benefícios decorrentes da utilização da
biodiversidade é uma das questões mais complexas em diversos
setores da vida internacional, pois acreditam alguns que da
utilização de recursos genéticos existentes em plantas e
animais será possível a geração de novas riquezas capazes de
beneficiar os detentores de tais recursos. Não se deve,
contudo, deixar de anotar a perspicaz observação de Dutfield1
no sentido de que: “In the absence of a market, it is very
difficult to estimate their economic value as imputs in modem
plant breeding.”2- Este é, apenas, o aspecto da moderna
agroindústria. Entretanto, há que se considerar que questões
relacionadas com a produção de itens farmacêuticos,
igualmente, estão extremamente vinculadas com o acesso à
biodiversidade. O meu objetivo, neste capítulo, é analisar a
legislação federal referente ao acesso à diversidade
biológica. Examinarei, fundamentalmente, os mecanismos legais
e institucionais criados pela Medida Provisória n® 2.186-16,
de 23 de agosto de 2001, e as normas que se lhe seguiram. Por
questão de metodologia, a delicada questão da proteção aos
conhecimentos tradicionais associados será tratada em outro
capítulo. Igualmente, em outro capítulo, será tratada a
legislação estadual sobre o acesso à diversidade biológica.
2. O Quadro Jurídico do Acesso à Biodiversidade
A CF, em seu artigo 225, § ls, II, e § 4a,3 define as regras
básicas a serem observadas pelo legislador ordinário ao tratar
do tema que ora está sendo examinado, que, indiscutivelmente,
revestem-se de caráter tutelar. As normas constitucionais
brasi-
1 Grahan Dutfield. Inteüectual Propezty Rights, Tia.de and
Biodiversity. London: IUCN/ Earthscan, 2000,
p. 2.
2 Na ausência de um mercado, é muito difícil calcular O seu
valor econômico como incentivo na moderna criação de
plantas.
3 CF, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações. § 2a Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao poder público: (...)
II—preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético (...) § 4a A
Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do
Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização íòr-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Direito Ambiental
leiras formam o arcabouço jurídico básico que serve de suporte
para a adesão brasileira aos termos da Convenção sobre
Diversidade Biológica4 que foi incorporada ao nosso direito
interno pelo Decreto n2 2.519, de 16 de março de 1998.5
A Medida Provisória ne 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, em
seu artigo l2, determina que a norma dispõe sobre os bens, os
direitos e as obrigações relativos:
(í) ao acesso6 a componente do patrimônio genético7 existente
no território nacional, na plataforma continental e na zona
econômica exclusiva para fins de pesquisa científica,
desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção;8
(ii) ao acesso ao conhecimento tradicional associado9 ao
patrimônio genético,10 relevante à conservação da
diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético
do País e à utilização de seus componentes;
(iii) à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados
da exploração de componente do patrimônio genético e do
conhecimento tradicional associado; e
(iv) ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para
a conservação e a utilização da diversidade biológica.
A Medida Provisória não estabelece normas referentes ao
exercício das diferentes formas das quais se reveste o direito
de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o
componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de
sua ocorrência, ou seja, tanto o titular do produto resultante
da utilização do patrimônio genético quanto o titular do
conhecimento tradicional associado devem exercer os seus
respectivos direitos na forma da legislação própria.
A norma legal admite uma multiplicidade de direitos de
propriedade incidentes sobre o mesmo bem jurídico. O
patrimônio genético, por exemplo, é claramente imaterial e não
se confunde com os bens materiais individuais ou coletivos.
4 Também conhedda como Convenção da Biodiversidade,
5 Os artigos 1«, 8a, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16,
alíneas 3 e 4 foram diretamente regulamentados pela. Medida
Provisória n» 2.186-16, de 23/8/2001,
6 Art. 7o, IV - acesso ao patrimônio genético: obtenção de
amostra de componente do patrimônio genético para Bns de
pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou
bioprospecção, visando à sua aplicação industrial ou de
outra natureza.
7 Art. 7», I — patrimônio genético: informação de origem
genética, contida em amostras do todo ou de parte de
espécime vegetal, fiíngico, microbiano ou animal, na forma
de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo
destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos
vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive
domesticados, ou manados em coleções ex si tu, desde que
coletados em condições in situ no território nacional, na
plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.
8 Art. 7 VII - bioprospecção: atividade exploratória que visa
identificar componente do patrimônio genético e informação
sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de
uso comercial.
9 Art. 7», V — acesso ao conhecimento tradicional associado:
obtenção de informação sobre conhecimento ou prática
individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de
comunidade indígena ou de com u- nidade local, paia fins de
pesquisa cientíSca, desenvolvimento tecnológico ou
bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de
outra natureza...
10 Art. 7a, II - conhecimento tradicional associado: informação
ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou
de comunidade local, com valor real ou potencial, associada
ao patrimônio genético.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
O artigo 22 determina a existência do regime de autorização
da União para acesso ao patrimônio genético existente no
País.11 A matéria, portanto, está submetida ao poder de polícia
da União, logo, o uso, a comercialização e o aproveitamento
para quaisquer fins estão submetidos à fiscalização, a
restrições e repartição de benefícios nos termos e nas
condições estabelecidos na Medida Provisória e no seu
regulamento. Na verdade, o regime deve ser considerado como
licenciamento, pois, na forma do artigo 6S da Medida
Provisória, a sua revogação somente pode ocorrer em casos de
graves danos à saúde, ao meio ambiente e a outros bens
relevantes, in verbis: Art. & A qualquer tempo, existindo
evidência científica consistente de perigo de dano grave e
irreversível à diversidade biológica, decorrente de atividades
praticadas na forma desta Medida Provisória, o Poder Público,
por intermédio do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético,
previsto no art. 10, com base em critérios e parecer técnico,
determinará medidas destinadas a impedir o dano, podendo,
inclusive, sustar a atividade, respeitada a competência do
órgão responsável pela biossegurança de organismos
geneticamente modificados. O patrimônio genético, mal
comparando, é o software do meio ambiente, pois mais
importante que o próprio hardware, embora um não viva sem o
outro.
2.1. Patrimônio Genético
O patrimônio genético, conforme a definição normativa
contida na Medida Provisória, é: Informação de origem
genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime
vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas
e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e
de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos,
encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou
mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições
in situ no território nacional, na plataforma continental ou
na zona econômica exclusiva. Ele não é, portanto, um conjunto
de bens materiais, pois é tuna informação, um conjunto de bens
imateriais. A normã estabelece que tal conjunto de
informações, mesmo que ainda não tenham sido reveladas, é de
propriedade do Estado brasileiro e que, em função de tal
regime de titularidade, os benefícios econômicos e outros que
possam dele advir, devem ser repartidos entre o Estado e os
outros intervenientes no processo de seu desvendamento.
Ainda que este não seja o tema principal do presente
trabalho, há que se registrar que a MP 2.186-16/2001 reconhece
de forma clara e cabal que não existe livre acesso aos
recursos da diversidade biológica. Esta observação é muito
importante, pois há tuna crença bastante difundida de que
existe uma liberdade de acesso aos bens naturais. Esta crença
tem fornecido argumentos contra a incidência do regime de
propriedade intelectual sobre micro-organismos. É de se
observar, ademais, que toda utilização de recursos ambientais,
por estar sujeita ao regime de licenciamento,
11 Em se tratando de patrimônio genético existente na
plataforma continental, devem ser observadas as normas
contidas na Lei na 8.617, de 4/1/1993.
Direito Ambiental
pressupõe um controle do Estado e uma utilização mediante
condições especificadas na licença; logo, não livre.
Uma questão que ainda não está muito clara é aquela que diz
respeito à competência legislativa sobre patrimônio genético,
pois, salvo melhor juízo, os artigos da CF não se referem ao
tema. É certo, no entanto, que o artigo 225, § l9, II,
determina que compete ao Poder Público preservar a diversidade
e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material
genético. O comando contido na norma supra tem por finalidade
assegurar que todos usufruam de uma sadia qualidade ambiental.
Em princípio, o legislador constituinte entendeu que a
conservação do património genético é, reflexamente, uma
questão ambiental. Em meu entendimento, este fato desloca a
competência sobre a matéria para o artigo 24 da CF, por se
tratar de competência em matéria ambiental, logo, concorrente.
Em abonamento a este entendimento, é possível veri- ficar-se
que alguns Estados-Membros da Federação já estão legislando
sobre a matéria de forma bastante abrangente.12 Entretanto,
como será visto, a matéria não é tão simples, pois existem
assuntos de Direito Comercial, de propriedade intelectual,
terras indígenas e outros que se imbricam no tema. A questão
central, em meu entendimento, é que, em vez de se estabelecer
disputas por competências, os entes federados devem colaborar
entre si para dar o melhor encaminhamento possível à questão.
2.2.1. Inaplicabilidade das Normas e Vedação de Acesso
A Medida Provisória não se aplica em duas hipóteses:
(i) Patrimônio genético humano;13 e
(ii) intercâmbio e difusão de componente do patrimônio
genético e do conhecimento tradicional associado praticado
entre si por comunidades indígenas e comunidades locais para
seu próprio benefício e baseados em prática costumeira.14
É inadmissível o acesso ao patrimônio genético quando a sua
utilização se fizer com o objetivo de realização de práticas
nocivas ao meio ambiente e à saúde humana e para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas.15 É uma con-
sequência lógica da CDB, pois ela visa ao desenvolvimento
sustentável e à promoção humana.
12 Acre: Lei n° 1.235, de 3/7/1997. Amapá: Lei n° 388, de
3/12/1997.
13 No particular, não existe norma legal no Brasil, o que é
muito preocupante.
14 Com isto, reforça-se a tese de que a CDB é um instrumento
econômico importante e não se limita a um abstrato documento
preservacionista.
15 O Brasil é signatário da Convenção sobre a Proibição do
Desenvolvimento, Produção eEstocagem de
Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base de Toxinas e sua
Destruição, promulgada peloDecreto n°
77.374, de l«/4/1976. Fonte: http://www.mre.gov.br.
\
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil I
2.2.2. Gestão do Patrimônio Genético
O artigo 10 da Medida Provisória criou, no âmbito do
Ministério do Meio Ambiente, sob a presidência de seu
representante, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético -
cuja composição e funcionamento são definidos em regulamento -
, de caráter deliberativo e normativo, formado por
representantes de órgãos e entidades da Administração Pública
Federal com competência sobre as diversas ações referentes ao
acesso à biodiversidade.
Atribuições do Conselho de Gestão:
(i) coordenar a implementação de políticas para a gestão do
patrimônio genético;
(ii) estabelecer:
a) normas técnicas;
b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;
c) diretrizes para elaboração do Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
d) critérios para a criação de base de dados para o registro
de informação sobre conhecimento tradicional associado;
(iii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iv) deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu
titular;16
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado,
mediante anuência prévia de seu titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético à instituição nacional,
pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à
universidade nacional, pública ou privada, com prazo de
duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, nos
termos do regulamento;
d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional
associado à instituição nacional, pública ou privada, que
exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas
biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou
privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável
por iguais períodos, nos termos do regulamento;
.405
16 A expressão é sinônima de “consentimento prévio
fundamentado” utilizado na Convenção de Diversidade
Biológica (CDB).
406
Direito Ambiental
e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa
e desenvolvimento ou de instituição pública federal de
gestão para antorizar outra instituição nacional, pública ou
privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins:
i. a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de
conhecimento tradicional associado;
ii. a remeter amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
f) credenciamento de instituição pública nacional para ser
fiel depositária de amostra de componente do patrimônio
genético;
(v) dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento
dos requisitos previstos na Medida Provisória e no seu
regulamento;
(vi) promover debates e consultas públicas sobre os temas
relacionados ao acesso à biodiversidade;
(vii) funcionar como instância superior de recurso em relação
a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes
da aplicação da Lei de acesso à biodiversidade;
(viii) aprovar seu regimento interno.
A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e
de acesso a conhecimento tradicional associado, que contribua
para o avanço do conhecimento e que não esteja associada à
bioprospecção, sempre que envolva a participação de pessoa
jurídica estrangeira, deverá ser autorizada pelo órgão
responsável pela política nacional de pesquisa científica e
tecnológica, na forma da legislação específica.
Ao Presidente do Conselho de Gestão compete firmar, em nome
da União, Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios. Tal atribuição poderá ser delegada
ao titular de instituição pública federal de pesquisa e
desenvolvimento ou instituição pública federal de gestão,
ressalvados os casos em que haja conflito de interesses.
Caberá à instituição credenciada de que tratam os números 1
e 2 da alínea “e” do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória
uma ou mais das seguintes atribuições, observadas as
diretrizes do Conselho de Gestão:
(i) analisar requerimento e emitir, a terceiros,
autorização:
a) de acesso a amostra de componente do patrimônio genético
existente em condições in sita no território nacional, na
plataforma continental e na zona econômica exclusiva,
mediante anuência prévia de seus titulares;
b) de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia dos titulares da área;
c) de remessa de amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(ii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iii) criar e manter:
a) cadastro de coleções ex sita, conforme previsto nó art. 18
da Medida Provisória;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios, na forma do regulamento;
(iv) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de
Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material
e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
(v) acompanhar a implementação dos Termos de Transferência de
Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios referente aos
processos por ela autorizados.
A instituição credenciada deverá, anualmente, mediante
relatório, dar conhecimento pleno ao Conselho de Gestão sobre
a atividade realizada e repassar cópia das bases de dados à
unidade executora prevista no art. 15. Ela deve, também, na
forma do art. 11, observar o cumprimento das disposições da
Medida Provisória, do seu regulamento e das decisões do
Conselho de Gestão, sob pena de Ser descredenciada,
sujeitando-se à aplicação, no que couber, das penalidades
previstas no art. 30 e na legislação vigente.
Foi autorizada a criação, na estrutura do Ministério do Meio
Ambiente, de unidade executora que exercerá a função de
secretaria executiva do Conselho de Gestão, com as seguintes
atribuições, dentre outras:
(i) implementar as deliberações do Conselho de Gestão;
(ii) dar suporte às instituições credenciadas;
(iii) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão
e em seu nome:
a) Autorização de Acesso e de Remessa;
b) Autorização Especial de Acesso e de Remessa;
(iv) acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
(v) credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento ou instituição pública federal de
gestão para autorizar instituição nacional, pública ou
privada:
Direito Ambiental
a) ter acesso a amostra de componente do patrimônio genético e
de conhecimento tradicional associado;
b) enviar amostra de componente do patrimônio genético para
instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior, respeitadas as exigências
do art. 19.
(vi) credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, instituição pública nacional para ser
fiel depositária de amostra de componente do patrimônio
genético;
(vii) registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do
Conselho de Gestão;
(viii) divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado
constantes de acordos internacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de
acordo com o § 22 do art. 19 desta Medida Provisória;
(ix) criar e manter:
a) Cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art. 18;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
(x) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso
e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios.
2.2.3. Conselho de Gestão: Regulamentação
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético foi
regulamentado pelo Decreto ns 3.945, de 28 de setembro de 2001,
que defme a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético e estabelece as normas para. o seu funcionamento,
mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18
e 19 da Medida Provisóha n2 2.186-16, de 23 de agosto de 2001,
que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e
o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição
de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras
providências.
2.2.3.1. Composição e Funcionamento
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético tem a seguinte
composição:
(i) Ministério do Meio Ambiente;
(ii) Ministério da Ciência e Tecnologia;
(iii) Ministério da Saúde;
(iv) Ministério da Justiça;
e§5J - Ensno Süpencr SUPS» Juríáco
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(v) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
(vi) Ministério da Defesa;
(vii) Ministério da Cultura;
(viii) Ministério das Relações Exteriores;
(ix) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior;
(x) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA;
(xi) Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de
Janeiro;
(xü) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq;
(xiii) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA;
(xiv) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa;
(xv) Fundação Oswaldo Cruz — Fiocruz;
(xvi) Instituto Evandro Chagas;
(xvii) Fundação Nacional do índio - Funai;
(xviii) Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI;
(xix) Fundação Cultural Palmares.
O Conselho de Gestão, conforme determinação legal, é
presidido pelo Ministério do Meio Ambiente. A função de membro
do Conselho de Gestão é exercida a título gracioso e o seu
exercício é considerado serviço público relevante.
O Conselho de Gestão reúne-se, ordinariamente, uma vez por
mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, mediante
convocação do Presidente, ou da maioria absoluta de seus
membros, neste caso por intermédio de documento escrito,
acompanhado de proposta de pauta devidamente justificada. O
Conselho, no entanto, pode determinar outra periodicidade para
as reuniões, de acordo com Deliberação do Colegiado.
O Conselheiro que faltar a duas reuniões seguidas ou a três
intercaladas, sem as correspondentes substituições pelo
suplente, será afastado do Conselho de Gestão, sendo
substituído por outro designado pelo mesmo órgão de origem do
afastado.
2.2.3.2. Forma de Deliberação
As deliberações do Conselho de Gestão são tomadas por
maioria absoluta de seus membros, cabendo ao Presidente do
Conselho de Gestão o voto de desempate. Cabe recurso
hierárquico, para o Plenário, das deliberações do Conselho de
Gestão, cuja decisão será tomada por dois terços de seus
membros. Das deliberações do Plenário que decidirem recursos
não cabe novo recurso.
É impedido de votar, nas deliberações em processos que
envolvam a participação direta de Ministério ou de entidade
representada no Conselho de Gestão, o Conselheiro
representante do respectivo Ministério ou Associação
representado no Conselho.
410
Direito Ambiental
2.2.3.3. Competência
O art. 3e do decreto determina que: “Nos termos da Medida
Provisória ne 2.186- 16, de 2001, compete ao Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético, acendida a sua natureza deliberativa e
normativaConfesso uma certa dificuldade para enten
der a redundância do artigo, pois um órgão de deliberação e
normalização somente pode atuar atendida a sua natureza
normativa e deliberativa, sob pena de agir fora da lei. De
qualquer forma, as competências do Conselho são as seguintes:
(i) coordenar a implementação de políticas para a gestão do
patrimônio genético;
(ii) estabelecer:
a) Normas técnicas, pertinentes à gestão do patrimônio
genético;
b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;
c) diretrizes para elaboração de Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
d) critérios para a criação de base de dados para o registro
de informação sobre conhecimento tradicional associado;
(iii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iv) deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu
titular;
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado,
mediante anuência prévia de seu titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético, com prazo de duração de
até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição
pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa
e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a
universidade nacional, pública ou privada;
d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional
associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável
por iguais períodos, a instituição pública ou privada
nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional,
pública ou privada;
e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa
e desenvolvimento, ou de instituição pública federal de
gestão, para autorizar outra instituição nacional, pública
ou privada, que exerça atividade de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, a acessar
amostra de componente do patrimônio genético e de
conhecimento tradicional associado, e bem assim a remeter
amostra de componente
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou
privada, ou para instituição sediada no exterior;
f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel
depositária de amostra de componente do patrimônio genético;
g) descredenciamento de instituições pelo descumprimento das
disposições da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001, e do
decreto;
(v) dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento
dos requisitos previstos na Medida Provisória n2 2.186-16,
de 2001;
(vi) promover debates e consultas públicas sobre os temas de
que trata a Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vii) funcionar como instância superior de recurso em relação
a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes
da aplicação da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001;
(viii) aprovar seu regimento intemo.
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético exerce sua
competência segundo os dispositivos da Convenção sobre
Diversidade Biológica, da Medida Provisória na 2.186-16, de
2001, e do decreto que o regulamentou.
2.2.3A. Secretaria Executiva
O Departamento do Patrimônio Genético, órgão da estrutura do
Ministério do Meio Ambiente, é incumbido da função de
Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão, competindo-lhe:
(i) implementar as deliberações do Conselho de Gestão;
(ii) promover a instrução e a tramitação dos processos a serem
submetidos à deliberação do Conselho de Gestão;
(iii) dar suporte às instituições credenciadas;
(iv) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e
em seu nome, Autorização de Acesso e de Remessa de amostra
de componente do patrimônio genético existente no território
nacional, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva, bem como Autorização de Acesso a conhecimento
tradicional associado;
(v) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e
era seu nome, Autorização Especial de Acesso e de Remessa de
amostra de componente do patrimônio genético, e Autorização
de Acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de
duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a
instituição pública ou privada nacional que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins e
a universidade nacional, pública ou privada;
Direito Ambiental
(vi) acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
(vii) promover, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição
pública nacional de pesquisa e desenvolvimento, ou
instituição pública federal de gestão, para autorizar
instituição nacional, pública ou privada, a acessar amostra
de componente do patrimônio genético e de conhecimento
tradicional associado, e bem assim a enviar amostra de
componente do patrimônio genético a instituição nacional,
pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior,
respeitadas as exigências do art. 19 da Medida Provisória ne
2.186-16, de 2001;
(viii) promover, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição
pública nacional para ser fiel depositária de amostra de
componente do patrimônio genético;
(ix) descredenciar instituições, de acordo com deliberação do
Conselho de Gestão e em seu nome, pelo descumprimento das
disposições da Medida Provisória na 2.186-16, de 2001, e
deste decreto;
(x) registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do
Conselho de Gestão;
(xi) divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado
constantes de acordos internacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de
acordo com o § 29 do art. 19 da Medida Provisória n2 2.186-
16, de 2001;
(xii) criar e manter:
a) cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art. 18
da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de
acesso a conhecimento tradicional associado, aos Termos de
Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
(xiii) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de
Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material
e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios.
2.2.4. Acesso aos Recursos Genéticos
2.2.4.1. A Experiência da Costa Rica
A Costa Rica é um dos países que possui mais experiência no
complexo tema do acesso aos recursos genéticos, pois foi dos
que primeiro estabeleceram ^ma legislação
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil !
sobre o assunto e tem procurado implementá-la de forma
resoluta. O principal órgão envolvido no assunto é o Instituto
Nacional de Biodiversidade (INBio), que é uma organização
civil, sem fins lucrativos, e declarada de interesse público.17
O INBio tem, dentre as suas atribuições legais e estatutárias,
as de dMgir o processo de estabelecimento de um inventário da
flora e fauna costa-riquense, estudo e promoção do uso
sustentável da biodiversidade costa-riquense, o
estabelecimento de vínculos internacionais com instituições
relacionadas ao manejo da biodiversidade e a colaboração na
planificação e financiamento da conservação da diversidade
biológica.
O INBio procura desenvolver o seu projeto mediante a
celebração de diferentes acordos com instituições científicas
especializadas em bioprospecção, objetivando, com isto, a
ampliação de sua própria capacitação científica e tecnológica.
Ele desenvolve projetos de prospecção de biodiversidade nas
áreas silvestres protegidas do país, em estreita colaboração
com o Ministério do Ambiente e Energia da Costa Rica. Todos os
trabalhos são feitos em parcerias com a comunidade acadêmica e
com o meio empresarial, merecendo especial destaque a atuação
da Universidade da Costa Rica, Universidade Nacional, Escola
de Agricultura da Região Tropical Úmida (EARTH), Instituto
Tecnológico da Costa Rica (ITCR), Universidad de Strathclyde,
Universidade de Dusseldorf, Instituto Lausanne, Universidade
de Massachusetts, Universidade Comell, Bristol Myers Squibb,
Merck & Co., Ecos-La Pacífica, Indena, Givaudan Roure, Diversa
etc.
O financiamento e a remuneração das atividades de
bioprospecção são efetuados da seguinte forma: 10% dos
orçamentos das pesquisas e 50% dos lucros que delas advierem
são repassados para o Ministério do Meio Ambiente da Costa
Rica, que os reinveste em conservação. O restante do orçamento
de pesquisa é destinado ao apoio da infraestrutura científica
e às atividades de pesquisa e desenvolvimento voltadas para a
conservação e uso sustentável da diversidade biológica.
Um importante instrumento regulador do acesso aos recursos
genéticos é o direito à objeção cultural, estabelecido pela
Lei ne 7.788, de 23 de abril de 1998, em seu artigo 66.18
2.2A.2. Bioamazônia
O Brasil adotou um modelo claramente influenciado por aquele
existente na Costa Rica para a exploração da sua diversidade
biológica. Assim como a Costa Rica criou o INBio, o Brasil
estabeleceu a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da
Biodiversidade da Amazônia — BIOAMAZÔNIA,19 qxie é uma
sociedade civil sem
17 Http://www.inbío.ac.cr/es/pdb.
18 Artículo 66 — Derecho a la objeción cultural. Reconócese el
derecho a que las comunidades locales y los pueblos
indígenas se opongan al acceso a sus recursos y al
conochniento asociado, por moúvos culturales, espirimales,
sociales, económicos o de ocra índole. Fonte:
http://www.biodiversidadla.org/docuinen- tos5.html.
19 Ver: http://www.bioamazonia.org.br.
Direito Ambiental
fins lucrativos que foi qualificada, por decreto
presidencial,20 como organização social21 com o objetivo de
colaborar com a implementação do Programa Brasileiro de
Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Amazônia -
PROBEM/Amazónia, mediante celebração de contrato de gestão a
ser firmado com o Ministério do Meio Ambiente. O Programa
Brasileiro para o Uso Sustentável da Biodiversidade da
Amazônia Legal (PROBEM/Amazônia) foi criado pela Portaria n9
273, de 10 de dezembro de 1997, do Ministro de Estado do Meio
Ambiente.
Os objetivos do PROBEM são os seguintes:
(i) desenvolver a biotecnologia; e
(ii) desenvolver a bioindústria.
A BIOAMAZÔNIA, dentre seus objetivos, tem os de implantar e
coordenar um complexo laboratorial de Pesquisas e
Desenvolvimento, o Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA,
em Manaus, voltado para as pesquisas de produtos farmacêuti-
cos, materiais para higiene pessoal, perfumaria, cosméticos,
produtos alimentícios, bioinseticidas, enzimas de interesse
tecnológico, óleos essenciais, antkmdantes, corantes naturais,
aromatizantes, entre outros.
2.2,5. Requisitos para Acesso
2.2.5.1. Condições Legais
O acesso a componente do patrimônio genético, conforme o
artigo 16 da MP, existente em condições in situ no território
nacional, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva, e ao conhecimento tradicional associado far-se-á
mediante a coleta de amostra e de informação, respectivamente,
e somente será autorizado22 a instituição nacional, pública ou
privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, mediante prévia autorização, na
forma da Medida Provisória.
O técnico responsável pela expedição de coleta deverá, ao
término de suas atividades em cada área, assinar com o seu
titular ou representante declaração contendo listagem do
material acessado, na forma do regulamento. Admite-se, em
caráter excepcional, nos casos em que o titular da área ou seu
representante não possa ser identificado ou localizado por
ocasião da expedição de coleta, a declaração contendo listagem
do material acessado, que deverá ser assinada pelo responsável
pela expedi-
20 Decreto de 18/3/1999. Qualifica como organização social a
Associação Brasileira para o Uso Sustentável da
Biodiversidade da Amazônia — BIOAMAZÔNIA,
21 Lei n° 9.637, de 15/5/1998.
22 MP n° 2.186, Art. 7°, X — Autorização de Acesso e de
Remessa: documento que permite, sob condições especíBcas, o
acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua
remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento
tradicional associado...
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
ção e encaminhada ao Conselho de Gestão. Feitos os trabalhos é
necessário que suba- mostra representativa de cada população
componente do patrimônio genético acessada seja depositada em
condição ex sitxfà em instituição credenciada como fiel de-
positária, conforme disposto na alínea “f’ do inciso IV do
art. 11 da Medida Provisória e do seu regulamento.
Havendo perspectiva de uso comercial, o acesso à amostra de
componente do patrimônio genético, em condições in situ, e ao
conhecimento tradicional associado só poderá ocorrer após
assinatura de Contrato de Utilização24 do Patrimônio Genético e
de Repartição de Benefícios. Na hipótese de ser identificado
potencial de uso econômico, de produto ou processo, passível
ou não de proteção intelectual, originado de amostra de
componente do patrimônio genético e de informação oriunda de
conhecimento tradicional associado, acessado com base em
autorização que não estabeleceu tal possibilidade, a
instituição beneficiária fica obrigada a comunicar ao Conselho
de Gestão, ou à instituição onde se originou o processo de
acesso e de remessa, a formalização de Contrato de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.
Quando se tratar de acesso requerido por pessoa jurídica
estrangeira em expedição para coleta de amostra de componente
do patrimônio genético in situ e para acesso de conhecimento
tradicional associado, este somente será autorizado quando em
conjunto com instituição pública nacional, ficando a
coordenação das atividades obrigatoriamente a cargo da última
e desde que todas as instituições envolvidas exerçam
atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins. Há uma disposição curiosa no § 79 do artigo 16 da MP
que determina: a pesquisa sobre componentes do patrimônio
genético deve ser realizada preferencialmente no território
nacional Orá, se as pesquisas forem feitas em solo
estrangeiro, a autoridade brasileira não tem qualquer
competência para sobre ela deliberar.
Quando se tratar de Autorização de Acesso e de Remessa de
amostra de componente do patrimônio genético de espécie de
endemismo estrito ou ameaçada de extinção,25 dependerá da
anuência prévia do órgão competente, no caso, o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis.
A Autorização de Acesso e de Remessa dar-se-á após a
anuência prévia, sem a qual não poderá ocorrer:
(i) da comunidade indígena envolvida, ouvido o órgão
indigenista oficial, quando o acesso ocorrer em terra
indígena;
23 MP n* 2.186, Art. 7S> XIV — Condição ex situ: manutenção de
amostra de componente do patrimônio genético fora de seu
habitat natural, em coleções vivas ou mortas.
24 MP n® 2.186, Art. 7a, XIII — Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de BeneSdos: instrumento
jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e
as condições de acesso e de remessa de componente do
patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado,
bem como as condições para repartição de benefícios...
25 MP na 2.186, Art. 7a, VHI - Espécie ameaçada de extinção:
espécie com alto risco de desaparecimento na natureza em
futuro próximo, assim reconhecida pela autoridade
competente...
Direito Ambiental
416:
(ii) do órgão competente, quando o acesso ocorrer em área
protegida;
(iii) do titular de área privada, quando o acesso nela
ocorrer;
(iv) do Conselho de Defesa Nacional, quando o acesso se der em
área indispensável à segurança nacional;
(v) da autoridade marítima, quando o acesso se der em águas
jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental e na
zona econômica exclusiva.
O detentor de Autorização de Acesso e de Remessa de que
tratam os incisos I a V do § 9e do artigo 16 da Medida
Provisória fica responsável a ressarcir o titular da área por
eventuais danos ou prejuízos, desde que devidamente
comprovados, que resultem de sua atividade.
A instituição detentora de Autorização Especial de Acesso e
de Remessa deverá encaminhar ao Conselho de Gestão as
anuências de que tratam os §§ 8e e 92 do artigo 16 antes ou por
ocasião das expedições de coleta a serem efetuadas durante o
período de vigência da Autorização, cujo descumprimento
acarretará o seu cancelamento.
O artigo 17 da Medida Provisória determina que, em caso de
relevante interesse público, tipificado pelo Conselho de
Gestão, o ingresso em área pública ou privada para acesso a
amostra de componente do patrimônio genético dispensará anuên-
cia prévia dos seus titulares, garantindo-lhes o disposto nos
arts. 24 e 25. O artigo é manifestamente inconstitucional,
pois inexiste norma constitucional específica que diferencie a
propriedade do solo da propriedade do patrimônio genético, que
é um conceito de natureza imaterial e que não se confunde com
os conceitos microjurídi- cos de propriedade dos bens que
integram tal patrimônio. Penso que a anuência, ou
consentimento, são sempre necessários. Caso se verifique uma
necessidade intransponível de acesso e o consentimento não
tenha sido concedido, configura-se a necessidade de
desapropriação, mediante justa indenização, tal como previsto
na CF. O próprio § 29 do artigo demonstra a incongruência do
caput, in verbis: § 2* Em se tratando de terra indígena,
observar-se-á o disposto no § & do art. 231 da CF.26
Conforme determina o artigo 18, a conservação ex situ de
amostra de componente do patrimônio genético deve ser
realizada no território nacional, podendo, suplementarmente, a
critério do Conselho de Gestão, ser realizada no exterior. As
coleções ex situ de amostra de componente do patrimônio
genético deverão ser cadastradas junto à unidade executora do
Conselho de Gestão, conforme dispuser o regulamento. O
Conselho de Gestão poderá delegar o cadastramento de que trata
o
26 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens (...) § 6® São nulos e
extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras
a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas
naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes,
ressalvado relevante interesse público da União, segundo o
que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a
extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da
ocupação de boa-fé.
\
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
§ l0 do artigo 18 a uma ou mais instituições credenciadas na
forma das alíneas de e do inciso IV do art. 11 da Medida
Provisória.
A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de
instituição nacional, pública ou privada, para outra
instituição nacional, pública ou privada, será efetuada a
partir de material em condições ex sita, mediante a informação
do uso pretendido, observado o cumprimento cumulativo das
seguintes condições, além de outras que o Conselho de Gestão
venha a estabelecer:
(i) depósito de subamostra representativa de componente do
patrimônio genético em coleção mantida por instituição
credenciada, caso ainda não tenha sido cumprido o disposto
no § 3a do art. 16 da Medida Provisória;
(ii) nos casos de amostra de componente do patrimônio genético
acessado em condições ia situ, antes da edição da Medida
Provisória, o depósito de que trata o inciso anterior será
feito na forma acessada, se ainda disponível, nos termos do
regulamento;
(iii) fornecimento de informação obtida durante a coleta de
amostra de componente do patrimônio genético para registro
em base de dados mencionada na alínea b do inciso III do
art. 14 e alínea b do inciso IX do art. 15 da Medida
Provisória;
(iv) prévia assinatura de Termo de Transferência de
Material.27
Se existir perspectiva de uso comercial de produto ou
processo resultante da utilização de componente do patrimônio
genético, será necessária a prévia assinatura de Contrato de
Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de
Benefícios.
A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de
espécies consideradas de intercâmbio facilitado em acordos
internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais
o País seja signatário, deverá ser efetuada em conformidade
com as condições neles definidas, mantidas as exigências deles
constantes. A remessa de qualquer amostra de componente do
patrimônio genético de instituição nacional, pública ou
privada, para instituição sediada no exterior, será efetuada a
partir de material em condições ex sita, mediante a informação
do uso pretendido e a prévia autorização do Conselho de Gestão
ou de instituição credenciada, observado o cumprimento
cumulativo das condições estabelecidas nos incisos I a IV e §§
ls e 29 do artigo 19.
2.2.5.2. Regulamentação
Para a obtenção de autorização de acesso e de remessa de
amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a
conhecimento tradicional associado a
27 MP ns 2.186, Art. 7®, XII - Termo de Transferência de
Material: instrumento de adesão a ser firmado pela
instituição destinatária antes da remessa de qualquer
amostra de componente do patrimônio genético, indicando,
quando íbr o caso, se houve acesso a conhecimento
tradicional associado...
Direito Ambiental
instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de
que tratam as alíneas a e b do inciso IV do art. 11 da Medida
Provisória n2 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação
ao Conselho de Gestão ou a instituição credenciada, atendendo,
pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afim;
(ii) qualificação técnica para desempenho de atividades de
coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio
Genético ou para acesso ao conhecimento tradicional
associado;
(iii) estrutura disponível para o manuseio de amostra de
componente do Patrimônio Genético;
(iv) projeto de pesquisa que descreva a atividade de coleta de
amostra de componente do Patrimônio Genético ou de acesso a
conhecimento tradicional associado, incluindo informação
sobre o uso pretendido;
(v) pnnénria prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas
pela expedição de coleta, na forma estabelecida nos §§ 8a e
9a do art. 16 da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vi) destino das amostras dos componentes do patrimônio
genético a serem acessados.
O projeto de pesquisa deve conter:
(i) histórico, justificativa, definição dos objetivos, métodos
e resultados esperados a partir da amostra ou da informação
a ser acessada;
(ii) itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as
datas previstas para o início e término da atividade;
(iii) discriminação do tipo de material ou informação a ser
acessada e quantificação aproximada de amostras a serem
obtidas;
(iv) indicação das fontes de financiamento, dos respectivos
montantes e divisão das responsabilidades de cada parte;
(v) currícülum vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos,
caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida
pelo CNPq.
Para a obtenção de autorização especial de acesso e de
remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de
acesso a conhecimento tradicional associado a instituição
nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa
e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de que tratam
as alíneas c e d do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória
ns 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação ao Conselho
de Gestão, atendendo, pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins;
ÊSSJ * Ensaio Superar SÍSSSJ Jyrfdiso
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil j
(ii) qualificação técnica para desempenho das atividades de
coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio
Genético;
(iii) estrutura disponível para o manuseio de amostra de
componente do Patrimônio Genético;
(iv) portfólio dos projetos desenvolvidos pela instituição,
destacando aqueles que serão beneficiados pela autorização
solicitada, incluindo informação sobre o uso pretendido;
(v) anuência prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas
pelas expedições de coleta na forma estabelecida no § 11 do
art. 16 da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vi) destino do material genético a ser acessado e indicação
da equipe técnica e da infraestrutura disponível para
gerenciar os Termos de Transferência de Material a serem
assinados previamente à remessa de amostra para outra
instituição nacional, pública ou privada, ou sediada no
exterior e os respectivos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, quando
for o caso.
Os projetos de pesquisa incluídos no portfólio a que se
refere o inciso IV do artigo 9®, diretamente beneficiados pela
solicitação, deverão conter:
(i) histórico, justificativa, definição dos objetivos,
métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da
informação a ser acessada;
(ü) itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as
datas previstas para o início e término da atividade, a ser
encaminhado ao Conselho de Gestão;
(iii) discriminação do tipo de material ou informação a ser
acessado e quantificação aproximada de amostras a serem
obtidas;
(iv) indicação das fontes de financiamento, dos respectivos
montantes e divisão das responsabilidades de cada parte;
(v) curnculiim vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos,
caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida
pelo CNPq.
Para o credenciamento de instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal
de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública
ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, para acessar e remeter amostra
de componente do patrimônio genético e para acessar
conhecimento tradicional associado de que tratam os itens 1 e
2 da alínea e do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória na
2.186-16, de 2001, o Conselho de Gestão deverá receber
solicitação que atenda, pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins ou na área de gestão;
Direito Ambiental
(ii) lista das atividades e dos projetos em desenvolvimento
relacionados às
ações de que trata a Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001;
(iii) infraestrutnra disponível e equipe técnica para atuar:
a) Na análise de requerimento e emissão, a terceiros, de
autorização de:
1. acesso a amostra de componente do patrimônio genético
existente em condições in situ no território nacional, na
plataforma continental e na zona econômica exclusiva,
mediante anuência prévia de seus titulares;
2. acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia de seus titulares;
3. remessa de amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
b) no acompanhamento, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, das atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
c) na criação e manutenção de:
1. cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art* 18
da Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001;
2. base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
3. base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
d) na divulgação de lista de Autorizações de Acesso e de
Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
e) no acompanhamento e na implementação dos Termos de
Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios referente
aos processos por ela autorizados;
f) na preparação e encaminhamento, ao Conselho de Gestão, de
relatório anual das atividades realizadas e de cópia das
bases de dados à Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão.
Para o credenciamento de instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento como fiel depositária de amostra de
componente do Patrimônio Genético de que trata a alínea /do
inciso IV do art. 11 da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001,
o Conselho de Gestão deverá receber solicitação que atenda,
pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(ii) indicação da infraestrutura disponível e capacidade para
conservação, em condições ex situ, de amostras de
componentes do Patrimônio Genético;
(iii) comprovação da capacidade da equipe técnica responsável
pelas atividades de conservação;
(iv) descrição da metodologia e material empregado para a
conservação de espécies sobre as quais a instituição
assumirá responsabilidade na qualidade de fiel depositária;
(v) indicação da disponibilidade orçamentária para manutenção
das coleções.
A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e
de acesso a
conhecimento tradicional associado, que contribua para o
avanço do conhecimento e que não esteja associada à
bioprospecção, quando envolver a participação de pessoa
jurídica estrangeira, será autorizada pelo CNPq, observadas as
determinações da Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001, e a
legislação vigente. A autorização prevista no caput do artigo
12 do decreto observará as normas técnicas definidas pelo
Conselho de Gestão, o qual exercerá supervisão dessas
atividades.
2*2*6. Acesso e Remessa
O acesso a componente do patrimônio genético existente em
condições in situ no território nacional, na plataforma
continental e na zona econômica exclusiva, e ao conhecimento
tradicional associado será feito por meio da coleta de amostra
e de informação, respectivamente, e somente será autorizado a
instituição nacional, pública ou privada, que exerça
atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins, mediante prévia autorização.
2.2.6.1. Acesso à Tecnologia, Transferência de Tecnologia e
Registro de Patentes
Na forma do ardgo 21 da MP, a instituição que receber
amostra de componente do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado facilitará o acesso à tecnologia e
transferência de tecnologia para a conservação e utilização
desse patrimônio ou desse conhecimento à instituição nacional
responsável pelo acesso e remessa da amostra e da informação
sobre o conhecimento, ou instituição por ela indicada. O
acesso à tecnologia e transferência de tecnologia entre
instituição nacional de pesquisa e desenvolvimento, pública ou
privada, e instituição sediada no exterior, poderá realizar-
se, dentre outras atividades, mediante:
(i) pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;
(ii) formação e capacitação de recursos humanos;
(iii) intercâmbio de informações;
(iv) intercâmbio entre instituição nacional de pesquisa e
instituição de pesquisa sediada no exterior;
Direito Ambiental
(v) consolidação de infra-estrutura de pesquisa científica e
de desenvolvimento tecnológico;
(vi) exploração econômica, em parceria, de processo e produto
derivado do uso de componente do patrimônio genético; e
(vii) estabelecimento de empreendimento conjunto de base
tecnológica.
O artigo 23 assegura à empresa que, em decorrência do
processo de concessão de acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia à instituição nacional, pública ou privada,
responsável pelo acesso e remessa de amostra de componente do
patrimônio genético e pelo acesso à informação sobre
conhecimento tradicional associado, faça investimentos em
atividade de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, a percepção
de incentivo fiscal para a capacitação tecnológica da
indústria e da agropecuária, e a facilitação de utilização de
outros instrumentos de estímulo, na forma da legislação
pertinente.
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI deve
observar, quando da concessão de direito de propriedade
industrial sobre processo ou produto obtido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético, as normas
contidas na Medida Provisória, devendo o requerente informar a
origem do material genético e do conhecimento tradicional
associado, quando for o caso.
2.2.7. Repartição de Benefícios
Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto
ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do
patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado,
obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no
exterior, serão repartidos, de forma justa e equitativa, entre
as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento e a
legislação pertinente. A regra definida no artigo 25 é de
intervenção do Estado nos contratos, pois estabelece a
possibilidade de que normas regulamentares possam definir o
percentual a ser deferido, como cláusulas obrigatórias para
eles. Deve ser anotado que, nas hipóteses em que a União não
seja parte contratante, deve ser-lhe assegurada a participação
nos benefícios, na forma de regulamento específico.
2.2.7.I. Benefícios
A Medida Provisória estabeleceu uma relação de benefícios
que, legalmente, devem resultar da concessão de acesso à
Diversidade Biológica e ao conhecimento tradicional associado.
Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto
ou processo, desenvolvido a partir de amostra do patrimônio
genético ou de conhecimento tradicional associado, podem ser,
dentre outros, os seguintes:
(i) divisão de lucros;
(ii) pagamento de royalties;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
423
(iii) acesso e transferência de tecnologias;
(iv) licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos;
e
(v) capacitação de recursos humanos.
Não há qualquer obrigatoriedade legal de que todos os
benefícios sejam conferidos simultaneamente, assim como também
não há obrigatoriedade legal de que os benefícios sejam os
contidos na norma legal. O artigo 25 tem, claramente, caráter
exemplificativo. Qualquer benefício estabelecido livremente
entre as partes contratantes é válido e legal. O importante é
que, após a celebração do contrato, haja uma melhoria concreta
auferida por aquele que cede o acesso à diversidade biológica.
Não se desconhece, contudo, que o próprio conceito de melhoria
é passível de críticas diversas. Aqui, como de resto em
qualquer relação contratual equânime, necessário se faz que
haja benefícios recíprocos.
O art. 26 estabeleceu a seguinte regra: “A exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético ou de
conhecimento tradicional associado, acessada em desacordo com
as disposições desta Medida Provisória, sujeitará o infrator
ao pagamento de indenização correspondente a, no mínimo, vinte
por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de
produto ou de royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em
decorrência de licenciamento de produto ou processo ou do uso
da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual,
sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.
Esta norma, evidentemente, só é aplicável no caso de o acesso
ser concedido a empresa sediada no Brasil, pois dificilmente
será aplicável a empresas sediadas no exterior.
Uma modalidade de benefício importante é aquela estabelecida
pelo artigo 33 e se refere à parcela dos lucros e dos
royalties devidos à União, resultantes da exploração econômica
de processo ou produto desenvolvido a partir de amostra de
componente do patrimônio genético, bem como o valor das multas
e indenizações. O montante constituído por tais valores será
destinado:
(i) ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei n9
7.797, de 10 de julho de 1989;
(ii) ao Fundo Naval, criado pelo Decreto n9 20.923, de 8 de
janeiro de 1932; e
(iii) ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, criado pelo Decreto-Lei nô 719, de 31 de julho
de 1969, e restabelecido pela Lei n2 8.172, de 18 de janeiro
de 1991, na forma do regulamento.
Tais recursos devem ser utilizados exclusivamente na
conservação da diversidade biológica, incluindo a recuperação,
criação e manutenção de bancos depositários, no fomento à
pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico associado
ao patrimônio genético e na capacitação de recursos humanos
associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao
uso e à conservação do patrimônio genético.
Direito Ambientai
2.2.8. Cláusulas Contratuais Cogentes
O legislador determinou de forma bastante positiva que os
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios devem ser escritos de forma bastante objetiva,
bem como conter determinadas cláusulas legais. A primeira
delas é indicar e qualificar com clareza as partes
contratantes, sendo, de um lado, o proprietário da área
pública ou privada, ou o representante da comunidade indígena
e do órgão indigenista oficial, ou o representante da
comunidade local e, de outro, a instituição nacional
autorizada a efetuar o acesso e a instituição destinatária.
O artigo 28 estabelece que no Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios devem
constar, dentre outras, as seguintes cláusulas essenciais que
disponham sobre:
(i) objeto, seus elementos, quantificação da amostra e uso
pretendido;
(ii) prazo de duração;
(iii) forma de repartição justa e equitativa de benefícios e,
quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia;
(iv) direitos e responsabilidades das partes;
(v) direito de propriedade intelectual;
(vi) rescisão;
(vii) penalidades;
(viii)foro no Brasil.
Cláusulas essenciais são aquelas sem as quais o contrato
pode ser nulo ou anu- lável. Portanto, é extremamente
importante que elas sejam observadas, sob pena de que o
contrato resulte em letra morta. Estabelece o parágrafo único
do artigo 26 que: quando a União for parte, o contrato
referido no caput deste artigo reger-se-á pelo regime jurídico
de direito público.
O parágrafo único do artigo 26, em minha opinião, é um
elemento extremamente complicador para que a União possa
intervir como parte em Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, isto porque o legis-
lador determinou que tais contratos são de direito público.
Ora, em tal condição, os mencionados contratos devem ser
regidos pela Lei ns 8.666, de 21 de junho de 1993, que
"regulamenta o art. 37, inciso XXI, da CF, institui normas
para licitações e contratos da Administração Pública28 e dá
outras providências”. É importante ressaltar que a abrangência
do estatuto licitatório é ampla, conforme demonstra o seu
artigo ls, in verbis. Art. P Esta lei estabelece normas gerais
sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a
obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações
e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único.
Subordinam-se ao regime desta lei, além
28 Grifei.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
-425
dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as
autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal
e Municípios. Ante os estritos termos da norma legal, data
venia, não vejo como afastar o procedimento licitatório da
lavratura dos contratos de que ora falamos, ainda que não seja
com a adoção da modalidade de dispensa de licitação.
Em minha opinião, a MP deveria ter estabelecido um
procedimento legal a ser utilizado quando da celebração dos
contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, respeitando as especificidades do caso. Os
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios serão submetidos a registro no Conselho de
Gestão e só terão eficácia após sua anuência. A não-
observância dos preceitos legais cogentes gera a nulidade de
pleno direito dos contratos celebrados.
2.2.9. Sanções Administrativas
O Decreto n2 5.459, de 7 de junho de 2005, foi baixado com a
finalidade de regulamentar o artigo 30 da Medida Provisória n9
2.186-16/2001. São consideradas infrações administrativas,29 na
forma do artigo 30, contra o patrimônio genético ou o
conhecimento tradicional associado, toda ação ou omissão que
viole as normas da Medida Provisória e demais disposições
legais pertinentes. A MP adotou uma concepção de definir
genericamente as infrações administrativas, sem fixar, minima-
mente, os tipos administrativos, deixando tal missão para
decreto a ser baixado pelo Chefe do Poder Executivo. Trata-se
de uma situação que vem se repetindo na chamada legislação
ambiental e que, certamente, é capaz de suscitar muitas
dúvidas quanto à sua constitucionalidade. A propósito, vale
relembrar a seguinte lição de Marçal Justen Filho, in verbis.
“É inconstitucional atribuir à autoridade administrativa
autonomia para determinar os elementos necessários à
configuração do ilícito e a sanção adequada. Essa solução é
incompatível com os incisos XXXCX e XLVI do art. 52 da
Constituição. Definir infração e regular a individualização da
sanção significa determinar com um mínimo de precisão os
pressupostos de cada sanção cominada em lei.”30
Assim, seguindo uma triste tradição de deixar ao
administrador a definição de tipos administrativos, muito
embora tenha definido as sanções aplicáveis àqueles que vio-
larem as disposições administrativas que seriam baixadas no
futuro. Tais sanções são:
(i) advertência;
(ii) multa;
(iii) apreensão das amostras de componentes do patrimônio
genético e dos instrumentos utilizados na coleta ou no
processamento ou dos produtos obtidos a partir de informação
sobre conhecimento tradicional associado;
29 Independentemente da aplicação de sanções civis ou penais
cabíveis.
30 Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administxaávo. São
Paulo: Saraiva, 2005, pp. 399-400.
Direito Ambiental
(iv) apreensão dos produtos derivados de amostra de componente
do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional
associado;
(v) suspensão da venda do produto derivado de amostra de
componente do patrimônio genético ou do conhecimento
tradicional associado e sua apreensão;
(vi) embargo da atividade;
(vii) interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento;
(viii) suspensão de registro, patente, licença ou
autorização;
(ix) cancelamento de registro, patente, licença ou
autorização;
(x) perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal
concedidos pelo governo;
(xi) perda ou suspensão da participação em linha de
financiamento em estabelecimento oficial de crédito;
(xii) intervenção no estabelecimento;
(xiii) proibição de contratar com a Administração Pública, por
período de até cinco anos.
Os produtos, amostras e os instrumentos apreendidos,
embargados ou que tenham a comercialização suspensa serão
destinados conforme deliberação do Conselho de Gestão. É
desnecessário dizer que as penalidades administrativas devem
ser aplicadas proporcionalmente ao ilícito praticado, sob pena
de nulidade.
A multa é arbitrada pela autoridade competente, de acordo
com parâmetros definidos em regulamento, considerando-se a
gravidade dos fatos. Foi estabelecida uma diferenciação entre
os valores a serem aplicados quando se tratar de pessoa física
(rectius: natural) ou de pessoa jurídica. Os valores31 são os
seguintes:
(i) pessoa física - de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
física;
(ii) pessoa jurídica ~ de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$
50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Os órgãos federais competentes exercerão, por si ou por
delegação realizada mediante convênio específico previsto em
regulamento, a fiscalização, a intercepta- ção e a apreensão
de amostra de componente do patrimônio genético ou de produto
obtido a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado, acessados em desacordo com as disposições legais.
2.2.9.1. As sanções em espécie
O artigo l2 do Decreto ns 5.459/2005, repetindo a fórmula
extremamente aberta e abstrata do artigo 30 da MP nQ 2186-
16/2001, determina que: “Art. 1Q Considera-
31 Na reincidência, a multa será aplicada em dobro.
A cesso à Diversidade Biológica no Brasil
se infração administrativa contra o patrimônio genético ou ao
conhecimento tradicional associado toda ação ou omissão que
viole as normas da Medida Provisória ne 2.186- 16, de 23 de
agosto de 2001, e demais disposições pertinentes,” Parágrafo
único. Aplicam- se a este Decreto as definições constantes do
art. 73da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001, e da
Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto
ns 2.159, de 16 de março de 1998, bem como as orientações
técnicas editadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético. ”
Algumas questões merecem ser levantadas, ab initio, em
primeiro lugar, há que se considerar que infrações
administrativas são aquelas praticadas contra a administração
pública ou em violação ao poder de polícia por ela exercida.
Não se pode olvidar que, no caso do patrimônio genético, a
matéria é pouco clara, visto que o patrimônio genético não é
bem de propriedade da União, assim como também não é bem de
propriedade da União o conhecimento tradicional. Visto que
tais “bens” não integram o patrimônio da União, estabelecer
sanções administrativas para tais casos é, no mínimo,
juridicamente discutível. Entretanto, em homenagem ao
princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos,
passo a examinar as sanções tal como elas foram dispostas no
ato regulamentar. “Art. 10. As infrações administrativas con-
tra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional
associado serão punidas com as seguintes sanções, aplicáveis,
isolada ou cumulativamente, às pessoas físicas ou jurídicas: I
— advertência; II - multa; III - apreensão das amostras de
componentes do patrimônio genético e dos instrumentos
utilizados na sua coleta ou no processamento ou dos produtos
obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado; IV — apreensão dos produtos derivados de amostra de
componente do patrimônio genético ou do conhecimento
tradicional associado; V - suspensão da venda do produto
derivado de amostra de componente do patrimônio genético ou do
conhecimento tradicional associado e sua apreensão; VI -
embargo da atividade;
VII - interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento;
VIII - suspensão de registro, patente, licença ou autorização;
IX - cancelamento de registro, patente, licença ou
autorização; X - perda ou restrição de incentivo e benefício
fiscal concedidos pelo governo; XI - perda ou suspensão da
participação em linha de financiamento em estabelecimento
oficial de crédito; XII - intervenção no estabelecimento; e
XIII - proibição de contratar com a administração pública, por
período de até cinco anos. § 1Q Entende-se como produtos
obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado, previstos no inciso III do caput, os registros, em
quaisquer meios de informações relacionadas a este
conhecimento. § 29 Se o autuado, com uma única conduta, cometer
mais de uma infração, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente,
as sanções a ela cominadas. § 3a As sanções previstas nos
incisos I e III a XIII poderão ser aplicadas independente da
previsão única de pena de multa para as infrações
administrativas descritas neste Decreto.”
Cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético determinar
a destinação a ser dada aos produtos, amostras, equipamentos,
veículos, petrechos e demais instrumentos que tenham sido
apreendidos por terem sido utilizados diretamente na prática
de infração. O GGEM deverá, sempre que possível, doá-los a
instituições cientí-
Direito Ambiental
ficas, culturais, ambientalistas, educacionais, hospitalares,
penais, militares, públicas ou outras entidades com fins
beneficentes.
Os valores arrecadados em pagamento das multas aplicadas
reverterão: quando a infração for cometida em (i) área sob
jurisdição do Comando da Marinha: a) cinquenta por cento ao
Fundo Naval; b) o restante, repartido igualmente entre o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, regulado
pela Lei n2 8.172, de 18 de janeiro de 1991, e o Fundo Nacional
de Meio Ambiente, criado pela Lei ne 7.797, de 10 de julho de
1989; (ii) nos demais casos os valores arrecadados serão
repartidos, igualmente, entre o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo Nacional do
Meio Ambiente. A destinação dos recursos será exclusivamente
na conservação da diversidade biológica, incluindo a
recuperação, criação e manutenção de bancos depositários, o
fomento à pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico
associado ao patrimônio genético e a capacitação de recursos
humanos associados ao desenvolvimento das atividades
relacionadas ao uso e à conservação do patrimônio genético.
Entende-se como utilizado na conservação da diversidade
biológica, a aplicação dos recursos repassados ao Fundo Naval
na aquisição, operação, manutenção e conservação, pelo Comando
da Marinha, de meios utilizados na atividade de fiscalização
de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, dentre elas
as lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento
tradicional associado.
2.2.9.2. Infrações Administrativas
O decreto “tipificou” as seguintes infrações
administrativas:
“Arr. 15. Acessar componente do patrimônio genético para
fins de pesquisa científica sem autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 10.000 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa, mínima de R$200,00 (duzentos reais) e
máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de
pessoa física.
§ le A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o
acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas
nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.
§ 2S Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena
prevista no caput será triplicada e deverá ser aphcada a
sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento.
Art. 16. Acessar componente do patrimônio genético para fins
de biopros- pecção ou desenvolvimento tecnológico, sem
autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 15.000,00(quinze mil reais) e máxima de
R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando
se tratar de pessoa física.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
§ l9 Incorre nas mesmas penas quem acessa componente do
patrimônio genético a fim de constituir ou integrar coleção ex
situ para bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico, sem
autorização do órgão competente ou em desacordo com a
autorização obtida.
§ 2S A pena prevista no caput será aumentada de um terço
quando o acesso envolver reivindicação de direito de
propriedade industrial relacionado a produto ou processo
obtido a partir do acesso ilícito junto ao órgão competente.
§ 3a A pena prevista no caput será aumentada da metade se
houver exploração econômica de produto ou processo obtidos a
partir de acesso ilícito ao patrimônio genético.
§ 45 A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o
acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas
nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.
§ 5e Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena
prevista no caput será triplicada e deverá ser aplicada a
sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento.
Art. 17. Remeter para o exterior amostra de componente do
patrimônio genético sem autorização do órgão competente ou em
desacordo com a autorização obtida:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dezmil reais) e máxima de
R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando
se tratar de pessoa física.
§ l5 Pune-se a tentativa do cometimento da infração de que
trata o caput com a multa correspondente à infração consumada,
diminuída de um terço.
§ 23 Diz-se tentada uma infração, quando, iniciada a sua
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente.
§ 3S A pena prevista no caput será aumentada da metade se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial da fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I
da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES.
§4S A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II
da CITES.
§ 55A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial da flora brasileira ameaçada de extinção.
Art. 18. Deixar de repartir, quando existentes, os
benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou
processo desenvolvido a partir do acesso a amostra do
património genético ou do conhecimento tradicional associado
com quem de direito> de acordo com o disposto na Medida
Provisória nP 2.186-16, de 2001, ou de acordo com o Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético e
Direito Ambiental
de Repartição de Benefícios anuído pelo Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético:
Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e máxima
de RS
50.000.000.00 (cinquenta milhões de reais), quando se tratar
de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se
tratar de pessoa física.
Art. 19. Prestar falsa informação ou omitir ao Poder Público
informação essencial sobre atividade de pesquisa,
bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico relacionada ao
patrimônio genético, por ocasião de auditoria, físcali- zação
ou requerimento de autorização de acesso ou remessa:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
200,00 (duzentos reais) e máxima de RS 5.000,00 (cinco mil
reais), quando se tratar de pessoa física.
Art. 20. Acessar conhecimento tradicional associado para
fins de pesquisa científica sem a autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de
R$500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil reais) e
máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando se tratar
de pessoa física.
Art. 21. Acessar conhecimento tradicional associado para
fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico sem a
autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e máxima
de R$
15.000.000.00 (quinze milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se
tratar de pessoa física.
§ le A pena prevista no caput será aumentada de um terço
caso haja reivindicação de direito de propriedade industrial
de qualquer natureza relacionado a produto ou processo obtido
a partir do acesso ilícito junto a órgão nacional ou
estrangeiro competente.
§2S A pena prevista no caput será aumentada de metade se
houver exploração econômica de produto ou processo obtido a
partir de acesso ilícito ao conhecimento tradicional
associado.
Art. 22. Divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou
informações que integram ou constituem conhecimento
tradicional associado, sem autorização do órgão competente ou
em desacordo com a autorização obtida, quando exigida:
Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil réais) é
máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando se tratar
de pessoa física.
Art. 23. Omitira origem de conhecimento tradicional
associado em publicação, registro, inventário, utilização,
exploração, transmissão ou qualquer for-
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
ma de divulgação em que este conhecimento seja direta ou
indiretamente mencionado:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
200.000,00 (duzentos mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
5.000,00 (cinco mil reais) e máxima de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), quando se tratar de pessoa física.
Art. 24. Omitir ao Poder Público informação essencial sobre
atividade de acesso a conhecimento tradicional associado, por
ocasião de auditoria, fiscalização ou requerimento de
autorização de acesso ou remessa:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
200,00 (duzentos reais) e máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais), quando se tratar de pessoa física. ”
As muitas previstas no decreto texão a sua exigibilidade
suspensa, quando o autuado, por termo de compromisso aprovado
pela autoridade competente, obrigar-se à adoção de medidas
especificas para adequar-se ao disposto na Medida Provisória ns
2.186-16, de 2001, em sua regulamentação e demais normas
oriundas do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. Uma vez
que tenham sido cumpridas as obrigações assumidas pelo
autuado, desde que comprovado em parecer técnico emitido pelo
órgão competente, a multa serã reduzida em até noventa por
cento do seu valor, atualizado monetariamente.
2,2.9.3. Processo Administrativo
Um dos pontos de maior destaque do Decreto na 5.459/2005 é o
fato de que ele estabeleceu um processo administrativo para a
imposição de sanções àqueles que violarem as normas de
proteção ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicio-
nais, assegurando-se aos particulares a ampla defesa e o
contraditório. Aqui é preciso chamar a atenção para o fato de
que as determinações contidas na Lei na 9.784, de 29 de janeiro
de 1999, que rege o processo administrativo perante a
administração federal, são plenamente aplicáveis.
O decreto estabeleceu, em seu artigo 3Q, "que qualquer
pessoa, constatando infração contra o patrimônio genético ou
ao conhecimento tradicional associado, poderá dirigir
representação às autoridades relacionadas no art. 4a, para
efeito do exercício do seu poder de polícia”. A representação,
evidentemente, deverá ser assinada pelo representante, que se
identificará e indicará à autoridade os motivos pelos quais a
apuração deve ser instaurada.
As autoridades competentes para o processamento das
apurações tratadas no decreto são as seguintes:
I - o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis ~ IBAMA;
II - o Comando da Marinha, do Ministério da Defesa.
Direito Ambiental
Admite-se a celebração de Convênios com os órgãos ambientais
estaduais e municipais integrantes do Sistema Nacional de Meio
Ambiente — SISNAMA, com vistas à descentralização das
atividades.
0 artigo 65 do Decreto estabeleceu que o processo
administrativo para apuração de infração contra o patrimônio
genético ou ao conhecimento tradicional associado deve
observar os seguintes prazos máximos:
1 - vinte dias para o autuado oferecer defesa ou impugnação
contra o auto- de infração, contados da data da ciência da
autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto
de infração, contados da data da ciência da autuação,
apresentada ou não a defesa ou a impugnação;
III - vinte dias para o autuado recorrer da decisão
condenatória à instância hierarquicamente superior ao órgão
autuante» contados da ciência da decisão de primeira
instância;
IV - vinte dias para o autuado recorrer da decisão
condenatória de segunda instância ao Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético; e
V - cinco dias para o pagamento de multa» contados da data
do recebimento da notificação.
A expressão “prazo máximo”, obviamente, é infeliz.
Evidentemente que os prazos são estabelecidos em benefício do
administrado e não da administração, que não poderá diminuí-
los ao seu talante.
O artigo 7e dispõe que: “o agente autuante, ao lavrar o auto
de infração, indicará as sanções aplicáveis à conduta,
observando, para tanto:
I - a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da
infração e suas consequências para o patrimônio genético, o
conhecimento tradicional associado, a saúde pública ou para o
meio ambiente;
II - os antecedentes do autuado, quanto ao cumprimento da
legislação de proteção ao patrimônio genético e ao
conhecimento tradicional associado; e
III - a situação econômica do autuado.”
Na realidade, o artigo peca pela falta. Com efeito, não pode
o agente autuante lavrar auto de infração sem que a conduta,
em tese infracional, seja descrita em seus contornos mínimos,
sob pena de nulidade do auto de infração.
Política Nacional de Biodiversidade
Capítulo XIX Política Nacional de Biodiversidade
1. Introdução
O Decreto n9 4.339, de 22 de agosto de 2002, é aquele que
institui princípios e diretrizes para a implementação da
Política Nacional da Biodiversidade. Tal decreto merece
atenção, pois é a primeira vez, em toda a legislação de
proteção à diversidade biológica e ao meio ambiente, que se
estabelece tuna política com pretensões de abranger e integrar
todos os componentes da federação brasileira por meio de
decreto. Este é um elemento muito importante, pois, ab initio,
põe em dúvida toda a cons- titucionalidade da mencionada
política. Aliás, as próprias consideranda presidenciais são
ambíguas e demonstram uma elaboração pouco técnica e
assistemática, tratando inclusive de temas que não estão
previstos na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ou
que lá estão tratados de forma diferente. A primeira
observação é que a Convenção trata de Diversidade Biológica,
enquanto o decreto fala de biodiversidade. Ainda que ambos os
termos tenham, na prática, a mesma significação, do ponto de
vista técmco-jurídico é lastimável que o decreto trate da
importante convenção e dos temas nela tratados com uma
nomenclatura que não tem qualquer valor jurídico. Isto, em
minha opinião, demonstra pouco caso com o rigor técnico legal
e com o valor que ele deve ter em um estado democrático de
direito.
Na verdade, o decreto que ora se comenta deveria ser uma
lei; tal, no entanto, não foi possível, pois a própria Medida
Provisória n9 2.186, já tantas vezes comentada neste livro,
ainda não conseguiu se transformar em uma lei. Este fato gerou
o impasse que propiciou tratar de matéria tão significativa
por meio de um decreto. De qualquer forma, o artigo l9 do
decreto determina: Ficam instituídos, conforme o disposto no
Anexo a este Decreto, princípios e diretrizes para a
implementação, na forma da lei, da Política Nacional da
Biodiversidade, com a participação dos governos federal,
distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil.
A elaboração do decreto é finito de um trabalho realizado
pelo Ministério do Meio Ambiente que, em atitude louvável,
buscou estabelecer diálogo entre todos os interessados no
tema. Foram ouvidas, em audiência pública, associações civis,
empresas, comunidades locais e indígenas, acadêmicos, órgãos
governamentais etc. Este amplíssimo conjunto de interessados,
obviamente, possui inúmeras contradições internas que se
refletiram no próprio texto, que, buscando contemplar todos os
interesses, evidentemente, caiu no lado oposto, pois não foi
capaz de estabelecer um mínimo de clareza necessária para a
correta solução de problemas da magnitude daqueles que estão
tratados na mencionada política. Enfim, esta é a Política
Nacional
434
Direito Ambiental
de Biodiversidade existente em nosso país; de uma forma, ou de
outra, esperemos que ela possa atender às expectativas da
nacionalidade.
2. Política Nacional da Biodiversidade
A observação de que a biodiversidade em termos jurídicos é
inexistente - pois a Convenção internacional trata de
Diversidade Biológica - já foi feita e não necessita de
maiores aprofundamentos, motivo pelo qual passo a examinar os
termos da mencionada política.
2.1. Objetivos, Princípios e Diretrizes Gerais da Política
Nacional da Biodiversidade
2.1.1. Objetivos
A Política Nacional da Biodiversidade tem como objetivos os
seguintes: A Política Nacional da Biodiversidade tem como
objetivo geral a promoção, de forma integrada, da conservação
da biodiversidade e da utilização sustentável de seus com-
ponentes, com a repartição justa e eqwtativa dos benefícios
derivados da utilização dos recursos genéticos, de componentes
do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais
associados a esses recursos. Do conjunto dos objetivos
traçados podemos identificar que a Política Nacional da
Biodiversidade busca a conservação da diversidade biológica e
não a preservação da variabilidade das espécies. Isto implica
que a política adotada pelo país tem em vista o manejo e
utilização das espécies existentes sob a jurisdição nacional.
Desnecessário dizer que o centro do objetivo da política
estabelecida é o ser humano, pois a própria norma determina um
objetivo geral de promoção de forma integrada da conservação
da “biodiversidade” e da “utilização sustentável de seus
componentes”. Tais objetivos, conforme se verá, são con-
traditados pelos princípios da Política Nacional da
Biodiversidade, que, salvo melhor juízo, são extremamente
confusos e equívocos.
2.1.2. Características Básicas da Principiologia: Pouca
Clareza e Inexatidão
Os princípios e diretrizes da Política Nacional de
Biodiversidade formam um conjunto bastante confuso e pouco
claro, pois misturam elementos de direito internacional com
declarações de princípios quanto ao direito interno, bem como
inovam em relação à própria CDB,1 como se pode ver pela leitura
do Preâmbulo da mencio
1 Convenção sobre Diversidade Biológica. Preâmbulo. As Partes
Contratantes, Conscientes do valor intrínseco da diversidade
biológica e dos valores ecológico, genético, social,
econômico, ciendãco, educacional, cultural, recreativo e
estético da diversidade biológica e de seus componentes;
conscientes, também, da importância da diversidade biológica
para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários
à vida
ESBJ * Ensino Sy^ertor Bwm< MPce
Política Nacional de Biodiversidade
nada Convenção. Exemplo de inovação em relação à CDB é o
definido pelo princípio I que dispõe: a diversidade biológica
tem valor intrínseco, merecendo respeito independentemente de
seu valor para o homem ou potencial para uso humano. Em
realidade, a CDB não reconhece um valor intrínseco da
diversidade biológica, independentemente de seu valor para o
ser humano; muito ao contrário, todo o conjunto de normas
contido na CDB está firmemente construído sobre o valor da
diversidade biológica como um instrumento de desenvolvimento
econômico capaz de aliviar o sofrimento e a pobreza de países
que, embora ricos em diversidade biológica, carecem de
recursos econômicos para explorá-la adequadamente. É,
igualmente, curioso que o decreto faça uma declaração sobre a
obrigatoriedade de países desen-
da biosfera, Afirmando que a conservação da diversidade
biológica é uma preocupação comum à humanidade, Reafirmando
que os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios
recursos biológicos, Reafirmando, igualmente, que os Estados
são responsáveis pela conservação de suà diversidade biológica
e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos,
preocupados com a sensível redução da diversidade biológica
causada por determinadas atividades humanas, conscientes da
falta geral de informação e de conhecimento sobre a
diversidade biológica e da necessidade urgente de desenvolver
capacitação científica, técnica e institucional que
proporcione o conhecimento fundamental necessário ao
planejamento e implementação de medidas adequadas, observando
que é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da
sensível redução ou perda da diversidade biológica, observando
também que quando exista ameaça de sensível redução ou perda
de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica
não deve ser usada como razão para postergar medidas para
evitar ou minimizar essa ameaça, observando igualmente que a
exigência fundamental para a conservação da diversidade
biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos
habita ts naturais e a manutenção e recuperação de populações
viáveis de espécies no seu meio natural, observando ainda que
medidas ex situ, preferivelmente no país de origem, desempe-
nham igualmente um importante papel, Reconhecendo a estreita e
tradicional dependência de recursos biológicos de muitas
comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida
tradicionais, e que é desejável repartir equitativamente os
benefícios derivados da utilização do conhecimento
tradicional, de inovações e de práticas relevantes à
conservação da diversidade biológica e à utilização
sustentável de seus componentes, reconhecendo, igualmente, o
papel fundamental da mulher na conservação e na utilização
sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade
da plena participação da mulher em todos os níveis de
formulação e execução de políticas para a conservação da
diversidade biológica, enfatizando a importância e a
necessidade de promover a cooperação internacional, regional e
mundial entre os Estados e as organizações intergovemamentais
e o setor não-govemamental para a conservação da diversidade
biológica e a utilização sustentável de seus componentes,
reconhecendo que cabe esperar que o aporte de recursos
financeiros novos e adicionais e o acesso adequado às
tecnologias pertinentes possam modificar sensivelmente a
capacidade mundial de enfrentar a perda da diversidade
biológica, reconhecendo, ademais, que medidas especiais são
necessárias para atender às necessidades dos países em
desenvolvimento, inclusive o aporte de recursos financeiros
novos e adicionais e o acesso adequado às tecnologias
pertinentes, observando, nesse sentido, as condições espedais
dos países de menor desenvolvimento relativo e dos pequenos
Estados insulares, reconhecendo que investimentos substanciais
são necessários para conservara diversidade biológica e que há
expectativa de um amplo escopo de benefícios ambientais, eco-
nômicos e sociais resultantes desses investimentos,
reconhecendo que o desenvolvimento econômico e social e a
erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e
absolutas dos países em desenvolvimento, conscientes de que a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica é de importância absoluta para atender às
necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza da
crescente população mundial, para o que são essenciais o
acesso aea repartição de recursos genéticos e tecnologia,
observando, enfim, que a conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações
de amizade entre os Estados e contribuirão para a paz da
humanidade, desejosas de fortalecer e complementar
instrumentos internacionais existentes para a conservação da
diversidade biológica e a utilização sustentável de seus
componentes, e determinadas a conservar e utilizar de forma
sustentável a diversidade biológica para beneficio das
gerações presentes e futuras.
Direito Ambientai
volvidos aportarem recursos para a utilização da diversidade
biológica brasileira (?!).2 O Princípio V limita-se a ser uma
reprodução desnecessária do caput do artigo 225 da CF,3 o mesmo
se diga em relação ao Princípio X, que é uma reprodução do
inciso IV do § le do artigo 225 da Lei Fundamental da
República.4 Outro aspecto extremamente lamentável da
principiologia é o pouco domínio de uma terminologia básica, e
universalmente aceita, no que se refere ao conceito de
conservação e utilização sustentável de recursos.5
Um outro princípio que poderia ser classificado como de
natureza antropológica é o Princípio XI, que declara: O homem
faz parte da natureza e está presente nos diferentes
ecossistemas brasileiros há mais de dez mil anos, e todos
estes ecossistemas foram e estão sendo alterados por ele em
maior ou menor escala. Trata-se, evidentemente, de uma
obviedade que reconhece que o Ser Humano, para a sua sobre-
vivência, necessita alterar o meio ambiente, pois, em qualquer
uma de suas múltiplas atividades, consome recursos ambientais
e naturais e, portanto, altera os ecossistemas dos quais
retira os elementos para a sua reprodução. Aliás, o
“reconhecimento” estabelecido pelo Princípio XI serve como
ante-sala para o Princípio XIV, que afirma: O valor de uso da
biodiversidade é determinado pelos valores culturais e inclui
valor de uso direto e indireto, de opção de uso faturo e,
ainda, valor intrínseco, incluindo os valores ecológico,
genético, social, econômico, científico, educacional,
cultural, recreativo e estético. Veja-se que, passadas as
declarações bombásticas, o decreto “caiu na real” e foi
paulatinamente reconhecendo o importante papel econômico da
proteção da diversidade biológica.6 Tal “princípio” é
claramente contraditório com o Princípio I, que afirma um
“valor intrínseco” para a “biodiversidade”. Veja-se que a
definição de intrínseco que se encontra contemplada no
Princípio XIV, na realidade, implica um valor socialmente
reconhecido e, portanto, variável segundo determinadas
condições políticas, históricas, econômicas etc. Tal
contradição mostra a impossibilidade de estabelecimento de uma
política que busca conciliar
2 Prindpio TV - a conservação e a utilização sustentável da
biodiversidade são uma preocupação comum à humanidade, mas
com responsabilidades diferenciadas, cabendo sos países
desenvolvidos o aporte de recursos financeiros novos e
adicionais e a facilitação do acesso adequado às tecnologias
pertinentes para atender às necessidades dos países em
desenvolvimento.
3 Princípio V - todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, ao Poder
Público e à coletividade, o dever de de&ndê-lo e de
preservá-lo para as presentes e as futuras gerações.
4 Princípio X - a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente deverá ser precedida de estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade.
5 Princípio XVI - a gestão dos ecossistemas deve buscar o
equilíbrio apropriado entre a conservação e a utilização
sustentável da biodiversidade, e os ecossistemas devem ser
administrados dentro dos limites de seu funcionamento.
Conservação e utilização sustentável são expressões
sinônimas e implicam em administração (rectius: manejo)
dentro dos limites de seu funcionamento que é o
reconhecimento da capacidade de suporte.
6 Princípio XVII - os ecossistemas devem ser entendidos e
manejados em um contexto econômico, objetivando: a) reduzir
distorções de mercado que afetam negativamente a
biodiversidade; b) promover incentivos para a conservação da
biodiversidade e sua utilização sustentável; e c)
internalizar custos e benefícios em um dado ecossistema o
tanto quanto possível.
Política Nacional de Biodiversidade
vertentes contraditórias e, em alguns casos, antagônicas,
levando a uma confusão teórica extremamente nociva para o
estabelecimento de uma política de acesso à diversidade
biológica que possa redundar em efetivo progresso para o nosso
país, tema constante do princípio XV?
O princípio VIII, de maneira inexplicável, admite que, mesmo
em caso de risco sério e irreversível para o meio ambiente, o
Poder Público limite-se a aumentar custos para evitar a
degradação (?!), in verbis: Onde exista evidência científica
consistente de risco sério e irreversível à diversidade
biológica, o Poder Público determinará medidas eficazes em
termos de custo para evitar a degradação ambiental. Com todo o
respeito que os formuladores da Política Nacional da
Biodiversidade merecem, na hipótese de haverem os riscos
mencionados no princípio ora comentado, a medida adequada é
impedir a atividade, jamais estabelecer “medidas eficazes em
termos de custo”, como proposto no princípio. O que há,
conforme confirmado em outro princípio,8 é uma inadequada
compreensão da natureza econômica do princípio do poluidor
pagador.
2.1.2.1. Princípios Referentes ao Acesso aos Conhecimentos
Tradicionais Associados
Tendo em vista as peculiaridades referentes ao acesso aos
conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica,
a Política Nacional da Biodiversidade estabeleceu um
subconjunto de princípios diretamente direcionados para o
tema. Assim é que os mencionados princípios dispõem: XII - a
manutenção da diversidade cultural nacional é importante para
pluralidade de valores na sociedade em relação à bio-
diversidade, sendo que os povos indígenas, os quilombolas e as
outras comunidades locais desempenham um papel importante na
conservação e na utilização sustentável da biodiversidade
brasileira; XIII ~ as ações relacionadas ao acesso ao
conhecimento tradicional associado à biodiversidade deverão
transcorrer com consentimento prévio informado dos povos
indígenas, dos quilombolas e das outras comunidades locais.
2.2. Diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade
O número 4 do Anexo ao Decreto n3 4.339/2002 estabelece as
seguintes diretrizes a serem observadas na implantação da
Política Nacional da Biodiversidade:
(i) estabelecimento de cooperação com outras nações,
diretamente ou, quando necessário, mediante acordos e
organizações internacionais competen
7 Princípio XV - a conservação e a utilização sustentável da
biodiversidade devem contribuir para o desenvolvimento
econômico e social e paia a erradicação da pobreza.
8 Princípio IX — a intemalização dos custos ambientais e a
utilização de instrumentos econômicos será promovida tendo
em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio,
suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo
interesse público e sem distorcer o comércio e os
investimentos internacionais.
Direito Ambiental
438
tes, no que respeita a áreas além da jurisdição nacional, em
particular nas áreas de fronteira, na Antártida, no alto-mar e
nos grandes fundos marinhos e em relação a espécies
migratórias, e em outros assuntos de mútuo interesse, para a
conservação e a utilização sustentável da diversidade bio-
lógica;
(ii) o esforço nacional de conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica devem ser integrados em
planos, programas e políticas setoriais ou intersetoríais
pertinentes de forma complementar e harmônica;
(iii) investimentos substanciais são necessários para
conservar a diversidade biológica, dos quais resultarão,
consequentemente, benefícios ambientais, econômicos e
sociais;
(iv) é vital prever, prevenir e combater na origem as causas
da sensível redução ou perda da diversidade biológica;
(v) a sustentabilidade da utilização de componentes da
biodiversidade deve ser determinada do ponto de vista
econômico, social e ambiental, especialmente quanto à
manutenção da biodiversidade;
(vi) a gestão dos ecossistemas deve ser descentralizada ao
nível apropriado e os gestores de ecossistemas devem
considerar os efeitos atuais e potenciais de suas atividades
sobre os ecossistemas vizinhos e outros;
(vii) a gestão dos ecossistemas deve ser implementada nas
escalas espaciais e temporais apropriadas e os objetivos
para o gerenciamento de ecossistemas devem ser estabelecidos
a longo prazo, reconhecendo que mudanças são inevitáveis.
(viii) a gestão dos ecossistemas deve se concentrar nas
estruturas, nos processos e nos relacionamentos funcionais
dentro dos ecossistemas, usar práticas gerenciais
adaptativas e assegurar a cooperação intersetorial;
(ix) criar condições para permitir o acesso aos recursos
genéticos e para a utilização ambientalmente saudável destes
por outros países que sejam Partes Contratantes da Convenção
sobre Diversidade Biológica, evitando-se a imposição de
restrições contrárias aos objetivos da Convenção.
2.3. Dos Componentes da Política Nacional da Biodiversidade
À semelhança de um projeto acadêmico financiado pelo Banco
Mundial, ou outro organismo internacional de crédito, a
Política Nacional da Biodiversidade é constituída por
“componentes”. Tais “componentes”, em número de 7 (sete), nada
mais são do que os objetivos do que seria uma política
nacional de diversidade biológica. Diante dos termos quase
caóticos do decreto que está sendo analisado, não há um
conjunto de objetivos a serem atingidos pela implementação de
políticas públicas sobre o tema. O que é lamentável sob todos
os aspectos. Veja-se que os componentes devem ser tratados
“como os eixos temáticos” da Política Nacional da
Biodiversidade, seja lá o que isto signifique.
Afinal, quais são os “componentes” da Política Nacional da
Biodiversidade? Passemos a eles;
Política Nacional de Biodiversidade
439
I - Componente 1 — Conhecimento da Biodiversidade: congrega
diretrizes
voltadas à geração, sistematização e disponibilização de
informações que permitam conhecer os componentes da
biodiversidade do pais e que apoiem a gestão da
biodiversidade, bem como diretrizes relacionadas à produção de
inventários, à realização de pesquisas ecológicas e à
realização de pesquisas sobre conhecimentos tradicionais;
II - Componente 2 - Conservação da Biodiversidade: engloba
diretrizes des
tinadas à conservação in sita e ex sita de variabilidade
genética, de ecossistemas, incluindo os serviços ambientais, e
de espécies, particularmente daquelas ameaçadas ou com
potencial econômico, bem como diretrizes para implementação de
instrumentos econômicos e tecnológicos em prol da conservação
da biodiversidade;
III ~ Componente 3 - Utilização Sustentável dos Componentes da
Biodiver
sidade: reúne diretrizes para a utilização sustentável da
biodiversidade e da biotecnologia, incluindo o fortalecimento
da gestão pública, o estabelecimento de mecanismos e
instrumentos econômicos, e o apoio a práticas e negócios
sustentáveis que garantam a manutenção da biodiversidade e da
funcionalidade dos ecossistemas, considerando não apenas o
valor econômico, mas também os valores sociais e culturais da
biodiversidade;
IV - Componente 4 — Monitoramento, Avaliação, Prevenção e
Mitigação de
Impactos sobre a Biodiversidade: engloba diretrizes para
fortalecer os sistemas de monitoramento, de avaliação, de
prevenção e de mitigação de impactos sobre a biodiversidade,
bem como para promover a recuperação de ecossistemas
degradados e de componentes da biodiversidade sobre-
explotados;
V - Componente 5 - Acesso aos Recursos Genéticos e aos
Conhecimentos
Tradicionais Associados e Repartição de Benefícios: alinha
diretrizes que promovam o acesso controlado, com vistas à
agregação de valor mediante pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico, e a distribuição dos benefícios
gerados pela utilização dos recursos genéticos, dos componen-
tes do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais
associados, de modo que sejam compartilhados, de forma justa e
equitativa, com a sociedade brasileira e, inclusive, com os
povos indígenas, com os quilom- bolas e com outras comunidades
locais;
VI - Componente 6 ~ Educação, Sensibilização Pública,
Informação e Divul
gação sobre Biodiversidade: define diretrizes para a educação
e sensibilização pública e para a gestão e divulgação de
informações sobre biodiversidade, com a promoção da
participação da sociedade, inclusive dos povos indígenas,
quilombolas e outras comunidades locais, no respeito à con-
servação da biodiversidade, à utilização sustentável de seus
componentes e à repartição justa e equitativa dos benefícios
derivados da utilização de recursos genéticos, de componentes
do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado
à biodiversidade;
Direito Ambiental
VII - Componente 7 - Fortalecimento Jurídico e Institucional
para a Gestão da Biodiversidade: sintetiza os meios de
implementação da Política; apresenta diretrizes para o
fortalecimento da infraestrutura, para a formação e fixação
de recursos humanos, para o acesso à tecnologia e
transferência de tecnologia, para o estímulo à criação de
mecanismos de financiamento, para o fortalecimento do marco-
legal, para a integração de políticas públicas e para a
cooperação internacional.
3.Conclusão
A título de conclusão, posso afirmar que a Política Nacional
da Biodiversidade é um conjunto caótico de declarações,
princípios e “componentes” que não se sustentam. É de se
lamentar que tal norma tenha sido elaborada e que a Medida
Provisória ns 2.186 não tenha sido aperfeiçoada e transformada
em lei, como seria de se esperar. Acredito, firmemente, que
tal Política Nacional da Biodiversidade será revogada o quanto
antes, para que assunto de tal magnitude receba tratamento
compatível.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
Capítulo XX Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
1. Introdução
No presente capítulo, pretendo analisar um fenômeno bastante
importante, que é o surgimento de leis estaduais destinadas à
regulamentação do acesso à diversidade biológica. Tais leis,
em número de duas, tendem a se multiplicar pelos diversos
Estados da federação, haja vista a existência de vários
projetos e anteprojetos em muitos deles. Conforme será visto,
tais leis encerram complexas questões referentes à competência
legislativa, pois não é fácil catalogar, juridicamente, a
conservação, o acesso e a repartição justa e equitativa dos
benefícios quando se trata de diversidade biológica.
O legislador federal, até o ano de 2001, não avançou
significativamente na regulamentação interna da CDB, naquilo
que diz respeito ao acesso aos recursos da diversidade
biológica, assim como na justa e equitativa repartição dos
benefícios decorrentes de tal acesso, em especial quanto ao
relacionamento com as comunidades locais e as populações
indígenas. A inércia federal foi ultrapassada pela produção
legislativa de dois Estados amazônicos: (i) Acre; e (ii)
Amapá. Tais Estados produziram leis próprias mediante as quais
pretendem dispor sobre o acesso à diversidade biológica no
interior de seus territórios.
A existência de leis estaduais sobre o tema, entretanto, não
é matéria que me pareça juridicamente tranqüila, pois o
elevado grau de interdisciplinariedade do assunto faz com que
não possamos classificá-lo no universo do Direito, de forma
incontestável. Com efeito, não sabemos se a matéria deve ser
enquadrada como Direito Ambiental (em função da Convenção
sobre Diversidade Biológica), como Direito Indigenista (em
função da presença de populações indígenas como detentoras de
conhecimentos tradicionais associados), como Direito de
Propriedade Intelectual (em função da necessidade de Proteção
dos Conhecimentos Tradicionais Associados), ou Direito
Comercial, em razão dos Contratos de Acesso à Diversidade
Biológica. A questão é relevante, pois, dependendo do
enquadramento jurídico dos temas, a legislação dos Estados-
Membros será constitucional ou inconstitucional.
Penso que a matéria tem aspectos ambientais, embora não seja
de Meio Ambiente; explico melhor: como já tive a oportunidade
de me manifestar previamente, “uma norma de Direito Civil ou
de Direito Administrativo que incida sobre um bem jurídico
ambiental deve estar fundada nos princípios implícitos e
explícitos de tutela ambiental previstos na Constituição e na
legislação ordinária”.1 O que ocor-
1 Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 5a ediçao, 2001, p. 37.
Direito Ambientai
re, em minha opinião, é que, conforme o caso, estaremos diante
de matéria que se enquadra em Direito Comercial, outras vezes
no campo da propriedade intelectual, muitas vezes no comércio
exterior e, assim, sucessivamente. Isto faz com que as normas
estaduais, sob meu ponto de vista, tenham muitos dispositivos
constitucionalmente discutíveis. Com efeito, o artigo 22 da CF
determina que compete privativamente à União legislar sobre:
Direito Civil, Comercial; comércio exterior; populações
indígenas.2 A competência privativa, como se sabe, somente pode
ser exercida pela própria União, salvo na hipótese em que uma
lei complementar autorize os Estados a legislarem sobre
questões específicas das matérias relacionadas no artigo 22 da
CF.3 A lei complementar mencionada na Lei Fundamental da
República ainda não existe, motivo pelo qual é de se ter por
inconstitucional toda e qualquer lei estadual que invada
competência privativa da União, conforme o STF,
reiteradamente, vem decidindo. É fato, contudo, que a
inconstitucionalidade não fere mortalmente a totalidade dos
textos legais estaduais, mas, única e exclusivamente,
dispositivos específicos que extrapolam o âmbito das
competências estaduais.
A própria superveniência da Medida Provisória na 2.186-16,
de 23 de agosto de 2001, trouxe mais um complicador para a
validade constitucional das legislações estaduais, pois no
próprio tema meio ambiente - previsto nos incisos VI, VII e
VIII do artigo 24 da CF4-, como na preservação do patrimônio
cultural - no qual os conhecimentos tradicionais, em minha
opinião, encontram-se inseridos a competência é concorrente.
Em tema de competência concorrente, como é de sabença geral,
cabe à União o estabelecimento de regras gerais; aos Estados
cabe suplementar tal legislação. A Constituição afirma que a
superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual naquilo que contrarie a norma
federal. A Medida Provisória, por ter força de lei, em tais
condições, exerce o papel de norma geral. E necessário,
entretanto, que caso a caso seja examinada a eficácia da norma
estadual.
É imperioso dizer, no entanto, que no sistema legal
brasileiro uma lei somente perde sua eficácia quando declarada
inconstitucional pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual deve
ser cumprida integralmente até que tal declaração ocorra.
2 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I -
direito civil, comercial, penai, processual, elei- toral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...) VIU - comércio exterior e interestadual; (...) XIV-
populações indígenas; (...) XXVII - normas gerais de
hcitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido
o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, aos termos do art. 173, § P,
III.
3CF, Art. 22, parágrafo único.
4Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:(...) VI — flo
restas, caça, pesca, Éama, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; VII —proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico; Vm—responsa
bilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
epaisagístico; § Ia No âmbito da legislação concorrente, a
competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2* A competência da União para legislar sobre normas gerais
não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3*
Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades. § 4? A superveniência de lei federal sobre
normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe
for contrário.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
Penso que as normas estaduais são frutos de esforços enormes
desenvolvidos pelos dois Estados amazônicos e, por tais
motivos, são altamente merecedoras de elogios. Não posso,
entretanto, deixar de observar que, em minha opinião, os
diplomas estaduais estão eivados de aspectos que podem levar a
importantes questionamentos quanto à constitucionalidade que,
se suscitados perante o STF, têm grande possibilidade de serem
acolhidos, em função de precedentes assentados naquela Corte
Constitucional. Na prática, como se verá, as leis estaduais
restarão totalmente desfiguradas e sem qualquer utilidade
prática. Parece-me que a melhor interpretação possível para o
assunto é a de considerar que as questões comerciais, de
conhecimento tradicional e outras envolvidas no tema, são
aspectos secundários das referidas normas, pois o aspecto
principal é a proteção da diversidade biológica; logo, um tema
submetido à competência concorrente entre a União e os
Estados. Havendo lei federal sobre acesso à diversidade
biológica, a norma estadual deve a ela se adaptar de forma que
se possa ter um sistema harmônico. É fundamental que as leis
estaduais sejam "aproveitadas”, de forma que seja possível
criar mecanismos descentralizados de acesso à diversidade
biológica e aos conhecimentos tradicionais.
2. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre
2.1. Âmbito de Aplicação da Norma
O Estado do Acre, pela Lei ne 1.235, de 9 de julho de 1997,
que dispõe sobre os instrumentos de controle do acesso aos
recursos genéticos do Estado do Acre e dá outras providências,
buscou, nos limites de sua competência, regular as condições
de acesso aos recursos genéticos no seu território. A lei
estadual é bastante longa e, em linhas gerais, busca adaptar
os princípios, normas e regras constantes da CDB à realidade
local do Acre. A inexistência, na época de sua elaboração, de
uma norma federal sobre o tema fez com que, assim como a lei
do Estado do Amapá, ela se envolvesse em matéria cuja
competência estadual não é muito clara e, em algumas vezes, é
francamente inexistente, como é o caso de tratar sobre
questões indígenas, que estão constitucionalmente vinculadas à
União Federal e assim reconhecidas, desde muito, pela
jurisprudência predominante do STF;5 há que se considerar, no
entanto, que o próprio STF tem admitido a legislação estadual
que supre lacunas existentes na legislação federal.6 Conforme
sustentei na introdução deste capítulo, as questões ambien-
5 Apelação Cível (AC n« 9.620/MT). DfU9/lQ/7Q. RI7, vol. 49-
03, p. 758. Tribunal Pleno. Rei. Min. Amaral Santos. Ementa:
Ação Popular visando à declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, decorrentes de Lei Estadual
u9 1.077, de 1958, do Estado de Mato Grosso, que reduziu a
área de terras reservadas aos índios Cadiueus. Apelação
Cível conhecida como Ação Cível Originária (Constituição de
1967, art. 114,1, 'd'). Ação julgada procedente em parte
para declarar inconstitucional a Lei n° 1.077/58, de Mato
Grosso, em face do Art. 216 da Constituição de 1946 e 186 da
Constituição de 1967.
6 ADIMC 1.086-SC. Ação Direta de Inconstitudonalidade, Medida
Cautelar. ReL Min. Umar Galvão. DJU
16/9/94, p. 42.279. Tribunal Pleno. Ementa: Constitucional.
Ação Direta. Liminar. Obra ou atividade po
tencialmente lesiva ao meio ambiente. Estudo Prévio de Impacto
Ambiental Diante dos amplos termos do
inc. TV do § Jo do art. 225 da Carta Federal, revela-se
juridicamente relevante a tese de inconstituciona-
Direito Ambiental
tais, em função de seu caráter holístico, encontram muitas
dificuldades para serem enquadradas em um “escaninho”
específico das competências constitucionais. Penso que, em
nome dos princípios do artigo 225 da CF e da técnica de
interpretação legal, somente em casos extremos deve ser
declarada uma inconstitucionalidade na matéria que ora está
sendo examinada.
A Lei Estadual, de acordo com o disposto em seu artigo l2,
tem por objetivo regular direitos e obrigações relativos ao
acesso aos recursos genéticos, material genético e produtos
derivados, em condições ex sita e in sita, existentes no
Estado do Acre; assim como aos conhecimentos tradicionais das
populações indígenas e comunidades locais, associados aos
recursos genéticos ou produtos derivados e aos cultivos
agrícolas domesticados no Estado.
A lei busca, igualmente, estabelecer normas para os
contratos de acesso, sem prejuízo dos direitos de propriedade
material e imaterial relativos:
(i) aos recursos naturais que contêm o recurso genético ou
produto derivado;
(ii) à coleção privada de recursos genéticos ou produtos
derivados;
(iii) aos conhecimentos tradicionais das populações indígenas
e comunidades locais, associadas aos recursos genéticos ou
produtos derivados.
Determina a norma que os contratos assegurem aos
proprietários e detentores de conhecimentos tradicionais
associados a garantia de repartição justa e equitativa dos
benefícios derivados do acesso aos recursos genéticos e
produtos derivados, aos conhecimentos tradicionais das
populações indígenas e comunidades locais, associados aos
recursos genéticos ou produtos derivados e aos cultivos
agrícolas domesticados no Estado, na forma da Lei. O artigo 4e
da norma acreana estabelece um conjunto de conceitos
normativos utilizáveis para a sua aplicação e que, em linhas
gerais, é aquele contido na própria CDB.
2.2. Princípios
A norma acreana estabelece, em seu artigo 59, os seguintes
princípios normativos, que devem ser observados quando da sua
aplicação:
(i) soberania sobre os recursos genéticos existentes e seus
produtos derivados na circunscrição do Estado;
lidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de
impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou
reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse
a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-
la estaria inserida na competência do legislador federal, já
que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a
conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art.
24, inc.
VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da
competência legislativa a que se refere o §3* do art. 24 da
Carta Federal, já que esta busca suprir lacunas normativas
para atender a peculiaridades locais, ausentes na espécie.
Medida liminar deferida. Partes. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de
Santa Catarina.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(ii) necessidade de consentimento prévio e fundamentado das
comunidades locais e dos povos indígenas, para as atividades
de acesso aos recursos genéticos situados nas áreas que
ocupam, aos seus cultivos agrícolas domesticados e aos
conhecimentos tradicionais que detêm;
(iii) integridade intelectual do conhecimento tradicional
detido pela comunidade local ou população indígena,
garantindo-se-lhe o reconhecimento, a proteção, a
compensação justa e equitativa pelo seu uso e a Uberdade de
intercâmbio entre seus membros e com outras comunidades ou
populações análogas;
(iv) inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade
dos direitos relativos ao conhecimento tradicional detido
pelas comunidades local ou população indígena e aos seus
cultivos agrícolas domesticados, possibilitando-se,
entretanto, o seu uso, após o consentimento prévio e
fundamentado da respectiva comunidade local ou população
indígena e mediante justa e equitativa compensação;
(v) participação estadual nos benefícios econômicos e sociais
decorrentes das atividades de acesso, especialmente em
proveito do desenvolvimento sustentável das áreas onde se
realiza o acesso aos recursos genéticos e/ou das comunidades
locais e populações indígenas provedoras do conhecimento
tradicional;
(vi) prioridade, no acesso aos recursos genéticos, para os
empreendimentos que se realizem no território estadual;
(víi) promoção e apoio às distintas formas de geração de
conhecimentos e tecnologias dentro do Estado, dando
prioridade ao fortalecimento da capacidade estadual
respectiva;
(viii) proteção e incentivo à diversidade cultural,
valorizando-se os conhecimentos, inovações e práticas das
comunidades locais sobre a conservação, uso, manejo e
aproveitamento da diversidade biológica e genética;
(ix) compatíbilização com as políticas, princípios e normas
relativos à biosse- gurança;
(x) compatíbilização com as políticas, princípios e normas
relativas à segurança alimentar do Estado;
(xi) integridade do patrimônio genético e da diversidade
biológica estadual.
2.3. Poder de Polícia e Aplicabilidade da Norma
O poder de polícia exercido pelo Poder Público estadual tem
por objetivo a proteção, a conservação e a utilização
sustentável do patrimônio natural do Estado, aplicando-se as
disposições da Lei a todas as pessoas físicas ou jurídicas,
nacionais ou estrangeiras, que extraiam, usem, aproveitem,
armazenem, comercializem, liberem ou introduzam recursos
genéticos em território estadual, conforme estabelecido pelo
artigo 6a. A lei estadual é aplicável:
(i) aos recursos genéticos e seus produtos derivados
ocorrentes no território estadual;
Direito Ambiental
(ii) aos conhecimentos tradicionais associados das comunidades
locais e populações indígenas;
(iií) às espécies migratórias que, por causas naturais,
encontrem-se no território estadual.
A norma estadual não é aplicável às seguintes hipóteses:
(i) recursos genéticos e quaisquer componentes ou substâncias
dos seres humanos;
(ii) ao intercâmbio de recursos genéticos, produtos derivados,
cultivos agrícolas tradicionais e/ou conhecimentos
tradicionais associados, realizado pelas comunidades locais
e pelas populações indígenas, entre si, para seus próprios
fins e baseado em sua prática costumeira.
Conforme determinação contida no artigo 11, o Poder Público,
a qualquer tempo, desde que existente perigo de dano grave e
irreversível decorrente de atividades praticadas sob o amparo
da Lei n9 1.235, de 9 de julho de 1997, deverá adotar medidas,
com critérios de proporcionalidade,7 destinadas a impedir o
dano, podendo, inclusive, sustar a atividade, especialmente em
casos de:
(i) perigo de extinção de espécies, subespécies, estirpes ou
variedades;
(ii) razões de endemismo ou raridade;
(Ui) condições de vulnerabilidade na estrutura ou
funcionamento dos ecossistemas;
(iv) efeitos adversos sobre a saúde humana ou sobre a
qualidade de vida ou identidade cultural das comunidades
locais e populações indígenas;
(v) impactos ambientais indesejáveis ou dificilmente
controláveis sobre os ecossistemas urbanos e rurais;
(vi) perigo de erosão genética ou perda de ecossistema, de
seus recursos ou de seus componentes, por coleta indevida ou
incontrolada de germoplasma;
(vii) descumprimento de normas e princípios de biossegurança
ou de segurança alimentar; e
(viii) utilização dos recursos com fins contrários aos
interesses municipais, estaduais e nacionais.
A adoção de tais medidas extremas, evidentemente, somente
pode ser feita por decisão fundamentada do órgão competente,
pois o acesso à diversidade biológica é regido por contrato
entre as partes e a intervenção do Poder Público é uma exceção
que só encontra validade jurídica em uma fundamentação
conforme o Direito, sob
7 A lei, como se vê, determina expressamente que o
administrador guarde uma relação entre a dimensão do dano
sofrido ou a ser evitado e a penalidade aplicada. A não-
observância de proporcionalidade acarreta a invalidade da
pena.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
pena de nulidade absoluta. É importante frisar que o próprio
legislador estadual demonstrou preocupação - acertadamente -
com a utilização da proteção ambiental como barreira
comercial, ao estabelecer no parágrafo 29 do artigo 11 que: as
medidas previstas neste artigo não poderão se constituir
obstáculo técnico ou restrição comercial encobertos.
Realçando, pois, a necessidade da fundamentação para a ces-
sação da atividade, em função de defesa ambiental.
O § l9 do artigo 11 adota o princípio da precaução, na
defesa do meio ambiente, ao estabelecer que: a falta. de
certeza científica absoluta sobre o nexo causal entre a ati-
vidade de acesso aos recursos genéticos e o dano não poderá
ser alegada para postergar a adoção das medidas eficazes
requeridas. É de se observar, contudo, que a norma de acesso à
diversidade biológica tem por objetivo assegurar a utilização
sustentável dos recursos genéticos. O espírito do acesso à
diversidade biológica é o da utilização sustentável dos
recursos. Um ponto muito importante que necessita ser
ressaltado é que a utilização em níveis muito elevados dos
recursos genéticos pode levar à extinção dos recursos
genéticos in situ, o que é totalmente contrário aos objetivos
da CDB.
2.4. Obrigações Institucionais do Poder Público
A Gestão estadual do acesso aos recursos genéticos e ao
conhecimento tradicional associado está contemplada entre as
atribuições da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Ciência e
Tecnologia, que deve planejar, coordenar, supervisionar, con-
trolar e avaliar o desenvolvimento das atividades de acesso
aos recursos genéticos, sendo especificamente incumbida de:
(i) produzir, anualmente, o relatório dos níveis de ameaça à
biodiversidade estadual e dos impactos potenciais de sua
deterioração sobre o desenvolvimento sustentável;
(ii) elaborar as diretrizes técnicas e científicas para o
estabelecimento de prioridades para a conservação de
ecossistemas, espécies e genes, baseadas em fatores como o
endemismo, a riqueza e o inter-relacionamento de espécies e
seu valor ecológico e, ainda, nas possibilidades de gestão
sustentável;
(iii) estabelecer, em conjunto com organismos de pesquisa
estaduais, federais e municipais, e com as comunidades
locais, listas dos recursos genéticos ameaçados de extinção
ou de deterioração e dos locais ameaçados por graves perdas
da diversidade biológica;
(iv) estabelecer mecanismos que possibilitem o controle e a
divulgação das informações referentes às ameaças à
diversidade biológica estadual;
(v) desenvolver planos, estratégias e políticas para conservar
a diversidade biológica e assegurar que o uso dos seus
elementos seja sustentável;
(vi) acompanhar as pesquisas e inventários da diversidade
biológica estadual e desenvolver um sistema para organizar e
manter esta informação;
(vii) apoiar a criação e o fortalecimento de unidades de
preservação a fim de conservar espécies, habitats,
ecossistemas representativos e a variabilidade genética
dentro das espécies;
Direito Ambiental
(viii) controlar e prevenir a introdução de espécies
exóticas no território estadual;
(ix) criar facilidades para o desenvolvimento e para o
fortalecimento das atividades de conservação ex sita da
diversidade biológica do Estado;
(x) realizar estudos que visem à modificação dos cálculos das
contas estaduais, a fim de que estes reflitam as perdas
econômicas resultantes da degradação dos recursos biológicos
e da perda da biodiversidade; e,
(xi) identificar as prioridades para a formação de pessoal
capacitado para proteger, estudar e usar a biodiversidade.
2.5. Acesso aos Recursos Genéticos
A Lei Estadual dividiu o acesso aos recursos genéticos em
duas grandes espécies; (i) condições in sita; e (ii) condições
ex-sita. Tal critério é idêntico ao adotado pela CDB. Passo a
examinar ambas as hipóteses.
2.5.1. Acesso em Condições In Situ
Pessoas físicas ou jurídicas, nacionais, estrangeiras ou
internacionais8 somente poderão requerer autorização para
acesso de espécies em condições in sita. No caso de
instituição estrangeira, o contrato de acesso, no entanto,
deverá ser escrito9 e as atividades de acesso, necessariamente,
desempenhadas por instituição de pesquisa, pública ou privada
nacional, de livre escolha do interessado, desde que
autorizado pelo órgão estadual competente.
Os contratos para o acesso aos recursos genéticos em
condições in situ dividem- se em três modalidades: (i)
contrato de acesso; (ii) contrato acessório; e (iii) contratos
conexos. O contrato de acesso viabiliza o acesso aos recursos
genéticos, mediante acordo mútuo entre o Estado, o provedor
dos recursos genéticos ou do detentor do conhecimento
tradicional associado; o contrato acessório assegura a
utilização do conhecimento tradicional associado e prevê a
repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização; os
contratos conexos são aqueles indispensáveis à implantação e
desenvolvimento de atividades relacionadas ao acesso aos
recursos genéticos.
2.5.1.1. Condições para a Obtenção da Autorização
A solicitação de acesso deverá ser feita acompanhada dos
seguintes documentos, no mínimo:
(i) identificação completa:
a. do solicitante, que deve ter capacidade jurídica para
contratar e capacidade técnica comprovada;
8 Provavelmente a norma quis se referir a organizações
internacionais.
9 Não vejo como possa ser possível a celebração de contratos
não escritos, pois contratos puramente verbais não podem
assegurar repartição justa e equitativa dos benefícios
decorrentes do acesso à diversidade biológica. Por outro
lado, a própria presença de partes públicas impõe a
formalidade nos contratos.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
b. das pessoas ou entidades associadas ou de apoio e do
provedor dos recursos genéticos, produtos derivados ou de
conhecimento tradicional;
(ii) informação completa sobre o cronograma de trabalho
previsto, orçamento e as fontes de financiamento;
(iii) informação detalhada e especificada dos recursos
genéticos, produtos derivados ou conhecimento tradicional a
que se pretende ter acesso, incluindo seus usos atuais e
potenciais, sua sustentabilidade ambiental e os riscos que
possam decorrer do acesso;
(iv) descrição circunstanciada dos métodos, técnicas, sistemas
de coleta e instrumentos a serem utilizados;
(v) localização precisa das áreas onde serão realizados os
procedimentos de acesso;
(vi) indicação do destino do material coletado e seu
provável uso posterior.
Quando se tratar da hipótese de acesso a conhecimento
tradicional, além da documentação antes descrita, o projeto
deverá vir acompanhado de um protocolo de visitas à comunidade
local ou população indígena e das informações recolhidas de
fonte, oral ou escrita, relacionadas ao conhecimento
tradicional. Admite-se a hipótese da necessidade de Estudo de
Impacto Ambiental, a ser exigido pelo órgão estadual, após
despacho fundamentado. Note-se que o Estudo de Impacto
Ambiental não é a regra, pois, em tese, a utilização dos
recursos genéticos é feita de forma sustentável, Se assim não
for, penso, o próprio espírito da CDB estará sendo violentado.
O artigo 15 estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias, após a
publicação da solicitação e proposta de acesso, para que a
SECTMA emita parecer técnico e legal sobre a procedência ou
improcedência da solicitação. É importante observar que o
artigo 16 determina a motivação da decisão do órgão público. O
indeferimento encerra o procedimento administrativo. O
deferimento deve ser publicado, no prazo de 10 (dez) dias, no
Diário Oficial e no órgão de comunicação da imprensa local de
maior circulação, seguindo-se a negociação e elaboração do
contrato de acesso.
2.5.2. Contrato de Acesso
O contrato de acesso aos recursos genéticos, quando
celebrado no Estado do Acre, tem como partes obrigatórias as
seguintes: (i) o Estado, representado pela SECTMA; (ii) o
solicitante do acesso; (iü) o provedor do conhecimento
tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, nos casos de
contrato de acesso que envolva estes componentes. Na hipótese
em que a solicitação de acesso envolva conhecimento tra-
dicional ou cultivo agrícola domesticado, o contrato de acesso
deverá ser seguido de um contrato acessório de utilização de
conhecimento tradicional ou de cultivo agrícola domesticado.
Tal contrato deverá constar de anexo ao contrato de acesso e,
necessariamente, ser firmado pelo Estado do Acre, pelo
provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola
domesticado e pelo solicitante. Nele deve estar pactuada a
compensação justa e equitativa relativa aos benefícios
provenientes da utilização de tal conhecimento tradicional.
| Direito Ambiental
Há uma particularidade a ser observada: os contratos conexos
devem ser apresentados à autoridade pública antes da
celebração do contrato de acesso. A instituição pública ou
privada que for indicada para exercer o apoio institucional
deve ser aprovada pelo órgão ambiental; tal aprovação,
entretanto, não implica assunção de qualquer responsabilidade
solidária do órgão ambiental em relação à instituição em tela,
no que diz respeito ao contrato.
O contrato de acesso deve ter, além das cláusulas
acordadas10 entre as partes, as seguintes cláusulas
obrigatórias:
(i) definição do objeto do contrato, tal qual registrado na
solicitação e proposta de acesso, que se toma como
integrante do contrato;
(ii) indicação dos benefícios de toda ordem (econômicas,
sociais, técnicas, tecnológicas, biotecnológicas,
científicas e culturais), assinalando-se sua distribuição
inicial e posterior;
(iii) determinação da titularidade de eventuais direitos de
propriedade intelectual e de comercialização dos produtos e
processos obtidos e das condições para concessão de
licenças;
(iv) determinação das formas de identificação de amostras que
permitam o acompanhamento das atividades de bíoprospecção;
(v) obrigação do solicitante de não ceder ou transferir a
terceiros o acesso, manejo ou utilização dos recursos
genéticos e seus produtos derivados sem o consentimento
expresso da SECTMA e, quando for o caso, das comunidades
locais ou populações indígenas detentoras do conhecimento
tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, objetos do
procedimento de acesso;
(vi) compromisso do solicitante de comunicar previamente à
SECTMA sobre as pesquisas e utilizações dos recursos
genéticos e produtos derivados objetos do acesso;
(vii) compromisso do solicitante de transmitir à SECTMA os
relatórios e demais publicações que realize com base nos
recursos genéticos e produtos derivados objetos do acesso;
(viii) compromisso do solidtante de informar previamente à
SECTMA sobre a obtenção de produtos ou processos novos ou
distintos daqueles objeto do contrato;
(ix) obrigação do solicitante de apresentar à SECTMA
relatórios periódicos dos resultados alcançados;
(x) compromisso do solicitante de solicitar a prévia
autorização da SECTMA para a transferência ou movimentação
dos recursos genéticos e produtos derivados para fora das
áreas designadas para o procedimento de acesso;
(xi) obrigação de depósito obrigatório de amostras do recurso
genético e produtos derivados objetos do acesso, incluindo
todo material associado, em instituição designada pela
SECTMA, com expressa proibição de saída do Estado de
amostras únicas;
10 Art. 20.
çoíw - crmg wmor msm. jurídica
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(xii) indicação dos mecanismos de captação, distribuição,
movimentação e transferência das amostras;
(xiii) eventuais compromissos de confidencialidade, pelas
partes contratantes, sobre aspectos que envolvam direitos de
propriedade intelectual;
(xiv) eventuais compromissos de exclusividade de acesso em
favor do solicitante, sempre que estejam de acordo com a
legislação estadual e nacional sobre a livre-concorrência;
(xv) estabelecimento de garantia que assegure o ressarcimento,
em caso de des- cumprimento das estipulações do contrato por
parte do solicitante;
(xvi) estabelecimento de cláusula de indenização por
responsabilidade contratual, extracontratual e por danos ao
meio ambiente;
(xvii) submissão a todas as demais normas estaduais e
nacionais, em especial as de controle sanitário, de
biossegurança, de proteção do meio ambiente e aduaneiras;
(xviii) disponibilização à SECTMA do conhecimento gerado e
informação resultante dos trabalhos desenvolvidos;
(xix) participação estadual nos benefícios econômicos, sociais
e ambientais dos produtos e processos derivados das
atividades de acesso.
O contrato de acesso deve ter prazo de vigência não superior
a 5 (cinco) anos, a contar da data de sua assinatura, podendo
ser renovado por período igual ao do contrato original,
A Lei admite, ainda, a celebração de contratos provisórios,
sem a observância das determinações das alíneas c e jf do art.
13, desde que observados os ditames do zoneamento ecológico
econômico do Estado e que atendam o seguinte:
(i) prazo de vigência máxima de 2 (dois) anos, a contar da
data da assinatura, não sendo renovável;
(ii) elaboração de relatório circunstanciado da bioprospecção
realizada, a ser entregue à SECTMA até 180 (cento e oitenta)
dias contados da data de término do contrato, e que terá
tratamento confidencial até o prazo de 1 (um) ano do término
do contrato;
(iii) não-utilização comercial de produtos ou processos
obtidos a partir de procedimentos de acesso executados no
âmbito dos contratos provisórios;
(iv) o acesso aos recursos genéticos encontrados na área
dependerá de autorização e contratos de acesso não
provisórios;
(v) ao contratante do contrato provisório deve ser assegurada
prioridade para receber autorização e firmar contrato de
acesso aos recursos genéticos prospectados na área, podendo
exercer essa prioridade até o prazo de 1 (um) ano da data de
término do contrato provisório.
O art. 23 admite a confidencialidade dos dados e
informações, contidos na solicitação, na proposta, na
autorização e no contrato de acesso, que possam ser utilizados
de forma a caracterizar concorrência desleal por terceiros,
salvo quando seu
Direito Ambientai
conhecimento público for necessário para proteger o interesse
público ou o meio ambiente. É evidente que a regra é a
confidencialidade das informações comerciais. A administração
somente poderá tomar tais informações públicas com base em um
parecer fundamentado e após a oitiva da parte interessada. O
parágrafo primeiro determina que o solicitante de acesso,
mediante petição justificativa, acompanhada de um resumo não-
confidencial, proceda ao requerimento de confidencialidade. A
matéria confidencial ficará em poder da autoridade competente,
somente podendo ser divulgada a terceiros por ordem judicial.
A confidencialidade não se aplica, segundo o § 32, do artigo
23, sobre as informações previstas nas alíneas a, d e e do
art. 13.
O art. 25 determina que: Serão ntdos os contratos que se
firmem com violação a esta Lei, podendo ser decretada a
nulidade de oficio pela SECTMA ou a requerimento de qualquer
pessoa.
2.5.2.1. Execução e Acompanhamento dos Contratos de Acesso
Em função da matéria, os contratos de acesso, no Estado do
Acre, devem ser acompanhados em sua execução por uma
instituição técnico-científica brasileira detentora de
reconhecido conceito na área de conhecimento referente ao
contrato, que será designada pelo órgão gestor da diversidade
biológica estadual. Ressalte-se que a mencionada instituição,
conforme determinação contida no parágrafo único do artigo 31,
responde solidariamente pelo cumprimento das obrigações
assumidas pela pessoa fisica ou jurídica autorizada ao
desenvolvimento dos trabalhos. O acompanhamento da execução é
feito com o objetivo de verificar se os termos do contrato de
acesso estão sendo cumpridos, assim como velar pela
observância da autorização, e, em especial, assegurar que:
(i) o acesso seja feito exclusivamente aos recursos genéticos
e produtos derivados autorizados, quando não for o caso do
contrato provisório, e na área estabelecida;
(ii) sejam conservadas as condições ambientais da região onde
se desenvolvem os trabalhos;
(iii) haja permanentemente a participação direta de um
especialista da instituição supervisora;
(iv) seja feito um informe detalhado das atividades realizadas
e do destino das amostras coletadas;
(v) tenham sido entregues amostras das espécies coletadas para
serem conservadas ex situ, em instituição designada pela
SECTMA.
2.5.2.2. Retribuição
O artigo 33 da Lei admite que o Estado poderá exigir, das
pessoas físicas ou jurí
dicas autorizadas a realizar trabalhos de levantamento e de
coleta de recursos da
diversidade biológica, compensação financeira ao Estado por
este uso. O volume de
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
recursos arrecadados é destinado ao Fundo Especial de Meio
Ambiente do Estado do Acre, instituído pelo art, 131 da Lei n2
1.117, de 26 de janeiro de 1994. É importante frisar que tal
“compensação financeira” é uma receita patrimonial do Estado
e, em minha opinião, precisa ter os seus critérios e valores
de cobrança definidos por lei, não bastando uma menção
genérica na lei que a criou. Da forma em que está tratada na
Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre» ela é
inexigível.
2.5.2.3. Disposições Gerais sobre os Contratos de Acesso
As permissões, autorizações, licenças, contratos e demais
documentos que amparem a pesquisa, coleta, obtenção,
armazenamento, transporte ou outra atividade similar ao acesso
aos recursos genéticos, vigentes na data de publicação desta
lei, de acordo ou não com suas disposições, não condicionam
nem presumem a autorização para o acesso. O transporte do
material coletado somente pode ser feito dentro das condições
da autorização e das estabelecidas no contrato; qualquer
modificação deve ser comunicada às autoridades públicas
competentes. O mesmo se dá em relação ao manuseio do material
coletado, sob pena de responsabilidade.
A autorização, ou contrato, para acesso aos recursos
genéticos, não deve ser entendida como autorização para sua
remessa ao exterior. Esta deve ser precedida de autorização do
govemo estadual, bem como do governo federal, que é o
competente para legislar sobre qualquer forma de comércio
exterior.
O Poder Público estadual não reconhece direitos sobre
recursos genéticos e seus produtos derivados obtidos ou
utilizados em descumprimento da lei, não admitindo como
válidos títulos de propriedade intelectual ou similares sobre
tais recursos ou sobre produtos ou processos resultantes do
acesso em tais condições.
2.5.2.4. Contratos Conexos de Acesso
Os contratos conexos de acesso são aqueles necessários à
implantação e desenvolvimento de atividades relacionadas ao
acesso aos recursos genéticos, sendo celebrados entre o
solicitante de acesso e: (i) o proprietário ou possuidor de
sítio onde se localize o recurso genético; e (ii) a
instituição pública ou privada que sirva de apoio nacional
para as atividades de acesso, envolvendo obrigações que não
devam fazer parte do contrato de acesso. Eles devem possuir
uma cláusula obrigatória, mediante a qual as partes deverão
estipular uma participação justa e equitativa dos benefícios
resultantes do acesso ao recurso genético, indicando-se
expressamente a forma de tal participação.
A simples celebração de um contrato conexo não autoriza o
acesso ao recurso genético e seu conteúdo se subordina ao
disposto no contrato de acesso e com o estabelecido na lei.
Eles devem, necessariamente, incluir cláusula suspensiva,
condicionando o seu cumprimento à execução do contrato de
acesso. Sem prejuízo do avençado no contrato conexo e
independentemente deste, a instituição pública ou privada de
apoio nacional estará obrigada a colaborar com a autoridade
competente nas atividades de acompanhamento e controle de
atividades de acesso e a apresentar relatórios
Direico Ambiental
sobre as atividades sob sua responsabilidade, na forma e
periodicidade que a autoridade determinar e que devem ser
adequadas à natureza dos trabalhos contratados. Como o
contrato conexo ao de acesso é acessório em relação a este, a
nulidade do contrato principal acarreta a nulidade do
acessório. Observe-se, entretanto, que, na hipótese em que o
contrato conexo, declarado nulo, for indispensável para a
execução do contrato principal, o órgão gestor poderá declarar
a nulidade do próprio contrato de acesso.
A modificação, suspensão, rescisão ou resolução do contrato
conexo poderá implicar a modificação, suspensão, rescisão ou
resolução do contrato de acesso pela autoridade competente,
caso elas sejam de tal ordem que impliquem alteração subs-
tancial do próprio contrato principal.
2.6. Acesso aos Recursos em Condições Ex Situ
A lei autoriza o Estado do Acre, por sua secretaria de Meio
Ambiente, a celebrar, com terceiros, contratos de acesso a
recursos genéticos que estejam depositados em centros de
conservação ex sita localizados no território estadual. Não
havendo incompatibilidade lógica, aplicar-se-ão as normas
relativas ao acesso in situ, para as hipóteses do acesso ex
situ. Para os efeitos da lei, os acordos de transferência de
material ou análogos entre centros de conservação ex situ ou
entre estes centros e terceiros, internamente ou mediante
importação ou exportação, são considerados modalidades de
contrato de acesso.
2.7. Proteção do Conhecimento Tradicional Associado aos
Recursos Genéticos
Este é mais um tema bastante sensível, pois, como é do
conhecimento de todos, ainda não se logrou estabelecer um
mecanismo de proteção aos conhecimentos tradicionais
associados aos recursos da diversidade biológica que seja
unanimemente aceito pela comunidade internacional e,
principalmente, pelas comunidades locais e populações
indígenas. De qualquer forma, a Lei do Estado do Acre
determina em seu artigo 41 que: o Poder Executivo Estadual
reconhece e protege os direitos das comunidades locais de se
beneficiar coletivamente por suas tradições e conhecimentos e
de serem compensadas pela conservação dos recursos biológicos
e genéticos, seja mediante direitos de propriedade intelectual
ou de outros mecanismos. Segundo o parágrafo único do artigo
41, a proteção aos conhecimentos, inovações e práticas
desenvolvidas mediante processos cumulativos de conservação e
melhoramento da biodiversidade, nos quais não é possível
identificar um indivíduo responsável diretamente por sua
geração, obedecerá a regras espedãcas para direitos coletivos
de propriedade intelectual.
A legislação estadual, na presente hipótese, enveredou por
caminhos bastante ousados, se considerarmos a sua competência
constitucional. Nos termos do sistema constitucional
brasileiro, não cabe aos Estados legislar sobre propriedade
intelectual, pois tal competência é da União. O fato é que a
lei estadual criou a figura jurídica dos direitos coletivos de
propriedade intelectual, que não encontra amparo na Lei ns
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica |
9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações
relativas à propriedade industrial bem como não encontra
respaldo na Lei n2 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. A norma estadual, no
entanto, aponta um problema real: a inexistência de uma norma
no ordenamento interno que possa servir de proteção aos
direitos de propriedade intelectual das comunidades locais e
populações indígenas. Como foi visto anteriormente, o Decreto
Federal n2 3.551, de 4 de agosto de 2000, é, ainda, muito
tímido, pois se limita a estabelecer um registro do patrimônio
imaterial. Em todo caso, na forma do artigo 42 da lei
estadual, os direitos coletivos de propriedade intelectual
constituem o reconhecimento de direitos adquiridos
ancestralmen- te, englobando direitos de propriedade
industrial, direitos de autor, direitos de melhoria, segredo e
outros.
Os termos da lei local são muito contraditórios, pois criam
um direito estadual que se apoia em direitos reconhecidos no
nível federal, sem definir, claramente, o que são tais
direitos. Não liá que se falar em direitos adquiridos - do
ponto de vista técnico legal pois direitos adquiridos são
aqueles que se constituem na forma da lei. É evidente que a
norma estadual, ao utilizar a expressão direitos adquiridos,
não o fez em sentido técnico jurídico, mas, ao contrário,
baseou-se em uma reivindicação cultural e moral de validação e
reconhecimento das práticas de conhecimento tradicional.
Feitas estas observações, retomo a explanação da lei estadual.
O artigo 43 determina que: Os direitos coletivos de
propriedade intelectual serão regulamentados no prazo de 1
(um) ano contado da publicação desta lei, obedecendo às
seguintes diretrizes: I - identificação dos tipos de direitos
de propriedade intelectual que se reconhecem em cada caso; II
- definição dos requisitos e procedimentos exigidos para que
seja reconhecido o direito intelectual coletivo e a titu-
laridade do mesmo; III ~ definição de um sistema de registro
coletivo, de procedimentos e de direitos e obrigações dos
titulares.
O artigo 44 da Lei Estadual assegurou o direito às
comunidades locais de não permitir a coleta de recursos
biológicos e genéticos e o acesso ao conhecimento tradicional
em seus territórios, assim como o de exigir restrições a estas
atividades fora de seus territórios, quando se demonstre que
estas atividades ameacem a integridade de seu patrimônio
natural ou cultural. Esta é uma exceção, pois a regra da CDB é
o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional
associado. É evidente, portanto, que a negativa deve ser
fundamentada.
Por força do artigo 45, o Estado do Acre não reconhece
direitos individuais de propriedade intelectual, registrados
dentro ou fora do Estado, relativos a recursos biológicos ou
genéticos, derivados deles ou processados respectivos, quando:
I - utilizem conhecimento coletivo de comunidades locais; ou
II - tenham sido adquiridos sem o certificado de acesso e a
licença de saída do Estado.
2.8. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia
Compete ao Poder Executivo Estadual promover e apoiar o
desenvolvimento de tecnologias estaduais sustentáveis para o
uso e melhoramento de espécies, estirpes e
Direito Ambiental
variedades autóctones e dar prioridade aos usos e práticas
tradicionais dentro dos territórios das comunidades locais, de
acordo com suas aspirações. É permitida a utilização de
biotecnologias estrangeiras, sempre e quando estas se submetam
aos termos da Lei Estadual e demais normas sobre
biosseguxança, e quando a empresa interessada assumir,
integralmente, a responsabilidade por qualquer dano, presente
e futuro, à saúde, ao meio ambiente ou às culturas locais.
2.9. Sanções Administrativas
A Lei determina, em seu Artigo 50, que o Poder Executivo
estabeleça, em regulamento, o sistema de sanções
administrativas que se aplicarão aos infratores das normas de
aceso à diversidade biológica, contemplando as seguintes
medidas punitivas:
(i) advertência por escrito;
(ii) apreensão preventiva do recurso coletado, assim como de
materiais e equipamentos utilizados na ação irregular;
(iii) multa diária cumulativa;
(iv) suspensão do registro, permissão, licença ou autorização
de acesso ao recurso legalmente concedido;
(v) revogação da permissão ou licença para acesso ao
recurso;
(vi) apreensão definitiva do recurso coletado, dos materiais e
equipamentos utilizados na ação irregular;
(vii) embargo da atividade;
(viii) destruição ou inutilização do produto;
(ix) cancelamento do registro, licença ou autorização
legalmente concedido;
(x) intervenção no estabelecimento.
3. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá
3.1. Disposições Gerais
O Estado do Amapá, de forma inovadora e pioneira, editou a
Lei nô 388, de 3 de dezembro de 1997, que dispõe sobre os
instrumentos de controle do acesso à biodiversidade do Estado
do Amapá e dá outras providências. Tal lei teve por finalidade
precípua preencher a lacuna causada pela ausência de uma norma
federal sobre o tema. A lei está dividida em seis capítulos
que se desenvolvem ao longo de 19 artigos.
A lei inicia com o estabelecimento de tuna obrigação para o
Poder Público, que é de preservar a diversidade, a integridade
e a utilização sustentável dos recursos genéticos localizados
no Estado do Amapá e fiscalizar as entidades dedicadas à pes-
quisa e manipulação de material genético. Para tal, o artigo Ia
estabeleceu os princípios que constam de seus quatro incisos e
que são os seguintes:
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(i) inalienabilidade dos direitos sobre a diversidade
biológica e sobre os recursos genéticos existentes no
território do Estado do Amapá;
(ii) participação das comunidades locais e dos povos indígenas
nas decisões que tenham por objetivo o acesso aos recursos
genéticos nas áreas que ocupam;
(iii) participação das comunidades locais e dos povos
indígenas nos benefícios econômicos e sociais decorrentes
dos trabalhos de acesso a recursos genéticos localizados no
Estado do Amapá;
(iv) proteção e incentivo à diversidade cultural, valorizando-
se os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades
locais sobre a conservação, uso, manejo e aproveitamento da
diversidade biológica e genética.
O controle e a fiscalização do acesso aos recursos genéticos
têm por objetivo a proteção, conservação e utilização
sustentável do patrimônio natural do Estado do Amapá,
aplicando-se as disposições da lei a todas as pessoas físicas
e jurídicas que extraiam, usem, aproveitem, armazenem,
comercializem, liberem ou introduzam recursos genéticos no
Estado do Amapá. O artigo 39 estabelece um largo espectro de
aplicação para a lei, pois determina que a mesma é aplicável
aos recursos biológicos e genéticos continentais, costeiros,
marítimos e insulares presentes no Estado do Amapá. É
importante frisar que as hipóteses de não-incidência da norma
estadual, definidas por ela própria em seu artigo 4a, são as
seguintes:
(i) ao todo, a suas partes e aos componentes genéticos dos
seres humanos;
(ii) ao intercâmbio de recursos biológicos realizados pelas
comunidades locais e pelos povos indígenas, entre si, para
seus próprios fins e baseados em sua prática costumeira.
Penso que a Lei que ora está sendo examinada, no aspecto
particular em que estabelece o seu campo de incidência,
provavelmente encontrará muitas dificuldades em afirmar a sua
constitucionalidade quando busca regular assuntos pertinentes
às comunidades indígenas e ao patrimônio da União que,
tradicionalmente, são de competência privativa da União, não
podendo ser tal competência exercida pelos Estados- Membros da
Federação, conforme tem sido reiteradamente decidido pelo
STF.11
11 AD3MC 1.499-PA. Ação Direta de Inconstitucionalidade,
Medida Cautelar. Rei. Min. Néri da Silveira. DJU 22/10/99,
p. 56, julgamento 5/9/96, Tribunal Pleno. Ementa: Ação
direta de ínconstitudonalidade. 2. Artigo 300 da
Constituição do Estado do Pará que dispõe sobre populações
indígenas e Lei Complementar estadual paraense zz8 31, de
14.2.1996, que institui o Conselho Estadual Indigenista
(CONEI), destinado ao atendimento e promoção do índio. 3.
Sustenta-se violação ao art. 22, XVI, da CF, que estabelece
competir privativamente à União legislar sobre “populações
indígenas”, bem assim ao art. 129, V, conjugado com o art
231, ambos da Lei Maior. 4. Falta ao Estado-Membro
competência legislativa para dispor acerca de populações
indígenas. A Constituição reserva essa competênda
legislativa à União, de forma privativa. Vido de
inconstitudonalidade formal 5. No que concerne ao
funcionamento do Conselho Indigenista, Lei Complementar n®
31/96, nada impede haja colaboração do Estado-Membro à
União, por via de convênio, no que concerne aos interesses
das comunidades indígenas existentes no território da
Unidade Federada. Não cabe ao Estado editar normas
legislativas sobre a espéde. 6. Relevantes os fundamentos da
inicial e conveniente a suspensão da vigênda dos
dispositivos impugnados, em conflito com a Constituição.
Direito Ambiental
3.2. Atribuições do Poder Público Estadual
Conforme determinação do artigo 52 da Lei estadual, compete
ao Poder Público, com vistas a assegurar o cumprimento da
norma em questão:
(i) criar comissão composta por representantes do Governo
Estadual, dos Municípios, da comunidade científica e de
organizações não-govemamentais, com o objetivo de coordenar,
avaliar e assegurar o desenvolvimento das atividades de
preservação da diversidade e da integridade do patrimônio
genético do Estado do Amapá, valendo-se da colaboração das
empresas privadas;
(ii) elaborar as diretrizes técnicas e científicas para o
estabelecimento de prioridades para a conservação de
ecossistemas, espécies e genes, baseadas em fatores como o
endemismo, a riqueza e o inter-relacionamento de espécies e
seu valor ecológico e, ainda, nas possibilidades de gestão
sustentável;
(iii) desenvolver planos, estratégias e políticas para
conservar a diversidade biológica e assegurar que o uso dos
seus elementos, seja sustentável;
(iv) estimular a criação e o fortalecimento de unidades de
conservação, a fim de conservar espécies, habitats,
ecossistemas representativos e a variabilidade genética
dentro das espécies; e
(v) capacitar pessoal para proteger, estudar e usar a
biodiversidade.
3.3. Acesso aos Recursos Genéticos
O artigo 6® da Lei Estadual determina que: Os trabalhos de
levantamento e de coleta de recursos da diversidade biológica
realizados no território do Amapá deverão ser previamente
autorizados pela autoridade competente, após apresentação de
requerimento pela pessoa física ou jurídica solicitante (...).
Tal requerimento, no mínimo, deverá ser acompanhado de
documento no qual constem, pelo menos:
(i) informação detalhada e especificada para a pesquisa dos
recursos a que deseja ter acesso, incluindo seus usos atuais
e potenciais, sua sustentabili- dade e os riscos que possam
decorrer do acesso;
(ii) descrição circunstanciada dos métodos, técnicas, sistemas
de coleta e instrumentos a serem utilizados;
(iii) localização precisa das áreas de acesso ao recurso;
(iv) indicação do destino do material coletado e seu
provável uso posterior.
Todos os trabalhos acima enumerados somente poderão ser
desenvolvidos se, obrigatoriamente, contarem com
acompanhamento de instituição técnico-científica brasileira de
reconhecido conceito na área objeto de pesquisa e que tenha
sido especialmente designada para tal tarefa pela autoridade
competente. A lei estabelece ainda a responsabilidade
solidária entre a instituição científica encarregada do acom
ESBJ - Ensaa Supsnor &sm Müçg
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
panhamento das pesquisas e a pessoa física ou jurídica
autorizada ao desenvolvimento dos trabalhos.
A autorização emitida pela autoridade competente dever
conter, além das informações prestadas pelo solicitante, todas
as demais obrigações a serem cumpridas, em especial:
(i) submissão a todas as demais normas nacionais, em especial
as de controle sanitário, de biossegurança, de proteção do
meio ambiente e aduaneiras;
(ii) garantia de participação estadual e nacional nos
benefícios econômicos, sociais e ambientais dos produtos e
processos obtidos pelo uso dos recursos genéticos
encontrados no território do Estado do Amapá;
(iii) garantia do depósito obrigatório de um espécime de cada
recurso genético acessado;
(iv) garantia às comunidades tradicionais indígenas, entre
outras, da remuneração por acesso aos direitos intelectuais
coletivos, que se darão na forma especificada no contrato de
acesso, sem que isso represente qualquer tipo de
transferência do controle do conhecimento.
O Poder Público estadual, em comum com a instituição por ele
designada para acompanhar os trabalhos de pesquisa que tenham
sido autorizados, deve acompanhar o cumprimento dos termos da
autorização e, especialmente, garantir:
(i) acesso, apenas, às espécies autorizadas;
(ii) conservação das condições ambientais da região na qual se
desenvolvem os trabalhos;
(iii) participação direta de especialista da instituição
supervisora;
(iv) realização de informe detalhado das atividades efetuadas
e do destino das amostras coletadas;
(v) tenha sido entregue um espécime da amostra coletada para
ser conservada ex sita.
O parágrafo único do artigo 9S admite a possibilidade de a
autoridade estadual exigir a realização de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental para os trabalhos que se busca autorizar.
As pessoas físicas ou jurídicas autorizadas a desenvolver
trabalhos de acesso aos recursos genéticos brasileiros são
obrigadas a comunicar às autoridades competentes quaisquer
informações referentes ao transporte de espécimes coletados,
sendo também responsáveis civil, penal e administrativamente
pelo inadequado uso ou manuseio de tais espécimes e pelos
efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da
diversidade biológica. A autorização de acesso ora em exame
não é válida para a remessa para o exterior do material
acessado, que somente poderá ser feita mediante a concessão de
autorização específica. E de se notar que a autorização de
acesso não permite uma utilização genérica do material
acessado, ao contrário, a utilização somente pode ocorrer nos
termos da autorização de acesso.
Direito Ambiental
O Estado do Amapá, na forma do artigo 13 da lei ora em
exame, não reconhece quaisquer direitos sobre recursos
genéticos que tenham sido obtidos ou utilizados em
desobediência à legislação própria sobre acesso à diversidade
biológica.
3.3.1. Introdução de Recursos Genéticos no Amapá
A Lei n 388/97 não se limitou a tratar do acesso aos
e
Direito Ambiental
Pela Carta Régia de Lei de 15 de outubro de 1827, no § 12 do
art. 5a, incumbia aos juizes de paz das províncias a
fiscalização das matas e zelar pela interdição do corte das
madeiras de construção em geral, por isto chamadas madeiras de
lei.
O Código Criminal de 1830, em seus artigos 178 e 257,
apenava o corte ilegal de madeiras.
A Lei n2 601, de 18 de setembro de 185028 - Lei de Terras,
muito embora não tenha sido elaborada em razão do problema
florestal, foi muito importante para o nosso tema. Como se
sabe, a referida lei estabeleceu que a aquisição de terras
somente poderia ser feita por compra. Pela lei em tela, fox
proibida a usucapião sobre terras públicas, doravante
considerada crime.
3.1.3. Período Republicano
A Revolução de 30 e o fim da República Velha trouxeram uma
alteração profunda na regulamentação legal da proteção das
florestas, pois a concepção jurídica predominante passou a ser
a da intervenção estatal na ordem econômica com o objetivo de
promover o desenvolvimento e de compensar determinadas
desigualdades sociais. A preocupação com as florestas e a
flora como importantes bens econômicos foi bem caracterizada
com a expedição do Decreto n9 23.793, de 23 de janeiro de 1934,
que foi o primeiro CFlo brasileiro. Também o novo Código Penal
trouxe mecanismos jurídicos, poucos é bem verdade, cujo
objetivo era o de proteger as florestas, principalmente contra
incêndios. Foi criado o Serviço Florestal (reorganizado pelo
Decreto n2 4.439, de 26 de julho de 1939). Apesar do esforço
legislativo realizado com a edição do CFlo, ele era um
instrumento débil e incapaz de enfrentar as gravíssimas
questões suscitadas pela atividade madeireira e a necessidade
de proteção legal das florestas. Segundo José Afonso da
Silva,30 o Código de 34 não fora suficientemente
intervencionista para ter a eficácia protetora adequada.
28 Paia uma análise completa da lei, Ruy Cime Lima. Pequena
História Territorial do Brasil (Sesmarias e Terras
Devolutas), Porto Alegre: Sulina, 1954, 23 ed., pp. 59 e
seguintes.
29 Osny Duarte Pereira. Ob. cit., p. 111.
30 Direito Ambiental Constitucional, São Paulo: Malheiros,
1994» p. 115.
Direito Ambiental
as condições atmosféricas e o número de requerimentos de
autorizações possam implicar acréscimo considerável de fumaça
na região.
As hipóteses de suspensão de queima controlada,
estabelecidas pelo artigo 14, são as seguintes: (i)
constatação de risco de vida, danos ambientais ou condições
meteorológicas desfavoráveis; (ii) a qualidade do ar atingir
índices prejudiciais à saúde humana, constatados por
instrumentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos como
parâmetros;126 (iii) os níveis de fumaça, originados de
queimadas,127 atingirem limites mínimos de visibilidade,
comprometendo e colocando em risco as operações aeronáuticas,
rodoviárias e de outros meios de transporte. Neste caso, a
queima controlada está sendo realizada pelo interessado.
O artigo 15 admite a suspensão ou o cancelamento da
autorização de queima controlada128 quando: (i) registrarem
riscos de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas
desfavoráveis; (ix) interesse e segurança pública; (iii)
descumprimen- to de normas vigentes.
5.2.4. Redução Gradativa do Emprego de Fogo
Por incrível que possa parecer, o CFlo, datado de 1965, teve
regulamentado o seu artigo 27 no ano de 1998, ocasião na qual
se estipulou a diminuição gradativa do emprego de fogo. Os
artigos 16 e 17 foram elaborados especificamente para as
lavouras de cana-de-açúcar que, como se sabe, é um dos setores
mais atrasados e recalcitrantes ao adequado cumprimento das
normas de proteção ambiental, ressalvadas as exceções usuais.
O artigo 16 do Decreto ns 2.661, de 8 de julho de 1998,
estabelece um prazo de 20 (vinte) anos (!!!!) após a sua
publicação para a eliminação do fogo como método despalhador e
facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de
mecanização129 da colheita.130
5.3. Conclusão
O decreto que acabou de ser comentado, ao regulamentar a
proibição de uso de fogo, conforme previsto no artigo 27 do
CFlo, em minha opinião, foi extremamente
126 Aqui exige-se que o órgão ambiental faça uma prova técnica
no sentido de que as queimas controladas devem ser
suspensas. A orientação do decreto não me parece a melhor,
pois nem sempre estão disponíveis os aparelhos adequados
para uma boa medição da qualidade do ar. Penso que se há uma
proibição de uso de fogo ~ regra geral estabelecida pelo
artigo 27 do CFlo o poder regulamentar não poderia impor à
administração que fizesse prova da impossibilidade da
produção de fogo. Parece-me que o decreto, data venia,
inverteu os termos da equação.
127 A queimada não se confunde com a queima controlada, pois a
primeira é feita à margem da lei.
128 A queima controlada está apenas autorizada, mas não está
sendo realizada.
129 Declividade inferior a 12% (doze por cento).
130 Alt. 16. O emprego do fogo, como método despalhador e
facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de
mecanização da colheita, será eliminado de forma gradativa,
não podendo a redução ser inferior a um quarto da área
mecanizável de cada unidade agro-industríal ou propriedade
não vinculada a unidade agro-industrial, a cada período de
cinco anos, contados da data de publicação deste Decreto.
tolerante com a utilização de fogo nas atividades que
menciona. Não se desconhece que a utilização de fogo na
agricultura ainda é uma prática corrente. Contudo, desta
constatação de fato até uma ampla liberdade para a utilização
do fogo, como é o caso presente, existe uma imensa distância
que, até prova em contrário, não foi considerada pelo Decreto
n2 2.661/98.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Capítulo XXIII Áreas de Preservação Permanente e Unidades de
Conservação
1. Fundamentos Constitucionais das Áreas Protegidas e das
Unidades de Conservação
As bases constitucionais para que o Poder Público possa
instituir unidades de conservação encontra-se no inciso III do
artigo 225 da Lei Fundamental. O inciso em referência
determina que é da atribuição do Estado:
III — definir, em todas as unidades da federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
A norma constitucional estabelece uma obrigação de fazer,
cujo destinatário é o Poder Público em todos os três níveis de
Administração Pública existentes na federação* Por força da
determinação constitucional, este deverá definir não só as
áreas a serem especialmente protegidas, bem como deverá
indicar quais dos elementos existentes no seu interior não
merecem proteção especial.
A demarcação das áreas protegidas é feita com base no poder
de polícia e de delimitação legal do exercício de direitos
individuais, em benefício da coletividade de que é dotada a
Administração Pública. Utilizo a expressão delimitação, visto
que, na concepção que adoto, os direitos são exercidos dentro
dos contornos legais sob os quais foram inscritos na ordem
jurídica. Desta forma, não há uma limitação de direitos, mas o
seu exercício, no interior do círculo estabelecido pela
própria lei. Sendo assim, a definição de áreas a serem
especialmente protegidas poderá ser feita mediante leis ou
decretos, conforme o caso. Contudo, nos termos da norma
constitucional, a supressão e a alteração de áreas protegidas
somente poderão ser feitas por lei. A expressão lei deve ser
entendida em seu sentido formal. O constituinte atribuiu à
Administração o dever de demarcar áreas a serem especialmente
protegidas, porém não admitiu que esta mesma Administração
pudesse promover alterações ou supressões destas áreas sem o
consentimento do Congresso Nacional. A Constituição não
proibiu que todas as áreas merecedoras de especial proteção
legal pudessem ser utilizadas e exploradas economicamente;
contudo, proibiu utilização que alterasse as características e
os atributos que deram fundamento à especial proteção. A
questão coloca-se, portanto, no modelo de unidade de
conservação a ser adotado para cada um dos espaços
territoriais que venham a merecer uma especial proteção.
Melhor
Direito Ambiental
dizendo, a cada modelo de unidade de conservação corresponde
um determinado padrão de limitação de atividades econômicas,
sociais e recreacionais etc.
Em 1995, o Brasil possuía 34 Parques Nacionais, 23 Reservas
Biológicas Federais, 30 Estações Ecológicas, 38 Florestas
Nacionais, 15 Áreas de Proteção Ambiental, 4 Reservas
Extrativistas e 6 Reservas Ecológicas.1 Somando-se as áreas
federais com as municipais e estaduais, chegar-se-á ao total
de 3,7% da superfície do País em áreas protegidas.2 Tal
percentual vem aumentando de forma bastante significativa nos
últimos anos, conforme nos demonstra a tabela abaixo:3
|2QÒ2 12002 12006 12006 j
'3':" %
Estação Ecológica 29 38.048 32 71.864
Monumento Natural 0 0 0 0
Parque Nadonai 52 170.09 219.43
3 62 4
Refúgio de Vida
Silvestre 2 1,282 3 1.448
Reserva Biológica 25 34.421 29 38.588
HÜSH
111111
111111
127,11 168.40
Floresta Nadonai 51 6 63 2
Reserva 102.27
Extrativista 30 51.776 51 6
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável 0 0 1 644
Reserva de Fauna 0 0 0 Ò
Área de Proteção 29 72.326 30 92.937
Ambiental
Área de Relevante
Interesse
Ecológico 17 432 17 432
mÊÊÊmm L
à
A simples instituição de unidades de conservação, sem que os
recursos para a sua manutenção sejam providenciados, merece
ser fortemente criticada. Admite-se, contudo, que a sua
instituição cria determinados complicadores legais para
aqueles que pretendam degradar a área protegida, o que seria
mais positivo do que deixar a região sem proteção legal
nenhuma, além das rotineiras. Outro problema que não pode ser
esquecido é o decorrente da instituição de unidades de
conservação em desrespeito aos mandamen
1 O desaSo do desenvolvimento sustentável — relatório do
Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, Brasília, 1991, p. 78.
2 Idem.
3
Http://sistemas.mma.gov.br/portalcnuc/index.php?ido=principa
Lmdex&idConteudo=6301& idEstnitura=119, vistidado aos 14 de
março de 2008.
Areas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
tos legais. Este tipo de prática acarreta, evidentemente, ônus
excessivos aos cidadãos, desequilibrando as relações sociais e
impondo despesas com desapropriações ao estado.
1.1. Áreas Protegidas Diretamente pela CF
Além da proteção genérica que é definida no inciso III do
artigo 225, deve ser considerado que a própria Lei
Fundamental, no § 42 do capítulo dedicado ao meio ambiente,
criou um regime jurídico especial de proteção para
determinadas parcelas do território nacional:
A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica,A a Serra
do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira são
Patrimônio Nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
À exceção do cerradcP e da caatinga,6 todos os demais
grandes ecossistemas brasileiros foram classificados como
patrimônio nacional e mereceram menção expressa pelo
legislador constituinte. Desnecessário dizer que,
evidentemente, a quase totalidade da população brasileira e de
suas atividades econômicas está situada no interior dos
ecossistemas incluídos no Texto Constitucional. Logicamente
que a presença de menção expressa de tais elementos na própria
Constituição tem por finalidade determinar ao legislador
ordinário que, em sua produção legislativa, estabeleça cri-
térios capazes de assegurar a sustentabilidade dos mencionados
ecossistemas sem que, no entanto, sejam vedadas atividades
econômicas, sociais e recreativas lícitas que, rotineiramente,
venham sendo praticadas nas regiões especialmente protegidas
pelo dispositivo inserido na CF. Penso que esta é a única
explicação possível para o conteúdo da norma constitucional,
pois o DA não é um Direito que se oponha às atividades
econômicas, ao contrário, é um Direito que tem por finalidade
a compatibi- lização do crescimento econômico com o respeito
às formas de vida existentes no planeta Terra, a
sustentabilidade dos recursos naturais renováveis e não
renováveis, com os direitos humanos fundamentais e,
consequentemente com a melhoria da qualidade de vida, desta e
das futuras gerações.
4 A Mata Atlântica tem a sua exploração econômica disciplinada
pela Lei n° 11.428, de 22 de dezembro de 2006. “Dispõe sobre
a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata
Atlântica, e dá outras providências.”
5 Iara Verocai Dias Moreira. Vocabulário Básico do Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA, 1992, 4» ed., p. 51: Tipo
de vegetação que ocorre ao Planalto Central Brasileiro, em
certas áreas da Amazônia e do Nordeste, em terreno
geralmente plano, caracterizado por árvores baixas e
arbustos espaçados, associados a gramineas, também
denominado campo cerrado.
6 Idem, p. 46: Palavra usada para vários tipos de vegetação no
Brasil: 1) A vegetação espinhosa da região seca do Nordeste.
Formas naturais são florestas baixas, floresta baixa aberta
com escrube fechado. Escrube fechado com árvores baixas
emergentes (o mais comum), escrube fechado (também comum),
escrube aberto, savana de escrube. 2) Floresta baixa,
escrube fechado ou aberto, savana de esparso, todos de com-
posição üorística especial, sobre areia branca podzolizada,
no Nordeste da Amazônia... (ACESP, 1980).
Direito Ambientai
Ainda que não constem da CRFB, na forma de referência
expressa, nem a caatinga nem o cerrado estão alheios ao
sistema constitucional de proteção ambiental. É da própria
essência do artigo 225 que ecossistemas essenciais, e da
magnitude dos dois que foram olvidados, não fiquem apartados
da especial proteção da Lei Fundamental da República. Aliás, o
esquecimento dos dois ecossistemas mencionados serve paia
demonstrar, cabalmente, que a tendência adotada pelo
constituinte não foi a mais adequada. Mais importante do que
publicar uma lista de bens que merecem ser elevados à
categoria de patrimônio nacional é, sem dúvida, estabelecer um
contorno preciso dos bens, de forma que possam ser enquadrados
em tal categoria jurídica. Com isso, assegura-se que, caso a
caso, o conceito possa ser preenchido adequadamente.
1.2. Patrimônio Nacional
A CF, em seus artigos 219 e 225, § 4e, utilizou-se do
conceito jurídico de Patrimônio Nacional, cujo conteúdo ainda
não foi precisamente estabelecido pela doutrina jurídica.
O conceito estabelecido pela CF deve ser interpretado,
tomando-se como parâmetro o conceito de Patrimônio Público e
Social. O conceito jurídico de patrimônio público já está
pacificado na doutrina e na legislação. Dogmaticamente,
podemos encontrá- lo no artigo l2 e §§ le e 25 da Lei da Ação
Popular (Lei nfi 4.717, de 29 de junho de 1965):
§13 Consideram-se patrimônio público, para fins referidos
neste artigo, os bens e direitos de valor econômico,
artístico, estético, histórico ou turístico. § 2S Em se
tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou
custeio o tesouro público concorra com pelo menos cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita ânua, bem como de
pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as
conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão
por limite a repercussão deles sobre a contribuição dos cofres
públicos.
Patrimônio, na definição de Karl Larenz, é uma conjunção de
direitos e relações jurídicas concretas em relação a uma
determinada pessoa à qual correspondem.7 O conceito
estabelecido pelo Direito Civil será importante para a
compreensão do conceito constitucional, mas não pode ser
interpretado de forma estrita. Observe-se, contudo, que na
ideia de patrimônio nacional ecológico, que efetivamente foi
como a Lei Fundamental da República tratou os ecossistemas
anteriormente mencionados, não está presente o sentido de
transferência do domínio privado para o domínio público da
União nem a transferência de bens pertencentes aos Estados e
Municípios para a União. Na hipótese constitucional, existe
uma simples manifestação do domínio eminente da nação sobre os
bens existentes em seu território, sem que isto implique o
esvaziamento do domínio útil ou do domínio pleno. O conceito
deve ser ope- racionalizado, de fato, como um interesse comum
de todos, tal qual o dispositivo existente no CFlo e que já
foi examinado em outro capítulo.
7Karl Larea2. Derecho Civil — Parte General, Madri: Reunidas,
1987, p. 405.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
De fato, a Constituição não determinou vima desapropriação
dos bens mencionados no § 6e, porém reconheceu que as relações
de Direito Privado, de propriedade e, mesmo de Direito
Público, existentes sobre tais bens devem ser exercidas com
cautelas especiais. Estas cautelas especiais justificam-se e
fundamentam-se, na medida em que os bens ambientais estão
submetidos a um regime jurídico especial, pois a fruição dos
seus benefícios genericamente considerados (que é de toda a
coletividade) não pode ser limitada pelos detentores de um dos
diversos direitos que sobre eles incidem. Não é, contudo,
apenas neste particular que se manifesta o contorno do direito
de propriedade. Uma de suas principais características,
certamente, é a obrigatoriedade da manutenção e preservação da
função ecológica. Tem-se, portanto, que o direito de
propriedade privada sobre os bens ambientais não se exerce
apenas no benefício de seu titular, mas em benefício da
coletividade.
2. As Diferentes Áreas Protegidas
Áreas protegidas são áreas que, devido às características
especiais que apresentam, devem permanecer preservadas. O grau
de preservação é variável, considerando-se o tipo de proteção
legal específico de cada uma das áreas consideradas
individualmente e a classificação jurídica que tenha sido
estabelecida para cada uma delas. A proteção pode variar desde
a intocábilidade até o uso diário e relativamente intenso. As
áreas protegidas são denominadas tecnicamente unidades de
conservação.
A concepção tradicional de áreas protegidas é a de que tais
áreas devem ser constituídas, essencialmente, por grandes
regiões que devem permanecer isoladas. Tal concepção, contudo,
tem sido alvo de severas críticas, pois, em geral, realiza-se
a proteção ambiental sem que se leve em conta a proteção da
vida humana que tradicionalmente se encontra no seu interior.
Esta questão será examinada mais adiante.
As áreas protegidas estão contempladas em diversos diplomas
legais. Isso, evidentemente, traz enormes dificuldades para a
compreensão e sistematização do papel que cada uma delas deve
desempenhar no interior do sistema nacional de unidades de
conservação. O principal diploma legal que trata do nosso
assunto é o CFlo, entretanto, ele não é o único texto legal a
fazê-lo.
2.1. Breve Histórico da Legislação
O primeiro parque nacional brasileiro foi criado no ano de
1937, no antigo Estado do Rio de Janeiro, em Itatiaia. Tal
criação se fez com base em dispositivos legais constantes do
CFlo de 1934. Em 1943, mediante a expedição do Decreto Le-
gislativo n9 3, de 13 de fevereiro de 1948, foi aprovada a
Convenção para a proteção da flora, da fauna e das belezas
cênicas naturais dos países da América, que introduziu em
nosso sistema jurídico outras categorias de unidades de
conservação. Em 1965, surgiu a Lei n® 4.771, que estabeleceu
novos critérios para o estabelecimento de áreas protegidas. A
grande inovação foi a diferenciação entre áreas que admitiam a
utilização e áreas que a inadmitáam. Em geral, a idéia inicial
que preside o estabelecimento das unidades de conservação é a
da criação de santuários de flora e fauna.
■IliBBBfiBBáiBI Direito Ambiental
aMi
Acirradas críticas vêm sendo opostas a tais concepções, pois,
não raras vezes, nas áreas destinadas à preservação, existem
comunidades tradicionais que são grandemente prejudicadas pelo
estabelecimento de áreas nas quais a presença de comunidades
humanas não deve ser admitida. Esta situação começa a ser
modificada com o estabelecimento de uma nova mentalidade que
busca, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente e as
populações que habitam no interior das áreas protegidas.
In the past, it was generally believed that protected areas
were places where boundaries of protection were estabUshed and
people were either kept out or removed. Today, as population
pressure increases and the rights of indigenous people and
local communities gain recognition and respect, an expanded
approach to protected areas is emerging. Wilderness areas are
shrinking, and human activity is spreading. For example, in
Latin America, 86 per cent of the national parks and protected
areas are inhabited or affected by people... in western and
northern Europe, 80 per cent of the national areas and
protected areas are used seasonally, mainly by pastoral people
grazing their flocks.8
A preocupação manifestada teve a oportunidade de ser bem
examinada pelo 4s Congresso Mundial de Parques Nacionais e
Áreas Protegidas, realizado em Caracas, no ano de 1992. No
Brasil, uma das respostas que têm sido dada às questões
mencionadas é o estabelecimento das chamadas Reservas
Extrativistas e outras unidades de conservação e viso
sustentável.
3. As Unidades de Conservação
Unidades de conservação são espaços territoriais que, por
força de ato do Poder Público, estão destinados ao estudo e
preservação de exemplares da flora e da fauna. As unidades de
conservação podem ser públicas ou privadas. O estabelecimento
de unidades de conservação foi o primeiro passo concreto em
direção à preservação ambiental.
As unidades de conservação no Brasil estão tratadas em lei
federal especificamente voltada para o tema e que será o
objeto principal deste capítulo.
3.1. Sistema Nacional de Unidades de Conservação como Sistema
Federal de Unidades de Conservação
Após uma longuíssima tramitação, o Projeto de Lei ne
2.892/92 foi finalmente aprovado pelo Congresso Nacional e se
transformou na Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000, que
regulamenta9 o art. 225, § l5, incisos I, II, III e VII, da CF,
institui o Sistema Nacional de Conservação da natureza e dá
outras providências. Mediante a
8 Qaude Martin. “Introducdon”, in Elizabeth Kempf (Editor),
Protecting índigenouspeoples inprotected aieas, San
Francisco: Sierra Club Books, 1993, p. xvii.
9 Merece ser observado que a Constituição não sofre
“regulamentação” pela Lei ordinária, pois esta não tem
poderes para tal O que ocorre é um mero adensamento da norma
constitucional, que passa a ser completada de molde a poder
exercer plenamente os seus efeitos sobre o mundo jurídico.
fcSE-J - tnsino -^upenor BUIBSU MÍSSS
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
edição de tal lei, o legislador ordinário buscou harmonizar as
diferentes unidades de conservação existentes no ordenamento
jurídico federal.10 A ideia de um sistema nacional significa
que todos os integrantes da Federação devem adotar o modelo
estabelecido pela Lei Federal que, no particular, deve ser
entendida como uma lei que estabelece uma hierarquia
organizacional entre os diferentes èntes federativos.
A Lei do SNUC não está compreendida na competência comum
para legislar sobre florestas, visto que as florestas estão
submetidas ao regime jurídico definido pelo CFlo e pelas leis
florestais estaduais. O SNUC trata, íundamentalmente, de áreas
instituídas pelo Poder Público com a finalidade de assegurar a
“conservação” de determinados valores ambientais e ecológicos
considerados relevantes pelo legislador constituinte. Em
apertada síntese, Milaré11 sustenta que “para a configuração
jurídico-ecológica de uma unidade de conservação deve haver: a
relevância natural; o caráter oficial; a delimitação
territorial; o objeto conservacionista; e o regime especial de
proteção e administração
Logo, a Lei do SNUC não é norma geral aplicável a qualquer
área florestada natural, até mesmo devido ao fato de que nem
toda Unidade de Conservação está situada em florestas. A sua
aplicação é bastante específica e típica. Ele é antes vim
Sistema Federal de Unidades de Conservação do que um Sistema
Nacional. Entender que o SNUC é uma lei federal e não
nacional12 é a consequência lógica do sistema federativo
brasileiro, visto que o SNUC, na sua essência administrativa,
é uma norma que se destina à organização do regime jurídico
dos bens públicos federais afetados à defesa do meio ambiente,
com as medidas conservacionistas e preservacionistas que se
fizerem necessárias para cada caso concreto.
De fato, o artigo 2513 da CF reconhece a capacidade de auto-
organização dos estados, observados os princípios
estabelecidos pela CF. Ora, não há qualquer princípio
constitucional, que se tenha por obrigatório para os Estados,
relacionado à forma pela qual eles exercerão a gestão de seus
bens imóveis, sejam eles Parques ou
10Destaque-se, entretanto, que o artigo 225 da CF não fala na
criação de um "sistema nacional” de unidades de conservação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e faturas gerações. § Ia Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I—
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; U ~
preservar a diversidade è a integridade do .patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético; III—definir, em
todas as unidades da Federação> espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção (...) VII — proteger
a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade.
11VER; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT. 4*
ed„ 2005, p. 365.
12‘'Quando a lei federal tem por objetivo regular matéria de
interesse comum da Ünião, dos Estados e dos municípios,
recebe a denominação de lei nacionaL O Código Tributário
Nacional e a Lei 4,320/64, sobre a atividade financeira, são
os melhores exemplos.” Ver: TORRES, Ricardo Lobo, Curso de
direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar,
12a ed., 2005, p. 140.
13 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição. § Io — São reservadas aos Estados as
competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição...”
m
Direito Ambiental
não. Efetivamente, a limitação à auto-organização é bastante
restrita e não pode ser interpretada de forma extensiva, sob
pena de atentar contra o próprio modelo federal. Almeida,14 em
excelente trabalbo, assim se manifestou sobre o tema:
“Para se saber agora, em face do artigo 25, que princípios
condicionam a auto-organização dos Estados, o caminho inicial
já é conhecido. Há que se per- quirir os constantes do artigo
34, que cuida da intervenção federal. Estão eles no inciso
VIII daquele dispositivo: forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; direitos da pessoa
humana; autonomia municipal e prestação de contas da
administração pública direta e indireta. Do inciso IV do
artigo 34 deflui ainda o princípio da separação dos Poderes, à
medida que se estabelece a possibilidade de intervenção nos
Estados para “garantir o livre exercício de qualquer dos
Poderes nas Unidades da Federação...”
É o que ocorre com as limitações postas à auto-organização e
ao autogoverno dos Estados, através de normas que MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO (1990: v. I, 203) chama de “pré-
ordenação institucional”, por definirem a estrutura das
instituições estaduais. Sabe-se que o autogoverno se traduz na
capacidade de escolha dos próprios dirigentes. Pois bem, não
se retira dos Estados essa capacidade. Mas o artigo 27, por
exemplo, já disciplina em pormenor a composição do Legislativo
estadual, fixa a duração dos mandatos eletivos e dispõe sobre
os subsídios dos Deputados estaduais. Da mesma forma o artigo
28 dita as regras para a eleição dos Governadores, estabelece
a duração de seu mandato e dispõe sobre a perda do mesmo. Por
igual o artigo 125 estabelece normas sobre a organização da
Justiça estadual, o artigo 126 traz norma específica sobre a
competência dos juizes estaduais de entrância especial para as
questões agrárias e o artigo 98 impõe a criação, nos Estados,
de juizados especiais para julgamento de causas cíveis de
menor potencial ofensivo e também a criação de justiça de paz,
descendo a minúcias sobre seu funcionamento”.
Como se pode ver, sem maior esforço, a disciplina dos bens
de propriedades dos estados foi deixada para a legislação
local, por se tratar de medida tipicamente da economia interna
do ente federado.
3.1.1. Conceitos Normativos Aplicáveis às Unidades de
Conservação
Um fator de indiscutível valor da Lei ns 9.985, de 18 de
julho de 2000, é a definição de conceitos normativos
aplicáveis às unidades de conservação, pois não há qualquer
dúvida de que as denominações que até então vinham sendo
aplicadas eram bastante coníusas e muito pouco claras. Com
efeito, conceitos como Estação Ecológica, Reserva Biológica e
outros não raras vezes se sobrepunham, levando a
14 Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na
Constituição de 1988. São Paulo: Atlas. 3s ed., 2005, pp.
122-3.
Areas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
uma enorme anarquia em prejuízo da proteção ambiental. Em boa
hora, a novel legislação veio a estabelecer uma disciplina
bastante adequada para o tema.
Em termos legais, unidade de conservação é espaço
territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção. Já conservação da natureza é definida como
o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a
preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a
restauração e a recuperação do ambiente natural, para que
possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às
atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as
necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a
sobrevivência dos seres vivos em geral.
A diversidade biológica é a variabilidade de organismos
vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os
ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte;
compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre
espécies e de ecossistemas. Os recursos ambientais foram
definidos legalmente como: a atmosfera, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial,
o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a
flora.
Foi estabelecido o conceito normativo de “preservação”, que
é o conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à
proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas,
além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a
simplificação dos sistemas naturais. Existem, igualmente, os
seguintes conceitos normativos:
a) proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de
alterações causadas por interferência humana, admitido
apenas o uso indireto dos seus atributos naturais;
b) conservação in situ: conservação de ecossistemas e habitats
naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis
de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies
domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham
desenvolvido suas propriedades características;
c) manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a
conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas;
d) uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano
ou destruição dos recursos naturais;
e) uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comercial ou
não, dos recursos naturais;
f) uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a
garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e
dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os
demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e
economicamente viável;
Direito Ambiental
g) extrativismo: sistema de exploração baseado na coleta e
extração, de modo sustentável, de recursos naturais
renováveis;
h) recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma
população silvestre degradada a uma condição não degradada,
que pode ser diferente de sua condição original;
i) restauração: restituição de um ecossistema ou de uma
população silvestre degradada o mais próximo possível da sua
condição original;
j) zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de
conservação com objetivos de manejo e normas específicos,
com o propósito de proporcionar os meios e as condições para
que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de
forma harmônica e eficaz;
k) plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com
fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de
conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que
devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos
naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas
necessárias à gestão da unidade;
1) zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de
conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a
normas e restrições específicas, com o propósito de
minimizar os impactos negativos sobre a unidade; e
m) corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou
seminaturais, ligando unidades de conservação, que
possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da
biota, facilitando a dispersão de espécies e a reco-
lonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de
populações que demandam para sua sobrevivência áreas com
extensão maior do que aquela das unidades individuais.
3.1.2. Criação das Unidades de Conservação
A regulamentação da Lei n9 9.985, de 18 de julho de 2000,
foi feita pelo Decreto n2 4.340, de 22 de agosto de 2002, que
regulamenta artigos da Lei ns 9.985, de 18 de julho de 2000,
que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Tal
regulamentação foi limitada aos artigos 15,17,18, 20,22,
24,25,26,27,29,30,33,36, 41,42, 47, 48 e 55. O decreto esta-
beleceu os critérios a serem aplicados para a criação das
Unidades de Conservação.
Assim é que, na forma do art. 29 do decreto, o ato de
criação de uma unidade de conservação deve indicar:
I -a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os
limites, a área da
unidade e o órgão responsável por sua administração;
II -a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas
Extrativistas e
das Reservas de Desenvolvimento Sustentável;
III - a população tradicional residente, quando couber, no
caso das Florestas
Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e
TV - as atividades econômicas, de segurança e de defesa
nacional envolvidas.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação j
É condição de validade da constituição de unidade de
conservação que ela seja precedida de estudos técnicos
elaborados pelo órgão proponente de sua criação, sendo
possível — e recomendável — a convocação de uma consulta
pública para que se ouça o ponto de vista da comunidade
envolvida. De acordo com o artigo 59, a consulta pública para a
criação de unidade de conservação tem a finalidade de
subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos
limites mais adequados para a unidade. A Consulta pública,
conforme o § l2 do artigo 5e, não tem forma previamente defi-
nida, podendo ser realizada mediante reuniões públicas ou, a
critério do órgão ambiental competente, outras formas de
oitiva da população local e de outras partes interessadas. É
importante, no entanto, que haja clareza e regras que sejam do
conhecimento de todos os interessados. Deve ser observado que,
no processo de consulta pública, o órgão executor competente
deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as
implicações para a população residente no interior e no
entorno da unidade proposta. As normas definidas nos artigos
acima mencionados são direito subjetivo público da população
e, em especial, daqueles indivíduos que tenham posses ou
propriedades nas áreas a serem incorporadas nas futuras
unidades de conservação. No particular, o leitor deve ser
alertado para o fato de que tanto o Superior Tribunal de
Justiça — STJ15 como o próprio STF16'17 já se manifestaram no
sentido da obrigatoriedade da Consulta Pública e da nulidade
procedimental, caso ela não seja realizada.
15 STJ ~ MS- 8796. Processo: 200201652650- DF. PRIMEIRA SEÇÃO.
DJU: 28/03/2005, p. 177. Relator Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROJETO DE
CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL SERRA DO ITAJAt COMPETÊNCIA DO
IBAMA PARA REALIZAÇÃO DE CONSULTA. INCOMPETÊNCIA DO STJ.
EXTINÇÃO DO PROCESSO. 1. Como órgão executor do SISNAMA
(art. 3», IV, do Decreto n° 99.274/90), o IBAMA detém a
competência para executar estudos técnicos que permitam
identificar a localização, a dimensão e os limites mais
adequados para criação de unidades de conservação, além de
realizar consulta pública destinada a garantir ampla
participação da população residente, em resguardo à norma
contida no art. 5® do Decreto n° 4.340/2002, que regulamenta
o art. 22 áa Lei n® 9.985/2000. A essa autarquia, portanto,
deve ser imputada a responsabilidade pelas eventuais
irregularidades formais do procedimento, bem como pela falta
da devida publicidade dos seus atos. 2. No caso específico,
foi equivocada a indicação do Ministro de Estado do Meio
Ambiente como autoridade impetrada, já que a irregularidade
tida por ofensiva diz respeito a atos que não pertencem à
sua esfera legal de competência. 3. Mandado de segurança
extinto sem julgamento (CPC, art. 267, VI).”
16 STF - STF. MS -23800- MS - DJU 07-02-2003, p. 00022.
Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA. EMENTA: MANDADO DE
SEGURANÇA. CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BODOQUE-
NA. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA DE IMÓVEIS LOCALIZADOS
NA ÁREA DO PARQUE. EXIGÊNCIA LEGAL DE ESTUDOS TÉCNICOS E DE
CONSULTA PÚBLICA SOBRE A VIABILIDADE DO PROJETO. ALEGAÇÃO DE
OFENSA AO ARTIGO 22, § 2«, DA LEI 9.985, DE 18/07/2000:
IMPROCEDÊNCIA. 1. Comprovada nos autos a realização de
audiências públicas na Assembléia Legislativa do Estado com
vistas a atender a exigência do § 2® do artigo 22 da Lei
9.985/00. 2. Criação do Parque. Manifestação favorável de
centenas de integrantes das comunidades interessadas, do
Conselho Nadonal da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e
da Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente -
ABEMA. 3. Parecer técnico, do Ministério do Meio Ambiente,
que concluiu pela viabilidade e conveniência da destinação
ambiental da área, dada a necessidade de se proteger o
ecossistema local, revestido de significativa mata
atlântica. Zona de confluência entre o Pantanal, o Cerrado e
o Chaco, onde se encontram espécies vegetais raras,
ameaçadas de extinção. Segurança denegada.
17 STF - STF - MS - 24184 UF/ DF - DJU 27-02-2004, p. 22.
Relatora Ministra ELLEN GRACIE. “Quando da edição do Decreto
de 27.02.2001, a Lei ns 9.985/00 não havia sido
regulamentada. A sua regulamentação só foi implementada em
22 de agosto de 2002, com a edição do Decreto na 4.340/02. O
processo de criação e ampliação das unidades de conservação
deve ser precedido da regulamentação da lei, de estudos
técnicos e de consulta pública. O parecer emitido pelo
Conselho Consultivo do Parque não pode substituir
Direito Ambientai
3.2. Definição e Objetivos do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação - SNUC
O SNUC, na forma do artigo 3° da Lei n9 9.985/2000, é
constituído pelo conjunto das unidades de conservação
federais, estaduais e municipais. Os seus objetivos são os
seguintes:
a) contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos
recursos genéticos no território nacional e nas águas
jurisdicionais;
b) proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito
regional e nacional;
c) contribuir para a preservação e a restauração da
diversidade de ecossistemas naturais;
d) promover o desenvolvimento sustentável a partir dos
recursos naturais;
e) promover a utilização dos princípios e práticas de
conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
f) proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável
beleza cênica;
g) proteger as características relevantes de natureza
geológica, geomorfológi- ca, espeleológica, arqueológica,
paleontológica e cultural;
h) proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
i) recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
j) proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa
científica, estudos e monitoramento ambiental;
k) valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
1) favorecer condições e promover a educação e interpretação
ambiental, a
recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
m) proteger os recursos naturais necessários à subsistência de
populações tradicionais, respeitando e valorizando seu
conhecimento e sua cultura e pro~ movendo-as social e
economicamente.
A administração do SNUC deve ser feita com a adoção das
seguintes diretrizes:
a) garantias que assegurem que, no conjunto das unidades de
conservação, estejam representadas amostras significativas e
ecologicamente viáveis das diferentes populações, hãbitats e
ecossistemas do território nacional e das águas
jurisdicionais, salvaguardando o patrimônio biológico
existente;
b) garantias que assegurem os mecanismos e procedimentos
necessários ao envolvimento da sociedade no estabelecimento
e na revisão da política nacional de unidades de
conservação;
c) garantias que assegurem a participação efetiva das
populações locais na criação, implantação e gestão das
unidades de conservação;
a consulta exigida na lei. O Conselho não tem poderes para
representar a população locaL Concedida a segurança,
ressalvada a possibilidade da edição de novo decreto.”
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
d) busca de apoio e cooperação de organizações não-
govemamentais, de organizações privadas e pessoas físicas
para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas,
práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de
turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras
atividades de gestão das unidades de conservação;
e) incentivo às populações locais e às organizações privadas a
estabelecerem e administrarem unidades de conservação dentro
do sistema nacional;
f) garantia, quando possível, da sustentabilidade econômica
das unidades de conservação;
g) permissão de uso das unidades de conservação paxa a
conservação in situ de populações das variantes genéticas
selvagens dos animais e plantas domesticados e recursos
genéticos silvestres;
h) garantia de que o processo de criação e gestão das unidades
de conservação sejam feitos de forma integrada com as
políticas de administração das terras e águas circundantes,
considerando as condições e necessidades sociais e
econômicas locais;
i) consideração das condições e necessidades das populações
locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas
de uso sustentável dos recursos naturais;
j) garantia para as populações tradicionais cuja subsistência
dependa da utilização de recursos naturais existentes no
interior das unidades de conservação de meios de
subsistência alternativos ou a justa indenização pelos
recursos perdidos;
k) garantia de alocação adequada dos recursos financeiros
necessários para que, uma vez criadas, as unidades de
conservação possam ser geridas de forma eficaz e atender aos
seus objetivos;
1) busquem conferir às unidades de conservação, nos casos
possíveis e respeitadas as conveniências da administração,
autonomia administrativa e financeira; e
m) proteção de grandes áreas por meio de um conjunto integrado
de unidades de conservação de diferentes categorias,
próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de
amortecimento e corredores ecológicos, integrando as
diferentes atividades de preservação da natureza, uso
sustentável dos recursos naturais e restauração e
recuperação dos ecossistemas.
>3. Órgãos Integrantes do SNUC
a) Órgão consultivo e deliberativo: o CONAMA, com as
atribuições de acompanhar a implementação do Sistema;
b) órgão central: o Ministério do Meio Ambiente, com a
finalidade de coordenar o Sistema; e
c) Órgãos executores: Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade, os órgãos estaduais e municipais, com a
função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de
criação e administrar as unidades de conservação federais,
estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação.
Direito Ambiental
O parágrafo único do artigo 79 admite que> excepcionalmente,
o SNUC poderá ser integrado, a critério do Conama, por
unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas
para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam
objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente
atendidos por nenhuma categoria prevista na lei do SNUC e
cujas características permitam, em relação a estas, uma clara
distinção. Trata-se de um reconhecimento da diversidade de
situações ecológicas do País, bem como dos diferentes níveis
de organização administrativa dos diversos entes federativos,
confirmando a tese de que o SNUC é antes federal do que
nacional.
3.4. As Unidades de Conservação: Seus Diferentes Tipos e
Funções
Uma importante distinção estabelecida pela lei é aquela que
divide as unidades de conservação em dois grandes grupos, a
saber:
a) Unidades de Proteção Integral;
b) Unidades de Uso Sustentável.
As unidades de Proteção Integral têm por objetivo básico a
preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto
dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na
própria lei que estabeleceu o SNUC. As Unidades de Uso
Sustentável destinam-se à compatibilização entre a conservação
da natureza e o uso sustentável de parcela dos seus recursos
naturais.
3.4.1. Unidades de Proteção Integral
O Direito brasileiro reconhece a existência, no interior do
grupo de unidades de proteção integral, das seguintes unidades
de conservação:
a) Estação Ecológica;
b) Reserva Biológica;
c) Parque Nacional;
d) Monumento Natural;
e) Refúgio de Vida Silvestre.
3.4.1.1. Estação Ecológica
A Lei do SNUC buscou dar diretivas jurídicas mais estáveis e
firmes ao conceito jurídico de Estação Ecológica que, até seu
surgimento, era bastante confuso e extremamente frágil. Nas
edições anteriores deste trabalho, tive a oportunidade de
escrever sobre as Estações Ecológicas, in verbis:
Juridicamente, a deímição de Estação Ecológica é a seguinte:
São áreas representativas de ecossistemas brasileiros,
destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de
ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento
da educação conservacionista.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
As Estações Ecológicas foram consideradas áreas de relevante
interesse turístico pelo inciso II do artigo Ia da Lei ns
6.513, de 20 de dezembro de 1977. Através da Lei n5 6.902, de
27 de abril de 1981, foi definido o conceito jurídico de
Estação Ecológica. Deve ser considerado que, face à definição
de Estação Ecológica estabelecida pela Lei ns 6.902/81,
evidentemente que o inciso II do artigo 1$ da Lei ns 6.513/77
encontra-se revogado, ante a evidente incompatibilidade entre
a atividade turística e a destinação legal das Estações
Ecológicas.
Por determinação legal, 90% da área, ou mais, da Estação
Ecológica deverá ser destinada, em caráter permanente, e
definida em ato do Poder Executivo, à preservação integral da
biota. Na área restante, desde que haja plano de zonea- mento
aprovado, de acordo com as normas regulamentares, poderá ser
autorizada a realização de pesquisas ecológicas que possam
implicar modificação do meio ambiente natural.
As Estações Ecológicas são criadas pela Administração
Pública, nos três níveis, em terrenos de sua propriedade ou
que sejam desapropriados com esta finalidade.
A instituição das Estações Ecológicas foi regulamentada pelo
Decreto ns 99.274, de 6 de junho de 1990. O decreto de criação
de uma Estação Ecológica deve defmir-lhe os contornos
geográficos, a denominação e a entidade responsável pela sua
administração e o Zoneamento previsto no § 2S do artigo 1B da
Lei ns 6.902.
O CONAMA, através da Resolução CONAMA n510, de 3 de dezembro
de 1987, determinou que, para fazer face à reparação dos danos
ambientais causados pela destruição de florestas e de outros
ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, assim
considerado pelo órgão licenciante com fundamento no RIMA,
terá sempre como um dos pré-requisitos, a implantação de uma
Estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo
empreendimento, preferencialmente junto à área.
Há que se observar que o artigo 2° da Lei ns 6.902, de 27 de
abril de 1981, determina que:
As Estações Ecológicas serão criadas pela União, Estados e
Municípios, em terras de seus domínios, definidos, no ato de
criação, seus limites geográficos e o órgão responsável pela
sua administração.
As Estações Ecológicas, entretanto, não têm por finalidàde
legal a reparação dos danos ambientais pela destruição de
florestas e oútros ecossistemas. Acrescente-se que as Estações
Ecológicas, conforme determina o artigo 2e da Lei n9 6.902/81,
são criadas pelo Poder Público em terras de seus domínios. A
legalidade do artigo 1® da Resolução CONAMA ns 10, de 3 de
dezembro de 1987, é, destarte, extremamente discutível.
-As Estações Ecológicas, segundo a sua definição legal e os
seus objetivos fixados em lei, destinam-se à realização de
pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do
ambiente natural e ao desenvolvimento da Educação
conservacionista. Dentre as finalidades legais, não se
encontra a de repristinar danos ambientais. Ademais, coloca-se
a questão: deverá o, empreendedor do projeto a ser implantado
adquirir área para o estabelecimento da Estação
Direito Ambiental
Ecológica? Tal área deverá ser doada ao Governo? Há um
evidente equívoco na resolução. O correto seria determinar a
criação de uma reserva ecológica e jamais de uma Estação
Ecológica.
As Estações Ecológicas são consideradas unidades de
conservação” (.Resolução CONAMA n3 11, de 3 de dezembro de
1987).
Justifica-se a manutenção do texto, pois as Estações
Ecológicas não foram revogadas pela Lei do SNUC, ao contrário,
tiveram ampliada a sua base jurídica e fortalecidas as suas
atribuições. Há que se considerar, ademais, que as Estações
Ecológicas que tenham sido instituídas legalmente sob o regime
jurídico anterior permanecem existindo, de pleno direito.
3.4.1.1.1. Novo Regime Jurídico das Estações Ecológicas
O objetivo das Estações Ecológicas é a preservação da
natureza e a realização de pesquisas científicas. É, em tese,
constituída por área que, pelo seu valor ecológico, deve
permanecer intocada. Dada a sua característica de
intocábilidade, estas somente podem ser instituídas em áreas
públicas. O § l2 do artigo 92 da Lei n2 9.985/2000 refere-se a
“posse e domínio públicos”. O mesmo parágrafo, ín Une,
acertadamente, estabeleceu que as áreas particulares que se
encontrem no interior de Estações Ecológicas deverão ser
desapropriadas. O legislador nada mais fez do que reconhecer a
remansosa jurisprudência sobre o tema, pois, não raras vezes,
as autoridades ambientais instituíam Estações Ecológicas em
áreas submetidas ao regime de propriedade privada e se negavam
a reconhecer o evidente desapossamento administrativo da área.
Andou bem a lei no particular.
Tanto a visitação pública como a pesquisa científica somente
podem ser realizadas mediante condições previamente definidas
nos planos de manejo da Estação Ecológica.
3.4.1.1.2. Intervenções Admitidas
Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações dos
ecossistemas no caso de:
a) medidas que visem à restauração de ecossistemas
modificados;
b) manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade
biológica;
c) coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades
científicas;
d) pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja
maior do que aquele causado pela simples observação ou pela
coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma
área correspondente a no máximo três por cento da extensão
total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos
hectares.
fSBJ * Hnano Superior Sisêgu Ju?M?s©
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação 1
3.4.I.2. Reservas Ecológicas
E ixm tipo de unidade de conservação que não foi mantido
pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pois a Lei na
9.985/2000 delas não trata. Penso, entretanto, que não houve
uma revogação ou cancelamento das Reservas Ecológicas pree-
xistentes ao novo sistema. Em minha opinião, as Reservas
Ecológicas que tivessem sido instaladas, na forma da lei,
permanecem existentes. Os efeitos são, portanto, ex nunc, isto
é, aquelas Reservas Ecológicas que não foram regularmente
instaladas não mais poderão sê-lo, ante a inexistência da
modalidade de Unidade de Conservação. Esta é a consequência do
respeito ao ato jurídico perfeito e acabado, assegurado em
nossa CF. Na vigência do sistema antigo, tive a oportunidade
de escrever, in verbis:
KA Lei ne 6.513, de 20 de dezembro de 1977, em seu artigo Ia,
2
Águas 3
Salobr
as
Direito Ambiental
4. As Águas Submetidas ao Regime Jurídico de Direito Privado
4.1. Normas Gerais Estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro
Apesar da existência do Código de Águas, que regulamentou a
apropriação e a utilização pública e privada das águas,
remanescem as normas do CC brasileiro quanto ao particular. O
Código de Águas não significou uma revogação pura e simples
das normas contidas no CC brasileiro sobre o regime jurídico
das águas. Conforme afirma Afrânio de Carvalho:24
O Código de Águas de 1934 cobriu interstícios deixados pelo
CC, de sorte que os dois diplomas, embora se repitam em certo
tanto, noutro tanto se completam.
Como já foi dito anteriormente, as águas podem estar
submetidas ao regime de Direito Público ou ao regime de
Direito Privado. Nesta altura do presente trabalho, cumpre
examinar as águas que se encontram submetidas ao regime
jurídico de Direito Privado. Do ponto de vista do Direito
Privado, a matéria encontra-se regulada no chamado direito de
vizinhança.
O CC trata do assunto nos artigos 1.288 e seguintes que
complementam as normas do Código de Águas, sobretudo no que se
refere aos aspectos de vizinhança. Conforme observa Silvio
Rodrigues:25
Quando dentro do campo da vizinhança, fala-se em regime de
águas legalmente estabelecido, tem-se em vista o complexo das
normas reguladoras das relações entre vizinhos, referentes às
águas de nascente e pluviais, que, com o escopo de harmonizar
interesses e compor conflitos, criam direitos e obrigações
recíprocos.
Os direitos e obrigações recíprocos que são estabelecidos
pelo CC dizem respeito à garantia do livre fluxo das águas do
prédio superior para o prédio inferior, da obrigação de
receber as águas que fluem normalmente etc. A matéria
encontra-se também no Código de Águas, em seus artigos 68/138.
Os principais direitos e obrigações concernentes à
utilização das águas são os seguintes:26
Principais direitos
a) o que tem o dono do prédio superior de facilitar o
escoamento das águas mediante abertura de sulcos e drenos;
24 Carvalho, Afrânio de. Ob. cit., p. 114.
25 Direito Civil - Direito das Coisas, vol. V, São Paulo:
Saraiva, 1980,10a ed., p. 140.
26 Classificação feita pelo Professor Orlando Gomes e
apresentada por Maria Helena Diniz, in Curso de Direito
Civil Brasileiro - Direito das Coisas, vol. IV, São Paulo:
Saraiva, 6» ed., 1989, pp. 181-182.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
b) o que tem o proprietário do prédio inferior de facilitar o
escoamento natural das águas com a abertura de canais e
valetas;
c) o de captar as águas de que se serve;
d) o que tem o dono do prédio superior de utilizar-se
livremente das águas de fonte não captada para satisfazer
suas necessidades;
e) o que tem o proprietário do prédio inferior sobre as sobras
de fonte não captada pelo prédio superior;
f) o de captar água de fonte;
g) o de utilizar-se das águas pluviais;
h) o de aproveitar águas de rios públicos;
i) o de canalizar, através de prédios alheios, as águas a
que tenha direito;
j) o de captar águas dos rios que banhem ou atravessem seu
terreno;
1) o de alterar o álveo da corrente que atravessa seu imóvel,
desde que mantendo o mesmo ponto de saída para o prédio
inferior.
Quanto às principais obrigações, estas são as seguintes:
a) a que tem o dono do prédio inferior de receber as águas que
correm naturalmente do superior, isto é, as águas correntes
por obra da natureza e as águas pluviais;
b) a que tem o dono do prédio superior de não aumentar o
ímpeto das águas, reunindo-as num só curso;
c) a que tem o dono do prédio inferior de consentir que o
proprietário do prédio superior penetre seu terreno para a
execução de trabalhos de conservação e limpeza;
d) a do dono do prédio superior de não impedir o curso natural
das águas pelos prédios inferiores;
e) a de permitir, através de seus prédios, o aqueduto;
f) a de não captar toda a água da corrente que atravessa ou
banha seu terreno, para não privar o dono do prédio vizinho
da parte que lhe toca;
g) a que tem o dono do prédio superior de não piorar a
situação do prédio inferior, com as obras que fizer para
facilitar o escoamento das águas.
4.1.1. Regime de Prescrição
Sendo certo que a água é um bem juridicamente apropriável, o
regime de prescrição incidente sobre o mesmo é muito
importante. Como se sabe, através da aplicação do regime de
prescrição são possíveis a perda e a aquisição de bens. A
matéria está regulada pelo artigo 79 do Código de Águas, que
estabelece:
É imprescritível o direito de uso sobre as águas das
correntes, o qual só poderá ser alienado por título ou
instrumento público, permitida não sendo, entretanto, a
alienação em benefício de prédios não marginais, nem com pre-
juízo de outros prédios, aos quais pelos artigos anteriores é
atribuída a preferên~
Direito Ambiental
cia no uso das mesmas águas. Parágrafo único. Respeitam-se os
direitos adquiridos até a data da promulgação deste Código,
por título legítimo ou prescrição que recaia sobre oposição
não seguida, ou sobre a construção de obras no prédio
superior, de que se possa inferir abandono do primitivo
direito.
4.2. Normas do Código de Águas Referentes ao Aproveitamento de
Águas Comuns e Particulares
A disposição mais importante do Código de Águas sobre as
águas particulares é aquela que está contida no artigo 68, que
estabelece o regime de inspeção e autorização administrativa
para as águas comuns e as particulares, no interesse da saúde
e da segurança pública; e para as águas comuns, no interesse
dos direitos de terceiros ou da qualidade, curso ou altura das
águas públicas. Note-se que, aqui, está estabelecida uma norma
de grande alcance ambiental, pois considera a água como um
interesse público, independentemente de seu regime de domínio.
5. A Política Nacional de Recursos Hídricos
A CF de 1988, como já foi exaustivamente dito ao longo de
todo o presente trabalho, é um marco significativo na mudança
de concepção sobre o meio ambiente e de sua proteção legal.
Infelizmente, muitos aspectos verdadeiramente inovadores da
Carta ainda não passaram pela necessária densificação
legislativa. Felizmente, naquilo que diz respeito aos recursos
hídricos, o legislador federal estabeleceu uma nova normação
que possibilitou o estabelecimento da Política Nacional de
Recursos Hídricos - PNRH que, como se verá adiante, não é
antagônica à Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, ao
contrário, ambas são complementares. A Política Nacional de
Recursos Hídricos - PNRH está estabelecida pela Lei ne 9.433,
de 8 de janeiro de 1997.
5.1. Princípios Gerais da Política Nacional de Recursos
Hídricos - PNRH
Os princípios basilares da Política Nacional de Recursos
Hídricos - PNRH estão estabelecidos no artigo 1® e seus
incisos, da Lei ns 9.433/97. Eles são os seguintes:
a) a água é um bem de domínio público;
b) a água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico;
c) em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos
hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos animais;
d) a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar o uso
múltiplo das águas;
e) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos -
PNRH e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos;
f) a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e
contar com a participação do Poder Público, dos usuários e
das comunidades.
■ÉS
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O principal aspecto que pode ser compreendido destes
princípios é que a nova concepção legal busca encerrar com a
verdadeira apropriação privada e graciosa dos recursos
hídricos. Com efeito, sabemos que a indústria e a agricultura
são os grandes usuários dos recursos hídricos. Normalmente, a
água é captada, utilizada e devolvida para o seu local de
origem, sem que aqueles que auferem vantagens e dividendos com
a sua utilização paguem qualquer quantia pela atividade. E
mais, a recuperação e manutenção das boas condições sanitárias
e ambientais dos recursos hídricos, conspurcados pelas
diversas atividades econômicas que deles dependem, é um
encargo de toda a sociedade que, com seus impostos, subsidia
de forma inaceitável diversas atividades privadas.
A Política Nacional de Recursos Hídricos — PNRH, em seus
princípios, rompe com a antiga e errônea concepção de que os
problemas referentes aos recursos hídricos podem ser
enfrentados em desconsideração das realidades geográficas. A
adoção da gestão por bacias é um passo fundamental para que se
consiga um padrão ambien- talmente aceitável para os nossos
recursos hídricos. Igualmente relevante é a adoção do critério
de que a gestão dos recursos hídricos é um elemento de
interesse de toda a sociedade e que, portanto, somente em
ações conjuntas é que se conseguirá obter resultados
favoráveis.
5.1.1. Objetivos
A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH tem por
objetivos os
seguintes:
a) assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos;:
b) a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,
incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
c) a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos
de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos
recursos naturais.
5.2. Instrumentos
A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH possui os
instrumentos capazes de tomá-la exequível. Estes instrumentos
são os seguintes:
a) os planos de recursos hídricos;
b) o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os
usos preponderantes da água;
c) a outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
d) a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
e) o sistema de informação sobre os recursos hídricos.
Direito Ambiental
Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores cujo
objetivo é fundamentar e orientar a implantação da Política
Nacional de Recursos Hídricos — PNRH, bem como o gerenciamento
dos recursos hídricos. Os Planos de Recursos Hídricos carac-
terizam-se por serem planos de longo termo. O plano deverá ter
o seguinte conteúdo mínimo:
a) diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;
b) análise das alternativas de crescimento demográfico, de
evolução das atividades produtivas e da modificação dos
padrões de ocupação do solo;
c) balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos
recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com
identificação de conflitos potenciais;
d) metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e
melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;
e) medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e
projetos a serem implantados para o atendimento de metas
previstas;
f) prioridades para outorga de direitos de uso de recursos
hídricos;
g) diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos
recursos hídricos;
h) propostas para a criação de áreas sujeitas à restrição de
uso com vistas à proteção dos recursos hídricos.
Os planos poderão ser criados em nível local, regional e
nacional.
O enquadramento dos corpos de água em classes, já existentes
anteriormente, conforme já foi visto, tem por objetivo atingir
os seguintes resultados:
a) assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais
exigentes a que forem destinadas;
b) diminuir os custos do combate à poluição das águas,
mediante ações preventivas permanentes.
5.2.1. Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos
Juntamente com o estabelecimento da cobrança pela utilização
dos recursos hídricos, este é um dos fatores mais importantes
nas modificações trazidas pela nova legislação. Com efeito,
através da outorga, o Estado passa a ter controle sobre a cap-
tação e o lançamento de efluentes nos corpos de água. A
inexistência de tais controles, como se sabe, acarretou
consequências extremamente negativas. De fato, antes da
legislação atual, o bem público água era apropriado
privadamente, gerando lucro e riqueza para os seus usuários e
transferindo os ônus da manutenção de sua qualidade para a
sociedade como um todo. Esta prática, é desnecessário dizer,
era extremamente antissocial.
A outorga do direito de uso é um instituto jurídico
administrativo cujos contornos ainda não estão muito bem
definidos, em razão de sua novidade em nosso sistema jurídico.
O artigo 11 da Lei ne 9.433, de 8 de janeiro de 1997,
estabelece que:
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos
tem como
objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo
dos usos da água e o
efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
A própria lei estabeleceu, em seu artigo 12, quais são os
direitos que se encontram submetidos ao regime de outorga. São
os seguintes os direitos recém-mencionados:
a) derivação ou captação de parcela de água existente em corpo
de água para consumo final, inclusive abastecimento público,
ou insumo de processo produtivo;
b) extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final
ou insumo de processo produtivo;
c) lançamento, em corpo de água, de esgotos e demais resíduos
líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua
diluição, transporte ou disposição final;
d) aproveitamento de potenciais hidrelétricos;
e) outros usos que alteram o regime, a quantidade ou a
qualidade da água existente em um corpo de água.
Bem se vê que o grande número de atividades sujeitas ao
regime de outorga, necessariamente, acarretará úm maior
controle das atividades que, de alguma forma, utilizam os
corpos hídricos. A outorga deverá ser solicitada à entidade de
direito público que tenha a titularidade do corpo hídrico, ou
a quem lhe faça as vezes.
A outorga deve ser tida como um instituto jurídico
administrativo intermédio entre a autorização e a licença
administrativa. Embora não seja concedida em caráter precário,
igualmente não o é, de forma definitiva. Há que se observar,
entretanto, que, na forma do artigo 15, existe uma expressa
previsão legal das diversas hipóteses nas quais se poderá
registrar a suspensão da outorga. A suspensão da outorga de
recursos hídricos poderá ser; (a) parcial e (b) total. Ou
ainda: (a) definitiva ou (b) por tempo limitado. Os motivos
legais que podem acarretar a suspensão da outorga são os
seguintes:
a) não-cumprhnento, pelo outorgado, dos termos da outorga;
b) ausência de uso por três anos consecutivos;
c) necessidade premente de água para atender a situações de
calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas
adversas;
d) necessidade de prevenir ou reverter grave degradação
ambiental;
e) necessidade de atender a usos prioritários, de interesse
coletivo, para os quais não se disponha de fonte
alternativa;
f) necessidade de serem mantidas as características de
navegabilidade do corpo hídrico.
Todas as hipóteses previstas em lei estão bastante evidentes e
são voltadas para o atendimento de um interesse público
relevante. Mesmo o não-cumprimento dos
Direito Ambiental
termos da outorga significa tuna violação de interesse
público, pois a outorga, quando concedida, visa uma exploração
sustentável do recurso, dentro de um planejamento mais
abrangente.
A outorga, concedida pelo prazo de 35 anos, renováveis, não
implica alienação das águas, mas, apenas e tão-somente, a
autorização para a sua adequada utilização.
5.2.2. Cobrança pela Utilização dos Recursos Hídricos
A cobrança pelo uso da água está inserida em um princípio
geral do Direito Ambiental que impõe, àquele que,
potencialmente, auferirá os lucros com a utilização dos
recursos ambientais, o pagamento dos custos. A cobrança,
portanto, está plenamente inserida no contexto das mais
modernas técnicas do Direito Ambiental e é socialmente justa.
A cobrança pela utilização do uso dos recursos hídricos não é
um fim em si mesmo mas, ao contrário, um instrumento utilizado
para o alcance de finalidades precisas. A cobrança não tem a
natureza de tributo. São objetivos da cobrança pela utilização
dos recursos hídricos:
a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma
indicação de seu real valor;
b) obter recursos financeiros para o financiamento dos
programas e interações contemplados nos planos de recursos
hídricos.
A cobrança pela utilização dos recursos hídricos deve ser
realizada tendo por base os critérios legais fixados na lei,
sendo certo que a sua utilização prioritária deve ocorrer na
bacia hidrográfica que tenha gerado o recurso financeiro. A
aplicação dos recursos poderá ser feita a fundo perdido, ou
seja, o dinheiro retoma à sua origem com vistas ao
financiamento de projetos e obras que alterem, de modo
considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade
e o regime de vazão dos corpos de água.
5.2.3. Administração dos Recursos Hídricos
A administração dos recursos hídricos é feita em três
níveis.
a) Conselho Nacional dos Recursos Hídricos;
b) Comitês de Bacias Hidrográficas; e
c) Agências de Água.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi
constituído tendo por base os seguintes objetivos:
a) coordenar a gestão integrada das águas;
b) implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos —
PNRH;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
c) arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com
os Recursos Hídricos;
d) planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a
recuperação dos Recursos Hídricos;
e) promover a cobrança pela utilização dos Recursos Hídricos.
O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos é
integrado por:
a) Conselho Nacional dos Recursos Hídricos;
b) Conselho de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito
Federal;
c) Comitês de Bacias Hidrográficas; e
d) os órgãos dos poderes públicos federais, estaduais e
municipais, cujas competências se relacionem com a gestão
dos recursos hídricos.
5.2.3.1. Constituição e Competências do Conselho Nacional dos
Recursos Hídricos
O Conselho Nacional dos Recursos Hídricos tem a seguinte
composição:27
a) Presidência do Ministro de Estado do Meio Ambiente;
b) Representante do Ministérioda Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;
c) Representante do Ministério da Ciência e Tecnologia;
d) Representante do Ministério da Fazenda;
e) Representante do Ministério da Defesa;
f) Representante do Ministério do Meio Ambiente;
g) Representante do Ministériodo Planejamento, Orçamento e
Gestão;
h) Representante do Ministério das Relações Exteriores;
i) Representante do Ministério da Saúde;
j) Representante do Ministério dos Transportes; k)
Representante do Ministério da Justiça;
1) Representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior;
m) Representante do Ministério da Integração Nacional; n) Um
representante da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
da Presidência da República;
o) Um representante:
L Da Agência Nacional de Águas - ANA, ii. Da Agência
Nacional de Energia Elétrica - ANEEL; p) Representantes
indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; q)
Representantes dos usuários dos Recursos Hídricos; r)
Representantes das organizações civis dos Recursos Hídricos.
27 Decreto n° 3.978, de 22/10/2001.
Direito Ambiental
Ao Conselho compete:
a) promover a articulação do planejamento dos Recursos
Hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais
e dos setores usuários;
b) arbitrar, em últimà instância administrativa, os conflitos
existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
c) deliberar sobre os projetos de aproveitamento dos Recursos
Hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados
em que serão implantados;
d) deliberar sobre as questões que lhes tenham sido
encaminhadas pelos Conselhos Estaduais dos Recursos Hídricos
ou pelos Comitês de Bacias Hidrográficas;
e) analisar propostas de alteração da legislação pertinente a
Recursos Hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos
- PNRH;
f) estabelecer diretrizes complementares para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, aplicação de
seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional dos Recursos
Hídricos;
g) aprovar propostas de instituição de Comitês de Bacia
Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a
elaboração de seus regimentos.
.2.3.2. Comitês de Bacia Hidrográfica
Os Comitês de Bacia Hidrográfica poderão ter como áreas de
atuação:
a) a totalidade de uma bacia hidrográfica;
b) sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água
principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou
c) grupo de bacias ou sub-bacias contíguas.
Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua
área de atuação:
a) promover o debate das questões relacionadas a recursos
hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes;
b) arbitrar, em primeira instância administrativa, os
conflitos relacionados aos recursos hídricos;
c) aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
d) acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da
bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento
de suas metas;
e) propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e
lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da
obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos
hídricos, de acordo com os domínios destes;
f) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso dos recursos
hídricos e sugerir os valores a serem cobrados;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
g) estabelecer critérios e promover o rateio dos custos das
obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
É a seguinte a composição dos Comitês de Bacia:
a) representante da União;
b) representante do Estado e do Distrito Federal cujos
territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas
respectivas áreas de atuação;
c) representantes dos Municípios situados, no todo ou em
parte, em suas áreas de atuação;
d) representantes dos usuários das águas em sua área de
atuação;
e) das entidades civis de recursos hídricos com atuação
comprovada na bacia.
Nas hipóteses em que os Comitês estejam constituídos em
áreas que envolvam Terras Indígenas, deverão ser integrados
por representantes da Fundação Nacional do índio — FUNAI e das
comunidades indígenas da região.
5.3. Infrações e Penalidades
São infrações às normas de utilização dos Recursos Hídricos:
a) derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer
finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;
b) iniciar a implantação ou implantar empreendimento
relacionado com a derivação ou a utilização de recursos
hídricos, superficiais ou subterrâneos, que impliquem
alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos,
sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;
c) utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou
serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as
condições estabelecidas na outorga;
d) perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-
los sem a devida autorização;
e) fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou
declarar valores diferentes dos medidos;
f) infringir normas estabelecidas em regulamento,
compreendendo as normas administrativas emanadas dos órgãos
competentes;
g) obstar ou dificultar as ações da fiscalização competente.
As penalidades aplicáveis são as seguintes:
a) advertência por escrito, na qual será fixado o prazo para a
correção da irregularidade;
b) multa simples ou diária, proporcional à gravidade da
infração;
Direito Ambientai
c) embargo provisório, por prazo determinado, para a execução
de serviços e obras necessárias para o cumprimento das
normas legais referentes aos recursos hídricos;
d) embargo definitivo» com revogação da outorga.
5.4. Agência de Agua
As Agências de Água têm por função o desempenho das
atividades técnicas necessárias para que os Comitês de Bacia
Hidrográfica possam ver aplicadas as suas deliberações. As
Agências de Água podem prestar serviços para mais de um
Comitê. As Agências de Água deverão ter a sua constituição
autorizada pelos Comitês ou pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos. São condições legais necessárias à constituição de
Agências de Água:
a) prévia existência do Comitê ou dos Comitês de Bacia
Hidrográfica que as tenham instituído;
b) viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos
recursos hídricos em sua área de atuação.
Incumbe à Agência de Bacia, na sua área de atuação:
a) manter balanços atualizados da disponibilidade de recursos
hídricos em sua área de atuação;
b) manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
c) efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo
uso dos recursos hídricos;
d) analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a
serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo
uso dos recursos hídricos e enca- minhá-los à instituição
financeira responsável pela administração desses recursos;
e) acompanhar a administração financeira dos recursos
arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos em
sua área de atuação;
f) gerir o sistema de informações sobre recursos hídricos em
sua área de atuação;
g) celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços
para a execução de suas competências;
h) elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à
apreciação do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia
Hidrográfica;
i) promover os estudos necessários para a gestão dos recursos
hídricos na sua área de atuação;
j) elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do
respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica.
Compete, ainda, às Agências de Água propor ao respectivo ou
respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para
encaminha mento ao respectivo conselho nacional ou conselhos
estaduais de recursos hídricos, de acordo com o domínio
destes;
b) os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos
hídricos;
c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a
cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
d) o rateio do custo das obras de uso múltiplo, de interesse
comum ou coletivo.
5.4.1, Organizações Civis de Recursos Hídricos
Nos termos da Lei ns 9.433, de 8 de janeiro de 1997, artigo
47, são consideradas organizações civis de recursos hídricos:
a) consórcios e associações intermunicipais de bacias
hidrográficas;
b) associações regionais, locais ou setoriais de usuários de
recursos hídricos;
c) organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse
na área de recursos hídricos;
d) organizações não-govemamentais com objetivos de defesa de
interesses difusos e coletivos da sociedade;
e) outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou
pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos.
5.4.2. Agência Nacional de Águas - ANA
5.4.2.1. Apresentação
A edição da Lei Federal nQ 9.984, de 17 de julho de 2000,
que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas -ANA,
entidade federal de implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências,
foi um poderoso instrumento legal para a complementação do
novo modelo de gestão dos recursos hídricos estabelecido pela
Lei Federal n2 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
O Brasil é um país, como se sabe, extremamente bem
aquinhoado com recursos hídricos28 que, no entanto, necessita
que os mesmos sejam geridos de forma racional e capaz de
preservá-los para as presentes e futuras gerações. Assim como
a renda, a distribuição de recursos hídricos em nosso
território é bastante desigual e, portanto, carecedora de uma
intervenção que possa promover o equilíbrio e as necessárias
compensações entre as regiões e os diferentes usuários do
recurso. Em última análise, a Agência Nacional de Águas tem o
papel de ser a entidade encarregada de dar
prazos:
a) até dois anos, para início da implantação do empreendimento
objeto da outorga;
b) até seis anos, para conclusão da implantação do
empreendimento projetado;
c) até trinta e cinco anos, para vigência da outorga de
direito de uso.
Na fixação dos prazos mencionados, a autoridade
administrativa deverá levar em conta a natureza e o porte do
empreendimento, bem como, quando for o caso, o período de
retomo do investimento. Em consequência disto, os prazos
estabelecidos nas letras (a) e (b) poderão ser ampliados,
quando o porte e a importância social e
29 Nos atos administrativos de outorga de direito de uso de
recursos hídricos de cursos de água que banham o semiárido
nordestino, expedidos nos termos do inciso IV deste artigo,
deverão constar, explicitamente, as restrições decorrentes
dos indsos III e V do art. 15 da Lei n» 9.433, de 1997.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
econômica do empreendimento justificarem a ampliação, desde
que ouvido o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Quanto ao
prazo estabelecido na letra (c), o mesmo poderá ser prorrogado
pela ANA, respeitando-se as prioridades estabelecidas nos
Planos de Recursos Hídricos.
É importante assinalar que as outorgas de direito de uso de
recursos hídricos para concessionárias e autorizadas de
serviços públicos e de geração de energia hidrelétrica
vigorarão por prazos coincidentes com os dos correspondentes
contratos de concessão ou atos administrativos de autorização.
A medida justifica-se em função dos elevadíssimos
investimentos necessários e do evidente interesse público
envolvido na matéria.
5.4.2.2.2.2. Outorga Preventiva e Declaração de Reserva de
Disponibilidade Hídrica
A lei estabeleceu a figura da “outorga preventiva” de uso de
recursos hídricos. Tal outorga tem por finalidade dedarar a
disponibilidade de água para os usos requeridos, observado o
disposto no art. 13 da Lei n2 9.433, de 1997.0 termo outorga
preventiva, em minha opinião, é incorreto e não deveria ser
utilizado. Em primeiro lugar, porque não é, efetivamente, uma
outorga, pois a outorga é um consentimento administrativo,
para que uma determinada quantidade de recursos hídricos possa
ser apropriada economicamente, como parte de um processo
produtivo ou como corpo receptor de efluentes. Ela, como se
sabe, estabelece prazos e condições para que um bem público
possa ser momentaneamente utilizado privadamente (desde que
tenha utilidade para a coletividade). Como se passará a ver, a
“outorga preventiva” não exerce qualquer função similar.
Em segundo lugar, há que se considerar que a outorga
preventiva não confere direito de uso de recursos hídricos. O
seu único objetivo é o de reservar a vazão passível de
outorga, possibilitando aos investidores o planejamento de
empreendimentos que necessitem desses recursos. Em verdade, o
que existe é uma declaração feita pelo poder público dirigida
a um determinado empreendedor, no sentido de que, em tese, há
vazão suficiente para o empreendimento projetado. Existe, no
particular, um certo grau de similaridade com a Licença Prévia
(IP) prevista na legislação de licenciamento ambiental.
Entretanto, diferentemente do que ocorre com a LP, a concessão
da “outorga preventiva” não cria uma vinculação da
administração para com as razões nela estabelecidas. Em
primeiro lugar porque a lei, expressamente, afasta a
incidência do direito adquirido para a hipótese. Por outro
lado, a administração, ao concedê-la, gera para o particular
uma expectativa de direito bastante relevante, pois o
planejamento é feito com base em custos projetados desde uma
determinada carga de vazão. Uma alteração neste particular,
não se desconhece, pode ser bastante negativa para as
atividades que se pretende desenvolver. Penso que a
administração, portanto, deverá fundamentar jurídica e
tecnicamente toda decisão que implique modificação dos termos
da outorga. A fundamentação, portanto, passa a ser o motivo
determinante do ato administrativo. Caso a fundamentação
mostre-se em desconformidade com a realidade técnica, o
particular poderá, judicialmente, pleitear o restabelecimento
da vazão que originariamente lhe fora acenada.
Direito Ambiental
É também de se considerar que a classificação de
“preventiva” para a declaração feita pela administração é
bastante inadequada, pois ela não tem a pretensão de. evitar
coisa alguma. Tenho a sensação de que o legislador desejava
utilizar-se do termo “cautelar” ou “prévio” e,
inadvertidamente, lançou mão da palavra "preventiva”.
As outorgas preventivas, assim como a outorga propriamente
dita, são concedidas com prazos definidos. Estes serão fixados
levando-se em conta a complexidade do planejamento do
empreendimento, limitando-se ao máximo de três anos, findo o
qual será considerado o disposto nos incisos I e II do art. 5S.
O prazo, assim como a vazão, em minha opinião, poderá ser
alterado pela Administração, mediante a edição de ato jurídico
devidamente fundamentado, desde que o interesse público, defi-
nido em lei, assim o exija e justifique.
Uma figura assemelhada à da outorga preventiva é a
“declaração de reserva de disponibilidade hídrica”.30 Trata-se
de documento essencial sempre que a Agência Nacional de
Energia Elétrica - ANEEL for promover licitação com o objetivo
de autorizar ou conceder o uso de potencial de energia
hidráulica em corpo de água de domínio da União.
O § 2fi do artigo 79 assegura a transformação automática da
declaração de reserva de disponibilidade hídrica, pelo
respectivo poder outorgante (rectius: que estabeleceu a
reserva, pois outorga ainda não existe), em outorga de direito
de uso de recursos hídricos à instituição ou empresa que
receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso do
potencial de energia hidráulica. A medida é inteligente e de
caráter prático, pois assegura maior celeridade processual e
evita a repetição de procedimentos administrativos
desnecessários. Por medida de isonomia e de economia pro-
cessual e administrativa, entendo que o mesmo deva ocorrer com
a outorga preventiva, que poderia ser, automaticamente,
transformada em outorga, desde que presentes as condições para
a operação do empreendimento planejado.
Desnecessário dizer que os pedidos de outorga de direito de
uso de recursos hídricos de domínio da União, bem como os atos
administrativos que deles resultarem, devem ser tomados
públicos por meio de publicação na imprensa oficial e em pelo
menos um jornal de grande circulação na respectiva região da
outorga requerida.
5.4.3. Estrutura Administrativa da Agência Nacional de
Águas - ANA
5.4.3.1. Diretoria: Composição
A ANA é dirigida por uma Diretoria Colegiada, composta por
cinco membros, nomeados pelo Presidente da República, com
mandatos não coincidentes de quatro anos, admitida uma única
recondução consecutiva, e contará com tuna Procuradoria.
30 Alt. 7a, § 1® Quando o potencial hidráulico localizar-se em
corpo de água de domínio dos Estados ou do Distrito Federal,
a declaração de reserva de disponibilidade hídrica será
obtida em articulação com a respectiva entidade gestora de
recursos hídricos... § 3® A declaração de reserva de
disponibilidade hídrica obedecerá ao disposto no art. 13 da
Lei n° 9.433, de 1997, e será fornecida em prazos a serem
regulamentados por decreto do Presidente da República.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O Diretor-Presidente da ANA é escolhido diretamente pelo
Presidente da República entre os membros da Diretoria
Colegiada, e investido na função por quatro anos ou pelo prazo
que restar de seu mandato.
O artigo 10 da lei estabelece uma estranha estabilidade para
os membros da diretoria da ANA, pois a mesma não encontra
qualquer amparo constitucional. Em primeiro lugar, é utilizada
a expressão “exoneração imotivada”, o que, em termos de
direito administrativo, é totalmente incongruente. A demissão
do servidor deve ser motivada, a exoneração do exercente de
cargo comissionado, assim como a nomeação, é feita ad nutrnn.
Parece-me, portanto, inconstitucional a norma contida no
artigo 10, que determina, in verbis: Art. 10. A exoneração
imotivada de dirigentes da ANA só poderá ocorrer nos quatro
meses iniciais dos respectivos mandatos. § 1B Após o prazo a
que se refere o caput, os dirigentes da ANA somente perderão o
mandato em decorrência de renúncia, de condenação judicial
transitada em julgado ou de decisão definitiva em processo
administrativo disciplinar. Além desta hipótese,
inconstitucional repita-se, de perda de cargo, os dirigentes
da ANA estão submetidos aos §§ 2a e 32 do artigo 10.3Í A
preocupação demonstrada pelo texto legal com a estabilidade
funcional do dirigentes da ANA é saudável, pois revela a
necessidade de que as agências ambientais possam ter uma
direção profissional e não meramente política, como
infelizmente tem sido a prática administrativa. Isto,
entretanto, não é suficiente para que sejam subtraídos poderes
legítimos do Chefe do Executivo, sem que haja expressa
previsão constitucional.
S.4.3.2. Atividades Vedadas aos Dirigentes
O art. 11 estabeleceu um rol de atividades vedadas aos
dirigentes da ANA, enquanto eles estiverem no desempenho do
mandato. São proibições amplas, pois se estendem ao exercício
de qualquer outra atividade profissional, empresarial,
sindical ou de direção político-partidária. Existe, ainda, a
proibição de que o detentor de cargo de direção da autarquia,
conforme dispuser o seu regimento interno, tenha interesse
direto ou indireto em empresa relacionada com o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A lei, no § 29
do artigo 11, estabeleceu uma derrogação parcial da proibição,
ao não aplicá-la aos casos de atividades profissionais
decorrentes de vínculos contratuais mantidos com entidades
públicas ou privadas de ensino e pesquisa. A exceção, em meu
ponto de vista, não se justifica, pois a cada dia é maior o
número de instituições de ensino e pesquisa que, por meios
próprios ou
31 Art. 10, § 2* Sem prejuízo do que prevêem as legislações
penal e relativa à punição de atos de improbidade
administrativa no serviço público, será causa da perda do
mandato a inobservância, por qualquer um dos dirigentes da
ANA, dos deveres e proibições inerentes ao cargo que ocupa.
§ 3° Para os fíns do disposto no § 2a, cabe ao Ministro de
Estado do Meio Ambiente instaurar o processo administrativo
disciplinar, que será conduzido por comissão especial,
competindo ao Presidente da República determinar o afasta-
mento preventivo, quando for o caso, e proferir o
julgamento.
Direito Ambiental
mediante a contratação por fundações, oferecem serviços no
mercado como qualquer empresa, utilizando inclusive a dispensa
de licitação favorecida pela lei de licitações.
5.4.3.3. Atribuições da Diretoria
Na forma do artigo 12, é da competência da Diretoria da ANA:
a) exercer a administração da ANA;
b) editar normas sobre matérias de competência da ANA;
c) aprovar o regimento interno dà ANA a organização, a
estrutura e o âmbito decisório de cáda diretoria;
d) cumprir e fazer cumprir as normas relativas ao Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
e) examinar e decidir sobre pedidos de outorga de direito de
uso de recursos hídricos de domínio da União;
f) elaborar e divulgar relatórios sobre as atividades da ANA;
g) encaminhar os demonstrativos contábeis da ANA aos órgãos
competentes;
h) decidir pela venda, cessão ou aluguel de bens integrantes
do patrimônio da ANA;
i) conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de
componentes da Diretoria da ANA.
Ao Diretor-Presidente compete:
a) exercer a representação legal da ANA;
b) presidir as reuniões da Diretoria Colegiada;
c) cumprir e fazer cumprir as decisões da Diretoria Colegiada;
d) decidir, ad referendum da Diretoria Colegiada, as questões
de urgência;
e) decidir, em caso de empate, nas deliberações da Diretoria
Colegiada;
f) nomear e exonerar servidores, provendo os cargos em
comissão e as funções de confiança;
g) admitir, requisitar e demitir servidores, preenchendo os
empregos públicos;
h) encaminhar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos os
relatórios elaborados pela Diretoria Colegiada e demais
assuntos de competência daquele Conselho;
i) assinar contratos e convênios e ordenar despesas; e
j) exercer o poder disciplinar, nos termos da legislação em
vigor.
Compete à Procuradoria da ANA, que se vincula à Advocacia
Geral da União para fins de orientação normativa e supervisão
técnica:
a) representar judicialmente a ANA com prerrogativas
processuais de Fazenda Pública;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
b) representar judicialmente os ocupantes de cargos e de
funções de direção, inclusive após a cessação do respectivo
exercício, com referência a atos praticados em decorrência
de suas atribuições legais ou institucionais, adotando,
inclusive, as medidas judiciais cabíveis, em nome e em
defesa dos representados;
c) apurar a liquidez e certeza de créditos, de qualquer
natureza, inerentes às atividades da ANA, inscrevendo-os em
dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e
i .
d) executar as atividades de consultoria e de assessoramento
jurídicos.
A atribuição contemplada na letra (b), em minha opinião, é
absurda e não pode ser tida como constitucional. Com efeito,
cabe à Advocacia da União e aos seus órgãos vinculados a
atuação em defesa do Estado e do Erário Publico,32 defesas
estas que não se confundem com a defesa judicial dos
dirigentes de órgãos públicos - quaisquer que sejam os níveis
hierárquicos ostentados pelos mesmos. Imagine-se que um
determinado dirigente da ANA esteja respondendo aos termos de
uma ação popular, em função da prática de ato, em tese, lesivo
à autarquia. Como poderão os procuradores da ANA defender a
autarquia e o dirigente concomitantemente? O mesmo ocorre para
as hipóteses de improbidade administrativa etc.
32 Ver artigo 131 da CF.
Capítulo XXVIII Mineração
Mineração
1. A Mineração nas Constituições Brasileiras
A mineração é uma das atividades mais polêmicas quanto aos
impactos ambientais que produz. Apesar disto, é indiscutível
que, no patamar tecnológico em que a humanidade se encontra, é
absolutamente impossível a vida humana sem as atividades
minerarias. Este fato, evidente por si mesmo, fez com que o
constituinte de 1988 dedicasse diversos tópicos da CRFB,
promulgada em 1988, ao tema mineração.
Dadas as condições em que o Brasil foi colonizado por
Portugal, a mineração sempre desempenhou um papel importante
na economia nacional. O extrativismo de riquezas naturais,
durante muitos anos, foi a principal atividade econômica do
país e, no interior da atividade extrativista, a mineração
sempre desempenhou um papel assaz importante.
Com o descobrimento do Brasil, a Coroa portuguesa passou a
ser senhora e proprietária de todo o território brasileiro.
Estabelecidos os mecanismos para a concessão de terras para
aqueles que se dispusessem a financiar a colonização, através
das Cartas de Doação, a Coroa portuguesa reservava-se o
direito de reter a quinta parte das riquezas minerais que
fossem encontradas e lavradas na colônia. Os minerais,
portanto, eram de propriedade do Estado que outorgava o
direito de lavra aos particulares que, em contrapartida,
ficavam obrigados ao pagamento do quinto.
1.1. Constituições Anteriores
O Regime Imperial não deu tratamento constitucional ao tema.
Foi, portanto, omissa a Constituição de 1824 quanto ao
particular. Na República, todas as Constituições dispuseram
sobre a matéria.
Na Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891, as
minas foram contempladas pelo artigo 72, § 17, cujas
disposições eram as seguintes:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade nos termos seguintes:... § 17. O direito de
propriedade mantém-se em toda a plenitude, salvo a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante
indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do
solo, salvo as limitações que forem estabelecidas por lei a
bem da exploração deste ramo de indústria.
Direito Ambiental
Com a reforma constitucional promovida pela Emenda de 3 de
setembro de 1926, o dispositivo foi alterado, passando a ter a
seguinte redação:
Art. 72, § 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a
sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, mediante indenização prévia.
a) As minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as
limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das
mesmas.
b) As minas e jazidas minerais necessárias à segurança e
defesa nacionais e as terras onde existirem não podem ser
transferidas a estrangeiros.
A Constituição de 1934 dispunha que:
Art. 118. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas dágua, constituem propriedade distinta da do solo para
o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art. 119. O aproveitamento industrial das minas e das
jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica,
ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou
concessão federal, na forma da lei. § Io As autorizações ou
concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a
empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário
preferência na exploração ou co~participação nos lucros. § 23 O
aproveitamento de energia hidráulica, de potência reduzida,
independe de autorização ou concessão. § 3S Satisfeitas as
condições estabelecidas em lei, entre as quais a de possuírem
os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados
passarão a exercer, dentro dos respectivos territórios, a
atribuição constante deste artigo. § # A lei regulará a
nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e
quedas d’água ou outras formas de energia hidráulica, julgadas
básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País. §
5e A União, nos casos prescritos em lei e tendo em vista o
interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e no
aparelha- mento das estâncias mineromedicinais ou
termomedicmais. § 6QNão dependem de concessão ou autorização o
aproveitamento de quedas dágua já utilizadas industrialmente
na data desta Constitmção e, sob esta mesma ressalva, a explo-
ração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa.
A CF de 1937 dispôs sobre a matéria no artigo 145 e seus
parágrafos. Não houve grandes mudanças em relação ao Texto
Magno de 1934.
A Constituição de 1946, ao tratar da matéria, estabeleceu os
seguintes dispositivos:
Art. 152. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para
efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art. 153. O aproveitamento dos recursos minerais e de
energia hidráulica depende de autorização ou concessão
federal, na forma da lei § ls As autoriza-
Mineração I
I
ções ou concessões serão conferidas exclusivamente a
brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao
proprietário do solo preferência para a exploração. Os
direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às
minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza
deles. § 2S Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida. § 35
Satisfeitas as condições exigidas em lei, entre as quais as de
possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos,
os Estados passarão a exercer nos seus territórios a
atribuição constante deste artigo. § 4o A União, nos casos de
interesse geral, deíinido em lei, auxiliará os Estados nos
estados referentes às águas termominerais de aplicação
medicinal e no apare- lhamento das estâncias destinadas ao uso
delas.
A CF de 1967, com a emenda n2 1/69, em seus artigos 168 e 169,
determinava que:
Art. 168. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os
potenciais de enjergia hidráulica constituem propriedade
distinta da do solo, para o efeito de exploração ou
aproveitamento industrial.
§ 1SA exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e
demais recursos minerais e dos potenciais de energia
hidráulica dependerão de autorização ou concessão federal, na
forma da lei, dadas exclusivamente a brasileiros ou a
sociedades organizadas no País.
§ 23 É assegurada ao proprietário do solo a participação nos
resultados da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração
constituir monopólio da União, a lei regulará a forma de
indenização.
§ 3e A participação de que trata o parágrafo anterior será
igual ao dízimo do imposto sobre minerais.
§ 4a Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida.
Art. 169. A pesquisa e a lavra de petróleo em território
nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei.
1.2. A Mineração na Constituição de 1988
1.2.1. Disposições Constitucionais
A CRFB estabelece em seu artigo 20, IX, que:
Art. 20. São bens da União:... IX- os recursos minerais,
inclusive os do subsolo.
Desta forma, é inequívoco que qualquer recurso mineral
existente no país pertence à União; isto não quer dizer que
somente a União pode explorá-lo comercial-
Direito Ambiental
mente, conforme será visto mais adiante. Por sua vez, o artigo
21, XXV, da Lei Fundamental da República determina que:
Art. 21. Compete à União. ... XXV ~ estabelecer as áreas e
as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em
forma associativa.
Coerentemente com aquilo que foi estabelecido pelo artigo
20, IX, da Constituição de 1988, o artigo 22, XII, determina
que:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:...
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia.
Não se pode olvidar de que o artigo 91, § 1®, inciso III, da
CF, evidentemente, também está ligado ao tema que ora se
examina. Tanto é assim que, na forma do artigo mencionado,
compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e
condições de utilização das terras indispensáveis à segurança
do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a
preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer
tipo.
O artigo 174, por seus §§ 32 e 4®, determina que:
Art. 174, §3*0 Estado favorecerá a organização garimpeira em
cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a
promoção econômica dos garimpeiros; § 4° As cooperativas a que
se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização
ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando e
naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da
lei.
Evidentemente que as competências estaduais e municipais
específicas de proteção ambiental, necessariamente, terão
repercussões na atividade minerária, ainda que não caiba aos
Estados e aos Municípios legislar diretamente sobre tais
atividades. Mais à frente, o artigo 176 da CF voltou-se,
especificamente, para o disciplinamento da atividade
minerária, assim dispondo:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
Os §§ l2, 2® e 3e do mencionado artigo dispõem que:
§ l3 A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o
aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste
artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou
concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou
empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua
sede e adminis-
Mineração
tração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições
específicas quando essas atividades se desenvolverem na faixa
de fronteira ou terras indígenas;1
§ 2a É assegurada participação ao proprietário do solo nos
resultados da lavra, na forma da lei, e
§ 3° A autorização de pesquisa será sempre por prazo
determinado, e as autorizações e concessões previstas neste
artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou
parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
No capítulo constitucional voltado para a proteção do meio
ambiente, encontra-se o § 29, cujo teor é o seguinte:
Aquele que explorar recwrsos minerais fica obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da
lei.
Por fim, acrescente-se a norma contida no § 3e do artigo 231
da CF, cujo teor é o seguinte:
Art 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens... § 39 O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
Fora do corpo permanente da CF, também, existem normas
voltadas para a disciplina da atividade minerária. Assim é que
no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, os
artigos 43 e 44 dispuseram sobre a matéria, in verbis:
Art. 43. Na data da promulgação da lei que discipUnar a
pesquisa e a lavra de recursos e jazidas minerais, ou no prazo
de um ano, a contar da promulgação da Constituição, tomar-se-
ão sem efeito as autorizações, concessões e demais títulos
atributivos de direitos minerários, caso os trabalhos de
pesquisa ou de lavra não hajam sido comprovadamente iniciados
nos prazos legais ou estejam inativos.2
Artigo 44. As atuais empresas brasileiras titulares de
autorização de pesquisa, concessão de lavra de recursos
minerais e de aproveitamento dos poten
1 Redação dada pela Emenda Constitucional nfi 6, publicada no
DOU de 16/8/1995.
2 Ver a Lei n* 7.886, de 20/11/1989.
Direito Ambiental
ciais de energia hidráulica em vigor terão quatro anos, a
partir da promulgação da Constituição, para cumprir os
requisitos do art. 176, § ls.
§ Ia Ressalvadas as disposições de interesse nacional
previstas no texto constitucional, as empresas brasileiras
ficarão dispensadas do cumprimento do disposto no art. 176, §
1% desde que, no prazo de até quatro anos da data da pro-
mulgação da Constituição, tenham o produto de sua lavra e
benefíciamento destinado à industrialização no território
nacional, em seus próprios estabelecimentos ou em empresa
industrial controladora ou controlada...
§ 3S As empresas brasileiras referidas no § l5 somente
poderão ter autorizações de pesquisa e concessões de lavra ou
potenciais de energia hidráulica, desde que a energia ou o
produto da lavra sejam utilizados nos respectivos processos
industriais.
1.2.2. Breve Análise das Disposições Constitucionais à Luz
do Artigo 225, § 2S
Os recursos minerais e as atividades de exploração, lavra e
pesquisa mineral, como se viu, foram amplamente tratados pela
Lei Fundamental da República. A atividade de garimpagem, hoje,
constitui-se em um dos mais graves problemas nacionais, seja
pelos aspectos ambientais, seja pelos aspectos sociais. É de
se estranhar, portanto, que a garimpagem tenha merecido
incentivos explícitos por parte do legislador constituinte.
Tal fato somente se pode explicar pela presença de grupos de
pressão e de políticos interessados na continuidade de uma
atividade econômica que é altamente degradadora do meio
ambiente e que é extremamente nociva à saúde dos próprios
garimpeiros e de inúmeros grupos indígenas.3 Sendo uma
atividade econômica que é grande utilizadora de mão-de-obra
desqualificada, a garimpagem é, evidentemente, um bom celeiro
de votos para aqueles que se dedicam a “ajudar” os
garimpeiros. Várias são as implicações das atividades
garimpeiras, merecendo destaque as condições subumanas em que
vivem os homens dos garimpos, a destruição dos povos
indígenas, o contrabando do minério garimpado, a devastação
ecológica de flora e fauna nas regiões de garimpo, a poluição
de rios, a contaminação por mercúrio etc. Acrescente-se a esta
lista a violência e a corrupção. Diante de um quadro caótico,
a norma contida no artigo 225, § 2a, serve de verdadeiro marco
a indicar um caminho que deve ser percorrido pela sociedade e
pelas autoridades, com o objetivo de estabelecer um
ordenamento razoável para o grave problema.
Devo observar que o Estado brasileiro chamou a si a
responsabilidade de organizar a garimpagem que, como se sabe,
é tuna prática de alto impacto ambiental. E mais, além de
organizar a atividade garimpeira, o Estado brasileiro atribuiu
prioridade à autorização ou concessão para pesquisa e lavra4
dos recursos e jazidas de mine
3 Veja capítulo próprio.
4 Moreira, Iara Verocai Dias. Vocabulário Básico de Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA, 1992, 4a ed., p. 124: La
via — É o conjunto das operações ordenadas que objetivam o
aproveitamento da jazida, desde a extração da substância até
o seu aproveitamento.
Mineração
rais garimpáveis, nas áreas em que os garimpeiros estejam
atuando, e mesmo em áreas que, posteriormente, venham a ser
demarcadas.
A garimpagem é exercida por homens e mulheres que, por
motivos econômicos em sua maioria, foram expulsos de suas
cidades ou terras e que se dirigiram para as áreas de
fronteira até chegarem aos garimpos, às “serras peladas”, em
busca de um eldorado que jamais encontrarão. São pessoas com
precárias condições de saúde, de cultura etc. que se tomam
presas fáceis para grupos de especuladores que os utilizam
como mão-de-obra semiescrava com a finalidade de produzirem a
maior quantidade possível de mineral e metais preciosos. A
vida desses indivíduos toma-se cada vez mais curta e menos
valiosa para aqueles que promovem a exploração dos garimpos. É
curioso observar que, apesar da imensa quantidade de pessoas
envolvidas no garimpo, sobretudo de ouro, a produção oficial
de ouro nos garimpos é pequena. E assim é em razão do grande
contrabando que é praticado serenamente.
A CF, em seu artigo 91, § ls, III, não deixa dúvida de que
compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e
condições de utilização das áreas indispensáveis à segurança
do território nacional e opinar sobre o seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a
preservação e a exploração de recursos naturais de qualquer
tipo. A garimpagem, portanto, é constitucionalmente lima
questão de segurança nacional e, em consequência, cabe ao
Conselho de Defesa Nacional dispor sobre a sua prática nas
áreas de fronteira.
2. O Código de Mineração
O objetivo deste capítulo não é o de realizar um exame
jurídico minucioso da atividade minerária. O nosso objetivo é,
apenas e tão-somente, o de examinar a atividade de mineração
em relação aos seus reflexos sobre o meio ambiente. Para tal,
é necessário que os institutos jurídicos fundamentais da
atividade minerária sejam trazidos à colação para que, no
momento oportuno, as implicações ambientais da extração
mineral possam ser adequadamente compreendidas.
O Código de Minas, estabelecido pelo Decreto-lei n9 227, de
28; de fevereiro de 1967, com as alterações que lhe foram
introduzidas pela Lei n9 7.805, de 18 de julho de 1989, é o
principal diploma legal brasileiro, em âmbito
infraconstitucional, que regulamenta a atividade de extração
mineral em nosso País. Uma vez que a propriedade dos recursos
minerais independe da propriedade do solo, o Código tem por
função básica, o regramento da atividade do Poder Público como
administrador dos recursos minerais. A matéria, evidentemente,
é da maior repercussão econômica e ambiental. Ao analisarem a
importância do ordenamento jurídico da atividade mineraria,
Lauro Lacerda Rocha e Carlos Alberto M. Lacerda5 assim se
pronunciaram:
5 Comentários ao Código de Mineração do Brasil, Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 3.
Direito Ambiental
Realidade de maior preponderância econômica, política e
estratégica do Estado, o direito sobre as minas e jazidas é
aqui objetivado [no Código] sob o ponto de vista
constitucional da intervenção do poder público no conceito
moderno da propriedade territorial...
O Código foi fortemente modificado pela Lei n9 9.314, de 14
de novembro de 1996, que alterou a redação de vários de seus
principais artigos.
É no Código de Minas que estão os padrões básicos para o
licenciamento das atividades utilizadoras de recursos
ambientais minerários. Os conceitos básicos que devem ser
apreendidos por aqueles que buscam compreender as repercussões
da atividade minerária no meio ambiente são os de:
a) Jazida - que do ponto de vista técnico-científíco tem a sua
melhor definição como “ocorrência anormal de minerais
constituindo um depósito natural que existe concentrado em
certos pontos da superfície do globo terrestre. Consideram-
se assim todas as substâncias minerais de origem natural,
mesmo as de origem orgânica, como: carvão, petróleo,
calcário etc.ÍJ.6
O artigo 42 do Código de Minas dispõe que: Art. 4o
Considera-se jazida toda massa individualizada de substância
mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no
interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a
jazida em lavra, ainda que suspensa.
b) Mina - é o depósito mineral (jazida) em exploração pelo
homem. Um peg- matito decomposto e inexplorado é uma jazida;
o mesmo em estado de exploração, com galerias, escavadeiras
etc., é uma mina.7 Do ponto de vista jurídico, as minas
foram definidas pelo artigo 49 do Código de Minas, conforme
foi visto na letra precedente. Na concepção de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto,8 é uma universitas iuris que
abrange a jazida, a concessão e as diversas servidões
administrativas que forem instituídas para a construção de
edifícios, instalações e vias necessárias ao bom êxito dos
trabalhos de lavra. De acordo com a nova redação dada ao
artigo 62 do Código, as minas podem ser assim classificadas:
(a) mina manifestada, a em lavra, ainda que transitoriamente
suspensa a 16 de julho de 1934 e qué tenha sido manifestada
na conformidade do art. 10 do Decreto n2 24.642, de 10 de
julho de 1934, e da Lei n9 94, de 10 de dezembro de 1935;
(b) mina concedida, quando o direito de lavra ê concedido
pelo Ministro de Estado de Minas e Energia.
c) Lavra - é tecnicamente definida como lugar onde se realiza
a exploração de mina, geralmente de ouro ou diamante. Lavra
significa, por conseguinte, exploração econômica da jazida.9
Normativamente, o conceito foi fixado
6 Guerra, Antônio Teixeira. Dicionário Geológico
Geomorfológico, Rio de Janeiro: IBGE, S3 ed„ 1993, p. 244.
7 Idem, p. 290.
8 Curso de Direico Administrativo, Rio de Janeiro: Forense,
10* ed., p. 340.
9 Guerra, A. Teixeira. Ob. cit., p. 261.
- Stsjhö Superior Basai Jurte
Mineração
pelo artigo 36 do Código de Minas, cujo teor é o seguinte:
entende-se por lavra, o conjunto de operações coordenadas
objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a
extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o
benefíciamento das mesmas.
d) Garimpo - é um verbete definido pelo Dicionário Aurélio
Eletrônico como: [Der. regress. de garimpeiro.] S. m. Bras.
1. Mina de diamantes ou carbona- dos. 2. Lugar onde se
encontram tais minas. 3. Lugar onde existem explorações
diamantinas e auríferas. 4. Ant. Mineração ou exploração
clandestina de diamante e de ouro. 5. Bras., GO. Povoação
fundada e habitada pelos garimpeiros.
e) Pesquisa mineral - é a execução dos trabalhos necessários à
definição da jazida, sua avaliação e a determinação da
exequibilidade do seu aproveitamento econômico.10 Na
pesquisa estão compreendidos os seguintes trabalhos de campo
e de laboratório: levantamentos geológicos detalhados da
área a ser pesquisada, estudos de afloramentos e suas
correlações; levantamentos de natureza geofísica e
geoquímica; abertura de escavações visitáveis e realização
de sondagens no corpo mineral; amostragens sistemáticas;
análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos
de sondagens; ensaios de benefíciamento de minérios ou das
substâncias minerais para a obtenção de concentrados, de
acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento
industrial.11
f) Permissão de lavra garimpeira - é o aproveitamento imediato
de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão,
localização e utilização econômica, possa ser lavrado,
independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo
critérios fixados pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral-DNPM. 12
Vale notar que, por força das modificações introduzidas no
artigo 3e, estão afastados da incidência das normas do Código
os trabalhos de movimentação de terras e de desmonte de
materiais m natura necessários para a abertura de vias de
transporte, obras de terraplenagem e de edificações, desde que
não haja comercialização das terras e dos materiais
resultantes dos trabalhos, ficando seu aproveitamento restrito
à própria obra.
2.1. Classificação das Jazidas Minerais
A classificação das jazidas minerais, conforme estava
estabelecido pelo artigo 59 do Código de Mineração, foi
totalmente extinta por força do artigo 3Q da Lei n3 9.314/96. A
antiga classificação, entretanto, ainda pode ter repercussão
jurídica em
10 Código de Mineração, artigo 14.
11 Freire, William. Comentários ao Código de Mineração, Rio de
Janeiro: Aide, 1995, p. 43.
12 Lei ns 7.805/89, ait. Io, parágrafo único.
Direito Ambiental
atividades que estejam se desenvolvendo, motivo pelo qual não
a retiramos deste trabalho. O antigo artigo 5S do Código estava
assim lavrado:
Classificam-se as jazidas para efeito deste Código, em 9
(nove) classes: Classe I—jazidas de substâncias minerais
metalíferas;
Classe II —jazidas de substâncias minerais de emprego
imediato na construção civil; as argilas empregadas no fabrico
de cerâmica vermelha e de calcário dolomítico empregado como
corretivo de solos na agricultura;
Classe III - jazidas de fertilizantes;
Classe IV —jazidas de combustíveis fósseis sólidos;
Classe V -jazidas de rochas betuminosas e pirobetuminosas;
Classe VI-jazidas de gemas e pedras ornamentais;
Classe VII - jazidas de minerais industriais, não incluídas
nas classes precedentes;
Classe VIII ~ jazidas de águas minerais;
Classe IX -jazidas de águas subterrâneas.
Conforme a observação de William Freire:13
Essa classificação não abrange as jazidas de combustíveis
líquidos, gases naturais e jazidas de substâncias minerais de
uso na energia nuclear.
Uma vez estabelecidas as classes de jazidas minerais, foi
definida uma divisão técnica dos minerais mais conhecidos
dentro de cada uma das classes. Os casos omissos ficaram
submetidos à classificação pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral - DNPM. Tal divisão dos minerais por classes
é a seguinte:14
Classe I - alumínio, antimônio, arsênico, berílio, bismuto,
cádmio, cério, césio, cobalto, cromo, chumbo, cobre, escândio,
estanho, ferro, germânio, gálio, háfnio, índio, irídio, ítrio,
lítio, magnésio, manganês, mercúrio, mo- libdênio, nióbio,
níquel, ósmio, ouro, paládio, platina, prata, rádio, rênio,
ródio, rubídio, rutênio, selênio, tálio, tântalo, telúrio,
titânio, tungsténio, vanádio, xenotímio, zinco, zircônio.
Classe II — ardósias, areias, cascalhos, quarzitos e saibros,
quando utilizados in natura para o preparo de agregados,
argamassa ou como pedra de talhe, e não se destinem, como
matéria-prima, à indústria de transformação. Classe III -
fosfatos, guano, sais de potássio e salitre.
Classe IV - carvão, linhito, turfa e sapropelitos.
Classe V - rochas betuminosas e pirobetuminosas.
Classe VI - gemas e pedras ornamentais.
13 Comentários ao Código de Mineração, Rio de Janeiro: Aide,
1995, p. 28.
Mineração
Classe VII — substâncias minerais industriais, não incluídas
nas classes precedentes;
a) anfibólios, areias de fundição, argilas, argilas
refratárias, andaluzita, agalmatolitos, asbestos, ardósias,
anidrita, andofilita, bentonitas, barita, boratos,
calcários, calcários coralíneos, calcita, caulim, celes-
tita, cianita, conchas calcárias, córidon, crisotila,
diatomitos, dolomi- tos, diamantes industriais, dumortirita,
enxofre, estroncianita, estea- titos, feldspatos, filitos,
fluorita, gipso, grafita, granada, hidrargilita, leucita,
leucofilito, magnesita, mármore, micas, ocre, pinguita,
pirita, pirofilita, quartzo, quartzito, silimanita, sais de
bromo, sais de iodo, sal-gema, saponito, sílex, talco,
tremolita, tripolito, vermiculita, wol- lastonita;
b) basalto, gnaisses, granitos, quaisquer outras substâncias
minerais, quando utilizadas para produção de brita ou
sujeitas a outros processos industriais de beneficiamento.
Classe VIII - águas minerais. A Classe IX foi excluída pelo
regulamento do Código.
2.2. O Código de Minas e a Proteção do Meio Ambiente
O próprio Código de Minas contém dispositivos legais que
podem ser utilizados na proteção do meio ambiente. É certo que
tais dispositivos são tímidos, que estavam a demandar normas
mais explícitas em sua substituição. Assim é que o artigo 47
do Código determina:
Ficará obrigado o titular da concessão, além das condições
gerais que constam deste Código, ainda, às seguintes, sob pena
de sanções previstas no Capítulo V:... V - Executar os
trabalhos de mineração com observância das normas
regulamentares... VU - Não dificultar ou impossibilitar por
lavra ambiciosa, o aproveitamento ulterior da jazida; VIU —
Responder pelos danos e prejuízos a terceiros, que resultarem,
direta ou indiretamente da lavra; IX- Promover a segurança e a
salubridade das habitações existentes no local; X - Evitar o
extravio de águas e drenar as que possam ocasionar danos e
prejuízos aos vizinhos; XI - Evitar a poluição do ar ou da
água, que possa resultar dos trabalhos de mineração; XII -
Proteger e conservar as fontes, bem como utilizar as águas
segundo os preceitos técnicos, quando se tratar de lavra de
jazida da classe VIII...
As disposições ambientais contidas no Código de Minas não
foram revogadas com o advento da novel legislação de proteção
ambiental mas, pelo contrário, devem ser interpretadas de
acordo com o sistema instituído pela política nacional do meio
ambiente.
Direito Ambiental
3. Mineração em Terras Indígenas15
Dentre todos os temas polêmicos que dizem respeito às
atividades minerárias, certamente, o mais polêmico é referente
à mineração em terras indígenas. Veja-se que, no tocante à
mineração, o § 3e do artigo 231 da Lei Fundamental da República
estabeleceu uma exceção ao regime de usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes em terras
indígenas, conforme definido pelo § 22 do artigo 231. Nos
resultados da utilização econômica dos recursos minerais
eventualmente existentes no interior de terras indígenas, a CF
determinou que, na forma da lei, seja assegurada aos índios a
participação nos resultados da lavra. A Constituição de 1988
determinou, igualmente, fossem ouvidas as comunidades afetadas
pela atividade mineraria.
Pelo que se pode constatar dos termos contidos na CF, a
mineração em terras indígenas não está proibida no Brasil. O
que a Constituição determinou foi, apenas e tão-somente, que o
Congresso Nacional autorizasse a atividade e que a comunidade
indígena afetada fosse ouvida, assegurando-se à mesma a
percepção de royalties. A participação dos indígenas no
produto da lavra é, apenas e tão-somente, uma extensão dos
direitos, previstos no § 2e do artigo 176, aos povos
aborígines.
Infelizmente, ainda hoje,16 o Congresso Nacional não aprovou
as leis necessárias para que as atividades minerárias possam
se desenvolver normalmente, e para que as próprias comunidades
indígenas possam obter uma melhor situação econômica, a partir
da exploração racional das riquezas existentes em seus
territórios. A inércia que vem sendo a marca do Congresso
Nacional, no particular, é extremamente nociva para todas as
partes envolvidas no problema. A não-regulamentação da maté-
ria, em minha opinião, serve como um incentivo para a invasão
de terras indígenas por garimpeiros e outros aventureiros.
O projeto de Lei ns 2.057/91, que institui o Estatuto das
Sociedades Indígenas, aprovado parcialmente na Câmara dos
Deputados, em seu título V - Do aproveitamento dos recursos
minerais, hídricos e florestais (artigos 79 e seguintes),
estabelece normas disciplinadoras da exploração minerária no
interior de terras indígenas.
4. Mineração e Meio Ambiente
É indiscutível que, em princípio, a mineração é uma
atividade causadora de alto impacto ambiental e que, nesta
condição, necessário se faz que ela esteja rigorosamente
submetida a controles de qualidade ambiental, de monitoramento
e auditoria constantes. Tais circunstâncias, contudo, não
fazem com que a mineração seja uma atividade proscrita ou
ilegal em nosso País. Ao contrário, a mineração é uma ativi-
dade lícita e que tem gerado muitos recursos para o Brasil. É
dentro desta perspecti-
15 Especificamente quanto ao regime jurídico das terras
indígenas, v. os capítulos próprios.
16 Maio de 1999.
Mineração
va que as relações entre as atividades minerárias e o meio
ambiente devem ser observadas. Aliás, não é demasiado que se
recorde os termos do artigo 2S da Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente - PNMA, que são os seguintes: A Política
Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurarJ no País, condições de desenvolvimento
econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana... A própria CF, ao dispor
amplamente sobre as atividades de mineração, reconheceu a
importância das mesmas. As únicas restrições que podem ser
opostas às atividades minerárias, do ponto de vista ambiental,
são aquelas com imediato assento constitucional. Tais
restrições são:
a) ser praticada em áreas definidas como intocáveis e
b) ser realizada em áreas indígenas sem autorização do
Congresso Nacional e sem que as comunidades indígenas sejam
consultadas.
Excetuando-se as duas vedações apresentadas, a atividade
minerária será permitida, desde que, precedida de Estudo de
Impacto Ambiental, conforme determinação constitucional
contida no artigo 225, § l9, inciso IV, e que sejam atendidas
as condições contidas no § 2S do mesmo artigo 225, cujo teor é
o seguinte:
Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a
recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida
pelo órgão púbh-
co competente, na forma da lei.
4.1. Licenciamento das Atividades de Mineração
A mineração, assim como as demais atividades utilizadoras de
recursos ambientais, está submetida à necessidade de
licenciamento, para que possa ser exercida licitamente e de
conformidade com a lei brasileira. Assim é em razão do artigo
10 da Lei n2 6.938/81.17 Há, entretanto, direito especial
quanto ao regime jurídico do licenciamento das atividades
minerárias, estabelecido pela Lei na 7.805, de 18 de julho de
1989, que altera o Decreto-lei nõ 227,18 de 28 de fevereiro de
1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue
o regime de matrículas e dá outras providências. Tanto a
permissão de lavra garimpeira, tratada no artigo 39 da Lei n9
7.805/89, quanto a concessão de lavra, tratada no artigo 16,
dependem de prévio licenciamento pelo órgão ambiental
integrante do SISNAMA.
O artigo 17 da lei estabelece a possibilidade de que a
pesquisa e a lavra possam ser realizadas em áreas de
conservação,19 desde que haja prévia autorização do órgão
ambiental responsável pela administração da unidade de
conservação. O que a lei
17 O regime jurídico do licenciamento ambiental foi amplamente
examinado em capítulo próprio.
18 Código de Minas.
19 O correto seria a utilização do termo unidades de
conservação.
Direito Ambiental
pretende é que, nas unidades de conservação nas quais sejam
admitidas atividades econômicas, destas, a princípio, não se
poderá excluir a atividade mineráría. A exclusão da mineração
somente poderá ser concebida se, no estudo de impacto
ambiental, resultar demonstrado que os efeitos nocivos das
atividades de mineração, na unidade específica, não podem ser
mitigados adequadamente. A matéria deverá ser examinada,
portanto, caso a caso, considerando-se os objetivos legais da
unidade de conservação, a intangibilidade ou não de seu
território e os efeitos concretos, previstos na avaliação dos
impactos ambientais, da atividade pretendida. Conforme observa
Marcelo Gomes de Souza:20 O licenciamento ambiental... deve ser
exigido para toda atividade de mineração a se implantar...
4.2. Estudos de Impacto Ambiental e Atividades de Mineração
A mineração, obviamente, está submetida ao regime geral
estabelecido pelo artigo 225, § le, IV, da CRFB, que determina
a obrigatoriedade da realização de estudos de impacto
ambiental para a atividade. Coloca-se a questão: toda
atividade mineraria deve ser submetida a estudo de impacto
ambiental? Esta não é uma questão pacífica, pois autores há
que entendem ser inconstitucional a exigência de estudos de
impacto ambiental para toda e qualquer atividade de mineração,
vez que é necessário seja levado em consideração se o
aproveitamento do recurso mineral especíãco é ou não
potencialmente causador de expressivo impacto ambiental.21
A Resolução CONAMA n^ 1, de 23 de janeiro de 1986, determina
que:
Art. 2S Dependerá de elaboração de estudo de impacto
ambiental e respectivo relatório de Impacto Ambiental - RIMA,
a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e
do IBAMA em caráter supletivo, o licencia- mento de atividades
modificadoras do meio ambiente, tais como... IX— extração de
minério, inclusive os da classe II, definida no Código de
mineração...
Posteriormente, o próprio CONAMA fez editar a Resolução
CONAMA na 9, de 6 de dezembro de 1990, com o objetivo de
definir mais claramente as normas pertinentes ao licenciamento
ambiental das atividades de extração mineral das classes I,
III, IV, VI, Vn, VIII e DC do Decreto-lei n* 227, de 28 de
fevereiro de 1967.
O licenciamento ambiental da atividade minerária é,
prioritariamente, realizado pelos órgãos estaduais integrantes
do SISNAMA. O IBAMA somente tem atuação supletiva, isto é,
caso o órgão estadual deixe de realizar a sua tarefe. Não há
que se falar em embargos administrativos promovidos pelo IBAMA
em razão de discordância com os termos do licenciamento
estadual. Na hipótese em que a atividade minerária a ser
desenvolvida tenha repercussão ambiental em mais de um Estado-
Membro da federação, competirá ao IBAMA a coordenação dos
trabalhos de licenciamento.
20 Direito Minerário e Meio Ambiente, Belo Horizonte: Del Rey,
1995, p. 133.
Mineração
-771-
O estudo de impacto ambiental deverá ser apresentado ao
órgão fiscalizador juntamente com o requerimento de concessão
da Licença Prévia (LP). Na fase posterior do processo de
licenciamento, isto é, quando do requerimento da Licença de
Instalação (LI), o empreendedor deverá apresentar o Plano de
Controle Ambiental (PCA), o qual deverá conter os projetos
executivos de minimização dos impactos ambientais analisados
quando do requerimento de concessão da licença prévia (LP).
Observe-se que, nos termos em que está redigido o § 29 do
artigo 5Ô da Resolução CONAMA n2 9/90, a concessão da licença
de instalação (LI) é um direito do requerente, desde que o PCA
tenha sido aprovado: o órgão ambiental competente, após a
aprovação do PCA do empreendimento, concederá a licença de
instalação. A licença de operação, igualmente, se constitui em
direito do empreendedor, desde que tenham sido implantados os
projetos previstos no PCA e que os mesmos estejam tendo
desempenho satisfatório.
Art. 7S Após a obtenção da portaria de lavra e a implantação
dos projetos constantes do PCA, aprovados quando da concessão
da Licença de Instalação, o empreendedor deverá requerer a
Licença de Operação, apresentando a documentação necessária...
§2S O órgão ambiental competente, após a comprovação da
implantação dos projetos do PCA, concederá a Licença de
Operação.
A Resolução CONAMA ns 1/86 menciona expressamente a Classe
II22 como uma das categorias de atividades minerárias para as
quais são exigidos estudos prévios de impacto ambiental.
Ocorre que o próprio CONAMA, através da Resolução CONAMA nô 10,
de 6 de dezembro de 1990, entendeu que nem sempre as ativida-
des minerárias são potencialmente causadora(s) de
significativa degradação do meio ambiente. Assim é que o
artigo 3a da recém-mencionada resolução estabelece a pos-
sibilidade de dispensa da apresentação de estudo prévio de
impacto ambiental De fato, dispõe o artigo 3Q do diploma legal:
A critério do órgão ambiental competente, o empreendimento,
em função de sua natureza, localização, porte e demais
peculiaridades, poderá ser dispensado da apresentação dos
Estudos de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de
Impacto Ambiental - RIMA.
Foi determinado ao empreendedor que, na hipótese de dispensa
de apresentação do EIA/RIMA, o mesmo deverá apresentar um
Relatório de Controle Ambiental — RCA, elaborado segundo
diretrizes fixadas pelo órgão ambiental.
As Licenças de Instalação (LI) e de Operação (LO), desde que
o empreendedor tenha atendido às exigências legais, se
constituem em direito do requerente. Como
22 Classe U - ardósias, areias, cascalhos, quarzitos e
saibros, quando utilizados in nacura para o preparo de
agregados, argamassa ou como pedra de talhe, e não se
destinem, como matéria-prima, à indústria de transformação.
Direito Ambiental
se vê, a Resolução CONAMA n2 10/90 derrogou a Resolução CONAMA
na 1/86, naquilo que diz respeito às atividades minerárias
referentes aos minerais compreendidos na Classe II.
4.2.1. Ilegalidades Existentes na Resolução ne 9/90 do
CONAMA
O CONAMA, no uso de seu poder regulamentar, baixou as
Resoluções nss 9 e 10/90, com o objetivo de disciplinar o
licenciamento e as exigências de estudos de impacto ambiental
para as atividades de mineração. Do ponto de vista legal e
regulamentar, a matéria está contida no Decreto-lei n2 227, de
28 de fevereiro de 1967, na Lei ne 7.805, de 18 de julho de
1989, e no Decreto n9 98.812, de 9 de janeiro de 1990.
A Resolução CONAMA n2 9, de 6 de dezembro de 1990,
estabelece em seu artigo l2 que:
A realização de pesquisa mineral, quando envolver o emprego de
guia de
utilização, ãca sujeita a prévio licenciamento ambiental.
Inicialmente, há que ser dito que o Código de Minas, nos
artigos 14/35, não faz qualquer menção à necessidade de
licenciamento ambiental para a obtenção de autorização de
pesquisa. Explica-se a circunstância em razão de que o Código
é muito anterior à legislação ambiental. Evidentemente que o
titular da autorização de pesquisa não pode se esquivar ao
cumprimento das determinações legais contidas no artigo 47,
especialmente naquilo que diz respeito à proteção ambiental.
Ora, mexis- tindo norma no Código de Minas, a matéria deve ser
examinada à luz dos demais dispositivos legais referentes às
atividades minerárias. Desta forma, é necessário que se
examinem as disposições contidas na Lei n2 7.805, de 18 de
julho de 1989. Tal lei tem por finalidade básica a disciplina
da atividade de lavra garimpeira. Nos artigos 16,17 e 18 estão
os elementos básicos para que se possa examinar se o
legislador objetivou a exigência de licenciamento ambiental
para as atividades de pesquisa minerária.
O artigo 16 estabelece que a concessão, de lavra depende de
prévio licenciamento ambiental. Não há qualquer menção à
pesquisa mineral. Pelo artigo 17 verifica-se que as atividades
de pesquisa e lavra em áreas de conservação^3 dependem de
prévia autorização do órgão ambiental que as administre. Nesta
hipótese, embora não seja utilizado o termo licença ambiental,
na prática, o que ocorrerá é que o órgão ambiental responsável
pela unidade de conservação realizará determinadas exigências
ao empreendedor. Observe-se, contudo, que, uma vez que o
licenciamento ambiental é, eminentemente, estadual, se a
unidade de conservação for federal ou municipal, a pesquisa
poderá ser realizada sem a licença estadual; já a lavra não.
Assim é porque o artigo 16 exige o licenciamento ambiental
para a lavra.
Pelo artigo 18, observa-se que o órgão ambiental, ainda que
não tendo concedido licença para a pesquisa mineral, tem
poderes para suspender os trabalhos, caso
23 O correto seria a utilização da designação unidades de
conservação.
fíSBJ - Ensino Superior Bmeau
Mineração
estes estejam sendo nocivos ao meio ambiente. Repetem-se, no
artigo 19, os pressupostos da responsabilidade civil daqueles
que, exercentes de atividades minerárias, vierem a causar
danos ao meio ambiente.
Observe-se que no Decreto ns 98.812, de 9 de janeiro de
1990, igualmente, e acertadamente, inexige a licença ambiental
para os trabalhos de pesquisa minerária. Merece ser ressaltado
que, nas áreas de conservação (rectius: unidades de conserva-
ção), conforme estabelecido em lei, o artigo 19 do decreto
condiciona a concessão de autorização para a pesquisa e a
lavra ao consentimento do órgão gestor da unidade.
Parece-me, portanto, que há uma evidente ilegalidade na
exigência de licenciamento ambiental para as atividades de
pesquisa mineral, pois, nos termos da legislação vigente, a
pesquisa mineral só depende do licenciamento exclusivamente
minerário.
4.2.2, A Extinção das Classes Minerais e os Estudos de Impacto
Ambiental
A extinção das classes minerais estabelecidas pelo código
tem enormes repercussões em tudo aquilo que diz respeito à
exigência de estudos de impacto ambiental. De feto, as
resoluções do CONAMA pertinentes à matéria estão fundadas em
uma exigência genérica vinculada às classes minerais. Ora,
inexistentes as classes, como se deve aplicar a exigência dos
estudos de impacto ambiental? Em minha opinião, enquanto não
for editada uma nova resolução CONAMA, o assunto deve ser
examinado casuisticamente. Isto é, em cada caso o órgão
ambiental deverá verificar, concretamente, as possibilidades
de impacto ambiental negativo e justificar o requerimento de
que sejam realizados os estudos de impacto ambiental.
4.2.3. Atividades com Repercussões Ambientais em Áreas
Indígenas
Como já foi dito em diversas oportunidades deste trabalho,
muitas vezes, as atividades minerárias têm repercussão em
áreas indígenas. Observe-se que, aqui, não se está a falar de
atividades no interior de áreas indígenas, mas de atividades
realizadas fora de áreas indígenas e que, eventualmente,
poderão gerar consequências em terras indígenas. Tal matéria
está submetida à regulamentação do Decreto ns 24, de 4 de
fevereiro de 1991. Assim é que o artigo 2e, parágrafo único,
alínea c, determina que deve ser realizado o controle
ambiental das atividades potencial ou efetivamente
modificadoras do meio ambiente, mesmo daquelas desenvolvidas
fora dos limites das áreas que afetam. O Serviço do Meio
Ambiente das Terras Indígenas,24 vinculado à Coordenadoria de
Patrimônio Indígena da Fundação Nacional do índio - FUNAI, é o
órgão responsável pela aprovação de projetos de órgãos
públicos ou privados que possam acarretar impactos diretos ou
indiretos ao meio ambiente das terras indígenas.25 Dentre as
atribuições do mencionado Serviço do Meio Ambiente das
24 Instituído pela Portaria nB 422, de 25/4/1989, da
Presidência da FUNAI.
25 Portaria no 423, de 25/4/1989, art. Io, II, alínea b.
Direito Ambiental
Terras Indígenas (SEMATI), incluem-se as atribuições de
elaborar e acompanhar os projetos de recuperação de áreas
indígenas que tenham sofrido degradação ambiental e de
acompanhar a execução de projetos que provoquem alterações do
meio ambiente das terras indígenas. Situação diferente é a de
atividades realizadas no interior de terras indígenas, pois,
como foi visto, estas necessitam de autorização do Congresso
Nacional.
4.3. Obrigação de Recuperação Ambiental da Área Degradada
Como se sabe, o Direito Ambiental consagra o princípio geral
da responsabilização dos causadores de danos ambientais.
Dentre os elementos fundamentais que constituem a obrigação de
reparação do dano, encontra-se a repristinação do meio
ambiente como um dos mais importantes aspectos a serem
observados pelos utilizadores de recursos ambientais. A CF,
contudo, naquilo que diz respeito às atividades minerárias,
foi redundante, pois, no § 2S do artigo 225, estabelece que:
Aquele que explorar recursos minerais £ca obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da
lei.
Sendo certo que no § 3e está determinado que:
As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o
dano.
Obviamente que a reparação dos danos estabelecidos pelo § 3e
somente pode ser considerada tecnicamente correta se feita de
acordo com a orientação do órgão público competente. Admite-
se, contudo, que o constituinte tenha buscado dar um relevo às
atividades minerárias e aos danos que estas possam ter causado
ao meio ambiente.
Após a promulgação da CRFB foi baixado o Decreto ns 97.632,
de 10 de abril de 1989, com o objetivo de regulamentar o
artigo 2S, inciso VIII, da Lei ne 6.938/81. O inciso VIII do
artigo 29 da Lei nQ 6.938/81 estabelece que um dos princípios
da política nacional do meio ambiente é a recuperação das
áreas degradadas. A degradação da qualidade ambiental é, nos
termos da lei, a alteração adversa das características do meio
ambiente.26
É evidente que a degradação ambiental não decorre, apenas,
das atividades minerárias. Entretanto, o Decreto n2 97.632/89
limitou-se a tratar de recuperação de
26 Lei no 6.938/81, artigo 3a, II.
Mineração
áreas degradadas por atividades minerárias. Observe-se,
ademais, que o decreto estabeleceu uma definição para
degradação. Assim é que o artigo 29 dispõe:
Para efeito deste decreto são considerados como degradação
os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos
quais se perdem ou se reduzem algumas das suas propriedades,
tais como a qualidade ou capacidade produtiva dos recursos
ambientais.
O Código de Mineração, conforme o disposto em seu artigo 48,
define a lavra ambiciosa como aquela conduzida sem observância
do plano preestabelecido, ou efetuado de modo a impossibilitar
o ulterior aproveitamento econômico da jazida. Decorre daí que
o Código tem duas preocupações básicas, a primeira que é a de
assegurar que a lavra seja efetuada dentro de padrões técnicos
que garantam a salubridade da atividade, e a segunda, com o
objetivo de manter um determinado grau de susten- tabilidade
da atividade minerária. Sabemos, entretanto, que os recursos
minerais não são renováveis e que, para a sua extração, não
raro, são necessárias atividades que criam modificações
ambientais irreversíveis. Tais modificações, durante a
realização das atividades de extração mineral, não podem ser
impedidas. Como exemplo é possível apresentar o desmonte de um
morro para a extração de determinado minério. Dificilmente o
morro poderá ser reconstituído e, em seu lugar, poderá surgir
uma cratera. Bem se vê que, no caso, não se poderá falar em
repristinação ambiental ante a total impossibilidade, pelo
menos em nível de nossa melhor tecnologia atualmente;
existente.
Penso que a situação que está colocada é interessante, pois,
de fato, não se poderia adotar a designação degradação para as
atividades minerárias, regularmente realizadas e praticadas
segundo os ditames dos licenciamentos, inclusive o ambiental.
Assim é porque, nos termos da lei, a degradação é uma
alteração adversa do meio ambiente e, portanto, proibida.
AnaHsando-se a questão sob outro prisma, observa- se que o
legislador, diante das importantes repercussões econômicas e
sociais das atividades minerárias, estabeleceu um critério
diferenciado para a prática de tais atividades. Embora tenha
exigido que as mesmas se façam com respeito à legislação de
proteção do meio ambiente e mediante critérios bastante
rígidos de segurança, admitiu que, durante a fase de extração,
são inevitáveis os resultados negativos sobre o meio ambiente.
A recuperação dos danos ambientais causados pela mineração
é, precipuamen- te, uma atividade de compensação, pois
raramente é possível o retomo, ao status quo ante, de um local
que tenha sido submetido a atividades de mineração.
’’’I
I
rife
\
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Capítulo XXIX A Proteção Judicial e Administrativa do Meio
Ambiente
1. Introdução
Uma das maiores dificuldades para aqueles que não são
profissionais do Direito é compreender a estrutura
organizacional do Poder Judiciário brasileiro e das insti-
tuições que têm sua existência em função da prestação
jurisdicional, tais como o Ministério Público, a Polícia
Judiciária e a Militar, bem como a própria advocacia. De fato,
há uma verdadeira perplexidade sobre o tema. Mesmo entre os
profissionais do Direito, não raras vezes, não existe uma
clareza sobre a matéria ora referida. Não é difícil perceber
que, sem uma prévia e correta compreensão da estrutura
judiciária brasileira, é muito difícil que se possa buscar a
proteção judicial do meio ambiente.
2. O Poder Judiciário
O Poder Judiciário é um dos Três Poderes existentes no
Estado brasileiro e tem por finalidade dirimir conflitos com
base no sistema legal, com vistas a evitar ameaças ou lesões
de direitos1 e assegurar um mínimo de convivência pacífica
entre os membros da sociedade. A estrutura organizacional do
Poder Judiciário brasileiro está contemplada nos artigos 92 e
seguintes da CRFB. Em obediência à estrutura federativa do
Estado brasileiro, o Poder Judiciário está assim constituído:
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I~o STF;
II—o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Federais;
IV-os Tribunais e Juizes do Trabalho;
V-os Tribunais e Juizes Eleitorais;
VI-os Tribunais e Juizes Militares;
VII ~ os Tribunais e Juizes dos Estados e do Distrito Federal
e Territórios.
O STF e o Superior Tribunal de Justiça têm jurisdição sobre
todo o território nacional. A Justiça brasileira divide-se em
comum e especializada. A Justiça comum
1 CF, art. 2* c/c art. 5«, XXXV.
778
Direito Ambientai
é constituída pela Justiça Federal e pela Justiça dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios. Já a Justiça
especializada é composta pela Justiça do Trabalho, pela
Justiça Eleitoral e pela Justiça Militar.2 Uma vez que o Brasil
é uma Federação, o Poder Judiciário poderá ser Federal ou
Estadual. O Poder Judiciário Federal é integrado pela Justiça
Federal e pelas Justiças especializadas mencionadas. O Poder
Judiciário do Distrito Federal e dos Territórios, embora seja
mantido pela União Federal, é considerado como se estadual
fosse, especialmente em razão de suas competências. Em
realidade, não há qualquer diferença entre o Poder Judiciário
dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios.
2.1. O STF e o Superior Tribunal de Justiça na Proteção
Ambiental
O STF é o principal tribunal do sistema judiciário
brasileiro competindo- lhe, fundamentalmente, a guarda da CF,
nos termos dos artigos 102 e seguintes da própria Lei
Fundamental da República. Cabe, ainda, ao STF, processar e
julgar ações entre os Estados ou entre os Estados e a União
Federal. Tais causas, não é preciso dizer, poderão versar
sobre matéria ambiental. Parece-me, contudo, que o papel
ambiental mais importante desempenhado pelo STF é aquele que
diz respeito à declaração de inconstitucionalidade ou
constitudonalidade das leis por via direta (art. 102, Î, a, da
Constituição de 1988). Através do citado mecanismo, o STF
poderá declarar a inconstitucionalidade ou a
constitudonalidade de uma norma jurídica com validade erga
omnes e “manter” ou “suspender” um texto legal.
Um exemplo importante da atividade direta do STF pode ser
mostrado pela seguinte dedsão:
Tratando-se do uso de defensivos agrícolas, a fiscalização
estadual só não pode excluir aquela da União, mas pode e deve
exercer-se de toda conveniência para melhor controle da
regularidade do uso do produto, aplicando aos infratores as
penalidades da lei estadual (STF, Rep. nô 1.134-SE).3
Já o Superior Tribunal de Justiça tem uma atuação de
natureza recursal diversa, pois ao mencionado tribunal compete
a guarda da legislação comum. A matéria ambiental que pode ser
tratada pelo Superior Tribunal de Justiça, em geral, chega-
lhe pela via de recursos contra as dedsões dos Tribunais
Regionais Federais ou dos Tribunais de Justiça. O Superior
Tribunal de Justiça tem proferido inúmeras dedsões em matéria
ambiental, notadamente quanto a questões envolvendo
competências processuais.
2 A Justiça Militar pode ser estadual ou federal.
3 Antunes, Paulo de Bessa. Jurisprudência Ambiental
Brasileira, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 106.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
2.2. A Justiça Federal, a Justiça do Trabalho e a Proteção
Ambiental
À Justiça Federal compete processar e julgar as causas nas
quais existam interesses da União, de suas autarquias, de suas
fundações ou empresas públicas. Compete, ainda, à Justiça
Federal processar e julgar as causas que tenham por fundamento
os tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
No campo criminal, compete à Justiça Federal processar e
julgar os crimes praticados contra bens, serviços e interesses
da União e das entidades que lhe sejam vinculadas.4 Compete,
ainda, à Justiça Federal julgar as causas sobre direitos
indígenas. Bem se vê, portanto, que a Justiça Federal
desempenha um importante papel no interior da problemática
concernente à proteção judicial do meio ambiente. A proteção
da fauna silvestre, dos parques nacionais, dos rios
interestaduais, do mar, das reservas indígenas etc. está
constitucionalmente definida como área de competência da
Justiça Federal.
A Justiça do Trabalho, em situações específicas, pode também
ser um importante instrumento de proteção ambiental. Como se
sabe, a Justiça do Trabalho, por força do artigo 114 da
Constituição de 1988, tem por competência processar e julgar
dissídios entre empregados e empregadores e, também, aqueles
originários do cumprimento de suas próprias decisões. Ocorre
que o artigo 200, VIII, da CRFB determina que compete ao
Sistema Único de Saúde colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho. O meio ambiente do trabalho
pode ser urbano ou rural e, muitas vezes, cláusulas não
econômicas são incluídas nos dissídios coletivos ou acordos
trabalhistas com o intuito de promover melhorias em condições
ambientais ou de saúde. O cumprimento de tais cláusulas deverá
ser buscado perante a Justiça do Trabalho. Penso que este é um
aspecto da competência da Justiça do Trabalho que tem sido
pouco explorado.5 O STF, em acórdão de lavra do Ministro Marco
Aurélio, para nossa felicidade, consagrou a tese que venho
defendendo, desde há muito, de que existe competência da
Justiça do Trabalho para processar e julgar ações civis
públicas.6
2.3. A Justiça dos Estados e a Proteção Ambiental
Todas as causas que não tenham a União ou uma de suas
entidades em polo passivo ou ativo, e que não sejam
decorrência de relação de trabalho, deverão ser processadas e
julgadas perante a Justiça dos Estados. E um universo
extremamente vasto e importante. Deve-se atentar para o fato
de que as contravenções do CFlo, ainda que praticadas em
detrimento de bens da União Federal, parques nacionais, por
exemplo, serão sempre julgadas e processadas na justiça
estadual.
4 CF, art. 109,1, II, DI e IV.
5 O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro tem
produzido trabalhos bastante interessantes quanto ao
particular.
6 RE n® 206.220-MG. Rei. Min. Marco Aurélio. DJU 17/9/99, p.
58. Julgamento: 16/3/1999, 2* Tunna. Ementa: Competência.
Ação Civil Pública - Condições de Trabalho. Tendo a ação
civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas
e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do
trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a
competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho.
Direico Ambiental
3. O Ministério Público
A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de atribuições
bastante amplo para o Ministério Público em matéria de
proteção ambiental. Em linhas gerais tais atribuições são
originárias do regime jurídico que ora se passa a examinar.
3.1. A Base Constitucional da Atuação do Ministério Público
Já se tomou lugar-comum afirmar que a CF de 1988 atribuiu ao
Ministério Público papel de grande relevância na proteção dos
chamados interesses difusos. De fato, a vigente Lei
Fundamental brasileira foi bastante positiva ao atribuir
funções ao Ministério Público. Os artigos 127/130 da CF
moldaram o perfil do parquet como um importante instrumento de
expressão da sociedade.
A organização constitucional do Ministério Público no Brasil
não encontra paralelo em nenhum outro país do mundo. O nível
de independência e autonomia que foi deferido ao MP pelo
constituinte é absoluto. O Ministério Público e seus
integrantes somente se encontram submetidos à lei e à própria
consciência.
Sem dúvida alguma, é no artigo 127 da CF que se encontra o
cerne das atribuições ministeriais. Determina o recém-
mencionado dispositivo constitucional:7
O Ministério PúbliccP é instituição permanente, essencial à
íunção juris-
dicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Em razão de suas atribuições básicas, conforme estatuídas no
caput do artigo 127, decorrem as funções institucionais
estabelecidas ao longo do artigo 129. Estas,9 em realidade, se
constituem em um conjunto de atribuições pelas quais são
estabelecidos instrumentos para que o MP possa exercer os
misteres ao seu encargo.
Dentre as diversas funções institucionais mencionadas no
artigo 129, encontram-se o exercício da ação civil pública10 e
do inquérito civil.11 As funções institucionais estabelecidas
na Lei Fundamental são exercidas na forma da legislação de
menor hierarquia. Atualmente é bastante grande o número de
leis que tratam da ação civil pública e do inquérito civil.
Hoje, o Direito brasileiro consagra, no mínimo, cinco ações
civis públicas típicas, que são aquelas previstas nas leis:
a) Lei n2 7.347/85;
b) Lei n9 7.853/89 (integração social do deficiente físico);
7 Órgãos estaduais.
8 Poderá ser utilizada a sigla MP.
9 Penso que, na realidade, tratam-se de instrumentos de
atuação do MP.
10 Doravante, ACP.
11 Deve ser observado que apenas o inquérito civil constitui-
se em exclusividade do MP.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
c) Lei ia2 7.913/89 (responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários);
d) Lei n9 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); e
e) Lei n9 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Penso que os dispositivos constantes de todas as leis
mencionadas são complementares e podem ser aplicados em
processos judiciais versando matéria ambiental.
O Ministério Público é, no Brasil, o principal autor de
ações civis públicas e desempenha um papel de extraordinária
relevância quanto ao particular. De fato, o precário nível de
organização de nossa sociedade não permite que ela própria, e
por meios autônomos, busque a defesa de seus interesses. O
Ministério Público, em razão disto, passou a desempenhar um
tipo de advocacia pro bono quando acionado por pessoas e
associações preocupadas com os problemas ambientais.
4. Principais Meios Judiciais de Proteção Ambiental
4.1. Ação Civil Pública
O presente tópico não pretende ser uma análise da ação civil
pública, mas, apenas e tão-somente, servir de uma apresentação
sumária do tema àqueles que pretendem auferir conhecimentos de
Direito Ambiental. A ação civil pública é um importante ins-
trumento de tutela do meio ambiente, mas, a toda evidência,
não é um instituto que integre o Direito Ambiental. A lei da
ação civil pública, igualmente, não criou qualquer direito. É,
apenas, norma de processo, e é desta maneira que deve se
enfocada.
Para que se possa compreender o objeto da ação civil pública
é necessário que se tenha em mente que são diversas as
matérias tuteladas pela Lei nQ 7.347/85.
A Lei n9 7.347, de 24 de junho de 1985, tem por finalidade,
sem prejuízo da ação popular disciplinada pela Lei n2 4.717, de
29 de junho de 1965, reger as ações de responsabilidade por
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e
direitos de valor artístico, histórico, turístico e
paisagístico. Vale notar que, com o advento da Constituição de
1988, o campo de abrangência da lei que ora se examina foi
bastante ampliado, vez que, por força do artigo 129, III,
estabeleceu-se a possibilidade de propositura de ações civis
públicas para a defesa de outros interesses difusos. A exata
definição de todo o espectro jurídico alcançado pelas diversas
leis de ação civil pública ainda está por ser feita pela
doutrina especializada e pela própria jurisprudência. De
pronto, verifica-se que, mesmo dogmaticamente, os conceitos
jurídicos adotados pelo texto legal são conceitos jurídicos
indeterminados. Tal fato não deve causar perplexidade no
intérprete, mas, ao contrário, deve servir de estímulo e desa-
fio para o alargamento da tutela propiciada pela norma. Aliás,
merece ser recordada a lição de Engisch:12
12 Karl Engisch. Introdução ao Pensamento Jurídico, Lisboa:
Calouste Gulbenkiam, 1979, p. 173.
Direito Ambientai
Os conceitos jurídicos absolutamente determinados são muito
raros em direito.
Assim, salvo melhor juízo, o julgador, em casos que envolvam
a defesa judicial de interesses difusos, deverá utilizar-se,
largamente, das disposições contidas no artigo 126 do CPC, in
verbis:
O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar
as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais do Direito.
A simples leitura do artigo 39Í3 conjugada com a do artigo
4a14 demonstra-nos que podem ser propostas ações com a
finalidade de obter condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer e, ainda, medidas cautelares
que estejam em consonância com "os üns desta lei”
Não posso deixar de observar que7 embora a Lei n9 7.347/85
vise regulamentar uma ação de "responsabilidade”, esta lei não
contém qualquer dispositivo acerca da liquidação dos danos
cujos ressarcimentos devem ser buscados mediante a utilização
do diploma legal que se analisa. Em não poucas oportunidades,
a reparação de uma lesão poderá demandar uma prévia declaração
judicial da existência ou da inexistência de uma relação
jurídica, a validade de um ato jurídico, verbi gratia, a
anulação de licenças ambientais concedidas ao arrepio da lei:
“Se o fato arguido de lesivo ao meio ambiente foi praticado
com licença, permissão ou autorização de autoridade compe-
tente, deverá o autor da ação - Ministério Público ou pessoa
jurídica ~ provar a ilegalidade de sua expedição, uma vez que
todo ato administrativo traz a presunção de legitimidade, só
invalidável por prova em contrário.”15
Deve ser observado que a Lei Fundamental de 1988 ampliou as
hipóteses de cabimento da ação civil pública. Assim é que se
pode ver no inciso III do artigo 129 da CF a seguinte função
institucional do Ministério Público:
Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção do patrimônio púbhco e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
Logicamente, e por força direta da nova norma
constitucional, foram ampliadas as hipóteses de tutela
constitucional possibilitadas pela Lei nB 7.347/85, isto é,
passaram a ser tutelados os patrimônios público e social e,
ainda, outros interesses difusos
13 Alt. 3® A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer.
14 Art. 4® Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins
desta lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
15 MeireUes, Hely Lopes. “Proteção ambiental e ação civil
pública”, in Revista de Direito Administrativo,
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
e coletivos. Nova ampliação das hipóteses de cabimento da ação
civil pública, proposta pelo Ministério Público, foi efetivada
pela Lei Complementar ns 75, de 20 de maio de 1993, em seu
artigo 62, inciso VII, alíneas a, b, c e d, cujo teor é o
seguinte:
Art. 69 Compete ao Ministério Público da União: ...
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública
para:
a) proteção dos direitos constitucionais;
b) a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis,
homogêneos, sociais, difusos e coletivos, relativos às
comunidades indígenas, à família, à criznça, ao adolescente,
ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos,
sociais, difusos e coletivos.
O artigo l- da Lei na 7.347, de 24 de julho de 1985,
determina que:
Art. 19 Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo
da ação popular, as ações de responsabilidade por danos
causados: I ~ ao meio ambiente; II - ao consumidor; Hl-a bens
e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico; TV - a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo.
Dentre os bens jurídicos tutelados pela presente lei, o meio
ambiente é um dos que merecem maior destaque. Normativamente,
o meio ambiente, como se sabe, está conceituado no inciso I do
artigo 32 da Lei nQ 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA Nos termos
da norma jurídica recém-citada o meio ambiente é o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem química,
física e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas. Por força de expressa disposição
constitucional, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo
e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e
futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a
preservá-lo e defendê-lo (CF, art. 225).
De todas as hipóteses de cabimento das ações civis públicas,
esta é aquela que permite a maior ampliação do instrumento
processual ora sob análise. Evidentemente que a amplitude do
permissivo contido no inciso é função do entendimento que se
tenha dos próprios interesses difusos. O nosso posicionamento
é no sentido de considerar que os interesses difusos revestem-
se da característica de serem um prolongamento e uma extensão
dos direitos humanos fundamentais. Nesta condição possuem um
caráter de garantia e tutela de determinados padrões de con-
dição de vida e não podem ser confundidos com qualquer
reivindicação de grupos. Isto porque os interesses difusos não
se confundem com postulações corporativas.
Existe uma certa tendência doutrinária em considerar que o
simples choque de interesses entre grupos sociais que formulam
reivindicações conflitantes entre si é suficiente para
configurar um choque de interesses difusos. Não é assim. Não
se pode
Direito Ambiental
falar em interesse difuso quando a postulação é contrária ao
próprio sistema constitucional de garantia dos direitos
humanos em qualquer uma de suas dimensões.
O objetivo que deve guiar o intérprete é o de compatibilizar
a reivindicação eventualmente formulada por um grupo com um
interesse geral da sociedade. Se a postulação não trouxer em
seu bojo um interesse geral da sociedade, presente e futura,
não há que se falar em interesse difuso mas, ao contrário, de
interesse corporativo, não tutelado pela ação civil pública.
4.1.1. Competência para o Processamento e Julgamento das
Ações Civis Públicas
Parece-nos que o legislador não foi muito feliz ao tratar do
presente assunto, senão vejamos:
a) a lei determina que a ação seja proposta perante o juízo
com jurisdição sobre o local do dano;
b) a lei determina que o juiz do local terá competência
funcional para processar e julgar o feito.
Em minha opinião há uma contradição nos termos com os quais
o legislador quis abordar o tema ora examinado. A hipótese
prevista na letra a é, a toda evidência, de competência
territorial. Como é de conhecimento de todos, é competência
relativa, portanto, prorrogável. Quanto à letra b, esta não
tem qualquer relação com a competência territorial.
Juridicamente, há um erro grosseiro de conceituação, pois, de
fato, o legislador misturou e confundiu os institutos da
competência territorial e da competência funcional. Vale
trazer à colação a lição de Humberto Theodoro Junior:16
Há que se distinguir a competência de foro da competência do
juiz. Foro é o local onde o juiz exerce as suas funções. Mas
no mesmo local podem funcionar vários juizes com atribuições
iguais ou diversas, conforme a organização judiciária. Se tal
ocorrer, há que se determinar, para uma mesma causa, primeiro
qual o foro competente e, depois, qual o juiz competente. Foro
competente, portanto, vem a ser a circunscrição territorial
(Seção Judiciária ou Comarca) onde determinada causa deve ser
proposta. Ejuiz competente é aquele, entre os vários
existentes na mesma circunscrição, que deve tomar conhecimento
da mesma para processá-la e julgá-la.
Longe de pretender doutrinar sobre tema de tão grave
indagação, socorro-me da lição de Athos Gusmão Carneiro:17
16 Processo de Conhecimento, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed.,
1984, p. 176.
17 Jurisdição e Competência, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 92.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambience
Diferentes “funções” ou atribuições dentro de um mesmo
processo podem caber a diferentes juizes. No âmbito criminal,
temos exemplo expressivo nos processos por crimes de
competência do tribunal do júri, pois pode caber a um juiz de
vara criminal comum instruir o processo, ao juiz da vara
privativa do júri proferir a sentença de pronúncia e presidir
o júri, aos jurados responderem aos quesitos, ao juiz fixar a
pena, e, por fim, ao juiz das execuções criminais apreciar os
incidentes surgidos durante a execução da pena. Trata-se nessa
hipótese, de competência funcional “horizontal” tramitando o
processo no mesmo grau de jurisdição. No cível, o critério de
competência funcional encontra maior aplicação no plano
“vertical” na também chamada competência “hierárquica”, ou
competência recursal. São de ordem pública, e assim
interrogáveis - competência absoluta - os critérios de
competência funcional, atributivos da competência a um juiz
para praticar determinados atos ou para conhecer de uma causa
em primeira instância, e a outras, juizes para conhecê-la em
segunda instância.
O Estado brasileiro é organizado sob a forma de República
Federativa, com separação de Poderes. Isto implica que os
Poderes organizam-se de forma independente, devendo manter
harmonia em suas relações. A República brasileira, na forma da
Constituição de 1988, é constituída pela união dos Estados,
dos Municípios e do Distrito Federal. Desta forma, e em
decorrência dos princípios federativos adotados pela Lei
Fundamental da República, o Poder Judiciário, embora seja um
dos Poderes nacionais, divide-se em Poder Judiciário Federal e
Poder Judiciário Estadual. A propósito, vale frisar que as
justiças especializadas (Trabalho, Eleitoral e Militar) são,
em geral, federais, à exceção da última, que também pode ser
estadual. A Justiça Federal, propriamente dita, é justiça
comum. Verifica-se, portanto, que há uma organização dual na
Justiça brasileira. A Lei n2 7.347/85, como é óbvio, existe
para ser aplicada pelo Poder Judiciário, seja federal ou
estadual e não apenas por um de seus “braços”.
No âmbito da Justiça dos Estados o local do dano é uma
Comarca, salvo nos casos em que o dano possa ter ocorrido em
mais de uma Comarca. Caso o dano tenha se verificado em mais
de tuna Gomarca, deverão ser aplicadas as normas do CPC sobre
conexão, prevenção etc.
Há que ser considerada a eventualidade da existência de dano
que, por suas dimensões excepcionais, ultrapasse os limites de
uma única Comarca e que, neste caso, se reproduza em várias
localidades que, juridicamente, podem ser Comarcas diversas.
Ora, em minha opinião, deve ser considerado que, em se
tratando de matéria de competência relativa, o ajuizamento
poderá ocorrer em qualquer uma das Comarcas nas quais o evento
danoso tenha produzido consequências. Evidentemente que, se
ajuizado mais de um processo visando à reparação do dano, em
Comarcas diferentes ou em mais de uma Vara da mesma Comarca,
prevalecerá a competência daquela que primeiro tenha tido
conhecimento dos fatos (mediante despacho citató- rio exarado
pelo órgão judicial), por força da prevenção. Do ponto de
vista estritamente prático, recomenda-se seja o feito ajuizado
na Comarca do local onde o dano tenha sido iniciado, onde o
evento lesivo se verificou, desconsiderando-se repercus-
Direito Ambiental
soes em outras Comarcas. Tal recomendação tem por objetivo
facilitar a produção de provas. Daí poderá haver uma
repercussão socialmente mais eficaz para o processo. Galeno de
Lacerda18 e Hugo Nigro Mazzilli19 têm entendimento no mesmo
sentido.
Quando se tratar de ação civil pública que tenha por
finalidade a tutela de bem jurídico cuja titularidade é da
União Federal ou de uma de suas autarquias ou empresas
públicas, a competência, em nossa opinião, é, evidentemente,
federal. Tais casos não demandam maiores indagações, se o dano
ocorrer nas capitais ou em cidades que sejam sede de juízo
federal
4.1.1.1. Prescrição
A prescrição é um dos assuntos mais árduos e dos mais
importantes para o DA e, talvez em função disso, tem sido
pouco tratada pela doutrina mais abalizada. A grande
importância do tema está situada na órbita do direito
processual e não propriamente na do direito qualificado como
“material”. Ela se constitui em defesa do réu que, se
acolhida, importa julgamento com apreciação do mérito.,
conforme determinação do CPC.20 Em geral, sustenta-se que,
devido aos valores tutelados pelo DA, não se poderia falar em
prescrição, visto que aqueles, por não terem caráter patrimo-
nial, estariam imunes à sua incidência. Aduz-se que a
prescrição recai sobre direitos patrimoniais e que, em direito
ambiental, apenas parcialmente se pode falar em direitos
patrimoniais, visto que os bens tutelados, em sua essência,
não possuem valor econômico. A fim de bem ilustrar a posição
acima mencionada, permito~me, nesta altura, transcrever um
breve texto do excelente Edis Milaré21 que, na minha opinião,
bem ilustra o conjunto das concepções negadoras da prescrição
em matéria ambiental, in verbis: “Conforme salientamos
alhures, o Direito enxerga o dano ambiental sob dois aspectos
distintos: à) o dano ambiental coletivo, dano ambiental em
sentido estrito ou dano ambiental propriamente dito, causado
ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção
difusa, como patrimônio coletivo, e b) o dano ambiental
individual ou dano ambiental pessoal, sofrido pelas pessoas e
seus bens. Assim é porque um mesmo fato pode ensejar ofensa a
interesses difusos e individuais, como ocorre, por exemplo,
com a contaminação de um curso de água por carreamento de
produto químico nocivo. Ao lado do dano ecológico puro ou
coletivo identificado, poderão coexistir danos individuais em
relação aos proprietários ribeirinhos que tenham suportado
perda de criações ou se privado do uso comum da água
contaminada... De fato, o estabelecimento de um prazo para o
ajuizamento da ação tendente à composição da lesão ambiental
resulta por completo inadequado para o sistema de prescrição.
”
18 “Ação civil pública”, in Revista do Ministério Público do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ed. especial, nc 19,1986,
p. 40.
19 A Defesa dos interesses Difusos, São Paulo: RT, 1988, p.
40.
20 CPC: “Art. 269 — Extingue-se o processo com julgamento de
mérito: (...) IV — quando o juiz pronunciar a decadência ou
a prescrição...”
21 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT. 2005, 4*
edição, pp. 962-3.
fSBJ * Hnsno Supenor
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
O tema, por complexo, não será examinado em toda a sua
profundidade nesta sede, buscarei dar uma ideia geral do nível
dos debates sobre a matéria e, na medida do possível, externar
uma concepção pessoal. Em primeiro lugar penso que o aludido
caráter difuso do dano ambiental não deve nos impressionar. Os
chamados interesses difusos têm como uma de suas mais
importantes características básicas a sua quase completa
fluidez e plasticidade, um caráter gelatinoso, que resulta de
situações fundamentalmente fáticas. Conforme Mancuso,22 “são
interesse metaindividuais que, não tendo atingido o grau de
agregação e organização necessário à sua aferição
institucional, junto a certas entidades ou órgãos
representativos dos interesses já socialmente deíinidos,
restam em estado fluído, dispersos pela sociedade civil como
iim todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico),
podendo por vezes concernir a certas coletividades de conteúdo
numérico indefinido (v. g., os consumidores). Caracterizam~se
pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do
objeto, por tuna intensa litigiosidade interna e por sua
tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.
Diante de uma abrangência tão ampla e de seu caráter
evidentemente aberto, o problema da legitimidade ativa,
evidentemente, tem uma grande importância. As dificuldades
para tutelar judicialmente tais interesses foram resolvidas no
direito brasileiro com a Lei n3 7.347/85, que instituiu a Ação
civil Pública que, posteriormente, foi constitucionalizada.
Tal lei processual estabeleceu mecanismos de substituição
processual capazes de romper com os rígidos limites do artigo
6a23 do CPC. A Lei foi uma construção prática capaz de dar
solução a problemas de legitimidade ativa no que concerne à
busca pela reparação de danos causados a bens que não estavam
diretamente vinculados à esfera jurídica de particulares e,
portanto, estes últimos não podiam perseguir em juízo, pela
falta de legitimidade ativa. Posso citar, por exemplo, a
obrigação de que o ar fosse mantido limpo, ou de que os rios
não fossem poluídos. Não se deve esquecer, contudo, que nas
hipóteses individuais, o direito de vizinhança foi amplamente
utilizado no direito brasileiro e com expressivo sucesso, nas
questões de ruído excessivo,24 iluminação,25
22 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos (conceito e
legitimação para agir). São Paulo: RT, 1988, p. 105.
23 CPC - “Art. 6a - Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei”
24 TJRJ. 2005.001.06459 - APELACAO CÍVEL. Relator Desembargador
DES. NAGIB SLAIBI FILHO - Julgamento: 21/06/2005 ~ SEXTA
CAMARA CÍVEL. “Direito Processual Civil. Recurso
manifestamente improcedente. Aplicação do art. 557 da Lei
Processual. Embargos de terceiro. Inadequação da via eleita
para modificar a sentença. Perícia que conclui pela
existência de ruídos excessivos que prejudicam o sossego e a
tranqüilidade dos vizinhos. A embargamejá se encontrava no
local na data da realização da perícia, impondo-se ao
ocupante do imóvel as normas que disciplinam os direitos de
vizinhança. Inexistência de comprovação do esbulho ou
turbação de posse ou bens. Desprovimento do recurso.”
25 TRJEC/RJ. 2005.700.014253-3. Relatora: Juíza CRISTINA TEREZA
GAULIA. Direito de vizinhança - Instalação de letreiro
luminoso em marquise — Prédio antigo de dois andares —
Instalação inadequada do ponto de vista elétrico - Fios
soltos — Insegurança - Perigo de curto-circuito — Incômodos
causados à autora pela iluminação noturna excessiva sob as
janelas de sala e dos quartos — Ruído oriundo da corrente de
energia — Uso da marquise (espaço que tem natureza de área
comum) sem autorização prévia de todos os proprietários do
prédio — Uso anormal da propriedade inclusive pelo fato de
já possuir o estabelecimento réu dois outros letreiros
instalados adequadamente sob a marquise Desvalorização do
imóvel da autora —Po-
Direito Ambiental
fumaça26 etc. Evidentemente que os direitos de vizinhança não
são sufícientes para resolver problemas de natureza coletiva,
visto que terceiros não podem defender em nome próprio direito
alheio.
Os interesses difusos não excluem e nem são antagônicos às
questões patrimoniais. Aliás, se analisarmos as questões
referentes aos danos morais veremos que, inicialmente, eles
não eram indenizáveis, visto que se alegava que a dor não
tinha preço. Com isto, seguramente, os causadores de tal
espécie de dano ficavam inteiramente imunes à força do
direito. A evolução da matéria chegou ao ponto de que a
proteção da intimidade e a possibilidade de indenização de
danos morais se transformaram em matéria constitucional. Veja-
se que já se fala em dano moral ambiental,27 com repercussão
inclusive na jurisprudência.28 Ao contrário, a
patrimonialização,
Iuição visual exagerada - Direito da autora enquanto vizinha e
proprietária do imóvel afetado Desnecessidade de usar a autora
seu imóvel continuamente para exercer o direito previsto na
lei civil, tendo em vista inclusive que não consta autorização
da Prefeitura -Art. 1.277 CC/02 Eliminação da interferência
que é possível sem prejuízo para a publicidade da ré de seu
comércio ~ Danos morais não providos - Sentença de procedência
pardal que determina a retirada do letreiro em prazo certo
pena de multa diária que se confirma - Afastamento correto do
pedido contraposto na forma do Enunciado 4.1.1, DORJ 21/09/01.
26 TACRS. Apelação Cível n» 187052279. Relator Desembargador
Osvaldo Stefanello. Primeira Câmara Cível. 29/09/1987
Ementa: Direito de vizinhança. Uso nocivo de propriedade.
Ação Cominatória. Churrasqueira. Fumaça e cheiro. O artigo
554 do CC estabelece limites ao livre uso da propriedade,
eis que a subordina às relações de vizinhança, pelo
princípio consagrado nessa norma, o proprietário deve
exercer seu direito de propriedade sem prejudicar o bem-
estar, a segurança ou a saúde dos seus vizinhos. No entanto,
o que a lei limita é o ato abusivo e praticado com excessos,
assim não considerado o que não imponha aos vizinhos maiores
sacrifícios ou importunações. O conceito de mau uso, ou uso
nocivo da propriedade não comporta definição ou proposição
dogmática, predominando o princípio da relatividade, ou
seja, cada caso deverá ser examinado nas variadas
circunstâncias que apresenta, não caracterizando o abuso de
direito no uso da propriedade não tem, o proprietário
vizinho, o direito de impedir sua plena utilização. A
harmonia sodal não se compadece com a idéia de vir o
proprietário utilizar a coisa de tal modo que o exercício de
seu direito se converta em sacrifício ou moléstia de seu
vizinho (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de
Direito Civil, IV/149, Forense, ls ed.). A mesma harmonia,
no entanto, não autoriza, sem que ocorram os requisitos do
artigo 554 do CC, que o vizinho pretende limitar o direito
de seu próximo de usar, gozar e dispor do que e seu,
observados os limites legalmente impostos. Sentença con-
firmada, apelo improvido (Apelação Cível n® 187052279,
primeira câmara cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator:
Osvaldo Stefanello, julgado em 29/09/1987).
27 RODRIGUEIRO, Daniels A. Dano moral ambiental - sua defesa
em juízo, em busca de vida digna e saudável São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira. 2004. 230p.
28 TIRJ. 2001.001.14586 - APELAÇÃO CÍVEL. Relatora: DES. MARIA
RAIMUNDA T. AZEVEDO - Julgamento: 07/08/2002 - SEGUNDA
CÂMARA CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL, CORTE
DE ÁRVORE. FALTA DE AUTORIZAÇAO JUDICIAL. CONSTRUÇÃO SEM
LICENÇA. RESSARCIMENTO DOS DANOS. DANO MORAL, FIXAÇÃO DO
VALOR. RECURSO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACOLHIMENTO.
Poluição Ambiental Ação Civil Pública formulada pelo
Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em
supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização
municipal. Cortes de árvores e início de construção não
licendada, ensejando multas e interdição do locaL Dano à
coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo
conseqüêndas nocivas ao meio ambiente, com infrmgência às
leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal
750/93, artigo 2», Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e
inciso XI, e a Lei Orgânica do Munidpio do Rio de Janeiro,
artigo 477. Condenação à reparação de danos materiais
consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfaz imento
das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral
perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral
ambiental razoável e propordonal ao prejuízo coletivo. A
impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior
justificam a condenação em dano moral pela degradação
ambiental prejudidal a coletividade. Provimento do recurso.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
em determinada medida, é a única forma possível de fazer com
que as lesões que tenham sofrido não restem completamente
impunes.
Entretanto, gostaria de ressaltar que o meu ponto central é
o de que não existe uma relação direta entre não-
patrimonialidade e direitos difusos. Aliás, se observarmos o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a norma mais
completa para a defesa dos interesses difusos, veremos que a
maioria dos direitos por ele tutelados são de natureza
patrimonial, ainda que a defesa do consumidor seja considerada
como integrante do rol de “interesses difusos”.29
O problema que os direitos difusos buscaram resolver não
guarda qualquer relação com a natureza patrimonial ou não
patrimonial dos bens. A existência de dificuldade para a
quantificação de valor econômico de um bem não significa, em
si, que ele não possa ter um valor econômico definido.
Especialmente porque se tais bens não têm preço, certamente
têm custos e os custos são ressarcíveis e indenizáveis. Da
mesma forma, o feto de que para determinados indivíduos,
considerados pessoalmente, certos bens e pessoas sejam
incomensuráveis, isto não implica que socialmente não se
atribuam valores a bens “sem preço” como a vida humana, por
exemplo. Diariamente são fixadas indenizações civis pelo
“evento morte”, “danos à saúde”30 e “invalidez” e chega-se
mesmo a estabelecer valores por perda de determinadas partes
do corpo humano; da mesma forma, nada impede a incidência da
prescrição31 de ações que visem obter reparações por tais
perdas.
Se examinarmos os bens ambientais, veremos, sem muita
dificuldade, que eles, desde muito, possuem valor redutível à
pecúnia em nosso direito. O velho Código de
29 REsp 72994/SP. Relator: Ministro NILSON NAVES, relator para
Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. 3» TURMA
DJU 17.09.2001, p. 159. Ação civil pública. Entidades de
saúde. Aumento das prestações. Legitimidade atíva. 1. O
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC tem
legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa
dos consumidores de planos de saúde. 2. Antes mesmo do
Código de Defesa do Consumidor, o país sempre buscou
instrumentos de defesa coletiva dos direitos, ganhando força
seja com a Lei ns 7.347/87 seja alcançando dimensão especial
com a disciplina constitucional de 1988. Sedimentados os
conceitos centrais, não há razão que afaste o presente feito
do caminho da ação civil pública. O instituto autor é
entidade regularmente constituída e tem legitimidade ativa
para ajuizar a ação civil pública de responsabilidade por
danos patrimoniais causados ao consumidor. 3. Recurso
especial conhecido e provido.
30 REsp 302238/RJ; RECURSO ESPECIAL Ministro JOSÉ DELGAJDO. 1»
Turma. DJU 11.06.2001, p. 140. PROCESSUAL OVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO, CONTRA O ESTADO, POR ERRO MÉDICO. PRESCRIÇÃO.
TERMO INICIAL. CONSTATAÇÃO DA IRREVERSÍBILIDADE DO DANO
OCORRIDO. 1. Recurso Especial contra Acórdão que decretou a
prescrição do direito de o recorrente pleitear indenização,
por erro médico, contra o Estado recorrido, com aplicação do
art. 1® do Decreto n* 20.910/32, ao entendimento de que o
prazo inicial conta-se a partir do momento da primeira
internação (entrada) no estabelecimento de saúde. 2. Segundo
a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, começa a
fluir o prazo prescridonal, para o ajui- zamento de ação
indenizatória por erro médico, a partir da ciência, pela
vítima, da impossibilidade da reversão da lesão ocasionada.
3. No período anterior à constatação da irreversibilidade do
dano ocorrido, o autor não poderia imaginar que lhe
acometeria a deficiência acontecida a posteriori. 4.
Precedentes desta Corte Superior. 5. Recurso provido, para
afâstar a prescrição decretada e determinar o retomo dos
autos ao Egrégio Tribunal a quo, a fim de que o mesmo
continue o julgamento, desta feita sem a prejudicial em
tela.
31 STJ - REsp 260690 / RJ. Relator: Ministro FERNANDO
GONÇALVES. 4* TURMA DJU 18.04.2005 p. 339. “CIVIL.
INDENIZAÇÃO. MORTE. DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL.
PRESCRIÇÃO QÜIN- QÜENÁRIA. INAPLICABILIDADE. PRESSUPOSTO
FÁTICO. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS. PERCU- CIÊNCIA. REEXAME DE
PROVAS. SÚMULA 7-STJ. DESPESAS DE FUNERAL. FALTA DE COMPRO-
VAÇÃO. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Em se tratando de
indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal,
não se aplica o prazo prescridonal do art. 178, § 10,1, do
CC (cinco anos), mas
Direito Ambiental
Águas instituído pelo Decreto n2 24. 643, de 10 de julho de
1934, em diversos de seus artigos previa a quantificação
pecuniária do uso das águas. Naquela norma era admissível que,
em razão de interesse relevante da agricultura ou da
indústria, as águas fossem “inquinadas”, cabendo uma
indenização em favor dos lesados.32 Havia, também, a previsão
da possibilidade de desapropriação de águas, o que demonstra a
redutibi- lidade à pecúnia de seu “valor”.33 A legislação mais
moderna sobre recursos hídricos é bastante clara ao definir
que a água é um bem que possui valor econômico,34 chegando a
estabelecer a obrigação de que o usuário da água deve pagar um
preço pelo bem considerado em si mesmo.
Um outro elemento importante para que se possa compreender a
questão é que o meio ambiente, no direito brasileiro, ostenta
a condição de bem de uso comum, conforme definição do artigo
225 da CF. Isto implica que os valores ambientais podem e
devem ser usufruídos por todos da forma mais ampla possível.
Isto, entretanto, só é possível no interior da ordem jurídica,
visto que em todo e qualquer caso de violação de tal “bem
comum”, o aparato repressivo do estado poderá ser acionado por
qualquer indivíduo que se sinta prejudicado, mediante os
mecanismos processuais próprios. Do ponto de vista prático, o
meio ambiente é considerado patrimônio público,35 conforme
disposto na Lei ns 6.938, de 31 de julho de 1981.
o do art. 177 do mesmo diploma legal (vinte anos), porquanto a
menção a alimentos (art, 1537, II) representa mera referência
para o cálculo do ressarcimento, sem, contudo, retirar a
natureza da obrigação, vale dizer, a de indenizar o dano
decorrente do evento (Resp n® 1.G21/RJ e Resp n» 53538/RJ). 2
— A delimitação e existência do pressuposto fático de
concessão do pedido indemzatórfo, não existente para a empresa
recorrente, mas demonstrado para o acórdão recorrido, esbarra
no óbice da súmula 7-STJ, porquanto demanda investigação
probatória, não condizente com a via do recurso especial. 3 —
0 mesmo verbete incide quanto à questão federal afeta áo art.
608 do CPC, pois aferir a existência ou não da real necessida-
de de se provar feto novo, para, então, concluir pela
incidência ou pelo afastamento da liquidação por artigos, é
matéria também de cunho eminentemente probatório. 4 - Não se
faz necessária, segundo o entendimento prevalente na Quarta
Turma ~ Resp 530.804/PR - a comprovação das despesas de
funeral para se obter o reembolso das despesas do responsável
pelo sinistro, não só em razão da certeza do feto, mas, tam-
bém, pela estipulação módica da verba, reduzida para valor
equivalente a três salários mínimos. 5 - Recurso conhecido em
parte (letra “c”) e, nesta extensão, parcialmente provido.
32Código de águas - Art. 111. Se os interesses relevantes da
agricultura ou da indústria o exigirem, e mediante expressa
autorização administrativa, as águas poderão ser inquinadas,
mas os agricultores ou industriais deverão providenciar para
que as se purifiquem, por qualquer processo, ou sigam o seu
esgoto natural. Art. 112. Os agricultores ou industriais
deverão indenizar a União, os Estados, os Municípios, as
corporações ou os particulares que pelo favor concedido no
caso do artigo antecedente, forem lesados.
33 Art. 32. As águas públicas de uso comum ou patrimoniais, dos
Estados ou dos Municípios, bem como as águas comuns e as
particulares, e respectivos álveos e margens, podem ser
desapropriadas por necessidade ou por utilidade pública: a)
todas elas pela União; b) as dos Municípios e as
particulares, pelos Estados; c) as particulares, pelos
Municípios.
34 Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997, “Art. 1* A Política
Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes
fundamentos; I - a água é um bem de domínio público; II — a
água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico.”
35Lei nfi 6.938/81. “Art. 2a A Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes
princípios: I - ação governamental na manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo...”
A Proteção Judiciai e Administrativa do Meio Ambiente
4.1.1.1.1. A Prescrição e seus Principais Elementos
As sociedades e os indivíduos não podem viver eternamente
presos ao peso de seus passados, seja para lamentá-lo, seja
para exaltá-lo. O passado serve de ensinamento para o presente
e para o futuro. O luto é um ritual necessário para que o pas-
sado seja encerrado, de forma que os vivos possam prosseguir
em suas caminhadas sem culpas, remorsos ou ressentimentos. Ele
é o rompimento com o passado, de forma a assegurar uma
continuidade entre o que foi, o que é e o que será. Todas as
sociedades conhecem o luto, ainda que ele possa se expressar
de formas diferentes. Com relação aos atos praticados pelos
vivos, as sociedades conhecem o perdão, o esquecimento e a
anistia. O perdão, pedido ou concedido, é o significado de que
o passado pode ser deixado de lado e de que uma nova etapa
começa na vida daquele que foi perdoado. É uma maneira de
fazer com que voltemos os nossos olhos para a frente e não
para o passado. Todos sabemos o mal-estar que causa o
ressentimento, a mágoa e as cobranças indefinidas por
situações já passadas e consolidadas.
No mundo do direito, a prescrição é um dos mecanismos aptos
a evitar que o passado continue a dominar o presente, fazendo
com que o último possa se desenvolver sem os pesos do que
ficou para trás. Sem a existência da prescrição, as violações
de direito praticadas no passado permaneceriam constantemente
puníveis e abertas, impedindo a consolidação de situações de
fato. Se considerarmos, com Reale, que direito é fato, norma e
valor, a não-consolidação de situações de fato impediria a
consolidação do próprio direito, visto que um dos seus
elementos fun- dantes não teria como se expressar
adequadamente. É na interação desses três elementos que se
poderá estabelecer os critérios para que situações pretéritas
possam ser “esquecidas” pela ordem jurídica. Entretanto, o
critério para o esquecimento é, obviamente, axiológico em sua
raiz mais profunda. Para que o esquecimento opere efeitos,
normalmente, são fixados prazos que resultam de uma valoração
social que considera o fato em si, a sua importância no
contexto de uma socièdade e a quantidade de tempo que se fixa
como necessária para que o esquecimento se manifeste
juridicamente. O que se busca estabelecer é uma regra de
equivalência que seja socialmente aceita e, portanto, capaz de
assegurar padrões desejáveis de estabilidade social, com força
para afastar o “rancor” e o “ressentimento” da vida social,
que se perpetuariam caso não houvesse o mecanismo legal do
esquecimento.
Prescrição é a repercussão causada na ordem jurídica pelo
decurso do tempo, operando os efeitos acima enunciados. Ela
pode significar a perda ou a aquisição de determinados
direitos, conforme seja a situação especificamente
considerada. "De fato, dentro do instituto da prescrição, o
personagem principal é o tempoZ36 Ela se divide em duas
grandes: (i) extintíva e (ii) aquisitiva. Ambas possuem enorme
importância no mundo jurídico. Pela primeira é determinada a
perda do direito de ação em face do devedor da obrigação,
muito embora o próprio direito não se perca; já pela
36 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Parte Geral, volume 1.
São Paulo: Saraiva. 32» edição. 2002, p. 324.
Direito Ambiental
segunda, o sujeito ativo adquire direitos em face da inércia
de terceiros, é o caso do usucapião. Tanto em uma, como na
outra, o lapso temporal é uma medida de política legislativa
e, portanto, poderá sofrer variações de acordo com as opções
do legislador em cada caso concreto. Da mesma forma, o
legislador poderá determinar as hipóteses excepcionais de
imprescritíbilidade, visto, que, para nós, vale 'a regra geral
de não haver em nosso sistema direitos imprescritíveis”?7 A
Constituição brasileira reconhece a imprescritíbilidade dos
crimes de racismo e terrorismo, por exemplo.3» Um outro exemplo
que se poderia considerar de imprescritíbilidade é o tratado
pelo caput do artigo 23139 da Constituição.
Efetivamente, a construção do instituto da prescrição
extintiva de direitos é uma importante evolução pela qual
passou o direito romano, visto que antes da sua insti-
tucionalização pelo direito pretoriano, as ações eram
perpétuas e a parte passiva permanecia indefinidamente sujeita
a vir a ostentar a condição de réu em uma ação judicial, não
importando a época na qual a “violação” do direito tivesse
sido praticada.
No direito brasileiro a matéria está regulada, em termos
gerais, pelo CC, ainda que leis especiais possam prever prazos
e situações especiais de prescrição. Para nós a prescrição
requer, ainda, a inércia do titular. Isto é, a prescrição se
constitui sobre uma base dúplica: (i) decurso de tempo e (ii)
inércia do titular. Para as questões que estão sendo abordadas
neste texto, avulta a inércia do titular. Digo isto porque os
negadores da prescrição em matéria ambiental, de maneira
geral, negligenciam o aspecto subjetivo na sua construção.
Muitas vezes, a negação da possibilidade de existência do
lapso prescricional é feita de forma tão genérica que se toma
difícil compreender-lhe os fundamentos jurídicos.40 Como se
sabe, a incidência do prazo prescricional somente começa a se
operar com a ciência da lesão do direito.41
37 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil
— Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civiL
Volume I. Rio de Janeiro: Forense. 20» edição, 2004, p. 685.
38 C.F. “Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XLII - a prática do
radsmo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei..."
39 CF. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
sodal, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
40 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 5* edição, 2004, p. 348.
41 STJ. REsp 449000/PE. Ministro FRANCIULLI NETTO. 2* TURMA.
DJU 30.06.2003, p. 195. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E
MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR. ALEGADA PRESCRIÇÃO.
INOCORRÊNCIA LEI N® 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO
FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS
POLÍTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO
PRESCRI- CIONAL. A Lei nfi 9.140, de 04.12.95, reabriu o
prazo para investigação, e conseqüente reconhecimento de
mortes decorrentes de perseguição política no período de 2
de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para
possibilitar tanto os registros de óbito dessas pessoas como
as indenizações para reparar os danos causados pelo Estado
às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge, companheiro ou
companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o
quarto grau. Na hipótese em exame, o reconhecimento, pela
Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, do
falecimento, em 1973, de Jarbas Pereira Marques, pai e
esposo das recorridas, deu-se com a publicação do Extrato da
Ata da Terceira Sessão Ordinária realizada em 08 de
fevereiro de 1996 (fl. 250), dies a quo para a contagem do
prazo prescridonal. Com efeito, o pia-
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Entendo que a prescrição incide nas lesões causadas ao meio
ambiente, visto que, como tenho sustentado ao longo de todo o
presente livro, o direito ambiental está inserido na ordem
jurídica constitucional e a prescrição é um dos pilares do
valor segurança jurídica que não pode ser relegado a segundo
plano, devendo ser harmonizado com os demais valores
constitucionalmente relevantes, como é o caso da proteção ao
meio ambiente. Compreende-se que, muitas vezes, situações
individuais complexas e graves possam fazer com que o
intérprete perca a noção de conjunto do sistema jurídico e da
própria aplicação da justiça. Nestes casos, é conveniente
relembrar a lição de Douglas:42 "Justice hasnothing to do witb
isolated cases'\ Conforme sustentei acima, a doutrina e a
jurisprudência brasileiras admitem tranquilamente que a
prescrição somente começa a correr com o conhecimento da lesão
do direito.43 O caso apontado é importante, pois ainda que
fosse uma ação individual articulada em face de empresa
fabricante de cigarros, não resta dúvida de seu imenso
potencial para se transformar em muitas ações coletivas,
seguindo tendência internacional, Na hipótese em teia, cuidou-
se de ação interposta com base no Código de Proteção e Defesa
do Consumidor por parte de cidadão que teria contraído doença
em função de tabagismo. O Superior Tribunal de Justiça
entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor
esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa
a fluir o prazo prescricional. Em se tratando das ações
coletivas, isto é, das
zo de prescrição somente tem início quando há o
reconhecimento, por parte do Estado, da morte da pessoa
perseguida na época do regime de exceção constitucional,
momento em que seus familiares terão tomado ãência definitiva
e oficial de seu falecimento por culpa do Estado. Dessarte,
ante a ausência de qualquer reconhecimento oficial pelo Estado
do falecimento de Jarbas Pereira Marques até o ano de 1996, a
prescrição deve ser afastada, uma vez que o ajuizamento da
ação deu-se em 02 de fevereiro de 1993. Ainda que assim não
fbsse, em se tratando de lesão à integridade física, deve-se
entender que esse direito é imprescritível* pois não há
confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e
dependentes. “O dano noticiado, caso seja provado, atinge o
mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo
Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de
tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra
quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da
sua prática” (REsp n. 379.414/PR, Rei. Min. José Delgado, in
DJ de 17.02.2003). Recurso especial não conhecido.
42DOUGLAS, Mary. How inszitudons think. Syracuse: Syracuse
ühiversity Press.
43STJ - RESP - 304724/RJ. 33 TURMA. DJU: 22/08/2005, p. 259.
Relaton Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. CONSUMIDOR -
REPARAÇÃO CTVIL POR FATO DO PRODUTO - DANO MORAL E ESTÉTICO
~ TABAGISMO - PRESCRIÇÃO - CINCO ANOS - PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE - INÍCIO DA CONTAGEM - CONHECIMENTO DO DANO E
DA AUTORIA - REEXAME DE PROVAS - SÚMULA 7 - AUSÊNCIA DE
INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI SUPOSTAMENTE VIOLADO -
DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇAO - SÚMULA 284/STF - DIVERGÊNCIA
NÃO-CONFIGURADA, - A ação de reparação por feto do produto
prescreve em cinco anos (CDC; Art. 27). - O prazo pres-
cricional da ação não está sujeito ao arbítrio das partes. A
cada ação corresponde uma prescrição, Bxada em lei. - A
prescrição definida no Art. 27 do CDC é especial em relação
àquela geral das ações pessoais do Art. 177 do CC/16. Não
houve revogação, simplesmente, a norma especial afasta a
incidência da regra geral (LICC, Art. 2S, § 29). —A
prescrição da ação de reparação por fato do produto é
contada do conhecimento do dano e da autoria, nada importa a
renovação da lesão no tempo, pois, ainda que a lesão seja
contínua, a fluência da prescrição já se iniciou com o
conhecimento do dano e da autoria. - “A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial.” - É
inadmissível o recurso especial, quando a deficiência na sua
fundamentação não permitir exata compreensão da
controvérsia. Inteligência da Súmula 284/STF. — Divergência
jurisprudencial não demonstrada, nos moldes exigidos pelo
par. único, do Art. 541, do CPC.”
Direito Ambiental
ações civis públicas, não vejo por que a situação deva merecer
tratamento diferente. Em primeiro lugar há que se considerar
que, na forma do artigo 5S da Lei n2 7.347/85, existe previsão
legal para legitimidade ativa de toda uma infinidade de
autores,44 legitimidade esta que tem sido ampliada pelos
tribunais45 desde há muito. Assim, o temor de que o bem
jurídico meio ambiente fique desprotegido é, evidentemente,
despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de
que a manutenção de questões abertas e sem definição legal
clara possam desequilibrar relações jurídicas e violar os
preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica. De
fato, a ordem jurídica se funda em preceito de justiça que não
deve ser esquecido, sobretudo quando os danos ambientais são,
em grande parte, causados por atos lícitos. Parece evidente
que, salvo casos em que o conhecimento de uma determinada
situação seja notório,46 a prescrição para cada um dos inúmeros
legitimados ativos somente começará a correr quando ele tiver
ciência inequívoca do fato. Assim, diante do número de
potenciais legitimados, a ocorrência do lapso prescricional
embora seja teoricamente possível, é, do ponto de vista
prático, de muito difícil realização. O importante da
manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da
prescrição é assegurar que o equilíbrio jurídico não seja
quebrado, garantindo a existência do preceito de justiça que,
ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma
transmutação significativa. Romper a barreira prescricional
seria, no caso concreto, estabelecer um nível insuportável de
falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito
e, reflexamente, para a atividade econômica.
4.1.2. Legitimidade Ativa
O artigo 5S da Lei n^ 7.347/85 estabelece o rol dos legitimados
ativos para a pro- positura das ações civis públicas. Com
efeito, estabelece o artigo 5® da Lei ns 7.347/85:
A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também serpropos-
44 “Art. 5o - A ação principal e a cautelar poderão ser
propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados
e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia,
empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou
por associação que: I - esteja constituída há pelo menos um
ano, nos termos da lei civil; II — inclua entre suas
finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico; (...) § 3a — Em caso de desistência infundada
ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério
Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. §
4a — O requisito da pré-constitui- ção poderá ser dispensado
pelo juiz, quando haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela
relevância do bem jurídico a ser protegido.”
45 STJ - REsp 31150/SP. Relator; Ministro ARI PARGENDLER. 2»
TURMA. DJ 10.06.1996 p. 20304. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO DE BAIRRO. A AÇÃO
CIVIL PÚBLICA PODE SER AJUIZADA TANTO PELAS ASSOCIAÇÕES
EXCLUSIVAMENTE CONSTITUÍDAS PARA A DEFESA DO MEIO AMBIENTE,
QUANTO POR AQUELAS QJJE, FORMADAS POR MORADORES DE BAIRRO,
VISAM AO BEM-ESTAR COLETIVO, INCLUÍDA EVIDENTEMENTE NESSA
CLÁUSULA A QUALIDADE DE VIDA, SÓ PRESERVADA ENQUANTO
FAVORECIDA PELO MEIO AMBIENTE. RECURSO ESPECIAL NÃO
CONHECIDO.
46 CPC - “Art 334 — Não dependem de prova os fatos: I -
notórios...”
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
tas por autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista ou por
associação...
O artigo 5S é, provavelmente, aquele que apresenta a mais
importante inovação contida na lei da ação civil pública. Ê
aquele que rompe mais formalmente com a tradição
individualista que informa o sistema processual civil
brasileiro. Queremos nos referir, em especial, à norma contida
no artigo 6a do CPC: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
A regra contida na lei de ritos é que apenas o titular de um
direito subjetivo pode pleitear este mesmo direito perante o
Poder Judiciário. Nestas hipóteses a parte processual se
confunde com a parte material. A legitimatio ad causam
tradicionalmente existente em matéria de processo civil está,
destarte, vinculada à relação existente entre o titular do
direito dito material e a demanda. À exceção à regra se dá o
nome de substituição processual, figura esta que não se
confunde com a da representação, pois, como se sabe, o
representante age em nome do representado e não em nome
próprio. O CPC já contemplava algumas hipóteses nas quais a
figura do substituto processual se fazia presente, bem como o
próprio CC brasileiro, o Código Comercial e, em matéria de
defesa do patrimônio público, em sentido amplo, a Lei de Ação
Popular e a legislação de combate à poluição causada por óleo
e a própria Lei n2 6.938/81.
4.1.3. Ministério Público
A ação civil pública definida pelas diversas leis que a
regulamentam é uma das principais, senão a principal área de
atuação do Ministério Público no campo do processo civil, isto
não implica que, no âmbito civil, a única ação que pode ser
proposta pelo Ministério Público seja a ação civil pública e,
muito menos, que a ação civil pública sirva para amparar
processualmente toda e qualquer pretensão do Ministério
Público. O parquet, na ação civil pública, pode ser autor ou
fiscal da correta aplicação da lei. Possui, ainda, o poder de
realizar investigações prévias à própria proposi- tura da ação
judicial, mediante a instauração de inquérito civil. Tais
atribuições fazem com que, ipso iure, o Ministério Público
seja a presença mais marcante nó que se refere à defesa dos
interesses difusos. Atualmente, a concepção de que o processo
penal é o “reino do Ministério” é um pouco menos verdadeira.
As ações civis públicas são o principal instrumento de ação
do Ministério Público no âmbito da jurisdição civil. O
Ministério Público, apesar das imensas dificuldades de
recursos financeiros e materiais, vem propondo diversas ações
civis públicas e tem obtido alguns êxitos significativos. Ê
interessante observar que, apesar de a lei conferir uma
amplíssima legitimação ativa para a propositura das ações
civis públicas,47 tem sido o Ministério Público o maior
ajuizante deste tipo de de
47 São legitimados ativos: o MP, a Uniao, os Estados e os
Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as
fundações, as entidades de economia mista e associações
civis.
Direito Ambiental
mandas judiciais. Contam-se em algumas centenas os números de
ações civis públicas propostas perante os diversos juízos
existentes em nosso País.
A Lei n2 7.347/85 teve a grande virtude de ampliar os
vínculos entre a sociedade e o Ministério Público. Assim é na
medida em que os membros do parquet, que se têm dedicado à
proteção jurídica do meio ambiente e de outros interesses
difusos, têm logrado obter o respeito e a consideração da
população que, não sem pouca frequência, acorre às curadorias
e procuradorias em busca de auxílio.
Como autor, o Ministério Público busca a condenação do
poluidor ou degrada- dor do meio ambiente. Há, portanto, um
objetivo teleológico. O Ministério Público, nestas hipóteses,
não busca, como já foi dito antes, a realização abstrata da
Justiça, mas a sua concretização em uma condenação. Para
atingir o seu objetivo ele pode valer-se de todos os
instrumentos existentes na legislação processual brasileira.
Uma importante questão que está colocada na ordem do dia é a
da repartição de atribuições entre os ramos federal e estadual
do Ministério Público. Pode o Ministério Público dos Estados
ajuizar feitos perante a Justiça federal? Muita controvérsia
tem surgido sobre o tema. Com o devido respeito, as opiniões
que se têm apresentado sobre a matéria não estão alicerçadas
no melhor critério técnico.
A possibilidade de litisconsórcio ativo entre os Ministério
Público Federal e dos Estados-Membros, em nossa opinião é,
evidentemente, inconstitucional,^ perante o artigo 127, § l9,
da Lei Fundamental. Assim é porque, se o MP é imo e
indivisível49 não pode dividir-se em duas entidades autônomas e
que se unem em determinados momentos para a propositura de uma
demanda judicial. A cooperação e integração entre os diversos
segmentos do MP são absolutamente desejáveis. Entretanto, a
sua realização deve ser administrativa e não judicial.
A hipótese chegou a ser prevista no § 2e do art. 82 do
Código de Defesa do Consumidor, que veio a ser,
posteriormente, vetado. Este parágrafo tratava de um
litisconsórcio facultativo entre o parquet federal e os
estaduais. Entretanto, o art. 113 do Código de Defesa do
Consumidor acabou por inserir o § 5a do artigo 5a da Lei n2
7.347/85, objeto de veto, prevendo a mesma possibilidade.
Assim, pela aplicação subsidiária desta última lei às causas
que envolvem os direitos e interesses dos consumidores (artigo
90 do Código de Defesa do Consumidor), a discussão continua
atual.
48 Foi formulada arguição de inconstitucionalidade nos autos
do Proc. 95.02.08513-2 (AC 79.039), em curso no Tribunal
Regional Federal da 2» Região, em que são partes o
Ministério Público Federal - MPF em litisconsórcio com o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de um lado,
e, de outro, diversas empresas de seguro saúde. Ainda não há
decisão sobre a matéria.
49 Ementa: Constitucional e Processual Civil. Alegado
descumprimemo de normas relativas à higiene e à segurança do
trabalho. Inquérito Civil e Ação Civil Pública.
Ilegitimidade do Ministério Público Estadual. O Ministério
Público é uno e indivisível mas apenas na medida em que os
seus membros estão submetidos a uma mesma cheãa. Essa
unidade e indivisibilidade só dizem respeito a cada um dos
vários Ministérios Públicos que o sistema jurídico
brasileiro consagrou. Assim, o Ministério Público Estadual
não tem legitimidade para instaurar, contra sociedade
empresarial, pessoa jurídica de direito privado, Inquérito
Civil para apurar o descumprimento de normas relativas a
higiene e a segurança do trabalho, nem para ajuizar,
decorrentemente, Ação Civil Pública. Recurso Provido. STJ,
ROMS n° 5-563-RS. Ia Turma. DJU 16/10/95, p. 34.609. RDA
vol. 204. Rei. Cesar Asfor Rocha.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Em meu entendimento, até por coerência, é de ser afastada a
hipótese de litis- consórcio facultativo entre Ministério
Público Federal e Estadual. Só podem Htiscon- sorciar-se
entidades diferentes, a teor do que dispõe o artigo 46 do CPC:
duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em
conjunto, ativa ou passivamente... Se o Ministério Público é
um só — uno e indivisível —, inexiste esta possibilidade.
Aliás, todas as normas jurídicas contidas no CPC que cuidam do
instituto do litisconsórcio referem-se a pessoas diferentes. A
propósito, merece ser transcrito o artigo 48 do CPC:
Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes
serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como
litigantes distintos; os atos e omissões de um não
prejudicarão nem beneficiarão os outros.
João Batista de Almeida também se posiciona no mesmo
sentido:
Ministério Público tanto pode ser o Federal como o Estadual.
Funciona o primeiro se a ação for de competência da Justiça
Federal... Funciona o segundo se a ação for de competência da
Justiça Estadual.50
Idêntica é a posição de Vicente Greco Filho, que aponta a
violação do sistema federativo pela subversão das competências
dos ramos autônomos do MP.51
A defesa da possibilidade de litisconsórcio ativo entre
ramos do Ministério Público, em realidade, faz-se, muito mais,
em razão de interesses corporativos do que em razão de
concepções jurídicas que tenham qualquer consistência teórica
ou mesmo legal. Ainda que a matéria suscitada na nota 21 ainda
não tenha obtido decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal
da 23 Região, o Superior Tribunal de Justiça teve a
oportunidade de apreciar dois recursos, tendo se pronunciado
taxativamente pelo não-cabimento do litisconsórcio entre o
Ministério Público Federal e o Ministério Público dos
Estados.52
Como se sabe, o Ministério Público pode desempenhar papéis
diferentes no interior de uma ação civil pública. Passemos a
examinar tais papéis.
50 Ob. cit., p. 150.
51 Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, São Paulo:
Saraiva, 1991, p. 377.
52 Administrativo. Processual Civil. Ação Civil Pública.
Competência da Justiça Estadual. Litisconsórcio Ativo.
Órgãos do Ministério Público Federal e Estadual.
Inadmissibilidade. Em sede de ação civil pública, na qual se
discute questão administrativa do âmbito da Secretaria de
Segurança do Estado do Ceará, assunto cujo exame compete à
Justiça Estadual, não há como se conceder a admissão do MP
Federal no pólo ativo da demanda, e, litisconsórcio com o MP
Estadual. Recurso desprovido (STJ, 6a T. ROMS n« 4.146- CE,
Rei. Min. Vicente Leal, j. 23/10/95, DJU 26/2/96, p. 336).
Processual Civil. Ação CivÜ Pública. Sociedade de Economia
Mista Estadual (Concessionária de Serviços de Telefonia).
Competência da Justiça Estadual. I — Reconhecida a falta de
interesse do Ministério PúbHco Federalpara atuar no pólo
ativo da ação como litisconsórcio facultativo do autor,
Ministério Público Estadual, em ação que este aforou contra
sociedade de economia mista do estado, correta a declaração
de incompetência da Justiça Federal, com remessa dos autos à
Justiça Comum para apreciação da lide. II — Recurso não
conhecido (STJ, 3* T, REsp n» 151.855-PE. Rei. Min. Waldemar
Zveiter, j. 12/5/98, DJU 29/6/98, p. 167).
Direito Ambiental
A função de custos legis é uma função exercida pelo
Ministério Público nas causas em que ele não for o autor. Em
tal função, o Ministério Público deve ficar atento para que a
lei se aplique corretamente, fiscalizando as partes e o
próprio juiz da causa.
A função mais tradicional do Ministério Público, no âmbito
do processo civil, é a de custos legis. Isto é, compete ao
parquet exercer a fiscalização da correta aplicação da lei, em
cada um dos diversos feitos judiciais nos quais estejam
presentes as condições estabelecidas na legislação processual,
em especial nos casos do artigo 82, III, do CPC.53 É importante
observar que a Lei Complementar n9 75, de 20 de maio de 1993 -
Lei Orgânica do Ministério Público da União, trouxe uma
importante modificação no particular, pois, nos termos do
artigo 6q, inciso XV, do citado diploma, cabe ao próprio
Ministério Público dizer de seu interesse em ingressar no
feito. Senão vejamos:
Art. 6a Compete ao Ministério Público da União: XV -
Manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo
solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender
existente interesse em causa que justifique sua intervenção.
Por força do artigo 5e, § ls, da Lei n9 7.347/85, o parquet
intervirá em todas as ações nas quais não tenha sido o autor.
Em sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público, a
sua não-realização implica nulidade do processo. A intervenção
do Ministério Público é material e não apenas formal. Isto é,
serão tidas por inexistentes as intervenções que se limitem a
manifestações lacônicas, tais como: “Nada a requerer”;
“Ciente, pelo prosseguimento”. Nestes casos, o magistrado
deverá fazer com que os autos retomem ao Ministério Público
para que este se manifeste funda- mentadamente sobre o ponto
em que a controvérsia se encontre.
A intervenção do Ministério Público como custos legis
implica que este seja intimado das provas a serem produzidas
pelas partes. Deverá ser intimado dos documentos e perícias
constantes dos autos. Deverá, também, ser intimado das
assentadas, das decisões interlocutórias e da sentença. Ou
seja, o Ministério Público deverá ter conhecimento de tudo
aquilo que consta dos autos. Nenhum prazo correrá contra o
Ministério Público, caso este não tenha sido intimado
pessoalmente. Na hipótese em que as partes cheguem a algum
tipo de acordo ou transação, o Ministério Público deverá ser
intimado de seus termos e esta somente poderá ser homologada
pelo órgão judicial após a manifestação do representante do
Ministério Público. Caso o Ministério Público discorde dos
termos nos quais foi lavrado o acordo ou transação, poderá
recorrer da decisão homologatória.
O Ministério Público, na função de custos legis, será
responsável pela execução da decisão condenatória, quando a
associação vencedora não o tenha feito em até 60 dias após o
trânsito em julgado da sentença (artigo 15 da Lei n9 7.347/85).
53 Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir... III - Em
todas as demais causas em que bá interesse público,
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
5. Mandado de Segurança Coletivo
O mandado de segurança coletivo é uma inovação processual
trazida ao sistema processual brasileiro pela Constituição de
1988. Trata-se de uma ação constitucional prevista nos incisos
LXIX e LXX do artigo 59 da CRFB.
Os pressupostos gerais para a impetração do mandado de
segurança coletivo são aqueles que estão contidos no inciso
LXIX do artigo 59 da Lei Fundamental da República que trata do
mandado de segurança. O detalhe é fornecido pela alínea b do
inciso LXX que dispõe sobre mandado de segurança impetrado por
organização sindical, entidade de classe ou associação
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, exn
defesa dos interesses de seus membros e associados.
Ocorre que, para que se configure a legitimidade para
aj'uizamento do mandado de segurança coletivo, necessário se
faz que as associações obtenham de seus membros a expressa
autorização para o ingresso em juízo, conforme dispõe o inciso
XXI do artigo 52 da CF.
José Afonso da Silva54 esposa a opinião que:
O requisito de direito líquido e certo será sempre exigido
quando a entidade impetra o mandado de segurança coletivo na
defesa do direito subjetivo individual. Quando o sindicato
usá-lo na defesa do interesse coletivo de seus membros e
quando os partidos políticos forem impetrá-lo na defesa do
interesse coletivo difuso exige-se menos a ilegalidade e a
lesão do interesse do que o que o fundamenta.
É possível figurar-se a hipótese de um sindicato de
trabalhadores em usinas de metalurgia que, no dissídio
coletivo da categoria, logrou inserir cláusulas de proteção de
meio ambiente do trabalho, tais como a instalação de filtros
antipoluição, plantio de árvores no terreno da indústria e
outras. Tais cláusulas, por exemplo, não estão sendo cumpridas
pela empresa. O sindicato tem, evidentemente, direito líquido
e certo de exigir judicialmente que tais cláusulas sejam
implementadas pela empresa. Daí ser cabível o mandado de
segurança coletivo.
6. Ação Popular
A ação popular constitucional está prevista no artigo 5a,
LXXHI, da CRFB, nos seguintes termos:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa,
ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultu
54 Corso de Direita Constitucional Positivo, São Paulo: RT, 5*
ed., pp. 396-397.
Direito Ambiental
ral, ficando o autor, salvo comprovada má-féisento de custas e
do ônus da sucumbência.
Veja-se que a norma constitucional capitulou, expressamente,
o meio ambiente dentre os bens jurídicos passíveis de tutela
por meio da ação popular. Vale lembrar, contudo, que a lei
ordinária já incluía o meio ambiente entre os bens jurídicos
protegidos pela referida ação,
A ação popular é um dos mais tradicionais meios de defesa
dos interesses difusos do Direito brasileiro. O autor popular,
cidadão brasileiro no gozo de seus direitos políticos, age em
nome próprio na defesa de um bem da coletividade. A ação
popular é um instituto jurídico constitucional a ser
exercitado pelo cidadão e não por associações ou pessoas
jurídicas ou, ainda, pelo Ministério Público. Tal circunstân-
cia, entretanto, não impede que vários cidadãos
litisconsorciem-se para a propositu- ra de um único processo.
7. Desapropriação
O artigo 216 da Lei Fundamental da República estabelece que:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
O inciso V do referido artigo inclui dentre os bens que
formam o patrimônio:
... os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
O § l9 determina que:
O Poder Púbhco, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de preservação.
E inegável, portanto, que o meio ambiente está arrolado no
interior do conceito de patrimônio cultural brasileiro,
inclusão esta que não se choca com o caput do artigo 225 da
Constituição de 1988. Destarte, razoável e lógico que a
desapropriação seja mais um dos vários instrumentos de Direito
Ambiental.55 A desapropriação, in casu, não poderá afastar-se
do princípio geral estabelecido no inciso XXIV do artigo
55 Em outros pontos do presente livro o tema da desapropriação
é visto mais concretamente.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
59 da CRFB, que determina: a lei estabelecerá o procedimento
para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante prévia e justa indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
A desapropriação com finalidade de proteção do meio
ambiente, utilidade pública, deverá ser precedida de
indenização em dinheiro, conforme preceitua a CF.
8. Tombamento
Embora não se trate de uma medida judicial de proteção ao
meio ambiente, entendi que seria conveniente a colocação do
tema tombamento no interior do presente capítulo, tendo em
vista que a matéria guarda estreita relação com a defesa
judicial do meio ambiente, sobretudo em razão da ampla
possibilidade de revisão judicial dos atos administrativos.
O tombamento é a declaração de valor histórico, artístico,
paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou
locais que, por tal motivo, mereçam a preservação pelo Poder
Público. O tombamento é ato administrativo de exclusiva
atribuição do Poder Executivo, seja este federal, estadual ou
municipal. Isto não quer dizer que o Poder Legislativo ou o
Poder Judiciário não possam, em concreto, declarar que
determinados bens mereçam proteção especial do Estado. O que
ocorre é que, em tais casos, ipso iure, não se pode falar em
tombamento. O que poderá haver é a proteção em decorrência de
lei ou de decisão judicial. Não haverá, porém, tombamento, que
é ato administrativo típico.
Após efetuada a declaração da existência dos valores
anteriormente referidos, deve ser o bem inscrito em livro
próprio - o livro tombo. No Brasil este instituto jurídico (o
tombamento) tem sede constitucional no § l9 do artigo 216,
cujos termos são os seguintes:
O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância e tombamento,
desapropriação e de outras formas de acautelamento e
preservação.
Hely Lopes Meirelles56 sustenta que o tombamento não é uma
forma adequada para a proteção do meio ambiente, conforme
deixa ver a seguinte passagem:
Ultimamente o tombamento tem sido utilizado para proteger
florestas nativas. Há equívoco neste procedimento. O
tombamento não é o instrumento adequado para a preservação da
flora e da fauna. As florestas são bens de interesse comum e
estão sujeitas ao regime legal especial estabelecido pelo CFlo
(Lei n3 4.771, de 15/9/1965), que indica o modo de preservação
de determinadas
56 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 1989, pp.
484-485.
Direito Ambiental
áreas florestadas... O mesmo ocorre com a fauna, que é regida
pelo Código de Caça (Lei ns 5.197, de 3/1/1967), os quais
indicam como preservar as espécies silvestres e aquáticas...
Portanto, a preservação das florestas e da fauna silvestre há
de ser feita com a criação de parques nacionais, estaduais e
municipais ou de reservas biológicas, como permite
expressamente o CFlo (art. 5S).
A questão fundamental que deve ser examinada na matéria em
foco é a seguinte: quais as consequências que o ato de tombar
um bem ambiental poderá acarretar para o proprietário do
mesmo, caso este se encontre submetido ao regime jurídico de
Direito Privado e tenha um proprietário? E a partir desta
indagação que se poderá examinar a pertinência ou não do
tombamento. Como se sabe, o tombamento implica um regime de
controle bastante estrito do Estado sobre o bem tombado, ainda
que o mesmo permaneça sob o mesmo regime jurídico que detinha
antes do tombamento. Ora, o tombamento, muitas vezes, implica
esvaziamento do valor econômico do bem e, neste caso, haverá
verdadeira desapropriação indireta e, em assim sendo, o
proprietário deverá ser indenizado.
Outra questão que nos parece extremamente complexa é que,
com o tombamento, a área ambiental tombada passará ao regime
de supervisão e controle do patrimônio histórico, o que é,
evidentemente, um contra-senso.
9. Arbitragem e Meio Ambiente
O STF, em decisão proferida em 12 de dezembro de 2001,
decidiu pela consti- tucionalidade da Lei ns 9.307, de 23 de
setembro de 1996, que regula a arbitragem no Brasil. A decisão
da elevada Corte Constitucional é extremamente importante,
pois abre caminho para uma nova fórmula de solucionar
conflitos que, não raras vezes, prolongam-se perante o Poder
Judiciário por muitos anos. Penso que a decisão adotada pelo
STF pode produzir repercussões muito relevantes na esfera da
proteção ambiental. Usualmente, as questões relativas à
proteção do meio ambiente têm sido consideradas quase
exclusivamente do ponto de vista do direito público e indis-
ponível. Este fato é extremamente importante, pois demonstra a
seriedade com a qual o tema foi tratado pelo legislador
brasileiro. Mas a proteção ambiental não pode se resumir à
proteção de interesses difusos da coletividade, pois quase
sempre a violação de interesses difusos da sociedade implica
violação de direitos privados de terceiros. Decorridos 20 anos
da publicação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei n9 6.938/81), 16 anos da publicação da Lei da Ação Civil
Pública (Lei n2 7.347/85), 13 anos da promulgação da CF de 1988
e cinco anos da publicação da Lei de Arbitragem (Lei nQ 9.307,
de 23 de setembro de 1996), é importante que se explorem as
relações que possam existir entre os diferentes diplomas
legais e a possibilidade de harmonizá-los com vistas à
ampliação da proteção do meio ambiente.
O artigo Ia da Lei de Arbitragem dispõe que: as pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis. Ora, imagine-se a hipótese na qual uma firma
tenha que mudar as suas
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A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
instalações industriais de um determinado município para outro
município, ou mesmo mudar de Estado, uma vez que constatou que
o solo e o lençol freático da área na qual estava instalada
foram contaminados pelo lançamento irregular de efluentes de
uma planta industrial vizinha. Existe, sem dúvida, uma questão
de interesse público - portanto indisponível, que é a própria
contaminação ambiental e uma questão de direito privado — a
indenização que o poluidor deve à empresa que foi obrigada a
se relocalizar. Esta última constitui-se em um direito
plenamente disponível e privado.
O litígio entre as empresas, no juízo arbitrai, estaria
definido no prazo máximo de 6 (seis) meses, com a grande
vantagem de que, nos termos do art. 31 da Lei de Arbitragem,
"a sentença arbitrai produz entre as partes e seus sucessores,
os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivoA
decisão arbitrai, portanto, pode ser um poderoso elemento para
resguardar responsabilidades ambientais futuras, visto que o
seu valor é igual ao de uma decisão do Poder Judiciário. Mesmo
o acordo entre as partes, uma vez instaurado o juízo arbitrai,
será declarado em sentença pelo árbitro. Há, como se vê, um
fortíssimo grau de segurança jurídica.
E importante observar que a decisão de questões ambientais
pelo caminho do direito privado tem sido muito relevante em
nosso ordenamento jurídico, pois os tribunais judiciais, quase
diariamente, decidem ações propostas com base no direito de
vizinhança (artigo L277 do CC),57 referentes à poluição sonora,
fumaça, construções irregulares, poluição hídrica e outras
formas de incômodos. E de se registrar que, em sede penal, tem
sido quase rotineira a prática de transações entre o
Ministério Público e infratores da legislação ambiental,
quando o delito é de pequeno potencial ofensivo, conforme
admitido pela Lei nQ 9.099/95.
Em minha opinião, a Lei de Arbitragem pode se transformar em
poderoso instrumento de solução de conflitos ambientais entre
particulares, em especial quanto aos efeitos patrimoniais que
tais conflitos possam ter.
57 Art, 1.277.0 proprietário ou o possuidor de um prédio tem o
direito de fàzer cessar as interferências prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saüde dos que o habitam,
provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo
único. Proíbem-se as interferências considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas
as normas que distribuem as edificações em zonas, e os
limites ordinários de tolerância dos moradores da
vizinhança.
QUINTA PARTE
POLÍTICA ENERGÉTICA E MEIO AMBIENTE
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
8Ó7
Capítulo XXX Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
L Introdução
O ano de 2001 marcou uma importantíssima alteração nos
hábitos de consumo de energia dos brasileiros, pois nele
ocorreu o fenômeno que ficou conhecido como apagão. O apagão
foi o nome popular de um grave problema de abastecimento de
energia elétrica que foi consequência de vários e
diferenciados fatores políticos, sociais, econômicos e
climatológicos. Neste trabalho não se pretende discutir culpas
sobre a situação energética do país, muito menos propor
soluções para o problema. O meu objetivo é, pura e
simplesmente, tratar do assunto no contexto de um livro de
Direito Ambiental, examinando os aspectos ambientais da nova
situação criada no país. A produção e o consumo de energia são
das questões ambientais mais relevantes e, qualquer que seja a
configuração da matriz energética de um país, as suas reper-
cussões sobre o meio ambiente serão sempre importantes e
significativas.
Evolução das fontes primárias de oferta de energia no Brasil -
1974-2004
As Terras Indígenas
Capítulo XXXVII As Terras Indígenas
O principal problema que aflige os diversos grupos indígenas
que integram o povo brasileiro é, sem dúvida, aquele que diz
respeito à preservação e manutenção de suas terras. A própria
inserção da matéria em diversos textos constitucionais, desde
1934, é uma prova bastante evidente de que o assunto é
extremamente sensível. O interesse da literatura jurídica
nacional sobre a matéria tem sido escasso. A bem da verdade,
contudo, deve ser assinalado que, nos últimos anos, vêm sendo
produzidas algumas obras especialmente voltadas ao tema. Este
fato tem ocorrido, especialmente, após a promulgação da
Constituição de 1988.
E preciso não olvidar de que a própria existência do tema
terras indígenas é, com efeito, um triste reconhecimento de
que os povos indígenas, de há muito, não são mais os senhores
de seus tradicionais territórios. A discussão acerca das
terras indígenas não é uma simples polêmica entre juristas ou
entre indianistas. O tema, efetivamente, é o mais importante
dentre todos os temas vinculados ao Direito Indigenista. Assim
é porque a relação entre os aborígines e o seu habitat
transcende qualquer relação que um “civilizado” possa ter com
a sua casa ou com a sua cidade natal. O tema é, claramente,
antropológico e, como é evidente, falece competência ao autor
para enfrentá-lo com a necessária profundidade. Desta forma,
permito-me a transcrição de algumas palavras da consagrada
antropóloga Alcida Rita Ramos1 em relação à matéria:
No passado, quando não havia grandes pressões de fora sobre
a quantidade de terra a ser utilizada para cada sociedade
indígena, a questão da manutenção de fronteiras territoriais
não chegava a se colocar de maneira categórica. Todos tinham o
direito de utilizar os recursos do meio ambiente na forma de
caça, pesca, coleta e agricultura, sem que divisas rígidas
fossem mantidas entre aldeias, mesmo sociedades vizinhas.
A demarcação das terras indígenas, embora seja,
contraditoriamente, uma reivindicação histórica dos indígenas,2
serve de demarcação dos espaços nos quais os indígenas estarão
“confinados,” sem que possam exercer a sua “indigerúdade” fora
de tais limites territoriais.
1 Sociedades Indígenas, São Paulo: Ática, 1986, p. 13 e
passim.
2 Pelo menos desde que estes tomaram contato com a civilização
ocidental.
Direito Ambiental
A terra, entretanto, tem diversas outras funções
importantes. A terra é o local no qual se desenvolvem as
relações culturais, religiosas e econômicas. Conforme anotou a
Professora Alcida Ramos, com propriedade: Não é apenas um
recurso natural, mas - e tão importante quanto este - um
recurso sociocultural.
Entre os indígenas nunca se verificou uma fronteira rígida
entre os territórios pertencentes a cada uma das diversas
sociedades. Havia uma certa tolerância que grupos diferentes
utilizassem um mesmo território. As limitações estabelecidas
tinham por base uma ética pecuhar entre os aborígines.
Os conceitos de casa ou até mesmo de aldeia não possuem
maior importância para os indígenas. O elemento fundamental é
o seu território, o seu mundo. É dentro desse universo que
todas as suas principais relações são desenvolvidas, e fora
dele, dificilmente, a sociedade consegue sobreviver e
prosperar.
1. Histórico da Legislação
1.1. Do Período Colonial até o Século XIX
Logo no início do século XVII é possível constatar-se que a
legislação colonial reconhecia a existência de terras
indígenas, isto é, de terras de posse e domínio exclusivamente
indígenas. Manuela Carneiro da Cunha3 informa-nos que as Cartas
Régias de 30 de julho de 1609, bem como a de 10 de setembro de
1611, expedidas por Felipe III, reconheciam o pleno domínio
dos índios sobre seus territórios e sobre as terras que lhes
são alocadas nos aldeamentos. Ainda no século XVII, surgiram
outros alvarás e atos governamentais que dispunham sobre o
direito dos índios às suas terras. Este tipo de legislação,
indiscutivelmente, pressupunha que as terras do Brasil não
eram dos índios e que, ao contrário, dentro do território
nacional, deve- riam ser reservadas áreas específicas para os
índios; reconheciam igualmente, a existência de um estado de
beligerância entre nações diversas. Neste sentido, é interes-
sante observar a própria redação do Alvará Régio de l2 de abril
de 1680, pelo qual foi estabelecido que os povos indígenas
foram os primeiros ocupantes e donos naturais destas terras.4
Ou seja, não o são mais. Em razão deste reconhecimento, o
Estado passa a estabelecer áreas exclusivas para os índios,
buscando compensar as enormes perdas sofridas pelos índios e
manter sobre um determinado grau de controle a expansão da
colonização. A principal dessas compensações é á indicação e o
reconhecimento de áreas que serão dedicadas à posse exclusiva
dos indígenas.
O Alvará de l9 de abril de 1680 foi destinado ao tratamento
das questões relativas aos povos indígenas do Grão-Pará mas,
apesar disto, pode ser apresentado como um marco para a
legislação dedicada aos problemas indigenistas em geral, pois,
pelo
3 Manuela Carneiro da Cunha. Os Direitos do índio, São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 58.
4 Os dados legislativos foram colhidos em Tourinlio Neto,
Fernando da Costa. “Os direitos originários dos indígenas
sobre as terras que ocupam e suas conseqüências jurídicas”,
in Santilli, Juliana. Ob. cit., p. 9 e
As Terras Indígenas
Alvará de 8 de maio de 1758, foi determinada a extensão das
determinações ora examinadas para todos os povos indígenas do
Brasil. O § 4S do Alvará de 1680 determinou fossem destinadas
terras aos índios que descessem do sertão. Havia a proibição
explícita de que os silvícolas fossem mudados das terras a
eles destinadas, sem que assim o consentissem. Os índios não
estavam obrigados ao pagamento de qualquer tributo por suas
terras.
Evidentemente que a distância entre a norma legal e a sua
aplicação concreta sempre foi muito grande em nosso país.
Imagine-se quão descumpridas deveriam ser as regras citadas.
Fato é que a legislação colonial reconhecia aos índios o
direito exclusivo das terras necessárias à sua sobrevivência.
Observe-se que a Carta Régia de 9 de março de 1718 reconheceu
que os índios são livres, e isentos de minha jurisdição que os
não podem obrigar a saírem de suas terras, para tomarem um
modo de vida que se não agradarão. É importante observar que,
se foi estabelecida uma proibição legal, isto se deveu ao fato
de que, evidentemente, a situação proibida, de fato, ocorria.
Do contrário, não haveria a necessidade da proibição.
A “guerra justa ” movida contra os povos indígenas, permitia
que as terras indígenas fossem subtraídas de seu domínio. As
terras passavam a assumir a condição de terras devolutas. A
definição legal de terras devolutas, contudo, somente foi
estabelecida de forma definitiva pela Lei nô 601, de 18 de
setembro de 1850. As terras devolutas, dentre outras
destánações, podiam ser afetadas à colonização dos indígenas,5
As terras devolutas eram aquelas concedidas a sesmeiros que,
por caírem em comisso, retomavam ao domínio do Poder Público.6
José Afonso da Silva7 aponta qúe os dispositivos legais
referentes às terras indígenas constituíam o instituto
jurídico do indigenato, que é fonte primária de Direito e não
se confunde com a simples posse. Este instituto jurídico
extrapola os limites do Direito Civil. Não é Direito comum,
mas Direito especializado. Trata-se de um direito à própria
sobrevivência das comunidades indígenas que, como se sabe, no
caso dos índios está umbilicalmente ligado ao seu chão.
O século XIX é considerado pelòs especialistas como um
período no qual houve um grande retrocesso no reconhecimento
dos direitos dos povos nativos. Tal fato se deu, em grande
parte, em razão do Ato Adicional de 1834, que atribuiu
competência às Assembleias Provinciais para legislar,
concorrentemente, com o Governo Geral e a Assembleia Nacional
sobre assuntos indígenas. Obviamente que as oligarquias locais
passaram a ter mais poder jurídico e, portanto, foram dotadas
dos instrumentos necessários para a usurpação das terras
indígenas. Aliás, não é desconhecida a reivindicação das
modernas oligarquias rurais no sentido de que' seja atribuída
aos Estados competência legislativa em matéria de Direito
Indigenista.
5 Art. 12 da Lei na 601/1850.
6 Paulo de Bessa Antunes. Ob. CÍL, pp. 75-76. .
7 José Afonso da Silva. Ob. cit„ p. 728 e passim.
Direito Ambiental
1.2. O Período Republicano
Somente com o Estatuto do índio é que as peculiaridades da
posse indígena sobre as suas terras foram reconhecidas. A Lei
nfi 6.001, de 19 de dezembro de 1973, em seu artigo 23, dispõe:
Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da
terra que, de
acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detêm e onde
habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou
economicamente útil.
2. As Terras Indígenas na Constituição de 1988
A importância do tema é tanta, que a CF dedica diversos
tópicos ao problema. As terras indígenas são, inclusive,
tratadas no dispositivo constitucional voltado para a ordem
econômica e social. Veja-se o § 2e do artigo 176, que exige lei
específica para o desenvolvimento da atividade garimpeira em
terras indígenas. Esta não é, contudo, a única referência
constitucional à garimpagem em áreas indígenas. A relevância
da matéria é extraordinariamente grande e o próprio ato das
disposições constitucionais transitórias estabeleceu um prazo
para a demarcação de todas as terras indígenas. Por força do
artigo 67 do ADCT, a demarcação deveria estar concluída em
prazo de cinco anos, a partir da promulgação da CF.
Desnecessário dizer que a determinação constitucional está
longe de ser cumprida.
Foi reconhecido aos índios o direito originário sobre as
terras que tradicionalmente ocupam. À União Federal foi
atribuída a tarefa de demarcação de todas as áreas indígenas.
Houve, como já foi visto, a fixação de período fixo para que a
demarcação fosse concluída.
O conceito jurídico de terra tradicionalmente ocupada pelos
índios tem os seus alicerces no próprio corpo da Constituição.
O conceito se funda no seguinte:
a) são as terras utilizadas para atividades produtivas; as
imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais
necessários ao bem-estar dos índios e as necessárias à
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições (art. 231, § le);
b) são destinadas à posse permanente dos índios, cabendo-lhes
o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes (art. 231, § 2a).
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, portanto,
não são terras que "ímemorialmente” tenham sido ocupadas pelos
indígenas. Podem ou não estar nesta condição. O fundamental do
conceito é que as terras sejam essenciais ao modo indígena de
viver, nada mais. Não se cogita da temporalidade do conceito.
As terras indígenas são terras federais e pertencentes ao
domínio exclusivo da União. A própria União, entretanto,
sofreu limitação de seus direitos de proprietária. Assim é
porque o constituinte instituiu um usufruto exclusivo dos
índios sobre as
ES3J - Ena.no Superior Jvrldkto
As Terras Indígenas
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. E
mais: determinou a inaliena- bilidade e a indisponibilidade
das terras indígenas, sendo imprescritíveis os direitos sobre
as mesmas.
A malienabilidade e a imprescritibilidade que gravam as
terras indígenas opõem-se à União e às próprias comunidades
indígenas, que, elas também, não poderão efetuar qualquer
negócio jurídico que implique qualquer tipo de disposição ou
alienação de seus direitos sobre as terras. A disposição é
sábia. O legislador constituinte, de fato, estabeleceu um
mecanismo que impede sejam os índios “convencidos” dos
benefícios que poderiam advir da alienação ou disposição de
“um pequeno trecho” das suas terras. O princípio estabelecido
na Lei Fundamental impede que, por interesses estranhos à
comunidade indígena, os índios dividam-se e passem a se
autodestruir.
A importância das terras indígenas para as diferentes nações
indígenas é tão grande que a Lei Fundamental estabeleceu uma
inamovibilidade indígena. Os índios foram constitucionalmente
vinculados, na condição de povos, ao seu torrão. A remoção
temporária de um povo indígena de suas terras somente pode ser
feita em casos de epidemia ou catástrofe que ponha em risco a
própria sobrevivência da população indígena. Em ocorrendo a
hipótese mencionada, a remoção deverá ser referendada pelo
Congresso Nacional. Admite-se, ainda, que, mediante
deliberação do Congresso Nacional, possam os índios ser
removidos de suas terras, quando em risco a soberania
nacional. Cessados os riscos, deverá haver a mediata
relocalização dos índios em suas terras de origem.
A norma constitucional é plenamente justificável, pois, como
se sabe, os índios se têm em conta como parte da natureza e da
terra. Não há maior violência que se possa cometer contra um
indígena do que afastá-lo de seu natural habitat.
A própria Constituição determina a absoluta nulidade e
extinção de qualquer ato jurídico que tenha por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas. Igualmente
nulos e extintos são quaisquer atos que tenham por objeto a
exploração de riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
existentes em terras indígenas. A Lei Maior ressalvou o
interesse público da União, tal qual definido em lei
complementar. As nulidades tratadas no § 6a do artigo 231 não
ensejam qualquer indenização, excetuadas as benfeitorias
realizadas de boa-fé.
2.1. Direitos Adquiridos sobre as Terras Indígenas
Um problema importante e que não pode deixar de ser abordado
neste trabalho é aquele que diz respeito a pretensos direitos
adquiridos por terceiros sobre as terras indígenas. Como está
estabelecido pelo § 6a do artigo 231 da Lei Fundamental, não é
devida qualquer indenização em razão de atos ou negócios
jurídicos praticados por terceiros e que envolvam terras
indígenas. A única exceção é para as benfeitorias feitas por
terceiros de boa-fé. A Constituição de 1988 não criou novas
áreas indígenas. Ao contrário, limitou-se a reconhecer as já
existentes. Tal reconhecimento, contudo, não se cingiu às
terras indígenas já demarcadas. As áreas demarcadas,
evidentemente, não necessitavam do reconhecimento
constitucional, pois, em nível da legislação
infraconstitucional, já se encontravam afetadas aos povos
indígenas. O que foi feito
Direito Ambiental
pela Constituição foi o reconhecimento de situações fáticas,
isto é, a Lei Fundamental, independentemente de qualquer norma
de menor hierarquia, fixou critérios capazes de possibilitar o
reconhecimento jurídico das terras indígenas. Não se criou
direito novo.
É preciso estar atento ao fato de que as terras indígenas
foram reconhecidas como afetadas aos diversos grupos étnicos
de origem pré-colombiana, em razão do expresso reconhecimento
da incidência de direito originário, isto é, direito prece-
dente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa
ter constituído sobre o território dos índios. A demarcação
das terras tem única e exclusivamente a função de criar uma
delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a
terceiros. A demarcação não é constitutiva. Aquilo que
constitui o direito indígena sobre as suas terras é a própria
presença indígena e a vinculação dos índios à terra. Ora,
qualquer construção, qualquer empreendimento encontrado no
interior das áreas indígenas, sem expressa previsão legal ou,
ainda, por autorização contratual firmada entre as partes,
deve ser tido, a partir da Constituição de 1988, como violador
dos direitos originários dos indígenas sobre as suas terras. É
não índenizável, a menos que o terceiro interessado comprove,
judicialmente, desconhecer o caráter indígena do território no
qual tenha realizado o empreendimento em tela. Observe-se que,
aqui, o terceiro não poderá invocar em sua defesa a norma
contida no artigo 5a, inciso XXXVI, da CRFB, pois houve
expressa exclusão de quaisquer direitos adquiridos. A única
exceção é em relação às benfeitorias de boa-fé.
2.2. Classificação das Terras Indígenas pelo Estatuto do índio
O Estatuto do índio, como não poderia deixar de ser, possui
uma lista de artigos voltados unicamente para o trato das
questões referentes às terras indígenas. Em qualquer parte do
território nacional, a União pode demarcar e destinar áreas
para a utilização exclusiva dos povos indígenas. Tais áreas
podem ser adquiridas por compra, por desapropriação ou por
qualquer outro modo de transmissão de domínio.
Nos termos do Estatuto as terras indígenas podem ser
classificadas em:
a) reserva indígena — área destinada a servir de habitat a
grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência;
b) parque indígena - área contida em terra na posse dos
índios, cujo grau de integração permita assistência
econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em
que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas
naturais da região;
c) colônia agrícola indígena ~ área destinada à exploração
agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao
índio, onde convivam tribos acultura- das e membros da
comunidade nacional;8
8 Pela redação do Estatuto, verifica-se que o índio não é
considerado membro da comunidade nacional.
As Terras Indígenas
d) território federal indígena - é a unidade administrativa
subordinada à União, instituída em região na qual pelo menos
um terço da população seja formado por índios.
2.3. A Extração de Madeixa nas Terras Indígenas
Este é mais um dos pontos extremamente polêmicos dentro de
um tema que é essencialmente polêmico. É indiscutível que a
maior parte das terras indígenas é altamente rica em diversas
madeiras nobres e raras. Penso que o problema cuja abordagem
ora se inicia tem duas vertentes distintas, ainda que ambas
tenham uma origem comum, que é o descaso e abandono com que
são tratados os índios brasileiros. Refiro-me à exploração
clandestina de madeira nas áreas indígenas e à exploração
realizada pelos próprios índios. Desta última o exemplo mais
eloquente é a extração de mogno no território Kaiapó. Tendo em
vista que o problema da madeira extraída pelos próprios
indígenas é mais complexo, examinarei em primeiro lugar a
chamada exploração “clandestina” de madeira nas áreas
indígenas.
a) Exploração clandestina - As dimensões necessárias para
que uma exploração de área madeireira seja comercialmente
viável demonstram cabalmente que, de fato, estas não possam
existir sem a mais ampla conivência daqueles que deveriam ser
responsáveis pela proibição da atividade. A “clandestinidade”
da extração de madeira em áreas indígenas é economicamente
extremamente importante, sendo responsável pela maior parte do
mogno exportado pela América Latina.9 O que se sabe a respeito
da exploração "clandestina” de madeira é que esta encontra,
não raras vezes, um ambiente favorável, á medida que é uma
atividade de “desenvolvimento econômico”. A partir do momento
em que “constata” a existência de uma atividade “clandestina”
de exploração de madeira e, diante de uma realidade
irreversível, começa todo um processo com vistas à
“regularização” da exploração. Muitos são os argumentos
apresentados em favor de tais “regularizações”. O mais forte é
sempre o de que os índios serão “beneficiados” com os enormes
recursos de que passarão a dispor.
A total falta de recursos destinados às aldeias indígenas
serve de armadilha para que os índios fiquem em uma situação
embaraçosa, pois, diante da falta de recursos para a
assistência médica, educacional, sanitária etc., busca-se
criar uma situação que tem por objetivo forçá-los a admitir a
exploração desenfreada de madeiras nobres em suas áreas.
b) Exploração realizada pelos índios ou com autorização
destes - A invasão das terras indígenas pelos mais diversos
tipos de invasores e a omissão, quase que reiterada, das
autoridades públicas em assegurar que as áreas indígenas
permaneçam na posse exclusiva dos índios têm gerado situações
paradoxais e bastante graves. Não
9 Alan Thein Burning. “Prestando apoio aos povos indígenas”,
in Lester R. Brown, Qualidade de Vida 1993 - Salve o
Planeta! São Paulo: Globo, 1993, p. 123.
Direito Ambiental
poucas vezes, ante situações de fato, praticamente
irreversíveis, os próprios índios, mediante “contratos”,
autorizam a exploração de madeira e mesmo de garimpo em suas
terras.
A complexidade do problema é muito grande, pois suscita
questões referentes à autonomia dos povos indígenas acerca do
grau de liberdade que é dado aos índios para a exploração dos
recursos econômicos eventualmente existentes em suas terras.
Em primeiro lugar, penso que deve ser examinado qual o
fundamento jurídico que serve de base para que terras públicas
federais sejam afetadas diretamente às diversas nações
indígenas em usufruto permanente. Ora, conforme o mandamento
constitucional contido no artigo 231, § 1% tais terras são
aquelas imprescindíveis à preservação dos recursos naturais
necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução
física e cultural; desnecessário dizer, portanto, que a terra
foi tida pela Lei Fundamental como um elemento essencial à
própria sobrevivência dos povos indígenas como grupos étnicos
e culturais plenamente diferenciados. O legislador
constituinte entendeu, acertadamente, que qualquer risco que
as terras indígenas possam sofrer significa risco aos próprios
índios.
Dando mais consistência ao caput do artigo 231, o § 4a
dispõe que: as terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas
imprescritíveis. Evidentemente que no conceito de terras
indígenas não está incluindo, apenas, o chão, mas, ao
contrário, todo o conjunto de bens que nelas existem e, em
especial, o patrimônio ecológico nelas abrigado. É, aliás, um
princípio elementar de direito o de que os bens móveis se
vinculam aos bens imóveis nos quais estão inseridos. Ora, se
as terras indigenas são inalienáveis, parece-me que os seus
acessórios (riquezas minerais, madeiras etc.) também o são.
Não se pretende que tais recursos sejjam tidos como
intocáveis, mas necessário se fez que a utilização dos mesmos
não se feça de forma predatória e potencialmente causadora de
riscos para a própria sobrevivência das comunidades indígenas.
Esta concepção antropológica e legal já foi objeto de
confirmação judicial, durante o regime da Carta de 69, pelo
extinto Tribunal Federal de Recursos, conforme decisão
proferida nos autos da apelação cível ns 31.078 - Mato Grosso,
relator o Ministro Adhemar Raymundo, em cuja ementa se pode
ler o seguinte:
... O objetivo da norma Constitucional, ao transformar as
áreas ocupadas pelos índios em terras inalienáveis, foi o de
preseirvar o habitat de uma gente, sem cogitar de defender a
sua posse, mas dentro do sadio propósito de preservar um
património territorial, que é a razão de ser da própria
existência dos índios...10
O reconhecimento da autonomia cultural dos povos indígenas
se faz no âmbito do Estado brasileiro e implica,
evidentemente, a construção de direitos e deveres, tanto para
a chamada sociedade envolvente quanto para os próprios povos
indígenas
10 Paulo Machado Guimarães. Ementário de Jurisprudência
Indigenista, Brasília: CIMI, 1993, p. 35.
As Terras Indígenas
que, também eles, possuem obrigações para com os outros
setores e etnias de nossa sociedade multiétnica. O dever de
preservação do meio ambiente, tal qual estabelecido no artigo
225 da CF, é imposição feita a todos os brasileiros, sem
qualquer distinção racial ou étnica.
É de se observar que a extração de madeira por grupos
indígenas, quase sempre, é duplamente um mau negócio, pelo
menos para os índios. É um mau negócio porque, comercialmente,
o preço da madeira que é pago para os índios pelas madeireiras
é sempre abaixo do real preço de mercado. Em segundo lugar, é
um mau negócio, pois as explorações, em geral, são feitas sem
qualquer critério de sustentabilida- de e, em médio e longo
prazos, acarretarão gravíssimos riscos para a própria sobre-
vivência da comunidade envolvida.
Em algumas comunidades indígenas, a extração de madeira já
chegou a atingir proporções alarmantes, tal é o caso da
extração de mogno pelos índios caiapós. Permito-me transcrever
o seguinte texto sobre o particular:
O mogno extraído das reservas caiapós representa parte
significativa do total das exportações brasileiras. Para se
ter uma idéia basta dizer que do total das exportações dessa
madeira em 1987, 163.271m3 segundo dados da Cacex, cerca de 69%
foram extraídos das áreas dos grupos caiapós das aldeias
A’Ukre, Gorotire, Kikretum, Kokraimoro e Kuben-Kran-Ken. O ano
de 1987parece ter sido um ano extremamente produtivo para as
atividades das madeireiras nas áreas Kaiapó, como indica o
declínio da atividade no ano seguinte, 1988, quando se retirou
“apenas” 69.421,736m3, ou seja, pouco mais da metade do ano
anterior. Especulativamente pode-se inferir que a queda na
atividade se deva ao esgotamento das reservas pela exploração.
Ainda assim, esse total de mogno extraído das reservas kaiapó,
em 1988, ficou acima do total das exportações brasileiras
dessa madeira nos anos de 1985 e 1986 somados.11
Este feto tem causado, inclusive, divisões entre os cáiapós,
pois muitos dos caciques são frontalmente contra a política de
extração de madeira que vem sendo desenvolvida de forma
bastante agressiva por determinados setores do povo caiapós.
Em realidade, o que se constata é que os caiapós chegaram a
uma situação limite. Assim é porque as suas terras, situadas
na região Sul do Estado do Pará, sempre foram alvo de grande
pressão, seja por parte de garimpeiros, seja por parte de
madeireiras, e mesmo pressão agropecuária. A inércia e
incapacidade do governo em realizar a demarcação plena da
terra caiapó serviram de base para a consolidação de situação
fática cuja irreversibihdade a curto prazo é bastante
evidente. A pressão internacional por madeiras nobres,
conjugada à indiferença dos órgãos governamentais, está
fazendo com que uma boa parcela de um importante grupo
indígena, em nome de ganhos fáceis, esteja alienando o seu
futuro enquanto povo. De certa forma, a pró
21O Mogno Kaiapó, in Centro Ecumênico de Documentação e
Informação, ob. cit., p. 312.
Direito Ambiental
pria Funai é interessada na devastação que se vem verificando,
pois, como se sabe, é a administradora da chamada “renda
indígena". Veja-se que a Lei n2 6.001/73, por seu artigo 46,
condiciona a automação de corte de madeira nas florestas
indígenas, consideradas em regime de preservação permanente, à
existência de "programas ou projetos para o aproveitamento das
terras respectivas na exploração agropecuária, na indústria ou
no reflorestamento”. É evidente por si mesmo que nenhuma das
atividades mencionadas guarda qualquer relação com o modo
indígena de viver.
É importante observar que o tipo de exploração em tela é
nula de pleno direito, em razão do § 6a do artigo 231 da Lei
Fundamental, que determina a nulidade de qualquer contrato que
tenha por objeto a exploração das riquezas naturais do solo,
dos rios e lagos existentes em terras indígenas, ressalvado o
interesse público da União, conforme definido em lei
complementar. Tal nulidade, como é evidente, abrange contratos
firmados por índios ou por brancos.
2.4. Terras Indígenas e Soberania Nacional
A quantidade de interesses que estão envolvidos em toda a
problemática referente às terras indígenas tem possibilitado o
surgimento de pontos de vista completamente distorcidos sobre
o assunto. Penso que, ainda que não se trate de novidade, deve
ser ressaltado o fato de que as terras indígenas são terras de
propriedade da União Federal, isto é, pertencem ao Estado
brasileiro. A partir desta inquestionável realidade jurídica,
não só de direito interno, mas, sobretudo, de direito
internacional, é que se deve examinar toda a complexa situação
das fronteiras e da soberania.
Fala-se, atualmente, em uma profunda mudança no conceito de
soberania nacional. Tal mudança seria decorrente de alterações
estruturais na ordem econômica internacional, com um
aprofundamento cada vez mais presente da internacionalização
da economia.
A importância que a Amazônia desempenha dentro do atual
contexto internacional é, sem dúvida, crescente. Sabe-se que
as riquezas escondidas na Amazônia são incalculáveis. Não se
fala, aqui, de riquezas minerais, pois estas são perfeitamente
detectáveis pelos modernos sistemas de satélite e já foram
levantadas, em grande parte, pelo Projeto Radam. A principal
riqueza da Amazônia está na sua biodiversidade. É indiscutível
que, com o atual nível de conhecimento, não se pode ter a real
dimensão de todas as substâncias químicas que poderão vir a
ser sintetizadas a partir da flora amazônica. A proteção
destas riquezas é um imperativo. Evidentemente que, em razão
destas e de outras questões extremamente graves, como o
tráfico internacional de entorpecentes e armas, existe a
necessidade real e concreta da proteção das áreas de
fronteiras do País. O domínio das terras nas regiões
fronteiriças sempre foi motivo de divergência jurídica, vez
que, por muitos anos, não existiu uma lei capaz de definir
categoricamente os direitos em relação a tais terras.12 Pela
Constituição
12 Para maiores detalhes, v. Aurélio Veiga Rios. “Os Direitos
Constitucionais dos índios nas Faixas de Fronteiras”, in
SantÜli, Juliana (Org.). Ob. cit., pp. 51 e seguintes.
As Terras Indígenas
vigente, não há a menor dúvida de que as terras situadas na
faixa de fronteira pertencem à União Federal. No caso das
terras indígenas que estejam situadas na faixa de fronteira, é
indiscutível que estas pertencem à União por dupla afetação:
por estarem na faixa de fronteira e por serem terras
indígenas.
Há quem pretenda ver uma incompatibilidade entre a presença
dos índios na faixa de fronteira e a preservação da segurança
nacional. Há, também, quem pretenda ver uma impossibilidade da
presença do Estado em suas fronteiras, se estas estiverem
afetadas aos povos indígenas, em razão de que tal presença
seriá nociva aos índios. Penso que ambas as posições são
extremadas e não consultam ao interesse nacional. Não Mo de um
interesse nacional abstrato, mas, muito pelo contrário, de um
interesse que se fez sentir na possibilidade de cada
brasileiro viver dignamente e de acordo com os seus hábitos,
tradições e características culturais mais profundas. É óbvio
que a preservação física, cultural e espiritual dos povos
indígenas é do interesse nacional, assim como a preservação da
integridade das fronteiras. Os dois bens jurídicos são
igualmente relevantes e não conflitantes, pois ambos possuem
previsão constitucional.
O que tem sido conflitante é o conjunto de políticas
adotadas, o despreparo e, não raras vezes, a má~fé com que o
assunto é encarado, independentemente de quem sejam os atores.
A ótica integracionista e a sua contraposição, isto é, aquela
que; julga terem os índios direitos superiores aos dos demais
brasileiros, são nocivas aos legítimos interesses brasileiros,
de todos os brasileiros. Se é indiscutível a necessidade de
proteção de nossas fronteiras, é igualmente indiscutível que
projetos como o Calha Norte mostraram-se equivocados e
incapazes de gerar frutos socialmente úteis. O problema,
contudo, é um dos mais graves enfrentados pelo País e deve ser
discutido por toda a sociedade brasileira, de forma ampla e
leal. A omissão em tal debate, penso, é o pior mal que se pode
fazer ao País e, evidentemente, aos próprios índios.
3. A Demarcação das Terras Indígenas
A CRFB determina, em seu artigo 67, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que: a União concluirá a
demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a
partir da Constituição. A norma jurídica, em si, não constitui
novidade em nosso Direito Positivo, pois representa repetição
e elevação em nível constitucional de norma existente no
artigo 65 da Lei n2 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Portanto,
há mais de 20 anos, existe um prazo legal para que as terras
indígenas sejam demarcadas dentro de cinco anos. Tanto a norma
legal como a constitucional restam letra morta. As razões para
que isso ocorra são inúmeras e não precisam ser examinadas
neste trabalho.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são bens
de propriedade da União (CF,13 art. 20, XI). Tais terras são
destinadas à posse permanente dos indígenas e a eles cabe o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
exis-
13 CF - Constituição Federal.
| Direito Ambiental
tentes em seu interior (CF, art. 231, § 29). À União compete
demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas (CF,
art. 231, caput).
Terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas
por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as
necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições (CF, art. 231, § 1-).
O Poder Executivo, em iniciativa, com o objetivo de agilizar
a demarcação das terras indígenas, baixou o Decreto nB 22, de 4
de fevereiro de 1991, que dispõe sobre o processo
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências. A aplicação do referido decreto para a
demarcação de terras indígenas tem suscitado imensa
controvérsia acerca da constitucionalidade de diversos
dispositivos nele constantes.
A matéria é muito complexa, seja do ponto de vista jurídico,
seja do ponto de vista social, haja vista as imensas
repercussões que decorrerão de uma eventual declaração de
inconstitucionalidade de dispositivos regulamentares contidos
no decreto em questão. A tese que sustenta a
inconstitucionalidade baseia-se no fato de que o artigo 25 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias14 extinguiu
todas as delegações para que o Executivo deliberasse sobre
matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional.
Portanto, em consequência da norma contida no ADCT, o artigo
19 da Lei ne 6.001/73 (Estatuto do índio) estaria revogado.
Para os adeptos da tese ora apresentada, o Decreto ns 22/91 é
uma mera regulamentação do artigo 19 da Lei n® 6.001/73 e,
portanto, é nulo de pleno direito. Acresce-se, dizem os
adeptos da tese, que o artigo 5®, LV,15 da CF assegura a todos
o direito ao contraditório, seja no processo administrativo,
seja no judicial, e o Decreto n^ 22/91 não respeitou o aludido
princípio constitucional.
A tese contrária sustenta que o Decreto n9 22/91 é uma
decorrência direta das normas contidas no artigo 231 da Lei
Fundamental da República e que o mesmo não violou qualquer
princípio constitucional, implícito ou explícito.
O primeiro ponto a ser enfrentado é aquele que diz respeito
às competências exclusivas do Congresso Nacional em matéria de
terras indígenas. As terras indígenas são terras públicas
federais (CF, art. 20, XI), com uma destinação específica con-
ferida pelo artigo 231 da CRFB. O artigo 48, V, da Lei
Fundamental da República estabelece que:
14 ADCT, Art. 25. Ficam revogados, a partir de 180 dias da
promulgação da Constituição, sujeito este prazo à
prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que
atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência
assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional,
especialmente no que tange à: I - ação normativa; II —
alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
15 Art. 5a, LV — aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.
As Terras Indígenas
Cabe ao Congresso Nacional... dispor sobre todas as matérias
de competência da União, especialmente sobre: ... V - limites
do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do
domínio da União.
Estaria a norma constitucional a indicar que somente uma lei
formal poderia definir o critério de demarcação das terras
indígenas, vez que estas são bens da União.
Inicialmente, cumpre observar que ao Congresso Nacional cabe
dispor sobre todas as matérias de competência da União. Ora,
ao se admitir a tese de que o Decreto n2 22/91 é
inconstitucional, pois dispôs sobre matéria de competência do
Congresso Nacional, implicitamente, estamos admitindo a tese
de que a Carta de 1988 extinguiu o Poder Regulamentar do Poder
Executivo, e mais, que nenhum decreto ou decreto-lei foi
recepcionado pela atual CF. O que é, evidentemente, absurdo. O
próprio STF, não raras vezes, tem declarado a recepção de
decretos e decretos-lei; especialmente em matéria tributária
que, como se sabe, contempla a defesa de direitos e garantias
individuais.
O artigo 19 da Lei n9 6.001/73 determina que:
Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob
orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão
administrativamente demarcadas, de acordo com o processo
estabelecido em decreto do Poder Executivo.
Existiria nesta norma legal qualquer delegação feita pelo
Legislativo ao Executivo? Evidentemente que não.
A Constituição de 1967, com a redação que lhe foi dada pela
Emenda Constitucional n9 1, de 1969, em seu artigo 43, VI,
determinava:
Art. 43. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de
competência da União: VI - limites do território nacional;
espaço aéreo e marítimo; bens de domínio da União.
Pontes de Miranda,16 ao comentar o dispositivo
constitucional, assim se pronunciou:
Só o Congresso Nacional, com sanção do Presidente da
República, pode legislar sobre bens da União. Mas, com isso,
que se estabelece no art. 43, VI, parte, da Constituição de
1967, não se pré~excluem as leis-delegadas...
A toda evidência que o conteúdo da norma contida no artigo
25 do ADCT é o de fazer cessar qualquer efeito de delegação
legislativa que tenha sido feita em favor do Executivo pelo
Legislativo pré-Constituinte. É necessário ser mais explicito:
o que
16 Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com
a Emenda a9 1 de 1969, Rio de Janeiro: Forense, tomo III,
1987, p. 102.
Direito Ambiental
foi declarado extinto pelo artigo 25 do ADCT foram as
delegações feitas com base nos artigos 52/54 da Constituição
de 1967.17 O Poder Regulamentar não é tuna delegação do
Legislativo ao Executivo; ao contrário, é uma atribuição
inerente à natureza do próprio Poder Executivo e decorre do
artigo 29 da Lei Fundamental da República.
Observe-se que, no momento em que o Constituinte pretendeu
estabelecer uma competência exclusiva do Congresso Nacional em
matéria de terras indígenas, isto foi feito. Assim é que o
artigo 49 da CRFB, em seu inciso XVI, determina:
Art. 49. Éda competência exclusiva do Congresso Nacional:...
XVI-autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais.
Como se sabe, o verbo dispor possui inúmeros significados18
e, evidentemente, o Constituinte não pretendeu proibir o
Executivo de arrecadar e demarcar as terras da União. O
objetivo é muito outro. O que se proibiu foi a disposição de
terras públicas no sentido de sua alienação, de sua
transferência. Assim é que o artigo 49, XVH, da Lei
Fundamental da República é bastante explícito no sentido de
que a alienação ou concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhentos bectares depende de prévia
autorização congressual.
Quanto à violação do princípio do contraditório,
estabelecido no artigo 5% LV (contraditório e ampla defesa),
igualmente não procede a imputação de inconstitucionalidade. A
CRFB estabelece o princípio da ampla revisão judicial dos atos
administrativos e o da inafastabilidade da apreciação judicial
de qualquer violação de direito ou de simples ameaça de
violação de direitos.19 Em assim sendo, mesmo que o Executivo
pretendesse violar direitos constitucionais, especialmente os
do contraditório e da ampla defesa, a Lei Fundamental da
República não o admitiria. Como compreender-se, portanto, o
contraditório e a ampla defesa em sede administrativa? Esta é
a questão fundamental a ser examinada.
As regras constitucionais da ampla defesa e do contraditório
têm origem na luta pelo estabelecimento de critérios jurídicos
capazes de impedir a arbitrariedade e a
17 Constituição de 1967 (EC 1/69), Art. 52, As leis delegadas
serão elaboradas pelo Presidente da República, comissão do
Congresso Nacional ou de qualquer das suas Casas, Parágrafo
único. Não serão objeco de delegação os atos de competência
exclusiva do Congresso Nacional, nem os de competência
privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, nem
a legislação sobre: I-a organização dos juizes e tribunais e
garantias da magistratura; H -a nacionalidade, a cidadania,
os direitos políticos e o direito eleitoral; e UI - o
sistema monetário. Arr. 53. No caso de delegação a comissão
especial, sobre a qual disporá o regimento do Congresso
Nacional, o projeto aprovado será remetido à sanção, salvo
se, no prazo de dez dias de sua publicação, a maioria dos
membros da Comissão em tzm quinto da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal requerer a sua votação pelo plenário. Art.
54. A delegação ao Presidente da República terá forma de
resolução do Congresso Nacional, que espedScará seu conteúdo
e os termos do seu exercício. Parágraíb único. Se a
resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso
Nacional, este a fkri em sessão única, vedada qualquer
emenda.
18O Dicionário Atirélio Eletrônico registra 32 significados.
19 CF, art. 5®, XXXV — A lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
As Terras Indígenas I
violência contra os cidadãos. Tais regras, portanto, estão
intimamente vinculadas à aplicação de normas penais ou de
sanções e punições administrativas. Vale observar que os
incisos XXVII/LXVIII do artigo 52 da Lei Fundamental da
República são todos voltados para a proteção da liberdade
individual contra prisões ou apenamentos arbitrários. Já a
proteção aos direitos de propriedade e do proprietário está
contemplada nos incisos XXII/XXXI do mesmo artigo 52.
A própria localização topográfica do inciso LV do artigo 52
demonstra-nos que o mesmo não está voltado para a proteção da
propriedade. O inciso LV do artigo 59 é uma explicitação de
princípios que já se encontravam implícitos nas constituições
anteriores.20 O próprio STF, historicamente, sempre tem
compreendido que a norma tem o nítido conteúdo de defesa em
tema de liberdade individual e de apuração de falta
disciplinar. A propósito, vale trazer à colação a lição do
Professor Cretella Jr.:21
Em 22 de julho de 1936, o STF, então denominado Corte
Suprema, julgando argüição de inconstitucionalidade de
dispositivo de processo civil, diante da Constituição de 1934,
vigente, art. 113, § 23, que assegurava aos acusados ampla
defesa, manifestou-se pelo voto do Relator, e firmou, para
sempre, o princípio de que a Carta “consagra garantias a réus,
em processos criminais, ou acusados de crime, propriamente
ditos, e não cogita de estabelecer nenhuma norma fundamental
para o direito civil”. Assim em 1934, art. 113, § 24, como já,
antes, em 1891, art. 72, § 15 e, comodepois, em 1937, art.
122, § 11; em 1946art. 141, §25; em 1967, art. 150, § 15; em
1969, art. 153, § 15; em 1988, art. 5s, inc. LV, “ampla defesa”
é regra peculiar a processo em que o Estado acusa e hão existe
em processo no qual o Estado, por meio de magistrado, é
estranho à lide, procurando dar razão a quem a tem. No
processo administrativo, que alguns denominam de inquérito
administrativo, “é necessária a ampla defesa para demissão de
funcionário admitido por concurso” (Súmula 20 do STF), sendo
“nula a demissão de funcionário com base em processo
administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa”
(STF, em RDA, 73:136), porque em inquérito administrativo,
destinado a apurar a falta de funcionário e aphcação da pena
de demissão, a ampla defesa deve ser-lhe assegurada (STF, em
RDA 47:108).
Portanto, contraditório e ampla defesa são princípios
constitucionais destinados à defesa de acusados em matéria
penal ou administrativo-disciplinar. Tais princípios não se
aplicam a outros tipos de procedimento, como é tradicional no
Direito brasileiro.
Vale ressaltar que o Decreto n® 22/91 admite que os
interessados não indígenas possam intervir no processo de
demarcação. Visando assegurar-lhes a defesa de eventuais
direitos de terceiros, o § 7S do Decreto determina a publicação
do relatório que caracteriza a terra indígena a ser demarcada.
As impugnações ao relatório
20 CF de 1967 (EC 1/69), Art. 153, § 15. A lei assegurará aos
acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não
haverá foro privilegiado, nem tribunais de exceção.
21 Comentários à Constituição de 1988 (artigos Ia a 5°, LXVJI),
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 534.
Direito Ambiental
podem ser feitas no prazo de 30 dias (§ 8S). Somente após o
prazo do § 89 é que o Ministro da Justiça determinará a
demarcação da terra indígena. Releva notar que, mesmo após
terem sido demarcadas, as terras indígenas, ainda dependem da
homologação do Presidente da República. Existem, portanto,
três momentos nos quais os eventuais interessados podem opor
sua irresignação ao processo de demarcação.
Deve ser afirmado que a CRFB estipula que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos indígenas pertencem à União, e
aos índios foi reconhecido, pelo Constituinte, o “direito
originário” dos indígenas sobre as mesmas (art. 231, caput).
Em razão do reconhecimento constitucional dos direitos
históricos dos povos indígenas em relação às suas terras são
declarados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos,
os atos que tenham por objeto a ocupação> o domínio e a posse
das terras a que se refere este artigo (231). Ora, do ponto de
vista constitucional, inexiste qualquer título válido sobre
terras indígenas. Logo, inexistem terceiros Juridicamente
capazes de reivindicar tais terras, seja a que título for.
Entretanto, se uma área não for indígena e, eventualmente, a
demarcação a tenha definido como tal, a figura jurídica a ser
aplicada é a da desapropriação indireta a ser reconhecida pelo
Poder Judiciário, com a consequente indenização do
expropriado.
Por fim, é importante verificar uma lição do Direito
Comparado, em matéria de tutela dos direitos indígenas:
To compensate for the disadvantage at which the treaty-
making process placed the tribes, and to help carry out the
federal trust responsability, the Supreme Court has fashioned
rules of construction sympathetic to Indian inte- rests.
Treaties interpretation are to be constructed as they were
understood by the tribal representatives who participated in
their negotiation22 (Para compensar a desvantagem em que o
processo de feituras de tratados colocou as tribos e para
ajudar a implementar a responsabilidade federal, a Suprema
Corte estabeleceu normas simpáticas aos interesses dos índios.
A interpretação dos tratados deve ser construída, tal como
eles eram compreendidos, pelos representantes tribais que
participaram de sua negociação).
3.1. O Decreto n* 1.775, de 8 de janeiro de 1996
Com a revogação do Decreto n9 22/91, foi baixado o Decreto
n 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Este Decreto suscitou muita
a