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i
ES8 j - Ensino Superior 8imi
DIREITO AMBIENTAL
Lumen hJuri$\Qditora
Ensino Supe ior Bureau Jurídico
Ex. 19 NF 3027
10/00/201G 55063
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tSB J - Ênsmo Superior Bumai MI»
PAULO DE BESSA ANTUNES
Advogado
Mestre (PUC/RJ) e Doutor (UERJ) em Direito Professor Adjunto
de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro - UNIRIO
DIREITO AMBIENTAL
12a edição Amplamente reformulada
2â tiragem
EDITORA LUMEN JURIS Rio de Janeiro 2010
Copyright © 2010 by Paulo de Bessa Antunes
Categoria: Direito Ambiental
PRODUÇÃO EDITORIAL Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza
pela originalidade desta obra.
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou
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Todos os direitos reservados à Livraria e Editora Lumen Juris
Ltda.
Impresso no Brasil Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS
EDITORES DE LIVROS, RJ
A642d
12.ed.
Antunes, Paulo de Bessa
Direito ambiental / Paulo de Bessa Antunes. - 12.ed. - Rio
de Janeiro : Lumen Juris, 2010.
"Amplamente reformulada"
ISBN 978-85-375-0616-5
1. Direito ambiental - Brasil. I. Título.
10-0161.
13.01.10 14.01.10
CDU: 349.6:347.9(81) 017109
ISBJ - Ensino Superior Bure&j
Este livro é dedicado aos meus filhos Anã Carolina, Rafael,
Paula, Carína e Gabriel.

IS8J - Ensino Superior Sugsai Mfte§


Glossário
Glossário
- Companhia Estadual de Tecnologia e
Cetesb Saneamento Básico
- Fundação Estadual de Engenharia do Meio
FEEMA Ambiente
STJ - Superior Tribunal de Justiça
STF - Supremo Tribunal Federal
- Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
TJRJ Janeiro
- Tribunal de Justiça do Estado de São
TJSP Paulo
~ Tribunal de Justiça do Estado de Minas
TJMG Gerais
- Tribunal de Justiça do Estado do Rio
TJRS Grande do Sul
TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiental
ANA - Agência Nacional de Águas
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis
— Conferência das Nações Unidas sobre
CNUMAD Meio Ambiente e Desenvolvi
mento
ONU - Organização das Nações Unidas
DA — Direito Ambiental
CFIo - Código Florestal
CBD - Convenção da Diversidade Biológica
SNUC — Sistema Nacional de Unidades de
Conservação
cc — Código Civil
CPC - Código de Processo Civil
- Constituição da República Federatva do
CRFB Brasil
CF - Constituição Federal
DAdm ~ Direito Administrativo
TRF - Tribunal Regional Federal
PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente
SISNAM
A - Sistema Nacional de Meio Ambiente
OBJ * Ensino Superior guraai Ms&s
Sumário MHBHB
WMH
nHg|
Sumário
Nota à 12a edição ......................... xxxi
PRIMEIRA PARTE TEORIA GERAL DO DIREITO AMBIENTAL
Capítulo I - O Direito Ambiental........... 3
1. Apresentação .............................. 3
2. Direito Ambiental: conceito ,............. 4
2.1. A vertente econômica do Direito Ambiental 12
2.2. A vertente humana do Direito Ambiental. 15
3. A metodologia do Direito Ambiental ....... 19
3.1. Autonomia do Direito Ambiental......... 19
3.2. Princípios do Direito Ambiental........ 21
3.2.1. Natureza dos princípios do DA........ 22
3.2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana 22
3.2.3. Princípio do desenvolvimento......... 24
3.2.4. Princípio democrático................ 26
3.2.5. Princípio da precaução............... 28
3.2.5.1. Gênese do Princípio da Precaução... 28
3.25.2. Breve definição ............... 29
3.2.5.3. Rio 92 e Princípio da Precaução.... 33
3.2.5.4. Constituição e Princípio da Precaução 36
3.2.5.5. Princípio da Precaução e litígios judiciais 38
3.2.5.6. Princípio da Precaução: a busca de um conceito opera-
cional ................................... 44
3.2.6. Princípio da Prevenção............... 45
3.2.7. Princípio do equilíbrio.............. 46
3.2.8. Princípio da capacidade de suporte... 47
3.2.9. Princípio da responsabilidade........ 49
3.2.10. Princípio do Poluidor Pagador......... . 49
3.2.11. Conclusão........................... 50
3.3. Fontes do Direito Ambiental........... 51
3.3.1. Fontes materiais..................... 51
3.3.1.1. Movimentos populares............... 51
3.3.1.2. Descobertas científicas............ 54
3.3.1.3. Doutrina jurídica ................ 54
3.3.2. Fontes formais....................... 54
3.4. Relações do Direito Ambiental com outros ramos do Direito
............................................ 55
3.5. Metodologia do Direito Ambiental....... 56
Capítulo II - A Ordem Constitucional do Meio Ambiente 59
1. Introdução 59
60
62
62
64
65
69
72
74
79
79
82
84
88
89
89
92
94
97
97
98
100
101
106
107
110
112
115
117
123
123
125
127
128
129
129
132
135
136
137
144
146
Direito Ambiental
2. O Período Republicano...................
3. A Constituição de 1988..................
3.1. Aspectos Gerais da Constituição de 1988
3.2. O Artigo 225 da Lei Fundamental de 1988
3.2.1. Conceito normativo de meio ambiente.
3.2.1.1. Direito Ambiental e Direitos Humanos
4. Aplicabilidade das Normas...............
5. A Integração de Conceitos Exteriores ao Direito na
Constituição...............................
Capítulo m - Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
...........................................
1. Introdução..................... .....
2. Competência Federal.............. .....
2.1. Omissões inconstitucionais... .......
2.2. Competência Estadual............. ...
2.3. Competência Municipal ........ .....
2.3.1. Exercício da competência comum mediante a edição de
leis próprias..
3. A questão da aplicação da norma mais restritiva
.........................................
4. Conclusão...............................
Capítulo IV - Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
1. O Papel de Cada um dos Poderes da República
1.1. Atribuições do Congresso Nacional.....
1.2. Atribuições do Poder Judiciário ......
1.2.1. Atribuições do Judiciário e separação de poderes
1.3. Atribuições do Ministério Público.....
2. O SISNAMA...............................
3. órgãos Integrantes do SISNAMA...........
3.1. O CONAMA........... . ..... ..........
3.1.1. O Conama e a delegação de competências
3.1.2. Composição do CONAMA: separação de poderes e autonomia
do Ministério Público ...................
3.1.2. Ministério do Meio Ambiente.........
3.1.2.1. Antecedentes..... .. . ..... . ..
3.2. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA .............
3.2.1. Atribuições do IBAMA................
3.3. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade -
Instituto Chico Mendes ..................
Capítulo V - Poder de Polícia Ambiental....
1. O Poder de Polícia ......................
1.1. Conceito Normativo de Poder de Polícia
2.2. Ordem Pública do Meio Ambiente........
3. A Fiscalização Ambiental................
3.1. Limites da Fiscalização ......... .....
3.1.1. Fiscalização e Exercício de Profissões Regulamentadas
...........................................
4. O Licenciamento Ambiental...............
ês&j - fcnsno Supenor %mm Mêjâ
Sumário
4.1. Introdução.......................... 146
4.2. O Licenciamento Ambiental como Processo Administrativo
149
4.2.1. Dificuldades do Licenciamento Ambiental 154
4.2.1.1. Conflitos entre Órgãos Administrativos Ambientais..,
155
4.2.1.1.1. Mar Territorial, Linha de Base e Licenciamento
Federal ................................. 156
4.2.1.2. Localização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental
158
4.3. O Licenciamento Federal............... 160
4.3.1. Responsabilidade pela emissão das licenças ambientais
........................................... 164
4.3.2. O Sistema Estabelecido pela Resolução n^ 237, de 19 de
Dezembro de 1997 ...................... 165
4.3.2.1. Itinerário para o Licenciamento... 167
4.3.3. Licenciamento de Petróleo........... 167
4.3.4. Licenciamento Ambiental para Empreendimentos Elétricos
de Pequeno Porte ...................... 170
4.3.4.1. Introdução........................ 170
4.3.4.2. Campo de Incidência da Resolução CONAMA nfi 279, de
27 de Junho de 2001........................ 171
4.3.4.3. Glossário da Resolução............ 172
4.3.4.4. Procedimentos..................... 173
4.3A5. Prazos.............................. 174
4.3A6. Reunião Técnica Informativa......... 175
4.3.4.7. Publicidade .................. 175
4.3.5. Agentes Ambientais Voluntários...... 176
4.3.6. Licença Especial para Fins Científicos 177
4.3.7. Licenciamento Ambiental de Postos de Gasolina 179
4.3.7.1. Minas Gerais .................... 185
4.3.7.2. Rio de Janeiro.................... 186
4.3.73. São Paulo.......................... 187
4.3.8. Licenciamento Ambiental das Atividades de Dragagem
188
Capítulo VI - Zoneamento................... 191
1. Introdução.............................. 191
2. Zoneamento.............................. 194
3. Zoneamento Ambiental.,.................. 195
3.1. Zoneamento federal .................. 195
3.2. Zoneamento Estadual................... 196
3.3. Zoneamento Municipal.................. 197
3.4. Zoneamento Ambiental Urbano........... 197
3.4.1. Zonas de Uso Industrial (ZUI)....... 198
3.4.1.1. Direito de Pré-Ocupação e Relocalização 199
3.4.1.1.1. Posição dos Tribunais........... 201
3.4.2. Zona de Uso Estritamente Industrial (ZEI) 203
3.4.3. Zona de Uso Predominantemente Industrial (ZUPI) 204
3.4.4. Zona de Uso Diversificado (ZUD)..... 204
B Direito Ambiental
4. Zoneamento Agrícola ...................... 204
5. Zoneamento Costeiro ...................... 205
Capítulo VH - Responsabilidade Ambiental......... 211
1. Introdução ............................... 211
2. A responsabilidade na CF ................. 211
3. A Responsabilidade Ambiental ........... 212
3.1. Fundamento da Responsabilidade.............. 212
3.1.1. A Responsabilidade por Risco.............. 216
3.1.1.1. Responsabilidade por Risco em Matéria Ambiental
217
3.1.1.1.1. Poluidor Indireto e Responsabilidade Objetiva...
218
3.1.1.1.2. A Inversão do Ônus da Prova........... 222
3.1.2. Responsabilidade de Instituições Financeiras 223
3.1.3. Responsabilidade Ambiental das Instituições de Crédito
Imobiliário .................................. 225
3.1.4. Crédito Rural e Meio Ambiente: Responsabilidade 228
3.2. A Tarifação da Responsabilidade Ambiental... 231
3.2.1. Poluição Marítima Decorrente de Atividades Petrolíferas
232
3.2.1.1. Campo de Aplicação, Conceitos e Definições 232
3.2.1.2. Prevenção, Controle e Combate da Poluição 236
3.2.1.3. Transporte de Óleo e Substâncias Nocivas ou
Perigosas... 237
3.2.1.4. Descarga de óleo, Substâncias Nocivas ou Perigosas e
lixo. 238
3.2.1.5. Infrações e Sanções................. 241
3.2.1.6. Responsabilidades pelo Cumprimento da Lei 242
3.2.1.7. Prazo para Adaptação às Normas Legais. 244
3.2.1.8. O Conselho Monetário Nacional e o Meio Ambiente
244
4. O Conceito de Dano ....................... 247
4.1. O Dano Ambiental........................ 247
5. Reparação do Dano Ambiental ............ 250
5.1. Concepção Educativa......................... 252
5.2. A Apuração do Dano Ambiental.............. 253
Capítulo Vm - Educação Ambiental................. 255
1. Introdução ......................... 255
2. A Lei ne 9.795, de 27 de abril de 1999 . 255
2.1. Da Educação Ambiental................... 256
2.2. Da Política Nacional de Educação Ambiental.. 259
2.2.1. Disposições Gerais........................ 259
2.2.2. Educação Ambiental no Ensino Formal....... 260
2.2.3. Educação Ambiental Não-Formal............. 261
3. Execução da Política Nacional de Educação Ambiental
261
4. Conclusão ................................ 262
SEGUNDA PARTE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL
Introdução....................................... 265
* Eftssno Süserior Bureas Juiiáks
g Sumário
| Capítulo IX-O Conceito de Impacto Ambiental. 267
| 1. Definições de Meio Ambiente e de Impacto Ambiental
267
I 1.1. .................... Definições Semânticas 267
I 1.2. ........... Definições Científicas .. 269
| 1.3. Definições Jurídicas de Meio Ambiente e de
Impacto Ambiental 270
i 1.3.1. Meio Ambiente ... .. ........... 270
% 1.3.2. Impacto Ambiental ............... 271
Ü 1.3.3. Conceito jurídico de Impacto Ambiental 273
I Capítulo X - O Estudo de Impacto no Direito Estrangeiro
275
H 1. Introdução............................... 275
H 2. Importância Internacional dos Estudos de Impacto
Ambiental....................................... 276
li 2.1.O Banco Mundial e os Estudos de Impacto Ambiental
276
j| 2.2. ........................... Estados Unidos 278
H 2.2.1. Antecedentes .............. , .. 278
tf 2.2.2. National Environment Folicy Act - NEPA 278
2.3. França 282
2.3.1. A Base Legal do Sistema de Avaliação de Impactos
Ambientais.... 282
| 2.3.2. O Sistema Francês de ...... Análise de
Impactos Ambientais 282
H 2.3.2.1, Mininotícia de Impacto ..... 283
i 2.3.2,2. Notícia de Impacto ......... 283
|{ 2.3.2.3. Estudo de Impacto .......... 283
|| 2.4. Japão ............................... 284
| 2.5. Canadá ..... .' ...................... 286
1 2.6. Holanda ............................. 286
| 2.7. Uruguai ........................... 287

H Capítulo XI - Estudos de Impacto Ambiental: Bases
Constitucionais................................. 289
ff 1. A Exigência Constitucional dos Estudos de Impacto
Ambiental....................................... 289
§ 2. A Legislação Ordinária ................... 290
|; 2.1. Áreas Críticas de Poluição e Avaliação de Impactos
Ambientais 290
H 2.2, A Avaliação dos Impactos Ambientais Prevista na Lei
nfi 6.803, de 2 de
ͧ Junho de 1980 .......................... 293
p 2.3. O Estudo de Impacto Ambiental na Lei ns 6.938/81
294
I 3. Ato administrativo praticado peloPoder Executivo 295
Ü Capítulo XII - Natureza Jurídica do Estudo de Impacto
Ambiental....................................... 297
H 1. Natureza Jurídica dos EIAs .. ........... 297
l§ 1.2. Natureza Formal do Estudo de Impacto Ambiental
299
jg 2. O EIA e a Administração Publica .......... 301
H 2.1. Publicidade e Obrigatoriedade ....... 302
St 2.2. Vineulação da Administração ao EIA .. 303
I
I Capítulo XIII - Requisitos do EIA.......... 305
k 1. Apresentação ........................... 305
H 2. Requisitos de Conteúdo .................. 305
§ 2.1. Alternativas Tecnológicas e de Implantação 306

B Direito Ambiental
2.2. Impactos Ambientais Gerados na Fase de Implantação e na
Fase de Operação ............... 307
2.3. Área Geográfica a Ser Diretamente Atingida 308
2.4. Consideração de Planos e Programas Governamentais 308
2.5. Impactos Sociais e Humanos................ 308
3. Requisitos Técnicos ..................... 309
4. Requisitos Formais..................... 311
4.1. Equipe Técnica Habilitada ................. 312
4.1.1. Independência da Equipe Técnica...... . .. 312
4.1.1.1. Revogação do Artigo 7e da Resolução na 1/86 do CONAMA.
313
4.1.2. Responsabilidade dos Elaboradores do EÍA 314
4.2. Despesas e Independência Técnica......... 314
4.2.1. Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos
de Defesa Ambiental ........................ 315
4.3. O Relatório de Impacto Ambiental — RIMA.. 316
5. Audiência Pública.... , ...................... 317
5.1. Convocação................................. 317
5.2. Realização da Audiência....................... : 318
5.3. Função da Audiência.................... 318
TERCEIRA PARTE MEIO AMBIENTE URBANO
Capítulo XIV — A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano 321
1. Introdução........................... 321
2. Preceitos Constitucionais.............. - .... 322
3. Instrumentos da Política Urbana ......... 324
3.1. Instrumentos com Imediata Repercussão Ambiental 324
3.1.1. Direito de Preempção.......... . ......... 324
3.1.2. Transferência do Direito de Construir ... 326
3.1.3. Concessão de Uso Especial................ 326
3.1.4. Estudo de Impacto de Vizinhança...... 327
3.1.4.1. Estudo de Impacto de Vizinhança no Município de São
Paulo ................ . .................... 328
3.1.4.1.1. Mecanismo de Análise do RIVI 330
3.2. Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade 330
3.2.1. Elaboração Democrática das Normas do Plano Diretor
330
3.2.2. Obrigatoriedade do Plano Diretor......... 331
3.2.3. Gestão Democrática da Cidade,............ 331
3.2.3.1. Loteamento fechado..................... 332
4. Conclusão ............................... 333
QUARTA PARTE PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Capítulo XV — A Perda da Diversidade Biológica como um
Problema Contemporâneo ...................... 337
tSBi - Ensno Susedor
Sumário
1. Introdução ........................... i . 337
2..A Dimensão da Atual Perda de Diversidade Biológica
340
2.1. O Banco Mundial e a Perda de Diversidade Biológica
342
2.2. O Brasil e a Perda da Diversidade Biológica 343
2.2.1. O Difícil Relacionamento com os Povos Autóctones
343
2.2.2. Novos Povos ..................... 344
3. Perda de Diversidade Biológica nos Biomas Brasileiros
345
3.1. Perda de Diversidade Biológica na Amazônia. 345
3.2. Perda de Diversidade Biológica no Bioma Mata Atlântica
........................................... 346
4. Diversidade Biológica e Atividade Econômica 348
4.1. Diversidade Biológica e Propriedade Intelectual 350
4.1.1. Base Constitucional para o Patenteamento de Organismos
Geneticamente Modificados (OGM) ........ 351
5. Conclusão... ............... ; . i .... 352
Capítulo XVI - Proteção Internacional da Diversidade Biológica
(Principais
Documentos) .............................. .'353
1. Introdução ; ........................... 353
2. Principais Documentos Internacionais Assinados pelo Brasil
353
2.1. Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 354
2.1.1. Preâmbulo................... - ...... 355
2.1.2. Objetivos da CDB..................... 357
2.1.3. Glossário da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) 358
2.1.4. Soberania e Diversidade-Biológica ..... . 359
2.1.5. Medidas de Proteção da Diversidade Biológica 360
2.1.6. Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade
Biológica 362
2.1.7. Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos
Negativos 363
2.1.8. Acesso a Recursos Genéticos... ;..... 364
2.1.9. Acesso à Tecnologia........... esua Transferência .
364
2.1.9.1, Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus
Benefícios. 366
2.1.9.2. Relações entre Diversidade Biológica e Produção de
Medicamentos ..................... \..... 367
2.2. Agenda 21............................ 369
2.3. Convenção de RAMSAR............. :..... 370
2.3.1. Preâmbulo.......................... 370
2.3.2. Glossário da Convenção............. 371
2.3.3. Indicação pelas Partes de áreas a Serem Incluídas na
Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional 371
2.3.3.1. Obrigações com relação às Áreas Incluídas na Lista
372
2.3.3.2. Acompanhamento da Implementação da Convenção 373
2.3.3.3. Conferência das Partes Contratantes 373
2.3.3.4. Competência da Conferência das Partes 374
2.3.3.5. Atribuições do Bureau.............. 374
2.4. Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna
Selvagem em Perigo de Extinção - CITES...... 375
2.4.1. Abrangência da CITES: Conteúdo dos Anexos 375
Direito Ambiental
2.4.2. Glossário da Convenção............... 376
2.4.3. Relação entre a CITES e outras Convenções
Internacionais e a Legislação Nacional ... 377
2.4.4. Implementação da CITES pelo Brasil... 378
2.4.4.1. Papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA no âmbito da CITES.
378
2.4.5. Procedimentos Necessários ao Comércio Internacional de
Espécies (Espécies Integrantes dos Anexos I, II e III da
CITES) ................................... 379
2.4.6. Licenças e Certificados CITES........ 380
2.4.7. Não-Incidência das Normas da CITES... 381
Capítulo XVn - Biossegurança................ 383
1. Objetivos, conceitos e proibições da Lei de Biossegurança
383
2. Estrutura administrativa de Biosegurança . 385
2.1. Conselho Nacional de Biossegurança..... 385
2.1.1. Atribuições e competências......... 385
2. L2. Composição .................. - ... 386
2.2. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio...
............................................ 387
2.2.1. Composição da CTNbio................. 387
2.2.2. Funcionamento da CTNbio.............. 388
2.2.2.1. Audiência Pública.................. 390
2.2.2.2. Normas de conduta ética dos conselheiros 390
2.2.3. Competência da CTNbio........... - . 390
2.2.3.1. A CTNbio e o licenciamento ambiental 395
2.2.3.2. Forma das decisões da CTNbio....... 395
2.3. Comissão Interna de Biossegurança...... 396
2.4. Registro de OGM....................... 396
3. Responsabilidade Civil, Administrativa e Penal 398
Capítulo XVHI - Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
401
1. Introdução ............................... 401
2. O Quadro Jurídico do Acesso à Biodiversidade 401
2.1. Patrimônio Genético ...... . ........... 403
2.2.1. Inaplicabilidade das Normas e Vedação de Acesso 404
2.2.2. Gestão do Patrimônio Genético.... 405
2.2.3. Conselho de Gestão: Regulamentação... 408
2.2.3.1. Composição e Funcionamento ....... 408
2.2.3.2. Forma de Deliberação............... 409
2.2.3.3. Competência........................ 410
2.2.3.4. Secretaria Executiva............... 411
2.2.4. Acesso aos Recursos Genéticos........ 412
2.2.4.1. A Experiência da Costa Rica........ 412
2.2.4.2. Bioamazônia........................ 413
2.2.5. Requisitos para Acesso............... 414
2.2.5.1. Condições Legais................... 414
2.2.5.2. Regulamentação..................... 417
2.2.6. Acesso e Remessa..................... 421
s
&JB833L&
Sumário
2.2.6.1. Acesso à Tecnologia, Transferência de Tecnologia e
Registro de Patentes ..................... 421
2.2.7. Repartição de Benefícios............. 422
2.2.7.1. Benefícios...................... 422
2.2.8. Cláusulas Contratuais Cogentes..... 424
2.2.9. Sanções Administrativas.............. 425
2.2.9.1. As sanções em espécie.............. 426
2.2.9.2. Infrações Administrativas.......... 428
2.2.9.3. Processo Administrativo ........... 431
Capítulo XIX - Política Nacional de Biodiversidade 433
1. Introdução............................... 433
2. Política Nacional da Biodiversidade...... 434
2.1. Objetivos, Princípios e Diretrizes Gerais da Política
Nacional da Biodiversidade .............. 434
2.1.1. Objetivos........................... 434
2.1.2. Características Básicas da Principiologia: Pouca
Clareza e Inexatidão ..................... 434
2.1.2.1. Princípios Referentes ao Acesso aos Conhecimentos
Tradicionais Associados .................. 437
2.2. Diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade 437
2.3. Dos Componentes da Política Nacional da Biodiversidade
438
3. Conclusão .... ... ...................... 440
Capítulo XX - Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
............................................ 441
1. Introdução............................... 441
2. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre
443
2.1. Âmbito de Aplicação da Norma........... 443
2.2. Princípios........................... 444
2.3. Poder de Polícia e Aplicabilidade da Norma 445
2.4. Obrigações Institucionais do Poder Público 447
2.5. Acesso aos Recursos Genéticos.......... 448
2.5.1. Acesso em Condições In Situ.......... 448
2.5.1.1. Condições para a Obtenção da Autorização 448
2.5.2. Contrato de Acesso................... 449
2.5.2.1. Execução e Acompanhamento dos Contratos de Acesso...
452
2.5.2.2. Retribuição........................ 452
2.5.2.3. Disposições Gerais sobre os Contratos de Acesso
453
25.2.4. Contratos Conexos de Acesso ... 453
2.6. Acesso aos Recursos em Condições Ex Sita 454
2.7. Proteção do Conhecimento Tradicional Associado aos
Recursos Genéticos ...................... 454
2.8. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia 455
2.9. Sanções Administrativas.............. 456
3. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá
456
3.1. Disposições Gerais..................... 456
3.2. Atribuições do Poder Público Estadual.. 458

Direito Ambiental
3.3. Acesso aos Recursos Genéticos.............. 458
3.3.1. Introdução de Recursos Genéticos no Amapá.... 460
3.4. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia. . 460
3.5. Sanções Administrativas.................... 460
3.6. Conclusão.................................. 461
Capítulo XXI - Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional
Associado 463
1. Introdução ............................ 463
2. Direitos das Comunidades Indígenas e da Comunidade
Local 467
2.1. Comunidades Indígenas...................... 467
2.1.1. Usufruto Indígena........................ 468
2.2. Comunidades Locais .................. .. .. 468
2.2.1. Remanescentes de Quilombos............... 468
2.2.2. Populações Tradicionais ................ 469
2.3. Disposições Comuns....................... 470
2.4. Conclusão................................ 471
3. Experiência Brasileira de Utilização do Conhecimento
Tradicional Associado. 471
3.1. Carta de São Luís do Maranhão............ 471
4. Registro do Conhecimento Tradicional Associado 473
4.1. Origens do Reconhecimento dos Conhecimentos Tradicionais
Associados. 473
4.1.1. Abrangência do Termo..................... 473
4.1.2. Evolução da Matéria....,................ 475
4.2. Experiências de Reconhecimento de Conhecimentos
Tradicionais 476
4.2.1. América Latina........................... 476
4.2.1.1. Costa Rica............................. 477
4.2.1.1.1. Forma de Reconhecimento do Conhecimento Tradicional
Associado .................................... 477
4.2.1.1.2. Acordo Instituto Nacional de Biodiversidade (INBio)
e Merck® ..................................... 479
4.2.1.1.2.1. Análise do desenvolvimento do
acordo. 480
4.2.1.2. Panamá............................... 480
4.2.2. Comunidade de Países Andinos ........... 481
4.2.2.1. Bolívia................................ 483
4.2.2.2. Colômbia............................... 484
4.2.2.3. Equador .......................... 485
4.2.2.4. Peru................................... 486
4.2.2.5. Venezuela ........................ 486
4.2.3. Austrália e Nova Zelândia................ 487
4.2.3.1. Austrália.............................. 487
4.2.3.2. Nova Zelândia.......................... 490
4.2.4. Registro do Patrimônio Imaterial no Brasil 491
4.2.4.1. limitações do Registro do Patrimônio Imaterial
493
4.2.4.2. Banco de Dados Nacional................ 494
Capítulo XXÜ - As Florestas e sua Proteção Legal 495
1. Introdução................................... 495
2. Os Diversos Tipos de Florestas............... 498
ESSJ - cnsrvo Superior Sureau Juríolcâ
Sumário
2.1. Floresta Boreal................. .... 498
2.2. Floresta Temperada.............. . ... 499
2.3. Floresta Tropical............... . ... 500
2.3.1. Florestas Brasileiras......... . ... 502
3. A Legislação Brasileira de Proteção Florestal
504
3.1. Evolução da Legislação Nacional. . ... 504
3.1.1. Período Colonial.................... 504
3.1.2. Período Imperial............ i .. 505
3.1.3. Período Republicano........... ; .... 506
3.2. O Código Florestal (Lei n2 4.771, de 15 de setembro de
1965)...................................... 507
3.2.1. Competência Legislativa em Matéria Florestal
..................................... 507
3.2.1.1. Da Carta de 1934 até a de 1969 ... 507
3.2.1.2. Constituição de 1988........ . ... 508
3.3. Política Florestal dos Estados.... ... 509
3.4. O Regime Jurídico das Florestas i.... 510
3.4.1. O Conceito Jurídico de Floresta. ... 511
3.4.1.1. As Diferentes Florestas Tratadas pelo Código
Florestal 514
3.4.1.1.1. Florestas de Preservação Permanente pelo Efeito
do Código Florestal.................. . ... 514
3.4.1.1.1.1. Proteção da água........ . ... 516
3.4.1.1.1.2. Lei Geral sobre Florestas - Código Florestal
517
3.4.1.1.1.3. Reconhecimento Judicial da Legislação Estadual
sobre Florestas ....................... 518
3.4.1.1.1.4. Poder Regulamentar do Presidente da República
.................................. . 520
3.4.1.1.1.5. Poder Regulamentar do CONAMA 521
3.4.1.1.1.5.1. Natureza Jurídica das Resoluções
do CONAMA ................................. 522
3.4.1.1.15.2. Jurisprudência Relativa aos Limites
das Resoluções 525
3.4.1.1.1.5.3. Flagrante Ilegalidade das Resoluções nQs 302 e
303, de 20 de ' março de 2002, do CÒNAMA.. 528
3.4.1.1.1.5.4. Violação do Princípio do Desenvolvimento
Sustentável e da Proteção das Comunidades Humanas
.................................. 528
3.4.1.1.1.6. Proteção das Encostas e das Elevações... 529
3.4.1.1.1.7. Proteção das Restingas.. ■ .... 531
3.4.1.1.1.8. Áreas de Preservação Permanente em Regiões
Urbanas ........................... . ... 532
3.4.1.1.2. Florestas de Preservação Permanente por Ato do
Poder Público ........................... 532
3.4.1.1.3. Terras Indígenas como Florestas de Preservação
Permanente ........................ . ... 534

B Direito Ambiental
4. O Exercício do Direito de Propriedade em Áreas Florestais
............................................ 535
4.1. Contorno Jurídico da Propriedade Florestal 535
4.2. As Limitações Decorrentes da Condição de Bem deInteresse
Comum.. 537
4.3. Reserva Florestal Legal ................. 538
4.3.1. Conceito Normativo de Reserva Florestal Legal - RFL
538
4.3.2. A Reserva Legal como Interesse dos Habitantes do País
................................................ 539
4.3.3. A Reserva Legal como Obrigação......... 542
4.3.3.1. Prazos para Recomposição da Reserva Legal 543
4.3.3.2. A Delimitação, pela Autoridade Pública, da Área a Ser
Preservada ................................. 544
4.3.3.3. Percentuais que Devem Ser Mantidos como Reserva
Legal. 546
4.3.3.3.1. Reserva Legal e Pequena Propriedade Rural 546
4.3.3.3.2. Posse e Reserva Legal................ 546
4.3.3.3.3. Reserva Florestal Legal e os reservatórios de hi-
drelétricas ............................... 547
4.4. Proteção Florestal e Desapropriação....... 551
5. A Floresta, os Desmatamentos e a Utilização de Fogo
553
5.1. Desflorestamento e Queimadas............. 554
5.2. Regime Legal da Utilização do Fogo....... 555
5.2.1. Proibição do Uso de Fogo................. 555
5.2.2. Permissão do Emprego de Fogo............. 556
5.2.2.1. Requisitos para a Queima Controlada.... 556
5.2.3. Ordenamento e Suspensão Temporária do Emprego de
Fogo 557
5.2.4. Redução Gradativa do Emprego de Fogo..... 558
5.3. Conclusão.................................. 558
Capítulo XXIII - Áreas de Preservação Permanente e Unidades de
Conservação.. 561
1. Fundamentos Constitucionais das Áreas Protegidas e das
Unidades de Conservação ...................... 561
1.1. Áreas Protegidas Diretamente pela CF....... 563
1.2. Patrimônio Nacional...................... 564
2. As Diferentes Áreas Protegidas ........... 565
2.1. Breve Histórico da Legislação.............. 565
3. As Unidades de Conservação ....... ..... 566
3.1. Sistema Nacional de Unidades de Conservação como Sistema
Federal de Unidades de Conservação ........... 566
3.1.1. Conceitos Normativos Aplicáveis às Unidades de
Conservação 568
3.1.2. Criação das Unidades de Conservação...... 570
3.2. Definição e Objetivos do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação -SNUC * .......................... 572
3.3. Órgãos Integrantes do SNUC................. 573
3.4. As Unidades de Conservação: Seus Diferentes Tipos e
Funções......................................... 574
3.4.1. Unidades de Proteção Integral ...... 574
3.4.1.1. Estação Ecológica...................... 574
3.4.1.1.1. Novo Regime Jurídico das Estações Ecológicas....
576
3.4.1.1.2. Intervenções Admitidas............... 576
Sumário
3.4.1.2. Reservas Ecológicas........... 577
3.4.1.3. Reserva Biológica............. 578
3.4.1.4. Parque Nacional............... 578
3.4.1.4.1. Aspectos Históricos......... 578
3.4.1.4.2. Regime Jurídico............. 579
3.4.1.4.2.1. Reassentamento de Populações Tradicionais 579
3.4.1.5. Monumento Natural............. 581
3.4.1.6. Refúgio de Vida Silvestre..... 582
3.4.2. Unidades de Uso Sustentável..... 582
3.4.2.1. Áreas de Proteção Ambiental... 583
3.4.2.1.1. Histórico Legislativo....... 583
3.4.2.2. Área de Relevante Interesse Ecológico 587
3.4.2.2.1. Histórico da Legislação..... 587
3.4.2.2.2. Novo Regime Jurídico........ 588
3.4.2.3. Floresta Nacional............. 588
3.4.2.3.1. Titularidade das Terras Brasileiras 588
3.4.2.3.2. Serviço Florestal Brasileiro 590
3.4.2.3.3. Código Florestal de 1934.... 592
3.4.2.3.3.1. Florestas de Domínio Público: Nacionais,
Estaduais e Municipais .............. 593
3.4.2.3.4. Código Florestal de 1965 ... 594
3.4.2.3.4.1. Florestas Públicas: Nacionais, Estaduais e
Municipais .......................... 595
3.4.2.3.4.1.1. A inadequada colocação das Florestas
Nacionais no SNUC: Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000.
596
3.4.2.4. Reserva Extrativista.......... 597
3.4.2.4.1. Histórico da Legislação..... 597
3.4.2.4.2. Novo Regime Jurídico........ 598
3.4.2.5. Reserva de Fauna............ 599
3.4.2.6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável 599
3.4.2.7. Reserva Particular do Patrimônio Natural 600
3.4.3. Criação, Implantação e Gestão das Unidades de
Conservação 600
3.4.3.1. Normas Gerais................. 600
3.4.3.1.1. Gestão...................... 602
3.4.3.1.1.1. Gestão Compartilhada com OSCIP 603
3.4.3.1.1.2. Natureza Jurídica das OSdP’S 604
3.4.3.2. Normas Aplicáveis às Unidades de Uso Sustentável
605
3.4.3.2.1. Zonas de Amortecimento...... 606
3.4.3.2.2. Normas Aplicáveis a Diferentes Unidades de
Conservação de um Mesmo Ecossistema . 606
3.4.3.2.2.1. Mosaico de Unidades de Conservação ...
606
3.4.3.2.3. Plano de Manejo............. 608
3.4.3.2.4. Atividades Proibidas nas Unidades de Conservação.
609
3.4.3.2.5. Órgão Gestor................ 610

3.4.3.2.6. Recursos Econômicos ...... 610


3.4.3.2.6.I. Exploração de Bens e Serviços
611
3.4.3.2.6.I.I. Utilização de imagens de
unidades de conservação 611
3.4.3.2.7. Unidades de Conservação e Compensação por
Impactos
Ambientais Negativos............................ 612
3.4.3.2.7.I. Regulamentação .......... 613
4. A Exigibilidade Legal da Compensação Ambiental: Delimitação
dos Danos. 614
4.1. As intervenções aptas a gerar a compensação ambiental
614
4.1.1. A natureza dos danos capazes de gerar compensação
ambiental... 618
4.1.2. O impacto significativo e não mitigávei.. 621
4.1.2.1. Comentários sobre a ADI ns 3.378-6 .....
.................................... 625
4.1.3. Compensação ambiental e risco............ 630
5. A Exigibilidade da Compensação Ambiental: Aspectos Formais
................................................ 631
5.1. Termo inicial (dies a quo) para a exigência da
compensação ambiental. 631
5.2. Implantação do empreendimento: conceito.... 633
5.2.1. Compensação ambiental e empreendimentos já implantados
635
5.2.2. Extensão da compensação ambiental em relação ao volume
de recursos investidos pelo empreendedor ..... 636
6. Ampla Defesa e Compensação Ambiental......... 639
6.1. Reserva da Biosfera........................ 642
6.1.1. Regulamentação................... ...... 643
6.1.2. Outras Unidades de Conservação........ . 644
6.1.2.1. Jardins Botânicos...................... 644
6.1.2.2. Jardins Zoológicos..................... 644
6.1.2.3. Hortos Florestais............. . ..... 644
Capítulo XXIV — Agrotóxicos......... .......... 645
1. Introdução................................... 645
2. Os Agrotóxicos na CF e nas Constituições Estaduais
645
3. Antecedentes Legislativos da Lei ns 7.802, de 11 de
Julho de 1989 .................................. 651
4. A Lei nB 7.802/89 ............................ 651
4.1. Repartições de Competências Administrativas no Interior
da Administração Federal ............. ....... 652
4.1.2. Competências do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. 653
4.1.3. Competência do Ministério da Saúde....... 653
4.1.4. Competência do Ministério do Meio Ambiente 654
4.1.5. Competências do Ministério do Trabalho e Emprego
654
4.2. Definição Legal de Agrotóxico, Seus Componentes e Afins
................................................ 655
4.3. Controle de Qualidade, Inspeção e Fiscalização dos
Agrotóxicos 655
4.3.1. Controle de Qualidade................. . 655
4.3.2. Inspeção e Fiscalização de Agrotóxicos, seus
Componentes e Afins. 656
4.3.2.1. Competência federal.................... 656
4.3.2.2. Competência dos Estados e Distrito Federal 656
4.3.3. Atribuições da Fiscalização ............. 657
4.3.3.1. Produção de Prova ............. 658
4.4. Registro de Pessoas Física e Jurídica 659
4.5. Alerta de Organizações Internacionais e seus Reflexos no
Brasil 660
4.6. Registro do Produto................... 662
4.6.1. Produtos para Exportação...... 1 .... 664
5, Responsabilidade ................. i, .... 664
5.1. Responsabilidade Criminal....... L .... 665
5.2. Responsabilidade Administrativa..... 665
5.2.1. Infrações......................... 666
5.2.1.1. Sanções Administrativas..... . .... 667
5.2.1.1.1. Aplicação das Sanções Administrativas 668
6. Comercialização dos Agrotóxicos ........ 669
6.1. Receituário Agronômico ............. 669
6.2. Embalagem, Fracionamento e Rotulagem.. 670
6.3. Destinação Final dos Agrotóxicos... 671
Capítulo XXV - Controle de Produtos Tóxicos 675
1. Introdução ............................ 675
2. Controle de Produtos Perigosos .... , .... 677
2.1. Convenções Internacionais........... 677
2.1.L Convenção de Basiléia............... 677
2.1.2. Convenção de Roterdã............. 678
2.1.3. Convenção de Estocolmo.............. 679
2.2. Normas internas............. . .... 679
2.2.1. Asbestos (Amianto)............... 680
2.2.1.1. Utilização do Amianto........... 680
2.2.1.2. Amianto e a Saúde Humana.......... 681
2.2.2. Quadro Legal sobre a Matéria...... 682
2.2.2.1. Regulamentação do CONAMA........ 682
2.2.2.2. Portaria na 1, de 28 de maio de 1991 (Secretaria
Nacional
do Trabalho)......................... i .... 683
2.2.2.2.1. Providências Ambientais........ 683
2.2.2.3. Lei n« 9.055, de 19 de junho de 1995 684
2.2.2.3.1. Decreto n® 2.350, de 15 de outubro de 1997 685
2.2.3. Competência Concorrente e Amianto. 687
2.2.4. Conclusão......................... 690
2.3. Ascarel............................... 691
2.3.1. Portaria Interministerial n3 19, de 29 de janeiro de
1981....................................... 691
2.3.2. Resolução Conama nQ 6, de 15 de junho de 1988 693
2.4. Mercúrio...................... i .... 694
2.4.1. O Controle dos Metais Pesados no Brasil 696
2.4.2. Limite Legal de Concentração de Mercúrio na Água
697
2.5. Benzeno............................. 698
2.6. Cloro................................. 698
2.6.1. Importância do Cloro.............. 698
2.6.2. A Regulamentação Legal da Produção de Cloro no Brasil
........................................... 699
2.6.2.1. Controle da Presença de Mercúrio no Processo
Produtivo. 699

2.Ó.2.2. Controle da Presença de Amianto 700


2.6.2.3. Aspectos de Segurança e Saúde do Trabalhador 700
2.6.2.4, Monitoramento ....................... 701
2.6.3. Ampliação e Modificação de Indústrias já Instaladas
701
2.6.4. Penalidades............................. 702
2.7. Pilhas e Baterias ................... 703
2.7.1. Aspectos Gerais......................... 703
2.7.2. Definição de Pilhas e Baterias.......... 704
2.7.3. Obrigações.............................. 706
2.7.4. Conclusão........................... 708
3. Transporte de Produtos Tóxicos........... - . 709
3.1. Condições de Transporte................... 709
4. Transporte de Produtos Perigosos entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai. 710
4.1. Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do
Transporte de Produtos Perigosos .......... 710
4.1.1. Embalagens............................ 710
4.1.2. Veículos.............................. 711
4.2. Normas Técnicas ........................ 711
5. Transporte Ferroviário..................... 711
5.1. Aplicabilidade do Regulamento............. 712
Capítulo XXVI - A Importância das Águas........ 715
Capítulo XXVII - Regime Jurídico dos Recursos Hídricos 719
1. A Água nas Constituições Brasileiras........ 719
1.1. As Águas nas Constituições Anteriores a 1988 719
1.1.1. Constituição Imperial................... 719
1.1.2. Período Republicano..................... 719
1.1.2.1. Constituição de 1891.................. 719
1.1.2.2. Constituição de 1934................ 720
1.1.2.3. Constituição de 1937.................. 721
1.1.2.4. Constituição de 1946.................. 721
1.1.2.5. Constituições de 1967 e 1969 ......... 721
1.2. As Águas na Constituição de 1988........ 722
1.2.1. Domínio da União...................... 722
1.2.2. Domínio dos Estados e dos Municípios .. 723
1.2.3. Competência Legislativa................. 723
1.2.4. Mudança de Concepção ................... 724
2. O Regime Jurídico dos Recursos Hídricos..... 724
2.1. Água: Sua Definição ..................... 726
2.2. Conceitos Básicos do Código de Águas...... 727
2.2.1. Outros Conceitos Importantes ...... 730
2.2.1.1. Rio................................... 730
2.2.1.2. Lago e Lagoa.......................... 731
2.2.1.3. Corrente.............................. 731
2.3. Legislação Extravagante de Proteção aos Recursos Hídricos
............................................... 731
3. O Valor Econômico dos Recursos Hídricos..... 732
I
Sumário
3.1. Desapropriação de Recursos Hídricos.... 733
3.2. Obrigação de Conservação da Qualidade das Águas 733
3.2.1. A Regulamentação Administrativa das Águas 734
3.2.1.1. Estabelecimento das Classes de Águas 734
4. As Águas Submetidas ao Regime Jurídico de Direito Privado
............................................ 736
4.1. Normas Gerais Estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro
............................................ 736
4.1.1. Regime de Prescrição............... 737
4.2. Normas do Código de Águas Referentes ao Aproveitamento de
Águas Comuns e Particulares .............. 738
5. A Política Nacional de Recursos Hídricos. 738
5.1. Princípios Gerais da Política Nacional de Recursos
Hídricos - PNRH... 738
5.1.1. Objetivos........ , .................. 739
5.2. Instrumentos........................... 739
5.2.1. Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos 740
5.2.2. Cobrança pela Utilização dos Recursos Hídricos 742
5.2.3. Administração dos Recursos Hídricos.. 742
5.2.3.1. Constituição e Competências do Conselho Nacional dos
Recursos Hídricos ........................ 743
5.2.3.2. Comitês de Bacia Hidrográfica...... 744
5.3. Infrações e Penalidades................ 745
5.4. Agência de Água........................ 746
5.4.1. Organizações Civis de Recursos Hídricos 747
5*4.2. Agência Nacional de Ágiias - ANA..... 747
5*4.2,1. Apresentação....................... 747
5.4.2.2. Competências da Agência Nacional de Águas 748
5.4.2.2.1. Exceções às Atribuições da ANA 749
5A2.2.2. A Outorga Administrativa como Instrumento de
Gestão de Recursos Hídricos................. 750
5.4.2.2.2.L Limites e Condições da Outorga.. 750
5.4.2.2.2.2. Outorga Preventiva e Declaração de Reserva de
Disponibilidade Hídrica 751
5.4.3. Estrutura Administrativa da Agência Nacional de Águas -
ANA.. 752
5.4.3.1. Diretoria: Composição.............. 752
5.4.3.2. Atividades Vedadas aos Dirigentes.. 753
5.4.3.3. Atribuições da Diretoria......... 754
Capítulo XXVm — Mineração................. 757
1. A Mineração nas Constituições Brasileiras 757
1.1. Constituições Anteriores............... 757
1.2. A Mineração na Constituição de 1988.... 759
1.2.1. Disposições Constitucionais.......... 759
1.2.2. Breve Análise das Disposições Constitucionais à Luz do
Artigo 225,
§ 23 ........................................ 762
2. O Código de Mineração.................... 763
2.1. Classificação das Jazidas Minerais..... 765
2.2. O Código de Minas e a Proteção do Meio Ambiente 767
Direito Ambiental
3. Mineração em Terras Indígenas ............ 768
4. Mineração e Meio Ambiente ................ 768
4.1. Licenciamento das Atividades de Mineração 769
4.2. Estudos de Impacto Ambiental e Atividades de Mineração
770
4.2.1. Ilegalidades Existentes na Resolução ns 9/90 do CONAMA
772
4.2.2. A Extinção das Classes Minerais e os Estudos de Impacto
Ambiental. 773
4.2.3. Atividades com Repercussões Ambientais em Áreas
Indígenas 773
4.3. Obrigação de Recuperação Ambiental da Área Degradada
774
Capítulo XXDt - A Proteção Judicial e Administrativa do Meio
Ambiente 777
1. Introdução ............................... 777
2. O Poder Judiciário ................... 777
2.1. O STF e o Superior Tribunal de Justiça na Proteção
Ambiental................................... 778
2.2. A Justiça Federal, a Justiça do Trabalho e a Proteção
Ambiental 779
2.3. A Justiça dos Estados e a Proteção Ambiental 779
3. O Ministério Público................. - .. 780
3.1. A Base Constitucional da Atuação do Ministério Público
780
4. Principais Meios Judiciais de Proteção Ambiental 781
4.1. Ação Civil Pública........... . ...... 781
4.1.1. Competência para o Processamento e Julgamento das Ações
Civis Públicas ......................... 784
4.1.1.1. Prescrição......................... 786
4.1.1.1.1. A Prescrição e seus Principais Elementos 791
4.1.2. Legitimidade Ativa............... 794
4.1.3. Ministério Público.................. 795
5. Mandado de Segurança Coletivo .......... 799
6. Ação Popular ............................. 799
7. Desapropriação ......................... 800
8. Tombamento................... - .......... 801
9. Arbitragem e Meio Ambiente .............. 802
QUINTA PARTE POLÍTICA ENERGÉTICA E MEIO AMBIENTE
Capítulo XXX - Política Energética Nacional e Proteção
Ambiental................................... 807
1. Introdução ............................. 807
2. Política Energética Nacional ........... 808
2.1. Princípios e Objetivos da Política Energética Nacional
808
2.2. Conselho Nacional de Política Energética 808
2.2.1. Finalidade e Composição............ 809
2.2.1.1. Atribuições do Presidente do Conselho Nacional de
Política Energética - CNPE ............... 811
2.2.1.2. Plenário........................... 811
2.2.1.2.1. Funcionamento do CNPE............ 811
2.2.1.3. Secretaria-Executiva.............. 812
2.2.1.4. Assessoria Técnica................. 812
Sumário
2.2.1.4.1. Comitês Técnicos............... 813
3. O Petróleo na Política Energética Nacional 813
3.1. A Exploração e Produção (E&P) de Petróleo no Brasil
813
3.2. Regime Legai do Petróleo no Brasil........ .
........................... J . 814
3.2.1. Dispositivos Constitucionais........ 814
3.2.1.1. Exercício do Monopólio............ 815
3.2.2. Glossário da Lei n2 9.478, de 6 de agosto de 1997
815
3.2.3. Agência Nacional do Petróleo....... 817
3.2.3.1. Caso Concreto de Conflito entre Autoridades
Ambientais
em Matéria de Petróleo .................. 818
3.2.4. Exploração e Produção (Aspectos Ambientais) 819
3.2.4.1. Informações Técnicas............. 820
3.2.4.2. Contratos de Concessão........... 820
3.2.4.2.1. Cláusulas Cogentes dos Contratos de Concessão.
820
3.2.4.2.2. Direitos e Obrigações do Concessionário 822
3.2.4.2.3. Extinção das Concessões........ 822
3.2.4.2.3.I. Descomissionamento . 822
3.2.4.2.3.1.1. Abandono de Poço .... 823
3.2.4.3. Aspectos Ambientais da Licitação.. 824
4. PoHtica Nacional de Conservação de Energia 826
4.1. Penalidades..................... ; ... 827
4.2. Regulamentação da Política Nacional de Conservação de
Energia 827
4.2.1. Composição e Atribuições do Comitê Gestor de
Indicadores e Níveis de Eficiência Energética - CGIEE
.................................... 827
4.2.1.1. Audiências Públicas........... .. 828
4.3. Energia Renovável: Iniciativa Energética . 828
Capítulo XXXI - A Energia Nuclear na Constituição Federal
833
1. Competências em Matéria Nuclear ..... .. 834
1.1. Competências da União em Matéria Nuclear
834
1.1.1. Administrativas...................... 834
1.1.2. Legislativa.......................... 835
1.1.2.1. Papel do Congresso Nacional.. L ... 835
1.2. Ás Competências dos Estados e dos Municípios em Matéria
Nuclear 835
1.3. Análise da Estrutura de Competências.. i 836
1.3.1. A Experiência Norte-Americana em Matéria de
Competência 840
1.4. Inserção da Atividade Nuclear na Ordem Econômica ;
841
2. O Nuclear nas Anteriores Constituições Federais
841
3. O Nuclear nas Constituições dos Estados-Membros
842
4. Tratamento Democrático do Problema Nuclear na Constituição
de 1988 844
5. O Brasil na Comunidade Nuclear Internacional 846
Capítulo XXXII - Princípios Constitucionais de Utilização da
Energia Nuclear.. 847
1. Os Princípios Estabelecidos pela Constituição da
República Federativa do
Brasil...................................... 847
1.1. Atividade Nuclear para Fins Pacíficos. 848
1.2. Controle Democrático da Atividade Nuclear 849
B Direito Ambiental
2. A Localização das Usinas Nucleares....... 849
2.1. O Entorno da Usina Nuclear como Reserva Ecológica 850
3. Os Princípios.......................... 852
3.1. Princípio da Atividade Controlada...... 852
3.2. Princípio da Responsabilidade Objetiva . 853
3.3. O Regime de Monopólio.................... 854
Capítulo XXXm - Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear
.............................................. 857
1. A Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear . .
857
1.1. Os Crimes Previstos na Lei ne 6.453/77 ... 857
1.1.1. O Tipos Legais Previstos na Lei n5 6.453/77 858
1.2. A Utilização do Código Penal ........... 861
Capítulo XXXIV - Os Rejeitos Nucleares...... 863
1. Os Rejeitos Nucleares: Breve Definição .. 863
2. Alguns Aspectos Internacionais do Problema 863
3. O Problema no Brasil..... - ................ 864
3.1. O Césio 137.............................. 865
3.2. Destinação Final de Rejeitos Radioativos. 866
3.2.1. Responsabilidade pelos Rejeitos Radioativos 867
3.2.2. Tipos de Depósitos de Rejeitos Radioativos... 867
3.2.2.1. Seleção de Locais para Depósitos de Rejeitos
Radioativos.. 867
3.2.2.2. Licenciamento e Fiscalização dos Depósitos 868
3.2.2.3. Administração e Operação dos Depósitos 868
3.2.2.3.I. Depósitos Provisórios .... 868
3.2.2.4. Remoção dos Rejeitos................. 868
3.2.3. Responsabilidade Civil............... 869
Capítulo XXXV - Energia Nuclear............... 871
1. Os Primeiros Protestos contra o Nuclear....... . 871
2. Os Segredos Nucleares: Uma História de Tragédias 872
2.1. Atividades Civis......................... 872
2.1.1. Estados Unidos - Los Alamos National Laboratory 872
2.1.2. Ex-União Soviética — TcheMabmsk. ... 873
2.2. Atividades Militares............... 874
2.2.1. Contaminação Radioativa em Centros de Produção de
Armamentos-EUA ........................... 874
3. A Utilização Pacífica da Energia Nuclear . 874
3.1. Three Mile Island........................ 874
3.2. Chernobil............................ 875
3.3. Goiânia................................ 875
4. O Mundo Desativa a Energia Nuclear ....... 876
4.1. Uma Tecnologia Cara...................... 878
5. A Energia Nuclear no Brasil .............. 879
5.1. O Subsídio à Energia Nuclear no Brasil... 879
5.1.1. Os Custos da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
.............................................. 881
Sumário
SEXTA PARTE TERRAS INDÍGENAS
Introdução.................................. 887
Capítulo XXXVI - Evolução Histórica da Legislação Indigenista
............................................ 889
1. Os Primeiros Contatos com o Colonizador.. 889
1.1. O Regimento de Tomé de Souza........... 890
1.2. A Escravização dos Indígenas........... 891
2. O índio nas Constituições Brasileiras.... 895
2.1. Dispositivos da Constituição de 1988... 898
2.1.1. Dispositivos Específicos........... 899
2.2. Conclusão ............................ 899
Capítulo XXXVII ~ As Terras Indígenas...... 901
1. Histórico da Legislação..................... . 902
1.1. Do Período Colonial até o Século XLX... 902
1.2. O Período Republicano.................. 904
2. As Terras Indígenas na Constituição de 1988 904
2.1. Direitos Adquiridos sobre as Terras Indígenas .
905
2.2. Classificação das Terras Indígenas pelo Estatuto do
índio ...... 906
2.3. A Extração de Madeira nas Terras Indígenas 907
2.4. Terras Indígenas e Soberania Nacional.. 910
3. A Demarcação das Terras Indígenas........ 911
3.1. O Decreto ns 1.775, de 8 de janeiro de 1996 916
Capítulo XXXVUI - A Legislação Penal e os Indígenas 919
1. Aspectos Gerais.......................... 919
2. Legislação Penal Específica (Lei nQ 6.001/73) 919
2.1. Principiologia em Relação ao Agente Indígena 919
2.2. Crimes Praticados contra os Indígenas e suas Comunidades
............................................ 924
2.2.1. Crimes Previstos no Estatuto do índio (Lei ne 6.001/73)
............................................ 924
2.2.2. Genocídio (Lei ne 2.889/56) .......... 926
2.2.3. Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor
(Lei n2 7.716/89) ........................ 927
2.2.4. Lavra Garimpeira (Lei n9 7.805/89) ... 927
2.2.5. Crimes Praticados pelos índios....... 928
Referências Bibliográficas.................. 929
índice Remissivo............................ 947
índice Onomástico......................... 957
IIBJ * Ênsino Superior BSSSSÍ JurfôiSS
Nota à 123 edição
Nota à 123 edição
Direito Ambiental chega à sua 118 edição, o que para mim é
motivo de grande orgulho e responsabilidade, pois os milhares
de leitoras e leitores que me deram a honra de utilizar o
livro para as suas necessidades acadêmicas e profissionais já
estavam a merecer uma ampla revisão do trabalho, haja vista
que as sucessivas atualizações, por mais minuciosas que possam
ser, não estão isentas do risco de se transformarem em um
amontoado desconexo de novos pontos de vista, análises e
definições. Isso acarreta uma perda de coerência no texto do
livro como um todo e, não raras vezes, contradições entre
capítulos e posicionamentos doutrinários. Ciente dessas
questões, desde longa data já havia me decidido a promover uma
revisão total de Direito Ambiental e, de certa forma,
reescrevê-lo. Contudo, várias questões contribuíram para que o
projeto viesse sendo adiado. A primeira e mais relevante
questão, certamente, foi a dimensão da tarefa, pois rever obra
com cerca de mil páginas é trabalho que exige muito fôlego.
Não menos importante é a constante mudança legislativa na área
ambiental, o que faz com que os trabalhos se desatualizem
muito rapidamente e que, na prática, o lançamento de obras
totalmente atualizadas seja virtualmente impossível.
Com o lançamento do Manual de Direito Ambiental, obra
especialmente dedicada aos cursos universitários e àqueles que
necessitam de uma visão geral do direito ambiental como
conhecimento jurídico, optei por dar uma nova formatação a
este Direito Ambiental, destinando-o a público mais
especializado e que necessita de trabalho pormenorizado e
detalhado. Embora a presente edição guarde uma evidente linha
de continuidade com as dez que a precederam, ela é totalmente
diferente das demais, sobretudo em razão de importantes
modificações no meu pensar sobre o DA e, principalmente, pelo
grau de minúcia e profundidade que pretende ostentar.
Assim, a presente edição de Direito Ambiental tem por
objetivo desempenhar o papel muito mais de uma obra de
consulta e referência do que o de livro didático.
Evidentemente que a obra poderá continuar a ser utilizada como
livro didático, sendo recomendada para aqueles estudantes que
tenham interesse maior sobre a disciplina ou para cursos pós-
graduados.
Julgo importante informar ao leitor que as significativas
alterações que foram promovidas nesta presente edição espelham
o respeito e a gratidão que tenho para com aqueles que dedicam
boa parte de seu tempo à leitura de meus livros e que jus-
tificam, cada vez mais, um esforço redobrado para continuar
merecedor de tanta confiança e gentileza.
PAULO DE BESSA ANTUNES
s
PRIMEIRA PARTE
TEORIA GERAL DO DIREITO AMBIENTAL
I
!
í
i
!

O Direito Ambiental
Capítulo I O Direito Ambiental
1. Apresentação
O Direito Ambiental (DA) é um dos mais recentes “ramos” do
Direito e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais
relevantes modificações, crescendo de importância na ordem
jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade,
existem incompreensoes e incongruências sobre o papel que ele
deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral.
A sua implementação não se fez sem dificuldades das mais
variadas origens, indo desde as conceituais até as
operacionais. Contudo, uma verdade pode ser proclamada: a
preocupação do Direito com o meio ambiente é irreversível.
Este livro objetiva organizar o conhecimento hoje existente
sobre o DA no Brasil e expô-lo sistematicamente aos
interessados no árduo tema.
A preocupação fundamental do DA é organizar a forma pela
qual a sociedade se utiliza dos recursos ambientais,
estabelecendo métodos, critérios, proibições e permissões,
definindo o que pode e o que não pode ser apropriado
economicamente (ambientalmente). Não satisfeito, o DA vai
além. Ele estabelece como a apropriação econômica (ambiental)
pode ser feita. Assim, não é difícil perceber que o DA se
encontra no coração de toda atividade econômica, haja vista
que qualquer atividade econômica se faz sobre a base de uma
infraestrutura que consome recursos naturais, notadamente sob
a forma de energia.
O surgimento do DA como disciplina jurídica denota que as
relações entre o Homem (antropo) e o mundo que o envolve vêm
se modificando de forma muito acelerada e profunda. O DA é um
dos mais marcantes instrumentos de intervenção em tal
realidade. Thornton e Beckwith1 nos chamam a atenção para o
fato de que uma definição de Direito Ambiental vai depender
muito da definição de meio ambiente, pois uma é subordinada à
outra. Os citados autores sublinham que as definições de
ambiente muitas vezes são extremamente amplas e, portanto,
pouco operacionais. Einstein - o genial físico como apontam,
havia definido o ambiente como “everything that isn't me”
(tudo que não seja eu). Ora, se adotarmos um conceito tão
amplo como o de Einstein, tudo estará compreendido no direito
ambiental e, portanto, ele seria uma espécie de Pandireito
capaz de abarcar toda e qualquer atividade humana, o que,
evidentemente, é um despropósito.
1 Justine Thornton e Silas Beckwith, Environmental Law,
London: Sweet & Maxwell, 1997, p. 2.
Direito Ambiental
É claro que, ao tratarmos de Direito Ambiental, não estamos
falando de toda e qualquer atividade humana. Falamos
fundamentalmente daquelas atividades que afetam as águas, a
fauna, as florestas, o solo e o ar em especial. Normalmente,
as leis que tratam desses temas definem padrões de lançamento
de substâncias químicas, de partículas, padrões de qualidade,
proteção de espécies animais e vegetais. Certamente, muitas
zonas de interseção com diversos outros campos do direito
existem. Contudo, a definição de limites é essencial para que
o DA possa cumprir a sua principal missão, que é servir como
marco regulatório e normativo das atividades humanas em
relação ao meio ambiente.
A combinação dos diferentes elementos acima mencionados
servirá de substrato para a elaboração de uma Teoria do
Direito Ambiental que se constitui em província da Teoria
Geral do Direito, eis que o DA é parte do mundo jurídico.
O objetivo deste capítulo, portanto, é o exame da Teoria do
Direito Ambiental como parte da Teoria Geral do Direito, de
forma a destacar o que ela tem de comum e de singular,
indicando de forma clara qual o significado e papel do DA na
ordem jurídica contemporânea. A importância de investigar as
peculiaridades do DA e das normas jurídicas destinadas à
proteção do meio ambiente (MA) pode ser avaliada pelo fato de
que sempre houve normas voltadas para a tutela da natureza.
Tal proteção, quase sempre, fazia~se através de normas de
direito privado que protegiam as relações de vizinhança, ou
mesmo por normas de Direito Penal ou Administrativo, que
sancionavam o mau uso dos elementos naturais ou a utilização
de forma prejudicial a terceiros. Entretanto, a problemática
suscitada pelos novos tempos demanda uma outra forma de
conceber a legislação de proteção da natureza. As antigas
formas de tutela propiciadas pelo Direito Público ou pelo
Direito Privado são insuficientes para.responder a uma
realidade qualitativamente diversa. É por isso que o DA não se
confunde com as formas de proteção jurídica dos bens naturais
que o antecederam, sendo de fato um setor específico da ordem
jurídica.
As diferenças fundamentais entre a proteção jurídica dos
bens ambientais feitas no passado e a tutela conferida pelo DA
são:
a) modificação ontológica da tutela conferida aos bens
naturais;
b) abrandamento dos conceitos de direito público e direito
privado;
c) abrandamento dos conceitos de direito interno e direito
internacional;
d) integração entre diversas áreas do conhecimento humano na
aplicação da ordem jurídica;
e) consideração do desenvolvimento econômico com respeito ao
meio ambiente e com a integração das popidações nos
benefícios gerados pelo desenvolvimento.
2. Direito Ambiental: conceito
Metodologicamente, só se pode saber o que é o DA após se
saber o que é Direito e o que é MA ou ambiente.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
Miguel Reale,2 em conhecida formulação, aduzia que o Direito
é interação tridimensional de norma, fato e valor. "A
integração de três elementos na experiência jurídica (o
axiológico, o fático e técnico-fonnal) revela-nos a
precariedade de qualquer compreensão do Direito isoladamente
como fato, como valor ou como norma, e, de maneira especial, o
equívoco de uma compreensão do Direito como pura forma, sus-
cetível de albergar, com total indiferença, as infinitas e
conflitantes possibilidades dos interesse humanos,”3
Particularmente no que se refere ao DA, a concepção realiana é
extremamente feliz, pois o aspecto ético-valorativo nele
ressalta de forma candente.
O fato que se encontra à base do DA é a própria vida humana,
que necessita de recursos ambientais para a sua reprodução, a
excessiva utilização dos recursos naturais, o agravamento da
poluição de origem industrial e tantas outras mazelas causadas
pelo crescimento econômico desordenado, que fizeram com que
tal realidade ganhasse uma repercussão extraordinária no mundo
normativo do dever ser, refle- tindo-se na norma elaborada com
a necessidade de estabelecer novos comandos e regras aptos a
dar, de forma sistemática e orgânica, um novo e adequado
tratamento ao fenômeno da deterioração do meio ambiente. O
valor que sustenta a norma ambiental é o reflexo no mundo
ético das preocupações com a própria necessidade de
sobrevivência do Ser Humano e da manutenção das qualidades de
salubridade do meio ambiente, com a conservação das espécies,
a proteção das águas, do solo, das florestas, do ar e, enfim,
dé tudo aquilo que é essencial para a vida, isto para não se
falar da crescente valorização da vida de animais selvagens e
domésticos.
É também no campo do valor que se manifestam com intensidade
os chamados conflitos de uso dos recursos ambientais, pois as
diferentes perspectivas axiológicas tendem a identificar, em
um mesmo bem, utilidades diversas e que nem sempre são
coincidentes. Ao contrário, a evolução normativa do DA
demonstra que é, precisamente, em função de marcantes
divergências axiológicas que se faz necessária a intervenção
normativa com vistas à racionalização do conflito e a sua
solução em bases socialmente legítimas.
O Direito Ambiental é, portanto, a norma que, baseada no
fato ambiental e no valor ético ambiental, estabelece os
mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades
humanas em relação ao MA. Há uma questão relevante e altamente
complexa, que é a medida de equilíbrio que cada uma das três
diferentes dimensões do direito deve guardar em relação às
demais. Com efeito, a gravidade da chamada “crise ecológica” -
ou uma determinada percepção dela - pode induzir a uma supe-
rafetação do aspecto ético - com riscos da abstração nele
encerrada - sobre o normativo e o fático, gerando situações
juridicamente espinhosas e de insegurança. É como afirma
Dworkin,4 “hão se pode definir os direitos dos cidadãos de modo
que possam ser anulados por supostas razões de bem-estar
geral’.
2Miguel Reale, Filosoßa do Direito, São Paulo: Editora
Saraiva. 15* edição, 1993, pp. 701 e segs.
3Miguel Reale, Filosoßa do Direito, São Paulo: Editora
Saraiva. 153 edição, 1993, pp. 701-2.
4Ronald Dworkin, Levando os Direitos a Sério (tradução Nélson
Bodera), São Paulo: Martins Fontes, 2002,
Direito Ambiental
O DA tem. sido entendido de forma extremamente ampla e, de
certa maneira, imperialista, pois se pretende que, ante os
seus aspectos peculiares, outros valores constitucionalmente
tutelados cedam passagem, haja vista que, muitas vezes, parte-
se de vima ideia de que o ambiente é tudo que não seja eu,
conforme o conceito de Einstein. O corte é claramente
autoritário, pois em sociedade democrática somente a atuação
saída dos processos regulares de direito deve ser tida como
legítima. Infelizmente, o discurso da hecatombe ambiental tem
servido de base de sustentação para muitos procedimentos que
não se sustentam do ponto de vista democrático, como já tem
decidido o STF.5
Elementar que o DA deve ser visto antes como direito — com
todas as limitações que tal instrumento tem para atuar como
elemento de equilíbrio entre as diferentes tensões que existem
no fato ambiental - do que como estrutura cabalística capaz de
dar solução a problemas para além do jurídico.
O tratamento jurídico do MA se faz em diferentes áreas do
Direito e por diferentes instrumentos que, nem sempre, são de
“DA”. Talvez este fato seja um dos mais relevantes no contexto
do DA, pois nem toda norma que, direta ou indiretamente,
relaciona-se a uma questão ambiental pode ser compreendida no
universo do DA. Ao mesmo tempo, a amplitude - cada vez
crescente - do chamado ambiente faz com que muitas províncias
jurídicas se especializem e se tome cada vez mais difícil
tratá- las dentro de um enorme “guarda-chuva” designado
Direito Ambiental. Existem um direito da proteção da
Diversidade Biológica, um direito da proteção dos mares, um
direito referente aos produtos tóxicos, outro sobre espécies
ameaçadas de extinção e daí por diante, e isso ocorre tanto no
Direito Internacional como no Direito interno. Cada um destes
diferentes segmentos vem solidificando uma principiologia
própria, normas próprias e padrões aplicativos e operacionais
específicos. O tratamento só se justifica na medida em que
possamos identificar alguns pontos de contato, coordenação e
coerência entre todos esses segmentos da ordem jurídica.
Veja~se que não é pouco comum que se pretenda atribuir ao
domínio do DA questões que dificilmente poderão ser
consideradas “ambientais”, tais como a participação feminina
nas questões públicas e outras correlatas.6
A doutrina jurídica se baseia em classificação e subdivisão
do Direito em “ramos”, o que sem dúvida é reflexo do
pensamento classificatório positivista. Como entender o
componente ambiental do DA? O DA é um direito da natureza?
Esta é
5 STF. RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 157905 - SP - SÃO PAULO.
DJU 25.09.1998. P. 20. Relator: . Ministro MARCO AURÉLIO.
Ementa "DEVIDO PROCESSO LEGAL - INFRAÇÃO - AUTUAÇÃO - MULTA
- MEIO AMBIENTE - CIÊNCIA FICTA - PUBLICAÇÃO NO JORNAL
OFICIAL - INSUBSISTÊNCIA. A ciência ficta de processo
administrativo, via Diário Oficial, apenas cabe quando o
interessado está em lugar incerto e não sabido.
Inconstitucionalidade do § 4a do artigo 32 do Regulamento da
Lei n* 997/76 aprovado via Decreto n° 8.468/76 com a redação
imprimida pelo Decreto n® 28.313/88, do Estado de São Paulo,
no que prevista a ciência do autuado por infração iigada ao
meio ambiente por simples publicação no Diário."
6 Declaração do Rio: “PRINCÍPIO 20 - As mulheres desempenham
papel fundamental na gestão do meio ambiente e no
desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto,
essencial para a promoção do desenvolvimento sustentável.”
tSS*' • mim Superior fesy Juries
O Direito Ambientai
uma questão importante e que merece alguma reflexão
preliminar.7 Certamente, a natureza é parte importante do meio
ambiente, talvez a mais .importante delas. Mas o meio ambiente
não é só a natureza. Meio ambiente é natureza mais atividade
antrópíca, mais modificação produzida pelò Ser Humano sobre o
meio físico de. onde retira o seu sustento. Não se deve,
contudo, imaginar que o Homem não é parte do mundo natural, ao
contrário, ele é parte essencial, pois dotado de uma
capacidade de intervenção e modificação da realidade externa
que lhe outorga uma posição extremamente diferente da
ostentada pelos demais animais. Um dos fundamentos da atual
"crise ecológica” é, sem dúvida, a concepção de que o humano é
externo e alheio ao natural. Averbe-se que, no entanto, o
conceito de natureza é vago, como bem registrado por Michel
Prieur ao afirmar que:8 S’il est un concept vague c’est bien
celui de nature.(Se existe um conceito vago, é bem aquele de
natureza).
A palavra natureza é originada do latim Natura, de nato,
nascido. Os seus principais significados são: (a) conjunto de,
todos os seres que formam o universo; e (b) essência e
condição própria de um ser. Whitehead, em conhecida obra
dedicada ão estudo da natureza,9 afirma que “a natureza é
aquilo que observamos pela percepção obtida através dos
sentidos. Nessa percepção sensível estamos cônscios de que
algo que não é pensamento e que é contido em si mesmo com
relação ao pensamento. Essa propriedade de ser autocontido em
si mesmo em relação ao pensamento está na base da ciência
natural. Significa que a natureza pode ser concebida como um
sistema fechado cujas relações mútuas prescindem da expressão
do fato de que se pensa acerca das mesmas”. Ao tomarmos
consciência da natureza como realidade que nos é extema, damos
início ao mundo da cultura. É apenas por intermédio do mundo
da cultura que sobrevivemos às dificuldades do mundo exterior,
tal a nossa fragilidade perante o mundo natural. “É óbvio que
esse mundo não é nenhuma exceção às regras biológicas que
regem a vida de todos os demais organismos. No entanto, no
mimdo humano encontramos uma característica nova que parece
ser a^marca distintiva da* vida huhiana. O círculo funcional
do homem não é só quantitativamente maior;pas- . sou também
por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim
dizer, um novo método para adaptar-se ao ambiente”, segundo
Cassirer.10
Não devemos esquecer também que Natureza é um conceito
político que tem servido de inspiração para filósofos e
reformadores políticos. O Estado da Natureza é um marco
teórico que tem sustentado diferentes Teorias de Filosofia
Política e Social. Para Rousseau, o estado de natureza não
caracteriza um período da história humana marcado por
inconveniências a serem superadas pela constituição da socie-
dade civil. Aqueles para os quais o estado de natureza
constituía tuna etapa que precisava ser necessariamente
ultrapassada para que a humanidade pudesse estabelecer
7 Paulo de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma abordagem
conceituai. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Passim.
8 Michel Prieur, Droit de L’Environnement. Paris: Dalloz, 24
ed., 1984, p. 5. '
9 Alfred North Whitehead, O conceito de Natureza, São Paulo:
Martins Fontes, 1994, p. 7.
10 Ernst Gassier, Ensaio sobre o Homem — Introdução a uma
Filosoßa da Cultura Humana (tradução de Tomás Rosa Bueno).
São Paulo: Martins Fontes. 4* tiragem, 1» ed., 2001, p. 47.
Direito Ambiental
formas de convivência mais adequadas ao conjunto dos
indivíduos, como é, por exemplo, o caso de Locke e Hobbes,
essa passagem implicava perdas em termos da limitação da
liberdade e do julgamento e execução pelos próprios indivíduos
da “lei da natureza”. Mas o estabelecimento da sociedade civil
através de um pacto acordado por toda a comunidade trazia
ganho suficiente - em termos de preservação da vida, da
liberdade, da propriedade, da igualdade, dos bens e da
segurança e do respeito às leis que deveriam submeter
igualmente a todos - para ser amplamente adotado. O caminho
aberto pela sociedade civil é para eles, portanto, o que leva
às conquistas mais caras à civilização e a formas mais
adequadas de convivência entre os homens. Para estes
pensadores e filósofos políticos, o estado de natureza era um
período de selvageria fundamentalmente insatisfatório, onde os
aspectos negativos dificultavam demasiadamente - quando não
inviabilizavam - a vida em coletividade.11 O Homem sobrevive às
intempéries e às diferentes condições climáticas que lhes são
desfavoráveis culturalizando a natureza, transformando-a em
menos hostil, mediante uma evolução que o leva às cidades que
refletem a expressão máxima da cultura como atividade humana,
como observado pelo Estágiríta.12 “Essas considerações tomam
evidente que a cidade é uma realidade natural e que o homem é,
por natureza, um animal político (politikón zôon). E aquele
que, por natureza e não por mero acidente, não faz parte de
uma cidade é ou um ser degradado ou um ser superior ao homem;
ele é como aquele a quem Homero censura por ser sem clã, sem
lei e sem lar”;13 um tal homem é, por natureza, ávido de
combates, e é como uma peça isolada no jogo de damas. É
evidente, assim, a razão pela qual o homem é um animal
político em grau maior que as abelhas ou todos os outros
animais que vivem reunidos. Dizemos, de fato, que a natureza
nada faz em vão, e o homem é o único entre todos os animais a
possuir o dom da fala. Sem dúvida, os sons da voz (phoné)
exprimem a dor e o prazer e são encontrados nos animais em
geral, pois sua natureza lhes permite experimentar esses
sentimentos e comunicá-los uns aos outros. Mas quanto ao
discurso (lógos), ele serve para exprimir o útil e o nocivo e,
em conseqüência, o justo e o injusto. De fato, essa é a
característica que distingue o homem de todos os outros
animais: só ele sabe discernir o bem e o mal, o justo e o
injusto, e os outros sentimentos da mesma ordem; ora, é
precisamente a posse comum desses sentimentos que engendra a
família e a cidade. A cidade, portanto, é por natureza
anterior à família e a cada homem tomado individualmente, pois
o todo é necessariamente anterior à parte; assim, se o corpo é
destruído, não haverá mais nem pé nem mão, a não ser por
simples analogia, como quando se fala de uma mão de pedra,
pois uma mão separada do corpo não será melhor que esta. Todas
as coisas se definem sempre pelas suas funções e
potencialidades; por conseguinte, quando elas não têm mais
suas características próprias, não se deve dizer mais que se
trata das mesmas coisas, mas
11 José Sávio Leopoldi, Rousseau — estado de natureza, o “bom
selvagem”e as sociedades indígenas, in, http://
publíque.rdc.puc
rio.br/revistaalceu/media/aiceu_n4_Leopoldi.pdf, capturado
aos 22 de junho de 2007.
12 http://www.umcamp.br/~jmarqueVcursos/1998-hg-
022/politica.doc, capturado aos 19.05.2007.
13 Usada, ix, 63.
O Direito Ambiental
apenas que elas têm o mesmo nome (homônima). É evidente,
nessas condições, que a cidade existe naturalmente e que é
anterior aos indivíduos, pois cada um destes, isoladamente,
não é capaz de bastar-se a si mesmo e está [em relação à
cidade] na mesma situação que uma parte em relação ao todo; o
homem que é incapaz de viver em comunidade, ou que disso não
tem necessidade porque basta-se a si próprio, não faz parte de
uma cidade e deve ser, portanto, um bruto ou um deus. ”
Tem sido recorrente na Ciência Política o recurso à natureza
sempre que se busca um modelo alternativo de organização
social. Filósofos como Rousseau, Locke, Hobbes sustentavam a
existência de um “estado da natureza” como base teórica para
as críticas sociais que produziam. A natureza como conceito
político e filosófico encontra as suas origens na Grécia
Antiga, pois foi através da observação da natureza que os
primeiros filósofos buscaram estabelecer leis universais
capazes de explicar os diferentes fenômenos físicos e,
sobretudo, a sociedade. Modernamente, o conceito político de
natureza foi resgatado por Henry David Thoreau, filósofo e
humanista norte-americano que pode ser considerado o pai do
ecologismo moderno, diante da importante crítica que traçou à
sociedade moderna e o seu apego exagerado à acumulação de
riquezas sem uma base ética sólida, privilegiando o imediato e
material em detrimento do mais distante e despretensioso, cuja
seguinte passagem é bem representativa: e'If a man walk in the
woods for love of them half ofeach day, he is in danger
ofbeing regarded as a loafer; but if he spends his whole day
as a specula- tor, shearing off those woods and making earth
bald before her time, he is esteemed an industríous and
enterprising citizen. As if a town had no interest in its
forests but to cut them down/”*4
Meio ambiente compreende o humano como parte de um conjunto
de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a
partir da apropriação dos bens naturais que, por serem
submetidos à influência humana, transformam-se em recursos
essenciais para a vida humana em quaisquer de seus aspectos. A
construção teórica da natureza como recurso é o seu
reconhecimento como base material da vida em sociedade. Como
demonstrado por Thoreau, todo o conflito sobre os bens natu-
rais é um conflito sobre o papel que a eles atribuímos para a
nossa vida. Conflito entre o mero utilitarismo e o desfrute
das belezas cênicas que muitas vazes servem como descanso para
a alma.
Assim, o Direito que se estrutura com vistas a regular as
atividades humanas sobre o meio ambiente somente pode ser
designado como Direito Ambiental. Nos primórdios do DA como
disciplina universitária, outras designações foram ensaiadas,
contudo não lograram se firmar em função das fragilidades
teóricas sobre as quais se apoiavam.
A Declaração do Rio, que foi proclamada na CNUMAD), Rio 92,
embora não tenha utilizado a expressão Direito Ambiental,
demonstrou uma preferência inequí-
14 Henry David Thoreau, Life wichout principie, in,
http://thoreau.eserver.org/lifel.htmle, capturado aos 15 de
agosto de 2007.
Direito Ambiental
voca pelo termo ambiental, em relação à ecologia ou natureza,
por exemplo, como demonstra o Princípio 11 do importante
documento,15
Nos primórdios de nossa disciplina no Brasil, ela era
conhecida como Direito Ecológico, como consta dos trabalhos de
Sérgio Ferraz16 e Diogo de Figueiredo Moreira Neto.17 O
desenvolvimento dos estudos sobre a disciplina conduziu a
maioria dos autores à utilização da expressão Direito
Ambiental,18 por ser mais abrangente e mais capaz de assimilar
as nuances da matéria em questão. A experiência prática tem
demonstrado que muitos e diferentes problemas acabam sendo
absorvidos pelo DA, ainda que não se refiram direta e
unicamente às questões estritamente ecológicas. Aliás, uma das
grandes dificuldades em nossa disciplina é, efetivamente,
estabe- lecer-lhe limites de abrangência que evitem os desvios
da tentativa de ela se transformar em Pandireito. Sabemos que
a proteção jurídica compreendida pela legislação ambiental
estende-se a horizontes mais vastos do que a natureza
considerada em si própria. A este respeito, é conveniente
lembrar a lição de Rodgers:19 “Environmental law is not
concerned solely with the natural environment - the physical
condition of the land, air, water. It embraces also the human
environment ~~ the health, social and other man-made
conditions affecting a human being’s place on earth. ”
A produção nacional, bem representada por Toshio Mukai,
assim compreende o DA: “O Direito Ambiental (no estágio atual
de sua evolução no Brasil) é um conjunto de normas e
institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito
reunidos por sua função instrumental para a disciplina do
comportamento humano em relação ao seu meio ambiente. ’20 O
Professor Paulo Affonso Leme Machado, nas primeiras edições de
seu Direito Ambiental Brasileiro, não chegou a apresentar uma
definição de Direito Ambiental, preferindo, em sua obra,
fornecer ao leitor uma metodologia para que este compreenda o
conteúdo e o significado do Direito Ambiental. Para o
consagrado autor, o Direito Ambiental é um direito de proteção
à natureza e à vida, dotado de instrumentos peculiares que se
projetam em diversas áreas do Direito, sobretudo no Direito
Administrativo. Posteriormente, o consagrado mestre evoluiu em
sua concepção e nos fornece a seguinte definição: "O Direito
Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação
da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes
aos elementos que integram o meio ambiente. Procura evitar o
isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica.
Não se trata mais de construir um Direito das águas, um
Direito da atmosfera, um Direito do solo, um Direito
florestal, um Direito da fauna ou um Direito da
biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada
matéria tem de específico, mas busca interHgar estes
15 Principio 11 - "Os Estados devem adotar uma legislação
ambiental eficaz ...”
16 “Direito Ecológico, perspectivas e sugestões”, Porto Alegre:
Revista da Consultoria-Geral do Estado, vol. 2, no 4, 1972,
pp. 43-52.
17 Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico,
Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 23.
18 O Dicionário Aurélio Eletrônico dá a seguinte definição para
o termo ambiental: “Verbete: ambiental Adj. 2 g. 1. Relativo
a, ou próprio de ambiente; ambiente.”
19Willian H. Rodgers Jr. - Environmental Law, St. Paul: West,
1977, p. 1.
20 Toshio Mukai, ob. cit., p. 10.
O Direito Ambiental |
temas com a argamassa da identidade de instrumentos jurídicos
de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e
de participação. '21
Entendo que o Direito Ambiental pode ser definido como um
direito que tem por finalidade regular a apropriação econômica
dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em
consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvi-
mento econômico e social, assegurando aos interessados a
participação nas diretrizes a serem adotadas, bem como padrões
adequados de saúde e renda. Ele se desdobra em três vertentes
fundamentais, que são constituídas pelo: (i) direito ao meio
ambiente, (ii) direito sobre o meio ambiente e (iu) direito do
meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o
direito ao meio ambiente é um direito humano fundamental que
cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade
de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos
recursos naturais. Mais do que um ramo autônomo do Direito, o
DA é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra,
transversalmente, em todos os ramos do Direito. O DA tem uma
dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão
econômica que devem ser compreendidas harmonicamente.
Evidentemente que, a cada nova intervenção humana sobre o
ambiente, o apHcador do DA deve ter a capacidade de captar os
diferentes pontos de tensão entre as três dimensões e
verificar, no caso concretos qual delas é a que se destaca e
que está mais precisada de tutela em um dado momento.
A doutrina nacional se divide em duas correntes básicas: (i)
uma que privilegia o chamado ambientalismo social ou
socioambientalismo22 e (ii) outra mais voltada para o
preservacionismo. A doutrina socioambiental pode ser assim
resumida: “O socioambientalismo passou a representar uma
alternativa ao conservadorismo/pre- servacionista ou movimento
ambientalista tradicional, mais distante dos movimentos
sociais e das lutas políticas por justiça social e cético
quanto à possibilidade de envolvimento das populações
tradicionais na conservação da biodiversidade. Para uma parte
do movimento ambientalista tradicionai/preservaciohista, as
populações tradicionais - e os pobres de uma maneira geral -
são uma ameaça à conservação ambiental, e as unidades de
conservação devem ser protegidas permanentemente dessa ameaça.
O movimento ambientalista tradicional tende a se inspirar e a
seguir os modelos de preservação ambiental importados de
países do primeiro mundo, onde as populações urbanas procuram,
especialmente em parques, desenvolver atividades de recreação
em contato com a natureza, mantendo intactas ás áreas
protegidas. Longe das pressões sociais típicas de países em
desenvolvimento, com populações pobres e excluídas, o modelo
preservacionista tradicional funciona bem nos países
desenvolvidos, do norte, mas não se sustenta politicamente
aquif23 A vertente pre-
21 Paulo Aífonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro,
São Paulo: Malheiros. 13* edição. 2005, pp. 148-9.
22 Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos -
proteção jurídica da diversidade biológica e cultural. São
Paulo: Editora Petrópolis, 2005.
23 Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos—
proteção jurídica da diversidãde biológica e cultural. São
Paulo: Editora Petrópoiis, 2005, pp. 40-1.
Direito Ambiental
servacionista se encontra reunida em tomo do grupo Planeta
Verde e encontra forte base de sustentação no Ministério
Público.
Certamente, não se pode pensar o Direito Ambiental de forma
rígida e dogmática, pois isto é uma contradição em seus
próprios termos. É da própria natureza do Direito Ambiental
que ele seja examinado de forma flexível e maleável. A
relevância do chamado socioambientalismo e a sua compreensão
jurídica é que, efetivamente, ele busca localizar o Ser Humano
no centro do Direito Ambiental, o que, em minha opinião,
corresponde ao comando de nosso legislador constitucional ao
definir o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
princípios basilares de nosso ordenamento jurídico. Equivoca-
se o socioambientalismo ao pretender que, necessariamente, as
populações tradicionais protejam o meio ambiente, pois a
prática tem demonstrado que populações tradicionais também
podem ser promotoras de degradação ambiental quando as
pressões econômicas se tomam irresistíveis.
2.1. A vertente econômica do Direito Ambiental
Economia e ecologia têm muita coisa em comum, pois têm
origem na palavra oikos, casa. No entanto, tal relação óbvia
não tem tido aceitação entre as partes envolvidas, existindo
sempre a irreal dicotomia entre “desenvolvimento e meio
ambiente”. Fato é que as relações entre economia e ecologia
têm sido muito tensas e, especialmente no Direito Ambiental,
elas não têm tido a atenção que merecem. No particular, é
relevante a seguinte observação de Christopher D. Stone:24
“Indeed, it is a shame that economic analysis is so commonly
disparaged by environmentalists, who have somehow gotten the
idea that economic thinking and environmental thinking are
inherentely opposed.” A doutrina relevante de Direito
Ambiental no Brasil ainda voltou a sua atenção para a vertente
econômica do Direito Ambiental, fazendo com que muita
incompreensão reine em tão importante área. Mais uma vez não
posso deixar de recorrer à constatação de Stone no sentido de
que: “Here, the point is simply this. The mutual distrust
between economists and environmentahsts is unfortunate.,25 A
ideia que me dirige nesta seção é a de demonstrar cabalmente
que o Direito Ambiental não pode, sequer, ser imaginado sem
uma consideração profunda de seus aspectos econômicos, pois
dentre os seus fins últimos se encontra a regulação da
apropriação econômica dos bens naturais.
A Constituição de 1934 introduziu em nosso meio jurídico os
primeiros mecanismos constitucionais de atuação positiva do
Estado na ordem econômica. 1934 marca o início do modelo de
intervenção econômica e do federalismo cooperativo que passa a
dotar a União de novos poderes para, mediante a execução de
programas específicos, alavancar a atividade econômica. A
Constituição de 1934 foi concebida
24 Christopher D. Stone. The Gnat is Older than Man - Global
Environment and Human Agenda. Princeton: Princeton
University Press. 1995, p. 150.
25 Christopher D. Stone. The Gnat is Older than Man - Global
Environment and Human Agenda. Princeton: Princeton
University Press. 1995, p. 151.
O Direito Ambiental |
sobre o conceito de intervenção econômica. Foi naquela Carta
que teve início o nosso Direito Econômico, que está contido no
direito público* a sua característica mais marcante: a
interdisciplinaridade.26 O Direito Econômico é um polo, ao
redor do qual circulam o Direito Tributário, o Direito
Administrativo, o Direito Financeiro, o Direito Ambiental e
inúmeros outros.
Direito Econômico é o direito considerado em suas
conseqüências econômicas27 que para Savatier tem por finalidade
dirigir a vida econômica e em especial a produção e a
circulação das riquezas.28 Para o Direito Econômico, o
relevante é a eficácia, isto é, a capacidade de produzir
alterações na ordem econômica como consequência das medidas
implementadas. Ele é, assim como o Direito Ambiental, um
direito de organização que não se submete apenas às forças do
mercado, muito embora não possa desconsiderá-las.
O Direito Econômico está intimamente ligado à intervenção do
estado sobre a ordem econômica que em seus aspectos ambientais
se faz mediante a utilização de mecanismos jurídicos próprios
e que pertencem ao campo do Direito Ambiental. O Direito
Ambiental como parte do Direito Econômico vai além do mero
poder de polícia, haja vista que orienta as forças produtivas
em uma determinada direção, no caso concreto, a utilização
racional dos recursos ambientais. A intervenção econômica se
diferencia do poder de polícia, na medida em que este último
se limita à proibição de atividades, condutas ou
comportamentos de particulares.
A intervenção econômica, segando Eros Roberto Grau,29 possui
três modalidades principais:
a) participação, absorção;
b) direção;
c) indução.
A participação e a absorção indicam que o Estado ou está
atuando como agente econômico através de suas entidades
criadas especificamente para tal fim, ou está atuando mediante
a atividade de empresas que, por um motivo ou por outro, foram
incorporadas ao patrimônio público. Direção é o processo pelo
qual o Estado dirige um determinado empreendimento econômico,
assumindo as responsabilidades essenciais do mesmo. Indução é
um mecanismo pelo qual o Estado cria incentivos ou punições
para a adoção de determinados comportamentos econômicos ou
cria condições favoráveis para que se desenvolvam
empreendimentos privados em determi-
26Tal característica informa todos os novos “ramos” do
Direito.
27Jacquemin e Scbrams, apiid Lufe Cabral Moncada. Direito
Econômico, Coimbra: Coimbra Editora, 2»
ed.,
1988, p. 12.
28Jacquemin e Schrams, apud Luís Cabral Moncada. Ob. cit., p.
8.
29A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e
crítica), São Paulo:RT, 21 ed„ 1991,
pp. 49
e seguintes.
| Direito Ambiental
nadas regiões, ou mesmo que determinadas atividades econômicas
possam ser realizadas mediante medidas especiais de política
econômica.
Para o DA, a indução é o instrumento mais importante, haja
vista que somente através dele é que se podem tomar medidas
com vistas a impedir que danos ambientais significativos se
concretizem, A indução se faz, essencialmente, com a adoção
dos chamados mecanismos de incentivo econômico.
A proteção do meio ambiente é, em nossa Constituição, um dos
princípios basilares de nossa Ordem Econômica constitucional,
estando prevista no artigo 170, inciso VI. Ao mesmo nível do
princípio da proteção ao meio ambiente, a Constituição
reconhece outros princípios, tais como (i) soberania nacional;
(ii) propriedade privada, (iii) função social da propriedade,
(iv) livre-concorrência, (v) defesa do consumidor, (vi)
redução das desigualdades regionais e sociais, (vii) busca do
pleno emprego e (viii) tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.
A inclusão do “respeito ao meio ambiente” como um dos
princípios da atividade econômica e financeira é medida de
enorme importância, pois ao nível mais elevado de nosso
ordenamento jurídico está assentado que a licitude
constitucional de qualquer atividade fundada na livre
iniciativa está, necessariamente, vinculada à observância do
respeito ao meio ambiente ou, em outras palavras, à
observância das normas de proteção ambiental vigentes.
Relevante anotar que as dificuldades ocasionadas por uma
legislação ambiental extremamente fragmentária, com
competências legais e administrativas mal definidas, fizeram
com que o Poder Constituinte derivado determinasse um
“princípio” que se expressa em tratamento “diferenciado” (rec-
tius: diferente) em função do impacto ambiental produzido pela
atividade. O Constituinte, no particular, reconheceu uma grave
extemalidade negativa da norma constitucional, que é a
proliferação de um conjunto de normas que, antes de proteger o
meio ambiente, dificultam a pequena atividade econômica com
onerosidade excessiva e, muitas vezes, desproporcional. Tal
princípio, contudo, não tem sido observado, visto que os
órgãos ambientais tratam igualmente as empresas,
independentemente do padrão de tecnologia que adotem com
vistas à redução dos impactos. O artigo 174 e seu § 3«
referem-se diretamente ao meio ambiente quando tratam da
organização de cooperativas de garimpeiros, que deverão levar
em conta a proteção ao meio ambiente. Também no artigo 176
podem ser contempladas normas de natureza ambiental. Os
capítulos da política urbana (arts. 182/183) e da política
agrícola e fundiária (arts. 184/191) guardam enorme
proximidade com a matéria ambiental, sendo certo que a própria
função social da propriedade ficou submetida à necessidade de
preservação ambiental, havendo quem fale em uma função
socioambiental da propriedade.
O desenvolvimento brasileiro, como regra, sempre se fez com
pouco respeito ao ambiente, pois calcado na exploração
intensiva de produtos primários com vistas ao mercado externo,
sem qualquer preocupação mais profunda quanto à sua conserva-
ção. A partir da década de 80 do século XX, sobretudo após a
edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, começou a
se formar uma nova maneira de pensar as relações entre a
atividade econômica e o meio ambiente. Isto se dá,
principalmente, com a introdução do conceito de
sustentabilidade e a constatação de que recursos
O Direito Ambiental
naturais não são infinitos. Esta mudança de concepção,
contudo, não é linear e, sem dúvida, podemos encontrar
diversas contradições e dificuldades na implementação de
políticas industriais que levem em conta o fator ambiental e
que, mais do que isso, estejam preocupadas em assegurar a
sustentabilidade da utilização de recursos ambientais.
A concepção do desenvolvimento sustentado tem em vista a
tentativa de: conciliar a conservação dos recursos ambientais
e o desenvolvimento econômico. A Lei n2 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que "dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins, mecanismos de formulação e aplicação, e
dá outras providências”, foi a primeira norma legal construída
sobre a base da proteção ambiental como elemento essencial
para o desempenho da atividade econômica, e mais: compreende a
própria proteção ao meio ambiente como atividade de natureza
econômica, como deixa ver o seu artigo 2S: “A Política Nacional
do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições de desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana”.
O Direito Econômico é essencialmente instrumento de
intervenção na ordem econômica. O Direito Ambiental é um de
seus principais instrumentos. Como Direito Econômico, o DA é
dotado de instrumentos específicos que não se confundem com os
demais postos. Estes instrumentos estão previstos tanto na CF
quanto na legislação ordinária, merecendo destaque aqueles que
estão previstos na Lei n2 6.938/81, como instrumentos da
política nacional do meio ambiente. Entre os diversos
instrumentos, aqueles que merecem mais atenção são, por
exemplo, os seguintes:
(i) a Avaliação Ambiental Estratégica e (ii) o Zoneamento
Econômico Ecológico, cujas finalidades, em linhas gerais,
estão relacionadas com a realização de diagnósticos
antecipados das consequências ambientais decorrentes da
possível implantação de atividades potencialmente degradadoras
do meio ambiente em determinados meios físicos.
O estabelecimento de preços pela utilização dos recursos
ambientais e a criação de incentivos para a utilização menos
intensiva de recursos ambientais também são instrumentos
importantes de intervenção econômica, pois condicionam a ação
do agente econômico em busca de uma atividade menos agressiva
em relação ao ambiente na qual ele está inserido.
2.2. A vertente humana do Direito Ambiental
O conteúdo econômico do DA já foi exaustivamente
demonstrado. Nesta etapa, cumpre demonstrar o seu conteúdo
humanístico. O primeiro ponto que chama a atenção é o feto de
que a sua construção prática demonstra que ele, em grande
medida, é originado de movimentos reivindicatórios e de
protestos contra más condições de vida, poluição, falta de
saneamento e tantas outras. No contexto brasileiro que de
certa forma reproduz o internacional, há um amálgama que funde
ações políticas com medidas judiciais e legislativas, criando
uma base bastante rica e fértil para a produção de regras
ambientais.
Direito Ambiental
Em inúmeras ocasiões, os Tribunais têm sido provocados a dar
seu veredito sobre situações que, do ponto de vista das ações
judiciais, são lesivas ao meio ambiente.30 É certo, ademais,
que muitas vezes os litígios judiciais são a única forma de
impedir medidas ilegais até mesmo do Poder Público, como muito
bem observado por Farber e Findley: “Apart írom the political
process, the only check on agency acdon is foimd in the
courts. ” 31
Atualmente, vivemos uma “era dos direitos”32 com recursos
escassos, na qual as diferentes parcelas da população postulam
direitos de forma cada vez maior e que resultam em normas cada
vez mais atributivas de garantias processuais e direitos subs-
tantivos, ainda que muitas vezes os orçamentos públicos
previstos para a concretização das novas realidades normativas
nem sempre sejam capazes de tomá-las efetivas.
O caput do artigo 225 da CF define o direito ao meio
ambiente equilibrado como um “direito de todos”, logo,
subjetivamente exigível por toda e qualquer pessoa. No
particular, averbe-se que há forte tendência teórica de
incluir os animais irracionais como “sujeitos,33 de direito e,
portanto, devendo ser compreendidos no conceito de “todos”
formulado pela Constituição.
Os direitos humanos vêm se ampliando, a cada dia que passa.
Este feto é uma resposta que a sociedade vem dando ao fenômeno
da massificação social e às dificuldades crescentes para que
todos possam vivenciar uma sadia qualidade de vida, ainda que
a violação dos direitos humanos seja mais evidente que o seu
respeito. O fato é que, se há violação, é porque existe uma
norma a ser violada ou respeitada. Esta realidade desempenha
um papel fundamental na conscientização de todos aqueles que,
subjetivamente, consideram que os seus direitos fundamentais
foram violados. Hoje já se fala em uma nova geração de
direitos humanos, direitos estes que não se limitam àqueles
fruíveis individualmente ou por grupos determinados, como foi
o caso dos direitos individuais e dos direitos sociais.
Norberto Bobbio, ao se referir ao problema dos direitos
humanos de terceira geração, disse que: “O mais importante
deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito
de viver num ambiente não poluído.”
É imperioso perceber que, mesmo com forte conteúdo
econômico, não se pode entender claramente o DA como um tipo
de relação jurídica que privilegie a atividade produtiva em
detrimento dos valores propriamente humanos. A conservação e
sustentabilidade dos recursos ambientais (recursos econômicos)
é um instrumento para garantir um bom padrão de qualidade de
vida para os indivíduos. O fator eco
30 O sítio Internet do Conselho da Justiça Federal, visitado
aos 21 de agosto de 2007, registrou para a expressão “meio
ambiente” 2.879 entradas, número muito expressivo,
http://www.jf.gov.br/juris/?
31 Roger Findley, e Daniel Farber. Environmental law, St.
Paul: West publishing, 1988, p. 2.
32 Norberto Bobbio, A era dos direitos, Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
33Para uma ampla discussão sobre o tema do Direito dos
Animais, ver: Peter Singer, Libertação Animal (tradução de
Marly Winckler). Porto Alegre/SãoPaulo: Lugano Editora.
Edição revista. 2004. passim. Contra: Richard A. Posner,
Animal Rights: Legal, Philosophical, and Pragmatic
Perspectives, in, Cass R. Suns te in and Martha C. Nussbaum
(edited by), Animal Rights — Current Debates and new
Directions, New York: Oxford University Press, 2004, pp. 51-
77.
O Direito Ambientai
nômico deve ser compreendido como desenvolvimento, evolução,
melhora contínua e não como simples crescimento ou acúmulo. O
desenvolvimento se distingue do crescimento na medida em que
pressupõe uma harmonia entre os diferentes elementos
constitutivos.
No regime constitucional brasileiro, o artigo 225 da CF
impõe a conclusão de que o direito ao ambiente prístino é um
dos direitos humanos fundamentais. É, o meio ambiente, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
portanto, é res comune omnium,34 interesse comum, tutelável
judicialmente por meio de ação popular, como se pode ver do
artigo 5S da Lei Fundamental em seu inciso LXXIII: “Qualquer
cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que
o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, fícando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas judiciais e
do ônus da sucumbência. ”
Uma consequência lógica da identificação do direito ao
ambiente como um direito humano fundamental, conjugada com o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, é que
no centro de gravitação do DA se encontra o Ser Humano.
Entretanto, a concepção ora esposada encontra acirrada
oposição em parte significativa do pensamento contemporâneo
que tem buscado identificar uma igualdade essencial entre
todos os seres viventes. Tais correntes encontram muita
repercussão no DA, sobretudo nos países mais desenvolvidos nos
quais problemas básicos já tenham sido superados. Há,
inclusive, a construção de um chamado Direito dos Animais,35
merecedor de uma Declaração Universal dos Direitos dos
Animais,36 que,
34 Coisa comum a todos.
35 Http://law.lclark.edu/org/animalaw/
36 Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses
direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer
crimes contra os animais e contia a natureza; Considerando
que o reconhecimento pela espécie humana do direito à
existência das outras espécies animais constitui o
fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e
há o perigo de continuar á perpetrar outros; Considerando
que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao
respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a
educação deve ensinar desde a infância a observar, a
compreender, a respeitar e a amar os animais, Proclama-se o
seguinte: Artigo 1® Todos os animais nascem iguais perante a
vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2« 1.
Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem,
como espécie animal, não pode exterminar os outros animais
ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os
seus conhecimentos a serviço dos animais 3.Todo o animal tem
o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo 3o l.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos
nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele
deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não
provocar-lhe angústia. Artigo 4® 1. Todo o animal
pertencente a tuna espécie selvagem tem o direito de viver
livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou
aquático e tem o direito de se reproduzir. 2. Toda a
privação de liberdade, mesmo que tenha fim educativos, é
contrária a este direito. Artigo 5* 1. Todo o animal
pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio
ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao
ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são pró-
prias da sua espécie. 2. Toda a modificação deste ritmo ou
destas condições que forem impostas pelo homem com fins
mercantis é contrária a este direito. Artigo 6fi 1. Todo o
animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito
a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2.
O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Artigo
7a Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação
razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma
alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8° 1. A
experimentação animal que implique sofrimento físico ou
psicológico é incompatível com os
Direito Ambiental
contudo, penso não fazer parte da disciplina Direito
Ambiental, não se confundindo com esse último. Uma boa mostra
do pensamento que serve de base para os “direitos animais”
pode ser encontrada na seguinte passagem de Singer:37
“Normalmente, isso significa que, se tivermos de escolher
entre a vida de um ser humano e a vida de outro animal,
deveríamos escolher salvar a vida do ser humano; mas pode
haver casos especiais em que o inverso é verdadeiro, porque o
ser humano em questão não possui as capacidades de um ser
humano normal, ”
Pretende-se que o DA represente a ruptura do
antropocentrismo na ordem jurídica. Sustenta-se que, ao
proteger a vida, em especial a vida animal e vegetal, o DA
teria reconhecido novos sujeitos de direito que, conjuntamente
com o ser humano, passariam a ocupar o núcleo central do mundo
jurídico. Em meu ponto de vista, tal raciocínio é primário,
pois deixa de considerar uma questão essencial e inafastável,
que é o fato de que o Direito positivado é uma construção
humana para servir propósitos humanos. O fato de que o direito
esteja evoluindo para uma posição na qual o respeito às formas
de vida não humanas seja uma obrigação jurídica cada vez mais
relevante não é suficiente para deslocar o eixo ao redor do
qual a ordem jurídica circula. A obrigação jurídica de
respeito aos animais e às demais formas de vida é prin-
cipalmente a expressão de um movimento de “humanização” dos
animais cujas dimensões crescentes têm implicado o aumento do
arco protetivo.
A ONU, pela da Resolução nô 37/7, de 28 de outubro de 1982,
proclamada pela Assembleia Geral, afirmou que: “ Toda forma de
vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua
utilidade para o homem, e, com a finalidade de reconhecer aos
outros organismos vivos este direito, o homem deve se guiar
por um código moral de ação. ”
O DA, quando confere proteção aos bens naturais, o faz na
função de mediador entre os diferentes agentes econômicos e
das respectivas visões axáológicas sobre o destino a ser dado
aos elementos naturais quando parte do tráfico econômico e
jurídico. Na medida em que se reconhece uma carga axiológica
mais densa, menor é a utilização econômica legalmente
consentida para o bem considerado em si mesmo.
direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica,
científica, comercial ou qualquer que seja a forma de
experimentação. 2. As técnicas de substituição devem de ser
utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9a Quando o animal é criado
para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado,
transportado e morto sem que disso resulte para ele nem
ansiedade nem dor. Artigo 10« 1. Nenhum animal deve de ser
explorado para divertimento do homem. 2. As exibições de
animais e os espetáculos que utilizem animais sâo incom-
patíveis com a dignidade do animai. Artigo 11“ Todo o ato que
implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio,
isto é, um crime contra a vida. Artigo 12a 1. Todo o ato que
implique a morte de grande um número de animais selvagens é um
genocídio, isto é, um crime contra a espécie. 2. A poluição e
a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo
13a 1.0 animal morto deve de ser tratado com respeito. 2. As
cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser
interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por
fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14a
1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais
devem estar representados a nível governamental. 2. Os
direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os
direitos do homem.” Proclamada pela Unesco aos 27 de janeiro
de 1978,
37 Peter Singer, Libertação Animal (tradução de Marly
Winckler), Porto Alegre/São Paulo: Lugano, edição
tsw - ensino Superior tas Mc*
O Direito Ambiental
Ao afastar determinados bens da apropriação direta pela
atividade econômica e com o estabelecimento de medidas que
sejam capazes de garantir tal afastamento — legitimidade
extraordinária para a proteção dos bens ambientais está
propiciando um equilíbrio na competição no mercado entre os
agentes econômicos, além de assinalar de forma bastante clara
o nível de valor cultural e espiritual que determinado bem
possui na sociedade. Processualmente, os interesses difusos e
o sistema de legitimidade que lhes asseguram tutela é a forma
encontrada pela sociedade para permitir que um conflito de uso
relevante possa ser racionalmente mediado.
O Direito brasileiro reconhece à natureza um elevado nível
de tutela positivamente fixado. Isto ocorre tanto em relação à
norma constitucional, quanto em relação à legislação
ordinária. Relembre-se que os incisos I, II e VII dò artigo
225 da Lei Fundamental falam em: “Proteger e restaurar os
processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
dos ecossistemas”, “preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do Pais” ‘proteger a fauna e a Hora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco
sua função ecológica"
Observe-se que há uma obrigação social, legal e
constitucional para com a tutela dos processos ecológicos
essenciais que, a toda evidência, só reflexamente pode ser
vinculada ao sujeito de direito, entendido como tal o ser
humano. Há obrigação do Estado de empenho para com a
preservação das espécies da flora e da fauna, não se cogitando
imediatamente da suas necessidades ou utilidades imediatas. O
direito, igualmente, age com um poder geral de cautela, pois
prefere determinar que alguns bens sejam protegidos e
“congelados”, ainda que não tenham utilidade imediata. Cria-
se, portanto, uma reserva de valor que poderá vir a ser
utilizada - ou não - em um futuro não especificado.
O reconhecimento de tutela a bens jurídicos que não estejam
diretamente vinculados à pessoa humana é um aspecto de grande
importância para que se possa medir o real grau de
co~dependência entre o homem e o mundo qüe o cerca, do qual
ele é parte integrante e, sem o qual, não logrará sobreviver.
A atitude de respeito e proteção às demais formas de vida ou
aos sítios que as abrigam é uma prova de compromisso do ser
humano com a própria raça e, portanto, consigo mesmo.
3. A metodologia do Direito Ambiental
É tempo de examinar as peculiaridades metodológicas que
fazem com que o DA possa se destacar como província peculiar e
inconfundível do conhecimento jurídico. Isso se faz,
principalmente, pela identificação de sua metodologia peculiar
e de outros aspectos que serão adequadamente desenvolvidos
daqui para frente.
3.1. Autonomia do Direito Ambiental
A autonomia dos chamados “ramos” do Direito é sempre
problemática concei- tualmente e deve ser considerada antes
uma questão de natureza acadêmica e periférica e não deve
impressionar aqueles que pretendam estudar as diferentes
manifes-
Direito Ambiental
tações setoriais do fenômeno jurídico. O mesmo se passa com a
autonomia do DA e, provavelmente, de forma mais dramática do
que em outras searas do Direito, haja vista que o DA é,
seguramente, um dos setores do Direito nos quais as variegadas
tensões políticas, econômicas, sociais e científicas se
manifestam de forma mais vibrante. Se é verdade que as
diferentes manifestações do Direito, como fenômeno normativo,
possuem peculiaridades e particularidades, também não é menos
verdade que ele busca um certo grau de harmonia e coerência
entre os seus diferentes setores, ainda que nem sempre consiga
atingi-lo. No caso específico do DA, é relevante considerar
que ele, em função do elevado nível de influência exercido por
saberes não jurídicos e por situações extralegais, possui
especificidades que o distinguem dos “ramos tradicionais” do
Direito. Em primeiro lugar, há que se observar que a relação
do DA com os demais ramos do Direito é transversal, isto é, as
normas ambientais tendem a se incrustar em cada uma das demais
normas jurídicas, obrigando que se leve em conta a proteção
ambiental em cada um dos demais “ramos” do Direito. Uma norma
de direito público que determine a administração, a realização
de estudos de impacto ambiental para a implementação de
determinadas atividades está situada no Direito Administrativo
ou no DA? Uma norma que tipifica crimes contra o meio ambiente
é uma norma criminal ou ambiental? Essas são questões que, se
não forem bem articuladas, acarretarão confusão teórica. No
caso, o importante é ter em vista que a proteção ambiental
pode ocorrer mediante a tutela conferida por normas dos mais
diferentes campos do Direito.
Os chamados “novos direitos”, dentre os quais o DA é um dos
mais eminentes, que vêm surgindo a partir da década de 60 do
século XX, são essencialmente direitos de participação, ou
seja, direitos que se formam em decorrência de uma crise de
legitimidade da ordem tradicional que não incorpora a
manifestação direta dos cidadãos na resolução de seus
problemas imediatos. O movimento de cidadãos conquista espaços
políticos que se materializam em leis de conteúdo, função e
perspectivas bastante diversos dos conhecidos pela ordem
jurídica tradicional.
É desnecessário reconhecer o DA como um ramo "autónomo” do
Direito para que possa compreender a sua relevância no atual
contexto da proteção do direito. Esta questão não se coloca em
relação a ele. Em primeiro lugar: o conceito de autonomia dos
ramos do Direito é bastante discutido e discutível. Sabemos
que tal conceito implica a existência de setores estanques no
interior da ordem jurídica que, apenas e tão-somente, mantêm
algumas relações formais entre si. Ora, na realidade, tal con-
cepção é falha, pois os conceitos fundamentais do Direito
tradicional são válidos em qualquer um dos diferentes “ramos”
do Direito. O conceito de Sujeito de Direito é válido tanto
para o Direito Penal quanto para o Direito Tributário ou o
Direito Civil. Acresce, ademais, que a ideia de ramos
autônomos do Direito está vinculada à concepção da existência
de um certo “paralelismo” entre os diversos ramos da Ciência
do Direito. Assim, existe um Direito Civil que é paralelo ao
Direito Administrativo, que, por sua vez, é paralelo ao
Direito Penal, e assim sucessivamente.
O DA não se situa em “paralelo” a outros “ramos” do Direito.
O DA é um direito de coordenação e, nesta condição, é um
Direito que impõe aos demais setores do universo jurídico o
respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de
validade
O Direito Ambiental
é emanado diretamente da Norma Constitucional. Trazer para o
DA a discussão sobre ser este autônomo ou não é reproduzir uma
discussão ontologicamente superada.
3.2. Princípios do Direito Ambiental
O Direito é ciência complexa que se estrutura sobre bases
múltiplas. Diferentemente do que pensa o leigo, ele não se
confunde com as normas positivadas na legislação. Estas
formam, apenas e tão-somente, uma parte da ordem jurídica. Em
sistemas como o adotado no Brasil, cuja tradição se filia ao
modelo romano-germânico, a norma escrita é importantíssima e
não seria exagerado afirmar que ela se constitui no eixo
central ao redor do qual os demais elementos da ordem jurídica
gravitam. Evidentemente que não se pode pensar a ordem
jurídica brasileira “fora” do elemento basilar da norma
escrita.
Ocorre que, no DA, a produção legislativa tende a perder
algumas de suas principais características, tais como a (i)
abstração e a (ii) generalidade. No DA, há um crescimento de
normas específicas que se multiplicam em verdadeira metástase
legislativa. Peguemos o exemplo da proteção florestal.
Inicialmente, havia o CFlo que, bem ou mal, tratava das
questões referentes à proteção das florestas. Hoje, o CFlo é,
apenas, mais um elemento a ser considerado quando falamos em
defesa das florestas. Já não se pode mais falar em proteção de
florestas, mas em proteção da Diversidade Biológica, de biomas
específicos etc. Daí não ser excessivo considerar que o CFlo é
parte de um subsistema de proteção da diversidade biológica
que se constitui principalmente pelas seguintes normas: (i)
CFlo; (ii) CBD; (iii) SNUC; (v) normas estaduais e municipais
de proteção aos bens anteriormente mencionados; e, ainda, (vi)
normas destinadas à proteção desta ou daquela espécie da flora
brasileira. Bem se vê que, diante da enorme quantidade de
normas legais destinadas à proteção das florestas, a
incoerência, a contradição e o conflito entre elas não são
algo que possa surpreender ao observador atento.
A jurisprudência tem um papel relevantíssimo na proteção do
meio ambiente, pois é a aplicação concreta das normas
jurídicas. O papel da jurisprudência avulta no Direito
Ambiental, na medida em que as matérias são decididas muito na
base do caso a caso, pois muito raramente se pode tratar de
uma “repetição” de ações ambientais, visto que as
circunstâncias particulares de cada hipótese tendem a não se
reproduzir. Por outro lado, ainda que a produção legislativa
cresça em velocidade exponencial, ela não tem capacidade de
dar conta das diferentes situações que surgem no dia-a-dia.
Resulta daí que os princípios do Direito Ambiental se tomam
mais relevantes e importantes, pois é a partir deles que as
matérias que ainda não foram objeto de legislação específica
podem ser tratadas pelo Poder Judiciário e pelos diferentes
aplicadores do Direito, pois, na inexistência de norma legal,
há que se recorrer aos diferentes elementos formadores do
Direito, conforme expressa determinação da Lei de Introdução
ao CC e do próprio CPC.
Entretanto, o recurso aos princípios jurídicos é uma tarefa
que está longe de ser simples e tranquila, pois não há,
sequer, um consenso doutrinário acerca dos princí-
Direito Ambiental
pios reconhecidos do Direito Ambiental e, ao mesmo tempo,
existem divergências profundas sobre o significado concreto de
cada um dos princípios.
3.2.1. Natureza dos princípios do DA
Os princípios jurídicos podem ser implícitos ou explícitos.
Explícitos são aqueles que estão claramente escritos nos
textos legais e, fundamentalmente, na CRFB; implícitos são os
princípios que decorrem do sistema constitucional, ainda que
não se encontrem escritos.
É importante frisar que tanto os princípios explícitos como
os princípios implícitos são dotados de positividade e,
portanto, devem ser levados em conta pelo apli- cador da ordem
jurídica, tanto no âmbito do Poder Judiciário, como no âmbito
do Executivo ou do Legislativo. Os princípios jurídicos
ambientais devem ser buscados, no caso do ordenamento jurídico
brasileiro, em nossa Constituição e nos fundamentos éticos que
iluminam as relações entre os seres humanos. Dentro da
perspectiva acima apontada, considero que é possível destacar
os seguintes princípios fundamentais que podem ser encontrados
nas diferentes áreas das atividades humanas, que podem ser
catalogadas sob a rubrica DA.
3.2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana
Para aqueles que, como o autor, entendem que a dignidade da
pessoa humana é o centro da ordem jurídica democrática, não há
como se afastar a centralidade do princípio em nosso Direito
Ambiental. Em anteriores edições de Direito Ambiental, o
princípio ora examinado foi denominado "princípio do direito
humano fundamental”. Examinando a questão com mais vagar e
profundidade, cheguei à conclusão de que havia um equívoco
básico. Princípio jurídico não se coníimde com direito. O
princípio jurídico servirá de base para o reconhecimento ou
declaração de um direito, jamais como o próprio direito.
Os princípios jurídicos (constitucionais ou não) sustentam
os direitos reconhecidos. E mais: em determinadas situações,
mesmo a inexistência de uma lei não servirá de obstáculo para
que um direito possa ser exercido. O direito estabelecido pelo
artigo 225 da Constituição é fundado no princípio da dignidade
da pessoa humana e somente nele encontra a sua justificativa
final.38"39 Sendo o princípio basilar, dele
38 CF: “Art. Ia A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: (...) III — a dignidade da pessoa humana;
(...)”
39 STF: HC 82424 QO/RS - QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS.
Relator: Min. MOREIRA ALVES; Reí. Acórdão Min. MAURÍCIO
CORRÊA. Tribunal Pleno DJU19-03-2004 p. 17 “HABEAS CORPUS.
PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME
IMPRESCRITÍVEL. CON- CEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1.
Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo
apologia de idéias preconceituosas e
discriminatórias’’contra a comunidade judaica (Lei 7.716/89,
artigo 20, na redação dada pela Lei 8.081/90) constitui
crime de racismo sujeito às cláusulas de inaSançabilidade e
imprescridbilidade (CF,
O Direito Ambiental
decorrem todos os demais subprincípios constitucionais, ou
princípios setoriais, tais como os princípios comumente
identificados como princípios de Direito Ambiental.
artigo 5a, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescrídbiUdade
geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que
contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a
exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência
da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a
definição e o mapeamento do genoma humano, dentiScamente não
existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da
pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras
características físicas, visto que todos se qualificam como
espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres
humanos. Na essência, são todos iguais. 4. Raça e racismo. A
divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de
conteúdo meramente político -social. Desse pressuposto
origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e
o preconceito segregacionista.. 5. Fundamento do núcleo,do
pensamento do nacio- nal-socialismo de que os judeus e os
aríanos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça
inferior, nefasta e infecta> características su&cientes para
justificar a segregação e o extermínio: inconciabihdade com os
padrões éticos e morais deSmdos na Carta Política do Brasil e
do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o
estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de
racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se
erige e se organiza a sociedade humana, baseada na res-
peitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica
convivência no meio social. Condutas e evocações aéacãs e
imorais que impEcam repulsiva ação estatal por se revestirem
de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento
mfraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do
Brasil a tratados e acordos mulülaterais, que energicamente
repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as
distinções entre os homens por restrições ou preferências
oriundas de raça, cór, credo, descendência ou origem nacional
ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo
sobre outro, de que sãó exemplos a xenofobia, “negrofobia",
“ishmafobia” e o anti-semitismo. 7. A CF de 1988 impôs aos
agentes de delitosdessa natureza, pela gravidade e
repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade,
para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio
e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo.
Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos,
etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de
modo a construir a deSnição jmídico-constitucional do termo.
Interpretação teleológica e sistêmica da CF, conjugando
fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que
regeram sua formação e aplicação, a Sm de obter-se o real
sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do
Brasil, as legislações de países organizados sob a égide do
estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu
ordenamento legal punições para delitos que estimulem e
propaguem segregação raciaL Manifestações da Suprema Corte
Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte
de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos, que consagraram
entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as
regras de boa convivência social com grupos humanos que
simbolizem a prática.de racismo. 10. A edição e publicação de
obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam
resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo
regime nazista, negadoras e subver- soras de fatos históricos
incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa
inferioridade e desqualiScação do povo judeu, equivalem à
incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, refor-
çadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se
baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo
agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada
premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do
que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e
pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como
deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que con-
figura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências
gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que imo se tem como absoluta. Limites
morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode
abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral
que implicam üidtude penal. 14. As liberdades públicas não são
incondicionais, por issó devem ser exercidas de maneira
harmônica, observados os limites definidos na própria CF (CF,
artigo 5a, § 2a, primeira parte). O preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao
racismo", dado que um direito individual não pode constituir-
se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os
delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15.
“Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este
tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória,
apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança
sobre o esquecimento." No estado de direito democrático devem
ser intransigentemente respeitados, os princípios que garantem
a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da
memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos
do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais
por motivos raciais

Direito Ambiental
O reconhecimento internacional do princípio da dignidade da
pessoa humana encontra guarida, por exemplo, nos princípios 1
e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972,40 sendo
posteriormente reafirmado pela Declaração do Rio, proferida na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Rio 92: “Princípio 1 - Os seres humanos
constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e
produtiva em harmonia com o meio ambiente
O Ser Humano, conforme estabelecido em nossa Constituição e
na Declaração do Rio - embora essa não tenha força obrigatória
é o centro das preocupações do Direito Ambiental que existe em
função do Ser Humano e para que ele possa viver melhor na
Terra. Este princípio precisa ser reafirmado com veemência,
pois é cada vez mais frequente a tentativa de estabelecimento
de uma igualdade linear entre as diferentes formas de vida
existentes sobre o planeta Terra, gerando situações extre-
mamente cruéis em desfavor das pessoas pobres e desprotegidos
da sociedade. A relação com os demais animais deve ser vista
de uma forma caridosa e tolerante, sem que se admitam a
crueldade, o sofrimento desnecessário e a exploração
interesseira de animais e plantas. Mas, evidentemente, não se
pode perder de vista o fato de que o Homem se encontra em
posição superior aos demais animais, haja vista a sua capa-
cidade de raciocínio, transformação consciente da natureza e
dado ao fato de que foi criado à semelhança de Deus e,
portanto, não pode se coníundir com os dentais animais. A
compaixão pelos animais é uma imposição para todos aqueles que
se acreditam frutos da criação divina, que a todos deu origem.
3.2.3. Princípio do desenvolvimento
O maior nível de instrumentos institucionais de proteção
ambiental é uma razão direta do maior nível de bem-estar
social e renda da população, ainda que sociedades mais ricas
consumam mais recursos ambientais e, portanto, em tese, gerem
mais degradação ambiental. Apesar desta constatação, as
principais declarações internacionais sobre meio ambiente
sempre levam em consideração a necessidade de desenvolvimento
econômico, que deverá ser realizado de forma sustentável.
Neste particular, é bem significativo o chamado Relatório
Brundtland, do qual destaco a seguinte passagem: “Mas isto não
basta. A administração do meio ambiente e a manutenção do
desenvolvimento impõem sérios problemas a todos os países.
Meio
de torpeza inominável. 16. A ausência, de prescrição nos
crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as
gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a
reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos gue a
consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem
denegada.”
40 Principio 1 - “O homem tem o direito fundamental à
liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar; e é
portador solene de obrigação de melhorar o meio ambiente,
para as gerações presentes e futuras...” Princípio 2 - “Os
recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo,
a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas
dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em
benefício das gerações atuais e futuras...”
I
O Direito Ambiental
ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados;
estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se
mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio
ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em
conta as consequências da destruição ambiental. Esses
problemas não podem ser tratados separadamente por
instituições e políticas fragmentadas. Eles fazem parte de um
sistema complexo de causa e efeito. ”41
Qualquer análise que se faça do estado do meio ambiente no
Brasil - e, nisto, nada temos de diferente dos demais países
do mundo — demonstrará que os principais problemas ambientais
se encontram nas áreas mais pobres e que as grandes vitimas do
descontrole ambiental são os mais desafortunados. De fato, há
uma relação perversa entre condições ambientais e pobreza.
Assim, parece óbvio que a qualidade ambiental somente poderá
ser melhorada com mais adequada distribuição de renda entre
membros de nossa sociedade, A propósito, o Brasil é signatário
da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que, no § ls
do artigo Ia, dispõe: "O direito ao desenvolvimento é um
direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e
todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele
contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
"Tal disposição deve ser interpretada conjuntamente com o § 1-
do artigo 2a, que define: “A pessoa humana é o sujeito central
do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e
beneficiário do direito ao desenvolvimento."
Há ainda que considerar que o conceito de desenvolvimento
tem alguns ele- mentos-chave como aquele que determina: “Os
Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas
necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e
devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para
todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de
saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição
equitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para
assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de
desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas. ”
A Declaração prossegue afirmando em seu artigo 9S que:
“Todos os aspectos do direito ao desenvolvimento estabelecidos
na presente Declaração são indivisíveis e interdependentes, e
cada um deles deve ser considerado no contexto do todo. ”
O princípio do desenvolvimento, como acima demonstrado,
materializa-se no direito ao desenvolvimento sustentável, que
se encontra presente em diferentes textos normativos nacionais
e internacionais. Há, evidentemente, tuna zona de fricção
entre o princípio do desenvolvimento e o chamado princípio da
precaução, como será adiante demonstrado. Compreender e
harmonizar ambos os princípios é essencial para que se possa
alcançar um nível ótimo de proteção ambiental.
41 Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Noiso Futuro Comum, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1988, p. 40.
Direito Ambiental
3.2.4. Princípio democrático
O DA tem uma das suas principais origens nos movimentos
reivindicatórios dos cidadãos. Logo, a democracia é uma de
suas bases mais caras e consistentes. O princípio democrático
encontra a sua expressão normativa especialmente nos direitos
à informação e à participação. Tais direitos encontram-se,
expressamente, previstos no texto da Lei Fundamental e em
diversas leis esparsas.
O DA, em seus aspectos regulatórios, depende da
Administração Pública, que tem no princípio da publicidade
administrativa um dos seus alicerces. Obviamente, o princípio
se faz presente também no conjunto de normas constitucionais
voltadas para a organização da proteção ao meio ambiente.
O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito de,
na forma da lei ou regulamento, participar das discussões para
a elaboração das políticas públicas ambientais e de obter
informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à
defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de
recursos ambientais e que tenham significativas repercussões
sobre o ambiente, resguardado o sigilo industrial. No sistema
constitucional brasileiro, tal participação faz-se por várias
maneiras diferentes, das quais merecem destaque:
(i) o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente;
(ii) o direito de opinar sobre as políticas públicas, através
de:
a) participação em audiências públicas, integrando órgãos
colegiados etc.;
b) participação mediante a utilização de mecanismos judiciais
e administrativos de controle dos diferentes atos praticados
pelo Executivo, tais como as ações populares, as
representações e outros;
c) as iniciativas legislativas que podem ser patrocinadas
pelos cidadãos. A materialização do princípio democrático
faz-se através de diversos instrumentos processuais e
procedimentais.
As iniciativas legislativas são:
a) Iniciativa Popular, prevista no artigo 14, inciso II, da
CF;
b) Plebiscito, previsto no artigo 14, inciso I, da Lei
Fundamental; e
c) Referendo, previsto no artigo 14, inciso II, da CF.
Medidas administrativas fundadas no princípio democrático:
a) Direito de informação. O artigo 5a, XXIII, da CF estabelece
que: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja indispensável à segurança da sociedade e do estado.”
O Direito Ambiental
A Lei n2 10.650, de 16 de abril de 2003, é especificamente
voltada para assegurar o direito à informação em questões de
meio ambiente.
b) Direito de petição. Previsto na alínea a do inciso XXIV
do artigo 5Ô da CF.
É a possibilidade que o cidadão tem de acionar o Poder
Público para que este, no exercício de sua autotutela, ponha
fim a uma situação de ilegalidade ou de abuso de poder.
Exemplo: exigir que o Estado puna o possuidor de um depósito
clandestino de produtos tóxicos.
c) Estudo prévio de impacto ambiental
É exigência constitucional prevista no § Ia, inciso IV, do
artigo 225 da CF, para toda instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente. O Estudo de Impacto Ambiental deve ser tomado
público. O EIA deve ser submetido à audiência pública. É
importante frisar que a exigência de Estudo de Impacto
Ambiental só é legal nas hipóteses em que o órgão ambiental
demonstre a potencialidade de um impacto negativo a ser
causado ao meio ambiente. A exigência da avaliação ambiental
prévia não se confunde com a exigência de prévio Estudo de
Impacto Ambiental.
Medidas judiciais fundadas no princípio democrático:
a) Ação popular
É ação constitucional, cuja finalidade é anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade da qual o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência. Ela tem sido muito utilizada e tem obtido
resultados bastante satisfatórios.42
42 TRF - PRIMEIRA REGIÃO. AGSS - AGRAVO REGIMENTAL NA
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - 01000386700. Processo:
200201000386700/MG. CORTE ESPECIAL: 09/12/2002. DJU:
18/06/2003, p. 45. DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE. AGRAVO
REGIMENTAL - SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - LIMINAR DEFERIDA EM
AÇÃO POPULAR - SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE LICENÇAS AMBIENTAIS
EXPEDIDAS PELO CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL PARA
EDIFICAÇÃO DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO DE CAPIM BRANCO I E II,
NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA, ESTADO DE MINAS GERAIS -
DISCUSSÃO SOBRE O DOMÍNIO DO RIO ARAGUARI - COMPETÊNCIA DO
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA PARA A EXPEDIÇÃO DA LICENÇA -
INTERESSE PÚBLICO E GRAVE LESÃO À ORDEM, À SAÚDE E À
ECONOMIA PÚBLICAS COM ESPEQUÉ, TÃO-SOMENTE, NA
ESSENCIALTOADE DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E NOS
BENEFÍCIOS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO. 1 — Embora em
Suspensão de Segurança não se analise, em princípio, questão
de mérito, cabe ao Presidente do Tribunal verificar, se
necessário, matéria de fundo, para convencer-se da existên-
cia ou não de ofensa aos bens jurídicos tutelados no art. 4a
da Lei n° 8.437/92. 3 - Não demonstrada, no caso, a
“flagrante ilegitimidade”, a Suspensão de Segurança não é
meio hábil à solução de pendenga atinente ao domínio do Rio
Araguari, se federal ou estadual, para aferir-se a
competência para licenciamento
Direito Ambiental
b) Ação Civil Pública
É ação constitucional (artigo 129, III) que somente pode ser
proposta por determinadas pessoas jurídicas ou pelo Ministério
Público, que são dotados de legitimação extraordinária para a
tutela dos interesses protegidos pela norma processual
constitucional.
3.2.5. Princípio da precaução
É dentre os princípios do Direito Ambiental aquele objeto
das mais acirradas polêmicas e debates, com grande repercussão
nos foros judiciais,43 na imprensa e em toda a sociedade. O
Direito Ambiental, diferentemente das áreas tradicionais do
mundo jurídico, é dotado de uma fortíssima característica
transdisciplinar, pois não reconhece fronteiras entre
diferentes campos do saber humano. Muitas áreas do
conhecimento humano estão diretamente envolvidas nas questões
ambientais e, por consequência, repercutem no contexto
normativo do meio ambiente. Em vários casos, a norma deve
incidir sobre realidades factuais e se localizam na fronteira
da investigação científica e, por isso, nem sempre a ciência
pode oferecer ao Direito a tranquilidade da certeza. Aquilo
que hoje é visto como inócuo amanhã poderá ser considerado
extremamente perigoso e vice-versa.
3.2.5.1. Gênese do Princípio da Precaução
O Princípio da Precaução tem origem no Direito Alemão e,
certamente, é uma de suas principais contribuições ao DA. Foi
na década de 70 do século XX que o Direito alemão começou a se
preocupar com a necessidade de avaliação prévia das
consequências sobre o meio ambiente dos diferentes projetos e
empreendimentos que se encontravam em curso ou em vias de
implantação. Daí surgiu a ideia de precaução. A concepção foi
incorporada no projeto de lei de proteção da qualidade do ar
que, finalmente, foi aprovado em 1974 e que estabelecia
controles para uma série de atividades potencialmente danosas,
tais como ruídos, vibrações e muitas outras relacionadas à
limpeza atmosférica. Na sua formulação original, o princípio
estabelecia que a precaução era desenvolver em todos os
setores da economia processos que reduzissem
significativamente as cargas ambientais, principalmente
aquelas originadas por substâncias perigosas.44 Outras
formulações do Princípio foram sendo cons-
ambiental, nem para avaliar o cabimento de Ação Popular na
espécie. 3 — 0 interesse público e a grave lesão à ordem, à
saúde e à economia públicas, alegados pela Agravada basearam-
se, tão-somente, na essen- cialidade do serviço de energia
elétrica e nos benefícios decorrentes da construção das Usinas
Capim Branco I e II, fatores que, mesmo somados à questão
relativa ao aspecto econômico, isoladamente, principalmente no
caso, em que não foram comprovados ou quantificados eventuais
prejuízos àqueles bens, não autorizam a Suspensão da
Segurança. 4 - Agravo Regimental rejeitado. 5 - Decisão
confirmada.
43 O sítio do Conselho da Justiça Federal
(http://www.jf.gov.br/juris/?) registra 62 entradas para
"principio da precaução”, conforme visita realizada aos
28.08.2007.
44 Http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001395/139578e.pdf,
capturado aos 13 de junho de 2007.
O Direito Ambiental
traídas e, em pouco tempo, o Vorsorgeprinzip se expandiu para
o Direito Internacional e para diversos direitos internos,
inclusive o brasileiro. Apesar disso, é importante ressaltar
que não existe ton consenso internacional quanto ao seu
significado. Contudo, é possível identificar nas diferentes
visões alguns pontos comuns, como por exemplo: "A total ban
may not be a proportional response to a potential risk in all
cases” como ressaltado no documento da Unesco elaborado sobre
a matéria.
3.2.5.2. Breve definição
Ante a inexistência de um consenso, entre estudiosos e
partes envolvidas, a respeito do conteúdo concreto do
princípio da precaução, há tendência à adoção de uma definição
negativa do princípio, ou definição do que ele não é: “To
avoid misunderstandings and confusions, it is useful to
elaborate on what the PP is not. The PP is not based on ‘zero
risks’ but aims to achieve lower or more acceptable risks or
hazards. It is not based on anxiety or emotion, but is a
rational decision rule, based in ethics, that aims to use the
best of the systems sciences' ofcomplex processes to make
wiser decisions. Finally, like any other principle, the PP in
itself is not a decision algorithm and thus cannot guarantee
consistency between cases. Just as in legal court cases, each
case will be somewhat different, having its own facts,
uncertainties, circumstances, and decision-makers, and the
element of judgment cannot be eliminated
Desnecessário dizer que, ao se estabelecer a precaução como
principio, esta não pode ser interpretada como uma cláusula
geral, aberta e indeterminada. É necessário que se defina o
que se pretende prevenir e qual o risco a ser evitado. Isto,
contudo, só pode ser feito diante da análise das diferentes
alternativas que se apresentam para a implementação ou não de
determinado empreendimento ou atividade, A precaução,
inclusive, deve levar em conta os riscos da não-implementação
do projeto proposto.
Rodrigues expressa muito bem a concepção de boa parte da
doutrina: “Tem se utilizado o postulado da precaução quando
pretende-se evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos
de incerteza científica acerca da sua degradação. Assim,
quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao
meio ambiente acerca de qualquer conduta que pretenda ser
tomada (ex. liberação e descarte de organismo geneticamente
modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou
defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.),
incide o princípio da precaução para prevenir o meio ambiente
de um risco futuroZ’45
Na verdade, na concepção acima, há uma visão unilateral do
risco e este é confundido com o próprio dano. Se tomarmos como
exemplo o DDT, que vem sendo fortemente combatido desde a
publicação de Silent Spring de Rachel Carson,40 em função de
alegados danos à saúde humana e ao meio ambiente, poderemos
ver que a
45 Marcelo Abelha Rodrigues, Insátuições de Direito Ambiental,
Vol. J (parte geral), São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 150.
46 Http://www.rachelcarsorLorg/.
Direito Ambiental
sua virtual eliminação causou danos muito maiores do que a
continuidade de seu uso de forma adequada, conforme tem sido
reconhecido por pesquisadores da área médica quando
relacionados com os problemas de malária: “O controle
sistemático de combate aos vetores da doença iniciou-se na
Amazônia, em 1945, nas localidades de Breves e Santa Mônica,
Pará. Em setembro de 1947, já havia sido utilizado em outras
locahdades do estado, no estado do Amazonas e em Guaporé
(atual Rondônia) e Amapá, territórios federais na época.
Segundo Roberts, o reaparecimento da malária na América do Sul
deve-se ao fato de os países terem deixado de utilizar DDT nos
programas de controle. Os dois únicos países onde a malária
não reapareceu foram Venezuela e Equador, devido ao fato de o
DDT não ter sido proibido. Alguns mala- riologistas argumentam
que a aplicação dentro de residências, que seria prejudicial à
saúde humana, não é convincente. E que em vários países o uso
de inseticidas orga- noclorados é o único meio economicamente
viável de controle, assim como para a leishmaniose. Seus
escassos orçamentos para as campanhas de saúde não
possibilitariam substituir satisfatoriamente os inseticidas
organoclorados, tendo em vista os preços mais elevados de
possíveis alternativas. ”47
Um dos pontos centrais da argumentação em favor de uma
aplicação maximalista do Princípio da Precaução é a chamada
equidade intergeracional, de forma que as nossas ações
presentes devem ser pautadas por um comportamento ético em
relação às gerações do porvir.
Kiss,48 justamente considerado um dos maiores autores
mundiais do Direito Ambiental, com o pragmatismo cartesiano
que caracteriza a cultura francesa, assim trata do assunto: “O
enfoque inicial do direito das gerações futuras levou à
conclusão de que o direito buscou proteger as opções que temos
atualmente e procurou transmiti-las às gerações futuras.
Entretanto, essa abordagem não é necessariamente satisfatória
porque coloca excessiva ênfase nos deveres da geração
presente. Não considera o fato de que a própria natureza do
conceito exige que seja aplicado ao longo dos séculos. Como
pode a mesma quantidade de espaço, de regiões naturais, de
água limpa, de animais selvagens ser garantia para infinitas
gerações com número cada vez maior de indivíduos? Deve o mundo
ser transformado em um museu ocupado sempre com maior número
de monumentos, de artefatos e locais históricos? Mesmo se a
humanidade atual pudesse aceitar essa abordagem, não poderia
ser aceitável para as gerações futuras. Como podemos saber as
preferências das gerações futuras daqui a, por exemplo,
cinquenta ou cem anos?”
Como ainda não temos a capacidade de prever o futuro, é
extremamente difícil imaginarmos qual o pensamento das
gerações de amanhã com as nossas atitudes de hoje. Aliás, do
ponto de vista ético, a prevenção do que ainda não ocorreu é
muito
47 Claudio D'AMATO; João P. M TORSES; Olaf MALM,. DDT
(dicMorodiphenyitrichloroethane): toxicity and environmental
contamnation - a review. Quito. Nova., São Paulo, v. 25, n.
6a, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scieIo.php?script=sd_amext&pid=SO 100
40422002000600017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 June 2007.
Pré~publicação.
48 Alexandre Kiss. Os direitos e interesses das gerações
faturas e o princípio da precaução, in Marcelo Dias Va- reüa e
Ana Flavia Barros Plautau. Princípio da precaução. ESMPU/Del
Rey: Belo Horizonte. 2004, p. 7 {2).
“““ I
complexa, pois o futuro pode não ser exatamente como
imaginamos que ele será. Um excelente ensaio sobre a questão
da previsão do faturo e da antecipação do que poderá ocorrer
nos é dado pelo notável conto Minority Report.4®
Na versão cinematográfica, a história é mais ou menos assim:
"Washington D.C., 2054. Há seis anos que se encontra em
funcionamento o departamento poúcial de Pré-Crime, que recorre
a três indivíduos com poderes psíquicos que, Hgados a um
sistema informático, conseguem prever com exatidão a
ocorrência de homicídios. Tal leva a uma virtual erradicação
destes crimes em Washington e há planos para ampliar o
programa para todos os Estados Unidos. John Anderton (Cruise),
o chefe do departamento, dedica-se de corpo e alma ao projeto,
no qual acredita piamente, depois de uma tragédia que levou à
desintegração da sua família. Danny Witwer (Farrell) é um
agente do FBI determinado a encontrar falhas no sistema, antes
do mesmo passar a ter âmbito nacional. Certo dia, Anderton vê-
se forçado a pôr em causa o sistema em que depositou a sua fé
e a fugir para conseguir provar ser inocente de um crime que
ainda não cometeu”50
Ainda que voltado para o Direito Penal, as circunstâncias do
conto podem ser pensadas em termos de precaução ambiental e da
sua relação com os princípios constitucionais da presunção de
inocência, do devido processo legal e muitos outros. Será que
o Princípio da Precaução pode ser alargado até o ponto de
criar uma presunção de culpa antes do evento danoso ter
ocorrido? Será que a simples possibilidade de determinadas
atividades virem a ser exercidas e a inexistência de uma
certeza absoluta quanto aos seus efeitos podein determinar uma
presunção de nocividade? Estas são questões que ainda não
foram respondidas.
* * *
Um aspecto do Princípio da Precaução que tem sido muito
pouco ressaltado é que prevenir riscos ou danos implica
escolher quais os riscos ou danos pretendemos prevenir e quais
aceitamos correr. Se feita racionalmente a escolha,
escolheremos o risco menor em preferência ao maior. Contudo,
nem sempre as escolhas são feitas racionalmente, pois a
percepção do risco nem sempre guarda alguma relação com o
risco real e, muitas vezes, a escolha é feita com base na
percepção è não no risco real. Pensemos no seguinte exemplo: O
risco de se morrer afogado ao se tomar banho em lima banheira
é, por exemplo, inúmeras vezes maior do que o risco de
acidente nuclear, que é de 10-14. Segundo o Harvard Center for
Risk Analisys,51 um tenor de banheiro corre o risco de 1 em
840.000 chances de morrer afogado. Muito maior do que o “risco
nuclear”. Por outro lado, ser atingido por um raio implica um
risco de 1 para 3 milhões, segundo a mesma fonte.
49 Phillip K. Dick Minority Report: a nova lei (tradução de
Ana Luiza Borges). Rio dé Janeiro: Record. 2002,
pp. 11-62.
50 Http://www.cinedíe.com/mmority_report-hcm) capturado aos 15
de junho de 2007.
51 Http://www.hcra.harvard,edu/quiz.html, capturado aos 14 de
junho de 2007.
Direito Ambiental
Se com base no Princípio da Precaução tomamos uma atitude
contrária à energia nuclear, não podemos utilizá-lo contra os
combustíveis fósseis, visto que consideramos como risco maior
a energia nuclear. Por outro lado, se o utilizamos contra os
combustíveis fósseis, pois temos fundados receios quanto ao
aquecimento global, não podemos nos insurgir contra as
hidrelétricas. Contudo, julgamos necessário que o princípio da
precaução seja utilizado para a defesa da diversidade
biológica, logo não podemos argumentar contra o nuclear ou os
combustíveis fósseis. Na verdade, tais dilemas só existem
quando não estamos preparados, como sociedade, para enfrentar
os custos de nossas decisões e fazer as escolhas necessárias,
arcando com as consequências que daí advêm. A incapacidade de
escolher nos leva à paralisia, como no poema da grande Cecília
Meireles.
Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem
chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não
se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, quem ãca no chão não sobe
nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em
dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e
gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . . e vivo escolhendo o
dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico
tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou
aquilo.
Hoje é uma prática recorrente que, em matéria de prevenção
de risco, se opere com o chamado cenário do pior caso. Até que
ponto isto é racional? O pior cenário é uma probabilidade, não
uma fatalidade. Entretanto, a consideração da probabilidade
nem sempre é levada em conta e a mera possibilidade de danos
se transforma em dano atual e não meramente potencial.
“Probability neglect is especially large when
I
ts&J - tnsno 5®ers5r8asaa Juns&s
O Direito Ambiental I
people focus on the worst possible case or otherwise are
subject to strong emotion”, conforme o lúcido comentário de
Sunstein. 52
Um exemplo interessante que Sunstein oferece é o caso da
proibição e substituição dos asbestos nas escolas de Nova
Iorque. Segundo o autor, a medida era muito popular e, na
verdade» foi solicitada pelos pais do alunos. Como ele nos
informa, o risco de uma criança contrair câncer devido aos
asbestos era 1/3 do risco de que ela fosse atingida por um
raio. “But when it emerged that the removal would cause
schools to be closed for a period of weeks, and when the
closing caused parents to become greatly inconvenienced,
parental attitudes turned right around, and asbestos removal
seemed like a really bad idea. As the costs of the removal
came onscreen, parents thought much more like experts, and the
risks of asbestos seemed tolerable. Statistically small, and
on balance worth incurring.”53 Não se tome a afirmativa como
verdade absoluta, mas pensemos um pouco sobre ela.
Em nossa vida diária buscamos evitar os riscos conhecidos,
muito embora não vivamos tentando evitar os riscos
desconhecidos - ou as surpresas. Evitamos andar em locais cujo
índice de criminalidade seja elevado, muito embora não
demonstremos preocupação ao caminharmos no Jardim Botânico. A
segunda hipótese indica uma preocupação desnecessária.
Admitimos que algo possa ocorrer, todavia a probabilidade é de
tal maneira remota que não chega a justificar uma preocupação
real. As balas perdidas são motivos suficientes para que não
saiamos de casa?
A mesma lógica deve presidir a aplicação do chamado
princípio da precaução, se é que estejamos falando do
princípio como medida racional para evitar danos possíveis e
prováveis. Não se pode esquecer, também, o papel que o
princípio exerce como um elemento relevante na guerra
comercial entre empresas e países.
3.2.53. Rio 92 e Princípio da Precaução
O grande lançamento internacional do Princípio da Precaução
ocorreu com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - CNU- MAD, que ficou conhecida
como Rio 92. Na oportunidade, foi proclamada a Declaração do
Rio que, muito embora não seja juridicamente vinculante para
os seus signatários, tem gozado de enorme prestígio e servido
de inspiração para grande parte das normas que foram
produzidas posteriormente.
O Princípio da Precaução foi redigido como o princípio
número 15 da Declaração do Rio da seguinte maneira: “De modo a
proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas
capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis. a ausência de absoluta certeza científica
[grifo PBA] não deve ser utilizada como razão para pos
52 Cass R. Sunstein, laws of Fear — Beyond the Precautionary
Principle, Cambridge: Cambridge University Press. 2005.
53 Cass R. Sunstein, Laws of Fear - Beyond the Precautionary
Principle, Cambridge: Cambridge University Press. 2005, p.
48.
Direito Ambiental
tergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir
a degradação ambiental”.
Vários documentos internacionais dotados de força
obrigatória têm expressamente assumido o Princípio da
Precaução como um de seus fundamentos. Permito- me citar
alguns:
Protocolo de Cartagena: É um documento internacional que
encontra suas origens na Convenção sobre Diversidade
Biológica, cujo objetivo fundamental é estabelecer normas de
biossegurança no que se refere à transferência, à manipulação
e ao uso dos organismos vivos modificados (OVMs) resultantes
da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica,
levando em conta os riscos para a saúde humana, decorrentes do
movimento transfronteira. Tal documento foi promulgado pelo
Decreto 5.705, de 16 de fevereiro de 2006.
Convenção de Estocolmo Sobre Poluentes Orgânicos
Persistentes. Tal Convenção, promulgada pelo Decreto 5.472, de
20 de junho de 2005, estabelece em seu artigo lô que: “Tendo
presente o Principio da Precaução consagrado no Princípio 15
da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o
objetivo da presente Convenção é proteger a saúde humana e o
meio ambiente dos poluentes orgânicos persistentesEsta mesma
Convenção, na sua Parte IV, reconhece que a utilização das
melhores técnicas disponíveis para prevenir a liberação de
poluentes orgânicos persistentes deve levar em conta uma
análise custo-benefício quando da aplicação de medidas de
precaução e prevenção. "O conceito de melhores técnicas
disponíveis não está dirigido a uma técnica ou tecnologia
específica, mas deve levar em conta as características
técnicas da instalação em questão, sua localização geográfica
e as condições ambientais locais. As técnicas apropriadas de
controle para reduzir hberações das substâncias químicas
relacionadas na Parte I são em geral as mesmas. Na
determinação das melhores técnicas disponíveis, consideração
especial deve ser dada, em geral ou em casos específicos, aos
seguintes fatores, tendo em mente os prováveis custos e
benefícios de uma medida e as considerações de precaução e
prevenção fgrifo PBA1. ” 54
O artigo le refere-se à abordagem da precaução, o que
claramente indica uma forma de compreender o problema, não uma
norma jurídica cogente. “De acordo com a abordagem de
precaução [grifo PBA] contida no Princípio 15 da Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o objetivo do
presente Protocolo é de contribuir para assegurar um nível
adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação
e do uso seguro dos organismos vivos modificados resultantes
da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na
conservação e no uso sustentável da diversidade biológica,
levando em conta os riscos para a saúde humana e enfocando
especificamente os movimentos transfronteiriços. Observa-se
54 Http://ww\v2.mre.gcv.br/daj/in__5472_2005.htm, capturado
aos 13 de junho de 2Ó07.
O Direito Ambiental j
que o Protocolo “encoraja” as Partes a levarem em consideração
os avanços científicos com vistas à proteção do meio ambiente
e da saúde humana: “As Partes são encorajadas a levar em
consideração, conforme o caso, os conhecimentos
especializados, os instrumentos disponíveis e os trabalhos
realizados nos fóruns internacionais competentes na área dos
riscos para a saúde humana.”
Verifica-se, sem grande dificuldade, que a comunidade
internacional tem oscilado na adoção do nomen jurís princípio
da precaução, abordagem de precaução e considerações de
precaução, sendo certo que a denominação princípio tem sidp
adotada preferentemente em documentos em força obrigatória.
Uma primeira exegese do texto do princípio n? 15 da
Declaração do Rio nos indica que:
(i) O critério da precaução não é um critério (princípio)
definido pela ordem internacional, mas, ao contrário, é um
princípio que se materializa na ordem interna de cada
Estado, na exata medida das capacidades dos diferentes
Estados. Ou seja, a aplicação de tal princípio deve levar em
conta o conjunto de recursos disponíveis, em cada um dos
Estados, pa^a a proteção ambiental, considerando as
peculiaridades locais. Em outras palavras, as medidas
adotadas para prevenir a poluição atmosférica em Hamburgo
não são as mesmas necessárias para uma pequena cidade no
interior da Costa Rica.
(ii) A dúvida sobre a natureza nociva de uma substância não
deve ser interpretada como se não houvesse risco. A dúvida,
entretanto, não se confunde com a mera opinião de leigos ou
"impressionistas”. A dúvida, para fins de que se impeça uma
determinada ação, é fundada em análises técnicas e
científicas, realizadas com base em protocolos aceitos pela
comunidade internacional. O que tem ocorrido é que; muitas
vezes, uma opinião isolada e sem a necessária base
científica tem servido de pretexto para que se interrompam
projetos e experiências importantes. Dúvida é um elemento
fundamental no avanço da ciência, pois sem ela ainda
acreditaríamos na quadratura da Terra. Todo conhecimento
científico é sujeito à dúvida. O que não admite a dúvida é o
dogma religioso que pertence a um domínio diferente da vjda
humana, que é o campo da fé. É evidente que, se do ponto de
vista científico existir uma dúvida - que não se confunde,
repita-se, com um palpite -, as medidas de precaução deverão
ser tomadas.
O princípio não determina a paralisação da atividade, mas
que ela seja realizada com os cuidados necessários, até mesmo
para que o conhecimento científico possa avançar e a dúvida
ser esclarecida.
O grupo ambientalista Greenpeace define o princípio da
seguinte forma: “Não emita uma substância se não tiver provas
de que ela não irá prejudicar o meio ambiente.*55 A
compreensão, em meu ponto de vista, é equivocada, pois a
quanti
55 Jeremy Legget (org.), Aquecimento global— o relatório do
Greenpeace, Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 425.
Direito Ambiental
dade de substâncias inócuas para o meio ambiente é muito
pequena, talvez inexistente, Por outro lado, não existe
nenhuma certeza de que uma determinada substância não irá
prejudicar o ambiente, pois a verdade científica é
historicamente determinada, mediante a adoção de certos
critérios aceitos pela comunidade científica internacional.
Não há atividade humana que possa ser considerada isenta de
riscos; o que a humanidade faz, em todas as suas atividades, é
uma análise de custo e benefício entre o grau de risco
aceitável e o benefício que advirá da atividade. Se vou
almoçar em um restaurante, não tenho nenhuma garantia de que a
minha refeição não será envenenada. Entretanto, considero a
qualidade do restaurante, o fato de que não possuo — ou julgo
não possuir inimigos que fossem capazes de me envenenar - e
considero desprezível a possibilidade de que o cozinheiro seja
louco para colocar veneno no prato de refeição. Portanto,
almoço em um restaurante. Caso estivesse ocorrendo uma onda de
envenenamentos em restaurantes, a situação seria totalmente
diversa. Se estudos preliminares demonstram ser muito pequena
a possibilidade de um dano, nada justifica que a medida não
seja tomada, até para que possa servir como medida de estudo.
3.2.5.4. Constituição e Princípio da Precaução
O surgimento das questões ambientais no mundo do Direito é
um fato extremamente importante e que tem gerado as mais
relevantes consequências na vida prática das pessoas e
empresas. É indiscutível que as justas necessidades da
proteção do meio ambiente precisam se compatibilizar com os
princípios constitucionais que regem a ordem jurídica
democrática, muito embora nem sempre isto ocorra. De fato, a
proteção ao meio ambiente deve ser entendida dentro do
conjunto de normas e princípios constantes da Constituição e
da ordem jurídica em geral, harmonizando- se com o texto
constitucional. Como se sabe, não há, em princípio, hierarquia
entre os diversos direitos e garantias assegurados pela Norma
Fundamental aos cidadãos, gozando todos a mesma dignidade
constitucional.
A CF, por força do artigo l2, III, erigiu a “dignidade da
pessoa humana” como um dos princípios fundamentais da nossa
República. Isto significa que, do ponto de vista jurídico-
ambiental, o constituinte originário fez uma escolha
indiscutível pelo chamado antropocentrismo, ou seja, entendeu
que o Ser Humano é o centro das preocupações constitucionais e
que a proteção do meio ambiente se faz como uma das formas de
promoção da dignidade humana. Aliás, isso resulta claro da
simples leitura do caput do artigo 225, quando é estabelecido
o dever de defesa e preservação do meio ambiente para as
“presentes e futuras gerações” Os princípios do direito
ambiental, quando analisados sob o ponto de vista
constitucional, são princípios setoriais (pois pertencentes a
um único ramo do direito) e que devem se submeter aos
princípios constitucionais mais amplos. O chamado princípio da
precaução é, assim, um princípio setorial que não pode se
sobrepor aos princípios constitucionais mais abrangentes como
aqueles previstos no artigo Ia da CF, devendo ser harmonizados
com os demais princípios, tais como a ampla defesa, a isonomia
e tantos outros.
O Direito Ambiental
Em termos práticos, como se deve proceder diante de uma
fundada incerteza quanto aos efeitos que uma determinada
intervenção sobre o meio ambiente pode acarretar? Como deve
ser aplicado o princípio da precaução? Em primeiro lugar, há
que se consignar que o princípio da precaução encontra uma
expressão concreta nos sete incisos do § l2 do artigo 225 da
CF, ou seja, naqueles incisos existem determinações para que o
Poder Público e o legislador ordinário definam meios e modos
para que a avaliação dos impactos ambientais seja realizada e
que sejam evitados - tanto quanto possível - danos ao meio
ambiente. Fora dessas circunstâncias, a aplicação do princípio
da precaução não pode ocorrer de forma imediata e sem uma base
legal que a sustente.
A expressão normativa do princípio da precaução se
materializa nas diversas normas que determinam a avaliação dos
impactos ambientais dos diferentes empreendimentos capazes de
causar lesão ao meio ambiente, ainda que potencialmente. Não
há qualquer previsão legal para uma aphcação genérica do
princípio da precaução, sob o argumento de que os superiores
interesses da proteção ambiental assim o exigem. De feto, é
muito comum que, na ausência de norma específica para o
exercício de uma determinada atividade, a administração
pública se socorra de uma equivocada interpretação do
princípios da precaução para criar obstáculos a tal atividade,
violando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, da prevalência dos valores do trabalho e da hvre-
iniciativa e frustrando os objetivos ümdamentais da República,
quais sejam, garantir o desenvolvimento nacional (CF, art. 35,
II) e erradicar a pobreza e marginalização (CF, art. 3Q, III).
Juridicamente, o princípio da precaução, como mero princípio
setorial, não pode se sobrepor, por exemplo, aos princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, art. I2, III), dos valores
sociais do trabalho e da Iivre-ini- ciatíva (CF, art. I3, IV).
Isso para não se falar na impossibilidade de sobreposição de
outros princípios setoriais, tais como o da legalidade (CF,
art. 37), com os quais deve se harmonizar, visto que
hierarquicamente nivelados.
A única aplicação juridicamente legítima que se pode fazer
do princípio da precaução é aquela que leve em consideração as
leis existentes no País e que determine a avaliação dos
impactos ambientais de uma certa atividade, conforme a
legalidade infraconstitucional existente. Infelizmente, tem
havido uma forte tendência a se considerar que o princípio da
precaução é um superprincípio que se sobrepõe aos princípios
fundamentais da República, tal como estabelecidos pela própria
CF, o que, evidentemente, é uma grave ruptura da legalidade
constitucional e prova de precário conhecimento jurídico. Ante
a possível existência de conflito entre uma norma legal
expressa e um princípio setorial, há que prevalecer a norma
positivada, salvo se ela se apresentar maculada pela
inconstitucíonalidade. Observe-se que, no caso, não se trata
propriamente da prevalência de um princípio setorial, mas de
uma afronta à Constituição, o que é uma preliminar
inafastável.
O princípio da precaução tem sido prestigiado pelo
legislador brasileiro que, em muitas normas positivadas,
determina uma série de medidas com vistas à avaliação dos
impactos ambientais reais e potenciais gerados pelos
diferentes empreendimentos. Ainda que extremamente relevante -
o que é reconhecido por toda a doutrina brasileira e pelo
nosso ordenamento jurídico o princípio da precaução não é
dota-
Direito Ambiental
do de normatividade capaz de fazer com que ele se sobreponha
aos princípios da legalidade (um dos princípios setoriais
reitores da administração pública) e, especialmente, aos
princípios fundamentais da República, repita-se. A aplicação
do princípio da precaução somente se justifica
constitucionalmente quando observados os princípios
fundamentais da República e ante a inexistência de norma capaz
de determinar a adequada avaliação dos impactos ambientais.
Fora de tais limites, a aphcação do princípio da precaução se
degenera em simples arbítrio.
3.2.5.5. Princípio da Precaução e litígios judiciais
Como foi visto acima, o princípio da precaução tem sido
bastante invocado judicialmente. Em linhas gerais, podemos
identificar três tendências judiciárias, a saber: (i) posição
maximalista, (ii) posição minimalista e (iii) posição
intermediária. A posição maximalista é aquela que entende que
o Princípio da Precaução é aplicável como medida cautelar
independentemente da natureza dos danos que teoricamente devem
ser evitados. O maximalismo trata o Princípio da Precaução
como um princípio que ultrapassa os demais e não é limitado
por nenhum tipo de norma legal ou administrativa que o
anteceda. Já a concepção minimalista é aquela que afasta quase
que completamente a aphcação do Princípio da Precaução, pois
considera que as necessidades econômicas são mais relevantes
e, portanto, devem ser consideradas como prioritárias.
A posição intermediária busca estabelecer um mecanismo de
equilíbrio entre todos os diferentes aspectos envolvidos no
caso concreto, privilegiando a racionalidade e a solução de
compromisso entre os diferentes atores. Para tal concepção, o
Princípio da Precaução não pode ser considerado como um
instrumento de paralisação das atividades e das pesquisas. Ela
determina á adoção de medidas de controle e monitoramento para
a realização de uma determinada atividade, jamais a sua
paralisação pura e simples, salvo com a possibilidade real de
existência concreta de danos.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, por diversas vezes,
tem enfrentado a questão da aphcação do Princípio da
Precaução. Não há, contudo, uma interpretação uniforme na
Corte sobre o seu signifícado e, sem dúvida alguma, as
decisões têm sido muito influenciadas pelas circunstâncias
econômicas concretas e pelas condições de competitividade da
economia europeia dentro da realidade de mercado de cada um
dos diferentes produtos.56 Merece ser sublinhado que a União
Europeia57 reconhece expressamente o Princípio da Precaução
como um dos instrumentos de análise de suas políticas
ambientais, conforme disposição constante do artigo 174 do
Tratado de
56 Http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-
bin/form.pl?lang=pt&Subniit=Pesquisar&alldocs=all-
docs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&docjo=docjo&numaff=&d
atefs=&datefe=&n.omu-
suel=&domame=&mots=%22principio+da+precau%C3%A7%C3%A3o%22&re
smax=100, capturado aos
13 de junho de 2007.
57 http ://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2Q06/ce32
l/ce32120061229pt00010331.pdf, capturado aos
14 de junho de 2007.
O Direito Ambiental
Maastricht,58 muito embora a interpretação do princípio seja
ponto de relevantes controvérsias: “Embora as instituições
comunitárias possam, no âmbito da Diretiva 70/524, adotar uma
medida fundada no princípio da precaução, as partes não estão
aqui, todavia, de acordo sobre a interpretação deste princípio
e sobre a questão de saber se as instituições comunitárias o
aplicaram corretamente no caso vertente. ” Isto significa que
mesmo onde o Princípio da Precaução é expressamente admitido
como uma fonte de direito a questão é problemática. Aliás,
mesmo na Europa não há uma definição consensual quanto ao seu
significado: "Nem o Tratado nem o direito derivado aplicável
ao caso sub judice contêm qualquer definição do princípio da
precaução”,
Os riscos, como definido pelo Tribunal, não podem ser meras
alegações sem uma base fática ou científica sólida: “Do mesmo
modo, no contexto da aplicação do princípio da precaução, que
corresponda por hipótese a uma situação de incerteza especí-
fica, não se pode exigir que uma avaliação dos riscos forneça
obrigatoriamente às instituições comunitárias provas
científicas concludentes da realidade do risco e da gravidade
dos efeitos adversos potenciais em caso de efetivação deste
risco [grifo PBA]...
Todavia, resulta igualmente da jurisprudência já referida no
n 152 supra que uma medida preventiva não pode ser validamente
8

fundamentada por uma abordagem puramente hipotética do risco.


assente em meras suposições ainda não cientificamente
verificadas [grifo PBA] ...”
Resulta, pelo contrário, do princípio da precaução, como
interpretado pelo juiz comunitário, que uma medida preventiva
só pode ser tomada se o risco, sem que a sua existência e o
seu alcance tenham sido demonstrados plenamente por dados
científicos concludentes, estiver, no entanto, suficientemente
documentado com base nos dados científicos existentes no
momento da tomada desta medida.
A tomada de medidas, mesmo preventivas, com base numa
abordagem puramente hipotética do risco, seria tanto mais
inadequada num domínio como o caso em apreço. Com efeito,
neste domínio, e as partes estão de acordo, não pode existir
um nível de “risco zero", na medida em que não pode ser
cientificamente provada a ausência total do menor risco atual
ou fhturo relacionado com a adição de antibióti-
58 “1. A política da Comunidade no domínio do ambiente
contribui para a prossecução dos seguintesi objetivos: - a
preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente,
- a proteção da saúde das pessoas,
- a utilização prudente e racional dos recursos naturais, - a
promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a
enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente. 2. A
política da Comunidade no domínio do ambiente tem por objetivo
atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diver-
sidade das situações existentes nas diferentes regiões da
Comunidade. Baseia-se nos princípios da precaução e da acção
preventiva, no prindpio da correção, prioritariamente na
fonte, dos danos causados ao ambiente e no princípio do
poluidor-pagador. Neste contexto, as medidas de harmonização
destinadas a satis- fazer exigências em matéria de proteção do
ambiente incluem, nos casos adequados, uma cláusula de
salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões
ambientais não econômicas, medidas provisórias sujeitas a um
processo de controlo por parte da Comunidade. 3. Na elaboração
da sua política no domínio do ambiente, a Comunidade tem em
conta: - os dados científicos e técnicos disponíveis,
- as condições do ambiente nas diversas regiões da Comunidade,
- as vantagens, e os encargos que podem resultar da atuação ou
da ausência de actuação, - o desenvolvimento econômico e
social da Comunidade no seu conjunto e o desenvolvimento
equilibrado das suas regiões.”
Direito Ambiental
cos nos alimentos para animais. Aliás, tal abordagem seria
aqui ainda menos adequada porque a legislação já prevê, como
uma das expressões possíveis do princípio da precaução, um
procedimento de autorização prévia dos produtos em causa...
Assim, o princípio da precaução só pode ser aplicado em
situações de risco, nomeadamente para a saúde humana, que, sem
se fundar em meras hipóteses cientificamente não verificadas,
não pôde ser ainda plenamente demonstrado.
Nesse contexto, o conceito de "risco” corresponde, portanto,
a uma função da probabilidade dos efeitos adversos para o bem
protegido pela ordem jurídica em razão da utilização de um
produto ou de um método. O conceito de ‘'perigo” é, aqui,
utilizado comumente num sentido mais amplo e descreve qualquer
produto ou método que possa ter um efeito adverso para a saúde
humana...”
Penso que no caso concreto o Tribunal adotou uma posição
intermediária, haja vista que desconsiderou alegações sem
fundamento e, na medida do possível, busca decidir com base em
elementos de convicção lastreados em base científica.
No Brasil, um dos tribunais que tem decidido mais matérias
nas quais o Princípio da Precaução é invocado é o Tribunal
Regional Federal da 1® Região* A seguir, passo a examinar
alguns casos.
* * *
Decidiu a Sexta Turma caso no qual empresa minèradora,
atuando sem a devida autorização administrativa, foi autuada.
A autuação foi mantida pela Corte com base no Princípio da
Precaução,59 conforme se depreende do seguinte aresto: “CONS-
TITUCIONAL., ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. AUSÊNCIA DE A UTORIZAÇÃO.
CÓDIGO DE MINERAÇÃO (DL 227/67). LEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO.
PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE
PRODUÇÃO MINERAL - DNPM. TUTELA PROCESSUAL-CA UTELAR DO MEIO
AMBIENTE (CF, ART. 225, CAPUT). LEGALIDADEE
CONSTITUCIONALIDADE. I - Nos termos do Código de Mineração (DL
227/67), o aproveitamento das jazidas depende de alvará de
autorização de pesquisa, do Diretor-Geral do DNPM, e de con-
cessão de lavra, outorgada pelo Ministro de Estado de Minas e
Energia. II-A autuação, pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral, de empresa que explora jazidas de minério, sem a
necessária autorização, encontra-se em sintonia com a tutela
constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda
coletividade o dever de defender e preservar, para as
presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente
equiUbrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito
difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art.
225, caput). III - Ademais, a medida administrativa, em
comento, harmoniza-se com o princípio da precaução, já consa-
grado em nosso ordenamento jurídico, inclusive com status de
regra de direito inter
59 AMS 2003.38.00.053528-2/MG; APELAÇÃO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE. SEXTA
TURMA. DJU: 14/05/2007, p. 161.
O Direito Ambiental
nacional, ao ser incluído na Declaração do Rio, como resultado
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento - Rio/92, como determina o seu Princípio 15,
nestas letras: — Com a finalidade de proteger o meio ambiente,
os Estados devem aplicar amplamente o critério da precaução,
conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave
ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá
ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes
para prevenir a degradação ambiental.3IV - Apelação desprovida.

A hipótese acima cuida de mero desrespeito aos regulamentos
administrativos e não de incerteza científica. As normas de
Direito Administrativo, seguramente, eram suficientes para dar
adequado tratamento jurídico ao problema sem o recurso ao
Princípio da Precaução e o seu desgaste em caso no qual foi
confundido um dever geral de cuidado em relação ao meio
ambiente que se impõe à Administração Pública, sobretudo ante
a inexistência de autorizações administrativas legalmente
existentes, o que demonstra que a atividade que vinha sendo
exercida era clandestina.
* * *
Decisão do TRF1 entendeu que a participação do IBAMA em
determinado procedimento de licenciamento ambiental que
originariamente tramitava perante órgão estadual de meio
ambiente justificava-se em função da aplicação do PP, pois no
entendimento do acórdão a existência de potencial hidrotermal
seria suficiente para impor a atuação do órgão ambiental
federal. Antes de tecer comentários à decisão, permito-me
transcrever-lhe a ementa: “AMBIENTAL. CONSTITUCIONAL 60 PRO-
CESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. ATUAÇÃO CONJUNTA DO
IBAMA E DA FEMAGO NO PROCEDIMENTO DE CONCESSÃO DE LICENÇA DE
OPERAÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE CORUMBÁ I ~FURNAS. ATIVIDADE
POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL.
ART. 10, § 4% DA LEIN* 6.938/89. PERMANÊNCIA DO DEPARTAMENTO
NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL - DNPMNA DEMANDA. PRECEDENTES. 1.
A construção de usina hidrelétrica nas proximidades do
complexo hidrotermal de Caldas Novas/GO épotencialmente
causadora de significativo impacto ambiental, situação esta
que legitima a participação do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
juntamente com a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Goiás -
FEMAGO, no procedimento de concessão de licença de operação da
Usina Hidroelétrica de Corumbá I. 2. A aplicação do princípio
da precaução evidencia a participação do IBAMA no processo de
licenciamento de Usinas Hidroelétricas, visando à efetiva
fiscalização de eventual ocorrência de danos ambientais
irreparáveis ao potencial de energia elétrica e à região do
aquífero termal de Caldas Novas íart. 10. § 4?. da Lei ns
6.938/81). [grifo PBA] 3. O
60 AC 2000.01.00.082775-2/GO; APELAÇÃO CÍVEL. Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS. Relator designado:
JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA. QUINTA TURMA. DJU:
20/03/2006, DJ, p. 88.
Direito Ambiental
DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral deve ser
mantido na demanda, por ser responsável pela fiscalização da
atividade mineradora no Brasil e por ser igualmente
responsável pelo planejamento e fomento da exploração e do
aproveitamento dos recursos minerais (art. 38 da Lei ns
8.876/94 e Decreto-lei n2 227/67). 4. Apelações do IBAMA e do
DNPM a que se nega provimento. ”
No caso transcrito, verifica-se que o Tribunal entendeu
aplicável o PP em hipótese na qual o cerne da discussão era a
competência administrativa para o licenciamento de usina
hidrelétrica situada nas proximidades de fonte hidrotermal, A
participação do IBAMA, em tal licenciamento, não encontra
suporte legal. De fato, nem o § 49 do artigo 10 da Lei n2
6.938, de 31 de agosto de 1981, nem a Resolução Conama ne 237,
de 19 de dezembro de 1997, não contemplam a intervenção do
Ibama em licenciamento ambiental pelo simples fato de o
empreendimento estar situado nas proximidades de bem federal.
Mesmo o simples fato de que poderiam ser causados danos à
fonte hidrotermal não acarreta, na minha opinião, a aplicação
do PP, haja vista que a natureza da intervenção pretendida não
era capaz de gerar uma incerteza científica de tal monta que a
justificasse.
Na verdade, o licenciamento ambiental, como regra, é a
materialização do princípio da prevenção e não do Princípio da
Precaução. O Princípio, assim como qualquer princípio de
direito ambiental, é aplicado independentemente da natureza
jurídica do órgão encarregado de agir no caso concreto. Não
há, em minha opinião, qualquer nexo de causalidade entre a
aplicação de um princípio jurídico e a exclusividade de um
determinado órgão ambiental para fazê-lo.
O que houve, no caso em exame, parece-me, foi uma mera
justificação da adoção de um critério de competência, sem uma
clara base legal e um recurso ao PP como forma de contemplar o
que não tinha uma expressa previsão legal. Na hipótese, foi
adotada a posição maximalista.
* * *
O Princípio da Precaução e todas as discussões que têm
ocorrido sobre o seu conteúdo estão claramente vinculados à
incerteza científica quanto à adoção ou não de determinada
conduta ou procedimento, não registrando a doutrina a
aplicação do princípio em casos de dúvidas quanto à legalidade
da atividade. Como regra, as atividades que têm dado ensejo à
aplicação do princípio são atividades lícitas. Até porque as
ilícitas são simplesmente proibidas. As paralisações que podem
ser provocadas pela aplicação do PP são paralisações de
atividades lícitas. Contudo, o TRF 1 decidiu caso referente à
legalidade de documentação necessária ao transporte de
madeira61 com base no PP, conforme nos deixa ver o seguinte
aresto: “CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO
DE MADEIRA. PO-
61 AC 2003.41.G0.005342-5/RO; APELAÇÃO CÍVEL. Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO. Relator
designado: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE. SEXTA
TURMA. DJU: 20/11/2006, p. 109.
O Direito Ambiental
DER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DO IBAMA. TUTELA PROCESSUAL-
CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225, CAPUT). LEGALIDADE E
CONSTITUCIONALIDADE. I ~ A pretensão formulada pela autora
recorrente, no sentido de obter do Poder Judiciário a
liberação de madeira apreendida na posse de terceiro, pelo
IBAMA, no exercício do seu legítimo poder-dever de polícia,
como órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, à
míngua de comprovação da propriedade da madeira, bem como da
sua regularidade, esbarra na tutela norma- tivo-cautelar e
constitucional do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, a
que todos temos direito, como bem difuso, essencial à sadia
qualidade de vida, impondo- se, cautelarmente, ao poder
público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput). II
- Ademais. havendo dúvidas quanto à regularidade do produto,
pairando sobre ele graves suspeitas de ilegalidade, a sua
apreensão harmoniza-se com o princípio da precaução (grifo PB
Al, já consagrado em nosso ordenamento jurídico, inclusive com
status de regra de direito internacional, ao ser incluído na
Declaração do Rio, como resultado da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio/92, como
determina o seu Princípio 15, nestas letras: - Com a
finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem
aplicar amplamente o critério da precaução, conforme suas
capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou
irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser
utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para
prevenir a degradação ambiental. ’ III - Apelação desprovida.

Na hipótese concreta, apreensão de madeira por dúvida quanto
à documentação, parece-me que, salvo melhor juízo, não se
cuida da aplicação do PP, mas, isto sim, de mero exercício do
poder de polícia administrativa que, ante a não-compro- vação
cabal da legalidade do transporte e de sua documentação, se
exerce no sentido de promover uma medida cautelar
administrativa com vistas a evitar o perecimento do produto
originário de situação aparentemente irregular. Ainda que
tenha havido uma expressa invocação do PP, este não é
aplicável, tendo em vista que não se cuidava de incerteza
científica, mas de dúvida quanto à legalidade do transporte da
madeira apreendida.
* * *
Uma correta aplicação do Princípio da Precaução pode ser
observada em julgado cuja Relatora foi a Desembargadora
Federal Maria Isabel Galotti Rodrigues. A hipótese cuidava de
concessão de licença para a produção de medicamento
veterinário e a elaboração de laudo desfavorável por parte da
vigilância sanitária.62 A ementa da decisão é a seguinte:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRAÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO. LICENÇA
PARA FABRICAÇÃO DE MEDICAMENTO VETERINÁRIO; PORTARIA.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA Na301/96.1. Embora a Portaria
301/96do
62 AC 2003.34.00.013411-4/DF; APELAÇÃO CÍVEL. DESEMBARGADORA
FEDERAL MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES. SEXTA TURMA. DJU:
22/05/2006, Df, p. 164.
Direito Ambiental
Ministério da Agricultura assegure o direito à contraprova em
caso de laudo desfavorável à empresa detentora de licença para
fabricação de medicamento veterinário, a violação de tal
direito não tem como consequência o cancelamento do ato
administrativo, e a consequente autorização de venda de
produto considerado nocivo à saúde dos rebanhos nacionais,
tendo em vista o princípio da precaução e da primazia do
interesse público< que deve imperarem matérias relativas à
saúde e ao meio ambiente [grifo PBA]. 2. A consequência da
ilegalidade seria a determinação de que fosse corretamente
conduzido o procedimento, com a realização da necessária
contraprova, administrativamente ou mediante perícia judicial,
providência esta que foi frustrada pela própria Autora, que
desistiu da ação ordinária ajuizada contemporaneamente à época
dos fatos, dias após a determinação pelo juízo de que fosse
feita a referida prova, e somente ajuizou a presente ação após
o fim do prazo de validade das amostras colhidas para a rea-
lização da contraprova. 3. Apelação a que se nega provimento
No caso em tela, houve a produção de um laudo desfavorável à
produção de determinado medicamento veterinário e a não-
liberação do produto para comercialização. Argumentava a parte
interessada que, ante a necessidade de realização de
contraprova para a proibição definitiva do produto, este
deveria ser liberado. No caso vertente, o laudo oficial gerou
uma presunção de nocividade do produto que, muito embora não
seja uma presunção absoluta, somente pode ser desconstituida
por um novo laudo que confirme a salubridade do produto e o
recomende para a liberação. É uma hipótese clara de incerteza
científica e de paralisação temporária da atividade enquanto
perdurarem as conclusões oficiais. O PP foi adequadamente
aplicado. Na hipótese examinada, ocorreu a aplicação do PP de
forma intermediária e equilibrada e, sobretudo, foram
considerados aspectos não apenas ambientais, mas, inclusive,
de saúde pública.
3.2.5.6. Princípio da Precaução: a busca de um conceito
operacional
Parece evidente que a inexistência de um consenso sobre o
Princípio da Precaução é uma questão grave que precisa ser
enfrentada de forma concreta, com vistas ao estabelecimento de
um conceito que seja operacional, de forma que o princípio não
se reduza a uma subalterna condição de mero instrumento
voltado para a inação administrativa e política, como vem
sendo o resultado de sua interpretação maximalista. Fato é que
o grau de abstração e, até mesmo, de devaneio com que o
Princípio tem sido tratado tem colocado na ordem do dia a
candente necessidade de dar-lhe vim perfil adequado e de que
sejam definidas diretrizes mínimas capazes de atribuir alguma
certeza com relação ao seu conteúdo e que ele deixe de ter um
conteúdo marcadamente lotérico.
A União Europeia,63 em apoio a diversas instituições, tem
buscado estabelecer diretrizes para a aplicação do Princípio
da Precaução, dentre as quais posso citar: (i) ava-
63 Http://www.pprmciple.net/the_Jssues.html, capturado aos 14
de junho de 2007.
gSSJ - Er« Superior Suim?
O Direito Ambiental
liação de riscos ambientais em relação a riscos
socioeconômicos, (ii) avaliação dos riscos da ação em relação
aos da inação, (iii) avaliação dos riscos de curto prazo em
relação aos riscos de longo prazo, (iv) avaliação de como os
órgãos ambientais e outros compreendem o princípio, (v)
avaliação do conhecimento técnico sobre a gestão de riscos,
(vi) avaliação das implicações da precaução para a
governabilidade, considerando as partes que serão mais
afetadas pela atividade pretendida, (vii) consideração das
exigências de monitoramento e pesquisas, quando da
inexistência de capacidade técnica e financeira para
implementá-las, (viii) operacionalização da precaução através
das instituições locais e do gerenciamento, (ix) consideração
das relações entre o princípio da precaução e a gestão
flexível e adaptável aos riscos, (x) consideração da
necessidade de estabelecer normas legais baseadas no
princípio. Quanto ao último ponto, isto é, o estabelecimento
de normas legais baseadas no princípio, penso que este é um
mecanismo bastante adequado, pois há uma materialização con-
creta do que se pretende, e os diferentes stakeholders não são
pegos de surpresa, por esta ou aquela medida adotada por um
órgão administrativo que, não raras vezes, corresponde a uma
incapacidade técnica de enfrentar o problema suscitado e não
propriamente a uma medida racional de avaliação de riscos.
Contudo, se faz necessário que as normas legais a serem
produzidas, sem menosprezar a participação da sociedade e a
expressão de seus anseios e preocupações, sejam capazes de
estabelecer mecanismos que determinem ao administrador a
realização de uma avaliação de custo e benefício que leve em
conta a comparação entre realizar e não realizar uma atividade
tanto nos aspectos ambientais, como nos econômicos e sociais.
3.2.6. Princípio da Prevenção
E princípio próximo ao princípio da precaução, embora não se
confunda com aquele. O princípio da prevenção aplica-se a
impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com
segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que
seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais
prováveis. Com base no princípio da prevenção, o licenciamento
ambiental e, até mesmo, os estudos de impacto ambiental podem
ser realizados e são solicitados pelas autoridades públicas.
Pois tanto o licenciamento quanto os estudos prévios de
impacto ambiental são realizados com base em conhecimentos
acumulados sobre o meio ambiente. O licenciamento ambiental,
na qualidade de principal instrumento apto a prevenir danos
ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar
e mitigar os danos que uma determinada atividade causaria ao
meio ambiente, caso não fosse submetida ao licenciamento
ambiental.
É importante deixar consignado que a prevenção de danos, tal
como presente no princípio ora examinado, não significa - em
absoluto - a eliminação de danos. A existência de danos
ambientais originados por um empreendimento específico é
avaliada em conjunto com os benefícios que são gerados pelo
mencionado empreendimento e, a partir de uma análise
balanceada de uns e outros, surge a opção política con-
substanciada no deferimento ou indeferimento do licenciamento
ambiental. As condicionantes estabelecidas para a implantação
do projeto, de certa maneira, indicam
Direito Ambientai
as condições técnicas e políticas mediante as quais o
administrador estabelece a ponderação entre os diferentes
interesses em jogo. Este mecanismo de valoração é mais
claramente definido na aplicação do chamado princípio do
equilíbrio, que será examinado adiante.
O Poder Judiciário tem decidido matérias que são claramente
a aplicação do princípio da prevenção,64 muito embora tenha
dele tratado sob o nomen iurís de princípio da precaução. É
uma confusão justificável, tendo em vista a novidade da
matéria; contudo, é importante que se alerte para os efeitos
negativos que tal troca de denominação possa vir a causar para
uma adequada aplicação do Direito. Diversas são as decisões
que incorrem no mesmo equívoco. Diga-se, entretanto, em sua
defesa, que a própria doutrina nacional ainda não se
estabilizou no sentido de reconhecer a diferença entre ambos
os princípios.
3.2.7. Princípio do equilíbrio
Pelo princípio que ora se examina» os aplicadores da
política ambiental e do Direito Ambiental devem pesar as
consequências previsíveis da adoção de uma determinada medida,
de forma que esta possa ser útil à comunidade e não importar
gravames excessivos aos ecossistemas e à vida humana. Através
do mencionado princípio, deve ser realizado um balanço entre
as diferentes repercussões do projeto a ser implantado, isto
é, devem ser analisadas as consequências ambientais, as
consequências econômicas, as sociais etc. A legislação
ambiental deverá ser aplicada de acordo com o resultado da
aplicação de todas essas variantes.
As medidas capazes de assegurar maior proteção do meio
ambiente, como se percebe facilmente, dependem do grau de
consciência social em relação à necessidade de que se dê ao
meio ambiente atenção prioritária. Não se pode, licitamente,
esquecer que rotineiramente são apresentadas dicotomias
absolutamente falsas entre progresso e proteção ambiental.
Princípio do equilíbrio é o princípio pelo qual devem ser
pesadas todas as implicações de uma intervenção no meio
ambiente, bus- cando-se adotar a solução que melhor concilie
um resultado globalmente positivo.
É uma versão ambiental do conhecido exame de custo/benefício
que, em última análise, informa toda e qualquer atividade
humana realizada conscientemente.
64 TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO. AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
DE INSTRUMENTO - 77201. Processo: 200104010122933/PR.
TERCEIRA TURMA. 08/05/2001. DJU: 30/05/2001, p. 290.
Relatora: JUÍZA LUIZA DIAS CASSALES. “AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
1. A ocupação e construção em terras públicas por parte de
particulares e a visível ocorrência de dano ambiental, por
si só, justificam o reconhecimento da verossimilhança do
direito autorizadora da antecipação de tutela concedida na
ação civil pública e afastam, em conseqüência, a pretensão
do agravante de que seja concedido efeito suspensivo ao
agravo de instrumento. 2. A irreversibilidade da medida é
relativa, porque no caso de os atingidos resultarem vencedo-
res na ação, certamente, em procedimento próprio, serão
indenizados. Em se tratando de meio ambiente, pondo-se em
confronto uma relativa irreversibilidade com o princípio da
precaução, esse princípio deve prevalecer. De mais a mais,
não são irreversíveis medidas que possam ser financeiramente
reparadas...”
O Direito Ambiental
3.2.8. Princípio da capacidade de suporte
Em edições anteriores desta obra denominei o presente
princípio como princípio do limite, contudo reflexão mais
aprofundada levou-me a alterar-lhe o nome para princípio da
capacidade de suporte. Justifico a opção. Efetivamente a
obrigação que o Poder Público tem de fixar limites para o
lançamento de matéria ou energia no ambiente não se explica
por si só. Ao contrário, encontra-se condicionada por
diferentes e complexos fatores, o que é suficiente para
retirariIhe a ideia de que explicitavam princípios jurídicos de
DA. Ao contrário, a existência do princípio é que implica a
fixação de limites que, no entanto, não existem em si mesmos
e, isto sim, estão condicionados às condições ambientais e
outras de diferentes naturezas, seja tecnológica, seja
econômica.
O princípio da capacidade de suporte tem assento
constitucional no inciso V do § Is do artigo 225 da Lei
Fundamental. A primeira manifestação objetiva de tal principio
se dá quando a Administração Pública estabelece padrões de
qualidade ambiental que se concretizam em limites de emissões
de partículas, de limites aceitáveis de presença de
determinados produtos na água etc.
Tais padrões devem, necessariamente, levar em consideração a
capacidade de suporte do ambiente, isto é, o limite de matéria
ou energia estranha que o ambiente pode suportar sem alterar
suas características básicas e essenciais. A Administração
Pública tem a obrigação de fixar padrões de emissões de
matérias poluentes, de ruído, enfim, de tudo aquilo que póssa
implicar prejuízos aos recursos ambientais e à saúde humana. A
violação dos limites fixados, sem uma justificativa técnica
plausível, deve ser sancionada. A fixação dos limites é de
extrema importância, pois será a partir deles que se
estabelecerá uma presunção que permite à Administração iinpor
coercitivamente as medidas necessárias para que se evite, ou
pelo menos se minimize, a poluição e a degradação. Há que se
observar, entretanto, qüe o limite último é a chamada
capacidade de suporte do coxpo receptor. Os padrões são
fixados de forma a, em tese, resguardar a qualidade ambiental.
Dependendo do grau de saturação de um corpo receptor, pode
ocorrer que o limite esteja acima ou abaixo daquilo que,
efetivamente, pode ser suportado pelo ambiente.
Assim, o princípio da capacidade de suporte estabelece uma
presunção iuris tantum cuja consequência é a transferência do
ônus da prova para que o empreendedor demonstre o cumprimento
do padrão legal, ou que a sua ultrapassagem não esteja
causando danos ao meio ambiente, às pessoas ou aos seus bens,
Há uma importante questão a ser examinada, que é a de saber
qual o parâmetro a ser adotado quando da ocasião da fixação
dos padrões. O tema é importante e controverso, pois muitas
vezes os limites são determinados de acordo com a capacidade
industrial e tecnológica de reduzir a poluição. Fixam-se
limites cuja base de cálculo leva em consideração o nível
tecnológico atual e não o potencial de agressão da atividade
que está sendo limitada. A fixação de parâmetros de forma que
estes possam estimular o desenvolvimento tecnológico, com
vistas ao alcance de índices mais baixos de emissão de
partículas, mais elevados de pureza da água e do ar, é um
Direito Ambiental
importante elemento para que se alcance a modernização
tecnológica e a ampliação dos investimentos em pesquisas de
proteção ambiental. Os limites devem ser estabelecidos em
função das necessidades de proteção ambiental e da melhor
tecnologia disponível, sem custos excessivos. É destituída de
sentido a fixação de padrões de emissão e de lançamentos de
efluentes em níveis absolutamente idênticos para áreas
densamente industrializadas e para outras que não possuem
qualquer grau de industrialização. Parâmetros rígidos e
idênticos estimulam a concentração industrial e tendem a
agravar os níveis de poluição.
Melhor tecnologia disponível, em países cujo nível de
desemprego é elevado e nos quais a preparação técnica dos
trabalhadores é ainda deficiente, é um critério que deverá
levar em consideração fatores de ordem política e econômica
extremamente importantes. Uma tecnologia que proteja o meio
ambiente de forma adequada, mas que traga como consequência a
redução de um grande número de empregos, não pode ser tida
como a melhor tecnologia disponível, haja vista que não
considera todos os fatores que, necessariamente, estão
envolvidos no problema. Melhor tecnologia disponível, em minha
opinião, deve ser aquela que, no conjunto, atenda às dife-
rentes necessidades identificadas no projeto.
O princípio da capacidade de suporte tem reconhecimento
normativo no direito positivo brasileiro. A Resolução Conama
n° 382, de 26 de dezembro de 2006, que Estabelece os limites
máximos de emissão de poluentes atmosféricos, em seu conjunto
estabelece que os limites máximos de emissões de poluentes
atmosféricos está ligado á capacidade de suporte do ambiente
no qual eles são lançados. De fato, os incisos I e IV do
artigo 29 da Resolução dispõem que: “para o estabelecimento dos
limites de emissão de poluentes atmosféricos são considerados
os seguintes critérios mínimos: I - o uso do limite de
emissões é um dos instrumentos de controle ambiental, cuja
aplicação deve ser associada a critérios de capacidade de
suporte do meio ambiente. ou seja. ao grau de saturação da
região onde $e encontra o empreendimento: ...IV -
possibilidade de diferenciação dos limites de emissão. em
função do porte, localização e especificidades das fontes de
emissão. bem como das características. carga e efeitos dos
poluentes liberados.
A capacidade de suporte é definida normativamente como "a
capacidade da atmosfera de uma região receber os remanescentes
das fontes emissoras de forma a serem atendidos os padrões
ambientais e os diversos usos dos recursos naturais”.
E importante observar que a Resolução desmente a afirmação
muito comum em DA que somente poderão ser fixados padrões mais
restritivos. Ao contrário, o princípio da capacidade de
suporte expressamente admite que padrões menos restritivos de
emssões sejam autorizados, desde que, tecnicamente, fique
comprovado que a sua adoção não implicará prejuízos ao meio
ambiente ou à saúde humana. O § 2S do artigo 6a da Resolução
estabelece que: “o órgão ambiental licenciadorpoderá, mediante
decisão fundamentada, a seu critério. estabelecer limites de
emissão menos restritivos que os estabelecidos nesta Resolução
para as fontes fixas de emissões atmosféricas, nas
modificações passíveis de licenciamento em fontes já
instaladas e regulariza-
O Direito Ambiental
das. que apresentem comprovados ganhos ambientais, tais como
os resultantes da conversão de caldeiras para o uso de gás,
que minimizam os impactos ambientais de fontes projetadas
originalmente com outroís) insumoís). notadamente óleo combus-
tível e carvão. ” Tal circunstância é confirmada pelo artigo
7e, parágrafo l9, ao tratar de instalações já em operação: “As
fontes fixas existentes, por iá estarem em funcionamento ou
com a licenca de instalação requerida antes da publicação
desta Resolução, deverão ter seus limites de emissão fixados
pelo órgão ambiental hcencia- dor. a qualquer momento ou no
processo de renovação de licença, mediante decisão
fundamentada. § ls O órgão ambiental hcenciadorpoderá
estabelecer valores menos restritivos que os limites máximos
de emissão estabelecidos nesta Resolução, considerando as
limitações tecnológicas e o impacto nas condições locais, de
acordo com o disposto na Resolução CONAMA no 05. de 15 de
iunho de 1989.”
3.2.9. Princípio da responsabilidade
Qualquer violação do Direito implica a sanção do responsável
pela quebra da ordem jurídica. A Lei Fundamental Brasileira
estabelece, no § 32 do artigo 225, a responsabilidade por danos
ao meio ambiente, embora não defina o caráter subjetivo ou
objetivo dela. Esta questão restou delegada para a legislação
ordinária que a definiu como objetiva. Um ponto que julgo
mereça ser ressaltado é o fato de que a responsabilidade, no
sistema jurídico brasileiro, decorre de lei, contrato ou ato
ilícito. A responsabilidade ambiental se divide em: (i) civil,
(ii) administrativa e (iii) penal.
3.2.10. Princípio do Poluidor Pagador
O reconhecimento de que o mercado nem sempre age tão
livremente como supõe a teoria econômica, principalmente pela
ampla utilização de subsídios ambientais, a saber, por
práticas econômicas que são utilizadas em detrimento da
qualidade ambiental e que diminuem artificialmente preços de
produtos e serviços, fez com que se estabelecesse o chamado
Princípio do Poluidor Pagador, que foi introduzido pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico -
OCDE, mediante a adoção, aos 26 de maio de 1972, da
Recomendação C(72) 128, do Conselho Diretor, que trata de
princípios dos aspectos econômicos das políticas ambientais.65
O PPP parte da constatação de que os recursos ambientais são
escassos e que o seu uso na produção e no consumo acarretam a
sua redução e degradação. Ora, se o custo da redução dos
recursos naturais não for considerado no sistema de preços, o
mercado não será capaz de refletir a escassez. Assim sendo,
são necessárias políticas públi
65 Ver: Organization for Economic co-operation and Development
- OECD. Guiding Principles Concerning International Economic
Aspects of Environmental Policies. Recommendation C (72)
126. Documento disponível em: http://www.oecd.org.
Direito Ambiental
cas capazes de eliminar a falha de mercado, de forma a
assegurar que os preços dos produtos reflitam os custos
ambientais.66
O elemento que diferencia o PPP da responsabilidade é que
ele busca afastar o ônus do custo econômico das costas da
coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos
recursos ambientais. Ele não pretende recuperar um bem
ambiental que tenha sido lesado, mas estabelecer um mecanismo
econômico que impeça o desperdício de recursos ambientais,
impondo-lhes preços compatíveis com a realidade.
Os recursos ambientais como água, ar, em função de sua
natureza pública, sempre que forem prejudicados ou poluídos,
implicam um custo público para a sua recuperação e limpeza.
Este custo público, como se sabe, é suportado por toda a
sociedade. Economicamente, este custo representa um subsídio
ao poluidor. O PPP busca, exatamente, eliminar ou reduzir tal
subsídio a valores insignificantes.67 O PPP, de origem
econômica, transformou-se em um dos princípios jurídicos
ambientais mais importantes para a proteção ambiental.
3.2.11. Conclusão
Os diferentes princípios aplicáveis ao DA giram em tomo de
um princípio constitucional básico, que é o princípio da
dignidade da pessoa humana, e devem ser
66 A- GUIDING PRINCIPLES. A) Cost Allocation: The Polluter
Pays Principie. 2, Environmental resources are in general
limited and their use in production and consumption
activities may lead to their deterioration. When the cost of
this deterioration is not adequately taken into account in
the price system, the market fails to reflect the scarcity
of such resources both at the national and international
levels. Public measures are thus necessary to reduce
pollution and to reach a better allocation of resources by
ensuring that the prices of goods depending on the quality
and/or quantity of environmental resources reflect more
closely their relative scarcity and that economic agents
concerned react accordingly... 4. The principle to be used
for allocating costs of pollution prevention and control
measures to encourage rational use of scarce environmental
resources and to avoid distortions in international trade
and investment is the so-called “Polluter-Pays Principle. “
This principle means that the polluter should bear the
expenses of carrying out the above mentioned measures
decided by public authorities to ensure that the environment
is in an acceptable state. In other words, the cost of these
measures should be reflected m the cost of goods and
services which cause pollution in production and/or
consumption. Such measures should not be accopained by sub-
sidies that would create significant distortions in
international trade and investment. [A - Prindpios diri-
gentes. A) Alocação de custos: 0 Princípio Poluidor Pagador
2. Os recursos ambientais são em geral limitados e o seu uso
em atividades de produção e consumo pode levá-los à
deterioração. Quando o custo desta deterioração não é
adequadamente levado em conta no sistema de preços, o
mercado falha em refletir a escassez de tais recursos no
nível nacional e no internacional. Medidas públicas são,
então, necessárias para reduzir a poluição e para alcançar
uma melhor alocação de recursos, assegurando que os preços
dos bens dependentes da qualidade e da quantidade de
recursos ambientais reflitam mais proximamente a sua escas-
sez relativa e que os agentes econômicos envolvidos ajam de
acordo... 4. O princípio a ser usado para a alocação dos
custos da prevenção e das medidas de controle da poluição
que sirvam para encorajar o uso racional dos escassos
recursos ambientais e para evitar distorções no comércio e
no investimento é o assim chamado “Princípio Poluidor
Pagador”. Este princípio significa que o poluidor deve
suportar os custos de realização das medidas acima
mencionadas deddidas pelas autoridades públicas para
assegurar que o ambiente esteja em um estado aceitáveL Em
outras palavras, os custos destas medidas devem estar
refletidos no custo dos bens e serviços que causam poluição
na produção e/ou consumo. Estas medidas não devem ser
acompanhadas por subsídios que criem significativas
distorções no comérdo e investimento intemadonais].
67 Maria Alexandra de Sousa Aragão. O Princípio do Poluidor
Pagador - Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente.
Coimbra: Coimbra Editora/Universidade de Coimbra, 1997, p.
34.
O Direito Ambiental
compreendidos e, sobretudo, aplicados à luz daquele que é um
dos próprios fundamentos da CF e da própria República
Federativa do Brasil.
Os princípios do DA são extremamente importantes, visto que
a proteção do meio ambiente se faz de forma dinâmica e não
meramente estática. Não raro, surgem situações que não
encontram tratamento legislativo ou regulamentar, mas que, no
entanto, demandam uma ação administrativa ou judicial capaz de
prover soluções, ainda que parciais, para as questões
concretamente formuladas. É estreme de dúvidas que, em tais
oportunidades, a principiologia particular do DA avulta em
importância. Contudo, há que ser repelida a hipertrofia dos
princípios de DA que, por ser caracterizada por uma aplicação
aleatória e assistemática de princípios ainda mal definidos e
sobre os quais não existe um consenso doutrinário e judicial,
acaba se transformando em arbitrariedade, visto que significa
o abandono de conceitos legais.
Os princípios de DA não existem em si mesmos, de forma
autônoma e desvinculada da ordem jurídico-constitucional; ao
contrário, eles só encontram existência no interior da Ordem
Constitucional, na qual devem ser interpretados em harmonia
com os demais princípios da própria Lei Fundamental e, o que é
muito importante, subordinados aos princípios fundamentais que
regem a República Brasileira.
3.3. Fontes do Direito Ambiental
As fontes do Direito são sempre um tema extremamente
problemático em todas as áreas do Direito. Embora seja dotado
das peculiaridades que têm sido vistas ao longo deste
capítulo, não se pode deixar de considerar que, também para o
Direito Ambiental, a matéria é extremamente importante.
3.3.1. Fontes materiais
3.3.1.1. Movimentos populares
As fontes materiais do DA são múltiplas e, na realidade,
guardam relações bastante complexas entre si. Dentre as fontes
materiais do DA, podemos encontrar o movimento dos cidadãos
por uma melhor qualidade de vida; contra os riscos efetivos
decorrentes da utilização de determinados produtos e práticas
etc. Enfim, é extremamente variada a relação das fontes
materiais de nossa disciplina. Doravante, faremos uma pequena
exposição das principais fontes materiais do DA.
O movimento dos cidadãos em defesa da qualidade de vida e do
MA ganhou maior expressão social e política a partir de 1960,
sobretudo na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. No Brasil,
esse movimento teve seu início na década de 70 do século XX,
no Estado do Rio Grande do Sul, que, desde então, vem se
mantendo em posição vanguardeira na proteção ambiental. Não se
pode esquecer, contudo, que, na mesma década, no Estado do
Acre, tiveram início as atividades que ficaram conhecidas como
“empate”. Por tais movimentos, os seringueiros impediam a
derrubada de florestas, visando assegurar a preservação dos
seringais e, consequentemente, de seu
Direito Ambiental
modo tradicional de produção e vida. É importante observar que
a prática adotada pelos seringueiros deu margem ao nascimento
de um modelo especifico de unidade de conservação, as reservas
extrativistas.
Este movimento teve a sua maior liderança em Chico Mendes
que, com coragem e alto espírito de abnegação, soube defender
a causa de seus iguais. Lamentavelmente, o grande líder foi
assassinado covardemente. Sua saga, entretanto, serve de luz
para todos aqueles que estão empenhados em defender o MA e a
melhoria das condições de vida de nossa população.
Em 1971, foi fundada a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (Agapan). Anteriormente, no Rio Grande do
Sul, já existia a União Protetora da Natureza, cuja fundação
remonta ao ano de 1955. O primeiro ato de impacto nacional
promovido pela Agapan ocorreu quando o estudante de
arquitetura Carlos Alberto Daniell68 subiu em um pé de Tipuana,
no centro de Porto Alegre, para evitar fosse este
68 “Ainda Estamos em Cima da Árvore, homenagem a Carlos
Alberto Dayrell. O texto a seguir é de autoria grupai. Foi
lido pela Agapan quando do recebimento do título de cidadão
honorário de Porto Alegre pelo Eng. Agrônomo Carlos Alberto
Dayrell, em 28 de abril de 1998: Há quase três décadas, o
estudante e associado da Agapan - Associação Gaúcha de
Proteção ao Ambiente Natural — subiu em uma árvore em frente
à Faculdade de Direito da UFRGS, impedindo que ela e outras
fossem desnecessariamente derrubadas para a construção de
uma via elevada. A multidão solidária que presenciou aquele
ato e milhões de pes- soas que dele tiveram conhecimento no
mundo inteiro compreenderam a novidade radical e o imenso
significado daquele gesto exemplar. O acontecimento,
manchete na imprensa local, nacional e mundial, foi um dos
símbolos que consagraram o surgimento do ambientalismo como
uma nova tomada de consciência da realidade e como a
bandeira de uma nova ética universal, a impor limites ao
industrialismo selvagem e ao consumismo predatório da
civilização industrial contemporânea. Na época de Dayrell a
agressão à natureza começou a ser percebida como parte da
opressão política e da repressão ideológica promovida pelas
ditaduras militares na América Latina e pela guerra fria. A
descoberta das possibilidades e da necessidade do
desenvolvimento de relações de solidariedade com o mundo
natural e humano faziam parte de uma mesma busca de
liberdade. Além disso, a problemática ecológica introduzia
questionamentos que não se enquadravam na visão de mundo das
concepções políticas vigentes naquele período de
radicalização do conflito entre as ideologias de esquerda e
direita. A novidade ecológica era recebida como uma entrada
de ar fresco, uma ampliação dos horizontes da condição
humana e do seu sentido. Os problemas colocados por uma obra
como Os Limites do Crescimento (1968) derrubavam o dogma
fundamental do capitalismo e também dos países ditos
comunistas: a necessidade e a possibilidade do crescimento
econômico e do aumento contínuo da produção e do consumo
como condição do desenvolvimento econômico e social. A lâ
Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, junho
de 1972), com a participação lamentável da representação
brasileira - que convidou os poluidores do mundo a virem
desenvolver o Brasil — representava o reconhecimento oficial
da problemática ecológica. A atuação pioneira da Agapan,
fundada em 27 de abril de 1971, em Porto Alegre, através da
figura de José Lutzenberger, encontrava uma ressonância na
midia local e nacional e junto aos meios universitários.
Pensadores e líderes ambientalistas perceberam que
harmonizar civilização industrial e natureza era um desafio
que exigiria uma revolução cultural, econômica e social sem
precedentes. O Fim do Futuro - Manifesto Ecológico
Brasileiro (1976), escrito por José Lutzenberger, então
presidente da Agapan, foi a primeira e única obra a traduzir
em termos de contexto cultural brasileiro, uma resposta
global e abrangente ao desafio ecológico. A imprensa
brasileira dava uma cobertura intensa e permanente às
questões ambientais. Paralelamente, desde o início dos anos
70, a administração pública, pressionada pelos
ambientalistas, começou a se ocupar da questão ambiental,
criando secretarias, ministérios, conselhos, comissões,
gerando legislação ambiental e órgãos de controle de
poluição, nos âmbitos federal, estadual e municipal, A
Agapan lançou campanhas contra a poda de árvores, o uso de
agrotóxicos, a energia nuclear, a devastação da Amazônia e
numerosos outros temas, obtendo vitórias sucessivas em
termos de legislação e apoio da opinião pública. O gesto de
Dayrell ao subir naquela árvore simbolizou a nova tomada de
consciência de uma época. Hoje os tempos são outros. Vimos o
fim dos governos militares no Brasil e América Latina, ao
que seguiu a distenção do conflito entre
O Direito Ambiental |
derrubado por uma obra que a Prefeitura planejava desenvolver
(construção de um viaduto); isto se deu no ano de 1977. A
manifestação foi vitoriosa, pois a Prefeitura precisou mudar
os planos para a construção do viaduto e não derrubou a
árvore.
Outras lutas importantes desenvolvidas pela Agapan foram
contra a Riocell (na época, denominada Boregaard), contra o
polo petroquímico de Triunfo, contra as usinas termelétricas
de Candiota e de Jacuí. O movimento dos cidadãos em defesa do
meio ambiente e da qualidade de vida, no Rio Grande do Sul, é
diretamente respon-
capitalismo e comunismo. A ascenção do neo-liberalismo e a
normalização demo- crática da política brasileira diluíram a
dimensão política da questão ambiental. Atualmente, a
ideologia consumista e predatória da civilização industrial —
com seus shopping centers, seus produtos descartáveis, seu
lixo e seus estragos irreversíveis na saúde pública e na
natureza - triunfe como uma nova religião. Os meios de comuni-
cação de massa promovem uma verdadeira lavagem cerebral
confundindo o consumismo com a própria felicidade. O
vocabulário ambientalista foi apropriado pelos governos, pela
mídia, pela indústria; o “ver- dismo" virou moda e até grife.
As estratégias de marketing e publicidade lançam uma cortina
de fumaça verde sobre a realidade, impedindo uma compreensão
pública mais efetiva da problemática ambiental e das mudanças
necessárias para solucioná-la. A realidade anti-ecológica,
opressora e devastadora, justamente denunciada pelo protesto
de Dayrell ao subir na árvore, continua a existir com mais
força até do que em tempos passados. A realização da Rio 92
foi a culminância de um processo de confraternização
ambientalista mundial e de ecologização da opinião pública,
que teve lugar apesar dos poderes da civilização industrial
ali presentes. As dificuldades encontradas para a assinatura
de convenções e as posições intransigentes da maioria dos
países industrializados na defesa dos interesses econômicos em
detrimento da biodiversidade foram nuvens negras no céu azul
dos ecologistas ali reunidos. Vivemos atualmente o paradoxo da
aparente consagração definitiva das teses do movimento
ecológico sem as esperadas e necessárias transformações na
ideologia do consumismo ilimitado e suas contrapartidas nos
planos político, econômico, tecnológico e comunicacional-
infonnacionaL Decorridas quase três décadas de ambientalismo,
as lideranças culturais, políticas, científicas e tecnológicas
brasileiras, presas a paradigmas pré-ecológicos ultrapassados
(ironicamente explicáveis pela Teoria da Dependência,
elaborada por Fernando Henrique Cardoso) ainda não deram
respostas ao desafio de propor modelos alternativos de
desenvolvimento que incorporem criativamente a dimensão
ecológica no que ela tem de mais radical. O chamado
"desenvolvimento sustentável” é o discurso ofidal de governos
e empresariado que corresponde ao conceito sociológico de
“modernização conservadora” (expressão utilizada por Hélio
Jaguaribe) ou seja, é uma reação paliativa ao desafio
ecológico que não atende efetivamente às demandas
tecnológicas, econômicas, políticas e culturas que se
apresentam. Entretanto, apesar de desafiarem poderosos
interesses econômicos e políticos, as idéias do movimento
ecológico continuam a provocar uma irresistível trajetória de
transformações pontuais em praticamente todos os campos da
cultura. Estas vão desde reformulações teóricas em diversos
campos do conhecimento, da ética à filosofia, das artes às
ciências humanas e naturais, inclusive apresentando inovações
tecnológicas - como na agricultura, onde a perspectiva
agroecológica vem ganhando terreno día-a-dia em todos os
lugares do mundo. Mesmo assim, o gesto exemplar de Dayrell
deve ser reinterpretado. Quando aconteceu, a compreensão da
problemática ambiental era mais simples e estava muito mais ao
alcance do grande público. Pode-se dizer que respondia à
problemática instaurada pela Revolução Industrial. Hoje temos
uma nova complexidade que vem no bojo da revolução biológica
em curso. A biotecnologia, os organismos transgênicos, o
patenteamento de seres vivos e todas as implicações econômicas
daí derivadas apresentam uma complexidade cuja compreensão
ainda está muito longe do domínio público. O atual sistema
econômico, por ser intrínsicamente incapaz de refutar os
questionamentos trazidos pelo paradigma ecológico, realiza
apenas modificações de fachada nos processos industriais
poluentes - e ainda cria novos problemas nos campo biológico -
sem qualquer alteração na ideologia do consumo ilimitado. Nós,
ecologistas, não temos soluções prontas, imediatas e
tranquilizadoras que assegurem a preservação da biodiversidade
essencial à manutenção da vida no Planeta. Da mesma forma, não
podemos isoladamente garantir a adoção de um novo imperativo
ético de solidariedade com as gerações futuras. Assim, após
quase três décadas de movimento ecológico, o gesto de Dayrell
continua a ser um símbolo de valor permanente tanto para a
Agapan como para os ambientalistas do Brasil e do Mundo.
Obrigado, Dayrel. Fonte:
http://www.agirazal.com.br/agapa13/agpday.html.
Direito Ambiental
sável pela elaboração de diversas leis protetoras do meio
ambiente. Dentre essas, pode ser destacada a Lei n9 7.747/82,
que proíbe a produção e comercialização de agrotóxicos no Rio
Grande do Sul.69
3.3.1.2. Descobertas científicas
As descobertas científicas desempenham um importante papel
na construção do Direito Ambiental. Questões como o
aquecimento global, que gerou o Protocolo de Quioto; o
Protocolo de Montreal sobre a proteção da camada de ozônio, as
convenções sobre produtos perigosos e tantas outras são
diretamente fundadas em descobertas científicas
significativas. Tais descobertas exercem o papel de chamar a
atenção para questões cruciais que demandam uma regulamentação
jurídica. Muitas vezes, princípios científicos são
incorporados ao mundo jurídico, também.
3.3.1.3. Doutrina jurídica
A doutrina é uma importante fonte material do DA, pois,
através dela, muitas mudanças legislativas e interpretativas
têm sido adotadas nos mais diversos países. Merece destaque,
no particular, a elaboração doutrinária dos princípios do DA
que, cada vez mais, tomam-se fundamentais na elaboração de
leis e na aplicação judicial das normas de proteção ao meio
ambiente. No Brasil, é bastante comum que decisões judiciais
citem expressamente a doutrina elaborada por juristas
nacionais e estrangeiros.
3.3.2. Fontes formais
As fontes formais do DA não se distinguem ontologicamente
daquelas que são aceitas e reconhecidas como válidas para os
mais diversos ramos do Direito. Consideram-se fontes formais
do DA: a Constituição, as leis, os atos internacionais
firmados pelo Brasil, as normas administrativas originadas dos
órgãos competentes e a jurisprudência.
O papel desempenhado pela Lei Fundamental como fonte de DA é
óbvio, dispensando maiores comentários. Observe-se, contudo,
que, devido ao sistema federal adotado pelo Brasil, existem
várias Constituições estaduais que devem ser obedecidas e
seguidas em seus âmbitos específicos de competência. Tais
Constituições, evidentemente, devem se adequar ao modelo
definido pela Lei Fundamental da República, sob pena de
inconstitucionalidade.70
69 “Ecologia” - JormI do Brasil, Rio de Janeiro, 22 de julho
de 1991, p. 4.
70 STF - ADI 1505 / ES. Relator; Min. EROS GRAU. Julgamento:
24/11/2004. Tribunal Pleno. DJU: 04-03-2005 p. 10. EMENTA;
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 187 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. RELATÓRIO DE
IMPACTO AMBIENTAL APROVAÇÃO PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA.
VÍCIO MATERIAL. AFRONTA AOS ARTIGOS 58, § 2», E 225, § 1®,
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É inconstitucional preceito da
Constituição do Estado do Espírito Santo que submete o
Relatório de Impacto Ambiental - RIMA - ao crivo de comissão
permanente e específica da Assembléia Legislativa. 2. A
concessão de autorização para desenvolvimento de atividade
poten-
O Direito Ambiental
As leis brasileiras sobre proteção ambiental podem ser
federais, estaduais ou municipais, cada uma dentro de uma
determinada esfera de atribuição e competência. A CF define um
modelo para que cada lei de um ente federativo seja válida em
determinada esfera. Os atos internacionais ratificados pelo
Brasil integram o Direito brasileiro com a hierarquia de lei.
As normas administrativas são muito importantes em DA.
Argumenta-se que não é possível que o Congresso legisle com a
velocidade necessária para acompanhar determinadas áreas
científicas nas quais a evolução é extremamente rápida, motivo
pelo qual as normas administrativas devem ter o seu poder
ampliado. Se, por um lado, este é um aspecto da realidade
objetiva, por outro, é ele muito perigoso, pois o Executivo
tende a exorbitar de suas atribuições, seja para ampliar a
“proteção” ambiental à custa de direitos e garantias
individuais, mediante a imposição de restrições às atividades
de particulares que não encontram referência na lei; seja pela
inobservância de normas e parâmetros legais, em prejuízo da
boa qualidade ambiental. Aqui, não há como se afastar a
incidência do princípio da legalidade estabelecido na CF, ou
seja, as normas administrativas não podem ultrapassar os
limites fixados pela lei, sob pena de invalidade formal.
* * *
A jurisprudência é um fator fundamental na construção do DA,
mesmo em um sistema como o nosso, que privilegia o direito
legislado. Este fato tem sido ressaltado por quase todos os
autores que se dedicam ao estudo da proteção legal do Meio
Ambiente. Com efeito, muitos dos contornos básicos do DA foram
construídos em litígios judiciais, transportando-se para o
mundo legislativo.
3.4. Relações do Direito Ambiental com outros ramos do Direito
O DA é um dos "ramos” da ordem jurídica que mais fortemente
se relaciona com os demais. Este fato, indiscutível por si só,
é uma consequência lógica da tran- versahdade, que é, como
sabemos, a característica mais marcante do DA. Transver-
salidade significa que o DA penetra os diferentes ramos do
direito positivo, fazendo com que todos, indiferentemente de
suas bases teleológicas, assumam a preocupação com a proteção
do meio ambiente. É muito difícil que se consiga conceber o DA
independentemente das normas próprias do Direito
Administrativo, visto que a Administração Pública, pelo
exercício do poder de polícia ambiental, desempenha um papel
essencial na imensa maioria das questões ambientais. A
imposição de multas, a interdição de atividades, a oposição de
embargos administrativos não podem fugir dos cânones básicos
do Direito Administrativo, tais como a observância do
dalmente danosa ao meio ambiente consubstancia ato do Poder de
Polícia — ato da Administração Pública - entenda-se ato do
Poder Executiva. 3. Ação julgada procedente para declarar
inconstitucional o trecho final do artigo § 3o do artigo 187 da
Constituição do Estado do Espírito Santo.
Direito Ambiental
princípio da legalidade, da proporcionalidade, da
impessoalidade e de outros que lhes são relacionados.71 O mesmo
se diga em relação ao Direito Constitucional.
Quanto à defesa de direitos “privados” sobre o meio
ambiente, o direito de vizinhança tem exercido um importante
papel, sobretudo no que se refere à garantia de tranquilidade
e sossego das pessoas. No Direito Penal, encontram-se diversas
normas de defesa da saúde e da ambiência humana. Também as
normas de Direito Tributário podem ser utilizadas em defesa do
meio ambiente.
O DA mantém intensas relações com os principais ramos do
Direito Publico e do Direito Privado, influenciando os seus
rumos na medida em que carreia para o interior dos núcleos
tradicionais do Direito a preocupação com a tutela jurídica do
meio ambiente. Esta é a chave da compreensão das relações do
DA com os demais ramos do Direito: o DA penetra nos demais
“ramos" do Direito, fazendo com que eles assumam uma
“preocupação” com os bens jurídicos tutelados pelo DA.

3.5. Metodologia do Direito Ambiental


Tem sido reconhecida, unanimemente, pela doutrina, como uma
das características fundamentais do DA a sua marcante
interdisciplmariedade. Não se pode pensar a proteção jurídica
do MA sem se considerar as informações e os dados que são
71 STF - DI-MC 1823 / DF.Relator: Min. ILMAR GALVÃO.
Julgamento: 30/04/1998. Pleno. DJU: 16-10- 1998. P. 6
EMENTA: AÇAO DERETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 5»,
8», 9o, 10, 13, § 1°, E 14 DA PORTARIA N° 113, DE 25.09.97,
DO IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que
o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas
físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de
Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de
Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese
de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes,
com ofensa ao princípio da legalidade estrita que
disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas
também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do
pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da
eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.
- tnsmo aupenor «ass&s
O Direito Ambiental j
fornecidos ao aplicador do Direito por outras áreas do
conhecimento humano. Não se pode conceber a proteção de
florestas sem que saibamos das condições de suporte de
determinado ecossistema, das condições econômicas das
populações que vivem naquele ecossistema. Enfim, o DA somente
poderá oferecer uma solução jurídica se esta estiver
coordenada e integrada com as questões que permeiam o problema
de fundo a ser enfrentado pelo Direito. Dentre esses vários
conhecimentos que influenciam a construção do Direito
Ambiental, podem ser destacados a Biologia, a Química, a
Meteorologia, as Ciências Sociais etc. Muitas vezes, o jurista
recorre a conceitos de outras ciências para que possa dar
solução a um problema que, aparentemente, estava alicerçado em
uma questão puramente jurídica. A metodologia do DA, portanto,
não pode se restringir à análise dogmática da norma jurídica,
muito embora esta seja essencial.
Em matéria de Direito Ambiental, as fronteiras entre os
diversos segmentos do conhecimento humano tomam-se cada vez
menores. Na análise de uma medida a ser tomada pelo aplicador
da lei em matéria ambiental, necessariamente, estão presentes
considerações que não são apenas jurídicas, pois, como tem
sido visto ao longo de todo este capítulo, é necessário que se
observem critérios que não são apenas jurídicos.
Observe-se que as normas de Direito Ambiental, muitas vezes,
necessitam de um preenchimento que é feito por portarias e
outros atos administrativos, cujo conteúdo é fornecido por
disciplinas não jurídicas. Decorre daí a imperiosa necessidade
de que o jurista, ao tratar de questões ambientais, tenha
conhecimento de disciplinas que não são a sua, ou que busque
tal conhecimento onde ele se encontra disponível.
A metodologia jurídico-ambiental, desnecessário dizer, é
eclética e construída na base do caso a caso, pois somente em
uma análise casuística que, no entanto, é iluminada pela lei,
pela principiologia e pela jurisprudência, é que se poderá
chegar a uma solução de DA que seja considerada justa.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
Capítulo II A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
1. Introdução
A principal fonte formal do DA é a Constituição da
República. Aliás, a existência do artigo 225, no ápice, e
todas as demais menções constitucionais ao meio ambiente e à
sua proteção demonstram que o DA é essencialmente um “direito
constitucional”, visto que emanado diretamente da Lei
Fundamental. Essa é uma realidade nova e inovadora em nossa
ordem jurídica, haja vista que, estabelecida após a Carta de
1988, tem sido capaz de ampliar a esfera de direitos
individuais e dos mecanismos judiciais aptos a protegê-los.
A CF de 1988, como tem sido amplamente sublinhado pelos
constitucionalistas, trouxe imensas novidades em relação às
Cartas que a antecederam, notadamente na defesa dos direitos e
garantias individuais e no reconhecimento de uma nova gama de
direitos, dentre os quais se destaca o meio ambiente. As Leis
Fundamentais anteriores não se dedicaram ao tema de forma
abrangente e completa: as referências aos recursos ambientais
eram feitas de maneira não sistemática, com pequenas menções
aqui e ah, sem que se pudesse falar na existência de um
contexto constitucional de proteção ao meio ambiente. Os
constituintes anteriores a 1988 não se preocuparam com a
conservação dos recursos naturais e com a sua utilização
racional. Na verdade, meio ambiente não existia como um
conceito jurídico merecedor de tutela autônoma, coisa que só
veio a ocorrer após a lei de Política Nacional do Meio
Ambiente.
A Constituição Imperial de 1824 não fez qualquer referência
aos recursos naturais, sendo, portanto, irrelevante para o
nosso estudo. É curioso observar, no entanto, que, na ocasião
de sua promulgação, o País era essencialmente exportador de
produtos primários não manufaturados e, portanto, inteiramente
dependente dos bens de sua natureza. A concepção predominante,
no entanto, era a de que o Estado não deveria se imiscuir nas
atividades econômicas, ou melhor, fazia-o por abstenção, e
logicamente não cabia à Constituição traçar qualquer perfil de
uma ordem econômica constitucional. Muito embora os produtos
primários fossem essenciais à economia da época, a
Constituição não estabeleceu nenhum mecanismo que fosse capaz
de garantir a sustentabüidade dos recursos. Contudo, de ser
observado que a Constituição Imperial, ao dispor sobre as
Câmaras Municipais, em seu artigo 169, determinava: “O
exercício de suas funções municipais, formação das posturas
policiais, aplicação de suas rendas e todas as suas
particulares e úteis atribuições serão decretadas por uma Lei
regulamentar. ^ As particulares e úteis atribuições das
Câmaras Municipais
1 A ortografia foi modernizada.
Direito Ambiental
foram definidas pela Lei de Ia de outubro de 1828, que: “Dá
nova forma às Câmaras Municipais, marca suas atribuições e o
processo para sua eleição e dos Juizes de Paz. ” Quanto ao
meio ambiente, a identificação das competências legislativas
serão, basicamente, atribuídas aos municípios que as exerciam
mediante a expedição das chamadas posturas. Naquele regime
jurídico constitucional, as municipalidades eram dotadas de
competências extremamente amplas, conforme se pode ver do
artigo 66 e seus parágrafos: “Art. 66. Terão a seu cargo tudo
quanto diz respeito à polícia, a economia das povoações e seus
termos, pelo que tomarão deliberações e proverão por suas
posturas sobre os objetos seguintes: § Ie Alinhamento, limpeza,
iluminação e despachamento das ruas, cais e praças,
conservação e reparos das muralhas feitas para segurança dos
edifícios, prisões públicas, calçadas, pontes, fontes,
aquedutos, chafarizes, poços, tanques e quaisquer outras
construções em benefício comum dos habitantes, ou para decoro
e ornamento das povoações. ”As competências municipais não se
limitavam àquelas que foram acima mencionadas, pois os §§ 2S,
32, 4e, 5Ô e 6e do artigo 66 ainda determinavam que: “§ 2a Sobre
o estabelecimento de cemitérios fora do recinto dos templos,
conferindo a esse £tm com a principal autoridade eclesiástica
do lugar; sobre o esgotamento de pântanos e qualquer
estagnação de águas infectas; sobre a economia e asseio dos
currais e matadouros públicos; sobre a colocação de curtumes;
sobre os depósitos de imundícies e tudo quanto possa aIterar e
corromper a salubridade da atmosfera.” Pelo § 3e, integravam a
competência das Câmaras Municipais legislar sobre: "...
edifícios ruinosos, escavações e precipícios nas vizinhanças
das povoações, mandando-lhes por divisas para advertir os que
transitam; suspensão e lançamento de corpos que possam
prejudicar ou enxovalhar aos viandantes... providências para
acautelar e atalhar os incêndios. Determinava o § 49: ...sobre
as vozeiras nas ruas em horas de silêncio... Nos termos do §
5fi, era da competência das Câmaras dispor “sobre os daninhos e
os que trazem gado solto sem pastos em lugares onde possam
causar qualquer prejuízo aos habitantes ou lavouras;
extirpação de répteis venenosos ou de quaisquer animais e
insetos devoradores de plantas’3. Por sua vez, determinava o “§
6e: ... sobre construção, reparo e conservação das estradas,
caminhos, plantações de árvores para preservação de seus
limites à comodidade dos viajantes, e das que forem úteis para
a sustentação dos homens e dos animais33.
Havia, também, todo um conjunto de outras atribuições, que,
modernamente, poderiam ser consideradas como voltadas para a
proteção do meio ambiente e da saúde pública e que diziam
respeito às feiras, sobre abatedouros de gado etc.
2. O Período Republicano
Conforme foi muito bem observado por Machado Horta,2 “no
período republicano o tema ambiental se confundia com a
autorização conferida à União para legislar sober defesa e
proteção da saúde ou com a proteção aos monumentos históricos,
artísticos e naturais, às paisagens e aos locais
particularmente dotados pela natureza
2 Raul Machado Horta, Direito Constitucional, Belo Horizonte:
Del Rey, 3a edição, 2002, p. 271.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
À mudança do regime político ocasionada pela proclamação da
República correspondeu uma nova Constituição, cuja
característica essencial foi o estabelecimento de um regime
republicano e federativo. Os municípios, no novo regime,
perderam o alto índice de autonomia legislativa que detinham
no regime constitucional anterior. As antigas províncias foram
transformadas em estados e, de alguma forma, buscou-se
atribuir-lhes um determinado grau de autonomia. Isto,
entretanto, não se concretizou de forma plena, pois a
federação que foi estabelecida era altamente centralizadora e
os principais poderes e competências legais para legislar
permaneceram nas mãos da União. Esta característica, como se
sabe, persistiu ~ em maior ou menor grau - nas diferentes
Cartas republicanas. A CF de 1891, em seu artigo 34, n5 29,
atribuía competência legislativa à União para legislar sobre
as suas minas e terras. Em tese, aos Estados estava reservada
a competência para legislar sobre as minas e terras que não
pertencessem à União. Era um dispositivo extremamente genérico
e insuficiente para definir atribuições. Aparentemente,
questões que não dissessem respeito às minas e terras da União
estavam sob a competência legislativa dos Estados-Membros.
Em 1934, como fruto da Revolução de 30 e da Revolução
ConstitucionaHsta de 1932 ~ ocorrida em São Paulo - foi,
elaborada uma nova CF, que, dentro do espírito da época, tinha
características intervencionistas na ordem econômica e social.
A CF de 1934, em seu artigo 5e, inciso XIX, já atribuía à União
competência legislativa sobre “bens de domínio federal,
riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, água, energia
hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração
As competências legislativas federais foram muito ampliadas
e, principalmente, deve ser anotado que elas cresceram nas
áreas que modernamente são classificadas como infraestrutura,
isto é, atividades necessárias para o desenvolvimento eco-
nômico. De alguma forma, a CF de 1934 estimulou o
desenvolvimento de uma legislação infraconstitucional que se
preocupou com a proteção do meio ambiente, dentro de uma
abordagem de conservação de recursos econômicos. Um bom
exemplo do que estou falando é o Código de Águas de 1934,
cujos objetivos primordiais estavam relacionados à produção de
energia elétrica. O mesmo se pode dizer em relação ao antigo
CFlo, que buscou estabelecer mecanismos para a utilização
industrial das florestas. Ambos os diplomas legais continham
normas visando à proteção dos recursos.
A Constituição de 1937 dispunha, em seu artigo 16, inciso
XIV, que competia privativamente à União o poder de legislar
sobre “os bens de domínio federal, minas, metalurgia, energia
hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua exploração”.
Ela, no que se refere às questões de defesa dos recursos
ambientais, manteve-se no mesmo padrão da Constituição de
1934, não merecendo maiores comentários.
O próprio regime democrático de 1946 não alterou
substancialmente as competências legislativas da União em
temas referentes à infra-estrutura e, consequentemente,
ambientais. Os textos anteriores foram, praticamente,
repetidos. Na CF de 1946, seu artigo 5S, inciso XV, alínea i,
constava a competência da União para legislar sobre “riquezas
do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica,
florestas, caça epesca”.
Com a implantação do regime político de 1964, com a
exacerbação dos poderes do Executivo federal, que passou a
exercê-los de forma discricionária e autoritária,
Direito Ambiental
mediante a imposição de uma ditadura cívico-militar, houve uma
hipertrofia dos Poderes da União que, como se viu, não eram
pequenos. A CF de 1967, em seu artigo 8e, XII, atribui as
seguintes competências para a União: “organizar a defesa
permanente contra as calamidades públicas, especialmente a
seca e as inundações”. Outras competências estavam previstas
entre aquelas titularizadas pela União. Nos termos da Carta de
1967, competia à União explorar, diretamente ou mediante
autorização ou concessão, os serviços e as instalações de
energia elétrica de qualquer origem ou natureza,3 mantendo a
característica de que a infraestrutura era uma matéria fede-
ral. Aqui, como é fácil perceber, tratava-se de uma
competência administrativa que, necessariamente, trazia
consigo a necessária competência legislativa. Quanto à com-
petência legislativa, propriamente dita, a Carta de 1967
estabelecia que a União era dotada das seguintes potestades
legislativas:
(i direito agrário;
)
(i normas gerais de segurança e proteção
i) da saúde;
(i águas e energia elétrica;
ii
)
(i jazidas, minas e outros recursos
v) minerais;
(V
) metalurgia;
(v
i) florestas, caça e pesca;
(v regime dos portos e da navegação de
ii cabotagem, fluvial e lacustre.
)
A Emenda Constitucional ns 1, de 17 de outubro de 1969,
manteve os termos daquilo que foi acima apontado. Houve,
entretanto, uma pequena mudança no que diz respeito às
competências legislativas em relação à energia, que foi
subdividida em elétrica, térmica, nuclear ou de qualquer
natureza. Um balanço geral das competências constitucionais em
matéria ambiental demonstra que o tema, até a Constituição de
1988, mereceu tratamento apenas tangencial e que a principal
preocupação do constituinte sempre foi com a infra-estrutura
para o desenvolvimento econômico. O aspecto que foi
privilegiado, desde que o tema passou a integrar a ordem
jurídica constitucional, foi o de meio de produção.
3. A Constituição de 1988
3.1. Aspectos Gerais da Constituição de 1988
Além de ser dotada de um capítulo próprio para as questões
ambientais, a CF de 1988, ao longo de diversos outros artigos,
trata das obrigações da sociedade e do Estado brasileiro com o
meio ambiente. Tais normas, do ponto de vista do Direito
Constitucional, podem ser agrupadas como normas de (i)
garantia, (ii) competência,
(iii) gerais e (iv) específicas.4 Conforme já foi examinado
nos itens precedentes, as
3 Artigo 85, XV, b.
4 Raul Machado Horta, Direito Constitucional, Belo Homonte:
Del Rey, 3* edição, 2002, p. 271.
cs-üj - tnsmo aupenor mum
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
Constituições que antecederam à atual Carta deram ao tema Meio
Ambiente um tratamento pouco sistemático, esparso e com um
enfoque predominantemente voltado para a infraestrutura da
atividade econômica, e a sua regulamentação legislativa teve
por escopo priorizar a atividade produtiva, independentemente
da conservação dos recursos naturais. A Constituição de 1988
não desconsiderou o Meio Ambiente como elemento indispensável
e que servira de base para o desenvolvimento da atividade de
infraestrutura econômica. Ao contrário, houve um
aprofundamento das relações entre o Meio Ambiente e a
infraestrutura econômica, pois, nos. termos da Constituição de
1988, é reconhecido pelo constituinte originário que se faz
necessária a proteção ambiental de forma que se possa
assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um
nível elevado de qualidade de vida às populações. A
Constituição não desconsiderou, nem poderia fazê-lo, que toda
a atividade econômica se faz mediante a utilização de recursos
ambientais. O legislador constituinte buscou, estabelecer um
mecanismo mediante o qual as naturais tensões entre os
diferentes usuários dos recursos ambientais possam ser
amenizadas dentro de uma perspectiva de utilização racional.
A fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente
equilibrado foi erigida em direito fundamental pela ordem
jurídica constitucional vigente. Este fato, sem dúvida, pode
se revelar um notável campo para a construção de um sistema de
garantias da qualidade de vida dos cidadãos e de
desenvolvimento econômico que se faça com respeito ao Meio
Ambiente.
A adequada compreensão do capítulo e dos dispositivos
constitucionais voltados para o Meio Ambiente é essencial e
exige uma atenção toda especial para disciplinas que não são
jurídicas. Conceitos pertencentes à Geografia, à Ecologia, à
Mineralogia etc. passam a desempenhar um papel na
interpretação da norma constitucional que era completamente
impensável antes da promulgação da Constituição de 1988. Este
é, provavelmente, o maior desafio que o artigo 225 lança ao
jurista. Como estabelecer a adequada mediação entre o fato
científico e o fato jurídico, a norma aplicável é uma questão
que vem estimulando a criatividade do jurista.
A Lei Fundamental reconhece que os problemas ambientais são
de vital importância para a nossa sociedade, seja porque são
necessários para a atividade econômica, seja porque considera
a preservação de valores cuja mensuração é extremamente
complexa. Vê-se, com clareza, que há, no contexto
constitucional, um sistema de proteção ao Meio Ambiente que
ultrapassa as meras disposições esparsas. Aqui reside a
diferença fundamental entre a Constituição de 1988 e as demais
que a precederam. Em 1988, buscou-se estabelecer uma harmonia
entre os diferentes dispositivos voltados para a defesa do
Meio Ambiente. A norma constitucional ambiental é parte
integrante de um complexo mais amplo e podemos dizer, sem
risco de errar, que ela faz a interseção entre as normas de
natureza econômica e aquelas destinadas à proteção dos
direitos individuais.
A correta interpretação das normas ambientais existentes na
Constituição da República deve ser feita, como já foi dito,
com a análise das diferentes conexões materiais e de sentido
que elas guardam entre si e, principalmente, com outras áreas
do Direito. A tarefa não é trivial, pois é elevado o número de
normas ambientais
Direito Ambiental
existentes na Lei Fundamental. A Constituição possui vinte e
dois artigos que, de uma forma ou de outra, relacionam-se com
o MA, além de parágrafos e incisos diversos. Sistematizá-los e
harmonizá-los é uma tarefa que ainda está por ser feita.
Em sede Constitucional, são encontráveis os seguintes pontos
dedicados ao meio ambiente ou a este vinculados direta ou
indiretamente:
- Crt‘ *r-1LTVT T WTTT.
art. incisos .A_AJ.I1> -LA-AÍ* JL/UCillj
• art. 20,incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI
e §§ 1* e 2*;
• art. 21,incisos XIX, XX, XXIII, alíneas a, be c,
XXV;
• art. 22, incisos IV, XII, XXVI;
• art. 23, incisos I, III, IV, VI, VII, IX, XI;
• art. 24, incisos VI, VII, VIII;
• art. 43, § 2*, IV, e § 3®;
• art. 49, incisos XIV, XVI;
• art. 91, § le, inciso III;
• art. 129, inciso III;
• art. 170, inciso VI;
• art. 174, §§ 3^ e 4*;
• art. 176 e §§;
• art. 182 e §§;
• art. 186;
• art. 200, incisos VII, VIII;
• art. 216, inciso V e §§ le, 39 e 4a;
• art. 225;
• art. 231;
• art. 232; e,
• no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os
artigos 43, 44 e §§.
Os muitos artigos constitucionais contemplam normas de
natureza processual, penal, econômica, sanitária, tutelar
administrativa e, ainda, normas de repartição de competência
legislativa e administrativa. É uma gama tão ampla e que não
foi desenvolvida em todas as suas potencialidades.
3.2. O Artigo 225 da Lei Fundamental de 1988
O capítulo do Meio Ambiente (artigo 225) da CF é o centro
nevrálgico do sistema constitucional de proteção ao MA e é
nele que está muito bem caracterizada e concretizada a
proteção do meio ambiente como um elemento de interseção entre
a ordem econômica e os direitos individuais.
O artigo 225 da CF determina que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impon-
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O primeiro destaque que merece abordagem é o vocábulo
“todos”, que dá início ao capítulo. “Todos”, tal como presente
no artigo 225, tem o sentido de qualquer indivíduo que se
encontre em território nacional, independentemente de sua
condição jurídica perante o nosso ordenamento jurídico.
“Todos” quer dizer todos os seres humanos. Aqui há uma
evidente ampliação do rol dos direitos constitucionalmente
garantidos, pois, diferentemente dos direitos eleitorais e os
de controle da probidade administrativa, não se exige a
condição de cidadão. Veja-se que, quando se trata da definição
de direitos e obrigações, a CF estabelece claramente o
destinatário da garantia ou do comando. Assim é que os
direitos e as garantias individuais definidos no artigo 52 não
se destinam a toda e qualquer pessoa; os seus destinatários
são os brasileiros e os estrangeiros residentes no Pais. Um
estrangeiro que esteja simplesmente de passagem pelo País, em
tese, não é destinatário do artigo 5fl da Lei Fundamental.
Mesmo no interior das disposições contidas no artigo 5e é
possível identificar limitações ao exercício de alguns
direitos e garantias. A ação popular constitucional, por
exemplo, só pode ser proposta por cidadão que, no caso, é o
eleitor em dia com as suas obrigações eleitorais. O artigo
225, ao se utilizar da expressão “todos”, buscou estabelecer
que mesmo os estrangeiros não residentes no País e outros que,
por motivos diversos, tenham tido suspensos os seus direitos
de cidadania, ainda que parcialmente, são destinatários da
norma atributiva de direito ao MA ecologicamente equilibrado.
A Leitura irracional e apressada do vocábulo tem levado à
interpretação de que “todos” teria como destinatário todo e
qualquer ser vivo. A hipótese não se justifica. A Constituição
tem como um de seus princípios reitores a dignidade da pessoa
humana e, portanto, a ordem jurídica nacional tem como seu
centro o indivíduo humano. A proteção aos animais e ao meio
ambiente é estabelecida como uma consequência de tal princípio
e se justifica na medida em que é necessária para que o
indivíduo humano possa ter uma existência digna em toda
plenitude.
O Direito estabelecido pelo artigo 225 é bastante complexo e
possui uma enorme gama de implicações em sua concepção mais
profunda. Para a conceituação do conteúdo desse direito, são
necessários diversos recursos a conhecimentos que não são
jurídicos. Configura-se, assim, a interdisciplinariedade da
matéria ambiental.
3.2.1. Conceito normativo de meio ambiente
Antes de avançar no estudo do conceito normativo de meio
ambiente, é necessária a apresentação do que seria um conceito
genérico de meio ambiente, Para Robert Reichardt:5
5 Apud Gerhard Kade et alii. O homem e sen ambiente, Rio de
Janeiro: FGV, 1975, p. 184.
Direito Ambiental
Definimos o ambiente de uma dada população de seres humanos
como o sistema de constantes espaciais e temporais de
estruturas não-humanas, que influencia os processos biológicos
e o comportamento dessa população. No ‘ambiente’ compreendemos
os processos sociais diretamente hgados a essas estruturas,
como sejam o trajeto regular dos suburbanos, ou o desvio
comporta- mental em correlação direta com a densidade da
população ou com as condições habitacionais. Excluímos, no
entanto, os processos que se desenvolvem principalmente no
exterior do sistema social. É evidente que tal distinção, em
certa medida, é arbitrária, pois num sistema social cada
elemento se acha vinculado a todos os outros.
Já José Lutzemberger^ afirma que:
A evolução orgânica é um processo sinfônico. As espécies,
todas as espécies, e o Homem não é uma exceção, evoluíram e
estão destinadas a continuar evoluindo conjuntamente e de
maneira orquestrada. Nenhuma espécie tem sentido por si só,
isoladamente. Todas as espécies„ dominantes ou humildes,
espetaculares ou apenas visíveis, quer nos sejam simpáticas ou
as consideremos desprezíveis, quer se nos afigurem como úteis
ou mesmo nocivas, todas são peças de uma grande unidade
funcional. A natureza não é um aglomerado arbitrário de fatos
isolados, arbitrariamente alteráveis ou dispensáveis, Tudo
está relacionado com tudo. Assim como numa sinfonia os
instrumentos individuais só têm sentido como partes do todo, é
função do perfeito e disciplinado comportamento de cada uma
das partes integrantes da maravilhosa sinfonia da evolução
orgânica, onde cada instrumento, por pequeno, fraco ou
insignificante que possa parecer, é essencial e indispensável.
O conceito normativo de meio ambiente encontra-se
estabelecido no artigo 39 da Lei ne 6.938, de 31 de agosto de
1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. A referida Lei, estabelecida no regime
constitucional anterior, foi firmada com base no artigo 8e,
inciso XVI, alíneas c, hei, da Carta de 1967. A Lei foi
recebida pela atual Lei Fundamental, fato que foi confirmado
pelas suas sucessivas reformas.
Muitas são as definições encontradas para o termo. Iara
Verocai7 apresenta uma enorme quantidade de definições; dentre
essas, merecem destaque as seguintes:
“a) A soma das condições externas e influências que afetam a
vida, o desenvolvimento e, em última análise, a
sobrevivência de um organismo (The World Bank).
6 Fim do futuro? Porto Alegre: Movimento, 1976, p. 9.
7 Vocabulário básico de meio ambiente, Rio de Janeiro:
Petrobrás/ FEEMA, 1992,4a ed., pp. 133-135.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
b) O conjunto do sistema externo físico e biológico, no qual
vivem o homem e os outros organismos (PNUMA).”8
A Lei ordinária define meio ambiente:
Meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
O conceito estabelecido na PNMA merece crítica, pois, como
se pode perceber, o seu conteúdo não está voltado para um
aspecto fundamental do problema ambiental, que é, exatamente,
o aspecto humano. A definição legal considera o meio ambiente
do ponto vista puramente biológico e não do ponto de vista
social que, no caso, é fundamental. Entretanto, não deve
passar sem registro o fato de que no contexto da elaboração da
Lei n9 6.938/81 a proteção do meio ambiente era considerada
como uma forma de proteção da saúde humana, e não como um bem
merecedor de tutela autônoma.
A CF de 1988 elevou o meio ambiente à condição de direito de
todos e bem de uso comum do povo, modificando o conceito
jurídico de meio ambiente, tal como ele estava definido pela
Lei da Política Nacional de Meio Ambiente. Em razão da alta
relevância do bem jurídico tutelado, a Lei Fundamental
estabeleceu a obrigação do Poder Público e da Comunidade de
preservá-lo para as presentes e faturas gerações. Foram
criadas duas situações distintas; a primeira, de (i) não
promover degradação; a segunda, de (ií) promover a recuperação
de áreas já degradadas. A Constituição fez uma escolha clara
pela conservação que, necessariamente, tem que ser
interpretada de maneira dinâmica. A observar que o bem
jurídico meio ambiente pode ser incluído dentre aqueles
pertencentes a uma ou outra pessoa jurídica de direito público
ou mesmo privado, pelo contrário, o meio ambiente é integrado
por diferentes bens submetidos a diversas pessoas jurídicas,
naturais ou não, públicas ou privadas. O que a Constituição
fez foi criar uma categoria jurídica capaz de impor, a todos
quantos se utilizem de recursos naturais, uma obrigação de
zelo para com o meio ambiente. Não se olvide, contudo, que o
conceito de uso comum de todos rompe com o tradicional enfoque
de que os bens de uso comum só podem ser bens públicos. Não, a
CF estabeleceu que, mesmo sob a égide do domínio privado,
podem ser fixadas obrigações para que os proprietários
assegurem a fruição, por todos, dos aspectos ambientais de
bens de sua propriedade. A fruição, contudo, é mediata, e não
imediata. O proprietário de uma floresta permanece
proprietário da mesma, pode estabelecer interdições quanto à
penetração e permanência de estranhos no interior de sua
propriedade. Entretanto, está obrigado a não degradar as
características ecológicas que, estas sim, são de uso comum,
tais como a beleza cênica, a produção de oxigênio, o
equilíbrio térmico gerado pela floresta, o refugio de animais
silvestres etc. Aqui há uma impor-
8 PNUMA.
Direito Ambiental
tante contribuição do legislador ordinário brasileiro que,
desde 1934, considera as florestas de interesse comum de
todos.9
Os artigos 219 e 225, § 4S, da CF estabeleceram o conceito
jurídico de patrimônio nacional, cujo conteúdo não foi
definido. Contudo, há que se observar que, no contexto
específico da proteção ambiental, tal conceito não se confunde
com o de propriedade pública, como tem sido reiteradaraente
decidido pelo STF.10 Na hipótese, trata-se de mais um conceito
jurídico indeterminado, que deverá ser preenchido caso a caso,
levando-se em consideração o conjunto de princípios que
informam a própria Lei Fundamental. Eventualmente, em matéria
ambiental, o sentido de patrimônio nacional implica haver
restrições à livre utilização dos recursos naturais, na
9 Conforme o artigo 1 do CFIo aprovado pelo DECRETO N. 23.793
- DE 23 DE JANEIRO DE 1934 - Art. 1« As florestas existentes
no território nacional, consideradas em conjunto, constituem
bem de interesse comum a todos os habitantes, do pais,
exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações
que as leis em geral, e especialmente este código,
estabelecem.
10 STF: RE 134297 / SP. Relator: Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 13/06/1995. Primeira Turma. DJU: 22-09-1995 PG.
30597 EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ESTAÇÃO ECOLÓGICA -
RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR - PATRIMÔNIO NACIONAL (CF,
ART. 225, PAR. 4») - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O
CONTEÚDO ECONÔMICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - DIREITO DO
PROPRIETÁRIO À INDENIZAÇÃO - DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS
PREJUÍZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR - RÉ
NAO CONHECIDO. - Incumbe ao Poder Público o dever
constitucional de proteger a flora e de adotar as
necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao
equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o
Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos
imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade
econômica, pelas limitações impostas pela Administração
Pública. - A proteção jurídica dispensada às coberturas
vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não
impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites
autorizados pelo CFIo, o adequado e racional aproveitamento
econômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do
STF e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia
constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-
se no sentido de proclamar a plena indenizabili- dade das
matas e revestimentos florestais que recobrem áreas
dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas
a restrições administrativas impostas pelo Poder Público.
Precedentes. — A circunstância de o Estado dispor de
competência para criar reservas florestais não lhe confere,
só por si — conside- rando-se os princípios que tutelam, em
nosso sistema normativo, o direito de propriedade —, a
prerrogativa de subtrair*se ao pagamento de indenização
compensatória ao particular, quando a atividade pública,
decorrente do exercício de atribuições em tema de direito
florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica
do imóvel por seu proprietário. - A norma inscrfía no ART.
225, §4°, dã Constituição deve ser interpretada de modo
harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo
ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que,
proclamada pelo an. 5a, XXII, da Cana Política, garante e
assegura o direito de propriedade em todas as suas
projeções, inclusive aquela concernente a compensação
financeira devida pelo Poder Público ao proprietário
atingido por atos imputáveis a atividade estatal. O preceito
consubstanciado no ART. 225, § 49, da Carta da República,
além de não haver convertido em bens públicos os imóveis
particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele
referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica
brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios
particulares, dos recursos naturais existentes naquelas
áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que
observadas as prescrições legais e respeitadas as condições
necessárias à preservação ambientaL — A ordem constitucional
dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88,
art. 5a, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental
da República estende-se, na abrangência normativa de sua
incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus,
da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado,
mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável,
atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico,
ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder
Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no
art. 225, § 4», da Constituição. — Direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de
um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput).
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
medida em que esta utilização possa vir a ser gravosa para a
natureza e a sociedade, independentemente da titularidade dos
bens considerados isoladamente.
3.2.1.1. Direito Ambiental e Direitos Humanos
A proteção ao meio ambiente é reconhecida como uma evolução
dos direitos humanos, consdtuindo-se em um aprofundamento da
concepção tradicional. A profunda e estreita relação entre
direitos humanos e proteção ao meio ambiente tem sido
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, assim como tem sido
reconhecida pela Corte Constitucional que a proteção ao meio
ambiente, ou a alegação de que a ação administrativa se faz em
defesa do meio ambiente, não pode ser feita sem a observância
dos direitos e das garantias individuais.11
11 STF - MS 22164 / SP - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 30/10/1995. TRIBUNAL PLENO. DJU; 17-11-1995 Pg.
39206. EMENTA: REFORMA AGRÁRIA - IMÓVEL RURAL SITUADO NO
PANTANAL MATO-GROSSENSE - DESAPROPR1AÇÃO-SANÇÃO (CF, ART.
184) - POSSIBILIDADE - FALTA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL E PRÉVIA
DO PROPRIETÁRIO RURAL QUANTO A REALIZAÇÃO DA VISTORIA (LEI
N. 8.629/93, ART. 2., PAU. 2.) - OFENSA AO POSTULADO DO DUE
PRO- CESS OF LAW (CR ART. 5°, LTV) - NULIDADE RADICAL DA
DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
REFORMA AGRÁRIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. - O POSTULADO
CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW, EM SUA DESUNAÇÃO
JURÍDICA, TAMBÉM ESTÁ VOCACIONADO A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE.
NINGUÉM SERÁ PRIVADO DE SEUS BENS SEM O DEVIDO PROCESSO
LEGAL (CF, ART. 5«, UV). A UNIÃO FEDERAL - MESMO TRATANDO-SE
DE EXECUÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA -
NÃO ESTÁ DISPENSADA DA OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR, NO DESEMPENHO
DE SUA A TTVIDA- DE DE EXPROPRIAÇÃO, POR INTERESSE SOCIAL,
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE, EM TEMA DE PROPRIEDADE,
PROTEGEM AS PESSOAS CONTRA A EVENTUAL EXPANSÃO ARBITRÁRIA DO
PODER ESTATAL. A CLÁUSULA DE GARANTIA DOMINIAL QUE EMERGE DO
SISTEMA CONSAGRADO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA TEM POR
OBJETIVO IMPEDIR O INJUSTO SACRIFÍCIO DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E VISTORIA
EFETUADA PELO INCRA. A VISTORIA EFETIVADA COM FUNDAMENTO NO
ART. 2., PAR. 2., DA LEIN. 8.629/93 TEM POR FINALIDADE
ESPECÍFICA VIABILIZAR O LEVANTAMENTO TÉCNICO DE DADOS E
INFORMAÇÕES SOBRE O IMÓVEL RURAL, PERMITINDO A UNIÃO FEDERAL
- QUE ATUA POR INTERMÉDIO DO INCRA - CONSTATAR SE A
PROPRIEDADE REALIZA, OU NÃO, A FUNÇAO SOCIAL QUE LHE É
INERENTE. O ORDENAMENTO POSITIVO DETERMINA QUE ESSA VISTORIA
SEJA PRECEDIDA DE NOTIFICAÇÃO REGULAR AO PROPRIETÁRIO, EM
FACE DA POSSIBILIDADE DE O IMÓVEL RURAL QUE LHE PERTENCE -
QUANDO ESTE NÃO ESTIVER CUMPRINDO A SUA FUNÇÃO SOCIAL - VIR
A CONSTITUIR OBJETO DE DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA, PARA FINS
DE REFORMA AGRÁRIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E PESSOAL DA
VISTORIA. A NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 2., PAR. 2.,
DA LEIN. 8.629/93, PARA QUE SE REPUTE VÁLIDA E POSSA
CONSEQÜENTEMENTE LEGÍTIMA EVENTUAL DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA
PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, HÁ DE SER EFETIVADA EM MOMENTO
ANTERIOR AO DA REALIZAÇÃO DA VISTORIA. ESSA NOTIFICAÇÃO
PRÉVIA SOMENTE CONSI- DERAR-SE-A REGULAR, QUANDO
COMPROVADAMENTE REALIZADA NA PESSOA DO PROPRIETÁRIO DO
IMÓVEL RURAL, OU QUANDO EFETIVADA MEDIANTE CARTA COM A VISO
DE RECEPÇÃO FIRMADO POR SEU DESTINATÁRIO OU POR AQUELE QUE
DISPONHA DE PODERES PARA RECEBER A COMUNICAÇÃO POSTAL EM
NOME DO PROPRIETÁRIO RURAL, OU, AINDA, QUANDO PROCEDIDA NA
PESSOA DE REPRESENTANTE LEGAI OU DE PROCURADOR REGULARMENTE
CONSTITUÍDO PELO DOMINUS. O DESCUMPRIMENTO DESSA FORMALIDADE
ESSENCIAL, DITADA PELA NECESSIDADE DE GARANTIR AO
PROPRIETÁRIO A OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL, IMPORTA VÍCIO RADICAL. QUE CONFIGURA
DEFEITO INSUPERÁVEL, APTO A PROJETAR-SE SOBRE TODAS AS FASES
SUBSE-
Direito Ambiental
A Emenda Constitucional ne 45, de 2004, acrescentou alguns
artigos à nossa Lei Fundamental que, em princípio, poderão
influenciar na decisão das questões jurídi- co-ambientais.
Refiro-me, especificamente, à inclusão do § 3e do artigo 52,
cujo teor é o seguinte:
§ 3Q Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
Chamo a atenção para o fato de que a doutrina, por ampla
maioria, bem como algumas decisões do STF têm considerado que
o artigo 225 da nossa Constituição é, em um dos seus múltiplos
aspectos, uma extensão do artigo 59. Por outro lado, a
QÜENTES DO PROCEDIMENTO DE EXPROPRIAÇÃO, CONTAMINANDO-AS, POR
EFEITO DE REPERCUSSÃO CAUSAL, DE MANEIRA IRREMISSÍVEL,
GERANDO, EM CONSEQÜÊNCIA, POR AUSÊNCIA DE BASE JURÍDICA
IDONEA, A PRÓPRIA INVALIDAÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL
CONSUBSTANCIADOR DE DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA PANTANAL MATO-
GROS- SENSE (CF, ART. 225, §4°)-POSSIBILIDADE JURÍDICA DE
EXPROPPIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS NELE SITUADOS, PARA FINS DE
REFORMA AGRÁRIA. - A NORMA INSCRITA NO ART. 225, § 4= DA
CONSTITUIÇÃO NÃO ATUA, EM TESE, COMO IMPEDIMENTO JURÍDICO A
EFETIVAÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE ATIVIDADE EXPROPRIATÓRIA
DESTINADA A PROMOVER E A EXECUTAR PROJETOS DE REFORMA AGRÁRIA
NAS ÁREAS REFERIDAS NESSE PRECEITO CONSTITUCIONAL, NOTADAMENTE
NOS IMÓVEIS RURAIS SITUADOS NO PANTANAL MATO-GROS- SENSE. A
PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, AO IMPOR AO PODER PÚBLICO
DEVER DE FAZER RESPEITAR A INTEGRIDADE DO PATRIMÔNIO
AMBIENTAL, NÃO O INIBE, QUANDO NECESSÁRIA A INTERVENÇÃO
ESTATAL NA ESFERA DOMINIAL PRIVADA, DE PROMOVER A
DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA,
ESPECIALMENTE PORQUE UM DOS INSTRUMENTOS DE REALIZAÇÃO DA
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE CONSISTE, PRECISAMENTE, NA
SUBMISSÃO DO DOMÍNIO A NECESSIDADE DE O SEU TITULAR UTILIZAR
ADEQUADAMENTE OS RECURSOS NATURAIS DISPONÍVEIS E DE FAZER
PRESERVAR O EQ.UILÍBRIO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 186, II),
SOB PENA DE, EM DESCUMPRÍNDO ESSES ENCARGOS, EXPOR-SE A
DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 184 DA LEI
FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO -
PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - O DIREITO A INTEGRIDADE DO MEIO
AMBIENTE - TÍPICO DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - CONSTITUI
PRERROGATIVA JURÍDICA DE TITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO,
DENTRO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, A
EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA DE UM PODER ATRIBUÍDO, NÃO AO
INDIVÍDUO IDENTIFICADO EM SUA SINGULARIDADE, MAS, NUM SENTIDO
VERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, A PRÓPRIA COLETIVIDADE
SOCIAL. ENQUANTO OS DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO (DIREITOS
CIVIS E POLÍTICOS} - QUE COMPREENDEM AS LIBERDADES CLÁSSICAS,
NEGAUVAS OU FORMAIS - REALÇAM O PRINCÍPIO DA LIBERDADE E OS
DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICA COM AS LIBERDADES POSITIVAS,
REAIS OU CONCRETAS - ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, OS
DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE MATERIALIZAM PODERES DE
TITULARIDADE COLETIVA ATRIBUÍDOS GENERICAMENTE A TODAS AS
FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E
CONSTITUEM UM MOMENTO IMPORTANTE NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO, EXPANSÃO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS
HUMANOS, CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORES FUNDAMENTAIS
INDISPONÍVEIS, PELA NOTA DE UMA ESSENCIAL INEXAURIBILIDADE.
CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
norma constitucional não fornece, nem poderia fazê-lo, uma
definição do que deve ser entendido como “tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos”. Uma
interpretação restritiva seria aquela que considerasse como
direitos humanos, apenas e tão-somente, as normas que se
destinassem a dispor sobre as matérias contidas na Declaração
Universal de Direitos Humanos. Não parece ser esta a melhor
orientação. De fato, ao analisarmos as principais convenções
internacionais :Sobre temas ambientais, sem dúvida alguma,
poderemos constatar que elas se referem a interesse comum da
humanidade, preocupação comum da humanidade e outros conceitos
correlatos. A título de exemplo, permito-me trazer à colação
alguns itens do preâmbulo da Convenção sobre Diversidade
Biológica da qual o ,Brasil é signatário:
“As Partes Contratantes,
Conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica e
dos valores ecológico, genético, social, econômico,
científico, educacional, cultural, recreativo e estético da
diversidade biológica e de seus componentes:
Conscientes, também, da importância da diversidade biológica
para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à
vida da biosfera,
Afirmando que a conservação da diversidade biológica é uma
preocupação comum à humanidade,
Reconhecendo a estreita e tradicional dependência de
recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações
indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável
repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização
do conhecimento tradicional, de inovações e de práticas
relevantes à conservação da diversidade biológica e à
utilização sustentável de seus componentes, Reconhecendo,
igualmente, o papel fundamental da mulher na conservação e na
utilização sustentável da diversidade biológica e afirmando a
necessidade da plena participação da mulher em todos os níveis
de formulação e execução de políticas para a conservação da
diversidade biológica,
Reconhecendo que o desenvolvimento econômico e sòcial e a
erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e
absolutas dos países em desenvolvimento,
Conscientes de que a conservação e a utilização sustentável
da diversidade biológica são de importância absoluta para
atender às necessidades de alimentação, de saúde e de outra
natureza da crescente população mundial, para o que são
essenciais o acesso e a repartição de recursos genéticos e
tecnologia, Observando, enfim, que a conservação e a
utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão
as relações de amizade entre os Estados e contribuirão para a
paz da humanidade.”
Muitos outros exemplos podem ser encontrados em tratados e
convenções sobre o tema proteção ambiental. Ante a evidente
novidade do tema, não se pode oferecer uma resposta conclusiva
sobre a elevação ao nível constitucional de tratados e
convenções ambientais. Certamente, tal questão será suscitada
perante o STF. O tema, entretanto, é relevante e merece ser
examinado com cuidado. Pessoalmente,
Direito Ambiental
entendo que a melhor solução é aquela que incorpora os
tratados e convenções ambientais à própria Constituição. As
consequências práticas da adoção do posicionamento acima
referido são imensas. Uma primeira consequência é, mediante
provocação do Procurador-Geral da República,12 a federalização
de todas as questões ambientais graves, visto que a nova
redação do artigo 109 da Lei Fundamental da República ampliou
a competência da Justiça Federal para acrescentar às suas
tradicionais competências aquela de julgar causas referentes a
direitos humanos.^ Uma outra questão que, seguramente, poderá
ser suscitada é aquela que diz respeito à delonga dos
processos ambientais, pois, de acordo com a nova redação do
artigo 5e de nossa Constituição,14 todos temos direito a uma
duração razoável dos processos.15
Não se deve esquecer, igualmente, que no campo
internacional, a política externa brasileira, em função do
disposto no artigo 7e do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias,16 o Brasil se obrigou a se empenhar pela criação
de um Tribunal internacional para o julgamento de crimes
contra os Direitos Humanos. Tal Tribunal, felizmente, já se
encontra criado. É o Tribunal Penal Internacional (TPI), com
sede em Haia. A questão que se coloca é a seguinte: estamos
obrigados a postular internacionalmente a criação de uma Corte
Ambiental ou pela ampliação da competência do TPI?
4. Aplicabilidade das Normas
Uma das questões centrais da vida do Direito, provavelmente
a mais importante, é aquela que diz respeito à aplicação e
eficácia das normas jurídicas. Em matéria ambiental, o
problema não é diferente. Provavelmente seja mais grave.
A CF, com o objetivo de tomar efetdvo o exercício do direito
ao meio ambiente sadio, estabeleceu uma gama de incumbências
para o Poder Público, arroladas nos incisos I/VII do § ls do
artigo referido, que se constituem em direitos públicos sub-
jetivos, exigíveis pelo cidadão a qualquer momento.
12 Art. 109, § 5« Nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade
de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o
Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior
Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou
processo, incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal.
13 Art. 109-V-A As causas relativas a direitos humanos a que
se refere o § 5o deste artigo.
14 Art. 5®, LXXVTIIA todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do pro-
cesso e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.
15 STF HC 86915/SP. Relator; Min. GILMAR MENDES. Segunda
Turma. DJU: 16-06-2006, p. 28. EMENTA: HAJBEAS CORPUS.
HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVAS DE HOMICÍDIO. PRISÃO PRE-
VENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. 1. A duração prolongada da prisão
cautelar afronta princípios constitucionais, especialmente,
o da dignidade da pessoa humana, devido processo legal,
presunção de inocência e razoável duração do processo. 2. A
demora na instrução e julgamento de ação penal, desde que
gritante, abusiva e inazoável, caracteriza o excesso de
prazo. 3. Manter uma pessoa presa cautelarmente por mais de
dois anos é desproporcional e inaceitável, constituindo
inadmissível antecipação executória da sanção penal. 4.
Precedentes. 5. Ordem de habeas cozpus deferida de ofício.
16 Art. 7° O Brasil propugnará pela formação de um tribunal
internacional dos direitos humanos.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
Ante o jurista, coloca-se a questão de saber qual a natureza
das normas constitucionais pertinentes ao meio ambiente. Um
correto equacionamento da questão é fundamental para que a Lei
seja adequadamente aplicada e para que o cidadão e a
coletividade, como titulares do direito ao meio ambiente
sadio, possam exigir do Estado e dos particulares em geral a
proteção devida ao meio ambiente.
Inicialmente, cumpre observar que o caput do artigo 225
instituiu um Direito de ampla abrangência econômica e social.
Todo o conjunto de normas do artigo 225 estabelece um rol de
ações e abstenções que devem, desde logo, ser observadas pela
Administração, ou pelos particulares. Verifica-se, de plano,
que muitos incisos e parágrafos do artigo 225 não demandam
posterior regramento em nível infraconsti- tucional, enquanto
outros necessitam de adensamento em Lei específica, sendo de
eficácia contida. Tal situação toma problemática a aplicação
imediata e in totum do capítulo ambiental de nossa Carta
Política, ainda que se possa entender que o artigo 225 é uma
extensão do artigo 5e,17 pois, sem dúvida, o meio ambiente pode
ser entendido como um “direito individual”; logo, nos termos
do § Ia do artigo 5e, cuja eficácia é plena, a matéria,
contudo, não é tão simples.
Saber quais das normas são de eficácia plena e quais são de
eficácia contida é uma tarefe jurídica complexa e de
relevância fundamental para que o Direito Ambiental possa,
efetivamente, ter uma existência concreta. Maria Helena Diniz
sustenta que:
São plenamente eficazes as normas constitucionais que forem
idôneas, desde sua entrada em vigor, para disciplinarem as
relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, por
conterem todos os elementos imprescindíveis para que haja a
possibilidade da produção imediata dos efeitos previstos, já
que, apesar de suscetíveis de emenda, não requerem normação
subconstitucional subseqüente
O artigo 225 é complexo em sua estrutura e, portanto,
compõe-se de normas de variado grau de eficácia. De fato, no
interior do citado artigo existem normas que explicitam um
direito da cidadania ao meio ambiente sadio (art. 225 caput),
normas que dizem respeito ao direito do meio ambiente (art.
225, § l9,1) e normas que explicitam um direito regulador da
atividade econômica em relação ao meio ambiente (art. 225, §
l9, V).
Estas dificuldades ainda não foram devidamente enfrentadas
pela doutrina. Não temos dúvidas em afirmar que as normas que
consagram o direito ao meio ambiente sadio são de eficácia
plena e não necessitam de qualquer norma subconstitucional
para que operem efeitos no mundo jurídico e que, em razão
disso, possam ser utilizadas perante o Poder Judiciário,
mediante todo o rol de ações de natureza constitucional, tais
como a ação civil pública e a ação popular.
17 Na medida em que explicita um direito humano fundamental.
18 Norma constitucional e seus efeitos, São Paulo: Saraiva,
1989, p. 99.
Direito Ambiental
Veja-se que, após definir o direito ao meio ambiente, a Lei
Fundamental, no § Ia do artigo 225, estatui que:
Para assegurara efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:...
A partir do parágrafo, segue uma série de incisos. Em tais
incisos estão contidos os comandos para o legislador ordinário
e para o administrador. Tais comandos são de natureza
obrigatória e não podem ser desonrados pelos destinatários. É
exatamente através da obediência aos comandos constitucionais
que o direito ao meio ambiente pode se tomar um elemento da
vida real. Os instrumentos são constitucionais, são as
ferramentas com as quais o direito se materializará.
Na qualidade de instrumentos, não se pode admitir que os
incisos do § ls do artigo 225 sirvam para impedir a fruição do
direito estabelecido no caput. Ocorre, entretanto, que alguns
dos incisos são problemáticos quanto à sua materialização. O
exemplo mais significativo é aquele que nos é fornecido pelo
inciso IV, que se apresenta como o mais problemático, na
medida em que se refere expressamente à necessidade de lei.
Lei, nesta altura, deve ser compreendida como ato normativo,
regulamento. É desnecessária a normação por meio de lei
formal, pois a própria Constituição fixou os limites da
exigibilidade dos Estudos de Impacto Ambiental. E evidente que
os Estudos de Impacto Ambiental significam uma interferência
na esfera privada dos agentes econômicos e, portanto, somente
poderiam ser criados por lei formal. Ocorre que a própria
Constituição reconheceu e recepcionou o instituto que lhe é
antecedente e, mais do que isso, definiu as condições em que
este deverá ser exigido. Assim sendo, a norma está plenamente
apta a gerar resultados jurídicos, a ser exercitada
plenamente, a ser eficaz.
As demais normas jurídicas contidas nos parágrafos restantes
do artigo 225 possuem natureza diversa daquela do parágrafo
inaugural do capítulo constitucional do meio ambiente. Em
verdade, não há uma unidade conceituai ou material entre os
cinco parágrafos finais do capítulo. Devido à grande
disparidade entre os temas contidos no parágrafo, não será
possível examiná-los todos neste capítulo. O exame dos dife-
rentes conteúdos está espalhado ao longo dos diversos
capítulos do presente trabalho.
5. A Integração de Conceitos Exteriores ao Direito na
Constituição
O § ls do art. 225 da Lei Fundamental integrou toda uma
série de conceitos não jurídicos ao Direito Ambiental
Constitucional. Como exemplo posso citar:
I - preservar e restaxnrar os processos ecológicos essenciais
e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
O inciso I estabelece obrigações para o Poder Público e, em
contrapartida, estabelece um direito subjetivo público
oponível ao Estado, de forma que o cidadão possa exigir que o
Estado atue ativamente na área da proteção ao meio ambiente. A
preservação é uma obrigação cujos sujeitos passivos são os
diversos órgãos públicos espe-
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
cialmente voltados para a referida tarefa ou para aqueles que
tenham promovido ou estejam promovendo atividades
ambientalmente impactantes. Contudo, há que se observar que
somente os processos ecológicos essenciais devem ser
preservados; os demais estão submetidos às regras de
conservação. Existe uma obrigação de, na medida do possível,
repristinar BS realidades ambientais anteriores. O Estado deve
se empenhar em estabelecer processos que permitam a
recuperação de ecossistemas degradados, quaisquer que sejam as
origens da degradação.
Observe-se, contudo, que processos ecológicos essenciais é
uma expressão que soa incoerente e contraditória, pois, como
se sabe, a interação e o equilíbrio são as características
fundamentais da vida em natureza. O que me parece é que o
constituinte pretendeu resguardar uma estrutura natural mínima
capaz de assegurar a reprodução e o desenvolvimento de
determinados padrões de ecossistemas. O Estado, desta forma,
deve colocar-se em oposição a procedimentos que possam pôr em
risco as espécies vivas. Por outro lado, os processos
ecológicos que, cientificamente, fique comprovado não serem
fundamentais estão, a princípio, excluídos da proteção
constitucional. José Lutzemberger,19 ao analisar o significado
do termo equilíbrio ecológico, disse:
A volta ao equilíbrio requer um novo paradigma para nosso
pensamento econômico e desenvolvimentista. Não podemos querer
imitar o comportamento predatório dos países ditos
"desenvolvidosmuito ao contrário, devemos procurar íreiá-los,
porque eles estão nos prejudicando. De fato, o “desenvolvi-
mento” dos Estados Unidos e de outros países altamente
industrializados só é possível enquanto outras regiões, as
“subdesenvolvidas”, mandarem para lá, a preços irreais, suas
matérias-primas, à custa de seus próprios descendentes. As
cidades vivem do campo, e sem ele morreriam, pois são
incapazes de se alimentarem com seus meios. Assim os
“desenvolvidos” vivem dos “subdesenvolvidos”. Toda retórica de
“ajuda aos subdesenvolvidos” não pode esconder o fato de que o
verdadeiro fluxo de capital, a verdadeira direção da
subvenção, é dos “subdesenvolvidos” aos “desenvolvidos" Um
mundo totalmente “desenvolvido” é tão impensável quanto seria
um mundo em que o último quilômetro quadrado estivesse coberto
de concreto.
O texto acima é uma demonstração, parcial, da estreita
interdependência entre as diversas realidades existentes no
mundo socialmente construído e no chamado mundo “natural”.
Efetivamente, o consumo dos recursos naturais está
absolutamente vinculado ao padrão de desenvolvimento adotado
por cada nação considerada isoladamente e, fundamentalmente,
pelo papel desempenhado por esta na ordem econômica
internacional. A preservação de processos ecológicos e de
espécies vivas é, portanto, uma função deste conjunto de
fatores. A baba remuneração auferida pelos
19 Fim do futuio?, Porto Alegre: Movimento, 1976, p. 76.
Direito Ambientai
países do Sul com a exportação de suas matérias-primas é um
dos mais importantes fatores estimulantes da degradação
internacional do meio ambiente. E necessário estar consciente,
entretanto, de que os fatores internos, igualmente, são de
grande importância e não podem ser menosprezados, sob pena de
uma banalização das questões e, sobretudo, pela criação de um
clima de autoindulgência que não será capaz de produzir
qualquer melhoria concreta nas terríveis condições de vida e
ambientais do terceiro mundo. As cáusticas observações de Hans
Magnus Enzensberger20 merecem ser transcritas:
Teorias de que a pobreza se explica apenas por fatores
externos são alimento barato não apenas para a indignação
moral. Elas possuem uma vantagem a mais: servem para o
desencargo de consciência dos poderosos do mundo pobre que
põem a responsabilidade da miséria exclusivamente sobre os
ombros do Ocidente, que, aliás, foi há pouco rebatizado com o
nome de “Norte”.
Não se pode, concretamente, falar em desenvolvimento
sustentado sem que o fator humano deste desenvolvimentismo
tenha logrado atingir um nível capaz de assegurar o seu
florescimento pleno em condições de ampla dignidade. O
equilíbrio ecológico não se consegue com uma participação
igualitária entre todos os seres vivos na imensa roda que é o
desenrolar da vida em todas as formas pelas quais esta se
manifesta. Ao contrário, os papéis são diversificados e,
praticamente, impossíveis de serem quantificados.
Nas palavras de Negret,21 temos que:
... cada ser vivo desempenha função específica qualitativa e
quantitativamente nessa dinâmica energética, e é justamente
nessa participação desigual, nesse desequilíbrio complementar,
que se baseia a estabilidade do sistema. A desigualdade é a
alma que impulsiona a evolução e a revolução. De cada um,
segundo suas possibilidades; a cada um, segundo suas
necessidades. Esta Lei universal cumpre-se inexoravelmente e
conduz o processo histórico na evolução da matéria.
Ecossistema, em definição acadêmica, é um conceito complexo
que, para Roger Dajoz,22 é composto pelo biótopo mais a
biocenese:
A noção de biocenese é inseparável da noção de biótopo. Dá-
se esse nome ao espaço ocupado pela biocenese. O biótopo é uma
área “geográfica de superfície e volumes variáveis submetida a
condições cujas dominantes são homogêneas” (Pères, 1961). Para
Davis (1960), o biótopo é uma extensão mais ou menos
20 Gueixa civil, São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 30.
21 Rafael Negret. Ecossistema — unidade básica para o
planejamento da ocupação territorial, Rio de Janeiro: FGV,
1982, p. 1.
22 Roger Dajoz. Ecologia geral, Petrópolis: Vozes, 1983, 4*
ed., p. 279.
A Ordem Constitucional do Meio Ambiente
bem delimitada contendo recursos suficientes para poder
assegurar a conservação da vida.
Prossegue o autor francês:
... um ecossistema apresenta certa homogeneidade do ponto de
vista topográfico., climático, botânico e zoológico,
pedológico, hidrológico e geoquímico. As trocas de matéria e
de energia entre seus constituintes fazem-se com intensidade
característica. Do ponto de vista termodinâmico, o ecossistema
é um sistema relativamente estável no tempo e aberto...
Como se sabe, o termo “ecossistema” foi originalmente
proposto por Tansley, visando dar uma definição para a
interação entre os seres vivos e os elementos físicos que
dotam de peculiaridades os locais onde estes habitam. O
ecossistema é a unidade funcional básica da natureza. Para
Tansley, os termos anteriormente propostos pelos cientistas
para designar a unidade básica da natureza não eram
suficientemente adequados
porque o conceito fundamental de iun sistema natural
completo inclui não unicamente o complexo orgânico, mas também
o complexo dos fatores físicos que conformam o que denominamos
o meio ambiente, os fatores do habitat. Nós não podemos
separar as comunidades vivas do seu meio ambiente especial,23
Ante a importância fundamental do conceito, julgamos
extremamente importante agregar mais alguns conceitos e
definições sobre o ecossistema. Eugene Odum24 afirma que:
Os organismos vivos e o seu ambiente não-vivo (abiótico)
estão inseparavelmente inter-relacionados e interagem entre
si. Chamamos de sistema ecológico ou ecossistema qualquer
unidade (bíossistema) que abranja todos os organismos que
funcionam em conjimto (a comunidade biótica) numa dada área,
interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de
energia produza estruturas bióticas claramente definidas e uma
ciclagem de materiais entre partes vivas e não-vivas.
O ecossistema é a unidade funcional básica na ecologia, pois
inclui tanto os organismos quanto o ambiente abiótico; cada um
desses fatores influencia as propriedades do outro e cada um é
necessário para a manutenção da vida, como a conhecemos na
Terra. Este nível de organização deve ser nossa primeira
preocupação se qui-
23 Apud Rafael Negret. Ob. dt., p. 7.
24 Ecologia, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1988, p. 9.
Direito Ambiental
sermos que a nossa sociedade inicie a implementação de
soluções holísticas para os problemas que estão aparecendo
agora em relação ao bioma e à biosfera.
A complexidade dos ecossistemas e das múltiplas interações
existentes em seu interior demonstram ao jurista a total
impossibilidade da adoção dos métodos tradicionais do direito
para a compreensão desta nova realidade que, originariamente
exterior, penetra avassaladoramente no universo do direito,
assentando-se na própria Constituição. Vê-se, claramente, que
o jurista deverá buscar na moderna ecologia os conceitos
básicos para a proteção ambiental desejada pela sociedade.
A incorporação da tutela dos ecossistemas no texto
constitucional implica, efetivamente, uma profunda alteração
do próprio conceito de sujeito de direito. Se, por um lado, é
bastante dificultosa a aceitação de um sujeito de direito não
antropológico, muito mais “incrível” é a inclusão do
biocentrismo como novo conceito central do direito.
Obviamente, não se trata de uma superação dos conceitos
antropocêntri- cos ou biocêntricos, mas, pelo contrário, um
reconhecimento de ambos como sujeitos de direito, e mesmo o
reconhecimento de que, no interior de um determinado
ecossistema, é possível a titularização de direitos por
“sujeitos abióticos”.
Sem dúvida, trata-se de assumir a necessidade de um grande
esforço intelectual para que se possa compreender a verdadeira
dimensão das transformações, internas ao Direito, realizadas
pelo Direito Ambiental.25 Uma orientação segura pode ser
encontrada no fecundo pensamento de Felix Guatari:2^
Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da
cultura e precisamos aprender a pensar “transversalmente” as
interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universo de
referências sociais e individuais.
Manejo ecológico - O manejo ecológico é a intervenção humana
sobre o meio ambiente e as espécies animais e vegetais, capaz
de assegurar-lhes a sobrevivência e uma utilização capaz de
assegurar bem-estar à sociedade.
Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma obviedade que, no
entanto, precisou ser elevada ao nível da Constituição. Como
se sabe, no Brasil, as obviedades precisam ser repetidas à
exaustão para que tenham alguma chance de serem observadas.
Não se pode impedir totalmente a utilização de todo e qualquer
recurso natural. Aliás, este não é o propósito do artigo 225
da CRFB, Partindo-se desse princípio, faz- se imperioso que a
utilização dos recursos naturais seja feita em consonância com
as realidades de cada ecossistema, com as suas vocações.
Parece-nos que a Lei Fundamental pretende que não se
utilizem recursos em prejuízo das características básicas de
cada ecossistema especialmente determinado. A destruição
ambiental é um caminho sem retomo.
25 Tais transformações, de resto, são verificáveis em todos os
aspectos da vida em sociedade que se alterou profundamente
após a revolução ecológica.
26 As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990, p. 25.
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
Capítulo III Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
1. Introdução
O problema jurídico-constitucional mais complexo em matéria
de proteção ambiental é a repartição de competências entre os
integrantes da Federação. Isso tem sido reconhecido pelos
estudiosos do tema, não sem uma certa perplexidade como nos dá
mostra Freitas,1 “em que pesem as dificuldades para discernir o
que é interesse nacional, regional ou local, assunto ainda
pouco enfrentado pela doutrina e pelos Tribunais, o certo é
que a repartição de poderes atende mais aos interesses da
coletividade. Evidentemente, só com o tempo as dúvidas serão
aclaradasEm obra posterior, o mesmo Freitas2 insiste na questão
das evidentes dificuldades decorrentes dos aspectos
relacionados com competências, senão vejamos: “A prática vem
revelando extrema dificuldade em separar a competência dos
entes políticos nos casos concretos. Há - é inegável - disputa
de poder entre órgãos ambientais, fazendo com que,
normalmente, mais de um atribua a si a mesma competência
legislativa e material. ” Essas observações, adequadas, por
certo, ainda não têm encontrado eco nos ambientes judiciais
que, em diversas vezes, não demonstram capacidade de esclare-
cer os comandos constitucionais referentes às competências. E
verdade, como se verá, que o STF tem dado à questão um
tratamento bastante coerente, muito embora extremamente
centralizadora.
Machado,3 com a inegável autoridade e experiência na matéria
que lhe é reconhecida, aponta uma questão que, com frequência,
tem sido esquecida por legisladores e administradores: “leis
iníraconstitucionais não podem repartir ou atribuir com-
petências, a não ser que a própria CF tenha previsto essa
situação, como o fez expressamente no art. 22, parágrafo
único, quando previu que a competência comum estabelecendo
normas de cooperação será objeto de lei complementar .” O
decano do DA brasileiro tocou em uma das questões mais
delicadas e críticas: a indisfarçável tendência legislativa e
mesmo regulamentar em “atribuir” competência e definir repar-
tições de forma flagrantemente antagônica ao texto
constitucional. Enfim, é um quadro extremamente confuso e no
qual abundam as vaidades e egos de políticos e admi
1Vladimir Passos de Freitas. Direito Administrativo e Meio
Ambiente. Curitiba: Juruá, 1993, pp. 31-32.
2Vladimir Passos de Freitas. A CF e a Efetivida.de das Normas
Ambientais, São Paulo: RT. 2000, p. 80.
3 Paulo Affonso Leme MachadoO. Direito Ambiental Brasileiro.
São Paulo: Malheiros. 13* ed. 2005, p. 108.
Direito Ambiental
nistradores na qual o jurista tem que se movimentar para
alcançar o verdadeiro significado das repartições de
competências constitucionais ambientais.
Um adequado equacionamento das dificuldades geradas pela
repartição de competências em matéria ambiental é fundamental
para que a proteção do meio ambiente possa, verdadeiramente,
acontecer de forma efetiva e dentro dos limites da ordem
jurídica democrática. É relevante consignar que a proteção ao
meio ambiente, considerada em si mesma, não é necessariamente
democrática, ainda que o Direito Ambiental, tal como concebido
modernamente, tenha uma origem democrática. É perfeitamente
possível que se proteje o meio ambiente com métodos ditato-
riais,4 como foi o caso de Juan Balaguer na República
Dominicana; o grande desafio para a nossa sociedade é proteger
o meio ambiente em um regime democrático, fede- ralista e
constitucional.
Um dos pontos mais relevantes do tema é o exercício do poder
de polícia ambiental que, em termos práticos, se desdobra na
fiscalização e no licenciamento ambiental. Nestes dois pontos
se materializam as maiores dificuldades para as atividades
econômicas e, principalmente, os conflitos entre os diferentes
entes administrativos, tanto no nível das diferentes esferas
administrativas como, não raras vezes, dentro de um mesmo
nível político administrativo, visto que não são raras as
divergências e, até mesmo, atitudes contraditórias entre
agências de controle ambiental, institutos de florestas e
agências de águas de um mesmo Estado, Município ou da União.
Rotineiramente, o poder de polícia sobre determinada
atividade integra as atribuições da pessoa de direito público
interno dotada de competência legislativa no assunto, visto
que o poder de polícia é uma decorrência da competência. À
competência legislativa, corresponderá uma competência
administrativa específica. A definição das competências é
importante para que se saiba quais são as entidades respon-
sáveis pela fiscalização da atividade desenvolvida. O sistema
federativo adotado por nosso País, contudo, cria situações que
não são juridicamente muito claras e que precisam de estudo
cuidadoso para a sua correta compreensão. Aliás, este é um
tema recorrente em todos os países que adotam o chamado modelo
do federalismo cooperativo. A primeira dificuldade concreta
para que se compreenda a complexa questão é que a Constituição
se utiliza, indistintamente, da expressão meio ambiente e de
vocábulos, de elementos que, em tese, constituem o meio
ambiente. Assim, a Constituição fala em meio ambiente e em
recursos hídricos, florestas, ecossistemas etc. Ora, a
Constituição reconhece uma competência para legislar sobre
minas e outra para legislar sobre meio ambiente; reconhece uma
competência para energia nuclear e outras para meio ambiente.
Por certo, são temas intimamente correlacionados e cujo
tratamento deve ser feito em conjunto, sob pena de
esvaziamento das competências constitucionais e insegurança
jurídica, com a consequente fragilização ambiental. Parece-me,
e este tem sido o entendimento do STF, que as competências
privativas se sobrepõem às competências concorrentes - quando
os temas se tangen-
4 Jared Diamond. Colapso: como as sociedades escolhem o
fracasso ou o sucesso (tradução de Alexandre Raposo). Rio de
Janeiro: Record. 2005, pp. 413-5.
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
ciarem o que significa, na prática, o estabelecimento de um
regime federal muito centralizado e centralizador. Ora, ao
legislar sobre minas, por exemplo, a União exerce toda a
competência sobre a matéria, inclusive a ambiental, adotando-
se o critério de que o acessório segue o principal, ou seja, a
competência concorrente somente será exercida na medida em que
se conforme ao padrão federal definido em sede de competência
exclusiva. Nenhuma norma estadual ou municipal poderá, a
título de proteção ambiental, chegar ao ponto de inviabilizar
a atividade tal qual definida pela União no uso exclusivo de
suas atribuições. Este é um parâmetro que deve ser seguido em
toda e qualquer matéria que, tratada na competência privativa
da União, tenha repercussão ambiental (competência
concorrente). É possível se afirmar que a competência
privativa exerce um direito de preempção sobre a competência
concorrente e mesmo a comum, sempre que entre elas se
identifique um ponto de contato. O que aqui se explicita, por
certo, não é um desejo pessoal do autor, mas a forma pela qual
a prática judicial e administrativa tem solucionado as
questões: com maior centralização.
As competências legislativas ambientais estão aparentemente
muito repartidas pela CF, sendo certo que tanto a União como
os Estados-Membros e os Municípios possuem-na, em tese, ainda
que de forma e grau diferentes. Há uma verdadeira bal-
canização de competências. A repartição de competências
legislativas, feita com espírito que, à primeira vista, se
passa por descentralizador, muito embora não o seja,
Direito Ambiental
implica a existência de um sistema legislativo complexo e que,
nem sempre, funciona de modo integrado, como seria de se
esperar e que tende a operar como uma força centrípeta. Tal
fato é devido a toda uma gama de circunstâncias que variam
desde interesses locais e particularizados até conflitos
interburocráticos e, sem dúvida, chegam até as dificuldades
inerentes ao próprio sistema federativo tripartite. Com
efeito, ainda não se logrou uma clara demarcação do campo de
atividade dos diversos órgãos ambientais, visto que as
competências não estão claramente definidas, visto que a
repartição de competências é muito vaga. Este feto, como é
óbvio, resulta altamente prejudicial ao meio ambiente e para
aqueles que utilizam bens ambientais para atividades
econômicas, estabelecendo um eficiente regime de incerteza
jurídica.
2. Competência Federal
A CF, em seu artigo 22,5 determina competir privativamente à
União legislar sobre: águas, energia, jazidas, minas e outros
recursos minerais e atividades nucleares de qualquer natureza.
Os itens acima citados estão amplamente relacionados com o
meio ambiente. Formam, portanto, parte significativa da
legislação ambiental e, na prática, desmentem aqueles que
acreditam que a Constituição de 1988 é descentra- lizadora.
Tal quantidade de competências privativas, quando mesclada com
as concorrentes, gera uma teia que muito pouco, ou quase nada,
resta para os demais entes federativos.
A União, na forma do artigo 236 da CF, tem competência comum
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para:
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas; preservar as florestas, a flora e a fauna;
registrar, acompanhar e fiscalizar a concessão de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios. A competência comum é uma verdadeira “armadilha”,
visto que, na prática, a atribuição de todos acaba se
transformando na atribuição de ninguém. Ademais, a competência
comum não é complementada pela indispensável fonte de recursos
para a sua implementação, gerando uma dependência de Estados e
municípios em relação ao poder federal. Veja-se, ademais, que
a competência comum despreza o princípio da subsidiaríedade,7
sendo articulada sem nenhum critério claro ou, minimamente,
compreensível. Não há, na Constituição, um critério fundado na
possibilidade de uma prestação de serviço mais adequada ou de
maior proteção ao meio ambiente.
O artigo 248 da CF determina competir à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre;
florestas, caça, pesca, fauna, conservação, defesa do
5 CF, art. 22, IV, XII, XIV, XXVI.
6 CF, art. 23, III, IV, VI, VII e XI.
7 Pontifício Conselho de “Justiça e Paz”, Compendio de
Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2005,
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
meio e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e
controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico.
Por incrível que possa parecer, verifica-se, mais uma vez e
sem muita dificuldade, que diversas das matérias que integram
a competência privativa da União estão, concomitantemente,
arroladas nas competências comum e concorrente dos diversos
formadores da Federação. Água, energia, jazidas, minas e
outros recursos minerais e atividades nucleares de qualquer
natureza integram a competência legislativa privativa da
União. Ocorre que a proteção do meio ambiente, o combate à
poluição, a preservação de florestas, da flora e da fauna, a
exploração de recursos hídricos, estão incluídos na
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: florestas, caça,
pesca, fauna, conservação, defesa do meio e dos recursos
naturais, proteção ao meio ambiente e controle ida poluição;
proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,
turístico e paisagístico.
Esta notória superposição legislativa e de competências
ainda não foi esclarecida, pois não existe tuna lei que
delimite claramente o conteúdo da competência de cada uma das
entidades políticas que constituem a Federação brasileira. A
Resolução n2 237 do CONAMA, ainda que sem a necessária base
legal, tentou enfrentar o problema. Diante do quadro normativo
acima descrito, o papel desempenhado pela União se avulta,
pois, dado que à União compete estabelecer os princípios
gerais da legislação ambiental, as suas normas servem de
referencial para Estados e Municípios, que, não raras vezes,
não produzem legislação própria e acabam aplicando diretamente
a legislação federal, o que não me parece juridicamente
válido, embora aconteça na prática cotidiana. De fato, a
experiência tem demonstrado que, não poucas vezes, os
municípios e os Estados chegam a aplicar, por intermédio de
suas fiscalizações, normas criminais previstas na Lei n2
9.6051!!
A competência definida no artigo 22 da CRFB, ou seja, a
competência privativa, somente pode ser exercida pela própria
União, a menos que ela, mediante lei complementar, autorize os
Estados-Membros a legislar sobre questões específicas
incluídas nas matérias contempladas no parágrafo único.9 A
competência privativa é competência legislativa que só pode
ser exercida pelos Estados mediante autorização dada por lei
complementar federal para casos específicos. O STjF10 já tem
entendimento pacífico no sentido de inadmitir a legislação
local enquanto não for editada a Lei Complementar determinada
pela própria Constituição: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N2 7.723/99 DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE. PARCELAMENTO DE MULTAS DE TRÂNSITO. INCONS-
TITUCIONALIDADE FORMAL. 1. Esta Corte, em pronunciamentos
reiterados, assentou ter, a Constituição do Brasil, conferido
exclusivamente à União a competên-
9 Art. 22, parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar
os Estados a legislar sobre questões específicas das
matérias relacionadas neste artigo.
10 ADI 2432 / RN Relator: Min. EROS GRAU Tribunal Pleno. DJU
26-08-2005, p. 5. Republicação: DJU 23- 09-2005, p. 7.
Direito Ambiental
cia paxa legislar sobre trânsito, sendo certo que os Estados-
Membros não podem, até o advento da lei complementar prevista
no parágrafo único do artigo 22 da CB/88, legislar a propósito
das matérias relacionadas no preceito. 2. Pedido de declaração
de inconstitucionalidade jvdgado procedente ” É óbvio que, sem
que haja um claro pacto político a favor da descentralização,
a mencionada Lei Complementar — assim como tantas outras — não
sairá do terreno das declarações constitucionais abstratas.
2.1. Omissões inconstitucionais11
Todo o problema — ou pelo menos a parte mais importante dele
- jurídico-cons- titucional relativo à repartição de
competências tem uma origem bem demarcada nas omissões do
Congresso Nacional que não disciplina, por leis próprias, as
matérias relativas à repartição de competências e, com isso,
reforça o seu próprio papel político em detrimento da
autonomia dos Estados e dos municípios.
Tem circulado nos meios políticos e jurídicos a expressão
Pacto Federativo. Vejamos do que se trata. Por pacto
federativo tem sido entendido um amplo acordo entre os entes
federados quanto ao exercício das competências de cada um.
Apenas, en passant, deve ser relembrado que pacto federativo,
de fato, é o que consta da própria Constituição, que deveria,
simplesmente, ser cumprido. Para a implementação de tal pacto,
chegou-se a criar "comissões tripartites”, nas quais estão
representados o Ibama, os órgãos estaduais de meio ambiente e
os órgãos municipais. Tanto as comissões tripartites quanto o
chamado pacto federativo são mecanismos que, como concebidos,
fortalecem a centralização.
O pacto federativo está contido na GF e só nela. O que é
urgente, sob meu ponto de vista, é o dúplice reconhecimento do
Estado de Direito e do Federalismo, de forma que possamos sair
do verdadeiro atoleiro no qual patina, sem esperança de sair,
a implementação do federalismo ambiental no Brasil.
Em primeiro lugar, há que se observar, como já foi
explicitado, que o artigo 24 da CF, em seus quatro parágrafos,
estabelece caber à União produzir a legislação geral e que a
competência geral da União não suprime a competência
suplementar dos Estados. Acrescenta a Constituição que, na
inexistência de norma federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência plena e que, na superveniência de lei
federal sobre normas gerais, cessa a eficácia da norma
estadual naquilo que contrariar a lei federal sobre normas
gerais. Nestes quatro parágrafos está a essência do chamado
“federalismo cooperativo”. Entretanto, no estágio em que a
matéria se encontra, de fato, não podemos falar em um
federalismo cooperativo, pelo simples fato de que não existe
uma lei federal sobre normas gerais. O que se tem verificado é
uma forte tendência da União a criar “políticas nacionais”,
nem sempre com amparo constitucional e que, não raras vezes,
têm sido recebidas pelo ordenamento jurídico como se “normas
gerais” fossem. Na verdade, as “políticas nacionais” implicam,
do ponto de vista prático e, sobretudo, político, a submissão
dos Estados à “política
11 Texto base publicado em www.oeco.com.br aos 11.09.2005.
fcSSJ - Erário &pgforBy^
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
federal” vigente. A política nacional, em matéria contemplada
na competência concorrente, é o centralismo avançado sobre o
espaço político reservado aos Estados e aos municípios, com a
tolerância, aceitação e, às vezes, sob requerimento dos pró-
prios Estados que, destituídos de recursos, se submetem à
constante e firme invasão do poder federal sobre áreas
constitucionalmente reservadas a Estados e municípios.
Como já foi visto, há a necessidade constitucional de que se
elabore uma lei sobre normas gerais para que as competências
concorrentes possam ser exercidas de forma harmônica e
conforme o desejo do legislador constituinte. O artigo 61 da
CF determina a titularidade ativa para a iniciativa de lei
que, no caso concreto, está deferida a qualquer membro do
Congresso Nacional e ao Presidente da República. Entretanto,
passados 20 anos da elaboração da “Constituição Cidadã”, nem o
Poder Legislativo nem o Poder Executivo usaram o seu poder-
dever de dar iniciativa a projeto de lei versando sobre tema
tão crucial para a nossa combalida federação. Na verdade, tal
iniciativa não é exercida, pois implicaria uma real diminuição
dos poderes federais, o que não atende aos interesses — seja
do Executivo, seja do Legislativo — federais, que permanecem
com um alto poder de pressão e barganha sobre estados e
municípios.
Em regime federativo, como se sabe, cabe ao Poder Judiciário
decidir as questões relativas às inconstitucionalidades de
leis e atos normativos federais e estaduais em face da CF e
daquelas dos Estados. Ao STF é deferida a elevada atribuição
de, ao declarar as inconstitucionalidades em face da CF,
estabelecer o perfil jurídico constitucional da relação entre
os diversos integrantes da Federação, fazendo com que ele seja
o ponto de equilíbrio da própria União. Isto pode ser feito
por diversos meios, dentre os quais se destaca a Ação Direta
de Inconstitucionalidade, seja por ação ou omissão.12
Quem se dedicar ao exame das muitas matérias compreendidas
na competência concorrente entre Estados, União e Distrito
Federal verificará que existe uma tendência à centralização
que, sem dúvida alguma, tem sido sustentada pelo STF em função
do fato de que “não há em nosso ordenamento jurídico”uma. lei
federal sobre normas gerais, o que acaba acarretando que, na
prática, toda e qualquer lei federal seja considerada uma “lei
geral”. De feto, não tem havido um questionamento efetivo
quanto aos limites impostos ao poder de legislar da União e,
principalmente, de invadir a competência dos Estados, São
praticamente inexistentes as declarações de
inconstitucionalidade de leis federais por "invasão da
competência dos estados”, muito embora a possibilidade teórica
exista.
12 Ait. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: I — processar e julgar,
originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal; (...) p) o pedido de medida cau- telar das ações
diretas de inconstitucionalidade; q) o mandado de injunção,
quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição
do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara
dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas
Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um
dos Tribunais Superiores, ou do próprio STF (...) Art. 103.
Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (...) §
2« Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida
para tomar efetiva norma constitucional, será dada ciência
ao Poder competente para a adoção das providências neces-
sárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-
lo em trinta dias.
Direito Ambiental
Se formos compulsar o artigo 24, VI, da CF, veremos que
legislar sobre florestas é matéria que integra a competência
concorrente dos Estados, do Distrito Federal e da União. Neste
sentido, o CFlo tem sido considerado, de feto, como lei geral
e aos Estados têm sido deferida a competência para dispor
suplementarmente sobre matéria florestal. Entretanto, a
compreensão que o STF tem dado à capacidade dos Estados de
suplementar a legislação federal é muito restritiva,
limitando-se a admitir o preenchimento de lacunas relativas às
realidades locais, o que me parece um conceito muito abstrato
e centralizador. *3 O STF, evidentemente, só pode julgar com
base no quadro normativo vigente e, efetivamente, inexistindo
a norma sobre normas gerais - aliás, a ser produzida pela
União - devem ser consideradas gerais aquelas que a União
entender que gerais são. Há alguns poucos exemplos nos quais
as leis estaduais foram mantidas, liminarmente, com base no
exercício da competência concorrente.14
Uma das possíveis soluções para o grave problema apontado é
o ajuizamento, perante o STF, de uma ação direta de
inconstitucionalidade por omissão. Tal mecanismo jurídico,
ainda que relativamente recente em nosso Direito
Constitucional, tem se revelado extremamente importante para a
solução de várias querelas constitucionais. Entretanto, até
onde é de nosso conhecimento, ainda não foi acionado para as
questões ambientais ou de competência concorrente de forma
mais ampla. Permito-me relembrar alguns trechos de decisão do
STF sobre a relevante questão da inconstitucionalidade por
omissão. Com efeito, na ADI 1442 QO/DF, Relator o Sr. Ministro
Celso de Mello, julgada em 03/11/2004, o Tribunal entendeu
que: “A insuficiência do valor correspondente ao salário
mínimo - definido em importância que se revele incapaz de
atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos
membros de sua família - configura um claro descumprimento,
ainda que parcial, da Constituição da República, pois o
legislador, em tal hipótese, longe de atuar como sujeito
concretizante do postulado constitucional que garante à classe
trabalhadora
13 ADI 1086 MC / SC - SANTA CATARINA. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITU- CIONALIDADE, Relator. Min. ILMAR
GALVÃO Julgamento: 01/08/1994. Órgão Julgador: TRIBUNAL
PLENO Publicação: DJU16-09-1994, p 42.279. Ementa:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. LIMINAR. OBRA OU ATIVIDADE
POTENCIALMENTE LESIVA AO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE
IMPACTO AMBIENTAL. Diante dos amplos termos do inc. IV do
par. lfi do art. 225 da Carta Federal, reve- la-se
juridicamente relevante a tese de inconstitucionalidade da
norma estadual que dispensa o estudo prévio de impacto
ambiental no caso de áreas de florestamento ou
reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se
admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que
poderia viabilizá-la estaria inserida na competência do
legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através
de normas geiais, a conservação da natureza e a proteção do
meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), não sendo possível,
ademais, cogitar-se da competência legislativa a que se
refere o par. 3® do art. 24 da Carta Federal, já que esta
busca suprir lacunas normativas para atender a
peculiaridades locais, ausentes na espécie. Medida liminar
deferida.
14 ADI 1278 MC / SC - SANTA CATARINA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTTTU- CIONAUDADE. Relaton Min. MARCO
AURÉLIO. Tribunal Pleno. DJU 14-06-2002, p. 126. “Ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE — LIMINAR. O
deferimento da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade pressupõe o sinal do bom direito e o
risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo
impugnado, requisitos reveladores da relevância da matéria
versada na inicial. Isto não ocorre relativamente à Lei do
Estado de Santa Catarina n° 1.179/94, no que disciplinou a
pasteurização do leite de cabra. A competência para legislar
sobre proteção e defesa da saúde é concorrente — inciso XII
do artigo 24 da CF.”
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
87
um piso geral de remuneração digna (CF, art. 7S, IV), estará
realizando, de modo imperfeito, porque incompleto, o programa
social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do
Estado - que deixa de cumprir, em maior ou menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade jurídico-política,
eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita
a Constituição, também compromete a efícácia da declaração
constitucional de direitos e também impede, por ausência de
medidas con~ cretizadoras, a própria aplicabilidade dos
postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações
configuradoras de omissão inconstitucional, ainda que se cuide
de omissão parcial, refletem comportamento estatal que deve
ser repelido, pois a inércia do Estado - além de gerar a
erosão da própria consciência constitucional - qualiãca-se,
perigosamente, como um dos processos informais de mudança
ilegítima da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à
censura do Poder Judiciário, ” De fato, o que se vem
observando em matéria de proteção ao meio ambiente, com a
crescente centralização e a inércia do Executivo e do
Legislativo, é um verdadeiro escândalo constitucional neste
país no qual não existem escândalos* Efetivamente, os
Governadores dos Estados possuem legitimidade para o ajui-
zamento da ação direta de inconstitucionalidade e, no
particular, até onde é do conhecimento deste autor, não o
fizeram e, portanto, acabam agindo de forma a contribuir para
a crescente diminuição das competências estaduais e
subalternizando o próprio papel dos Estados para os quais
foram eleitos como dirigentes máximos. Assim, e cada vez mais,
o legislador estadual se transforma em um legislador de
ninharias sem relevância nenhuma, como o caso dos pitbulls no
Rio de Janeiro,15 matéria que poderia ser disciplinada por uma
portaria do Chefe de Polícia, sem qualquer problema.
Ê neste quadro de amplo e constante avanço da centralização
e da sucupiri- zação das leis estaduais que floresce o Direito
Ambiental brasileiro que, cada vez mais, se transforma no
direito ambiental federal. Grande parcela de culpa deve ser
atribuída aos próprios Estados que, em função de recursos
econômicos escassos, acabam aceitando o jogo proposto pelos
poderes federais, que é o de afunilar tudo para Brasília, com
a decretação da supremacia dos órgãos federais sobre os dos
Estados.
Seria muito importante que um dos legitimados à propositura
da Ação Direta de Inconstitucionalidade fosse ao STF
questionar a inconstitucionalidade por omissão no que se
refere à lei sobre normas gerais. Sabemos que o STF não terá
condições de compelir, seja o Legislativo, seja o Executivo, a
agir. Entretanto, a simples declaração de mora poderá surtir
um efeito extraordinário, assim como se poderá, em tese,
permitir que os Estados legislem sem que fiquem submetidos a
que se tenha por norma geral algumas metragens estabelecidas
por leis federais, como tem sido feito.
15 Lei n® 3.205, de 09 de abril de 1999.
Direito Ambiental
2.2. Competência Estadual
A competência dos Estados-Membros da Federação para atuar em
matéria ambiental está prevista nos artigos 23 e 24 da Lei
Fundamental da República. No artigo 23, como já vimos, existe
uma atribuição de cooperação administrativa entre os diversos
componentes da Federação. Já o artigo 24 afirma uma
competência legislativa própria para os Estados. Ele não trata
do meio ambiente como um bem unitário, mas, ao contrário,
subdivide-o em diversos “setores” que, integrando-o, estão
tutelados por normas legais estaduais. Assim, os Estados podem
legislar concorren- temente sobre: florestas, caça, pesca,
fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente, controle da poluição;
proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,
turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio
ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
Observadas as normas gerais federais, cada Estado pode
estabelecer as suas próprias normas de tutela ambiental,
criando sistemas estaduais de proteção ao meio ambiente. Este
é um caminho interessante para a proteção do meio ambiente,
pois a maior proximidade entre o bem a ser tutelado e a
agência de controle ambiental é bastante positiva e
possibilita mais efetividade na tutela almejada. Evidentemente
que o estabelecimento de sistemas estaduais de proteção ao
meio ambiente encontra fortes obstáculos em questões de
natureza econômico-financeira. Como se vê, é ampla a
possibilidade que os Estados têm para legislar sobre meio
ambiente. A prática do federalismo cooperativo, no entanto,
vem bloqueando os poderes locais no que tange à possibilidade
de exercerem as suas competências: "Ementa: Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Artigos 2% 4g e 5a da Lei ns 10.164/94,
do Estado do Rio Grande do Sul. Pesca Artesanal.
Inconstitucionalidade formal. 1. A Constituição do Brasil
contemplou a técnica da competência legislativa concorrente
entre a União, os Estados-Membros e o Distrito Federal,
cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-
Membros especificá-las. 2. É inconstitucional lei estadual que
amplia definição estabelecida por texto federal, em matéria de
competência concorrente. 3. Pedido de declaração de
inconstitucionalidade julgado procedente. ”16
Não se pode deixar de observar que a Lei ne 10.165/2000
levou ao paroxismo o extremamente confuso quadro de repartição
de competências entre os diferentes entes federativos, ao
admitir a repartição de receitas oriundas da Taxa de
Fiscalização e Controle Ambiental devida ao IBAMA.17
16 ADI 1245 / RS. Relator: Min. EROS GRAU. Tribunal Pleno. DJU
26-08-2005, p. 5.
17 Art. 17-P. Constitui crédito para compensação com o valor
devido a título de TCFA, até o limite de sessenta por cento
e relativamente ao mesmo ano, o montante efetivamente pago
pelo estabelecimento ao Estado, ao Município e ao Distrito
Federal em razão de taxa de fiscalização ambiental. § 1°
Valores recolhidos ao Estado, ao Município e ao Distrital
Federal a qualquer outro título, tais como taxas ou preços
públicos de licenciamento e venda de produtos, não
constituem crédito para compensação com a TCFA. § 24 A
restituição, administrativa ou judicial, qualquer que seja a
causa que a determine, da taxa de fiscalização ambiental
estadual ou distrital compensada com a TCFA restaura o
direito de crédito do Ibama contra o estabelecimento,
relativamente ao valor compensado.
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
2.3. Competência Municipal
Os Municípios, pela Constituição de 1988, foram elevados à
condição de integrantes da Federação. Esta é uma novidade em
relação às Cartas anteriores e uma tendência das moderas
constituições que adotam o federalismo. Na forma do artigo 23
da Lei Fundamental, os Municípios têm competência
administrativa para defender o meio ambiente e combater a
poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as
pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de
legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e
insensato dizer-se que os Municípios não têm competência
legislativa em matéria ambiental.
O artigo 3019 da CF atribui aos Municípios competência para
legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a
legislação federal e estadual no que couber; promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planeja-
mento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural
local, observadas a legislação e a ação fis- calizadora
federal e estadual.
Está claro, na minha análise, que o meio ambiente está
incluído no conjunto de atribuições legislativas e
administrativas municipais e, em realidade, os Municípios
formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção
ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si
mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem
amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas
ambientais de cada localidade, sendo certo que são as
primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos
Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de
agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que
os Mimicípios não têm competência ambiental específica é fazer
uma interpretação puramente literal da CF.
2.3.1. Exercício da competência comum mediante a edição de
leis próprias
O problema mais grave no que se refere ao exercício da
competência comum, em meu modo de ver, é a necessidade de que
os Municípios se equipem com uma legislação adequada, com
previsão dos tipos administrativos e das sanções a serem
aplicadas em caso de descumprimento das normas de tutela
ambiental, ou que, na inexistência dessas, exista, no mínimo,
convênio específico. Muitas são as razões jurídicas que
determinam que assim seja. Senão, vejamos:
A imposição e arrecadação de multas por parte dos entes
públicos está plenamente submetida ao princípio da legalidade
e, evidentemente, não pode dele se afastar. É importante
observar, com Marçal Justen Filho,20 que um dos principais
aspec-
18 CF, art Ia A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal...
19 CF, Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre
assunto de interesse local... II - suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber; VIII — promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano.
20 JUSTEN Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. SP:
Saraiva. 2005, p. 398.
Direito Ambiental
tos que norteiam a necessidade da legalidade das sanções
administrativas é o de dar ao cidadão a possibilidade de
escolha quanto à conduta a adotar, tendo em vista o
conhecimento das penalidades que, em tese, poderá estar
sujeito. Vale a pena a transcrição das lições do renomado
mestre, in verbis: “Mas o princípio da legalidade propicia a
certeza e previsibilidade da ilicitude, proporcionando a todos
a possibilidade de ordenar suas condutas faturas. Tipificar
legislativamente a ilicitude e sua sanção equivale a atribuir
ao particular a possibilidade de escolha entre o lícito e o
ilícito. A supressão da legalidade das infrações elimina
garantias do particular em face do Estado e atenta contra
princípios fundamentais..."
Com efeito, o fato de existir uma competência comum entre
União, Estado e Municípios para proteger o meio ambiente não
desonera o Município da obrigação de ter uma legislação
própria para que possa fielmente desincumbir-se de suas obri-
gações constitucionais.
Diferente não é> por exemplo, a opinião de José Afonso da
Silva.21 Senão, vejamos: "Quer isso dizer que não se recusa aos
Municípios competência para ordenar a proteção do meio
ambiente, natural e cultural. Logo, é plausível reconhecer,
igualmente, que na forma do art. 30, II, entra também a
competência para suplementar a legislação federal e a estadual
na matéria. Isso é reconhecido em leis federais, bastando
lembrar, além do já transcrito § P do art. 5* da Lei 7.661, de
1988, que reconhece aos Municípios costeiros a possibilidade
de instituir, mediante lei, os respectivos Planos de
Gerenciamento Costeiro, o art. 29 da Lei 6.938, de 1981, que
diz que os Municípios, observadas as normas e os padrões
federais e estaduais, poderão elaborar normas supletivas e
complementares e padrões relacionados com o meio ambiente. ”
Assim, parece-me indiscutível o fato de que os municípios,
mediante a elaboração de normas próprias, podem e devem
exercer as suas funções de, conjuntamente com outros entes
políticos, combater a poluição e proteger o meio ambiente.
Analisando-se a doutrina especificamente municipalista, da
qual nos dá um excelente exemplo o Professor José Nilo de
Castro,22 veremos que, majoritariamente, ela assim tem
entendido o tema: “É indispensável, no âmbito municipal, a
competência por cooperação com a União, Estado e outros
Municípios, mediante convênio ou consórcio administrativo. A
figura da cooperação associativa prescreveu-a também o
Decreto-lei ns 200/67, art. 10, § P, b. "E no exercitamento da
competência comum, que é competência administra ti va, a
cooperação associativa tem imiverso maior e mais propício para
ações integradas (...). Inegavelmente, cabe ao Município, como
Poder Público, dispor sobre regras de direito, legislando em
comum com a União e o Estado, com fundamento no art. 23, VI,
CF. Portanto, quando um Município, através de lei, mesmo que
se lhe reconheça conteúdo administrativo, em se tratando da
competência comum, disciplinar esta matéria, fá-lo-á no
exercício da competência comum, peculiarízando-lhe a ordenação
pela compatibilidade local, em consideração a esta ou àquela
vocação sua... ”
21 José Afonso da Silva. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros, 2004,55 edição, p. 80.
22 José Niio de Castro. Direito Municipal Positivo. Belo
Horizonte: Del Rey, 4» edição, 1999, pp. 183-184.
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
Portanto, a compatíbilização entre a competência
constitucional dos Municípios para darem combate à poluição e
proteger o meio ambiente com o princípio da legalidade somente
ocorre com a existência de uma legislação municipal própria
sobre o assunto e, principalmente, com a sua aplicação aos
casos concretos. Quanto ao particular, o egrégio STF23 já se
pronunciou da seguinte forma: “EMENTA: Federação: competência
comum: proteção do patrimônio comum, incluído o dos sítios de
valor arqueológico (CF, arts. 23, III, e 216, V): encargo que
não comporta demissão unilateral. 1. Lei estadual que confere
aos municípios em que se localizam a proteção, a guarda e a
responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seus acervos, no
Estado, o que vale por excluir, a propósito de tais bens do
patrimônio cultural brasileiro (CF, art. 216, V), o dever de
proteção e guarda e a consequente responsabilidade não apenas
do Estado, mas também da própria União, incluídas na
competência comum dos entes da Federação, a qual substantiva
incumbência dé natureza qualificadamente irrenunciável. 2. A
inclusão de determinada função administrativa no âmbito da
competência comum não impõe que cada tarefa compreendida no
seu domínio, por menos expressiva que seia. haja de ser objeto
de açõès simultâneas das três entidades federativas: donde a
previsão, no parágrafo único do art. 23 CF. de lei
complementar que fixe normas de cooperacão (v., sobre
monumentos arqueológicos e pré-históricos, a L. 3.924/61),
cuja edição, porém, é da competência da União e, de qualquer
modo, não abrange o poder de demitirem-se a União ou os
Estados dos encargos constitucionais de proteção dos bens de
valor arqueológico para descarregá-los ilimitadamente sobre os
Municípios. 3. Plausibihdade da arguição de incons-
titucionalidade da lei estadual questionada: suspensão
cautelar deferida. ”
Por oportuno, vale trazer à colação outra decisão do egrégio
STF:24 “EMENTA: Recurso extraordinário. - A competência para
legislar sobre trânsito é exclusiva da União, conforme
jurisprudência reiterada desta Corte (ADI 1.032, ADIMC 1.704,
ADI 532, ADI 2.101 e ADI2.064), assim como é a competência
para dispor sobre a obrigatoriedade do uso de cinto de
segurança (ADIMC 874). - Ora, em se tratando de competência
privativa da União, e competência essa que não pode ser
exercida pelos Estados se não houver lei complementar - que
não existe — que o autorize a legislar sobre questões
específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), nãó há
como pretender-se que a competência suplementar dos Municípios
prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressão vaga
aí constante “no que couber”, se possa exercitar para a
suplementação dessa legislação da competência privativa da
União. -Ademais, legislação municipal, como ocorre, no caso,
que obriga õ uso de cintó de segurança e proíbe transporte de
menores de 10 anos no banco dianteiro dos veículos com o
estabelecimento de multa em favor do município, não só não diz
respeito, obviamente, a assunto de interesse local para
pretender-se que se enquadre na com
23 ADI 2544 MC/RS. Relator; Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento. 12/06/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJU:
08-11-2002, pp. 00021.
24 RE 227384 ! SP. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min.
MOREIRA ALVES. Rei. Acórdão. Julgamento: 17/06/2002.
Tribunal Pleno. DJU: 09-08-2002, p. 00068.
Direito Ambiental
petência legislativa municipal prevista no inciso I do artigo
30 da Carta Magna, nem se pode apoiar, como decidido na ADIMEC
874, na competência comum contemplada no inciso XII do artigo
23 da Constituição, não estando ainda prevista na competência
concorrente dos Estados (artigo 24 da Carta Magna), para se
sustentar que, nesse caso, caberia a competência suplementar
dos Municípios. Recurso extraordinário não conhecido,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei 11.659, de 4 de
novembro de 1994, do Município de São Paulo/’
3. A questão da aplicação da norma mais restritiva^
Um dos temas mais presentes e debatidos quando se trata de
repartição de competências em matéria ambiental é a chamada
“prevalência da norma mais restritiva1. A primeira indagação
para compreender o problema é a seguinte: Qual é o conceito de
mais restritivo? Aparentemente, mais restritivo significa a
menor intervenção ambiental quando comparadas as normas que
estejam em um suposto conflito positivo. Normalmente, afirma-
se que a norma a ser aplicada é aquela considerada mais
restritiva, pois, em tese, se estaria privilegiando a maior
proteção ao meio ambiente. Ocorre que o critério do mais
restritivo, ainda que pudesse ser justificado ambiental-
mente, o que nem sempre é verdade, precisa encontrar uma
legitimidade jurídica, visto que é de aplicação de lei que se
trata.
Do ponto de vista puramente ambiental, nem sempre a
intervenção mais suave sobre o meio ambiente é a melhor ou a
mais necessária. Muitas vezes, em função de intervenções muito
pequenas sobre o meio ambiente, surgem situações de profundo
desequilíbrio ambiental. Não há qualquer base legal ou
constitucional para que se aplique a norma mais restritiva. A
ordem jurídica, como se sabe, organiza-se em uma escala
hierárquica, encimada pela CF, que, dentre outras coisas,
dispõe sobre a competência dos diversos organismos políticos e
administrativos que formam o Estado. Pouco importa que uma lei
seja mais restritiva e, apenas para argumentar, seja mais
benéfica para o meio ambiente, se o ente político que a
produziu não é dotado de competência para produzi-la. A
questão central que deve ser enfrentada é a que se refere à
competência legal do órgão que elaborou a norma. Naturalmente,
espera-se que os diferentes entes políticos produzam boas
leis, na esfera de suas competências.
O Brasil é organizado politicamente sob a forma de um Estado
Federal com três níveis de govemo. Cada um desses níveis tem
uma esfera de atribuição própria que deve ser respeitada pelos
demais níveis de govemo e, evidentemente, por cada um deles em
relação às suas próprias atribuições. Assim, um govemo não
deve dispor além, muito menos aquém, de suas prerrogativas
constitucionais. Hipoteticamente raciocinando, o Estado do Rio
de Janeiro poderia proibir instalações nucleares em seu
território. Ora, como a União permite instalações nucleares no
Brasil, é evidente que a lei estadual seria mais restritiva e,
portanto, admitindo-se a tese que vem
25 Texto base publicado em wrww.oeco.com.br aos 28.10.2005.
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
sendo debatida, a lei local deveria prevalecer sobre a lei
federal. O raciocínio peca, todavia, devido ao fato de que os
Estados não têm competência em matéria nuclear. Os contrários
à tese que estou defendendo poderão argumentar que o nuclear é
uma competência exclusiva da União e, portanto, o exemplo não
caberia. Diriam que, em se tratando de competência
concorrente, aí sim a aplicação da norma “mais restritiva”
encontra o seu locus privilegiado de existência.
Embora o canto de Girce seja sedutor, não devemos nos deixar
levar por ele, pois as consequências podem ser trágicas.
Reconheço que a nossa Constituição Cidadã não é nenhum exemplo
de coerência e de clareza. Ao contrário, ela é bastante
complexa e pouco clara. No tema obscuridade, a repartição de
competências nada de braçada, pois é de longe a principal
dificuldade para o nosso federalismo dito “cooperativo”. A
força avassaladora que a União detém, seja do ponto de vista
dos recursos econômicos, seja do ponto de vista do arsenal de
competências legislativas e administrativas que lhes foram
outorgadas pela própria Constituição, faz com que a própria
União defina quais são os limites de sua legislação geral.
Assim, os Estados devem — como rotina — conformar-se com a
produção de normas cosméticas e de pouca relevância prática.
Não havendo uma definição clara sobre o conceito de norma
geral, esta será aquilo que a União quiser que seja.
A restrição que o Estado está autorizado legitimamente a
opor a uma atividade submetida à competência concorrente não
pode ir ao ponto de descaracterizar as normas federais.26
Trocando em miúdos, um Estado não pode, por exemplo, proibir
em seu território um produto que esteja autorizado pela União,
ainda que sob o pretexto de estar exercendo a sua competência
concorrente em matéria de proteção ao meio ambiente.
Vale observar que, em sede normativa, o conceito de mais
restritivo tem sido utilizado de forma a autorizar-lhe a
aplicação, de maneira a vedar-lhe a utilização. Na verdade, o
que se verifica é uma imensa inconstância de normas e uma
oscilação bastante negativa. Muito embora de
constitucionalidade duvidosa, ele foi incorporado ao texto da
Lei de Gerenciamento Costeiro, conforme nos deixa
26 Ementa RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA ESTADUAL E DA
UNIÃO. PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE. LEI ESTADUAL DE
CADASTRO DE AGROTÓXICOS, BIOCIDAS E PRODUTOS SANEANTES
DOMISSANITÁRIOS. LEI N» 7.747/2-RS. RP 1135. 1. A matéria do
presente recurso já foi objeto de análise por esta Corte no
julgamento da RP 1.135, quando, sob a égide da Carta
pretérita, se examinou se a Lei 7.747/82-RS invadiu
competência da União, Neste julgamento, o Plenário definiu o
conceito de normas gerais a cargo da União e amparou as
normas desta lei que superavam os limites da alçada
estadual. 2. As conclusões ali assentadas permanecem válidas
em face da Carta atual, porque as regras remanescentes não
usurparam a competência federal. A Constituição em vigor,
longe de revogar a lei ora impugnada, reforçou a
participação dos estados na fiscalização do uso de produtos
lesivos à saúde. 3. A lei em comento foi editada no
exercício da competência supletiva conferida no parágrafo
único do artigo 8« da CF/69 para os Estados legislarem sobre
a proteção à saúde. Atribuição que permanece dividida entre
Estados, Distrito Federal e a União (axt. 24, XII, da
CF/88). 4. Os produtos em tela, além de potencialmente
prejudiciais à saúde humana, podem causar lesão ao meio
ambiente. O Estado do Rio Grande do Sul, portanto, ao
fiscalizar a sua comercialização, também desempenha
competência outorgada nos artigos 23, VI, e 24, VI, da
Constituição atual. 5- Recurso extraordinário conhecido e
improvido. RE 286789 / RS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator:
Min. ELLEN GRACIE. Segunda Turma. DJU 08-04-2005, p. 38.
Direito Ambiental
ver o § 2g do artigo 5g da Lei ne 7.661, de 16 de maio de 1988.
que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro,
Artigo 5a — O PNGC será elaborado e executado observando
normascritérios e padrões relativos ao controle e à manutenção
da qualidade do meio ambiente, estabelecidos pelo CONAMA, que
contemplem, entre outros, os seguintes aspectos: urbanização;
ocupação e uso do solo, do subsolo e das águas; parcelamento e
remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema
de produção, transmissão e distribuição de energia; habitação
e saneamento básico; turismo, recreação e lazer; patrimônio
natural, histórico, étnico, cultural e paisagístico... § 2a -
Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das
águas, bem como hmitações e utilização de imóveis podendo ser
estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional,
Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de
natureza mais restritiva.”Enquanto não declarada a
inconstituciona- lidade de tal norma, evidentemente, ela há
que ser observada.
Como já foi visto acima, a Resolução Conama n2 382, de 26 de
dezembro de 2006, Estabelece os limites máximos de emissão de
poluentes atmosféricos para fontes fixas.” Estabelece
expressamente a possibilidade de, em certas circunstâncias,
haver a ultrapassagem dos padrões, conforme se pode ver do
Artigo 6a: "Esta Resolução se aplica às fontes fixas de
poluentes atmosféricos cuja licença de Instalação venha a ser
solicitada aos órgãos licenciadores após a publicação desta
Resolução. ...§ 2e O órgão ambiental licenciador poderá,
mediante decisão fundamentada, a seu critério, estabelecer
limites de emissão menos restritivos que os estabelecidos
nesta Resolução para as fontes fixas de emissões atmosféricas,
nas modificações passíveis de licenciamento em fontes já
instaladas e regularizadas, que apresentem comprovados ganhos
ambientais, tais como os resultantes da conversão de caldeiras
para o uso de gás, que minimizam os impactos ambientais de
fontes projetadas originalmente com outro(s) insumo(s),
notadamente óleo combustível e carvão. ”
4. Conclusão
Diante de tudo aquilo que foi exposto, entendo ser
inequívoco que tanto a União como os Estados e os Municípios
são dotados de amplas competências ambientais, muito embora a
prática judicial tenha reduzido muito a capacidade legislativa
dos Estados e dos Muncípios. Este fato é, em si próprio,
bastante complexo, pois a prática tem demonstrado que os três
níveis da administração pública não agem coor- denadamente.
Muito pelo contrário, é rotineira a tomada de medidas
contraditórias e até mesmo antagônicas entre eles. Isto faz
com que reine, entre empreendedores e a população em geral, a
mais completa perplexidade. Também não se pode deixar de
consignar que, em diversas oportunidades, as competências
ambientais têm servido de escudo para ações políticas de
retaliação entre autoridades públicas de partidos diferentes.27
É bastante comum que prefeitos de um partido determinem
embargos “ambientais” de obras licenciadas pelos órgãos
estaduais ou federais, bem como o
27 Quanto ao tema, merece ser observado que o Parecer n°
312/CONJUR/MMA/2004, elaborado pelo ilustre Consultor Gustavo
Trindade, aparentemente, surge como uma luz capaz de ajudar a
solucionar os graves
gSBJ * tmno Sypeno rBaras Jurtó
Competências Constitucionais em Matéria Ambiental
contrário» em todas as três esferas da Administração Pública,
com evidente prejuízo para a credibilidade do sistema. Assim,
vivemos muito mais em um federalismo competitivo do que em um
federalismo cooperativo. É urgente que seja elaborada a lei
complementar federal sobre normas gerais e que os entes
federativos descubram suas vocações específicas para que a
proteção ao meio ambiente possa se fazer de forma harmônica e
integrada, como é o espírito da PNMA que, lamentavelmente,
ainda não vingou.

11
■il
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Capítulo IV Política e Sistema Nacional de Meio Ambientei
O SISNAMA é o conjunto de órgãos e instituições vinculadas
ao Poder Executivo que, nos níveis federal, estadual e
municipal, são encarregados da proteção ao meio ambiente,
conforme definido em lei. Além do SISNAMA, cuja estruturação é
feita com base na lei da PNMA, muitas outras instituições
nacionais têm importantes atribuições no que se refere à
proteção do meio ambiente. Vejamos, em apertada síntese, a
atividade desempenhada pelas diferentes instituições.
1. O Papel de Cada um dos Poderes da República
Cada um dos diferentes Poderes da República tem uma tarefa
específica a desempenhar na proteção ao meio ambiente.
Contudo, o papel mais relavante é o do Executivo. Em uma
sociedade democraticamente organizada, a divisão dos Poderes
políticos é um importante elemento para a proteção dos
cidadãos contra o abuso de poder.2 Este é o sistema adotado por
nossa Constituição. A CRFB, em seu artigo 2a, estabelece que:
1 Os leitores que desejarem uma informação mais pormenorizada
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente poderão encontrá-
la em Paulo de Bessa Antunes. Política Nacional do Meio
Ambiente - Comentários à Lei ns 6.938, de 31 de agosto de
1981. Rio de Janeiro: Luraen Juris, 2005.
2 STF - MS 23452 / RJ. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Tribunal
Pleno. DJU: 12-05-2000, p. 20. EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR
DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, § 3») -
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE
JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR
AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E
TELEFÓNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO,
ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE
SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO -
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. - Compete ao STF processar e
julgar, em sede originária, mandados de segurança e habeas
corpus impetrados contra Comissões Parlamentares de
Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no
de qualquer de suas Casas. É que a Comissão Parlamentar de
Inquérito, enquanto projeção orgânica do Poder Legislativo
da União, nada mais é senão a longa manos do próprio
Congresso Nacional ou das Casas que o compõem, sujeitando-
se, em consequência, em tema de mandado de segurança ou de
habeas corpus, ao controle juiisdicíonal originário do STF
(CF, art. 102, I, “d” e “i”). Precedentes. O CONTROLE
JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR
DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder,
além de derivar da necessidade de conter os excessos dos
órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o
princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui
o meio mais adequado para tomar efetivos e reais os direitos
e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio,
que tem assento no art. 2° da Carta Política, não pode
constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto
protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte
de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer
instituição estatal. - O Poder Judiciário, quando intervém
para assegurar as Aanquias constitucionais e para garantira
integridade e a supremacia da Constituição,
Direito Ambientai
São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Evidentemente que, na proteção ambiental, cada um dos
Poderes terá um papel a desempenhar. Ao Executivo, estão
afetadas as tarefas de licenciamento e controle das atividades
utilizadoras de recursos ambientais. Ao Legislativo, compete a
elaboração de leis, a fixação dos orçamentos das agências
ambientais e controle das atividades desempenhadas pelo
Executivo. Ao Judiciário, compete a revisão de todos os atos
administrativos praticados pelo Executivo que tenham
repercussão sobre o meio ambiente e o controle da
constitucionaUdade das normas elaboradas pelos demais Poderes.
Ao Judiciário, está reservada, ainda, a importante missão de
ser o instrumento pelo qual o povo poderá contestar medidas
adotadas pelo Executivo e pelo Legislativo que, eventualmente,
prejudiquem a qualidade ambiental. É através do Judiciário que
os cidadãos interessados poderão contra-arrestar decisões
administrativas que não se enquadrem nas normas
constitucionais e legais. O Ministério Público, cuja função é
eminentemente ativa, tem por tarefa a integral fiscalização
dos atos e procedimentos dos Poderes Públicos para, em caso de
violação da legalidade, acioná-los judicialmente.
1.1. Atribuições do Congresso Nacional
O sistema constitucional brasileiro atribui ao Congresso
Nacional toda tuna série de atribuições fundamentais para a
proteção do meio ambiente. O artigo 48 da CF determina que:
Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da
República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49,
51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da
União...
desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que
lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício
da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado
pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da
separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afir-
mar, na hipótese de desvios jurídico-constimcionais nas quais
incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício
da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação
de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da
República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE
ORDEM POLÍTJCO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO. - O
sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da
limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo
destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de
poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano
políúco-jurídico, a possibilidade de dominação institucional
de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da
soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício
abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas
que transgridam o regime das liberdades públicas e que
sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias
individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a íimção
eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das
esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por
Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de
poder o« em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua
competência inves- tigatóría.(...)”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente I
A competência legislativa da União em matéria ambiental é
extremamente vasta.3 O Congresso Nacional, especialmente em
matéria de energia nuclear, é dotado de competência,
independentemente de sanção do Presidente da República.
Pertence, ainda, à competência exclusiva do Congresso Nacional
sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do
poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativaA
Integram, também, as competências privativas do Congresso
Nacional:
Fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas
Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da
administração indireta>
Os incisos que demonstram mais claramente as atribuições
congressuais em matéria de proteção ao meio ambiente são os de
números XIV, XVI e XVII. Pelas normas contidas em tais
incisos, o Congresso possui atribuição para
aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades
nucleares,6 autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais?
e mais,
aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras
públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.8
A importância de tais tarefas é muito clara, por exemplo, em
relação à região Amazônica, visto que nela se encontram
presentes praticamente todos os bens tutelados pela norma
constitucional.
É fácil constatar que o Congresso possui atribuições de, no
mínimo, três ordens distintas. A primeira delas é a de: (i)
poder sustar a execução ou a vigência de atos normativos que
não estejam em sintonia com a Constituição e com as leis
votadas pelo próprio Congresso Nacional. O Congresso não tem
usado desta sua prerrogativa fundamental. Outra categoria de
atribuição do Congresso Nacional é: (ii) a de permitir a
supervisão de órgãos e agências do Executivo. Aqui, também, o
Congresso, como instituição, não tem exercido um controle
eficiente dos órgãos executivos voltados para o meio ambiente.
Alguns poucos congressistas, com enorme esforço, têm buscado
exercer um controle de órgãos como o IBAMA, por exemplo, mas
têm encontrado enormes dificuldades para fazê-lo. A Comissão
da Câmara dos Deputados
3 Ver item 2.1.
4CF,art. 49, V.
5CF,art. 49, X.
6CF,art. 49, XIV.
7CF,axt. 49, XVI.
8CF,axt. 49, XVII.
í Direito Ambiental
que trata dos assuntos ambientais é voltada, também, para as
minorias e o consumidor. Tais temas, embora importantíssimos,
diluem o caráter ambiental da Comissão.
A maior omissão do Congresso Nacional, contudo, está na
total inoperância com que tem enfrentado a chamada questão
nuclear. A vigente Constituição outorga ao Congresso os
maiores poderes em matéria nuclear. Relembre-se o conteúdo da
norma constitucional: aprovar iniciativas do Poder Executivo
referentes a atividades nucleares.9 Também no artigo 225, §
6S,10 estabelece uma importante atribuição do Legislativo em
matéria nuclear, cabendo-lhe o poder-dever de, mediante lei,
estabelecer a localização das usinas nucleares brasileiras. O
Congresso Nacional jamais votou qualquer lei especiãcamente
voltada para a localização das usinas nucleares Angra II e
III.
Dentre outras atividades relacionadas com a atividade
nuclear, cuja regulamentação depende de lei, está aquela
contemplada no § 29 do artigo 177 da CF, que diz respeito ao
transporte e à utilização de materiais radioativos no
território brasileiro. Merece ser observado que, apenas em
2001, o Congresso Nacional aprovou a Lei n9 10.308, de 20 de
novembro, que dispõe sobre a seleção de locais, a construção,
o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a
indenização, a responsabilidade civil e as garantias
referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras
providências.
1.2. Atribuições do Poder Judiciário
O regime constitucional brasileiro estabelece que nenhuma
ameaça ou lesão a direito poderá ser subtraída da apreciação
do Poder Judiciário. H Esta norma constitucional, integrante
do rol dos direitos e garantias individuais, estabelece um
amplo sistema de revisão judicial de todo e qualquer ato
administrativo exarado por qualquer um dos diversos níveis em
que se encontre organizado o Estado brasileiro. Este é um
fator fundamental para que o Poder Judiciário, de feto, passe
a desempenhar um papel importante no SISNAMA. Será através do
Judiciário que, basicamente, os direitos individuais serão
exercidos. O controle popular da Administração Pública
exercido através do Poder Judiciário é um dos mais eficientes.
Os diplomas legais mais importantes para que o cidadão possa
exercer o controle da correta aplicação das leis de proteção
ambiental são, sem dúvida, a ação popular, a ação civil
pública e a própria lei de improbidade administrativa. Essas
ações judiciais, especialmente a ação civil pública, têm
possibilitado que o povo questione as autoridades perante uma
Corte de Justiça. A CF de 1988 deu um grande impulso ao papel
desempenhado pelo Poder Judiciário na defesa do meio ambiente
e da qua lidade de vida. Atualmente, várias centenas de ações
civis públicas versando sobre o meio ambiente encontram-se
aguardando a decisão dos tribunais brasileiros.
9CF, art. 49, XIV.
10 CF, art. 225, § 6® As usinas que operem com reacor nuclear
deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o
que não poderão ser instaladas.
11 CF, art. 5«, XXXV.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
O desempenho do Poder Judiciário em nosso tema está
intimamente ligado ao tipo de demandas que lhe são propostas,
seja pelo Ministério Público,12 seja pelos demais legitimados à
propositura das ações civis públicas.
J. William Futrell13 afirma, com razão, que os tribunais
desempenham o vital papel de assegurar o poder de participação
popular efetiva em uma democracia gerida por burocracias
complexas.
1.2.1. Atribuições do Judiciário e separação de poderes
A questão da separação de poderes e a participação do Poder
Judiciário na formulação de políticas públicas é tema
controverso. A separação de poderes é um dos mais importantes
dogmas do regime democrático, tal como ele tem sido
compreendido nos países ocidentais. O Supremo Tribunal
Federal, seguidamente, tem se pronunciado no sentido de que
não compete ao Poder Judiciário impedir possa o Executivo dar
seguimento e implementar as políticas públicas definidas pela
Administração.14 No entanto, a inércia com a qual o Executivo
tem implementado determinadas questões tem feito com que
muitas Cortes ultrapassem os limites da separação de poderes
e, efetivamente, passem a avançar em áreas tipicamente
executivas, sobretudo no campo da distribuição de
medicamentos.15 Há decisão isolada do TRF 1 que determina
proceda o Executivo à coleta seletiva de resíduos sólidos, o
que se constitui, em meu ponto de vista, em ingerência no
mérito da ação administrativa, pois, se a coleta de resíduos é
uma obrigação do Poder Público, a forma pela qual ela será
realizada implica juízo de conveniência e oportunidade,
sobretudo em razão das limitações orçamentárias.16
12 MP.
13 “The history of environmental law”, in Campbell-Mohn,
Celia; Breen, Baixey e FutrelI, J. William. Environmental
Law from Resources to Recovery, St Paul: West Publishing,
1993, p. 45.
14 STF. STA-ED - EMB. DECL. NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
85/ PE. Relator Ministra EUen Gracie. DJU: 11-10-2007 pg. 38
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS À DECISÃO
DO RELATOR. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE
TUTELA ANTECIPADA. DECISÃO QUE IMPEDE A ADMINISTRAÇÃO DE
IMPLEMENTAR A REFORMA AGRÁRIA. EXISTÊNCIA DE GRAVE LESÃO À
ORDEM PÚBLICA. ARTIGOS 184 A 191 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. 1. Embargos de declaração opostos à decisão
singular do relator. Conversão dos embargos em agravo
regimental. 2. Art. 1° da Lei 9.494/97, c/c art. 4a, § 4o,
da Lei 8.437/92: configuração de grave lesão à ordem
pública. Pedido de suspensão de tutela antecipada deferido
em parte. 3. A decisão impugnada no presente pedido de
suspensão concedeu antecipação de tutela para sobrestar o
processo administrativo de desapropriação, até que se
providenciasse a exclusão das áreas destacadas do imóvel
expropriando e transferidas para outras matrículas. 4.
Existência de grave lesão à ordem pública, considerada em
termos de ordem administrativa. dado que a decisão impugnada
no presente pedido de suspensão impede a Administração de
executar uma política pública, qual seia. a implementação da
reforma agrária.fgrifo: PBAj 5. Inexistência de contradição
entre os fundamentos da decisão ora agravada e a sua
conclusão. 6. Descabimento, em suspensão, da fixação das
áreas destacadas do imóvel desapropriado, que não se
sujeitariam à imissão na posse. 7. Embargos de declaração
recebidos como agravo regimental, ao qual se nega
provimento.”
15 TRF 4 - AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO. 200704000038903/RS. 3*
Turma. Relatora: VÂNIA HACK DE ALMEIDA. D.E.13/02/2007.
16 TRF 1. AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 200601000192919. 6*
Turma. DJU: 13/8/2007 pg. 78. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
SOUZA PRUDENTE. “PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E
AMBIENTAL. ILHA DE ALGODOAL/MA1ANDEUA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
AMBIENTAL. TU-
Direito Ambiental
O exemplo mais completo de separação de poderes em matéria
ambiental, na minha opinião, é o caso TVA vs. Hill, que
cuidava da construção de barragens, ou outras obras de grande
porte, e seus impactos sobre espécies listadas como ameaçadas
de extinção. Nos Estados Unidos, a proteção de espécies, ao
contrário do Brasil, é feita por lei e, portanto, expressa uma
inequívoca manifestação de vontade do Congresso em preservar a
diversidade biológica. No contexto do Direito Administrativo
americano, o Congresso delega ao Executivo, no caso
representado pelo Secretário do Interior e pelo Secretário de
Comércio, a autoridade para incluir espécies na lista de
animais ameaçados, cabendo ao Fish and Wildlife Service
administrar o Endangered Species Act (ESA) e zelar pelas
espécies tuteladas pela lista. A Environment Protection Agency
(EPA) é responsável pela administração de outras leis, tais
como a National Environment Policiy Act, o Clear Water Act ou
o Comprehensive Environmental Response, Compensation and
Liability Act (CERCLA), por exemplo.
O ESA, à época da decisão do caso TVA vs. Hill, em sua seção
7, ostentava a seguinte redação: “Federal departments and
agencies shall...with the assistance of the Secretary, utilize
their authorities in furtherance of the purposes of [the] Act
by carrying out programs for the conservation of endangered
species ....and by taking such action necessary to insure that
actions authorized, funded or carried out by them do not
jeopardize the continued existence of such endangered
species.A seção 7, como se vê do texto legal, proibia qualquer
ação que pudesse pôr em risco a existência de espécies
ameaçadas de extinção. Se deixarmos de lado a questão
ambiental e olharmos a decisão sob o prisma do Direito
Constitucional - que é a forma atual como tem sido olhado o
caso TVA vs. Hill pelos juristas norte-americanos veremos que
ela encerra uma lição de separação de Poderes e de isenção do
TELA PROCESSUAL-CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225,
CAPUT). IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO. PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. I - No caso, em
se tratando de ação civil pública, cujo objeto seja o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, consistente na
coleta seletiva e destino adequado de resíduos sólidos
lançados na área de preservação ambiental, bem como na
implementação de medidas necessárias à preservação ambiental,
o juiz poderá determinar a adoção dessas medidas de
preservação, em sede de antecipação de tutela, inclusive, com
a fixação de prazo e a imposição de multa diária, no caso de
descumprimento. II - A cutela constitucional, que impôe ao
Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e
preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia
qualidade de vida, como direito difiiso e fundamental, feito
bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já
instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da
precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de
uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais
conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção
(pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade
possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se,
inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas
públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio
ambiental, como na hipótese dos autos. Hl - Se a Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei n» 6.938,
de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política
pública “a compatibilização do desenvolvimento econômico e
social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico” e “a preservação e restauração dos
recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e
disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do
equilíbrio ecológico propício à vida” (art. 4®, incisos I e
VI), há de se entender que o princípio do poluidor-pagador
busca, sobretudo, evitar a ocorrência de danos ambientais e,
só no último caso, a sua reparação. IV Agravo de instrumento
desprovido”.
tm - Ensno Suppler %umi &ridk3
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente I
Judiciário perante as pressões do Executivo. Vale notar que
importantes obras de Direito Ambientai não trazem mais o caso
TVA vs. Hill como matéria de estudo, por considerá-lo
superado.17
A chave constitucional da decisão TVA vs. Hill se encontra
na seguinte passagem do voto do Justice Burger: “It may seem
curious to some that the survival of a relatively small number
of three-inch fish among all the countless millions of species
extant would require the permanent halting of a virtually
completed dam for which Congress has expended more than $ 100
million. The paradox is not minimized by the fact that
Congress continued to appropriate large sums of pubhc money
for the project, even after congressional Appropriations
Committees were apprised of its apparent impact upon the
survival of the sail darter. We conclude however that the
explicit provisions of the Endangered Species Act require
precisely that result
Se formos um pouco mais adiante na decisão, veremos que em
uma outra passagem do voto o Juiz Burger afirma claramente que
o desejo do Congresso era: “to halt and reverse the trend
toward species extinction whatever the cost. ” Ante tão clara
concepção da Corte, de fato, não havia outra decisão possível
que não fosse a de determinar a paralisação das obras.
Entendeu a Suprema Corte que, diante do expresso mandamento
legal “do not jeopardize (não arriscar, não pôr em perigo)”,
não havia qualquer margem de discricionariedade para o
Executivo que deveria se limitar a cumprir o comando que o
Legislativo havia acionado. No particular, há que se verificar
que a discricionariedade administrativa já havia sido exercida
com a inclusão do snail darter na relação de animais a serem
protegidos. Vale observar que, no caso brasileiro, algumas
decisões judiciais de Cortes Regionais Federais têm sido
tomadas em aparente conflito com os expressos termos da norma
constitucional - haja vista que deram ao Texto Fundamental uma
interpretação bastante alargada e, em geral, privilegiando a
ação Executiva em detrimento da letra constitucional. Refiro-
me ao caso do § 6® do artigo 225 da Constituição, que
determina ao Executivo que se muna de autorização do Congresso
Nacional para localizar usinas nucleares, sem o que não
poderão operar. No caso TVA vs. Hill, a Suprema Corte entendeu
que a mera apropriação de recursos para uma atividade não
indicava que o Congresso estivesse revogando uma norma que
claramente determinava o não molestamento de espécies
definidas em uma relação elaborada pelo Executivo.
A interpretação que o TRF218 tem dado ao § 69 do artigo 225,
conforme mostra o aresto a seguir transcrito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, QUE
DEFERIU LIMINAR, DETERMINANDO A SUSPENSÃO DO LICENCIAMENTO
AMBIENTAL DA USINA NUCLEAR DE ANGRA III. I - Trata-se de
Agravo de Instrumento, interposto por ELETRONUCLEAR em face de
Deci-
17 Craig Johnston, William Puak e Victor Flatt - Legal
protection of the: environment, St Paul, Thomson/West,
18 TKF2. AG - AGRAVO DEINSTRUMENTO -151046. DJU DATA:
24/04/2007.
Direito Ambiental
são, proferida em Ação Civil Pública, que indeferiu seu
ingresso no feito como Htisconsorte passiva necessária,
deferindo, ainda, a liminar requerida pelo MPF, determinando a
suspensão do procedimento de licenciamento ambiental da Usina
Nuclear de Angra III. II - Pretendeu o MPF, na referida Ação
Civil Pública, a declaração de nulidade dos atos
administrativos tendentes ao licenciamento de empreendimento
nuclear conhecido como Angra III, tendo em vista suposto
descumprimento dos mandamentos constitucionais previstõs nos
arts. 21, XXIII, a; 49, XIV, e 225, § 6e. III - Quanto à
legitimidade passiva da ELETRONUCLEAR, sabe-se que a mesma
recebeu autorização do Poder Público para atuar como
construtora e operadora de usinas nucleares. Destarte, tendo
sido iniciado o procedimento para licenciamento ambiental
prévio da Usina de Angra III e, posteriormente, por decisão
judicial, tendo ocorrido a suspensão de tal procedimento,
conclui-se pela necessidade de ingresso da Agravante no polo
passivo do feito, mormente ao se verificar que o resultado da
demando originária do presente Agravo de Instrumento irá
afetar diretamente as atividades da mesma. IV — De fato, a
CRFB/88 exige a autorização do Congresso Nacional para a
instalação de usinas nucleares. Estabelece, também, que lei
federal deverá determinar o local em que as mesmas deverão ser
instaladas. V — Cumpre registrar, todavia, que o planejamento
para a efetivação do empreendimento Angra III iniciou-se muito
antes da ordem constitucional atual. Registre-se, também, que,
consoante a CRFB/67, emendada em 1969, a autorização para
instalações nucleares se dava sob a forma de decreto presiden-
cial. Desta maneira, no ano de 1975, nos exatos termos
constitucionais, o então Presidente da República, através do
Decreto ns 75.870, autorizou a estruturação de uma terceira
unidade de usina nuclear (fl. 85). VI — Verifica-se, assim,
que o empreendimento em testilha foi iniciado ao tempo da
Constituição anterior, que dispensava as exigências de
autorização do Congresso Nacional para a construção de usinas
nucleares, bem como a disposição sobre a localização das mes-
mas. VII - Deve-se afirmar, desta maneira, que não há que se
falar em caducidade do Decreto n9 75.870/75 em confronto aos
preceitos da nova ordem constitucional. E isso porque,
analisando a jurisprudência do Pretório Excelso, quando o
texto constitucional pretender assumir efeito retrospectivo,
deve assim se manifestar expressamente. VIII - Outrossim,
ainda que se admita a imprescin- dibilidade de cumprimento de
tais requisitos, entende-se que os mesmos não devem vincular o
início do procedimento de licenciamento ambiental. E isso
porque é neste procedimento onde serão realizados todos os
estudos necessários para a efetivação de empreendimento
considerado poluidor, estudos estes imprescindíveis ao
Congresso Nacional no momento em que for avaliar se deve ou
não autorizar o funcionamento do referido empreendimento. IX —
Caso contrário, o Congresso Nacional estaria sem qualquer
referencial para emitir sua decisão, seja sobre a aprovação da
construção da usina, seja sobre o local em que a mesma deverá
ser construída. X - Agravo Interno prejudicado. XI — Agravo de
Instrumento provido.”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Sem pretender polemizar com a decisão, aliás proferida em
sede de Agravo, parece-me evidente que se avançou em uma
interpretação da norma constitucional muito além daquela que
seria razoável, sobretudo em caso da magnitude do decidido. Ao
revogar a Ordem Constitucional anterior, o Constituinte de
1988 dispôs de forma inteiramente diversa sobre energia
nuclear. Caso ele entendesse existente algum direito adquirido
a ser mantido na nova ordem constitucional, no que se refere à
instalação das usinas nucleares, certamente teria feito a
ressalva, como fez para diversas outras questões nas
disposições constitucionais transitórias. TVA vs. Hill, no
particular, é uma lição de independência judiciária e não
intervenção sobre a vontade do Congresso até o ponto de
descaracterizá-la, como ocorreu na decisão brasileira
apresentada. Não há que se confundir planejamento com
instalação e muito menos autorização para planejamento com
autorização para instalação. Além disso, no caso concreto,
ante a não-implementação da autorização, haja vista que nada
foi construído, não me parece razoável que tal interpretação
possa persistir contra expressa disposição constitucional. Há,
indiscutivelmente, um custo envolvido; contudo, em primeira
análise, parece que o Congresso, assim como o norte-americano,
não se importou com os custos, pois achou que outros valores
superavam o mero custo financeiro.
O poder do Executivo Americano para elaborar as listas de
espécies ameaçadas, sob a doutrina Chevron (Chevron USA v.
Natural Resources Defense Council, 467 U.S. 837 (1984)) tem
sido amplamente reconhecido, e o Poder Judiciário deve aceitá-
lo com base em deferência ao poder discricionário do
Executivo, desde que a ação executiva tenha sido razoável.
Assim, a Suprema Corte reconhece que o Congresso delegou a
atribuição de formar a lista para o Executivo (Chevron Step 1)
e que a escolha foi razoável e não exorbitante (Chevron Step
2). Cabe, segundo a doutrina Chevron, ao Executivo definir as
questões de políticas públicas a serem aplicadas, segundo a
determinação do Congresso, tal como expressas em lei.
TVA vs. Hill teve como uma de suas consequências uma
modificação no texto da seção 7 do ESA com a substituição da
expressão “do not jeopardize” por “is not llkely to
jeopardize”, ou seja, provavelmente não prejudique, não
arrisque. A norma, portanto, tomou-se muito mais abstrata e
ampliou o poder discricionário do Executivo para avaliar as
medidas a serem tomadas em cada caso que, conforme a doutrina
Chevron, devem ser respeitadas pelos tribunais desde que sejam
razoáveis.
TVA vs. Hill é um marco judiciário extraordinário e
demonstra claramente o que é uma Corte independente e, ao
mesmo tempo, é uma aula sobre separação de poderes. Não há
dúvida de que a decisão, se analisada sob o prisma de danos
ambientais concretos, custo e benefício, investimentos
realizados e a serem realizados, é extremamente exagerada e
absurda. Por outro lado, se o Tribunal tivesse resolvido
"legislar” e dar uma interpretação à norma que, evidentemente,
não era possível, teria dado ao Executivo a possibilidade de,
simplesmente, não cumprir a determinação do Legislador que,
exagerada, por certo, era aquela mesmo. Seguramente, todo o
sistema de proteção de espécies estaria colocado sob uma
discricionariedade absoluta do Executivo, o que não era o
desejo do Congresso.

Direito Ambiental
Em um país como o nosso, que necessita de
institucionalização, TVA vs. Hill deveria ser ensinado em
todos os cursos de Direito Constitucional como um exemplo a
ser seguido por todos os poderes, pelo Congresso, para que
faça leis razoáveis, pelo Executivo, para que não tente
exercer poderes que não tem, e pelo Judiciário, para que não
“crie” normas por meio de interpretação “ad hoc”.
1.3. Atribuições do Ministério Público
As atribuições do Ministério Público em matéria de proteção
ao meio ambiente datam de longo tempo, já a lei de proteção
aos animais outorgava a nobre missão ao MP.19 A Lei ne
6.938/81, desde a sua primeira versão, já determina competir
ao Ministério Público promover a responsabilização daqueles
que fossem responsáveis por danos ao meio ambiente.20
Posteriormente, a Lei ne 7.347, de 24 de julho de 1985, veio a
atribuir funções a serem desempenhadas pelo Ministério Público
na proteção de todo e qualquer interesse difuso. Tanto a Lei ns
7.347/85 como diversos outros diplomas legais têm atribuído ao
MP funções extrajudiciais. Tais funções implicam que o parquet
é dotado de legitimidade para celebrar transações e termos de
compromisso e ajustamento de conduta com agentes degradadores
do meio ambiente, de molde que os mesmos se enquadrem em
condutas, ambientalmente sadias. As atribuições do Ministério
Público se dividirão em conformidade com as competências
constitucionais.21 Observe-se, contudo, que a ação do
Ministério Público não pode ser substituta da ação a ser
desenvolvida pelo Executivo.
19 Decreto 4.645, de 10 de Junho de 1934. Estabelece medidas
de proteção aos animais. “Alt. 2“ - Aquele que, em lugar
público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus-txatos aos
animais, incorrerá em multa de Cr$ 20,00 a Cr$ 500,00 e na
pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquente
seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação
civil que possa caber... § 3a - Os animais serão assistidos
em hifcn pefm representantes do Ministério Público. seus
substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras
de animais.”
20 Lei n» 6.938/81, art. 14, § 1«.
21 Superior Tribunal de Justiça - REsp 440002 / SE; Relator;
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. PRIMEIRA TURMA. DJU:
06.12.2004 p. 195. Ementa PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE.
COMPETÊNCIA. REPARTIÇAO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E
LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. 1. A ação civil pública, como
as demais, submete-se, quanto à competência, à regra
estabelecida no art. 109,1, da Constituição, segundo a qual
cabe aos juizes federais processar e julgar “as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes
ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério
Público Federal, que é órgão da União, a competência para a
causa é da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência
com legitimidade das partes. A questão competencial é
logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da
legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciara
legitimação ativa do Ministério Público Federa/ para
promover a demanda, consideradas as suas características, as
suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À luz do
sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o
princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da
União promover as ações civis públicas de interesse federal
e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que
há interesse federal nas ações civis públicas que (a)
envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da
União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser
legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da
União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais
Regionais Federais e
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
2. O SISNAMA
As origens do SISNAMA remontam à constituição da Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA) pelo Decreto n2 73.030, de 30
de outubro de 1973, logo após a Conferência de Estocolmo sobre
o Meio Ambiente Humano de 1972. Outro momento que marca os
antecedentes do SISNAMA foi o IIPND — Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico, no qual as questões ambientais
mereceram atenção.
(...) compreendia três linhas de ação: política ambiental na
área urbana e definição das áreas críticas de poluição,
política de preservação de recursos naturais e política de
proteção à saúde humana.22
A SEMA foi criada no âmbito do Ministério do Interior; como
órgão autônomo, é diretamente subordinada ao Ministro de
Estado. A SEMA deveria ter a sua orientação voltada para a
conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos
naturais. Ela foi extinta pela Lei n2 7.735, de 22 de fevereiro
de 1989, que resultou da aprovação da Medida Provisória n2 34,
de 23 de janeiro de 1989.
A Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a
política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e apUcaçãoi instituiu, através de seu artigo 69, o
SISNAMA.23 Este sistema é claramente influenciado pelo modelo
estabelecido pelo NationalEnvironmental PolicyAct norte-
americano.24 A finalidade do SISNAMA é estabelecer uma rede de
agências governamentais, nos diversos níveis da Federação,
visando assegurar mecanismos capazes de, eficientemente,
implementar a PNMA.
A PNMA tem os seus objetivos estabelecidos pelo artigo 2® da
Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981. A norma legal determina
que a
política nacional do meio ambiente tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, visando assegurar ao País
Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da
matéria ~ as fundadas em tratado ou contrato da União com
Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art.
109,[III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas
(CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão
da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas
entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que
uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais
no pólo acivo (CF, art. 109,1); e (e) as demais causas que
envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e
dos valores jurídicos que se visa tutelar. 6. No caso dos
autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque
nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da
União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar
bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a
saber; o meio ambiente em área de mangue- zal, situada em
terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União
(CF, art. 20, VTI), sujeitos ao poder de polícia de autarquia
federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4a
). 7. Recurso especial provido.
22 Dalia Mainon. Ob. cit., p. 268.
23 A Lei n» 6.938/81 sofreu várias alterações desde a sua
promulgação. O texto ao qual irei me referir é o resultante
das alterações introduzidas peias Leis n°s 7.804, de
18/7/1989, e 8.028, de 12/4/1990.
24 42 U.S.C.A §§ 4321/4370 c, in Selected Environmental Law
Scacuces (1991-92), Educational Edition, St. Paul, West
publishing, 1991, pp. 541 e seguintes.
Direico Ambiental
condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana...
A PNMA, como não é difícil perceber, tem abrangência
bastante grande. Em primeiro lugar, ela visa à preservação do
meio ambiente. Preservação tem o sentido de perenizar, de
perpetuar, de salvaguardar, os recursos naturais. Além dos
objetivos traçados pelo artigo 2a da Lei n2 6.938/81, o seu
artigo 4e estabelece uma lista mais ampla de objetivos, a
saber:
a) a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com
a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico;
b) a definição de áreas prioritárias de ação governamental
relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo
aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Territórios e dos Municípios;
c) o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade
ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos
ambientais;
d) o estabelecimento de pesquisas e de tecnologias nacionais
orientadas para o uso racional dos recursos ambientais;
e) a difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, a
divulgação de dados e informações ambientais e a formação de
uma consciência pública sobre a necessidade de preservação
da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;
f) a preservação e restauração dos recursos ambientais com
vistas à sua utilização racional e disponibilidade
permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio
ecológico propício à vida;
g) a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização dos recursos ambientais com
fins econômicos.
As boas condições ambientais, nos termos da lei, constituem-
se em um importante elemento indutor do desenvolvimento
socioeconômico. Servem, também, como meio indispensável para a
segurança nacional e proteção da dignidade humana. Estes três
últimos elementos somente podem ser compreendidos sob a ótica
do desenvolvimento sustentado. A PNMA, portanto, deve ser
compreendida como o conjunto dos instrumentos legais,
técnicos, científicos, políticos e econômicos destinados à
promoção do desenvolvimento sustentado da sociedade e economia
brasileiras. A implementação da PNMA fez-se a partir de
princípios que são estabelecidos pela própria CF e pela
legislação ordinária.
O artigo 2e da Lei ne 6.938/81, em seus incisos I e X,
estabelece os princípios legais que devem reger a PNMA. Tais
princípios, obviamente, estão submetidos aos princípios gerais
do DA. A conclusão é óbvia, pois a PNMA é uma importante par-
cela do DA positivo brasileiro. Na eventual contradição entre
um princípio estabelecido para uma atividade ambiental
setorizada e um princípio geral do direito ambiental, deverá
prevalecer o princípio que seja dotado de um conteúdo mais
favorável à proteção do meio ambiente.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Os princípios estabelecidos na lei são os seguintes:
I) ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como patrimônio público25 a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo;
II) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
III) planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;
TV) proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas
representativas;
V) controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente polui- doras;
VI) incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias
orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos
ambientais;
VII) acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII) recuperação de áreas degradadas;
IX) proteção de áreas ameaçadas de degradação; e
X) educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive
a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente.
Nem todos os tópicos arrolados no artigo 2e são verdadeiros
princípios jurídicos ambientais. De fato, a maioria dos
incisos acima transcritos representa uma orientação prática à
ação governamental que decorre dos princípios do DA. E
importante considerar, ademais» que nem todos os princípios do
Direito Ambiental encontram- se presentes na principiologia
estabelecida pela PNMA.
O princípio do meio ambiente como Direito Humano Fundamental
deve ser considerado como um princípio implícito na PNMA,
pois, embora não seja expressamente mencionado na lei, é um
princípio constitucional26 e, portanto, presente nas normas de
natureza iníraconstitucional.
O princípio democrático encontra-se presente na
principiologia estabelecida pela Lei ns 6.938/81 através da
norma contida no inciso X do artigo 2a:
Educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade objetivando capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente.
Esta é uma das normas mais importantes da PNMA.
Lamentavelmente, o preceito legal tem sido muito pouco
observado, pois a educação ambiental e a capacitação dos
cidadãos para a defesa ativa do meio ambiente restam como
objetivos a serem alcançados.
25 A Lei n4 4.717, de 29/6/1965, em seu art. Ia, § Ia, define o
patrimônio público como: (...) os bens e direitos de valor
econômico, artístico, estético ou histórico.
26 Conforme o artigo da CF.
Direito Ambiental
O princípio do limite, igualmente, está presente na PNMA.
Assim é que os incisos II, III e V do artigo 2a determinam:
II) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
III) planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;
V) controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente polui-
doras.
A Lei ne 6.938/81, em seu artigo 9e, estabeleceu uma série
de instrumentos cuja finalidade é a de viabilizar a consecução
dos objetivos da PNMA instituídos no artigo 42. Tais
instrumentos são:
a) o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
b) o zoneamento ambiental;
c) a avaliação de impactos ambientais;
d) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou
potencialmente polui- doras;
e) os incentivos à produção e instalação de equipamentos e à
criação ou absorção de tecnologia voltados para a melhoria
da qualidade ambiental;
f) criação de espaços territoriais especialmente protegidos
pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal, tais como
áreas de proteção ambiental, de relevantes interesses
ecológicos e extrativistas;
g) o Sistema Nacional de Informações sobre o meio ambiente;
h) o Cadastro Técnico Federal de atividades e instrumentos
de defesa ambiental;
i) as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não-
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou
correção da degradação ambiental;
j) a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a
ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis — IBAMA;
1) a garantia de prestação de informações relativas ao meio
ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando
inexistentes;
m) o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente
poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais.
Os instrumentos acima mencionados encontram a sua base
constitucional no conjunto de normas jurídicas que se
encontram presentes no artigo 225 da CF, especialmente no § le
e seus incisos. Neste ponto, é desnecessário examinar cada um
individualmente, pois isso será feito ao longo de todo o
presente trabalho.
3. Órgãos Integrantes do SISNAMA
O SISNAMA é integrado por vim órgão superior; por um órgão
consultivo e deliberativo; por um órgão central; um órgão
executor; diversos órgãos setoriais; órgãos
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
seccionais e órgãos locais. Cada um destes órgãos possui
atribuições próprias. Compete-lhes precipuamente o exercício
do poder de polícia em matéria ambiental.27
A fiscalização das atividades degradadoras do meio ambiente
por parte dos órgãos integrantes do SISNAMA tem se revelado
hipertrofiada e pouco eficiente.
A Lei da PNMA estruturou o SISNAMA em sete níveis poKtico-
acLministrati- vos, o que por si só já demonstra a inequívoca
vocação cartorial e burocrática. O SISNAMA, na forma da lei, é
constituído pelos
(...) órgãos e entidades da União, cios Estados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as
Fundações instituídas pelo Poder Público,
responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade
ambiental.28
Os órgãos formadores do SISNAMA são:
a) Órgão Superior: o Conselho de Govemo;
b) Órgão Consultivo e Deliberativo: o CONAMA;
c) Órgão Central: o Ministério do Meio Ambiente;
d) órgão Executor: o IBAMA;
e) Órgãos Setoriais: órgãos da Administração Federal, direta,
indireta ou fun- dacional voltados para a proteção ambiental
ou disciplinamento de atividades utilizadoras de recursos
ambientais;
f) Órgãos Seccionais: órgãos ou entidades estaduais
responsáveis por programas ambientais ou pela fiscalização
de atividades utilizadoras de recursos ambientais;
g) Órgãos Locais: as entidades municipais responsáveis por
programas ambientais ou responsáveis pela fiscalização de
atividades utilizadoras de recursos ambientais.
O Conselho de Governo é órgão integrante da Presidência da
República e é encarregado do assessoramento imediato ao
Presidente da República, conforme determinação que se continha
na Lei n2 8.028, de 12 de abril de 1990. A reorganização da
estrutura administrativa da Presidência da República ocorrida
em razão das disposições contidas na Lei n2 8.490, de 19 de
novembro de 1992, manteve o Conselho de Govemo como órgão de
assessoramento imediato do Presidente da República. O Conselho
de Govemo é constituído por todos os Ministros de Estado,
pelos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da
República e pelo Advogado Geral da União, com a finalidade de
assessorar o Presidente da República na formulação de
diretrizes de ação governamental.29
27 Eventualmente, outros órgãos, ainda que indiretamente,
poderão exercer o poder de polícia ambiental em matéria de
saúde pública etc.
28 Lei n» 6.938/81, art. 6«.
29 Lei n* 9.649, de 27/5/1998.
Direito Ambiental
3.1. O CONAMA
O CONAMA foi criado pelo artigo 6B, inciso II, da Lei n9
6.938/81 com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao
Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para
o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito
de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o
meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida. O CONAMA, portanto, é uma entidade dotada
de poder regulamentar em razão de expressa determinação legal.
A competência legal do CONAMA está estabelecida no artigo 8B
dà Lei n2 6.938/81. Nos termos da lei, compete ao CONAMA:
a) estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios
para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado
pelo IBAMA;
b) determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alternativas e das possíveis conseqüências
ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando
aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a
entidades privadas, as informações indispensáveis para
apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos
relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa
degradação ambiental, especialmente em áreas consideradas
património nacional;
c) decidir como última instância administrativa em grau de
recurso, mediante depósito prévio, sobre multas e outras
penalidades impostas pelo IBAMA;30
d) homologar acordos, visando à transformação de penalidades
pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse
para a proteção ambiental;
e) determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou
restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder
Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou
suspensão de participação em linhas de financiamentos em
estabelecimentos oficiais de crédito;31
f) estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de
controle de poluição por veículos automotores, aeronaves e
embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
g) estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com
vistas ao uso racional dos recursos ambientais,
principalmente os hídricos. A Presidência do CONAMA é exer-
cida pelo Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.
30 O Poder Judiciário tem decidido, a meu ver de forma
equivocada, que a exigência de depósito prévio para o
recurso administrativo é inconstitucional.
31 A Resolução CONAMA n® 4, de 28/6/1990, determinou a perda
de todos os incentivos fiscais concedidos ou a serem
concedidos ao cidadão José Ávila Bassul, em razão de
sentença proferida pelo MM. Juízo da Comarca de Iconha,
Estado do Espírito Santo.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Outras atribuições legais do CONAMA:
a) Órgão Consultivo e deliberativo do SNUC;32
b) Definir atividades de interesse social e utilidade pública
para fins de supressão de vegetação.33
0 Decreto n9 99.274, de 6 de junho de 1990, com nova redação
dada pelo Decreto n9 3.942, de 27 de setembro de 2001, em seu
artigo 7S, regulamentou tal competência da seguinte maneira:
1 - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e
critérios para o
licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, a ser concedido pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios e supervisionada pelo referido Instituto;
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alter
nativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos
públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais,
estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as
informações indispensáveis para apreciação dos estudos de
impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras
ou atividades de significativa degradação ambiental,
especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional;
III- decidir, após o parecer do Comitê de Integração de
Políticas Ambien
tais, em última instância administrativa em grau de recurso,
mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades
impostas pelo IBAMA;
IV - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou
restrição de
benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter
geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação
em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito;
V - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais
de controle da
poluição causada por veículos automotores, aeronaves e
embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
VI- estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manu
tenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso
racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos;
32 Art. 6a, I, da Lei n9 9.985, de 18 de julho de 2000.
33 Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de Agosto de 2001. Art.
1« Os arts. I2,4=, 14,16 e 44, da Lei nB 4.771, de 15 de
setembro de 1965, passam a vigorar com as seguintes
redações: ”Art. I9 (...) - § 2o Para os efeitos deste
Código, entende-se por: (...) IV — utilidade pública: c)
demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em
resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente — CONAMA; V
- interesse social: a) as atividades imprescindíveis à
proteção da integridade da vegetação nativa, tais como:
prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão,
erradicação de invasores e proteção de plantios com espécies
nativas, conforme resolução do CONAMA; (...) c) demais
obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução
do CONAMA.
Direito Ambiental
VII ~ assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo
diretrizes de polí
ticas governamentais para o meio ambiente e os recursos
naturais;
VIII ~ deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas
e padrões com
patíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
essencial à sadia qualidade de vida;
IX - estabelecer os critérios técnicos para declaração de
áreas críticas, satu
radas ou em vias de saturação;
X - acompanhar a implementação do SNUC, conforme disposto no
inciso I
do art. 65 da Lei n2 9.985, de 18 de julho de 2000;
XI - propor sistemática de monitoramento, avaliação e
cumprimento das
normas ambientais;
XII - incentivar a instituição e o fortalecimento
institucional dos Conselhos
Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, de gestão de recursos
ambientais e dos Comitês de Bacia Hidrográfica;
XIII - avaliar a implementação e a execução da política
ambiental do País;
XIV - recomendar ao órgão ambiental competente a elaboração
do Relatório
de Qualidade Ambiental, previsto no art. 9a, inciso X, da Lei
n2 6.938, de 31 de agosto de 1981;
XV - estabelecer sistema de divulgação de seus trabalhos;
XVI - promover a integração dos órgãos colegíados de meio
ambiente;
XVII - elaborar, aprovar e acompanhar a implementação da
Agenda Nacional
de Meio Ambiente, a ser proposta aos órgãos e às entidades do
SISNA- MA, sob a forma de recomendação;
XVIII - deliberar, sob a forma de resoluções, proposições,
recomendações e
moções, visando ao cumprimento dos objetivos da PNMA; e
XIX - elaborar o seu regimento interno.
Determina o § Ia do artigo 79 que: As normas e os critérios
para o licenciamento de atividades potencial ou efetivamente
poluidoras deverão estabelecer os requisitos necessários à
proteção ambiental. Disposição, em minha opinião, totalmente
redundante, pois o objetivo do licenciamento é o de
“estabelecer os requisitos neces- sários para a proteção
ambiental”.
As penalidades previstas no inciso TV do artigo 79 somente
serão aplicadas nos casos previamente definidos em ato
específico do CONAMA, assegurando-se ao interessado a ampla
defesa.
Uma importante inovação é a constante do § 3® do artigo 7Ô,
que estabelece que: “na fixação de normas, critérios e padrões
relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio
ambiente, o CONAMA levará em consideração a capacidade de
auto-regeneração dos corpos receptores e a necessidade de
estabelecer parâmetros genéricos mensuráveis.” Isto implica
que o elemento mais importante a ser considerado seja a
capacidade de suporte ambiental e não o parâmetro em si
próprio. Prevalece, em minha opinião, a capacidade de suporte
sobre o parâmetro, abrindo- se espaço para o controle
ambiental pela qualidade e não meramente por limites
estabelecidos sem qualquer base científica.
catw - cnsinç iUDsnor
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
3.1.1. O Conama e a delegação de competências
A separação de poderes entre o Executivo e o Legislativo,
bem como o consequente controle judicial de legalidade,
acrescidos da grande complexidade da vida atual, sobretudo em
matérias para as quais seja requerido um elevado grau de
informação técnico-científica, tem acarretado um deslocamento,
cada vez maior, para o Poder Executivo de atribuições
regulatórias específicas. Este fenômeno se consubstancia na
criação das chamadas “agências regulatórias”, tais como a
ANEEL e tantas outras. O Conama não ostenta explicitamente a
condição de agência regulatória, muito embora a sua função
normativa seja evidente. A Lei 6.938/81, como visto,
expressamente delegou algumas atribuições ao Conselho, assim
como o fez a Lei do SNUC e a nova redação do CFlo. Assim,
inicialmente está colocada a questão de saber quais os limites
da delegação feita pelo Legislativo para o Executivo e, em um
segundo momento, se o órgão de execução das decisões do
Conama, no caso os integrantes do Sisnama, está agindo dentro
dos limites fixados pelo Conselho. Tem sido entendido pelos
Tribunais Superiores que as competências das agências
reguladoras prevalecem em relação a normas editadas por entes
federados, mesmo sob a forma de lei quando invadem competência
federal delegada às agências,34 sobretudo quando se tratar de
matéria técnica. Está claro, contudo, que as agências
reguladoras, no exercício de suas regulares atribuições
legais, não estão autorizadas à ultrapassagem dos limites
fixados pela lei, como tem sido decidido pelos Tribunais
Superiores.35
34 Superior Tribunal de Justiça - AgRg na MC 11870 / RS;
Relator; Ministro LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. DJU: 16.11.2006
p. 216, Ementa AÇÃO CAUTELAR. TUTELA ANTECIPADA RECURSAL.
RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. CORTE DE ANTENAS DE TELEFONIA
MÓVEL. LEI MUNICIPAL EM CONTRAVENÇÃO AO ATO DA AGÊNCIA
REGULADORA. DECISÃO DA JUSTIÇA ESTADUAL MERCÊ DO PEDIDO DE
INTERVENÇÃO DA AUTARQUIA FEDERAL. CORTE ABRUPTO.
INTELIGÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA MERITÓRIA DO STJ E DA SÚMULA
150. TUTELA DEFERIDA. PER1CULUM IN MORA INVERSO. 1. A
descontinuidade da prestação de serviço público de atividade
regulada consoante as regras da agência reguladora é feto
inequívoco de exsurgimento de periculum in mora. 2. Deveras,
o surgimento superveniente de determinação municipal em
confronto com ato da agência reguladora impõe análise
pormenorizada da proposição técnica, revelando-se temerário
o cumprimento de determinação local em detrimento de
atividades essenciais e do interesse da coletividade.
Precedente do E. STJ: MC 3982/AC Relator Ministro LUIZ FUX
DJ 15.03.2004. 3. Uma vez questionado o ato da agência
reguladora, cuja natureza autárquica resta inequívoca,
seguido de seu pleito de intervenção para manter hígida a
sua determinação, o deslocamento da competência para a
Justiça Federal se impunha na forma da jurisprudência
cristalizada pelo verbete sumular 150, da Corte, verbis.
"Compete à Justiça Federal decidir o interesse jurídico que
justifique a presença no processo da União, autarquias ou
empresas públicas.” 4. É cediço no Tribunal não só a
excepcionalidade da interrupção abrupta dos serviços
concedidos como também a intromissão de outros órgãos nas
atividades reguladas, o que se equipara à invasão do
Judiciário acerca da conveniência e oportunidade dos atos
administrativos. Precedentes: MC 2675/RS, Relatora Ministra
Eliana Calmon, DJ de 04.08.2003; REsp 572070/PR, Relator
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 14.06.2004) 5. Destarte,
sob o ângulo da razoabilidade não se revela crível que a
atividade empreendida há uma década pela requerente, como o
beneplácito da agência, tenha a sua continuidade
abruptamente rompida por força de novel legislação municipal
exarada de órgão administrativamente incompetente, o que
nulifica o ato administrativo, mercê do disposto no art. 19
da lei federal 9.472/97, que atribui competência exclusiva à
ANATEL para os fins desvirtuados pela decisão atacada. 6.
Recurso Especial admitido,' adjun- tando-se notório
periculum in mora e manifesto fumus boni iuris. 7. Agravo
Regimental desprovido.
35 STJ - REsp 676172 / RJ. Relaton Ministro JOSÉ DELGADO.
PRIMEIRA TURMA. DJU: 27.06.2005 p. 253 Ementa ADMINISTRATIVO.
RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS POR DISTRIBUI-

Direito Ambiental
Portanto, cada ato emando do Conama deverá ser examinado em
duas etapas distintas: (i) saber se houve delegação
legislativa para o ato especificamente considerado e (ii)
examinar se a delegação foi exercida dentro de limites
razoáveis.
DORAS. OPÇÃO PELO REGIME DE PEDIDOS MENSAIS. SUBMISSÃO À
PORTARIA DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO N° 72/2000.
LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À LEI N* 9.478/97, ARTS. 1® e
8a, 1. Mandado de segurança com pedido de liminar impetrado por
BUFFALO PETRÓLEO DO BRASIL LTDA. e TM DISTRIBUIDORA DE
PETRÓLEO contra o DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO -
ANP, em que se discute a legalidade e inconstitucionalidade da
Portaria n® 72/2000, que limita o volume de combustível a ser
adquirido pelas distribuidoras, pugnando pela prevalência das
Portarias n®s 25/94 e 60/97, vigentes à data de sua
constituição. Liminar deferida e depois cassada pelo TRF/2*
Região. Sentença julgando parcialmente procedente o pedido a
fim de que a ANP homologue as cotas de combustíveis das
impetrantes e a PETROBRÁS forneça os produtos sem as
restrições da Portaria n® 72/2000, observando, caso o estoque
seja insuficiente, o princípio da igualdade entre as
adquirentes. Execução da sentença suspensa e, posteriormente,
restabelecida, por reconsideração. Interpostas apelações pela
ANP e pela PETROBRÁS, o TRF deu-lhes provimento por entender
que a CF/88 autoriza a fixação de limites a que a livre
concorrência deve se sujeitar, sendo um dos motivos que
inspiraram a criação das chamadas Agências Reguladoras.
Discorre que só uma das impetrantes pretende retirar 50% do
que foi fornecido a todas as demais distribuidoras, num só
mês, o que seria comercialmente inviável e inaceitável.
Afirma, ainda, que as impetrantes desejam adquirir combustível
à margem de qualquer regulamentação de sua atividade, não
celebrando contrato de for- necimento com o produtor (a
Petrobrás), nem se submetendo ao regime de cotas da ANP.
Recurso especial da TM Distribuidora de Petróleo Ltda.
alegando violação dos arts. 1° e 8a da Lei n® 9.478/97 em razão
de ter direito adquirido à aplicação das Portarias n«s 25/94 e
60/97, que não restringiram a aquisição de combustíveis. Aduz,
ainda, que a Portaria na 72/2000 usurpa os limites que a
referida lei impôs à ANP porque impede a livre concorrência
entre as distribuidoras ao fixar as cotas das empresas que,
caso esgotem seus estoques, não mais poderão adquirir o
combustível da refinaria. Contra-razÕes da ANP sustentando que
as distribuidoras, de acordo com o art. 3® da Portaria n®
72/00, podem optar pelo “regime de contrato de fornecimento
direto com os produtores” ou pelo “regime de pedido mensal”,
este último criado para assegurar que novos distribuidores
tenham garantido o acesso ao fornecedor de combustíveis e ao
recebimento dos mesmos, e que a impetrante valeu-se de
provimento jurisdicional para aproveitar-se dos dois regimes
sem suportar os ônus de qualquer deles, não se podendo falar
em direito adquirido a regime jurídico. Interposição
concomitante de recurso extraordinário, que foi provido. 2. O
art. 3® da Portaria n® 72/2000 é claro ao proporcionar dois
sistemas de aquisição de combustíveis pelas distribuidoras: “A
aquisição de gasolina automotiva e óleo diesel pelo
distribuidor de combustíveis derivados de petróleo, álcool
combustível e outros combustíveis deverá ser feita sob regime
de contrato de fornecimento com o produtor ou sob o regime de
pedido mensal”. Ao fazer a opção pelo sistema de pedido
mensal, deve a distribuidora obedecer, consequentemente, aos
critérios estabelecidos para esse tipo de procedimento,
prescritos no art. 7® da Portaria n® 72/2000. 3. Não se
encontra infringido o teor do art. 1®, incisos V e IX, da Lei
9.478/97. Ao estabelecer a opção para as distribuidoras fir-
marem contrato direto com seus fornecedores ou se valerem do
direito de realização de pedidos mensais, a Portaria 72/2000
prestigia a liberdade de escolha de suprimento além de
garantir o produto para aquelas que optam por não serem
regidas pelo sistema de contrato direto com o fornecedor. 4.
Não há violação do art. 8« da Lei n® 9.478/97. A proteção das
distribuidoras não pode ocorrer com o comprometimento do
mercado nacional de combustíveis e da satisfação do
consumidor, devendo haver a conciliação de interesses. O ato
hostilizado — a Portaria n° 72/2000 — é medida técnica que
materializa a atribuição para regular o setor petrolífero
(art. 8®, caput e XV, da Lei n® 9.478/97) conferida à ANP,
levando em conta o suprimento de derivados de petróleo em todo
o território nacional (art. 8a, I, da Lei n® 9.478/97), a
garantia de oferta de produtos aos consumidores (art. 8°, I,
da Lei n® 9.478/97) e o volume comercializado por cada
distribuidora nos meses anteriores, permitindo ainda o gradual
crescimento dessas últimas, sem realizar impacto excessivo e
desequilíbrio no mercado. 5. A Portaria n» 72/2000 não
extrapolou os limites fixados pela Lei n® 9.478/97,
preservando, com a sua sistemática, a garantia do fornecimento
de derivados de petróleo em harmonia e com respeito ao
princípio da livre-concorrência. 6. Recurso especial
desprovido.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
3.1.2. Composição do GONAMA: separação de poderes e
autonomia do Ministério Público
O CONAMA, curiosamente, não tem a sua composição definida em
lei, visto que, na primeira versão da Lei ne 6.938, de 31 de
agosto de 1981, em seu artigo 7Q, havia a previsão da
composição do Conselho, com a indicação de seus membros.36
Infelizmente, as Leis n2s 7.804 e 8.028 expungiram do universo
jurídico a composição legal do Conama. Agora, a composição do
Conselho é fixada por um mero decreto,37 baixado segundo a
competência constitucional do Presidente da Repúbli
36 “Art. 7* - É criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente ~
CONAMA, cuja composição, organização, competência e
funcionamento serão estabelecidos, em regulamento, pelo
Poder Executivo. Parágrafo único. Integrarão, também, o
CONAMA: a) representantes dos Governos dos Estados,
indicados de acordo com o estabelecido em regulamento,
podendo ser adotado um critério de delegação por regiões,
com indicação alternativa do representante comum, garantida
sempre a participação de um representante dos Estados em
cujo território haja área crítica de poluição, assim
considerada por decreto federal; b) Presidentes das
Confederações Nacionais da Indústria, da Agricultura e do
Comércio, bem como das Confederações Nacionais dos
Trabalhadores na Indústria, na Agricultura e no Comércio; c)
Presidentes da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária
e da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza d)
dois representantes de Associações legalmente constituídas
para a defesa dos recursos naturais e de combate à poluição,
a serem nomeados pelo Presidente da República.”
37 Decreto na 3.942, de 27 de setembro de 2001. “Art. Ia Os
arts. 4a, 5a, 6a, 7a, 10 e 11 do Decreto na 99.274, de 6 de
junho de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:
"(...) Art. 5a Integram o Plenário do CONAMA: I — o Ministro
de Estado do Meio Ambiente, que o presidirá; II - o
Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente, que
será o seu Secretário-Executivo; UI ~ um representante do
IBAMA; IV ~ um representante da Agência Nacional de Águas —
ANA; V — um representante de cada um dos Ministérios, das
Secretarias da Presidência da República e dos Comandos
Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos
respectivos titulares; VI — um representante de cada um dos
Governos Estaduais e do Distrito Federal, indicados pelos
respectivos governadores; VII — oito representantes dos
Governos Municipais que possuam órgão ambiental estruturado
e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo, sendo;
a) um representante de cada região geográfica do País; b) um
representante da Associação Nacional de Municípios e Meio
Ambiente-ANAMMA; c) dois representantes de entidades
municipalistas de âmbito nacional; VIII - vinte e um
representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade
civil, sendo: a) dois representantes de entidades
ambientalistas de cada uma das Regiões Geográficas do País;
b) um representante de entidade ambientalista de âmbito
nacional; c) três representantes de associações legalmente
constituídas para a defesa dos recursos naturais e do
combate à poluição, de livre escolha do Presidente da
República; d) um representante de entidades profissionais,
de âmbito nacional, com atuação na área ambiental e de
saneamento, indicado pela Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental-ABES; e) um representante
de trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e
confederações de trabalhadores da área urbana (Central Única
dos Trabalhadores-CUT, Força Sindical, Confederação Geral
dos Trabalhadores-CGT, Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Indústria-CNTI e Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Comércio-CNTC), escolhido em processo
coordenado pela CNTI e CNTC; f) um representante de
trabalhadores da área rural, indicado pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG; g) um
representante de populações tradicionais, escolhido em
processo coordenado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento
Sustentável das Populações Tradicionais-CNPT/IBAMA; h) um
representante da comunidade indígena indicado pelo Conselho
de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil
- CAPOIB; i) um representante da comunidade científica,
indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da
Gíênda-SBPC; j) um representante do Conselho Nacional de
Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares- CNCG; 1) um representante da Fundação
Brasi-leira para a Conservação da Natureza-FBCN; IX — oito
representantes de entidades empresariais; e X — um membro
honorário indicado pelo Plenário. § Ia Integram também o
Plenário do CONAMA, na condição de Conselheiros Convidados,
sem direito a voto: I - um representante do Ministério
Público Federal; II - um representante dos Ministérios
Públicos Esta-
Direito Ambiental
ca.38 Há, contudo, uma figura esdrúxula, que é o “conselheiro
convidado”, visto que ela viola inteiramente a separação dos
Poderes prevista no artigo 29 da Constituição e a autonomia
funcional do Ministério Público.
O Ministério Público é dotado de atribuições essenciais para
as funções jurisdi- cionais do Estado, exercendo-as em todos
os juízos brasileiros perante os quais desempenha as suas
funções institucionais, dentre as quais se destacam aquelas
indispensáveis ao controle da legalidade dos atos praticados
pelos próprios juizes, além de promover a defesa judicial de
diversos interesses e direitos socialmente relevantes. Veja-se
a determinação contida no artigo 127 da CF: “O Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. ”A CF foi mais além ao estabelecer
um rol das chamadas funções institucionais do Ministério
Publico que se constituem em um conjunto de atividades típicas
do MP e que desenham o perfil da instituição. É o artigo 129
da Lei Fundamental da República que explicita a referida
relação, dela constando: (i) promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei; (ii) zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia; (iii) promo-
ver o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; (iv) promover a ação de
inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição; (v) defender judicialmente os direitos e
interesses das populações indígenas; (vi) expedir notificações
nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva; (vii) exercer o controle
externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior; (viii) requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais; (ix) exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-
lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas.
Conforme se pode perceber do § 5e do artigo 128 da CF, leis
complementares da União e dos Estados estabelecerão “a
organização, as atribuições”de cada um dos Ministérios
Públicos. Veja-se que a questão da estrita reserva
constitucional e da observância da vocação natural de cada um
dos diferentes ramos do MP tem sido tão restritivamente
tratada pelo STF que a Corte sequer admite que o MP comum exer
duais, indicado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais
de Justiça; e III — um representante da Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados.”
38 CF; “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República;... VI — dispor, mediante decreto, sobre; a)
organização e funcionamento da administração federal, quando
não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de
órgãos públicos.”
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente |
ça as funções do Ministério Público Especial junto aos
Tribunais: de Contas, como algumas constituições estaduais
buscaram estabelecer.39
Pelo que se percebe do texto constitucional, as funções
institucionais do Ministério Público não se constituem em
numerus clausus, ao contrário, poderão ser ampliadas, desde
que compatíveis com a finalidade da própria instituição.
Entretanto, a CF, a priori, definiu algumas atividades que não
poderão ser conferidas ao Ministério Público, a saber: (a)
representação jurídica e (b) consultoria jurídica de entidades
públicas.
Estas são redações institucionais, entretanto, a CF define
uma vedação específica para os membros do Ministério Público.
Vejamos o teor: Art. 128. O Ministério Público abrange: “(-.)
§ 42 - (...) II - as seguintes vedações: (...) d) exercer,
ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,
salvo uma de magistério," Função, como se sabe, é qualquer
encargo atribuído pelo Poder Público a um cidadão, seja
remunerado ou não. Trata-se de um conceito mais amplo do que o
de cargo público.40 É indiscutível que o exercício de mandato
de conselheiro do Conama se constitui em função pública
relevante, conforme é admitido em sede normativa.41 Resulta daí
inteiramente contrário ao sistema constitucional que rege as
elevadas funções do Ministério Público a presença do parquet
no Conama, seja em que condição for.
Em sede doutrinária, os autores que versaram especificamente
sobre o papel constitucional do Ministério Público, com
destaque para Mazzüli,42 sustentam tese idêntica. “A vedação só
tem duas exceções, tuna de caráter permanente (tuna função de
magistério) e outra transitória, aliás, já vencida (para os
optantes a que se refere o art. 29, § 3®, do ADCT). Tem havido
controvérsia sobre a participação de membros do Ministério
Público em comissões ou organismos estatais. Não raro por
imposição de leis municipais, estaduais e federais, há
previsão da participação de membros do Ministério Público em
conselhos de defesa de direitos humanos, comissões de trân-
sito, conselhos de entorpecentes, enfim, em órgãos
administrativos diversos. As próprias leis orgânicas do
Ministério Público são as primeiras a, erroneamente, prever
39 “A questão pertinente ao Ministério Público Especial junto
ao tribunal de Contas Estadual: uma realidade institucional
que não pode ser desconhecida. Consequente impossibilidade
constitucional de o Ministério Público Especial ser
substituído, nessa condição, pelo Ministério Público comum
do Estado-Mem- bro. Ação Direta julgada parcialmente
procedente” (ADI 2.068, Relator Ministro Celso de Mello, DJU
16/05/2003).
40 Lei n9 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 3o Cargo
público é o conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que devem ser
cometidas a um servidor. Parágrafo único. Os cargos
públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por
lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres
públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.
41 Decreto n» 99.274, de 6 de junho de 1990. “Art. 6« O
Plenário do CONAMA reunir-se-á, em caráter ordinário, a cada
três meses, no Distrito Federal, e, extraordinariamente,
sempre que convocado pelo seu Presidente, por iniciativa
própria ou a requerimento de pelo menos dois terços de seus
membros (...)§ 4a A participação dos membros do CONAMA é
considerada serviço de natureza relevante e não será
remunerada, cabendo às instituições representadas o custeio
das despesas de deslocamento e estadia.”
42 Hugo Nigro Mazzilli. Introdução ao Ministério Público. SP:
Saraiva, 2a edição, 1998, p. 53.
Direito Ambiental
sua participação em organismos administrativos. Inexiste
vedação para o exercício de algumas funções administrativas da
própria instituição (para os assessores do procurador-geral, o
corregedor-geral, os conselheiros), mas há vedação à
participação do membro do Ministério Público em conselhos ou
organismos estatais, porque isso importa o exercício de outra
função pública.”
A participação em Conselhos, data venia, não se confunde com
"função institucional”, visto que a capacidade de decisão do
Ministério Público e a sua independência funcional restam
prejudicadas ao participar do colegiado, pois é uma prática
elementar de qualquer regime democrático que os conselheiros
se submetam às decisões dos colegiados que integram. Ora, não
se pode admitir que o MP, por integrar o conselho, se exonere
de suas funções de fiscalização da legalidade, o que gera uma
incompatibilidade entre ambas as funções, ou seja, a de
“fiscal da lei” e a de conselheiro. Não se pretende dizer que
os conselhos ajam ilegalmente, o que se afirma é que a
independência de um e de outro fica tolhida.
É importante observar que qualquer nova função institucional
do Ministério Público, ou mesmo instrumento de atuação,
conforme definido pela Lei Orgânica do Ministério Público,
somente poderá ser atribuída por lei. Lei, no caso, há que ser
tomada em seu sentido formal, pois aqui se trata de definições
extremamente relevantes para a ordem jurídica democrática.
Caso se pudesse cogitar do deferimento de atribuições ao
Ministério Público pela via do Decreto Presidencial, de fato,
as cláusulas de independência e autonomia funcionais restariam
como letra morta. Acresce, ainda, o fato de que, para se
evitar uma contradição lógica, a nova função institucional não
poderá implicar, seja a que título for, que o membro do
parquet passe a exercer uma função pública distinta ou
adicional àquela que já exerce normalmente.
Admitindo-se, por amor à argumentação, a constitucionalidade
da participação em Conselhos por integrante do MP,
representando a instituição. Ao Procurador Geral da República,
no caso do Ministério Público Federal, dada a sua condição de
Chefe da instituição,43 a Lei Complementar n2 75/93 reservou a
exclu-
43 MS 21239 / DF. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. TRIBUNAL
PLENO. DJ 23-04-1993. PG 6920. Ementa. MANDADO DE SEGURANÇA:
LEGITIMAÇÃO ATIVA DO PROCURADOR-GERAL DA RE- PÜBLICA PARA
IMPUGNAR ATOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUE ENTENDE
PRATICADOS COM USURPAÇÃO DE SUA PRÓPRIA COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL E OFENSIVOS DA AUTONOMIA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E REAFIRMAÇAO DA JURIS-
PRUDÊNCIA. 1. A LEGITIMIDADE AD CAUSAM NO MANDADO DE
SEGURANÇA PRESSUPÕE QUE O IMPETRANTE SE AFIRME TITULAR DE UM
DIREITO SUBJETIVO PRÓPRIO, VIOLADO OU AMEAÇADO POR ATO DE
AUTORIDADE; NO ENTANTO, SEGUNDO ASSENTADO PELA DOUTRINA MAIS
AUTORIZADA {CF. JELUNEK, MALBERG, DUGUIT, DABIN, SANTI
ROMANO), ENTRE OS DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS, INCLUEM-SE
OS CHAMADOS DIREITOS-FUNÇÃO, QUE TÊM POR OBJETO A POSSE E O
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA PELO TITULAR QUE A DETENHA, EM
TODA A EXTENSÃO DAS COMPETÊNCIAS E PRERROGATIVAS QUE A
SUBSTANTIVEM: INCENSURÁVEL, POIS, A JURISPRUDÊNCIA
BRASILEIRA, QUANDO RECONHECE A LEGITIMAÇÃO DO TITULAR DE UMA
FUNÇÃO PÚBLICA PARA REQUERER SEGURANÇA CONTRA ATO DO
DETENTOR DE OUTRA, TENDENTE A OBSTAR OU USURPAR O EXERCÍCIO
DA INTEGRALIDA- DE DE SEUS PODERES OU COMPETÊNCIAS: A
SOLUÇÃO NEGATIVA IMPORTARIA EM “SUBTRAIR
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
siva competência para definir as condições de atuação dos
integrantes do MP em órgãos externos. Ou seja, a Lei define os
órgãos de atuação externos à instituição do

DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA DE DIREITO.


2. A JURISPRUDÊNCIA - COM AMPLO RESPALDO DOUTRINÁRIO (V. G.,
VICTOR NUNES, MEIRELLES, BUZAID) - TEM RECONHECIDO A
CAPACIDADE OU “PERSONALIDADE JUDICIÁRIA” DE ÓRGÃOS COLETIVOS
NÃO PERSONALIZADOS E A PROPRIEDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA
PARA A DEFESA DO EXERCÍCIO DE SUAS COMPETÊNCIAS E DO GOZO DE
SUAS PRERROGATIVAS. 3. NÃO OBSTANTE DESPIDO DE PERSONALIDADE
JURÍDICA, PORQjJE É ÓRGÃO OU COMPLEXO DE ÓRGÃOS ESTATAIS, A
CAPACIDADE OU PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DO MINISTÉRIO LHE É
INERENTE - PORQUE INSTRUMENTO ESSENCIAL DE SUA ATUAÇÃO - E NÃO
SE PODE DISSOLVER NA PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO, TANTO
QUE A ELE FREQUENTEMENTE SE CONTRAPÕE EM JUÍZO; SE, PARA A
DEFESA DE SUAS ATRIBUIÇÕES FINALÍSTICAS, OS TRIBUNAIS TÊM
ASSENTADO O CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, ESTE IGUALMENTE
DEVE SER POSTO A SERVIÇO DA SALVAGUARDA DOS PREDICADOS DA
AUTONOMIA E DA INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE
CONSTITUEM, NA CONSTITUIÇÃO, MEIOS NECESSÁRIOS AO BOM
DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. 4. LEGITIMAÇÃO DO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA E ADMISSIBILIDADE DO MANDADO DE
SEGURANÇA RECONHECIDAS, NO CASO, POR UNANIMIDADE DE VOTOS. II.
MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO: NULIDADE DA NOMEAÇÃO, EM
COMISSÃO, PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DE PROCURADOR-GERAL DA
JUSTIÇA DO TRABALHO. 5. A UNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA
UNIÃO, SOB A CHEFIA DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, PERMITE
POR EM DÚVIDA A SUBSISTÊNCIA MESMA DO PRÓPRIO CARGO DE
PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO, POR ISSO NEGADA
EXPRESSAMENTE POR QUATRO DENTRE OS OITO VOTOS VENCEDORES, PARA
OS QUAIS "COMPETE (...), AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA,
EXERCER, DE MODO AUTÔNOMO E EM CARÁTER INDISPONÍVEL E
IRRENUNCIÁVEL, O PODER MONOCRÁTICO DE DIREÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E
REPRESENTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, CUJA PRÁTICA
SE REVELA INCOMPARTILHÁVEL COM QUALQ.UER OUTRO MEMBRO DA
INSTITUIÇÃO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO ADMI-
NISTRATIVA” {DO VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO). 6. AINDA,
PORÉM, QJJE SE ADMITA - A EXEMPLO DO QJJE SE DISPÔS NA
CONSTITUIÇÃO QUANTO AO PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA DO DISTRITO
FEDERAL A SUBSISTÊNCIA DOS CARGOS DE PROCURADOR-GERAL DA
JUSTIÇA DO TRABALHO E DA JUSTIÇA MILITAR -, COMO TITULARES DA
CHEFIA IMEDIATA DOS RAMOS CORRESPONDENTES DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DA UNIÃO, SOB A DIREÇÃO GERAL DO PROCURADOR-GERAL DA
REPÚBLICA, O CERTO E QUE D Al IGUALMENTE SERIA INADMISSÍVEL
EXTRAIR A RECEPÇÃO, PELA ORDEM CONSTITUCIONAL VIGENTE, DA
REGRA ANTERIOR DO SEU PROVIMENTO EM COMISSÃO, PELO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA. 7. DO REGIME CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, E DE INFERIR, COMO PRINCÍPIO BASILAR, A REJEIÇÃO DE
TODA E QUALQUER INVESTIDURA PRECÁRIA EM FUNÇÕES INSTITUCIONAIS
DO ORGANISMO, SEJA, NO PLANO EXTERNO, PELA PRESCRIÇÃO DA LIVRE
EXONERAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, SEJA, NO PIANO
INTERNO, PELA VEDAÇÃO DA AMOVIBIUDADE DOS TITULARES DE SEUS
ESCALÕES INFERIORES. 8. DO ART. 84, XXVI, I, PARÁGRAFO ÚNICO -
POSTOS EM COTEJO COM O ART. 127, PAR. 2«, DA CONSTITUIÇÃO -,
NÃO RESULTA IMPERATIVAMENTE A COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA PARA PROVER OS CARGOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, A QUAL,
SE ADMISSÍVEL, EM PRINCÍPIO, TERIA DE DECORRER DE LEI E FAZER-
SE NA FORMA NELA PRESCRITA: INADMISSÍVEL, À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO, O PROVIMENTO EM COMISSÃO PELO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA DO CARGO - SE AINDA EXISTENTE - DE PROCURADOR-GERAL
DA JUSTIÇA DO TRABALHO, E IMPOSSÍVEL RECEBER O ART. 64 DA LEI
1.341/51, QUE LHE OUTORGAVA O PODER DE LIVRE NOMEAÇÃO E
DEMISSÃO DO TITULAR DO CARGO, PARA MANTER-LHE A ATRIBUIÇÃO DO
PROVIMENTO, ALTERANDO-LHE, PORÉM, O REGIME LEGAL A QUE
SUBORDINADA. 9. PELA MESMA RAZÃO DE NULIDADE DA NOMEAÇÃO DO
LISTISCONSORTE PASSIVO DO MS 21.239 E IMPETRANTE DO MS 21.243,
TAMBÉM E DE REPUTAR-SE NULA A NOMEAÇÃO DO SEU ANTECESSOR, NO
CARGO, OLinSCONSORTEATIVO, NO MS21.239E PASSIVO, NO MS21.243,
DONDE A IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIR A PRIMEIRA IMPETRAÇÃO, NO
PONTO EM QUE SE INSURGE CONTRA O ATO QUE O EXONEROU. 10.
DEFERIMENTO PARCIAL DO MS21.239, IMPETRADO PE~
Direito Ambiental
Ministério Público, e o Procurador Geral estabelece,
observadas as diretrizes legais, os critérios da atuação.
Aqui, não se pode deixar de reconhecer uma tendência da
instituição em se espalhar pelo interior da Administração e do
próprio governo, de forma inteiramente contrária ao espirito
que rege o perfíl constitucional do MP que, para o bem e para
o mal, está intimamente vinculado ao modelo organizativo da
magistratura.
É evidente que mesmo a interpretação conforme à Constituição
não dá margem para que se admita que, por decreto, se disponha
sobre atribuições do Ministério Público, tendo em vista a mais
completa incompatibilidade com o sistema constitucional.
Assim, para se salvar os termos da Lei Complementar e de toda
uma legislação que lhe é subjacente, há que se fulminar o
decreto. Conforme a lição de BarrosoM “Na interpretação
conforme a Constituição, órgão jurisdicional declara qual das
possíveis interpretações de uma norma legal se revela
compatível com a Lei Fundamental Isso ocorrerá, naturalmente,
sempre que determinado preceito infraconstitucional comportar
diversas possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas
incompatível com a Constituição. Note- se que o texto legal
permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita ao sentido
declarado pelo tribunal. ”
No que concerne ao Ministério Público dos Estados, a Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público não é dotada de
disposições semelhantes àquelas constantes da Lei Orgânica do
Ministério Público da União. Há, entretanto, em seu artigo 25,
a atribuição para que o Ministério Público delibere sobre a
sua participação em conselhos estatais diversos, inclusive nos
voltados para a defesa do meio ambiente. A Lei merece ser
examinada com critério, pois, para que o Ministério Público
“delibere” sobre sua participação, são necessários alguns
requisitos básicos: (i) que o Conselho exista; (ii) que haja
uma vaga destinada ao Ministério Público. Não existe a
possibilidade de que o MP “crie” uma vaga para si em qualquer
Conselho. Além do mais, por uma questão de respeito ao regime
federativo e à própria estrutura organizacional do Ministério
Público, o MP dos estados só é dotado de atribuições no plano
estadual, a menos que uma lei nacional defina de forma
diversa.
Quando nos deparamos com um setor que lida diretamente com a
liberdade humana, como o da execução das penas privativas da
liberdade, por exemplo, veremos que as funções que o
Ministério Público deve desempenhar estão expressamente
previstas na Lei, como, aliás, é a determinação
constitucional, como já foi visto. De fato, a Lei ns 7.210, de
11 de julho de 1984, estabelece em seus artigos 67 e seguintes
todo um rol de atribuições para o Ministério Público.
Diferente não é quando se trata de defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes. Também no chamado
LO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBUCA, PARA DECLARAR NULA A NOMEAÇÃO
DO LTI7S- CONSORTE PASSIVO, JULGANDO-SE PREJUDICADO, EM
CONSEQÜÊNCIA, O MS21.243, REQUERIDO PELO ÚLTIMO.”
44 Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da
Constituição. SP: Saraiva, 6» edição, 2004, p. 189.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Estatuto da Criança e do Adolescente, a participação do
Ministério Público nos diferentes conselhos encontra expressa
previsão legal.
No caso da proteção das crianças e adolescentes, a
amplíssima participação do Ministério Público está
perfeitamente prevista em lei e, o que é bom, de forma bas-
tante minuciosa. Em campo diametralmente oposto do espectro
legislativo, podemos ver que na hipótese de defesa da
concorrência e do livre mercado a intervenção do Ministério
Público junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica -
CADE, como não poderia deixar de ser, está prevista em lei,
reservando-se ao parquet uma atuação muito importante naquele
Conselho Administrativo.
O CONAMA foi criado pela Lei n9 6.938, de 31 de agosto de
1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. O
Conama, em princípio, é um órgão consultivo e deliberativo do
SISNAMA. Muito embora o Conama não possa ser enquadrado como
consulto rija jurídica, é evidente o seu papel; normativo para
determinadas matérias técnicas e,- portanto, de produção de
documentos legais que, como todos sabemos, em termos de
direito ambiental, são extremamente importantes e relevantes,
basta que se vejam as atribuições legais do Conselho, conforme
definidas pelo artigo 8e da PNMA. A maioria das atribuições, em
princípio, parecem-me incompatíveis com as funções do
Ministério Público. É incompatível com a função do MP, por
exemplo, decidir sobre penalidades administrativas impostas
pelos órgãos do Sisnama, visto que cabe ao próprio parquet
velar pela legalidade da Administração, o que o deixa em uma
posição, no mínimo, incômoda. As demais funções, ça va sans
dire, nada têm a ver com as funções institucionais do
Ministério Público. Tendo em vista a semelhança de regime
constitucional, convém anotar que o Conselho Nacional de
Justiça, dando interpretação a caso concreto, proibiu os
magistrados de exercerem funções na chamada Justiça
Desportiva.45
3.1.2. Ministério do Meio Ambiente
3.1.2.1. Antecedentes
A primeira estrutura administrativa criada no Brasil
Republicano para a proteção do que posteriormente seria o
“meio ambiente” foi o Serviço Florestal do Brasil criado pelo
Decreto n2 4.421, de 28 de dezembro de 1921, que era “uma seção
especial, cujos objetivos eram “conservação, beneficiamento,
reconstituição, formação e aproveitamento das florestas”.
Dentre as atribuições do Serviço Florestal estavam as
seguintes: (i) promover e auxiliar a conservação, criação e
guarda das florestas protetoras; (ii) estabelecer e propagar
os conhecimentos relativos à silvicultura, mediante
investigações e demonstrações; (iii) práticas em hortos
florestais, convenientemente situados, executar, a título de
experiência e
45 Resolução n* 10, de 19 de dezembro de 2005.
Direito Ambiental
demonstração, em florestas-modelo, convenientemente
escolhidas; (iv) estudar e vulgarizar os processos de
conservação, por meios químicos, das madeiras, quer quando
aplicadas aos vários fins a que se destinam, quer quando
depositadas e em transporte; (v) organizar a estatística
florestal, e para esse fim: (vi) determinar, depois de
completos os reconhecimentos, as regiões em que devam ser
estabelecidas as reservas florestais; (vii) estudar e propor
ao Governo as melhores situações para o estabelecimento de
parques nacionais, isto é, de florestas típicas das diversas
regiões do país, que conservem, quanto possível, todos os
característicos da fauna e flora indígena; (viii) pôr em
prática e fazer cumprir todas as medidas de proteção e de
polícia florestal que forem decretadas de acordo com a lei;
(ix) divulgar em publicações, ou por quaisquer outros meios de
instrução, ideias e trabalhos de utilidade referentes às
florestas, considerando-as principalmente sob o ponto de vista
econômico.
Das autarquias que contribuíram diretamente para a
construção do Ministério do Meio Ambiente, a Sudepe -
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE foi
criada pela Lei Delegada ns 10, de 11 de outubro de 1962, no
âmbito do Ministério da Agricultura. Já a Superintendência da
Borracha - SUDHEVEA, entidade com personalidade jurídica de
direito público e autonomia administrativa, técnica e
financeira, sob a jurisdição do Ministério da Indústria e do
Comércio, foi criada pela Lei ne 5.227, de 18 de janeiro de
1967. Também de 1967 é a criação do Instituto Brasileiro do
Desenvolvimento Florestal - IBDF, conforme o Decreto-Lei ne
289, de 28 de fevereiro.
O Ministério do Meio Ambiente resultou da transformação da
Secretaria do Meio Ambiente em Ministério por força do artigo
21 da Lei nfi 8.490, de 19 de novembro de 1992. Por sua vez, o
Ministério do Meio Ambiente foi transformado pela Lei n9 8.746,
de 9 de dezembro de 1993, em Ministério do Meio Ambiente e da
Amazônia Legal. Houve uma ligeira alteração nas atribuições e
na estrutura básica do Ministério transformado para aquelas
que passaram a ser atribuídas ao novel Ministério.
As atribuições do atual Ministério do Meio Ambiente são de:
a) planejamento, coordenação, supervisão e controle das ações
relativas ao meio ambiente;
b) formulação e execução da política nacional do meio
ambiente;
c) articulação e coordenação das ações de política integrada
para a Amazônia Legal, visando à melhoria da qualidade de
vida das populações amazônicas;
d) articulação com os ministérios, órgãos e entidades da
Administração Federal, de ações de âmbito internacional e de
âmbito interno, relacionadas com a política nacional
integrada para a Amazônia Legal;
e) preservação, conservação e uso racional dos recursos
naturais renováveis;
f) implementação de acordos internacionais nas áreas de sua
competência.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
Organograma do MMA 200746

3.2. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos


Naturais Renováveis - IBAMA
O IBAMA foi criado pela Lei n9 7.735, de 22 de fevereiro de
1989, resultante da aprovação da Medida Provisória nô 34, de
1989, a partir da extinção dos antigos órgãos47 encarregados
dos problemas ambientais brasileiros. Para a criação do IBAMA,
foram extintas a Secretaria Especial do Meio Ambiente — SEMA,
criada pelo Decreto n9 73.030, de 30 de outubro de 1978, e a
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE,
autarquia federal vinculada ao Ministério da Agricultura,
criada pela Lei Delegada n9 10, de 11 de outubro de 1962. O
IBAMA foi criado sob a forma de autarquia federal de regime
especial,4® dotada de personalidade jurídica de direito público
com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao
Ministério do Meio
46 Http://www.
mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&j.dEstmtura=88ddCont
eudo=4678> capturado aos 10 de setembro de 2007.
47 É de se observar que a extinção do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal - IBDF e da Superintendência da
Borracha - SUDHEVEA, pela Lei na 7.732, de 14/2/1989,
antecedeu a criação do IBAMA.
48 Lei n» 7.735/89, art. 2®.
I Direito Ambiental
Ambiente, com a finalidade de assessorá-la na formação e
coordenação, bem como executar e fazer executar a política
nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e uso
racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos
naturais.
A criação do IBAMA teve o mérito de congregar, em um único
organismo, diversas entidades que não conseguiram jamais atuar
em conjunto. Antes da existência do IBAMA, havia pelo menos
quatro órgãos voltados para as questões ambientais. Deve ser
ressaltado, entretanto, que nenhum deles possuía força
política ou econômica para desempenhar adequadamente as suas
tarefas. O IBAMA, sem dúvida, foi um grande progresso em
relação à situação anterior. É lógico, contudo, que remanescem
problemas muito graves. O mais importante deles é, sem dúvida,
a falta de uma definição clara quanto às tarefas a serem
desenvolvidas pelo Instituto, pois existe uma evidente
superafetação de atribuições. É de se considerar, ademais, que
as com- petências de planejamento, gestão, fiscalização e
execução são muito diferenciadas entre si e, não poucas vezes,
geram conflitos muito graves no interior de um mesmo órgão.
Embora vitoriosa, faz-se necessária uma revisão da iniciativa
que levou à criação do IBAMA. A experiência que foi acumulada
nos mostra que órgãos de controle ambiental não devem se
confundir com órgãos encarregados da gestão de unidades de
conservação, ou mesmo de pesquisa científica.
Os órgãos setoriais integrantes do SISNAMA são os órgãos ou
entidades federais, da administração direta ou indireta, cujas
atividades sejam associadas às de proteção da qualidade
ambiental ou ao disciplinamento da utilização dos recursos
naturais.49 Muitos são os órgãos que podem ser catalogados na
condição de órgãos setoriais do SISNAMA. É de se observar que
o verdadeiro labirinto legal e regulamentar em que se
constitui a legislação brasileira de proteção ao meio ambiente
levou a que o Decreto n2 99.274, de 6 de junho de 1990, que
regulamentou a Lei n® 6.938/81, utilizasse uma denominação
diversa daquela contida na lei. Com efeito, o artigo 39, V, do
decreto denomina como órgãos seccionais os Órgãos e entidades
integrantes da Administração Pública Federal, direta ou
indireta, bem como os órgãos e entidades da Administração
Pública dos Estados-Membros da Federação. Houve, evidente-
mente, uma clara impropriedade no decreto, pois os órgãos
setoriais foram suprimidos do SISNAMA e confundidos com os
órgãos seccionais.
O artigo 12 do Decreto ne 99.200 determina que a coordenação
dos órgãos seccionais federais,50 naquilo que se refira à PNMA,
compete ao Ministro do Meio Ambiente.51 A relação dos órgãos
setoriais do SISNAMA é, evidentemente, muito extensa; contudo,
faremos uma breve relação de algnns destes órgãos.
Órgãos seccionais são os órgãos ou entidades estaduais
responsáveis pela execução de programas e projetos, e pelo
controle e fiscalização de atividades capazes de provocar
degradação ambiental. Tais órgãos são de extraordinária
importância para
49 Lei n* 6.938, de 31/8/1981, art. 6«, V.
50 Denominação contrária aos termos da Lei na 6.938/81; a
denominação correta é a de Órgãos Setoriais.
51 Denominação atual.
Política e Sistema Nacional de Meio Ambiente
o SISNAMA, pois a eles compete a maior parte da atividade de
controle ambiental. Cada Estado deverá organizar a sua agência
de controle ambiental de acordo com a sua realidade, de acordo
com o seu interesse peculiar. A grande dificuldade dos órgãos
seccionais é que, quase sempre, os mesmos são destituídos de
recursos necessários para o seu adequado funcionamento.
Os órgãos locais são os órgãos municipais de controle
ambiental. Tais órgãos somente existem nos Municípios mais
ricos, naqueles que são dotadps de mais recursos financeiros.
Na grande maioria das vezes, o controle ambiental; em âmbito
local é inexistente ou realizado pelo órgão estadual ou
federal.
3.2.1. Atribuições do IBAMA
A nova redação do art. 2S da Lei ns 7.735, de 22 de
fevereiro de 1989, deu as seguintes atribuições ao IBAMA: (i)
exercer o poder de polícia ambiental; (ii) executar ações das
políticas nacionais de meio ambiente, referentes às
atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao
controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos
recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle
ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do
Meio Ambiente; e (iii) executar as ações supletivas de
competência da União, de conformidade com a legislação
ambiental vigente.
Organograma Geral do IBAMA52
PRE^ÉNÇEAH-
Gabinete Procuradoria Geral Óuvidoria
ASDtf-’Æ—
Assessona Internacional
JlIMÉSISí
Diretoria de Controle e Fiscalização
Superintendências
Estaduais
| Coi
4—coi I—Ccu
rnsetho Nacional de Proteção & Fauna Conselho Nacional de
Unidade de Conservação Comitê Técnico-Científico
. ;'ÀTj■ ' ‘
Auditoria
Assessoria de Comunicação Social
^feccKæR-^;
Co ordenado ria Geral do Planejamento Asscssoria Parlamentar
Diretoria de Recursos Naturais Renováveis
Diretoria de Ecossistemas
Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação
Diretoria de Administração e Finanças
Cencro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais
127, .
52 Hctp://www.ibama.gov.br/siucweb/guiadechefe/guia/s-
lcorpo,htm#A, capturado aos 10 de setembro de 2007.
Direito Ambientai
3.3. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade -
Instituto
Chico Mendes
A Lei n9 11.516, de 28 de agosto de 2007, fruto da conversão
da Medida Provisória ns 356, de 2007, criou o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico
Mendes, que é organizado sob a forma de autarquia federal
dotada de autonomia administrativa e financeira, vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente, com as seguintes finalidades: (i)
executar ações da política nacional de unidades de conservação
da natureza, referentes às atribuições federais relativas à
proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e
monitoramento das unidades de conservação instituídas pela
União; (ii) executar as políticas relativas ao uso sustentável
dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e
às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso
sustentável instituídas pela União; (iii) fomentar e executar
programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da
biodiversidade e de educação ambiental; (iv) exercer o poder
de polícia ambiental para a proteção das unidades de
conservação instituídas pela União; e (v) promover e executar,
em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos,
programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas
unidades de conservação, onde estas atividades sejam
permitidas. Foi mantido o poder de polícia ambiental pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo.
Poder de Polícia Ambiental
Capítulo V Poder de Polícia Ambiental
l. O Poder de Polícia
A utilização de recursos ambientais é atividade inteiramente
submetida ao poder de polícia do Estado, não se concebendo sem
a presença de diferentes mecanismos de controle que serão
manejados pelo Estado conforme as necessidades que forem se
apresentando na vida diária. O controle estatal sobre as
atividades privadas se faz pelo exercício regular do poder de
polícia, tema do presente capítulo. O poder de polícia, como
sabemos, é o instrumento jurídico pelo qual o Estado define os
contornos dos diferentes direitos individuais, em beneficio da
coletividade, haja vista que não se conhecem direitos
ilimitados,
A fixação de contornos jurídicos para os diferentes direitos
e garantias individuais é matéria complexa, pois o senso comum
nos induz a pensar no Estado como garantidor do exercício
ilimitado de direitos, ou seja, responsável pela fruição plena
dos direitos individuais, sem que se leve em conta o fato de
que direitos implicam deveres e obrigações recíprocas entre os
diversos socii, de molde a ideia de ilimita- ção acaba sendo
contraditória com a própria ideia de direitos, pois esses
somente podem ser concebidos como medida de reciprocidade
entre os diferentes membros de um corpo social. A delimitação
insere-se no campo da resolução dos conflitos entre diferentes
direitos individuais que, em determinado momento, podem
colidir, fazendo surgir a necessidade de harmonizá-los. O
poder de polícia é um poderoso instrumento de harmonização de
direitos individuais, fazendo com que eles sejam exercidos com
respeito ao direito de terceiros.
Uma das funções clássicas do Estado é disciplinar o
comportamento individual para a vida em sociedade. Para que
tal objetivo possa ser atingido, o Estado não defende
interesses particulares ou de grupos; em tese, assume uma
postura de árbitro, de modo que os interesses de um
determinado grupo ou indivíduo em particular não ponha em
risco os interesses globalmente tutelados pelo aparelho
estatal. O Direito tem por objetivo assegurar uma igualdade
formal entre os diversos membros da sociedade. Desta forma, ao
Estado cumpre organizar a vida em sociedade e prestar deter-
minados serviços básicos de saúde, educação, segurança e
justiça, conforme a doutrina tradicional. Ele deve dar aos
indivíduos a mais ampla liberdade para a realização de seus
projetos pessoais e privados, desde que realizados sem danos à
esfera privada de terceiros. A consequência previsível e
lógica deste modo de pensar é a construção de dois segmentos
do Direito: o Direito Público e o Direito Privado. O primeiro
voltado para a disciplina do Estado e de suas relações com os
particulares e o segundo destinado a reger as relações da vida
privada e individual de cada indivíduo.
Direito Ambiental
O poder de polícia tem suas origens na própria formação do
Estado moderno tal como concebido na Europa Ocidental. A
centralização do poder político nas mãos dos soberanos e a
lenta e constante desagregação do mundo feudal fizeram com que
se fossem ampliando os campos do chamado interesse público e,
consequentemente, da ação estatal. A necessidade concreta de
ordenar e regulamentar os diversos aspectos da vida social
impôs à Administração o exercício de práticas que passaram a
ser conhecidas como atividades de polícia, exercidas sob um
poder político centralizado e centralizador. Não há uma origem
precisa para o vocábulo “polícia”,1 ainda que exista uma
concordância quanto à sua presença no vocabulário político da
Itália medieval. Inequívoco, contudo, é que, em seus
primórdios, o poder de polícia estava vinculado à vontade
soberana dos príncipes sobre os seus súditos. Inicialmente,
ele era a expressão exterior de uma autoridade que se exercia
sem os freios e limites impostos pelo ordenamento jurídico. As
transformações jurídicas e políticas que se seguiram à
ascensão revolucionária da classe burguesa implicaram uma
efetiva e gradual modificação do conteúdo do conceito.
Marcello Caetano2 observa que a palavra polícia hoje tem
significado diferente daquele que ostentava até o século XIX.
Conforme lembrado pelo jurista português, a Revolução Francesa
substituiu o “Estado de Polícia”, sinônimo de arbítrio, pelo
“État de Droit”, fundado na lei e em princípios jurídicos
claros e definidos previamente. A estabilização do Estado de
Direito, entretanto, passou por diversas fases extremamente
complexas e, até mesmo, contraditórias com o próprio ideal
revolucionário. O terror, como se sabe, ao condenar Luís XIV,
Maria Antonieta e boa parte da aristocracia francesa, não
julgou com base em fatos praticados pela nobreza, antes
condenou-a à guilhotina pelo simples fato de ela ser nobre e
aristocrata. Nos princípios jurídicos adotados pelo Estado de
Direito Democrático, prevalecem a impessoalidade e a
generalidade. A lei não é mais a vontade singular de um
governante ou grupo autocrático; a lei é concebida como fruto
e consequência da própria Nação, que nela expressa a sua
vontade, tida como vontade geral.
Tradicionalmente, o poder de polícia é definido como a
faculdade que o Estado possui de intervir na vida social, com
a finalidade de coibir comportamentos nocivos para a vida em
comunidade. Com pequenas variações, esta concepção remonta ao
absolutismo do Código Prussiano de 1794, perdurando,
fundamentalmente, até o surgimento da obra de Otto Mayer.3
Em termos de proteção ao meio ambiente, os conceitos do
Direito Administrativo, muito embora fundamentais, devem ser
aplicados com cautela e de forma contextualizada. Pelo que se
viu, o conceito de poder de polícia é vinculado a prer-
rogativas e deveres da Administração Púbica, com vistas a
alcançar o bem comum,
1 Pietro Schiera. “Sociedade de ‘Estados’, de ‘ordens’ ou
'corporativas'”, m Antônio Hespanha. Poder e Instituições na
Europa do Antigo Regime, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984,
p. 313.
2 Manual de Direito Administrativo, Coimbra: Ainaedina, 1986,
IO ed„ p. 1.145.
3 Veja, a propósito, Eduardo Garcia de Enterria e Tomáz Ramón
Femadez. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: RT,
1990, pp. 822 e seguintes.
Poder de Polida Ambiental
único motivo capaz de justificar a sua existência. O moderno
poder de polícia é uma decorrência do próprio Estado de
Direito e está, ipso iure, submetido ao princípio fundamental
da legalidade, sem o qual não alcança legitimidade
constitucional. Não se poderá estabelecer uma exigência de
polícia sem que haja uma base constitucional e legal para a
sua imposição. Este é um elemento de grande tensão no Direito
Ambiental, pois a Administração Pública Ambiental, muitas
vezes, confunde a existência de princípios jurídicos — por
exemplo, o princípio da precaução - com proibições sem uma
base normativa clara. Princípios jurídicos, como já foi visto
neste livro, servem fundamentalmente para estabelecer
critérios para a formulação de normas ou ante a inexistência
destas últimas para o preenchimento das chamadas lacunas
jurídicas. O administrador está prioritariamente submetido à
legalidade. Princípios de Direito não são lei. Somente o Poder
Judiciário pode aplicar princípios de Direito, visto que tal
poder não está restrito à aplicação da lei, mas do Direito; o
administrador limita-se à aplicação da norma positivada.
O poder de polícia, como atuação estatal demarcadora do
conteúdo de direitos privados, é exercido no sentido de evitar
a prática de danos a terceiros. Indiscutivelmente, o poder de
polícia é um balizamento de direito imposto pelo Estado aos
cidadãos e que se dirige fundamentalmente à liberdade
individual e à propriedade privada, fixando os marcos nos
quais estes direitos são concretamente exercidos. Hely Lopes
Meirelles4 sustentava que o conceito de poder de polícia se
vinha alargando dia-a-dia, de forma a abranger maior gama de
atividades particulares que, de uma forma ou de outra, mediata
ou imediatamente, interferiam nos diversos interesses dos
grupos que constituem o tecido social. As restrições e
limitações impostas pelo Poder Público ao cidadão - aqui deve
ser observado que as limitações atingem, indistintamente, as
pessoas naturais e as pessoas jurídicas - decorrem da lei e
são, portanto, vinculadas, isto é, são tomadas com base em
preceito formal de lei.
Não pode ser esquecido, a propósito, o fato de que o Estado,
em qualquer uma de suas manifestações de soberania, tem a
indeclinável obrigação de fundamentar todos os seus atos em
preceito contido em uma lei formal.5 A vincidação da
Administração ao Direito escrito e positivado é uma garantia
do cidadão e da sociedade, servindo de barreira para que o
administrador não ultrapasse os limites do mandato que lhe foi
outorgado pela comunidade, ou seja, exercer a atividade admi-
nistrativa nos estreitos limites da norma legal.
A referência ao poder de polícia, tal qual este tem sido
compreendido modernamente, apareceu, primeiramente, na Suprema
Corte Norte-Americana, no caso Brown Vs. Maryland, tendo
posteriormente se desenvolvido em vários julgados daquele
prestigioso Tribunal. No caso Noble Vs. Heskeü, foi decidido
que a extensão do poder de polícia não está restrita aos
marcos da indiferença social ou do egoísmo individualista.
Decidiu-se, na memorável oportunidade, que o police power era
expressão da competência dos Estados-Membros da Federação para
intervir de forma
4 Direico de Constmir, São Paulo: RT, 5a ed, 1987, p. 78.
5 Ver artigos 93, inciso IX, e 129, inciso VIII, da CF.
Direito Ambiental
concreta nas grandes necessidades sociais. As duas Guerras
Mundiais, a crise econômica, os movimentos revolucionários da
classe operária, enfim, toda uma série de graves e profundas
transformações sociais, políticas, psicológicas e econômicas
acarretaram uma modificação da concepção do papel do Estado na
sociedade do século XX. Mediante a aplicação do poder
regulamentar (rale making power) e do poder de planejamento
(directing power), o Estado liberal converte-se em Estado
social, que passa a atuar no campo das necessidades públicas
como ator principal e não mero coadjuvante- Esta nova
realidade permite afirmar, com Waline, que os limites do poder
de polícia se resumem ao respeito à legalidade. A propósito,
vejamos a definição de poder de polícia que é
contemporaneamente adotada pelo Direito norte-americano:
Police power is the exercise of the sovereign right ofa
govemment to pro- mote order, safety, security, health, morais
and general welfare within consti- tutional limits and is an
essential attribute of govemment,6
1.1. Conceito Normativo de Poder de Polícia
É no Código Tributário Nacional (CTN) que o poder de polícia
encontra o seu conceito normativo que, no entanto, é aplicável
para toda e qualquer área do Direito, não se limitando às
atuações do Fisco. Com efeito, determina o artigo 78 do CTN:
“Considera-se poder de polícia a atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática do ato ou abstenção de fato, em
razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado,
do exercício de atividade econômica dependente de concessão do
poder público ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais e coletivos. ”
É atividade indelegável exercida pelo Estado, conforme
decidido pelo Egrégio STF^e pelo STJ.8 Ele é uma atuação
estatal, preventiva ou repressiva, visando coibir
6 Black’s law dictionary, St. Paul: West publishing, abridged
sixth edition, 1991, p. 801.
7 STF ADI 1717 / DF - Relator: Min. SYDNEY SANCHES.
Julgamento: 07/11/2002. Tribunal Pleno. DJU: 28- 03-2003. pg
61. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS
DA LEI FEDERAL N® 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS
SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1.
Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3a do art. 58 da Lei
n® 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando
apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é
julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a
inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1®, 2a, 4a, 5°, 6S,
7a e 8a do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação
conjugada dos artigos 5a. XHI. 22. XVI. 21. XXIV. 70.
parágrafo único. 149 e 175 da CF. leva à conclusão, no
sentido da indelegabilidade. a uma entidade privada, de
atividade ripica de Estado, que abrange até poder de
policia, de tributar e de punir, no que concerne ao
exercício de atividades profissionais regulamentadas, como
ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.
8 STJ - REsp 686419 / RJ. Relator: Ministro CASTRO MEIRA. 2*
Turma. DJU: 01.08.2005 p. 411. RECURSO ESPECIAL.
ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. AUTOS DE INFRAÇÃO
LAVRADOS POR AGENTES DE TRÂNSITO CONTRATADOS POR EMPRESA
PÚBLICA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE BASEIA NA IMPOSSIBILIDADE
DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA. FUNDAMENTO QUE SE MOSTRA
SUFICIENTE PARA SUA MANUTENÇÃO. 1. Dentre os fundamentos
utilizados pela Corte regional para anular as multas
impostas aos recorridos está o de que o poder de polícia não
pode ser de
füSSJ - Ens?no Superior dmm Mms
Poder de Polícia Ambiental I
danos sociais. É importante observar a particularidade
específica da ação policial do Estado, pois, agindo em relação
aos danos sociais, tudo aquilo que for do interesse privado é
imune à atividade de polícia, bem entendido que não pode a
atividade privada prejudicar a ordem pública em quaisquer de
seus aspectos. Por ser atividade vinculada, o Estado não pode,
no uso de seu poder de polícia, imiscuir-se na intimidade
privada dos cidadãos nem no seu domicílio.9*10
A atividade de polícia se subdivide em dois grandes grupos:
(i) Polícia Administrativa e (ii) Polícia Judiciária.
Desnecessário dizer, no entanto, que se trata de um esquema
puramente didático. A atividade de polícia administrativa é
constituída por uma gama de intervenções do Poder Público para
disciplinar a ação dos particulares, objetivando prevenir
atentados à ordem pública. A atividade de polícia administra-
tiva é própria de toda Administração. Hely Lopes Meirelles11
reconhecia que, da polícia administrativa, destacou-se um novo
ramo, que é o da polícia de manutenção da ordem pública, cuja
missão é de exclusiva atribuição das entidades definidas na
norma constitucional,12 em especial das polícias militares,
que, também, desempenham papéis em relação à proteção
ambiental, muito particularmente mediante a criação dos
chamados batalhões florestais.
O ato de polícia é autoexecutório, resguardados os direitos
constitucionais de inviolabilidade do domicílio; por exemplo,
isso significa a desnecessidade de que o Poder Executivo
recorra ao Poder Judiciário a fim de obter autorização para
agir em casos concretos, desde que a infração seja atual.
legado. Contudo, ao infirmar tal fundamento, o recorrente fez
uso de tese jurídica inovadora, não debatida no âmbito da
instância ordinária, razão pela qual o recurso especial não
pode ser conhecido nesse particular. 2. Uma vez não conhecidos
os argumentos que buscavam atacar a impossibilidade de
delegação do poder de polícia às entidades da administração
indireta, o acórdão recorrido restou incólume nesse ponto
específico, que se mostra suficiente para a sua manutenção. 3.
No caso, o não-conhecimento da matéria relativa à- delegação
do poder‘de polícia tem o mesmo efeito da falta de
insurgência, de modo que deve ter aplicação a Súmula 283 do
STF. 4. Recurso especial não conhecido".
9 STF. RE-AgR 331303 / PR. Relator: Min. SEPÜLVEDA
PERTENCEJulgamento: 10/02/2004. Primeira Turma. DJU: 12-03-
2004. pg42. EMENTA: Prova: alegação de ilicitude da prova
obtida mediante apreensão de do mentos por agentes fiscais,
em escritório de empresa - compreendido no alcance da
garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e
de contaminação das provas daquela derivadas: tese
substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto,
pela ausência de demonstração concreta de que os fiscais não
estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da
empresa, o que não se extrai do acórdão recorrido. 1.
Conforme o art. 5o, XI, da Constituição - afora as exceções
nele taxativamente previstas (“em caso de flagrante delito
ou desastre, ou para prestar socorro”) só a “determinação
judicial” autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém -
autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o con-
sentimento do morador. 2. Em conseqüência, o poder
físcalizador da administração tributária perdeu, em favor do
reforço da garantia constitucional do domicílio, a
prerrogativa da auto-executoriedade. condicionado. pois, o
ingresso dos agentes fiscais em dependência domiciliar do
contribuinte, sempre que necessário vencera oposição do
morador. passou a depender de autorização iúdicial prévia.
[grifo PBA] 3. Mas é um dado elementar da incidência da
garantia constitucional do domicílio o não consentimento do
morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a
ausência da autorização judidal, só a entrada invito domino
a ofende.
10 Ver a CF, artigo 5«, inciso X.
11 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 1988, p.
92.
12 Ver artigo 144.
Direito Ambientai
O Estado age por meios coativos que são postos à sua
disposição pela lei; contudo, o limite da coação legítima é
balizado pela própria lei. A execução dos atos de polícia é
atribuição da autoridade de polícia, que é sempre uma
autoridade pública. Multas, interdições e diferentes sanções
administrativas somente podem ser impostas por servidores
legalmente investidos nos cargos públicos e que pertençam à
carreira do serviço público, como já decidido pelo STF. Dita
autoridade tem o poder- dever de promover a regulamentação a
ser posta em prática pelo pessoal de polícia, isto é, pelos
agentes responsáveis pelo cumprimento e observância da ordem
emanada da autoridade competente, nos exatos termos em que
esta tenha sido proferida, atentando-se para o fato de que o
pessoal de polícia não está obrigado a dar cumprimento à
determinação manifestamente ilegal. Devem, contudo, ser
observados alguns pontos fundamentais. Embora autoexecutório,
o poder de polícia não pode ser exercido sem observância da
legalidade e da proporcionalidade entre a infração
eventualmente cometida e a sanção administrativa aplicada ao
caso concreto. A proporcionalidade é um requisito essencial
para a validade do ato administrativo de polícia.13 Assim, não
pode a autoridade pública interditar toda uma fábrica se ape-
nas um de seus fomos polui a atmosfera e a interdição deste é
suficiente para fazer cessar a agressão ambiental.14 O
importante é que se estabeleça uma real equivalência entre
dano e pena; vale observar que o açodamento da autoridade
administrativa e a sua atuação arbitrária podem, ipso iure,
viciar o ato administrativo e, por conta deste vício,
perpetuar o dano ambiental. A aplicação proporcional de uma
sanção é, provavelmente, o elemento mais difícil dentre todos
aqueles que se fazem necessários para a adequada manutenção da
ordem pública ambiental.15
13 STF - ADI-MC 1976 / DF - Relator: Min. MOREIRA ALVES.
Tribunal Pleno. DJU: 24-11-2000, p. 189. EMENTA: Ação direta
de inconstitucionalidade. Impugnação à nova redação dada ao
§ 2« do artigo 33 do Decreto Federal 70.235, de 06.03.72,
pelo artigo 32 da Medida Provisória 1699-41, de 27.10.98, e
o “caput” do artigo 33 da referida Medida Provisória.
Aditamentos com relação às Medidas Provisórias posteriores.
- Em exame compatível com a liminar requerida, não têm
relevância suficiente para a concessão dela as alegadas
violações aos artigos 62 e 5», XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 62
da CF quanto à redação dada ao artigo 33 do Decreto Federal
70.235/72 - recebido como lei pela atual Carta Magna - pelo
axtigo 32 da Medida Provisória 1699-41, de 27 de outubro de
1998, atualmente reeditada pela Medida Provisória 1863-53,
de 24 de setembro de 1999. - No tocante ao “caput” do já
referido artigo 33 da mesma Medida Provisória e reedições
sucessivas, basta, para considerar relevante a fundamentação
jurídica do pedido, a alegação de ofensa ao princípio
constitucional do devido processo legal em sentido material
(art. 59, LTV, da Constituição) por violação da
razoabilidade e da proporcionalidade em que se traduz esse
princípio constitucional. Ocorrência, também, do “periculum
in mora". Suspensão de eficácia que, por via de conse-
quência, se estende aos parágrafos do dispositivo impugnado.
Em julgamento conjunto de ambas as ADINs, delas,
preliminarmente, se conhece em toda a sua extensão, e se
defere, em parte, o pedido de liminar, para suspender a
eficácia, “ex nunc” e até julgamento final do artigo 33 e
seus parágrafos da Medida Provisória n° 1863-53, de 24 de
setembro de 1999.
14 Diógenes Gasparmi. Direito Administrativo, São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 103.
15 TRF - QUARTA REGIÃO. AC - APELAÇÃO CÍVEL 16413/RS. 4“
TURMA. DJU: 21/03/2001. Relatora: JUÍZA SILVIA GORAIEB.
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. CORTE DE FLORESTA NATIVA. MULTA.
VALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. - Se a infração — corte de
floresta nativa - foi corretamente descrita e confessada
pelo apelado, constando apenas quantidade de hectares
superior à efetivamente cortada, o auto de infração é válido
- Interesse público na preservação das reservas florestais
que se sobrepõe a singelos equívocos praticados por parte da
administração quando da execução de sua atividade fxscaliza-
tória. Multa reduzida para manter-se a proporcionalidade em
relação à área onde efetuado o
Poder de Polícia Ambiental HH^H|
|§S|
Claro está que o ato de polícia, em termos de proteção ao
meio ambiente, não foge ao regramento geral dos atos
administrativos, uma vez que ele é, apenas, uma espécie em um
universo mais amplo. Por isso, é indispensável que o ato de
polícia seja praticado pela autoridade competente, ou seja,
aquela dotada de atribuição legal; que seja revestido de forma
adequada, ainda, de proporcionalidade, da sanção e da
legalidade dos meios.16 Evidentemente que a ordem de polícia, a
regulamentação de polícia, deve ser emanada da autoridade
competente e baseada em norma legal. A Constituição de 1988
estabelece, ainda, como pressuposto para a validade dos atos
administrativos a impessoalidade, a moralidade etc.,17
requisitos necessários para os atos de polícia.
2.2. Ordem Pública do Meio Ambiente
A ordem pública, conforme a conhecida lição de Rivero,18 é
formada por três elementos especiais:
a) material: para evitar “desordens” visíveis;
b) público: respeito aos domicílios e privacidade dos
indivíduos e impedimento de que uns cidadãos, em atividades
realizadas no exercício de seus direitos de privacidade e
abrigo, violem direitos de terceiros; e
c) limitação da tranquilidade, segurança, salubridade etc.
Uma das principais atribuições do DA é fixar parâmetros
normativos capazes de assegurar um mínimo de salubridade
ambiental. A ordem pública do meio ambiente é o respeito aos
parâmetros estabelecidos. Se os níveis ambientais legalmente
estabelecidos estiverem sendo observados, a ordem pública
ambiental estará sendo cumprida. A polícia do meio ambiente,
no intuito de assegurar a obediência às normas ambientais,
poderá agir preventiva ou repressivamente. A atuação
preventiva ou repressiva fez-se mediante a utilização de
medidas de polícia ambiental. Neste ponto, é relevante
consignar que polícia do meio ambiente não se confunde com o
conceito de polícia judiciária, ou uma das modalidades de
polícia administrativa, que é a polícia militar. O conceito de
polícia do meio ambiente é, essencialmente, um conceito
jurídico-administrativo que se referencia à atuação dos órgãos
ambientais e à função de fiscalização e controle por eles
exercidos.
O direito de fiscalizar instalações industriais para
verificar a sua adequação às normas de proteção ao meio
ambiente é inerente à atividade de órgãos ambientais e só
deles. Tanto a polícia judiciária como a polícia militar não
exercem a função de
corte. Sucumbênda fixada na esteira dos precedentes da Turma,
Pré-questionamento quanto à legislação invocada estabeleddo
pelas razões de deddir. Apelação parcialmente provida.
16 Hely Lopes Meireiles. Ob. cit., p. 101.
17 Ver artigo 37, capuc
18 Jean Rivero. Direito Administrativo, Coimbra: Almedina,
1981, pp. 480-481.
Direito Ambiental
fiscalização ambiental. As suas atividades estão voltadas
tanto para a apuração de cri mes (polícia judiciária) como
para a prevenção e repressão de crimes (polícia militar). Não
lhes compete, em princípio, qualquer papel de natureza
administrativa. Uma instalação industrial ou um empreendimento
têm o mesmo stãtus constitucional de proteção que os
domicílios. A menos que esteja sendo praticado um crime, as
autoridades policiais somente podem ingressar em instalações
privadas quando munidas de um mandado judicial. A fiscalização
ambiental, evidentemente, caso esteja sendo impedida de
exercer suas funções, apenas e tão-somente em tais situações
poderá se fazer acompanhada da polícia.
Infelizmente, a lei de crimes ambientais criminalizou uma
grande parte dos ilícitos administrativos, como por exemplo
operar sem licença. Este fato, por si só, não tem o condão de
estabelecer uma permissão para que a polícia passe a exercer
um “controle” sobre a existência ou não de licenças válidas
nas empresas que estejam operando. Em primeiro lugar, porque
milita em favor do particular a presunção de legalidade de sua
atuação. Cabe à administração provar que uma determinada
atividade é clandestina. Em segundo lugar, porque a autoridade
ambiental, uma vez comprovada a irregularidade administrativa,
deverá comunicar o fato à autoridade policial para que, aí
sim, ela faça a apuração que lhe compete. A polícia não é uma
ponta de lança do órgão ambiental que investiga crimes e
comunica ao órgão ambiental a existência de ilícitos
administrativos.
3. A Fiscalização Ambiental
A fiscalização ambiental é uma das atividades mais
relevantes para a proteção do meio ambiente, pois é por meio
dela que danos ambientais podem ser evitados e, se consumados,
reprimidos. No entanto, nem sempre a fiscalização é exercida
com a observância das normas próprias, do respeito aos
cidadãos e de forma isenta. Um dos motivos mais importantes
para que isso ocorra é que, simplesmente, as regras de fis-
calização são desconhecidas pelo público e, não raras vezes,
até pelos próprios fiscais. É imperioso consignar que, no
particular, os próprios livros de DA não têm dado atenção à
matéria. E extremamente comum que notícias espetaculares de
“fiscalizações” cheguem à imprensa, com a exposição de nomes
de pessoas e empresas à execração pública, sem que haja
qualquer culpa determinada, laudos indicando poluição e tantas
outras formalidades essenciais em um regime democrático. A
fiscalização federal, como regra, é a mais bem estruturada e,
portanto, será o principal objeto de nosso exame. Para que se
possa compreender os seus mecanismos, é necessário que se
examinem os termos da Lei ns 10.410, de 11 de janeiro de 2002,
que “cria e disciplina a carreira de especialista em meio
ambiente”. Pela Lei, o cargo de analista ambiental tem as
seguintes atribuições: (i) regulação, controle, fiscalização,
licenciamento e auditoria ambiental; (ii) monitoramento
ambiental; (iii) gestão, proteção e controle da qualidade
ambiental; (iv) ordenamento dos recursos florestais e pesquei-
ros; (v) conservação dos ecossistemas e das espécies neles
inseridas, incluindo seu
Poder de Polícia Ambientai
manejo e proteção; e (vi) estímulo e difusão de tecnologias,
informação e educação ambientais, conforme o artigo 4®.
Merece atenção o parágrafo único do artigo 69, que
determina: "O exercício das atividades de fiscalização pelos
titulares dos cargos de Técnico Ambiental deverá ser precedido
de ato de designação próprio da autoridade ambiental à qual
estejam vinculados e dar-se-á na forma de norma a ser baixada
pelo Ibama ou pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade — Instituto Chico Mendes, conforme o Quadro de
Pessoal a que pertencerem,” Assim, somente em situações
excepcionais poderá a função de fiscalização ambiental ser
atribuída a técnico ambiental, uma vez que, originariamente, a
fiscalização é atribuição do analista ambiental.
A lei acima é a principal fonte normativa a ser observada,
haja vista que a maior parte do assunto está disciplinada por
Portarias e outros atos administrativos de menor hierarquia,
no âmbito federal.
3.1. Limites da Fiscalização
Qualquer atividade administrativa está submetida aos
princípios e preceitos constitucionais, não podendo ser
exercida ao arrepio da Lei Fundamental da República. Para tal,
há que se observar precipuamente o caput do artigo 37 da CF,
em especial os princípios de legalidade, pubhcidade^ e
impessoalidade. A fiscalização deve agir dentro dos estreitos
limites do respeito aos direitos e garantias individuais,
inclusive daqueles referentes à privacidade do domicílio. Com
efeito, estabelece o artigo 5fi, XI, da CF: “A casa é asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela
19 STT - MS 9744 / DF. Relator Ministro JOSÉ DELGADO. PRIMEIRA
SEÇÃO. DJU: 04.04.2005 p. 158 Ementa. MANDADO DE SEGURANÇA.
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU. PROCEDIMENTO
FISCALIZATÓRÍO EM MUNICÍPIOS. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES
PRELIMINARES NA PÁGINA DA INTERNET. LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA
DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.
PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS.
PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. TUTELA DOS
INTERESSES DA SOCIEDADE. 1. Trata-se de mandado de segurança
preventivo, com pedido de liminar, impetrado pela UNIAO DOS
MUNICÍPIOS DA BAHIA, contra ato a ser praticado pelo Sr.
Ministro de Estado do Controle e da Transparência,
consubstanciado na publicação - no site áe internet da
Controladoria-Geral da Unilo - de relatório preliminar que
aponta irregularidades na utilização de verba federal
destinada à utilização do impetrante. 2. Sustenta o
impetrante que essa medida administrativa - publicação do
relatório - caracteriza ato ilegal e abusivo, na medida em
que antecipa juízo de valor que somente será alcançado pelo
trabalho que vier a ser desenvolvido pelos órgãos
competentes para o exame do mencionado relatório, uma vez
que a Controladoria não detém competência para o julgamento
das informações por ela colhidas, desiderato que é de
responsabilidade do Tribunal de Contas da União, do
Ministério Público ou ainda dos órgãos federais que
autorizaram as verbas ao Município. 3. Inexistência,
todavia, do direito vindicado, tampouco da sua liquidez e
certeza, uma vez que o exercício de qualquer cargo ou função
pública, notadamente o de chefe do Poder Executivo
municipal, e manda a necessária submissão aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência, dentre outros requisitos. 4.
Hipótese em que deve se aplicar a proporcionalidade entre as
regras constitucionais e a hierarquização do bem a merecer a
tutela a jurisdição. Na espécie, o objetivo colimado pelo
impetrante não prevalece sobre o interesse social que a
impetrada busca assegurar. 5. Segurança denegada.
138
Direito Ambiental
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso
de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou,
durante o dia, por determinação judicial. ” No caso específico
da legislação ambiental do Estado do Rio de Janeiro, a Lei ns
3.467, de 14 de setembro de 2000, que “Dispõe sobre as Sanções
Administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente
no estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências”,
estabelece em seu artigo 3® que: “No exercício da ação
físcali- zadora, observado o disposto no Art. 5a, XI, da CF,
Ficam asseguradas às autoridades ambientais a entrada e a
permanência em estabelecimentos públicos ou privados,
competindo-lhes obter informações relativas a projetos,
instalações, dependências e demais unidades do estabelecimento
sob inspeção, respeitando o sigilo industrial. Parágrafo único
- O agente de fiscalização requisitará o emprego de força
policial, sempre que for necessário, para garantir o exercício
de sua função. ” Assim, expressamente, o legislador determinou
à fiscalização a observância dos preceitos constitucionais.
Assim, por força de expressa determinação legal, a
fiscalização somente poderá ingressar em estabelecimentos, sem
o consentimento do proprietário nas hipóteses de flagrante
delito, desastre ou para prestar socorro, salvo isto apenas
com determinação judicial. Parece evidente que para as
atividades de rotina devem entrar em contato com o fiscalizado
e agendar a data para a visita de fiscalização; caso tal
providência não tenha sido tomada, não está o fiscalizado
obrigado a permitir que a fiscalização ingresse em seu
estabelecimento sem mandado judicial. Este tem sido o
entendimento do Egrégio STF:20
“EMENTA: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA ~ APREENSÃO DE LIVROS
CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE
CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÃRIOS E POLICIAIS FEDERAIS,
SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO
ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA
INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5% XI) - SUB- SUNÇÃO AO
CONCEITO NORMATIVO DE “CASA” - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL -
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE
OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES
JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA
- IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE
PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO Ã GARANTIA DA INVIOLABILIDADE
DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - líHABEAS
CORPUS” DEFERIDO. ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ~ FISCALIZAÇÃO -
PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS
INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS. — Não são
absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e
agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de
tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária,
está sujeito à obser-
20 STF - HC 827881 RJ. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Segunda
Turma. DJU: 02-06-2006, p. 43.
Poder de Polícia Ambiental
vância de um complexo de direitos e prerrogativas que
assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos
cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado
encontram, nos direitos e garantias individuais, limites
intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito
constitucional. - A administração tributária, por isso mesmo,
embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é
somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei” (CF, art. 145, § Ia), consideradas,
sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações
jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei
Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os
órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do
poder de que se acham investidos, especialmente quando
exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República,
que são titulares de garantias impregnadas de estatura
constitucional e que, por tal razão, não podem set
transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do
Estado. A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE
FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE "CASA* PARA EFEITO DE
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇAO CONCEITUAL,
QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO
PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL:
NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5e,
XI). - Para os õns da proteção jurídica a que se refere o art.
5S, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de
“casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer
compartimento privado não aberto ao público, onde alguém
exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4^, III),
compreende, observada essa especíSca limitação espacial (área
interna não acessível ao público), os escritórios
profissionais, inclusive os de contabilidade, “embora sem
conexão com a casa de moradia propriamente dita”
(NELSONHUNGRIA). Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra
qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no
texto constitucional (art. 5S, XI), nenhum agente público,
ainda que vinculado à administração tributária do Estado,
poderá, contra a vontade de quem de direito Cinvito domino”),
ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço
privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua
atividade profissional, sob pena de a prova resultante da
diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se
inadmissível, porque impregnada de üicitude material.
Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização
tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF).
- O atributo da auto-executoríedade dos atos administrativos,
que traduz expressão concretizadora do “privilège du
preáláble”, não prevalece sobre a garantia constitucional da
inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade
exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização
tributária. Doutrina. Precedentes. IUCTTUDE DA PROVA -
INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE
QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA
RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL
DOS DIREI-
Direito Ambientai
TOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. -A ação persecutória do Estado,
qualquer que seja a instância de poder perante a qual se
instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se
em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de
ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de
suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do
nosso sistema de direito positivo. A Exclusionary Rule"
consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados
Unidos da América como limitação ao poder do Estado de
produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da
República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art.
5s, LV1), desautoriza, por incompatível com os postulados que
regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art.
Is), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive
de transgressão a cláusulas de ordem constitucional,
repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que
resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do
direito processual), não prevalecendo, em consequência, no
ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade
probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene
retentum ” Doutrina. Precedentes. - A circunstância de a
administração estatal achar-se investida de poderes excepcio-
nais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede
tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do
legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos
pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os
órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às
garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em
geral e aos contribuintes em particular. - Os procedimentos
dos agentes da administração tributária que contrariem os
postulados consagrados pela Constituição da República revelam-
se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo STF, sob
pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais
que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis -
que restringem os poderes do Estado em suas relações com os
contribuintes e com terceiros. ”
A fiscalização desenvolvida pelo IBAMA, regida pelas normas
contidas no Regulamento Interno da Fiscalização do IBAMA
aprovado pela Portaria nB 53-N, de 22 de abril de 1998,
determina em seu artigo 3s que “os funcionários designados,
mesmo que transitoriamente, para atuar na fiscalização,
chamados neste regulamento de Agentes de Fiscalização, ficam
sujeitos a estrita observância dos princípios e obrigações”
definidos no regulamento “em consonância com a legislação
pertinente”. As obrigações dos responsáveis pela fiscalização
são as seguintes (art. 4e):
(i) Planejar, promover, orientar, coordenar e fazer
executar, no âmbito da sua jurisdição e de acordo com as
normas e orientações gerais e específicas, as ações de
fiscalização; (ii) determinar a apuração das infrações
ambientais denxmciada, de competência do IBAMA, (iii) designar
equipe de fiscalização para apuração de infrações ambientais
através do formulário denominado Ordem de Fiscalização; (iv)
fazer executar as ações estabelecidas nos planos de
Poder de Polícia Ambiental
fiscalização, no âmbito de sua jurisdição; (v) qualificar,
quantificar e requerer os recursos humanos, materiais e
financeiros necessários à execução das atividades; (v)
consolidar e remeter à chefia imediata os relatórios mensais e
anuais de atividades de fiscalização, assim como outras
informações solicitadas; (vi) controlar e distribuir os
formulários de demais documentos inerentes à fiscalização;
(vii) receber e analisar os formulários e demais documentos
lavrados em decorrência da ação fiscalizatória, providenciando
o seu encaminhamento para autuação em processo administrativo;
(viii) instruir os processos de infração criminal e
contravencional detectados no exercício da ação
fiscalizatória, para os trâmites legais; (ix) zelar pelo sigão
das informações quando no planejamento das ações de
fiscalização; (x) promover, junto ao setor competente, a
manutenção, recuperação, distribuição, controle, uso adequado
e racional dos veículos, barcos, equipamentos, armas e demais
instrumentos empregados nas ações de fiscalização; (x) zelar
para que os agentes de fiscalização cumpram os princípios e
obrigações estabelecidos no Regulamento; (xi) obedecer
rigorosamente os deveres, proibições e responsabilidades
relativas ao servidor público civil da União;21 (xii) abster-se
em aceitar favorecimentos que impliquem o recebimento de
benefícios para hospedagem, transporte, alimentação, bem como
presentes e brinde de qualquer espécie; (xiii) comunicar ao
seu superior imediato os desvios praticados e irregularidades
detectadas, no exercício da ação fiscalizatória.
Já os agentes de fiscalização estão submetidos às seguintes
obrigações, conforme o artigo 5® do Regulamento:
(i) Aphcar as técnicas, procedimentos e conhecimentos
inerentes à prática fiscalizatória, adquiridas nos cursos de
capacitação ou aperfeiçoamento: (ii) participar de cursos,
reciclagens, treinamentos e encontros que visem ao aperfeiçoa-
mento das suas funções; (iii) apresentar relatório de suas
atividades de fiscalização ao seu chefe imediato;
(iv)preencher os formulários de fiscalização com atenção, de
forma concisa e legível, circunstanciando os fatos averiguados
com informações objetivas e enquadramento legal específico,
evitando a perda do impresso ou provocando a nulidade da
autuação; (v) obedecer rigorosamente os deveres, proibições e
responsabilidades relativas ao servidor público civil da
união; (vi) zelar pela manutenção, uso adequado e racional dos
veículos, barcos, equipamentos, armas e demais instrumentos
empregados nas ações de fiscalização em geral e, em
específico, aqueles que lhes forem confiados; (vii)
identificar-se previamente, sempre que estiver em ação
fiscalizatória; (viii) abordar as pessoas de forma educada e
formal, quando das ações de fiscalização; (ix) submeter-se as
necessidades do exercício da fiscalização, atuando em locais,
dias e horários peculiares a
21 No particular, veja-se que a Lei n° 8.112/90, que institui
o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais,
determina que: Art. 116. São deveres do servidor.... VHI -
guardar sigilo sobre assanto da repartição.
Direito Ambiental
determinada prática fiscalizatória; (ix) atuar ostensivamente
mediante o uso de uniforme e veículo oficial identificado,
salvo em situações devidamente justificadas; (x) conhecer e
adestrar-se no manuseio de arma de fogo; (xi) guardar o sigU
lo das ações de fiscalização; (xii) manter a discrição e
portar-se de forma compatível com a moralidade e bons
costumes; (xiii) apresentar-se limpo, com uniforme padrão em
bom estado, não sendo permitido o uso de vestimentas,
acessórios e objetos incompatíveis com o mesmo; (xiv)
comunicar ao superior imediato os desvios praticados e
irregularidades detectadas o exercício da ação fiscalizatória;
(xv) abster-se em aceitar favorecímentos que impliquem o
recebimento de benefícios para hospedagem, transporte,
alimentação, bem como presentes e brindes de qualquer espécie,
sob qualquer pretexto; (xvi) abster-se do consumo de bebidas
alcoóUcas durante o serviço ou trabalhar alcoohzado.
A fiscalização exercida pelo IBAMA se divide nas.seguintes
modalidades: (i) Programa: desencadeadas em execução a plano
de fiscalização previamente estabelecido; (ii) De ordem; por
determinação/solicitação superior; (iii) Judicial: desencadea-
das por força de sentença, mandado judicial ou requerimento do
Ministério Público (?!); (iv) Denúncia: em atendimento à
denúncia formal e informal; (v) Supletiva: quando em razão da
inércia do Órgão Ambiental do Estado ou Município; (vi)
Emergência: para coibição de infração de alto impacto
ambiental; (vii) De ofício: por iniciativa própria, tais
modalidades são estabelecidas pelo artigo 7S do Regulamento
aprovado pela Portaria n2 53 N/l998.
A Portaria, acertadamente, cuida da fiscalização das
atividades que, em princípio, estão dentro das atribuições do
órgão ambiental federal. Não cuida a Portaria, nem poderia
fazê-lo, de fiscalização federal das atividades submetidas ao
controle ambiental dos Estados e Municípios. Assim, a Portaria
está plenamente de acórdo com o artigo 10 da Lei ne 6.938, de
31 de agosto de 1981, cujos termos permito~me reproduzir, in
verbís:
“Art. 10 -A construção, instalação, ampliação e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de
recursos ambientais, considerados efeti- va e potencialmente
poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de
órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do
Meio Ambiente - SIS- NAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter
supletivo. [Grifo PBA] sem prejuízo de outras licenças
exigíveis. ”
A Portaria, mais uma vez, acertadamente, definiu a
supletividade da atuação do íbama como uma atividade a ser
exercida em “razão da inércia do Órgão Ambiental do Estado ou
Mumcípio”, ou seja, é necessário que fique caracterizado que
os órgãos regionais e locais, uma vez instados a exercerem o
seu poder de polícia próprio, não o tenham feito, tipificando
a ação omissiva. Parece-me, portanto, que o agente da fis-
calização federal, ao constatar feto que entenda em
desconformidade com a legisla
ESwJ - Ensino Sus-erior Syfsgj
Poder de Polícia Ambiental
ção de regência, embora de alçada estadual ou municipal, deve
provocar a autoridade competente, comunicando-lhe a situação
e, apenas e tão-somente, após a caracterização da inércia,
impor a sanção administrativa adequada. Tal prática, contudo,
não vem ocorrendo e tem, evidentemente, gerado inúmeros
problemas para as partes interessadas.
Uma outra questão que merece reflexão é a possibilidade de
fiscalização que seja iniciada com base em denúncia
“informal”. Tal denúncia informal, ou anônima, é hoje
amplamente difundida, tendo virado um mecanismo de perseguição
e intimidação, quando não de chantagem. O STF tem decidido que
as denúncias anônimas não têm valor por si próprias, como
demonstra a seguinte informação do noticiário do STF:22
“Notícia-Crime e Delação Anônima — 3 Em conclusão de
julgamento, a Turma, em votação majoritária, deferiu habeas
corpus para trancar, por falta de justa causa, notída-crime,
instaurada no STJ com base unicamente em denúncia anônima, por
requisição do Ministério Público Federal, contra juiz estadual
e dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de
Tocantins, pela suposta prática do delito de tráfico de
influência (CP, art. 332) * v. Informativos 376 e 385.
Entendeu-se que a instauração de procedimento criminal
originada apenas em documento apócrifo seria contrária à ordem
jurídica constitucional, que veda expressamente o anonima
to. Salientando-se a necessidade de se preservar a dignidade
da pessoa humana, afir
mou-se que o acolhimento da delação anônima permitiria a
prática do denuncismo inescrupuloso. voltado a prejudicar
desafetos, impossibilitando eventual indenização por danos
morais ou materiais, o que ofenderia os princípios consagrados
nos incisos V e X do art. 5a da CF. [Grifo PBA] Ressaltou-se,
ainda, a existência da Resolução 290/2004, que criou a
Ouvidoria do STF, cujo inciso II do art. 4a impede o recebi-
mento de reclamações, críticas ou demincias anônimas. O Min.
Sepúlveda Pertence, com ressalvas no tocante à tese de
imprestabilidade abstrata de toda e qualquer noti- cia-crime
anônima, asseverou que, no caso, os vícios da inicial seriam
de duas ordens: a vagueza da própria notícia anônima e a
ausência de base empírica mínima. Vencido o Min. Carlos
Britto, que indeferia o writ por considerar que a requisição
assentara-se não somente no documento apócrifo, mas, também,
em outros elementos para chegar à conclusão no sentido da
necessidade de melhor esclarecimento dos Mos. HC 84827/TO, rei
Min. Marco Aurélio, 7.8.2007. (HC-84827). ” Infelizmente, o
Ibama, assim como outros órgãos ambientais, em meu ponto de
vista, ilegalmente, vem admitindo a denúncia anônima.23
Garantir o sigilo da identidade do denunciante é importante,
pois evita que um cidadão seja perseguido por denunciar
irregularidades. Admitir denúncias sem que o denunciante se
identifique à autoridade é coisa bem diversa.
22 Http://www.stf.gov.br/portaVinformativo/verlnformativo.
asp?s 1=denuncia%20e%20anomma&nume -
ro=475&pagma=l&base=INFO, capturado aos 20.09.2007.
23 Ouvidoria Geral do IBAMA — Linha Verde... COMO FAZER UMA
DENÚNCIA ... As informações são sigilosas. Em hipótese
alguma, o nome do denunciante é divulgado. Isso permite que
a pessoa possa identificar-se no momento da denúnciaJPorém,
se preferir, o denunciante poderá manter o anonimato.
http://www.ibama.gov.br/lirLhaverde/home.htm, capturado aos
20.09.2007.
1
| Direito Ambiental
Há que se ver que as infrações administrativas tipificadas
no Decreto 3.179, de 21 de setembro de 1999, são meras cópias
dos crimes tipificados pela Lei ns 9.605, de 12 de fevereiro de
1992, o que implica a adoção pelo Ibama de um procedimento
padronizado de “comunicação de crime'24 às autoridades
policiais e ao Ministério Público sempre que é lavrado um auto
de multa em razão de uma atividade de fiscalização. Desta
forma, aplicável a decisão do STF ao caso concreto, haja vista
que o denunciado, se improcedentes as autuações, ficaria sem o
direito de obter os ressarcimentos devidos.
Outro ponto relevante é que os agentes de fiscalização,
salvo necessidade muito bem caracterizada, são obrigados a se
apresentar uniformizados ostensivamente.25
3.1.1. Fiscalização e Exercício de Profissões
Regulamentadas
A Lei n9 10.410, de 11 de janeiro de 2002, que “cria e
disciplina a carreira de especialista em meio ambiente”,
instituiu uma carreira no serviço público federal e não dispôs
sobre o exercício de uma profissão. Por sua vez, a Lei ng
8.112, de 11 de dezembro de 1990. que “dispõe sobre o regime
jurídico dos servidores públicos civis da União, das
autarquias e das fundações públicas federais”, não estabeleceu
um conceito normativo de carreira, ainda que dela tenha
tratado em várias ocasiões. Contudo, é certo que,
doutrinariamente. o vocábulo carreira encontra sua definição
muito bem sedimentada, chegando a ser consensual entre os
especialistas. Q conceituado Tosé Cretella Túnior2^ assim
conceitua carreira: “Carreira significa, entre outras coisas,
corrida. caminho. estrada, curso. percurso, espaço percorrido,
viagem. O cargo de carreira pressupõe, desde logo. uma
possibilidade de marcha, de caminho continuado, de acesso ou
promoção. ” Cargo de carreira é aquele ocupado pelo servidor
púbUco estatutário que lhe permite acesso a cargos superiores.
O cargo de carreira se contrapõe ao cargo isolado que não
pressupõe uma estrutura hierárquica de promoção funcional do
servidor público. O servidor de carreira é. portanto, um ser-
vidor profissional do Estado.
24 Art. 13 - Cumpre ao Chefe da Divisão de Controle e
Fiscalização ou de Unidade Descentralizada de fiscalização,
mandar constituir processo administrativo dos autos de
Infração de demais termos lavrados, instruindo-os com laudo
e outros termos e fazendo-os acompanhar da respectiva cópia
da Ordem de Fiscalização e Relatório de Fiscalização. Par.
Único - Tratando-se de infração capitulada como crime ou
contravenção penal, consignar-se-á a Comunicação de Crime.
[Grifo PBA]
25 Art. 15-0 uniforme padronizado para uso dos agentes de
fiscalização é o especificado na MNA-RH 07, sendo vedada a
adoção, uso, aquisição ou confecção de versão contrária.
Art. 16 - É vedado aos Chefes das Divisões de Controle e
Fiscalização ou de Unidade Descentralizadas de Fiscalização
e ao próprio Agente de Fiscalização alterar o uniforme
padronizado distribuído, suprimindo ou adicionando cor,
dístico, emblema, palavxa ou sigla. Parágrafo Único - A
DÍRCOF, através do DEFIS, poderá aprovar a inclusão de
emblema ou dístico, desde que a mensagem contida represente
atividade, operação ou missão cuja singularidade justifique.
26 José Cretella Júnior, Tratado de Direito Administrativo - O
Pessoal da Administração Pública, volume IV, Rio de Janeiro
- São Paulo: Forense, 1967, p. 187.
Poder de Polícia Ambiental
Pela Lei, ao cargo de analista ambiental, compete as
seguintes atribuições: (i) regulação, controle, fiscalização,
licenciamento e auditoria ambiental; (ii) monitoramento
ambiental; (iii) gestão, proteção e controle da qualidade
ambiental; (iv) ordenamento dos recursos florestais e
pesqueiros; (v) conservação dos ecossistemas e das espécies
neles inseridas, incluindo seu manejo e proteção; e (vi)
estímulo e difusão de tecnologias, informação e educação
ambientais, tudo como estabelecido pelo artigo 4®. É evidente
que as atribuições dos analistas, por extremamente técnicas,
devem ser exercidas por analistas que tenham em sua formação
profissional básica a habilitação para o seu exercício. Veja-
se que o artigo 11 determina que: “O ingresso nos cargos
referidos no art. Ia far-se-á mediante prévia aprovação em
concurso público específico, exclusivamente de provas”.
Acrescente-se que na hipótese do art. 43, parágrafo único, o
concurso realizar-se-á obrigatoriamente por áreas de
especialização.27 O cargo de analista especificamente exige
formação superior.
Ocorre que muitas das atribuições do cargo de analista
ambiental são incluídas nas atribuições de determinadas
profissões, como por exemplo as de Engenheiro ou Biólogo,
fazendo com que os cargos de analista ambiental que
desempenhem funções incluídas no rol das profissões
regulamentadas só possam ser preenchidos por profissionais
devidamente habilitados. Imensa repercussão haverá na
fiscalização ambiental, haja vista que o fiscal deverá ter a
habilitação requerida para a atividade, não bastando a mera
investidura no serviço público ou a designação para a
fiscalização. Igual posição é assumida por Moraes:28 KA fiscali-
zação é uma necessidade inerente à existência do Estado,
portanto, é uma função cujos cargos estão classificados como
Carreira de Estado, ou seja, indissociável à sua própria
concepção e existência. Nesse sentido, essas funções devem ser
ocupadas, através de concurso público, por pessoas que possuam
a qualiôcação técnica estipulada em lei, sob pena de nulidade
dos atos praticados, em face de violação ao referido
dispositivo constitucional."
Merece atenção o parágrafo único do artigo 6q, que
determina: “O exercício das atividades de fiscalização pelos
titulares dos cargos de Técnico Ambiental deverá ser precedido
de ato de designação próprio da autoridade ambiental à qual
estejam vinculados e dar-se-á na forma de norma a ser baixada
pelo Ibama ou pelo Instituto Chico Mendes de Conseirvação da
Biodiversidade — Instituto Chico Mendes, conforme o Quadro de
Pessoal a que pertencerem. "Assim, somente em situações
excepcionais poderá a função de fiscalização ambiental ser
atribuída a técnico ambiental, uma vez que, originariamente, a
fiscalização é atribuição do analista ambiental.
27 “Art. 4® São atribuições dos ocupantes do cargo de Analista
Ambiental o planejamento ambiental, organizacional e
estratégico afetos à execução das políticas nacionais de
meio ambiente formuladas no âmbito da União, em especial as
que se relacionem com as seguintes atividades:... Parágrafo
único. As atividades mencionadas no caput poderão ser
distribuídas por áreas de especialização, mediante ato do
Poder Executivo, ou agrupadas de modo a caracterizar um
conjunto mais abrangente de atribuições, cuja natureza
generalista seja requerida pelo Instituto no exercício de
suas funções.”
28 Luís Carlos da Silva Moraes, Curso de Direito Ambiental,
São Paulo: Atlas, 2S edição, 2006, p. 118.
Direito Ambiental
4. O Licenciamento Ambiental
4.1. Introdução
Todas as atividades capazes de alterar negativamente as
condições ambientais estão submetidas ao controle ambiental,
que é uma atividade geral de polícia exercida pelo Estado. O
controle ambiental tem sido confundido com o licenciamento
ambiental, o que do ponto de vista teórico e prático é
incorreto. O Estado do Espírito Santo é um dos poucos que
estabeleceram uma distinção conceituai clara entre controle e
licenciamento. Com efeito, o Decreto estadual n9 1777-R, de 08
de janeiro de 2007, em seu artigo 29, II, assim definiu o
controle ambiental: “Atividade estatal consistente na
exigência da observância da legislação de proteção ao meio
ambiente, por parte de toda e qualquer pessoa, natural ou
jurídica, utilizadora de recursos ambientais, ” Assim, con-
trole ambiental é um poder-dever estatal de exigir que as
diferentes atividades humanas sejam exercidas com observância
da legislação de proteção ao meio ambiente, independentemente
de estarem licenciadas ou não. O licenciamento ambiental é uma
modalidade de controle ambiental específica paia atividades
que, devido às suas dimensões, sejam potencialmente capazes de
causar degradação ambientaL
O licenciamento ambiental é, juntamente com a fiscalização,
a principal manifestação do poder de polícia exercido pelo
Estado sobre as atividades utilizadoras de recursos
ambientais. Assim como as demais competências ambientais, as
de licenciamento são motivo de graves conflitos entre os
diferentes órgãos administrativos. As dificuldades no tema são
de tal ordem que, não raramente, empresas solicitam licen-
ciamento ambiental em mais de um órgão, outras vezes, órgãos
de licenciamento ambiental se insurgem contra outros órgãos
reivindicando a competência para este ou aquele licenciamento.
Toda essa situação é muito nociva para a proteção ambiental,
pois estabelece um regime administrativo cuja principal
característica é a insegurança, acarretando evidentes
prejuízos para todos e, principalmente, para o meio ambiente.
O licenciamento ambiental, segundo a conceituação da CETESB,
é: “O Licenciamento Ambiental é um procedimento pelo qual o
órgão ambiental competente permite a localização, instalação,
ampliação e operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, e que possam ser
consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas
que, sob qualquer forma, possam causar degradação
ambiental.”29 Tal definição corresponde, em linhas gerais,
àquela estabelecida pela Resolução Conama ns 237/97 (art.
I9,1), que assim dispõe: “Licenciamento Ambiental: procedimento
administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia
a localização, instalação, ampliação e a operação de
empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras,
ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação
ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares
e as normas técnicas
29
Http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciatnentoo/onde_fazer/defLn
e_licenciamento.asp, capturado aos 21/09/2007.
Poder de Polícia Ambiental
aplicáveis ao caso.” Em síntese, como afirma Farias?0 “trata-se
de um mecanismo cuja função é enquadrar as atividades
causadoras de impacto sobre o meio ambiente, o que pode ser
feito por meio de adequação ou de correção de técnicas
produtivas e do controle da matéria-prima e das substâncias
utilizadas”.
É relevante observar que, nos termos do artigo 89,1, da Lei
n 6.938/81, cabe ao Conama ‘estabelecer, mediante proposta do
2

IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades


efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos
Estados e supervisionado pelo IBAMA”. Tal inciso tem sido
interpretado como uma autorização para que o Conama produza
normas gerais para o licenciamento ambiental que, em tese,
deverão ser observadas pelos Estados. Parece-me, data vênia,
que o inciso está inteiramente dissociado do contexto
constitucional e da própria prática do licenciamento
ambiental. Efetivamente muitos Estados têm as suas leis
próprias de licenciamento ambiental e, de fato, não se
submetem às resoluções do Conama. Por outro lado, é
inteiramente estranho à prática do licenciamento ambiental a
“supervisão do Ibama” sobre os procedimentos estaduais. A
experiência demonstra que existe um procedimento federal de
licenciamento ambiental e procedimentos estaduais, sendo os
últimos regidos por normas locais próprias e que não se
confundem com as normas federais. O recurso às normas federais
por parte dos Estado se dá nas hipóteses de inexistência de
normas locais ou para o preenchimento de algumas lacunas nas
normas locais, como por exemplo no caso do Estadò do Pará em
cuja legislação não há prazo mínimo para a concessão das
licenças ambientais.31
O licenciamento ambiental se materializa nos Alvarás
ambientais, que podem ser de vários tipos diferentes. A
Administração pode conceder licenças ou autorizações para que
pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, exerçam as
atividades que utilizam os recursos ambientais. Muito embora a
Lei n5 6.938/81 não se refira expressamente à concessão de
autorizações ambientais, não me parece que a concessão de
autorizações para atividades pontuais e localizadas seja
contrária à lei. Ao contrário, em muitas vezes a autorização é
até mais recomendável do que a licença, pois esta última não
pode ser cancelada discricionariamente, o que não sucede com
as autorizações.
Os alvarás ambientais são concedidos com base em normas e
princípios de Direito Adminstrativo que, no entanto, passam
por importantes transformações quando destinadas a disciplinar
as intervenções sobre o meio ambiente, passando, pois, a
ostentar peculiaridades que lhes atribuem o caráter
propriamente ambiental. É importante que o leitor fique atento
para as nuances que diferenciam um alvará ambiental de um
alvará administrativo. Comecemos pela licença administrativa,
que possui caráter de defíniúvidade, só podendo ser revogada
por iiiteresse público ou
30 Talden Farias, Licenciamento Ambiental - Aspectos Teóricos
e Práticos, Belo Horizonte: editora Fórum. 2007, p. 37.
31 Lei n® 5887, de 09/05/1995 “Dispõe sobre a Política
Estadual do Meio Ambiente e dá outras providências” Art. 94
- Para efeito do disposto no artigo anterior, o
licenciamento obedecerá às seguintes etapas: ... § 2a - As
Licenças Prévias, de Instalação e de Operação, serão
expedidas por tempo certo, a ser determinado pelo órgão
ambiental, não podendo em nenhum caso ser superior a 5
(cinco) anos.”
Direito Ambiental
por violação das normas legais,32 sendo que, na primeira
hipótese, a revogação far- se-á mediante indenização;33
importante ressaltar que somente será legal a revogação
precedida pela ampla defesa e o contraditório, haja vista que
a licença, em tese, concede direitos ao seu titular; já a
autorização expedida a título precário é revogável a qualquer
momento pelo poder autorizante, mediante um juízo de
conveniência e oportunidade. As licenças e autorizações
ambientais têm as suas origens imediatas nas licenças e
autorizações administrativas e com estas mantêm uma relação
intensa e, por vezes, conflitante. Assim, não há que se
confundir a licença ambiental com a autorização ambiental. As
duas modalidades de alvarás são perfeitamente válidas.34
Ocasiões existirão em que a hipótese será de concessão de
licença ambiental; em outras, a questão será resolvida
mediante autorização ambiental.
Outro aspecto que deve ser mencionado é o referente às
sanções aplicadas pela polícia administrativa, as quais
possuem uma imensa gama de formas, variando em sua intensidade
em consonância com a gravidade da lesão produzida. As
principais são:
a multa;
)
b interdição de
) atividade;
c fechamento do
) estabelecimento;
d
) demolição;
e
) embargo de obra;
f destruição de
) objetos;
g inutilização de
) gêneros;
32 STF. RE 1069311 PR. Relator: Min. CARLOS MADEIRA SEGUNDA
TURMA. Publicação: DJU: 16.05.86. P. 08188. EMENTA.
ADMINISTRATIVO. LICENÇA DE CONSTRUÇÃO. A INVALIDADE DO ALVA-
RÁ CONCEDIDO PELA AUTORIDADE MUNICIPAL, POR AUTORIDADE
ESTADUAL, TENDO EM VISTA A SUA ILEGALIDADE, A CONTRARIEDADE
AO INTERESSE PÚBLICO E ATÊ POR DESCUM- PRIMENTO DO TITULAR
NA EXECUÇÃO DA OBRA, RETIRA A SUA PRESUNÇÃO DE DEFINITI-
VIDADE E O DESQUALIFICA COMO ATO GERADOR DE DIREITO
ADQUIRIDO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
33 STF - RMS 2810 /Relatora): Min. MARIO GUIMARÃES.
Julgamento: 08/06/1955. TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJU:
24.12.56, pg. 2465. Ementa: LICENÇA DE IMPORTAÇÃO. AS
AUTORIZAÇÕES ADMINISTRATIVAS SÃO, DE NATUREZA, REVOGÁVEIS. A
POSSIBILIDADE DE REVOGAÇAO TEM FUNDAMENTO NO DEVER IMPOSTO
ÀS AUTORIDADES DE PROVER, DA MELHOR FORMA POSSÍVEL, O
INTERESSE DO POVO. SE A CAUSA DA REVOGAÇÃO FOR ANTERIOR, NAO
HAVERÁ COGITAR DE COMPOSIÇÃO DOS DANOS. SE POSTERIOR, NÃO
FICARÁ A ADMINISTRAÇAO INIBIDA DE REALIZÁ-LA, MAS RESPONDERÁ
PELOS PREJUÍZOS QUE HAJA CAUSADO AOS QUE, DE BOA-FÉ,
CONFIARAM NA AUTORIZAÇÃO.
34 O Estado do Espírito Santo reconhece expressamente as
autorizações ambientais como um dos instrumentos postos à
disposição do gestor ambiental público. DECRETO N° 1777-R,
de 08 de Janeiro de 2007. Dispõe sobre o Sistema de
Licenciamento e Controle das Atividades Poluidoras ou
Degradadoras do Meio Ambiente denominado SILCAP. “Art. 2o.
Para efeito deste Decreto são adotadas as seguintes
definições:... m - Autorização Ambiental (A A.): ato
administrativo emitido em caráter precário e com limite
temporal, mediante o qual o órgão competente estabelece as
condições de realização ou operação de empreendimentos,
atividades, pesquisas e serviços de caráter temporário ou
para execução de obras que não caracterizem instalações
permanentes e obras emergenciais de interesse público,
transporte de cargas e resíduos perigosos ou, ainda, para
avaliar a eficiência das medidas adotadas pelo
empreendimento ou atividade.”
Poder de Policia Ambiental
h) proibição de fabricação ou comércio de produtos;
i) vedação de localização de indústria ou comércio em
determinadas áreas.
As sanções são uma decorrência lógica do sistema de
licenciamento. Uma vez autorizada ou licenciada uma atividade,
o titular da licença ou da autorização deve observar as normas
e os regulamentos administrativos. A inobservância implica a
imposição de sanções previamente estabelecidas em lei.
4.2. O Licenciamento Ambiental como Processo Administrativo
A natureza jurídica do licenciamento ambiental tem sido
pouco explorada pela doutrina especializada, que tem se
voltado mais para o exame dos aspectos técnicos envolvidos no
licenciamento. Muitas questões afloram do tema e merecem
reflexão. O primeiro ponto relevante a ser observado é que o
requerimento de licença ambiental visa, por parte do
empreendedor, à obtenção de um Alvará concedido pelo Estado
que o habilite ao exercício de uma determinada atividade
utilizadora de recursos ambientais. Neste sentido, o
Licenciamento Ambiental é atividade diretamente relacionada ao
exercício de direitos constitucionalmente assegurados, tais
como o direito de propriedade e o direito de livre iniciativa
econômica que deverão ser exercidos com respeito ao meio
ambiente. Assim, indiscutivelmente, o Alvará de Licença
Ambiental servirá de limitador concreto para o exercício da
atividade econômica que somente será lícita se respeitados os
limites da Licença Ambiental concedida. Penso que diante de
tais circunstâncias não resta dúvida de que a postulação de
uma licença ambiental é, simultaneamente, a postulação para o
exercício de direitos constitucionalmente assegurados, motivo
pelo qual se lhe deve aplicar os princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório. Aliás, se examinarmos o
conjunto de normas que regem o licenciamento ambiental,
veremos que, muito embora de forma assistemátáca, existe uma
tímida aplicação do contraditório e da ampla defesa.
Como se sabe, o processo de licenciamento ambiental é levado
ao conhecimento do público desde o seu início, haja vista que
existe determinação para que o simples requerimento de licença
seja publicado na imprensa e tomado público.35 Evidentemente
que tal norma não é ociosa. O fundamento para a sua existência
é que qualquer cidadão legitimamente interessado poderá
acompanhar o processo de licenciamento ambiental, com vistas a
controlar-lhe a legalidade e, se for o caso, requerer o que
for de direito. Infelizmente, não existem regras que
estabeleçam as formas pelas quais a participação se dará e a
publicação, tal como tem sido a sua prática, se toma mais um
procedimento burocrático.
35 Resolução CONAMA n° 006, de 24 de janeiro de 1986 “1 —
Aprovar os modelos de publicação de pedidos de licenciamento
em quaisquer de suas modalidades, sua renovação e a
respectiva concessão e aprova os novos modelos para
publicação de licenças, conforme instruções abaixo
especificadas”: e RESOLUÇÃO Na 281, DE 12 DE JULHO DE 2001.
Direito Ambiental
Também indica a natureza contraditória e processual do
licenciamento ambiental o artigo 11 da Resolução Conama n2
001/86, que determina sejam o ELA. e o Rima colocados à
disposição da comunidade.36 Por fim, as audiências públicas,
ainda que de caráter meramente consultivo, indicam a
prevalência do contraditório no licenciamento ambiental, uma
vez que a comunidade interessada a ser atingida pelo
empreendimento poderá levar as razões de seu descontentamento
ao órgão ambiental. Muitos outros exemplos poderiam ser
apontados. Entretanto, a legislação própria tem vacilado no
sentido de aprofundar o caráter contraditório do processo de
licenciamento ambiental que, lamentavelmente, ainda conta com
normas pouco claras. É verdade que, timidamente, o íbama tem
reconhecido o licenciamento ambiental como processo e não como
mero procedimento, como é o caso da Instrução Normativa n2 065,
de 13 de abril de 2005, do licenciamento de Pequenas Centrais
Hidrelétricas e Usinas Hidrelétricas que em seu artigo 4a
expressamente se refere à “instauração do processo de
licenciamento”.
Odete Medauar expressamente reconhece a natureza processual
do licenciamento ambiental, classificando-o como processo
administrativo de outorga.37 O reconhecimento do licenciamento
como processo administrativo e não como mero procedimento
implica a admissão do direito de apresentar recursos, formular
defesas específicas, apresentar pareceres técnicos e análises
que se façam necessárias para a defesa dos direitos e
interesses em jogo. Por outro lado, implica a adoção de prazos
mais estáveis e peremptórios tanto para os interessados como
para a própria administração. Há uma evidente impropriedade
técnica nas definições normativas que têm insistido em
classificar o licenciamento ambiental como mero procedimento,
impropriedade que, aliás, é desmentida por normas que
asseguram um determinado grau de contraditório às partes
interessadas.
No licenciamento, são discutidos direitos extremamente
importantes tanto para o empreendedor como para as comunidades
situadas na área de influência do empreendimento e,
evidentemente, tais direitos não podem sofrer menoscabo. Por
outro lado, o estabelecimento de regras claras no processo de
licenciamento ambiental, com a definição precisa da
participação do público, com a definição de prazos. O estado
do Espírito Santo avançou bastante na matéria e estabeleceu
normas que são aptas a assegurar às partes um amplo exercício
do direito de defesa e do contraditório, dando mais segurança
ao processo de licenciamento ambiental.38 É importante
36 Art. 11 - Respeitado o sigilo industrial, assim solicitando
e demonstrando pelo interessado, o RIMA será acessível ao
público. Suas cópias permanecerão à disposição dos
interessados, nos centros de documentação ou bibliotecas da
SEMA e do órgão estadual de controle ambiental
correspondente, inclusive o período de análise técnica.
37 Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, São Paulo:
Editora Revista dos tribunais. 1996, p. 199.
38 “DECRETO N° 1777-R, de 08 de Janeiro de 2007. DOS
PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS Art. 48. Os interessados serão
notificados de todos os atos dos quais resultem imposição de
deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos
e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse,
bem como o estabelecimento de diretrizes e exigências
adicionais, julgadas necessárias à elaboração do Relatório
de Controle Ambiental, com base em norma legal ou em parecer
técnico fundamentado. Art. 49. O órgão perante o qual
tramita o licenciamento notificará o interessado para a
apresentação de documentos, efetivação de diligências ou
ciência de decisão § 1® A notificação conterá: I -
identificação do notificado e no-
Poder de Polícia Ambiental j
que o processo de licenciamento ambiental seja capaz de
incorporar as diferentes tensões envolvidas no caso concreto,
evitando-se que liminares e outras medidas judiciais tomadas
com base em processos administrativos mal conduzidos sejam
capazes de paralisar empreendimentos necessários que muitas
vezes são prejudicados em função de licenciamentos ambientais
conduzidos de forma equívoca.
O sistema federal de licenciamento ambiental possui uma
ligeira menção na Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981, com
uma especificação das licenças ambientais no Decreto Federal
99.274/1990. O sistema está construído, pois, fundamentalmente
em Resoluções Administrativas do Conama, o que acarreta uma
evidente fragilidade normativa, em detrimento da segurança
jurídica para as partes interessadas, sem que disto resulte
maior proteção ao meio ambiente. É importante frisar que não
existe
me do órgão ou entidade administrativa; II - finalidade da
notificação; III - data, hora e local do cumprimento; IV -
informação quanto à necessidade de o interessado comparecer
pessoalmente, se for o caso; V — informação quanto aos efeitos
do descumprimento da notificação; VI - indicação dos fetos e
fundamentos legais pertinentes. § 2° A notificação fixará
prazo para o cumprimento das determinações nela contidas. § 3o
A notificação far-se-á por ciência no processo, por via postal
com aviso de recebimento, por telegrama ou por outro meio que
assegure a certeza da ciência do interessado. § 4S Considerar-
se-á intimada a parte que se recusar a receber a notificação
de agente credenciado ou de agente de correio, ou mesmo que se
procure ocultar para evitar o ato de notificação, devendo,
para tanto, o agente fazer constar, fundarnentadamente, no
aviso de recebimento (AR) ou no corpo da notificação o ato da
recusa. § 5® No caso de interessados indeterminados,
desconhecidos ou com domicílio indefinido, a notificação far-
se-á por publicação no Diário Oficial do Estado do Espírito
Santo. § 6a Serão nulas as notificações feitas sem observância
das normas estabelecidas neste decreto, mas o comparedmento do
interessado supre sua falta ou irregularidade, permanecendo o
procedimento no estado era que se encontrar quando do seu
ingresso. § 7a A impugnação será dirigida, em primeira
instância administrativa, à autoridade que aplicou a medida
punitiva, no prazo de 15 (quinze) dias contados a partir do
recebimento da notificação do ato administrativo. Art 50. Da
decisão proferida no julgamento da impugnação caberá recurso
em última instância administrativa ao CONSEMA ou ao respectivo
Conselho Regional de Meio Ambiente - CONREMA, no prazo de 15
(quinze dias), contados a partir do recebimento da notificação
da decisão. Art. 51. A deliberação quanto à cassação de
autorização ou de licença ambiental será proferida pelò
CONSEMA ou pelo respectivo CONREMA e somente será efetivada
pelo órgão ambiental após o trânsito em julgado de decisão
administrativa. Art. 52. A interposição de impugnação ou de
recurso administrativo independe dé caução. Art. 53. Quaisquer
diligências necessárias à instrução da impugnação e do recurso
serão de responsabilidade do interessado. Art. 54.
Ordinariamente, a impugnação, bem como o recurso, não tem
efeito suspensivo. Art. 55. Poderão ser recebidos, com efeito
suspensivo, a impugnação e o recurso contra medida punitiva
que implique em: I ~ embargo de obra; II - interdição de
atividade; III - apreensão de instrumentos e de produtos; IV —
demolição de obra; V ~ suspensão e cassação de autorização e
de licença ambiental; VI — casos de relevante interesse
público; e VH - outros casos em que se comprove justo receio
de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da
execução da medida punitiva. § Ia Nas hipóteses estabelecidas
no “caput” deste artigo, o requerente encaminhará,
tempestivamente, impugnação ou recurso com suas razões de
defesa acompanhadas de descrição das infrações cometidas. § 2®
O efeito suspensivo somente será concedido pela autoridade
recorrida, seu superior hierárquico ou pela de primeira ins-
tância, após avaliação de pareceres técnico e jurídico
fundamentados que embasarâm a decisão. § 3a A impugnação ou o
recurso será dirigido à autoridade competente que aplicou a
médida punitiva, á qual decidirá sobre o pedido de efeito
suspensivo no prazo de 15 (quinze) dias úteis, podendo o órgão
firmar termo de compromisso com o interessado. § 4a Findo o
prazo do parágrafo 3®, silente o órgão recorrido, a pedido do
impugnante ou do recorrente, o processo será remetido à
segunda instância, a qual terá 30 (trinta) dias para
apreciação, unicamente, do pedido de suspensão dos efeitos da
medida punitiva. Art. 56. Os órgãos competentes para decidir a
impugnação e o recurso poderão confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida”.
Direito Ambiental
um sistema nacional de licenciamento ambiental, haja vista que
as normas aplicáveis podem variar em conformidade com os
diferentes estados e municípios que> no caso concreto, estejam
outorgando determinada licença ambiental.
O licenciamento ambiental ocorre perante a Administração
Pública e, dessa forma, está submetido integralmente aos
princípios reitores da Administração Pública tipificados em
nossa CF. No caso específico dos licenciamentos federais,
havendo lacunas nas normas específicas, há que se aplicar a
Lei ne 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999, que “Regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”,
conforme disposto no artigo 69 da Lei em questão.39
O licenciamento ambiental que não observe em sua tramitação
os princípios fundamentais da Administração Pública é
licenciamento ambiental ilegal. O Direito Administrativo, como
se sabe, é um dos principais vetores do Direito do Estado,
visto que rege as relações entre os diferentes órgãos da
própria Administração e entre a Administração e os
particulares. Para o Ministro Eros Roberto Grau:40 “O Direito
Administrativo, ao mesmo tempo em que é concebido como
provedor da defesa do indivíduo contra o Estado, apresenta
como princípio fundamental o da supremacia do interesse
público, e isto ocorre sem que, em regra, seja questionada a
dissociação entre interesse público - interesse cujo titular é
o Estado - e interesse social — cujo titular é a sociedade. ”
É importante observar que o DA, em função do poder de
polícia do Estado, é fortemente marcado por uma tensão
constante com o Direito Administrativo, para o bem e para o
mal. A presença, marcante em todos os sentidos, do conjunto de
princípios, práticas e normas de Direito Administrativo na
realidade jurídica global é, para o Direito Ambiental,
bastante complexa. Há uma crença no sentido de que “muitos dos
postulados fundamentais do Direito Administrativo são
incompatíveis com os postulados fundamentais do Direito
Ambiental”, como eu mesmo, em edições anteriores desta obra,
cheguei a sustentar.41 Com efeito, devo admitir que a minha
orientação anterior era equivocada, A proteção ambiental se
faz no interior do Estado de Direito Democrático e com a
utilização dos instrumentos da ordem jurídica democrática que
são postos à sua disposição. Na verdade, não existe incom-
patibilidade entre proteção ambiental e Estado de Direito.
Não se pode opor indiscriminadamente princípios de DA aos
princípios de DAdm; antes, é necessário estabelecer um regime
que os harmonize e os tomem compatíveis. Princípios como a
presunção de legalidade do ato administrativo não são
contraditórios ao princípio da precaução, por exemplo. Ao
contrário, a precaução é adotada segundo regras jurídicas. A
mera invocação da cautela ou da precaução não é motivo
juridicamente relevante para que se desconsiderem atos
administrativos que, em princípio, foram praticados de acordo
com a lei.
39 “Art. 69. Os processos administrativos específicos
continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes
apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.”
40 Ob. cit., p. 28.
41 Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 7* ed., pp. 138-9.
\
Poder de Polícia Ambiental
A PNMA, no inciso IV do artigo 9S, estabelece que o
licenciamento é um dos instrumentos da PNMA. O artigo 10 da
mesma norma determina quais as medidas básicas a serem
adotadas para o licenciamento de empreendimentos
potencialmente poluidores. O licenciamento ambiental é um dos
diferentes procedimentos de controle ambiental, adotados pelo
Estado, cujo objetivo é o de assegurar que as atividades a ele
submetidas gerem o menor impacto ambiental possível. O
procedimento e licenciamento ambiental têm origem a
requerimento do interessado, ou de ofício, e se encerra com a
concessão ou a negativa do Alvará respectivo, isto é> uma
licença ou autorização ambiental, conforme o caso.
A licença ambiental, in casu, não pode ser entendida como
uma licença de Direito Administrativo. As licenças de DAdm,
uma vez concedidas, passam a integrar o patrimônio jurídico de
seu titular como direito adquirido. Em tais circunstâncias,
somente poderão ser revogadas pela infração às normas legais.
Celso Antônio Bandeira de Mello42 afirma, sobre a licença, que:
Uma vez cumpridas as exigências legais, a Administração não
pode negá-la. O licenciamento ambiental tem algumas diferenças
marcantes. A título de exemplo, podemos observar o artigo 4e do
Decreto- Lei n9 1.413, de 14 de agosto de 1975, que determina:
Nas áreas críticasr será adotado esquema de zoneamento
urbano, objetivando, inclusive, para as situações existentes,
viabilizar alternativa adequada de nova localização, nos casos
mais graves, assim como, em geral, estabelecer prazos
razoáveis para a instalação dos equipamentos de controle da
poluição.
A licença ambiental não pode ser reduzida à condição
jurídica de simples autorização, pois os investimentos
econômicos que se fazem necessários para a implantação de uma
atividade utilizadora de recursos ambientais, em geral, são
elevados. Por outro lado, a concessão de licenças com prazos
fixos e determinados demonstra que o sentido de tais
documentos é o de impedir a perenização de padrões que,
sempre, são ultrapassados tecnologicamente.
A situação, portanto, deve ser posta nos seguintes termos:
enquanto uma licença for vigente, a eventual modificação de
padrões ambientais não pode ser obrigatória para aquele que
esteja regularmente licenciado segundo os padrões vigentes à
época da concessão da licença. O Poder Público, entretanto,
poderá negociar com o empreendedor a adoção voluntária de
novos parâmetros de proteção ambiental. Uma vez encerrado o
prazo de validade de uma licença ambiental, os novos padrões
são imediatamente exigíveis. Este fato, em si mesmo, é
importante, mas não é suficiente para que os novos padrões
sejam imediatamente adotados. A questão não é legal: é
econômica. Nem sempre o capital para os investimentos
necessários está disponível e, evidentemente, existem diversos
fatores que impedem o fechamento tout court de uma atividade
produtiva. Resulta, deste conjunto de circunstâncias, que a
negocia
42 Elementos de Direito Administrativo, São Paulo: RT, 2a ed.,
1991, p. 23.
154
Direito Ambiental
ção para o atendimento de novos padrões é o único caminho que
pode, de fato, assegurar o aprimoramento dos padrões efetivos
de proteção ambientai.
O sistema de licenciamento ambiental tem por finalidade
evitar que sejam praticados atentados contra o ambiente. O
licenciamento ambiental pressupõe que diferentes questões
sejam levadas em consideração para a concessão de um Alvará de
licença. Em primeiro lugar, há que se entender que a concessão
da licença deve observar o fato de que devem ser atendidas as
exigências da legislação ambiental. Além deste essencial e
fundamental aspecto formal, outros fatores são extremamente
importantes. Tais fatores podem ser resumidos na mais absoluta
necessidade de que se conjuguem satisfatoriamente as
necessidades de conservação e preservação ambiental,
compreendidas como parte de um planejamento estratégico, com o
desenvolvimento economicamente sustentado.
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo
complexo que se desenrola em diversas etapas. Existe, até
mesmo, uma previsão constitucional para determinados
procedimentos obrigatórios a ser adotados para o licenciamento
de uma atividade potencialmente poluidora. Veja-se a
necessidade constitucional de estudo prévio de impacto
ambiental para o licenciamento de atividades potencialmente
degradadoras do meio ambiente,43 mediante a definição pelo
Poder Público das situações nas quais a poluição, atual ou
potencial, se façam presentes. Como já foi visto acima, o
artigo 9- da Lei ns 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu
inciso IV, estabelece que o licenciamento e a revisão de
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras são
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA. Em
razão da estrutura federativa do Estado brasileiro, o
licenciamento ambiental ocorre nos três níveis de governo,
conforme a natureza da atividade a ser licenciada. A
possibilidade da exigência de um tríplice licenciamento
implica que, em não raras oportunidades, a sobreposição e a
contradição de normas gerem um clima de insegurança, quanto ao
licenciamento, e de instabilidade jurídica. Com efeito, a
inexistência de um sistema claramente definido de competências
é um dos mais graves problemas da legislação ambiental
brasileira e de sua aplicação. O ponto fundamental que deve
ser considerado é que o licenciamento é basicamente uma
atividade a ser exercida pelo Poder Público estadual. As
autoridades federais somente podem atuar em casos definidos,
ou supletivamente à autoridade estadual. Os Municípios poderão
complementar, no que couber, as exigências dos órgãos
estaduais para atender a necessidades locais.
I y
4.2.1. Dificuldades do licenciamento Ambiental
O licenciamento ambiental apresenta inúmeras dificuldades
práticas que, a cada dia, se tomam mais complexas. Arrolá-las
todas é praticamente impossível. Contudo, algumas delas têm
sido muito recorrentes e merecem tratamento nesta obra. A
nossa experiência concreta nos leva a identificar algumas
linhas principais.
43 Ver aiT. 225, § 4».
Poder de Polícia Ambiental
4.2.1.1. Conflitos entre órgãos Administrativos Ambientais
O conflito entre órgãos administrativos ambientais,
normalmente, está relacionado à competência (rectius.
atribuição) para o licenciamento ambiental. Tais conflitos
podem ocorrer entre os órgãos licenciadores dos três níveis
federativos, sendo mais marcantes as divergências entre os
órgãos ambientais estaduais e o IBAMA. É conveniente ressaltar
que, na maioria das vezes, as discordâncias têm origem em
causas externas aos organismos ambientais. Com muita
frequência, a disputa tem origem em questões suscitadas pelo
MPF, que tem esposado o entendimento no sentido de que os
licenciamentos de grandes empreendimentos na zona costeira
devem ser submetidos ao licenciamento pelo órgão federal.
Advoga o Parquet Federal a tese de que o licenciamento
ambiental deve ser feito com base na dominialidade do bem.
Assim, se o bem a ser impactado é de domínio federal, caberia
ao IBAMA a realização do procedimento de licenciamento
ambientai. Em meu entendimento, tal raciocínio não encontra
amparo legal.
A Lei 6.938/81, em seu artigo 10, expressamente atribui ao
IBAMA a chamada competência supletiva para licenciamento
ambiental, e, igualmente, define as hipóteses nas quais, por
exceção, competirá ao órgão federal proceder aò licenciamento.
Não me parece excessivo reavivar os termos de tal norma: “Art.
10-A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores,
bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão
estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio
Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo,
sem prejuízo de outras licenças exigíveis. ... § 2a Nos casos e
prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de
que trata este artigo dependerá de homologação da IBAMA. § 3S O
órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, este em caráter
supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das
penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das
atividades geradoras de poluição, para manter as emissões
gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sóhdos dentro das
condições e limitès estipulados no hcenciamento concedido. § 4a
Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput
deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo
impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.”
Uma análise mais detalhada do contexto normativo arrolado é
necessária para que as causas de conflito possam diminuir e o
licenciamento possa ocorrer de forma mais segura para todas as
partes envolvidas, evitando-se custos desnecessários e
delongas além das razoáveis. O caráter suplementar da
atividade federal parece-me bastante evidente e o princípio
geral de que o Hcenciamento ambiental é estadual, em meu ponto
de vista, é indiscutível. Contudo, o reconhecimento de que os
conflitos causados por causas externas são cada vez mais
frequentes, julgo que uma metodologia capaz de diminuir o
potencial de atrito é urgentemente necessária.
Direito Ambiental
Como se pode ver do § 3e do artigo 10, compete ao IBAMA a
atuação supletiva para manter as emissões gasosas, os
efluentes líquidos e os resíduos “dentro das condições e
limites estabelecidos no licenciamentoLogicamente, não se
trata do licenciamento federal, haja vista que, em tal
hipótese, a sua atuação seria primária e não supletiva.
Portanto, não cabe aqui o licenciamento do IBAMA, sendo-lhe
atribuído um relativo grau de fiscalização. Na situação ora
examinada, o órgão federal deverá respeitar os limites
estipulados na licença e, apenas, verificar se ele tem sido
observado pela atividade.
Quanto à hipótese contida no § 4a, há que se consignar que a
definição de significativo impacto regional ou nacional é
atribuição do Executivo, que o fará mediante a expedição de
resolução ou na base do caso a caso. No particular, é impor-
tante ressaltar que o conceito de mar territorial, previsto na
Resolução 237, tem sido ampliado de forma excessiva.
4.2.1.1.1. Mar Territorial, Linha de Base e Licenciamento
Federal
A concepção dominialista do licenciamento ambiental tem,
acriticamente, entendido que todo e qualquer licenciamento
ambiental que possa ocasionar qualquer impacto sobre o mar
deve ser procedido pelo IBAMA. Sustentam os apologistas da
tese que o mar é bem de propriedade da União e, portanto,
justificada está a tese do licenciamento federal. Há que se
observar que o bem de propriedade da União não é o mar mas,
isto sim, o mar territorial, conforme estabelecido pelo artigo
20, VI, da Constituição Federal, bem como os recursos naturais
da plataforma continental e da zona econômica exclusiva.44 Mar
territorial é conceito típico definido pela Lei n2 8.617, de 4
de janeiro de 1993, que “dispõe sobre o mar territorial, a
zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma
continental brasileiros, e dá outras providênciasNos termos do
artigo l9 da referida lei: “O mar territorial brasileiro
compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura,
medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental
e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande
escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. Parágrafo único.
Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e
reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da
costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das
linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o tra-
çado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão
do mar territorial ” Assim, mar territorial é apenas aquela
porção do oceano que esteja como tal definida nos mapas
reconhecidos pelo Governo brasileiro. Veja-se, a título de
exemplo, a seguinte imagem:45
44 “Art. 20. São bens da União: ....V - os recursos naturais
da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI
- o mar territorial.
45 bttp://www.naval.com-
br/conhecimentos/espacos_maritimos/espacos„maritimos_parte2.
htm, capturado aos 14 de junho de 2008.
Poder de Policia Ambiental

A&MTiar
Poder Naval OnLtne www.nav33i.com.br
Assim, e de acordo com o que foi exposto, o licenciamento
ambiental em águas interiores, ainda que marítimas, não
encontra qualquer ressonância legal. Da mesma forma, merece
ser ressaltado que a Resolução Conama 237/1997, em seu artigo
4a, I, determina que: “Art. 4® Compete ao Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA,
órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se
refere o artigo 10 da Lei n9 6.938, de 31 de agosto de 1981, de
empreendimentos e atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I -
localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país
limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na
zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades
de conservação do domínio da União.”
Direito Ambientai
Gomo se vê, para que o IBAMA tenha competência para o
licenciamento ambiental no mar, devem ser preenchidos dois
requisitos: a) o empreendimento seja no mar territorial e b)
seja capaz de gerar significativo impacto regional ou
nacional. Significativo é um conceito a ser preenchido
casuisticamente e que, por excepcional, precisa ser
demonstrado pelo órgão federal ao reivindicar a atividade.
4.2.1.2. Localização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental
Tem sido uma prática administrativa muito comum a exigência
de apresentação pelo empreendedor de Estudo Prévio de Impacto
Ambiental antes da concessão da Licença Prévia - LP, o que
implica investimentos significativos antes da existência de um
planejamento mais consistente da atividade, Em que ponto do
licenciamento ambiental deve o EIA ser exigido? A Constituição
Federal, em seu artigo 225, §19, IV, estabelece que incumbe ao
Poder Público exigir, na forma da lei, “para a instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade. ”
Do ponto de vista constitucional, a questão se divide em
três aspectos relevantes: (i) o poder público deve estabelecer
o conceito de obra ou instalação capaz de causar significativa
degradação ambiental; (ii) verificar se o empreendimento em
questão é potencialmente capaz de produzir a significativa
degradação ambiental, e (iii) se presente a segunda condição,
cabe exigir do empreendedor a apresentação de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental.
A norma constitucional é clara e não admite outra
interpretação: os estudos de impacto ambiental devem ser
exigidos antes da instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental. A Constituição não exige, e nem é o seu papel, que
o EIA seja apresentado logo no início do processo de
licenciamento ambiental, ou seja, antes mesmo da concessão de
Licença Prévia (LP).
A Lei Federal n9 6.938/81, em seu artigo 9S, estabelece os
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e,
expressamente, dá ao licenciamento ambiental a condição de seu
instrumento, conforme a redação do inciso IV.46
No artigo 10 da mesma lei, está determinado que atividades
capazes de causar significativa degradação ambiental devem ser
submetidas a prévio licenciamento pelo órgão estadual
competente. Tal licenciamento é realizado de acordo com as
diferentes fases de implementação dos projetos, motivo pelo
que se subdivide em etapas bastante precisas e sucessivas,
cada qual com as suas exigências próprias.
Decorre daí que o Decreto Federal n9 99.274/90, ao
regulamentar a Lei n9 6.938/81, estabeleceu uma tripartição do
licenciamento ambiental que se faz mediante a concessão de
três licenças distintas que são outorgadas de acordo com as
diferentes etapas de planejamento da atividade pretendida. De
fato, dispõe o artigo 19 do Decreto Federal 99.274/90:
46 Art 9a - São Instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente: ...IV - o licenciamento e a revisão de atividades
efetiva ou potencialmente polmdoras.
C53J ■ tnsmo aupenor vmm jun®co
Poder de Polícia Ambiental
Art. 19-0 Poder Público, no exercício de sua competência de
controle, expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia - LP, na fase preliminar do planejamento
da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos
nas fases de localização, instalação e operação, observados os
planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;
II - Licença de Instalação - LI, autorizando o início da
implantação, de acordo com as especificações constantes do
Projeto Executivo aprovado; e
ni - Licença de Operação - LO, autorizando, após as
verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o
funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de
acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.
Pela norma regulamentadora (Decreto 99.274/90), a Licença
Prévia corresponde à fase preliminar, momento em que ainda não
existem elementds suficientes para a realização do EIA. dentre
os quais, por exemplo, o Projeto Básico do empreendimento a
ser desenvolvido e, muito menos, existe uma relação de estudos
requeridos pelos órgãos técnicos tais como sondagens,
levantamentos de solo, água, flora e fauna e tantos outros.
Em nível procedimental, a Resolução CONAMA n9 01/86 define
as hipóteses exemplificativas nas quais o estudo prévio de
impacto ambiental é exigível e, no que tange ao licenciamento
ambiental propriamente dito, é determinado que: os órgãos
ambientais devem compatibilizar os processos de licenciamento
com as etapas de planejamento e implantação das atividades
modificadoras do meio ambien- te (artigo 4a). Veja-se, ademais,
que o artigo 9S da Resolução Conama 001/8647 determina que o
ELA deve analisar o projeto que, como se sabe, só é plenamente
definido após a concessão da LP. Mesmo a Resolução Conama 237,
de 19 de novembro de 1997, que deu tratamento mais completo ao
licenciamento ambiental - aplicável aos órgãos federais ou aos
Estados e Municípios que não tenham tratado do tema em normas
próprias — não alterou as condições básicas acima descritas e,
nem poderia, haja vista que não lhe caberia contrariar a
Constituição ou a lei, ou mesmo o decreto presidencial.
Com efeito, o artigo 10 da Resolução Conama 237/97 determina
que: “Art. 10 O procedimento de licenciamento ambiental
obedecerá às seguintes etapas: I - definição pelo órgão
ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos
documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao
início do processo de licenciamento correspondente à licença a
ser requerida; II ~ requerimento da licença
47 Artigo 9a - O relatório de impacto ambiental - RIMA
refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e
conterá, no mínimo: ...II ~ A descrição do projeto e suas
alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para
cada um deles» nas fases de construção e operação a área de
influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de
energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis
efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos
diretos e indiretos a serem gerados.
Direito Ambiental
ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos,
projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida
publicidade; III - análise pelo órgão ambiental competente,
integrante do SISNAMA, dos documentos, projetos e estudos
ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas,
quando necessárias; IV - solicitação de esclarecimentos e
complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do
SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos
documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando
couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso
os esclarecimentos e complementações não tenham sido
satisfatórios; V - audiência pública, quando couber, de acordo
com a regulamentação pertinente; VI - solicitação de
esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber,
podendo haver reiteração da solicitação quando os
esclarecimentos e complementações não tenham sido
satisfatórios; VII - emissão dé parecer técnico conclusivo e,
quando couber, parecer jurídico; VIII - deferimento ou indefe-
rimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade. §
le No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar,
obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal,
declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade
estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e
ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para
supressão de vegetação e a outorga para o uso da água,
emitidas pelos órgãos competentes. § 29 No caso de
empreendimentos e atividades sujeitos ao estudo de impacto
ambiental - EIA, se verificada a necessidade de nova
complementação em decorrência de esclarecimentos já prestados,
conforme incisos IV e VI, o órgão ambiental competente,
mediante decisão motivada e com a participação do
empreendedor, poderá formular novo pedido de complementação.”
Como se viu, o Conselho Nacional do Meio Ambiente — CONAMA,
na Resolução 237, estabeleceu, apenas, que o processo de
licenciamento ambiental deverá contemplar determinadas etapas
que deverão ser condizentes com o planejamento do projeto a
ser implantado. Logo, não há qualquer exigência no sentido de
que o EIA deva anteceder a LP. Ele deve ser anterior à
implantação do projeto ou atividade.
4.3. O licenciamento Federal
O licenciamento ambiental federal é efetivado perante o
IBAMA e vem crescendo de importância gradativamente. Com
efeito, dentre as atividades submetidas ao licenciamento pelo
órgão federal, podem ser destacadas as seguintes: Usinas
Hidrelétricas, Pequenas Centrais Hidrelétricas, Mineração,
Linhas de Transmissão, Usinas Termelétricas, Ferrovias,
Rodovias, Hidrovias, Pontes, Portos, Dragagens, Dutos,
Empreendimentos Militares, Exploração de Calcáreo Marinho,
Nuclear. Com exceção daquelas atividades que, por lei, estão
claramente definidas como incluídas a competência federal para
licenciamento, não é simples a identificação do órgão
competente para o processo de concessão de licença. Vários
critérios têm sido tentados. Contudo, as contradições
legislativas são de tal ordem que a norma é a imprecisão: "As
próprias normas são contraditórias. Algumas utilizam a
localização do
Poder de Polícia Ambiental
empreendimento ou da atividade como critério para definir a
competência. Outras, a abrangência de seu impacto. A Resolução
Conama 237/97 utiliza vários critérios, ao mesmo tempo”.48
A CF de 1988 adotou o modelo do chamado federalismo
cooperativo, deixando claro que os diferentes integrantes da
federação, embora autônomos, devem partilhar responsabilidades
em relação à condução das questões referentes à proteção do
meio ambiente. Tais responsabilidades vão desde a competência
legislativa até a competência de implementação ou de
execução.49 Contudo, há que se observar que, ainda que este
tenha sido um comando do Constituinte originário ao
legislador, tanto o complementar quanto o originário, o
Legislador, contudo, não observou o determinado pelo autor do
pacto fundante.
Em nível constitucional, o licenciamento ambiental - parcela
poder de polícia administrativo-ambiental - é tratado como
matéria de competência comum dos entes da federação,
disciplinada pelo artigo 23, inciso VI, da CF. O licenciamento
ambiental é atividade administrativa com caráter
essencialmente tutelar e, assim, compreende-se no âmbito de
competência de implementação, e portanto na chamada
competência comum e como tal exercida pelos três níveis
federativos. A PNMA, insculpida na Lei ns 6.938, de 31 de
agosto de 1981, ainda que elaborada em regime Constitucional
diverso, busca dar organicidade ao relacionamento político
institucional entre os diferentes entes políticos federados,
articulando-os em um regime institucional de colaboração
recíproca com a formulação de um modelo institucional capaz de
integrá-los com vistas a racionalizar esforços, poupar
recursos e aumentar a eficiência da proteção ao meio ambiente,
mediante a adoção de ações descentralizadas. Em princípio, do
ponto de vista administrativo, tal articulação se encontra
perfeitamente compatível com os princípios presentes no caput
do artigo 37 da CF,50 no que se refere à eficiência
administrativa.
É com vistas a alcançar a eficiência que a Lei n9 6.938/81,
em seu artigo 10, definiu uma repartição de competências
ambientais para o licenciamento. Foi adotada como critério
geral a fixação da competência dos estados para o licen-
ciamento ambiental. É verdade que a lei admite que o IBAMA
possa exercer o licenciamento ambiental em caráter supletivo,
ou seja, excepcionalmente, condição na qual deve ser
compreendido o licenciamento de caráter nacional ou regional.
A “estadualizaçao” do licenciamento ambiental corresponde à
salutar medida de descentralização administrativa e de
consequente economia de recursos públicos e privados.
Importante observar que a manutenção do caráter de
“estadualização” do licenciamento ambiental é reforçada pela
Resolução nQ 237, de 19 de dezembro de 1997,
48 Curt Trermenpohl e Terence Trennenpohl, Licenciamento
Ambiental, Niterói: Editora Impetus, 2007, p. 14.
49 Edis Milaré. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 541.
50 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:” (grifei)
Direito Ambientai
do CONAMA, que estabeleceu a ampla delegabilidade do
Licenciamento de âmbito regional, conforme o disposto no § 2a
do artigo 42 da mencionada Resolução.51 Assim, mesmo os casos
nos quais o licenciamento seja de empreendimentos de caráter
regional, não há qualquer obstáculo para a sua realização pelo
órgão estadual, ou pelos órgãos estaduais, conforme a
hipótese.
Como se observa, trataram referidos diplomas sobre as normas
federais básicas para a uniformização do licenciamento
ambiental em todo o território nacional, referendando a
descentralização de sua outorga, que ficou entregue
fundamentalmente aos órgãos estaduais. Posteriormente, a
Constituição de 1988, recepcionando a Lei n° 6.938/81, deixou
claro que os diversos entes da Federação devem partilhar as
responsabilidades sobre a condução das questões ambientais,
tanto no que tange à competência legislativa, quanto no que
diz respeito à competência dita implementadora ou de execução
(competência administrativa).
Assim, integrando o licenciamento o âmbito da competência de
implementação, os três níveis de governo estão habilitados a
licenciar empreendimentos com impactos ambientais, cabendo,
portanto, a cada um dos entes integrantes do SISNA- MA,
promover a adequação de sua estrutura administrativa com o
objetivo de cumprir essa função, que decorre diretamente da
Constituição.
O licenciamento ambiental em nível federal52 é o Decreto ns
99.274, de 6 de junho de 1990, que vem sendo complementado por
uma grande quantidade de Portarias e outras normas
administrativas.53 O artigo 17 do decreto determina que:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas
efetiva ou potencialmente polui- doras, bem assim os
empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento dos
órgãos estaduais que integrem o SISNAMA.
51 Art. 4* Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do
SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo
10 da Lei nB 6.938, de 31 de agosto de 1981, de
empreendimentos e atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:... II -
localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III -
cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites
territoriais do País ou de um ou mais Estados;... § l2 O
IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após
considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais
dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou
empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos
demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de
licenciamento. §2aO IBAMA, ressalvada sua competência
supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de
atividade com significativo impacto ambiental de âmbito
regional, uniformizando, quando possível, as exigências.”
52 Cada Estado da federação é dotado de autonomia política
para a fixação de seu sistema de licenciamento ambiental
próprio.
53 Http://www.ibama.gov.br/licenciamento/, capturado aos
07/02/2008.
Poder de Polícia Arabiental
O agente licenciador típico das atividades potencialmente
causadoras de degradação ambiental é o órgão estadual
integrante do SISNAMA- Não obstante a competência dos órgãos
estaduais, compete ao CONAMA e ao Poder Público Federal a
fixação dos critérios gerais a serem adotados para o
licenciamento de atividades utilizadoras de recursos
ambientais e potencialmente poluidoras. Usualmente, tem sido
entendido que tais critérios gerais poderão ser modificados
pelos Estados, desde que os padrões estaduais impliquem maior
proteção ao meio ambiente. Este é um ponto que na minha
opinião demanda um maior aprofundamento e análise crítica. Um
padrão não tem existência em si mesmo. Ao contrário, ele
existe com a finalidade de garantir um nível de qualidade
ambiental. Penso que, em função de diferentes níveis de
concentração urbana, capacidade de dispersão atmosférica,
capacidade de diluição de corpos hídricos e outros fatores, os
Estados de forma fundamentada tecnicamente poderiam
estabelecer padrões adequados às suas necessidades e que, não
necessariamente, fossem mais restritivos que os federais.
O CONAMA deverá fixar os critérios básicos a serem
empregados para fins de licenciamento, nos quais
necessariamente deverão estar incluídos:
a) o diagnóstico ambiental;
b) descrição da ação proposta e suas alternativas;
c) identificação, análise e previsão dos impactos
significativos, positivos e negativos.54
O IBAMA exerce funções de caráter supletivo na atividade de
licenciamento ambiental e na consequente fiscalização do
efetivo cumprimento dos termos nos quais foi concedida a
licença; isto porque o licenciamento é fundamentalmente
desempenhado pelos órgãos estaduais integrantes do SISNAMA.
Por atividade supletiva, não se deve entender uma atividade
exercida em substituição daquela desempenhada pelo órgão
estadual de controle ambiental. A atividade supletiva limita-
se a atender aspectos secundários do processo de
licenciamento. Entende-se, igualmente, como atividade
supletiva a atividade complementar ao processo de
licenciamento. Não pode, contudo, o órgão federal “discordar”
da licença concedida pelo órgão estadual e, na vigência desta,
embargar obras etc. Isto somente pode ocorrer, em tese, se o
órgão federal demonstrar que a licença estadual está eivada de
vício. A observância deste parâmetro de atribuição admi-
nistrativa é fundamental para que o SISNAMA possa, de fato,
existir. Se se admitisse que os órgãos públicos de diferentes
esferas federativas pudessem, a seu talante, embargar,
paralisar e contestar atividades que se encontram autorizadas
regularmente pelos demais integrantes do SISNAMA, no uso
normal e legal de suas atribuições, o sistema se tomaria
completamente inviável.: Aliás, a própria
54 Os estudos de impacto ambiental serão examinados em
capítulo próprio e com detalhes.
Direito Ambiental
criação do SISNAMA tem por finalidade última a organização de
atribuições diferenciadas e a descentralização administrativa
de forma cooperativa e harmônica. Desejo ressaltar que,
evidentemente, no uso da competência administrativa residual
de cada um dos integrantes do SISNAMA, é plenamente possível
que sejam necessárias licenças diversas e que a concessão de
uma delas, por si só, não seja suficiente para autorizar
determinado empreendimento. Nesta hipótese, é possível a
oposição de embargos administrativos a empreendimentos que não
possuam todas as licenças necessárias.
0 procedimento padrão de licenciamento ambiental compreende
a concessão de duas licenças preliminares e a licença final
que o encerra. Essas licenças são:
1 - Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento
da atividade,
contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de
localização, instalação e operação, observados os planos
municipais, estaduais ou federais do uso do solo.
II ~ Licença de Instalação (LI), autorizando o início da
implantação, de
acordo com as especificações constantes do projeto executivo
aprovado.
III - Licença de Operação (LO), autorizando, após as
verificações necessárias,
o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus
equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto
nas licenças prévia e de instalação.
Penso que não existe uma obrigação para que as licenças
sejam concedidas em sequência. Muitas vezes, não há a
necessidade concreta de que uma ou outra licença seja
concedida. Nem sempre há a necessidade de uma LP, por exemplo.
Em diversas hipóteses, serão necessárias outras licenças
diferentes.
4.3.1. Responsabilidade pela emissão das licenças
ambientais
A grande polêmica relacionada à concessão de licenças
ambientais que, seguidamente, tem acarretado o ajuizamento das
mais diversas ações judiciais em face de servidores dos órgãos
ambientais implicou a elaboração da Lei ne 11.516, de 28 de
agosto de 2007, que em seu artigo estabelece que “A
responsabilidade técnica, administrativa e judicial sobre o
conteúdo de parecer técnico conclusivo visando à emissão de
licença ambiental prévia por parte do Ibama será exclusiva de
órgão colegia- do do referido Instituto, estabelecido em
regulamento.” Com isto, o legislador buscou afastar a
responsabilidade individual do servidor público e diluí-la
entre os diferentes membros do colegiado que emitiram o
parecer técnico que deu embasamento à emissão da licença
ambiental. A medida responde a uma situação de fato na qual os
órgãos administrativos chegaram a quase paralisação no que diz
respeito à emissão de licenças, tendo em vista o potencial
“risco” para os funcionários que as assinassem.
Poder de Policia Ambiental
Organograma55 do licenciamento Federal
Legenda: Coordenação Geral de Infraestrutura de Energia
Elétrica - CGENE; Coordenação de Energia Hidrelétrica e
Transposições - COHID; Coordenação de Energia Elétrica,
Nuclear e Dutos - COEND; Coordenação Geral de Transporte,
Mineração e Obras Civis - CGTMO; Coordenação de Transporte -
COTRA; Coordenação de Mineração e Obras Civis - COMOC;
Coordenação Geral de Petróleo e Gás - CGPEG. Coordenação de
Exploração de Petróleo e Gás - COEXP; Coordenação de Produção
de Petróleo e Gás - CPROD.
4.3.2. O Sistema Estabelecido pela Resolução n2 237, de 19
de Dezembro de 1997
As grandes dificuldades existentes no processo de
licenciamento ambiental, decorrentes, em grande parte, de uma
incompreensão da Lei ns 6.938/81, acarretaram que, muitas
vezes, fossem exigidas dos empreendedores diferentes licenças
ambientais. Tal situação, evidentemente, não poderia
prosseguir, em razão dos seus elevados custos e de sua
irracionalidade latente. O CONAMA, acertadamente, tentou
enfrentar a questão. Infelizmente, a solução dada ao problema
não foi a mais adequada, como se demonstrará.
De fato, nos termos do artigo 10 da Lei n9 6.938/81, cabe
aos Estados o licenciamento ambiental; a União, através do
IBAMA, limita-se a exercer competência supletiva. A Resolução
CONAMA ns 237, de 19 de dezembro de 1997, sem qualquer base
legal, estabeleceu, em seu artigo 4a, que: Compete ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
- IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental
a que se refere o artigo 1(P6 da Lei n9 6.938,
55 Http://www.ibama.gov.br/licen.ciamento/index.php, capturado
aos 25.09.2007.
56 Lei n® 6.938/81, Art, 10. A construção, instalação,
ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento por órgão estadual competente, integrante do
SISNAMA — SISNAMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter
supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
Direito Ambiencal
de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com
signiãcativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional,
a saber:
I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e
em país limítro
fe, no mar territorial, na plataforma continental, na zona
econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de
conservação do domínio da União;
II - licenciadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os
limites do País ou de um
ou mais Estados;
IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar,
transportar, armaze
nar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que
utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e
aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia
Nuclear - CNEN;
V - bases ou empreendimentos militares, quando couber,
observada a legisla-
ção específica.
A mesma Resolução, ilegalmente, invadiu a competência
exclusiva dos Estados no que diz respeito ao licenciamento
ambiental, ao lhes retirar atribuições e delegá- las aos
Municípios (arts. 5S e 6e). Curioso foi que a atribuição de
licenciamento ambiental aos “entes federados” ficou
condicionada à existência de Conselhos de Meio Ambiente, com
caráter deliberativo e participação social e, ainda, que eles
possuam profissionais habilitados (art. 20). O CONAMA, no
particular, logrou se superar: ou os Estados e Municípios
possuem competência para licenciar em termos ambientais -
competência outorgada pela CF - ou não possuem.
O artigo 5e definiu que:
Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o
licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou
em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito
Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais
formas de vegetação natural ou de preservação permanente
relacionadas no artigo 2Q da Lei n3 4.771, de 15 de setembro de
1965, e em todas que assim forem consideradas por normas
federais, estaduais ou mimicipais;
III-cujos impactos ambientais ultrapassem os limites
territoriais de um ou mais Municípios;
IV — delegados pela União aos Estados ou ao Distrito
Federal, por instrumento legal ou convênio.
Para os órgãos ambientais municipais, foi estabelecida a
competência para o licenciamento ambiental dos empreendimentos
e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhes
forem delegadas por instrumento próprio.
e&tíJ - fcnstno Superior Sureau M&a
Poder de Polícia Ambiental
4.3.2.I. Itinerário para o Licenciamento
A Resolução n9 237/97 estabeleceu um roteiro mínimo a ser
observado nos processos de licenciamento ambiental, roteiro
este composto por oito etapas:
I - Definição pelo órgão ambiental, com a participação do
empreendedor,
dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários para
o começo do processo de licenciamento.
II — Requerimento da licença ambiental, acompanhado da
documentação
definida no item I — deve ser dada publicidade ao requerimento
de licença.
III - Análise pelo órgão ambiental.
IV — Possibilidade de formulação de pedidos de
esclarecimentos pelo órgão
ambiental - uma única vez, podendo haver renovação caso os
esclarecimentos não sejam satisfatórios.
V - Audiência pública, se for o caso.
VI - Novos esclarecimentos ao órgão ambiental se, da
audiência pública, sur
gir a necessidade.
VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, se for o
caso, parecer jurídico.
VIII- Deferimento ou indeferimento do pedido, com a devida
publicidade.
Uma medida extremamente importante foi a definida no § l2 do
artigo 10, que determina que os requerimentos de licenças
ambientais devem vir instruídos com certidão emitida pelo
Poder Público municipal, demonstrando que o empreendimento
encontra-se em conformidade com o zoneamento municipal. Evita-
se, assim, que os órgãos ambientais utilizem uma prática
condenável, que é a de se sobrepor às prefeituras quanto ao
uso do solo, que é atribuição exclusiva dos Municípios. Merece
aplauso o artigo 14 da Resolução nQ 237/97, ao definir prazo
para a tramitação dos processos de licenciamento ambiental,
evitando-se, desta forma, os processos ,que nunca chegavam ao
fim. Estabeleceu-se, também, a prorrogação automática das
licenças quando estas não forem renovadas no prazo
regulamentar, por culpa exclusiva da administração (art. 18, §
4a).
Quanto ao mais, foram mantidos os instrumentos e institutos
anteriormente vigentes.
4.3.3. Licenciamento de Petróleo
O regime jurídico da exploração de petróleo no Brasil foi
extremamente modificado com a quebra do monopólio do petróleo,
do qual era titular a empresa Petróleo Brasileiro S/A —
PETROBRÁS. Com as modificações constitucionais e legais, que
permitiram o ingresso de diversas outras companhias no negócio
do petróleo, existe uma expectativa bastante justificada de
que todo o ciclo da atividade seja fortemente ampliado. Este
fato será mais verdadeiro no Estado do Rio de Janeiro, que
■BBS Direito Ambiental
ostenta a marca de responsável por cerca de setenta e cinco
por cento de toda a produção nacional de petróleo e gás
natural. Sem pretender adotar uma postura catas- trofista,
não se pode deixar de constatar que, potencialmente, o risco
de acidentes ambientais é muito maior no novo cenário que se
inaugura, pois teremos muitos atores novos, com interesses
contraditórios, muito novos pontos de exploração etc. A
legislação brasileira sobre o particular ainda é muito
incipiente e incapaz de responder aos enormes desafios que
se começam a apresentar. Sem pretender esgotar a matéria,
passo a fazer uma breve análise da legislação brasileira
sobre o licenciamento ambiental do petróleo, em especial da
fase de prospecção.
A Lei nQ 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a
política energética nacional, as atividades relativas ao
monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de
Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá
outras providências, e em seu artigo ls, IV, determina que:
Art. I9 As políticas nacionais para o aproveitamento racional
das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: (...)
IV - proteger o meio ambiente e promover a conservação de
energia (...). Os objetivos gerais da política nacional de
petróleo têm, na Agência Nacional de Petróleo - ANP, o seu
principal garante. E importante observar, também, que a ANP
não é estranha às responsabilidades ambientais decorrentes do
negócio do petróleo. Assim é que o artigo 89, IX, da Lei ne
9.478/97, determina, in verbis: “Art. 82 A ANP terá como
finalidade promover a regulação, a contratação e a
fiscalização das atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo, cabendo-lhe: (...) IX - fazer cumpriras
boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, dos
derivados e do gás natural e de preservação do meio
ambiente...” Nos termos da lei retromencionada, não há dúvida
de que a ANP é dotada de competências ambientais específicas
quanto à atividade do setor petrolífero e de gás natural.
Penso que, no caso concreto, caso não exista uma coordenação
muito clara e precisa entre o CONAMA e a ANP, poderemos, em
breve tempo, estar diante de conflitos interadministrativos
muito sérios e relevantes para o meio ambiente.57
Uma característica bastante interessante é que a legislação
que instituiu a ANP admite que os próprios contratos de
concessão estabeleçam obrigações de natureza ambiental para
serem cumpridas pelas concessionárias, conforme determinado
pelo artigo 44,1:
Art. 44. O contrato estabelecerá que o concessionário estará
obrigado a:
I — adotar, em todas as suas operações, as medidas
necessárias para a conservação dos reservatórios e de outros
recursos naturais, para a segurança das pessoas e dos
equipamentos e para a proteção do meio ambiente...
57 Decreto-Lei n® 4.657, de 4/9/1942 (Lei de Introdução ao CC
Brasileiro), Art. 2S Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue. § I® A lei posterior revoga a ante- rior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei
anterior.
Poder de Polícia Ambiental
O CONAMA buscou dar tratamento normativo à exploração de
petróleo mediante a edição da Resolução ne 23, de 7 de dezembro
de 1994, que regulamenta a atividade que denominou como
EXPROPER (Exploração, Perfuração e Produção de Petróleo e Gás
Natural). O CONAMA, pela resolução citada, instituiu um
conjunto de procedimentos específicos para o licenciamento das
atividades relacionadas à exploração e lavra de jazidas de
combustíveis líquidos e gás natural.
O artigo 29 considera atividade de exploração e lavra de
jazidas de combustíveis líquidos e gás natural:
i) a perfuração de poços para identificação das jazidas e suas
extensões;
ii) a produção para pesquisa sobre a viabilidade econômica;
iii) a produção efetiva para fins comerciais.
Nas hipóteses em que a atividade de EXPROPER se realize em
terras indígenas, deverá ser ouvida a autoridade indigenista.
0 licenciamento de EXPROPER possui características próprias
e é assim definido:
1 — Licença Prévia para Perfuração — LPper, autorizando a
atividade de perfu
ração e apresentando, o empreendedor, para a concessão deste
ato, Relatório de Controle Ambiental — RCA das atividades e a
delimitação da área de atuação pretendida;
ii - Licença Prévia de Produção para Pesquisa - LPpro,
autorizando a produ
ção para pesquisa da viabilidade econômica da jazida,
apresentando, o empreendedor, para a concessão deste ato, o
Estudo de Viabilidade Ambiental — EVA;
iii - Licença de Instalação — LI, autorizando, após a
aprovação do EIA ou RAA e
contemplando outros estudos ambientais existentes na área de
interesse, a instalação das unidades e sistemas necessários à
produção e ao escoamento;
iv - Licença de Operação - LO, autorizando, após a aprovação
do Projeto de
Controle Ambiental — PCA, o início da operação do
empreendimento ou das unidades, instalações e sistemas
integrantes da atividade, na área de interesse.
0 procedimento de licenciamento é feito mediante a
utilização dos seguintes instrumentos:
1 — Estudo de Impacto Ambiental — EIA e respectivo RIMA, de
acordo com as
diretrizes gerais fixadas pela Resolução/CONAMA/n® 001, de 23
de janei
ro de 1986;
ii — Relatório de Controle Ambiental — RCA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo a descrição da atividade de perfuração, riscos
ambientais, iden
tificação dos impactos e medidas mitigadoras;
170
Direito Ambiental
iii - Estudo de Viabilidade Ambiental - EVA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo plano de desenvolvimento da produção para a pesquisa
pretendida, com avaliação ambiental e indicação das medidas de
controle a serem adotadas;
iv - Relatório de Avaliação Ambiental - RAA, elaborado pelo
empreendedor,
contendo diagnóstico ambiental da área onde já se encontra
implantada a atividade, descrição dos novos empreendimentos ou
ampliações, identificação e avaliação do impacto ambiental e
medidas mitigadoras a serem adotadas, considerando a
introdução de outros empreendimentos;
v - Projeto de Controle Ambiental - PCA, elaborado pelo
empreendedor, con
tendo os projetos executivos de minrmização dos impactos
ambientais avaliados nas fases da LPper, LPpro e II, com seus
respectivos documentos.
Para a perfuração, são necessárias as seguintes licenças:
I - Licença Prévia para Perfuração ~ LPper, que deverá ser
instruída com os
seguintes documentos: (i) Requerimento de Licença Prévia para
Perfuração - LPper; (ii) Relatório de Controle Ambiental —
RCA; (iii) autorização de desmatamento, quando couber,
expedida pelo IBAMA; (v) Cópia da publicação do pedido de
LPper.
II - Licença Prévia de Produção para Pesquisa — LPpro, que
deverá ser instruí
da com os seguintes documentos: (i) Requerimento de licença
Prévia de Produção para Pesquisa - LPpro; (ii) Estudo de
Viabilidade Ambiental — EVA; (iii) autorização de
desmatamento, quando couber, expedida pelo IBAMA; (iv) cópia
da publicação do pedido de LPpro.
III - Licença de Instalação - LI, que deverá ser instruída
com os seguintes do
cumentos: (i) Requerimento de Licença de Instalação — LI; (ii)
Relatório de Avaliação Ambiental - RAA ou Estudo de Impacto
Ambiental - EIA;
(iii) outros estudos ambientais pertinentes, se houver
necessidade; (iv) autorização de desmatamento, quando couber,
expedida pelo IBAMA; (v) cópia da publicação de pedido de LI.
IV - Licença de Operação - LO: (i) Requerimento de Licença
de Operação -
LO; (ii) Projeto de Controle Ambiental - PCA; (iii) cópia da
publicação de pedido de LO.
4.3.4. Licenciamento Ambiental para Empreendimentos
Elétricos de Pequeno Porte
4.3.4.1. Introdução
Conforme se sabe, o licenciamento ambiental é o instrumento
mais importante para a aplicação do princípio da prevenção de
danos ambientais, pois é por seu intermédio que as autoridades
públicas responsáveis pela proteção ambiental podem,
Poder de Polícia Ambiental
efetivamente, adotar medidas capazes de evitar danos
ambientais ou mitigá-los. O licenciamento ambiental é um ato
administrativo complexo no qual intervêm diferentes
autoridades, associações, empreendedores etc.
O licenciamento ambiental, por diversos motivos, perdeu o
seu caráter de análise profunda das diferentes implicações
ecológicas, sociais e econômicas de um determinado projeto
para se transformar em um procedimento quase sempre buro-
crático, lento e incapaz de atender às necessidades da
sociedade que necessita de proteção ambiental e de atividades
econômicas. A crise de energia que se abateu sobre o país no
ano 2000 teve uma repercussão imediata no licenciamento
ambiental, pois a necessidade premente de novas fontes
geradoras de energia levou a uma série de investimentos em
usinas termelétricas e hidrelétricas de pequeno porte que, por
seu curto espaço de tempo para construção, desempenham um
importante papel na rápida criação de alternativas viáveis. A
Resolução CONAMA ne 279, de 27 de junho de 2001, é,
infelizmente, o reconhecimento cabal de que o modelo de
licenciamento ambiental atualmente vigente encontra-se
profundamente desgastado e não consegue cumprir com as suas
finalidades e objetivos básicos, basta que se observe o con-
junto de consideranda que inauguram a mencionada Resolução.58
4.3.4.2. Campo de Incidência da Resolução CONAMA n9 279, de 27
de Junho de 2001
A Resolução CONAMA n9 279, de 27 de junho de 2001, aplica-se
ao licenciamento ambiental simplificado de empreendimentos
elétricos, com pequeno potencial de impacto ambiental, dentre
os quais a Resolução destaca:
58 Considerando a necessidade de estabelecer procedimento
simplificado para o licenciamento ambiental, com prazo
máximo de sessenta dias de tramitação, dos empreendimentos
com impacto ambiental de pequeno porte, necessários ao
incremento da oferta de energia elétrica no País, nos termos
do Art, 8>, § da Medida Provisória ifi 2.152-2, de P de
junho de 2001; Considerando a crise de energia elétrica e a
necessidade de atender a celeridade estabelecida pela Medida
Provisória ifi 2.152-2, de P de junho de 2001; Considerando
a dificuldade de defínir-se, a priori, impacto ambiental de
pequeno porte, antes da análise dos estudos ambientais que
subsidiam o processo de licenciamento ambiental e, tendo em
vista as diversidades e peculiaridades regionais, bem como
as complexidades de avaliação dos efeitos sobre o meio
ambiente decorrentes da implantação de projetos de energia
elétrica; Considerando as situações de restrição, previstas
em leis e regulamentos, tais como unidades de conservação de
uso in direto, terras indígenas, questões de saúde pública,
espécies ameaçadas de extinção, sítios de ocorrência de
patrimônio histórico e arqueológico, entre outras, e a
necessidade de cumprimento das exigências que regulamentam
outras atividades correlatas com o processo de licenciamento
ambiental; Considerando os dispositivos constitucionais, em
especial o Artigo 225, relativos à garantia de um ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as gerações futuras;
Considerando os princípios da eficiência, publicidade,
participação e precaução; Considerando que os procedimentos
de licenciamento ambiental atuais são estabelecidos nas
Resoluções CONAMA n*s 001, de 23 de janeiro de 1986, e 237,
de 19 de dezembro de 1997, e, para empreendimentos do setor
elétrico, de forma complementar, na Resolução CONAMA rfi
006, de 16 de setembro de 1987, resolve:...
BB
raBfflggj
O artigo l9 da Resolução repete uma velha prática do CONAMA,
que é a de estabelecer normas sobre matéria para as quais ele
não possui competência constitucional ou legal. Tanto é assim
que no artigo consta: os procedimentos e prazos estabelecidos
nesta Resolução aplicam-se em qualquer nível de competência. E
evidente que o CONAMA é completamente destituído de atribuição
legal para dispor sobre questões que dizem respeito,
diretamente, às autonomias constitucionais de Estados e
Municípios, tal como definidas59 nos artigos l9 e 18 da CF. De
fato, normas meramente instrumentais, como a fixação de
procedimentos e prazos, são da mais elementar economia interna
dos Estados e Municípios.
43.4.3. Glossário da Resolução
A Resolução adotou os seguintes conceitos:
(i) Relatório Ambiental Simplificado - RAS: os estudos
relativos aos aspectos ambientais relacionados à
localização, instalação, operação e ampliação de iima
atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para
a concessão da licença prévia requerida, que conterá, dentre
outras, as informações relativas ao diagnóstico ambiental da
região de inserção do empreendimento, sua caracterização, a
identificação dos impactos ambientais e das medidas de
controle, de mitigação e de compensação.
(ii) Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais: é o
documento que apresenta, detalhadamente, todas as medidas
mitigatórias e compensatórias e os programas ambientais
propostos no RAS.
(iii) Reunião Técnica Informativa: Reunião promovida pelo
órgão ambiental competente, às expensas do empreendedor,
para apresentação e discussão do Relatório Ambiental
Simplificado, Relatório de Detalhamento dos Programas
Ambientais e demais informações, garantidas a consulta e
participação pública.
(iv) Sistemas Associados aos Empreendimentos Elétricos:
sistemas elétricos, pequenos ramais de gasodutos e outras
obras de infraestrutura comprovada- mente necessárias à
implantação e operação dos empreendimentos.
Direito Ambiental
(i) sistemas de transmissão de energia elétrica (linhas de
transmissão e subestações);
(ii) usinas eólicas e outras fontes alternativas de energia.
59 CF, Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos (...) Art. 18. A organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil compreende
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.
\
Poder de Polícia Ambiental I
O Relatório Ambiental Simplificado, em minha opinião, não é
uma contrafação do Estudo de Impacto Ambiental, pois, nos
termos da CF, o Estudo de Impacto Ambiental somente é exigível
para a instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente.60 É
óbvio que cabe aos órgãos ambientais definir aquilo que se
deve ter como, em tese, efetiva ou potencialmente causador de
significativa degradação do meio ambiente. Este, aliás, é um
critério que tem sido adotado desde a Resolução n2 001/86 do
CONAMA. Em verdade, a CF, no artigo 225, § l2, IV, pretendeu
estabelecer a necessidade de avaliação de impacto ambiental.
Esta é uma categoria ampla que contempla o estudo de impacto
ambiental.
Ora, se houve a definição de empreendimentos com pequeno
impacto ambiental, não há qualquer obrigatoriedade legal para
que tais empreendimentos sejam precedidos de estudo de impacto
ambiental, pois não caracterizada a efetiva ou potencial
signáficãtivâ degradação do meio ambiente. Não resta dúvida,
no entanto, de que uma declaração judicial poderá reconhecer a
existência dos requisitos constitucionais aptos a tomarem
exigível o estudo de impacto ambiental. O RAS parece-me,
portanto, perfeitamente legal e constitucional.
Deve ser levado em consideração, ademais, que cabe ao órgão
ambiental fazer o enquadramento da atividade pretendida dentro
dos parâmetros da Resolução n2 279/2001. O empreendedor limita-
se a solicitar o enquadramento. Caso este não seja concedido
pelo órgão ambiental, o licenciamento seguirá os procedimentos
gerais e, considerando-se que a atividade é efetiva ou
potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental, exigível o Estudo de Impacto Ambiental.61
43.4A. Procedimentos
O requerimento de Licença Prévia deve ser instruído com o
Relatório Ambiental Simplificado, que deverá atender, pelo
menos, ao conteúdo do Anexo I da Resolução,62 assim como o
registro na Agência Nacional de Energia - ANEEL, quando
60Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. § P Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)
IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade.
61 A«. 4® O órgão ambiental competente deõnirá, com base no
Relatório Ambiental Simplificado, o enquadramento do
empreendimento elétrico no procedimento de licenciamento
ambiental simpliScado, mediante decisão fundamentada em
parecer técnico. § Ia Os empreendimentos que, após análise
do órgão ambiental competente, não atenderem ao disposto no
caput Gearão sujeitos ao licenciamento não simpliScado, na
forma da legislação vigente, o que será comunicado, no prazo
de até dez dias úteis, ao empreendedor. § 2* Os estudos e
documentos juntados ao RAS poderão ser utilizados no Estudo
Prévio de Impacto Ambiental, com ou sem complementação, após
manifestação favorável do órgão ambiental.
62 ANEXO I-PROPOSTA DE CONTEÚDO MÍNIMO PARA O RELATÓRIO
AMBIENTAL SIMPLIFICADO. A - Descrição do Projeto. Objetivos
e justificativas, em relação e compatibilidade com as
políticas setoriais, planos e programas governamentais;
descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e
loca- cionais, considerando a hipótese de não-realização,
especificando a área de influência; B - Diagnóstico e
174
Direito Ambiental
couber, e pareceres dos órgãos envolvidos. Um elemento
importante na Resolução é que o § 1® do artigo 35 exige,
acompanhando o requerimento de LP, “a declaração de
enquadramento do empreendimento” à Resolução, firmada pelo
responsável técnico pelo RAS e pelo responsável principal do
empreendimento. Esta é uma medida importante, pois elimina
análises, muitas vezes, desnecessárias e, ao mesmo tempo,
firma a responsabilidade do empreendedor e seus prepostos. É
igualmente importante a obrigatoriedade de apresentação do
cronograma físico-financeiro a partir da Concessão da Licença
de Instalação, destacando-se a data de início das obras.
A expedição da Licença Prévia condiciona-se à apresentação,
quando couber, da outorga de direito de utilização dos
recursos hídricos ou da declaração da reserva de
disponibilidade hídrica, feitas pelo órgão competente. O
requerimento da Licença de Instalação deverá vir acompanhado
da comprovação do atendimento das condicionantes da licença
Prévia, do Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais,
e outras informações, quando couber. A Licença de Instalação
somente será expedida após a comprovação, quando couber, da
Declaração de Utilidade Pública do empreendimento.
4,3.4.5. Prazos
O prazo para emissão da Licença Prévia e da Licença de
Instalação é de até sessenta dias, contados a partir da data
em que o requerimento tenha dado entrada no órgão. Caso sejam
necessários estudos ambientais complementares, o prazo para a
entrega do Alvará de Licença é suspenso enquanto tais estudos
estiverem sendo realizados. Tal suspensão, de sessenta dias,
poderá ser prorrogada pelo órgão ambiental mediante
solicitação fundamentada do empreendedor. Caso os estudos não
sejam apresentados no prazo estipulado, o procedimento de
licenciamento é arquivado. A Resolução, em péssima técnica
redacional, usa o termo “cancelado”. Ora, só haveria
cancelamento se o protocolo fosse alterado, como se o
procedimento administrativo nunca houvesse existido, o que não
é o caso.
O § 4® do artigo 6S determina que:
“A Licença de Instalação perderá sua eficácia caso o
empreendimento não inicie sua implementação no prazo indicado
pelo empreendedor conforme cronograma apresentado, facultada
sua prorrogação pelo órgão ambiental mediante provocação
justificada. ”
Prognóstico Ambiental. Diagnóstico ambiental; Descrição dos
prováveis impactos ambientais e sócio-eco- nômicos da
implantação e operação da atividade, considerando o projeto,
suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos
impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios para sua
identificação, quantificação e interpretação; caracterização
da qualidade ambiental futura da área de influência, consi-
derando a interação dos diferentes fatores ambientais; C —
Medidas Mitigadoras e Compensatórias. Medidas mitigadoras e
compensatórias, identificando os impactos que não possam ser
evitados; recomendação quanto à alternativa mais favorável;
programa de acompanhamento, monitoramento e controle.
Poder de Polícia Ambiental
Aplica-se aos empreendimentos que já se encontravam em
licenciamento ambiental na data da publicação da Resolução e,
desde de que possam ser enquadrados nos seus pressupostos, o
licenciamento ambiental simplificado, qUando requerido pelo
empreendedor.
A licença de Operação será emitida pelo órgão ambiental
competente no prazo máximo de sessenta dias após seu
requerimento, desde que tenham sido cumpridas todas as
condicionantes da Licença de Instalação, no momento exigíveis,
ántes da entrada em operação do empreendimento, verificando-
se, inclusive, quando for o caso, por meio da realização de
testes pré-operadonais necessários, previamente autorizados.
4.3.4.6. Reunião Técnica Informativa
O artigo 8e define a possibilidade da realização de Reunião
Técnica Informativa, seja por iniciativa própria do órgão
ambiental, ou por solicitação de entidade civil, pelo
Ministério Público, ou por cinquenta pessoas maiores de
dezoito ános. Em minha opinião, a simples apresentação de
requerimento, desde que atendidas as formalidades legais,
impõe a convocação da Reunião Técnica Informativa, em até 20
(vinte) dias após a data de publicação do requerimento das
licenças pelò empreendedor. O mesmo prazo deve ser observado
para a realização da Reunião.
Na Retimão Técnica Informativa, é obrigatória a presença do
empreendedor, das equipes responsáveis pela elaboração do
Relatório Ambiental Simplificado e do Relatório de
Detalhamento dos Programas Ambientais, e de representantes do
órgão ambiental competente. Ê assegurado a qualquer cidadão o
direitò de se manifestar, por escrito, no prazo de quarenta
dias da publicação do requerimento de licença, cabendo ao
órgão ambiental juntar as manifestações ao processo de
licenciamento ambiental e considerá-las na fundamentação da
emissão da licença ambiental.
4.3.4.7. Publicidade
As publicações deverão ser feitas em Diário Oficial e em
jornal de grande circulação ou outro meio de comunicação
amplamente utilizado na região onde se pretende instalar o
empreendimento. Delas devem constar:
(i) a identificação do empreendedor,
(ii) o local de abrangência;
(iii) o tipo de empreendimento; e
(iv) o endereço e telefone do órgão ambiental competente.
Cabe ao empreendedor encaminhar cópia das publicações ao
Conselho de Meio Ambiente competente.
A divulgação por meio de rádio, quando determinada pelo
órgão ambiental competente ou a critério do empreendedor,
deverá ocorrer por, no mínimo, três vezes ao dia durante três
dias consecutivos em horário das 6:00 às 20:00 horas.
Direito Ambiental
4.3.5. Agentes Ambientais Voluntários
A Constituição brasileira, em seu artigo 225, determina que
todos têm o dever de proteger e preservar o meio ambiente, que
é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida. Esta é uma das normas mais importantes de nossa Lei
Fundamental. A própria CF criou uma série de instrumentos
capazes de assegurar ao cidadão vima ampla participação na
defesa do meio ambiente, dentre elas destaco: a ação popular,
o direito de representação aos Poderes Públicos, as audiências
públicas, a publicidade dos relatórios de impacto ambiental.
Para as associações que se dedicam à defesa do meio ambiente,
a CF outorgou-lhes legitimidade para o ajui- zamento de ações
civis públicas de responsabilidade. É um amplo leque de opções
que, se bem utilizado — e tem sido até aqui —, pode contribuir
enormemente para a defesa e conservação do meio ambiente.
O Poder Público, dentro do quadro legal da proteção
ambiental, está dotado de amplas prerrogativas para agir em
defesa dos valores do meio ambiente, embora nestas não se
incluam atribuir poder de polícia a particulares, pois a
polícia administrativa é uma função típica do Estado e
indelegável.
O comprometimento da administração pública com os seus
programas é facilmente medido pela análise da execução
orçamentária, e não pelo desrespeito à lei e à Constituição
que, não raras vezes, é feito com barretadas fáceis. Refiro-me
à Instrução Normativa ns 19, de 5 de novembro de 2001, do IBAMA
— Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis. Tal Instrução Normativa encerra um dos
maiores absurdos jurídicos já praticados por um órgão
ambiental em nosso país. O IBAMA, pela absurda IN, estabeleceu
critérios para a designação de Agentes Ambientais Voluntários
(AAV), que são os participantes de MUTIRÕES AMBIENTAIS “como
forma de ampliação das atividades de controle e fiscalização
do uso dos recursos naturais renováveis”. O artigo 39 da IN ns
19/2001 definiu as seguintes atribuições para os AAV: “Art. 3g
Compete aos Agentes Ambientais Voluntários: (i) atuarem sempre
através de MUTIRÕES AMBIENTAIS, como previsto no artigo 2? da
Resolução CONAMA n2 003, de 1988; (ii) lavrarem Autos de
Constatação circunstanciados e devidamente assinados pelos
presentes, sempre que for identificada infração à legislação
ambiental; (iii) reterem, quando possível, os instrumentos
utilizados na prática da infração penal e/ou os produtos dela
decorrentes, e encaminhá- los imediatamente à autoridade
policial mais próxima ”,
Uma outra questão que não pode passar em branco é a
responsabilidade civil do Estado em razão de danos praticados
pelo AAV. Refiro-me, inclusive, aos danos morais e à imagem.
Não é difícil imaginar o clima de “power rangers”ou de “cruza-
dos ambientais” que cercarão as ações dos Mutirões Ambientais.
A este respeito, o jornal Estado de S.Paulo do dia 29-11.2001
noticiou declaração de “ambientalista”, nos seguintes termos:
“Iremosprovocar e mediar mutirões ambientais no estado, que
serão operações de fiscalização de órgãos públicos com a
participação da sociedade. ” E evidente que qualquer pessoa
que seja “constatada” por um AAV que, nos termos da Resolução
ne 003/1988 do CONAMA, deverá agir com grupos de 3 (três) a 5
(cinco) pessoas, estará sofrendo um constrangimento ilegal e
que merece ser punido.
Poder de Polícia Ambiental
4.3.6. Licença Especial para Fins Científicos
O licenciamento das atividades direta ou indiretamente
ligadas ao meio ambiente divide-se em múltiplas licenças. Em
geral, os estudiosos têm dado atenção, apenas, ao
licenciamento das atividades poluidoras e têm relegado a
segundo plano a licença estabelecida pelo artigo 14 da Lei n9
5.197/67 (Código de Caça). Tal licença é referente à coleta de
material para fins científicos e é outorgada a cientistas
devidamente credenciados. A importância da referida licença é
extraordinária, pois é através da sua concessão que se podem
realizar importantes estudos sobre a vida dos animais, sobre a
biodiversidade, pesquisas concernentes à descoberta de
remédios etc.
O artigo 14, § 4a, do Código de Caça estabelece que:
Poderá ser concedida a cientistas, pertencentes a
instituições científicas oficiais ou oficializadas, ou por
estas indicadas, licença especial para a coleta de material
destinado a fins cientíãcos, em qualquer época...
§ # Aos cientistas das instituições nacionais que tenham,
por Lei, a atribuição de coletar material zoológico, para Uns
científicos, serão concedidas licenças permanentes.
Administrativamente, a concessão da referida licença foi
regulamentada pela Portaria n2 332, de 13 de março de 1990, do
IBAMA.
A Portaria regulamentadora, em seu artigo l9, estabelece
que:
A licença para coleta de material zoológico, destinado a
fins cientíãcos ou didáticos, poderá ser concedida pelo IBAMA
em qualquer época, a cientistas e profissionais devidamente
qualificados, pertencentes a instituições científicas
brasileiras públicas credenciadas pelo IBAMA ou por elas
indicadas.
O § 3e do mencionado artigo da Portaria nQ 332/90 determina
que:
A licença a que se refere o caput do artigo será concedida
em caráter temporário aos cientistas brasileiros ou
estrangeiros pertencentes a departamento ou unidade
administrativa que tenham, por lei, a atribuição de coletar
material zoológico, para fins científicos em instituição na
qual mantenham vínculo empregatício.
Em seu artigo 2S, a citada Portaria estabelece que:
A licença para a coleta de material zoológico será concedida
desde que demonstrada a sua finalidade científica ou didática
e que não afetará as populações das espécies ou grupos
zoológicos objeto da pesquisa.
No artigo 89, são estabelecidos os requisitos para a
concessão da licença.
Direito Ambiental
O licenciamento de atividades ambientais é diligência
tipicamente administrativa e, por isso, essencialmente sujeita
às regras gerais do Direito Administrativo e, evidentemente,
às normas especiais de Direito Ambiental. A licença, no
presente caso, é um direito subjetivo dos cientistas e das
instituições científicas. Mais do que isto, é um dever, na
medida em que estes não podem exercer as suas atividades em
desobediência às normas legais pertinentes.
Como se sabe, para que uma licença seja concedida, basta que
aquele que a pretenda preencha as condições legais cabíveis na
hipótese. Esta é a opinião de todos os autores. Assim é porque
o direito preexiste à própria licença. Não é a concessão da
licença que o constitui. A licença apenas declara o direito. A
concessão da licença, portanto, é obrigatória.
Se as condições para. a edição do consentimento da
Administração são estritamente aquelas que estão previstas na
norma legal, sem margem alguma de apreciação administrativa
casuística, sua cabal satisfação pelo particular postulante
obriga à outorga de uma licença.63
Celso Antônio Bandeira de Mello64 afirma, sobre a licença, que:
Uma vez cumpridas as exigências legais, a Administração não
pode negá-la.
Em igual direção estão apontados os ensinamentos de Hely
Lopes Meirelles65 e de Diógenes Gasparini.66 Para o primeiro, a
licença é
o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder
Público, verificando que o interessado atendeu às exigências
legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou realizações
de fatos materiais antes vedados ao particular, como, p. ex.,
o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em
terreno próprio.
Para o segundo, trata-se de
aro vinculado através do qual a Administração Pública faculta
ao interessado o exercício de certa atividade material, sempre
que satisfeitas as exigências legais.
63 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 10a ed., p. 296.
64 Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2a ed.,
1991, p. 23.
65 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros,
18» ed., p. 170,
66 Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 73.
Poder de Polícia Ambiental
179
a
E de se observar que a licença da qual ora tratamos não é
uma licença outorgada a particulares com a finalidade de
exercício de atividades privadas. Não. No caso específico,
cuida-se de uma licença para o exercício de uma atividade que
possui uma dúplice função. A primeira é a de atividade
laborativa capaz de assegurar a sobrevivência de um indivíduo.
A segunda é a de aprimoramento científico do País. Ambas as
finalidades merecem proteção constitucional (CF, art. 5a, IX e
XIII, c/c 218, §ls).
Basta que os interessados preencham os requisitos
estabelecidos no artigo 14 do Código de Caça para que façam
jus à licença. Tais requisitos são:
a) ser cientista;
b) estar vinculado profissionalmente a uma instituição
científica oficial ou oficializada;
c) que os trabalhos científicos a serem realizados os sèjam na
área de Zoologia.
Por instituição científica oficializada podem ser entendidas
as Universidades Privadas que, obviamente, necessitam de
autorização do Governo Federal para funcionar. Nesta categoria
podem incluir-se, ainda, fundações ou institutos de pesquisa
privados que estejam submetidos a algum tipo de fiscalização
ou controle oficial. A título de exemplo, podemos citar um
laboratório privado que esteja pesquisando algum tipo de
vacina a ser produzida a partir de produto de origem animal.
Nos presentes casos, a licença a ser concedida é a de caráter
temporário. '
Aqueles que tenham preenchido os requisitos acima e, além
disso, estejam vinculados a instituições criadas por lei têm
direito à obtenção de licença de caráter permanente. Nesta
condição, incluem-se os pesquisadores vinculados, por exemplo,
às Universidades Federais, pois estas, como se sabe, são
criadas por lei. E indiscutível que uma das finalidades
precípuas das Universidades é a pesquisa científica, seja em
Zoologia, seja nos demais campos do conhecimento humano.
Como se vê, a licença especial para fins científicos
prevista no artigo 14 do Código de Caça é um Direito subjetivo
público e, ao mesmo tempo, um dever dos pesquisadores,
cientistas e instituições científicas voltadas para o estudo
da Zoologia, de forma que estes possam exercer suas atividades
profissionais déntro da legalidade vigente no País. Uma vez
preenchidos os requisitos legais, a licença deve ser concedida
pela autoridade competente, que não pode negá-la em nenhuma
hipótese. A recusa na expedição da licença dá margem à
impetração de Mandado de Segurança, em razão do direito
líquido e certo violado.
4.3.7. Licenciamento Ambiental de Postos de Gasolina
Os postos de revenda de combustíveis, até recentemente, não
estavam submetidos ao licenciamento ambiental. O CONAMA
aprovou uma nórma geral — a ser adaptada pelos Estados às suas
realidades locais, mediante a expedição de normas
Direito Ambiental
próprias a Resolução CONAMA n2 273, de 29 de novembro de
2000,67 comple-
67 RESOLUÇÃO CONAMA N2 273 DE 29 DE NOVEMBRO DE 2000 (publicada
no DOU de 8 de janeiro de 2001). O CONAMA - CONAMA, no uso
das competências que lhe foram conferidas pela Lei n8 6.938,
de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto n°
99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto
na Resolução CONAMA n® 237, de 19 de dezembro de 1997 e em
seu Regimento Interno, e considerando que toda instalação e
sistemas de armazenamento de derivados de petróleo e outros
combustíveis, configuram-se como empreendimentos
potencialmente ou parcialmente poluidores e geradores de
acidentes ambientais; considerando que os vazamentos de
derivados de petróleo e outros combustíveis podem causar
contaminação de corpos d’água subterrâneos e superficiais,
do solo e do ar; considerando os riscos de incêndio e
explosões, decorrentes desses vazamentos, principalmente,
pelo feto de que parte desses estabelecimentos localizam-se
em áreas densamente povoadas; considerando que a ocorrência
de vazamentos vem aumentando significativamente nos últimos
anos em função da manutenção inadequada ou insuficiente, da
obsolescência do sistema e equipamentos e da feita de
treinamento de pessoal; considerando a ausência e/ou uso
inadequado de sistemas confiáveis para a detecção de
vazamento; considerando a insuficiência e ineficácia de
capacidade de resposta frente a essas ocorrências e, em
alguns casos, a dificuldade de implementar as ações
necessárias, resolve: Art. 1® A localização, construção,
instalação, modificação, ampliação e operação de postos
revendedores, postos de abastecimento, instalações de siste-
mas retalhistas e postos flutuantes de combustíveis
dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental
competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente
exigíveis. § 1® Todos os projetos de construção, modificação
e ampliação dos empreendimentos previstos neste artigo
deverão, obrigatoriamente, ser realizados, segundo normas
técnicas expedidas pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas - ABNT e, por diretrizes estabelecidas nesta
Resolução ou pelo órgão ambiental competente. § 2a No caso
de desativação, os estabelecimentos ficam obrigados a
apresentar um plano de encerramento de atividades a ser
aprovado pelo órgão ambiental competente. § 3* Qualquer
alteração na titularidade dos empreendimentos citados no
caput deste artigo, ou em seus equipamentos e sistemas,
deverá ser comunicada ao órgão ambiental competente, com
vistas à atualização dessa informação, na licença ambiental.
§ 4a Para efeito desta Resolução, ficam dispensadas dos
licenciamentos as instalações aéreas com capacidade total de
armazenagem de até quinze m3, inclusive, destinadas
exclusivamente ao abastecimento do detentor das instalações,
devendo ser construídas de acordo com as normas técnicas
brasileiras em vigor, ou na ausência delas, normas
internacionalmente aceitas. Art. 2° Para efeito desta
Resolução são adotadas as seguintes definições: I — Posto
Revendedor - PR: Instalação onde se exerça a atividade de
revenda varejista de combustíveis líquidos derivados de
petróleo, álcool combustível e outros combustíveis
automotivos, dispondo de equipamentos e sistemas para
armazenamento de combustíveis automotivos e equipamentos
medidores. II - Posto de Abastecimento-PA: Instalação que
possua equipamentos e sistemas para o armazenamento de
combustível automotivo, com registrador de volume apropriado
para O abastecimento de equipamentos móveis, veículos
automotores terrestres, aeronaves, embarcações ou
locomotivas; e cujos produtos sejam destinados
exclusivamente ao uso do detentor das instalações ou de
grupos fechados de pessoas físicas ou jurídicas, previamente
identificadas e associadas em forma de empresas,
cooperativas, condomínios, clubes ou assemelhados. III -
Instalação de Sistema Retalhista - ISR: Instalação com
sistema de tanques para o armazenamento de óleo diesel, e/ou
óleo combustível, e/ou querosene iluminante, destinada ao
exercício da atividade de Transportador Revendedor
Retalhista. IV — Posto Flutuante - PF: Toda embarcação sem
propulsão empregada para o armazenamento, distribuição e
comércio de combustíveis que opera em local fixo e
determinado. Art. 3a Os equipamentos e sistemas destinados
ao armazenamento e a distribuição de combustíveis
automotivos, assim como sua montagem e instalação, deverão
ser avaliados quanto à sua conformidade, no âmbito do
Sistema Brasileiro de Certificação. Parágrafo único.
Previamente à entrada em operação e com periodicidade não
superior a cinco anos, os equipamentos e sistemas, a que se
refere o caput deste artigo deverão ser testados e ensaiados
para a comprovação da inexistência de folhas ou vazamentos,
segundo procedimentos padronizados, de forma a possibilitar
a avaliação de sua conformidade, no âmbito do Sistema
Brasileiro de Certificação. Art. 4a O órgão ambiental compe-
tente exigirá as seguintes licenças ambientais: I — Licença
Prévia — LP: concedida na íase preliminar do planejamento do
empreendimento aprovando sua localização e concepção,
atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas
próximas fases de sua implementação; II — Licença de
Instalação-LI: autoriza a instalação do empreendimento com
as especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo medidas de controle ambien-
cgog - CH»« aupenor stssgy
Poder de Polícia Ambiental
mentada pela Resolução CONAMA ns 276, de 25 de abril de 2001. É
importante fri-
tal e demais condicionantes da qual constituem motivo
determinante; III — Licença de Operação - LO: autoriza a
operação da atividade, após a verificação do efetivo
cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as
medidas de controle ambiental e condicionantes determinados
para a operação. § Ia As licenças Prévia e de Instalação
poderão ser expedidas concomitantemente, a critério do órgão
ambiental competente. § 2a Os estabelecimentos definidos no
art. 2® que estiverem em operação na data de publicação desta
Resolução, ficam também obrigados à obtenção da licença de
operação. Art. 5E O órgão ambiental competente exigirá para o
licenciamento ambiental dos estabelecimentos contemplados
nesta Resolução, no mínimo, os seguintes documentos: I — Para
emissão das Licenças Prévia e de Instalação: a) projeto básico
que deverá especificar equipamentos e sistemas de
monitoramento, proteção, sistema de detecção de vazamento,
sistemas de drenagem, tanques de armazenamento de derivados de
petróleo e de outros combustíveis para fins automotivos e
sistemas acessórios de acordo com as Normas ABNT e por dire-
trizes definidas pelo órgão ambiental competente; b)
declaração da prefeitura municipal ou do governo do Distrito
Federal de que o local e o tipo de empreendimento ou atividade
está em con- formidade com o Plano Diretor ou similar; c)
croqui de localização do empreendimento, indicando a situação
do terreno em relação ao corpo receptor e cursos d’água e
identificando o ponto de lançamento do efluente das águas
domésticas e resíduárias após tratamento, tipos de vegetação
existente no local e seu entorno, bem como contemplando a
caracterização das edificações existentes num raio de 100 m.
com destaque para a existência de clínicas médicas, hospitais,
sistema viário, habitações muldfamiliares, escolas, indústrias
ou estabelecimentos comerciais; d) no caso de posto flutuante
apresentar cópia autenticada do documento expedido pela
Capitania dos Portos, autorizando sua localização e
funcionamento e contendo a localização geográfica do posto no
respectivo curso d’água; e) caracterização hidrogeológica com
definição do sentido de fluxo das águas subterrâneas,
identificação das áreas de recarga, localização de poços de
captação destinados ao abastecimento público ou privado
registrados nos órgãos competentes até a data da emissão do
documento, no raio de 100 ra„ considerando as possíveis
interferências das atividades com corpos d’água superficiais e
subterrâneos; f) caracterização geológica do terreno da região
onde se insere o empreendimento com análise de solo,
contemplando a permeabilidade do solo e o potencial de
corrosão; g) classificação da área do entorno dos
estabelecimentos que utilizam o Sistema de Armazenamento
Subterrâneo de Combustível - SASC e enquadramento deste
sistema, conforme NBR 13.786; h) detalhamento do tipo de
tratamento e controle de efluentes provenientes dos tanques,
áreas de bombas e áreas sujeitas a vazamento de derivados de
petróleo ou de resíduos oleosos; i) previsão, no projeto, de
dispositivos para o atendimento à Resolução CONAMA n° 9, de
1993, que regulamenta a obrigatoriedade de recolhimento e
disposição adequada de óleo lubrificante usado. II ~ Para a
emissão de Licença de Operação: a) plano de manutenção de
equipamentos e sistemas e procedimentos operacionais; b) plano
de resposta a incidentes contendo: 1. comunicado de
ocorrência; 2. ações imediatas previstas; e 3. articulação
institucional com os órgãos competentes; c) atestado de
vistoria do Corpo de Bombeiros; d) programa de treinamento de
pessoal em; 1. operação; 2. manutenção; 3. resposta a
incidentes; e) registro do pedido de autorização para
funcionamento na Agência Nacional de Petróleo - ANP; f)
certificados expedidos pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Normatização e Qualidade Industrial — INMETRO, ou entidade por
ele credenciada, atestando a conformidade quanto à fabricação,
montagem e comissionamento dos equipamentos e sistemas
previstos no art. 4a desta Reso-lução; g} para instalações em
operação definidas no art. 2« desta Resolução, certificado
expedido pelo INMETRO ou entidade por ele credenciada,
atestando a inexistência de vazamentos. § 1« Os
estabelecimentos definidos no art. 2o que estiverem em operação
na data de publicação desta Resolução para a obtenção de
Licença de Operação deverão apresentar os documentos referidos
neste artigo, em seu inciso I, alíneas “a”, “b” (que poderá
ser substituída por Alvará de Funcionamento), “d", “g”, "h“,
“i”e inciso II, e o resultado da investigação de passivos
ambientais, quando solicitado pelo órgão ambiental
licenciador. § 2® Os estabelecimentos abrangidos por esta
Resolução ficam proibidos de utilizarem tanques recuperados em
instalações subterrâneas — SASCs. Art. 6a Caberá ao órgão
ambiental competente definir a agenda para o licenciamento
ambiental dos empreendimentos identificados no art. 1® em
operação na data de publicação desta Resolução. § Ia Todos os
empreendimentos deverão, no prazo de seis meses, a contar da
data de publicação desta Resolução, cadastrar-se junto ao
órgão ambiental competente. As informações mínimas para o
cadastramento são aquelas contidas no Anexo I desta Resolução.
§ 2® Vencido o prazo de cadastramento, os órgãos competentes
terão prazo de seis meses para elaborar suas agendas e
critérios de licenciamento ambiental, resultante da atribuição
de prioridades com base nas informações cadastrais. Art. 7a
Caberá ao órgão ambiental licenciador, exercer as atividades
de fiscalização
Direito Ambiental
sar que nenhuma das Resoluções é de aplicação imediata,
necessitando — repita-se — de legislação estadual que lhes
sirvam de suporte.68
A Resolução CONAMA 273, de 29 de novembro de 2000, é uma
orientação política formulada pelo CONAMA, que funciona como
diretriz para os Estados. A propósito, vale trazer à colação a
lição da ilustre Procuradora do Estado do Paraná, Doutora
Márcia Diéguez Leuzinger,69 que sustenta:
“No Brasil, a competência concorrente, prevista pelo art. 24
da Constituição, classifica-se como não-cumulativa, cabendo à
União a edição de normas
dos empreendimentos de acordo com sua competência estabelecida
na legislação em vigor. Art. 8= Em caso de addentes ou
vazamentos que representem situações de perigo ao meio
ambiente ou a pessoas, bem como na ocorrência de passivos
ambientais, os proprietários, arrendatários ou responsáveis
pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os
fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a
unidade, responderão solidariamente, pela adoção de medidas
para controle da situação emergen- dal, e para o saneamento
das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas
pelo órgão ambiental licencíador. § Ia A ocorrência de
quaisquer acidentes ou vazamentos deverá ser comunicada
imediatamente ao órgão ambiental competente após a constatação
e/ou conhecimento, isolada ou solidariamente, pelos
responsáveis pelo estabelecimento e pelos equipamentos e
sistemas. § 2a Os responsáveis pelo estabelecimento, e pelos
equipamentos e sistemas, independentemente da comunicação da
ocorrência de acidentes ou vazamentos, deverão adotar as
medidas emergenciais requeridas pelo evento, no sentido de
minimizar os riscos e os impactos às pessoas e ao meio
ambiente. § 3a Os proprietários dos estabelecimentos e dos
equipamentos e sistemas deverão promover o treinamento, de
seus respectivos funcionários. visando orientar as medidas de
prevenção de acidentes e ações cabíveis imediatas para
controle de situações de emergência e risco. § 4a Os tanques
subterrâneos que apresentarem vazamento deverão ser removidos
após sua desgaseificação e limpeza e dispostos de acordo com
as exigências do órgão ambiental competente. Comprovada a
impossibilidade técnica de sua remoção, estes deverão ser
desgaseificados, limpos, preenchidos com material inerte e
lacrados. § 5a Responderão pela reparação dos danos oriundos de
acidentes ou vazamentos de combustíveis, os proprietários,
arrendatários ou responsáveis peio estabelecimento e/ou
equipamentos e sistemas, desde a época da ocorrência. Art. 9®
Os certificados de conformidade, no âmbito do Sistema
Brasileiro de Certificação, referidos no art. 3a desta
Resolução, terão sua exigibilidade em vigor a partir de Ia de
janeiro de 2003. Parágrafo único. Até 31 de dezembro de 2002,
o órgão ambiental competente, responsável pela emissão das
licenças, poderá exigir, em substituição aos certificados
mencionados no caput deste artigo, laudos técnicos, atestando
que a fabricação, montagem e instalação dos equipamentos e
sistemas e testes aludidos nesta Resolução, estão em
conformidade com as normas técnicas exigidas pela ABNT e, na
ausência destas, por diretrizes definidas pelo órgão ambiental
competente. Art. 10. O Ministério do Meio Ambiente deverá
formalizar, em até sessenta dias, contados a partir da
publicação desta Resolução, junto ao Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial — INMETRO, a
lista de equipamentos, sistemas e serviços que deverão ser
objeto de certificação, no âmbito do Sistema Brasileiro de
Certificação. Art. 11. A cada ano, no segundo trimestre, a
partir de 2003, o Ministério do Meio Ambiente deverá fornecer
ao CONAMA informações sobre a evolução de execuções das
medidas previstas nesta Resolução, por Estado, acompanhadas
das análises pertinentes. Art. 12. O não-cumprímento do
disposto nesta Resolução sujeitará os infratores às sanções
previstas nas Leis n®s 6.938, de 31 de agosto de 1981; 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998 e no Decreto n° 3.179, de 21 de
setembro de 1999, Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na
data de sua publicação.
68 RESOLUÇÃO CONAMA Na 276, DE 25 DE ABRIL DE 2001. Publicada
no DOUàe 3 de julho de 2001. O CONAMA — CONAMA, no uso das
competências que lhe são conferidas pela Lei n° 6.938, de 31
de agos-to de 1981, regulamentada pelo Decreto na 99.274, de
6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu
Regimento Interno, anexo à Portaria na 326, de 15 de
dezembro de 1994, resolve:
Art. Ia Prorrogar o prazo de seis meses, constante no art. 6a,
§ 1®, da Resolução na 273, de 29 de novembro de 2000, publicada
no Diário Oficial da União de 8 de janeiro de 2001, Seção I,
p. 20, por mais noventa dias, a contar do seu término. Art. 2a
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
69 Ver: LEUZINGER, Márcia Diéguez. Meio Ambiente —propriedade
e repartição constitucional de competência. RJ: Esplanada,
2002, p. 125.
££•?'
■ Poder dePolícia
Ambiental
gerais, assim entendidas como normas fundamentais ou
diretrizes, e aos Estados, de normas específicas e de
aplicação.”
O Professor Paulo Affonso Leme Machado70 sustenta que:
“Assim, não se suplementa a legislação que não exista.
Portanto, quando a competência da pessoa de Direito Público
interno for somente suplementar a legislação de outro ente, se
inexistirem normas, não existirá o poder supletório. Não se
suplementa uma regra jurídica simplesmente pela vontade dos
Estados inovarem diante da legislação federal. A capacidade
suplementária está condicionada à necessidade de aperfeiçoar a
legislação federal ou diante da constatação de lacunas ou
imperfeições da norma geral federaF (grifei).
Estabelece a Resolução ne 273/2000 que:
“Art. 1Q A localização, construção, instalação, modificação,
ampliação e operação de postos revendedores, postos de
abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos
flutuantes de combustíveis dependerão de prévio licenciamento
do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças
legalmente exigíveis.
Art. 4a O órgão ambiental competente exigirá as seguintes
licenças ambientais: I - Licença Prévia - LP: concedida na
fase preliminar do planejamento do empreendimento aprovando
sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental
e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem
atendidos nas próximas fases de sua implementação; II -
Licença de Instalação - LI: autoriza a instalação do
empreendimento com as especificações constantes dos planos,
programas e projetos aprovados, incluindo medidas de controle
ambiental e demais condicionantes da qual constituem motivo
determinante; III - Licença de Operação — LO: autoriza a
operação da atividade, após a verificação do efetivo
cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as
medidas de controle ambiental e condicionantes determinados
para a operação. § 1^ As Licenças Prévia e de Instalação
poderão ser expedidas conco- mitantemente, a critério do órgão
ambiental competente. § 22 Os estabelecimentos definidos no
art. 2® que estiverem em operação na data de publicação desta
Resolução ficam também obrigados à obtenção da licença de
operação.
Art. 6e Caberá ao órgão ambiental competente definir a
agenda para o licenciamento ambiental dos empreendimentos
identificados no art. I2 em operação na data de publicação
desta Resolução. § le Todos os empreendimentos \ deverão, no
prazo de seis meses, a contar da data de publicação desta
Resolução,
í cadastrar-se junto ao órgão ambiental competente. As
informações mínimas
70 Ver: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Malheiros. S3 edição, 2000, p. 79.
Direito Ambiental
para o cadastramento são aquelas contidas no Anexo I desta
Resolução. § 2e Vencido o prazo de cadastramento, os órgãos
competentes terão prazo de seis meses para elaborar suas
agendas e critérios de licenciamento ambiental, resultante da
atribuição de prioridades com base nas informações cadastrais.
Art. 7- Caberá ao órgão ambiental licenciador exercer as
atividades de fiscalização dos empreendimentos de acordo com
sua competência estabelecida na legislação em vigor.”
A Resolução CONAMA ne 273/2000 não é imediatamente exigível,
pois limita- se a estabelecer um modelo com critérios mínimos
a serem observados pelos Estados- Membros da Federação quando
da implementação das medidas de controle ambiental. A boa
doutrina administrativista, da qual José dos Santos Carvallio
Filho71 é um excelente exemplo, tem definido o Poder
Regulamentar da seguinte forma:
“O poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a
existência desta. E com esse enfoque que a Constituição
autorizou o chefe do Executivo a expedir decretos e
regulamentos: viabilizar a efetiva execução das leis (art. 84,
IV).
Por essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a
lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício
somente pode dar-se secun- dum legem, ou seja, em conformidade
com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. Decorre
daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e
obrigações, porque tal é vedado num dos postulados
fundamentais que norteiam nosso sistema jurídico: ‘Ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei’ (art. 5e, II, CF).”
Como se sabe, as resoluções são atos normativos de escala
hierárquica inferior que não podem ultrapassar os limites da
lei e mesmo dos decretos. Existem para dar forma à atividade
administrativa e fazer a administração se mover em casos
concretos. No caso vertente, a Resolução n9 273/2000 expressa
vima manifestação do órgão colegiado centro do Sistema
Nacional de Meio Ambiente — SISNAMA que, por integrado pelos
Estados e por outros órgãos — estabelece uma diretriz a ser
considerada pelos Estados da federação quando necessário o
licenciamento ambiental das atividades que estão sendo
examinadas.
Conforme se depreende de todo o acima exposto, o
licenciamento ambiental é uma atividade desenvolvida pelos
Estados e não pela União, mediante a atuação do IBAMA -
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis,72 motivo pelo qual é evidente a necessidade de
normas estaduais capazes de viabilizar as diretrizes
estabelecidas pela Resolução CONAMA ns 273/2000.
Firmes no mesmo entendimento acima, diferentes Estados da
Federação passaram a adotar normas para licenciamento
ambiental, conforme veremos a seguir.
71 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 31.
72 A competência do IBAMA para licenciar somente ocorre quando
for expressamente prevista em lei.
Poder de Polícia Ambiental
4.3.7.1. Minas Gerais
O Estado de Minas Gerais disciplinou a matéria mediante a
expedição da Deliberação Normativa COPAM n9 50, de 28 de
novembro de 2001,73 publicada no
73 “Deliberação Normativa COPAM n8 50, de 28 de novembro de
2001. Estabelece os procedimentos para o licenciamento
ambiental de postos revendedores, postos de abastecimento,
instalações de sistemas retalhistas e postos flucuantes de
combustíveis e dá outras providências (Publicação — Diário
do Executivo - Minas Gerais ~ 15/12/2001). O Presidente do
Conselho Estadual de Política Ambiental - COPAM, no uso da
atribuição que lhe confere o artigo 10, inciso VI, do
Decreto n® 39.490, de 13 de março de 1998, tendo em vista o
disposto no artigo 4a, inciso VIII, da Lei n5 12.585, de 17
de junho de 1997, no artigo 40 do Decreto n® 39.424, de 5 de
fevereiro de 1998, e a proposta aprovada pela Câmara de
Política Ambiental na reunião de 20 de novembro de 2001, bem
como a necessidade de sua adoção imediata: DELIBERA: Art. 1®
A localização, construção, instalação, modificação,
ampliação e operação de postos revendedores, postos de
abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos
flutuantes de combustíveis dependerão de prévio
licenciamento ambiental, conforme as normas da Resolução
CONAMA n® 273, de 29 de novembro 2000, e o disposto por esta
Deliberação Normativa. Art. 2° O licenciamento ambiental das
atividades a se instalarem a partir da data de publicação
desta Deliberação Normativa compreenderá a Licença Prévia,
Licença de Instalação e Licença de Operação, sendo as
Licenças Prévia e de Instalação concedidas
concomitantemente, conforme o § Ia do artigo 4« da Resolução
CONAMA n® 273, de 29 de novembro 2000. Parágrafo único. Para
obtenção concomitante das Licenças Prévia e de Instalação,
serão apresentados os documentos previstos pelo inciso I, do
artigo 5®, da Resolução CONAMA n® 273, de 29 de novembro
2000. Art. 3® Caso a etapa prevista para a obtenção de
licença Prévia ou licença de Instalação esteja vencida, a
mesma não será expedida,- não desobrigando o interessado da
apresentação ao COPAM das informações cabíveis, para a
obtenção da Licença de Operação. § 1® Para a obtenção da
Licença de Operação dos empreendimentos iá instalados ou em
operação na data de publicação desta Deliberação Normativa-
o empreendedor deverá apresentar a documentação exigida pelo
§ Ia, artigo 5* da .Besolução CONAMA ns 273. de 29 de
novembro 2000. § 2a Além da apresentação dos documentos
exigidos pelo parágrafo anterior, os empreendimentos a que
se refere este artigo deverão cumprir, para a obtenção da
Licenca de Operação, as seguintes medidas de controle
ambiental. nos prazos respectivos, contados a partir da
publicação desta Deliberação Normativa: I — (REVOGADO); II —
instalar válvulas de recuperação de gases nos respiros: 6
(seis) meses; 1H- efetuar teste de estanqueidade em tanques
subterrâneos instalados a mais de 10 (dez) anos: 6 (seis)
meses, conforme NBR n® 13.784; IV - concretar pista da área
da troca de óleo e da lavagem de veículos: 6 (seis) meses; V
— instalar Caixa Separadora de Água e óleo — SAO na área de
lavagem de veículos, troca de óleo: 8 (oito) meses; VI -
apresentar controle de manutenção dos SAOs; 12 (doze) meses;
VII — apresentar proposta de cronograma para troca dos
tanques subterrâneos instalados há mais de 20 anos: 60
(sessenta) dias; VIII - apresentar proposta de cronograma
para troca dos tanques subterrâneos instalados há mais de 10
(dez) anos que, após o teste de estanqueidade, constante do
inciso III, acusarem va-zamentos: 60 (sessenta) dias; IX —
concretar pista cujo SASC estanques com menos de 10 anos de
instalação possuírem piso de paralelepípedo, de asfalto
etc.: 60 (sessenta) dias; X - apresentar outorga de direito
de uso de recursos hídricos, quando necessário; XI —
apresentar projeto e cronograma de implantação de passeio na
área do empreendimento com o objetivo de facilitar o
trânsito de pedestres à frente do posto de combustíveis,
aprovado pelos órgãos competentes (Prefeitura Municipal,
Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas
Gerais — DES/MG ou Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem — DNER): 6 (seis) meses. § 3® Caso seja constatada a
não-estanquiedade dos tanques após o teste exigido pelo
inciso UI do parágrafo anterior, a utilização dos mesmos
deve ser suspensa imediatamente. Art. 4® Fica acrescido ao
Anexo I da Deliberação Normativa n® 1, de 22 de março de
1990, o seguinte item: “91 — Atividades Diversas 91.23.00-9
— Postos revendedores, postos de abastecimento, instalações
de sistemas retalhistas e postos flutuantes de combustíveis.
Pot. Poluidor/degradadon Ar = P Água = P Solo = M Geral = P
Porte: CA £ 45 : pequeno
45 > CA £ 90 : médio
CA > 90 : grande”
186
Direito Ambiental
“Minas Gerais” aos 15 de dezembro de 2001. Pela mencionada
deliberação COPAM, é possível se verificar que a primeira
exigência feita aos revendedores somente se tomou exigível 6
(seis) meses após a sua publicação.
“Art. 3a Caso a etapa prevista para a obtenção de Licença
Prévia ou Licença de Instalação esteja vencida, a mesma não
será expedida, não desobrigando o interessado da apresentação
ao COPAM das informações cabíveis, para a obtenção da Licença
de Operação.
§ Ia Para a obtenção da Licença de Operação dos
empreendimentos já instalados ou em operação na data de
publicação desta Deliberação Normativa, o empreendedor deverá
apresentara documentação exigida pelo § 1°, artigo 5*, da
Resolução CONAMA 273, de 29 de novembro 2000.
§ 2? Além da apresentação dos documentos exigidos pelo
parágrafo anterior, os empreendimentos a que se refere este
artigo deverão cumprir, para a obtenção da Licença de
Operação, as seguintes medidas de controle ambiental, nos
prazos respectivos, contados a partir da publicação desta
Deliberação Normativa:
I - (REVOGADO);
II - instalar válvulas de recuperação de gases nos respiros: 6
(seis) meses;
Hl -efetuar teste de estanqueidade em tanques subterrâneos
instalados há mais de 10 (dez) anos: 6 (seis) meses,
conforme NBR nfi 13.784;
IV — concretar pista da área da troca de óleo e da lavagem de
veículos — 6 (seis)
meses;
V - Instalar Caixa Separadora de Água e Óleo ~ SAO na área de
lavagem de
veículos, troca de óleo: 8 (oito) meses;
VI - apresentar controle de manutenção das SAOs: 12 (doze)
meses;
VII - apresentar proposta de cronograma (...).”
4.3.7.2. Rio de Janeiro
O Estado do Rio de Janeiro, como não poderia deixar de ser,
utilizando-se de suas competências, adotou o mesmo critério
dos demais Estados da federação e edi-
Parágrafo único. Fica acrescida a sigia CA, significando
Capacidade de Armazenagem, em metros cúbicos (CA - m3), na
Tabela A-3, do Anexo I da Deliberação Normativa n« 1 de 22 de
março de 1990. Art. 5* Ficam convocados ao licenciamento
ambiental, na forma do artigo 39 desta Deliberação Normativa,
todos os postos revendedores, postos de abastecimento,
instalações de sistemas retalhistas e postos flutuantes de
combustíveis em operação no Estado na data de Publicação desta
Deliberação Normativa, conforme publicação de agenda a ser
deünida pela FEAM. Art. 6o Ficam dispensadas do licenciamento
ambiental a que se refere esta Deliberação Normativa as
instalações aéreas com capacidade total de armazenagem menor
ou igual a 15 m3 (quinze metros cúbicos), desde que destinadas
exclusivamente ao abastecimento do detentor das instalações,
devendo ser construídas de acordo com as normas técnicas em
vigor, ou, na ausência delas, com normas internacionalmente
aceitas. Art. 7* Quanto aos empreendimentos a que se refere
esta Deliberação Normativa, não incidem as normas do § 5’, do
artigo 2S, da Deliberação Normativa nB 1, de 22 de março de
1990. Art. 89 Esta Deliberação Normativa entra em vigor na data
de sua publicação e revoga as disposições em contrário. Belo
Horizonte, 28 de novembro de 2001.”
Poder de Polícia Ambiental
tou normas próprias para que os postos de combustível
passassem a se enquadrar no regime de licenciamento ambiental.
Assim é que a Comissão Estadual de Licenciamento Ambiental -
CECA expediu normas referentes ao mencionado licenciamento
ambiental. Veja-se a DELIBERAÇÃO CECA/CN Ns 4.138, de 12 de
março de 20027*
4.3.7.3. São Paulo
No Estado de São Paulo, a matéria está regida pela Resolução
SMA n9 05, de 28.03.2001,75 que “dispõe sobre a aplicação e o
licenciamento ambiental das fontes de poluição a que se refere
a Resolução n3 273, de 29 de novembro de 2000, do CONAMA -
CONAMA. ”
A mencionada Resolução determina que:
“O Secretário do Meio Ambiente, no cumprimento de suas
atribuições legais e considerando o disposto na Resolução ne
273, de 29 de novembro de 2000, do CONAMA - CONAMA, resolve:
Art. Ia Compete à CETESB - Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambiental, vinculada à Pasta, a aplicação do
disposto na Resolução n2 273, de 29 de novembro de 2000, do
CONAMA - CONAMA, bem como a correlata fiscalização e
licenciamento ambiental das fontes de poluição a que se
refere.
74 "DELIBERAÇÃO CECA/CN No 4.138, de 12 de março de 2002.
Aprova a DZ~l.841.R-0 — Diretriz para o Licenciamento
Ambiental e para a autorização do encerramento das
atividades dè postos de serviços, que disponham de sistemas
de acondicionamento ou armazenamento de combustíveis,
graxas, lubriScantes e seus respectivos resíduos, e dá
outras providências. A Comissão Estadual de Controle
Ambiental - CECA, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro,
através da Câmara de Norraatização, no uso das atribuições
que lhe são conferidas pelo Decreto-Lei n2 134, de 16 de
junho de 1975, e pelos Decretos n^s 1.633, de 21 de dezembro
de .1977, e 21.287, de 23 de janeiro de 1995, CONSIDERANDO o
que consta do Processo na E-07/200973/97, CONSIDERANDO o que
dispõe a Deliberação CECA/CN na 3.710, de 07 de maio de
1998, que altera a Deliberação CECA/CN n5 3.588, de 23 de
dezembro de 1996, e dá outras providências, DELIBERA: Art.
Ia Aprovar e mandar publicar a DZ-1841.R-0 - DIRETRIZ PARA O
LICENCIAMENTO AMBIENTAL E PARA A AUTORIZAÇÃO DO ENCERRAMENTO
DAS ATIVIDADES DE POSTOS DE SERVIÇOS QUE DISPONHAM DE SISTE-
MAS DE ACONDICIONAMENTO OU ARMAZENAMENTO DE COMBUSTÍVEIS,
GRAXAS, LUBRIFICANTES E SEUS RESPECTIVOS RESÍDUOS. Art. 2«
Ficam suieitos ao licenciamento ambiental os empreendimentos
abrangidos pela Diretriz aprovada no artigo Ia desta
Deliberação. Art. 3a As prioridades para o licenciamento
desta tipologia serão definidas oportunamente através de
nova Deliberação. Art.
4 Os empreendi mentos que apresentam ou tenham apresentado
a

ocorrência de vazamento de petróleo e seus derivados ou de


álcool etüico carburante ou qualquer outro tipo de acidentemos
últimos 36 (trinta e seis) meses, a partir da data de
publicação desta Deliberação, ou que gerem incômodos à
vizinhança poderão, a critério da FEEMA, ser intimados a
requerer a licença ambiental antes dos prazos determinados no
artigo anterior. Art. 5e Os empreendimentos que esteiam
em_obras na., data de publicação desta Deliberação terão prazo
de 30 (trinta) dias para requerer a Licença de Instalação.
Art. 6> As Licenças de Operação somente serão concedidas após
a implantação de todos os equipamentos e sistemas de controle.
Art. 7a Esta Deliberação entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de
Janeiro, 12 de março de 2002. TÂNIA MARIA DE SOUZA. Presidente
da CECA.”
75
Http://www.cetesb.sp.gov.br/Semcos/licenciamento/postos/resolu
cao_sma5.htm.
Direito Ambiental
Parágrafo único. A CETESB deve estabelecer as normas e
procedimentos técnicos, administrativos e financeiros
necessários ao cumprimento desta resolução.
Art. 29 Devem cadastrar-se perante a CETESB, até o dia 8 de
julho de 2001, nos termos do fixado no art. 6a, § 1® da
Resolução ne 273/00 do CONAMA, as seguintes fontes de poluição
que se encontrem em operação no Estado de São Paulo:
I - Postos revendedores de combustíveis;
II - postos de abastecimento de combustíveis;
III - instalações de sistemas retalhistas de combustíveis; e
IV ~ postos flutuantes de combustíveis.
Art. 3e Sem prejuízo da obrigatoriedade do cadastramento, a
CETESB deve fixar a agenda para o licenciamento das fontes de
poluição em operação no dia 8 de janeiro de 2001.
Art. 4a Esta resolução entra em vigor na data de sua
publicação.”
Fato é que o órgão ambiental do Estado de São Paulo, ao
estabelecer os prazos acima, afastou a exigência do
licenciamento ambiental até a data estabelecida, não sendo
aplicáveis - na hipótese - as normas contidas nos artigos 60
da Lei nô 9.605/9876 e 44 do Decreto ns 3.179/99.77 Assim, para
o Estado de São Paulo, a única exigência existente é a de
requerimento de LI, que se encerrou em 30.04.2003.
4.3.8. Licenciamento Ambiental das Atividades de Dragagem
A dragagem é a obra ou serviço de engenharia executado com
vistas à limpeza, desobstrução, remoção, derrocamento ou
escavação de material do fondo de rios, lagos, mares, baías e
canais. Trata-se, portanto, de uma atividade que tem por obje-
tivo a melhoria das condições de navegabilidade, a diminuição
de assoreamento e a melhoria das condições de circulação das
águas em diferentes corpos hídricos. Muito embora o seu
impacto ambiental final seja, em princípio, positivo, a sua
realização pode implicar riscos significativos para o meio
ambiente, motivp pelo qual foi incluída pela Resolução Conama
ns 237, de 19 de dezembro de 1997, na categoria daquelas que
necessitam de licenciamento ambiental com a consequente
produção de estudos ambientais específicos78 que, na forma
daquela Resolução, “são todos e quaisquer
76 “Art. 60. Construir, reformar. ampîiar. instalar ou fazer
funcionar, em qualquer parte do território nacional.
estabelecimentos, obras oti serviçospotencialmente
poluldores. sem licença ou autorização dos órgãos
ambieotais^C.Qmpetentes, ou contrariando as normas leçais e
regulamentares pertinentes: Pena — detenção, de um a seis
meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”
77 “Art. 44. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer
funcionar, em qualquer parte do território nacional,
estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente
poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais
competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentos
pertinentes: Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais).”
78 Resolução Conama n° 237/97. ANEXO 1 ATIVIDADES OU
EMPREENDIMENTOS SUJEITOS AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Serviços
de utilidade dragagem e derrocamentos em corpos d’âgua.
Poder de Polícia Ambiental
estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à
localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade
ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da
licença requerida, tais como: relatório ambiental', plano e
projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar,
diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação
de área degradada e análise preliminar de risco”
Muito embora a dragagem seja uma atividade cujo fim último é
a melhoria das condições ambientais, muitas vezes cogita-se da
existência de uma necessidade legal de estudos prévios de
impacto ambiental para a sua realização, o que de fato não
consta da Resolução nô 237/07 do CONAMA, que, como foi visto,
limita-se a determinar que a atividade seja submetida ao
licenciamento ambiental.79 É verdade que algumas normas
estaduais, como é o caso da DZ-1845.R-3 da Fundação Estadual
de Engenharia do Meio Ambiente ~ FEEMA,80 estabelecem
diretrizes para as dragagens, indicando a necessidade de EIA
em determinados casos. Relembre-se, todavia, que diretrizes
são orientações para o licenciamento e não determinações. Em
tais casos, penso que se estabeleceu uma inversão do ônus da
prova, cabendo ao empreendedor demonstrar que a atividade
pretendida, no caso concreto, não acarretará impactos
significativos ao meio ambiente. Fato é, no entanto, que não
poucas vezes, chegou-se ao procedimento criminal para
enfrentar a questão.81
79 TRF 4 - “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESOLUÇÃO N®
237/97 DP CONAMA INTELIGÊNCIA. 1. A Resolução CONAMA n®
237/97 apenas exige o EIA/RIMA para os empreendimentos e as
atividades consideradas “efetiva ou potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente”, sendo que no
caso dos autos a simples limpeza e conservação de canais,
não pode ser considerada como atividade efetiva ou
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente. 2. Para a realização das atividades necessárias à
dragagem ou desassoreamento dos canais em referência, não é
necessário o Estudo Prévio de Impacto Ambientai e o
respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente,
bastando o estudo de Avaliação Ambiental, que já foi feito,
consoante documentos juntados aos autos. 3. Não sendo
exigido o EIA/RIMA para mero desassoreamento de canais, a
verossimilhança do direito favorece o agravante, tendo em
vista o pedido constante da ação civil pública onde os
despachos agravados foram proferidos. O perigo da mora
também favorece o agravante, tendo em vista que as chuvas de
invemo e primavera, certamente, causarão inundações caso os
canais não forem desassoreados. 4. Agravo de instrumento
conhecido e parcialmente provido”. Agravo de Instrumento
2001.04.01.028113-
0. Terceira Turma. Relator: Desembargador Federal CARLOS
EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ. DJU:25/04/2002 PÁGINA 471.
80DZ-1845.R-3 -DIRETRIZPARA OLICENCIAMENTO AMBIENTAL DE
DRAGAGEM E DISPOSIÇÃO
FINAL DO MATERIAL DRAGADO: Aprovada pela Deliberação CECA n®
4.232, de 26 de novembro de 2002. Publicada no DOERJ de 31 de
dezembro de 2002.
81 TRF 4: ENQ.- INQUÉRITO. Processo: 2004.04.01.029151-3/ PR.
QUARTA SEÇÃO. DJU DATA 04/05/2005 PÁGINA 448. Relator
Desembargador Federal NÊFI CORDEIRO. “PENAL CRIME CONTRA O
MEIO AMBIENTE. ARTIGOS 50 E 60 DA LEI N® 9.605/98. DRAGAGEM
DE CANAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. OBRA DE INTERESSE
PÚBLICO. OBTENÇÃO DE LICENÇA. REGULARIZAÇÃO DA ATIVIDADE.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. 1. Na
hipótese em tela, restou demonstrado que, mediante
requerimento da comunidade, o Prefeito Municipal autorizou a
dragagem do leito de um canal, a fim de possibilitar aos
pescadores locais acesso à Baia de Guaratuba, dificultado
pelo assoreamento do curso d’água. 2. Concomitantemente ao
inicio das obras, restou requerida ao Instituto Ambiental do
Paraná a expedição de licença, a qual só foi expedida alguns
meses depois, devido aos trâmites burocráticos. 3. Nesse
contexto, além da operação de dragagem ter sido motivada por
relevante interesse social, em face da situação de urgência
da comunidade que sobrevive da pesca, certo é que o
denunciado protocolou pedido de autorização e logrou obter a
respectiva licença ambiental, regularizando as atividades,
ainda que posteriormente à lavratura do auto de infração. 4.
Denúncia que se rejeita, por mostrar-se evidenciada a
ausência de justa causa para a instauração da persecudo
criminis in judicio.”
Direito Ambiental
As dragagens têm. suscitado muita polêmica judicial, embora
se possa afirmar que, majoritariamente, as Cortes Judiciais,
no mesmo diapasão com os órgãos técnicos, têm considerado que
as dragagens são positivas em relação ao meio ambiente.
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DRAGAGEM DA MARGEM DA
LAGOA FEIA. DANOS AO MEIO AMBIENTE. OBRAS CONCLUÍDAS, APESAR
DE LIMINAR CONCEDIDA PELO JUÍZO COMPETENTE. PREPONDERÂNCIA DE
INTERESSES DE CUJA ANÁLISE SE CONCLUI SER MAIS PREJUDICIAL AO
INTERESSE PÚBLICO O DESFAZIMENTO DAS OBRAS. CONDENAÇÃO DO
MUNICÍPIO, TODAVIA, A SE ABSTER DE REALIZAR QUALQUER ATIVIDADE
NA ÁREA E QUE IMPORTE DANO AO MEIO AMBIENTE, SOB PENA DE
MULTA. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM
VERBAS SUCUMBENCIAIS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA A NÃO SER NA HIPÓ-
TESE DE MÁ-FÉ. PROVIMENTO AO PRIMEIRO E IMPROVIMENTO AO
SEGUNDO APELO. I - Se, apesar de concedida liminar, concluiu-
se a obra, o seu desfazimento importaria dano muito maior,
quer ao meio ambiente, quer ao interesse público; II -
Condenação do Município, todavia, na abstenção de realizar
qualquer atividade na área e que importe ampliação do dano,
sob pena de multa; III - Ê descabida a condenação do
Ministério Público em verbas sucumbenciais em ação civil
pública, exceto quando comprovada má-fé; IV - Provimento ao
primeiro e improvi- mento ao segundo recurso.”
A Medida Provisória ns 393, de 19 de setembro de 2007,
convertida na Lei ns 11.610, de 12 de dezembro de 2007, que
“institui o Programa Nacional de Dragagem Portuária e
Hidroviária, e dá outras providências”, em seu artigo ls,
estabelece que: “ffca instituído o Programa Nacional de
Dragagem Portuária e Hidroviária, a ser implantado pela
Secretaria Especial de Portos da Presidência da República e
pelo Ministério dos Transportes, por intermédio do
Departamento Nacional de Infra- Estrutura de Transportes -
DNTT, nas respectivas áreas de atuação. § ls O Programa de que
trata o caput abrange as obras e serviços de engenharia de
dragagem do leito das vias aquaviárias, compreendendo a
remoção do material sedimentar submerso e a escavação ou
derrocamento do leito, com vistas à manutenção da profundidade
dos portos em operação ou a sua ampliação, bem assim as ações
de licenciamento ambiental e as relativas ao cumprimento das
exigências ambientais decorrentes.” Como se pode ver, a norma
é ambígua e não fica claro se o licenciamento ambiental das
dragagens será realizado no interior dos órgãos do Programa
Nacional de Dragagem, ou se tal atribuição remanesce nos
órgãos ambientais. Penso que o mais adequado seria a
manutenção do atual do status quo. Este, por fim, foi o
posicionamento do legislador que, ao converter a MP em lei,
deu nova redação ao § le, que ficou assim redigido: “§ I- O
Programa de que trata o caput deste artigo abrange as obras e
serviços de engenharia de dragagem do leito das vias
aquaviárias, compreendendo a remoção do material sedimentar
submerso e a escavação ou derrocamento do leito, com vistas à
manutenção da profundidade dos portos em operação ou na sua
amphação,” retirando-se o licenciamento ambiental do DNIT.
Zoneamento
Capítulo VI Zoneamento
1. Introdução
As principais disputas envolvendo temas ambientais, em sua
essência, dizem respeito à repartição do território de forma a
possibilitar diferentes usos concomitantes do espaço
geográfico, seja ele o solo, o espaço aéreo ou as águas. De
fato, geralmente, existem concepções diferentes quanto à
utilização de uma parcela do espaço geográfico e, na falta de
regras claras que destinam determinada região para um ou
vários usos específicos, o conflito se estabelece de forma
inexorável. Tais conflitos, em especial quanto ao uso do solo,
não se limitam aos usos contemporâneos, visto que, em diversas
oportunidades, os usos passados têm repercussão sobre os usos
presentes e mesmo futuros. Refiro-me, por exemplo, às
dificuldades ocasionadas pela contaminação de lençóis
freáticos, subsolo etc. O zoneamento, neste contexto, é uma
medida de ordem pública cujo objetivo é arbitrar e definir os
usos possíveis, estabelecendo regras aptas a definir como e
quando serão admitidas determinadas intervenções sobre o
espaço.
Não seria exagerado afirmar que, conjuntamente com o
licenciamento ambiental, o zoneamento é um dos mais
importantes instrumentos institucionais de prevenção aos danos
ambientais e de controle das atividades potencialmente
poluidoras. Infelizmente, como se verá, ambos os instrumentos
padecem das vicissitudes típicas de países com precário grau
de institucionalização, agências ambientais e urbanísticas com
orçamentos modestos e pressões populacionais que,
frequentemente, são irresistíveis.
O zoneamento se originou nas sociedades industrializadas e
urbanizadas, assim como na necessidade de definição de áreas
com padrões de ocupação claros. Desta forma, foi nos direitos
norte-americano e inglês que a questão se colocou primeira-
mente. No Direito norte-americano, o termo zoning é definido
como:1
The division of a city or town hy legislative regulation
into districts and the prescription and application in each
district of regulations having to do with structural and
architectural designs of buildings and of regulations pres-
cribing use to which buildings within designated districts may
be put. Division of land into zones, and within those zones,
regulation of both the nature of
1Blacks Law Dicüonaxy, St. Paul: West Publishing, 6th.
Edition, 1991, p. 1.114.
Direito Ambiental
land use and physical dimensions of uses including height
setbacks and mini- mum aiea.
Também a França adotou critérios de zoneamento. Assim, o
Professor Yves Prats,2 ao examinar a matéria no Direito galês,
assim definiu zoneamento:
Tradução, muitas vezes criticada, dozoning anglo-saxão, cujo
conteúdo no direito urbanístico, na França, é mais preciso e
mais restrito. É a técnica consistente em determinar nos
documentos de planificação urbana o destino da utilização do
solo segundo a natureza das atividades dominantes, definindo
aquelas que serão permitidas.
Os autores brasileiros, em geral, têm concordado com os
estudiosos estrangeiros. Vejamos três exemplos que nos são
fornecidos pela doutrina especializada. Para o Professor Diogo
Figueiredo Moreira Neto:
Zoneamento não é mais que uma divisão física do solo em
microrregiões ou zonas em que se promovem usos uniformes; há,
para tanto, indicação de certos usos, exclusão de outros e
tolerância de alguns. A exclusão pode ser absoluta ou
relativa?
Na mesma linha, o Professor José Afonso da Silva afirma que:
Zoneamento ~ constitui um procedimento urbanístico, que tem
por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos
edifícios em áreas homogêneas no interesse coletivo do bem-
estar da populaçãoA
O Ministro do STF, Professor Eros Roberto Grau, sustenta
que:
Zoneamento é a divisão de um território - municipal - a
partir de determinados critérios.5
De fato, existe zoneamento quando são estabelecidos
critérios legais e regulamentares para que em determinados
espaços geográficos sejam fixados usos permitidos, segundo
critérios preestabelecidos. Tais usos, uma vez estabelecidos,
tomam-se obrigatórios, tanto para o particular, quanto para a
Administração Pública, constituindo-se em limitação
administrativa incidente sobre o direito de propriedade. Os
critérios a serem utilizados para o zoneamento são fixados
unilateralmente pela
2 Apud Pierre Merlin. Dictionoire de L’urbanisme et de
L’amenagement, Paris: PUF, 1988, p. 715.
3 Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico,
Rio de Janeiro: Forense, 2« ed., 1977, p. 87.
4 Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo: RT, 1981, p. 291.
5 Direito Urbano, São Paulo: RT, 1983, p. 98.
fSSJ * Ènsino Superior Sss^u káêm
Zoneamento
Administração Pública, através de ato próprio, ou mediante
obrigatória consulta à população interessada.6 O
estabelecimento de zonas especiais destinadas a determinados
fins integra o poder discricionário da Administração Pública,
conforme desde há muito vem sendo reconhecido pelo STF.7 Quando
o zoneamento se impuser sobre propriedade privada, não poderá
vedar os usos preexistentes, sob pena de violação de direitos
adquiridos.8 Merece ser observado que, uma vez que ele tenha
sido estabelecido, toda e qualquer atividade a ser exercida na
região submetida a uma norma de zoneamento passa a ser
vinculada, isto é, não poderão ser admitidas pela Adminis-
tração Pública atividades que contrariem as normas
estabelecidas para o zoneamento. Os particulares têm,
portanto, o direito de exigir que se faça cumprir o zonea-
mento. Por exemplo, se residimos em uma região classificada
como exclusivamente residencial, temos o direito de exigir
judicialmente que a prefeitura não conceda alvará para a
localização de uma boate, ou outra atividade que possa
implicar incômodo para a vizinhança. Somente por mecanismo
legal de hierarquia superior ou igual àquele que tenha
estabelecido o zoneamento é que se poderá alterá-lo. Aqui
existe um problema muito grave, que é o causado pela ocupação
desordenada do solo e, principalmente, por uma certa tendência
das autoridades públicas a fazer “vista grossa” às violações
de normas de zoneamento. De fato, muitas vezes, sob o argu-
mento de “fato consumado”, permite-se que áreas de proteção
ambiental, áreas de preservação permanente e outras unidades
de conservação sejam ocupadas e totalmente descaracterizadas.
Isto para não se folar na descaracterização de áreas urbanas.
O que se observa é que, ao permitir que as normas de um
determinado zoneamento sejam descumpridas, a municipalidade
acaba desempenhando o papel de agente indutor do
descumprimento do zoneamento em geral, acirrando a
ilegalidade.
O zoneamento é contemporâneo do urbanismo e, de feto, foi
com o planejamento das modernas cidades industriais que ele
surgiu. A propósito, vale recordar a lição de Gaston Bardet,9
que afirma: “Foi na Inglaterra, berço da grande indústria,
6 LEI Na 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. (...) Art. 22. As
unidades de conservação são criadas por ato do Poder
Público. § Io (VETADO). § 2a A criação de uma unidade de
conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de
consulta pública que permitam identificar a localização, a
dimensão e os limites mais adequados para a unidade,
conforme se dispuser em regulamento. § 3a No processo de
consulta de que trata o § 2°, o Poder Público é obrigado a
fornecer informações adequadas e inteligíveis à população
local e a outras partes interessadas. § 4® Na criação de
Estação Ecológica ou Reserva Biológica, não é obrigatória a
consulta de que trata o § 2a deste artigo. § 5® As unidades
de conservação do grupo de Uso Sustentável podem ser
transformadas total ou parcialmente em unidades do grupo de
Proteção Integral, por instrumento normativo do mesmo nível
hierárquico do que criou a unidade.
7 STF - RE - embargos - EMBARGOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
51972. ADJ: 14-11-1963, p. 01165. Relator Ministro CÂNDIDO
MOTTA: “Não sai de sua órbita constitucional a lei municipal
que propõe o zoneamento urbano, com faculdade ao prefeito de
incluir, conforme a conveniência da cidade, este ou aquele
logradouro público."
8 STF — RE: 92845/SP - São Paulo. DJU: 19-09-1980» p. 7206.
Relator Ministro Cunha Peixoto. “Estabelecimento industrial
para exploração de pedreira regularmente licenciado pela
municipalidade — lei posterior do município, alterando o
zoneamento da cidade. Não pode o poder público, 'raanu
militari’, interromper o funcionamento do estabelecimento
industrial, regularmente licenciado de acordo com os usos
conformes, sob pena de se ferir direito adquirido. Recurso
Extraordinário conhecido e provido. ”
9 O Urbanismo, Campinas: Papirus, 1990, p. 18.
Direito Ambiental
onde a miséria dos guetos dos trabalhadores amedrontou os mais
realistas, que se multipUcaram normalmente as reações contra a
cidade monstruosa/7 Desde 1816, o industrial Robert Owen
observava ‘a atenção que se consagra à máquina morta, à falta
de consideração pela máquina viva’. As oposições que encontrou
fizeram-no compreender que a grande cidade e a sua economia
são um mal, não somente para a classe trabalhadora, como para
a sociedade inteira, e que “a moradia sã e barata não é um
produto normal da sociedade capitalista” (Catherine Bauer). Na
verdade, hoje nós sabemos perfeitamente que atrás da fábrica
vêm os operários, atrás das cidades vem o crescimento das
populações etc. A economia industrial e de escala é essencial-
mente urbana. As estatísticas mais modernas indicam um número
cada vez maior de pessoas vivendo em cidades, muitas vezes em
condições extremamente precárias.10 O caos gerado pela
urbanização e pela industrialização produz consequências que
somente agora começam a ser avaliadas. Os principais problemas
ambientais globais, pode-se dizer, têm sua origem na
urbanização e na industrialização. Efeito estufa, depleção da
camada de ozônio, desflorestamento, dificuldades de
abastecimento de água, contaminação por produtos químicos,
todos estes assuntos têm suas raizes comuns na urbanização e
na industrialização.
O zoneamento, originalmente, íundou-se em intervenção
estatal sobre a ocupação do solo e das formas de sua
utilização, visando diminuir ou manter “sob controle” os
efeitos negativos que, inevitavelmente, são gerados pelo
processo de crescimento industrial e urbano, daí se dirigiu
para regulamentar praticamente todos os espaços geográficos,
não se limitando mais apenas ao solo.
As zonas industriais, que são as mais longevas formas de
zoneamento, resultantes da intervenção do Poder Público,
tiveram sua origem na Inglaterra, em 1897, na região de
Manchester. Na França, foi somente em 1950 que estas
apareceram, na região de Chalons-sur-marne.11 No Brasil, o
maior projeto urbanístico jamais empreendido foi a construção
de Brasília, que, não obstante o seu alto custo e as projeções
de crescimento urbano, econômico e social que então foram
realizadas, está completamente superado e passa pelas mesmas
dificuldades vividas por cidades que não foram planejadas.
2. Zoneamento
O Direito brasileiro, especialmente após a Constituição de
1988, ultrapassou o conceito puramente urbanístico de
zoneamento. Como já foi visto acima, o zoneamento pode ser
utilizado em várias situações diversas.
10 “Cerca de 44% da população urbana da América Latina vive em
favelas ou habitações precárias, segundo
um relatório preliminar da Cepai (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe) sobre o assunto”, in
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/
2005/01/050119_cepalcg.shtml, capturado aos 19 de fevereiro de
2005.
Zoneamento
O zoneamento é utilizado no DA como instrumento da PNMA,
embora não se restrinja a essa condição. Como instrumento
jurídico, o zoneamento ingressou em nosso direito positivo
como uma ferramenta de proteção à saúde humana, tal qual
ocorreu em outras nações. Atribui-se à Lei n9 5.027, de 14 de
junho de 1966, que instituiu o Código Sanitário do Distrito
Federal, a condição de um dos diplomas legais pioneiros na
matéria. O artigo 62 da referida lei determinou a divisão do
território do Distrito Federal em três áreas:
a) a área metropolitana;
b) as áreas dos núcleos satélites; e
c) área rural.
Em cada uma dessas áreas foram estabelecidos usos permitidos
e critérios para a autorização de atividades no interior de
cada uma das zonas delimitadas.
3- Zoneamento Ambiental
O zoneamento, repita-se, é uma importante intervenção
estatal na utilização de espaços geográficos e no domínio
econômico, organizando a relação espaço-produ- ção, alocando
recursos, interditando áreas, destinando outras para estas e
não para aquelas atividades, incentivando e reprimindo
condutas etc. O zoneamento é fruto da arbitragem entre
diferentes interesses de uso dos espaços geográficos, reconhe-
cendo e institucionalizando os diferentes conflitos entre os
diferentes agentes. Ele busca estabelecer uma convivência
possível entre os diferentes usuários de um mesmo espaço.
3.1. Zoneamento federal
As bases constitucionais para o zoneamento são bastante
amplas. A primeira, evidentemente, decorre do poder de polícia
do Estado. O artigo 21, inciso Dí,12 da CF, fornece uma
primeira referência do poder-dever da União em relação ao
zoneamento. A União pode, ainda, conforme permissivo contido
no artigo 4313 da Cons
12 CF, Art. 21. Compete à União: (...) BC— elaborar e executar
planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e sociaL
13 Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá
articular sua ação em um mesmo complexo geoeco- nômico e
social, visando a seu desenvolvimento e à redução das
desigualdades regionais. § l5 - Lei complementar disporá
sobre: I — as condições para integração de regiões em
desenvolvimento; II — a composição dos organismos regionais
que executarão, na forma da lei, os planos regionais,
integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento
económico e social, aprovados juntamente com estes. § 2® -
Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na
forma da lei: I — igualdade de tarifes, fretes, seguros e
outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder
Público; II — juros favorecidos para financiamento de
atividades prioritárias; III — isenções, reduções ou
diferimento temporário de tributos federais devidos por
pessoas físicas ou jurídicas; IV—prioridade para o
aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de
água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda,
sujeitas a secas periódicas. § 3® - Nas
Direito Ambiental
tituição de 1988, articular sua ação em um mesmo complexo
geoeconômico e social, visando ao desenvolvimento e à rednção
das desigualdades regionais. Também poderá a União estabelecer
os zoneamentos definidos na Lei do SNUC, de acordo com
mandamento constitucional contido no artigo 225,14 muito embora
não se trate de uma competência exclusiva ou privativa da
União.
3.2. Zoneamento Estadual
Os Estados, por força do artigo 25, § 3a,15 poderão, mediante
lei complementar, instituir regiões metropolitanas,16
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum. Observe-se que, ao município, não compete
concordar ou discordar de sua inclusão em um dos instrumentos
de gestão urbanísticas acima mencionados. Compete-lhe, única e
exclusivamente, a eles
áreas a que se refere o § 2a, IV, a União incentivará a
recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e
médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas
glebas, de fontes de água e de pequena irrigação.
14 CF. Art. 225. (...) § 1° — Para assegurar a efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III —
definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção.
15 C.F. Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição (...) § 3a — Os Estados poderão, mediante
lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum.
16 STF - ADI 2809 / RS - Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA.
Tribunal Pleno. DJU: 30-04-2004, p. 28. EMENTA: AÇÃO DIRETA
DE INCONSTTTUCIONALIDADE. REGIÃO METROPOLITANA. INTERESSES
COMUNS. PODER LEGISLATIVO ESTADUAL. LEGITIMIDADE. MUNCÍPIOS
LIMÍTROFES. LEI COMPLEMENTAR. VÍCIO FORMAL E MATERIAL NA
LEI. INEXISTÊNCIA. INOBSERVÂNCIA AO ARTIGO 63 DA CF.
ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Região metropolitana. Municípios
limítrofes. Observância do disposto no artigo 25, § 3o, da
Carta Federal, que faculta ao estado-membro criar regiões
administrativas compostas de municípios limítrofes,
destinadas a regular e executar funções e serviços públicos
de interesses comuns. 2. Criação de regiões metropolitanas.
Exigência de lei complementar estadual. Inclusão de
município limítrofe por ato da Assembléia Legislativa.
Legitimidade. Constitui-se a região administrativa em um
organismo de gestão territorial compartilhada em razão dos
interesses comuns, que tem no Estado-Membro um dos
partícipes e seu coordenador, ao qual não se pode imputar a
titularidade dos serviços em razão da unidade dos entes
envolvidos. Ampliação dos limites da região metropolitana.
Ato da Assembléia Legislativa. Vício de iniciativa.
Inexistência. 3. Lei Complementar. Existência de limites
territoriais. Observância dos requisitos constitucionais.
Inocorrência de vicio formal ou material. 4. Violação ao
artigo 63,1, da CF. Inclusão de município no âmbito da
região metropolitana instituída. Aumento de despesa em
projeto de iniciativa do Poder Executivo. Inexistência. A
alocação de recursos financeiros específicos no orçamento
estadual e municipal é destinada à organização, planejamento
e gestão da região metropolitana, no âmbito da qual está
inserido o munidpio limítrofe. 5. Despesa fixa vinculada à
região metropolitana. Ausência de ônus maior para o Estado
na realização de obras e serviços. Obrigatoriedade de prévia
autorização orçamentária específica. Observância. Ação
julgada improcedente.
Zoneamento
se integrar da forma mais ampla possível.17 Mesmo a
manifestação plebiscitária da população diretamente
interessada foi declarada inconstitucional pelo STF.18
3.3. Zoneamento Municipal
Os Municípios são os entes políticos, integrantes da
federação, aos quais estão reservadas as mais importantes
tarefas em matéria de zoneamento, visto que a utilização do
solo, como regra, é um interesse essencialmente local. No
âmbito da política urbana, os Municípios têm a importante
tarefa de editar os planos diretores, que são obrigatórios
para cidades com mais de 20.000 habitantes. O plano diretor é
o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana. É através dele que as cidades podem projetar o
desenvolvimento e fixar critérios jurídico-urbanís- ticos para
a ocupação racional do solo. Até mesmo no setor agrário, a
atividade municipal, igualmente, é importante, pois os planos
diretores é que irão fixar as regiões voltadas para a
atividade agrícola, delimitando a utilização do solo
municipal. O estabelecimento de zonas urbanas e de zonas
rurais, como é óbvio, é da maior importância para a proteção
ambiental.
3.4. Zoneamento Ambiental Urbano
O zoneamento urbano alcançou grande desenvolvimento desde a
sua criação e não se limita mais às clássicas funções de
separar a indústria da população em geral, como forma de
reduzir os impactos da industrialização com referência à
sociedade. Não. Hoje o zoneamento urbano é muito mais complexo
e, constantemente, são criados novos instrumentos de
intervenção urbanística. Doravante serão examinados alguns.
17 STF - ADI 1841 MC/RJ. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Tribunal
Pleno. DJU: 28-08-1998, p. 2. Ementa REGIÃO METROPOLITANA -
AGLOMERAÇÃO URBANA OU MICRORKEGIÃO - CRIAÇÃO - REQUISITO -
APROVAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL. Ao primeiro exame, discrepa
do § 3« do artigo 25 da CF norma de Carta de Estado que
submete a participação de município em região metropolitana,
aglomeração urbana ou microrregião à aprovação prévia da
câmara municipal. Liminar deferida para suspender a eficácia
do preceito em face do concurso da relevância da
argumentação jurídico-cons- titucional, da conveniência e do
risco de manter-se com plena eficácia o preceito,
obstaculizada que fica a integração e realização das funções
públicas de interesse comum.
18 STF - ADI 796 / ES - Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA.
Tribunal Pleno. DJU: 17-12-1999, p. 2. EMENTA: — Ação Direta
de Inconstitucionalidade. 2. Constituição do Estado do
Espírito Santo, art. 216, § 1°. Consulta prévia, mediante
plebiscito, às populações diretamente interessadas, para
criação de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. 3.
Impugnação em face do art. 25, § 3a, da CF. Previsão de ple-
biscito, para inteirar-se o processo legislativo estadual,
em se tratando de criação ou fusão de municípios, “ut” art.
18, § -é2, da Lei Magna federal, não, porém, quando se cuida
da criação de regiões metropolitanas.
4. Relevância dos fundamentos da inirial e “periculum em mora”
caracterizados. Cautelar deferida, para suspender, “ex nunc”,
a vigência do parágrafo 1° do art. 216 da Constituição do
Estado do Espírito Santo.
5. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. Declarada
a inconstitucionalidade do § 1° do art. 216, da Constituição
do Estado do Espírito Santo.
Direico Ambiental
3.4.1. Zonas de Uso Industrial (ZUI)
As zonas industriais podem ter origem “espontânea”ou
"induzida"pelo Poder Público. As zonas industriais formadas
“espontaneamente” são aquelas que se criam ém função da
existência de capitais, mercados e capacidade técnica em
certas regiões estimulam a implantação de indústrias, e os
melhores exemplos brasileiros são a cidade e o Estado de São
Paulo. As zonas industriais induzidas são aquelas cuja loca-
lização é determinada pela Administração Pública e é resultado
de políticas de incentivos fiscais e outros mecanismos
empregados pelo Estado para a atração de investimentos. Como
exemplo pode ser citado o polo petroquímico de Camaçari, ou
outras regiões construídas especificamente para abrigar
indústrias.
No Direito brasileiro, a definição legal da necessidade de
mecanismos para combate à poluição nas zonas industriais teve
início com o Decreto-Lei ns 1.413, de 14 de agosto de 1975, que
dispôs sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada
por atividades industriais, e, em seu artigo ls, determinou que
as indústrias instaladas ou as que fossem ser instaladas em
território nacional ficavam obrigadas a promover medidas
necessárias para prevenir ou corrigir os inconvenientes e
prejuízos causados pela poluição e contaminação do meio
ambiente. É importante observar que a norma teve efeito
retroativo, pois não reconheceu nem poderia reconhecer o
“direito adquirido”a poluir. Assim foi porque o artigo 4Ô do
mencionado decreto-lei estabeleceu que:
Nas áreas críticas, será adotado esquema de zoneamento
urbano, objetivando, inclusive, para as situações existentes,
viabilizar alternativa adequada de nova localização, nos casos
mais graves, assim como, em geral, estabelecer prazos
razoáveis para a instalação dos equipamentos do controle de
poluição.
A medida foi extremamente importante e vem sendo aplicada
com bastante êxito. Os tribunais brasileiros, por diversas
vezes, afirmaram a constitucionalidade das normas contidas no
decreto-lei mencionado. O decreto-lei foi posteriormente
revisto pela Lei n9 6.803, de 2 de julho de 1980, que manteve e
aprofundou as determinações referentes à organização da
ocupação do solo urbano com finalidades industriais e de
combate à poluição. O importante § 39 do artigo l9 da Lei n9
6.803 determina que:
As indústrias ou grupos de indústrias já existentes, que não
resultarem confinadas nas zonas industriais definidas de
acordo com esta Lei, serão submetidas à instalação de
equipamentos especiais de controle e, nos casos mais graves, à
relocalização.
A norma estabeleceu um importante padrão a ser observado e
que, desde a sua edição, vem se desenvolvendo e aprofundando.
A atividade industrial, conforme o teor da norma, deve se
realizar dentro de condições que sejam capazes de, concomi-
tantemente, assegurar o prosseguimento da produção e o menor
nível possível de
Zoneamento
incômodos a terceiros. O parágrafo estabeleceu uma solução:
instalação de equipamentos especiais de controle, que se se
revelarem insuficientes para preservar as condições de
salubridade ambiental, poderá ser seguida da relocalização da
indústria. Esta segunda solução, entretanto, é bastante
complexa, pois envolve a necessidade d<e recursos financeiros,
transferência de empregos, existência de áreás livres e muitas
outras questões que não são de simples resolução.
Foi a partir da instituição de áreas críticas de poluição
que se iniciou um processo mais sistemático e coerente de
delimitação de espaços urbanos com a finalidade de, proteção
ao meio ambiente. Nestas áreas, as zonas destinadas à
instalação de unidades industriais devem ser definidas em
esquema de zoneamento que seja capaz de compatibilizar as
atividades industriais com a preservação e a proteção
ambientais.
As categorias básicas definidas pela legislação são as
seguintes:
a) 2ona de uso estritamente industrial;
b) zona de uso predominantemente industrial; e
c) ^zonas de uso diversificado. .
As zonas industriais,19 independentemente da categoria em
que estejam classificadas, podem, ainda,' ser classificadas
em:
a) não saturadas;
b) em vias de saturação; e ’ .
c) • saturadas. .
3.4.1.1. Direito de Pré-Ocupação e Relocalização
Como já foi dito, a indústria é um indutor de população e
atrai grande quantidade de pessoas para o seu entorno, gerando
aglomerações urbanas ^ Esse crescimento, muitas vezes, cria
condições de vida extremamente difíceis e prejudiciais à saúde
dos trabalhadores, bem como, não raro, causa danos profundos
ao meio ambientfe. Todo este conjunto de circunstâncias pode
acarretar a absoluta impossibilidade técnica de manter a
instalação industrial no local em que se encontra situada e,
conco- mitantemente, assegurar níveis mínimos de salubridade’.
É a clássicà situação na qual a indústria acaba se
transformando em uma espécie de “ilha”, cercada pelos mais
diferentes tipos de atividades não industriais que se
transformam em risco para os seus moradores e, ao mesmo tempo,
passam a ser um risco para a própria indústria. Gera-se uma
convivência difícil e, quase sempre, danosa para ambas as
partes, isto é, para a comunidade e para a própria indústria.
Uma abordagem inicial da questão se focava na questão de j
que a população deveria tér que conviver com a indústria,
visto que a fábrica tinha chegado primeiro à região. Quase
sempre se colocava a questão de se saber se existia, ou não,
para í
19 Lei n® 6.803/80, art. 5».
Direito Ambiental
instalação industrial, o direito adquirido a permanecer no
local em que se encontrava, retirando-se a comunidade do
entorno da instalação. A este “direito”, se dá o nome de
direito à pré-ocupação, visto que a fábrica estava localizada
antes daqueles que ocuparam o seu entorno. Coerentemente com
esta lógica, argumentava-se que os problemas não teriam sido
causados pela instalação industrial, mas, ao contrário, por
aqueles que se dirigiram para o mencionado entorno.
Não é necessário frisar que, no caso, qualquer dos poios da
discussão está utilizando argumentos extremamente simplistas e
que não servem para resolver a questão, como a realidade nos
demonstra a cada dia. Enfrentar o problema em termos de um
direito de pré-ocupação é fugir das questões centrais
envolvidas na questão.
Tanto o Decreto-lei n9 1.413/75 como a Lei ns 6.803/80
apresentam um importante conceito jurídico, que é o do não-
reconhecimento ao direito adquirido de pré- ocupacão do solo.
Qual o significado do preceito? O que a lei pretende afirmar,
e afirma, é que uma empresa, mesmo que regularmente licenciada
e autorizada em determinado local, pode ser transferida deste
local para outro, desde que as condições de convivência entre
a comunidade e ela se tomem absolutamente insuportáveis em
razão da poluição produzida pela unidade industrial. Chamo a
atenção para o fato de que o mero incômodo da vizinhança não é
suficiente para determinar uma medida tão drástica. Isto é
possível na medida em que o licenciamento ambiental, em reali-
dade, é feito mediante a concessão de licenças
administrativas, por prazo certo. No fim do prazo da licença,
caso as condições ambientais tenham se agravado de forma
crítica, em tese, seria possível o início de um processo de
relocalização. Ao mesmo tempo, e compreendendo as imensas
dificuldades referentes a uma eventual relocalização de
instalações industriais, o artigo 12, parágrafo único, da Lei
na 6.803/80, determina que:
Art. 12. Os órgãos e entidades gestores de incentivos
governamentais e os bancos oficiais condicionarão a concessão
de incentivos e financiamentos às indústrias, inclusive para
participação societária, à apresentação da licença de que
trata esta Lei.
Parágrafo único. Os projetos destinados à relocalização de
indústrias e à redução da poluição ambiental, em especial
aqueles em zonas saturadas, terão condições de financiamento a
serem definidos pelos órgãos competentes.
Há, portanto, uma obrigação legal e oponível ao Poder
Público no sentido de que os organismos oficiais de crédito
forneçam créditos capazes de viabilizar efetivamente o combate
à poluição industrial. É importante que se observe que, não
raras vezes, quando ocorre o cercamento de uma indústria, a
própria indústria pode passar a ter interesse em se
relocalizar, em função dos riscos que a sua presença em meio a
uma comunidade pode representar. Há que se exigir que o Poder
Público, em qualquer uma de suas esferas, aja de forma
eficiente para impedir que a desorganização urbana acabe
resultando em prejuízo para as populações mais desfavorecidas
e, até mesmo, para a própria arrecadação municipal, visto que,
muitas vezes, diante de uma convivência impossível com
comunidades que praticamente invadem áreas indus
Zoneamento
triais, muitas fábricas chegam a se mudar de município,
gerando o fenômeno conhecido como desindustrialização.
3.4.1.1.1. Posição dos Tribunais
A jurisprudência brasileira, inicialmente, não havia se
conscientizado da importância das normas jurídicas
concernentes ao combate à poluição industrial e da importância
do zoneamento ambiental no contexto. É de imperiosa
necessidade que o sistema de zoneamento seja respeitado e
implementado como condição para a garantia de uma boa
qualidade do meio ambiente, bem como para a proteção da saúde
humana e o adequado desempenho das atividades produtivas. Não
poucas vezes, os tribunais entenderam que, ao se tratar de
poluição industrial, não se pode esquecer o “direito de pré-
ocupação”, isto é, caso a instalação industrial estivesse
fixada na região antes das populações que se consideram
prejudicadas pela poluição, não se poderá determinar a
relocalização ou mesmo a interdição da atividade poluidora.20
Pode aquele que, voluntariamente, se aproxima de inna fonte
poluidora, já
consolidada pelo tempo, exigir sua paralisação? Aproximou-se
por quê? .
A tese do direito de pré-ocupação não é uma criação
brasileira e tem obtido acolhida em alguns julgados realizados
em outros países, como demonstra Francis Caballero.21
A industrialização é um fenômeno essencialmente urbano. A
expansão da industrialização e, em consequência, a construção
de fábricas atraem grandes contingentes de população das áreas
rurais para as cidades e, mais especificamente, para o entorno
das instalações industriais, pois é nestes locais que se
encontram, pelo menos em tese, as maiores possibilidades de
trabalho e emprego. Tal deslocamento de população, na direção
campo-cidade, faz-se em razão da necessidade de trabalho para
aqueles que irão ser os operários das indústrias e das
oportunidades de prestação de serviços para a indústria e seus
operários para aqueles que se estabelecem no setor de
serviços. É da própria lógica industrial a construção de
aglomerados em tomo das fábricas, caso não haja uma
observância estrita das normas de Zoneamento.
A existência de instalações industriais é um fator de
atração de população. A liberdade de escolha de locais para
habitar, reservada aos operários e àqueles que prestam
serviços à população que vive no entorno da instalação
industrial, é, praticamente, inexistente, pois a ela se
dirigem em busca de sua sobrevivência. E de extrema crueldade
sustentar-se que aqueles que precisam viver de seu trabalho
não devem opor-se às condições ambientalmente negativas às
quais estão submetidos em
20 Tribunal de Alçada de Minas Gerais, AC n9 45.501-1, relator
Juiz Schalcher Ventura, in Meio Ambiente nos Tribunais, Rio
de Janeiro: Esplanada, 1992, pp. 30 e seguintes.
21 Essai sur Ia Notion Juridique dè Nuisance, Paris: LGDJ,
1981, pp. 261 e seguintes.
202
Direito Ambiental
seu dia-a-dia. Além de cruel, é antijurídico opor-se o
pretenso direito de poluir ao direito humano fundamental à boa
saúde e ao meio ambiente sadio. O Poder Público Municipal tem
uma parcela relevantíssima, senão a maior, de culpa, pois não
impede a construção de habitações em locais de risco, sejam
eles o entorno de fábricas, sejam encostas de morros ou beira
de rios.
A propósito da construção social da vida dos pobres nas
cidades, veja-se a lição de Gaston Bardet:22
O afluxo das populações operárias para as cidades modernas
levou à noção, contemporânea e desumana, de subúrbios
exclusivamente operários. A necessidade de pôr ordem
igualmente levou a considerar as zonas ditas industriais
separadas das zonas residenciais, bem como preservar as
pequenas casas de campo da vizinhança indesejável dos prédios
de aluguel (...) Esse espírito separatista, excelente no que
diz respeito a descartar os elementos nocivos, é catastrófico
em consequência de sua má aplicação, que contribuiu para
acentuar o isolamento da classe operária em zonas
desfavoráveis.
Os tribunais brasileiros, no particular, evoluíram muito no
sentido de compreender mais profundamente o significado das
normas jurídicas de combate à poluição industrial e,
certamente, decisões como aquela, que foi examinada acima,
atualmente, são amplamente minoritárias e não possuem mais
qualquer importância como precedente judicial. Os tribunais
têm enfrentado questões as mais diversas e, em geral, têm
atendido plenamente às necessidades de proteção ambiental.
Passaremos a apresentar alguns exemplos que julgamos
significativos.
Especificamente naquilo que diz respeito à relocalização de
empresa poltiidora, é muito significativo o seguinte acórdão
proferido pelo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:23
Indústria. Ruídos e exalação de gases. Fixação da multa. 1 -
Não importa que a ré tenha transferido, após a propositura da
ação, a maior parte de sua maquinaria para outro local, porque
têm os autores interesse em que a situação existente no
momento da propositura não seja restabelecida. Quanto à queima
do material não importa que não tenha sido provada a
nocividade dos gases exalados, uma vez que a simples emissão
de odores fétidos é incômodo suficiente que viole os deveres
de vizinhança e que deve ser reprimido. O valor da multa t
diária deve ser suficientemente elevado para tomar efetiva a
sanção, compensando plenamente eventual resultado da atividade
industrial, realizada com infração à ordem judicial. De nada
adiantaria fixar multa ínfima se, exercendo as atividades
vedadas, a apelante colhesse lucros superiores ao valor da
pena.
22 O Urbanismo, Campinas: Papirus, 1990, p. 46.
23 Antunes, Paulo de Bessa. Jurisprudência Ambiental
Brasileira, Rio de Janeiro: Ltunen Juxis, 1995, p. 112.
* ensino Sypssor S^g;
Zoneamento
Outra importante decisão proferida pelo Tribunal de Alçada
Cível de São Paulo24 é a seguinte:
O funcionamento de fábrica em bairro considerado
residencial, que funciona ininterruptamente vinte e quatro
horas por dia, emanando fumaça e ruídos noturnos excedentes ao
máximo permitido de decibéis, deve ter reduzida a sua jornada
de trabalho, como limitação das atividades industriais.
Evidentemente que não caberia ao Tribunal determinar a
relocalização de empresa, pois tal ato é tipicamente
administrativo, entretanto, dentro do seu limite de
competência, a Corte assegurou a tranquilidade do sono dos
habitantes da região.
Porém, a jurisprudência mais recente vem determinando que os
municípios arquem com a responsabilidade de impedir as
"invasões” e tem determinado que, ao colocar infraestrutura no
local, à municipalidade cabe arcar com os prejuízos sofridos
pelos terceiros.25
3.4.2. Zona de Uso Estritamente Industrial (ZEI)
As zonas de uso estritamente industrial destinam-se,
preferencialmente, à localização de estabelecimentos
industriais cujos resíduos sóEdos, líquidos e gasosos, ruídos,
vibrações e radiações possam causar perigo à saúde, ao bem-
estar e à segurança das populações, mesmo depois da aplicação
de métodos adequados de controle e tratamento de efluentes,26
segundo as determinações legais.
As zonas de uso estritamente industrial deverão estar
localizadas em áreas que sejam dotadas das seguintes
características:27
24 Idem, p. 113.
25 STJ- RESP - 235773/RJ. la TURMA. DJU: 27/03/2000, p. 76.
Relator. Ministro José Delgado: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO MDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
INVASÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REEXAME DE PROVA.
IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA N> 07/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
NÃO COMPROVADO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL DA SUA
CONTAGEM. SÚMULA N° 70/STJ. 1. Em sede de recurso especial,
como é elementarmente sabido, não há campo para se revisar
entendimento de segando grau assentado ein prova, haja vista
que a missão de tal recurso é de, apenas, unificara
aplicação do direito federal, conforme está sedimentado na
Súmula no 7, desta Colenda Casa Julgadora: “A pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 2.
Não se conhece de recurso especial fincado na alínea "c”,
inciso HI; do art. 105, da CF/88, quando a alegada
divergência jurisprudencial não é devida e convenientemente
demonstrada, nos moldes em que exigida pelo parágrafo único,
do artigo 541, do CPC, c/c o art. 255 e seus §§, do RISTJ.
Todos os paradigmas apresentados reconhecem que a simples
invasão de propriedade urbana por terceiros, mesmo sem ser
repelida pelo Município, não constitui desapropriação
indireta. Não é o caso dos autos. Concretizada a invasão, o
Município assumiu para si a responsabilidade de oferecer
condições de infra- estrutura de esgoto e luz para que a
população assentada fosse atendida em suas necessidades. 3.
A Súmula nB 70ÍTJ estatui que “os juros moratóríos, na
desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsi-
to em julgado da sentença 4. Recurso parcialmente conhecido
e, nesta parte, provido. ”
26 O Dicionário Aurélio Eletrônico apresenta o seguinte
significado para o vocábulo: Verbete: efluente [Do Iat.
effluente.J Adj. 2 g 1. Que emana de certos corpos
invisivelmente. 2. Tec. Diz-se de corrente de fluido de
processo que sai de um equipamento.
27 Lei nc 6.803/80, art. 2».
Direito Ambiental
a) Elevada capacidade de assimilação de elementos e proteção
ambiental, respeitadas quaisquer restrições legais ao uso do
solo;
b) favoreçam a instalação de infraestrutura e serviços básicos
necessários ao seu funcionamento e segurança;
c) mantenham em seu entorno anéis verdes de isolamento capazes
de proteger as zonas circunvizinhas contra possíveis efeitos
residuais.
Nas zonas estritamente industriais, é proibido o
estabelecimento de toda e qualquer atividade não essencial às
suas funções básicas ou capaz de sofrer efeitos danosos em
decorrência.
3.4.3. Zona de Uso Predominantemente Industrial (ZUPI)
São zonas destinadas, principalmente, à instalação de
indústrias cujos processos, submetidos a métodos adequados de
controle e tratamento de efluentes, não causam incômodos
sensíveis às demais atividades urbanas nem perturbam o repouso
noturno das populações.
Devem ser instaladas em áreas que tenham capacidade de
dotação de uma infra- estrutura adequada e serviços básicos
necessários ao seu funcionamento e segurança; deverão, ainda,
dispor, em seu interior, de área de proteção ambiental que
minimize os efeitos da poluição em relação aos outros usos.
3.4.4. Zona de Uso Diversificado (ZUD)
São zonas destinadas à localização de estabelecimentos
industriais cujo processo produtivo seja complementar das
atividades do meio urbano ou rural em que se situem e com elas
se compatibilizem, independentemente do uso de métodos espe-
ciais de controle de poluição, não ocasionando, em qualquer
caso, inconvenientes à saúde, ao bem-estar e à segurança das
populações vizinhas.
4. Zoneamento Agrícola
O zoneamento agrícola ou agrário é uma transposição, para a
área rural e a atividade agrícola, das disposições de
zoneamento originalmente concebidas para as regiões urbanas.
Atualmente, o zoneamento agrário tem luz própria e não está
mais submetido às influências do zoneamento urbano.
A Lei n9 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da
Terra), foi a primeira lei brasileira a dispor sobre o
zoneamento agrícola. O artigo 43 do referido diploma legal
estabeleceu a competência do Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária28 para a
28 Hoje Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária —
INCRA.
Zoneamento
realização de estudos de zoneamento homogêneo do ponto de
vista socioeconômico e das características da estrutura
agrária.
O estabelecimento de zoneamento agrícola tem por finalidade
a definição de:
a) as regiões críticas que estão exigindo reforma agrária com
progressiva eliminação dos minifúndios e dos latifúndios;
b) as regiões em estágio mais avançado de desenvolvimento
social e econômico, em que não ocorrem tensões nas
estruturas demográficas e agrárias;
c) as regiões já economicamente ocupadas em que predomine
economia de subsistência e cujos lavradores é pecuaristas
careçam de assistência adequada;
d) as regiões ainda em fase de ocupação econômica, carentes de
programa de desbravamento, povoamento e colonização de áreas
pioneiras.
A lei determina algumas circunstâncias que devem ser levadas
em consideração para a caracterização das áreas prioritárias,
quais sejam:
a) posição geográfica das áreas, em relação aos centros
econômicos de várias ordens, existentes no País;
b) o grau de intensidade de ocorrência de áreas em imóveis
rurais acima de mil hectares e abaixo de cinquenta hectares;
c) o número médio de hectares por pessoa ocupada;
d) as populações rurais, seu incremento anual e a densidade
específica da população agrícola;
e) a relação entre o número de proprietários e o número de
rendeiros, parceiros e assalariados em cada área.
Em 1991, foi promulgada a Lei ne 8.171, de 17 de janeiro. A
lei, em seu artigo 19, inciso III, dispõe que é de atribuição
do Poder Público
realizar zoneamentos agroecológicos que permitam estabelecer
critérios para o
disciplinamento e o ordenamento da ocupação espacial pelas
diversas atividades produtivas, bem como para a instalação de
novas hidrelétricas.
5. Zoneamento Costeiro
A costa brasileira, por força de expressa disposição
constitucional (art. 225, § 4a), é um espaço territorial
submetido a regime especial de proteção. Justifica-se esta
determinação constitucional, pois desde os primórdios da
colonização portuguesa tem sido muito intensa a pressão
exercida sobre os ecossistemas costeiros. Relembre- se que a
maior parte da população brasileira está assentada ao longo do
litoral; dos dezessete Estados que são banhados pelo mar,
quatorze possuem suas capitais no litoral. A enorme extensão
do litoral brasileiro (7.367 Km) faz com que ali se encontre
toda uma grande variedade de ecossistemas.
Direito Ambiental
São campos de dunas, ílhas-recifes, costões rochosos, baías,
estuários, brejos, falésias e baixios. Muitos deles, como as
praias, restingas, lagunas e mangue- zais, embora tenham
ocorrência constante e homogeneidade aparente, apresentam
especificidades florísticas e faunísticas vinculadas às
gêneses diferenciadas dos ambientes em tão longo trecho
litorâneo.'2-9
Em obediência à norma constitucional que determinou um
regime especial de tutela para a costa, o legislador ordinário
estabeleceu o sistema de gerenciamento costeiro.
Em realidade, o gerenciamento costeiro não é de simples
administração, pois nele devem envolver-se os três níveis da
Administração Pública, o que nem sempre ocorre com harmonia e
facilidade. Assim como nas demais áreas do Direito Ambiental,
a proteção da zona costeira está envolvida em uma superposição
de atribuições administrativas e legislativas que é bastante
problemática.
A Lei n9 7.661, de 16 de maio de 1988, atualmente
regulamentada pelo Decreto Federal 5.300/2004, que institui o
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras
providências, em seu artigo 29 determina que, in verbis:
Art. 2S Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os
objetivos genéricos da PNMA, fixados respectivamente nos arts.
2e e 4a da Lei ns 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará
especificamente a orientar a utilização nacional dos recursos
na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualida-
de da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio
natural, histórico, étnico e cultural.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, considera-se
Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mare
da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não,
abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão
definidas pelo Plano.
Inicialmente, há que se observar que a Lei que instituiu o
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro é norma que,
expressamente, se subordina à Política Nacional do Meio
Ambiente e que, portanto, deve haver compatibilidade entre a
sua aplicação e a Lei ne 6.938/81. A Lei do PNGC,
definitivamente, busca a racionalização na utilização dos
recursos existentes na Zona Costeira. Recursos, como se sabe,
são os bens ambientais utilizados de forma econômica. A Lei n2
7.661/88, portanto, é norma que busca dar racionalidade à
utilização dos recursos existentes na zona costeira. Isto
significa que a regra geral estabelecida pela lei é a
utilização de tais recursos, desde que observados os critérios
de racionalidade e sustentabilidade ambiental que são
nonnativamente definidos no próprio texto legal. O PNGC, logo,
não é uma norma com vistas ao congelamento dos recursos
existentes no litoral; pelo contrário, o desiderato explicito
da lei é o de possibilitar a plena utilização dos recursos
contidos em

29 O Desaão do Desenvolvimento Sustentável> Brasüia, 1991, pp.


114-115.
Zoneamento
nosso litoral. Merece ser destacado que o “PNGC visará
especificamente orientar a utilização racional dos recursos na
Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade
da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio
natural, histórico, étnico e cultural”.
Um exemplo foi o projeto Rio Mar, desenvolvido pela
Prefeitura do Rio de Janeiro, que tinha como um de seus
objetivos específicos a ocupação racional da orla marítima da
zona sul da cidade do Rio de Janeiro, visando ser mais uma
tentativa de reduzir até níveis toleráveis a invasão das
praias por barraqueiros, camelôs, comércio clandestino,
prostituição e outros males que, lamentavelmente, assolam
nossas praias.
O mencionado projeto estava baseado na construção de
quiosques para acomodar o comércio e possibilitar a construção
de facilidades sanitárias etc. A complexa questão das
competências constitucionais, como sempre, transformou a
questão da ocupação das áreas de praia em verdadeiras batalhas
judiciais voltadas para a modesta questão referente à
construção e utilização de quiosques.30 Este é um modelo que
tem se reproduzido em diferentes Estados da federação com as
motivações mais variadas. No Nordeste, por exemplo, a grande
questão que tem surgido é a da chamada carcinocultura, que já
foi objeto de litígio judicial;31 já
30 TRF - 2* REGIÃO- AG - 118162/ RJ. 1» TURMA. DJU:04/10/2004.
Pg: 271. Relator: JUIZ CARREIRA ALVIM. “PROCESSUAL CIVIL -
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO INTERNO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
- DESOCUPAÇÃO DE QUIOSQUES NA PRAIA DO FORNO - DANO
AMBIENTAL - PRESERVAÇÃO RACIONAL - ÚNICA FONTE DE RENDA -
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - I - Alguém que exerce «ma
atividade comercial, ainda que numa praia pública, mediante
licença ou alvará concedido pelo Município, a quem compete
legalmente zelar pelo seu regular exercido, tem, em princí-
pio, e no mínimo, o elementar “interesse jurídico” que sua
atividade seja preservada, até que sobrevenha uma sentença
judicial, declarando a sua ilegalidade, e cassando a licença
e/ou alvará em que se apóía. II - O bom senso e a
racionalidade dos quiosqueiros, e o exercício igualmente
racional e sensato do poder de polícia pelo próprio
Município de Arraial do Cabo, podem conduzir a uma solução
menos traumática no limiar do processo, deixando para a
sentença de mérito, com a observância do devido processo
legal (ampla defesa e contraditório), a solução do litígio
em moldes mais consentâneos com os interesses dos
quiosqueiros e os ecológicos da sociedade de que fazem
parte. Hl - Agravo de instrumento parcialmente provido.
Prejudicado agravo interno.”
31 TRF - 5» REGIÃO. AG -55076 -CE. 2* Turma: DJU:27/10/2004 -
Pg: 874. Relaton Desembargador Federal Petrucio Ferreira.
“ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E
RESPECTIVO RELATÓRIO (EIA/RIMA) COMO REQUISITO PARA A
CONCESSÃO DE LICENÇAS PARA A EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE DE
CARCINICULTURA, INDEPENDENTEMENTE DO TAMANHO DO
EMPREENDIMENTO, NA ZONA COSTEIRA E NOS TERRENOS DE MARINHA.
POSSIBILIDADE. DECRETO 99.274/90. LEI N° 7.661/88. EDIÇÃO DA
RESOLUÇÃO 312/2002 - CONAMA. COMPETÊNCIA. LEI N» 6.938/81.
PRINCÍPIO ADMINISTRATIVO DA PRECAUÇÃO. APLICABILIDADE.
MANUTENÇÃO DO DESPACHO AGRAVADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO
IMPROVTDO.
1. Ataca-se no presente agravo decisão singular que deferindo
em parte a liminar requerida em ação dvil pública, dentre
outras, determinou que fosse exigido Estudo de Impacto
Ambiental e respectivo relatório (EIA/RIMA) como requisito
para a concessão de licenças para a exploração da atividade de
caxcinicultura, independentemente do tamanho do
empreendimento, na Zona Costeira, e nós terrenos de marinha,
tanto pelo IBAMA como pela SEMACE, sendo declarada a inco
nstitucionalidade incidental da Resolução CONAMA 312/2000,
quanto à desnecessidade de apresentação de EIA/RIMA (artigos
4« e 54). 2. Estabelece o § 1®, do art. 17, do Decreto n®
99.274/90, que regulamenta as Leis n®5 6.902/81 e 6.938/81,
que caberá ao CONAMA fixar os critérios básicos, segundo os
quais serio exigidos estudos de impacto ambiental para fins de
licenciamento. 3. Por outro lado, o § 5®, do art. 19, do mesmo
Decreto, estabelece que excluída a competência de que trata o
parágrafo anterior e nos demais casos de competência federal o
IBAMA expedirá as respectivas licenças, após considerar o
exame técnico procedido pelos órgãos estaduais
Direito Ambiental
no Rio Grande do Sul, debateu-se a construção de plataforma
para pesca32 mar adentro.
e municipais de controle da poluição. 4. A Lei n* 7.661/88,
que Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá
outras providências, após definir no parágrafo único, do seu
art- Ia, o que considera Zona Costeira, estabelece,
especificamente em seu art. 6a e § 2“, que o licenciamento para
parcelamento e remembramento do solo» construção, instalação,
funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das
características naturais da Zona Costeira, deverá observar,
além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas
federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes
dos Planos de Gerenciamento Costeiro, sendo necessário para o
licenciamento que o órgão competente solicite ao responsável
pela atividade a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental —
EIA e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei. 5.
Prima fade, apresenta-se indiscutível a competência do CONAMA
para expedição da referida Resolução, conforme se depreende do
disposto no art. 8®, I, da Lei 6.938/81, no quanto tal
Resolução, corporificando ato administrativo, tem como
característica própria presunção de legalidade. 6. A
competência para proteção do meio ambiente está expressamente
prevista nos incisos VI e VII do art. 23 da CF, como
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. 7. No caso presente, não obstante a Resolução
tenha sido expedida prima fade pela autoridade competente, no
caso o CONAMA, e admitindo-se que o licenciamento foi
procedido por autoridade estadual, no caso o SEMACE, que de
acordo com a legislação sobre a matéria, também tem
competência administrativa comum para proteção do meio
ambiente, importa sempre verificar se o conteúdo de tal
resolução atendeu ao objetivo primordial das normas de pro-
teção ambiental. 8. Neste sentido, aplica-se ao caso presente
o Princípio da Precaução, de modo a evitar que primeiro ocorra
o dano para somente depois se resolver a causa de sua origem,
razão pela qual, prima fade, é de afastar-se a resolução
CONAMA que limitou o Estudo de Impacto Ambiental de acordo com
a dimensão da área. 9. Inexistente qualquer teratologia no
despacho agravado a justificar a sua reforma. 10. Agravo de
instrumento improvido.”
32 TRIF- 4» REGIÃO. AC - APELAÇÃO CÍVEL - 406081-RS. 3» TURMA.
DJU: 03/07/2002, p. 356. Relator: JUIZ CARLOS EDUARDO
THOMPSON FLORES LENZ. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
PLATAFORMA MARÍTIMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENS DE USO COMUM
DO POVO. LEGISLAÇÃO PERTINENTE. EFEITOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO
ART. 5«, XXXVI, DA CF/88. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. No caso dos
autos, restou demonstrado que as plataformas de pesca foram
construídas sobre a praia, em total desacordo com as normas
assecuratórias do livre usufruto do bem como coisa comum ao
povo, sem que se permita qualquer obstáculo, seja ao acesso
à praia ou ao que a ela venha a ser pelo homem agregado,
violando ainda normas ambientais de proteção da Zona
Costeira e do ecossistema marinho da plataforma continental.
Ao Ministério da Marinha, cabe, precipuamente, o exercício
do poder de polícia quanto à segurança da navegação, sendo
incompetente para fornecer qualquer autorização para
construção em bem da União, o que demonstra a irregularidade
do ato expedido e elide qualquer presunção de legitimidade e
legalidade na sua feitura e efeitos. 2. Conforme consta do
processo, as plataformas de pesca de Tramandaí, Capão da
Canoa e Cidreira têm seus acessos edificados sobre as
praias, projetando-se sobre a plataforma continental em área
permanentemente submersa. Na época da construção, o SPU
havia manifestado entendimento de que as áreas submersas não
estavam sujeitas ao regime de aforamento, não estando,
portanto, no âmbito de sua competência apreciar o pedido
formulado pelas ora apelantes. Entretanto, o mesmo órgão
entendeu passíveis de enfiteuse as áreas de praia nas quais
situados os acessos às plataformas, por serem terrenos de
marinha ou acrescidos de marinha. Nada obstante, não foram
adotadas pelas rés as providências necessárias à obtenção do
aforamento e, posteriormente, quando se tentou regularizar a
situação, já havia sido fixada pelo SPU a orientação de que
não é possível aplicar o regime de aforamento às áreas de
praia, por serem bens de uso comum do povo. Assim, constata-
se que toda a obra encontra-se edificada em área de uso
comum, insusceptível de alienação. E, por se tratar de área
de uso comum, a sua utilização privativa por particulares
somente seria possível através de prévia permissão,
autorização ou concessão de uso. No caso dos autos, observa-
se que nenhuma dessas modalidades administrativas foi
buscada pelas rés. Não seria mesmo possível a permissão ou
autorização de uso, por se tratar de obra de caráter
definitivo, que não se compadece com a precariedade inerente
aos regimes de permissão ou autorização. A concessão seria
admissível desde que demonstrado o interesse público na
edificação e oferecida oportunidade de concorrência, em
igualdade de condições, entre todos os interessados. E é
justamente aí que deve ser buscada a solução para a
controvérsia: as plataformas foram irregularmente edificadas
em área de domínio da União, afetadas ao uso comum do povo.
São, portanto, benfeitorias úteis
Zoneamento
O atual modelo de ocupação das praias brasileiras é
completamente caótico e, certamente, mereceria uma norma geral
capaz de disciplinar a matéria de forma ampla e definitiva. O
PNGC, em sua existência, não conseguiu servir de instrumento
apto a resolver as complexas questões decorrentes da ocupação
do litoral brasileiro. Conforme tal lei, nos termos de seu
artigo 3S, I e III, o PNGC tem por objetivo assegurar a
conservação das praias e de monumentos que integrem o
patrimônio histórico, natural e cultural da nação.33 Isto,
entretanto, deve ser feito levando-se em consideração o grau
de urbanização de cada uma das regiões. Tal, contudo, não
ocorreu. Ao contrário, as praias, cada vez mais, se assemelham
a “mercados persas”, nos quais acontece de tudo um pouco.
que se incorporam ao imóvel, e seguem a mesma qualificação
jurídica: são elas mesmas bem de uso comum e sua utilização
por particulares deve seguir as regras do direito
administrativo. Os argumentos utilizados na defesa (e no
recurso de apelação) não são suficientes para mudar a sorte da
lide: a invocada teoria da aparência, de inspiração civilista,
não é aplicável ao direito administrativo, em face do
princípio da legalidade expressa. Ou seja, não basta ao ato
administrativo aparentar legalidade para gerar direitos, é
necessário que haja completa submissão à lei quanto à forma,
capacidade do agente e licitude do objeto. E, mais importante,
a teoria não é benéfica à defesa simplesmente porque não foi
praticado qualquer ato administrativo ao qual se possa
emprestar aparência de legalidade. Aliás, é esse o principal
fundamento da lide: não há nenhum ato administrativo, legal ou
não, a legitimar a utilização do bem de uso comum por par-
ticulares. E justamente por isso demonstra-se também infundada
a alegação de prescrição ou decadência: porque não se alega
nulidade ou anulabilldade de ato algum. Assim só restaria às
rés alegação de prescrição aquisitiva, que sabidamente não se
aplica a bens públicos. É claro que a licença expedida pelo
Mi-nis- tério da Marinha não é ato hábil a legitimar a
utilização do bem pelas rés. Basta que se atente para os ter-
mos dos documentos de fls. 69/71 para que se verifique tratar-
se de simples ‘nada a opor’ por parte da autoridade marítima,
que obviamente não constitui nenhuma espécie de autorização ou
concessão de uso. A licença para. o exercício de atividade não
guarda nenhuma relação com a titularidade dos bens envolvidos,
assim como um alvará de construção expedido pela
municipalidade não influi na propriedade do terreno ou da
edificação. Portanto, a sentença apelada corretamente
identificou o regime jurídico aplicável aos bens objeto da
lide e reconheceu o direito de uso comum por parte da
população. Deve-se apenas reexaminá-la para o fim de deixar
esclarecido que o dispositivo não interfere no direito da
União de promover, por seus próprios meios, o apossamento
administrativo e posterior exploração direta ou concessão de
uso a quem melhores condições oferecer, sempre tendo em conta
o interesse público que exige igualdade de tratamento entre
todos os usuários. 3. Improvimento da apelação e parcial
provimento da remessa oficial.
33 Art. 39 O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e
atividades nã Zona Costeira e dar prioridade à conservação e
proteção, entre outros, dos seguintes bens: I — recursos
naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e
bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas
fluviais, estuarmos e lagunares, baías e enseadas; praias;
promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas;
florestas litorâneas, man- guezais e pradarias submersas; II
— sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades
naturais de preservação permanente; III — monumentos que
integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológi- co,
espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e
paisagístico.
Responsabilidade Ambiental
Capítulo VII Responsabilidade Ambiental
1. Introdução
O Direito e a ordem jurídica por ele estabelecida existem
para serem observados e cumpridos. No caso do Direito
Ambiental, a sua existência somente se justifica se ele for
capaz de estabelecer mecanismos aptos a intervir no mundo
econômico de forma a fazer com que ele não produza danos
ambientais além daqueles julgados socialmente suportáveis.
Quando tais limites são ultrapassados, necessário se faz que
os responsáveis pela ultrapassagem sejam responsabilizados e
arquem com os custos decorrentes de suas condutas ativas ou
omissivas. Tal sistema de imposição de custos, sejam eles
financeiros, morais ou políticos, é o que se chama
responsabilidade, tema do presente capítulo.
2. A responsabilidade na CF
A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, no
sistema jurídico brasileiro, é matéria que goza de status
constitucional, visto que inserida no capítulo especialmente
voltado para a proteção do meio ambiente. A abrangência
jurídica do mencionado capítulo é suficientemente extensa para
estabelecer um marco jurídico apto a assegurar uma eficiente
proteção ao bem jurídico meio ambiente. A Constituição
estabeleceu uma tríplice responsabilização a ser aplicàda aos
causadores de danos ambientais, conforme se pode observar do
artigo 225, § 3®, da CF:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos.
A responsabilidade é bastante abrangente e pode ser aplicada
a: (i) pessoas físicas e (ii) pessoas jurídicas, e se
subdivide em (i) penal; (ii) administrativa e (iii) civil.
Muito embora a Constituição não defina se o regime de
responsabilidade é objetivo ou subjetivo, a lei definiu-o como
objetivo e, portanto, independente de culpa, como se depreende
do artigo 14, § le, da Lei n9 6.938, de 31 de agosto de 1981,
in verbis:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste
artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Direito Ambiental
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade
para propor ação de responsabilidade civil e criminal por
danos causados ao meio ambiente.
No âmbito internacional, a Declaração do Rio, em seu
Princípio n2 13, determina que:
Cada Estado deverá estabelecer sua legislação nacional no
tocante a responsabilidades e indenizações de vítimas da
poluição e de outras formas de agressão ao meio ambiente. Além
disso, os Estados deverão cooperar na busca de uma forma
expedita e mais determinada de desenvolver a legislação
internacional adicional referente a responsabilidades e
indenizações por efeitos adversos de dano ambiental causado
por atividades dentro de sua jurisdição ou controle a áreas
fora de sua jurisdição.
O CC1-2 instituído pela Lei ns 10.406, de 10 de janeiro de
2002, deu um novo tratamento geral para atividades que, por
sua natureza, possam implicar risco para terceiro.
3. A Responsabilidade Ambiental
Muito embora páginas e mais páginas tenham sido escritas
sobre responsabilidade ambiental, o fato é que ainda estamos
muito distantes de ter uma adequada compreensão de todas as
dimensões que ela possa ter. O meio ambiente, como se sabe, é
um tema cujas fronteiras não estão bem delineadas e,
consequentemente, os seus limites jurídicos também não estão
claramente definidos. Por uma opção metodológica e, de certa
maneira, seguindo a organização constitucional, a
responsabilidade ambiental originada em danos cuja origem seja
a atividade nuclear não será examinada neste capítulo,3 embora
não se possa, em tese, afastá-la do presente tema.
3.1, Fundamento da Responsabilidade
A primeira ideia que deve ser associada à de
responsabilidade é a da compensação pelo dano sofrido. Tal
compensação, contudo, tem passado por diferentes etapas e
concepções e, por isso, sua evolução não é linear. Conforme
aponta o Professor Caio Mário da Silva Pereira:4
1 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.
2 CC: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo. Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco paia os direitos de
outrem.
3 A matéria é tratada em capítulo próprio.
4 Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1990,2» ed-
, p. 6.
Responsabilidade Ambiental
Na origem [do Direito Romano], porém, a ideia predominante é
a vingança privada, no que, aliás, não se distanciam as
civilizações que o precederam.
José Creteíla Jr.5 aponta que responsabilidade indica o
cognato resposta, ambos alicerçados na raiz spond do verbo
latino respondere, que significa responder. A responsabilidade
é um dos temas mais importantes e fundamentais do Direito; de
fato, é um dos elementos mais marcantes para que se julgue a
eficácia ou ineficácia de um sistema jurídico, bem como as
finalidades sociais deste. O ingresso da culpa no Direito
moderno foi uma consequência do Cristianismo, pois o antigo
Direito Romano não conheceu a noção de culpa. E certo que a
chamada Lei Aquilia introduziu no Direito Romano alguns
princípios que poderiam ser tidos como precursores da moderna
noção de culpa. Contudo, a influência ideológica da Igreja é
que foi determinante para que, a partir da noção de pecado,
fizesse-se necessária a indagação quanto à intenção culpável
de alguém.
Na modernidade, com o desenvolvimento da noção de sujeito,
da vontade livre e soberana, o conceito jurídico de culpa
tomou-se mais importante, pois, como se sabe, um dos alicerces
essenciais da construção jurídica do sujeito é, precisamente,
a manifestação livre de vontade e, portanto, do subjetivismo
psicológico.
O responsável pelo dano tem o dever de repará-lo o mais
amplamente possível. Reparar o dano significa a busca de um
determinado valor que se possa ter como “equivalente” ao dano
causado por aquele que praticou o ato ilícito. A doutrina
jurídica tem reconhecido que:
... mesmo uma pequena inadvertência ou distração obriga o
agente a reparar o dano sofrido pela vítimaA
A reparação visa fazer com que o lesado, através do
recebimento de uma indenização, seja recolocado no status quo
ante, como se a lesão não houvesse ocorrido. Esta é uma
concepção teórica, pois, na maior parte das vezes, é
impossível a reconstrução da realidade anterior: e. g., morte
de uma pessoa, destruição de uma obra de valor histórico,
artístico ou paisagístico; extinção de uma espécie animal etc.
Existem bens que são únicos e, nesta qualidade, são
insubstituíveis. Um pai é único para o seu filho, assim como
um filho é único para o seu pai. Não há indenização capaz de
subs- tátuí-los. Em termos de reparação de danos ambientais,
não raras vezes, questões similares colocam-se com extrema
dramatieidade.
Como se verá a seguir, a indenização por danos, a reparação
pelos danos causados nada mais são do que particularidades do
princípio geral que rege as relações jurídicas, que é o de
estabelecer a mais ampla possibilidade da circulação de bens
no mercado.
Tradicionalmente, como já foi visto acima, o fundamento da
responsabilidade é a culpa. O Código Napoleão, que é
considerado como o grande monumento da
5 O Estado e a Obrigação de Indenizar, São Paulo: Saraiva,
1980, pp. 6-7.
6 Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade Civil, São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 176.
214
Direito Ambiental
ordem jurídica liberal, consagra amplamente a culpa como o
elemento central de toda responsabilidade. É o Code Civil o
reconhecimento e o coroamento de uma nova racionalidade que se
afirmou, tendo como seu epicentro o indivíduo e a sua vontade
que, desde então, ocupam o papel central na cena jurídica. O
consagrado historiador do Direito, Franz Wieacker,7 assim
resumiu a importância do CC de 1804:
Todos... foram ultrapassados pelo enorme impacto formal e de
conteúdo do Code Civil de 1804. Também o grande CC da França
nasceu da crença jus racionalista na lei. No entanto, a sua
estrutura interna e a sua imagem do Direito foram sobretudo
promovidas pela revolução e pelo brilho da grandeza
napoleônica. A codificação francesa já não constitui um
resultado do absolutismo esclarecido, mas, nos seus
primórdios, a própria obra duma nação revolucionária e, mais
tarde, do seu grande tribuno, o primeiro cônsul Bonaparte. A
emoção da soberania popular agora recém-reconquistada e a
participação do citoyen também influenciam decisivamente a sua
expressão espiritual.
É, sem dúvida, unânime, entre os principais historiadores do
Direito, o reconhecimento do papel fundamental desempenhado
pelo CC francês na construção da racionalidade burguesa e do
moderno Direito burguês. John Glissen8 ensina-nos que:
Colocamos o Code Civil de 1804 no centro de nossa exposição
histórica, desenvolvendo, por um lado, a evolução de cada
instituição civil desde a época romana até 1804 e, por outro,
a sua evolução desde então. Uma vez que ainda está, era larga
medida, em vigor, quer na Bélgica, quer em França — e,
indiretamente, em muitos outros países -, o Código continua a
ser uma etapa importante da história do Direito, mas, embora
ponto de suspensão depois de quinze séculos de evolução desde
a época romana, o Code não foi um ponto de paragem...
A ordem jurídica do capitalismo, como se sabe, está fundada
na possibilidade que cada indivíduo goza de participar do
mercado na qualidade de vendedor ou de comprador de
mercadorias. Em outras palavras, do ponto de vista do Direito,
cada indivíduo pode trocar produtos com os demais integrantes
da sociedade. A economia de mercado necessita, para a sua
reprodução, de uma rápida circulação de bens e produtos. A
circulação, entretanto, não é aleatória, pois as trocas fazem-
se entre equivalentes. O Direito, através de sua normatização,
cria mecanismos capazes de reduzir todos os bens a um
denominador comum, que é a livre expressão da vontade no
mercado. Assim, os integrantes da sociedade, independentemente
de sua posição social ou econômica, igualam-se no momento em
que podem expressar livremente suas vontades.
O princípio da troca equivalente é o princípio fundamental
das relações jurídicas que se dão entre os diversos sujeitos
de Direito. No próprio Direito Penal, o prin-
7 História do Direito Privado Moderno, Lisboa: Fundação
Caiouste Gulbenkian, 1980, p. 386.
8 Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Fundação Caiouste
Gulbenkian, 1988, p. 536.
Responsabilidade Ambiental
cípío do qual falamos é essencial. A fixação de penas
predeterminadas para os crimes implica o reconhecimento de uma
certa equivalência entre um ato nocivo praticado pelo
criminoso e o castigo que lhe é imposto pela sociedade: a
pena. A responsabilidade civil fundada na culpa é, igualmente,
um instrumento de equivalências.
A culpa é a violação de um dever jurídico. Tradicionalmente,
pode ser dividida em contratual ou extracontratual, esta
última também conhecida como aquiliana, A culpa contratual
surge da violação de um dever estabelecido em contrato. A sua
origem, portanto, é a inobservância de uma regra estabelecida
pela própria vontade das partes. A culpa aquiliana funda-se na
inobservância de um dever legal preexistente a qualquer ato
privado, a qualquer manifestação de vontade das partes
diretamente envolvidas.
Para que a culpa possa ser imputada a alguém, é necessário
que o seu ato, o ato danoso a outrem, o ato lesivo, tenha sido
praticado sem que tenham sido tomados os necessários cuidados
para evitá-los. Trata-se daquilo que se tomou conhecido como a
diligência do “bom pai de família”, ou seja, dos cuidados
razoavelmente exigíveis de uma pessoa. É a violazione di um
dovere per inesperienza, negligenza, senza intenzionaJità
alcuna e non per caso fortuito, che provoca ad altri im danno
ingius- to; obbliga al risarcimento9 (violação de um dever por
inexperiência, negligência, sem nenhuma intencionalidade e
tampouco por caso fortuito que causa danos a terceiro; obriga
ao ressarcimento).
No Direito brasileiro, a responsabilidade é um antigo
instituto jurídico. O CG brasileiro sofreu grande influência
da doutrina contida no Código Napoleão, fundando a
responsabilidade na ideia de culpa e em todos os conceitos
ideológicos subjacentes à referida subjetivação. A matéria, no
Código, está tratada ao longo de dois artigos; no artigo 43,
está regulada a responsabilidade das pessoas jurídicas de
Direito público:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte
destes, culpa ou dolo.
O outro artigo de nosso CC dedicado ao assunto é o 927, cujo
teor é o seguinte:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A responsabilidade civil fundada em culpa, do ponto de vista
da estrutura econômica, corresponde a uma determinada etapa do
desenvolvimento capitalista, na
9 N. Parisi e D. Rinoldi Dizionario dei termini giuridici,
Firenze: Sansoni Editore, 1989, pp. 48-49.
Direito Ambiental
qual a produção industrial em grande escala, a máquina a
vapor, as comunicações por telégrafo e as vias férreas
trouxeram uma grande modificação na escala produtiva. Este
conjunto de fatos implicaram profundas transformações no
Direito em geral. No tema responsabilidade, estas
transformações foram marcantes, pois significaram uma
verdadeira revolução na ordem jurídica vigente, com o
afastamento da culpa como fundamento da responsabilidade.
O Código Napoleão, em sua estrutura fundamental, bem como os
demais códigos que seguem o seu modelo, é incapaz de regular
as relações industriais. A sua concepção é a do capitalismo
comercial e de uma grande base agrária. Os seus institutos são
orientados para uma realidade produtiva de unidades pequenas e
quase sempre familiares. A industrialização ocorrida no século
XDC, em suas repercussões jurídicas, levou ao surgimento de
toda uma série de setores especializados do Direito, setores
estes que passaram a não estar submetidos às normas do Direito
comum (civil). Nas palavras de François Ewald:10
... Les catégoríes du droit civil étaient insufãsantes pour
résoudre lespro- blèmes posés par V industrialisation (As
categorias do Direito Civil eram insuficientes para resolver
os problemas postos pela industrialização).
3.1.1. A Responsabilidade por Risco
O abandono da culpa como fundamento da responsabilidade não
se fez de uma forma linear e sem maiores complicações
político-ideológicas e técnico-juxídicas. Isto porque, no
regime jurídico da responsabilidade por culpa, existe toda uma
necessidade de que a vítima prove a culpa do causador do dano,
uma vez que a culpa não pode ser simplesmente presumida.
Processualmente, cabe àquele que reivindica a reparação fazer
todo o itinerário probatório para que, finalmente, possa ser
indenizado. Esta circunstância toma bastante complexo e
difícil o trabalho a ser desenvolvido pelo autor da demanda,
beneficiando o réu. Não basta que se prove o fato; é
necessário, também, que se prove a ação culposa de seu
causador; que se prove que o causador do dano não agiu com a
prudência de um bom pai de família.
A culpa, grande estrela dos códigos civis modernos, está, a
cada dia que passa, constituindo-se em uma categoria jurídica
que não mais impressiona. A diminuição da importância da culpa
é um fenômeno que se verifica em todo o mundo industrializado,
como consequência da própria industrialização. O estado
moderno, diante das repercussões da industrialização, fez
algumas opções políticas, visando mitigar- lhe os efeitos
sociais. O já citado François Ewald11 sustenta que a
instituição de um regime de responsabilidade fundada no risco
teve por finalidade a realização de uma tríplice liberação.
Uma liberação jurídica, afastando o exame de causalidade
subjeti
10 L'État Providence, Paris: Grasset, 1987, p. 225.
11 “La Faute Civile, Droit et Philosophie", in Fin de la
Faute? Paris: PUF, Droits, n® 5, p. 49.
ESSJ - Ensino Superior SÍSSSÍI M&8
Responsabilidade Ambiental I
va dos danos. Uma liberação metafísica, pois a
responsabilidade fundava-se em preceitos estabelecidos em lei,
nada mais. E, por fim, uma liberação política, pois a res-
ponsabilização não mais se confundia com um ato caridoso, mas
como imposição legal e, portanto, expressando uma vontade
social.
A atividade industrial possui algumas características que
eram absolutamente desconhecidas pelo antigo regime. Estas
características é que levaram à institucionalização de um novo
regime, cujas características são inteiramente diversas de
tudo aquilo que já foi anteriormente pensado em termos de
reparação.
3.1.1.1. Responsabilidade por Risco em Matéria Ambiental
Muito embora exista uma cláusula geral de responsabilidade
subjetiva no Direito brasileiro, o parágrafo único do artigo
927 do CC admite que a responsabilidade possa ser imposta em
função do risco da atividade. Esta é uma questão bastante
complexa, visto que a responsabilidade objetiva implica uma
profunda alteração no sistema de igualdade processual das
partes, visto que a simples prova do fato e do nexo de
causalidade é suficiente para estabelecer a obrigação de
reparar o dano. Existe julgado do Superior Tribunal de
Justiça12 considerando a responsabilidade ambiental derivada do
risco integral. Penso ser importante chamar a atenção para o
fato de que a responsabilidade por risco integral não pode ser
confundida com a responsabilidade derivada da só existência da
atividade. Explico-me melhor: não se pode admitir que um
empreendimento que tenha sido vitimado por fato de terceiro
passe a responder por danos causados por este terceiro, como
se lhes houvesse dado causa. Responsabilidade por risco
integral não pode ser confundida com responsabilidade por fato
de terceiro, que somente tem acolhida em nosso Direito quando
12 STJ. REsp 442586 / SP; Relator; Ministro Ministro LUIZ FUX.
- 1» TURMA. DJU 24.02.2003, p. 196. ADMINISTRATIVO. DANO
AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSIÇÃO DE MULTA.
EXECUÇÃO FISCAL. 1. Para fins da Lei n» 6.938, de 31 de
agosto de 1981, art. 3®, entende-se pon I - meio ambiente, o
conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da
qualidade ambiental, a alteração adversa das características
do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente; a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-
estar da população; b) criem condições adversas às
atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente
a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do
meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos; 2. Destarte, é
poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental; 3. O poluidor, por seu
turno, com base na mesma legislação, art. 14. “Sem obstar a
aplicação das penalidades administrativas” é obrigado,
"independentemente da existência de culpa”, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
“afetados por sua atividade”. 4. Depreende-se do texto legal
a sua responsabilidade pelo risco integral, por isso que em
demanda infensa a administração, poderá, inter partes,
discutir a culpa e o regresso pelo evento. 5. Considerando
que a lei legitima o Ministério Público da União e do
Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
meio ambiente, é inequívoco que o Estado não pode inscrever
sel-execunng, sem acesso à justiça, quantum indenizatório,
posto ser imprescindível ação de cognição, mesmo para impo-
sição de indenização, o que não se confunde com a multa, em
obediência aos cânones do devido processo legal e da
inafastabilidade da jurisdição. 6. In casu, discute-se tão-
somente a aplicação da multa, vedada a incursão na questão
da responsabilidade fatica por força da Súmula 07/ST7- 5.
Recurso improvido.
Direito Ambiental
expressamente prevista em lei. Conforme a adequada lição de
Venosa,13 in verbis: “A responsabilidade emerge com o ato
danoso das pessoas enumeradas. No entanto, os terceiros
somente podem, em princípio, ser responsabilizados se o ato
foi praticado por culpa do autor material do dano ou do autor
direto, ao menos nas hipóteses em que estamos tratando. ”
As diferentes hipóteses deverão ser examinadas de forma
casuística, visto que enorme gama de possibilidades impede,
ipso facto, a construção abstrata de uma teoria geral
aplicável.
3.1.1.1.1. Poluidor Indireto e Responsabilidade Objetiva
No caso em que a poluição seja imputada indiretamente a um
determinado agente, toma-se possível a aplicação da
responsabilidade objetiva? O cerne da questão está centrado no
conceito de poluidor indireto. De fato, a Lei n2 6.938, de 31
de agosto de 1981, que instituiu a PNMA, estabelece que:
Art. 39 - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
IV - poluidor. a pessoa física ou jurídica. de direito
público ou privado, responsável direta ou indiretamente. por
atividade causadora de degradação ambiental;
A definição de poluidor indireto é um dos temas mais
controversos do DA brasileiro e, seguramente, não há um
consenso doutrinário ou jurisprudencial quanto à extensão do
conceito. Existem algumas decisões judiciais emanadas do STJ
que, em meu entendimento, dão ao conceito de poluidor indireto
uma abrangência bastante grande. Veja-se o seguinte aresto:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.
LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE.
LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV, DO CPC. PREQUESTIO-
NAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.i*
1. Ao compulsar os autos, verifica-se que o Tribunal a quo
não emitiu juízo de valor à luz do art. 267, IV, do Código de
Ritos, e o recorrente sequer aviou embargos de declaração com
o fim de prequestioná-lo. Tal circunstância atrai a aplicação
das Súmulas n9 282 e 356 do STF.
2. O art. 23, inc. VI, da Constituição da República fixa a
competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e
combate à poluição em qualquer de suas formas.
13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas. 5* edição, 2005, p. 79.
14 STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP - RECURSO ESPECIAL
- 604725/ PR. SEGUNDA TURMA. DJU: 22/08/2005, p. 202.
Relator: Ministro CASTRO MEIRA.
Responsabilidade Ambiental
No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a
um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar
a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu
dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de
Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a
realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo
a para- lisação da obra que causou o dano ambiental.
4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município
de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas
fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as
que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omis-
são) concorreram para a produção do dano ambiental. Tais
circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de
causalidade do evento e, assim, legitimar a responsabilização
objetiva do recorrente.
5. Assim, independentemente da existência de culpa, o
poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 35 da
Lei ne 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano
causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).
6- Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente. eis que
preenchidos os requisitos para a configuração da
responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e
dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade
(obietiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três
esferas de poder no polo passivo na demanda. conforme rea
lizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo).
7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.
No mesmo sentido é a seguinte decisão:15
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA.
IMPOSIÇÃO DE MULTA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL.
DERRAMAMENTO DE ÓLEO DE EMBARCAÇÃO ESTRANGEIRA CONTRATADA PELA
PETROBRÁS. COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS ESTADUAIS DE PROTEÇÃO AO
MEIO AMBIENTE PARA IMPOR SANÇÕES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
LEGITIMIDADE DA EXAÇÃO.
1. “(..,) O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é
direito de todos, protegido pela própria CF, cujo art. 225 o
considera “bem de uso comum do provo e essencial à sadia
qualidade de vida”. (...) Além das medidas protetivas e
preservativas previstas no § l2, incs. I-VII, do art. 225 da
CF, em seu § 3S ela trata da responsabilidade penal,
administrativa e civil dos causadores de dano ao meio
ambiente, ao dispor: “As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP - RECURSO ESPECIAL -
467212/RJ - PRIMEIRA TURMA. DJU: 15/12/2003, p. 193. Relator:
Ministro LUIZ FUX.
Direito Ambiental
causados”. Neste ponto, a Constituição recepcionou o já citado
art. 14, § 1°, da Lei ne 6.938/81, que estabeleceu
responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio
ambiente, nos seguintes termos: “sem obstar a aplicação das
penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente de existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade.” [grifos nossos] (Sergio Cavalieri
Filho, in “Programa de Responsabilidade Civil”).
2. As penalidades da Lei ns 6,938/81 incidem sem prejuízo de
outras previstas na legislação federal, estadual ou municipal
(art. 14, caput) e somente podem ser aplicadas por órgão
federal de proteção ao meio ambiente quando omissa a
autoridade estadual ou municipal (art. 14, § 2e). A ratio do
dispositivo está em que a ofensa ao meio ambiente pode ser
bifronte atingindo as diversas unidades da federação.
3. À Capitania dos Portos, consoante o disposto no § 4% do
art. 14, da Lei ns 6.938/81, então vigente à época do evento,
competia aplicar outras penalidades, previstas na Lei ne
5.357/67, às embarcações estrangeiras ou nacionais que
ocasionassem derramamento de óleo em águas brasileiras.
4. A competência da Capitania dos Portos não exclui, mas
complementa, a legitimidade fiscalizatória e sancionadora dos
órgãos estaduais de proteção ao meio ambiente.
5. Para fins da Lei ne 6.938, de 31 de agosto de 1981, art.
3% qualifica-se como poluidor a pessoa física ou jurídica, de
direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental.
6. Sob essa ótica, o fretador de embarcação que causa dano
objetivo ao meio ambiente é responsável pelo mesmo, sem
prejuízo de preservar o seu direito regressivo e em demanda
infensa à administração, inter partes, discutir a culpa e o
regresso pelo evento.
7. O poluidor (responsável direto ou indireto), por seu
turno, com base na mesma legislação, art. 14 - “sem obstar a
aplicação das penalidades administrativas”, é obrigado,
“independentemente da existência de culpa”, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
“afetados por sua atividade”.
8. Merecem tratamento diverso os danos ambientais provocados
por embarcação de bandeira estrangeira contratada por empresa
nacional cuja atividade, ainda que de forma indireta, seja a
causadora do derramamento de óleo, daqueles danos perpetrados
por navio estrangeiro a serviço de empresa estrangeira, quando
então resta irretorquível a aplicação do art. 2e do Decreto ns
83.540/79.
9. De toda sorte, em ambos os casos há garantia de regresso,
porquanto, mesmo na responsabilidade objetiva, o imputado,
após suportar o impacto inde- nizatório, não está inibido de
regredir contra o culpado.
10. In casu, discute-se tão-somente a aplicação da multa,
vedada a incursão na questão da responsabilidade fática por
força da Súmula 07/STJ.
11. Recurso especial improvido.
Responsabilidade Ambiental j
Ao nível dos tribunais de segunda instância, sejam federais,
sejam estaduais, as decisões marcham no mesmo sentido daquelas
acima já apontadas, senão vejamos a seguinte decisão do
Egrégio TJPR, in verbis.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DE TUBOS DA
REDE DE ESGOTO. TRANSBORDO DE COLIFORMES FECAIS PARA CÓRREGO
QUE INTEGRA SISTEMA DE ABASTECIMENTO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DA COMPANHIA DE SANEAMENTO (ARTIGO 14, § la, DA LEI
6.938/81). OBRIGAÇÃO DE FAZER (ARTIGO 11 DA LEI 7.347/85).
MULTA IMPOSTA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE (CULPA DE TERCEIRO).
DESCABIMENTO. PEDIDO DE REPARAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO
(ARTIGO 128 DO CPC).
Na ação civil pública, que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, pode o juiz, nos próprios
autos, determinar o cumprimento da prestação devida, ou
cessação da atividade nociva, com a cominação de multa diária
(artigo 11 da Lei 7.347/851
A ação, por danos ao meio ambiente, pode ser proposta contra
o responsável direto, contra o responsável indireto, ou contra
ambos (artigo 3IV, da Lei 6.898/91), em litisconsórcio passivo
facultativo.
Proposta contra o responsável direto, descabe denunciação da
lide ao provável culpado pela lesão ambiental, desde que o
regime da reparação do dano ambiental transite no âmbito da
responsabilidade objetiva (artigo 14. § 1Q, da Lei 6.938/81).
4. Se a pretensão indenizatória está aprisionada aos
limites dos gastos efetuados para a recomposição ecológica, e
essa recomposição ocorreu naturalmente. sem qualquer despesa
adicional, injurídico condenar a poluidora em cama de pedir
diversa da constante da peça de ingresso (artigo 128 do CPC).
APELAÇÃO CÍVEL N* 71230-3. DE CAMBÉ - VARA CÍVEL. APELANTES:
1. Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR. 2. Ministério
Público do Estado do Paraná. APELADOS: 1. Município de Cambé.
2. Ministério Público do Estado do Paraná. 3. Companhia de
Saneamento do Paraná - SANEPAR. RELATOR: Airvaldo Stela Alves
- Tuiz Convocado.
Em igual sentido é a decisão do Egrégio TRF da # Região,
cuja ementa se passa a transcrever:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL.
SOLIDARIEDADE.
1. A ação civil pública pode ser proposta contra o
responsável direto, o responsável indireto ou contra ambos,
pelos danos causados ao meio ambiente, por se tratar de
responsabilidade solidária, a ensejar o litisconsórcio
facultativo.
2. A omissão do Poder Público no tocante ao dever
constitucional de assegurar proteção ao meio ambiente não
exclui a responsabilidade dos particulares
Direito Ambiental
por suas condutas lesivas, bastando, para tanto, a existência
do dano e nexo com a fonte poluidora ou degradadora. Agravo
parcialmente provido.
TRF da 42 Região. AG 9604633430/ SC. 3® Turma. DJU:
29/09/1999. Pg. 640. Relatora: Juíza Vivian Josete.
Em meu ponto de vista, a excessiva ampliação do conceito de
poluidor indireto pode implicar uma verdadeira indução à não
responsabilização dos proprietários de atividades poluentes
que, de uma forma ou de outra, se encontrem vinculados a
cadeias produtivas maiores, haja vista que a responsabilidade
se transferirá automaticamente para aquele que detenha maiores
recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, dos aterros
industriais destinados à guarda e destinação final de resíduos
sólidos; o que, para a proteção ambiental, é a pior solução
possível, pois implicaria maior degradação ambiental e a
inviabilização prática do sistema de disposição final de
resíduos sólidos. Contudo, a mudança da orientação
jurisprudencial, até onde se sabe, ainda é uma mera aspiração.
Ressalte-se o feto de que a ambiguidade dos termos da lei é um
convite à insegurança e à prolação de decisões imprevisíveis.
Milita em favor da tese ora esposada o fato de tramitar
perante o Congresso Nacional projeto de lei16 que isenta de
responsabilidade o gerador do resíduo quando este estiver
depositado em destinatário final devidamente licenciado.
3.1.1.1.2. A Inversão do ônus da Prova
A inversão do ônus da prova é medida excepcional e não deve
ser adotada sem que exista uma forte razão para tal. A Lei da
Ação Civil Pública - Lei n9 7.347, de 24 de junho de 1985 - não
dispõe expressamente sobre a matéria. Contudo, há que se
observar que o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela
Lei ns 8.078, de 11 de setembro de 1990, em seu artigo 117,17
determinou a inclusão do artigo 21 na Lei da Ação Civil
Pública, mediante o qual é aplicável à Ação Civil Pública o
Titulo III do Código de Defesa do Consumidor. A matéria da
inversão do ônus da prova não está tratada em tal Título. Na
verdade, a inversão do ônus da prova é matéria tratada nos
direitos básicos do consumidor estabelecidos pelo artigo 6a do
Código de Defesa do Consumidor.1** Contudo, iá existem decisões
em matéria ambiental que determinam a inversão do ônus da
prova, como faz prova o seguinte aresto do TJRJ:
DES. SYLVIO CAPANEMA - Julgamento: 25/06/2002 - DÉCIMA CÂMA-
RA CÍVEL. 2002.002.05587 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO.
16 Projeto de Lei n° 3.606/2000 do Deputado Ronaldo
Vasconcelos.
17 Art. 117. Acrescente-se à Lei ns 7.347, de 24 de jullio de
1985» o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:
“Alt. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os
dispositivos do Título Hl da lei que instituiu o Código de
Defesa do Consumidor”.
18 Art. 6® São direitos básicos do consumidor:... VIII - a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele Mpossuficiente, segundo as regras ordinárias
de experiências.
Responsabilidade Ambiental
PETROBRAS. POLUIÇÃO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO. C. DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DESPRO- VIMENTO DO
RECURSO.
Agravo de instrumento. Ação ordinária. Contaminação de
moradores de bairro próximo à Refinaria, pela emanação de
produtos tóxicos. Existência de relação de consumo. Art. 17 do
Código de Defesa do Consumidor. Inversão do Ônus da Prova. O
art. 17 do Código de Defesa do Consumidor equipara ao con-
sumidor qualquer pessoa, natural ou jurídica, que venha a
sofrer um dano, em decorrência do fato do serviço. Assim
sendo, e em principio, cabe à espécie a aplicação das regras
do Código de Defesa do Consumidor, e, entre elas, a da
inversão do ônus da prova, cujos pressupostos se acham
presentes, já que verossímil a versão do autor, confirmada
pelas notícias jornalísticas, sendo ele hipos- suficiente.
Correta, assim, a decisão recorrida, que objetiva proteger a
vítima do fato do serviço, equiparada a consumidor.
Desprovimento do recurso.
3.1.2. Responsabilidade de Instituições Financeiras
O Rio de Janeiro sediou, nos dias 14 e 15 de março de 2002,
a 4* Reunião Anual da Iniciativa Financeira do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente, que se realizou no
auditório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social - BNDES. Compareceram ao evento cerca de 350
representantes de: diversas instituições financeiras nacionais
e internacionais, bem como dirigentes de diversos organismos
internacionais dedicados à proteção ambiental e organizações
não-govema- mentaxs, como os Amigos da Terra e a União
Internacional para a Conservação da Natureza, dentre outras.
O tema é extremamente novo e provocativo, embora seja
visível que ele venha crescendo em importância a cada dia que
passa. Entretanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Em primeiro lugar, é necessário que fique bem claro que riscos
ambientais são riscos financeiros. Vários exemplos demonstram
a veracidade da assertiva. Vejamos o caso do polêmico Projeto
de Transposição de Águas do Rio São Francisco. Como se sabe,
há mais de 150 anos existem projetos com objetivo de retirar
uma pequena quantidade de água do Rio São Francisco e levá-la
para o semi- árido nordestino, como forma de amenizar a seca
na região. O Governo Federal decidiu implementar um dos
diversos projetos para a transposição das águas, programando
investimentos de cerca de R$ 3 bilhões, ou seja, o equivalente
aos gastos governamentais nos dois últimos anos de seca
rigorosa. O projeto nada mais era do que um conjunto de canais
e bombas que, em caso de necessidade, feria a transposição de
cerca de 3% da vazão do rio para as regiões mais duramente
afetadas pela seca. Logo, não se tratava de uma retirada
constante das águas do rio, porém de uma simples retirada em
caso de necessidade extrema, a ser decidida por um conselho
gestor, com participação comunitária. Teríamos, no caso, um
aumento da segurança hídrica dos Estados de Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O desenvolvimento do
projeto foi paralisado por força de uma liminar em ação civil
pública que deter
Direito Ambiental
minou a interrupção do procedimento de licenciamento
ambiental, com a virtual suspensão do projeto até a próxima
mudança de governo, ou enquanto perdurarem os efeitos da
medida liminar. É indiscutível que a paralisação do projeto,
do ponto de vista financeiro, implica uma enorme perda de
recursos e, portanto, prejuízos.
Um outro exemplo bastante ilustrativo da situação é o da
implantação de uma grande planta siderúrgica no Estado de
Santa Catarina, cujos investimentos previstos montam a
aproximadamente U$ 420 milhões. Também neste caso, em função
de dificuldades de licenciamento ambiental, o projeto está
evoluindo em ritmo muito aquém do previsto no planejamento
financeiro. Se considerarmos que? em face da expressividade dos
valores envolvidos, existe uma engenharia financeira dando
suporte ao projeto, com a participação de tuna ou mais
instituições de investimento, todo o planejamento delas, bem
como a expectativa de retomo, ficam prejudicados seriamente.
Ambos os exemplos antes apresentados demonstram que,
obviamente, as instituições financeiras, ao concederem os
créditos para investimentos em projetos industriais,
necessariamente, devem considerar a variável ambiental como um
potencial elemento de risco para os seus negócios. Quanto
maior o risco ambiental, maior o risco do investimento.
Inversamente, se os riscos ambientais forem reduzidos, menores
serão os riscos financeiros do negócio. Há que se considerar
que, da análise de risco ambiental, pode resultar uma
considerável variação da taxa de juros. Esta é uma percepção
que começa lenta, mas, firmemente, a tomar conta do cenário
financeiro. Além do risco do investimento, as instituições
financeiras devem considerar que é crescente a tendência a
responsabilizar os agentes financeiros por danos causados
pelos mutuários. Há que se considerar que a Lei n2 6.938/81
(Política Nacional do Meio Ambiente) criou a figura do
poluidor indireto, que é todo aquele responsável indiretamente
pela degradação ambiental (art. 39, IV). Na esfera penal, a Lei
n9 9.605, em seu artigo 2a, determina que incide nas penas
cominadas aos crimes ambientais “quem de qualquer forma”
concorre para a sua prática. Por força de lei, portanto, há
uma solidariedade passiva do agente financiador do
empreendimento que degradou o meio ambiente.
É importante que se considere, ademais, que a
responsabilidade ambiental vem ganhando contornos inteiramente
diferentes da responsabilidade civil em geral. A
responsabilidade ambiental caracteriza-se por incidir sobre
aquele que é mais capaz de suportar os ônus decorrentes da
ação prejudicial ao meio ambiente. Veja-se, por exemplo, a
chamada responsabilidade pós-consumo. Em tal modalidade de
responsabilidade, por exemplo, os fabricantes de pilhas e
baterias são os responsáveis pelo seu destino final;
igualmente, os fabricantes de PET, ou de latas de alumínio,
começam a ser responsabilizados pela destinação final de tais
produtos. O raciocínio subjacente é o de que as empresas em
questão são as maiores beneficiárias econômicas da
comercialização dos produtos. Existe, ainda, a óbvia questão
de que é impossível a responsabilização de milhares e milhares
de pessoas que descartam PET e pilhas em qualquer lugar.
Vejam-se as enchentes e o estado dos rios. As empresas
produtoras, por outro lado, são facilmente identificáveis e,
portanto, acionáveis judicialmente. Esta é uma aplicação
prática da chamada “deep pocket doctrine” (“doutrina do bolso
profundo”), muito utilizada nos Estados Unidos e que,
certamente, começará a ganhar notoriedade em nossas cortes
judiciais.
Responsabilidade Ambiental
Deep Pocket doctríne é um jargão forense que busca dar
solução para os casos nos quais existem muitas
responsabilidades solidárias e dificilmente se pode chegar à
definição sobre "quão responsável é cada responsável”. Os
tribunais, com vistas a não deixar que a vítima permaneça sem
os devidos ressarcimentos, escolhem aquele que é o mais
saudável financeiramente e transferem para ele toda a
responsabilidade econômica decorrente da indenização. Esta
tendência está bastante cristalizada em nossa jurisprudência,
pois os tribunais seguidamente negam denunciação da lide em
questões ambientais, afirmando que a discussão entre os
possíveis responsáveis é matéria privada e que não pode
retardar a reparação dos danos ao meio ambiente e o pagamento
das respectivas indenizações.
Infelizmente, ainda é pequeno o número de instituições
financeiras atentas ao conjunto de questões do qual estamos
falando. A iniciativa financeira do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente conta com a participação de 77 institui-
ções, sendo 65 da Europa e 7 da América do Norte. Em termos de
América Latina, cerca de 70% dos bancos não possuem uma
política corporativa sobre meio ambiente, sendo que, dos 30%
que a possuem, esta se limita a ser política interna de meio
ambiente e eles não pensam em meio ambiente como uma
importante variável em negócios financeiros. Acrescente-se que
90% dos bancos não possuem qualquer tipo de gerência ou
departamento encarregado de questões ambientais; igualmente,
em 90% dos bancos não há qualquer análise de performance
ambiental da instituição.
3.1.3, Responsabilidade Ambiental das Instituições de
Crédito Imobiliário
O jornal O Estado de S.Paulo de 10 de abril de 2002 noticiou
o fechamento de uma empresa na cidade de Bauru, em função de
alegada contaminação de solo derivada de suas atividades com
chumbo. No fim do ano de 2001, a Secretaria de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo verificou grave contaminação do solo na
área do Conjunto Residencial Barão de Mauá, no Parque São
Vicente, município de Mauá. Em tal localidade existem 50
edifícios de apartamentos, servindo de residência para cerca
de 5 mil pessoas. Acresce o fato de que mais 22 edifícios
estão em fase de construção. No Estado do Rio de Janeiro,
infelizmente, também existem casos graves de contaminação do
solo. Um dos mais antigos é o da Cidade dos Meninos, em Duque
de Caxias, que é uma área pobre na Baixada Fluminense na qual
uma comunidade se instalou sobre área que havia sido utilizada
como depósito de produtos organoclora- dos (pó de broca -
BHC), resultando daí inúmeros casos de doenças graves e morte
na população local. No local, funcionava a antiga fábrica de
BHC do extinto Serviço Nacional de Malária. O Tribunal
Regional Federal da 2ã Região, em voto de lavra do eminente
Desembargador Federal Dr. André Fontes, julgou procedente a
ação movida pela comunidade em face da União e outros.19
19 TRJF 2» - REGIÃO. APELAÇÃO CÍVEL - 103083. 6* TURMA. DJU:
27/01/2005. DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL RESSARCIMENTO POR
DANO MORAL E MATERIAL. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO DEVIDO À
CONTAMINAÇÃO DE ORADORES PELO COMPOSTO QUÍMICO HCH (HEXA-
CLOROCICLOHEXANO), ABANDONADO PELO INSTITUTO DE
MALARIOLOGIA, NO BAIRRO CO-
Direito Ambiental
A repetição de tais situações tem por base o fato de que se
tem verificado uma “desindustrialização ’, em decorrência da
transferência de empresas para outras regiões. Muitos são os
fatores para que assim seja, dentre eles se destacam:
urbanização desordenada, fazendo com que plantas industriais
fiquem "ilhadas” por residências; incentivos fiscais
oferecidos por outros Estados e Municípios; decisões corpora-
tivas que implicam o fechamento de determinadas unidades
industriais etc. e, obviamente, falta de controle da qualidade
do solo.
Em decorrência, muitas áreas industriais têm se transformado
em áreas residenciais. Infelizmente, conforme foi visto, nem
sempre o solo sobre o qual elas estão instaladas foi submetido
à necessária auditoria.
Do ponto de vista da responsabilidade legal, parece-me que,
em tese, tanto o antigo proprietário do terreno como o
adquirente são solidariamente responsáveis pela reparação dos
danos causados aos terceiros de boa-fé que tenham adquirido as
unidades habitacionais postas à venda no mercado. As
instituições de crédito imobiliário que tenham financiado os
projetos habitacionais podem ser incluídas no rol dos
responsáveis solidários? A resposta é complexa. Permito-me um
breve exame de algumas decisões judiciais sobre
responsabilidade ambiental antes de expressar o meu ponto de
vista.
A chave para que se possa responder à questão acima
encontra-se no conceito legal de poluidor indireto. Com
efeito, a Lei n* 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 32, IV,
define que poluidor é toda aquela pessoa física ou jurídica
responsável, direta ou indiretamente, pela degradação
ambiental O Poder Judiciário, desde o ano de 1988, pelo
Tribuna! de Justiça do Estado de São Paulo, vem entendendo
que: “O poluidor que causa dano ao ambiente tem definição
legal e é aquele que proporciona, mesmo indiretamente,
degradação ambiental. E o poluidor é sujeito ao pagamento de
indeniza" ção, além de outras penalidades” (TJSP. 5a Câmara
Cível. Ap. n*> 96.536-1. 07/04/1988). Ao longo dos anos, tal
tendência vem se consolidando no Superior
NHECIDO COMO “Cidade dos Meninos", NO MUNICÍPIO DE DUQUE DE
CAXIAS, NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. I - A União possui
legitimidade passiva e responsabilidade exclusiva em relação à
ocorrência do evento danoso, uma vez que este ocorreu devido à
inobservância do dever de cuidado por um órgão do Ministério
da Saúde, nomeadamente, o Instituto de Malariologia. II - Não
há que falar em responsabilidade solidária de outros entes da
Federação, da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
(FEEMA), e da extinta Legião Brasileira de Assistência (LBA),
nem tampouco em responsabilidade regressiva de servidor
público federal, sem a demonstração cabal de suas respectivas
condutas culposas, ao se omitirem diante do dever de cuidado.
Ill - Em razão do dano infecto, originado de um ilícito
ambiental passado, cujos efeitos se protraem no tempo, é
possível a responsabilização objetiva da União, por meio da
aplicação do § 1® do art. 14 da Lei 6938-81 e ainda que assim
não fosse, estaríamos diante da culpa in re ipsa e do
desrespeito, por parte da União, ao princípio da precaução e
ao princípio da dignidade da pessoa humana. IV - Mesmo que se
discuta sobre a natureza objetiva ou subjetiva do critério de
responsabilização, no caso sob análise, não restam dúvidas
sobre a responsabilidade da União, uma vez que o abandono do
produto químico em questão resultou ilícito civil, do qual
decorreram efeitos natu- ralísticos, que causaram diversos
danos passíveis de ressarcimento. V - Recurso parcialmente
provido, para condenar a União a reparar o dano moral por eles
sofridos, bem como a indenizá-los, em numerário que
possibilite suas transferências para novas moradias.
Responsabilidade Ambiental
Tribunal de Justiça — STJ, que tem se posicionado no sentido
de qué a mera alegação de que uma empresa tenha causado dano
ao meio ambiente é suficiente para que a mesma seja admitida
como ré em uma demanda judicial. Veja-se o seguinte aresto,
cujo relator foi o Ministro José Delgado: REsp 232187/SP: DJU:
08/05/2000, p. 67. É parte legítima para figurar no polo
passivo da Ação Civil Pública a pessoa jurídica ou física
apontada como tendo praticado o dano ambiental. A Ação Civil
Pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica
referente à proteção do meio ambiente e das suas consequências
pela violação a ele praticada. Incabível, por essa afirmação,
a denunciação da jUde. Direito de regresso, se decorrente do
fenômeno de violação ao meio ambiente, deve ser discutido em
ação própria. Além disso, o Siiperior Tribunal de Justiça vem
entendendo que o simples fato de que uma empresa exerça
atividades em uma área duramente atingida pela poluição é
suficiente para que ela seja solidariamente responsável pela
degradação ambiental, em princípio, cabendo-lhe, apenas, a
ação de regresso contra aqueles que sejam os reais
responsáveis pela degradação ambiental: RES 18567/SP. Relatora
a Ministra Eliana Calmon. DJU: 2/10/2000, p. 154. A
solidariedade entre empresas que se situam em área poluída, na
ação que visa preservar o meio ambiente, deriva da própria
natureza da ação. Para correção do meio ambiente, as empresas
são responsáveis solidárias e, no plano interno, entre si,
responsabiliza-se cada qual pela participação na conduta
danosa. Do voto da ilustre Ministra, merece ser ressaltado o
seguinte trecho: “A solidariedade é um traço que identifica a
ação civil pública como um instrumento que se dirige contra
todos aqueles que estejam ligados por uma base comum, como por
exemplo: as empresas que se situam na área industrial que
sofreu poluição, solidariedade esta que, após a perícia, pode
ser descartada em termos de responsabilidade patrimonial.”
É necessário que se faça a adequada correlação entre as
decisões acima, còm relação jurídica de compra e venda de
imóveis. A aquisição de uma unidade habitacional que esteja
construída sobre terreno contaminado é, efetivamente, a
aquisição de um produto com defeito oculto, ou vício
redibitório. Conforme seja o nível da contaminação verificada,
tal defeito pode chegar ao ponto de tomar a coisa imprestável
para a finalidade a qual se destina (habitação). Tal situação
encontra previsão legal no CC (artigos 441 e seguintes)20 e no
próprio Código de Defesá do Consumidor
20 “Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato
comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos
ocultos, que a tomem imprópria ao uso a que é destinada, ou
lhe diminuam o valòr. Parágrafo único. É aplicável a
disposição deste artigo às doações onerosas. Art. 442. Em
vez de rejeitar a coisa, redíbindo o contrato (art. 441),
pode o adquirente reclamar abatimento no preço. Art. 443. Se
o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá
o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-
somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do
contrato. Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste
ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer
por vício oculto, já existente ao tempo datra- diçâo. Art.
445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou
abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for
móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega
efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da
alienação, reduzido à metade. § 1« Quando o vício, por sua
natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-
se-á do momento em que dele tiver ciência, áté o prazo
máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens
móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2a Tratando-se de
venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos
serão os estabelecidos em lei especial, ou, na feita desta,
pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo
antecedente se não houver regras discipli
Direito Ambiental
(artigos 6q, 8s e 18). O reconhecimento judicial da
responsabilidade do agente financeiro pelos defeitos ocultos
de unidades habitacionais é tranquilo e não causa a menor
dúvida entre os tribunais. Assim é que o STJ, ao decidir o
REsp. ns 51.169/RS, relator o Ministro Ari Pargendler, entendeu
que: A obra iniciada mediante financiamento do Sistema
Financeiro da Habitação acarreta a solidariedade do agente
financeiro pela respectiva solidez e segurança.
Do conjunto de decisões judiciais que foram arroladas, resta
estreme de qualquer dúvida o fato de que existe a
responsabilidade solidária entre o agente financeiro, o
construtor de imóvel e o incorporador, por empreendimentos
construídos sobre terrenos contaminados ou em áreas que, por
força de lei ou outro ato normativo, sejam consideradas como
non aedificandi. Ao credor, cabe escolher qual dos devedores
prefere executar com vistas a satisfazer o crédito que lhe é
devido. A tendência à responsabilização das instituições
financeiras é crescente, pois, como se sabe, tais instituições
são mais sólidas e possuem uma estrutura capaz de arcar com
custos de forma mais completa do que, em geral, as
construtoras e incorporadoras imobiliárias.
Retomando a questão que foi colocada antes, não tenho
qualquer dúvida em sustentar que, no caso concreto, é
aplicável a figura do poluidor indireto que, conjugada com os
chamados vícios redibitórios, em tese, induzem à
responsabilização dos agentes financeiros em função de imóveis
construídos sobre terrenos contaminados.
3.1.4. Crédito Rural e Meio Ambiente: Responsabilidade
Um importantíssimo caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Mato Grosso. Refiro-me à Apelação Cível ns 25.408,
na qual foi apelante o Banco do Brasil e apelado o Ministério
Público do Estado do Mato Grosso. A questão deduzida em juízo
foi a seguinte: O MP do Estado do Mato Grosso ajuizou Ação
Civil Pública (na 008/99) em face do Banco do Brasil,
objetivando compeli-lo a se abster de conceder qualquer
financiamento agropecuário, empréstimo, incentivo financeiro
de qualquer natureza ou que promova a securitização ou
repactuação de empréstimos e financiamentos em favor de
proprietários de imóveis rurais de área igual ou superior a
100 (cem) hectares que não comprovem, mediante certidão do
registro de imóveis, que procederam à averbação da reserva
prevista no artigo 44 do CFlo e, por certidão do órgão
ambiental, que a vegetação da referida área encontra-se
preservada ou em processo de recuperação, nos termos do artigo
99 da Lei n9 8.171/91. A ação civil pública tramitou perante a
Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá,
tendo sido julgada procedente, na forma do pedido, conforme
sentença lavrada pelo Juiz de Direito José Zuquim Nogueira.
O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
(TJMT) reformou in totum a decisão de primeiro grau,
proferindo acórdão assim ementado: Ação Civil
nando a matéria. Art, 446. Não correrão os prazos do artigo
antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o
adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta
dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.”
Responsabilidade Ambiental
Pública ~ Ministério Público - Procedência em ls grau ~
Financiamentos ou incentivos rurais — Exigência no cumprimento
da Legislação Ambiental — Inexistência de obrigatoriedade —
Sucumbência - Aplicação da Lei nq 7.347/85 - Recurso Provido:
Inadmissível, especialmente quando não vem olvidando o Banco-
apelante que nenhuma exigência legal protetiva do meio
ambiente, responsabilizá-lo por uma possível ocorrência de
dano ambiental. Embora digna de encómios a atuação brilhante
do representante do Ministério Público, não se pode deixar de
reconhecer a gravidade da situação ambiental no paísr dá-se
provimento ao recurso para reformar a sentença e julgar
improcedente a ação civil pública. Foi relator o Desembargador
Benedito Pereira do Nascimento.
O TJMT, em síntese, entendeu que não cabe ao agente
financeiro, ao conceder empréstimo para a agricultura,
verificar se estão sendo cumpridas as normas referentes à
proteção e manutenção da Reserva Florestal Legal, tal como
definidas no CFlo e na Lei de Política Agrícola. A 2â Turma do
Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a Reserva
Florestal Legal deve ser cumprida e que ela integra a própria
propriedade florestal, conforme se pode ver da seguinte
ementa: Direito Ambiental - Limitação à Propriedade Rural -
Reserva Florestal - Exegese do Art. 99 da Lei nB 8.171/91 -
Obrigação de Recomposição da Área na Proporção de 1/30,
Considerada a Área Total da Propriedade, Não se trata, a
reserva florestal, de servidão, em que o proprietário tem de
suportar um ônus, mas de uma obrigação decorrente de lei, que
objetiva a preservação do meio ambiente, não sendo as
florestas e demais formas de vegetação bens de uso comum, mas
bens de interesse comum a todos, conforme redação do art. Is do
CFlo. A única finalidade do art. 99 da Lei ns 8.171/91 foi a de
estabelecer um prazo maior, que não o imediato, para que os
proprietários procedessem à recomposição da área de floresta,
não alterando em nada as demais disposições legais
caracterizadoras do dever de recomposição de área de reserva
legal, que se for feita a passos curtos jamais atingirá a
finalidade da lei, no tocante à preservação do meio ambiente,
que não pode ser visto como o conjunto de pequenas partes, mas
o próprio todo. Recurso não conhecido, porquanto não violado
pelo aresto a quo o art. 99 da Lei n° 8.171/91” (REsp.
237.690/MS; Recurso Especial n* 1999/0101680-0, relator
Ministro Paulo Medina).
A decisão do Tribunal Estadual, com todo o respeito, parece
ter feito tábula rasa da determinação contida no artigo 12 da
Lei nQ 6.938, de 31 de agosto de 1981, que determina: Art. 12.
As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governa-
mentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a
esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao
cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos
pelo CONAMA. Parágrafo único. As entidades e órgãos referidos
no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a
realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao
controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do
meio ambiente. É importante observar que a ACP movida pelo
MPMT não tinha por escopo que o Banco do Brasil fizesse
controle ambiental, mas, única e exclusivamente, que ele
exigisse a comprovação da averbação da Reserva Florestal
Legal. Ora, se os órgãos financiadores públicos estão
obrigados a exigir o licenciamento ambiental e o cumprimento
de padrões do CONAMA, com muito
Direito Ambiental
mais razão devem exigir o cumprimento da lei. Veja-se, em
complemento, que o financiamento público somente pode ser
concedido se no projeto constar previsão de melhoria da
qualidade do meio ambiente. No caso concreto, evidentemente
que é a recuperação das áreas de Reserva Florestal Legal, onde
éla for inexistente. Acrescente-se o fato de que a perda de
financiamentos públicos é uma penalidade a ser aplicada pelo
CONAMA, por Resolução própria, àqueles que desrespeitam a
legislação de proteção ao meio ambiente (art. 14, III, da Lei
n9 6.938/81).
No caso em tela, o financiamento que, em tese, seria
concedido pelo Banco do Brasil, está catalogado como crédito
rural, cuja regulamentação está a cargo da Lei ne 4.829/1965.
Ora, como se sabe, o sistema nacional de crédito rural é
integrado pelo Banco Central do Brasil, Banco do Brasil, Banco
da Amazônia e Banco do Nordeste por suas carteiras próprias.
Segundo o disposto no artigo 3S da Lei ne 4.829/65, o crédito
rural tem os seguintes objetivos: I ~ estimular o incremento
ordenado dos investimentos rurais, inclusive para
armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos
agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo
produtor na sua propriedade rural; II—favorecer o custeio
oportuno e adequado da produção e comercialização de produtos
agropecuários-, III-possibilitar o fortalecimento econômico
dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV -
incentivar a introdução de métodos racionais de produção,
visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de
vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.
Ele é, portanto, uma política pública que, na forma do
artigo l9, “será distribuído e apHcado de acordo com a política
de desenvolvimento da produção rural do País e tendo em vista
o bem-estar do povo”. Ainda que muito anterior à CF de 1988,
em linhas gerais o crédito rural atende aos ditames do artigo
225 de nossa Lei Fundamental, pois busca aprimorar o padrão de
vida das populações rurais e a adequada defesa do solo
(rectius. meio ambiente). A Reserva Florestal Legal é, como se
sabe, um instrumento absolutamente necessário para a defesa do
solo e, portanto, o financiamento a ser concedido com base na
Lei ne 4.829/65 não pode deixar de levá-la em consideração. O
crédito rural tem, evidentemente, uma natureza pública.
O TJMT, data vênia, equivocadamente, entendeu que o MPMT
estava exigindo que o concedente do crédito rural exercesse a
função de órgão de controle ambiental ou de responsável pelo
dano causado por terceiro. Em meu entendimento, tal não foi o
pedido da Ação Civil Pública, mas, pura e simplesmente, que o
Banco, ao celebrar o mútuo, exigisse certidão de averbação da
Reserva Florestal Legal ou prova de que ela estava submetida a
procedimento de recuperação. O pedido encontra, em minha
opinião, ressonância em nossa ordem jurídica e, certamente, a
matéria voltará a ser enfrentada pelos nossos tribunais. As
instituições bancárias que atuam com crédito rural não devem
tomar a decisão do egrégio TJMT como uma tendência definitiva
de nossa jurisprudência, pois, conforme tentei demonstrar, o
conjunto de normas legais sobre o assunto aponta em direção
inversa àquela adotada pela egrégia Corte de Justiça do Estado
do Brasil Central.
Responsabilidade Ambiental
3.2. A Tarifação da Responsabilidade Ambiental
A objetivação da responsabilidade, contudo, não é a única
grande transformação pela qual passou o ancião instituto
jurídico. O desenvolvimento das atividades comerciais e
industriais, bem como o aumento das somas de capital envolvido
em tais atividades, implicaram novas e importantes alterações
na realidade jurídica da responsabilidade.
O reconhecimento do risco como fundamento da culpa é a
negação da teoria do acidente, do acaso, da álea tão falada
pelos especialistas. A partir do momento em que a legislação
reconhece o risco como fundamento da indenização, está,
concomitan- temente, reconhecendo a existência de uma
previsibilidade na ocorrência de sinistros, de uma
inevitabilidade dos mesmos, de uma rotina de acidentes. Este
fato tem evidentes consequências econômicas decorrentes do
aumento dos custos das atividades perigosas em face da
necessidade de pagamento das indenizações às vítimas.
Estas circunstâncias dão início a um processo contraditório,
no qual, ao mesmo tempo em que se ampliam os campos de
incidência da responsabilidade por risco, surge uma limitação
nos valores indenizatórios. Uma responsabilidade dita
tarifada. Carlos Alberto Bittar aponta, com propriedade, o
fato de que tais limitações destinam-se a conciliar a
necessidade da indenização com a viabilização econômica das
atividades empresariais...21 A conciliação da qual fala o
ilustre professor é sempre feita em favor das atividades
empresariais e contra os interesses dos cidadãos.
Há, portanto, uma tendência nítida para que sejam criados
mecanismos legais que permitam ao agente da atividade
industrial uma certa dose de certeza de seus custos. Uma
previsão estatística de seus custos em razão de inevitáveis
acidentes. Sob o aspecto puramente econômico, é indiscutível
que existe uma necessidade premente de que se possa
estabelecer, com a maior precisão possível, todo o montante de
custos envolvidos em uma atividade industrial ou comercial.
Grande parte das atividades econômicas de elevado
investimento e alto potencial de sinistros é grandemente
tutelada por leis que preveem a limitação da responsabilidade
do empreendedor.22 Vários são os critérios utilizados para a
fixação dos limites indenizatórios. Dentre as leis que preveem
a tarifação dos valores inderiiza- tóiios, as principais são:
a) Lei n9 6.367, de 19 de outubro de 1976, e Lei n9 6.195, de
19 de dezembro de 1974, que tratam de acidentes de trabalho
urbano e rüral;
b) Lei ne 2.681, de 7 de dezembro de 1912, sobre acidentes
ferroviários; Decreto-lei n9 32, de 18 de novembro de 1966
(Código Brasileiro do Ar), e Decreto-lei nô 277, de 28 de
fevereiro de 1967.
21 Responsabilidade Civil nas Atividades Nucleares, São Paulo:
RT, 1985, p. 89.
22 Carlos Alberto Bittar. Responsabilidade Civil - Teoria e
Prática, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, pp. 86
e seguintes.
Direito Ambiental
No Direito brasileiro, existem diversas leis que adotaram
critérios para o estabelecimento de mecanismos de tarifação da
responsabilidade. A motivação é, evidentemente, a mesma que se
fez presente em outros setores do Direito positivo: o elevado
investimento, o elevado nível de risco da atividade e,
igualmente, a necessidade que o empreendedor tem de prever o
montante aproximado de seu risco. Exemplificativamente, passo
a examinar as linhas gerais do sistema adotado no caso de
poluição marinha.
3.2.1. Poluição Marítima Decorrente de Atividades Petrolíferas
A quebra do monopólio de prospecção e exploração de petróleo
tem tido consequências jurídicas das mais importantes no
Direito brasileiro e, em especial, no Direito Ambiental,
conforme espero poder demonstrar. Uma importante confirmação
disso foi a edição da Lei ne 9.966, de 28 de abril de 2000,
que: Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da
poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias
nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá
outras providências. A mencionada lei, como se verá a seguir,
modificou inteiramente o quadro legal que existia antes.23
Quadro legal que, diga-se de passagem, era extremamente frágil
e insuficiente para regular a nova realidade da atividade de
exploração do petróleo off sAore24 e todos os seus
desdobramentos.
3.2.1.1. Campo de Aplicação, Conceitos e Definições
A Lei nB 9.966, de 28 de abril de 2000, na forma de seu
artigo lfi, estabelece os princípios básicos a serem obedecidos
na movimentação de óleo e outras substâncias nocivas ou
perigosas em portos organizados, instalações portuárias,
plataformas e navios em águas sob jurisdição nacional, sendo
aplicável nos seguintes casos:25 (i) quando ausentes os
pressupostos para aplicação da Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição Causada por Navios (Marpol 73/78); (ii)
às embarcações nacionais, portos organizados, instalações
portuárias, dutos, plataformas e suas instalações de apoio, em
caráter complementar à Marpol 73/78; (iii) às embarcações,
plataformas e instalações de apoio estrangeiras, cuja bandeira
arvorada seja ou não de pais contratante da Marpol 73/78,
quando em águas sob jurisdição nacional; (iv) às instalações
portuárias especializadas em outras cargas que não óleo e
substâncias nocivas ou perigosas, e aos estaleiros, marinas,
clubes náuticos e outros locais e instalações similares.
Devido à alta complexidade da matéria e, também, às enormes
somas de recursos econômicos e financeiros que estão
envolvidas na matéria tratada pelo diploma
23 Refiro-me à Lei na 5.357, de 17/11/1967, e ao Decreto na
83.540, de 4/6/1979.
24 Operações realizadas no oceano.
25 Art. 30. O alijamento em águas sob jurisdição nacional
deverá obedecer às condições previstas na Convenção sobre
Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e
Outras Matérias, de 1972, promulgada pelo Decreto n? 87.566,
de 16 de setembro de 1982, e suas alterações.
Responsabilidade Ambiental
legal, o legislador, acertadamente, estabeleceu um conjunto de
definições normativas que devem ser consideradas pelo
aplicador da lei. O sistema é inteligente, pois evita - na
medida do possível — que se criem imensas e inesgotáveis
discussões acerca do significado de palavras e vocábulos
constantes do texto legal. Assim é que o artigo 29 estabeleceu
as seguintes definições:
I —Marpol 73/7S:26 Convenção Internacional para a Prevenção da
Po
luição Causada por Navios, concluída em Londres, em 2 de
novembro de 1973, alterada pelo Protocolo de 1978, concluído
em Londres, em 17 de fevereiro de 1978, e emendas posteriores,
ratificadas pelo Brasil;
II -CLC/69:27 Convenção Internacional sobre Responsabilidade
Civil em
Danos Causados por Poluição por óleo, de 1969, ratificada
pelo Brasil; IH - OPRC/90: Convenção Internacional sobre
Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo,
de 1990, ratificada pelo Brasil;
IV - áreas ecoiogicamente sensíveis: regiões das águas
marítimas ou interio
res, definidas por ato do Poder Público, onde a prevenção, o
controle da poluição e a manutenção do equilíbrio ecológico
exigem medidas especiais para a proteção e a preservação do
meio ambiente, com relação à passagem de navios;
V -navio: embarcação de qualquer tipo que opere no ambiente
aquático,
inclusive hidrofólios, veículos a colchão de ar, submersíveis
e outros engenhos flutuantes;
VI - plataformas: instalação ou estrutura, fixa ou móvel,
localizada em águas
sob jurisdição nacional, destinada à atividade direta ou
indiretamente relacionada com a pesquisa e a lavra de recursos
minerais oriundos do leito das águas interiores ou de seu
subsolo, ou do mar, da plataforma continental ou de seu
subsolo;
VII - instalações de apoio: quaisquer instalações ou
equipamentos de apoio à
execução das atividades das plataformas ou instalações
portuárias de movimentação de cargas a granel, tais como
dutos, monobóias, quadro de bóias para amarração de navios e
outras;
Vm - óleo: qualquer forma de hidrocarboneto (petróleo e seus
derivados), incluindo óleo cru, óleo combustível, borra,
resíduos de petróleo e produtos refinados;
IX - mistura oleosa: mistura de água e óleo, em qualquer
proporção;*
X ~ substância nociva ou perigosa: qualquer substância que, se
descarrega
da nas águas, é capaz de gerar riscos ou causar danos à saúde
humana, ao ecossistema aquático ou prejudicar o uso da água e
de seu entorno;
26 The International Convention for the Prevention of
Pollution from Ships, 1973, as modified by the Protocol
of1978 relating thereto (MARPOL 73/78).
T3 Civil Liability Convention.
Direito Ambiental
XI - descarga: qualquer despejo, escape, derrame, vazamento,
esvaziamento,
lançamento para fora ou bombeamento de substâncias nocivas ou
perigosas, em qualquer quantidade, a partir de um navio, porto
organizado, instalação portuária, duto, plataforma ou suas
instalações de apoio;
XII ~ porto organizada porto construído e aparelhado para
atender às neces
sidades da navegação e da movimentação e armazenagem de
mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e
operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma
autoridade portuária;
XIII - instalação portuária ou terminal: instalação explorada
por pessoa jurí
dica de direito público ou privado, dentro ou fora da área do
porto organizado, utilizada na movimentação e armazenagem de
mercadorias destinadas ou provenientes de transporte
aquaviário;
XIV - incidente: qualquer descarga de substância nociva ou
perigosa, decor
rente de fato ou ação intencional ou acidental que ocasione
risco potencial, dano ao meio ambiente ou à saúde humana;
XV - lixo: todo tipo de sobra de víveres e resíduos
resultantes de faxinas e
trabalhos rotineiros nos navios, portos organizados,
instalações portuárias, plataformas e suas instalações de
apoio;
XVI - alijamento: todo despejo deliberado de resíduos e outras
substâncias efe
tuado por embarcações, plataformas, aeronaves e outras
instalações, inclusive seu afundamento intencional em águas
sob jurisdição nacional;
XVII - lastro limpo: água de lastro contida em um tanque que,
desde que trans
portou óleo pela última vez, foi submetido à limpeza em nível
tal que, se esse lastro fosse descarregado pelo navio parado
em águas limpas e tranquilas, em dia claro, não produziria
traços visíveis de óleo na superfície da água ou no litoral
adjacente, nem produziria borra ou emulsão sob a superfície da
água ou sobre o litoral adjacente;
XVm - tanque de resíduos, qualquer tanque destinado
especificamente a depósito provisório dos líquidos de
drenagem e lavagem de tanques e outras misturas e resíduos;
XIX - plano de emergência: conjunto de medidas que determinam
e estabe
lecem as responsabilidades setoriais e as ações a serem
desencadeadas imediatamente após um incidente, bem como
definem os recursos humanos, materiais e equipamentos
adequados à prevenção, controle e combate à poluição das
águas;
XX - plano de contingência: conjunto de procedimentos e ações
que visam à
integração dos diversos planos de emergência setoriais, bem
como a definição dos recursos humanos, materiais e
equipamentos complementares para a prevenção, controle e
combate à poluição das águas;28
Art. 29. Os planos de contingência estabelecerão o nível de
coordenação e as atribuições dos diversos órgãos e
instituições públicas e privadas neles envolvidas. Parágrafo
único. As autoridades a que se referem os incisos XXI, XXII,
XXm e XXIV do art. desta Lei atuarão de forma integrada, nos
termos do regulamento.
f' ww■wssooòupenorassa* Jurídico
j
Responsabilidade Ambiental
XXI - órgão ambiental ou órgão de meio ambiente: órgão do
Poder Executivo
federal, estadual ou municipal, integrante do SISNAMA
(SISNAMA), responsável pela fiscalização, controle e proteção
ao meio ambiente no âmbito de suas competências;
XXII ~ autoridade marítima: autoridade exercida diretamente
pelo Coman
dante da Marinha, responsável pela salvaguarda da vida humana
e segurança da navegação no mar aberto e hidrovias interiores,
bem como pela prevenção da poluição ambiental causada por
navios, plataformas e suas instalações de apoio, além de
outros cometimentos a ela conferidos por esta Lei;
XXIII ~ autoridade portuária: autoridade responsável pela
administração do
porto organizado, competindo-lhe fiscalizar as operações
portuárias e zelar para que os serviços se realizem com
regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio
ambiente;
XXIV - órgão regulador da indtístria do petróleo: órgão do
Poder Executivo
federal, responsável pela regulação, contratação e
fiscalização das atividades econômicas da indústria do
petróleo, sendo tais atribuições exercidas pela Agência
Nacional do Petróleo (ANP).
Águas sob jurisdição nacional, nos termos do artigo 39 do
diploma legal que ora está sendo analisado, são os seguintes
corpos d’água:
I - águas interiores;
a) as compreendidas entre a costa e a linha-de-base reta, a
partir de onde se mede o mar territorial;
b) as dos portos;
c) as das baías;
d) as dos rios e de suas desembocaduras;
e) as dos lagos, das lagoas e dos canais;
f) as dos arquipélagos;
g) as águas entre os baixios, a descoberta e a costa;
II - águas marítimas, todas aquelas sob jurisdição nacional
que não sejam inte
riores.
As substâncias nocivas foram legalmente classificadas em 4
(qúatro) categorias, segundo o risco que delas advém quando
descarregadas na água;
I - categoria A: alto risco tanto para a saúde humana como
para o ecossiste
ma aquático;
II - categoria B: médio risco tanto para a saúde humana como
para o ecossis
tema aquático;
III — categoria C: moderado risco tanto para a saúde humana
como para o ecos
sistema aquático;
236
Direito Ambiental
IV - categoria D: baixo risco canto para a saúde humana como
para o ecossistema aquático. Cabe ao órgão federal de meio
ambiente29 divulgar e manter atualizada a lista das
substâncias acima definidas, sendo certo que a mencionada
classificação deverá ser, no mínimo, tão completa e rigorosa
quanto a estabelecida pela Marpol 73/78.30
3.2.1.2. Prevenção, Controle e Combate da Poluição
A lei estabeleceu em seu artigo 5B que todo porto
organizado, instalação portuária e plataforma, bem como suas
instalações de apoio, deverão dispor obrigatoriamente de
instalações ou meios adequados para o recebimento e tratamento
dos diversos tipos de resíduos e para o combate à poluição,
observadas as normas e critérios estabelecidos pelo órgão
ambiental competente.31 Para a definição das características
das instalações e meios destinados ao recebimento e tratamento
de resíduos e ao combate da poluição, o órgão de controle
ambiental deverá levar, em sua atividade regulamentar, em
consideração, no mínimo, o seguinte: (i) as dimensões das
instalações; (ií) a localização apropriada das instalações;
(iii) a capacidade das instalações de recebimento e tratamento
dos diversos tipos de resíduos, padrões de qualidade e locais
de descarga de seus efluentes; (iv) os parâmetros e a
metodologia de controle operacional; (v) a quantidade e o tipo
de equipamentos, materiais e meios de transporte destinados a
atender situações emergenciais de poluição; (vi) a quantidade
e a qualificação do pessoal a ser empregado; (vii) o
cronograma de implantação e o início de operação das
instalações. Toda esta atividade regulamentar, obviamente,
deverá levar em conta o porte, o tipo de carga manuseada ou
movimentada e outras características do porto organizado,
instalação portuária ou plataforma e suas instalações de
apoio. O estabelecimento de normas específicas para o
tratamento de resíduos e combate à poluição não está limitado
àquelas instalações portuárias que se destinam a cargas de
óleo e outras substâncias perigosas. Tais instalações podem
ser obrigadas a manter equipamentos adequados para o combate à
poluição, bem como os estaleiros, marinas, clubes náuticos e
similares, a critério do órgão ambiental competente.
Uma importante determinação é que as entidades que explorem
portos organizados e instalações portuárias e os proprietários
ou operadores de plataformas elaborem manuais de procedimentos
internos para o gerenciamento dos riscos de poluição, bem como
para a gestão dos diversos resíduos gerados ou provenientes
das atividades de movimentação e armazenamento de óleo e
substâncias nocivas ou perigosas, o qual deverá ser aprovado
pelo órgão ambiental competente, em conformidade com a
legislação, normas e diretrizes técnicas vigentes. Em verdade,
a determi
29 Atualmente, as funções são desempenhadas pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA.
30 Parece-me que, no caso, é absolutamente desnecessário que o
IRAMA publique regularmente a dita classificação, pois se o
Brasil é signatário de uma Convenção Internacional, em
princípio, deverá aceitar os padrões estabelecidos no
documento internacional, salvo no caso de ter feito
ressalva.
31 Em meu entendimento, a lei deveria ter sido mais clara,
pois não é do desconhecimento público que, em termos
ambientais, existe uma grande obscuridade quanto à competência
específica dos órgãos ambientais.
Responsabilidade Ambiental
nação legal vem ao encontro de prática que, cada vez mais, é
realizada pelas empresas de grande porte e que mantêm
preocupação com a qualidade ambiental. A lei veio reforçar uma
tendência já existente em diversas empresas.
A lei ora em comento adotou como um critério extremamente
importante aquele que diz respeito à análise de risco da
atividade. Busca-se, com isso, estabelecer alguns parâmetros
estatísticos que possam indicar a possibilidade de acidentes
em decorrência da atividade desenvolvida. Este é um ponto de
grande relevância, pois, sem a análise de risco e a posterior
elaboração de planos de emergência e de contingência,
possibilitando a securitização da atividade que, sem a análise
de risco, seria totalmente impossível. Os planos, em
princípio, devem ser individuais, isto é, paia cada um dos
portos organizados, instalações portuárias e plataformas, bem
como suas instalações de apoio. O Plano deverá ser aprovado
pelo órgão ambiental competente. Quando se tratar de áreas nas
quais se concentrem portos organizados, instalações portuárias
ou plataformas, os planos de emergência individuais deverão
ser consolidados na forma de um único plano de emergência para
toda a área sujeita ao risco de poluição, o qual deverá
estabelecer os mecanismos de ação conjunta a serem
implementados, observado o disposto na Lei n0 9.966/2000, assim
como nas demais normas e diretrizes vigentes.
A consolidação dos planos de emergência individuais em um
único plano de emergência para a área envolvida deve ser
realizada pelas entidades exploradoras de portos organizados e
instalações portuárias, e, também, pelos proprietários ou
operadores de plataformas, sob a coordenação do órgão
ambiental competente. O órgão ambiental local deverá, após a
consolidação dos planos de emergência, definir os planos de
contingência locais ou regionais, em articulação com os órgãos
de defesa civil. Todos os planos de contingência locais e
regionais serão consolidados pelo órgão federal de meio
ambiente, em consonância com o disposto na OPRC/90,
estabelecendo o Plano Nacional de Contingência, em articulação
com os órgãos de defesa civil.
O artigo 9a da lei que ora se está examinando inovou em
nossa legislação, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as
entidades exploradoras de portos organizados e instalações
portuárias e os proprietários ou operadores de plataformas e
suas instalações de apoio realizem auditorias ambientais
bienais, independentes, com o objetivo de avaliar os sistemas
de gestão e controle ambiental em suas unidades. A medida é
extremamente salutar e oportuna, pois é somente mediante o
exame dos mecanismos de gestão e controle ambiental que, de
feto, se pode dar implementação ao princípio da precaução.
As auditorias também são fundamentais para que os planos de
emergência e de contingência possam ser implantados, pois sem
elas não se pode ter uma radiografia adequada da situação
ambiental que deve ser protegida ou das possibilidades de
risco que se deva correr.
3.2.1.3. Transporte de Óleo e Substâncias Nocivas ou
Perigosas
Todas as plataformas e os navios com arqueação bruta
superior a cinquenta32 que transportem óleo, ou o utilizem para
sua movimentação ou operação, portarão a
32 A Lei foi publicada com incorreção. Não é definido se são
cinquenta toneladas ou cinquenta mil toneladas.
Direito Ambiental
bordo, obrigatoriamente, um livro de registro de óleo,
aprovado nos termos da Marpol 73/78, que poderá ser
requisitado pela autoridade marítima, pelo órgão ambiental
competente e pelo órgão regulador da indústria do petróleo, e
no qual serão feitas anotações relativas a todas as
movimentações de óleo, lastro e misturas oleosas, inclusive as
entregas efetuadas às instalações de recebimento e tratamento
de resíduos. Existe, ainda, a obrigação de todos os navios que
transportem substância nociva ou perigosa a granel terem a
bordo um livro de registro de carga, nos termos da Marpol
73/78, que poderá ser requisitado pela autoridade marítima,
pelo órgão ambiental competente e pelo órgão regulador da
indústria do petróleo. Em tal livro devem ser feitas as
anotações referentes às operações de: (i) carregamento; (ii)
descarregamento; (iii) transferências de carga, resíduos ou
misturas para tanques de resíduos; (iv) limpeza dos tanques de
carga; (v) transferências provenientes de tanques de resíduos;
(vi) lastreamento de tanques de carga; (vii) transferências de
águas de lastro sujo para o meio aquático; (viii) descargas
nas águas, em geral.
Aqueles navios que transportem substância nociva ou perigosa
de forma fracio- nada, conforme estabelecido no Anexo III da
Marpol 73/78, deverão possuir e manter a bordo documento que a
especifique e forneça sua localização no navio, devendo o
agente ou responsável conservar cópia do documento até que a
substância seja desembarcada. As embalagens das mencionadas
substâncias deverão conter as respectivas identificações e
advertência quanto aos riscos, utilizando a simbologia pre-
vista na legislação e normas nacionais e internacionais em
vigor.
Os navios que se enquadrarem na CLC/69 deverão possuir o
certificado ou garantia financeira equivalente, conforme
especificado por essa convenção, para que possam trafegar ou
permanecer em águas sob jurisdição nacional.
Compete ao órgão federal de meio ambiente a elaboração e
atualização, anual, da lista de substâncias cujo transporte
seja proibido em navios ou que exijam medidas e cuidados
especiais durante a sua movimentação.
3.2.1.4. Descarga de Óleo, Substâncias Nocivas ou Perigosas e
Lixo
A descarga, em águas sob jurisdição nacional, de substâncias
nocivas ou perigosas classificadas na categoria “A”,33
inclusive aquelas provisoriamente classificadas como tal, além
de água de lastro, resíduos de lavagem de tanques ou outras
misturas que contenham tais substâncias, é proibida, conforme
definido no artigo 15 da lei.
É admissível a água subsequentemente adicionada ao tanque
lavado em quantidade superior a cinco por cento do seu volume
total, desde que sejam atendidas cumulativamente as condições
definidas nos incisos do artigo 15, que são as seguintes: (i)
a situação em que ocorrer o lançamento enquadre-se nos casos
permitidos pela Marpol 73/78; (ii) o navio não se encontre
dentro dos limites de área ecologicamente sensível; (iii) os
procedimentos para descarga sejam devidamente aprovados pelo
órgão ambiental competente. Pelo § 29 do artigo 15, é vedada a
descarga de água
33 Definição do artigo 4a da lei.
Responsabilidade Ambiental
.239
subsequentemente adicionada ao tanque lavado em quantidade
inferior a cinco por cento do seu volume total.
A descarga, em águas sob jurisdição nacional, de substâncias
classificadas nas categorias “B”, “C”, e “D”,34 inclusive
aquelas provisoriamente classificadas como tais, além de água
de lastro, resíduos de lavagem de tanques e outras misturas
que as contenham, somente é permitida se forem atendidas
cumulativamente as seguintes condições: (i) a situação em que
ocorrer o lançamento enquadre~se nos casos permitidos pela
Marpol 73/78; (ii) o navio não se encontre dentro dos limites
de área ecologicamente sensível; (iii) os procedimentos para
descarga sejam devidamente aprovados pelo órgão ambiental
competente. Os esgotos sanitários e as águas servidas de
navios, plataformas e suas instalações de apoio equiparam-se,
em termos de critérios e condições para lançamento, às
substâncias classificadas na categoria “C”. Os lançamentos
antes tratados deverão atender também às condições e aos
regulamentos impostos pela legislação de vigilância sanitária.
O art. 17 da lei proibiu a descarga de óleo, misturas
oleosas e lixo em águas sob jurisdição nacional, salvo nas
situações permitidas pela Marpol 73/78, e não estando o navio,
plataforma ou similar dentro dos limites de área
ecologicamente sensível, e os procedimentos para descarga
sejam devidamente aprovados pelo órgão ambiental competente. O
descarte contínuo de água de processo ou de produção em
plataformas é regido pela regulamentação ambiental
específica.35 O § 2S do artigo 17 foi vetado pelo Executivo.36
34 Definição do artigo 4a da lei.
35 Hoje está vigente a Resolução CONAMA n» 20, de 18/6/1986.
36 Passo a transcrever o texto vetado e as razões do veto
presidencial: Art. 17. § 2a Não será permitido o alijamento
de metais pesados ou.resíduos líquidos ou sólidos contendo
tais substâncias. Razões do veto: Impõe- se a exclusão do
referido parágrafo para que não se incorpore na legislação
nacional dispositivo que, embora sem similar em qualquer
outro país, terá o efeito de criar graves dificuldades em
tomo da exploração de petróleo na plataforma continental
brasileira e, até mesmo, paralisar a sua produção■ O
processo mundialmente praticado de exploração de petróleo no
mar implica a devolução da água originária da própria for-
mação geológica ao oceano. Essa água, embora contenha
quantidades insigniãcantes de metal pesado, é incapaz de
afetar a qualidade do meio ambiente, nos termos do
conhecimento internacional sobre a matéria: por exemplo, no
Mar do Norte são descartados cerca de 900.000m3 de água por
dia e na Bacia de Campos apenas 35.000m3; no Golfo do México
descarta-se volume muito maior dè água, haja vista que ali
estão instaladas cerca de 400plataformas, enquanto na costa
do Estado do Rio de Janeiro estão em operação menos de 40. A
preocupação com a clareza na interpretação das regras
jurídicas relativas à operação desse importante segmento da
economia nacional, bem como a relevância do petróleo
extraído do mar para o balanço energético do país, já
conduziu o legislador a estabelecer no § Ia do mesmo artigo
17que “no descarte contínuo de água de processo ou de
produção em plataformas aplica-se a regulamentação ambiental
espedãca”. A exclusão do § 2° não provocará nenhum risco
ambiental, já que o alijamento, no mar, de qualquer outro
resíduo contendo metais pesados está proibido, nos termos do
art. 15, combinado com o inciso X, do art. 2a do projeto de
lei. Ademais, a manutenção daquele parágrafo dará ensejo a
interpretações de que não se poderá efetuar nenhum descarte
de água durante a produção de petróleo em plataformas marí-
timas, ainda que dentro dos padrões ambientais aceitos e
consagrados internacionalmente. Importa, ainda, ressaltar
que a incorporação do § 2a do art. 17 na legislação
brasileira implicaria .elevadíssimos custos de produção de
petróleo na plataforma continental e tomaria inviável a
atividade produtiva, a competitividade da indústria
nacional, e a atração de novos capitais indispensáveis à
consecução das metas de auto-suã- dência energética, sem, em
contrapartida, assegurar-se qualquer benefício ambiental.
Direito Ambiental
A descarga de qualquer tipo de plástico, inclusive cabos
sintéticos, redes sintéticas de pesca e sacos plásticos, é
proibida.
A descarga de lixo, água de lastro, resíduos de lavagem de
tanques e porões ou outras misturas que contenham óleo ou
substâncias nocivas ou perigosas de qualquer categoria só
poderá ser efetuada em instalações de recebimento e tratamento
de resíduos, conforme previsto no art. 59 da norma em exame.
Nas hipóteses em que estejam em risco a vida humana, pesquisa
ou segurança do navio, conforme definido em regulamento,
poderá ser admitida a descarga de óleo, misturas oleosas,
substâncias nocivas ou perigosas de qualquer categoria, e
lixo, em águas sob jurisdição nacional.
A lei definiu parâmetros a serem observados pelo poder
regulamentar, quando se tratar da finalidade de pesquisa; este
deverá contemplar, no mínimo, as seguintes exigências: (i) a
descarga seja autorizada pelo órgão ambiental competente, após
análise e aprovação do programa de pesquisa; (ii) esteja
presente, no local e hora da descarga, pelo menos um
representante do órgão ambiental que a houver autorizado;
(iii) o responsável pela descarga coloque à disposição, no
local e hora em que ela ocorrer, pessoal especializado,
equipamentos e materiais de eficiência comprovada na contenção
e eliminação dos efeitos esperados. O órgão federal de meio
ambiente deve regulamentar a descarga de resíduos sólidos das
operações de perfuração de poços de petróleo.
O artigo 21 estabelece que a descarga, em águas sob
jurisdição nacional, de óleo e substâncias nocivas ou
perigosas, ou misturas que os contenham, de água de lastro e
de outros resíduos poluentes, ainda que autorizada, não
desobriga o responsável de reparar os danos causados ao meio
ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o
patrimônio público e privado pelos prejuízos decorrentes dessa
descarga. Aqui surge uma imensa indagação, pois, se a descarga
foi autorizada pelo órgão ambiental e a sua execução se
realizou dentro dos limites da autorização, haverá res-
ponsabilidade solidária do órgão que concedeu a autorização?
Os incidentes que ocorram em portos organizados, instalações
portuárias, dutos, navios, plataformas e suas instalações de
apoio, e que sejam capazes de provocar poluição das águas sob
jurisdição nacional, devem ser comunicados imediatamente ao
órgão ambiental competente, à Capitania dos Portos e ao órgão
regulador da indústria do petróleo, independentemente das
medidas tomadas para seu controle. Na forma do artigo 23, os
custos que os órgãos ambientais forem obrigados a realizar
para o controle ou minimização da poluição devem ser
integralmente ressarcidos pela entidade exploradora de porto
organizado ou de instalação portuária, pelo proprietário ou
operador de plataforma ou de navio, e pelo concessionário ou
empresa autorizada a exercer atividade pertinente à indústria
do petróleo, responsáveis pela descarga de material poluente
em águas sob jurisdição nacional, independentemente de prévia
autorização e de pagamento de multa.37 O navio, responsável por
descarga, que não possua o certificado exigido pela CLC/69,
será retido e só será libe
37 O artigo está perfeitamente dentro do princípio de que a
coletividade não deve suportar os ônus da poluição causada
por uma atividade privada-
Responsabilidade Ambiental
rado após o depósito de caução como garantia para pagamento
das despesas decorrentes da poluição.
É importante ressaltar que a contratação, por órgão ou
empresa pública ou privada, de navio para realização de
transporte de óleo ou de substância enquadrada nas categorias
definidas no art. 4a da lei somente poderá efetuar-se após a
verificação de que a empresa transportadora esteja devidamente
habilitada para operar de acordo com as normas da autoridade
marítima.
3.2.I.5. Infrações e Sanções
A Lei n2 9.966/2000 estabeleceu uma série de infrações
administrativas pelo des- cumprimento das normas nela
contidas. Relembre-se, também, que a lei ora em exame,
expressamente, tipifica algumas atividades como enquadradas na
Lei n9 9.605/98.
O artigo 25 determina que são infrações, punidas na forma da
lei:
/ _ descumprir o disposto nos arts. 59, 6S e 79: Pena - multa
diária;
II ~ descumprír o disposto nos arts. 93 e 22: Pena - multa;
IU - descumprir o disposto nos arts. 10, 11 e 12: Pena -
multa e retenção do navio até que a situação seja
regularizada;
IV - descumprir o disposto no art. 24: Pena - multa e
suspensão imediata das atividades da empresa &ansportadora em
situação irregular.
§ ls Respondem pelas infrações previstas neste artigo, na
medida de sua ação ou omissão:
I-o proprietário do navio, pessoa física ou jurídica, ou
quem legalmente o represente;
II—o armador ou operador do navio, caso este não esteja
sendo armado ou operado pelo proprietário;
III - o concessionário ou a empresa autorizada a exercer
atividades pertinentes à indústria do petróleo;
IV-o comandante ou tripulante do navio;
V- a pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, que legalmente represente o porto organizado, a
instalação portuária, a plataforma e suas instalações de
apoio, o estaleiro, a marina, o clube náutico ou instalação
similar;
VI-oproprietário da carga.
§ 2Ç O valor da multa de que trata este artigo será fixado
no regulamento desta Lei, sendo o mínimo de R$ 7.000,00 (sete
mil reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões
de reais)
§ 35 A aplicação das penas previstas neste artigo não isenta
o agente de outras sanções administrativas e penais previstas
na Lei n2 9.605, de 12 de feve
38 Art. 32. Os valores arrecadados com a aplicação das maltas
previstas nesta Lei serão destinados aos órgãos que as
aplicarem, no âmbito de suas competências.
Direito Ambiental
reiro de 1998, e em outras normas específicas que tratem da
matéria, nem da responsabilidade civil pelas perdas e danos
causados ao meio ambiente e ao patrimônio público e privado.
Já o artigo 26 determina: A inobservância ao disposto nos
arts. 15, 16, 17 e 19 será punida na forma da Lei n2 9.605, de
12 de fevereiro de 1998, e seu regulamento.
3.2.1.6. Responsabilidades pelo Cumprimento da Lei
Responsabilidades da autoridade marítima:
a)
b)
c)
d)
Responsabilidade do órgão federal de meio ambiente:39
a) realizar o controle ambiental e a fiscalização dos portos
organizados, das instalações portuárias, das cargas
movimentadas, de natureza nociva ou perigosa, e das
plataformas e suas instalações de apoio, quanto às
exigências previstas no licenciamento ambiental, autuando os
infratores na esfera de sua competência;
b) avaliar os danos ambientais causados por incidentes nos
portos organizados, dutos, instalações portuárias, navios,
plataformas e suas instalações de apoio;
c) encaminhar à Procuradoria-Geral da República relatório
circunstanciado sobre os incidentes causadores de dano
ambiental para a propositura das medidas judiciais
necessárias;
fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e
as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, autuando
os infratores na esfera de sua competência; <■*_
levantar dados e informações e apurar responsabilicUMes sobre
os incidentes com navios, plataformas e suas instalações de
apoio que tenham provocado danos ambientais;
encaminhar os dados, informações e resultados de apuração de
responsabilidades ao órgão federal de meio ambiente, para
avaliação dos danos ambientais e início das medidas judiciais
cabíveis;
comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo
irregularidades encontradas durante a fiscalização de navios,
plataformas e suas instalações de apoio, quando atinentes à
indústria do petróleo.
39 É, ainda, da atribuição do órgão federal de meio ambiente,
ouvida a autoridade marítima, definir a localização e os
limites das áreas ecologicamente sensíveis, que deverão
constar das cartas náuticas nacionais (art. 23).
codj - ciraijü oupçnor js&ggy mm)
Responsabilidade Ambiental
d) comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo
irregularidades encontradas durante a fiscalização de
navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando
atinentes à indústria do petróleo.
Responsabilidade dos órgãos estaduais de meio ambiente:
a) realizar o controle ambiental e a fiscalização dos portos
organizados, instalações portuárias, estaleiros, navios,
plataformas e suas instalações de apoio, avaliar os danos
ambientais causados por incidentes ocorridos nessas unidades
e elaborar relatório circunstanciado, encaminhando-o ao
órgão federal de meio ambiente;
b) dar início, na alçada estadual, aos procedimentos judiciais
cabíveis a cada caso;
c) comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo
irregularidades encontradas durante a fiscalização de
navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando
atinentes à indústria do petróleo;
d) autuar os infratores na esfera de sua competência.
Responsabilidade dos órgãos municipais de meio ambiente:
a) avaliar os danos ambientais causados por incidentes nas
marinas, clubes náuticos e outros locais e instalações
similares, e elaborar relatório circunstanciado,
encaminhando-o ao órgão estadual de meio ambiente;
b) dar início, na alçada municipal, aos procedimentos
judiciais cabíveis a cada caso;
c) autuar os infratores na esfera de sua competência;
Responsabilidade do órgão regulador da indústria do petróleo:
a) fiscalizar diretamente, ou mediante convênio, as
plataformas e suas instalações de apoio, os dutos e as
instalações portuárias, no que diz respeito às atividades de
pesquisa, perfuração, produção, tratamento, armazenamento e
movimentação de petróleo e seus derivados e gás natural;
b) levantar os dados e informações e apurar responsabilidades
sobre incidentes operacionais que, ocorridos em plataformas
e suas instalações de apoio, instalações portuárias ou
dutos, tenham causado danos ambientais;
c) encaminhar os dados, informações e resultados da apuração
de responsabilidades ao órgão federal de meio ambiente;
d) comunicar à autoridade marítima e ao órgão federal de meio
ambiente as irregularidades encontradas durante a
fiscalização de instalações portuárias, dutos, plataformas e
suas instalações de apoio;
e) autuar os infratores na esfera de sua competência.
Direito Ambiental
Na forma do § l2 do artigo 27, a Procuradoria-Geral da
República comunicará previamente aos Ministérios Públicos
estaduais a propositura de ações judiciais para que estes
exerçam as faculdades previstas no § 59 do art. 5a da Lei n9
7.347,40 de 24 de julho de 1985, na redação dada pelo art. 113
da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa
do Consumidor. O administrador público que> por omissão ou
negligência, deixar de apurar as responsabilidades pela
infringência da lei é passível de que se lhe impute a prática
de crime de responsabilidade.
3.2.1.7. Prazo para Adaptação às Normas Legais
Os portos organizados, as instalações portuárias e as
plataformas já em operação terão os seguintes prazos para se
adaptarem ao que dispõem os arts. 5S, 6e e 79: (i) trezentos e
sessenta dias a partir da data de publicação da lei, para
elaborar e submeter à aprovação do órgão federal de meio
ambiente o estudo técnico e o manual de procedimento interno a
que se referem, respectivamente, o § l5 do art. 5!eo art. 6e;
(ii) trinta e seis meses, após a aprovação do estudo técnico e
do manual de procedimento interno, para colocar em
funcionamento as instalações e os meios destinados ao
recebimento e tratamento dos diversos tipos de resíduos e ao
controle da poluição, previstos no art. 5S, incluindo o pessoal
adequado para operá-los; (iii) cento e oitenta dias a partir
da data de publicação da lei, para apresentar ao órgão
ambiental competente os planos de emergência individuais a que
se refere o caput do art. 79.
3.2.1.8. O Conselho Monetário Nacional e o Meio Ambiente
Aos 28 de fevereiro de 2008, o CMN expediu a Resolução ne
3545. Tudo se iniciou com a Circular ne 736, de 04 de outubro
de 1982, editada há 26 anos, na parte destinada ao crédito
industrial e programas especiais dispunha que: "A liberação da
última parcela do crédito, nos financiamentos de destilaria,
somente poderá ser efetivada contra a apresentação, pelo
mutuário, de comprovante emitido pelo órgão estadual de
controle do meio ambiente atestando a conclusão da implantação
do projeto de tratamento de efluentes”.
Do mesmo modo, a Circular n2 1.268, de 23 de dezembro de
1987, tem em suas disposições sobre crédito rural o seguinte:
"o assessoramento técnico a nível de carteira e o técnico
incumbido de elaborar o plano ou projeto devem verificar a
adequação do empreendimento às exigências de defesa do meio
ambiente.”
O mesmo se diga em relação à Circular n2 1.351, de 29 de
agosto de 1988, que dispunha sobre crédito agroindustrial que:
“1-0 agente financeiro deve observar a legislação específica
sobre controle da poluição do meio ambiente na concessão de
40 Trata-se da possibilidade de litisconsórcio facultativo
entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público
dos Estados. Ver o Capítulo referente à proteção judicial e
administrativa do meio ambiente, em espedal o tópico
específico sobre Ministério Público.
Responsabilidade Ambiental
financiamento a: a) projetos com atividades utilizadoras de
recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente
poluidoras; b) empreendimentos capazes de causar degradação
ambiental. 2-0 agente financeiro deve exigir do mutuário o
compromisso expresso de: a) observar a legislação específica
sobre controle da poluição do meio ambiente...”
Talvez a resolução mais "ousada” sobre meio ambiente fosse
aquela que tenha instituído plano de conversão da dívida
externa para fins ambientais (Resolução n9 1.840,41 de 16 de
julho de 1991).
Evidentemente que seria enfadonho e despropositado fazer uma
relação de todas as circulares e resoluções do Conselho
Monetário Nacional que determinam que as instituições de
crédito façam observar a legislação de proteção ao meio
ambiente. Em dever de justiça para com o Conselho Monetário
Nacional, há que se registrar que, tão logo a Lei n2 6.938/81
entrou em vigor, o CMN já se manifestava sobre questões de
controle ambiental, dentro das condições específicas de
concessão de crédito.
A Resolução ne 3.545, portanto, não é “uma novidade”, quando
muito, será um “aperfeiçoamento” dé normas já presentes em
nosso ordenamento jurídico. O curioso é que a Resolução é
específica para o “Bioma Amazônia”, quando na verdade a lei
41 RESOLUÇÃO 1.840
INSTITUI PLANO DE CONVERSÃO DA DÍVIDA EXTERNA PARA FINS
AMBIENTAIS.
O BANCO CENTRAL DO BRASIL, NA FORMA DO ART. 9® DA LEI N°
4,595, DE 31.12.64, TORNA PÚBLICO QUE O PRESIDENTE DO CONSELHO
MONETÁRIO NACIONAL, POR ATO DE 11.07.91, COM BASE NO PARÁGRAFO
2° DO ART. 2* DA LEI N® 8.056, DE 28.06.90, E NA LEI Na 8.201,
DE 29.06.91, "AD REFERENDUM” DAQUELE CONSELHO, E TENDO EM
VISTA AS DISPOSIÇÕES DOS ARTS. 4», INCISOS V E XXXI, E 57 DA
MENCIONADA LEI N° 4.595, E DOS ARTS. 50 E 52 DO DECRETO N°
55.762, DE 17.02.65,
RESOLVEU:
ART. la. INSTITUIR O PLANO DE CONVERSÃO DA DÍVIDA EXTERNA PARA
FINS AMBIENTAIS, COM O OBJETIVO DE PERMITIR O ACOLHIMENTO, POR
PARTE DE INSTITUIÇÕES OU FUNDOS SEM FINS LUCRATIVOS, MEDIANTE
DOAÇÕES, DE RECURSOS DESTINADOS À PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE.
ART. 2«. AS MENCIONADAS INSTITUIÇÕES OU FUNDOS SITUADOS NO
TERRITÓRIO NACIONAL, QUE DESENVOLVAM PROJETOS RELACIONADOS COM
A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE, PODERÃO RECEBER DOAÇÕES DE
ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS ESTRANGEIRAS MEDIANTE A ENTREGA
AO BANCO CENTRAL DO BRASIL DE:
A) OBRIGAÇOES EXTERNAS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS DE
RESPONSABILIDADE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, VINCULADAS A
ACORDOS DEREESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA BRASILEIRA, E
RESPECTIVOS EM CARGOS;
B) DEPÓSITOS EM MOEDA ESTRANGEIRA, CONSTITUÍDOS NO BANCO
CENTRAL DO BRASIL AO AMPARO DOS ACORDOS DECORRENTES DE
REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA BRASILEIRA, E RESPECTIVOS
ENCARGOS; E
Q BÔNUS DECORRENTES DE ACORDOS DE REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA
EXTERNA BRASILEIRA. DE RESPONSABILIDADE DO BANCO CENTRAL DO
BRASIL, E RESPECTIVOS ENCARGOS. (...)
Direito Ambiental
que trata de restrições a financiamentos (6.938/81) é dirigida
para todos os “biomas”. Mostra-se indubitável a observância
das recomendações e restrições do zoneamento agroecológico e
do Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE.
A Resolução tem como destinatários as instituições oficiais
de crédito ou os bancos privados que sejam agentes financeiros
de créditos públicos. A Resolução deverá ser observada
“obrigatoriamente a partir de l2 de julho de 2008, e facultati-
vamente a partir de Ia de maio de 2008” para a concessão de
crédito rural ao amparo de recursos de qualquer fonte para
atividades agropecuárias nos municípios que integram o Bioma
Amazônia, ressalvado o contido nos itens 14 a 16 do MCR 2-1. A
norma estabeleceu os seguintes condicionamentos para a
concessão dos créditos: (a) apresentação, pelos interessados,
de: 1 - Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR
vigente; 2 - declaração de que inexistem embargos vigentes de
uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel; e 3 ~
licença, certificado, certidão ou documento similar
comprobatório de regularidade ambiental, vigente, do imóvel
onde será implantado o projeto a ser financiado, expedido pelo
órgão estadual responsável. Caso tais documentos não existam,
poderá ser apresentado um “atestado de recebimento da
documentação exigível para fins de regularização ambiental do
imóvel, emitido pelo órgão estadual responsável, ressalvado
que, nos Estados onde não for disponibilizado em meio
eletrônico, o atestado deverá ter validade de 12 (doze) meses.
Uma grande novidade que, no entanto, deve ser vista com
muito cuidado é a quase transferência para o agente financeiro
de um papel de fiscalização que, francamente, não é da
atribuição de tais instituições: “verificação, pelo agente
financeiro, da veracidade e da vigência dos documentos
referidos na alínea anterior, mediante conferência por meio
eletrônico junto ao órgão emissor, dispensando-se a verifi-
cação pelo agente financeiro quando se tratar de atestado não
disponibilizado em meio eletrônico”.
O item c, também, é bastante polêmico, pois impõe uma
punição ao mutuário em caso de “embargo do uso econômico de
áreas desmatadas ilegalmente no imóvel, posteriormente à
contratação da operação, nos termos do § 11 do art. 2S do
Decreto ne 3.179, de 21 de setembro de 1999.” Ora, o embargo
não significa que a atividade seja ilegal; ele significa que
ela foi embargada, nada mais. Quantos embargos ilegais
existem? Em tal hipótese poderá haver a suspensão da
“liberação de parcelas até a regularização ambiental do imóvel
e, caso não seja efetivada a regularização no prazo de 12
(doze) meses a contar da data da autuação, o contrato será
considerado vencido antecipadamente pelo agente financeiro”.
A Resolução está destinada apenas aos grandes proprietários,
sendo excluídos expressamente a turma do Pronaf ou de
produtores rurais que disponham, a qualquer título, de área
não superior a 4 (quatro) módulos fiscais que deverá
providenciar declaração atestando a existencia física de
reserva legal e área de preservação permanente, conforme
previsto no Código Florestal, e a inexistência de embargos
vigentes de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no
imóvel.
Responsabilidade Ambiental
4. O Conceito de Dano
Não se pode, com toda certeza, avançar no presente capítulo
sem que se faça uma breve incursão pelo conceito jurídico de
dano, que é o pressuposto indispensável para a construção de
uma teoria jurídica da responsabilidade ambiental. Este é o
tema da próxima etapa que atravessaremos juntos.
É evidente que, para a correta compreensão do assunto ora
examinado, é fundamental uma definição de dano para que, a
partir daí, se defina o dano ambiental. A toda evidência, não
se pode definir qual o ressarcimento devido se o dano a ser
reparado não estiver suficientemente classificado,
especificado e quantificado. Gom efeito, sem a existência do
dano, inexiste responsabilidade.
O dano é o prejuízo causado a alguém por um terceiro que se
vê obrigado ao ressarcimento. É juridicamente irrelevante o
prejuízo que tenha por origem um ato ou uma omissão imputável
ao próprio prejudicado. A ação ou omissão de um terceiro é
essencial. Decorre daí que dano implica alteração de uma
situação jurídica, material ou moral, cuja titularidade não
possa ser atribuída àquele que, voluntária ou
involuntariamente, tenha dado origem à mencionada alteração.
Desnecessário dizer que, no conceito, somente se incluem as
alterações negativas, pois hão há dano se as condições foram
alteradas para melhor. É a variação, moral ou material,
negativa que deverá ser, na medida do possível, mensurada de
forma que se possa efetivar o ressarcimento. Posta nestes
termos, a questão parece simples. Contudo, é nesta aparente
simplicidade que se encontram as mais significativas
dificuldades do Direito Ambiental. A noção de dano,
originariamente, tinha um conteúdo eminentemente patrimonial,
na medida em que não se considerava prejuízo o menoscabo de um
valor de ordem íntima, uma vez que esta não tem conteúdo
econômico imediato.
A ressarcibilidade do dano não é, contudo, uma matéria
tranquila. A doutrina civilista tem entendido, por maioria,
que só é ressarcível o dano que preencha três requisitos, a
saber: certeza, atualidade e subsistência.
Este conceito, como se verá, não é suficiente para a
apuração e qualificação do dano ambiental, pois as
características deste não são apropriáveis pelo Direito comum,
em especial pelo Direito privado.
4.1. O Dano Ambiental
Dano ambiental é dano ao meio ambiente. Para que se possa
caracterizar o dano ambiental, é necessário que se
caracterize, preliminarmente, o próprio conceito de meio
ambiente e a sua natureza jurídica. Como já foi visto neste
livro, não é fácil uma definição conceituai do meio ambiente.
Com efeito, a grande dificuldade que enfrentamos, no
particular, é a de caracterizar o que exatamente deve ser
compreendido como meio ambiente. A seguir, é necessário que se
investigue o bem jurídico meio ambiente.
O conceito de meio ambiente é, evidentemente, cultural. É a
ação criativa do ser humano que vai determinar aquilo que deve
e o que não deve ser entendido
Direito Ambiental
como meio ambiente. A grande dificuldade do tema está em que a
ideologia liberal sempre buscou acentuar a dicotomia entre o
ser humano e a natureza, dicotomia esta necessária para que o
modo de produção capitalista pudesse justificar a apropriação
de matéria-prima, para que pudesse justificar a transformação
das realidades naturais em proveito da indústria e da
acumulação de capital. O já tantas vezes citado François
Ewald,42 com felicidade, afirma que:
La philosophie libérale ne pense certainement pas le rapport
de l'homme à la nature comme un rapport d’adéquation. Au
contraire, L'hommme et le monde y sont radicalement séparés.
La liberté libérale pose L 'homme comme une sorte de souverain
de lui-même, cause dernière qui ne peut jamais avoueur être
elle-même causée.
O meio ambiente é um bem jurídico autônomo e unitário, que
não se confunde com os diversos bens jurídicos que o integram.
O bem jurídico meio ambiente não é um simples somatório de
flora e fauna, de recursos hídricos e recursos minerais. O bem
jurídico ambiente resulta da supressão de todos os componentes
que, isoladamente, podem ser identificados, tais como
florestas, animais, ar etc. Este conjunto de bens adquire uma
particularidade jurídica que é derivada da própria integração
ecológica de seus elementos componentes. Tal qual ocorre com o
conceito de ecossistema, que não pode ser compreendido como se
fosse um simples aglomerado de seus componentes, o bem
jurídico meio ambiente não pode ser decomposto, sob pena de
desaparecer do mundo jurídico. Os múltiplos bens jurídicos
autônomos que se agregam e transfiguram para a formação do bem
jurídico meio ambiente encontram tutela, seja através do
Direito público, seja pelo Direito privado. O bem jurídico
ambiente, por igual, encontra tutela, seja por institutos de
Direito público, seja por aqueles do Direito privado. Não
obstante esta peculiaridade, o Direito público brasileiro, há
muito, tem oferecido ao cidadão a ação popular como
instrumento de defesa ambiental.
Meio ambiente é, portanto, uma res communes omnium. Uma
coisa comum a todos, que pode ser composta por bens
pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. A
propriedade do bem jurídico meio ambiente, quando se tratar de
coisa apropriável, pode ser pública ou privada. A fruição do
bem jurídico meio ambiente é sempre de todos, da sociedade.
Por outro lado, o dever jurídico de proteger o meio ambiente é
de toda a coletividade e pode ser exercido por um cidadão,
pelas associações, pelo Ministério Público ou pelo próprio
Estado contra o proprietário dos bens ambientais que sejam
propriedade de alguém.
Os Tribunais brasileiros têm tido uma compreensão
extremamente restritiva do conceito de dano ambiental e, por
consequência, do bem jurídico meio ambiente. Em geral, eles
têm adotado uma postura que exige o dano real e não apenas o
dano potencial. Parece-me que não tem sido aplicado e
observado o princípio da cautela
42 L’État Providence, ob. cit., p. 85.
Responsabilidade Ambiental
em matéria ambiental que, como se sabe, é um dos princípios
básicos do Direito Ambiental. Ao exigirem que o autor faça
prova do dano real, os Tribunais, de fato, impõem todo o ônus
da prova judicial para os autores, enfraquecendo a responsabi-
lidade objetiva do poluidor. Ademais, é importante que se
observe que o Direito Ambiental exerce a sua função protetora,
também, em relação às gerações futuras, resultado do conceito
de equidade intergeracional, que é um de seus principais
aspectos. Ora, o dano futuro, muitas vezes, não pode ser
provado de plano, vindo a materializar-se, somente, com o
decorrer do tempo. Entretanto, o Tribunal Federal de Recursos,
na Apelação Cível n2 88.556.787, entendeu que:
A simples alegação de dano ao meio ambiente não autoriza a
concessão de liminar suspensiva de obras e serviços públicos
prioritários e regularmente aprovados pelos órgãos técnicos
competentes.
A aprovação pela administração de uma determinada obra,
portanto, no entendimento da extinta Corte, gera uma presunção
iuris tantun de adequação desta às exigências ambientais. Tal
presunção só pode ser desfeita através de um amplo processo
probatório e não nos estreitos limites de uma medida liminar.
Acontece que nem mesmo a infração, por parte das indústrias,
de normas de Zoneamento urbano, tem sido considerada como
causadora de danos ambientais, potenciais ou atuais, exigindo-
se do autor que prove, além do risco, o próprio dano. No caso,
o Tribunal admite um “perigo socialmente aceitável”. A este
respeito, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Ap. n5
1.171, julgada pela sua 5S Câmara Cível, sentenciou que:
Apura infração de normas de zoneamento urbano não importa
necessariamente a configuração de dano, atual ou potencial, ao
meio ambiente. A condenação da empresa a abster-se da
atividade industrial não pode repousar na simples existência
de riscos...
A orientação é, data venia, péssima. O princípio da
precaução impõe que os riscos sejam avaliados e pesados para
que se possa autorizar uma intervenção no meio ambiente. Ora,
se há uma violação de preceito formal, de uma norma de
zoneamento, o conjunto de princípios e normas do Direito
Ambiental impõe que se restabeleça a observância dos preceitos
formais, pois estes, em tese, resultaram de análises técnicas
que levaram em consideração o risco inerente a cada uma das
atividades permitidas dentro de uma determinada região. Daí a
fixação de permissões diferentes para cada uma das regiões
submetidas ao Zoneamento.
Pelo que se viu das decisões judiciais acima comentadas,
observa-se que a concepção até aqui predominante em nossos
Tribunais é a de que os danos ambientais devem ser atuais e
concretos. Ou seja, a atuação judicial é fundamentalmente
posterior ao dano causado. A simples burla de formas legais,
como é o caso de normas de zoneamento, não é suficiente para
que, judicialmente, caracterize-se o dano ao ambiente. É
interessante observar que, quando se trata de Direito privado,
o forma
Direito Ambiental
lismo jurídico tem sido um importante instrumento para a
defesa de direitos já estabelecidos. A forma, em matéria
ambiental, é relegada a segundo plano quando se trata de
defender o seu infrator.
O próprio risco, no qual se funda a responsabilidade
ambiental, não é muito considerado, pois, ao que parece, é
necessário que o risco se materialize em um “acidente” para
que seja efetivamente reparado. Concretamente, o Poder
Judiciário está abdicando de sua função cautelar em favor de
uma atividade puramente repressiva que, em Direito Ambiental,
é de eficácia discutível.
5. Reparação do Dano Ambiental
O artigo 225, § 3e, da CRFB determina que:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar o dano.
O dispositivo constitucional aponta a existência de duas
modalidades de imposições:
a) sanções penais e administrativas; e
b) obrigação de reparar o dano.
As sanções penais e administrativas, parece-me, têm a
característica de um castigo que é imposto ao poluidor. Já a
reparação do dano reveste-se de um caráter diverso, pois
através dela busca-se uma recomposição daquilo que foi
destruído, quando possível.
A grande dificuldade, evidentemente, não está nas sanções
penais e administrativas, mas na obrigação de reparar o dano.
Em que consiste tal obrigação? A prática judicial brasileira
ainda não nos oferece uma resposta segura. Tem havido uma
certa divergência entre as diversas Cortes de Justiça
existentes no País. A decisão que me parece ser a mais
importante, pois emanada do Superior Tribunal de Justiça, é
aquela que consagra a autonomia do bem jurídico meio ambiente.
Vejamos a ementa da decisão do Superior Tribunal de Justiça:
Ecologia. Trânsito. Emissão abusiva de fumaça por veículo
automotor. O fato como acontecimento da experiência jurídica
enseja, eventualmente, repercussão plural no Direito.
Transitar, com veículo, produzindo fumaça em níveis proibidos
interessa tanto ao Direito ecológico como ao Direito da
circulação. Os respectivos objetos são diferentes. O primeiro
busca conservar as condições razoáveis mínimas do ambiente. O
segundo policia as condições de uso e funcionamento dos
veículos. Dessa forma, ainda que, fisicamente, uno o fato,
juri-
Responsabilidade Ambiental
dicamente há pluralidade de ilícitos, daí a legitimidade do
Departamento de Águas e Energia Elétrica, como do Detran para
aphcar sanções.43
O Tribunal, acertadamente, decidiu baseado em uma concepção
aberta: condições razoáveis mínimas do ambiente, cujos
contornos irão sendo desenvolvidos na razão direta das
necessidades concrètamente levadas à apreciação das diversas
Cortes de Justiça. O conceito será, portanto, preenchido
diante dos casos concretos. O Superior Tribunal de Justiça,
desta forma, está acompanhando a melhor doutrina internacional
e a melhor jurisprudência internacional. A construção do
Direito Ambiental, como já pudemos examinar, é muitíssimo
influenciada pelo litígio e pelo trabalho interpretativo das
Cortes. A decisão do Superior Tribunal de Justiça reves- te-se
de uma importância transcendental, pois se coloca em oposição
a uma tendência que se verifica nas Cortes inferiores de
privilegiar aspectos econômicos em detrimento dos aspectos
ambientais, como pode servir de exemplo a seguinte passagem:
Tem-se de admitir a subsistência de um resíduo, inalienável,
não só na indústria, mas, afinal de contas, num sem-número de
atividades que o homem, no atual estágio de evolução técnica,
não parece disposto a prescindir: vejamos o exemplo óbvio do
tráfego de veículos automotores (Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, Apelação Cível ns 1.171/89, 5* Câmara Cível).
Na realidade, o DA deve buscar um equilíbrio entre os
diferentes aspectos que compõem o sistema de proteção legal do
meio ambiente. Privilegiar qualquer um dos diferentes
componentes do Direito Ambiental é esvaziar sua principal
característica, que é, exatamente, a de efetivar uma
ponderação entre valores que, aparentemente, são
contraditórios. Vale observar que foi exatamente no exemplo
óbvio do tráfego de veículos automotores que o Superior
Tribunal de Justiça consolidou a autonomia do ilícito
ambiental em relação ao ilícito administrativo.
A grande dificuldade para tipificar o ilícito ambiental é
que os seus fundamentos estão, também, em uma esfera nova e
que atormenta a mentalidade conservadora. Existe uma grande
dificuldade para que se defina o agente poluidor e degradador,
ainda que os termos da lei brasileira sejam extremamente
claros. Esta grave questão mereceu apreciação do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, na qual a Corte, com acerto,
decidiu (5a C. Civil - Ap. na 96.536-1) que: Aquele que
proporciona, mesmo indiretamente, degradação ambiental é
poluidor. Estes leading cases, contudo, ainda encontram enorme
resistência na jurisprudência de diversos Tribunais e não se
constituem na orientação majoritária. Penso que as decisões
acima mencionadas constituem-se no que há de melhor em nossa
jurisprudência ambiental, uma vez que lograram realizar uma
adequada aplicação dos princípios do Direito Ambiental aos
casos concretos.
43 Paulo de Bessa Antunes. Jurisprudência Am bien tal
Brasileira, pp. 110-111.
BHasaaffiSS Direito Ambiental
pi
Infelizmente, poucas têm sido as ações judiciais julgadas
versando sobre meio
ambiente e, obviamente, poucas têm sido aquelas que chegaram
às instâncias superiores do Poder Judiciário. Menor ainda é o
número daquelas julgadas procedentes e que chegaram à fase de
execução - momento no qual se pode precisar concretamen- te no
que consiste o dano ambiental e sua reparação. A decisão
proferida nos autos da Apelação Cível n5 117.330-90, julgada
pelo Tribunal Regional Federal, rei. Juíza Eliana Calmon,
entendeu que:
1) O art. 14, § l9, da Lei ns 6.938, somente impõe a
indenização quando comprovada a existência de danos
passíveis de resgate.
2) Cumprida, prontamente, a obrigação de fazer (repristinação
do status quo ante), cessa a responsabilidade do poluidor,
pela retratação.
3) É inaplicável a multa administrativa pela retratação do
procedimento lesivo ao meio ambiente.
Acrescente-se um último e definitivo argumento que se funda
no fato de que nenhuma lei brasileira estabelece que a
retratação é critério, juridicamente válido, para elidir a
responsabilidade ambiental.
Penso que a decisão acima mencionada é problemática. Assim é
porque se estabeleceu que a penalidade administrativa é uma
espécie de sucedâneo do nâo-cum- primento da obrigação de
reparar o dano causado. Pelo conteúdo da decisão em refe-
rência, não é possível a aplicação concomitante de uma
penalidade administrativa pecuniária (multa) cujo fundamento
seja a conduta ambientalmente ilícita, pois violadora da
chamada Ordem pública do meio ambiente e, ao mesmo tempo, a
imposição da obrigação de reparar o dano. O simples fato de
que um degradador ou poluidor resolva “espontaneamente”
reparar o dano que causou ao meio ambiente não pode servir
como “alvará” para que este não sofra uma sanção
administrativa. Ademais* nunca é ocioso reprisar que a lei e a
própria Constituição estabelecem que a obriga- > ção de
reparar os danos independe das sanções administrativas e
penais.
Aquele que tenha sido condenado por crime contra o meio
ambiente não está isento da obrigação de reparar o dano
causado como, também, não estará isento de pena se, após ter
causado o dano ambiental, resolver repará-lo. A sanção
administra-
■ tiva tem uma função eminentemente repressiva e pedagógica. É
exercida para que o poluidor e a sociedade saibam que não é
admissível a prática de ilícitos ambientais.
A manutenção de um entendimento como o supra-aludido, data
venia> implica y uma negação da autonomia do bem jurídico
meio ambiente em relação ao bem jurí-
I; dico administrativo que é tutelado por meio próprio.
5.1. Concepção Educativa
I Alegislaçãoambiental doEstado do Rio de
Janeiro, de forma inovadora e pio-
■ neira, é dotada de dispositivo legal cujo objetivo é
estimular aqueles que, eventual-
| mente, tenham praticado alguma irregularidade ambiental
a saná-la com vistas à
Responsabilidade Ambiental
reparação do dano. O Decreto n9 8.974, de 15 de maio de 1986,
em seu artigo 12 e § l9, estabelece que: Desde que o infrator
demonstre inequívoca intenção de sanar a irregularidade, o
Plenário da CECA& (...) e o Secretário de Estado (...) de meio
ambiente (...) poderão sustar por até 180 (cento e oitenta)
dias o recolhimento da multa aplicada.
§ 1Q Corrigida ou sanada a irregularidade, o Plenário da
CECA ou o Secretário de Estado poderão relevar o pagamento das
multas cujo recolhimento houver sido sustado na forma deste
ardgo.
O dispositivo legal, evidentemente, não é destinado à
recuperação de danos ambientais. Entretanto, pode ser
constatado de seu teor que a legislação do Estado do Rio de
Janeiro fez vima opção clara pela política de diálogo e
entendimento com aqueles que tenham praticado irregularidades
ambientais. O Estado preferiu abrir mão da cobrança
administrativa de multas, desde que o interessado promova
medidas com vistas à superação de suas não-conformidades com a
legislação vigente.
Disposição assemelhada se encontra na Lei ns 3.467, de 14 de
setembro de 2000, que, atualmente, rege a matéria: “Art. 101 -
As multas aplicadas com base nesta Lei poderão ter a sua
exigibilidade suspensa, mediante a celebração de termo de
compromisso ou de ajuste ambiental, a exclusivo critério do
Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, obrigando-se o infrator à adoção de medidas
específicas para fazer cessar a degradação ambiental, sem
prejuízo das demais medidas necessárias ao atendimento das
exigências impostas pelas autoridades competentes.”
5.2. A Apuração do Dano Ambiental
Por muito que se tenha falado sobre o assunto, a realidade é
que, até hoje, não existe um critério para a fixação do que,
efetivamente, constitui o dano ambiental e como este deve ser
reparado. A primeira hipótese a ser considerada é a da
repristi- nação do ambiente agredido ao seu status quo ante.
Todos nós sabemos que não é simples a reconstrução de um local
degradado. Muitas vezes, a degradação de um determinado local
implicou a extinção de uma espécie vegetal, por exemplo.
Evidentemente que, no caso, não será possível a plantação de
novas plantas semelhantes àquelas que foram destruídas. Como
proceder? A morte de um animal ou de uma planta, como pode ser
compensada?
Estas questões estão longe de obter uma resposta consensual
ou simples. A adoção de um valor arbitrado para significar a
espécie destruída tem a desvantagem de estabelecer um macabro
sistema pelo qual aqueles que possuem recursos financeiros
poderão pagar uma soma para compensar a área ou espécie
prejudicada. Por outro
44 Comissão Estadual de Controle Ambiental.
Direito Ambiental
lado, este mecanismo tem como lado positivo a fixação de algum
critério objetivo a ser imposto ao poluidor.
Outro critério que vem sendo adotado é o da compensação.
Isto é, à degradação de uma área deve corresponder a
recuperação de uma outra. O critério não é bom, pois muitas
vezes as áreas são extremamente diversas e não se pode
restabelecer o ecossistema afetado.
O que se percebe, de fato, é que qualquer critério de
reparação do dano ambiental é sempre falho e insuficiente.
Fundamentalmente, a atividade ambiental deve ser regida pelos
critérios preventivos. A prevenção, contudo, implica ataque a
diversos interesses econômicos bastante fortes, seja daqueles
que pretendam promover a degradação ambiental, seja daqueles
que atuam na própria indústria da “recuperação” do meio
ambiente (venda de equipamentos antipoluição etc.).
A título de exemplo, é possível citar um caso ocorrido no
Município de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, no qual
um determinado indivíduo havia adquirido uma residência em
local situado à beira-mar. A região é formada por costões
rochosos que, por força da Constituição Estadual, possuem
proteção especial. Tais costões servem de habitat para toda
uma série de moluscos, vegetais etc. Foi construído, no local,
um mole sobre o costão rochoso. A construção havia sido
realizada pelo antigo proprietário alguns anos antes da venda
do imóvel. No mole, surgiu um novo ecossistema marinho que
seria destruído se fosse determinada a repristinação do costão
rochoso. Na realidade, a “solução” seria tão danosa quanto o
problema. Foi celebrada, então, uma transação judicial entre o
Ministério Público Federal, a Prefeitura de Angra dos Reis e o
réu,45 para que o mole fosse mantido como estava, isto é,
garantindo-se o ecossistema que se havia criado no local, e
que fosse financia" da pelo réu a recuperação de uma área de
encosta com o respectivo reflorestamento.
Diante das diversas realidades ambientais e da própria
diversidade das situações concretas que são levadas a juízo ou
aos próprios órgãos fiscalizadores para exame, é necessário
que se estabeleça um critério aberto para a apuração dos danos
ambientais. Desta forma, pelo menos em tese, é possível que
sejam criados mecanismos, caso a caso, capazes de estabelecer
uma reparação adequada.
45 Havia sido proposta uma ação civil pública em face do novo
proprietário.
Educação Ambiental
Capítulo VIII Educação Ambiental
1. Introdução
A Constituição brasileira estabelece a obrigação estatal de
promover a educação ambiental.1 Ela é um dos mais importantes
mecanismos que podem ser utilizados para a proteção do meio
ambiente, pois não se pode acreditar - ou mesmo desejar - que
o Estado seja capaz de exercer controle absoluto sobre todas
as atividades que, direta ou indiretamente, possam alterar a
qualidade ambiental. É através da educação ambiental que se
faz a verdadeira aplicação do princípio mais importante do
Direito Ambiental; o princípio da prevenção.
A educação ambiental tem diversas definições que, não raras
vezes, têm servido de motivo de equívocos e desentendimentos.
Segundo Iara Verocai,2 ela é:
Processo de aprendizagem e comunicação de problemas
relacionados à interação dos homens com seu ambiente natural.
É o instrumento de formação de uma consciência, através do
conhecimento e da reflexão sobre a realidade ambiental (FEEMA,
Assessoria de Comunicação, informação pessoal, 1986).
O processo de formação e informação social orientado para:
(I) o desenvolvimento de consciência crítica sobre a
problemática ambiental, compreendeu- do-se como crítica a
capacidade de captar a gênese e a evolução dos problemas
ambientais, tanto em relação aos seus aspectos biofísicos,
quanto sociais, políticos, econômicos e culturais; (II) o
desenvolvimento de habilidades e instrumentos tecnológicos
necessários à solução dos problemas ambientais; (III) o desen-
volvimento de atitudes que levem à participação das
comunidades na preservação do equilíbrio ambiental (Proposta
de Resolução CONAMA n2 02/85).
2. A Lei ns 9.795, de 27 de abril de 1999
A Lei está dividida em quatro capítulos, que se estendem por
22 artigos. O primeiro capítulo definiu o conceito normativo
de educação ambiental e os princípios que lhe são próprios. O
Capítulo II cuida da Política Nacional de Educação Ambiental.
Ao Capítulo III, coube a elaboração dos mecanismos de execução
da Política
1 CF, art. 225, § 1», VI.
2 Disponível em. http://sema.ij.gov.br.
Direito Ambiental
Nacional de Educação Ambiental. O Capítulo IV ocupa-se das
disposições finais. A seguir, passo a examinar cada um dos
capítulos da Lei ne 9.795, de 27 de abril de 1999.
2.1. Da Educação Ambiental
O artigo 1° da Lei determina o conceito normativo de
educação ambiental, que é o seguinte:
Art. I5 Entendem-se por educação ambiental os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum
do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabUidade.
Em primeiro lugar, há que se observar que a educação
ambiental tem por objetivo a conservação ambientaP e não a
preservação4 ambiental. A definição constante do artigo le é
extremamente importante, pois por ela se pode perceber que os
processos de educação ambiental devem ter por finalidade a
plena capacitação do indivíduo para compreender adequadamente
as implicações ambientais do desenvolvimento econômico e
social. O fato é tanto mais relevante, na medida em que a lei
que ora está sendo examinada não está voltada para a educação
ecológica, mas, isto sim, para a educação ambiental. Ambiente,
como se sabe, é conceito mais amplo e que abarca o entorno do
ser humano, quaisquer que sejam as suas dimensões.
A educação ambiental, nos termos da lei, é considerada “um
componente essencial e permanente da educação nacional,
devendo estar presente, de forma articulada, em todos os
níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal
e não- formal”. O artigo 2a da lei, parece-me, peca pelo
excesso. Com efeito, não se pode pretender que a educação
ambiental possa estar presente "em todos os níveis e moda-
lidades do processo educativo, em caráter formal e não-
formal”. Processo educativo não se confunde com escolaridade.
A educação é uma atividade constante e permanente que se faz
todos os dias e em todos os locais. É razoável que se aceite a
hipótese de que no processo de escolarização a preocupação com
as repercussões ambientais da atividade humana esteja sempre
presente. Aliás, isto é mais do que razoável; é altamente
desejável. Não é razoável, contudo, que, nos processos
informais de educação, seja possível a inclusão de tal
componente. É curioso que se observe que o próprio legislador,
em contradição com o disposto no artigo 2e, estabeleceu que a
educação ambiental deve ser prestada, também, de maneira não-
formal (seção III, Capí
3 Conservação — Proteção do meio ambiente com a utilização
racional dos recursos naturais, a Sm de beneficiar a
posteridade, assegurando uma produção contínua de plantas,
animais e materiais úteis, mediante o estabelecimento de um
ciclo equilibrado de colheita e renovação, m Maria da Graça
Krieger ec al. Dicionário de Direito Ambiental. Porto
Alegre/Brasília, Ed. UFRS/MPF, 1998, p. 110.
4 Preservação - manutenção da integridade e perenidade dos
recursos ambientais, in Maria da Graça Krieger et al. Ob.
cit., p. 285.
Educação Ambiental
tulo II), sem mencionar a sua prestação no processo educativo
não-formal. Educação adquire-se em qualquer recinto, em
qualquer tempo.
O artigo 3e determina que, como parte do processo educativo
mais amplo, todos têm direito à educação ambiental. A redação
do caput do artigo 39 não é das mais felizes. O que seria um
processo educativo mais amplo? A resposta é difícil. O
legislador, certamente, quis dizer que a educação ambiental é
um elemento essencial na formação cultural dos indivíduos.
Este artigo estabeleceu uma série de determinações para
diferentes atores sociais. É importante, nesta passagem, que
se recorde que a educação ambiental está expressamente
prevista no § l9, VI, do artigo 225 da CRFB, como uma obrigação
do Poder Público, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
§ i9 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público: (...)
VI -promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e conscientização pública para a preservação do meio
ambiente.
Perfeitas, portanto, as determinações para que o Poder
Público (art. 39,1) promova políticas públicas que integrem em
seus conteúdos a educação ambiental, Há redundância quanto à
determinação de que os “órgãos integrantes do Sistema Nacional
de Meio Ambiente ~ SISNAMA” promovam ações de educação
ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação
e melhoria do meio ambiente. Como é curial, os órgãos que
integram o SISNAMA são o próprio Poder Público.5
A incumbência contida no inciso VI é absolutamente inócua.
Com efeito, dispõe o mencionado inciso incumbir, à sociedade
como um todo, manter atenção permanente à formação de valores,
atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e
coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução
de problemas ambientais. O dever constitucional que a
coletividade tem em relação ao meio ambiente é o de defender e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225,
caput). A CF não estabeleceu qualquer obrigação da
coletividade em relação à educação ambiental. A lei, portanto,
jamais poderia ter estabelecido tal incumbência. Ademais,
sociedade como um todo é conceito abstrato e, francamente,
autoritário. A sociedade é um conjunto de indivíduos, uma
coletividade. Jamais um todo.
Quanto à incumbência imposta aos meios de “comunicação de
massa”, no sentido de que devem colaborar de maneira ativa e
permanente na disseminação de informações e práticas
educativas sobre meio ambiente, deve ser dito que inúmeras
emissoras de TV e rádio possuem programas de excelente nível
especialmente voltados para os problemas ambientais. Tal fato,
entretanto, nada tem a ver com determi
5 Ver Lei n2 6.938/81, art. 6®.
Direito Ambiental
nações legais sobre conteúdos de programação que, em muito,
assemelham-se à propaganda oficial. A matéria já encontra
normação constitucional nos artigos 220 e 221. Em especial, há
que se verificar que o artigo 221,1, da Lei Fundamental já
determina que a programação das televisões e rádios deve ser
feita com “preferência a finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas”.
Os princípios básicos que regem a educação ambiental foram
estabelecidos pelo artigo 4a da lei em comento. Tais princípios
são os seguintes:
I ~ enforque humanista, hoMstico, democrático e
participativo;
II-a concepção do meio ambiente em sua totalidade,
considerando interdependência entre o meio natutal, o sócio-
econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;
III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na
perspectiva da inter, multi e transdisciplinarídade;
IV -a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as
práticas sociais;
V-a garantia de continuidade e permanência do processo
educativo;
VI-a permanente avaliação crítica do processo educativo;
VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais,
regionaist nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à
diversidade individual e cultural.
Os objetivos fundamentais da educação ambiental foram
definidos pelo artigo 5s da Lein2 9.795, de 27 de abril de
1999, e são os seguintes:
I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio
ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo
aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos;
II-agarantia de democratização das informações ambientais;
III-o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica
sobre a problemática ambiental e social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva,
permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio
ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como
um valor inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regioe's do
País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à
construção de uma sociedade ambiental- mente equilibrada,
fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade,
democracia, justiça social, responsabilidade e
sustentabilidade;
> VI — o fomento e o fortalecimento da integração com a
ciência e a tecnologia;
VII- o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos
povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da
humanidade.
Ê1U - S/JSRÕ Sup&tor Õtmu JMs
' Educação Ambiencal
Não se pode deixar de reconhecer que os objetivos traçados
pela norma legal, que ora está sendo examinada, são
extremamente vastos e que, sé forem alcançados, ainda que
parcialmente, a sociedade brasileira terá sofrido uma mudança
estrutural de larga escala. Cumpre indagar se a lei não
estabeleceu objetivos demasiadamente extensos e que podem
gerar frustração por não serem alcançáveis.
2.2. Da Política Nacional de Educação Ambiental
2.2.1. Disposições Gerais
Após ter traçado os princípios e os objetivos da Educação
Ambiental em nosso país, a Lei n9 9.795/99 instituiu uma
Política Nacional de Educação Ambiental, conforme determinação
contida no artigo 62 do diploma legal. O . legislador
ordinário, que, nos artigos precedentes, havia construído
princípios e objetivos dotados de forte parcela de
grandiloqüência, foi modesto. O artigo 6e, em questão, limita-
se a dizer: “é instituída a Política Nacional de Educação
Ambiental.” Não há qualquer fixação de objetivos, instrumentos
oú outros mecanismos que sejam capazes de definir de maneira
precisa como devem ser implementadas as políticas públicas
pertinentes à educação ambiental. .
Mesmo que se considere que não existem as definições antes
reclamadas, o artigo 79 determina que a Política Nacional de
Educação Ambiental envolve em sua esfera de ação (sic) os
órgãos integrantes do SISNAMA, instituições educacionais
publicas e privadas dos sistemas de ensino, os órgãos públicos
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
organizações não governamentais com atuação em educação
ambiental. G sistema nacional de educação deverá organizar
ações que busquem desenvolver as seguintes atividades, que são
consideradas necessárias para a política nacional de educação
ambiental:
I - capacitação de recursos humanos;
II ~ desenvolvimento de estudos, pesquisas e
experimentações;
III - produção e divulgação de material educativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
A capacitação de recursos humanos, conforme a disposição
contida nos cinco incisos que compõem o parágrafo segundo do
artigo 8S, deve: (i) incorporar a dimensão ambiental na
formação, especialização e atualização dos educadores de
quaisquer níveis e modalidades de ensino; (ii) incorporar a
dimensão ambiental na formação, especialização e atualização
dos “profissionais de todas as áreas”; (iii) preparar
profissionais orientados para a atividade de gestão ambiental;
(iv) formação, especialização e atualização de profissionais
da “área de meio ambiente”; e (v) “o atendimento da demanda
dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à
problemática ambiental”.
Nos termos do § 3a do artigo 8®, as ações de estudos,
pesquisas e experimentação deverão estar voltadas para o
seguinte: (i) desenvolvimento de instrumentos e
Direito Ambiental
metodologias, com vistas à incorporação "da dimensão
ambiental, de forma interdis- ciplinar, nos diferentes níveis
e modalidades de ensino”; (ii) a difusão de conhecimentos,
tecnologias e informações sobre a “questão ambiental”; (iii) o
desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à
participação dos interessados na formulação e execução de
pesquisas relacionadas à “problemática ambiental”; (iv) a
busca de alternativas curriculares e metodológicas de
capacitação na “área ambiental”; (v) o apoio a iniciativas e
experiências locais e regionais, incluindo a produção de
material educativo; e (vi) a “montagem de uma rede de banco de
dados e imagens” que sirva de apoio às iniciativas
precedentes.
Em minha opinião, a lei, na passagem que foi abordada acima,
utilizou termos pouco claros e extremamente ambíguos, tais
como: “dimensão ambiental”, “questão ambiental”, “área
ambiental”, “problemática ambiental”, que são correntes da
linguagem diária, mas que não se prestam para uma norma legal
que pretende disciplinar assunto de tão grande relevância como
a educação ambiental. O legislador, se desejasse utilizar
termos como aqueles que acabam de ser mencionados, data venia,
deveria ter-lhes atribuído um conceito normativo claro e
inequívoco. Foi utilizada uma linguagem extremamente atécnica.
2.2.2. Educação Ambiental no Ensino Formal
A educação ambiental na educação escolar é aquela
desenvolvida “no âmbito dos currículos” das instituições de
ensino públicas e privadas e que se estende por todos os
níveis e modalidades de ensino, conforme o disposto no artigo
9a da lei que ora se está comentando. A educação ambiental,
entretanto, não deverá se constituir em ixma disciplina
autônoma, mas, ao contrário, deverá ser uma preocupação das
diferentes disciplinas que, em seus diferentes conteúdos,
deverão buscar vínculos e liames entre os diferentes assuntos
abordados e as suas respectivas repercussões no meio ambiente.
A orientação da lei, no particular, é excelente, pois a
educação ambiental não pode e não deve se constituir em um
gueto isolado. Ela deve ser uma preocupação presente em todo o
processo educativo, de forma transversal. Um outro elemento
importante é que nos cursos voltados para atividades técnicas
e profissionais deve ser incluído um conteúdo específico sobre
a ética ambiental. O desiderato do legislador é relevante.
Infelizmente, a lei não define o que compreende por “ética
ambiental”. Deveria fazê-lo, pois, como de sabe, ética
ambiental é um conceito extremamente amplo e que se presta a
múltiplas interpretações. Penso que, na hipótese, a
compreensão que corresponde a uma interpretação lógica de todo
o conjunto da legislação ambiental brasileira — inclusive do
artigo 225 de nossa Lei Fundamental - é a de que a ética
ambiental a ser implementada nos programas de educação
ambiental é aquela que se baseia no desenvolvimento
sustentável. Admite-se, entretanto, que em cursos de pós-
graduação e de extensão universitária possa existir uma
disciplina própria para o tema.
A formação de professores, em todos os diferentes níveis de
ensino, deverá ter uma particular atenção para a “dimensão
ambiental”.
Educação Ambiental
2.2.3. Educação Ambiental Não-Formal
A Educação ambiental não-formal é aquela constituída por um
conjunto de práticas e ações de natureza educativa, cujos
objetivos são a sensibilização da coletividade sobre as
questões ambientais e a sua organização e participação na
defesa da qualidade do meio ambiente. Ou seja, a educação
ambiental não-formal é um processo integrado e amplo, cujo
objetivo é a capacitação dos indivíduos para a ampla
compreensão das diferentes repercussões ambientais das
atividades humanas, tor- nando-os aptos a agir ativamente em
defesa da qualidade ambiental. O parágrafo único do artigo 13
da lei determina que o Poder Público, em seus diversos níveis,
deverá incentivar:
I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de
massa, em espa
ços nobres, de programas e campanhas educativas, e de
informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente;
II - a ampla participação da escola, da universidade e de
organizações não-
govemamentais na formulação e execução de programas e
atividades vinculadas à educação ambiental não-formal;
III — a participação de empresas públicas e privadas no
desenvolvimento de
programas de educação ambiental em parceria com a escola, a
universidade e as organizações não-govemamentais;
IV - a sensibilização da sociedade para a importância das
unidades de conser
vação;
V — a sensibilização ambiental das populações tradicionais
ligadas às unidades
de conservação;
VI — a sensibilização ambiental dos agricultores;
VII - ecòturismo.
3. Execução da Política Nacional de Educação Ambiental
A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental,
conforme disposto no artigo 14, “ficará a cargo de um órgão
gestor, na forma definida pela regulamentação desta lei”.
Neste ponto, com o devido respeito, o legislador cometeu uma
verdadeira barbaridade jurídica. A própria lei, no entanto,
não definiu a questão. Vale ser mencionado, contudo, que,
embora não tenha sido especificado a quem compete a direção da
Política Nacional de Educação Ambiental, foram definidas
competências e atribuições para o “órgão”. Tais atribuições
são, segundo o artigo 15 da norma que ora está sob exame: “a)
definição de diretrizes para implementação em âmbito nacional
(sic) (?!)”; b) articulação, coordenação e supervisão de
planos, programas e projetos na área de educação ambiental, em
âmbito nacional; e c) participação na negociação de
financiamentos a planos, programas e projetos na área de
educação ambiental.
Direito Ambiental
4.Conclusão
A lei da Política Nacional de Educação Ambiental é uma norma
jurídica extremamente confusa e de difícil compreensão. Os
seus termos são pouco claros e pecam pela absoluta ausência de
técnica jurídica. As suas gritantes falhas, certamente, serão
um entrave para a implantação de uma necessidade ambiental das
mais sentidas, que é uma política clara e estável de educação
ambiental. Lamentavelmente, a lei não logrou atender às
enormes expectativas da sociedade.
SEGUNDA PARTE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL
Introdução
Introdução
No Capítulo Constitucional sobre o meio ambiente, não está
estabelecido que os Estudos de Impacto Ambiental (ELA) devem
ser exigidos para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente.
A presente parte deste livro tem por objetivo realizar uma
análise jurídica dos EIA tal qual estes estão regulados no
âmbito do Direito positivo brasileiro. A importância do
assunto é evidente, pois o processo de licenciamento de
qualquer atividade potencialmente degradadora do meio ambiente
e causadora de impacto ambiental significativo deve,
necessariamente, ser precedida do EIA e de seu Relatório de
Impacto no Meio Ambiente (RIMA), conforme definido pelo órgão
ambiental.
O EIA é uma das diferentes modalidades utilizadas para se
examinar os diferentes custos de um projeto. A análise dos
custos de implantação e implementação de projetos é bastante
antiga. De fato, o empreendedor de qualquer projeto sempre
busca saber se os benefícios compensarão os custos a serem
alcançados. Se os benefícios forem maiores que os custos, diz-
se que o referido projeto é viável economicamente. Desde a
década de 50 do século XX, vem se desenvolvendo uma
metodologia de análise de custos de projetos que ficou
conhecida como avaliação social de projetos. Trata-se,
evidentemente, de um desenvolvimento da análise custo-
benefício que, no entanto, toma por base a sociedade e não
apenas o empreendedor privado.
Para a avaliação social, é extremamente importante a análise
das exteroalidades dos projetos. Elas são os resultados não
desejados advindos da implementação de um dado projeto.1 As
extemalidades podem ser positivas ou negativas. Positivas são
aquelas que redundam em benefícios não previstos quando da
planificação do projeto. Negativas são as extemalidades que
implicam a criação de problemas insuspeita- dos quando do
planejamento e da implementação do projeto. Dentro das
extemalidades, as ambientais avultam pela importância e
complexidade.
Os EIA são uma evolução das análises do tipo
custo/benefício, cujos objetivos básicos podem ser resumidos
como uma análise custo/benefício do projeto, tomando-se como
parâmetro a repercussão sobre o meio ambiente.
Estabelecidas as preliminares acima, os capítulos que se
seguem pretendem examinar os elementos que compõem os estudos
de impacto ambiental do ponto de vista jurídico.
1 Cláudio Roberto Contador. Avaliação Social de Projetos. São
Paulo: Atlas, 1988,2* ed., pp. 245 e seguintes.
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O Conceito de Impacto Ambiental


Capítulo IX O Conceito de Impacto Ambiental
1. Definições de Meio Ambiente e de Impacto Ambiental
1.1. Definições Semânticas
O primeiro aspecto que deve ser considerado na conceituação
de impacto ambiental é o próprio significado semântico do
termo. O vocábulo "impacto” deriva do termo latino impactu. O
Dicionário Aurélio Eletrônico fornece os seguintes sig-
nificados para o substantivo masculino impacto:
a) encontro de projétil, míssil, bomba ou torpedo, com o
alvo; choque, colisão;
b) colisão de dois ou vários corpos;
c) abalo moral causado nas pessoas por um acontecimento
chocante ou impressionante;
d) impressão muito forte, muito profunda, causada por
motivos diversos.
O vocábulo “ambiente” é definido pelo Aurélio Eletrônico
como:
Ambiente [Do lat. ambiente.] Adj. 2 g. 1. Que cerca ou
envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados;
envolvente: - V. meio. S. m. 2. Aquilo que cerca ou envolve os
seres vivos ou as coisas; meio ambiente. 3. Lugar, sítio,
espaço, recinto. 4. Meio. 5. V. meio. 6. O conjunto de
condições materiais e morais que envolve alguém; atmosfera: 7.
Arquit. Ambiência.
Na Língua de Dante, a definição de Impatto1 é a seguinte:
Urto. Atto e modo col quale un corpo in movimento, come
bomba, missi- le, proietüe, aeromobile e sim. urta contro q.c.
transformando gran parte delia sua energia cinética in lavoro
di deformazione delia própria strutura e di quel- la o di
quelle dell’altro... Urto... Inãuenza...
Em italiano,2 Ambiente é definido como:
1Ü Nuovo Zingareli, Bologna: Undicesima edizione, 1990, p.
890.
2ü Nuovo Zingarelli, Bologna: Zanichdli, Undicesima edizione,
1990, p. 70.
Direito Ambiental
Che sta attomo, che circonda. Complesso degh condizioni
esteme aU’or~ ganismo in cui si svolgela vita vegetale e
animale. Complesso degU esteme materiali, sociali, cultural! e
sim nelle’ambito delle quali si svilupa, vivere e opera un
essere umano...
Em francês, a definição de Impact fornecida pelo Dicionário
Robert3 tem o seguinte conteúdo:
Point d impact. coHssion, heurt: endroit ou le projectile
vient frapper et, par ext. trace quillaisse... Effet produit,
action exercée...
Já EnvironnementA é:
Entourage habituei.. Ensemble des conditions naturelles et
culturelles qui peuvent agir sur les organismes vivants et les
acdvités humaines...
O consagrado Black's Law Dictionary& define Environment da
seguinte forma:
The totality of physical, economic, cultural, aesthetic, and
social circuns- tances and factors which surround and affect
the desirability and value of property and which also effect
the quality of people’s life. The surrounding conditions,
influences or forces which inffluence or modify.
O conceito de meio ambiente, como se pôde ver antes, é um
conceito que implica o reconhecimento de uma totalidade. Isto
é, meio ambiente é um conjunto de ações, circunstâncias, dé
origem culturais, sociais, físicas, naturais e econômicas que
envolve o homem e todas as formas de vida. É um conceito mais
amplo do que o de natureza que, como se sabe, em sua acepção
tradicional, limita-se aos bens naturais.
Impacto é um choque, tuna modificação brusca causada por
alguma força exterior que tenha colidido com algo.
Sinteticamente, poderíamos dizer que o impacto ambiental é uma
modificação brusca causada no meio ambiente. É desnecessário
dizer que os EIA somente se destinam a examinar os impactos
ambientais decorrentes da intervenção humana voluntária sobre
o meio ambiente.6 Os impactos ambientais ocorridos em razão de
acontecimentos naturais não possuem interesse para o presente
trabalho. Assim é, pois estes não são decorrentes, a
principio, da atividade humana expressa em uma intervenção
ambiental. Certamente que o impacto ambiental causado por
circunstâncias naturais pode ter repercussões ambientais ex
3 Micro Robert, Paris, Díctionaires le Robert, 1988, p. 521.
4Idem, p. 368.
5 Black’s Law Dictionary, St. Paul: West publishing, Centenial
Edition (1891-1991), 1991, abridged sixth edition, pp. 369-
370.
6 Os acidentes ecológicos não são precedidos de estudos de
impacto, pois, teoricamente, são eventos irapre-
O Conceito de Impacto Ambiental
traordinárias, e. g., erupções do vulcão Pmatubo. Tais
consequências, contudo, do ponto de vista do Direito
Ambiental, são insignificantes. O Direito Ambiental é incapaz
de proteger o homem da atividade da própria natureza. Aliás,
como já foi visto em capítulos anteriores, não é este o seu
objetivo. Observe-se que a indiferença ante o Direito
Ambiental não significa indiferença ante todo o Direito. Uma
explosão vulcânica, ao destruir colheitas e territórios, tem
repercussão evidente no Direito Civil e no Direito Comercial.
Usualmente, o impacto ambiental é visto de forma negativa.
Entretanto, os impactos ambientais de um determinado
empreendimento podem ser positivos ou negativos, conforme o
caso. A positividade ou negatividade de um empreendimento é um
juízo que só pode ser realizado com a ponderação de todas as
repercussões ocasionadas pela implementação de um projeto.
Análises unilaterais e parciais não serão capazes def por si
sós, definir o caráter dos impactos ambientais gerados por
determinados empreendimentos.
1.2. Definições Científicas
Encontrar uma definição "científica” para meio ambiente não
é muito fácil, pois as ciências preferem utilizar-se do
conceito de ecossistema. A definição semântica de ecossistema
para o Dicionário Aurélio Eletrônico é a seguinte:
Ecossistema [De eco-1 + sistema.] S. m. 1. Conjunto dos
relacionamentos mútuos entre determinado meio ambiente e a
ãora, a fauna e os microrganismos que nele habitam, e que
incluem os fatores de equilíbrio geológico, atmosférico,
meteorológico e biológico.
Em outro trabalho,7 verificamos que Roger Dajoz afirma que
ecossistema é um conceito complexo:
A noção de biocenese é inseparável da noção de biótopo. Dá-
se esse nome ao espaço ocupado pela biocenese. O biótopo é:
‘uma área geográfica de superfície e volumes variáveis
submetida a condições cujas dominantes são homogêneas... Para
Davis, o biótopo é uma extensão mais ou menos bem delimitada,
contendo recursos suficientes para assegurar a conservação da
vida... Um ecossistema apresenta certa homogeneidade do ponto
de vista topográSco, climático, botânico e zoológico,
pedológico, hidrológico e geoquímico. As trocas de matéria e
energia entre seus constituintes fazem-se com intensidade
característica. Do ponto de vista termodinâmico, o ecossistema
é um sistema relativamente estável no tempo e aberto...
7 Antunes, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental, Rio de
Janeiro: Renovar, 2a ed., 1992, p. 85.
Direito Ambiental
A Constituição brasileira, em seu artigo 225, utiliza-se dos
dois conceitos, cabendo-nos entender que o legislador
constituinte não usou palavras ociosas. Isto é, estabeleceu
diferenças entre um e outro, cabendo-nos observar a
manifestação de vontade do legislador de 1988. É certo,
contudo, que, nos termos de nossa Lei Fundamental, a proteção
dos ecossistemas8 é um dos instrumentos capazes de assegurar a
efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado,9 Logo, ecossistemas são partes integrantes do meio
ambiente, embora não contenham todo o meio ambiente. Ao
contrário, nele estão contidos. A proteção dos ecossistemas é
um dos componentes capazes de assegurar a preservação da
chamada qualidade ambiental.
1.3. Definições Jurídicas de Meio Ambiente e de Impacto
Ambiental
1.3.1. Meio Ambiente
Os conceitos jurídicos normativos são fundamentais no mundo
do Direito. Como se sabe, para a ciência do Direito é de
extrema importância a correia fixação de conceitos jurídicos,
de forma que se possa assegurar à sociedade e aos cidadãos a
adequada segurança jurídica. Não se olvide, contudo, que nem
sempre é possível a fixação de conceitos precisos. Mesmo no
Direito privado muitas áreas de incerteza permanecem. O
próprio conceito de boa e má-fé,10 essencial para a teoria dos
contratos, não possui definição normativa.
No Direito positivo brasileiro, o conceito de meio ambiente
está estabelecido na Lei ne 6.938, de 31 de agosto de 1981,
que, por seu artigo 3e, I, estabelece que:
Para os ãns previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, inãuências
e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
É de se acrescentar, ademais, que a própria Lei na 6.938/81
estabelece, em seu artigo 2e, inciso I, que o meio ambiente
deve ser considerado como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo. A noção de patrimônio público deve ser compreendida
como um instrumento capaz de possibilitar a defesa do meio
ambiente através de mecanismos de direito público. Não se
trata, porém, do fato de que tenha havido uma desapropriação
dos bens ambientais que se encontrem submetidos a regimes
jurídicos de direito privado.
A doutrina jurídica brasileira não chegou a estabelecer uma
análise crítica do conceito legal de meio ambiente.
Entretanto, algumas análises do conceito de meio
8CF, art. 225, § 1“, I.
9CF, art. 225, capuc.
10CC de 1916: “Art. 113. Os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lu
gar de sua celebração.”
O Conceito de Impacto Ambientai
ambiente têm sido feitas. Doravante, passo a apresentar
algumas. Roberto Armando Ramos de Aguiar11 sustenta que:
O conceito de meio ambiente é totalizador. Embora possamos
falar em meio ambiente marinho, terrestre, urbano etc., essas
facetas são partes de um todo sistematicamente organizado onde
as partes, reciprocamente, dependem umas das outras e onde o
todo é sempre comprometido cada vez que uma parte é agredida.
Observe-se que o conceito legal de meio ambiente está mais
voltado para os aspectos biológicos, físicos e químicos. O
conceito estabelecido na CRFB é mais feliz, pois conjuga
conceitos técnicos com conceitos sociais.
De fato, o conceito jurídico de meio ambiente é amplo, como
não poderia deixar de ser, pois, como se sabe, o meio ambiente
possui uma amplitude extraordinária. Esta, talvez, seja a
grande dificuldade posta para a nossa análise sobre este can-
dente problema jurídico. A grandíssima amplitude do conceito
de meio ambiente faz com que o Direito Ambiental e os próprios
estudos de impacto ambiental possam vir a assumir uma
amplitude assustadoramente grande.
1.3.2. Impacto Ambiental
O conceito de impacto ambiental não é simples.12 A
multiplicidade de resultados potenciais da atividade humana no
mundo natural é tão ampla que, dificilmente, poderá ser
avaliada pela ciência em todas as suas consequências. A
humanidade necessita intervir na natureza para sobreviver. Por
mais “ambientalista” que uma pessoa seja, ela não poderá viver
sem consumir recursos ambientais. Qualquer ação humana produz
repercussões na natureza. O homem está condenado a viver dos
recursos naturais, ou sucumbir sem a utilização deles. Mesmo
as comunidades mais primitivas utilizam-se de recursos
ambientais e, diga-se de passagem, muitas delas de maneira
bastante predatória. Bem se vê, portanto, que a grande questão
é “acertar a mão” para não exagerar na dose. As diferenças se
colocam no nível da compreensão do papel das relações entre o
homem e a natureza e, evidentemente, a escala das populações
que, em pequenas comunidades, necessitam de menos recursos
naturais. Um tratamento mais ou menos respeitoso com o meio
ambiente, de certa maneira, está vinculado à necessidade de
recursos ambientais que tuna determinada sociedade precise e à
abundância deles.
A constatação de que qualquer atividade humana é utilizadora
de recursos ambientais é pouco explicativa e quase nada
auxilia na correta compreensão do problema. Ao contrário, é
geradora de um grave dilema, que assim pode ser explicado:
11 Direito do Meio Ambiente e Participação Popular, Brasília,
Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal/LBAMA, 1994,
p. 36.
12 Em verdade, tal definição está essencialmente adstrita à
própria definição de meio ambiente.
Direito Ambiental
“Se a humanidade depende dos recursos naturais para sobreviver
e estes estão se esgotando em razão da própria necessidade da
raça humana, então, estamos todos condenados a desaparecer
juntamente com a natureza.” Entretanto, as coisas não são tão
simples assim.
A intervenção humana no meio ambiente pode ser positiva ou
negativa. O homem pode interagir com o meio ambiente, visando
adequá-lo e se adaptar às suas necessidades, sem que o meio
ambiente e a natureza venham a ser prejudicados e, em muitos
casos, pode haver uma melhoria das condições do próprio meio
ambiente. Todo este conjunto de questões está profundamente
vinculado às posturas morais, axiológicas e políticas da
humanidade.
O impacto ambiental é, portanto, o resultado da intervenção
humana sobre o meio ambiente. Pode ser positivo ou negativo,
dependendo da qualidade da intervenção desenvolvida. A ciência
e a tecnologia podem, se utilizadas adequadamente, contribuir
enormemente para que o impacto da atividade humana sobre a
natureza seja positivo e não negativo. E bem verdade que os
impactos ambientais positivos têm merecido uma atenção menor
por parte dos estudiosos do tema. A atitude justifica-se, pois
as questões ambientais têm se apresentado ao debate em razão
dos “problemas” e não pelos sucessos alcançados na relação com
o meio ambiente. A postura preconceituosa contra a ciência e a
tecnologia somente contribuem para que as más condições
ambientais sejam perpetuadas e se agravem. Não se pode
esquecer que a solução para os graves problemas ambientais que
ora vivenciamos depende de uma mudança de atitudes gerais da
população, inclusive quanto ao papel da ciência e da correta
aplicação do conhecimento científico acumulado, o que implica
profunda mudança de comportamento ético dos próprios
cientistas, que, em nosso entendimento, devem compreender a
ciência como uma atividade meio e não como uma atividade fim.
O estudo jurídico dos impactos ambientais está profundamente
vinculado a conhecimentos de natureza técnico-científica que,
no particular, são determinantes. O Direito serve também para
impedir que, na incerteza científica, sejam praticados atos
contrários à boa qualidade ambiental. Aliás, o entendimento
ora esposado já se fez presente como um dos princípios
fundamentais do Direito Ambiental, reconhecido pela Declaração
do Rio.13
Impacto ambiental, portanto, é um abalo, uma impressão muito
forte, muito profunda, causada por motivos diversos sobre o
ambiente, isto é, sobre aquilo que cerca ou envolve os seres
vivos. Se forem positivos, devem ser estimulados;14 se forem
negativos, devem ser evitados.
13 Princípio 17-A avaliação de impacto ambiental, como
instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades
planejadas que possam vira ter impacto negativo considerável
sobre o meio ambiente e que dependam de uma decisão da
autoridade nacional competente.
14 CF, art. 225, § Ia, I.
O Conceito de Impacto Ambiental
1.3.3. Conceito Jurídico de Impacto Ambiental
A Resolução n2 1/86, do CONAMA, em seu artigo ls, fixou o
conceito normativo de impacto ambiental, que é o seguinte:
Impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades
físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por
qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades
humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I — a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II — as atividades sociais e econômicas;
III-a biota;
IV-as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V-a qualidade dos recursos ambientais.
A Resolução ne 237, de 19 de dezembro de 1997, em seu artigo
l , III, estabeleceu um novo conceito, que é o de impacto
e

regional e que tem por finalidade definir os parâmetros para o


licenciamento de atividades poluidoras que tenham caracterís-
ticas próprias. O impacto regional foi assim definido:
É todo e qualquer impacto ambiental que afete diretamente
(área de influência do projeto), no todo ou em parte, o
território de dois ou mais Estados.
O conceito adotado é bastante amplo.
As alterações desfavoráveis à saúde são óbvias por si
próprias. Todo projeto que implique repercussão sobre a saúde
coletiva de uma determinada comunidade deve ser tido como
impactante. A segurança deve ser entendida como segurança
social contra riscos decorrentes da inadequada localização de
materiais tóxicos, alteração significativa nas condições de
fixação do solo, possibilidade de enchentes, desabamentos etc.
Não se pode deixar de mencionar os riscos de ampliação de
índices de criminalidade e outros que afetam desfavoravelmente
a segurança. Quanto ao bem-estar, este deve ser compreendido
como um conjunto de condições que definem um determinado
padrão de qualidade de vida que deve ser aferido levando-se em
conta as condições peculiares de cada comunidade especifica-
mente considerada.
As atividades sociais e econômicas dizem respeito ao
emprego, ao modo de produção da riqueza e dos bens, guardando-
se como referencial as populações que vivem em uma determinada
região. Os projetos de intervenção no meio ambiente serão
socialmente nocivos se, em sua execução, implantação e
funcionamento, implicarem desagregação social.
Efeitos desfavoráveis sobre a biota são aqueles que dizem
respeito, diretamente, às condições de vida animal e vegetal
na região considerada.
Alteração das condições estéticas e sanitárias são as
transformações que impliquem alterações de natureza
paisagística ou visual ou mesmo olfativa, que possam
Direito Ambiental
acarretar doenças na coletividade. Quanto à qualidade dos
recursos ambientais, o projeto a ser implantado não poderá
trazer alterações qualitativas aos recursos, tais como
enfraquecimento genético de espécies, diminuição de padrões de
concentração de determinados elementos etc.
O Escudo de Impacto no Direito Estrangeiro
Capítulo X O Estudo de Impacto no Direito Estrangeiro
1. Introdução
As trocas de informações entre as várias nações e a
influência dos diversos sistemas jurídicos entre si são
fundamentais para o desenvolvimento do Direito Ambiental, Tal
fato decorre da circunstância de que a agressão ao meio
ambiente, a poluição e outros fatores que afetam o meio
ambiente, favorável ou desfavoravelmente, não reconhecem
fronteiras. Fenômenos como a chuva ácida e a poluição dos rios
que cruzam vários países deixaram muito bem definidas as
limitações dos conceitos de Direito interno e Direito
internacional quando se trata da proteção ao meio ambiente. O
acidente nuclear de Chemobill demonstrou, de forma dramática,
as dificuldades inerentes aos tradicionais conceitos de
Direito; interno e internacional, O importante setor do .„DA
que trata dos estudos de impacto ambiental não poderia ficar
alheio a essas influências gerais sofridas pela legislação de
tutela ambiental.
O exame de sistemas jurídicos normativos de outras nações é
extremamente importante para que sejamos capazes de examinar o
grau de evolução técnica de nosso próprio sistema jurídico e
para que possamos comparar as soluções adotadas pelo nosso
ordenamento jurídico com as adotadas alhures.
Em matéria de DA, a importância do método comparativo se
avulta na medida em que o próprio DA interno é fortemente
influenciado pelos ordenamentos jurídicos de outras nações.
Uma das principais razões para que assim seja é o fato de que
os problemas ambientais não respeitam fronteiras e que,
portanto; a sua superação somente poderá ocorrer com uma
legislação internacional que se baseie em princípios e normas
bastante próximos, sob pena de ineficiência e frustração.
É com o intuito de demonstrar o estado-da-arte em outros
países que passamos a uma breve panorâmica dos estudos de
impacto ambiental em alguns ordenamentos jurídicos
estrangeiros.
É importante observar que, não poucas vezes, as normas de
Direito Ambiental são oriundas de recomendações de organismos
internacionais que, paulatinamente, vão sendo incorporadas ao
Direito interno de cada uma das diversas nações. As crescentes
exigências do Banco Mundial em matéria de proteção ao meio
ambiente fomecem-nos um bom exemplo daquilo que se está a
comentar. Com efeito, atualmente, o Banco Mundial (World Bank)
somente financia projetos que, incluídos em suas diretrizes
específicas, tenham passado por critérios de avaliação de
impacto ambiental.
Direito Ambiental
2. Importância Internacional dos Estudos de Impacto Ambiental
O exame dos Estudos de Impacto Ambiental é particularmente
importante para a aplicação do método comparativo. Isto porque
os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) foram criados
sucessivamente em diversos países, É importante observar que
já no ano de 1974 a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou aos seus
integrantes que adotassem em suas legislações nacionais normas
que tomassem obrigatórios os EIA.1 Igualmente, o Conselho da
Europa, em 27 de fevereiro de 1981, recomendou aos seus
membros que adotassem em suas legislações internas os Estudos
de Impacto Ambiental (EIA).
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como RIO 92, no Princípio
n9 17 de sua Declaração final, proclamou que:
Princípio 17 - A avaliação de impacto ambiental, como
instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades
planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável
sobre o meio ambiente e que dependam de uma decisão da
autoridade nacional competente.
O próprio Banco Mundial, que é o principal agente
financiador internacional de projetos de desenvolvimento
econômico, mudando a sua postura, tantas vezes criticada,2 tem
passado a exigir, para a aprovação de projetos que envolvam a
expio- ração de recursos naturais, a avaliação dos impactos
ambientais. Um exemplo de programa financiado pelo Banco
Mundial cujos resultados foram francamente negativos é o
Polonoroeste, que se desenvolveu no Estado de Rondônia. Foram
utilizados cerca de 500 milhões de dólares americanos para o
desenvolvimento de projetos agrícolas e pavimentação da BR
364. O resultado objetivo do Polonoroeste foi o desmatamento
em larga escala, a alteração, para pior, da vida das
comunidades locais, a poluição, a garimpagem desordenada, a
migração desregrada, enfim, o aumento da miséria em Rondônia.3
2.1. O Banco Mundial e os Estudos de Impacto Ambiental
O Banco Mundial, a partir da década de 704 do século XX,
passou a demonstrar algumas preocupações com as repercussões
ambientais de projetos implantados com
1 A OCDE reúne 26 países desenvolvidos.
2 Para lima crítica pormenorizada da atuação do Banco Mundial
em relação ao meio ambiente, veja Mikessell, Raymond F. e
Williams, Lawrence - International Banis and the envíronmem
—£rom, groxvth to sustainability: im mtSmshed agenda, San
Francisco: Sierra Club Books, 1992, passim.
3 Raymond Mikessell e Lawrence F. Willians. Ob. dt., pp. 165 e
seguintes.
4 Clark, Brian. “A AIA e o Banco Mundial”, m Partidário, Maria
do Rosário e Jesus, Júlio de. Avaliação do
impacto ambiental, Lisboa, CEPGA, 1994, pp. 573 e seguintes.
O Escudo de Impacto no Direito Estrangeiro
seus financiamentos. A propósito, registre-se que, somente no
setor florestal, o Banco Mundial financiou 43 projetos, entre
os anos de 1949 e 1990, em um montante de US$ 2.485,94
milhões.5 No entanto, foi somente depois de 1984 que a
instituição passou a adotar critérios claros quanto ao
conteúdo das avaliações de impacto ambiental. Entre a década
de 70 e o ano de 1984, o Banco não chegou a acumular grande
experiência quanto à matéria. A pouca preocupação do Banco
Mundial com as repercussões ambientais de seus projetos, diga-
se de passagem, nada mais era do que o reflexo de uma atitude
generalizada quanto ao meio ambiente, cuja importância no
mundo era muito pequena.
Em 1989, o Banco Mundial estabeleceu critérios bastante
objetivos para a avaliação de impactos ambientais; tais
critérios deveriam ser adotados quando do exame da concessão
de financiamentos e linhas de crédito. A norma que cuida do
assunto é a Operãtional Directive on Environmental Assessment
(O.D. 4.00.1989), cuja revisão ocorreu em 1981 (O.D. 4.01).
Para o Banco Mundial, a avaliação dos impactos ambientais
está ligada ao ciclo do projeto que se divide em seis etapas,
nas quais deve ser assegurada a participação do público. A
participação popular na discussão e análise dos projetos é
considerada fundamental para o Banco Mundial:
contemplam oportunidades para a participação do público, um
aspecto que constitui presentemente uma preocupação quase
obsessiva por parte do Banco, depois de ter sido em grande
medida ignorada no passado
Os projetos apresentados ao Banco são divididos em três
categorias: A, B e C. A classificação é efetuada em razão da
magnitude dos impactos ambientais que possam advir da
implantação do projeto.
A categoria A exige uma avaliação do impacto ambiental
completa. Um projeto na categoria A terá provavelmente
impactos adversos significativos que poderão ser de grande
sensibilidade, irreversíveis e variados. Os impactos serão
possivelmente abrangentes, extensos, cobrirão todo um setor ou
estabelecerão precedentes. Os impactos resultarão, de um modo
geral, de um componente importante do projeto e afetarão a
área na sua totalidade ou todo um setor.
A categoria B requer uma análise ambiental, embora não uma
avaliação do impacto ambiental completa. O projeto pode ter
impactos ambientais adversos que são menos significativos do
que os impactos da Categoria A. A concepção de medidas de
correção é mais fácil. A preparação de planos de mitigação é o
bastante para muitos projetos da Categoria B.
Os projetos da Categoria C não requerem uma avaliação do
impacto ambiental porque é pouco provável que o projeto tenha
impactos adversos. O
5 Banque Mondiale. Le secteur Forestier, Washington, 1992, pp.
94-95.
6 Brian Clark. Ob. cit., p. 573.
Direito Ambiental
julgamento especializado avalia se o projeto tem impactos
ambientais desprezíveis, insignificantes ou mínimos.7
No interior das três categorias existe uma relação positiva
de atividades sujeitas à Avaliação do Impacto Ambiental (AIA)
e uma relação negativa, isto é, daquelas que» em princípio,
não devem ser submetidas à análise de impacto ambiental. Há
todo um mecanismo de análise e acompanhamento de projetos no
qual intervêm os governos solicitantes dos empréstimos ou
financiamentos, técnicos e analistas do Banco e as
Organizações Não-Govemamentais locais,
2.2. Estados Unidos
2.2.1. Antecedentes
O primeiro país a ser considerado, necessariamente, deve ser
os Estados Unidos. Assim é porque, seguramente, os EUA são a
nação que mais “exportou” a sua legislação de proteção
ambiental para outras terras. Este fato deve-se a muitos
fatores, dentre os quais merece ser destacado, em minha
opinião, o interesse da opinião pública norte-americana pelos
problemas ambientais. Como se sabe, é mais que centenária a
existência de associações civis, naquele país, que fazem da
proteção ambiental sua principal razão de existir.
Deve ser observado que, já em 1899, o governo americano
adotou a Lei de Rios e Portos e proibiu a descarga de refugos
em vias navegáveis que interferissem na navegação, sem que o
interessado fosse portador de uma permissão do Corpo de En-
genheiros do Exército dos EUA. A lei em referência indicava a
obrigatoriedade de um determinado controle e avaliação das
consequências do lançamento de produtos gerados pelos homens
em cursos d’água.
Entretanto, somente no século XX é que a questão colocou-se
de forma clara e indiscutível.
Foi, principalmente, a partir da década de 70 do século XX
que se verificou uma verdadeira “explosão” no crescimento da
legislação ambiental dos Estados Unidos. J. William Futrell8
aponta que o Environmental Law Repórter, desde 1971, já
publicou cerca de cinco mil decisões judiciais sobre questões
ambientais.
2.2.2. National Environment PolicyAct - NEPA
A sistematização da informação acerca das consequências de
determinadas medidas em relação ao meio ambiente somente
ocorreu, contudo, com a edição da
7 Brian dark. Ob. tit., p. 575.
8 J. William FutrelL “The History of environmental law", in
Campbell-Mohn, Celia; Breen, Barrey e Futrell, J. William.
Environmental law from resources to recovery, St. Paul; West
publishing, 1993, p. 35.
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O Escudo de Impacto no Direito Estrangeiro I
National Environmental Policy Act of 1969 (NEPA). A NEPA é uma
lei fundamental para o Direito Ambiental dos diversos Estados
norte-americanos,9 dos quais 18 já adotam “mini-NEPAs”, e de
diversos países, pois tem servido de inspiração para muitas
legislações nacionais, inclusive a brasileira.
A NEPA estabelece que cada agência federal que esteja
envolvida em projetos que possam ter repercussões sobre o meio
ambiente tem competência para promover a avaliação do impacto
ambiental de seus procedimentos. Em seguida à promulgação da
NEPA, foi expedido o Decreto n2 11.514, definindo a
obrigatoriedade de as Agências Governamentais observarem a
NEPA, sendo determinado ao Conselho para a Qualidade do Meio
Ambiente (Council on Environmental Quality-CEQ) que |
definisse as normas para a avaliação do impacto ambiental.
A avaliação deve ser feita
| mediante a aplicação do Environmental Impact Statement
(EIS).
jO § 102 da NEPA10 determina que as agências governamentais
federais devem
utilizar uma análise sistemática e interdisdplinar, que deverá
contar com o auxílio das ciências sociais e naturais, bem como
dos conhecimentos ambientais para o planejamento e a tomada de
decisões de projetos que possam produzir impacto no meio
ambiente humano. Tem-se, portanto, que, desde 1969, existe um
dever jurídico de que o meio ambiente seja levado em conta no
planejamento governamental.
Os EIS são exigíveis sempre que o projeto a ser executado
for considerado como uma Major Federal Action que afete
significativamente a qualidade do meio ambiente humano. Cada
Estado deverá estabelecer a sua legislação específica para que
possa exigir um EIS. A NEPA cuida apenas de exigências para
obras federais.
| Findleye Farber11 afirmam que para se efetivar a
necessidade da realização de
! uma avaliação de impacto ambiental é necessário que o
projeto proposto tenha as
seguintes características:
a) Federal; j b) classificado como major; e
i c)produza um impacto ambiental significativo.
O enquadramento dos casos concretos nas três categorias
legais não tem gerado muitos problemas quanto aos dois
primeiros itens, mas tem se revelado difícil em relação ao
terceiro. O projeto será federal se de alguma maneira o
governo da União estiver envolvido com o mesmo, seja através
de implantação direta, seja através da concessão de
financiamento ou licenciamento para que possa ser instalado. A
classi- | ficaçãodo projeto
como major12 também não tem causado maiores problemas, pois
dificilmente um projeto pequeno poderia causar impacto
ambiental significativo.
9 Barry Breen. “Environmental Law from Resource to Recovery”,
in Campbell-Mohn, Celia; Breen, Barrey e Futrell, J.
William, Ob. cit., p. 57.
10 Selected Environmental Law Statutes -1991-92 Educational
Edition 1991, Sc Paul: West publishing, pp. 544 e seguintes.
11 Roger Findley e Daniel Farber. Environmental Law (1988),
St. Paul; West publishing, p. 26 e passim.
12 Maior, grande.
Direito Ambiental
Os autores recém-mencionados afirmam que a dificuldade está
em definir o conteúdo jurídico da terceira exigência13 para que
se realize o EIS. Isto porque tentou-se sustentar que a NEPA
só era aplicável a áreas naturais e não degradadas. A questão
restou superada com a decisão no caso Hanly v. MitcheÜ 460 Fed
640 (2d Circ. 1972), quando o Tribunal do 2g Circuito entendeu
que o conceito de significativo impacto ambiental compreende
também o meio ambiente humano e a qualidade de vida, A mesma
questão vem se colocando em vários países, inclusive no
Brasil; muitos sustentam que se já existe degradação ambiental
inexiste necessidade de estudo de impacto ambiental.
A Suprema Corte teve a oportunidade de analisar uma demanda
envolvendo o conceito de significativo impacto ambiental no
caso Edison Co. v, People Against Nuclear Energy, 460 U.S. 766
(1983). O caso versou sobre a reativação de um dos reatores da
usina de Three Mile Island após o acidente nuclear ali
ocorrido. O Movimento People Against Nuclear Energy sustentava
que, em decorrência do acidente, deveria ser realizado um novo
EIS, para que se avaliasse o stress emocional sofrido pela
população circunvizinha à usina após o acidente nuclear. A
Suprema Corte entendeu que a saúde humana deve ser levada em
consideração nos EIS, inclusive quanto a aspectos
psicológicos. A decisão tomada pela Suprema Corte confirmou
decisão anterior do Tribunal de Circuito de Washington D.C. O
conceito de impacto ambiental, portanto, não pode ser afastado
de seu conteúdo social.
A questão referente às dimensões do impacto ambiental tem-se
posto nos diversos países. Assim é porque, de fato, não se
sabe onde começa ou onde termina o meio ambiente. A amplitude
que pode alcançar o estudo de impacto ambiental é, portanto,
muito grande. Na forma da lei, os EIS devem analisar todas as
consequências da atividade. Se o EIS não atender a todos os
requisitos mencionados, o Poder Judiciário poderá exigir que o
procedimento de análise seja realizado em sua plenitude.
Roberto Santos Vieira14 afirma que:
Segundo a doutrina americana, o relatório de impacto
ambiental se constitui na documentação do estudo de todas as
conseqüências ambientais de determinado projeto e, de acordo
com esse entendimento, a avaliação deveria conter, pelo menos,
os seguintes tópicos:
1) Descrição pormenorizada do investimento;
2) as relações entre a proposta e os planos já existentes, bem
como as políticas e controle porventura estabelecidos, para
a área geográfica a ser afetada pelo investimento;
3) o provável impacto da ação proposta sobre o ambiente;
4) alternativas para o projeto e as implicações ambientais de
cada opção;
5) prováveis efeitos adversos que não poderão ser evitados;
13 Produção de efeito ambiental significativo.
14 Direito ambiental brasileiro, Manaus, inédito, 1990, pp.
76-77.
O Estudo de Impacto no Direito Estrangeiro
6) relações entre os usos atuais do meio ambiente, a curto
prazo, e a manutenção e a melhoria da sua produtividade a
longo prazo;
7) comprometimentos irreversíveis e irreparáveis dos
recursos naturais;
8) análise das políticas governamentais relacionadas com a
compensação pelos efeitos ambientais negativos.
Existe a possibilidade de que a agência governamental não
realize o EIS, ocasião em que deverá preparar um relatório
sobre os efeitos ambientais não significativos, Findley e
Farber apontam que não é pouco usual que se “inventem”
fórmulas para burlar a legislação dos Estudos de Impacto
ambiental.15 A hipótese trazida pelos autores é a da construção
de uma estrada em área especialmente protegida. Neste tipo de
caso, é comum que se utilize o expediente de segmentar o
estudo de impacto de forma que seja exibido ao público,
apenas, o estudo de impacto em relação a áreas ambientalmente
pouco relevantes, O mesmo procedimento é realizado para o lado
oposto da área de proteção. Com a aprovação do estudo de
impacto, dá- se início à obra e, a seguir, “surge” a
necessidade de prolongamento da estrada, de forma a conectar
ambos os lados, evitando-se o “desperdício”16 dos recursos já
empregados.
O EIS impõe determinados limites objetivos à ação das
agências governamentais, que deverão levar em consideração os
resultados deste. Caso isto não seja feito, os cidadãos
poderão exigir a revisão judicial da diretiva adotada pelo
governo. Esta tem sido a decisão tomada pela maioria dos
Tribunais de Circuito, embora a Suprema Corte tenha mitigado o
alcance e a abrangência de tais decisões, afirmando que a
revisão só pode ocorrer caso a decisão administrativa tenha
sido tomada arbitrariamente.
Tem havido muito litígio judicial nos EUA envolvendo matéria
ambiental e, em especial, em relação aos Estudos de Impacto
Ambiental. A atitude da Suprema Corte em relação ao direito
ambiental não tem sido das mais simpáticas e, conse-
quentemente, não tem contribuído para que a NEPA tome-se uma
lei de real eficácia. Passo a palavra para os autores norte-
americanos: The Supreme Court atti- tude toward that statute
can hardly have increased NEPAs effetiveness (A atitude da
Suprema Corte em relação àquela lei pouco contribuiu para
ampliar a eficácia da NEPA).'17
Esta brevíssima panorâmica da experiência norte-americana é
bastante importante, pois, tanto lá como cá, os problemas e
dificuldades guardam semelhanças extremamente marcantes, e os
problemas, guardadas as proporções, são equivalentes.
15 Ob. cit-, p. 33.
16 Procedimento semelhante ao mencionado fbi utilizado na
construção da Linha Vermelha, no Rio de Janeiro, como se
verá adiante.
17 Findley e Farber, ob. cit., p. 54.
Direito Ambientai
2.3. França
2.3.1. A Base Legal do Sistema de Avaliação de Impactos
Ambientais
A França também adota, em sua legislação, a obrigatoriedade
dos Estudos de Impacto Ambiental. Após um longo debate
parlamentar, a Assembléia Nacional francesa aprovou uma lei,
aos 10 de julho de 1976, em cujo artigo 2S dispunha sobre a
exigência dos estudos de impacto ambiental Michel Despax18
afirma que esta foi uma das “importações jurídicas” das mais
felizes ocorridas na França. Trata-se, evidentemente, de um
reconhecimento da marcante influência da NEPA na legislação
francesa.
A regulamentação da norma, contudo, somente veio a ocorrer
com a expedição do decreto de 12 de outubro de 1977, cuja
vigência somente se iniciou em 1® de janeiro de 1978. O
consagrado Professor Michel Prieur19 considerou este retarda-
mento da entrada em vigor da lei como algo “escandaloso”:
Ce retard est d'autant plus scandaleux que la matière de
l'environnement
affecte des millieux et spèces particulièrement fragiles et
sensibles (Este retardamento é tanto mais escandaloso pois a
matéria do ambiente afeta meios e
espécies particularmente frágeis e sensíveis).
O prestigiado professor demonstrou que, no período da vacado
legis, foram autorizadas três usinas nucleares sem o estudo
prévio de impacto ambiental.20
2.3.2. O Sistema Francês de Análise de Impactos Ambientais
O sistema de avaliação de impacto ambiental adotado pela
França é extremamente complexo e, pode-se dizer, bastante
burocratizado. O Direito francês reconhece a existência de
três instrumentos diferentes para a avaliação dos impactos
ambientais.
Inicialmente, deve ser alertado que o sistema legal francês
reconhece a existência do princípio do respeito ao meio
ambiente. Este princípio é aplicável a três modalidades de
intervenção ambiental:
a) obras públicas ou privadas;
b) projetos urbanísticos; e
c) planos de manejo.
18Dioit de L ’environnement, Paris: Litec, 1980, p. 160.
19Droic de L ’environnemenu Paris: Dalloz, 1984, p. 89.
20Observe-se que o procedimento de “derrogações” da exigência
de estudos de impacto ambiental é uma
prática que se vem consolidando em diversas nações,
lamentavelmente.
O Escudo de Impacto no Direito Estrangeiro
A obrigação de respeito ao meio ambiente desdobra-se, em
cada caso concreto, em diferentes exigências de análise das
repercussões ambientais do projeto a ser implantado. Os três
modelos são os seguintes:
2.3.2.1. Mininotícia de Impacto
Trata-se de um relatório contendo as implicações ambientais
do projeto proposto, que deve ser feito pelo empreendedor,
após ouvidos os órgãos de controle ambiental. Seu campo de
abrangência e exigibilidade é para as obras consideradas
menores. Exemplificativamente, podemos mencionar a
obrigatoriedade da realização do miniestudo de impacto para a
implantação de sistemas de proteção contra incêndios
florestais.
2.3.2.2. Notícia de Impacto
É uma forma de avaliação de impactos ambientais que encontra
sua sede normativa no Decreto de 12 de outubro de 1977 e não
na lei.21 MichelPrieur afirma que a notícia de Impacto pode ser
definida como um relatório sucinto indicativo do nível em que
um projeto respeita o meio ambiente. Segundo o citado
professor, trata-se de uma modalidade de mininotícia de
impacto. A diferença de conteúdo entre as duas formas de
avaliação do impacto ambiental, já mencionadas, não é
significativa.22 O governo publica uma lista23 de atividades
que, não obstante estejam dispensadas da realização de estudos
de impacto, devem ser submetidas à notícia de impacto.
O conteúdo das notícias de impacto não é muito claro, pois
as exigências normativas não são precisas. Isto faz com que a
matéria esteja bastante vinculada à casuística e a decisões
proferidas em razão de contencioso. O Conselho de Estado, em
1983, anulou a autorização para a construção de uma mini-
hidrelétrica em função de uma notícia de impacto deficiente,
pois não haviam sido analisadas as conseqüências da obra em
relação à feuna aquática e não se examinaram as medidas
capazes de protegê-la.24
2.3.2.3. Estudo de Impacto
A legislação francesa adota o princípio de que toda obra
deve ser, previamente, submetida a um estudo de impacto. A
Administração, em respeito ao princípio, estabelece uma lista
negativa;25 isto é, classifica algumas obras que não precisarão
passar
21 Como se sabe, o sistema jurídico francês admite a
existência dos decretos autônomos.
22 Michel Prieur. Ob. cit., p. 95.
23 Esta lista é denominada lista positiva.
24 Michel Prieur. Ob. dt., p. 96.
25 Observe-se que o sistema francês de avaliação de impactos
ambientais funciona com uma lista positiva (necessidade do
EIA) e uma lista negativa (desnecessidade do EIA).
Direito Ambiental
pelo prévio estudo de impacto. Basicamente, são cinco as
modalidades de empreendimentos que estarão excluídos dos
estudos de impacto, a saber:
a) obras de reparação e manutenção;
b) obras de modernização;
c) obras de instalação de serviços: gás, esgoto, água e
telecomunicações;
d) segundo o regime jurídico do empreendedor;
e) segundo critérios quantitativos;
f) dispensa decorrente da existência prévia de um plano de
ocupação do solo (POS).
Os critérios de dispensa têm suscitado grande polêmica entre
os estudiosos de questões ambientais e de Direito Ambiental,
pois não se pode dizer que os referidos critérios de dispensa
estejam em consonância com o espírito que informa a
legislação.
O regime francês de estudos de impacto determina que a
responsabilidade pela realização é do próprio proponente do
projeto. O sistema é falho, pois o autor do projeto
dificilmente indicará que ele não deve ser levado avante por
motivos de ordem ecológica. Há uma previsão legal para que, em
certos casos, o estudo de impacto seja realizado por
instituições científicas e universidades.
Os estudos de impacto devem conter, necessariamente, alguns
elementos de análise que são, a saber:
a) análise do estado inicial do local onde se pretende
realizar o empreendimento, permitindo identificar os
elementos que poderão vir a ser afetados;
b) analise da situação inicial e dos efeitos possíveis do
projeto;
c) apresentação das razões pelas quais se pretende realizar
o projeto;
d) apresentação das medidas necessárias para suprimir ou
reduzir as consequências ambientais negativas do projeto.
Os estudos de impacto ambiental devem ser tomados públicos,
e o povo poderá manifestar-se sobre eles em audiência pública.
2.4. Japão
A análise, ainda que sucinta, da realidade japonesa em
matéria de estudos de impacto ambiental é de grande
importância, devido ao enorme poderio econômico do Japão e,
sobretudo, devido aos graves problemas ambientais que já se
verificaram naquele país asiático. Infelizmente, o nosso
intercâmbio cultural com o Japão é, ainda, muito restrito e,
em razão disso, as informações são extremamente precárias.
O imenso crescimento econômico do Japão nas décadas de 1950
e de 1960 teve como consequência, do ponto de vista ambiental,
a ocorrência de graves casos de poluição e de degradação do
meio ambiente natural e humano. Assim é que, a partir da
década de 1970, chegou-se à conclusão de que seria necessário
prevenir o dano ambiental antes que o mesmo se verificasse.
O Estudo de Impacto no Direito Estrangeiro
Em 1972, o Gabinete japonês aprovou o documento denominado
medidas ambientais relacionadas com obras públicas, através do
qual foi determinada a avaliação dos impactos ambientais
causados por certas obras públicas, tais como estradas,
construção de portos, hidrovias etc. Não obstante a existência
do documento acima referido, as diretrizes nele contidas não
se materializaram em norma legal. Tal fato foi devido à
existência de grandes resistências no interior de vários
ministérios, que relutavam em aceitar a proposta da Agência
Ambiental de que se criasse uma lei sobre estudos de impacto
ambiental (Kankyoonoshoogekinohoorítsu).
Somente em 1984 chegou-se a um determinado compromisso no
interior do Gabinete japonês, com a expedição do documento
sobre a implementação dos Estudos de Impacto Ambiental. Os
ministérios, atualmente, devem obedecer às diretivas do
referido documento para a avaliação dos impactos ambientais
resultantes de suas atividades. Os projetos que não se
encontram contemplados pela decisão recém-aborda- da são
avaliados de acordo com normas internas de cada uma das
agências responsáveis pela sua realização. Nesta categoria
incluem-se a instalação de usinas nucleares e projetos de
urbanização. E importante ressaltar que os governos municipais
podem estabelecer as suas próprias diretivas para os estudos
de impacto ambiental.
A estrutura dos estudos de impacto ambiental no Japão tem
merecido crítica. Aponta-se como negativo o fato de que os
estudos de impacto ambiental não são exigência prevista em
lei, o que impossibilita a análise de que estes tenham sido
adequadamente realizados. Critica~se a pouca abrangência das
atividades para as quais o EIA é exigido. Aponta-se, ainda, o
fato de que é fraca a participação da Agência de Proteção
Ambiental na análise dos projetos, e que é o próprio
empreendedor que deve realizar o EIA. Este conjunto de fatos
impede que o EIA seja cientificamente seguro e preciso.
Ademais, existe uma presunção de que o EIA está sendo
realizado para um projeto que será implementado. Isto é, a
possibilidade de que o projeto não seja implantado é
considerada pequena, senão remota.
As audiências públicas, no sistema japonês, têm por
finalidade a simples explicação do projeto e não a análise de
viabilidade ambiental destes mesmos projetos.
In fact, environmental impact assessment as practiced in
Japan not only fails to protect the natural environment, it
can even be held guilty of promo- ting environmental
destmction by providing a bogus seal of approval to des~
tructive development projects (De fato, os estudos de impacto
ambiental como são praticados no Japão não são apenas falhos
na proteção ambiental, mas podem ser até mesmo acusados de
promover a destruição ambiental através de uma falsa aprovação
para o desenvolvimento de projetos destrutivos).26
No ano de 1994, o Parlamento japonês, finalmente, aprovou
uma lei de proteção ao meio ambiente.
26 People’s voice of Japan — I have the earth in mind, the
earth has me in hand (English version), 92 NGO FORUM, Japan
(UNCED 92), p. 69.
Direito Ambiental
2.5. Canadá
O Canadá é um dos países que se encontram na vanguarda da
legislação de proteção ao meio ambiente. Não obstante a sua
posição de ponta em matéria ambiental, o Direito canadense é
muito pouco conhecido pelos juristas brasileiros. O Canadá foi
o primeiro país, em seguida aos Estados Unidos, a implantar a
obrigatoriedade da Avaliação dos Impactos Ambientais (AIA). O
processo foi introduzido no Canadá em razão de uma Resolução
do Conselho de Ministros de dezembro de 1973.27 As AIAs estão
compreendidas no Processo Federal de Avaliação e Revisão
Ambiental (En vironmental Assesment and Review Process ~
EAKP).
A metodologia adotada pelo sistema canadense é bastante
particular. Em primeiro lugar, deve ser dito que são as
próprias agências federais que devem fazer a avaliação do
nível de comprometimento do meio ambiente que pode ser
ocasionado em razão de suas atividades. Entretanto, existe um
órgão federal encarregado da revisão dos estudos efetuados
pelas próprias agências. Trata-se do Federal Environment
Assesment and Review Office - FEARO.
Somente os projetos considerados potencialmente muito
lesivos ao meio ambiente é que são submetidos ao processo de
revisão e análise acima descrito. As atividades de menor
potencial impactante permanecem submetidas a procedimentos
rotineiros. Os projetos de maior envergadura são submetidos ao
FEARO, que designa tuna comissão para proceder a todo o
processo revisional. É precisamente aqui que reside a
peculiaridade da legislação canadense. Brian Clark28 informa
que:
As comissões de revisão dos EIAs são essencialmente
compostas por funcionários não públicos e funcionam
independentemente do FEARO ou do departamento que desencadeou
o processo. A comissão de revisão elabora as linhas
orientadoras do ELA, preside as audiências públicas nas quais
o ELA é revisto e elabora um relatório e recomendações a
apresentar ao ministro ou ao departamento que desencadeou o
processo. O relatório da comissão e as respostas do ministro
são tomados públicos.
2.6. Holanda
A Holanda é um dos países cuja preocupação com a defesa do
meio ambiente já se tomou uma de suas características mais
marcantes. Sendo assim, a legislação holandesa referente aos
estudos de impacto ambiental tem a característica básica de
fornecer uma ampla margem de possibilidades para a
participação popular na análise dos referidos estudos.
27 Brian Clark. “O processo de AIA: conceitos básicos”, in
Partidário, Maria do Rosário e Jesus, Júlio de (org.).
Avaliação do impacto ambiental, Lisboa: Centro de Estudos de
Planejamento e Gestão Ambiental - CEPGA, 1994, p. 7.
28 Brian dark. Ob. cit., p. 8.
O Estudo de Impacto no Direito Estrangeiro
Jules Schollten29 discorre sobre uma peculiaridade bastante
interessante do sistema adotado nos Países Baixos, que é a
revisão independente das Avaliações de Impacto Ambientais.
A Comissão Holandesa de revisão independente baseia-se em
dois princípios fundamentais:
a) independência; e
b) capacidade técnica.
A Comissão de revisão independente , possui personalidade
jurídica e não se situa na capital holandesa, para dificultar
as pressões por parte de órgãos governamentais. O quadro de
funcionários da Comissão é relativamente pequeno, mas a
Comissão tem liberdade para contratar técnicos ad hoc conforme
a necessidade.
A Comissão é a única entidade holandesa que participa de
todo o processo de avaliação de impacto ambiental de um
determinado empreendimento. O êxito dos trabalhos
desenvolvidos pela Comissão podem assim ser resumidos pelo seu
Presidente:
Recentemente teve lugar um seminário em que funcionários
governamentais acusaram a Comissão de se imiscuir em questões
políticas. Nesse mesmo seminário, representantes de grupos de
pressão ambientalistas afirmaram que a Comissão se limitava
demasiado às matérias de natureza científica. Para a Comissão,
comentários deste tipo, provenientes de lados opostos,
constituem um sinal reconfortante de que, para já, o
equilíbrio entre matérias políticas e informação factual está
a ser mantido de forma muito aceitável.30
2.7. Uruguai
No Uruguai, foi através da Lei ns 16.112; de 30 de maio de
1990, que instituiu o Ministério da Habitação, do Ordenamento
Territorial e Meio Ambiente, que o problema ambiental colocou-
se de forma clara em seu nível de governo mais elevado.
Entretanto, foi somente com a Lei ns 16.466, de 19 de janeiro
de 1994, que se estabeleceu a necessidade da avaliação dos
impactos ambientais.
A lei uruguaia, em seu artigo 69, estabelece uma relação
positiva de atividades que demandam a realização de avaliação
de impactos ambientais.
29 Jules Schölten. “Revisão independente em AIA nos Países
Baixos”, in Partidário, Maria do Rosário e Jesus, Júlio de
(org.). Avaliação do impacto ambiental, Lisboa: Centro de
Estudos de Planejamento e Gestão Ambiental - CEPGA, 1994,
pp. 112 e seguintes.
30 Idem, p. 118.
esöj - fc/isno 5upw i»
Estudos de Impacto Ambiental: Bases Constitucionais
Capítulo XI Estudos de Impacto Ambiental: Bases
Constitucionais
1. A Exigência Constitucional dos Estudos de Impacto Ambiental
No Brasil, a obrigatoriedade do prévio estado de impacto
ambiental para a implantação de projetos potencial ou
efetivamente poluidores é uma imposição constitucional.1 A
experiência jurídica brasileira, no entanto, demonstra que a
norma constitucional tem suscitado muitas dúvidas e
divergências no que se refere à sua adequada compreensão.
A constitucionalização dos Estudos de Impacto Ambiental não
foi acompanhada de uma legislação ordinária apta a concretizar
a determinação constitucional no plano da prática diária e
administrativa. Fato é que a norma constitucional é aberta e
necessita que o Poder Executivo defina critérios capazes de
estabelecer, com segurança, qual é o conceito de atividade que
efetiva ou potencialmente possa ser causadora de signiíicãtiva
degradação ambiental. Infelizmente, a matéria permanece, em
âmbito federal, regulada por ato administrativo de escala
subalterna, que são as resoluções do CONAMA. Diante da
inexistência de conceitos normativos claros, nada impede que,
por via legislativa, sejam criados mecanismos para a dispensa
da realização de Estudos de Impacto Ambiental.
Os Estudos de Impacto Ambiental estão previstos no inciso IV
do § 1Q do artigo 225 da Lei Fundamental da República, que
determina caber ao Poder Público: Exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo de
impacto ambiental, a que se dará publicidade. Como é usual no
Direito brasileiro, a legislação sobre estudo de impacto
ambiental é bastante vasta e confusa. Com relação à legalidade
da Resolução Conama ns 001/86, merece ser examinada a seguinte
decisão do STF sobre a “regulamentação” de norma
constitucional por mera resolução administrativa:2
“AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. ARTIGO 135 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. - TEXTO CONSTITUCIONAL NÃO SE RE-
GULAMENTA ORIGINARIAMENTE POR ATO ADMINISTRATIVO NORMATIVO,
MAS, SIM, POR LEI, OU ATO NORMATIVO A ESTA EQUIVALENTE. NÃO SE
CONFUNDE COM REGULAMENTAÇÃO - QUE SÓ É
1 CF, art. 225, § 1», IV.
2 MI-AgR 304 / DF -DISTRITO FEDERAL. AG.REG.NO MANDADO DE
INJUNÇÃO- Relator: Min. MOREIRA ALVES. Tribunal Pleno. DJU:
13-08-1993 PP-15675. EMENT VOL-01712-01 PP-0000.
Direito Ambientai
NECESSÁRIA QUANDO O DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL NÃO É AUTO-
APLICÁVEL - O ATO NORMATIVO EXPEDIDO PELA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PARA DISCIPLINAR SUA CONDUTA INTERNA NA APLICAÇÃO DE
LEI VIGENTE OU DE TEXTO CONSTITUCIONAL AUTO- APLICÁVEL. E O
MANDADO DE INJUNÇÃO SÓ É CABÍVEL QUANDO O DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL, POR NÃO SER AUTO-APLICÁVEL, DEMANDA
REGULAMENTAÇÃO. É CERTO QUE ESSA REGULAMENTAÇÃO PODE NÃO
EXAURIR-SE COM A LEI REGULAMENTADORA, POR EXIGIR ESTE DECRETO
QUE, POR SUA VEZ, A REGULAMENTE, E ATÉ, ÀS VEZES, POR
NECESSITAR O DECRETO REGULAMENTADOR DA LEI, QUE REGULAMENTA O
DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, DE ATO NORMATIVO POR PARTE DA
ADMINISTRAÇÃO QUE O TORNE EXEQÜÍVEL NESSA HIPÓTESE, QUE
PRESSUPÕE SEMPRE A EXISTÊNCIA DE LEI QUE VISA À APLICABILIDADE
DO TEXTO CONSTITUCIONAL, O MANDADO DE INJUNÇÃO SERÁ CABÍVEL,
POR TER SIDO INSUFICIENTE A REGULAMENTAÇÃO FEITA PELA LEI. - O
ARTIGO 135 DA CONSTITUIÇÃO ESTABELECEU UM PRINCÍPIO GERAL
CONCERNENTE À ADVOCACIA COMO INSTITUIÇÃO - A DE SER O ADVOGADO
EM GERAL ÓRGÃO INDISPENSÁVEL Ã ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, SENDO
INVIOLÁVEL POR SEUS ATOS E MANIFESTAÇÕES NO EXERCÍCIO DA
PROFISSÃO, NOS LIMITES DA LEI-, MAS NÃO DISCIPLINOU,
OBVIAMENTE, A CARREIRA DOS ASSISTENTES JURÍDICOS DA UNIÃO,
PARA TER-SE QUE É ELA UMA DAS “CARREIRAS DISCIPLINADAS NESTE
TÍTULO”, COMO EXIGE O ARTIGO 135 DA CARTA MAGNA A FIM DE QUE
SE APLIQUE A EXTENSÃO NELE DETERMINADA. - NÃO HÁ SEQUER QUE
FALAR-SE EM NÃO AUTO-APLICABILIDADE DO ARTIGO 39, PAR. 1% A
QUE SE REPORTA 0135, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO, PORQUE A LEI,
PREVISTA NAQUELE, JÁ EXISTE (LEI 8.112, DE 12.12.90, ARTIGO
12), E ESTÁ EM VIGOR POR INDEPENDER, NESSE PARTICULAR, DE
REGULAMENTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO"
2. A Legislação Ordinária
2.1. Áreas Críticas de Poluição e Avaliação de Impactos
Ambientais
A Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, produziu
muitos reflexos no direito interno de diversos países. Muito
embora ela não tivesse uma força obrigatória para os
signatários, não se constituindo mais do que uma simples
afirmação de princípios, não um tratado,3 os seus efeitos são
incontáveis. No âmbito do Direito brasileiro, é possível
apontar, como uma das principais influências da Declaração, o
3 Celso de Albuquerque Mello. Curso de Direito Internacional
Público, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974,
Estudos de Impacto Ambiental: Bases Constitucionais
início de uma legislação de proteção ao meio ambiente moderna
e baseada em uma principiologia própria de Direito Ambiental.
A legislação tutelar do meio ambiente que antecede à
Conferência de Estocolmo é, de fato, constituída por normas e
princípios de Direito Administrativo, pois não estava imbuída
dos conceitos básicos do Direito Ambiental, em especial a
noção de sustentabilidade dos recursos ambientais.
A história legislativa do estudo de impacto ambiental no
Brasil pode ser considerada como iniciada na década de 70 do
século XX, mediante a edição do Decreto- Lei n2 1.413, de 14 de
agosto de 1975. O referido diploma legal introduziu em nosso
Direito o zoneamento das áreas críticas de poluição. O artigo
Ia determinou que:
As indústrias instaladas ou a se instalarem em território
nacional são obrigadas a promover as medidas necessárias a
prevenir ou corrigir os inconvenientes e prejuízos da poluição
e da contaminação do meio ambiente.
O texto legal, evidentemente, estabeleceu um sistema
inteiramente novo no interior do universo jurídico brasileiro,
pois, em decorrência da norma contida no artigo l9 do Decreto-
Lei n2 1.413/75, foi possibilitada uma base legal para o
licenciamento ambiental, antes mesmo da existência de uma
política Nacional do meio ambiente. Observe-se que o decreto-
lei, ao dispor sobre o controle da poluição do meio ambiente
provocada por atividades industriais, alterou, profundamente,
toda uma série de concepções jurídicas até então vigentes e
indiscutíveis. Em primeiro lugar, chamo a atenção para o fato
de que o decreto-lei estabeleceu um claro marco temporal:
a) antes do Decreto-Lei nQ 1.413/75; e
b) depois do Decreto-Lei ns 1.413/75.
As empresas que viessem a ser instaladas após a data de
expedição do decreto- lei deveriam ser dotadas de equipamentos
capazes de diminuir ou impedir poluição produzida por suas
atividades. Para tal, efetivamente, fazia-se necessária uma
avaliação prévia dos impactos ambientais que, eventualmente,
pudessem vir a ser produzidos pela instalação industrial.
Ainda que sem um maior rigor metodológico e sem uma imposição
legal clara e precisa, não resta dúvida de que, para o Direito
brasileiro, foi este o marco fundamental para a
obrigatoriedade jurídica das avaliações de impacto ambiental.
A segunda observação a ser feita é quanto às indústrias que
já se encontravam instaladas quando da edição do decreto-lei.
Elas, evidentemente, estavam em pleno funcionamento e,
presumidamente, cumprindo a legislação vigente no País. Con-
tudo, isto não era suficiente para eximi-las da fiscalização
ambiental e da obrigatoriedade de, paulatinamente, cumprirem
as novas exigências de ordem pública ambiental. O mecanismo
utilizado pelas entidades de controle ambiental para a verifi-
cação das condições de funcionamento das ditas instalações é o
da auditoria ambiental, isto é, a avaliação do impacto
ambiental é feita a posteriori. O artigo 39 do Decreto-Lei n2
1.413/75 demonstra, cabalmente, que desde muito podemos falar
da
Direito Ambiental
necessidade jurídica de avaliação dos impactos ambientais no
Direito brasileiro. A regulamentação do Decreto-Lei n-
1.413/75 foi feita pelo Decreto ne 76.389, de 3 de outubro de
1975, que explicitou toda uma série de questões acerca da
matéria que ora examinamos. Foi, também, na mencionada norma
legal que, pioneiramente, se desenvolveu o conceito normativo
de poluição (art. I5):
Para as finalidades do presente Decreto, considera-se
poluição industrial qualquer alteração das propriedades
físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, causada por
qualquer forma de energia ou de substâncias sólida, líquida ou
gasosa, ou combinação de elementos despejados pelas
indústrias, em níveis capazes, direta ou indiretamente, de:
I - prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
II ~ criar condições adversas às atividades sociais e
econômicas;
III - ocasionar danos relevantes à flora, à fauna e a outros
recursos naturais.
Os artigos 2a e 4a do Decreto ne 76.389/75 estabeleceram
alguns critérios gerais a serem observados pelos órgãos
públicos quando da concessão de financiamentos de atividades
potencialmente poluidoras do ambiente. Foi determinado
expressamente que:
Art. 2a Os órgãos e entidades gestoras de incentivos
governamentais, nota- damente o CDI, a SUDENE, a SUDAM e os
bancos oficiais considerarão explicitamente, na análise de
projetos, as diferentes formas de implementar política
preventiva em relação à poluição industrial, para evitar
agravamento da situação nas áreas críticas, seja no aspecto de
localização de novos empreendimentos, seja a escolha do
processo, seja quanto à exigência de mecanismos de controle ou
processo anúpoluentes, nos projetos aprovados.
À então Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA competia
fixar padrões gerais de qualidade ambiental visando evitar e
corrigir os feitos danosos da poluição industrial.4 O artigo 49
do decreto estabelece que:
Os Estados e os Municípios, no limite de suas respectivas
competências, poderão estabelecer condições para o
funcionamento das empresas, inclusive quanto à prevenção ou
correção da poluição industrial e da contaminação do meio
ambiente, respeitados normas e padrões fixados pelo Governo
Federal.
Um importante critério operacional foi estabelecido pelo
parágrafo único do artigo 4a, uma vez que, por força de tal
parágrafo, foi determinado que:
Observar-se-á sempre, no âmbito dos diferentes níveis de
Governo, a orientação de tratamento progressivo das situações
existentes, estabelecendo-se
4 Decreto na 76.389, de 3/10/1975, art. 3®.
Escudos de Impacto Ambiental: Bases Constitucionais
prazos razoáveis para as adaptações a serem feitas e, quando
for o caso, proporcionando alternativa de nova relocalização,
com apoio do setor público.
Sem reconhecer o “direito adquirido de poluir”, o decreto
foi sensível a realidades que não poderiam ser mudadas de uma
hora para outra, sob pena de que suas normas permanecessem
como letra morta. Estabeleceu-se, portanto, um canal de
negociação entre governo e indústria, com a finalidade de, em
prazo razoável, se reverterem situações ambientalmente
inaceitáveis. A última opção é a da relocalização das empresas
que não pudessem diminuir de forma eficaz a poluição
produzida, permanecendo no local em que se encontravam. Um
importante resultado da norma acima mencionada foi a
relocalização das instalações industriais do Curtume Carioca,
que se situavam no Bairro da Penha, na Cidade do Rio de
Janeiro, e que, em razão da alta densidade populacional da
região, não tinha mais condições de permanecer naquele local.
Após um longo processo de negociação entre governo, população
e indústria, foi decidida a relocalização da fábrica na Zona
Oeste da cidade.
2.2. A Avaliação dos Impactos Ambientais Prevista na Lei n9
6.803, de 2 de Junho de 1980
A evolução legislativa de nosso tema atingiu um momento de
grande importância com a edição da Lei n2 6.803, de 2 de junho
de 1980, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o
zoneamento ambiental nas áreas críticas de poluição e dá
outras providências.
Foi através da Lei n9 6.803, de 2 de junho de 1980, que se
estabeleceu de forma clara e precisa a necessidade da
avaliação do impacto ambiental dos empreendimentos
industriais. É importante observar que, nos termos da lei
referida, a avaliação é prévia. Assim é que o artigo 10, § 39,
da lei determinou:
Além dos estudos normalmente exigíveis para o
estabelecimento do zoneamento urbano, a aprovação das zonas a
que se refere o parágrafo anterior será precedida de estados
especiais de alternativas e de avaliações de impactos, que
permitam estabelecera confiabilidade da solução a ser adotada.
Observe-se que a avaliação de impacto prevista no § 3e do
artigo 10 da lei em exame, necessariamente, deveria contemplar
alguns itens previamente definidos no artigo 92, cujo teor é o
seguinte:
O licenciamento para implantação, operação e ampliação, de
estabelecimentos industriais, nas áreas críticas de poluição,
dependerá da observância do disposto nesta lei, bem como ao
atendimento das normas e padrões ambientais definidos pela
SEMA, pelos organismos estaduais e municipais competentes,
notadamente quanto às seguintes características dos processos
de produção:
I—emissão de gases, vapores, ruídos, vibrações e radiações;
'294"
Direito Ambientai
II - riscos de explosão, incêndios, vazamentos danosos e
outras situações de emergência;
III - volume e qualidade de insumos básicos, de pessoal e de
tráfego gerados;
IV-padrões de uso e ocupação do solo;
V - disponibilidade nas redes de energia elétrica, água,
esgoto, comunicações e outros;
VI — horários de atividade.
A autoridade licenciante para tais empreendimentos é a
estadual, sem embargo de outras licenças exigíveis.5
2.3. O Estudo de Impacto Ambiental na Lei n9 6.938/81
A Lei ns 6.938/81 marca uma mudança qualitativa no sistema
legal de proteção ambiental, pois busca criar um sistema6
estruturado e organicamente coerente de medidas a serem
adotadas para o alcance dos objetivos fixados naquele texto
normativo. A Avaliação de Impacto Ambiental (ALA), por força
da Lei ne 6.938/81, foi elevada à condição de um dos
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.7 É de se
observar, contudo, que a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA) não desceu a minúcias quanto às formalidades
que, necessariamente, deveriam compor a Avaliação de Impacto
Ambiental. Registre-se, por oportuno, que, não tendo sido
revogada a Lei n9 6.803/80, as exigências contidas nos artigos
9a e 10 daquele diploma legal permaneceram vigentes.
A regulamentação do assunto não foi feita por decreto, mas
por resolução do CONAMA [que foi criado pela própria Lei n9
6.938/81]. A referida regulamentação, entretanto, não se deu
em apenas um ato normativo, ao contrário, demandou a edição de
diversas resoluções do CONAMA,8 que guardam um grande lapso
temporal entre si e, de certa maneira, tratam de assuntos
variados.
A resolução mais importante no campo das avaliações de
impacto ambiental é a Resolução ne 1, de 23 de janeiro de 1986.
Esta resolução buscou dar uma regulamentação, a mais completa
possível, sobre o assunto, muito embora diversos temas
pertinentes remanescessem carentes de regramento. Veja-se que,
tal qual o exemplo francês, foi longo o lapso de tempo
decorrido entre o estabelecimento da norma que exige os
estudos prévios de impacto ambiental e a sua regulamentação.9
É curioso que a Resolução ne 1/86 fez uma inovação no instituto
definido pelo artigo 9e, III, da Lei n® 6.938/81, pois a
Avaliação de Impacto Ambiental passou a ser
5 Lei nB 6.803/89, art. 9a, parágrafo único.
6 Deve ser registrado que o sistema mencionado já existia, de
forma embrionária, desdeo Decreto-Lei na
1.413/75.
7 Lei n» 6.938, art. 9«, UI.
8 Resoluções nas 1/86,11/86,6/87, 9/87, 10/87,1/88,5/88, 8/88,
9/90 e 10/90.
9 Aliás, a história do Direito Ambiental tem se mostrado
bastante similar em todos os países, especialmen
te naquilo que diz respeito ao retardamento da efetiva entrada
em vigor das normas legais.
Escudos de Impacto Ambiental: Bases Constitucionais
efetivada através da realização de EIA e dos respectivos
Relatórios de Impacto Ambiental - RIMA. Posteriormente, a
denominação Estudo de Impacto Ambiental acabou se
popularizando de tal maneira que se inseriu na própria
Constituição.10
3. Ato administrativo praticado pelo Poder Executivo
A exigência de estudos de impacto ambiental, ou de qualquer
outra forma de avaliação de impacto ambiental, é medida
tipicamente administrativa e, portanto, praticada apenas pelo
Poder Executivo. O Estado do Espírito Santo tinha em sua
Constituição uma norma curiosa que determinava competir à
Assembléia Legislativa exame dos Estudos de Impacto Ambiental
antes da concessão da licença ambiental. Cuidava-se,
evidentemente, de norma exótica e despropositada que, em boa
hora, foi declarada inconstitucional pelo egrégio STF.11
10 O anteprojeto de Consolidação das Leis Federais sobre o
Meio Ambiente, em seu artigo 48, inciso II, rein- troduziu o
termo Avaliação de Impacto Ambiental.
11 STF. ADI 1505 / ES - ESPÍRITO SANTO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. EROS GRAU. Tribunal
Pleno. DJU: 04-03-2005, p. 10. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTI- TUQONALIDADE. ART. 187 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO
DO ESPÍRITO SANTO. RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL. APROVAÇÃO
PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. VÍCIO MATERIAL. AFRONTA AOS
ARTIGOS 58, § 2», E 225, § 1®, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1.
É inconstitucional preceito da Constituição do Estado do
Espírito Santo que submete o Relatório de Impacto Ambiental
- RIMA — ao crivo de comissão permanente e específica da
Assembléia Legislativa. 2. A concessão de autorização paia
desenvolvimento de atividade potencialmente danosa ao meio
ambiente consubstancia ato do Poder de Polícia - ato da
Administração Pública - entenda-se ato do Poder Executivo.
3. Ação julgada procedente para declarar inconstitucional o
trecho final do § 3a do artigo 187 da Constituição do Estado
do Espírito Santo.
T
i
Natureza Jurídica do Estudo de Impacto Ambiental
Capítulo XII Natureza Jurídica do Estudo de Impacto Ambiental
1. Natureza Jurídica dos EIAs
No sistema jurídico brasileiro, o EIA tem a natureza
jurídica de instituto constitucional, constituindo-se em
instrumento da PNMA,1 O que isto signifíca na prática? Na
condição de instrumento constitucional da PNMA, o EIA tem por
finalidade precípua auxiliar, como fonte de informação
técnica, a consecução plena e total dos objetivos fixados pela
PNMA, conforme fixado na Lei n9 6.938/81.
A PNMA é um dos principais instrumentos jurídicos para
implementar as diretrizes constitucionais para a promoção do
desenvolvimento sustentado. Dentre todos os instrumentos
previstos na PNMA, provavelmente, o mais complexo seja o
estudo de impacto ambiental* A complexidade é primeiramente
técnica, em função do conjunto de disciplinas que devem ser
utilizadas para a realização de um estudo de impacto ambiental
adequado, e jurídica, pois o papel legal desempenhado pelo EIA
1 Lei n" 6.938/81, art. 9«, UI.
TRF. 4* REGIÃO. AC. 200304010147045/PR TERCEIRA TURMA. DfU:
03/09/2003. PÁGINA: 511. Relator: JUIZ CARLOS EDUARDO THOMPSON
FLORES LENZ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LICENÇAS
CONCEDIDAS PELO IAP E AUTORIZAÇÃO DE DESMATE PELO IBAMA À
SUDERHSA PROCEDER MACRODRAGAGEM DO LITORAL PARANAENSE SEM
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. SUSPENSÃO DAS OBRAS E REPARAÇÃO
DOS DANOS AMBIENTAIS. RISCOS DE ENCHENTES. SAÚDE PÚBLICA.
QUESTÃO SANITÁRIA. 1. Não há necessidade de estudo de impacto
ambiental para mera limpeza de canais de escoamento e, ia
casu, a pretensão de nulidade de todas as autorizações, bem
como a paralisação das obras de desassoreamento dos canais,
deixa ao desamparo as populações vizinhas, que sofrem riscos
de calamidades decorrentes das cheias, como a proliferação de
doenças como a dengue e a leptospirose, além de danos em
residências, móveis e utensílios. 2. A aplicação da Resolução
n* 237/97 do CONAMA deve ser feita com razoabilidade à luz do
que dispõe o art. 225 da Constituição, sem esquecer que a obra
que necessita de estudo de impacto ambiental/relatório de
impacto ambiental, é predicada pela “significativa degradação
do meio ambiente”. 3. Verificando a situação concreta, limpeza
e desassoreamento de canais víntenários, operação que deveria
ocorrer periodicamente, anualmente quiçá, não se mostra
necessário o EIA/R3MA a cada operação de limpeza, o que seria
uma demasia, pelo seu alto custo e complexidade, daí a
conclusão de que as autoridades avaliaram bem a situação, ao
dispensá-los, neste caso. 4. Não podem, todavia, ser
realizadas obras novas, como o canal entre os balneários ST
Etiene e Albatroz, no balneário Marinhos, o do Rio da Onça e o
ligando o Balneário Monções ao canal do Guaraçu, bem como o
próprio alargamento do canal do Guaraçu sem os devidos
EIA/RIMAs, no qual se discuta também a opção de “não fazer”.
5. A despeito da função institucional dos órgãos ambientais-
réus, IBAMA e IAP, de fiscalizarem tudo o quanto se refira ao
meio ambiente, degradação ou restauração, fica mantida a
condenação de todos os réus, no que se refere ao cumprimento
do Plano de Recuperação Ambiental, inclusive com a promoção da
desocupação das áreas invadidas ou irregularmente ocupadas. 6.
Parcialmente providos os recursos e a remessa oficial,
afastada a condenação em honorários advocatídos, por
incabíveis na espécie.
Direito Ambiental
não é trivial. Existe, também, uma grande complexidade
política, que é ocasionada pela participação popular nos
processos de licenciamento.
O inciso IV do § le do artigo 225 da Lei Fundamental da
República estabelece que é dever da Administração Pública:
Exigir, na forma da lei, o Escudo Prévio de Impacto para a
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente.
Aqui está um dos pontos mais controversos da questão. O
Poder Público não pode exigir o EIA de forma aleatória, visto
que a CF estabelece alguns critérios para que tal exigência
seja válida e legal. O primeiro deles é que o EIA é exigível
na forma da lei. Ora, qual seria a extensão do vocábulo lei no
caso concreto? A doutrina, em sua maioria, tem entendido que
lei, na hipótese, tem o sentido de norma jurídica e não lei
formal. Durante muito tempo, comunguei de tal opinião.
Entretanto, julgo que ela merece ser revista, conforme as
razões que passarei a expor.
O EIA é exigível de forma vinculada, no interior do processo
de licenciamento de uma atividade efetiva ou potencialmente
poluidora ou degradadora do meio ambiente, ou seja, está
submetido aos princípios gerais da Administração Pública, em
especial o da legalidade. Caso o legislador quisesse autorizar
a exigência de EIA sem previsão legal, não teria se utilizado
da expressão, na forma da lei. Como se sabe, o Constituinte
não se utiliza de vocábulos desnecessariamente. Parece-me
bastante evidente que, uma vez que o capítulo constitucional
do meio ambiente é uma extensão dos direitos e garantias
constitucionais, não há como deixar de assinalar que a
limitação do exercício de direitos somente se faz com base em
uma expressa autorização legal. Ainda que a prática
administrativa e judiciária venha admitindo a regulamentação
da exigência do EIA por meras resoluções administrativas, sou
de opinião de que já é tempo para dar um novo tratamento ao
tema. Marçal Justen Filho,2 com propriedade, adverte para o
fato de que o vocábulo "lei” é utilizado constitucionalmente
de forma a identificar várias espécies de atos estatais,
conforme consta do artigo 59 da própria Constituição, não
cabendo para explicitar atos de outra índole, como, por
exemplo, as resoluções administrativas. “Ou seja, o princípio
da legalidade significa, em grande parte dos casos, a
insuficiência da previsão constitucional para a validade da
atividade administrativa. A Constituição é o conjunto de
normas fundamentais, mas é insuficiente para disciplinar a
atividade administrativa.”
Uma outra questão crucial é a seguinte: a CF estabelece que
o Estudo de Impacto Ambiental deve ser exigido quando se
tratar de licenciar uma atividade efetiva ou potencialmente
poluidora ou degradadora do meio ambiente. O conceito, no
entanto, é aberto e somente pode ser preenchido através da
edição de atos normativos, sejam legais ou regulamentares. A
contrario sensu, se a atividade não se incluir entre aquelas
que possam efetiva ou potencialmente ser agentes de poluição
ou de
2 Marçal Justen Filho Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2005, pp. 139 e seguintes.
Natureza Jurídica do Estudo de Impacto Ambiental
degradação, o Estudo de Impacto Ambiental será inexigível.
Ocorre que as atividades humanas são múltiplas e,
diutumamente, surgem novos projetos industriais, novos
produtos e situações que, dificilmente, podem ser antecipadas
por atos normativos e legais. Estas questões, de crucial
importância, seja para a atividade econômica, seja para a
proteção do meio ambiente e da saúde humana, são
importantíssimas e dependem da adequada definição da natureza
jurídica dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental. O Poder
Executivo é o único autorizado a, mediante critérios fixados
legalmente, definir se tuna atividade é ou não causadora de
significativo impacto ambiental. E importante observar que as
listas de atividades potencialmente poluido- ras devem ser
examinadas com cuidado, pois não é raro que, em função da
tecnologia adotada, uma atividade concreta possa estar aquém
ou além do padrão na qual tenha sido classificada.
Evidentemente que, em tais casos, a produção de estudos
técnicos deverá ser levada em consideração para a real
classificação da atividade.3
1.2. Natureza Formal do Estudo de Impacto Ambiental
O Estudo de Impacto Ambiental é parte integrante do processo
de licenciamento ambiental. Alguns autores, como, por exemplo,
Antônio Benjamim,4 entendem- no como limite da
discrícionariedade administrativa, na medida em que, para tais
estudiosos, a administração estaria vinculada aos resultados
do Estudo de Impacto Ambiental. Esta é uma questão que
examinarei mais adiante. Do ponto de vista da
3 TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO. AC - APELAÇÃO CÍVEL. PR. TERCEIRA
TURMA. DJU: 03/09/2003, p. 511. JUIZ CARLOS EDUARDO THOMPSON
FLORES LENZ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LICENÇAS
CONCEDIDAS PELO IAP E AUTORIZAÇÃO DE DESMATE PELO IBAMA À
SUDERHSA PROCEDER MACRODRAGAGEM DO LITORAL PARANAENSE SEM
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. SUSPENSÃO DAS OBRAS E REPARAÇÃO
DOS DANOS AMBIENTAIS. RISCOS DE ENCHENTES. SAÚDE PÚBLICA.
QUESTÃO SANITÁRIA. 1. Não há necessidade de estudo de
impacto ambiental para mera limpeza de canais de escoamento
e, in casu, a pretensão de nulidade de todas as
autorizações, bem como a paralisação das obras de
desassoreamento dos canais, deixa ao desamparo as populações
vizinhas, que sofrem riscos de calamidades decorrentes das
cheias, como a proliferação de doenças como a dengue e a
leptospirose, além de danos em residências, móveis e
utensílios. 2. A aplicação da Resolução ne 237/97 do CONAMA
deve ser feita com razoabilidade à luz do que dispõe o art
225 da Constituição, sem esquecer que a obra que necessita
de estudo de impacto ambiental/relatório de impacto
ambiental, é predicada pela “significativa degradação do
meio ambiente”. 3. Verificando a situa~ ção concreca,
limpeza e desassoreamento de canais vintenários, operação
que deveria ocorrer periodicamente, anualmente quiçá, não se
mostra necessário o ELA/RIMA a cada operação de limpeza, o
que seria uma demasia, pelo seu alto custo e complexidade,
daí a conclusão de que as autoridades avaliaram bem a
situação, ao dispensá-los, neste caso. 4. Não podem,
todavia, ser realizadas obras novas, como o canal entre os
balneários ST Etiene e Albatroz, no balneário Matinhos, o do
Rio da Onça e o ligando o Balneário Monções ao canal do
Guaraçu, bem como o próprio alargamento do canal do Guaraçu
sem os devidos EIA/RIMAs, no qual se discuta também a opção
de “não fazer”. 5. A despeito da função institucional dos
órgãos ambientais-réus, IBAMA e IAP, de fiscalizarem tudo o
quanto se refira ao meio ambiente, degradação ou
restauração, fica mantida a condenação de todos os réus, no
que se refere ao cumprimento do Plano de Recuperação
Ambiental, inclusive com a promoção da desocupação das áreas
invadidas ou irregularmente ocupadas. 6. Parcialmente
providos os recursos e a remessa oficial, afastada a
condenação em honorários advocatfdos, por incabíveis na
espécie.
4 “Os princípios do estudo de impacto ambiental como limite da
discridonariedade administrativa”, ia Revista Forense, n°
317, pp. 25 e seguintes.
Direito Ambientai
forma, o EIA deve, na medida do possível, atentar para as
prescrições legais e regulamentares. Entretanto, há que se
observar que o EIA não está disciplinado em lei e, portanto,
as suas formalidades não são obrigatórias.5 Com efeito, a
prática administrativa e judiciária tem demonstrado que, não
raras vezes, um vício formal pode implicar a anulação de uma
licença ambiental. A solução não é, obviamente, a mais
adequada. É importante que a administração busque aproveitar
todos os atos que tenham sido praticados no processo de
licenciamento, pois ele, como se sabe, é extremamente caro e
difícil, não tendo sentido a anulação de seus atos se,
substancialmente, eles não estão eivados de vícios ou outros
elementos que possam pôr em dúvida a lisura da concessão da
licença.6 A juridicização extremada das questões ambientais tem
levado a que, seguidamente, sejam privilegiadas as questões
meramente de forma, em detrimento do próprio conteúdo dos EIA.
O licenciamento, como se sabe, é uma espécie do gênero
processo administrativo e deve se reger pelas normas gerais a
esse último aplicáveis. A vinculação do processo
administrativo se dá na medida em que o administrador não pode
exigir do administrado medidas sem a adequada previsão legal.
Nada mais.
As conclusões do EIA não obrigam à Administração. Elas são
um importantíssimo instrumento de auxílio na tomada de
decisão. Caso o EIA fosse vinculante para a Administração,
data venia, não haveria sentido na própria existência do
licenciamento, pois, uma vez que o EIA tivesse concluído que
uma licença deveria ser dada, a Administração não poderia
negá-la, por exemplo. O EIA não é um instrumento capaz de
impor ao administrador uma determinada conduta - positiva ou
negativa - com relação à concessão de uma licença ambiental.
Entretanto, as conclusões do EIA, caso não venham a ser
adotadas pela Administração Pública, obrigam que haja uma
fundamentação adequada para a sua não-implementação. A
fundamentação há que ser verdadeira e, ela sim, é vinculan-
5 LEI N* 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999. “Art. 22. Os afos do
processo administrativo não dependem de forma determinada
senão quando a lei expressamente a exigir. § 1» Os atos do
processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com
a data e o local de sua realização e a assinatura da
autoridade responsável. § 2a Salvo imposição legal, o
reconhecimento de firma somente será exigido quando houver
dúvida de autenticidade. § 3a A autenticação de documentos
exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão
administrativo. § 4a O processo deverá ter suas páginas
numeradas sequencialmente e rubricadas. Art. 23. Os ate« do
processo devem realizar-se em dias úteis, no horário normal
de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo.
Parágrafo único. Serão concluídos depois do horário normal
os atos )á iniciados, cujo adiamento prejudique o curso
regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à
Administração. Art. 24. Inexistindo disposição específica,
os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e
dos administrados que dele participem devem ser praticados
no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser
dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação. Art.
25. Os atos do processo devem realizar-se preferencialmente
na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro
for o local de realização.”
6 LEI N° 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999. “Art. 55. Em decisão
na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse
público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem
defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria
Administração.0
caoj" tr>m° 5«psrâ3r àéãm

Natureza Jurídica do Estudo de Impacto Ambiental


te para a Administração. Na hipótese de negativa da concessão
de uma licença, a fundamentação deve ser coerente, sob pena de
violação a direitos subjetivos.7
O EIA é procedimento essencialmente técnico, devendo guardar
coerência técnica. A sobreposição de uma excessiva formalidade
ao conteúdo material do ELA, como vem sendo entendido em
muitos fora, é uma distorção grave. A finalidade pre- cipua
dos EIA é informar e examinar todas as alternativas para a
implementação ou a não-implementação de um projeto. Desde que
isto esteja contemplado e que os princípios contidos no artigo
37 da CF estejam contemplados no estudo, não há qualquer
motivo racional para não aproveitá-lo.
2. O EIA e a Administração Pública
Depois de tudo aquilo que foi dito acima, resta uma
pergunta: qual é o papel desempenhado pelo EIA em relação à
Administração Pública?
A partir da promulgação da CF de 1988, ficou implicitamente
determinado que o licenciamento ambiental fosse realizado
mediante a adoção de um procedimento complexo, no qual
intervêm diversos atores, que são: a administração pública, a
equipe técnica multidisciplinar, o postulante ao licenciamento
ou empreendedor e a população, através da participação na
audiência pública.
O EIA, como já foi visto, é um instituto jurídico de nível
constitucional. Nesta condição, o seu objetivo máximo é o de
integrar como elemento técnico o mecanismo jurídico
administrativo apto a assegurar a efetividade do direito
consagrado no artigo 225 da Lei Fundamental. Tal direito, como
se sabe, depende da utilização e submissão pelo Poder Público
dos instrumentos constitucionais previstos nos diversos
incisos do § l9 do artigo 225, além de outros que possam ser
criados pelo legislador ordinário.
A Administração Pública tem o dever de exigir dos
empreendedores que realizem, às suas próprias expensas, o
estudo de impacto ambiental. Necessário, contudo, que tal
exigência seja feita através de ato formal e respaldada em
motivação técnica que demonstre que uma determinada atividade
é efetiva ou potencialmente causadora de significativa
degradação ambiental. O ato formal exigido para o caso é o
chamado termo de referência (TR). O TR é o instrumento que
balizará as exigências da administração para um determinado
licenciamento. Normalmente é um documento negociado entre
empreendedor e órgão ambiental.
O termo de referência é um balizamento estabelecido pela
Administração Pública para a equipe técnica multidisciplinar
que irá trabalhar na elaboração do estudo de impacto
ambientei. Através do termo de referência, a Administração
Pública mostrará ao empreendedor quais são os elementos que
ela julga devam ser privilegiados
7 TRF 2* Região. AG. 200002010086683/RJ. 3* Turma. DJU:
29/03/2001. Relatora: JUÍZA VIRGÍNIA PRO-
COPIO DE OLIVEIRA. SILVA. Agravo de Instrumento. Tutela
Antecipada. Relatório de Impacto
Ambiental — EIA/RJMA I — Em havendo Relatório de Impacto
Ambiental ~ RIMA e Estudo de Impacto Ambiental — EIA
favoráveis às obras dos autos, é de se considerar verossímeis
as alegações da parte autora e confirmar o provimento
antedpatório de tutela jurisdicional já obtido na Ia Instância.
II - Agravo a que se nega provimento. Agravo Regimental
prejudicado.

BSBH Direito Ambiental


B
na análise a ser realizada pelos técnicos. Cuida-se do
estabelecimento de aspectos cuja observação deverá ser mais
acurada, mais detalhada. O termo de referência é a bússola
que irá orientar o trabalho da equipe técnica. Entretanto, é
necessário que se diga que o trabalho dos técnicos não
deverá limitar-se ao termo de referência.
O termo de referência é um instrumento que serve tanto para
a Administração Pública como para o empreendedor. Assim é, na
medida em que a complexidade de determinados estudos exige que
a própria Administração Pública prepare-se para examiná-los e,
neste sentido, o termo de referência serve como um orientador
na constituição das equipes que serão encarregadas de oferecer
um parecer conclusivo sobre o estudo de impacto ambiental.
É importante observar que o termo de referência estabelece
critérios mínimos a serem observados pelo elaborador do Estudo
de impacto ambiental; entretanto, a ênfase da investigação a
ser procedida pela equipe técnica multidisciplinar será sobre
os elementos constantes no termo de referência. A
Administração Pública não poderá rejeitar um Estudo de Impacto
Ambiental sob o argumento de que faltaram análises específicas
sobre determinado ponto se tais análises não foram solicitadas
no termo de referência nem são daquelas obrigatórias.
Ocorrendo caso tal, a Administração Pública deverá limitar-se
a determinar novos estudos.
2.1. Publicidade e Obrigatoriedade
O EIA antes da Lei Fundamental de 1988 tinha a sua previsão
normativa em nível puramente regulamentar. Atualmente, embora
haja uma previsão constitucional para o instituto, esse não
mereceu do legislador ordinário a atenção devida, visto que
não há uma lei formal que dele cinde, em nível federal. O EIA,
como todos sabem, é expressamente previsto na Constituição da
República. Vale recordar o teor do inciso IV do § l2 do artigo
225:
Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação
do meio ambiente, estudo de impacto ambiental, a que se dará
publicidade.
O inciso IV, in fine, estabelece a obrigatoriedade de
publicidade do EIA. Ela tem por objetivo assegurar que a
população conheça o EIA, possa apresentar críticas e
sugestões, inclusive, ao próprio projeto proposto. Em
realidade, o EIA é, concomi- tantemente, um instrumento
técnico que pode ser importantíssimo no controle dos atos
administrativos e na participação dos cidadãos na
Administração Pública.
A primeira obrigação da administração pública em relação ao
estudo de impacto ambiental é que este não pode ser
dispensado, sempre que se trate de licenciamento de atividade
ou instalação efetiva ou potencialmente poluidora ou causadora
de degradação ambiental, isto é, podem existir casos de
inexigibilidade de EIA, jamais de dispensa. O princípio de
direito que deve ser observado é que, havendo risco potencial
ou atual, os impactos positivos e negativos sobre o meio
ambiente devem ser avaliados por um EIA.
Natureza Jurídica do Estudo de Impacto Ambiental
É inafastável a exigência dos EIA sempre que presentes as
condições tratadas no inciso IV do § l2 do artigo 225 da CRFB,
Em primeiro lugar, trago à colação o pensamento do professor
Paulo Affonso Leme Machado: O estudo de impacto ambiental deve
ser exigido pelo Poder Público.^ Na mesma direção caminha o
pensamento da professora Odete Medauar ao afirmar que: (...)
em outras palavras, sem o estudo de impacto ambiental,
expresso no RIMA,9 não poderá ser licenciada a atividade pre-
tendida.10 Entretanto, cabe observar que a definição de
atividade potencialmente causadora de signifícativa degradação
é uma incumbência do Poder Executivo que, mediante ato
próprio, estabelece uma relação contemplando as hipóteses.
Podemos afirmar que, nos casos de atividades ou instalações,
potencial ou efetivamente causadoras de signifícativa - assim
definida em ato próprio - poluição ou degradação ambiental, o
licenciamento ambiental que não tenha sido precedido de EIA é
anulável. A questão crucial, portanto, é definir as atividades
que podem se enquadrar no tipo constitucional aberto como
efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental.
Evidentemente que, em cada caso concreto, a Administração
Pública deverá declarar se a atividade pode ou não ser
enquadrada na categoria. Este enquadramento deverá ser feito
de forma fundamentada mediante ato administrativo próprio,
repita-se.
2.2. Vinculação da Administração ao ELA
A matéria referente à vinculação da Administração Pública
aos resultados do EIA tem sido bastante controversa. Poucos
autores, dentre os quais merece ser citado como exemplo o
Magistrado Passos de Freitas, têm a correta compreensão de que
o EIA não é vinculante para a Administração.
Permito-me, com a devida vênia, divergir de tal
posicionamento. Observo
que inexiste qualquer comando legal a ordenar tal vinculação
ao administrador.11
A plena limitação da discricionariedade administrativa pelo
EIA seria, de fato, atribuir ao estudo um papel que nem a
Constituição, nem a lei lhe atribuem. É evidente, pois, como é
fácil de se perceber, que os Estudos de Impacto Ambiental ser-
vem apenas e tão-somente para oferecer uma análise técnica dos
efeitos que decorrerão da implantação do projeto. Vale
observar que o Estudo de Impacto Ambiental deve ser
abrangente, e, uma vez que os elementos tenham sido fornecidos
aos administradores, caberá ao governo realizar um balanço
entre todas as opções, consideradas, inclusive, aquelas de
natureza socioeconômica.
8 Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 4a ed.,
p. 127.
9 Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente.
10 Vladimir Passos de Freitas. Direito Administrativo e Meio
Ambiente, Curitiba: Juruá, 1993, p, 57.
11 Vladimir Passos de Freitas. Ob. cit., p. 62.
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Requisitos do ELA
Capítulo XIII Requisitos do EIA

1. Apresentação
Para que o EIA possa ser juridicamente válido, é necessário
que preencha uma série de requisitos de ordem formal e
material. Infelizmente, os referidos requisitos não se
encontram organizados e sistematizados em um único diploma
legal; ao contrário, encontram-se distribuídos ao longo de
diversas Resoluções do CONAMA, sem que haja uma organicidade
entre as mesmas.
Os requisitos de conteúdo encontram-se previstos na
Resolução ne 1/86, em seus artigos 59 e 99. Já os requisitos
formais estão na própria Resolução n2 1/86 e na Resolução ns
1/88.
2. Requisitos de Conteúdo
Requisitos de conteúdo são aqueles que dizem respeito aos
aspectos materiais que devem estar presentes nas Avaliações de
Impactos Ambientais - AIA, expressas em estudo de impacto
ambiental e em seus Relatórios de Impacto sobre o Meio
Ambiente ~ RIMA. O sistema jurídico brasileiro, fundado no
princípio da legalidade,1 impede que os aspectos e questões
que, necessariamente, devem estar contidos em estudos e
relatórios de impacto ambiental sejam aleatórios, ou feitos
sem a existência prévia de uma norma legal. Assim sendo, a
legislação ambiental brasileira estabelece um conteúdo
material mínimo que deve estar presente em todas as avaliações
de impacto ambiental, que devem ser submetidas ao Poder
Público para fins de licenciamento de uma atividade ou
empreendimento. Nada impede, contudo, que a equipe técnica
responsável pelo EIA avance na análise de assuntos que não são
formalmente exigidos pelas normas legais. Evidentemente que,
em tais casos, as informações colhidas servirão, apenas, de
subsídio para o órgão licenciante. Tudo aquilo que exceder a
exigência legal deve ser tido como mera informação.
O artigo 59 da Resolução do CONAMA n9 1, de 23 de janeiro de
1986, estabelece que o estudo de impacto ambiental deverá
obedecer às seguintes diretrizes gerais:
I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de
localização do pro-
jeto} confrontando-as com a hipótese de não-execução do
projeto;
1 CF, art. 5«, II.
Direito Ambiental
II - identificar e avaliar sistematicamente os impactos
ambientais gerados nas fases de implantação e operação da
atividade;
III - definir os limites da área geográfica a ser direta ou
indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de
influência do projeto, considerando, em todos os casos, a
bacia hidrográfica na qual se localiza;
IV - considerar os planos e programas governamentais,
propostos e em implantação na área de influência do projeto, e
sua compatibilidade.
É de se considerar que, quando da determinação da realização
do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual, federal ou
municipal, conforme o caso, poderá determinar as diretrizes
adicionais que, em razão das peculiaridades do projeto e
características ambientais da área, façam-se necessárias,
indicando, inclusive, os prazos para que os estudos sejam
concluídos. Assim sendo, o órgão licenciante, quando formular
a exigência de que seja feito um EIA, deverá indicar
imediatamente quais são os estudos complementares necessários.
Ultrapassada esta fase, a agência ambiental não poderá
formular outras exigências para o empreendedor. Aqui, opera-se
uma preclusão administrativa. Assim é, na medida em que os EIA
são estudos de longa duração, complexos e caros, e,
evidentemente, compete à Administração Pública expor,
claramente, aquilo que deseja saber sobre um projeto
determinado. Exigências imprecisas, pouco claras ou sem base
legal devem ser evitadas, pois somente servem para causar
prejuízos a toâas as partes envolvidas, inclusive para a
Administração Pública, visto que o Poder Judiciário poderá
invalidar as exigências ilegais.
A determinação regulamentar é no sentido de que o órgão
licenciante e a própria equipe que se encarregará de realizar
o trabalho utilizem uma determinada abordagem filosófica no
desenvolvimento do estudo de impacto ambiental. A abordagem
requerida pela legislação brasileira é interdisdpiinar e
abrangente. Deve prever todas as hipóteses suscitadas pelo
empreendimento. Como se materializam as determinações do
artigo 59? Passemos a examinar o que é desejado pela norma
legal.
2.1. Alternativas Tecnológicas e de Implantação
O estudo de impacto ambiental deve examinar todas as opções
tecnológicas para que a finalidade do empreendimento proposto
possa ser alcançada. Exemplificati- vamente, se o projeto a
ser implantado tem por finalidade a geração de energia elé-
trica para uma determinada região, é necessário que a equipe
técnica examine todas as possibilidades de geração elétrica
disponíveis. Assim sendo, deverão ser vistas as consequências
da geração hidrelétrica, termelétrica, eólica etc. Neste
ponto, a análise prende-se ao aspecto tecnológico, isto é, se
a tecnologia disponível atende, do ponto de vista da qualidade
do produto final, à demanda concreta. A análise tecnológica
implica, necessariamente, o exame de outros fatores envolvidos
no projeto. Dentre todos os fatores factíveis de exercer
influência na implementação de nTn projeto, obviamente, avulta
o fator econômico. A relação comparativa entre os custos dos
diversos projetos e a análise dos benefícios eventualmente
gerados por cada uma opções é fundamental na definição da
alternativa tecnológica a ser adotada. Não há
Requisitos do EIA
como dissociar a análise tecnológica do custo da tecnologia.
Um elemento importante que não pode ser descurado é aquele que
determina a opção pela melhor tecnologia disponível, isto é,
em geral, os projetos devem ser implantados com a utilização
dos aparelhos e tecnologias que sejam os mais eâcientes em
termos de proteção ambiental.
Nem a equipe técnica nem o órgão licenciante estão adstritos
a examinar, apenas, a opção tecnológica oferecida pelo
empreendedor. É possível que um projeto seja inviável com a
utilização de uma determinada opção tecnológica e perfeitamen-
te viável se for adotado outro caminho técnico. O mesmo deve
ser dito quanto à localização. O local pretendido, muitas
vezes, pode não ser o adequado e a equipe técnica deve dizê-lo
claramente, inclusive sugerindo outra localização.
Uma questão polêmica é a da opção zero, isto é, a análise
dos efeitos produzidos pela não-realização do empreendimento.
Trata-se, evidentemente, de comparar a situação ecológica
atual da região em que se pretende implantar determinado
projeto com a situação futura. Não se trata, contudo, apenas
disso. Deve ser analisada, igualmente, a situação econômico-
social da área de influência do projeto nas hipóteses de
realização e de não-realização do empreendimento. Aqui é
preciso lembrar que a legislação brasileira, em matéria
ambiental, tem como um de seus objetivos... assegurar...
condições de desenvolvimento socioeconômico.2 Parece-nos,
portanto, que a opção zero somente deve ser considerada como a
mais adequada quando o projeto causar grandes impactos
ambientais, sem possibilidade de mitigação aceitável, e que os
seus resultados econômíco-sociais sejam desprezíveis. Deve ser
relembrado que, no regime constitucional brasileiro, a regra
ambiental não é a da intocabilidade do meio ambiente, mas, ao
contrário, a da utilização equilibrada. Aliás, este é um dos
motivos pelos quais se afirma a extraordinária importância da
Avaliação de Impactos Ambientais. Se a regra fosse a da
intocabilidade, seriam desnecessários os estudos de impacto.
2.2. Impactos Ambientais Gerados na Fase de Implantação e na
Fase de
Operação
A avaliação dos impactos ambientais derivados da fase de
implantação e de operação do projeto não se constitui matéria
de fácil análise. O impacto da fase de implantação é de curto
prazo e não exige maior esforço de investigação, muito embora
os seus efeitos possam ser duradouros. O impacto ambiental
gerado na fase de implantação é, ainda, bastante visível, de
imediato reconhecimento. A sua caracterização, portanto, é
menos problemática do ponto de vista tecnológico e científico.
A questão toma-se complexa quando se trata dos impactos
ambientais decorrentes da fase de operação. Normalmente, são
utilizados modelos matemáticos, que buscam realizar simulações
das situações que, eventualmente, poderão apresentar-se quando
o empreendimento estiver em pleno funcionamento. Apesar da
sofisticação
2 Lei 6.938/81, art. 2°.
Direito Ambiental
do método, não raro, a natureza apresenta surpresas que os
melhores modelos matemáticos têm dificuldade de prever.
2.3. Área Geográfica a Ser Diretamente Atingida
A análise dos impactos ambientais ao longo do tempo será uma
função da análise dos impactos ambientais em uma determinada
área geográfica, a chamada área de influência do projeto. A
definição da área de influência é uma das tarefas mais
inglórias em matéria de estudos ambientais. A enorme inter-
relação entre todos os componentes da biosfera fazem com que
os atos praticados localmente repercutam globalmente. O
fenômeno da poluição transfronteira, das chuvas ácidas e
outros demonstram a dificuldade da abordagem do tema.
Obviamente que a resolução não pretende o impossível, mas
apenas e tão-somente que se faça um estudo cientificamente
sério e dentro de limites razoáveis. O referencial da bacia
hidrográfica é razoável e somente precisará ser ultrapassado
em circunstâncias específicas e peculiares. Paulo Affonso Leme
Machado3 sugere um critério casuístico bastante útil: A
possibilidade de se registrarem impactos significativos é que
vai definir a área chamada de influência do projeto.
2.4. Consideração de Planos e Programas Governamentais
Com o planejamento urbano e industrial que hoje é cada vez
mais uma presença na atividade humana, não se pode deixar de
considerar o projeto a ser implantado em integração com todo o
planejamento governamental para a região na qual este deverá
ser localizado. Assim sendo, pode ocorrer que a região esteja
planejada para ser uma área de residências, impedindo a
implantação da atividade industrial.
2.5. Impactos Sociais e Humanos
A Resolução n5 1/86 do CONAMA não exige, explicitamente, a
análise dos impactos sociais e humanos do projeto proposto. O
entendimento da necessidade da realização de tal análise
decorre de uma compreensão holística das ciências ambientais
e, evidentemente, do próprio DA. O conjunto de disposições
legais contidas na Lei ne 6.938/81 é suficiente para demonstrar
que, efetivamente, os impactos sociais e humanos dos projetos
a serem implantados devem ser examinados pelo EIA, sob pena de
nuhdade do próprio estudo. Além de instituto
constitucionalmente previsto,4 o estudo de impacto ambiental5 é
um dos instrumentos da PNMA.6 Ora, na qua-
3 Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 4» ed„
1992, p. 136.
4 CF, art. 225, § 1«, IV.
5 Na hipótese, denominado mais abrangentemente como Avaliação
de Impacto Ambiental — AIA.
6 Lei na 6.938/81, art. 9o.
Requisitos do EIA
lidade de instrumento da PNMA, os EIA têm por desiderato o
alcance dos objetivos fixados para a PNMA. Como se sabe, o
artigo 2e da Lei ns 6.938/81 determina que, dentre os objetivos
da PNMA, estão os de recuperação da qualidade ambiental pro-
pícia à vida e a proteção da dignidade humana. Necessário,
portanto, que as repercussões sociais e humanas dos projetos
sejam bem examinadas no estudo para que este seja válido e
completo.
Não bastassem os argumentos acima expendidos, é de se
acrescentar que a própria Lei n2 6.938/81, em seu artigo 3Q,
inciso III, estabelece que:
Art. 3Q Para os fms previstos nesta Lei, entende-se por:
(~)
III - poluição: a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas...
Ora, se a avaliação dos impactos ambientais, em última
análise, tem por finalidade a pesquisa e o descobrimento das
repercussões eventualmente geradas pela poluição causada por
um empreendimento especificamente considerado, e que, no
próprio conceito de poluição, estão incorporadas as
perturbações sensíveis da atividade social e econômica, não se
pode deixar de incluir nas análises dos impactos tudo aquilo
que seja repercussão na vida social e econômica da população
da área de influência do projeto.
Necessário se faz que o aspecto qualidade de vida seja
examinado de forma muito clara e precisa. A implantação de
projetos e a utilização de recursos ambientais devem ser
realizadas com vários objetivos e, dentre estes, não pode
faltar o da geração de empregos e da utilização de mão-de-obra
local. Decorre daí que o próprio conceito de melhor tecnologia
disponível (visto acima) deve ser compreendido, também, sob o
ponto de vista do aproveitamento profissional de inúmeros
desempregados. Portanto, um impacto sobre o meio ambiente
humano que deve ser examinado é o da geração de empregos,
embora não seja o único.
3. Requisitos Técnicos
O artigo ô2 da Resolução n9 1/86 do CONAMA determina quais
são as alternativas técnicas mínimas que deverão ser
desenvolvidas no EIA. O primeiro requisito é o diagnóstico da
área de influência do projeto, completa descrição e análise
dos recursos ambientais e suas interações, tal como existentes
antes da implementação do projeto, de modo a caracterizar a
situação ambiental da área. Trata-se, portanto, de um
inventário ambiental da região. Há determinação normativa de
que, no curso do aludido inventário, sejam considerados três
parâmetros, que são:
Direito Ambiental
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima,
destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e
aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as
correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais — a fauna e a
flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade
ambiental, de valor científico-econô- mico, raras e
ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;
c) o meio socioeconômíco — o uso e ocupação do solo, os usos
da água e a socioe- conomia, destacando os sítios e
monumentos arqueológicos, históricos e culturais da
comunidade, as relações de dependência entre a sociedade
local, os recursos ambientais e o potencial de utilização
futura destes recursos.
Não são poucas as exigências contidas neste primeiro inciso
do artigo 6a. A primeira providência a ser tomada é uma ampla
investigação sobre a base física na qual deverá ser instalado
o projeto proposto, para que se saiba de sua compatibilidade
com a instalação projetada. Este é um exame preliminar. Em
determinados momentos, é possível que se verifique que o
lençol freático não comporta o projeto, embora haja
compatibilidade do projeto com o regime de ventos da região
etc. Além das repercussões sobre o meio físico, devem ser
examinadas as suas repercussões sobre a vida animal e vegetal
existentes na região na qual se pretende executá-lo. Ê uma
análise ampla. Muitas vezes, um projeto poderá tomar inviável
a sobrevivência de uma espécie animal ou vegetal; poderá
afetar as características básicas de vida de animais e
vegetais. Estes elementos devem ser sopesados, e propostas
alternativas capazes de viabilizar a vida devem ser
apresentadas para exame. A questão grave que se coloca é
quando, por exemplo, tomar-se factível a extinção de uma
determinada espécie animal ou vegetal em razão do projeto.
Neste caso, é necessário que se faça uma dura opção entre os
eventuais benefícios compreendidos pelo projeto e os danos
ambientais, cuja quantificação é extremamente difícil, senão
impossível. Nestes casos, o projeto deverá prever e prover os
meios que se façam necessários para que se evite uma perda
irreparável em termos ambientais.
O que deve estar contido no EIA é tuna exposição clara e
precisa dos impactos. Caberá à sociedade avaliar quais as
opções a serem tomadas diante do caso concreto. O EIA, na
medida do possível, não deve formular juízos de valor, uma vez
que esta não é a sua finalidade. O que deve estar contido no
EIA é a mais ampla pluralidade de alternativas e situações
possíveis. Os julgamentos de valor devem ser feitos pelas
autoridades governamentais e pela sociedade.
Por fim, faz~se necessária uma análise cultural do projeto,
ou seja: como o empreendimento irá repercutir na vida social
de uma determinada localidade. Este é um elemento fundamental,
pois não se pode esquecer que a vida humana é um dos valores
ambientais mais caros, senão o mais caro. Não se pode admitir
a destruição de localidades inteiras, de modos de vida e de
cultura, sob o pretexto do “progresso”. A história recente do
Brasil bem demonstrou tristes exemplos de destruição de co-
munidades inteiras para a construção de barragens e outros
empreendimentos de grande porte. Felizmente, de algum tempo
para cá, está se organizando um forte movimento de cidadãos em
defesa de suas comunidades, que já logrou conquistar
Requisitos do EIA
algumas vitórias contra a destruição de seus valores
culturais. Há uma importante decisão do TRF da 4a Região que
determinou a paralisação das obras de construção de uma
barragem, pois estas não haviam sido precedidas do EIA.7
Algumas outras decisões no mesmo sentido já vêm sendo tomadas
por diversas Cortes brasileiras.
O inciso II do artigo 69 determina seja analisada a natureza
do impacto a ser produzido pelo projeto. Nesta análise deverão
estar incluídas também as alternativas para os impactos.
Deverão ser analisados os impactos positivos e os negativos
que, eventualmente, serão produzidos. Estes impactos deverão
ser dimensionados em curto, médio e longo prazos. Deverão,
ainda, ser estudados quais os impactos que permanecerão
perenes e quais aqueles outros que somente se manifestarão ao
longo de certo lapso de tempo. Parece-nos importante afirmar
que os impactos ambientais nem sempre são negativos.
A caracterização dos impactos ambientais como algo negativo
em si deve ser rejeitada por ser preconceituosa e pouco útil
para o desenvolvimento social e a própria proteção ambiental.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, possui um belíssimo
exemplo de impacto ambiental positivo que nos é dado pelo
Aterro do Flamengo. Como se sabe, a construção do Aterro do
Flamengo foi feita com pedras e terra retiradas do desmonte do
Morro de Santo Antônio, situado no Centro da cidade.
Gonstruiu~se o aterro, com belíssimos jardins e monumentos,
área de recreação para milhares de pessoas, solucionou-se o
problema de trânsito da Zona Sul da cidade para o Centro e,
por fim, estabeleceu-se uma nova urbanização para a área do
Morro de Santo António. Como se vê, portanto, a retomada de um
pedaço da Baía de Guanabara e o desmonte do Moiro de Santo
Antônio foram amplamente compensados. Um outro exemplo
positivo de impacto ambiental nos é trazido pelo Elevado do
Joá, também na cidade do Rio de Janeiro; trata-se da
construção de estrada que, margeando o mar, incorporou-se de
tal maneira à montanha que circunda que, de fato, passou a
integrar o complexo ecológico da região.
Os impactos ambientais negativos, por serem os mais
corriqueiros, não necessitam de menção específica neste
trabalho.
A conclusão do EIA deverá apontar, quando viáveis, as
providências capazes de diminuir ou cancelar os efeitos dos
impactos ambientais negativos. Na análise de tais
providências, deverá constar, inclusive, um exame do material
técnico necessário para implementar as medidas, avaliando a
eficiência destes. Há, ainda, a necessidade de que se preveja
um sistema de acompanhamento e monitoramento permanente das
repercussões ambientais do projeto que se pretenda implantar.
4. Requisitos Formais
Requisitos formais são aqueles que dizem respeito à forma
jurídica pela qual o EIA/RIMA deve ser expresso em sua
integralidade e, igualmente, quais os preceitos
7 TRF da 4» Região, AI n» 92.04.03619-2/PR, rei. Juiz Vladimir
Passos, DJÜ, seção II, 14/4/1992, p. 9.483.
j Direito Ambientai
legais que não podem ser olvidados, sob pena de nulidade do
estudo. Os requisitos formais do EIA são fundamentais e não
devem ser desprezados por aqueles que militam em defesa do
meio ambiente. A experiência prática tem demonstrado que, em
muitas oportunidades, a violação de requisitos formais é uma
preliminar para a posterior violação de requisitos de conteúdo
do EIA. A forma, aqui, milita em defesa do meio ambiente. A
defesa dos requisitos formais da legislação de proteção
ambiental é, quase sempre, o primeiro passo em defesa do meio
ambiente considerado em si próprio.
4.1. Equipe Técnica Habilitada
A equipe técnica exigida para a realização de estudos de
impacto ambiental é multidisciplinar. Esta exigência decorre
da própria natureza do EIA que, como se viu, engloba
conhecimentos de várias ciências. Os integrantes da equipe
técnica, portanto, devem ser profissionais das diversas áreas
envolvidas no projeto cujo licenciamento se pretende.
4.1.1. Independência da Equipe Técnica
Penso que a primeira formalidade a ser examinada é aquela
contida no artigo 7e da Resolução nB 1/86 do CONAMA. Tal
artigo, como se sabe, diz respeito à independência da equipe
técnica responsável pelo EIA. Com efeito, o artigo 1- da
Resolução ns 1/86 determina que:
O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe
multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou
indiretamente do proponente do projeto e que será responsável
tecnicamente pelos resultados apresentados.
Este é um artigo de alta moralidade pública. Efetivamente, o
EIA e o consequente RIMA são atividades fiscalizadoras e de
auditoria, de caráter público, pois instrumentos da política
nacional do meio ambiente, com previsão constitucional. A
independência técnica deve ser total, não se admitindo
vínculos entre esta e o proponente do projeto. Tal vínculo não
precisa ser explícito, cabal. O que se pretende é afastar
qualquer parcialidade da equipe técnica, qualquer suspeita,
qualquer promiscuidade.
O tema da independência técnica, contudo, não é facil e tem
suscitado inúmeras polêmicas nos meios ambientalistas. Antônio
Inagê Assis de Oliveira,8 profundo conhecedor que é da
legislação ambiental brasileira, informa-nos que:
Com o desenvolvimento do sistema de licenciamento, cedo se
veriíicou que os órgãos ambientais, por melhor aparelhados que
fossem, apenas com o conhecimento de seus técnicos, não teriam
condições de procederão estudo de
8 Meio Ambiente — Legislação Vigente no Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro: Sindibrita, s/d, p. 38.
\
Requisitos do EIA
avaliação de impacto ambiental de certas atividades ou
empreendimentos de maior sofisticação técnica ou elevado
porte.
Prossegue o autor:
Esse problema não poderia ser resolvido simplesmente com a
contratação de novos técnicos especialistas na matéria
versada, inclusive por óbices administrativos, mas
principalmente pela relativa ociosidade a que estariam
destinados, cumprida a tarefa específica. A princípio foi
tentada a utilização de consultores independentes, logo
inviabilizada pelo elevado montante de recursos necessários...
O papel da equipe técnica é, claramente, o de fornecer ao
órgão licenciante um parecer prévio sobre o projeto. Tal
parecer, muito mais que um aconselhamento, é, obviamente, um
laudo técnico cujas repercussões são extraordinariamente
importantes. É necessário, portanto, que seja aplicado aos
seus membros um sistema de impedimentos, objetivamente
estabelecidos, capaz de assegurar um mínimo de isenção. Penso,
portanto, que são aplicáveis aos membros da equipe técnica
multidisciplinar os mesmos impedimentos dos peritos judiciais
estabelecidos pelo CPC.
A elaboração de estudos de impacto ambiental por peritos
impedidos implica, desta forzna, a nulidade do respectivo
estudo.
4.1.1.1. Revogação do Artigo 79 da Resolução n9 1/86 do CONAMA
A prática administrativa demonstrou que as excelentes
intenções demonstradas pelo CONAMA, ao elaborar a Resolução n2
1/86, no concreto, revelaram-se irreais. Com efeito, a
obrigatoriedade de total independência das equipes técnicas
para a elaboração de estudos de impacto ambiental fez com que
se criasse um verdadeiro cartório de profissionais
inescrupulosos que, frequentemente, preparavam estudos
absolutamente incompetentes e inaptos a dar soluções aos
problemas ambientais. As equipes técnicas, contratadas pelas
empresas, dificilmente mantinham a independência requerida na
norma. O resultado objetivo foi que os EIA/RIMA, em sua
maioria, não passavam de blocos de papel, sem qualquer consis-
tência técnico-científica e que apenas serviam para onerar as
empresas e nada contribuíam para o meio ambiente.
A Resolução CONAMA ne 237, de 19 de dezembro de 1997, em seu
artigo 11, alterou o sistema anteriormente vigente. De fato,
pelo artigo 11 da Resolução que foi recém-mencionada, in
verbis:
Art. 11. Os estudos necessários ao processo de licenciamento
deverão ser realizados por profissionais legalmente
habilitados, às expensas do empreendedor.
Na forma do parágrafo único do mencionado artigo:

Direito Ambiental
O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos
previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas
informações prestadas, sujeitando-se às sanções
administrativas, civis e penais.
A nova regulamentação apenas reconhece uma prática que já
existia, isto é, a remuneração da equipe técnica pelo
empreendedor. Na vigência do sistema anterior, qualquer
empresa idônea de consultoria, contratada para a elaboração do
ELA/RIMA, deveria ser remunerada. Tal remuneração, obviamente,
só poderia ser feita pelo empreendedor. Pelo novo sistema, a
própria empresa licencianda poderá elaborar o E1A/RIMA e levá-
lo à apreciação do órgão licenciador. Certamente, existe uma
diminuição de custos. Entretanto, somente as grandes empresas
terão capacidade técnica acumulada para a elaboração de
EIA/RIMA de maior complexidade. O ideal é que se busque a
colaboração de técnicos externos, que poderão examinar os
projetos com olhos mais críticos. Observe-se que a natureza
pública do EIA/RIMA não foi suprimida e, portanto, permanecem
vigentes todas as implicações quanto à veracidade e à
seriedade das informações constantes do documento. Penso que
ainda não chegamos a um modelo adequado.
4.1.2. Responsabilidade dos Elaboradores do ELA
Como já foi visto, o EIA é parte integrante do processo de
licenciamento de tuna atividade utilizadora de recursos
ambientais, e a Administração deve levar em conta as suas
conclusões para a concessão da licença. Ocorre que, não raras
vezes, as conclusões do EIA podem estar erradas. Neste caso, a
concessão da licença pode implicar danos ambientais
irreversíveis. Como proceder?
Penso que em tuna primeira fase, isto é, antes da instalação
da atividade potencialmente poluidora, é possível a impugnação
judicial do EIA. Nestas hipóteses, o que se persegue é a
declaração de nulidade do ELA. O caminho a ser trilhado é o do
CPC, cumulado com o da Lei ne 7.347/85. É possível a ação
declaratória de nulidade ou a medida cautelar. Já em se
tratando da hipótese em que a obra tenha sido realizada e que
os danos ambientais estejam se manifestando evidentemente, o
caminho da escolha da ação a ser ajuizada é mais simples,
embora o desenvolvimento desta seja mais complexo, em razão
dos tradicionais argumentos do “fato consumado”. Trata-se da
mera propositura de uma ação visando à reparação dos danos
causados.
4.2. Despesas e Independência Técnica
Foi com o intuito de viabilizar a independência técnica que
o artigo 89 da Resolução ns 1/86 do CONAMA determinou que as
despesas deveriam correr todas por conta do proponente do
projeto, in verbis.
Correrão por conta do proponente do projeto todas as
despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto
ambiental, tais como: coleta e aqui-
ÍS8J • Ensina Suí&rior Siss#» Jurfe
Requisitos do EIA I
sição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo,
anáhses de laboratório, estudos técnicos e científicos e
acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do
RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias.
O espírito da proposituxa é o de impedir que a sociedade
arque com uma despesa que, obviamente, tem por objetivo
examinar um projeto que, em muitos casos, implicará a
percepção de lucro pelo proponente. A idéia subjacente é a de
que os custos ambientais, de qualquer origem, devem ser
suportados por quem tenha lhes dado causa.
Lamentavelmente, na prática, tem havido muita dificuldade em
se assegurar a pretendida independência da equipe técnica,
pois vários expedientes têm sido usados para solapá-la. Muitas
vezes, os proponentes do projeto estabelecem cláusulas
contratuais com os membros da equipe técnica, mediante as
quais somente se obrigam a pagar os estudos de impacto
ambiental após a aprovação destes pelo órgão licenciante.
Outras vezes, têm sido contratados para a realização dos EIAs
os próprios autores dos projetos a serem analisados, enfim, a
“criatividade” no setor tem sido imensa.
Logicamente que a forma mais adequada, dentro da legislação
brasileira, é a de que o órgão licenciante estabeleça uma
estimativa dos custos do ELA e que, após cobrar do proponente
o respectivo valor, contrate a equipe técnica. É, ademais,
importante ressaltar que os membros da equipe técnica são
responsáveis pelos resultados. Tal responsabilidade, é
desnecessário dizer, é de pleno direito.9
4.2.1, Cadastro Técnico Federal de Atividades e
Instrumentos de Defesa Ambiental
A Lei ns 6.938/81, por seu artigo 17,1, estabeleceu o
Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental, in verbis:
Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA: I
— Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental, para registro obrigatório de pessoas físicas
ou jurídicas que se dedicam à consultoria técnica sobre
problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de
equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle
de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
O CONAMA, mediante a expedição da Resolução n9 1, de 13 de
junho de 1988, visou disciplinar o registro de técnicos que,
eventualmente, venham a compor equipes técnicas com a
finalidade de elaborar projetos para a realização de EIAs. O
artigo 2Ô da Resolução acima mencionada determina que:
315
9 Resolução CONAMA nfl 1/86, art. 7a.
Direito Ambiental
Art. 2g A Secretaria Especial do Meio Ambiente e os órgãos
ambientais, no prazo de 90 (noventa) dias, a partir da
publicação desta resolução, somente aceitarão, para fins de
análise, projetos técnicos de controle da poluição ou estudo
de impacto ambiental, cujos elaboradores sejam profissionais,
empresas ou sociedades civis regularmente registradas no
Cadastro de que trata o art. Ia.
Prossegue a Resolução, determinando o prazo de validade do
registro, que será de dois anos,10 competindo aos cadastrados
promover a renovação dos registros. Pelo artigo 59 da Resolução
estabeleceu-se que:
Para fins de cadastramento, serão exigidos das pessoas
físicas e jurídicas interessadas tão-somente os dados
necessários à sua caracterização jurídica e responsabilidade
legal, bem como avaliação da capacidade técnica e da eficácia
dos serviços oferecidos, dados esses a serem coletados através
de formulário próprio, cabendo à declarante responder sob as
penas da lei, em qualquer tempo, pela veracidade das
informações apresentadas.
Já o artigo 62 dispõe que:
A inclusão de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro
Técnico Federal não implicará, por parte da SEMA e perante
terceiros, certificação de qualidade, nem juízo de valor de
qualquer espécie.
O tema tratado na Resolução nõ 1/88 é extremamente polêmico.
Com efeito, a matéria diz respeito ao exercício profissional
e, efetivamente, a referida resolução estabeleceu uma
limitação ao exercício profissional de várias categorias. Pelo
sistema adotado no Brasil, quando se tratar de profissões
regulamentadas, o registro será exigido nos órgãos
pertinentes. Ou seja, o registro deverá ser feito junto aos
organismos encarregados pela fiscalização de cada uma das
diferentes profissões. Nem o IBAMA nem o CONAMA possuem
atribuições para controlar o exercício de atividades
profissionais de qualquer profissão. Pelos termos da
resolução, se um advogado oferecer parecer acerca de um EIA, o
órgão ambiental somente poderá aceitá-lo se o profissional
estiver cadastrado junto ao Cadastro Técnico Federal. Ora,
somente a Ordem dos Advogados do Brasil tem poderes para
fiscalizar o exercício da profissão de Advogado, e o bacharel
não precisa inscrever-se em nenhum outro órgão para exercer
sua profissão.
4.3. O Relatório de Impacto Ambiental - RIMA
Muitas vezes, há confusão entre Estudo de Impacto Ambiental
e Relatório de Impacto Ambiental. O Estudo de Impacto
Ambiental — EIA é o conjunto de pesqui-
Requisitos do EIA
sas que se fazem necessárias para avaliar o impacto ambiental
de um determinado empreendimento. O Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA é parte integrante do EIA e tem por
finalidade fazer com que conceitos técnicos e científicos
sejam acessíveis à população em geral.
Deve ser dada a mais ampla divulgação ao RIMA; admite-se,
apenas, o sigilo de natureza industrial. O RIMA é um resumo do
EIA e deve conter todas as informações contidas naquele, de
forma simplificada e acessível.
5. Audiência Publica
A pouca tradição democrática de nossa sociedade faz com que
a audiência pública seja, de longe, o mais criticado dos
institutos jurídicos postos a serviço da defesa do meio
ambiente. As audiências públicas, em nível federal, estão
regulamentadas pela Resolução Conama ns 9, de 3 de dezembro de
1987, que inexplicavelmente só foi publicada aos 9 de julho de
1990. Tal Resolução foi a que estabeleceu as linhas básicas a
serem observadas nas audiências públicas.
A finalidade legal das audiências públicas é a de assegurar
o cumprimento dos princípios democráticos que informam o
Direito Ambiental. A audiência fará com que os cidadãos tomem
conhecimento do conteúdo do EIA e do RIMA. Para a
Administração, ela tem a função de ser um momento no qual
poderá ser feita a aferição das repercussões junto à
sociedade, do empreendimento proposto. Sugestões e críticas
podem, e devem, ser feitas, assegurando que os administradores
possam saber exatamente qual é a opinião popular sobre o
projeto.
A Lei ns 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que instituiu no
âmbito da Administração Pública Federal o processo
administrativo para a defesa de direitos perante a
administração, admite em seu artigo 3211 a realização de
audiências públicas como parte do processo instrutório. Tal
norma é, evidentemente, aplicável ao licenciamento ambiental.
Posteriormente, a Lei n9 11.105, de 24 de março de 2005
(Biossegurança), também dispôs sobre audiências públicas,
conforme o contido no artigo 15 e seu parágrafo.12
Assim, existe na legislação brasileira uma ampla previsão de
participação cidadã no processo deliberatório das questões
ambientais.
5.1. Convocação
A audiência pública pode ser marcada de ofício ou a
requerimento do Ministério Público ou, ainda, por convocação
de 50 cidadãos. A convocação de ofício não
11 “Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da
autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser
realizada audiência pública para debates sobre a matéria do
processo.”
12 “Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas,
garantida participação da sociedade civil, na forma do
regulamento. Parágrafo único. Em casos de liberação
comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes
interessadas, incluindo-se entre estas organizações da
sociedade civil que comprovem interesse relacionado à
matéria, na forma do regulamento”.
Direito Ambiental
é obrigatória, pois a Resolução ns 9/87 do CONAMA estabelece
que ela será feita sempre que o órgão ambiental “julgar
necessário”. Muito embora o órgão ambiental não esteja
obrigado a realizar a convocação da audiência pública, ele
está obrigado a, mediante edital ou anúncio na imprensa local,
abrir prazo de, no mínimo, 45 dias para que os interessados,
se assim o desejarem, solicitem a realização da public
hearing.
A convocação da audiência pública pelo parquet ou pelo grupo
de 50 cidadãos é um direito subjetivo público que não pode ser
obstruído pelos órgãos licenciantes. O não-atendimento do
requerimento dá margem à impetração de mandado de segurança
por ser hipótese de direito líquido e certo. É importante
observar que, se a audiência pública tiver sido convocada e
não realizada, a licença concedida poderá ser anulada,
conforme o artigo le, § 3®.
No caso de ter sido apresentada a solicitação da audiência
pública, o órgão Kcen- ciador deverá, mediante edital, fixar
data e local para a realização da mesma e, ainda, fazer
comunicação escrita, através de correspondência, àqueles que
tenham realizado a solicitação.
5.2. Realização da Audiência
A audiência deve ser realizada de forma a permitir que os
cidadãos possam dela participar efetivamente. Dependendo da
complexidade do projeto a ser examinado, poderá ser realizada
mais de uma audiência. Encerrada a audiência, desta deverá ser
lavrada uma ata circunstanciada na qual constem todos os
incidentes e, principalmente, deverão ser anexados todos os
documentos nela produzidos ou encaminhados pela sociedade para
consideração pelo órgão licenciante.
A abrangência do projeto, a sua extensão geográfica, a
localização dos solicitantes e outros fatores a serem
estabelecidos, caso a caso, poderão determinar a realização de
audiências públicas em locais diferenciados.
5.3. Função da Audiência
A audiência pública não possui caráter decisório. É uma
atividade de natureza consultiva. Ela é, entretanto, um ato
oficial e que, nesta condição, deve ter os seus resultados
levados em consideração. Cabe, no entanto, observar que o
artigo 52 da Resolução n9 9/87 vem sendo pouco explorado.
Determina o artigo mencionado:
Art. 5Õ A ata da(s) audiencia(s) pública(s) e seus anexos
servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e o
parecer fínal do licenciador quanto à aprovação ou não do
projeto.
Qual o alcance desta norma? Penso que aqui se estabeleceu um
dever de levar em conta a manifestação pública. Este dever se
materializa na obrigação jurídica de que o órgão licenciante
realize um reexame, em profundidade, de todos os aspectos do
empreendimento que tenham sido criticados, fundamentadamente,
na audiência pública.
TERCEIRA PARTE MEIO AMBIENTE URBANO
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
Capítulo XIV A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
1. Introdução
A Lei ns 10.257/2001 foi introduzida no ordenamento jurídico
brasileiro com o objetivo de5 regulamentar” os mandamentos
constitucionais contidos nos artigos 182 e 183 de nossa Lei
Fundamental, com vistas a regular o uso da propriedade urbana
em benefício da coletividade, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos1 e, também, do equilíbrio ambiental. O artigo 2S da
lei estabelece as diretrizes (rectius: princípios) norteadoras
da política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana.
Os princípios são os seguintes:
(i) garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes
e futuras gerações;
(ii) gestão democrática por meio da participação da população
e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
(iii) cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os
demais setores da sociedade no processo de urbanização, em
atendimento ao interesse social;
(iv) planejamento do desenvolvimento das cidades, da
distribuição espacial da população e das atividades
econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;
(v) oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte
e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades
da população e às características locais;
(vi) ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar;
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a
proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o
parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessi
1 O vocábulo “cidadãos” não deve ser tomado em seu sentido
técnico, pois o Estatuto da Cidade tem por objetivo a tutela
dos direitos de “todos” que habitam as cidades, sejam
nacionais ou estrangeiros, eleitores ou não. Seria
recomendável a adoção do vocábulo “indivíduo”.
Direito Ambientai
vos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a
instalação de empreendimentos ou atividades que possam
funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da
infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de
imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou
não~utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a
poluição e a degradação ambiental;
(vii) integração e complementaridade entre as atividades
urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento
socíoeconômico do Município e do território sob sua área de
influência;
(viii) adoção de padrões de produção e consumo de bens e
serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da
sustentabiüdade ambiental, social e econômica do Município e
do território sob sua área de influência;
(ix) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do
processo de urbanização;
(x) adequação dos instrumentos de política econômica,
tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos
do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos
bens pelos diferentes segmentos sociais;
(xi) recuperação dos investimentos do Poder Público de que
tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;
(xii) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente
natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico;
(xiii) audiência do Poder Público municipal e da população
interessada nos processos de implantação de empreendimentos
ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o
meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a
segurança da população;
(xiv) regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas
por população de baixa renda mediante o estabelecimento de
normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação socioeco- nômica da
população e as normas ambientais;
(xv) simplificação da legislação de parcelamento, uso e
ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a
permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos
lotes e unidades habitacionais;
(xvi) isonomia de condições para os agentes públicos e
privados na promoção de empreendimentos e atividades
relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse
social.
2.Preceitos Constitucionais
A Constituição brasileira possui dois artigos especialmente
voltados para o estabelecimento de uma disciplina para a
ocupação do solo urbano e para as políticas públicas cujo
objetivo é assegurar uma ocupação racional e socialmente justa
dos territórios de nossas cidades. Tais artigos são: (i)
artigo 182 e (ii) artigo 183.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
Em sede constitucional, foi estabelecido que a Política de
Desenvolvimento Urbano é executada, fundamentalmente, pelo
Poder Público Municipal, de acordo com as diretrizes gerais
que tenham sido fixadas em lei. Tal política tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes. O “instrumento
básico” da política de desenvolvimento urbano é o plano
diretor, que possui caráter obrigatório para cidades com mais
de 20.000 habitantes. Ele é fundamental, pois é quem definirá
quando a propriedade privada estiver, ou não, cumprindo com as
suas funções sociais, mediante o atendimento das “exigências
fundamentais” de ordenação da cidade expressas no Plano
Diretor.
A necessidade premente de uma norma infraconstitucional para
regular a aplicação dos preceitos constitucionais do § # do
artigo 182, que estipula que é facultado ao Poder Público
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano
diretor, exigir, nos termos da lei federal,2 do proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,
de: I -parcelamento ou edMcação compulsórios; II - imposto
sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo; III — desapropriação com pagamento mediante títulos
da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado
Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
Usucapião urbana. A Lei Fundamental da República, em seu
artigo 183, estabeleceu a possibilidade da usucapião urbana,
assim definida: Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, inin-
terruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir~lhe~á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O próprio texto
constitucional definiu os contornos, mínimos, a serem obser-
vados pelo legislador ordinário ao dispor sobre a matéria.
Assim sendo, determinou o Constituinte que:
(Í) O título de domínio e a concessão de uso3 serão conferidos
ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do
estado civil;
(ii) o direito de concessão de uso não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.
(iii) os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.4
2 O RE na 194.036, relator o Sr. Ministro Umar Galvio,
estabeleceu jurisprudência no STF no sentido da incons-
titucionalidade do ÍPTU progressivo. Provavelmente, tal
jurisprudência tenderá a mudar, diante da lei que ora está
sendo comentada.
3 Concessão de uso é um instrumento típico de Direito
Administrativo, mediante o qual se permite ao particular a
utilização de bens públicos. A Constituição, em tese,
admitiu uma espécie de usucapião sobre terras públicas que
não se caracteriza pela transmissão do domínio, mas do mero
direito a uma concessão de uso. O projeto de lei que deu
origem à Lei na 10.257/2001 dispôs sobre a matéria em seus
artigos 15/20. Tais artigos, entretanto, foram completamente
vetados pelo Chefe do Poder Executivo.
4 A idéia que permeia o texto constitucional é de que os
imóveis públicos pudessem ter os seus usos concedidos
àqueles que os ocupassem por prazos razoáveis, sem a
oposição do Estado.
Direito Ambiental
O texto constitucional, em face dos vetos apostos peio Chefe
do Executivo, ficou totalmente estéril, pois as suas
disposições ficaram sem a necessária densifica- ção legal. É
certo que não há qualquer óbice para que um novo projeto de
lei trate da matéria em tela.
3.Instrumentos da Política Urbana
O artigo 42 da lei estabelece um conjunto de instrumentos a
serem utilizados pelo Poder Público para a implementação e
efetivação da política urbana. Tais instrumentos, entretanto,
não se constituem em numerus clusus, podendo ser acrescentados
outros àqueles exemplificados. Os instrumentos dividem-se em:
(i) Ações de planejamento, seja no nível nacional, estadual,
municipal, metropolitano, de micror- regiões ou aglomerações
urbanas; (ii) planejamento municipal — que mereceu destaque
especial - com as seguintes ações: plano diretor, disciplina
do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento
ambiental; plano pkmanual; diretrizes orçamentárias e
orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos,
programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento
econômico e social; (iii) institutos tributários e
financeiros: imposto sobre a propriedade predial e territorial
urbana - IPTU; contribuição de melhoria; incentivos e
benefícios fiscais e financeiros; (iv) institutos jurídicos e
políticos: desapropriação; servidão administrativa; limitações
administrativas; tombamento de imóveis ou de mobiliário
urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de
zonas especiais de interesse social; concessão de direito real
de uso; concessão de uso especial para fins de moradia;
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião
especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de
preempção; outorga onerosa do direito de construir e de
alteração de uso; transferência do direito de construir;
operações urbanas consorciadas; regularização fundiária;
assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e
grupos sociais menos favorecidos; referendo popular e
plebiscito; (iv) estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e
estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).
O Estatuto da Cidade teve o cuidado de procurar evitar a
superposição de institutos jurídicos, institucionais ou
técnicos, pois explicitamente determinou que “os instrumentos
mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é
própria”.
3.1. Instrumentos com Imediata Repercussão Ambiental
3.1.1. Direito de Preempção
O artigo 25 define os contornos do direito de preempção do
Poder Público Municipal.5 Por tal direito é conferida “ao Poder
Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano
objeto de alienação onerosa entre particulares”.
5 Por se tratar de ujna forma de intervenção na propriedade
privada, ainda que onerosa, tal direito não se estende às
demais entidades de direito público. É exclusivo do Poder
Público municipal.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
O direito de preempção, para ser legalmente exercido pelo
Poder Público municipal, demanda a existência de determinadas
condições legais bem caracterizadas e absolutamente
necessárias para que ele possa ser exercido. Em primeiro
lugar, faz-se necessário que haja uma lei municipal,6
diretamente emanada do Plano Diretor, à qual cabe delimitar as
áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de
vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um
ano após o decurso do prazo inicial de vigência. Assim, nós
poderíamos definir o direito de preempção como o direito de
preferência que é outorgado ao Poder Público municipal, por
lei própria, com delimitação espacial e temporal e com
definição do objetivo do exercício da preferência. A
declaração do direito de preempção não obsta que se realizem
transações entre particulares no imóvel declarado sujeito à
sua incidência. Dentro do prazo legal, o Poder Público poderá
exercê-lo.
O direito de preempção somente será exercido quando o Poder
Público necessitar de áreas para: (i) regularização fundiária;
(ii) execução de programas e projetos habitacionais de
interesse social; (iii) constituição de reserva fundiária;
(iv) ordenamento e direcionamento da expansão urbana; (v)
implantação de equipamentos urbanos e comunitários; (vi)
criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; (vi)
criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas
de interesse ambiental; (vii) proteção de áreas de interesse
histórico, cultural ou paisagístico.
O proprietário deve notificar sua intenção de alienar o
imóvel para que o Município, no prazo máximo de trinta dias do
recebimento da notificação, manifeste por escrito seu
interesse em comprá-lo. À notificação deve ser anexada
proposta de compra assinada por terceiro interessado na
aquisição do imóvel, na qual deverão constar preço, condições
de pagamento e prazo de validade. Compete ao Município fazer
publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou
regional de grande circulação, edital de aviso da notificação
recebida e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da
proposta apresentada. Uma vez decorrido o prazo, sem
manifestação, fica o proprietário autorizado a realizar a
alienação para terceiros, nas condições da proposta
apresentada. Tão logo seja concretizada a venda a terceiro, o
proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo
de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do
imóvel. Caso a alienação seja processada em condições diversas
da proposta apresentada, é nula de pleno direito. O Município
poderá, nos casos de venda fora da proposta apresentada,
adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou
pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for
inferior àquele.
É desnecessário dizer que o exercício do direito de
preempção deve ser feito mediante o pagamento em dinheiro e
que, igualmente, as verbas a ele destinadas estejam previstas
em rubrica orçamentária própria.
6 Trata-se de lei, em sentido formal.
Direito Ambiental
3.1.2. Transferência do Direito de Construir
Uma das questões mais tormentosas que têm estado bastante
presentes na vida de todas as áreas urbanas é a resultante do
conflito entre o estabelecimento de determinados padrões
urbanísticos e a limitação ao direito de construir. Não raras
vezes, projetos já autorizados e licenciados têm sofrido
enormes dificuldades para chegarem a bom termo, tendo em vista
o estabelecimento de padrões diferentes daqueles vigentes à
época da concessão das licenças ou autorizações. A
Transferência do Direito de Construir, em princípio, parece
ser tuna boa alternativa para a questão, pois por seu
intermédio é possível compatibilizar o desenvolvimento
harmônico da cidade com a preservação de direitos individuais,
em especial com o direito de propriedade.
Na forma do artigo 35> a lei municipal, baseada no Plano
Diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano,7
privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar,
mediante escritura pública, o direito de construir previsto no
Plano Diretor ou em legislação urbanística dele decorrente,
quando o referido imóvel for considerado necessário para as
seguintes finalidades: (i) implantação de equipamentos urbanos
e comunitários; (ii) preservação, quando o imóvel for
considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico,
social ou cultural; (iíi) servir a programas de regularização
fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda e habitação de interesse social.
3.1.3. Concessão de Uso Especial
A Medida Provisória na 2.220, de 4 de setembro de 2001, que
dispõe sobre o uso especial de que trata o § le do artigo 183
da Constituição•> cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano — CNDU e dá outras providências, estabeleceu impor-
tantes normas ambientais. A Concessão de uso especial tem
expressa previsão constitucional. Nos termos do artigo 1« da
Medida Provisória n^ 2.220/2001, aquele que até 31 de junho de
2001 possuiu como seus, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de
imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua
moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso
especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da
posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a
qualquer título, de um imóvel urbano ou rural A MP admite,
ademais, a concessão de uso especial coletiva para as
populações de baixa renda, nos locais nos quais não se pode
identificar o possuidor individual.
O artigo 59 da MP estabelece que é facultado ao Poder
Público assegurar o exercício do direito de concessão de uso
tratado pelos artigos l9e29 em outro local, quando a ocupação
do imóvel ocorrer, dentre outras, em área de interesse para a
preservação ambiental e para a proteção de ecossistemas
naturais. A Medida é muito importante, pois não raras vezes se
estabelece uma contraposição entre os chamados
7 Aplicam-se as mesmas disposições para aquele proprietário
que doar imóvel ao Poder Público, com vistas
à realização das atividades previstas nos incisos I, II, e UI
do artigo 25.
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
“interesses sociais” e os de preservação ambiental, com a
ocupação de encostas de morros, faixas marginais de proteção e
outras áreas ambientalmente sensíveis e incapazes de assegurar
moradias adequadas para as pessoas. O Poder Público, agora,
tem os instrumentos legais adequados para providenciar a
desocupação de áreas extremamente perigosas e ambientalmente
sensíveis e, ao mesmo tempo, conceder direito de uso de bens
públicos para aqueles que necessitam ter uma habitação
adequada.
3.1.4. Estudo de Impacto de Vizinhança
A lei estabeleceu, em seu artigo 36, uma importantíssima
inovação denominada Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O
EIV deverá estar previsto em lei municipal que definirá as
atividades para cuja implantação o mencionado estudo se fará
necessário, com vistas à obtenção das licenças ou autorizações
de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder
Público municipal.
O ÉIV, assim como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental
(EIA), é um aperfeiçoamento das análises de custo/benefício de
um determinado empreendimento. De acordo com o determinado no
artigo 37, o EIV será executado de forma a contemplar os
efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na área e
suas proximidades.
O conteúdo mínimo do EIV deverá contemplar as seguintes
questões:
(i) adensamento populacional;
(ii) equipamentos urbanos e comunitários;
(iii) uso e ocupação do solo;
(iv) valorização imobiliária;
(v) geração de tráfego e demanda por transporte público;
(vi) ventilação e iluminação; e
(vii) paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
O EIV deve ser disponível para a consulta por parte dos
interessados.
O artigo 38 determina que: A elaboração do EIV não substitui
a elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto
Ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação
ambiental.
O EIV, conforme se pode facilmente verificar, é uma evolução
do Estudo de Impacto Ambiental — sendo ambos espécies de
Avaliação de Impacto Ambiental, AIA — previsto na Constituição
para todas as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
Infelizmente, o legislador deixou passar uma ótima
oportunidade para disciplinar adequadamente a avaliação de
impactos em atividades urbanas, especialmente as atividades
não industriais. Todos aqueles que militam na área da proteção
ao meio ambiente sabem que os estudos de impacto ambiental têm
uma vocação eminentemente industrial, ou, no mínimo, de
projetos que signifiquem intervenção em ambiente não
urbanizado. No entanto, à mingua de outras normas, o EIA
passou a ser exigido pelos órgãos ambientais para a
implantação de shopping centers, condomínios e outros
empreendimentos semelhantes. Tais Estudos de Impacto, de
acordo
Direito Ambiental
com os seus termos de referência, normalmente, têm por
objetivo investigar os assuntos relacionados como conteúdo
mínimo do EIV. Penso que o EIV é um instrumento mais do que
suficiente para que se avaliem os impactos gerados por uma
nova atividade a ser implantada em área urbana - não se
tratando de atividade industrial. Penso que o EIV nada mais é
do que um EIA para área urbanas e, data venia, creio ser
completamente destituída de lógica ou razão a obrigatoriedade
de ambos os estudos.
3.1.4.1. Estudo de Impacto de Vizinhança no Município de São
Paulo
O chamado Estudo de Impacto de Vizinhança teve a sua origem
no Município de São Paulo, mediante a edição da Lei Municipal
n2 11.426, de 18 de outubro de 1993, que dispôs sobre a criação
da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e deu
outras providências. Em seu artigo 23, IV, criou a figura dos
Estudos e Relatórios de Impacto de Vizinhança (EIVI/RIVI). É
inequívoca a semelhança com o ELA/RIMA estabelecido para a
análise de requerimentos de licenciamento ambiental de
projetos com significativo impacto sobre o meio ambiente. O
Decreto Municipal n2 34.713, de 30 de novembro de 1994,
regulamentou administrativamente o RTVL Tal decreto foi
alterado pelo Decreto Municipal n9 36.613, de 06 de dezembro de
1996.
Determina o artigo l2 do Decreto n9 34.713/94 que: São
considerados como de significativo impacto ambiental ou de
infra-estrutura urbana os projetos de iniciativa pública ou
privada, referentes à implantação de obras de empreendimentos
cujo uso e área de construção compatível estejam enquadrados
nos seguintes parâmetros: I - Industrial - igual ou superior a
20.000m2 (vinte mil metros quadrados); II - Institucional -
igual ou superior a 40.000m2 (quarenta mil metros quadrados);
III- Serviços/comércio ~ igual ou superior a 60.000 m2
(sessenta mil metros quadrados); IV - Residencial - igual ou
superior á 80.000 m2 (oitenta mil metros quadrados). § P Os
projetos de empreendimentos com diferentes categorias de uso,
que tenham condições de implantação, construção e
funcionamento totalmente autônomos, serão considerados
separadamente para os efeitos de enquadramento nos parâmetros
estabelecidos neste artigo.8
Uma vez que o empreendimento, que se pretenda seja
implementado, esteja arrolado em uma das categorias acima
descritas, o interessado deverá solicitar ao órgão municipal
que proceda tal enquadramento. Tal solicitação deve vir
acompanhada do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI), que
deverá conter os elementos que possibilitem a análise da
adequação do empreendimento às condições do local da possível
futura implantação e de seu entorno. Não é exigível o RIVI nas
seguintes hipóteses:
(i) Projetos de empreendimentos destinados à Habitação de
Interesse Social (HIS), construídos com recursos do Fundo
Municipal de Habitação, e os empreendimentos cujos novos
parâmetros urbanísticos tenham sido aprovados pela Comissão
Normativa de Legislação Urbanística - CNLU da
8 O § 2a admite que outras obras ou empreendimentos possam ser
incluídos na lista, desde que por decreto.
- Ensino Supçriof Bissa/ Jurf$c9
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano j
Secretaria Municipal de Planejamento, conforme a Lei ne 11.713,
de 18 de maio de 1995;
(ii) Projetos de empreendimentos cujos parâmetros urbanísticos
específicos tenham sido fixados pela Secretaria Municipal de
Planejamento - SEM- PLA para Zonas de Uso Espacial Z.8-200 e
os contidos em perímetros de Leis de Operação Urbana;
(iii) Projetos de empreendimentos anteriormente aprovados com
análise do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI); desde
que sejam mantidas as categorias do uso e não seja ampliada
a área total de construção compatível;
(iv) Os projetos modificativos de empreendimento cujas obras
já tenham sido iniciadas ou os de reforma, com acréscimo de
área compatível de até 20% (vinte por cento), desde que
mantida a categoria de uso.
0 Relatório de Impacto de Vizinhança (RTVl) deve ser
instruído com os seguintes documentos:
1 - Dados necessários à análise da adequação do empreendimento
às condições
do local e do entorno:
a) localização e acesso gerais;
b) atividades previstas;
c) áreas, dimensões e volumetria;
d) levantamento planialtimétrico do imóvel;
e) mapeamento das redes de água pluvial, água, esgoto, luz e
telefone para a implantação do empreendimento;
f) capacidade do atendimento pelas concessionárias das redes
de água pluvial, água, esgoto, luz e telefone para a
implantação do empreendimento;
g) levantamento dos usos e volumetria de todos os imóveis e
construções existentes localizadas nas quadras limítrofes às
das zonas de uso constantes da legislação de uso e ocupação
do solo das quadras limítrofes;
h) indicação dos bens tombados pelo CONPRESP ou pelo
CONDEPHAAT no raio de 300 (trezentos) metros contados do
perímetro do imóvel ou dos imóveis onde o empreendimento
será localizado.
II — Dados necessários à análise das condições viárias da
região:
a) entradas, saídas, geração de viagens e distribuição no
sistema viário;
b) sistema viário e de transportes coletivos do entorno;
c) demarcação de melhoramentos públicos, em execução ou
aprovados por lei;
d) compatibilização do sistema viário com o empreendimento;
e) certidão de diretrizes fornecida pela Secretaria Municipal
de Transportes.
III - Dados necessários à análise das condições ambientais
específicas do local e
seu entorno:
a) produção e nível de ruído;
b) produção e volume de partículas em suspensão e de fumaça;
Direito Ambiental
c) destino final do entulho da obra;
d) existência de recobrimento vegetal em grande parte do
terreno.
3.1.4.LI. Mecanismo de Análise do RIVI
O artigo 49 do Decreto Municipal (SP) ne 34.713, de 30 de
novembro de 1994, determina que a análise do RIVI deverá ser
feita por uma Comissão que funcionará junto à Secretaria de
Habitação e Desenvolvimento Urbano, formada por 1 (um)
representante da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento
Urbano, da Secretaria Municipal de Transportes e da Secretaria
do Verde e do Meio Ambiente. Tal Comissão tem o prazo de 10
(dez) dias para se pronunciar sobre o RIVI; em seguida, deve
remeter o RIVI para a apreciação da Secretaria do Verde e do
Meio Ambiente, que decidirá com base no parecer encaminhado.
3.2. Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade
O instrumento jurídico mais importante para a vida das
cidades é o Plano Diretor, pois é dele que se originam todas
as diretrizes e normativas para a adequada ocupação do solo
urbano. É segundo o atendimento das normas expressas no Plano
Diretor que se pode avaliar se a propriedade urbana está, ou
não, cumprindo com a sua função social tal qual determinado
pela Lei Fundamental da República. Assim é que determina o
artigo 39: A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento
das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à
justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas,
observadas as diretrizes previstas no art. 2a do próprio
Estatuto da Cidade. O Plano Diretor é lei formal, não podendo
ser substituído por decreto ou outro ato administrativo de
qualquer natureza. Como instrumento básico da politica de
desenvolvimento e expansão urbana, ele é parte integrante e
indissociável do processo de planejamento municipal. Tanto o
plano plurianual como as diretrizes orçamentárias e o
orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as
prioridades nele contidas. Isto, entretanto, ainda não vem se
realizando na prática Não é pouco comum que normas de diversas
hierarquias contrariem, frontalmente, as diretrizes do Plano
Diretor municipal.
O Plano Diretor não pode se limitar às áreas de expansão
urbana do município, pois deve abranger todo o território
municipal, inclusive as áreas rurais, quando houver. Com
vistas a manter-se atualizado, o Plano Diretor deve ser
submetido a um processo de ampla revisão a cada 10 anos.
3.2.1. Elaboração Democrática das Normas do Plano Diretor
O estatuto da cidade definiu preceitos de participação
cidadã, mínimos, a serem observados quando da elaboração dos
Planos Diretores dos diferentes Municípios, a saber:
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
a) promoção de audiências públicas e debates com a
participação da população e de associações representativas
dos vários segmentos da comunidade;
b) publicidade quanto aos documentos e informações
produzidos;
c) acesso de qualquer interessado aos documentos e
informações produzidos.
3.2.2. Obrigatoriedade do Plano Diretor
A existência do Plano Diretor é obrigatória para cidades:
a) com mais de vinte mil habitantes;
b) integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas;
c) onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os
instrumentos previstos no § 4a do artigo 182 da CF;
d) integrantes de áreas de especial interesse turístico;
e) inseridas na área de influência de empreendimentos ou
atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional.
O conteúdo mínimo do Plano Diretor deve contemplar o
seguinte:
a) a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
considerando a existência de infra-estrutura e de demanda
para utilização, na forma do art, 59 do Estatuto da Cidade;
b) disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 do
estatuto;
c) sistema de acompanhamento e controle.
3*2.3. Gestão Democrática da Cidade
O Estatuto estabeleceu uma relação de instrumentos com
vistas a assegurar a gestão democrática da cidade. Tais
instrumentos são, a saber:
(i) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
(ii) debates, audiências e consultas públicas;
(iii) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos
níveis nacional, estadual e municipal;
(iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano.
O legislador assegurou uma enorme variedade de instrumentos
aptos a assegurar a participação cidadã em todos os aspectos
da vida urbana. Não se deve esquecer, contudo, que, em face da
autonomia constitucional dos Estados e dos Municípios em
relação à União, estes deverão estabelecer, em leis próprias,
os
| Direito Ambiental
mecanismos de participação que deverão guardar simetria com os
estabelecidos em âmbito federal.
Diante da importância crucial que os orçamentos públicos
desempenham na vida de qualquer coletividade, o artigo 44
determinou que: No âmbito municipal, a gestão orçamentária
participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. #
desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da
lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como
condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
O artigo merece reflexão, pois determina uma condição prévia
para a aprovação do plano plurianual que não encontra amparo
na CF, seja na forma procedimental, seja na imposição de
limitações ao exercício da soberania popular por meio de seus
representantes. Acredito que a matéria será submetida à
apreciação do egrégio STF para decidir quanto à sua
constitucionalidade.
O artigo 45, igualmente, apresenta questões de
constitucionalidade que não são simples. Assim é que determina
o mencionado artigo: Os organismos gestores das regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e
significativa participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a
garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exer-
cício da cidadania. O controle dos órgãos administrativos, na
forma da CF, pode ser exercido por duas vias: (i) interna e
(ii) externa. O controle interno se faz pelos órgãos de
controle do próprio Poder em questão; já o controle externo se
fez pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de
Contas. É indiscutível que o Ministério Público, igualmente,
exerce um importante papel no controle da legalidade dos
Poderes. A participação popular no controle dos diferentes
atos administrativos se faz por meio da representação aos
Poderes Públicos, ou pela ação popular. Como compatibilizar os
preceitos constitucionais com a norma contida no artigo 45 é
uma questão que, em minha opinião, está aberta.
3.2.3.1. Loteamento fechado
Uma tendência que tem se verificado em muitas cidades é a
construção dos chamados “loteamentos fechados”, que não são
condomínios, haja vista que as “áreas” comuns são públicas e
doadas à municipalidade, nem loteamentos clássicos, pois
implicam um determinado grau de controle de circulação e
acesso. O campo permanece sem uma legislação de regência,
muito embora as Cortes de Justiça tenham admitido a hipótese,
desde que sem caráter obrigatório para a associação. Nor-
malmente, o mecanismo funciona com a constituição de uma
associação de moradores que congregue a maioria dos
adquirentes de lotes dos loteamentos fechados e tais
associações se encarregam de prover alguns serviços para os
moradores, com ênfase para a segurança. “Loteamento.
Associação de moradores. Cobrança de taxa condo- minial.
Precedentes da Corte. 1. Nada impede que os moradores de
determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser
obedecido o que dispõe o art. 8e da Lei na 4.591/64. No caso,
isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os esta-
A Proteção Ambiental do Ambiente Urbano
tutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou
forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido
e provido”.9
4. Conclusão
O Estatuto da Cidade é uma norma jurídica que veio
estabelecer os princípios gerais a serem adotados para a boa
gestão da vida urbana. Este capítulo não se preocupou em
realizar a análise integral do Estatuto, levando em conta os
aspectos ambientais da norma. É evidente, contudo, que gerir
cidades é produzir impactos sobre o meio ambiente - positivos
ou negativos. Como um todo, a lei é positiva. É verdade que
ela é muito mais uma consolidação de práticas administrativas
que vêm sendo implementadas em diversas urbes brasileiras. As
questões referentes à consti- tucionaüdade de algumas normas
serão dirimidas pela nossa mais elevada corte, fazendo uma
adaptação da norma aos termos da CF vigente.
9 STJ - REsp 623274 / RJ. Relator Ministro Carlos Alberto
Direito. 3» Turma. DJ 18.06.2007, p. 254.
QUARTA PARTE
PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
I
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
Capítulo XV A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
1. Introdução
A percepção de que certos elementos do mundo natural estão
desaparecendo em função da atividade humana é um fenômeno
social muito antigo e que, praticamente, acompanha a vida do
Ser Humano sobre o Planeta Terra. Para o pensamento ocidental,
a primeira constatação de mudanças negativas no meio natural
que cerca o Homem foi feita por Platão em seu célebre diálogo
Críto, no qual ele lamenta, aci- damente, o estado de
degradação ambiental do mundo que lhe era contemporâneo.1 Mesmo
sociedades tidas como "primitivas” e paradisíacas foram
responsáveis pela extinção de espécies. Paul R. Ehrlich2
demonstra que os Maori, em menos de 1.000 anos de presença na
Nova Zelândia, promoveram a extinção de cerca de 13 espécies
de Moa (pássaro sem asas), em função de caça intensiva e da
destruição de vegetação. Há suspeitas de que a aparição do
Homem no continente americano pode ter contribuído fortemente
para a extinção de pelo menos duas espécies de mamíferos.3
Pesquisas arqueológicas demonstram que mesmo comunidades pré-
históricas poderiam ter levado inúmeros animais à extinção.
Não seria exagerado dizer que a convivência “natural” do Ser
Humano com outros animais é, eminentemente, semelhante à luta
pela sobrevivência e evolução natural que se verifica entre
todas as espécies.
“Como quer que seja, o fim da megafauna foi a mais
importante extinção de animais do planeta desde a época dos
dinossauros, podendo ser considerada importante por ter sido
contemporânea do ser humano e, portanto, possivelmente
relacionada à ação deste. Entretanto, seria mesmo correto
atribuir ao homem essa destruição, ou seria apenas nossa
consciência pesada a sugerir tais hipóteses? Não sabemos, mas
o estudo da megafauna extinta por essa ligação umbilical com o
ser humano promete continuara concentrara atenção dos pes-
quisadores do passado pré-histórico e a gerar novos
conhecimentos co-evolu- cionários entre humanos e animais. ”4
1 Paulo de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma Abordagem
Conceituai, p. 26.
2 Paul R. Ebxlich. Human Natures - Genes, Cultures, and the
Human Prospect. Washington: Island Press/Shearwater Books,
2000, p. 242.
3 Jared Diamond. De l’inégalité parmi lês sociétés - Essai sur
L’Homme et L’Environnement dans L’histoire. Paris:
Galimmard, 2000, p. 45.
4 Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noeili. Pré-História do
Brasil. São Paulo: Contexto, 2002, p. 57.
337 -
Direito Ambiental
Aliás, o estado do mundo natural tem servido,
principalmente, como um paradigma para a crítica dos modelos
políticos vigentes e para a busca da construção de outros
novos. Os atuais problemas referentes à perda de diversidade
biológica não são diferentes, nem poderiam sê-lo. É importante
que não percamos de vista que, em grande parte da discussão
sobre perda de diversidade biológica, existe um certo grau de
arrogância humana, na medida em que nos consideramos capazes
de produzir danos irreversíveis à Terra. Quanto ao particular,
não posso deixar de fazer referência à lúcida e perspicaz
anotação de Gould,5 ín verbis:
Esta dechração de nossa impotência poderia ser contestada se
nós, apesar de termos chegado tarde, tivéssemos hoje algum
poder sobre o futuro do planeta. Mas não temos poder nenhum,
apesar da imagem distorcida que fazemos de nossa própria
força. Não temos, na prática, nenhum poder sobre a Terra, em
termos de escala de tempo geológico de nosso planeta. Toda a
megatonelagem de todos os nossos arsenais nucleares soma
apenas um décimo de milionésimo da força do asteróide de dez
quilômetros que pode ter desencadeado a extinção em massa do
Cretáceo. Ainda assim a Terra sobreviveu àquele choque e, com
a extinção dos dinossauros, abria-se o caminho para a evolução
dos mamíferos maiores, entre eles os seres humanos. Tememos o
aquecimento global, mas nem mesmo o mais radical dos modelos
fala de uma Terra tão quente quanto a que havia em muitas
etapas prósperas e felizes do passado pré-humano.
Há que ser considerado, porém, que esta é, nada mais, nada
menos, a prova irrefutável de que a atual discussão se faz no
interior de quadros políticos, econômicos e sociais bastante
definidos. O que importa ao atual debate é um preciso grau de
perda de diversidade biológica, com influências temporais e
econômicas muito definidas.6
Evitar a perda de diversidade biológica, em uma escala
geológica de tempo, por exemplo, é absolutamente impossível
para os limites da capacidade do Homem. Mayr7 assinala que “os
organismos são condenados à extinção, a menos que se alterem
continuamente”. A perda de diversidade biológica como
consequência da própria evolução é um fenômeno corriqueiro e
não deve impressionar.8 A extinção, ou melhor, as extinções
ocorrem de tempos em tempos e são parte da história da Terra e
do próprio Universo. Leakey e Lewin9 falam de cinco extinções
em massa antes da nossa era - causadas por razões naturais - e
de uma sexta extinção em massa, que é
5 Stephan Jay Gould. Dedo Mindinho e Seus Vizinhos - Ensaios
de História Natural (tradução de Sérgio Flaksinan). São
Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 46-47.
6 Pauio de Bessa Antunes. Dano Ambiental: Uma Abordagem
Conceituai, passim.
7 Ernst Mayr. O Desenvolvimento do Pensamento Biológico
(tradução de Ivo Mamnazzo; revisão técnica
de José Maria G. de Almeida Jr.) Brasília: UnB, 1998, p. 540.
8 Charles Darwin. The origin of species - by means of natural
selection or the preservation of favoured
races in the struggle for life. New York: Bantam Books, pp.
259 e seguintes.
9 Richard Leakey e Roger Lewin. La Sbàéme Extinction —
Évoluúon et Catastrophes (traduit par Vincent Fleury).
Paris: Flammaiion, 1999, passim.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo |
a de nosso tempo, causada por fatores humanos, motivo que a
toma diferente de todas as que a precederam. Entretanto, como
foi salientado, a simples presença humana implica um fator
diferenciado de extinção, com ritmos particulares. Se obser-
varmos a questão do ponto de vista puramente biológico, o Ser
Humano está, em suas condições próprias, lutando pela
sobrevivência, assim como as demais espécies. A questão é se a
luta que está sendo desenvolvida pode, ou não, assegurar uma
sobrevivência em longo termo, ou se é meramente imediatista.
Os mesmos autores estimam que 30 bilhões de espécies tenham
existido sobre a face da Terra desde a aparição dos primeiros
organismos multicelulares. Acredita-se que, atualmente,
existam cerca de 30 milhões de espécies vivas, o que significa
que cerca de 99,99% de todas as espécies já foram extintas.10
Os números, certamente, são impressionantes. Não deve ser
esquecido, entretanto, que há enorme controvérsia sobre a
quantidade real de espécies existentes sobre o planeta, assim
como do ritmo da marcha da extinção. Ao que parece, as
informações disponíveis encontram-se muito mais em um terreno
especulativo do que em um campo de segurança e certeza. A
variação para o número de espécies existentes em nosso planeta
demonstra quão pouco seguros são os cálculos até aqui
utilizados. A própria definição de espécie é altamente
controversa. Parte-se de um patamar mínimo de 3 milhões de
espécies e chega-se a um número de 100 milhões; desnecessário
dizer que o grau de variação é excessivo. Sabe-se que foram
descritas cerca de 1,7 milhão de espécies, das quais um pouco
mais de 1 milhão são de insetos, 250.000 de plantas superiores
e cerca de 4.500 mamíferos.11 Uma crítica bastante severa
quanto aos métodos de calcular o número de espécies, bem como
a taxa de extinção, pode ser encontrada em Lomborg.12 Na
contramão, ele afirma: “Never before have there been so many
species as there are now.,513
É importante, também, que estejamos atentos para o fato de
que, ao falarmos de perda de diversidade biológica,
necessariamente, estamos falando de determinadas espécies e
não de outras, pois é claro que a morte é parte da própria
vida. De fato, todo o nosso discurso, por social, está pleno
de um receio de perda da vida em sociedade tal qual a
conhecemos e, portanto, ao lutarmos pela preservação da
diversidade biológica, de fato, estamos lutando pela nossa
sobrevivência em um horizonte visível de tempo. A luta pela
preservação da diversidade biológica encerra, portanto, um
receio da própria extinção da sociedade e do planeta que a
contém. A questão da proteção da diversidade biológica contra
as perdas deve ser enfocada, portanto, do ponto de vista
social, pois do ponto de vista científico existe um relativo
grau de certeza de que a extinção é o destino final.14 Isto nos
remete a questões teológicas e
10 Richard Leakey e Roger Lewin. la Sixième Extinction -
Évolution et Catastrophes, p. 56.
11 Fraser D. M Smith; Gretchen C. Daily e Paul R.Ehrlich.
“Human population dynamics and biodiversity loss”, in
Swanson, Timothy M, (edited by). The economic and ecology of
biodiversity decline - The forces driving global change.
Cambridge: Cambridge University, 1998, p. 126.
12 Bjom Lomborg. The Skeptics! Environmentalist — Measuring
the Real State of the World. Cambridge: Cambridge University
Press, 2001, pp. 249-256.
13 Bjom Lomborg. The Skeptical Environmentalist, p. 249.
14 Stephen W. Hawking A Brief History of Time 6om the Big Bang
to Black Holes. New York; Bantam, 1989, pp 121-149.
Direito Ambiental
morais que, infelizmente, fogem dos limites deste trabalho. O
raciocínio que vem sendo desenvolvido neste parágrafo não tem
por finalidade diminuir ou reduzir o significado que a perda
de diversidade biológica tem para a nossa sociedade concreta
no tempo presente. Ao contrário, dando-lhe a dimensão
histórica precisa, fica mais fácil entender-lhe o significado,
bem como perceber as suas limitações sociais. Gould,15
analisando o problema da preservação de uma determinada
espécie, afirmou:
“Não resolvemos proteger os esquilos vermelhos do monte
Grahan porque estejamos preocupados com a estabilidade
planetária num íuturo distante que provavelmente não vai nos
incluir. Estamos tentando preservar populações e certos meios
ambientes porque o conforto e a decência presentes de nossas
vidas, bem como das vidas das espécies que conosco
compartilham o planeta, dependem desta estabilidade. ”
O mesmo autor16 acrescenta:
“(...) estou disposto a empregar todas as minhas energias na
defesa das espécies, mas não podemos lutar pela preservação de
todo e qualquer gene, a menos que encontremos algum modo de
abolir a própria morte (porque muitos organismos individuais
apresentam mutações singulares). ”
Finalizando a introdução ao presente capítulo, parece-me
relevante deixar consignado que, efetivamente, diante do
incalculável número de micro-organismos e insetos, a maior
preocupação com a perda da diversidade biológica está voltada
para a extinção de animais superiores que, ipso facto, passam
a se constituir em uma elite biológica que recebe um grau
maior de proteção vis-à-vis aos demais seres vivos. Isto
corresponde ao simples fato de que é o Homem quem define,
concreta- mente, o que deve e o que não deve ser protegido e
conservado. Este fenômeno pode ser facilmente constatado com a
“eleição” de certos animais para serem domesticados, animais-
símbolos para a proteção ambiental, como, por exemplo, o urso
panda ou o mico-leão dourado.
2. A Dimensão da Atual Perda de Diversidade Biológica
A perda da diversidade biológica é decorrente de múltiplos
fatores. Obviamente que ela somente poderá ser minimizada se
tais fatores forem enfrentados de forma estrutural e não se
forem atacadas, apenas, as consequências do fenômeno. Um
primeiro fator que tem sido destacado é o chamado consumo
excessivo e não sustentável realizado pelas populações que se
encontram nos chamados países de primeiro mundo e parcelas
mais favorecidas dos países do terceiro mundo e das economias
de transição.
15 Stephan Jay Gould, Dedo Miudinho e Seus Vizinhos, p. 46.
16 idem, pp. 41-42.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
Ehirning17 sustenta que “a maior parte das ameaças ao meio
ambiente que, pouco a pouco, avultam por sobre o mundo, desde
a contaminação da água do subsolo à mudança no clima, é
subproduto da riqueza”. É claro que a maior capacidade de con-
sumo implica um consumo maior de recursos ambientais. Esta
hipótese, contudo, deve ser considerada em termos. E
indiscutível que o maior avanço nos mecanismos de proteção
ambiental encontra-se nos países com maior nível de renda e,
portanto, de consumo. Aliás, a proteção do meio ambiente e,
portanto, da diversidade biológica somente se toma uma questão
central quando ultrapassados certos níveis de renda.18
A pressão causada pela pobreza19 sobre os recursos naturais
não deve ser menosprezada. Quanto ao particular, julgo ser
conveniente trazer a lume a seguinte assertiva de Flavin:20
fíConsiderados há muito como questões distintas, confiadas a

órgãos governamentais independentes, os problemas ecológicos e


sociais são, na rea- Udade, interligados e se reforçam
mutuamente. ” Veja-se o exemplo da cidade do Rio de Janeiro.
Nos últimos 100 anos, aproximadamente, a sua população cresceu
cerca de 134%, enquanto a população que habita em favelas
apresentou um crescimento da ordem de 463%;21 chega-se a falar
em 1/3 da população da região metropolitana habitando em
favelas.22 Não é difícil avaliar a pressão à qual a diversidade
biológica é submetida em função desta situação. Além do quadro
da pressão urbana que, em maior ou menor escala, existe nos
países em desenvolvimento, há que se considerar as pressões
agrícola, pecuária e madeireira que são consideráveis. Um
outro aspecto que não pode ser desprezado é que a pressão da
pobreza se faz sentir nos orçamentos públicos, que passam a
incluir prioridades que, nem sempre, estão relacionadas com a
proteção da diversidade biológica.
Um aspecto da perda da diversidade biológica que não tem
merecido a mesma atenção da comunidade internacional é o que
diz respeito à perda da diversidade cultural entre os
diferentes povos, em especial das chamadas populações
indígenas e comunidades locais. Funari e Noelli23 sustentam
que:
“O desaparecimento das línguas nativas está ocorrendo em
todo o mundo dado o processo de globalização, com 95% das
línguas vivas em risco de extin- çráo por causa da morte de
seus falantes e do abandono da língua nativa em favor de
línguas dominantes, como o inglês, o francês, o espanhol, o
português, o hindi e o chinês. ”
17 Allan B. Dunning. “Acabando com a Pobreza”, in Solve o
Planeta! Qualidade de Vida 1990. São Paulo: Globo, 1990, p.
184 (pp. 173-193). Ver:
http://www.mma.gov.br/port/se/Pesquisa/valores.l1t2nl,
acesso em 12/7/2002.
18 Ronaldo Seroa da Motta. “Desafios ambientais da economia
brasileira”. IPEA: textos para discussão n° 509, 1997, ín
http://www.ipea.gov.br/pub/td7t.pdf.
19 Christopher Elavin. "Planeta rico, planeta pobre”, in
Lester R. Brown. Estado do Mundo 2001. Salvador: UMA, 2000,
p. 5.
20 O Globo. 28/4/2001. Favela já tem 17% da população.
21 O Estado de S.Paulo. 14/12/2001. Segundo pesquisa
crescimento das íàvelas é galopante.
22 Pedro Paulo Funari e Noelli, Pré-História do Brasil. São
Paulo: Contexto, 2002, p. 66.
23 Márcio SantillL Os Brasileiros e os índios. São Paulo:
Senac, 2000, p. 14.
.342.
Direito Ambiental
A perda da diversidade biológica, em minha opinião, deve ser
encarada sob dúplice aspecto:
(i) perda de diversidade de flora e faxina; e
(ii) perda de diversidade cultural.
Ambos os aspectos são indissociáveis e não podem ser
tratados separadamente, sob pena de a questão restar mal
compreendida. Se considerarmos somente as populações indígenas
brasileiras, veremos que existem cerca de 217 etnias que se
expressam em, aproximadamente, 170 línguas.24
2.1. O Banco Mundial e a Perda de Diversidade Biológica
As relações entre a necessidade de desenvolvimento econômico
e a destruição das áreas florestais é bastante evidente;
igualmente evidentes são as relações entre a destruição das
florestas e a pobreza, tanto é assim que o Banco Mundial
aponta que a área ocupada por florestas nos países em
desenvolvimento foi reduzida à metade em aproximadamente um
século.25 Este quadro, contudo, não é recente. Ao contrário, a
pressão humana sobre as florestas e seus diversos recursos é
tão antiga quanto a própria existência dos seres humanos. Como
observa Perlin:26
Os sumerianos, que estabeleceram a primeira sociedade urbana
há mais de quatro mil anos no Crescente Fértil, usavam o signo
cuniforme “gis”, que determinava os tipos de madeiras e
objetos de madeira, em palavras que significavam “projeto [de
um edifício]", “modelo” e “arquétipo” “Architékton”, que na
Grécia clássica chegou a significar “chefe de obras” e da qual
nós derivamos a palavra “arquiteto”, significa literalmente
"principal trabalhador em madeira”.
O próprio Banco Mundial reconhece o papel econômico
desempenhado pela exploração florestal e, igualmente,
reconhece o negativo papel que desempenhou em matéria de
desenvolvimento florestal, pois grande parte de seus
financiamentos voltados para a utilização econômica das
florestas serviu de agente indutor da destruição e degradação
florestal e ambiental Desde a sua criação, o Banco Mundial
financiou 94 projetos florestais.27 Estes projetos custaram 2,5
bilhões de dólares americanos. A proteção ambiental, contudo,
não fazia parte das preocupações deles. Um dos exemplos mais
gritantes de política equivocada é o do chamado Polonoroeste,
em Rondônia, BrasiL Com financiamento do Banco Mundial, foi
promovida uma gran
24 Banco Mundial, Le Secteur Forestier, Washington, 1992, p.
10.
25 lohn Perlin. História das Florestas. Rio de Janeiro: Imago,
1992, p. 31.
26 Considerando-se a data do texto consultado.
27 Raymond F. Mikesell e Lawrence F. Willians International
Banks ans the Environment from Growth to Sustainnability: An
Unßmshed Agenda. San Francisco: Sierra Club Books, 1992, p.
165.
tmi * fcnsmo Sypçnor Byrsa*
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
de devastação ambiental e gerados inúmeros problemas sociais
de difícil solução. O projeto de colonização iniciado em 1982
foi considerado um fracasso pelo presidente do Banco Mundial,
Barber Conable, em 1987.28 Foi a partir da constatação de polí-
ticas ambientalmente desastrosas e da própria pressão da
opinião pública internacional que o Banco Mundial assumiu o
compromisso de não conceder financiamentos para projetos
florestais sem que rigorosos estudos de impacto ambiental
fossem realizados previamente.29 Devido ao importantíssimo
papel desempenhado pelo Banco Mundial como agente de fomento
econômico, é de se esperar que o seu comprometimento seja
efetivo e verdadeiro, o que trará significativas alterações no
quadro global de proteção dos recursos ambientais.
2.2. O Brasil e a Perda da Diversidade Biológica
2.2.1. O Difícil Relacionamento com os Povos Autóctones
A chegada dos portugueses ao Brasil ocorreu dentro de um
contexto bastante peculiar e mítico, segundo o qual aqui havia
uma espécie de paraísò terrestre pronto para fornecer aos
europeus tudo aquilo que eles necessitavam e desejavam, de uma
forma tranqüila e permanente. As populações locais eram vistas
como remanescentes do éden ou, no mínimo, como os bons
selvagens que provavam a existência do “estado da natureza”,
tão caro a Hobbes, Locke e Rousseau. As populações indígenas
existentes no Brasil, como de resto em toda a América, “foram
uma revelação para os portugueses”.30 A revelação foi de tal
ordem que, sem dúvida alguma, os preconceitos e visões
distorcidas que, desde o início, marcaram as relações dos
ocidentais com as populações autóctones, permanecem como um
pano de fundo, por exemplo, para as modernas questões
referentes à proteção da diversidade biológica. A diferença em
relação a todos os modos de vida, até então conhecidos, fez
com que as populações autóctones, não sem uma enorme carga de
incompreensões, fossem consideradas como povos sem história.31
O universo mítico povoava a ideia dos europeus sobre o Nòvo
Mundo e, de certa forma, ainda povoa, visto que eles nunca
conseguiram compreender os póvos autóctones que habitavam
nesta parte do planeta, uma vez que os preconceitos ainda
estão presentes,32 o que se pode demonstrar em toda plenitude
nos primeiros relatos de viagens elaborados por diferentes
viajantes, ao entrar em contato com as novas terras e povos.
Mesgravis e Pinsky33 afirmam que, em linhas gerais, os relatos
des-
28 Banco Mundial, ob. cit., p. 21.
29 Thomas E. Skidmore Uma História do Brasil (tradução de Raul
Fiker). São Paulo: Paz e Terra, 2* ed., 1998, p. 30.
30 Bruce G. Trigger. Les Indiens, la Fourrure et les Blancs -
Français et Amerindiens en Amérique du Nord (traduit par
Georges Khal). Québec: Boréal/Seuil, 1992, p. 13.
31 Bruce G. Trigger. Les Indiens, la Fourrure et les Blancs,
p. 35.
32 Laina Mesgravis e Carla Bassanazi Pinsky. O Brasil que os
Europeus Encontraram. São Paulo: Contexto, 2002, p. 9.
33 Bartolomé de las Casas. Brevíssima Relação da Destruição
das índias (tradução Júlio Heruriques). Lisboa: AncEgona,
1997, p. 35.
Direito Ambiental
creviam o novo continente como tendo “clima agradável,
natureza exuberante, habitantes cordiais e inocentes ~
descrições paradisíacas”. A visão mítica e paradisíaca da
terra e de seus habitantes, no entanto, não foi suficiente
para impedir que o Frei Bartolomé de Las Casas escrevesse:
‘"Todas as coisas que nas índias sucederam, desde o seu
maravilhoso descobrimento e desde que para elas foram
espanhóis para ficar algum tempo, e depois no seguimento disso
até aos dias de hoje, em toda sorte admiráveis têm sido essas
coisas, e tão inacreditáveis a quem as não viu, que parecem
ter obscurecido e silenciado e muitas delas posto no olvido
todas quantas, por mais façanhosas, nos séculos passados se
viram e ouviram no Mundo. Entre estas estão as matanças e
estragos de gentes inocentes, e os despovoamentos de aldeias,
províncias e reinos que nessas índias se têm perpretado, e
todas as outras não de menor espanto.>34
Os europeus, ao chegarem ao Novo Mundo, nunca foram capazes
de reconhecer, nos habitantes autóctones, o “outro” como
titular de direitos e detentor de personalidade e dignidade. O
discurso da revelação do paraíso mítico jamais incorporou o
fato de que as novas terras eram habitadas por pessoas de
carne e osso e, como tal, portadoras de virtudes e defeitos. E
sobre esta forma de ver o Novo Mundo que se construiu a
concepção de proteção das florestas que, aos olhos dos
europeus ~ e da cultura ocidental -, eram inabitadas,
despovoadas de “iguais” e, portanto, aptas para serem
tratadas, única e exclusivamente, desde a ótica do
colonizador.
O raciocínio descrito é válido, seja para a desenfreada
destruição das florestas - habitat dos povos autóctones -,
seja para o “congelamento” da cobertura vegetal, pois ambas as
visões solapam diretamente a forma nativa de produção material
da vida das populações indígenas. Paulatinamente, foi sendo
criado o chamado “índio genérico”, que é, exatamente, a
consolidação de todas as visões estereotipadas que foram sendo
criadas em relação aos indígenas. O “índio genérico” não
possui uma etnia definida, uma língua definida, nome, enfim,
nada. É uma não-pessoa.
2.2.2. Novos Povos
Uma consequência inesperada da chegada dos europeus à
América foi a constituição de populações rurais não~indígenas,
com as origens mais diversas, que estabeleceram modos de vida
os mais diferenciados. Refiro-me às populações caipira,
caiçaras, cabocla, sertaneja e gaúcha, bem como as ribeirinhas
da Amazônia.35 O
34 Antônio Carlos Diegues e Renato S. V. Arruda (Orgs.).
Saberes Tradicionais e Biodiversidade no Brasil Brasüia;
MMA, 2001, p. 30.
35 Charles R. Boxer. A Idade de Ouro do Brasil - Dores de
Crescimento de uma Sociedade Colonial (tradução de Nair de
Lacerda). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 271.
\
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
processo de miscigenação, assim como a introdução de novos
colonos brancos,36 gerou um conjunto muito diferenciado de
populações tradicionais que, conjuntamente, com os indígenas,
jogam um papel muito relevante na proteção da diversidade
biológica mediante o domínio de técnicas e saberes denominados
conhecimentos tradicionais.
3. Perda de Diversidade Biológica nos Biomas Brasileiros
A enorme extensão territorial do Brasil faz com que o país
tenha uma imensa quantidade de espécies de flora e fauna, cuja
variabilidade ainda não foi suficientemente contabilizada. O
foco principal, naquilo que se refere à proteção da diversida-
de biológica na imensidão territorial de nosso país, tem sido
dirigido para a Amazônia e a Mata Atlântica, havendo um
princípio de conscientização quanto ao pantanal e um quase-
abandono de biomas como o Cerrado e a Caatinga. Não pretendo
fazer um estudo aprofundado sobre a perda de diversidade
biológica em cada um dos biomas brasileiros, mas, tão somente,
dar uma notícia sobre o atual estado da arte, dentro dos
limitados objetivos deste trabalho. Seguindo o mainstream,
abordarei com um pouco mais de detalhes a Amazônia e a Mata
Atlântica, não deixando, contudo, de dar informação sobre os
demais biomas.
3.1. Perda de Diversidade Biológica na Amazônia
A colonização do Brasil, durante muitos anos, limitou-se às
terras costeiras. A penetração na Amazônia somente se fez
muito mais tarde. “A percorrida casual do Rio Amazonas, levada
a cabo por Orellana, desde quase sua nascente até a desembo-
cadura, tampouco supõe um conhecimento nem sequer remoto do
país nem da gente que o habitava.”37 A região amazônica somente
começou a ser colonizada pelos portugueses na segunda década
do século XVII. Desde aquela época, já existiam ideias
distorcidas e mirabolantes sobre a região. Uma das mais
extravagantes foi a de Estácio da Silveira, que desejava lá
produzir cana-de-açúcar.38 Fato é que a Amazônia permaneceu,
durante muitos anos, completamente à margem da sociedade
nacional. Antes do século XIX, os portugueses haviam se
limitado a fundar algumas cidades e consolidar a posse do
território. A presença indígena permaneceu predominante pelo
menos até 1850.39 O primeiro grande “ciclo econômico” ocorrido
na Amazônia teve início no século XIX, foi o chamado ciclo da
borracha, cuja primeira
36 JosefLna Oliva de Coll. A Resistência. Indígena - do México
à Patagônia, a. História da Luta dos índios contra os
Conquistadores (tradução de lurandir Soares dos Santos).
Porto Alegre: LPM, 1986, 2J ed-, p. 190.
37 Charles R. Boxer. A Idade de Ouro do Brasil - Dores de
Crescimento de uma Sociedade Colonial (tradução de Nair de
Lacerda). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 292.
38 Carlos Araújo Moreira Neto. índios da Amazônia—DeMaioria a
Minoria (1750—1850). Petrópolis: Vozes, 1988, passim.
39 Rinaldo Moraes. “Os Grandes Projetos na Amazônia”, Gazeta
Mercantil, 28/3/2002. Edição especial 4« aniversário, p. 4.
Direito Ambiental
fase ocorreu entre os anos 1890-1911.40 Nesta primeira fase
ocorreram diversos episódios politicamente significativos,
tendo como elemento principal a incorporação do Acre ao
território nacional, cuja sátira foi tão bem elaborada por
Márcio de Souza, em seu conhecido Galvez, Imperador do Acre.
Foi somente no século XX que, efetivamente, a região foi
“incorporada’5 ao restante do país.
Em relação ao assunto objeto de nosso estudo, o momento mais
importante para a sua compreensão é a década de 70 do século
XX, quando foi planejado um grande projeto de ocupação da
Amazônia, cujos vetores principais foram a rodovia transa-
mazônica e a perimetral norte. Ambos os projetos viários foram
abandonados à própria sorte. Foi também na década de 70 que se
estabeleceu um amplo esquema de incentivos fiscais para a
"colonização” da Amazônia e para a construção da Zona Franca
de Manaus. Este conjunto de medidas teve, logicamente, impacto
sobre a cobertura vegetal da área, com repercussões negativas.
Merece registro, igualmente, a grande expansão da fronteira
agrícola em direção à Amazônia e a consequente transferência
de enormes contingentes populacionais para a região, que, por
falta de alternativas, passaram a se dedicar às atividades
garimpeiras, com graves resultados tanto para o meio ambiente
como para as populações nativas da região. Um exemplo de
política fracassada na região foi o chamado Polonoroeste, que,
embora contasse com aportes de capital do Banco Mundial, não
conseguiu promover integração social de milhares de
agricultores que se dirigiram para áreas não povoadas do
Estado de Rondônia, e mais, gerou enormes danos ao meio
ambiente.41 Um dos problemas mais graves da atualidade
amazônica é o resultante das queimadas.
3.2. Perda de Diversidade Biológica no Bioma Mata Atlântica
A Mata Atlântica é o bioma brasileiro que primeiro foi
encontrado pelo colonizador português e, em função disso, foi
sobre seus domínios que se desenvolveram as principais
atividades econômicas ao longo dos 500 anos de existência do
país.
É relevante considerar que a Mata Atlântica é o primeiro
ponto de contato do colonizador português e foi sobre ele que
se realizou a principal parcela da vida do país nestes 502
anos de existência. De feto, houve uma impressionante redução
das áreas florestadas em função das diferentes atividades
econômicas praticadas no Brasil. Quanto àquilo que foi
destruído e por que o foi, nós já temos informações
suficientes. A grande questão é tentar compreender a
importância do que ainda existe em pé e, principalmente,
definir meios e modos que nos possibilitem ampliar a área
protegida. Dentro deste contexto, a existência de recursos é
um elemento imprescindível para que qualquer projeto possa ter
a mínima chance de êxito. Um dos principais gerado-
40 Raymond MikeseU eLawrence Willians. Internacional Banks and
the Bn vironment ~ from growth to sustainability: an
unfínished agenda. San Fracisco: Sierra Club Books, 1992, p.
165.
41 João Paulo R. Capobianco. “Situação e Perspectivas para a
Conservação da Mata Atlântica”, in Lima, André (org.).
Aspectos Jurídicos da Proteção da Mata Atlântica. São Paulo:
Instituto Sócio Ambiental,
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo-
347
res de recursos para a proteção da diversidade biológica é o
ICMS ecológico, pois ele ataca diretamente a questão crucial
da existência concreta dos necessários recursos econômicos.
Capobianco42 aponta uma enorme dificuldade para a
caracterização da Mata Atlântica, em função do seu aspecto
“colcha de retalhos”, devido ao fato da des- continuidade de
sua cobertura. Isto faz com que, na opinião daquele
especialista, a área da Mata Atlântica seja reduzida
artificialmente. O mencionado autor pretende, com a sua
lógica, ampliar a área a ser submetida ao regime de proteção
legal.
A Mata Atlântica possui um valor ecológico inestimável,
“[ela], ainda possui 20.000 espécies de plantas — das quais
8.000 são endêmicas - e é o segundo maior bloco de floresta
tropical do país”.43 Tal valor, entretanto, não pode ser
desvinculado do enorme valor social que ela possui. Não se
desconhece que a maioria da população brasileira está situada
nas regiões abrangidas pela Mata Atlântica, sendo, portanto,
bastante perceptível a pressão antrópica exercida sobre a
floresta. Com efeito, a maioria da população brasileira está
localizada na área de domínio da MA, decorrendo daí que o
bioma MA é diretamente responsável pela produção de água,
estabilização do clima, qualidade de solo etc.
É curioso observar que, muito embora as maiores cidades
estejam situadas em áreas que originariamente integravam a MA,
existe uma infinita quantidade de pequenas comunidades que
vivem no interior da MA e que realizam suas atividades
econômicas a partir dos produtos do interior da MA. Diegues44
aponta a existência das seguintes populações tradicionais: (i)
caiçaras; (ii) jangadeiros; (iii) sertanejos/vaqueiros; (iv)
açorianos; (v) caipiras; (vi) varjeiros; (vii) quilombolas;
(viii) pastoreio; (ix) pescadores; e (x) sitiantes.
Deve ser observado, ademais, que 73% da MA encontram-se
submetidos ao regime de propriedade privada, o que toma a
gestão e o manejo ambientais extremamente complexos. A
existência de uma parcela tão grande de Mata Atlântica subme-
tida ao regime de direito privado, obrigatoriamente, faz com
que a gestão ambiental de tal bioma leve em consideração tal
realidade inafastável. É importante, portanto, que a
Administração Pública se perceba como mais um agente na gestão
do bioma e não como o agente. A torrencial quantidade de
decisões judiciais determinando o respeito ao regime de
propriedade privada para o estabelecimento de áreas protegidas
— como será demonstrado adiante — confirma a impossibilidade
de que tais realidades sejam ignoradas, como tem sido a
prática administrativa. Este fato tem significado um estímulo
ao desmatamento, tendo em vista o clima de desconfiança dos
proprietários privados em relação a possíveis medidas
administrativas sobre áreas submetidas ao regime de
propriedade privada. Capobianco45 demonstra que no
42 “Mata Atlântica”, in
http://www.estadao.com.br/ext/ciencia/arquivo/mata.
43 Antônio Carlos Diegues. Aspectos Sociais e Culturais do Úso
dós Recursos Florestais da Mata Atlântica. São Paulo: Senac,
2002, pp. 135-171.
44 João Paulo R. Capobianco. “Situação e Perspectivas para a
Conservação da Mata Atlântica”, p. 14.
45 Gazeta Mercantil* “Vegetação natural em SP aumenta após
trinta anos, 3 de outubro de 2002”. Nos últimos dez anos,
São Paulo ganhou 67.861 hectares de vegetação natural - o
que significa um aumento de < 2,04% na cobertura vegetal
natural do Estado - interrompendo uma tendência de queda
verificada nos últimos 30 anos.
Direito Ambientai
período compreendido entre os anos de 1990-1995 os Estados do
RS, SC, PR, MS, GO, SP, RJ e ES sofreram uma perda de 5,76% em
relação a 1990. O Estado do Rio de Janeiro, no mencionado
período, chegou a perder 13,13% de sua cobertura vegetal, que
não ultrapassava 20% do território fluminense. É importante
que se observe que, embora espécies extintas não possam ser
“ressuscitadas”, é perfeitamente possível a reversão das taxas
de desmatamento. Com efeito, à custa de muito esforço e
dedicação, a área florestada do Estado de São Paulo tem
apresentado um aumento constante nos últimos 10 anos.46
4. Diversidade Biológica e Atividade Econômica*?
O principal documento internacional para estabelecer quadros
legais para o desenvolvimento de atividades econômicas que se
relacionam com a diversidade biológica é a Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB). Ela foi firmada em 1992 durante a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro,* é um documento-
chave para assegurar a proteção dos ecossistemas e,
concomitantemente, promover o tão almejado desenvolvimento
sustentável Este trabalho pretende ser uma contribuição ao
debate sobre o palpitante tema. O meu objetivo é fazer uma
análise geral da CDB, do ponto de vista do direito interno. A
quantidade de artigos e documentos que têm sido produzidos
sobre a CDB, no âmbito internacional, é impressionante. Em
contrapartida, a produção brasileira sobre o tema é muito
pequena, quase inexistente. Não sei explicar o motivo capaz de
justificar tal situação. É curioso, pois a produção acadêmica,
no Direito Ambiental brasileiro, tem se mostrado muito ampla e
diferenciada. Contudo, a diversidade biológica não tem sido
contemplada com a preocupação de nossos juristas. Existem, é
verdade, trabalhos sobre unidades de conservação e áreas
protegidas; temas que, mediatamente, remetem à diversidade
biológica. A maioria, entretanto, utilizando um enfoque
preservacionista que, em minha opinião, não corresponde ao
espírito da CDB, que é conservacionista.48
O tema referente aos conhecimentos tradicionais associados à
diversidade biológica, atualmente, ocupa o nodal de toda
problemática do acesso à biodiversidade. Tanto a Organização
Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI quanto a Organização
Mundial do Comércio (OMC) têm dedicado muita atenção às
intensas e nem sempre tranquilas conexões entre o TRIPS49 e a
CDB, especialmente naquilo
46 O texto básico é extraído dePaulo de Bessa Antunes.
Diversidade Biológica e Conhecimentos Tradicionais
Associados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 4-5.
47 Para uma ampia visão do debate, Antônio Herman Benjamin
(Org.). Direito Ambiental das Áreas Protegidas. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2001, passim.
48 Trade Related IntellecrualProperty Rights (direitos de
propriedade intelectual relacionados ao comércio).
49 Hans Günther Gassen. “Biotecnologia para Países em
Desenvolvimento”, in Gassen, Hans Günther et al.
Biotecnologia em Discussão. São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000, pp. 14-5.
ISBJ - Ensno Superio? 8®wk
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
que concerne à necessária proteção legal do conhecimento
tradicional associado à diversidade biológica.
O nosso país é um dos principais atores em todas as
discussões que foram mencionadas, pois, além de ser o maior
detentor de diversidade biológica do mundo, possui também um
expressivo número de comunidades locais e populações indígenas
que são detentoras de imensos conhecimentos tradicionais sobre
os seus habitats. Não bastasse isto, nós nos encontramos em um
estágio muito promissor em termos de moderna biotecnologia.50
O papel privilegiado que o Brasil ocupa no cenário
internacional em função da sua enorme biodiversidade fez com
que o nosso pais seja um importante ator no cenário
internacional referente ao tema. A enorme quantidade de
riquezas potenciais que podem estar presentes em nossa flora e
fauna é de tal envergadura que se chega a compará-la, não sem
um certo exagero, com o cartel dos países produtores de
petróleo.5* Há estimativa de que o patrimônio existente no
Brasil possa chegar à casa dos 2 (dois) trilhões de dólares
americanos. Indiscutivelmente, tais valores são sempre
questionáveis e dependem imensamente da perspectiva do
analista, sem falar na existência de pessoas dispostas a pagar
tal preço. O fato incontroverso, no entanto, é que o nosso
País detém cerca de 23% (vinte e três por cento) de toda a
biodiversidade conhecida em nosso planeta. Não se pode deixar
de considerar, no entanto, que a Mega Diversidade Biológica
ostentada pelo Brasil não é suficiente para fazer com que
possamos existir em um regime de “autarquia ambiental”,
desligados e presunçosamente achando que não dependemos de
germoplasma52 oriundo de outros países. Existe uma troca
constante ente plantas e países que formam as bases de toda a
moderna agricultura, assim como de outras atividades que
dependam da diversidade biológica. É certo que “in every
country most of the germplasm used in agricultura comes frozn
other countries and it is often very difficult or extremely
costly, and sometimes pracúcaEy impossible, to determine the
country of origin ”.53-54 É, portanto, bastante claro que não
existe país autossuficiente em termos de diversidade
biológica.55 Merece ser destacado o fato de que, não obstante a
condição privile- giadíssima que o Brasil ostenta em matéria
de Diversidade Biológica, isto não o faz menos
interdependente. Varella, Fontes e Rocha56 indicam que a cana-
de-açúcar foi importada da Guiné; o café, da Etiópia; o arroz,
das Filipinas; a soja, da China; o
50 Ricardo Amt ‘Tesouro Verde”, in Exame, ano 35, n®
9,2/maío/2001, pp. 52-64.
51 Variabilidade genética total disponível para uma espécie.
52 Carlos M. Correa. Intellectual Property Rights, the WTO and
Developing Countries - The TRIPS Agreement and Policy
Options. New York/Pennag: ZED/Third World Network, p. 168.
53 Em todo o país, a maioria do germoplasma usado na
agricultura vem de outros países e é frequentemente muito
difícil ou extremamente custoso e, alguma vezes,
praticamente impossível, determinar o país de origem.
54 Carlos M. Correa, Intellectual Property Rights, the WTO
and Developing Countries, p. 168.
55 Marcelo Dias Varella; Eliana Fontes e Fernando Galvão Rocha.
Biossegurança & Biodiversidade — Contexto Científíco e
Regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 31.
56 Vandana Shiva. Biopirataria: A Pilhagem da Natureza e do
Conhecimento (tradução de Laura Cardellmi Barroso de
Oliveira). Petrópolis: Vozes, 2001, p. 28.

Direito Ambiental
cacau, do México etc., o mesmo sendo válido para a
silvicultura, para os animais de corte, piscicultura, enfim. À
megabiodiversidade brasileira não corresponde um mesmo nível
de autonomia no que diz respeito à produção de alimentos, por
exemplo. Uma outra questão que não pode ser negligenciada é
que a diversidade biológica somente possui valor se existente
a tecnologia para explorá-la. Logo, para que o Brasil realize
o valor que, em tese, está em sua imensa biodiversidade,
necessariamente, terá que se associar com aqueles que possuam
as tecnologias adequadas. Esta é uma parceria obrigatória,
pois, sem tecnologia, a diversidade biológica é incapaz de
gerar benefícios e renda para os países que a detêm. Não se
deve descurar do fato de que a pesquisa em moderna
biotecnologia é altamente intensiva em capitais e cérebros.
Para que o setor se expanda, os 3 (três) segmentos são
igualmente necessários. É certo, inclusive, que modelos
computacionais podem modelar moléculas para servir em
pesquisas.
Assim sendo, tanto do ponto de vista ambiental quanto do
tecnológico ou econômico, o Brasil precisa se credenciar para
desempenhar o papel que, por direito próprio, detém em todos
os aspectos do acesso à diversidade biológica. Modestamente,
este trabalho busca ser parte do processo de compreensão das
questões que foram mencionadas. E mais um elemento posto à
mesa das discussões e dos debates. Ante a novidade do tema, é
uma obra aberta e que espera poder ser criticada por aqueles
que se interessam pela matéria.
4.1. Diversidade Biológica e Propriedade Intelectual
Muitas críticas têm sido feitas à possibilidade legal de
patenteamento de microorganismos e das diferentes formas de
manipulação genética em animais e plantas. Provavelmente, a
expressão mais representativa das diferentes correntes
críticas sobre o tema seja a representada pela cientista
indiana doutora Vandana Shiva,57 para quem, “por meio das
patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo
estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos e a
atmosfera têm sido todos colonizados> depauperados e
poluídosAcoimando de biopirataria ao vigente sistema de
proteção da propriedade intelectual sobre Organismos
Geneticamente Modificados (OGM), prossegue a autora,
‘‘resistir à biopirataria é resistir à colonização final da
própria vida - do futuro da evolução como também do futuro das
tradições não ocidentais de relacionamento com o conhecimento
da natureza. É »ma forma de luta para proteger a liberdade de
evolução de culturas diferentes. É a luta pela conservação da
diversidade, tanto cultural quanto biológica”. No mesmo diapa-
são da autora acima mencionada está a opinião do conhecido
escritor norte-americano Jeremy Rifkin:58 “O debate sobre a
concessão de patentes a formas de vida é
57 Jeremy Rifkm, O Século da Biotecnologia — A Valorização dos
Genes e a Reconstrução do Mundo (tradução de Arão Sapiro).
São Paulo: Makron Books, 1999, p. 68.
58 Lei na 11.105, de 24 de março de 2005. Artigo 3e, IV —
engenharia genética: atividade de produção e manipulação de
moléculas de ADN/ARN recombinante.
A Perda da Diversidade Biológica como um Problema
Contemporâneo
uma das questões mais importantes enfrentadas pela humanidade,
pois vai direto ao âmago de nossas crenças acerca da natureza
da vida, questionando se o seu valor é intrínseco ou meramente
utilitário. ” Como se vê, o tema não é exclusivamente legal ou
técnico. Ao contrário, o seu principal elemento é o aspecto
ético e filosófico. Logo, a discussão sobre o patenteamento de
OGMs deixou de ser um debate puramente econômico ou legal para
assumir contornos ético-políticos. A nova dimensão, no
momento, é a que domina a cena.
4.1.1. Base Constitucional para o Patenteamento de
Organismos Geneticamente Modificados (OGM)
A Constituição da República, em seu artigo 225, § l9, II e
V, determina ao Poder Público que preserve a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do País e que fiscalize as
entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material
genético, o que, com isto, significa que a nossa Lei
Fundamental expressamente reconheceu as repercussões
ambientais das atividades relacionadas àquilo que ficou
conhecido como engenharia genética,59 ou biotecnologia. O
legislador ordinário, obedecendo à norma constitucional, fez
editar as seguintes normas: (i) Lei n2 8.974, de 5 de janeiro
de 1995; (ii) Lei ne 9.279, de 14 de maio de 1996; (iii) Lei n2
9.456, de 28 de abril de 1997; (iv) Decreto n9 2.519, de 16 de
março de 1998; e Lei ne 11.105, de 24' de março de 2005. Há que
se considerar, em acréscimo, que o artigo 5e, XXIX, da Lei
Fundamental protege o direito de propriedade intelectual.
Por sua vez, a engenharia genética está intimamente
relacionada a, no mínimo, dois temas ambientais essenciais:
(i) Biodiversidade e (ii) liberação de organismos
geneticamente modificados (OGM)60 no ambiente. É importante a
observação de Rifkin61 no sentido de que “a biotecnologia está
sendo vista como a principal ferramenta na limpeza do meio
ambienteÉ certo, inclusive, que o início do debate legal sobre
a patenteabilidade de organismos vivos teve por base,
exatamente, o requerimento de patente para um micro-organismo
destinado a combater a poluição. A primeira vez que o Direito
se defrontou com o importante tema das relações entre pro-
priedade intelectual, meio ambiente e organismos geneticamente
modificados foi no leading case julgado pela Suprema Corte dos
Estados Unidos, Diamond vs Chakrabarty.62 A hipótese era a
seguinte: “Em 1971 a General Eletric e um dos seus
funcionários, Anand Mohan Chakrabarty, entraram com um pedido
de patente nos Estados Unidos para bactérias do tipo
pseudomonas geneticamente modificadas. Chakrabarty extraíra
plasmídeos de três tipos de bactérias e os introduzia em um
quarto tipo.”63 A bactéria em questão tinha por função a quebra
de moléculas de óleo
59 Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005. Artigo 3a - V—
organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo
material genético - ADN/AEN tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética.
60 Jeremy Rifkin. O Século da Biotecnologia, p. 17.
61 A íntegra da decisão pode ser encontrada em
www.Iaw.uconn.edu.
62 Ver Shiva, Vandana. Biopirataria: A Pilhagem da Natureza e
do Conhecimento, p. 41.
63 Capturado em 22/7/2002.
Direito Ambiental
bruto, com fins de minimizar os efeitos de poluição hídrica
causada por derramamento de óleo. A patente foi negada pelo
Departamento de Patentes. O cientista e a empresa recorreram
para a Corte de Patentes, que reformou a decisão administrati-
va, resultando daí um requerimento de writ of certiorari
postulado pela Administração, perante a Suprema Corte dos
Estados Unidos, que manteve a decisão do Tribunal a quo,
concedendo o registro, restando vencido o órgão público.
Depois da decisão acima mencionada, o Departamento de
Patentes dos Estados Unidos passou a conceder amplamente
patentes sobre organismos geneticamente modificados.
As relações entre propriedade intelectual e meio ambiente
estão reguladas por uma complexa rede de normas jurídicas da
qual a mais importante é a Lei ne 6.938, de 31 de agosto de
1981. Infelizmente, a doutrina jurídica nacional tem se
dedicado pouquíssimo ao relevante tema. Aliás, de maneira
geral o assunto tem sido pouco tratado pelos juristas. No caso
particular do Brasil, esta situação é extremamente danosa,
pois somos, de longe, o país que detém a maior reserva de
biodiversidade do planeta e temos urgência em utilizá-la como
um poderoso instrumento de nosso desenvolvimento econômico e
social. Acrescente-se o fato de que a inexistência de um amplo
debate jurídico sobre o tema tem sido um dos principais
elementos geradores de uma permanente insegurança jurídica,
prejudicando todas as partes interessadas na questão, assim
como a preservação do meio ambiente.
5. Conclusão
O objetivo do presente capítulo foi o de estabelecer o
contexto dentro do qual têm sido examinadas as questões
referentes à perda de diversidade biológica. Pretendo ter
demonstrado que, ao se falar em perda de diversidade,
biológica, estamos tratando de uma específica diminuição de
diversidade biológica e que o problema deve ser compreendido
dentro de uma perspectiva bastante definida e clara.
No caso do Brasil, como julgo tenha ficado demonstrado,
existe um enorme potencial de aproveitamento da imensa
variabilidade biológica existente em nosso território. Este
potencial, no entanto, necessita que sejam investidos altos
recursos em capital, seja humano, seja econômico, sem o que
não haveria a menor possibilidade de conversão do potencial
econômico em realização de valor concreto. Um aspecto
importante que merece e deve ser ressaltado, quando se trata
de diversidade biológica, é o reconhecimento de que a própria
existência dele está associada ao reconhecimento da
diversidade cultural que é o elemento estimulador e — por que
não? - o próprio gerador da diversidade biológica, que nada
mais é do que o produto da intervenção humana sobre o meio
“natural”.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
Capítulo XVI Proteção Internacional da Diversidade Biológica
(Principais Documentos)
1. Introdução
Uma das principais características do chamado Direito
Internacional do Meio Ambiente é uma enorme proliferação de
Tratados, Convenções e Protocolos internacionais,
multilaterais e bilaterais voltados para a proteção ambiental.
Outra característica marcante é a segmentação dos temas.
Explica-se esta segunda característica na medida em que é
muito mais simples se alcançar consensos internacionais sobre
temas predeterminados do que sobre temas muito genéricos, tais
como proteção da vida marinha, proteção da fauna silvestre
etc. O presente capítulo, como de resto todo o conjunto do
presente trabalho, está voltado, fundamentalmente, para o
Direito Interno. Não obstante isto, penso ser extremamente
relevante que sejam apresentadas algumas das principais
questões que estão relacionadas à proteção internacional do
meio ambiente, pois, de tuna forma ou de outra, elas acabam
tendo uma enorme repercussão no Direito brasileiro.
2, Principais Documentos Internacionais Assinados pelo Brasil
Os documentos abaixo relacionados estão organizados de forma
restritiva, isto é, só foram indicados aqueles que,
diretamente, têm relação com a proteção da diversidade
biológica.
Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no Campo da Proteção
da Diversidade Biológica
Título Data de Promulgação
Assinatu Decreto
ra n® Data
Convenção para a 12/10/19 58054 23/03/19
Proteção da Flora, da 40 66
Fauna e das Belezas
Cênicas Naturais dos
Países da América.
Convenção 14/05/19 65.026 20/08/19
Internacional para a 66 69
Conservação do Atum
do Adântico.
Convenção Relativa às 02/02/19 1.905 16/05/19
Zonas Úmidas de 71 96
Importância
Internacional,
Particularmente como
“Habitats” das Aves
Aquáticas.
■BiDireito Ambiental
l
Convenção para o 03/03/19 76.623 17/11/19
Comércio 73 75
Internacional das
Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção.
Emenda ao Artigo XI 22/06/19 133 24/05/19
da Convenção sobre 79 91
Comércio
Internacional das
Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção.
Protocolo de Emendas 03/12/19 1.905 16/05/19
à Convenção Relativa 82 96
às Zonas Úmidas de
Importância Inter-
nacional,
Particularmente como
“Habitats” das Aves
Aquáticas.
Emenda ao Artigo XXI 20/04/19 92.446 07/03/19
da Convenção sobre o 83 86
Comércio
Internacional das
Espécies da Fauna e
Flora Selvagens em
Extinção.
Protocolo Adicional à 10/07/19 97.612 04/04/19
Convenção Interna- 84 89
cional para
Conservação do Atum e
Afins do Atlântico
(CICAA).
Convenção sobre 05/06/19 2.519 16/03/19
Diversidade Biológica 92 98
(Rio-92)
Convenção 15/10/19 2.741 20/08/19
Internacional de 94 98
Combate à De-
sertificação nos
Países Afetados por
Seca e/ou
Desertífícação
Principalmente na
África.
Convenção 01/12/19 3.842 13/06/20
Interamericana para a 96 01
Proteção e
Conservação das
Tartarugas Marinhas
Fonte: http://www.mre.gov.br1
2.1. Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
Dentre os instrumentos legais gerados na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),
realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992, a
Convenção2 sobre Diversidade Biológica (CDB) ocupa um local de
merecido destaque. Apesar de toda a importância da Convenção,
é relevante deixar consignado que os Estados Unidos ainda não
a ratificaram. Este fato, na prática, enfraquece sobremaneira
o acordo internacional, tomando bastante problemática a sua
implementação, tendo em vista a importância política e
econômica do mencionado país. É desnecessário dizer, ademais,
que os termos da CDB não são
1 Capturado em 22/7/2002.
2 Convenção (...) âesigna[r] atos multilaterais, oriundos de
conferências internacionais e que versem assunto de
interesse geral, como por exemplo as convenções de Viena
sobre relações diplomáticas, relações consulares e direito
dos tratados; as convenções sobre aviação civil, sobre
segurança no mar, sobre questões trabalhistas, É um tipo de
instrumento internacional destinado em geral a estabelecer
normas para o corn- portamento dos Estados em uma gama cada
vez mais ampla de setores. No entanto, existem algumas, pou-
cas é verdade, Convenções bilaterais, como a Convenção
destinada a evitar a dupla tributação e prevenir s evasão
fiscal celebrada com a Argentina (1980) e a Convenção sobre
Assistência Judiciária Gratuita, celebrada com a Bélgica
(1955). Fonte: http://www.mre.gov.br.
- tnsno àypsnor eurgau Mm
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos) !
obrigatórios para aqueles que não aderiram aos seus termos.3
Registre-se, ainda, que a CDB deu origem ao Protocolo4-5-6 de
Cartagena sobre Biossegurança7 de 24 de maio de 2000, tema que
seguramente será uma das questões dominantes no cenário
internacional nos próximos anos.
A CDB está em plena vigência no Brasil, pois foi promulgada
pelo Decreto nQ 2.159, de 16 de março de 1998, que promulga a
Convenção sobre Diversidade Biológica., assinada no Rio de
Janeiro, em 5 de junho de 1992, após a sua aprovação pelo
Congresso Nacional, mediante a expedição do Decreto
Legislativo n9 2, de 3 de fevereiro de 1994. O decreto de
aprovação da CDB é bastante simples, limitando-se a dois
artigos.8
O elemento mais importante a ser destacado, com a
incorporação da CDB ao direito interno brasileiro, é que o
Estado brasileiro obrigou-se a implementar diversas medidas
previstas na Convenção. É bom que se diga - a bem da verdade —
que o Brasil vem dando cumprimento às determinações contidas
na CDB, não obstante as dificuldades que daí surgem. Diversas
são as ações legais e institucionais que vêm sendo tomadas
para a integral aplicação da CDB. A entrada em vigor da CDB,
no Brasil, não significa que as normas nela contidas serão
aplicadas por si mesmas. Ao examinarmos os principais pontos
da CDB, não será difícil perceber que ela estabelece normas a
serem seguidas pelos Estados, seja em suas relações
internacionais, seja na ordem interna. Trata-se de uma
“convenção quadro” que define medidas legislativas, técnicas e
políticas a serem adotadas pelos Estados-Partes. Ao
analisarmos a legislação ambiental brasileira pós-Rio 92,
facilmente se constata que o Brasil vem elaborando as normas
definidas na CDB e, portanto, nos limites de sua capacidade
técnica e econômica, está cumprindo fielmente as obrigações
que assumiu perante a Comunidade Internacional. Prova disto é
a legislação que será examinada posteriormente. É preciso que
se reconheça, contudo, que há ainda muito por se fazer, espe-
cialmente no que concerne ao tema central deste trabalho.
2.1.1. Preâmbulo
O preâmbulo de um diploma legal, como se sabe, não tem força
vinculante, pois não é propriamente uma norma jurídica. É,
isto sim, uma introdução a uma norma
3 Atualmente, a CDB é formada por 182 paites, contando com 162
assinaturas (7/11/2001). Fonte: http://
www.biodiv.org/world/parties.asp.
4 Protocolo é um termo que tem sido usado nas mais diversas
acepções, tanto para acordos bilaterais quanto para
multilaterais. Aparece designando acordos menos formais que
os tratados, ou acordos complementares ou intezpretaávos de
tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para
designar a ata Gnal de uma conferência internacional. Tem
sido usado, na prática diplomática brasileira, muitas vezes
sob a forma de “protocolo de intenções”, para sinalizar um
início de compromisso. Fonte: http://www.mre.gov.br.
5 Será examinado conjuntamente com o tema biossegurança.
6 O Brasil não é parte do Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança.
7 Formado por 7 partes e 103 assinaturas. Fonte:
http://www.biodiv.org/world/parties.asp.
8 Art. I9 A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no
Rio de Janeiro, em05 de junho de 1992,
apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada tão
inteiramente como nela se contém. Art. 2° O presente Decreto
entra em vigor na data de sua publicação.
Direito Ambiental
jurídica, uma declaração antecipatória do que virá mais à
frente, um resumo do compromisso político do qual resultou o
documento legal. Por outro lado, o preâmbulo define os termos
em que as partes concordaram e, principalmente, estabelece
alguns critérios a serem observados quando for necessário
dirimir alguma controvérsia. É desnecessária a reprodução de
todos os consideranda do preâmbulo. Destacarei aqueles que, na
minha opinião, têm maior repercussão:
(i) a conservação9 da diversidade biológica é uma preocupação
comum à humanidade;
(ii) os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios
recursos biológicos;
(iii) os Estados são responsáveis pela conservação de sua
diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus
recursos biológicos;
(iv) é vital prever, prevenir e combater na origem as causas
da sensível redução ou perda da diversidade biológica;
(v) quando exista ameaça de sensível redução ou perda de
diversidade biológica, a falta de plena certeza científica
não deve ser usada como razão para postergar medidas para
evitar ou minimizar essa ameaça;
(vi) a exigência fundamental para a conservação da diversidade
biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos
habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações
viáveis de espécies no seu meio natural;
(vii) medidas exsitu, preferivelmente no país de origem,
desempenham igualmente um importante papel;
(viii) reconhecendo a estreita e tradicional dependência de
recursos biológicos de muitas comunidades locais e
populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que
é desejável repartir equitativamente os benefícios derivados
da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de
práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e
à utilização sustentável de seus componentes;
(ix) a importância e a necessidade de promover a cooperação
internacional, regional e mundial entre os Estados e as
organizações intergovemamen- tais e o setor não-govemamental
para a conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes;
(x) cabe esperar que o aporte de recursos financeiros novos e
adicionais e o acesso adequado às tecnologias pertinentes
possam modificar sensivelmente a capacidade mundial de
enfrentar a perda da diversidade biológica;
(xi) que medidas especiais são necessárias para atender às
necessidades dos países em desenvolvimento, inclusive o
aporte de recursos financeiros novos e adicionais e o acesso
adequado às tecnologias pertinentes;
(xii) que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação
da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas dos
países em desenvolvimento;
9 É importante ter claro que a CDB não busca a preservação
(intocabilidade), mas a conservação (utilização racional) da
diversidade biológica.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(xiii) que a conservação e a utilização sustentável da
diversidade biológica é de importância absoluta para atender
às necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza
da crescente população mundial, para o que são essenciais o
acesso e a repartição de recursos genéticos e tecnologia.
Pelos elementos acima destacados, a CDB estabeleceu uma
série de princípios que se desdobram na Convenção, em si,
mediante as normas contidas nos diversos artigos. Os
princípios se referem a temas como:
(i) políticos;
(ii) prevenção de danos;
(iii) conservação;
(iv) utilização da diversidade biológica como instrumento de
desenvolvimento econômico e social.
Os princípios definidos nas consideranda alicerçam-se no
reconhecimento de que, embora jurisdicionados aos Estados
nacionais que sobre ela exercem direitos soberanos, a
preservação da diversidade biológica é matéria de preocupação
de todos os integrantes da comunidade internacional. Isto faz
com que a CDB vá se desenvolver sobre os termos desta
polaridade que, no entanto, não deve ser antagônica, mas
complementar.
Todos os Estados são responsáveis pela conservação da
diversidade biológica que se deve fazer, principalmente, in
situ. Cabe aos Estados ricos em biodiversidade tomar as
medidas para mantê-la íntegra; aos Estados que não a possuem
em mesmo grau de qualidade ou quantidade, mas que, em
contrapartida, possuem recursos econômicos e tecnológicos,
auxiliar os primeiros a dela se utilizarem.
A CDB reconhece, também, que populações indígenas e
comunidades locais têm colaborado ativamente na conservação da
diversidade biológica e que, em função disso, tais comunidades
devem merecer o devido reconhecimento internacional, sendo
recompensados não só pela conservação, mas, igualmente, em
razão do conhecimento tradicional que detêm sobre os segredos
existentes em seus habitats.
2.1.2. Objetivos da CDB
Os objetivos da CDB estão estabelecidos em seu artigo primeiro
e são os seguintes:
(i) conservação da diversidade biológica;
(ii) a utilização sustentável de seus componentes e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o
acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência
adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos
os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante
financiamento adequado.
Direito Ambiental
A tradução dos objetivos da CDB, em minha opinião, é a de
que ela visa estabelecer - pelo menos em tese - um fluxo
contínuo de informações, tecnologia e recursos genéticos. É
evidente, no entanto, que tal fluxo não se faz de forma
linear, pois muitas são as dificuldades para que ele seja
implementado.
A conservação da diversidade biológica é uma aspiração de
todos. Contudo, desde a elaboração da CDB, a diversidade
biológica vem diminuindo, pois a sua conservação não é
meramente uma questão de desejo. É, sobretudo, uma questão de
recursos financeiros. A repartição justa e equitativa dos
benefícios do acesso deve ser feita com a consideração das
diferentes variáveis do processo, ou seja, a variável eco-
nômica dos investimentos, de sua escassez etc. A transferência
adequada de tecnologia é outro ponto sensível, pois é
totalmente onírico acreditar que ela possa ser feita de forma
eficiente, se não houver um sistema de patentes muito bem
consolidado e implementado.
2.1.3. Glossário da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB)
Com vistas à sua aplicação, a CDB estabeleceu um glossário
específico. É importante a iniciativa, pois a Convenção trata
de diversos assuntos de natureza científica, embora seja uma
norma jurídica. Seria completamente ineficiente e inaplicável
uma norma que não fosse bastante clara e definida, em relação
aos termos que emprega, É importante assinalar que o glossário
é uma relação de conceitos normativos. Ainda que haja
divergência científica sobre o seu significado, para o mundo
jurídico isto é irrelevante. Juridicamente, o que importa são
os conceitos estabelecidos pelo próprio Direito. Desta forma,
para os propósitos da CDB, foram estabelecidos os seguintes
conceitos:
(i) “área protegida” significa uma área definida
geograficamente que é destinada, ou regulamentada, e
administrada para alcançar objetivos específicos de
conservação;
(ii) “biotecnologia” significa qualquer aplicação tecnológica
que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos
para utilização específica;
(iii) “condições in situ” significa as condições em que
recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats
naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas,
nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades
características;
(iv) “conservação ex situ” significa a conservação de
componentes da diversidade biológica fora de seus habitats
naturais;
(v) “conservação in sita” significa a conservação de
ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e
recuperação de populações viáveis de espécies
10 Tais conceitos normativos passam a se incorporar ao direito
interno e são utilizados em diversas outras normas jurídicas
sobre temas correlatos.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
359
em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou
cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas
propriedades características;
(vi) ''diversidade biológica” significa a variabilidade de
organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre
outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros
ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que
fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas;
(vii) “ecossistema” significa um complexo dinâmico de
comunidades vegetais, animais e de micro-organismos e o seu
meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional;
(viii) “espécie domesticada ou cultivada” significa espécie em
cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender
suas necessidades;
(ix) “habitat” significa o lugar ou tipo de local onde um
organismo ou população ocorre naturalmente;
(x) “material genético” significa todo material de origem
vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades
funcionais de hereditariedade;
(xi) “organização regional de integração econômica” significa
uma organização constituída de Estados soberanos de uma
determinada região, a que os Estados-Membros transferiram
competência em relação a assuntos regidos por esta
Convenção, e que foi devidamente autorizada, conforme seus
procedimentos internos, a assinar, ratificar, aceitar,
aprovar a mesma e a ela aderir;
(xii) “país de origem de recursos genéticos” significa o país
que possui esses recursos genéticos em condições in sita;
(xiii) “país provedor de recursos genéticos” significa o país
que provê recursos genéticos coletados de fontes in situ,
incluindo populações de espécies domesticadas e silvestres,
ou obtidas de fontes ex sita, que possam ou não ter sido
originados nesse país;
(xiv) “recursos biológicos” compreende recursos genéticos,
organismos ou partes destes, populações, ou qualquer outro
componente biótico de ecossistemas, de real ou potencial
utilidade ou valor para a humanidade;
(xv) "recursos genéticos” significa material genético de
valor real ou potencial;
(xvi) “tecnologia” inclui biotecnologia;
(xvii) “utilização sustentável” significa a utilização de
componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais
que não levem, a longo prazo, à diminuição da diversidade
biológica, mantendo assim seu potencial para atender às
necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras.
2.1.4. Soberania e Diversidade Biológica
O artigo 3a da CDB estabelece a forma pela qual os Estados
exercerão o direito soberano de explorar seus próprios
recursos naturais. Este deve ser exercido em conformidade com
a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito
Internacional. Tal exploração deve ser realizada segundo as
políticas ambientais adotadas
Direito Ambiental
por cada um dos Estados-Partes da CDB. Há uma soberania
solidária e responsável em relação aos demais países da
comunidade internacional, na medida em que os Estados têm a
obrigação de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou
controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou
de áreas além dos limites da sua jurisdição nacional. Dado o
fato de que a diversidade biológica é um interesse de toda a
humanidade, está claro que o direito soberano dos Estados não
inclui o de destruí- la. Ela deve ser utilizada à luz do
conceito de desenvolvimento sustentável.
A CDB expressamente reconhece que, sendo certo que a
diversidade biológica ultrapassa fronteiras nacionais, a sua
exploração não pode implicar danos além fronteira. Está
estabelecido, portanto, um princípio de solidariedade e
responsabilidade entre as nações para a conservação de uma
“preocupação comum” da humanidade e, portanto, dos Estados. O
reconhecimento de que os Estados têm direitos soberanos sobre
os seus próprios recursos biológicos afasta de plano a ideia
de que a diversidade biológica existente em cada um dos
Estados é um patrimônio comum da Humanidade. Se aceita a tese
do patrimônio comum, a consequência lógica seria o
estabelecimento de algum mecanismo internacional que se
encarregasse de geri-lo. Não há, portanto, uma gestão
internacional sobre a diversidade biológica de cada um dos
países.
2.1.5. Medidas de Proteção da Diversidade Biológica
A CDB determina que os Estados-Partes desenvolvam uma série
de medidas com vistas à preservação da diversidade biológica.
Tais medidas devem ser adotadas dentro das limitações
econômicas, financeiras e institucionais de cada um dos
Estados-Partes.
As medidas institucionais a serem adotadas são:
(i) desenvolver estratégias, planos ou programas para a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou
programas existentes que devem refletir, entre outros
aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção
concernentes à Parte interessada; e
(ii) integrar, na medida do possível e conforme o caso, a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica em planos, programas e políticas setoriais ou
intersetorias pertinentes.
Medidas de monitoramento e identificação:
(i) identificar componentes da diversidade biológica
importantes para sua conservação e sua utilização
sustentável, levando em conta a lista indicativa de
categorias constante no anexo I da CDB;
(ii) monitorar, por meio de levantamento de amostras e outras
técnicas, os componentes da diversidade biológica
identificados em conformidade com a letra (i) acima,
prestando especial atenção aos que requeiram urgen-
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
temente medidas de conservação e aos que ofereçam o maior
potencial de utilização sustentável;
(iii) identificar processos e categorias de atividades que
tenham ou possam ter sensíveis efeitos negativos na
conservação e na utilização sustentável da diversidade
biológica, e monitorar seus efeitos por meio de levantamento
de amostras e outras técnicas;
(iv) manter e organizar, por qualquer sistema, dados derivados
de atividades de identificação e monitoramento em
conformidade com as alíneas (i), (ii) e (iii) anteriores.
Quanto à conservação in situ, na medida do possível e
conforme o caso, deve providenciado o seguinte:
(i) estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde
medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a
diversidade biológica;
(ii) desenvolver, se necessário, diretrizes para a seleção,
estabelecimento e administração de áreas protegidas ou áreas
onde medidas especiais precisem ser tomadas paxa conservar a
diversidade biológica;
(iii) regulamentar ou administrar recursos biológicos
importantes para a conservação da diversidade biológica,
dentro ou fora de áreas protegidas, a fim de assegurar sua
conservação e utilização sustentável;
(iv) promover a proteção dè ecossistemas, habitats naturais e
manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio
natural;
(v) promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente
sadio em áreas adjacentes às protegidas, a fim de reforçar a
proteção dessas áreas;
(vi) recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover
a recuperação de espécies ameaçadas, mediante, dentre outros
meios, a elaboração e implementação de planos e outras
estratégias de gestão;
(vii) estabelecer ou manter meios para regulamentar,
administrar ou controlar os riscos associados à utilização e
liberação de organismos vivos modificados resultantes da
biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental
negativo que possa afetar a conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica, levando também em
conta os riscos para a saúde humana;
(viii) impedir que se introduzam, controlar ou erradicar
espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou
espécies;
(ix) procurar proporcionar as condições necessárias para
compatibilizar as utilizações atuais com a conservação da
diversidade biológica e a utiliza- ção sustentável de seus
componentes;
(x) em conformidade com sua legislação nacional, respeitar,
preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das
comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida
tradicionais relevantes à conservação e à utilização
sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais
ampla aplicação com a aprovação e a participação desse
conhecimento,
Direito Ambiental
inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos
benefícios oriundos da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas;
(xi) elaborar ou manter em vigor a legislação necessária e/ou
outras disposições regulamentares para a proteção de
espécies e populações ameaçadas;
(xii) quando se verifique um sensível efeito negativo à
diversidade biológica, em conformidade com o Artigo 7°,
regulamentar ou administrar os processos e as categorias de
atividades em causa;
(xiii) cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra
natureza para a conservação in sita a que se referem as
alíneas (i) a (xii), particularmente aos países em
desenvolvimento.
Quanto à conservação ex situ, na medida do possível e
conforme o caso, e principalmente a fim de complementar
medidas de conservação in situ:
(i) Adotar medidas para a conservação ex situ de componentes
da diversidade biológica, de preferência no país de origem
desses componentes;
(ii) estabelecer e manter instalações para a conservação ex
situ e pesquisa de vegetais, animais e micro-organismos, de
preferência no país de origem dos recursos genéticos;
(iii) adotar medidas para a recuperação e regeneração de
espécies ameaçadas e para sua reintrodução em seu habitat
natural em condições adequadas;
(iv) regulamentar e administrar a coleta de recursos
biológicos de habitats naturais com a finalidade de
conservação ex situ de maneira a não ameaçar ecossistemas e
populações in situ de espécies, exceto quando forem neces-
sárias medidas temporárias especiais ex situ de acordo com a
alínea (iii);
(v) cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra
natureza para a conservação ex situ a que se referem as
alíneas (i) a (iv) e com o estabelecimento e a manutenção de
instalações de conservação ex situ em países em
desenvolvimento.
2.1.6. Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade
Biológica
A CDB estabelece que as Partes Contratantes, na medida do
possível e conforme o caso, devem:
(i) incorporar o exame da conservação e utilização sustentável
de recursos biológicos no processo decisório nacional;
(ii) adotar medidas relacionadas à utilização de recursos
biológicos para evitar ou minimizar impactos negativos na
diversidade biológica;
(iii) proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos
biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais
compatíveis com as exigências de conservação ou utilização
sustentável;
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(iv) apoiar populações locais na elaboração e aplicação de
medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade
biológica tenha sido reduzida;
(v) estimular a cooperação entre suas autoridades
governamentais e seu setor privado na elaboração de métodos
de utilização sustentável de recursos biológicos.
2.1,7. Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos
Negativos
A CDB determina que as Partes Contratantes devem, na medida
do possível e conforme o caso:
(i) estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação
de impacto ambiental de seus projetos que possam ter
sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim
de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso,
permitir a participação pública nesses procedimentos;11
(ii) tomar providências adequadas para assegurar que sejam
devidamente levadas em conta as consequências ambientais de
seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos
negativos na diversidade biológica;12
(iii) promover, com base em reciprocidade, notificação,
intercâmbio de informação e consulta sobre atividades sob
sua jurisdição ou controle que possam ter sensíveis efeitos
negativos na diversidade biológica de outros Estados ou
áreas além dos limites da jurisdição nacional, estimulando-
se a adoção de acordos bilaterais, regionais ou
multilaterais, conforme o caso;
(iv) notificar, imediatamente, no caso em que se originem sob
sua jurisdição ou controle, perigo ou dano iminente ou grave
à diversidade biológica em área sob jurisdição de outros
Estados ou em áreas além dos limites da jurisdição nacional,
os Estados que possam ser afetados por esse perigo ou dano,
assim como tomar medidas para prevenir ou minimizar esse
perigo ou dano;
(v) estimular, providências nacionais sobre medidas de
emergência para o caso de atividades ou acontecimentos de
origem natural ou outra que representem perigo grave e
iminente à diversidade biológica e promover a cooperação
internacional para complementar tais esforços nacionais e,
conforme o caso e em acordo com os Estados ou organizações
regionais de integração econômica interessados, estabelecer
planos conjuntos de contingência.
11 Tais medidas estão completamente implementadas pelo Direito
brasileiro, mediante a metodologia adota
da para a análise de impactos ambientais e todos os mecanismos
de participação pública no licenciamento ambiental, com a
realização de audiências públicas.
Direito Ambiental
2.1.8. Acesso a Recursos Genéticos
Os recursos genéticos pertencem ao domínio eminente de cada
Estado que, no entanto, não deve negar acesso aos demais,
desde que obedecidas as leis de cada país detentor de
mencionados recursos. Devem ser observados os seguintes
procedimentos:
(i) em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre
seus recursos naturais, a autoridade para determinar o
acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais
e está sujeita à legislação nacional;
(ii) cada Parte Contratante deve procurar criar condições para
permitir o acesso a recursos genéticos para utilização
ambientalmente saudável por outras Partes Contratantes e não
impor restrições contrárias aos objetivos da CDB;
(iii) para os propósitos da CDB, os recursos genéticos
providos por uma Parte Contratante, a que se referem os
Artigos 15,16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes
Contratantes que sejam países de origem desses recursos ou
por Partes que os tenham adquirido em conformidade com esta
Convenção;
(iv) o acesso, quando concedido, deverá sê-lo de comum acordo
e sujeito ao disposto no Artigo 15;
(v) o acesso aos recursos genéticos sujeita-se ao
consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante
provedora, salvo se for estipulado ou de outra forma
determinado pela mencionada parte;
(vi) cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar
pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos
providos por outras Partes Contratantes com sua plena
participação e, na medida do possível, no território da
parte provedora do acesso aos recursos genéticos;
(vii) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso e em
conformidade com os artigos 16 e 19 e, quando necessário,
mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos artigos
20 e 21, para compartilhar de forma justa e equitativa13 os
resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos
genéticos e os benefícios derivados de sua utilização
comercial e de outra natureza com a Parte Contratante pro-
vedora desses recursos. Essa partilha deve ser feita de
comum acordo.
2.1.9. Acesso à Tecnologia e sua Transferência
Este é um dos temas màis complexos da CDB, pois ele busca
fazer com que o acesso aos recursos genéticos implique, de
alguma forma, uma troca entre os mencionados recursos e o
desenvolvimento tecnológico do País provedor, mediante um
procedimento de acesso e transferência de tecnologia. A
Convenção, como se vê, está
13 O equilíbrio será definido, caso a caso, conforme a vontade
dos contratantes, observados os preceitos e princípios da
CDB.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
estruturada dentro de uma concepção de que há dois fluxos
distintos e paralelos, conforme o seguinte quadro:
Recursos
Acesso aos Recursos
Tecnologia Genético
Recursos Financeiros
s
Sul -
Norte - Sul Norte - Sul Norte - Sul
Norte
(i) As Partes da CDB reconhecem que tecnologia inclui
biotecnologia, e que tanto o acesso à tecnologia como a sua
transferência entre Partes Contratantes são elementos
essenciais para a realização dos objetivos da Convenção, por
isso se comprometem, conforme o disposto no artigo 16, a
permitir e/ou facilitar a outras Partes Contratantes acesso
a tecnologias que sejam pertinentes à conservação e
utilização sustentável da diversidade biológica ou que
utilizem recursos genéticos e não causem dano sensível ao
meio ambiente, assim como a transferência dessas
tecnologias;
(ii) o acesso à tecnologia e sua transferência a países em
desenvolvimento, a que se refere o § l9 do artigo 16, devem
ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as
mais favoráveis, inclusive em condições de concessão e
preferenciais quando de comum acordo, e, caso necessário, em
conformidade com mecanismo financeiro estabelecido nos
Artigos 20 e 21 da CDB. No caso de tecnologia, sujeita a
patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o
acesso à tecnologia e sua transferência devem ser permitidos
em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a
adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade
intelectualM Mantendo- se compatibilidade com os parágrafos
3S, 4a e 5a do artigo 16;
(iii) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para que as
demais Partes Contratantes, em particular as que são países
em desenvolvimento, que proveem recursos genéticos, tenham
garantido o acesso à tecnologia que utilize esses recursos e
sua transferência, de comum acordo, incluindo tecnologia
protegida por patentes e outros direitos de propriedade
intelectual, quando necessário, mediante as disposições dos
Artigos 20 e 21, de acordo com o Direito internacional e
conforme os parágrafos 4a e 5a do artigo 16;
(iv) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para que o
setor privado permita o acesso à tecnologia a que se refere
o parágrafo l2 do artigo 16, seu desenvolvimento conjunto e
sua transferência em benefício das instituições govemamen-
14 Decreto nfl 1.355, de 30/12/1994. Promulga a Ata Final que
Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações
Comerciais Muldlaterais do GATT. Are. 27. (...) 2. Os
membros podem considerar como não patenteáveis invenções
cuja exploração em seu território seja necessário evitar
para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive
para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou
para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que
esta determinação não seja feita apenas porque a exploração
é proibida por sua legislação.
Direito Ambiental
tais e do setor privado de países em desenvolvimento, e a esse
respeito deve observar as obrigações constantes dos parágrafos
l2, 2a e 3e do artigo 16;
(v) as Partes Contratantes, reconhecendo que patentes e
outros direitos de propriedade intelectual podem influir na
implementação da CDB, devem cooperar a esse respeito em
conformidade com a legislação nacional e o direito
internacional para garantir que esses direitos apoiem e não
se oponham aos objetivos da Convenção.15
2.1.9.1. Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus
Benefícios
Um dos aspectos mais complexos da CDB é o que diz respeito à
gestão da biotecnologia. Como se sabe, o tema tem suscitado
muita polêmica. As determinações contidas na CDB são as
seguintes:
(i) cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso, para permitir
a participação efetiva, em atividades de pesquisa
biotecnológica, das Partes Contratantes, especialmente
países em desenvolvimento, que proveem os recursos genéticos
para essa pesquisa, e se possível nos países provedores de
recursos genéticos;
(ii) cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas
possíveis para promover e antecipar acesso prioritário, em
base justa e equitativa das Partes Contratantes,
especialmente países em desenvolvimento, aos resultados e
benefícios derivados de biotecnologia baseada em recursos
genéticos providos por essas Partes Contratantes. Esse
acesso deve ser definido de comum acordo;
(iii) as Partes devem examinar a necessidade e as modalidades
de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados,
inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada,
no que respeita à transferência, manipulação e utilização
seguras de todo organismo vivo modificado pela biotec-
nologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e
utilização sustentável da diversidade biológica;
(iv) cada Parte Contratante deve proporcionar, diretamente ou
por solicitação, a qualquer pessoa física ou jurídica, sob
sua jurisdição, provedora dos organismos a que se refere o §
3a acima, à Parte Contratante em que esses organismos devam
ser introduzidos, todas as informações disponíveis sobre a
utilização e as normas de segurança16 exigidas por essa
Parte Contratante
15 A CDB, em minha opinião, reconhece um determinado grau de
complementaridade entre as diferentes normas de proteção à
propriedade intelectual e às patentes e a proteção à
diversidade biológica que ela regula.
16 Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança,
COW • pliHiVWWW«« *WÍ*>*»w
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
para a manipulação desses organismos, bem como todas as
informações disponíveis sobre os potenciais efeitos negativos
desses organismos específicos.
2.1.9.2. Relações entre Diversidade Biológica e Produção? de
Medicamentos
As relações entre a produção de produtos farmacêuticos e a
preservação da diversidade biológica são intensas e profundas,
muito embora nem sempre sejam claramente colocadas e,
principalmente, compreendidas. Na verdade, a indústria farma-
cêutica é, seguramente, um dos ramos industriais mais
fortemente interessados na conservação da diversidade
biológica e na sua utilização racional, pois, conforme será
demonstrado adiante, ela pode servir de matéria-prima para a
pesquisa de importantes princípios ativos.17 Há uma tendência
bastante generalizada de confundir a produção de medicamentos,
realizada por laboratórios que fazem investimentos pesados em
pesquisa e desenvolvimento, com a elaboração de poções mágicas
a partir de extratos vegetais. Em realidade, entre uma planta
e um medicamento que seja produzido com base em um dos
princípios ativos nela existentes, há uma longa jornada a ser
percorrida. Em primeiro lugar, há que se considerar que menos
de 1% (um por cento) das plantas floreadas foi pesquisado
cientificamente para o conhecimento de suas propriedades
químicas.18 Em contrapartida, o conhecimento tradicional sobre
as qualidades terapêuticas das plantas é muito vasto, pois
“thousands of years of direct dependence on plants has
required the revision and perpetuation of a significant body
of information regarding the value of individual species and
their habitats”A questão que se coloca, portanto, é a de
compatibilizar as pesquisas científicas com o conhecimento
tradicional, tudo isto com vistas a proporcionar avanços na
produção de novos medicamentos eficientes e seguros. A
indústria farmacêutica, conforme nos relembra Aylward,21 data
do século XIX e, até aquela época, a maioria dos remédios
derivava diretamente da natureza, especialmente das plantas.
Desde então, tem havido uma variação muito grande entre a
pesquisa baseada em estudos sobre plantas e pesquisas com
produtos químicos smtéticos. É necessário que se observe, no
entanto, que, entre o início das pesquisas para um novo pro-
duto farmacêutico e a sua efetiva comercialização, o tempo
gasto é de, aproximada-
17 Éa substância existente na formulação do medicamento,
responsável pelo seu efeito terapêutico. Também denomina-se
fármaco. Fonte: httpVAvww.genéricos.med.br/faq. html#10.
18 Jennie Wood Sheldon e Michael Balíck. “Etnobotany and the
Search for Balance Between Use and Conservation’’, in
Swanson, Timothy M. Intellectual Property Rights and
Biodiversity Conservation - An interdisciplinary analysis of
the values of medical plants. Cambridge; Cambridge, 1998, p.
46.
19 Idem, p. 47.
20 Milhares de anos de dependência direta das plantas exigiu a
revisão e perpetuação de um corpo sigmSca- dVo de informação
referente ao valor de espécies individuais e seus habitats.
21 Biuce Aylward. “The Role of Plant Screening and Plant
Supply in Biodiversity Conservation, drug development and
health care”, in Swanson, Timothy M. Intellectual Property
Rights and Biodiversity Conservation ~ An interdisciplinary
analysis of the values of medical plants. Cambridge:
Cambridge, 1998, p. 103.

Direito Ambientai
mente, 14 (quatorze) anos,22-23-24 com custos que superam, em
muito, a centenas de milhões de dólares americanos.25 O volume
de recursos necessários para a produção de um novo
medicamento, seja do ponto de vista econômico, seja dos pontos
de vista científicos e tecnológicos (a indústria farmacêutica
é uma das mais fortemente conhecimento-intensivas), faz com
que somente poucos países possam pertencer a um “clube” muito
fechado, pois somente grandes empresas podem suportar os cus-
tos e os riscos de pesquisa que se prolongam por mais de uma
década, sem que haja qualquer segurança de que o produto delas
resultantes será efetivo e seguro e terá aceitação no mercado.
Cerca de 90% (noventa por cento) dos novos produtos farma-
cêuticos criados nos últimos 30 (trinta) anos têm origem em 10
(dez) países. Alguns países em desenvolvimento têm buscado
estabelecer uma indústria farmacêutica autóctone, mas, nestes
mesmos 30 (trinta) anos, eles foram responsáveis por apenas 20
(vinte) novos medicamentos, ou seja, cerca de 1% (um por
cento) da produção total.26
Do ponto de vista prático, a patente de um medicamento tem a
duração de cerca de 6 (seis) anos, entre sua concessão e o
término de sua validade, período no qual os investimentos
devem ser recuperados, sob pena de o produto ser um fracasso
comercial, ainda que possa ser um excelente produto nos
aspectos medicinais. A manutenção dos mecanismos de proteção
da propriedade intelectual, por intermédio das patentes, é
extremamente importante para que os investimentos continuem a
ser gerados e novos medicamentos produzidos. Qualquer pressão
para que os mecanismos de proteção da propriedade intelectual
referente aos medicamentos sejam enfraquecidos criará
seguramente uma redução de investimentos privados em novos
produtos. A indústria farmacêutica, no entanto, tem se
mostrado um “easy target^7~28 para o corte de custos com saúde.
E tais dificuldades econômicas e incertezas - aliadas aos
baixíssimos investimentos governamentais na pesquisa de novos
medicamentos - fizeram com que o ritmo de novas descobertas
tenha diminuído e que a maioria dos medicamentos que
atualmente estão entrando em uso tenha sido descoberta
22 Idem, p. 97
23 Lei nfi 9.279, de 14/5/1996, Art. 40. A patente de invenção
vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de
utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de
depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será
inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção ea7
(sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a coutar
dfa data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar
impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por
pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.
24Lei n° 9.787, de 10/2/1999, Ait. Io A Lei ns 6.360, de 23 de
setembro de 1976, passa a vigorar com as seguintes
alterações: "Art 3a (...) XXI — Medicamento Genérico —
medicamento similar a um produto de referência ou inovador,
que se pretende ser com este intercambiável, geralmente
produzido após a expiração ou renúncia da proteção
patentáría ou de outros direitos de exclusividade,
comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e
designado pela DCB ou, na soa ausência, pela DCI.
25Financiamentos, em sua maioria, de natureza privada e que,
em tal condição, necessitam dar retomo econômico ao
investidor.
26 Bruce Aylward. Jlie Role ofPlant Screening and Plant Supply
m Biodiversity Conservation, drug deve- lopment and health
care, p. 97.
27 Bruce Aylward. The Role of Plant Screening and Plant Supply
in Biodiversity Conservation, drug deve- lopment and health
care, p. 99.
28“Alvo fácil”.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
há quase 20 anos.29 Um outro fator ao qual não tem sido dada a
necessária atenção é que as universidades utilizam muito mais
recursos genéticos oriundos dos países em desenvolvimento do
que as indústrias.30 Merece, ademais, ser ressaltado que a
maioria dos medicamentos atualmente em uso não possui mais
patentes válidas.31
É bastante significativo o feto de que os grandes
laboratórios farmacêuticos de pesquisa estejam se dedicando ao
lançamento de genéricos.32
2.2. Agenda 21
A Agenda 21 é um conjunto de metas e objetivos que visam
estabelecer orientações para a comunidade internacional
durante o século XXI. É um documento que surgiu no contexto da
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento que foi realizada no Rio de Janeiro em 1992. O
capítulo 15 da Agenda 21 trata da Conservação da Diversidade
Biológica. De fato, cada um dos capítulos da Agenda 21 busca
definir um conjunto de ações e atividades a serem cumpridas na
ordem internacional que se materializarão em tratados e
convenções específicos. A Agenda 21 é uma declaração política
firmada pelos Estados e não tem força obrigatória, muito
embora os seus signatários venham desenvolvendo toda uma série
de ações para a sua implementação. A Agenda 21, em seu item
15.2, proclama que: “Os bens e serviços essenciais de nosso
planeta dependem da variedade e variabilidade dos genes,
espécies, populações e ecossistemas. Os recursos biológicos
nos alimentam e nos vestem, e nos proporcionam moradia,
remédios e alimento espiritual. Os ecossistemas naturais de
üorestas, savanas, pradarias e pastagens, desertos, tundras,
rios, lagos e mares contêm a maior parte da diversidade
biológica da Terra. Os campos agrícolas e os jardins também
têm grande importância como repositórios, enquanto os bancos
de genes, os jardins botânicos, os jardins zoológicos e outros
repositórios de germoplasma fazem uma contribuição pequena mas
significativa. O atual declínio da diversidade biológica
resulta em grande parte da atividade humana, e representa uma
séria ameaça ao desenvolvimento humano.”
Dentre os objetivos da Agenda 21 está bastante caracterizada
a importância das comunidades locais e indígenas, naquilo que
concerne à produção dos conhecimentos tradicionais associados.
Assim é que em 15.5 está disposto que os diferentes atores do
cenário internacional devem levar em “consideração as
populações indígenas e suas comunidades”.
Especificamente sobre a repartição dos benefícios
decorrentes do acesso à diversidade biológica, a Agenda 21
estabelece como objetivo (15.2. d) o de adotar as medidas
apropriadas para a repartição justa e equitativa dos
benefícios advindos da pes
29 Bruce Aylward. The Role of Plant Screening and Plant Supply
in Biodiversity Conservation, drug development and health
care, p. 98.
30 Siddartha Prakash. “Towards a Synergy Between Biodiversity
and Intellectual Property Rights”, in The Journal of World
Intellectual Property Rights, voL 2» n° 5, September 1999,
p. 823.
31 Margalit Edelman. “Os beneficiários da propriedade
intelectual”, in Gazeta Mercantil, 16, 17 e 18/11/2001, p.
A-3.
32 O Estado de S.Paulo, 14.11.2001, p. A-15, “Empresa lança
Remédios Genéricos”.
Direito Ambiental
quisa e desenvolvimento, bem como do uso dos recursos
biológicos e genéticos, inclusive da biotecnologia, entre as
fontes desses recursos e aqueles que os utilizam.
Os Estados signatários da Agenda 21 igualmente assumem o
compromisso de (15.2.g) “reconhecer e fomentar os métodos
tradicionais e os conhecimentos das populações indígenas e
suas comunidades, enfatizando o papel específico das mulheres,
relevantes para a conservação da diversidade biológica e o uso
sustentável dos recursos biológicos, e assegurar a esses
grupos oportunidade de participação nos benefícios econômicos
e comerciais decorrentes do uso desses métodos e conhecimentos
tradicionaisO mesmo tema é reenfatizado no item 15.5.e da
Agenda 21, desta vez como comprometimento de elaboração de uma
legislação nacional apta a assegurar a proteção dos
conhecimentos tradicionais e a sua remuneração adequada, in
verbis, “em conformidade com a legislação nacional, adotar
medidas para respeitar, registrar, proteger e promover uma
maior aplicação dos conhecimentos, inovações e práticas das
comunidades indígenas e locais que reflitam estilos de vida
tradicionais e que permitam conservar a diversidade biológica
e o uso sustentável dos recursos biológicos, com vistas à
partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes, e
promover mecanismos que promovam a participação dessas
comunidades, mclusive das mulheres, na conservação e manejo
dos ecossistemas”
2.3. Convenção de RAMSAR
É uma Convenção internacional que antecede à própria CNUMAD,
pois foi realizada em 1971. Os primeiros sete Estados que dela
participaram foram: (i) Austrália;
(ii) Finlândia; (iii) Grécia; (iv) Irã; (v) Noruega; (vi)
África do Sul e (vii) Suécia. O objetivo da referida Convenção
é o de estabelecer mecanismos de cooperação internacional com
vistas à proteção de áreas úmidas, bem como de aves aquáticas
que tenham importância internacional. Ela entrou em vigor no
ano de 1975.
A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional,
especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, concluída em
Ramsar, Ira, a 2 de fevereiro de 1971, foi ratificada pelo
Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo n2 33, de
1992, tendo sido promulgada pelo Decreto n2 L905, de 16 de maio
de 1996, que: Promulga a Convenção sobre Zonas Úmidas de
Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves
Aquáticas, conhecida como Convenção de Ramsar, de 02 de
fevereiro de 1971.
2.3.1. Preâmbulo
O Preâmbulo da Convenção de Ramsar está firmado sobre a
premissa da interdependência entre o Homem e o Meio Ambiente e
considera a importância das funções ecológicas fundamentais
das zonas úmidas enquanto reguladoras dos regimes de água e
enquanto habitats de uma flora e fauna características,
especialmente de aves aquáticas.
É importante ressaltar que a Convenção considera que as
zonas úmidas constituem um recurso de grande valor econômico,
cultural, científico e recreativo, cuja
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
perda seria irreparável. A Convenção, portanto, é celebrada
com O objetivo de assegurar a interrupção do processo de
degradação das áreas úmidas com importância internacional. É
importante ressaltar que a Convenção de Ramsar reconhece que
as aves aquáticas, em suas migrações sazonais, atravessam
fronteiras e, em tal condição, devem ser consideradas como um
recurso internacional.
A Convenção expressa a confiança de que a conservação de
zonas úmidas, da sua flora e da sua fauna, pode ser assegurada
com políticas internacionais conjuntas de longo alcance,
através de ação internacional coordenada.
2.3.2. Glossário da Convenção
Como toda Convenção internacional, a Convenção de Ramsar
define um glossário básico, de forma que a matéria tratada não
deixe margem a dúvidas ou gere conflitos de interpretação.
Para os efeitos da Convenção de Ramsar:
(i) Zonas Úmidas: são áreas de pântano, charco, turfa ou água,
natural ou artificial, permanente ou temporária, com água
estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo
áreas de água marítima com menos de seis metros de
profundidade na maré baixa.
(ii) Aves Aquáticas: são pássaros ecologicamente dependentes
de zonas úmidas.
2.3.3. Indicação pelas Partes de Áreas a Serem Incluídas na
Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional
As Partes Contratantes deverão indicar as zonas úmidas
existentes em seus territórios, que deverão constar da Lista
de Zonas Úmidas de Importância Internacional. Tais áreas devem
ter os seus limites descritos pormenorizadamente e delimitados
no mapa, podendo incorporar áreas ribeirinhas ou trechos de
litorais adjacentes às zonas úmidas e ilhas ou porções de água
marítima que possuam mais de seis metros de profundidade na
maré baixa e que estejam situadas dentro da área de zona
úmida, principalmente onde estas tenham, ainda, importância
como habitat de aves aquáticas.
A indicação de áreas para integrar a Lista não pode ser
aleatória, mas, pelo contrário, deve seguir critérios de
escolha que se baseiem em sua importância internacional pelos
seus aspectos ecológicos, botânicos, zoológicos, imunológicos
ou hidrológi- cos. O primeiro critério a ser utilizado quando
da escolha de uma área para ser incluída como integrante da
lista é o da importância ecológica em qualquer estação do ano.
A indicação de uma área como integrante da Lista não retirai
do país, dentro do qual ela esteja situada, os direitos de
soberania inerentes à sua condição de soberania nacionaL
As Partes integrantes da Convenção têm o direito de
adicionar à Lista outras zonas úmidas situadas no seu
território, bem como aumentar os: limites das que já estão
incluídas na Lista, ou, por motivo de interesse nacional
urgente, anular ou res-

| Direito Ambiental
tringir os limites das zonas úmidas já incluídas na lista.
Para que assim procedam, devem informar a realização de tais
alterações, em curto prazo, ao organismo ou ao governo
encarregado das funções de bureau permanente, conforme
especificado no Art. 89 da Convenção. Como forma de mitigação
dos direitos estipulados no artigo 2,5 da Convenção, cada
Parte Contratante deverá levar em conta a sua
responsabilidade, no plano internacional, para a conservação,
orientação e exploração racional da população migrante de aves
aquáticas, tanto ao designar as zonas úmidas de seu território
a serem inscritas na Lista, como ao exercer o seu direito de
modificar a inscrição.
Áreas Brasileiras incluídas na Convenção

Fonte: http://www.rBmsar.org/about_brazil_p.Iitm
2.3.3.1. Obrigações com relação às Áreas Incluídas na Lista
(i) elaborar e executar os seus planos de modo a promover a
conservação das zonas úmidas incluídas na Lista e, na medida
do possível, a exploração racional daquelas zonas úmidas do
seu território;
(ii) tomar as medidas necessárias para ser informada com a
possível brevidade sobre as modificações das condições
ecológicas de qualquer zona úmida
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
situada no seu território e inscrita na Lista que se modificar
ou esteja em vias de se modificar, devido ao desenvolvimento
tecnológico, poluição ou outra intervenção humana. As
informações destas mudanças serão transmitidas sem demora à
organização ou ao governo responsável pelas funções do bureau
especificadas no Art. 8a;
(iii) promover a conservação de zonas úmidas e de aves
aquáticas, estabelecendo reservas naturais nas zonas úmidas,
quer estas estejam ou não inscritas na Lista, e providenciar
a sua proteção apropriada;
(iv) em caso de anulação ou diminuição dos limites de uma zona
úmida incluída na Lista, em função de interesse nacional
urgente, a Parte Contratante providenciar a compensação, na
medida do possível, da perda de recursos da zona úmida e em
especial criar novas reservas naturais para as aves
aquáticas e para a proteção dentro da mesma região ou em
outra, de uma porção apropriada do habitat anterior;
(v) incentivar a pesquisa e o intercâmbio de dados e
publicações relativas às zonas úmidas e à sua flora e fauna;
(vi) empreender esforços pela sua gestão para aumentar a
população das aves aquáticas nas zonas úmidas apropriadas;
(vii) promover a formação do pessoal competente para estudo,
gestão e proteção das zonas úmidas.
2.3.3.2. Acompanhamento da Implementação da Convenção
O mecanismo de acompanhamento da Convenção baseia-se em
consultas mútuas sobre a execução das obrigações contraídas na
Convenção, principalmente no caso de uma zona úmida estender-
se sobre territórios de mais de uma Parte Contratante ou no
caso em que a bacia hidrográfica seja compartilhada pelas
Partes Contratantes. As Partes obrigam-se, mutuamente, a
empreender esforços no sentido de coordenar e apoiar políticas
e regulamentos atuais e futuros relativos à conservação de
zonas úmidas e à sua flora e fauna.
2.3.3.3. Conferência das Partes Contratantes
A Conferência das Partes Contratantes tem por finalidade
primordial a de verificar e promover a implementação da
Convenção. Cabe ao bureau instituído pelo Art. 8e, parágrafo
l9, convocar reuniões ordinárias da Conferência das Partes
Contratantes em intervalos, mínimos, de três anos. A
Conferência, soberanamente, poderá decidir em sentido
contrário à periodicidade definida no Artigo 6e, parágrafo le.
As reuniões extraordinárias podem ser convocadas por
requerimento escrito de, pelo menos, um terço das Partes
Contratantes.
374
Direito Ambiental
2.3.3.4. Competência da Conferência das Partes
A Conferência das Partes Contratantes tem as seguintes
competências:
(i) examinar a execução da Convenção;
(ii) examinar inclusões e mudanças na Lista;
(iii) analisar a informação relativa às mudanças de caráter
ecológico de zonas úmidas incluídas na Lista, fornecida em
conformidade com o parágrafo 22 do Art. 32;
(iv) formular recomendações, de ordem geral ou específica, às
Partes Contratantes acerca de conservação, gestão e
exploração racional de zonas úmidas, da sua flora e fauna;
(v) solicitar aos organismos internacionais competentes a
elaboração de relatórios e estatísticas sobre assuntos de
natureza especialmente internacional relativas às zonas
úmidas; e
(vi) adotar outras recomendações ou resoluções para promover o
funcionamento da Convenção.
2.3.3.5. Atribuições do Bureau
De acordo com o artigo 8a, I, da Convenção de Ramsar, a
União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos
Naturais (UICN) foi encarregada das funções de bureau
permanente da Convenção, até que haja a nomeação de outra
Organização ou governo pela maioria de dois terços de todas as
Partes Contratantes. O bureau tem as seguintes atribuições,
dentre outras:
(i) auxiliar na convocação e organização das conferências
especificadas no
Art. 69;
(ii) manter a Lista de Zonas Úmidas de Importância
Internacional e receber das Partes Contratantes as
informações sobre adições, extensões, supressões ou
diminuições relativas às zonas úmidas inscritas na lista,
conforme pre
ceitua o parágrafo 5e do Art. 22;
(iii) receber das Partes Contratantes as informações, conforme
previsto no
parágrafo 2Q do Art. 32, sobre todas as mudanças de natureza
ecológica das zonas úmidas inscritas na lista;
(iv) notificar todas as Partes Contratantes sobre qualquer
alteração na Lista ou mudanças nas características das zonas
úmidas inscritas e providenciar que estes assuntos sejam
discutidos na conferência seguinte;
(v) dar conhecimento à Parte Contratante interessada das
recomendações
relativas a estas alterações na Lista ou das mudanças de
características das zonas úmidas inscritas.
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
2.4. Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção - CITES
Um dos elementos mais importantes dentro do contexto da
perda de diversidade biológica é o tráfico internacional de
espécies da flora e da faxina silvestre ameaçadas de extinção.
A importância do assunto é de tal ordem que a comunidade
internacional dedicou-lhe a “convenção sobre o comércio
internacional das espécies da flora e fauna selvagem em perigo
de extinção” firmada aos 3 de março de 1973, aprovada pelo
Brasil mediante o Decreto Legislativo nô 54, de 24 de junho de
1975, e promulgada pelo Decreto n9 76.623, de 17 de novembro de
1975. O quadro normativo da inserção da CITES no Direito
interno brasileiro é complementado, ainda, pelas seguintes
disposições legais: (i) Decreto Legislativo 21, de 1985, que:
Aprova o texto da emenda à alínea a, do § 3a, do artigo XI, da
Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna
e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, de 3 de março de
1973, adotada pela Sessão Extraordinária da Conferência das
Partes, realizada ém Bonn, aos 22 de Junho de 1979; Decreto
Legislativo n2 35, de 1985, que: Aprova o téxto da Emenda ao
Artigo XXI da Convenção sobre o Comércio Internacional das
Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção, de
1973, aprovado pela Conferência das Partes, em Reunião
extraordinária realizada em Gaborone, em 20 de abril de 1983;
Decreto ne 92.446, de 7 de março de 1986, que: Promulga a
Emenda ao Artigo XXI da Convenção sobre o Comércio
Internacional das Espécies da Fauna e da Flora em Perígp de
Extinção; e Decreto nfi 3.607, de 21 de setembro de 2000, que:
Dispõe sobre a implementação da Convenção sobre Comércio
Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo
de Extinção - CITES, e dá outras providências.
2.4.1. Abrangência da CITES: Conteúdo dos Anexos
A Convenção é seguida de três anexos que se destinam a
definir as espécies que, de uma forma ou de outra, estão sob a
sua tutela. O conteúdo dos anexos é o seguinte:
ANEXO I: Todas as espécies ameaçadas de extinção que são ou
possam ser afetadas pelo comércio.
O comércio de qualquer espécime de tais espécies deve estar
submetido à regulamentação “particularmente” rigorosa, com
vistas a assegurar que elas não sejam mais ameaçadas em sua
sobrevivência, e somente deve ser autorizado em situações
excepcionais.
ANEXOU:
a) todas as espécies que, embora atualmente não se encontrem
necessariamente em perigo de extinção, possam vir a estar em
tal condição, a menos que o comércio de espécimes de tais
espécies esteja sujeito à regulamentação rigorosa, a fim de
evitar exploração incompatível com sua sobrevivência; e
Direito Ambiental
b) outras espécies que devam ser objeto de regulamentação, a
fim de permitir um controle eficaz do comércio dos espécimes
de certas espécies a que se refere o subparágrafo a do
presente parágrafo.
ANEXO III: Todas as espécies que qualquer das partes declare
sujeitas, nos limites de sua competência, à regulamentação
para impedir ou restringir sua exploração e que necessitam
da cooperação das outras partes para o controle do comércio.
As partes integrantes da CITES somente podem permitir o
comércio de espécimes de espécies incluídas nos Anexos I, II e
III com a observância das disposições contidas na Convenção.
2.4.2. Glossário da Convenção
O artigo I da CITES adota as seguintes definições:
(i) “espécie” significa toda espécie, subespécie ou uma
população geograficamente isolada;
(ii) “espécime” significa:
a) qualquer animal ou planta, vivo ou morto;
b) no caso de um animal: para as espécies incluídas nos anexos
I e II, qualquer parte ou derivado facilmente identificável;
e para as espécies incluídas no anexo III qualquer parte ou
derivado facilmente identificável que haja sido especificado
no anexo IH em relação à referida espécie;
c) no caso de uma planta: para as espécies incluídas no anexo
I, qualquer parte ou derivado, facilmente identificável; e,
para as espécies incluídas nos anexos II e III, qualquer
parte ou qualquer derivado facilmente identificável
especificado nos referidos anexos em relação com a referida
espécie;
(iii) “comércio” significa exportação, reexportação,
importação e introdução procedente do mar;
(iv) “reexportação” significa a exportação de todo espécime
que tenha sido previamente importado;
(v) “introdução procedente do mar” significa o transporte,
para o interior de um Estado, de espécimes de espécies
capturadas no meio marinho fora da jurisdição de qualquer
Estado;
(vi) “autoridade científica”33 significa tuna autoridade
científica nacional designada de acordo com o artigo IX;
33 Decreto n® 3.607, de 21/9/2000, Art. 5® Ficam designados
como Autoridades Científicas, conforme determina a letra ‘V
do artigo Dí da Convenção, o IBAMA e suas respectivas
unidades especializadas em recursos n aturais. Parágrafo
único. O IBAMA poderá designar pessoas físicas ou jurídicas,
de reconhecida capacidade ciendBca, para awdliá-lo no
desempenho da função de Autoridade Científica.
ÜSJ - Ensino Sypsncr gtsesu Jista
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
(vii) “autoridade administrativa”34 significa uma autoridade
administrativa nacional designada de acordo com o artigo IX;
(viii) “parte” significa um Estado para o qual a convenção
tenha entrado em vigor.
2.4.3. Relação entre a CITES e outras Convenções
Internacionais e a Legislação Nacional
A condição de parte signatária da CITES não impede o direito
soberano de adoção de:
(i) medidas internas mais rígidas com referência às condições
de comércio, captura, posse ou transporte de espécimes de
espécies incluídas nos anexos I, II e III, ou proibi-los
inteiramente; ou
(ii) medidas internas que restrinjam ou proíbam o comércio, a
captura, a posse ou o transporte de espécies não incluídas
nos anexos I, II ou IIL
As disposições da CITES não afetam as disposições de
qualquer medida interna ou obrigações das partes derivadas de
qualquer tratado, convenção ou acordo internacional referentes
a outros aspectos do comércio, da captura, da posse ou do
transporte de espécimes que estejam em vigor, ou que entrem em
vigor posteriormente para qualquer das partes, incluídas as
medidas relativas à alfândega, saúde pública ou quarentenas
vegetais ou animais. Da mesma forma, não afetam as disposições
ou obrigações emanadas de qualquer tratado, convenção ou
acordo internacional celebrados ou que venham a ser celebrados
entre Estados e que criem uma união ou acordo comercial
regional, que estabeleça ou mantenha um controle aduaneiro
comum externo e elimine controles aduaneiros entre as partes
respectivas, na medida em que se refiram ao comércio entre os
Estados-Membros dessa união ou acordo.
Um Estado-parte da presente convenção que seja também parte
de outro tratado, convenção ou acordo internacional vigente
quando entrar em vigor a presente convenção e em virtude de
cujas disposições se protejam as espécies marinhas incluídas
no anexo II, ficará isento das obrigações que lhe impõem as
disposições da presente convenção com referência aos espécimes
de espécies incluídas no anexo II capturados tanto por barcos
matriculados nesse Estado e de conformidade com as disposições
desses tratados, convenções ou acordos internacionais.
Sem prejuízo das disposições dos artigos III, IV e V, para
qualquer exportação de um espécime capturado de conformidade
com o parágrafo 4e do presente artigo somente será necessário
um certificado de uma autoridade administrativa do Estado
34 Decreto n° 3.607, de 21/9/2000, Art. 3« Fica designada como
Autoridade Administrativa, conforme determina a letra “a” do
artigo IX da Constituição, o Instituto Biasüeiro de Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
378
Direito Ambiental
de introdução, assegurando que o espécime foi capturado de
acordo com as disposições dos tratados, convenções ou acordos
internacionais pertinentes.
Nenhum dispositivo da presente convenção prejudicará a
modificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar
pela Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
convocada de acordo com a Resolução n9 2.750 C (XXV) da
Assembléia Geral das Nações Unidas, nem as reivindicações e
teses jurídicas presentes ou futuras de qualquer Estado no que
se refere ao Direito do Mar e à natureza e extensão da
jurisdição costeira e da bandeira do Estado.
2.4.4. Implementação da CITES pelo Brasil
A implementação da CITES pelo Brasil está regulamentada pelo
Decreto n2 3.607, de 21 de setembro de 2000, que: “Dispõe sobre
a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das
Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção -
CITES, e dá outras providências” A importância do decreto
acima mencionado é que ele, no âmbito das atribuições de uma
parte da CITES, estabeleceu os critérios para a aplicação da
referida Convenção pelas diferentes autoridades brasileiras.
2.4.4.1. Papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA no âmbito da CITES
0 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA, conforme determinação contida nos
artigos 4a e 52 do Decreto n9 3.607, de 21 de setembro de 2000,
desempenha simultaneamente o papel de autoridade admi-
nistrativa e de autoridade científica, competindo-lhe o
seguinte:
Como autoridade administrativa:
1 - manter o registro do comércio de espécimes das espécies
incluídas nos
Anexos I, II e III da CITES, que deverá conter, no mínimo:
a) nomes e endereços dos exportadores e importadores;
b) número e natureza das Licenças e Certificados emitidos;
c) países com os quais foi realizado o comércio;
d) quantidade e tipos de espécimes;
e) nomes das espécies incluídas nos Anexos I, II e III da
CITES; e
f) tamanho e sexo dos espécimes, quando for o caso;
II - elaborar e remeter relatórios periódicos à Secretária
da CITES, nos ter
mos do artigo VIII da Convenção;
III — fiscalizar as condições de transporte, cuidado e
embalagem dos espéci
mes vivos, objeto de comércio;
IV - coordenar as demais autoridades que com ela atuam em
conjunto na
atribuição prevista no inciso anterior;
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos) j
V - apreender os espécimes obtidos em infração à Lei n2 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998; espécimes vivos apreendidos nos
termos do inciso IV do artigo 4a de Decreto n2 3.607, de 21
de setembro de 2000;
VII - organizar e manter atualizado o registro dos
infratores;
VIII - propor emendas, inclusões e transferências aos Anexos
I, II e III da
CITES, conforme estabelecido nos artigos XV e XVI da
Convenção;
IX - propor a capacitação do pessoal necessário para o
cumprimento da Con
venção e do Decreto n2 3,607, de 21 de setembro de 2000;
X ~ designar, em conjunto com a Secretaria da Receita
Federal, o Departa
mento de Polícia Federal e o Ministério da Agricultura e
Abastecimento, os portos habilitados para a entrada e saída de
espécimes, sujeitos ao comércio internacional; e
XI — estabelecer as características das marcas que devem ser
utilizadas nos
espécimes, produtos e subprodutos, objeto do comércio
internacional.
Conforme determinação do parágrafo único do artigo 4a, as
Licenças ou Certificados CITES com efeito retroativo somente
poderão ser emitidos nos casos em que: (i) houver acordo entre
a autoridade do país exportador e a autoridade do país impor-
tador em seguir este procedimento; (ii) a irregularidade não
seja atribuída a nenhuma das partes envolvidas na transação; e
(iii) as espécies objeto da transação não estiverem incluídas
no Anexo I da Convenção.
Como autoridade científica:
I - informar à Autoridade Administrativa as variações
relevantes do status
populacional das espécies, incluídas nos Anexos II e III da
CITES, com o objetivo de propor a elaboração de planos de
manejo;
II - cooperar na realização de programas de conservação e
mánejo das espécies
autóctones incluídas nos Anexos II e III da CITES, com o
comércio internacional significativo, estabelecido pelo IBAMA;
e,
III — assessorar a Autoridade Administrativa a respeito do
destino provisório ou
definitivo dos espécimes interditados, apreendidos ou
confiscados.
2.4.5, Procedimentos Necessários ao Comércio Internacional
de Espécies (Espécies Integrantes dos Anexos I, II e III da
CITES)
O Anexo I da CITES é integrado pelas espécies que são
consideradas ameaçadas de extinção e, portanto, potencialmente
afetadas pelo comércio, necessitando que a sua comercialização
seja submetida a controle estrito das Autoridades Administra-
tivas, o que se faz mediante a concessão de Licença ou
Certificado.
A exportação de qualquer espécime de uma espécie incluída no
Anexo I da CITES somente pode ser autorizada pela expedição e
apresentação prévia de Licença de Exportação, que somente será
concedida após o atendimento dos seguintes requisitos: (i)
emissão de parecer, pela Autoridade Científica, atestando que
a exportação
Direito Ambiental
não prejudicará a sobrevivência da espécie; e (ii)
verificação, pela Autoridade Administrativa, se o transporte
não causará danos ao espécime, se foi concedida a Licença de
Importação e se é legal sua aquisição.
A importação de qualquer espécime de uma espécie incluída no
Anexo I da CITES somente será autorizada mediante a concessão
e apresentação prévia de Licença de Exportação ou Certificado
de Reexportação, e de Licença de Importação, a qual somente
será concedida uma única vez, atendidos os seguintes
requisitos: (i) emissão de parecer, pela Autoridade
Científica, atestando que a exportação não prejudicará a
sobrevivência da espécie; (ii) verificação, pela Autoridade
Administrativa, se o transporte não causará danos ao espécime,
se foi concedida a Licença de Importação e se é legal sua
aquisição. Deve, ainda, ser providenciado para que o espécime
não seja utilizado para fins comerciais. Igualmente, deve ser
assegurado que o importador, o exportador ou reexportador,
conforme o caso, dispõem de instalações adequadas para a
recepção do espécime vivo. As atividades comerciais acima
mencionadas somente poderão ser praticadas caso não haja
ameaça à sobrevivência da espécie.
O Anexo II da CITES compõe-se de espécies que, embora não se
encontrem em perigo de extinção, necessitam de cuidados
especiais para que não atinjam tal condição. Daí a necessidade
de que o comércio de espécimes de tais espécies esteja
srujeito à regulamentação rigorosa, podendo ser autorizada a
sua comercialização, pela Autoridade Administrativa, somente
mediante a concessão de Licença ou emissão de Certificado.
Tanto a importação, a exportação e a reexportação demandarão a
emissão de licenças e certificados, que deverão atestar as
condições sanitárias do receptor dos espécimes de espécies, o
não-prejuízo para as espécies da comercialização do espécime.
A Autoridade Administrativa deverá certificar a legalidade da
atividade e, também, que as condições de transporte não são
prejudiciais ao espécime.
A autoridade administrativa poderá estabelecer cotas tanto
para importação como para exportação de espécimes de espécies
contempladas no Anexo II da CITES.
Conforme determina o Art. 10 do Decreto, “as espécies
incluídas no Anexo III da CITES por intermédio da declaração
de qualquer país são aqueles cuja exploração necessita ser
restrita ou impedida e que requer a cooperação no seu
controle, podendo ser autorizada sua comercialização, mediante
concessão de Licença ou Certificado, pela Autoridade
Administrativa”. Uma vez que a espécie seja incluída no Anexo
III, as transações comerciais internacionais somente poderão
ser autorizadas mediante a concessão e apresentação prévia de
licenças de importação, exportação e/ou reexportação, conforme
o caso.
2.4.6. Licenças e Certificados CITES
Na forma do artigo 11 do decreto, todas as licenças ou
certificados CITES deverão conter, no mínimo, as seguintes
informações: (i) título da Convenção; (ii) nome e domicílio da
Autoridade Administrativa que o emitiu; (iii) número de
controle; (iv) nomes, sobrenomes e domicílios do importador e
do exportador; (v) tipo da operação comercial (exportação,
reexportação, importação ou introdução procedente do mar);
(vi) nome científico da espécie ou das espécies; (vii)
descrição do espécime ou
Proteção Internacional da Diversidade Biológica (Principais
Documentos)
dos espécimes em um dos três idiomas oficiais da Convenção;
(viii) número de identificação das marcas dos espécimes, se as
tiverem; (ix) Anexo da CITES em que a espécie está incluída;
(x) propósito da transação; (xi) data em que a Licença ou
Certificado foi emitido e data em que expira; (xii) nome e
assinatura do emitente;
(xiii) selo de segurança da Autoridade Administrativa; e
(xiv) origem dos espécimes que a Licença ou Certificado
ampara.
Em se tratando de reexportação, os Certificados CITES
deverão conter, além das informações exigidas no artigo 11, os
seguintes dados: (i) o país de origem; (ii) o número de
controle da Licença ou Certificado CITES emitido pelo país de
origem e a data em que este foi emitido; e (iii) o país da
última reexportação caso já tenha sido reexportado, e, neste
caso, o número do Certificado e a data em que foi expedido.
As Licenças e Certificados CITES são intransferíveis e não
poderão ter período de validade superior a seis meses. A
pessoa física ou jurídica que se dedique à comercialização, a
qualquer título, ao transporte ou à compra e venda de
espécimes importados, de espécies incluídas na Convenção e
seus produtos e subprodutos, deverá possuir Certificado CITES
original. Somente serão aceitas cópias dos Certificados CITES
quando estiverem registradas perante o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e nos
casos de transferências parciais derivadas do Certificado
CITES original. Quando se tratar de embargo de cada espécime,
será requerida a Licença ou Certificado respectivo.
2.4.7. Não-Incidência das Normas da CITES
As disposições do Capítulo II do Decreto ns 3.607, de 21 de
setembro de 2000, não são aplicáveis nas hipóteses seguintes:
(i) trânsito ou transbordo de espécimes no território de país
que seja signatário da Convenção, enquanto os espécimes perma-
necerem sob o controle aduaneiro; (ü) quando a Autoridade
Administrativa do país de exportação ou de reexportação
verificar que um espécime foi adquirido antes de a Convenção
entrar em vigor; (iii) espécimes que sejam objetos pessoais ou
de uso doméstico, exceto nos casos previstos no § 39 do art. 7a
da Convenção; (iv) empréstimo, doação ou intercâmbio sem fim
comercial entre cientistas ou instituições científicas
registradas junto às Autoridades Administrativas dos
respectivos países; e
(v) espécimes que fazem parte de zoológico, circo, coleção
zoológica ou botânica ambulantes, desde que sejam obedecidos
os seguintes requisitos: a) o exportador ou importador
registre todos os pormenores sobre os espécimes junto à
Autoridade Administrativa; b) os espécimes estejam incluídos
nos incisos II e IV do artigo 16 do Decreto na 3.607, de 21 de
setembro de 2000; e c) a Autoridade Administrativa verifique
se o transporte não causará dano ao espécime.
Capítulo XVII Biossegurança
Biossegurança
A produção e utilização dos organismos geneticamente
modificados no Brasil encontram-se regidas pela Lei ne 11.105,
de 24 de março de 2005, que “regulamenta os incisos ü, IV e V
do § le do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas
de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e seus
derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança ~ CNBS,
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança -
PNB, revoga a Lei ns 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória n- 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5e,
&, 7% 8% 93,10 e 16 da Lei ns 10,814, de 15 de dezembro de
2003, e dá outras providências”. Tal lei foi regulamentada
pelo Decreto n9 5.591, de 22 de novembro de 2005» e por muitos
outros atos normativos e, em especial, por normas da Comissão
Técnica nacional de Biossegurança - CTNbio.
1. Objetivos, conceitos e proibições da Lei de Biossegurança
A Lei ns 11.105/2005 tem por escopo estabelecer as normas de
segurança e mecanismos de fiscalização relativos a construção,
cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência,
importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comer-
cialização, consumo, liberação no meio ambiente e o descarte
de organismos geneticamente modificados - OGM e seus
derivados. É, ainda, objetivo da norma servir de estímulo ao
avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, à
proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e à
observância do princípio da precaução para a proteção do meio
ambiente. Quanto à observância do princípio da precaução, não
resta dúvida de que esta se fará, nos termos precisos da Lei
de biossegurança, haja vista que tal Lei é a expressão
normativa da aplicação do mencionado princípio pelo legislador
pátrio. A lei não autoriza uma aplicação subjetiva e autônoma
do princípio da precaução, sobretudo se considerarmos que a
aplicação do princípio precaucionário está, em sede legal,
hierarquizada em mesmo nível que o estímulo ao desenvolvimento
científico. Faço tal observação, pois não me parece que o PP
possa ser invocado, no caso concreto, como um fireio à
pesquisa e ao estudo, como tantas vezes acontece.
A atividade de pesquisa tratada pela Lei é aquela que é
realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como
parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de
avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados. Estão
compreendidos em tais atividades, no âmbito experimental, a
construção, o cultivo,
Direito Ambiental
a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a
exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o
descarte de OGM e seus derivados.
A Lei considera comercial aquela atividade que não se
enquadra como de pesquisa e que trata do cultivo, da produção,
da manipulação, do transporte, da transferência, da
comercialização, da importação, da exportação, do
armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e
seus derivados para fins comerciais.
Os agentes das atividades e projetos que envolvam OGM e seus
derivados, relacionados ao ensino com manipulação de
organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico e à produção industrial somente podem ser pessoas
jurídicas de direito público ou privado, devidamente
registradas perante a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança ~ CTNbio, que serão responsáveis pela obediência
aos preceitos da Lei e de sua regulamentação e responderão em
caso de sua inobservância.
Conceitos da lei:
(a) organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou
transferir material genético, inclusive vírus e outras
classes que venham a ser conhecidas;
(b) ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico ~
AJRN: material genético que contém informações determinantes
dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
(c) moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas
manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de
segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam
multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de
ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se
também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos
de ADN/ ARN natural;
(d) engenharia genética: atividade de produção e manipulação
de moléculas de ADN/ARN recombinante;
(e) organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo
material genético — ADN/ARN tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética;
(f) derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua
capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma
viável de OGM.
O artigo 6® estabeleceu uma série de proibições no que se
refere à utilização de OGMs, que são as seguintes:
(a) implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção
de registro de seu acompanhamento individual;
(b) engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro
de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo
com as normas previstas na Lei;
(c) destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus
derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela
CTNBio, pelos órgãos e entida
Biossegurança
des de registro e fiscalização, referidos no art. 16 e demais
da Lei e de sua regulamentação.
(d) liberação no meio ambiente de OGM on seus derivados, no
âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica
favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem
o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o
licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável,
quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente
causadora de degradação ambiental. ou sem a aprovação do
Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, quando o processo
tenha sido por ele avocado, na forma da Lei e de sua
regulamentação;
(e) a utilização, a comercialização, o registro, o
patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de
restrição do uso.
Art. 7a São obrigatórias:
I — a investigação de acidentes ocorridos no curso de
pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio
de relatório respectivo à autoridade competente no prazo
máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;
EE - a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da
saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre
acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus
derivados;
III — a adoção de meios necessários para plenamente informar
à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente,
da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados
da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar
submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso
de acidentes com OGM.
2. Estrutura administrativa de Biosegurança
2.1. Conselho Nacional de Biossegurança
2.1.1. Atribuições e competências
A Biossegurança no Brasil é estruturada de forma
hierárquica, sendo encimada pelo Conselho Nacional de
Biossegurança - CNBS, que é vinculado organicamente à
Presidência da República, órgão de assessoramento superior do
Presidente da República para a formulação e implementação da
Política Nacional de Biossegurança - PNB. É órgão de natureza
política e não técnica. As suas decisões, ainda que levando em
consideração as questões técnicas decididas pela CTNbio, não
estão adstritas ao parecer técnico emitido pela Comissão. O
juízo formulado pelo CNBS é essencialmente de conveniência e
oportunidade. Averbe-se, contudo, que o juízo discricionário
não se afasta do balizamento legal. Logo, uma decisão fundada
em juízo de conveniência e oportunidade não significa que os
aspectos de legalidade tenham sido
Direito Ambientai
desprezados pelo administrador, haja vista que este último
está jungido à observância do princípio da legalidade. O que o
CNBS faz é examinar se determinada liberação de OGM atende às
diferentes necessidades públicas que vão desde o incremento da
atividade econômica até a proteção da saúde e o meio ambiente.
As suas competências são as seguintes:
(a) fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa
dos órgãos e entidades federais com competência sobre a
matéria;
(b) analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da
conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse
nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM
e seus derivados;
(c) avocar e decidir, em última e definitiva instância, com
base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário,
dos órgãos e entidades referidos no art. 16 da Lei> no
âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a
atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus
derivados.
É interessante observar que a natureza política do GNBS se
materializa em sua capacidade avocatória, quando julgar
necessário. O permissivo está perfeitamente inserido no
princípio básico da hierarquia administrativa que faz com que
os órgãos superiores possam exercer controle sobre aqueles que
lhes são inferiores, seja quanto à legalidade das ações
empreendidas, seja quanto à conveniência e oportunidade da
ação de determinados comportamentos por parte dos órgãos
inferiores da pública administração. Observe-se que ele pode
avocar e decidir, como última instância administrativa, os
processos administrativos que tramitam perante a CTNbio.
Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da
atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e
entidades de registro e fiscalização referidos no art. 16 da
Lei. Quando o CNBS deliberar contrariamente à atividade anali-
sada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao
requerente. Neste último caso, somente a revisão judicial
poderá reverter a decisão do CNBS, alertando-se para o fato de
que tal reversão somente poderá ocorrer em função de vícios de
legalidade» vez que ao Judiciário é defeso o exame de mérito
dos atos administrativos, salvo quando este se confundir com
questões de legalidade.
2.1.2. Composição
O CNBS é formado por integrantes de alto nível governamental
que são os seguintes:
(a) Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da
República, que o presidirá;
(b) Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;
(c) Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;
(d) Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;
(e) Ministro de Estado da Justiça;
ES8J - Ensino Superior Btssaa Jufâoa
Biossegurança
(f) Ministro de Estado da Saúde;
(g) Ministro de Estado do Meio Ambiente;
(h) Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior;
(i) Ministro de Estado das Relações Exteriores;
(j) Ministro de Estado da Defesa;
(k) Secretário Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República.
2.2. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança é a base do
sistema de biossegurança e dela partem as principais decisões
sobre o tema. Ela é um órgão que integra a estrutura do
Ministério da Ciência e Tecnologia, sendo uma instância
colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e
deliberativo cuja finalidade é prestar apoio técnico e de
assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e
implementação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e
seus derivados, assim como estabelecer normas técnicas de
segurança e oferecer pareceres técnicos referentes à
autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso
comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de
seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio
ambiente. Assim, toda e qualquer questão referente à biossegu-
rança é decidida administrativamente pela CTNbio, cuja decisão
prevalecerá sobre a de qualquer outro órgão administrativo, à
exceção do Conselho Nacional de Biossegurança que lhe é
hierarquicamente superior
2.2.1. Composição da CTNbio
A CTNbio é composta por 27 (vinte e sete) cidadãos
brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória
atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e
com destacada atividade profissional nas áreas de
biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal
ou meio ambiente. Assim, como se vê de sua composição, em
princípio, a principal característica é que ela é técnica.
Observe-se que a CTNbio é uma Comissão e não um Conselho. A
designação de Comissão tem por finalidade enfatizar o lado
técnico das atividades por ela desenvolvidas, em contraposição
aos aspectos políticos e sociais que caracterizam, por
exemplo, o Conama, sendo:
Integram a CTNbio: (a) 12 (doze) especialistas de notório
saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional,
dos quais (i) 3 (três) da área de saúde humana; (ü) 3 (três)
da área animal; (iii) 3 (três) da área vegetal; (iv) 3 (três)
da área de meio ambiente; (b) um representante de cada ura dos
seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares: (i)
Ministério da Ciência e Tecnologia; (ii) Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (iii) Ministério da
Saúde; (iv) Ministério do Meio Ambiente; (v) Ministério do
Desenvolvimento Agrário; (vi) Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior; (vii) Ministério da Defesa;
(viii) Secretaria Especial de
Direito Ambiental
Aquicultura e Pesca da Presidência da República; (ix)
Ministério das Relações Exteriores; (C) um especialista em
defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça; (d)
um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da
Saúde; (e) um especialista em meio ambiente, indicado pelo
Ministro do Meio Ambiente; (f) um especialista em
biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento; (g) um especialista em agricultura familiar,
indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário;
(h) um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo
Ministro do Trabalho e Emprego.
O legislador adotou um sistema que garante uma participação
moderada da sociedade na composição da CTNbio, haja vista que
determina que os integrantes externos à Administração sejam
selecionados a partir de listas tríplices encaminhadas ao
Executivo para que seja escolhido o membro da Comissão. Os
conselheiros serão indicados para mandatos de dois anos que,
no entanto, não lhes assegura direi- to ao exercício do tempo
integral, pois na realidade os mandatos são meras delegações
administrativas, não podendo impedir que o Executivo substitua
o conselheiro que não esteja atuando conforme as expectativas
da Administração.1 Na verdade, portanto, os dois anos devem ser
entendidos como um período máximo de exercício da função de
conselheiro, permitida a recondução por igual período.
2.2.2. Funcionamento da CTNbio
O funcionamento da CTNbio tem sido motivo de muita
controvérsia e polêmica. Não há a menor dúvida de que a
CTNbio, como uma comissão governamental, está plenamente
adstrita à observância dos elementos e princípios que regem
todo e qualquer órgão da Administração Pública, principalmente
os princípios da legalidade e da publicidade dos atos
administrativos. Assim, salvo justificativa fundamentada e
levada ao conhecimento público, as reuniões da CTNbio devem
ser públicas e abertas ao público em geral que, evidentemente,
deverá se comportar de forma compatível. Contudo, a CTNbio tem
tido muita dificuldade em observar tal circunstância legal, o
que tem gerado muitas medidas judiciais sobre o fato. Por
força de tais realidades, o TRF l2 reafirmou o caráter público
das reuniões da CTNbio, como nos deixa ver o seguinte aresto:
1 STF - SÚMULA N* 8 - DIRETOR DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
PODE SER DESTITUÍDO NO CURSO DO MANDATO. SÚMULA N* 25 - A
NOMEAÇÃO A TERMO NÃO IMPEDE A LIVRE DEMISSÃO PELO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, DE OCUPANTE DE CARGO DIRIGENTE DE AUTARQUIA.
2 TRF 1 - AG 2007.01,00.017904-0/DF; Relator; JUIZ FEDERAL DA
VXD WILSON DE ABREU PARDO (CONV.). 6a Turma. DJU:
26/11/2007, p. 115.
Biossegurança
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COMISSÃO TÉCNICA DE
BIOSSEGURANÇA ~ CTNBio. REUNIÕES PLENÁRIAS E DAS SUBCOMISSÕES
SETORIAIS. RESTRIÇÃO GENÉRICA E TOTAL AO ACESSO. ILEGITI-
MIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE. 1. Deve ser
assegurado a qualquer pessoa o direito de estar presente às
reuniões da CTNBio, na condição de ouvinte, ressalvadas as
deliberações sobre questões sigilosas, de interesse comercial,
nas quais o seu Presidente ou o colegiado, fundamentada-
mente, podem determinar o caráter reservado das discussões e
votações. 2. A pretensão da CTNBio de, cautelarmente, tomar
restrito o acesso a todas as suas reuniões, e sigilosas todas
as suas deliberações, independentemente de justificar se o
tema em debate exige sigão, viola o princípio constitucional
da publicidade, de observância obrigatória por todos os órgãos
da Administração Pública (Constituição Federal, art. 37,
caput). 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento,
mantendo a decisão liminar que garantiu o acesso de qualquer
pessoa às reuniões da CTNBio, salvo nos casos de discussão e
apreciação de procedimentos com informações sigilosas,
decretados previamente em decisão fundamentada. ”
Dentro das normas de publicidade que devem reger as
assentadas da CTNbio a Administração Pública poderão
participar das reuniões para tratar de assuntos de seu
interesse, sem direito a voto. Por medida de isonomia e, em
observância da proibição de tratamento desigual entre os
administrados, nada impede que os interessados em determinado
processo sejam chamados à CTNbio para que exponham as suas
razões e sustentem suas posições quanto a determinado
processo, No caso, é plenamente aplicável o artigo 38 da Lei n2
9.784/99.3 Admite-se, também, que a CTNbio convide para suas
reuniões quaisquer interessados, o que aliás é desnecessário,
haja vista que as reuniões são públicas.
A instalação das reuniões da CTNbio somente ocorrerá com a
presença de 14 membros que, no entanto, deverá refletir a
presença de pelo menos 1 membro de cada uma das diferentes
áreas técnicas que compõem o colegiado deliberativo. As
deliberações deverão ser tomadas por maioria absoluta. A lei
não fala em membros presentes, o que significa que o quórum
mínimo de instalação deverá ser exigido para a deliberação,
sob pena de nulidade das decisões.
O Decreto nfi 5.591, de 22 de novembro de 2005, que
regulamentou a Lei n2 11.105/2005, sanciona com nulidade a
decisão técnica que tenha sido proferida com voto decisivo de
membro que tenha declarado impedido. Há uma certa contradição
no dispositivo do § 5e do artigo 14 do decreto.4 Ora, se o
membro foi declarado impe
3 Alt. 38.0 interessado poderá, na fase mstrutória e antes da
tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer
diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes
à matéria objeto do processo. § 1« Os elementos probatórios
deverão ser considerados na motivação do relatório e da
decisão. § 2a Somente poderão ser recusadas, mediante
decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados
quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou
protelatórias.
4 Art. 14... § 5a É nula a decisão técnica em que o voto de
membro declarado impedido tenha sido decisivo para o
resultado do julgamento.
390
Direito Ambiental
dido, não há como ele possa vir a participar do julgamento,
haja vista que a declaração de impedimento é uma preliminar ao
próprio julgamento. A hipótese é, evidentemente, de declaração
superveniente de impedimento. O conceito de voto decisivo, em
meu ponto de vista, só pode ser juridicamente válido se ele
compuser a maioria absoluta (metade mais 1), pois do
contrário, estaria sendo posta em julgamento a autonomia dos
demais votos que teriam sido contaminados pelo voto impedido.
Se o voto do conselheiro impedido estiver na minoria, não há
sentido em se falar em anulação, pois não se registrou
prejuízo para as partes.
A CTNbio poderá se dividir em subcomissões para apreciar de
forma mais minuciosa os diferentes processos que lhe são
submetidos.
2.2.2.1. Audiência Pública
O artigo 15 estabelece a possibilidade de convocação de
audiência pública por parte da CTNbio, como forma de obtenção
de informações e opiniões da comunidade sobre a matéria em
debate. É relevante observar que a audiência não se restringe
à comunidade científica, mas está “garantida a participação da
sociedade civil”, na forma do regulamento.
2.222. Normas de conduta ética dos conselheiros
A lei (§ 6a do artigo 11) determina que os membros da CTNBio
devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos
conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do
julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento
de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de
mandato, na forma do regulamento. Os termos nos quais os
impedimentos estão lavrados de forma pouco clara e, até mesmo,
abstrata. Mais fácil teria sido a utilização da fórmula geral
de impedimento e suspeição contida na Lei n9 9.784/99,5 o que
lamentavelmente não foi feito pelo legislador.
2.2.3. Competência da CTNbio
À CTNbio foram atribuídas as seguintes competências:
5 Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o
servidor ou autoridade que: I — tenha interesse direto ou
indireto na matéria; II — tenha participado ou venha a
participar como perito, testemunha ou representante, ou se
tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou
parente e afins até o terceiro grau; III — esteja litigando
judicial ou administrativamente com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro. Art. 19. A autoridade ou
servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o feto à
autoridade competente, abstendo-se de atuar. Parágrafo
único. A omissão do dever de comunicar o impedimento
constitui falta grave, para efeitos disciplinares. Art. 20.
Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que
tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos
interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros,
parentes e afins até o terceiro grau. Art. 21. O
indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de
recurso, sem efeito suspensivo.
Biossegurança
(a) estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados
de OGM;
(b) estabelecer normas relativamente às atividades e aos
projetos relacionados a OGM e seus derivados;
(c) estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de
avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados;
(d) proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso,
relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e
seus derivados;
(e) estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões
Internas de Biossegurança - CIBio, no âmbito de cada
instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica,
ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que
envolvam OGM ou seus derivados;
(f) estabelecer requisitos relativos à biossegurança para
autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou
empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e
seus derivados;
(g) relacionar-se com instituições voltadas para a
biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e
internacional;
(h) autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de
pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da
legislação em vigor;
(i) autorizar a importação de OGM e seus derivados para
atividade de pesquisa;
(j) prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao
GNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados;
(k) emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB
para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus
derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar
cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização
referidos no art. 16 da Lei;
(1) emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança
de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa
e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a
classificação quanto ao grau de risco e nível de biosse-
gurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e
restrições ao uso;
(m) definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e
seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de
segurança quanto aò seu uso, conforme as normas
estabelecidas na regulamentação da Lei, bem como quanto aos
seus derivados;
(n) classificar os OGM segundo a classe de risco, observados
os critérios estabelecidos no regulamento da Lei;
(o) acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-
científico na biossegurança de OGM e seus derivados;
(p) emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as
matérias de sua competência;
(q) apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de
prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades,
verificados no curso dos projetos e das atividades com
técnicas de ADN/ARN recombinante;
Direito Ambiental
(r) apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 da Lei, no exercício de
suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;
(s) divulgar no Diário Oficial da União, previamente à
análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos
pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como
dar ampla publicidade no Sistema de Informações em
Biossegurança - SIB a sua agenda, processos em trâmite,
relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações
sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas,
de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim
consideradas pela CTNBio;
(t) identificar atividades e produtos decorrentes do uso de
OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação
do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;
(u) reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus
membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos
científicos novos, que sejam relevantes quanto à
biossegurança do OGM ou derivado, na forma da Lei e seu
regulamento;
(v) propor a realização de pesquisas e estudos científicos no
campo da biossegurança de OGM e seus derivados;
(x) apresentar proposta de regimento interno ao Ministro
da Ciência e Tecnologia,
É importante frisar que, quanto aos aspectos de
biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da
CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração.
Isto significa que a decisão da CTNbio se sobrepõe e prevalece
sobre a decisão de qualquer órgão administrativo sobre o tema.
Uma questão bastante complexa tem sido a relação da CTNbio com
os órgãos de controle ambiental, sobretudo no que se refere ao
licenciamento ambiental. A Resolução Conama ns 237/97, em seu
anexo 1, determina ser necessário o licenciamento ambiental
dos organismos geneticamente modificados. Contudo, tal
determinação só tem validade legal nas hipóteses nas quais a
CTNbio reconheça que os OGMs, em cada caso concreto, são
"efetiva ou potencialmente poluidores”, que é a hipótese legal
prevista no artigo 10 da PNMA.6 Tal declaração não é da alçada
dos órgãos ambientais, conforme se pode perceber do § ls do
artigo 14 da Lei na 11.105/2005. Ainda na vigência da Lei n9
8.974/95 a matéria já estava regulada da mesma forma, tendo
obtido reconhecimento judicial,7 como nos deixa ver o seguinte
aresto:
“CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225, § 1«,
INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL... EFICÁCIA DA NORMA DO
6 Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras
de recursos ambientais, ccmsideiudos efetiva e
potencialmente pohridores, bem como os capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento de órgão estadual competente, integrante do
Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças
exigíveis
7 TRF 1 — AC 1998.34.00.027682-0/DF. Relatora: Desembargadora
Federal Selene Maria de Almeida. 53
Turma. DJU: 01/09/2004, p. 14.
Biossegurança
ARTIGO 225, § 1«, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO. DISCIPLINA
JURÍDICA DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NA LEI 6.398, DE 1981,
E NA CONSTITUIÇÃO DE OUTUBRO DE 1988. RESOLUÇÕES N91/86 E
237/97 DO CONA- MA. ALTERAÇÕES NA RESOLUÇÃO 237/97 DO CONAMA E
NA RESOLUÇÃO CONAMA 1/86. LEI 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995.
CONFLITO APARENTE DE NORMAS: O DIREITO INTERTEMPORAL APLICÁVEL
À ESPÉCIE.
NATUREZA JURÍDICA DO PARECER TÉCNICO CONCLUSIVO DA CTNBIO...
2. A Constituição determinou que o Poder Público (artigo 225,
§ Ia, inc. IV) tem o dever de exigir, na forma da lei, estudo
de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente. 3. Da dicção do art. 225 da Constituição Federal
ressai que não há qualquer discricionariedade para a
Administração Pública, quanto a exigir ou não o estudo do
impacto ambiental, na hipótese de pedido de licenciamento de
atividade ou obra potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, sempre que o administrador se
encontrar diante de pedido de licença para atividades ou obras
com essas características. 4. O Constituinte de 1988 remeteu
ao legislador ordinário a competência para regular essa
imposição da obrigatoriedade do estudo de impacto ambiental
nos casos em que ocorrer significativa degradação do meio
ambiente...
6. Os incisos dispõem de maneira genérica, porém declaram,
desde logo, quais as funções que o Poder Público tem a
obrigação de exercer, fazendo ou impedindo que algo se faça,
no âmbito da imperatividade estatuída, mas há funções
dependentes de lei ou regulamento que especifique e concretize
o que deve ser feito ou proibido.
... 8.0 inciso IV, do § Ia, do ardgo 225, da Constituição é
uma norma constitucional de eficácia diferida (Paulo
Bonavides) ou norma constitucional de eficácia contida Qosé
Afonso da Silva) porque seu real alcance e inteligência só
podem ser estabelecidos pelo legislador ordinário a quem a
norma constitucional diretamente se dirigiu... 15. Em 19 de
dezembro de 1997, o CONAMA editou a Resolução 237, publicada
no D.O.U. de 22 de dezembro de 1997, adaptando a Resolução 1,
de 23.01.86, às normas da Constituição Federal de 1988, no que
se refere às competências para o licenciamento ambiental, O
CONAMA, ao tratar do licenciamento para liberação de
organismos geneticamente modificados (OGMs) no meio ambiente,
para fins de pesquisa e comércio, nem sempre exige o estudo de
impacto ambiental, que pode ser substituído “por outros estu-
dos ambientais”, o que está em conformidade com o inciso II do
art. 8® da Lei 6.938/81, na redação da Lei 8.028/90, que
facultou ao referido órgão exigir “estudos das alternativas e
das possíveis consequências ambientais dos projetos públicos
ou privados...” apenas quando julgar necessário.
16. A Resolução tem que se adaptar à Constituição e não a
Constituição à Resolução. Se a Constituição diz que o estudo
de impacto ambiental é obrigatório sempre que houver
significativa degradação ambiental, não é possível se aplicar
a Resolução que diz que o estudo de impacto ambiental é
obrigatório em qualquer caso.
Direito Ambiental
Mesmo que a Resolução CONAMA 1/86 não tivesse sido revogada
pela Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, não
teria validade em face do que dispõe o inciso IV, do § ls, do
artigo 225, da Constituição Federal de 1988... 18. O Congresso
Nacional aprovou a Lei 8.974, de 05 de janeiro de 1995, cuja
ementa diz que ela regulamenta o disposto nos incisos II e V,
do § ls, do art. 225, da CF/88. A Lei estabeleceu normas
ambientais especiais sobre biossegurança, distintas daquelas
destinadas às questões ambientais gerais (Lei 6.938/81). 19. A
Lei 8.974/95 não arrolou as obras e atividades, relacionadas
com a biossegurança que, por apresentarem potencialmente
significativa degradação do meio ambiente, devem ser
precedidas de estudo de um impacto ambiental. A questão ficou
no âmbito de normas iníralegais. Não há norma de lei ordinária
detalhando que obras ou atividades são aptas a causarem
significativa degradação ambiental, devendo tal especificação
se dar em cada caso concreto pelo órgão competente. Essa
competência é deferida, em termos gerais, ao CONAMA, pelo art.
82, II, da Lei 6.938/81, na redação dada pela Lei 8.028/90, e
pela Resolução 237, de 19 de dezembro de 1997, do próprio
CONAMA. No gnp diz respeito aos projetos que envolvam
biossegurança, tal competência é exclusiva da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança - CTNBio. por força do disposto na
Lei 8.974/95. alterada pelas Medidas Provisórias 2.137/2000 e
2.191/2001. especificamente em face do seu art. inciso VI.
sendo essa a lei que regulamenta o disposto nos incisos IL IV
e V do § le do art. 225 da Constituição Federal, no que pertine
ao plantio e comercialização de organismos geneticamente
modificados. 22. A lei especial afasta a aplicabilidade da lei
geral que é aplicável para os casos gerais. As regras
genéricas da lei genérica sobre meio ambiente foram afastadas
pelas normas específicas de lei especial sobre OGMs. As normas
da Lei 6.938/81 são gerais em matéria ambiental e as normas da
Lei 8.974/95 são especiais, pois dizem respeito apenas a um
dos aspectos do meio ambiente (a construção, a manipulação e a
liberação de organismos geneticamente modificados). 23. No
conflito aparente de normas. só uma pode prevalecer, pois não
é possível que normas de igual hierarquia regu- fom
diferentemente a mesma matéria e amhaq incidam
concomitantemente. A solução para o conflito aparente de
normas está na Lei de introdução ao Código Civil cuia regra é:
as normas de lei especial se aplicam aos casos especiais que
arrola (art. 2g da LICC - Decreto-lei 4.657. de 1942).
A regência da Lei 6.938/91 ficou afastada pela aplicação
excepcionante das disposições da Lei 8.974/95. A lista
constante do Anexo I da Resolução 237/97 do CONAMA, no ponto
onde indica a ‘‘introdução de espécies exóticas e/ou geneti-
camente modificadas” é ilegal, não podendo ser aplicada
validamente, posto que a Lei 8.974/95 é de janeiro de 1995 e
não previu mais o licenciamento ambiental♦ mas sim
autorizações pelos órgãos Sscalizadores dos Ministérios que
indica. A Resolução. norma administrativa genérica. não pode
contrariar a foi e nm decreto. A Resolução 237. de 9 de
dezembro de 1997. entrando em vigor posteriormente à lei
mencionada neste ponto, infringe a Lei 8.974/95, sendo assim
ilegal. 24. As Resoluções 01/86 e 237/97, do CONAMA, não são
aplicáveis aos estudos de impac-
ESBJ • Ensmo Supsrior Bumsu Jurt^es
Biossegurança
to ambiental que venham a ser exigidos pela CTNBio no
exercício da competência sobre biossegurança, restando ao
CONAMA sua aplicação nos casos de significativa degradação
ambiental e em casos gerais que assim venham a ser considera-
dos pelo órgão federal competente para efeito de licenciamento
pelo IBAMA.
25. A Resolução 305, do CONAMA, ao pretender exigir, para
toda liberação de OGMs no meio ambiente, realização de estudo
prévio de impacto ambiental (E1A/RIMA) e não-avaliação de
risco, deve ser interpretada e aplicada de acordo com a
Constituição Federal, com a Lei 8.974, de 1995, e a Medida
Provisória 2.137, de 2000, sucedida pela MP 2.191/01, visto
que a competência para dizer se os OGMs especificamente
considerados causam ou não significativo impacto no meio
ambiente foi atribuída legalmente à CTNBio...
32. O parágrafo único do artigo 7S da Lei de Biossegurança
dispõe que o "parecer técnico conclusivo da CTNBio vincula os
demais órgãos da Administração, quanto aos aspectos de
biossegurança do OGM por ela analisados. preservadas as
competências dos órgãos de fiscalização de estabelecer exi-
gências e procedimentos adicionais específicos às suas
respectivas áreas de com- petência legal”. 33. Como se trata
de parecer técnico da área específica de biossegurança. tem
eficácia vinculante aos demais órgãos da Administração Federal
Pública. porque esses outros órgãos não têm competência
científica para discutir o mérito do parecer técnico da
CTNBio. que não é órgão consultivo. mas deliberativo quanto à
segurança dos produtos que contenham OGM... 53. Não é a
Justiça Federal o locus para se deliberar, do ponto de vista
estritamente científico, sobre a segurança alimentar e
ambiental de todos os OGMs que são consumidos no mundo. Os
órgãos jurisdicionais não são academias e não foram
instituídos para se manifestarem ex cathedra sobre teses
científicas. O juiz só se pronuncia sobre o fenômeno
científico quando ele está implicado com o fato jurídico e
dele decorre um conflito de interesse qualificado por uma
pretensão resistida...
89. Apelações providas. Remessa oficial prejudicada.”
2.2.3.1. A CTNbio e o licenciamento ambiental
Na forma do artigo 16, § 3», da Lei, A CTNBio delibera, em
última e definitiva instância, sobre os casos em que a
atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação
ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento
ambiental Caberá ao Ibama o licenciamento ambiental, sempre
que a CTNbio entender seja o caso. Por fim, é de se ressaltar
que somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do
art. S9 e do caput do art. 10 da Lei ne 6.938, de 31 de agosto
de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o OGM é
potencialmente causador de significativa degradação do meio
ambiente.
2.2.3.2. Forma das decisões da CTNbio
Como em todo órgão da Administração Pública, as decisões da
CTNbio devem ser públicas e fundamentadas, com vistas a poder
assegurar a qualquer interessado o
Direito Ambiental
direito de revisão, seja judicial, seja administrativa. As
decisões técnicas proferidas pela CTNbio devem conter resumo
de sua fundamentação técnica, explicitando as medidas de
segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e,
ainda, considerar as particularidades das diferentes regiões
do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e
entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 da
Lei, no exercício de suas atribuições.
2.3. Comissão Interna de Biossegurança
Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de
engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus
derivados deve instituir uma Comissão Interna de Biossegurança
- CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para
cada projeto específico, cuja competência será:
(a) manter informados os trabalhadores e demais membros da
coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela
atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a
segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de
acidentes;
(b) estabelecer programas preventivos e de inspeção para
garantir o funcionamento das instalações sob sua
responsabilidade, dentro dos padrões e normas de
biossegurança, definidos pela CTNBio;
(c) encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será
estabelecida na regulamentação da Lei, para efeito de
análise, registro ou autorização do órgão competente, quando
couber;
(d) manter registro do acompanhamento individual de cada
atividade ou projeto em desenvolvimento que envolva OGM ou
seus derivados;
(e) notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 da Lei, e às entidades de
trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão
submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente
ou incidente que possa provocar a disseminação de agente
biológico;
(f) investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades
possivelmente relacionadas a OGM e seus derivados e
notificar suas conclusões e providências à CTNBio.
2.4. Registro de OGM
Conforme está definido no artigo 16 da Lei n2 11.105/2005, o
registro de OGMS é múltiplo, realizando-se em diferentes
órgãos administrativos, dependendo do aspecto que se pretenda
registrar. Observe-se, contudo, que cabe à CTNbio definir os
aspectos referentes à biossegurança, o que na minha opinião
quer dizer que os diferentes ministérios e órgãos
administrativos devem, apenas e tão-somente, exercer a função
registrária, sem questionar o mérito do produto licenciando.
Quanto ao particular deve ser relembrado que na composição da
CTNbio estão presentes representantes de diferentes
ministérios e órgãos públicos que, desta forma, já tomaram
conhecimento dos aspectos relevantes do produto a ser
licenciado. Admitir-se um exame de mérito quanto ao produto a
ser registrado e, ipso iure, subtrair atribuições da CTNbio.
Biossegurança
Assim, na forma do artigo 16 cabe aos órgãos e entidades de
registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do
Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca
da Presidência da República, entre outras atribuições, no
campo de suas competências, observadas a decisão técnica da
CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos
na Lei e em seu regulamento. Tais atribuições são:
(a) fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus
derivados;
(b) registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e
seus derivados;
(c) emitir autorização para a importação de OGM e seus
derivados para uso comercial;
(d) manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e
responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos
relacionados a OGM e seus derivados;
(e) tomar públicos, inclusive no SIB, os registros e
autorizações concedidas;
(í) aplicar as penalidades de que trata a Lei;
(g) subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação
de biossegurança de OGM e seus derivados.
Assim, é importante que se frise, a atribuição dos órgãos
externos à CTNbio é meramente registrária e fiscalizatória e,
jamais, autorizativa. Observe-se que a lei expressamente
afirma que as autorizações e registros *estarão vinculados à
decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas
exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas
naquela decisão, nos aspectos relacionados à biosse-
gurançacabendo ao CNBS dirimir quaisquer divergências quanto à
decisão técnica da CTNBio sobre a liberação comercial de OGM e
derivados, os órgãos e entidades de registro e fiscalização,
no âmbito de suas competências.
Competência registrária e fiscalizatória
Ministério Ministério Ministério Secretaria
da Agricul- da Saúde do Meio Am- Especial de
tura, biente Aquicultura
Pecuária e e Pesca
Abas-
tecimento
emitir as emitir as emitir as emitir as
autorizaçõe autorizaçõe autorizaçõe autorizaçõe
s e s e s e s e
registros e registros e registros e registros
fiscalizar fiscalizar fiscalizar de produtos
produtos e produtos e produtos e e
atividades atividades atividades atividades
que com OGM e que en- com OGM e
utilizem seus volvam OGM seus
OGM e seus derivados e seus de- derivados
derivados destinados rivados a destinados
destinados a uso huma- serem ao uso na
a uso no, liberados pesca e
animal, na farmacológi nos aquicultura
agricultura co, do- ecossistema .
, pecuária, missanitári s naturais,
agroindústr o e áreas bem como o
ia e áreas afins. li-
afins. cenciamento
, nos casos
em que a
CTNBio
deliberar
que o OGM é
po-
tencialment
e causador
de
significati
va degrada-
ção do meio
ambiente.
Direito Ambiental
3. Responsabilidade Civil, Administrativa e Penal
A lei estabeleceu um amplo sistema de responsabilidade civil
e administrativa em seus artigos 20 e seguintes. Em primeiro
lugar, há que se observar que a lei seguiu o caminho que tem
sido o prevalente nas modernas leis que tratam de proteção ao
meio ambiente, que é o de se fundar na responsabilidade sem
culpa ou objetiva. Também foi estabelecida uma
responsabilidade solidária entre aqueles que tenham dado
origem ao dano e, diferentemente da PNMA, foi definido que a
reparação do dano deve ser integral, não se admitindo, no caso
específico, qualquer possibilidade de tarifação. Contudo, há
que se observar que o artigo 21 repetiu tendência já encon-
trada na Lei ne 9.605/98, que é o estabelecimento de tipos
administrativos abertos, o que é péssimo. Permito-me relembrar
a fórmula geral do artigo 21: “Considera-se infração
administrativa toda ação ou omissão que viole as normas
previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes. ”
A punição para a infração administrativa se divide em:
(a) advertência
(b) multa;
(c) apreensão de OGM e seus derivados;
(d) suspensão da venda de OGM e seus derivados;
(e) embargo da atividade;
(f) interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade
ou empreendimento;
(g) suspensão de registro, licença ou autorização;
(h) cancelamento de registro, licença ou autorização;
(i) perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal
concedidos pelo governo;
(j) perda ou suspensão da participação em linha de
financiamento em estabelecimento oficial de crédito;
(k) intervenção no estabelecimento;
(I) proibição de contratar com a administração pública, por
período de até 5 (cinco) anos.
As multas, na forma do artigo 22, podem oscilar entre R$
2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e
quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da
infração, podendo ser aplicadas cumulativamente e dobradas em
caso de reincidência. Na ocorrência de infração continuada,
que se caracteriza pela permanência da ação ou omissão
inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada
diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação
imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da
instituição ou empresa responsável.
A competência para a aplicação das multas é dos órgãos e
entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio
Ambiente e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República, referidos no art. 16 da Lei, de
acordo com suas respectivas competências.
Biossegurança
Uma importante inovação da lei é que ela estabeleceu uma
solidariedade entre os agentes financeiros e os eventuais
infratores da lei, sempre que o financiador deixe de exigir o
Certificado de Qualidade em Biossegurança.
Constituem-se crimes:
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em
desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos
órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1= (VETADO)
§ 29 Agrava-se a pena:
I - de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à
propriedade alheia;
II - de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao
meio ambiente;
III - da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão
corporal de natureza grave em outrem;
IV - de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte
de outrem.
Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e
licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar,
importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou
em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos
órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
Capítulo XVIII Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
1. Introdução
O acesso aos benefícios decorrentes da utilização da
biodiversidade é uma das questões mais complexas em diversos
setores da vida internacional, pois acreditam alguns que da
utilização de recursos genéticos existentes em plantas e
animais será possível a geração de novas riquezas capazes de
beneficiar os detentores de tais recursos. Não se deve,
contudo, deixar de anotar a perspicaz observação de Dutfield1
no sentido de que: “In the absence of a market, it is very
difficult to estimate their economic value as imputs in modem
plant breeding.”2- Este é, apenas, o aspecto da moderna
agroindústria. Entretanto, há que se considerar que questões
relacionadas com a produção de itens farmacêuticos,
igualmente, estão extremamente vinculadas com o acesso à
biodiversidade. O meu objetivo, neste capítulo, é analisar a
legislação federal referente ao acesso à diversidade
biológica. Examinarei, fundamentalmente, os mecanismos legais
e institucionais criados pela Medida Provisória n® 2.186-16,
de 23 de agosto de 2001, e as normas que se lhe seguiram. Por
questão de metodologia, a delicada questão da proteção aos
conhecimentos tradicionais associados será tratada em outro
capítulo. Igualmente, em outro capítulo, será tratada a
legislação estadual sobre o acesso à diversidade biológica.
2. O Quadro Jurídico do Acesso à Biodiversidade
A CF, em seu artigo 225, § ls, II, e § 4a,3 define as regras
básicas a serem observadas pelo legislador ordinário ao tratar
do tema que ora está sendo examinado, que, indiscutivelmente,
revestem-se de caráter tutelar. As normas constitucionais
brasi-
1 Grahan Dutfield. Inteüectual Propezty Rights, Tia.de and
Biodiversity. London: IUCN/ Earthscan, 2000,
p. 2.
2 Na ausência de um mercado, é muito difícil calcular O seu
valor econômico como incentivo na moderna criação de
plantas.
3 CF, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações. § 2a Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao poder público: (...)
II—preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético (...) § 4a A
Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do
Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização íòr-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Direito Ambiental
leiras formam o arcabouço jurídico básico que serve de suporte
para a adesão brasileira aos termos da Convenção sobre
Diversidade Biológica4 que foi incorporada ao nosso direito
interno pelo Decreto n2 2.519, de 16 de março de 1998.5
A Medida Provisória ne 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, em
seu artigo l2, determina que a norma dispõe sobre os bens, os
direitos e as obrigações relativos:
(í) ao acesso6 a componente do patrimônio genético7 existente
no território nacional, na plataforma continental e na zona
econômica exclusiva para fins de pesquisa científica,
desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção;8
(ii) ao acesso ao conhecimento tradicional associado9 ao
patrimônio genético,10 relevante à conservação da
diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético
do País e à utilização de seus componentes;
(iii) à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados
da exploração de componente do patrimônio genético e do
conhecimento tradicional associado; e
(iv) ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para
a conservação e a utilização da diversidade biológica.
A Medida Provisória não estabelece normas referentes ao
exercício das diferentes formas das quais se reveste o direito
de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o
componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de
sua ocorrência, ou seja, tanto o titular do produto resultante
da utilização do patrimônio genético quanto o titular do
conhecimento tradicional associado devem exercer os seus
respectivos direitos na forma da legislação própria.
A norma legal admite uma multiplicidade de direitos de
propriedade incidentes sobre o mesmo bem jurídico. O
patrimônio genético, por exemplo, é claramente imaterial e não
se confunde com os bens materiais individuais ou coletivos.
4 Também conhedda como Convenção da Biodiversidade,
5 Os artigos 1«, 8a, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16,
alíneas 3 e 4 foram diretamente regulamentados pela. Medida
Provisória n» 2.186-16, de 23/8/2001,
6 Art. 7o, IV - acesso ao patrimônio genético: obtenção de
amostra de componente do patrimônio genético para Bns de
pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou
bioprospecção, visando à sua aplicação industrial ou de
outra natureza.
7 Art. 7», I — patrimônio genético: informação de origem
genética, contida em amostras do todo ou de parte de
espécime vegetal, fiíngico, microbiano ou animal, na forma
de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo
destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos
vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive
domesticados, ou manados em coleções ex si tu, desde que
coletados em condições in situ no território nacional, na
plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.
8 Art. 7 VII - bioprospecção: atividade exploratória que visa
identificar componente do patrimônio genético e informação
sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de
uso comercial.
9 Art. 7», V — acesso ao conhecimento tradicional associado:
obtenção de informação sobre conhecimento ou prática
individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de
comunidade indígena ou de com u- nidade local, paia fins de
pesquisa cientíSca, desenvolvimento tecnológico ou
bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de
outra natureza...
10 Art. 7a, II - conhecimento tradicional associado: informação
ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou
de comunidade local, com valor real ou potencial, associada
ao patrimônio genético.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
O artigo 22 determina a existência do regime de autorização
da União para acesso ao patrimônio genético existente no
País.11 A matéria, portanto, está submetida ao poder de polícia
da União, logo, o uso, a comercialização e o aproveitamento
para quaisquer fins estão submetidos à fiscalização, a
restrições e repartição de benefícios nos termos e nas
condições estabelecidos na Medida Provisória e no seu
regulamento. Na verdade, o regime deve ser considerado como
licenciamento, pois, na forma do artigo 6S da Medida
Provisória, a sua revogação somente pode ocorrer em casos de
graves danos à saúde, ao meio ambiente e a outros bens
relevantes, in verbis: Art. & A qualquer tempo, existindo
evidência científica consistente de perigo de dano grave e
irreversível à diversidade biológica, decorrente de atividades
praticadas na forma desta Medida Provisória, o Poder Público,
por intermédio do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético,
previsto no art. 10, com base em critérios e parecer técnico,
determinará medidas destinadas a impedir o dano, podendo,
inclusive, sustar a atividade, respeitada a competência do
órgão responsável pela biossegurança de organismos
geneticamente modificados. O patrimônio genético, mal
comparando, é o software do meio ambiente, pois mais
importante que o próprio hardware, embora um não viva sem o
outro.
2.1. Patrimônio Genético
O patrimônio genético, conforme a definição normativa
contida na Medida Provisória, é: Informação de origem
genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime
vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas
e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e
de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos,
encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou
mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições
in situ no território nacional, na plataforma continental ou
na zona econômica exclusiva. Ele não é, portanto, um conjunto
de bens materiais, pois é tuna informação, um conjunto de bens
imateriais. A normã estabelece que tal conjunto de
informações, mesmo que ainda não tenham sido reveladas, é de
propriedade do Estado brasileiro e que, em função de tal
regime de titularidade, os benefícios econômicos e outros que
possam dele advir, devem ser repartidos entre o Estado e os
outros intervenientes no processo de seu desvendamento.
Ainda que este não seja o tema principal do presente
trabalho, há que se registrar que a MP 2.186-16/2001 reconhece
de forma clara e cabal que não existe livre acesso aos
recursos da diversidade biológica. Esta observação é muito
importante, pois há tuna crença bastante difundida de que
existe uma liberdade de acesso aos bens naturais. Esta crença
tem fornecido argumentos contra a incidência do regime de
propriedade intelectual sobre micro-organismos. É de se
observar, ademais, que toda utilização de recursos ambientais,
por estar sujeita ao regime de licenciamento,
11 Em se tratando de patrimônio genético existente na
plataforma continental, devem ser observadas as normas
contidas na Lei na 8.617, de 4/1/1993.
Direito Ambiental
pressupõe um controle do Estado e uma utilização mediante
condições especificadas na licença; logo, não livre.
Uma questão que ainda não está muito clara é aquela que diz
respeito à competência legislativa sobre patrimônio genético,
pois, salvo melhor juízo, os artigos da CF não se referem ao
tema. É certo, no entanto, que o artigo 225, § l9, II,
determina que compete ao Poder Público preservar a diversidade
e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material
genético. O comando contido na norma supra tem por finalidade
assegurar que todos usufruam de uma sadia qualidade ambiental.
Em princípio, o legislador constituinte entendeu que a
conservação do património genético é, reflexamente, uma
questão ambiental. Em meu entendimento, este fato desloca a
competência sobre a matéria para o artigo 24 da CF, por se
tratar de competência em matéria ambiental, logo, concorrente.
Em abonamento a este entendimento, é possível veri- ficar-se
que alguns Estados-Membros da Federação já estão legislando
sobre a matéria de forma bastante abrangente.12 Entretanto,
como será visto, a matéria não é tão simples, pois existem
assuntos de Direito Comercial, de propriedade intelectual,
terras indígenas e outros que se imbricam no tema. A questão
central, em meu entendimento, é que, em vez de se estabelecer
disputas por competências, os entes federados devem colaborar
entre si para dar o melhor encaminhamento possível à questão.
2.2.1. Inaplicabilidade das Normas e Vedação de Acesso
A Medida Provisória não se aplica em duas hipóteses:
(i) Patrimônio genético humano;13 e
(ii) intercâmbio e difusão de componente do patrimônio
genético e do conhecimento tradicional associado praticado
entre si por comunidades indígenas e comunidades locais para
seu próprio benefício e baseados em prática costumeira.14
É inadmissível o acesso ao patrimônio genético quando a sua
utilização se fizer com o objetivo de realização de práticas
nocivas ao meio ambiente e à saúde humana e para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas.15 É uma con-
sequência lógica da CDB, pois ela visa ao desenvolvimento
sustentável e à promoção humana.
12 Acre: Lei n° 1.235, de 3/7/1997. Amapá: Lei n° 388, de
3/12/1997.
13 No particular, não existe norma legal no Brasil, o que é
muito preocupante.
14 Com isto, reforça-se a tese de que a CDB é um instrumento
econômico importante e não se limita a um abstrato documento
preservacionista.
15 O Brasil é signatário da Convenção sobre a Proibição do
Desenvolvimento, Produção eEstocagem de
Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base de Toxinas e sua
Destruição, promulgada peloDecreto n°
77.374, de l«/4/1976. Fonte: http://www.mre.gov.br.
\
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil I
2.2.2. Gestão do Patrimônio Genético
O artigo 10 da Medida Provisória criou, no âmbito do
Ministério do Meio Ambiente, sob a presidência de seu
representante, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético -
cuja composição e funcionamento são definidos em regulamento -
, de caráter deliberativo e normativo, formado por
representantes de órgãos e entidades da Administração Pública
Federal com competência sobre as diversas ações referentes ao
acesso à biodiversidade.
Atribuições do Conselho de Gestão:
(i) coordenar a implementação de políticas para a gestão do
patrimônio genético;
(ii) estabelecer:
a) normas técnicas;
b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;
c) diretrizes para elaboração do Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
d) critérios para a criação de base de dados para o registro
de informação sobre conhecimento tradicional associado;
(iii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iv) deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu
titular;16
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado,
mediante anuência prévia de seu titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético à instituição nacional,
pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à
universidade nacional, pública ou privada, com prazo de
duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, nos
termos do regulamento;
d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional
associado à instituição nacional, pública ou privada, que
exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas
biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou
privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável
por iguais períodos, nos termos do regulamento;
.405
16 A expressão é sinônima de “consentimento prévio
fundamentado” utilizado na Convenção de Diversidade
Biológica (CDB).
406
Direito Ambiental
e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa
e desenvolvimento ou de instituição pública federal de
gestão para antorizar outra instituição nacional, pública ou
privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins:
i. a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de
conhecimento tradicional associado;
ii. a remeter amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
f) credenciamento de instituição pública nacional para ser
fiel depositária de amostra de componente do patrimônio
genético;
(v) dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento
dos requisitos previstos na Medida Provisória e no seu
regulamento;
(vi) promover debates e consultas públicas sobre os temas
relacionados ao acesso à biodiversidade;
(vii) funcionar como instância superior de recurso em relação
a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes
da aplicação da Lei de acesso à biodiversidade;
(viii) aprovar seu regimento interno.
A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e
de acesso a conhecimento tradicional associado, que contribua
para o avanço do conhecimento e que não esteja associada à
bioprospecção, sempre que envolva a participação de pessoa
jurídica estrangeira, deverá ser autorizada pelo órgão
responsável pela política nacional de pesquisa científica e
tecnológica, na forma da legislação específica.
Ao Presidente do Conselho de Gestão compete firmar, em nome
da União, Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios. Tal atribuição poderá ser delegada
ao titular de instituição pública federal de pesquisa e
desenvolvimento ou instituição pública federal de gestão,
ressalvados os casos em que haja conflito de interesses.
Caberá à instituição credenciada de que tratam os números 1
e 2 da alínea “e” do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória
uma ou mais das seguintes atribuições, observadas as
diretrizes do Conselho de Gestão:
(i) analisar requerimento e emitir, a terceiros,
autorização:
a) de acesso a amostra de componente do patrimônio genético
existente em condições in sita no território nacional, na
plataforma continental e na zona econômica exclusiva,
mediante anuência prévia de seus titulares;
b) de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia dos titulares da área;
c) de remessa de amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(ii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iii) criar e manter:
a) cadastro de coleções ex sita, conforme previsto nó art. 18
da Medida Provisória;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios, na forma do regulamento;
(iv) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de
Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material
e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
(v) acompanhar a implementação dos Termos de Transferência de
Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios referente aos
processos por ela autorizados.
A instituição credenciada deverá, anualmente, mediante
relatório, dar conhecimento pleno ao Conselho de Gestão sobre
a atividade realizada e repassar cópia das bases de dados à
unidade executora prevista no art. 15. Ela deve, também, na
forma do art. 11, observar o cumprimento das disposições da
Medida Provisória, do seu regulamento e das decisões do
Conselho de Gestão, sob pena de Ser descredenciada,
sujeitando-se à aplicação, no que couber, das penalidades
previstas no art. 30 e na legislação vigente.
Foi autorizada a criação, na estrutura do Ministério do Meio
Ambiente, de unidade executora que exercerá a função de
secretaria executiva do Conselho de Gestão, com as seguintes
atribuições, dentre outras:
(i) implementar as deliberações do Conselho de Gestão;
(ii) dar suporte às instituições credenciadas;
(iii) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão
e em seu nome:
a) Autorização de Acesso e de Remessa;
b) Autorização Especial de Acesso e de Remessa;
(iv) acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
(v) credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento ou instituição pública federal de
gestão para autorizar instituição nacional, pública ou
privada:
Direito Ambiental
a) ter acesso a amostra de componente do patrimônio genético e
de conhecimento tradicional associado;
b) enviar amostra de componente do patrimônio genético para
instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior, respeitadas as exigências
do art. 19.
(vi) credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, instituição pública nacional para ser
fiel depositária de amostra de componente do patrimônio
genético;
(vii) registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do
Conselho de Gestão;
(viii) divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado
constantes de acordos internacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de
acordo com o § 22 do art. 19 desta Medida Provisória;
(ix) criar e manter:
a) Cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art. 18;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
(x) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso
e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios.
2.2.3. Conselho de Gestão: Regulamentação
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético foi
regulamentado pelo Decreto ns 3.945, de 28 de setembro de 2001,
que defme a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético e estabelece as normas para. o seu funcionamento,
mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18
e 19 da Medida Provisóha n2 2.186-16, de 23 de agosto de 2001,
que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e
o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição
de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras
providências.
2.2.3.1. Composição e Funcionamento
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético tem a seguinte
composição:
(i) Ministério do Meio Ambiente;
(ii) Ministério da Ciência e Tecnologia;
(iii) Ministério da Saúde;
(iv) Ministério da Justiça;
e§5J - Ensno Süpencr SUPS» Juríáco
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(v) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
(vi) Ministério da Defesa;
(vii) Ministério da Cultura;
(viii) Ministério das Relações Exteriores;
(ix) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior;
(x) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA;
(xi) Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de
Janeiro;
(xü) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq;
(xiii) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA;
(xiv) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa;
(xv) Fundação Oswaldo Cruz — Fiocruz;
(xvi) Instituto Evandro Chagas;
(xvii) Fundação Nacional do índio - Funai;
(xviii) Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI;
(xix) Fundação Cultural Palmares.
O Conselho de Gestão, conforme determinação legal, é
presidido pelo Ministério do Meio Ambiente. A função de membro
do Conselho de Gestão é exercida a título gracioso e o seu
exercício é considerado serviço público relevante.
O Conselho de Gestão reúne-se, ordinariamente, uma vez por
mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, mediante
convocação do Presidente, ou da maioria absoluta de seus
membros, neste caso por intermédio de documento escrito,
acompanhado de proposta de pauta devidamente justificada. O
Conselho, no entanto, pode determinar outra periodicidade para
as reuniões, de acordo com Deliberação do Colegiado.
O Conselheiro que faltar a duas reuniões seguidas ou a três
intercaladas, sem as correspondentes substituições pelo
suplente, será afastado do Conselho de Gestão, sendo
substituído por outro designado pelo mesmo órgão de origem do
afastado.
2.2.3.2. Forma de Deliberação
As deliberações do Conselho de Gestão são tomadas por
maioria absoluta de seus membros, cabendo ao Presidente do
Conselho de Gestão o voto de desempate. Cabe recurso
hierárquico, para o Plenário, das deliberações do Conselho de
Gestão, cuja decisão será tomada por dois terços de seus
membros. Das deliberações do Plenário que decidirem recursos
não cabe novo recurso.
É impedido de votar, nas deliberações em processos que
envolvam a participação direta de Ministério ou de entidade
representada no Conselho de Gestão, o Conselheiro
representante do respectivo Ministério ou Associação
representado no Conselho.
410
Direito Ambiental
2.2.3.3. Competência
O art. 3e do decreto determina que: “Nos termos da Medida
Provisória ne 2.186- 16, de 2001, compete ao Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético, acendida a sua natureza deliberativa e
normativaConfesso uma certa dificuldade para enten
der a redundância do artigo, pois um órgão de deliberação e
normalização somente pode atuar atendida a sua natureza
normativa e deliberativa, sob pena de agir fora da lei. De
qualquer forma, as competências do Conselho são as seguintes:
(i) coordenar a implementação de políticas para a gestão do
patrimônio genético;
(ii) estabelecer:
a) Normas técnicas, pertinentes à gestão do patrimônio
genético;
b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;
c) diretrizes para elaboração de Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
d) critérios para a criação de base de dados para o registro
de informação sobre conhecimento tradicional associado;
(iii) acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, as atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
(iv) deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu
titular;
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado,
mediante anuência prévia de seu titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético, com prazo de duração de
até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição
pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa
e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a
universidade nacional, pública ou privada;
d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional
associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável
por iguais períodos, a instituição pública ou privada
nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional,
pública ou privada;
e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa
e desenvolvimento, ou de instituição pública federal de
gestão, para autorizar outra instituição nacional, pública
ou privada, que exerça atividade de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, a acessar
amostra de componente do patrimônio genético e de
conhecimento tradicional associado, e bem assim a remeter
amostra de componente
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou
privada, ou para instituição sediada no exterior;
f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel
depositária de amostra de componente do patrimônio genético;
g) descredenciamento de instituições pelo descumprimento das
disposições da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001, e do
decreto;
(v) dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento
dos requisitos previstos na Medida Provisória n2 2.186-16,
de 2001;
(vi) promover debates e consultas públicas sobre os temas de
que trata a Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vii) funcionar como instância superior de recurso em relação
a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes
da aplicação da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001;
(viii) aprovar seu regimento intemo.
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético exerce sua
competência segundo os dispositivos da Convenção sobre
Diversidade Biológica, da Medida Provisória na 2.186-16, de
2001, e do decreto que o regulamentou.
2.2.3A. Secretaria Executiva
O Departamento do Patrimônio Genético, órgão da estrutura do
Ministério do Meio Ambiente, é incumbido da função de
Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão, competindo-lhe:
(i) implementar as deliberações do Conselho de Gestão;
(ii) promover a instrução e a tramitação dos processos a serem
submetidos à deliberação do Conselho de Gestão;
(iii) dar suporte às instituições credenciadas;
(iv) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e
em seu nome, Autorização de Acesso e de Remessa de amostra
de componente do patrimônio genético existente no território
nacional, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva, bem como Autorização de Acesso a conhecimento
tradicional associado;
(v) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e
era seu nome, Autorização Especial de Acesso e de Remessa de
amostra de componente do patrimônio genético, e Autorização
de Acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de
duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a
instituição pública ou privada nacional que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins e
a universidade nacional, pública ou privada;
Direito Ambiental
(vi) acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de
componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
(vii) promover, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição
pública nacional de pesquisa e desenvolvimento, ou
instituição pública federal de gestão, para autorizar
instituição nacional, pública ou privada, a acessar amostra
de componente do patrimônio genético e de conhecimento
tradicional associado, e bem assim a enviar amostra de
componente do patrimônio genético a instituição nacional,
pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior,
respeitadas as exigências do art. 19 da Medida Provisória ne
2.186-16, de 2001;
(viii) promover, de acordo com deliberação do Conselho de
Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição
pública nacional para ser fiel depositária de amostra de
componente do patrimônio genético;
(ix) descredenciar instituições, de acordo com deliberação do
Conselho de Gestão e em seu nome, pelo descumprimento das
disposições da Medida Provisória na 2.186-16, de 2001, e
deste decreto;
(x) registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do
Conselho de Gestão;
(xi) divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado
constantes de acordos internacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de
acordo com o § 29 do art. 19 da Medida Provisória n2 2.186-
16, de 2001;
(xii) criar e manter:
a) cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art. 18
da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
b) base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de
acesso a conhecimento tradicional associado, aos Termos de
Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;
(xiii) divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de
Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material
e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios.
2.2.4. Acesso aos Recursos Genéticos
2.2.4.1. A Experiência da Costa Rica
A Costa Rica é um dos países que possui mais experiência no
complexo tema do acesso aos recursos genéticos, pois foi dos
que primeiro estabeleceram ^ma legislação
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil !
sobre o assunto e tem procurado implementá-la de forma
resoluta. O principal órgão envolvido no assunto é o Instituto
Nacional de Biodiversidade (INBio), que é uma organização
civil, sem fins lucrativos, e declarada de interesse público.17
O INBio tem, dentre as suas atribuições legais e estatutárias,
as de dMgir o processo de estabelecimento de um inventário da
flora e fauna costa-riquense, estudo e promoção do uso
sustentável da biodiversidade costa-riquense, o
estabelecimento de vínculos internacionais com instituições
relacionadas ao manejo da biodiversidade e a colaboração na
planificação e financiamento da conservação da diversidade
biológica.
O INBio procura desenvolver o seu projeto mediante a
celebração de diferentes acordos com instituições científicas
especializadas em bioprospecção, objetivando, com isto, a
ampliação de sua própria capacitação científica e tecnológica.
Ele desenvolve projetos de prospecção de biodiversidade nas
áreas silvestres protegidas do país, em estreita colaboração
com o Ministério do Ambiente e Energia da Costa Rica. Todos os
trabalhos são feitos em parcerias com a comunidade acadêmica e
com o meio empresarial, merecendo especial destaque a atuação
da Universidade da Costa Rica, Universidade Nacional, Escola
de Agricultura da Região Tropical Úmida (EARTH), Instituto
Tecnológico da Costa Rica (ITCR), Universidad de Strathclyde,
Universidade de Dusseldorf, Instituto Lausanne, Universidade
de Massachusetts, Universidade Comell, Bristol Myers Squibb,
Merck & Co., Ecos-La Pacífica, Indena, Givaudan Roure, Diversa
etc.
O financiamento e a remuneração das atividades de
bioprospecção são efetuados da seguinte forma: 10% dos
orçamentos das pesquisas e 50% dos lucros que delas advierem
são repassados para o Ministério do Meio Ambiente da Costa
Rica, que os reinveste em conservação. O restante do orçamento
de pesquisa é destinado ao apoio da infraestrutura científica
e às atividades de pesquisa e desenvolvimento voltadas para a
conservação e uso sustentável da diversidade biológica.
Um importante instrumento regulador do acesso aos recursos
genéticos é o direito à objeção cultural, estabelecido pela
Lei ne 7.788, de 23 de abril de 1998, em seu artigo 66.18
2.2A.2. Bioamazônia
O Brasil adotou um modelo claramente influenciado por aquele
existente na Costa Rica para a exploração da sua diversidade
biológica. Assim como a Costa Rica criou o INBio, o Brasil
estabeleceu a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da
Biodiversidade da Amazônia — BIOAMAZÔNIA,19 qxie é uma
sociedade civil sem
17 Http://www.inbío.ac.cr/es/pdb.
18 Artículo 66 — Derecho a la objeción cultural. Reconócese el
derecho a que las comunidades locales y los pueblos
indígenas se opongan al acceso a sus recursos y al
conochniento asociado, por moúvos culturales, espirimales,
sociales, económicos o de ocra índole. Fonte:
http://www.biodiversidadla.org/docuinen- tos5.html.
19 Ver: http://www.bioamazonia.org.br.
Direito Ambiental
fins lucrativos que foi qualificada, por decreto
presidencial,20 como organização social21 com o objetivo de
colaborar com a implementação do Programa Brasileiro de
Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Amazônia -
PROBEM/Amazónia, mediante celebração de contrato de gestão a
ser firmado com o Ministério do Meio Ambiente. O Programa
Brasileiro para o Uso Sustentável da Biodiversidade da
Amazônia Legal (PROBEM/Amazônia) foi criado pela Portaria n9
273, de 10 de dezembro de 1997, do Ministro de Estado do Meio
Ambiente.
Os objetivos do PROBEM são os seguintes:
(i) desenvolver a biotecnologia; e
(ii) desenvolver a bioindústria.
A BIOAMAZÔNIA, dentre seus objetivos, tem os de implantar e
coordenar um complexo laboratorial de Pesquisas e
Desenvolvimento, o Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA,
em Manaus, voltado para as pesquisas de produtos farmacêuti-
cos, materiais para higiene pessoal, perfumaria, cosméticos,
produtos alimentícios, bioinseticidas, enzimas de interesse
tecnológico, óleos essenciais, antkmdantes, corantes naturais,
aromatizantes, entre outros.
2.2,5. Requisitos para Acesso
2.2.5.1. Condições Legais
O acesso a componente do patrimônio genético, conforme o
artigo 16 da MP, existente em condições in situ no território
nacional, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva, e ao conhecimento tradicional associado far-se-á
mediante a coleta de amostra e de informação, respectivamente,
e somente será autorizado22 a instituição nacional, pública ou
privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, mediante prévia autorização, na
forma da Medida Provisória.
O técnico responsável pela expedição de coleta deverá, ao
término de suas atividades em cada área, assinar com o seu
titular ou representante declaração contendo listagem do
material acessado, na forma do regulamento. Admite-se, em
caráter excepcional, nos casos em que o titular da área ou seu
representante não possa ser identificado ou localizado por
ocasião da expedição de coleta, a declaração contendo listagem
do material acessado, que deverá ser assinada pelo responsável
pela expedi-
20 Decreto de 18/3/1999. Qualifica como organização social a
Associação Brasileira para o Uso Sustentável da
Biodiversidade da Amazônia — BIOAMAZÔNIA,
21 Lei n° 9.637, de 15/5/1998.
22 MP n° 2.186, Art. 7°, X — Autorização de Acesso e de
Remessa: documento que permite, sob condições especíBcas, o
acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua
remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento
tradicional associado...
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
ção e encaminhada ao Conselho de Gestão. Feitos os trabalhos é
necessário que suba- mostra representativa de cada população
componente do patrimônio genético acessada seja depositada em
condição ex sitxfà em instituição credenciada como fiel de-
positária, conforme disposto na alínea “f’ do inciso IV do
art. 11 da Medida Provisória e do seu regulamento.
Havendo perspectiva de uso comercial, o acesso à amostra de
componente do patrimônio genético, em condições in situ, e ao
conhecimento tradicional associado só poderá ocorrer após
assinatura de Contrato de Utilização24 do Patrimônio Genético e
de Repartição de Benefícios. Na hipótese de ser identificado
potencial de uso econômico, de produto ou processo, passível
ou não de proteção intelectual, originado de amostra de
componente do patrimônio genético e de informação oriunda de
conhecimento tradicional associado, acessado com base em
autorização que não estabeleceu tal possibilidade, a
instituição beneficiária fica obrigada a comunicar ao Conselho
de Gestão, ou à instituição onde se originou o processo de
acesso e de remessa, a formalização de Contrato de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.
Quando se tratar de acesso requerido por pessoa jurídica
estrangeira em expedição para coleta de amostra de componente
do patrimônio genético in situ e para acesso de conhecimento
tradicional associado, este somente será autorizado quando em
conjunto com instituição pública nacional, ficando a
coordenação das atividades obrigatoriamente a cargo da última
e desde que todas as instituições envolvidas exerçam
atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins. Há uma disposição curiosa no § 79 do artigo 16 da MP
que determina: a pesquisa sobre componentes do patrimônio
genético deve ser realizada preferencialmente no território
nacional Orá, se as pesquisas forem feitas em solo
estrangeiro, a autoridade brasileira não tem qualquer
competência para sobre ela deliberar.
Quando se tratar de Autorização de Acesso e de Remessa de
amostra de componente do patrimônio genético de espécie de
endemismo estrito ou ameaçada de extinção,25 dependerá da
anuência prévia do órgão competente, no caso, o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis.
A Autorização de Acesso e de Remessa dar-se-á após a
anuência prévia, sem a qual não poderá ocorrer:
(i) da comunidade indígena envolvida, ouvido o órgão
indigenista oficial, quando o acesso ocorrer em terra
indígena;
23 MP n* 2.186, Art. 7S> XIV — Condição ex situ: manutenção de
amostra de componente do patrimônio genético fora de seu
habitat natural, em coleções vivas ou mortas.
24 MP n® 2.186, Art. 7a, XIII — Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de BeneSdos: instrumento
jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e
as condições de acesso e de remessa de componente do
patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado,
bem como as condições para repartição de benefícios...
25 MP na 2.186, Art. 7a, VHI - Espécie ameaçada de extinção:
espécie com alto risco de desaparecimento na natureza em
futuro próximo, assim reconhecida pela autoridade
competente...
Direito Ambiental
416:
(ii) do órgão competente, quando o acesso ocorrer em área
protegida;
(iii) do titular de área privada, quando o acesso nela
ocorrer;
(iv) do Conselho de Defesa Nacional, quando o acesso se der em
área indispensável à segurança nacional;
(v) da autoridade marítima, quando o acesso se der em águas
jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental e na
zona econômica exclusiva.
O detentor de Autorização de Acesso e de Remessa de que
tratam os incisos I a V do § 9e do artigo 16 da Medida
Provisória fica responsável a ressarcir o titular da área por
eventuais danos ou prejuízos, desde que devidamente
comprovados, que resultem de sua atividade.
A instituição detentora de Autorização Especial de Acesso e
de Remessa deverá encaminhar ao Conselho de Gestão as
anuências de que tratam os §§ 8e e 92 do artigo 16 antes ou por
ocasião das expedições de coleta a serem efetuadas durante o
período de vigência da Autorização, cujo descumprimento
acarretará o seu cancelamento.
O artigo 17 da Medida Provisória determina que, em caso de
relevante interesse público, tipificado pelo Conselho de
Gestão, o ingresso em área pública ou privada para acesso a
amostra de componente do patrimônio genético dispensará anuên-
cia prévia dos seus titulares, garantindo-lhes o disposto nos
arts. 24 e 25. O artigo é manifestamente inconstitucional,
pois inexiste norma constitucional específica que diferencie a
propriedade do solo da propriedade do patrimônio genético, que
é um conceito de natureza imaterial e que não se confunde com
os conceitos microjurídi- cos de propriedade dos bens que
integram tal patrimônio. Penso que a anuência, ou
consentimento, são sempre necessários. Caso se verifique uma
necessidade intransponível de acesso e o consentimento não
tenha sido concedido, configura-se a necessidade de
desapropriação, mediante justa indenização, tal como previsto
na CF. O próprio § 29 do artigo demonstra a incongruência do
caput, in verbis: § 2* Em se tratando de terra indígena,
observar-se-á o disposto no § & do art. 231 da CF.26
Conforme determina o artigo 18, a conservação ex situ de
amostra de componente do patrimônio genético deve ser
realizada no território nacional, podendo, suplementarmente, a
critério do Conselho de Gestão, ser realizada no exterior. As
coleções ex situ de amostra de componente do patrimônio
genético deverão ser cadastradas junto à unidade executora do
Conselho de Gestão, conforme dispuser o regulamento. O
Conselho de Gestão poderá delegar o cadastramento de que trata
o
26 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens (...) § 6® São nulos e
extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras
a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas
naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes,
ressalvado relevante interesse público da União, segundo o
que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a
extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da
ocupação de boa-fé.
\
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
§ l0 do artigo 18 a uma ou mais instituições credenciadas na
forma das alíneas de e do inciso IV do art. 11 da Medida
Provisória.
A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de
instituição nacional, pública ou privada, para outra
instituição nacional, pública ou privada, será efetuada a
partir de material em condições ex sita, mediante a informação
do uso pretendido, observado o cumprimento cumulativo das
seguintes condições, além de outras que o Conselho de Gestão
venha a estabelecer:
(i) depósito de subamostra representativa de componente do
patrimônio genético em coleção mantida por instituição
credenciada, caso ainda não tenha sido cumprido o disposto
no § 3a do art. 16 da Medida Provisória;
(ii) nos casos de amostra de componente do patrimônio genético
acessado em condições ia situ, antes da edição da Medida
Provisória, o depósito de que trata o inciso anterior será
feito na forma acessada, se ainda disponível, nos termos do
regulamento;
(iii) fornecimento de informação obtida durante a coleta de
amostra de componente do patrimônio genético para registro
em base de dados mencionada na alínea b do inciso III do
art. 14 e alínea b do inciso IX do art. 15 da Medida
Provisória;
(iv) prévia assinatura de Termo de Transferência de
Material.27
Se existir perspectiva de uso comercial de produto ou
processo resultante da utilização de componente do patrimônio
genético, será necessária a prévia assinatura de Contrato de
Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de
Benefícios.
A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de
espécies consideradas de intercâmbio facilitado em acordos
internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais
o País seja signatário, deverá ser efetuada em conformidade
com as condições neles definidas, mantidas as exigências deles
constantes. A remessa de qualquer amostra de componente do
patrimônio genético de instituição nacional, pública ou
privada, para instituição sediada no exterior, será efetuada a
partir de material em condições ex sita, mediante a informação
do uso pretendido e a prévia autorização do Conselho de Gestão
ou de instituição credenciada, observado o cumprimento
cumulativo das condições estabelecidas nos incisos I a IV e §§
ls e 29 do artigo 19.
2.2.5.2. Regulamentação
Para a obtenção de autorização de acesso e de remessa de
amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a
conhecimento tradicional associado a
27 MP ns 2.186, Art. 7®, XII - Termo de Transferência de
Material: instrumento de adesão a ser firmado pela
instituição destinatária antes da remessa de qualquer
amostra de componente do patrimônio genético, indicando,
quando íbr o caso, se houve acesso a conhecimento
tradicional associado...
Direito Ambiental
instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de
que tratam as alíneas a e b do inciso IV do art. 11 da Medida
Provisória n2 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação
ao Conselho de Gestão ou a instituição credenciada, atendendo,
pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afim;
(ii) qualificação técnica para desempenho de atividades de
coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio
Genético ou para acesso ao conhecimento tradicional
associado;
(iii) estrutura disponível para o manuseio de amostra de
componente do Patrimônio Genético;
(iv) projeto de pesquisa que descreva a atividade de coleta de
amostra de componente do Patrimônio Genético ou de acesso a
conhecimento tradicional associado, incluindo informação
sobre o uso pretendido;
(v) pnnénria prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas
pela expedição de coleta, na forma estabelecida nos §§ 8a e
9a do art. 16 da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vi) destino das amostras dos componentes do patrimônio
genético a serem acessados.
O projeto de pesquisa deve conter:
(i) histórico, justificativa, definição dos objetivos, métodos
e resultados esperados a partir da amostra ou da informação
a ser acessada;
(ii) itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as
datas previstas para o início e término da atividade;
(iii) discriminação do tipo de material ou informação a ser
acessada e quantificação aproximada de amostras a serem
obtidas;
(iv) indicação das fontes de financiamento, dos respectivos
montantes e divisão das responsabilidades de cada parte;
(v) currícülum vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos,
caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida
pelo CNPq.
Para a obtenção de autorização especial de acesso e de
remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de
acesso a conhecimento tradicional associado a instituição
nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa
e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de que tratam
as alíneas c e d do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória
ns 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação ao Conselho
de Gestão, atendendo, pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins;
ÊSSJ * Ensaio Superar SÍSSSJ Jyrfdiso
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil j
(ii) qualificação técnica para desempenho das atividades de
coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio
Genético;
(iii) estrutura disponível para o manuseio de amostra de
componente do Patrimônio Genético;
(iv) portfólio dos projetos desenvolvidos pela instituição,
destacando aqueles que serão beneficiados pela autorização
solicitada, incluindo informação sobre o uso pretendido;
(v) anuência prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas
pelas expedições de coleta na forma estabelecida no § 11 do
art. 16 da Medida Provisória n2 2.186-16, de 2001;
(vi) destino do material genético a ser acessado e indicação
da equipe técnica e da infraestrutura disponível para
gerenciar os Termos de Transferência de Material a serem
assinados previamente à remessa de amostra para outra
instituição nacional, pública ou privada, ou sediada no
exterior e os respectivos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, quando
for o caso.
Os projetos de pesquisa incluídos no portfólio a que se
refere o inciso IV do artigo 9®, diretamente beneficiados pela
solicitação, deverão conter:
(i) histórico, justificativa, definição dos objetivos,
métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da
informação a ser acessada;
(ü) itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as
datas previstas para o início e término da atividade, a ser
encaminhado ao Conselho de Gestão;
(iii) discriminação do tipo de material ou informação a ser
acessado e quantificação aproximada de amostras a serem
obtidas;
(iv) indicação das fontes de financiamento, dos respectivos
montantes e divisão das responsabilidades de cada parte;
(v) curnculiim vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos,
caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida
pelo CNPq.
Para o credenciamento de instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal
de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública
ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, para acessar e remeter amostra
de componente do patrimônio genético e para acessar
conhecimento tradicional associado de que tratam os itens 1 e
2 da alínea e do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória na
2.186-16, de 2001, o Conselho de Gestão deverá receber
solicitação que atenda, pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins ou na área de gestão;
Direito Ambiental
(ii) lista das atividades e dos projetos em desenvolvimento
relacionados às
ações de que trata a Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001;
(iii) infraestrutnra disponível e equipe técnica para atuar:
a) Na análise de requerimento e emissão, a terceiros, de
autorização de:
1. acesso a amostra de componente do patrimônio genético
existente em condições in situ no território nacional, na
plataforma continental e na zona econômica exclusiva,
mediante anuência prévia de seus titulares;
2. acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia de seus titulares;
3. remessa de amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública ou privada, ou para
instituição sediada no exterior;
b) no acompanhamento, em articulação com órgãos federais, ou
mediante convênio com outras instituições, das atividades de
acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
c) na criação e manutenção de:
1. cadastro de coleções ex sita, conforme previsto no art* 18
da Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001;
2. base de dados para registro de informações obtidas durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;
3. base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de
Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
d) na divulgação de lista de Autorizações de Acesso e de
Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de
Repartição de Benefícios;
e) no acompanhamento e na implementação dos Termos de
Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios referente
aos processos por ela autorizados;
f) na preparação e encaminhamento, ao Conselho de Gestão, de
relatório anual das atividades realizadas e de cópia das
bases de dados à Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão.
Para o credenciamento de instituição pública nacional de
pesquisa e desenvolvimento como fiel depositária de amostra de
componente do Patrimônio Genético de que trata a alínea /do
inciso IV do art. 11 da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001,
o Conselho de Gestão deverá receber solicitação que atenda,
pelo menos, os seguintes requisitos:
(i) comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento
nas áreas
biológicas e afins;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
(ii) indicação da infraestrutura disponível e capacidade para
conservação, em condições ex situ, de amostras de
componentes do Patrimônio Genético;
(iii) comprovação da capacidade da equipe técnica responsável
pelas atividades de conservação;
(iv) descrição da metodologia e material empregado para a
conservação de espécies sobre as quais a instituição
assumirá responsabilidade na qualidade de fiel depositária;
(v) indicação da disponibilidade orçamentária para manutenção
das coleções.
A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e
de acesso a
conhecimento tradicional associado, que contribua para o
avanço do conhecimento e que não esteja associada à
bioprospecção, quando envolver a participação de pessoa
jurídica estrangeira, será autorizada pelo CNPq, observadas as
determinações da Medida Provisória ne 2.186-16, de 2001, e a
legislação vigente. A autorização prevista no caput do artigo
12 do decreto observará as normas técnicas definidas pelo
Conselho de Gestão, o qual exercerá supervisão dessas
atividades.
2*2*6. Acesso e Remessa
O acesso a componente do patrimônio genético existente em
condições in situ no território nacional, na plataforma
continental e na zona econômica exclusiva, e ao conhecimento
tradicional associado será feito por meio da coleta de amostra
e de informação, respectivamente, e somente será autorizado a
instituição nacional, pública ou privada, que exerça
atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins, mediante prévia autorização.
2.2.6.1. Acesso à Tecnologia, Transferência de Tecnologia e
Registro de Patentes
Na forma do ardgo 21 da MP, a instituição que receber
amostra de componente do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado facilitará o acesso à tecnologia e
transferência de tecnologia para a conservação e utilização
desse patrimônio ou desse conhecimento à instituição nacional
responsável pelo acesso e remessa da amostra e da informação
sobre o conhecimento, ou instituição por ela indicada. O
acesso à tecnologia e transferência de tecnologia entre
instituição nacional de pesquisa e desenvolvimento, pública ou
privada, e instituição sediada no exterior, poderá realizar-
se, dentre outras atividades, mediante:
(i) pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;
(ii) formação e capacitação de recursos humanos;
(iii) intercâmbio de informações;
(iv) intercâmbio entre instituição nacional de pesquisa e
instituição de pesquisa sediada no exterior;
Direito Ambiental
(v) consolidação de infra-estrutura de pesquisa científica e
de desenvolvimento tecnológico;
(vi) exploração econômica, em parceria, de processo e produto
derivado do uso de componente do patrimônio genético; e
(vii) estabelecimento de empreendimento conjunto de base
tecnológica.
O artigo 23 assegura à empresa que, em decorrência do
processo de concessão de acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia à instituição nacional, pública ou privada,
responsável pelo acesso e remessa de amostra de componente do
patrimônio genético e pelo acesso à informação sobre
conhecimento tradicional associado, faça investimentos em
atividade de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, a percepção
de incentivo fiscal para a capacitação tecnológica da
indústria e da agropecuária, e a facilitação de utilização de
outros instrumentos de estímulo, na forma da legislação
pertinente.
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI deve
observar, quando da concessão de direito de propriedade
industrial sobre processo ou produto obtido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético, as normas
contidas na Medida Provisória, devendo o requerente informar a
origem do material genético e do conhecimento tradicional
associado, quando for o caso.
2.2.7. Repartição de Benefícios
Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto
ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do
patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado,
obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no
exterior, serão repartidos, de forma justa e equitativa, entre
as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento e a
legislação pertinente. A regra definida no artigo 25 é de
intervenção do Estado nos contratos, pois estabelece a
possibilidade de que normas regulamentares possam definir o
percentual a ser deferido, como cláusulas obrigatórias para
eles. Deve ser anotado que, nas hipóteses em que a União não
seja parte contratante, deve ser-lhe assegurada a participação
nos benefícios, na forma de regulamento específico.
2.2.7.I. Benefícios
A Medida Provisória estabeleceu uma relação de benefícios
que, legalmente, devem resultar da concessão de acesso à
Diversidade Biológica e ao conhecimento tradicional associado.
Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto
ou processo, desenvolvido a partir de amostra do patrimônio
genético ou de conhecimento tradicional associado, podem ser,
dentre outros, os seguintes:
(i) divisão de lucros;
(ii) pagamento de royalties;
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
423
(iii) acesso e transferência de tecnologias;
(iv) licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos;
e
(v) capacitação de recursos humanos.
Não há qualquer obrigatoriedade legal de que todos os
benefícios sejam conferidos simultaneamente, assim como também
não há obrigatoriedade legal de que os benefícios sejam os
contidos na norma legal. O artigo 25 tem, claramente, caráter
exemplificativo. Qualquer benefício estabelecido livremente
entre as partes contratantes é válido e legal. O importante é
que, após a celebração do contrato, haja uma melhoria concreta
auferida por aquele que cede o acesso à diversidade biológica.
Não se desconhece, contudo, que o próprio conceito de melhoria
é passível de críticas diversas. Aqui, como de resto em
qualquer relação contratual equânime, necessário se faz que
haja benefícios recíprocos.
O art. 26 estabeleceu a seguinte regra: “A exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético ou de
conhecimento tradicional associado, acessada em desacordo com
as disposições desta Medida Provisória, sujeitará o infrator
ao pagamento de indenização correspondente a, no mínimo, vinte
por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de
produto ou de royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em
decorrência de licenciamento de produto ou processo ou do uso
da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual,
sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.
Esta norma, evidentemente, só é aplicável no caso de o acesso
ser concedido a empresa sediada no Brasil, pois dificilmente
será aplicável a empresas sediadas no exterior.
Uma modalidade de benefício importante é aquela estabelecida
pelo artigo 33 e se refere à parcela dos lucros e dos
royalties devidos à União, resultantes da exploração econômica
de processo ou produto desenvolvido a partir de amostra de
componente do patrimônio genético, bem como o valor das multas
e indenizações. O montante constituído por tais valores será
destinado:
(i) ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei n9
7.797, de 10 de julho de 1989;
(ii) ao Fundo Naval, criado pelo Decreto n9 20.923, de 8 de
janeiro de 1932; e
(iii) ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, criado pelo Decreto-Lei nô 719, de 31 de julho
de 1969, e restabelecido pela Lei n2 8.172, de 18 de janeiro
de 1991, na forma do regulamento.
Tais recursos devem ser utilizados exclusivamente na
conservação da diversidade biológica, incluindo a recuperação,
criação e manutenção de bancos depositários, no fomento à
pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico associado
ao patrimônio genético e na capacitação de recursos humanos
associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao
uso e à conservação do patrimônio genético.
Direito Ambientai
2.2.8. Cláusulas Contratuais Cogentes
O legislador determinou de forma bastante positiva que os
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios devem ser escritos de forma bastante objetiva,
bem como conter determinadas cláusulas legais. A primeira
delas é indicar e qualificar com clareza as partes
contratantes, sendo, de um lado, o proprietário da área
pública ou privada, ou o representante da comunidade indígena
e do órgão indigenista oficial, ou o representante da
comunidade local e, de outro, a instituição nacional
autorizada a efetuar o acesso e a instituição destinatária.
O artigo 28 estabelece que no Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios devem
constar, dentre outras, as seguintes cláusulas essenciais que
disponham sobre:
(i) objeto, seus elementos, quantificação da amostra e uso
pretendido;
(ii) prazo de duração;
(iii) forma de repartição justa e equitativa de benefícios e,
quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia;
(iv) direitos e responsabilidades das partes;
(v) direito de propriedade intelectual;
(vi) rescisão;
(vii) penalidades;
(viii)foro no Brasil.
Cláusulas essenciais são aquelas sem as quais o contrato
pode ser nulo ou anu- lável. Portanto, é extremamente
importante que elas sejam observadas, sob pena de que o
contrato resulte em letra morta. Estabelece o parágrafo único
do artigo 26 que: quando a União for parte, o contrato
referido no caput deste artigo reger-se-á pelo regime jurídico
de direito público.
O parágrafo único do artigo 26, em minha opinião, é um
elemento extremamente complicador para que a União possa
intervir como parte em Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios, isto porque o legis-
lador determinou que tais contratos são de direito público.
Ora, em tal condição, os mencionados contratos devem ser
regidos pela Lei ns 8.666, de 21 de junho de 1993, que
"regulamenta o art. 37, inciso XXI, da CF, institui normas
para licitações e contratos da Administração Pública28 e dá
outras providências”. É importante ressaltar que a abrangência
do estatuto licitatório é ampla, conforme demonstra o seu
artigo ls, in verbis. Art. P Esta lei estabelece normas gerais
sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a
obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações
e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único.
Subordinam-se ao regime desta lei, além
28 Grifei.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
-425
dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as
autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal
e Municípios. Ante os estritos termos da norma legal, data
venia, não vejo como afastar o procedimento licitatório da
lavratura dos contratos de que ora falamos, ainda que não seja
com a adoção da modalidade de dispensa de licitação.
Em minha opinião, a MP deveria ter estabelecido um
procedimento legal a ser utilizado quando da celebração dos
contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, respeitando as especificidades do caso. Os
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios serão submetidos a registro no Conselho de
Gestão e só terão eficácia após sua anuência. A não-
observância dos preceitos legais cogentes gera a nulidade de
pleno direito dos contratos celebrados.
2.2.9. Sanções Administrativas
O Decreto n2 5.459, de 7 de junho de 2005, foi baixado com a
finalidade de regulamentar o artigo 30 da Medida Provisória n9
2.186-16/2001. São consideradas infrações administrativas,29 na
forma do artigo 30, contra o patrimônio genético ou o
conhecimento tradicional associado, toda ação ou omissão que
viole as normas da Medida Provisória e demais disposições
legais pertinentes. A MP adotou uma concepção de definir
genericamente as infrações administrativas, sem fixar, minima-
mente, os tipos administrativos, deixando tal missão para
decreto a ser baixado pelo Chefe do Poder Executivo. Trata-se
de uma situação que vem se repetindo na chamada legislação
ambiental e que, certamente, é capaz de suscitar muitas
dúvidas quanto à sua constitucionalidade. A propósito, vale
relembrar a seguinte lição de Marçal Justen Filho, in verbis.
“É inconstitucional atribuir à autoridade administrativa
autonomia para determinar os elementos necessários à
configuração do ilícito e a sanção adequada. Essa solução é
incompatível com os incisos XXXCX e XLVI do art. 52 da
Constituição. Definir infração e regular a individualização da
sanção significa determinar com um mínimo de precisão os
pressupostos de cada sanção cominada em lei.”30
Assim, seguindo uma triste tradição de deixar ao
administrador a definição de tipos administrativos, muito
embora tenha definido as sanções aplicáveis àqueles que vio-
larem as disposições administrativas que seriam baixadas no
futuro. Tais sanções são:
(i) advertência;
(ii) multa;
(iii) apreensão das amostras de componentes do patrimônio
genético e dos instrumentos utilizados na coleta ou no
processamento ou dos produtos obtidos a partir de informação
sobre conhecimento tradicional associado;
29 Independentemente da aplicação de sanções civis ou penais
cabíveis.
30 Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administxaávo. São
Paulo: Saraiva, 2005, pp. 399-400.
Direito Ambiental
(iv) apreensão dos produtos derivados de amostra de componente
do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional
associado;
(v) suspensão da venda do produto derivado de amostra de
componente do patrimônio genético ou do conhecimento
tradicional associado e sua apreensão;
(vi) embargo da atividade;
(vii) interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento;
(viii) suspensão de registro, patente, licença ou
autorização;
(ix) cancelamento de registro, patente, licença ou
autorização;
(x) perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal
concedidos pelo governo;
(xi) perda ou suspensão da participação em linha de
financiamento em estabelecimento oficial de crédito;
(xii) intervenção no estabelecimento;
(xiii) proibição de contratar com a Administração Pública, por
período de até cinco anos.
Os produtos, amostras e os instrumentos apreendidos,
embargados ou que tenham a comercialização suspensa serão
destinados conforme deliberação do Conselho de Gestão. É
desnecessário dizer que as penalidades administrativas devem
ser aplicadas proporcionalmente ao ilícito praticado, sob pena
de nulidade.
A multa é arbitrada pela autoridade competente, de acordo
com parâmetros definidos em regulamento, considerando-se a
gravidade dos fatos. Foi estabelecida uma diferenciação entre
os valores a serem aplicados quando se tratar de pessoa física
(rectius: natural) ou de pessoa jurídica. Os valores31 são os
seguintes:
(i) pessoa física - de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
física;
(ii) pessoa jurídica ~ de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$
50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Os órgãos federais competentes exercerão, por si ou por
delegação realizada mediante convênio específico previsto em
regulamento, a fiscalização, a intercepta- ção e a apreensão
de amostra de componente do patrimônio genético ou de produto
obtido a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado, acessados em desacordo com as disposições legais.
2.2.9.1. As sanções em espécie
O artigo l2 do Decreto ns 5.459/2005, repetindo a fórmula
extremamente aberta e abstrata do artigo 30 da MP nQ 2186-
16/2001, determina que: “Art. 1Q Considera-
31 Na reincidência, a multa será aplicada em dobro.
A cesso à Diversidade Biológica no Brasil
se infração administrativa contra o patrimônio genético ou ao
conhecimento tradicional associado toda ação ou omissão que
viole as normas da Medida Provisória ne 2.186- 16, de 23 de
agosto de 2001, e demais disposições pertinentes,” Parágrafo
único. Aplicam- se a este Decreto as definições constantes do
art. 73da Medida Provisória ns 2.186-16, de 2001, e da
Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto
ns 2.159, de 16 de março de 1998, bem como as orientações
técnicas editadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético. ”
Algumas questões merecem ser levantadas, ab initio, em
primeiro lugar, há que se considerar que infrações
administrativas são aquelas praticadas contra a administração
pública ou em violação ao poder de polícia por ela exercida.
Não se pode olvidar que, no caso do patrimônio genético, a
matéria é pouco clara, visto que o patrimônio genético não é
bem de propriedade da União, assim como também não é bem de
propriedade da União o conhecimento tradicional. Visto que
tais “bens” não integram o patrimônio da União, estabelecer
sanções administrativas para tais casos é, no mínimo,
juridicamente discutível. Entretanto, em homenagem ao
princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos,
passo a examinar as sanções tal como elas foram dispostas no
ato regulamentar. “Art. 10. As infrações administrativas con-
tra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional
associado serão punidas com as seguintes sanções, aplicáveis,
isolada ou cumulativamente, às pessoas físicas ou jurídicas: I
— advertência; II - multa; III - apreensão das amostras de
componentes do patrimônio genético e dos instrumentos
utilizados na sua coleta ou no processamento ou dos produtos
obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado; IV — apreensão dos produtos derivados de amostra de
componente do patrimônio genético ou do conhecimento
tradicional associado; V - suspensão da venda do produto
derivado de amostra de componente do patrimônio genético ou do
conhecimento tradicional associado e sua apreensão; VI -
embargo da atividade;
VII - interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento;
VIII - suspensão de registro, patente, licença ou autorização;
IX - cancelamento de registro, patente, licença ou
autorização; X - perda ou restrição de incentivo e benefício
fiscal concedidos pelo governo; XI - perda ou suspensão da
participação em linha de financiamento em estabelecimento
oficial de crédito; XII - intervenção no estabelecimento; e
XIII - proibição de contratar com a administração pública, por
período de até cinco anos. § 1Q Entende-se como produtos
obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional
associado, previstos no inciso III do caput, os registros, em
quaisquer meios de informações relacionadas a este
conhecimento. § 29 Se o autuado, com uma única conduta, cometer
mais de uma infração, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente,
as sanções a ela cominadas. § 3a As sanções previstas nos
incisos I e III a XIII poderão ser aplicadas independente da
previsão única de pena de multa para as infrações
administrativas descritas neste Decreto.”
Cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético determinar
a destinação a ser dada aos produtos, amostras, equipamentos,
veículos, petrechos e demais instrumentos que tenham sido
apreendidos por terem sido utilizados diretamente na prática
de infração. O GGEM deverá, sempre que possível, doá-los a
instituições cientí-
Direito Ambiental
ficas, culturais, ambientalistas, educacionais, hospitalares,
penais, militares, públicas ou outras entidades com fins
beneficentes.
Os valores arrecadados em pagamento das multas aplicadas
reverterão: quando a infração for cometida em (i) área sob
jurisdição do Comando da Marinha: a) cinquenta por cento ao
Fundo Naval; b) o restante, repartido igualmente entre o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, regulado
pela Lei n2 8.172, de 18 de janeiro de 1991, e o Fundo Nacional
de Meio Ambiente, criado pela Lei ne 7.797, de 10 de julho de
1989; (ii) nos demais casos os valores arrecadados serão
repartidos, igualmente, entre o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo Nacional do
Meio Ambiente. A destinação dos recursos será exclusivamente
na conservação da diversidade biológica, incluindo a
recuperação, criação e manutenção de bancos depositários, o
fomento à pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico
associado ao patrimônio genético e a capacitação de recursos
humanos associados ao desenvolvimento das atividades
relacionadas ao uso e à conservação do patrimônio genético.
Entende-se como utilizado na conservação da diversidade
biológica, a aplicação dos recursos repassados ao Fundo Naval
na aquisição, operação, manutenção e conservação, pelo Comando
da Marinha, de meios utilizados na atividade de fiscalização
de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, dentre elas
as lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento
tradicional associado.
2.2.9.2. Infrações Administrativas
O decreto “tipificou” as seguintes infrações
administrativas:
“Arr. 15. Acessar componente do patrimônio genético para
fins de pesquisa científica sem autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 10.000 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa, mínima de R$200,00 (duzentos reais) e
máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de
pessoa física.
§ le A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o
acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas
nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.
§ 2S Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena
prevista no caput será triplicada e deverá ser aphcada a
sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento.
Art. 16. Acessar componente do patrimônio genético para fins
de biopros- pecção ou desenvolvimento tecnológico, sem
autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 15.000,00(quinze mil reais) e máxima de
R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando
se tratar de pessoa física.
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
§ l9 Incorre nas mesmas penas quem acessa componente do
patrimônio genético a fim de constituir ou integrar coleção ex
situ para bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico, sem
autorização do órgão competente ou em desacordo com a
autorização obtida.
§ 2S A pena prevista no caput será aumentada de um terço
quando o acesso envolver reivindicação de direito de
propriedade industrial relacionado a produto ou processo
obtido a partir do acesso ilícito junto ao órgão competente.
§ 3a A pena prevista no caput será aumentada da metade se
houver exploração econômica de produto ou processo obtidos a
partir de acesso ilícito ao patrimônio genético.
§ 45 A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o
acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas
nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.
§ 5e Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o
desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena
prevista no caput será triplicada e deverá ser aplicada a
sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento.
Art. 17. Remeter para o exterior amostra de componente do
patrimônio genético sem autorização do órgão competente ou em
desacordo com a autorização obtida:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dezmil reais) e máxima de
R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando
se tratar de pessoa física.
§ l5 Pune-se a tentativa do cometimento da infração de que
trata o caput com a multa correspondente à infração consumada,
diminuída de um terço.
§ 23 Diz-se tentada uma infração, quando, iniciada a sua
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente.
§ 3S A pena prevista no caput será aumentada da metade se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial da fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I
da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES.
§4S A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II
da CITES.
§ 55A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a
amostra for obtida a partir de espécie constante da lista
oficial da flora brasileira ameaçada de extinção.
Art. 18. Deixar de repartir, quando existentes, os
benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou
processo desenvolvido a partir do acesso a amostra do
património genético ou do conhecimento tradicional associado
com quem de direito> de acordo com o disposto na Medida
Provisória nP 2.186-16, de 2001, ou de acordo com o Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético e
Direito Ambiental
de Repartição de Benefícios anuído pelo Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético:
Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e máxima
de RS
50.000.000.00 (cinquenta milhões de reais), quando se tratar
de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se
tratar de pessoa física.
Art. 19. Prestar falsa informação ou omitir ao Poder Público
informação essencial sobre atividade de pesquisa,
bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico relacionada ao
patrimônio genético, por ocasião de auditoria, físcali- zação
ou requerimento de autorização de acesso ou remessa:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
200,00 (duzentos reais) e máxima de RS 5.000,00 (cinco mil
reais), quando se tratar de pessoa física.
Art. 20. Acessar conhecimento tradicional associado para
fins de pesquisa científica sem a autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de
R$500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil reais) e
máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando se tratar
de pessoa física.
Art. 21. Acessar conhecimento tradicional associado para
fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico sem a
autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e máxima
de R$
15.000.000.00 (quinze milhões de reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se
tratar de pessoa física.
§ le A pena prevista no caput será aumentada de um terço
caso haja reivindicação de direito de propriedade industrial
de qualquer natureza relacionado a produto ou processo obtido
a partir do acesso ilícito junto a órgão nacional ou
estrangeiro competente.
§2S A pena prevista no caput será aumentada de metade se
houver exploração econômica de produto ou processo obtido a
partir de acesso ilícito ao conhecimento tradicional
associado.
Art. 22. Divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou
informações que integram ou constituem conhecimento
tradicional associado, sem autorização do órgão competente ou
em desacordo com a autorização obtida, quando exigida:
Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de
pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil réais) é
máxima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quando se tratar
de pessoa física.
Art. 23. Omitira origem de conhecimento tradicional
associado em publicação, registro, inventário, utilização,
exploração, transmissão ou qualquer for-
Acesso à Diversidade Biológica no Brasil
ma de divulgação em que este conhecimento seja direta ou
indiretamente mencionado:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
200.000,00 (duzentos mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
5.000,00 (cinco mil reais) e máxima de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), quando se tratar de pessoa física.
Art. 24. Omitir ao Poder Público informação essencial sobre
atividade de acesso a conhecimento tradicional associado, por
ocasião de auditoria, fiscalização ou requerimento de
autorização de acesso ou remessa:
Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$
100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa
jurídica, e multa mínima de R$
200,00 (duzentos reais) e máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais), quando se tratar de pessoa física. ”
As muitas previstas no decreto texão a sua exigibilidade
suspensa, quando o autuado, por termo de compromisso aprovado
pela autoridade competente, obrigar-se à adoção de medidas
especificas para adequar-se ao disposto na Medida Provisória ns
2.186-16, de 2001, em sua regulamentação e demais normas
oriundas do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. Uma vez
que tenham sido cumpridas as obrigações assumidas pelo
autuado, desde que comprovado em parecer técnico emitido pelo
órgão competente, a multa serã reduzida em até noventa por
cento do seu valor, atualizado monetariamente.
2,2.9.3. Processo Administrativo
Um dos pontos de maior destaque do Decreto na 5.459/2005 é o
fato de que ele estabeleceu um processo administrativo para a
imposição de sanções àqueles que violarem as normas de
proteção ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicio-
nais, assegurando-se aos particulares a ampla defesa e o
contraditório. Aqui é preciso chamar a atenção para o fato de
que as determinações contidas na Lei na 9.784, de 29 de janeiro
de 1999, que rege o processo administrativo perante a
administração federal, são plenamente aplicáveis.
O decreto estabeleceu, em seu artigo 3Q, "que qualquer
pessoa, constatando infração contra o patrimônio genético ou
ao conhecimento tradicional associado, poderá dirigir
representação às autoridades relacionadas no art. 4a, para
efeito do exercício do seu poder de polícia”. A representação,
evidentemente, deverá ser assinada pelo representante, que se
identificará e indicará à autoridade os motivos pelos quais a
apuração deve ser instaurada.
As autoridades competentes para o processamento das
apurações tratadas no decreto são as seguintes:
I - o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis ~ IBAMA;
II - o Comando da Marinha, do Ministério da Defesa.
Direito Ambiental
Admite-se a celebração de Convênios com os órgãos ambientais
estaduais e municipais integrantes do Sistema Nacional de Meio
Ambiente — SISNAMA, com vistas à descentralização das
atividades.
0 artigo 65 do Decreto estabeleceu que o processo
administrativo para apuração de infração contra o patrimônio
genético ou ao conhecimento tradicional associado deve
observar os seguintes prazos máximos:
1 - vinte dias para o autuado oferecer defesa ou impugnação
contra o auto- de infração, contados da data da ciência da
autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto
de infração, contados da data da ciência da autuação,
apresentada ou não a defesa ou a impugnação;
III - vinte dias para o autuado recorrer da decisão
condenatória à instância hierarquicamente superior ao órgão
autuante» contados da ciência da decisão de primeira
instância;
IV - vinte dias para o autuado recorrer da decisão
condenatória de segunda instância ao Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético; e
V - cinco dias para o pagamento de multa» contados da data
do recebimento da notificação.
A expressão “prazo máximo”, obviamente, é infeliz.
Evidentemente que os prazos são estabelecidos em benefício do
administrado e não da administração, que não poderá diminuí-
los ao seu talante.
O artigo 7e dispõe que: “o agente autuante, ao lavrar o auto
de infração, indicará as sanções aplicáveis à conduta,
observando, para tanto:
I - a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da
infração e suas consequências para o patrimônio genético, o
conhecimento tradicional associado, a saúde pública ou para o
meio ambiente;
II - os antecedentes do autuado, quanto ao cumprimento da
legislação de proteção ao patrimônio genético e ao
conhecimento tradicional associado; e
III - a situação econômica do autuado.”
Na realidade, o artigo peca pela falta. Com efeito, não pode
o agente autuante lavrar auto de infração sem que a conduta,
em tese infracional, seja descrita em seus contornos mínimos,
sob pena de nulidade do auto de infração.
Política Nacional de Biodiversidade
Capítulo XIX Política Nacional de Biodiversidade
1. Introdução
O Decreto n9 4.339, de 22 de agosto de 2002, é aquele que
institui princípios e diretrizes para a implementação da
Política Nacional da Biodiversidade. Tal decreto merece
atenção, pois é a primeira vez, em toda a legislação de
proteção à diversidade biológica e ao meio ambiente, que se
estabelece tuna política com pretensões de abranger e integrar
todos os componentes da federação brasileira por meio de
decreto. Este é um elemento muito importante, pois, ab initio,
põe em dúvida toda a cons- titucionalidade da mencionada
política. Aliás, as próprias consideranda presidenciais são
ambíguas e demonstram uma elaboração pouco técnica e
assistemática, tratando inclusive de temas que não estão
previstos na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ou
que lá estão tratados de forma diferente. A primeira
observação é que a Convenção trata de Diversidade Biológica,
enquanto o decreto fala de biodiversidade. Ainda que ambos os
termos tenham, na prática, a mesma significação, do ponto de
vista técmco-jurídico é lastimável que o decreto trate da
importante convenção e dos temas nela tratados com uma
nomenclatura que não tem qualquer valor jurídico. Isto, em
minha opinião, demonstra pouco caso com o rigor técnico legal
e com o valor que ele deve ter em um estado democrático de
direito.
Na verdade, o decreto que ora se comenta deveria ser uma
lei; tal, no entanto, não foi possível, pois a própria Medida
Provisória n9 2.186, já tantas vezes comentada neste livro,
ainda não conseguiu se transformar em uma lei. Este fato gerou
o impasse que propiciou tratar de matéria tão significativa
por meio de um decreto. De qualquer forma, o artigo l9 do
decreto determina: Ficam instituídos, conforme o disposto no
Anexo a este Decreto, princípios e diretrizes para a
implementação, na forma da lei, da Política Nacional da
Biodiversidade, com a participação dos governos federal,
distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil.
A elaboração do decreto é finito de um trabalho realizado
pelo Ministério do Meio Ambiente que, em atitude louvável,
buscou estabelecer diálogo entre todos os interessados no
tema. Foram ouvidas, em audiência pública, associações civis,
empresas, comunidades locais e indígenas, acadêmicos, órgãos
governamentais etc. Este amplíssimo conjunto de interessados,
obviamente, possui inúmeras contradições internas que se
refletiram no próprio texto, que, buscando contemplar todos os
interesses, evidentemente, caiu no lado oposto, pois não foi
capaz de estabelecer um mínimo de clareza necessária para a
correta solução de problemas da magnitude daqueles que estão
tratados na mencionada política. Enfim, esta é a Política
Nacional
434
Direito Ambiental
de Biodiversidade existente em nosso país; de uma forma, ou de
outra, esperemos que ela possa atender às expectativas da
nacionalidade.
2. Política Nacional da Biodiversidade
A observação de que a biodiversidade em termos jurídicos é
inexistente - pois a Convenção internacional trata de
Diversidade Biológica - já foi feita e não necessita de
maiores aprofundamentos, motivo pelo qual passo a examinar os
termos da mencionada política.
2.1. Objetivos, Princípios e Diretrizes Gerais da Política
Nacional da Biodiversidade
2.1.1. Objetivos
A Política Nacional da Biodiversidade tem como objetivos os
seguintes: A Política Nacional da Biodiversidade tem como
objetivo geral a promoção, de forma integrada, da conservação
da biodiversidade e da utilização sustentável de seus com-
ponentes, com a repartição justa e eqwtativa dos benefícios
derivados da utilização dos recursos genéticos, de componentes
do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais
associados a esses recursos. Do conjunto dos objetivos
traçados podemos identificar que a Política Nacional da
Biodiversidade busca a conservação da diversidade biológica e
não a preservação da variabilidade das espécies. Isto implica
que a política adotada pelo país tem em vista o manejo e
utilização das espécies existentes sob a jurisdição nacional.
Desnecessário dizer que o centro do objetivo da política
estabelecida é o ser humano, pois a própria norma determina um
objetivo geral de promoção de forma integrada da conservação
da “biodiversidade” e da “utilização sustentável de seus
componentes”. Tais objetivos, conforme se verá, são con-
traditados pelos princípios da Política Nacional da
Biodiversidade, que, salvo melhor juízo, são extremamente
confusos e equívocos.
2.1.2. Características Básicas da Principiologia: Pouca
Clareza e Inexatidão
Os princípios e diretrizes da Política Nacional de
Biodiversidade formam um conjunto bastante confuso e pouco
claro, pois misturam elementos de direito internacional com
declarações de princípios quanto ao direito interno, bem como
inovam em relação à própria CDB,1 como se pode ver pela leitura
do Preâmbulo da mencio
1 Convenção sobre Diversidade Biológica. Preâmbulo. As Partes
Contratantes, Conscientes do valor intrínseco da diversidade
biológica e dos valores ecológico, genético, social,
econômico, ciendãco, educacional, cultural, recreativo e
estético da diversidade biológica e de seus componentes;
conscientes, também, da importância da diversidade biológica
para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários
à vida
ESBJ * Ensino Sy^ertor Bwm< MPce
Política Nacional de Biodiversidade
nada Convenção. Exemplo de inovação em relação à CDB é o
definido pelo princípio I que dispõe: a diversidade biológica
tem valor intrínseco, merecendo respeito independentemente de
seu valor para o homem ou potencial para uso humano. Em
realidade, a CDB não reconhece um valor intrínseco da
diversidade biológica, independentemente de seu valor para o
ser humano; muito ao contrário, todo o conjunto de normas
contido na CDB está firmemente construído sobre o valor da
diversidade biológica como um instrumento de desenvolvimento
econômico capaz de aliviar o sofrimento e a pobreza de países
que, embora ricos em diversidade biológica, carecem de
recursos econômicos para explorá-la adequadamente. É,
igualmente, curioso que o decreto faça uma declaração sobre a
obrigatoriedade de países desen-
da biosfera, Afirmando que a conservação da diversidade
biológica é uma preocupação comum à humanidade, Reafirmando
que os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios
recursos biológicos, Reafirmando, igualmente, que os Estados
são responsáveis pela conservação de suà diversidade biológica
e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos,
preocupados com a sensível redução da diversidade biológica
causada por determinadas atividades humanas, conscientes da
falta geral de informação e de conhecimento sobre a
diversidade biológica e da necessidade urgente de desenvolver
capacitação científica, técnica e institucional que
proporcione o conhecimento fundamental necessário ao
planejamento e implementação de medidas adequadas, observando
que é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da
sensível redução ou perda da diversidade biológica, observando
também que quando exista ameaça de sensível redução ou perda
de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica
não deve ser usada como razão para postergar medidas para
evitar ou minimizar essa ameaça, observando igualmente que a
exigência fundamental para a conservação da diversidade
biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos
habita ts naturais e a manutenção e recuperação de populações
viáveis de espécies no seu meio natural, observando ainda que
medidas ex situ, preferivelmente no país de origem, desempe-
nham igualmente um importante papel, Reconhecendo a estreita e
tradicional dependência de recursos biológicos de muitas
comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida
tradicionais, e que é desejável repartir equitativamente os
benefícios derivados da utilização do conhecimento
tradicional, de inovações e de práticas relevantes à
conservação da diversidade biológica e à utilização
sustentável de seus componentes, reconhecendo, igualmente, o
papel fundamental da mulher na conservação e na utilização
sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade
da plena participação da mulher em todos os níveis de
formulação e execução de políticas para a conservação da
diversidade biológica, enfatizando a importância e a
necessidade de promover a cooperação internacional, regional e
mundial entre os Estados e as organizações intergovemamentais
e o setor não-govemamental para a conservação da diversidade
biológica e a utilização sustentável de seus componentes,
reconhecendo que cabe esperar que o aporte de recursos
financeiros novos e adicionais e o acesso adequado às
tecnologias pertinentes possam modificar sensivelmente a
capacidade mundial de enfrentar a perda da diversidade
biológica, reconhecendo, ademais, que medidas especiais são
necessárias para atender às necessidades dos países em
desenvolvimento, inclusive o aporte de recursos financeiros
novos e adicionais e o acesso adequado às tecnologias
pertinentes, observando, nesse sentido, as condições espedais
dos países de menor desenvolvimento relativo e dos pequenos
Estados insulares, reconhecendo que investimentos substanciais
são necessários para conservara diversidade biológica e que há
expectativa de um amplo escopo de benefícios ambientais, eco-
nômicos e sociais resultantes desses investimentos,
reconhecendo que o desenvolvimento econômico e social e a
erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e
absolutas dos países em desenvolvimento, conscientes de que a
conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica é de importância absoluta para atender às
necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza da
crescente população mundial, para o que são essenciais o
acesso aea repartição de recursos genéticos e tecnologia,
observando, enfim, que a conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações
de amizade entre os Estados e contribuirão para a paz da
humanidade, desejosas de fortalecer e complementar
instrumentos internacionais existentes para a conservação da
diversidade biológica e a utilização sustentável de seus
componentes, e determinadas a conservar e utilizar de forma
sustentável a diversidade biológica para beneficio das
gerações presentes e futuras.
Direito Ambientai
volvidos aportarem recursos para a utilização da diversidade
biológica brasileira (?!).2 O Princípio V limita-se a ser uma
reprodução desnecessária do caput do artigo 225 da CF,3 o mesmo
se diga em relação ao Princípio X, que é uma reprodução do
inciso IV do § le do artigo 225 da Lei Fundamental da
República.4 Outro aspecto extremamente lamentável da
principiologia é o pouco domínio de uma terminologia básica, e
universalmente aceita, no que se refere ao conceito de
conservação e utilização sustentável de recursos.5
Um outro princípio que poderia ser classificado como de
natureza antropológica é o Princípio XI, que declara: O homem
faz parte da natureza e está presente nos diferentes
ecossistemas brasileiros há mais de dez mil anos, e todos
estes ecossistemas foram e estão sendo alterados por ele em
maior ou menor escala. Trata-se, evidentemente, de uma
obviedade que reconhece que o Ser Humano, para a sua sobre-
vivência, necessita alterar o meio ambiente, pois, em qualquer
uma de suas múltiplas atividades, consome recursos ambientais
e naturais e, portanto, altera os ecossistemas dos quais
retira os elementos para a sua reprodução. Aliás, o
“reconhecimento” estabelecido pelo Princípio XI serve como
ante-sala para o Princípio XIV, que afirma: O valor de uso da
biodiversidade é determinado pelos valores culturais e inclui
valor de uso direto e indireto, de opção de uso faturo e,
ainda, valor intrínseco, incluindo os valores ecológico,
genético, social, econômico, científico, educacional,
cultural, recreativo e estético. Veja-se que, passadas as
declarações bombásticas, o decreto “caiu na real” e foi
paulatinamente reconhecendo o importante papel econômico da
proteção da diversidade biológica.6 Tal “princípio” é
claramente contraditório com o Princípio I, que afirma um
“valor intrínseco” para a “biodiversidade”. Veja-se que a
definição de intrínseco que se encontra contemplada no
Princípio XIV, na realidade, implica um valor socialmente
reconhecido e, portanto, variável segundo determinadas
condições políticas, históricas, econômicas etc. Tal
contradição mostra a impossibilidade de estabelecimento de uma
política que busca conciliar
2 Prindpio TV - a conservação e a utilização sustentável da
biodiversidade são uma preocupação comum à humanidade, mas
com responsabilidades diferenciadas, cabendo sos países
desenvolvidos o aporte de recursos financeiros novos e
adicionais e a facilitação do acesso adequado às tecnologias
pertinentes para atender às necessidades dos países em
desenvolvimento.
3 Princípio V - todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, ao Poder
Público e à coletividade, o dever de de&ndê-lo e de
preservá-lo para as presentes e as futuras gerações.
4 Princípio X - a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente deverá ser precedida de estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade.
5 Princípio XVI - a gestão dos ecossistemas deve buscar o
equilíbrio apropriado entre a conservação e a utilização
sustentável da biodiversidade, e os ecossistemas devem ser
administrados dentro dos limites de seu funcionamento.
Conservação e utilização sustentável são expressões
sinônimas e implicam em administração (rectius: manejo)
dentro dos limites de seu funcionamento que é o
reconhecimento da capacidade de suporte.
6 Princípio XVII - os ecossistemas devem ser entendidos e
manejados em um contexto econômico, objetivando: a) reduzir
distorções de mercado que afetam negativamente a
biodiversidade; b) promover incentivos para a conservação da
biodiversidade e sua utilização sustentável; e c)
internalizar custos e benefícios em um dado ecossistema o
tanto quanto possível.
Política Nacional de Biodiversidade
vertentes contraditórias e, em alguns casos, antagônicas,
levando a uma confusão teórica extremamente nociva para o
estabelecimento de uma política de acesso à diversidade
biológica que possa redundar em efetivo progresso para o nosso
país, tema constante do princípio XV?
O princípio VIII, de maneira inexplicável, admite que, mesmo
em caso de risco sério e irreversível para o meio ambiente, o
Poder Público limite-se a aumentar custos para evitar a
degradação (?!), in verbis: Onde exista evidência científica
consistente de risco sério e irreversível à diversidade
biológica, o Poder Público determinará medidas eficazes em
termos de custo para evitar a degradação ambiental. Com todo o
respeito que os formuladores da Política Nacional da
Biodiversidade merecem, na hipótese de haverem os riscos
mencionados no princípio ora comentado, a medida adequada é
impedir a atividade, jamais estabelecer “medidas eficazes em
termos de custo”, como proposto no princípio. O que há,
conforme confirmado em outro princípio,8 é uma inadequada
compreensão da natureza econômica do princípio do poluidor
pagador.
2.1.2.1. Princípios Referentes ao Acesso aos Conhecimentos
Tradicionais Associados
Tendo em vista as peculiaridades referentes ao acesso aos
conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica,
a Política Nacional da Biodiversidade estabeleceu um
subconjunto de princípios diretamente direcionados para o
tema. Assim é que os mencionados princípios dispõem: XII - a
manutenção da diversidade cultural nacional é importante para
pluralidade de valores na sociedade em relação à bio-
diversidade, sendo que os povos indígenas, os quilombolas e as
outras comunidades locais desempenham um papel importante na
conservação e na utilização sustentável da biodiversidade
brasileira; XIII ~ as ações relacionadas ao acesso ao
conhecimento tradicional associado à biodiversidade deverão
transcorrer com consentimento prévio informado dos povos
indígenas, dos quilombolas e das outras comunidades locais.
2.2. Diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade
O número 4 do Anexo ao Decreto n3 4.339/2002 estabelece as
seguintes diretrizes a serem observadas na implantação da
Política Nacional da Biodiversidade:
(i) estabelecimento de cooperação com outras nações,
diretamente ou, quando necessário, mediante acordos e
organizações internacionais competen
7 Princípio XV - a conservação e a utilização sustentável da
biodiversidade devem contribuir para o desenvolvimento
econômico e social e paia a erradicação da pobreza.
8 Princípio IX — a intemalização dos custos ambientais e a
utilização de instrumentos econômicos será promovida tendo
em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio,
suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo
interesse público e sem distorcer o comércio e os
investimentos internacionais.
Direito Ambiental
438
tes, no que respeita a áreas além da jurisdição nacional, em
particular nas áreas de fronteira, na Antártida, no alto-mar e
nos grandes fundos marinhos e em relação a espécies
migratórias, e em outros assuntos de mútuo interesse, para a
conservação e a utilização sustentável da diversidade bio-
lógica;
(ii) o esforço nacional de conservação e a utilização
sustentável da diversidade biológica devem ser integrados em
planos, programas e políticas setoriais ou intersetoríais
pertinentes de forma complementar e harmônica;
(iii) investimentos substanciais são necessários para
conservar a diversidade biológica, dos quais resultarão,
consequentemente, benefícios ambientais, econômicos e
sociais;
(iv) é vital prever, prevenir e combater na origem as causas
da sensível redução ou perda da diversidade biológica;
(v) a sustentabilidade da utilização de componentes da
biodiversidade deve ser determinada do ponto de vista
econômico, social e ambiental, especialmente quanto à
manutenção da biodiversidade;
(vi) a gestão dos ecossistemas deve ser descentralizada ao
nível apropriado e os gestores de ecossistemas devem
considerar os efeitos atuais e potenciais de suas atividades
sobre os ecossistemas vizinhos e outros;
(vii) a gestão dos ecossistemas deve ser implementada nas
escalas espaciais e temporais apropriadas e os objetivos
para o gerenciamento de ecossistemas devem ser estabelecidos
a longo prazo, reconhecendo que mudanças são inevitáveis.
(viii) a gestão dos ecossistemas deve se concentrar nas
estruturas, nos processos e nos relacionamentos funcionais
dentro dos ecossistemas, usar práticas gerenciais
adaptativas e assegurar a cooperação intersetorial;
(ix) criar condições para permitir o acesso aos recursos
genéticos e para a utilização ambientalmente saudável destes
por outros países que sejam Partes Contratantes da Convenção
sobre Diversidade Biológica, evitando-se a imposição de
restrições contrárias aos objetivos da Convenção.
2.3. Dos Componentes da Política Nacional da Biodiversidade
À semelhança de um projeto acadêmico financiado pelo Banco
Mundial, ou outro organismo internacional de crédito, a
Política Nacional da Biodiversidade é constituída por
“componentes”. Tais “componentes”, em número de 7 (sete), nada
mais são do que os objetivos do que seria uma política
nacional de diversidade biológica. Diante dos termos quase
caóticos do decreto que está sendo analisado, não há um
conjunto de objetivos a serem atingidos pela implementação de
políticas públicas sobre o tema. O que é lamentável sob todos
os aspectos. Veja-se que os componentes devem ser tratados
“como os eixos temáticos” da Política Nacional da
Biodiversidade, seja lá o que isto signifique.
Afinal, quais são os “componentes” da Política Nacional da
Biodiversidade? Passemos a eles;
Política Nacional de Biodiversidade
439
I - Componente 1 — Conhecimento da Biodiversidade: congrega
diretrizes
voltadas à geração, sistematização e disponibilização de
informações que permitam conhecer os componentes da
biodiversidade do pais e que apoiem a gestão da
biodiversidade, bem como diretrizes relacionadas à produção de
inventários, à realização de pesquisas ecológicas e à
realização de pesquisas sobre conhecimentos tradicionais;
II - Componente 2 - Conservação da Biodiversidade: engloba
diretrizes des
tinadas à conservação in sita e ex sita de variabilidade
genética, de ecossistemas, incluindo os serviços ambientais, e
de espécies, particularmente daquelas ameaçadas ou com
potencial econômico, bem como diretrizes para implementação de
instrumentos econômicos e tecnológicos em prol da conservação
da biodiversidade;
III ~ Componente 3 - Utilização Sustentável dos Componentes da
Biodiver
sidade: reúne diretrizes para a utilização sustentável da
biodiversidade e da biotecnologia, incluindo o fortalecimento
da gestão pública, o estabelecimento de mecanismos e
instrumentos econômicos, e o apoio a práticas e negócios
sustentáveis que garantam a manutenção da biodiversidade e da
funcionalidade dos ecossistemas, considerando não apenas o
valor econômico, mas também os valores sociais e culturais da
biodiversidade;
IV - Componente 4 — Monitoramento, Avaliação, Prevenção e
Mitigação de
Impactos sobre a Biodiversidade: engloba diretrizes para
fortalecer os sistemas de monitoramento, de avaliação, de
prevenção e de mitigação de impactos sobre a biodiversidade,
bem como para promover a recuperação de ecossistemas
degradados e de componentes da biodiversidade sobre-
explotados;
V - Componente 5 - Acesso aos Recursos Genéticos e aos
Conhecimentos
Tradicionais Associados e Repartição de Benefícios: alinha
diretrizes que promovam o acesso controlado, com vistas à
agregação de valor mediante pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico, e a distribuição dos benefícios
gerados pela utilização dos recursos genéticos, dos componen-
tes do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais
associados, de modo que sejam compartilhados, de forma justa e
equitativa, com a sociedade brasileira e, inclusive, com os
povos indígenas, com os quilom- bolas e com outras comunidades
locais;
VI - Componente 6 ~ Educação, Sensibilização Pública,
Informação e Divul
gação sobre Biodiversidade: define diretrizes para a educação
e sensibilização pública e para a gestão e divulgação de
informações sobre biodiversidade, com a promoção da
participação da sociedade, inclusive dos povos indígenas,
quilombolas e outras comunidades locais, no respeito à con-
servação da biodiversidade, à utilização sustentável de seus
componentes e à repartição justa e equitativa dos benefícios
derivados da utilização de recursos genéticos, de componentes
do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado
à biodiversidade;
Direito Ambiental
VII - Componente 7 - Fortalecimento Jurídico e Institucional
para a Gestão da Biodiversidade: sintetiza os meios de
implementação da Política; apresenta diretrizes para o
fortalecimento da infraestrutura, para a formação e fixação
de recursos humanos, para o acesso à tecnologia e
transferência de tecnologia, para o estímulo à criação de
mecanismos de financiamento, para o fortalecimento do marco-
legal, para a integração de políticas públicas e para a
cooperação internacional.
3.Conclusão
A título de conclusão, posso afirmar que a Política Nacional
da Biodiversidade é um conjunto caótico de declarações,
princípios e “componentes” que não se sustentam. É de se
lamentar que tal norma tenha sido elaborada e que a Medida
Provisória ns 2.186 não tenha sido aperfeiçoada e transformada
em lei, como seria de se esperar. Acredito, firmemente, que
tal Política Nacional da Biodiversidade será revogada o quanto
antes, para que assunto de tal magnitude receba tratamento
compatível.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
Capítulo XX Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
1. Introdução
No presente capítulo, pretendo analisar um fenômeno bastante
importante, que é o surgimento de leis estaduais destinadas à
regulamentação do acesso à diversidade biológica. Tais leis,
em número de duas, tendem a se multiplicar pelos diversos
Estados da federação, haja vista a existência de vários
projetos e anteprojetos em muitos deles. Conforme será visto,
tais leis encerram complexas questões referentes à competência
legislativa, pois não é fácil catalogar, juridicamente, a
conservação, o acesso e a repartição justa e equitativa dos
benefícios quando se trata de diversidade biológica.
O legislador federal, até o ano de 2001, não avançou
significativamente na regulamentação interna da CDB, naquilo
que diz respeito ao acesso aos recursos da diversidade
biológica, assim como na justa e equitativa repartição dos
benefícios decorrentes de tal acesso, em especial quanto ao
relacionamento com as comunidades locais e as populações
indígenas. A inércia federal foi ultrapassada pela produção
legislativa de dois Estados amazônicos: (i) Acre; e (ii)
Amapá. Tais Estados produziram leis próprias mediante as quais
pretendem dispor sobre o acesso à diversidade biológica no
interior de seus territórios.
A existência de leis estaduais sobre o tema, entretanto, não
é matéria que me pareça juridicamente tranqüila, pois o
elevado grau de interdisciplinariedade do assunto faz com que
não possamos classificá-lo no universo do Direito, de forma
incontestável. Com efeito, não sabemos se a matéria deve ser
enquadrada como Direito Ambiental (em função da Convenção
sobre Diversidade Biológica), como Direito Indigenista (em
função da presença de populações indígenas como detentoras de
conhecimentos tradicionais associados), como Direito de
Propriedade Intelectual (em função da necessidade de Proteção
dos Conhecimentos Tradicionais Associados), ou Direito
Comercial, em razão dos Contratos de Acesso à Diversidade
Biológica. A questão é relevante, pois, dependendo do
enquadramento jurídico dos temas, a legislação dos Estados-
Membros será constitucional ou inconstitucional.
Penso que a matéria tem aspectos ambientais, embora não seja
de Meio Ambiente; explico melhor: como já tive a oportunidade
de me manifestar previamente, “uma norma de Direito Civil ou
de Direito Administrativo que incida sobre um bem jurídico
ambiental deve estar fundada nos princípios implícitos e
explícitos de tutela ambiental previstos na Constituição e na
legislação ordinária”.1 O que ocor-
1 Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 5a ediçao, 2001, p. 37.
Direito Ambientai
re, em minha opinião, é que, conforme o caso, estaremos diante
de matéria que se enquadra em Direito Comercial, outras vezes
no campo da propriedade intelectual, muitas vezes no comércio
exterior e, assim, sucessivamente. Isto faz com que as normas
estaduais, sob meu ponto de vista, tenham muitos dispositivos
constitucionalmente discutíveis. Com efeito, o artigo 22 da CF
determina que compete privativamente à União legislar sobre:
Direito Civil, Comercial; comércio exterior; populações
indígenas.2 A competência privativa, como se sabe, somente pode
ser exercida pela própria União, salvo na hipótese em que uma
lei complementar autorize os Estados a legislarem sobre
questões específicas das matérias relacionadas no artigo 22 da
CF.3 A lei complementar mencionada na Lei Fundamental da
República ainda não existe, motivo pelo qual é de se ter por
inconstitucional toda e qualquer lei estadual que invada
competência privativa da União, conforme o STF,
reiteradamente, vem decidindo. É fato, contudo, que a
inconstitucionalidade não fere mortalmente a totalidade dos
textos legais estaduais, mas, única e exclusivamente,
dispositivos específicos que extrapolam o âmbito das
competências estaduais.
A própria superveniência da Medida Provisória na 2.186-16,
de 23 de agosto de 2001, trouxe mais um complicador para a
validade constitucional das legislações estaduais, pois no
próprio tema meio ambiente - previsto nos incisos VI, VII e
VIII do artigo 24 da CF4-, como na preservação do patrimônio
cultural - no qual os conhecimentos tradicionais, em minha
opinião, encontram-se inseridos a competência é concorrente.
Em tema de competência concorrente, como é de sabença geral,
cabe à União o estabelecimento de regras gerais; aos Estados
cabe suplementar tal legislação. A Constituição afirma que a
superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual naquilo que contrarie a norma
federal. A Medida Provisória, por ter força de lei, em tais
condições, exerce o papel de norma geral. E necessário,
entretanto, que caso a caso seja examinada a eficácia da norma
estadual.
É imperioso dizer, no entanto, que no sistema legal
brasileiro uma lei somente perde sua eficácia quando declarada
inconstitucional pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual deve
ser cumprida integralmente até que tal declaração ocorra.
2 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I -
direito civil, comercial, penai, processual, elei- toral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...) VIU - comércio exterior e interestadual; (...) XIV-
populações indígenas; (...) XXVII - normas gerais de
hcitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido
o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, aos termos do art. 173, § P,
III.
3CF, Art. 22, parágrafo único.
4Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:(...) VI — flo
restas, caça, pesca, Éama, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; VII —proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico; Vm—responsa
bilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
epaisagístico; § Ia No âmbito da legislação concorrente, a
competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2* A competência da União para legislar sobre normas gerais
não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3*
Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades. § 4? A superveniência de lei federal sobre
normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe
for contrário.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
Penso que as normas estaduais são frutos de esforços enormes
desenvolvidos pelos dois Estados amazônicos e, por tais
motivos, são altamente merecedoras de elogios. Não posso,
entretanto, deixar de observar que, em minha opinião, os
diplomas estaduais estão eivados de aspectos que podem levar a
importantes questionamentos quanto à constitucionalidade que,
se suscitados perante o STF, têm grande possibilidade de serem
acolhidos, em função de precedentes assentados naquela Corte
Constitucional. Na prática, como se verá, as leis estaduais
restarão totalmente desfiguradas e sem qualquer utilidade
prática. Parece-me que a melhor interpretação possível para o
assunto é a de considerar que as questões comerciais, de
conhecimento tradicional e outras envolvidas no tema, são
aspectos secundários das referidas normas, pois o aspecto
principal é a proteção da diversidade biológica; logo, um tema
submetido à competência concorrente entre a União e os
Estados. Havendo lei federal sobre acesso à diversidade
biológica, a norma estadual deve a ela se adaptar de forma que
se possa ter um sistema harmônico. É fundamental que as leis
estaduais sejam "aproveitadas”, de forma que seja possível
criar mecanismos descentralizados de acesso à diversidade
biológica e aos conhecimentos tradicionais.
2. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre
2.1. Âmbito de Aplicação da Norma
O Estado do Acre, pela Lei ne 1.235, de 9 de julho de 1997,
que dispõe sobre os instrumentos de controle do acesso aos
recursos genéticos do Estado do Acre e dá outras providências,
buscou, nos limites de sua competência, regular as condições
de acesso aos recursos genéticos no seu território. A lei
estadual é bastante longa e, em linhas gerais, busca adaptar
os princípios, normas e regras constantes da CDB à realidade
local do Acre. A inexistência, na época de sua elaboração, de
uma norma federal sobre o tema fez com que, assim como a lei
do Estado do Amapá, ela se envolvesse em matéria cuja
competência estadual não é muito clara e, em algumas vezes, é
francamente inexistente, como é o caso de tratar sobre
questões indígenas, que estão constitucionalmente vinculadas à
União Federal e assim reconhecidas, desde muito, pela
jurisprudência predominante do STF;5 há que se considerar, no
entanto, que o próprio STF tem admitido a legislação estadual
que supre lacunas existentes na legislação federal.6 Conforme
sustentei na introdução deste capítulo, as questões ambien-
5 Apelação Cível (AC n« 9.620/MT). DfU9/lQ/7Q. RI7, vol. 49-
03, p. 758. Tribunal Pleno. Rei. Min. Amaral Santos. Ementa:
Ação Popular visando à declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, decorrentes de Lei Estadual
u9 1.077, de 1958, do Estado de Mato Grosso, que reduziu a
área de terras reservadas aos índios Cadiueus. Apelação
Cível conhecida como Ação Cível Originária (Constituição de
1967, art. 114,1, 'd'). Ação julgada procedente em parte
para declarar inconstitucional a Lei n° 1.077/58, de Mato
Grosso, em face do Art. 216 da Constituição de 1946 e 186 da
Constituição de 1967.
6 ADIMC 1.086-SC. Ação Direta de Inconstitudonalidade, Medida
Cautelar. ReL Min. Umar Galvão. DJU
16/9/94, p. 42.279. Tribunal Pleno. Ementa: Constitucional.
Ação Direta. Liminar. Obra ou atividade po
tencialmente lesiva ao meio ambiente. Estudo Prévio de Impacto
Ambiental Diante dos amplos termos do
inc. TV do § Jo do art. 225 da Carta Federal, revela-se
juridicamente relevante a tese de inconstituciona-
Direito Ambiental
tais, em função de seu caráter holístico, encontram muitas
dificuldades para serem enquadradas em um “escaninho”
específico das competências constitucionais. Penso que, em
nome dos princípios do artigo 225 da CF e da técnica de
interpretação legal, somente em casos extremos deve ser
declarada uma inconstitucionalidade na matéria que ora está
sendo examinada.
A Lei Estadual, de acordo com o disposto em seu artigo l2,
tem por objetivo regular direitos e obrigações relativos ao
acesso aos recursos genéticos, material genético e produtos
derivados, em condições ex sita e in sita, existentes no
Estado do Acre; assim como aos conhecimentos tradicionais das
populações indígenas e comunidades locais, associados aos
recursos genéticos ou produtos derivados e aos cultivos
agrícolas domesticados no Estado.
A lei busca, igualmente, estabelecer normas para os
contratos de acesso, sem prejuízo dos direitos de propriedade
material e imaterial relativos:
(i) aos recursos naturais que contêm o recurso genético ou
produto derivado;
(ii) à coleção privada de recursos genéticos ou produtos
derivados;
(iii) aos conhecimentos tradicionais das populações indígenas
e comunidades locais, associadas aos recursos genéticos ou
produtos derivados.
Determina a norma que os contratos assegurem aos
proprietários e detentores de conhecimentos tradicionais
associados a garantia de repartição justa e equitativa dos
benefícios derivados do acesso aos recursos genéticos e
produtos derivados, aos conhecimentos tradicionais das
populações indígenas e comunidades locais, associados aos
recursos genéticos ou produtos derivados e aos cultivos
agrícolas domesticados no Estado, na forma da Lei. O artigo 4e
da norma acreana estabelece um conjunto de conceitos
normativos utilizáveis para a sua aplicação e que, em linhas
gerais, é aquele contido na própria CDB.
2.2. Princípios
A norma acreana estabelece, em seu artigo 59, os seguintes
princípios normativos, que devem ser observados quando da sua
aplicação:
(i) soberania sobre os recursos genéticos existentes e seus
produtos derivados na circunscrição do Estado;
lidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de
impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou
reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse
a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-
la estaria inserida na competência do legislador federal, já
que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a
conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art.
24, inc.
VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da
competência legislativa a que se refere o §3* do art. 24 da
Carta Federal, já que esta busca suprir lacunas normativas
para atender a peculiaridades locais, ausentes na espécie.
Medida liminar deferida. Partes. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de
Santa Catarina.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(ii) necessidade de consentimento prévio e fundamentado das
comunidades locais e dos povos indígenas, para as atividades
de acesso aos recursos genéticos situados nas áreas que
ocupam, aos seus cultivos agrícolas domesticados e aos
conhecimentos tradicionais que detêm;
(iii) integridade intelectual do conhecimento tradicional
detido pela comunidade local ou população indígena,
garantindo-se-lhe o reconhecimento, a proteção, a
compensação justa e equitativa pelo seu uso e a Uberdade de
intercâmbio entre seus membros e com outras comunidades ou
populações análogas;
(iv) inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade
dos direitos relativos ao conhecimento tradicional detido
pelas comunidades local ou população indígena e aos seus
cultivos agrícolas domesticados, possibilitando-se,
entretanto, o seu uso, após o consentimento prévio e
fundamentado da respectiva comunidade local ou população
indígena e mediante justa e equitativa compensação;
(v) participação estadual nos benefícios econômicos e sociais
decorrentes das atividades de acesso, especialmente em
proveito do desenvolvimento sustentável das áreas onde se
realiza o acesso aos recursos genéticos e/ou das comunidades
locais e populações indígenas provedoras do conhecimento
tradicional;
(vi) prioridade, no acesso aos recursos genéticos, para os
empreendimentos que se realizem no território estadual;
(víi) promoção e apoio às distintas formas de geração de
conhecimentos e tecnologias dentro do Estado, dando
prioridade ao fortalecimento da capacidade estadual
respectiva;
(viii) proteção e incentivo à diversidade cultural,
valorizando-se os conhecimentos, inovações e práticas das
comunidades locais sobre a conservação, uso, manejo e
aproveitamento da diversidade biológica e genética;
(ix) compatíbilização com as políticas, princípios e normas
relativos à biosse- gurança;
(x) compatíbilização com as políticas, princípios e normas
relativas à segurança alimentar do Estado;
(xi) integridade do patrimônio genético e da diversidade
biológica estadual.
2.3. Poder de Polícia e Aplicabilidade da Norma
O poder de polícia exercido pelo Poder Público estadual tem
por objetivo a proteção, a conservação e a utilização
sustentável do patrimônio natural do Estado, aplicando-se as
disposições da Lei a todas as pessoas físicas ou jurídicas,
nacionais ou estrangeiras, que extraiam, usem, aproveitem,
armazenem, comercializem, liberem ou introduzam recursos
genéticos em território estadual, conforme estabelecido pelo
artigo 6a. A lei estadual é aplicável:
(i) aos recursos genéticos e seus produtos derivados
ocorrentes no território estadual;
Direito Ambiental
(ii) aos conhecimentos tradicionais associados das comunidades
locais e populações indígenas;
(iií) às espécies migratórias que, por causas naturais,
encontrem-se no território estadual.
A norma estadual não é aplicável às seguintes hipóteses:
(i) recursos genéticos e quaisquer componentes ou substâncias
dos seres humanos;
(ii) ao intercâmbio de recursos genéticos, produtos derivados,
cultivos agrícolas tradicionais e/ou conhecimentos
tradicionais associados, realizado pelas comunidades locais
e pelas populações indígenas, entre si, para seus próprios
fins e baseado em sua prática costumeira.
Conforme determinação contida no artigo 11, o Poder Público,
a qualquer tempo, desde que existente perigo de dano grave e
irreversível decorrente de atividades praticadas sob o amparo
da Lei n9 1.235, de 9 de julho de 1997, deverá adotar medidas,
com critérios de proporcionalidade,7 destinadas a impedir o
dano, podendo, inclusive, sustar a atividade, especialmente em
casos de:
(i) perigo de extinção de espécies, subespécies, estirpes ou
variedades;
(ii) razões de endemismo ou raridade;
(Ui) condições de vulnerabilidade na estrutura ou
funcionamento dos ecossistemas;
(iv) efeitos adversos sobre a saúde humana ou sobre a
qualidade de vida ou identidade cultural das comunidades
locais e populações indígenas;
(v) impactos ambientais indesejáveis ou dificilmente
controláveis sobre os ecossistemas urbanos e rurais;
(vi) perigo de erosão genética ou perda de ecossistema, de
seus recursos ou de seus componentes, por coleta indevida ou
incontrolada de germoplasma;
(vii) descumprimento de normas e princípios de biossegurança
ou de segurança alimentar; e
(viii) utilização dos recursos com fins contrários aos
interesses municipais, estaduais e nacionais.
A adoção de tais medidas extremas, evidentemente, somente
pode ser feita por decisão fundamentada do órgão competente,
pois o acesso à diversidade biológica é regido por contrato
entre as partes e a intervenção do Poder Público é uma exceção
que só encontra validade jurídica em uma fundamentação
conforme o Direito, sob
7 A lei, como se vê, determina expressamente que o
administrador guarde uma relação entre a dimensão do dano
sofrido ou a ser evitado e a penalidade aplicada. A não-
observância de proporcionalidade acarreta a invalidade da
pena.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
pena de nulidade absoluta. É importante frisar que o próprio
legislador estadual demonstrou preocupação - acertadamente -
com a utilização da proteção ambiental como barreira
comercial, ao estabelecer no parágrafo 29 do artigo 11 que: as
medidas previstas neste artigo não poderão se constituir
obstáculo técnico ou restrição comercial encobertos.
Realçando, pois, a necessidade da fundamentação para a ces-
sação da atividade, em função de defesa ambiental.
O § l9 do artigo 11 adota o princípio da precaução, na
defesa do meio ambiente, ao estabelecer que: a falta. de
certeza científica absoluta sobre o nexo causal entre a ati-
vidade de acesso aos recursos genéticos e o dano não poderá
ser alegada para postergar a adoção das medidas eficazes
requeridas. É de se observar, contudo, que a norma de acesso à
diversidade biológica tem por objetivo assegurar a utilização
sustentável dos recursos genéticos. O espírito do acesso à
diversidade biológica é o da utilização sustentável dos
recursos. Um ponto muito importante que necessita ser
ressaltado é que a utilização em níveis muito elevados dos
recursos genéticos pode levar à extinção dos recursos
genéticos in situ, o que é totalmente contrário aos objetivos
da CDB.
2.4. Obrigações Institucionais do Poder Público
A Gestão estadual do acesso aos recursos genéticos e ao
conhecimento tradicional associado está contemplada entre as
atribuições da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Ciência e
Tecnologia, que deve planejar, coordenar, supervisionar, con-
trolar e avaliar o desenvolvimento das atividades de acesso
aos recursos genéticos, sendo especificamente incumbida de:
(i) produzir, anualmente, o relatório dos níveis de ameaça à
biodiversidade estadual e dos impactos potenciais de sua
deterioração sobre o desenvolvimento sustentável;
(ii) elaborar as diretrizes técnicas e científicas para o
estabelecimento de prioridades para a conservação de
ecossistemas, espécies e genes, baseadas em fatores como o
endemismo, a riqueza e o inter-relacionamento de espécies e
seu valor ecológico e, ainda, nas possibilidades de gestão
sustentável;
(iii) estabelecer, em conjunto com organismos de pesquisa
estaduais, federais e municipais, e com as comunidades
locais, listas dos recursos genéticos ameaçados de extinção
ou de deterioração e dos locais ameaçados por graves perdas
da diversidade biológica;
(iv) estabelecer mecanismos que possibilitem o controle e a
divulgação das informações referentes às ameaças à
diversidade biológica estadual;
(v) desenvolver planos, estratégias e políticas para conservar
a diversidade biológica e assegurar que o uso dos seus
elementos seja sustentável;
(vi) acompanhar as pesquisas e inventários da diversidade
biológica estadual e desenvolver um sistema para organizar e
manter esta informação;
(vii) apoiar a criação e o fortalecimento de unidades de
preservação a fim de conservar espécies, habitats,
ecossistemas representativos e a variabilidade genética
dentro das espécies;
Direito Ambiental
(viii) controlar e prevenir a introdução de espécies
exóticas no território estadual;
(ix) criar facilidades para o desenvolvimento e para o
fortalecimento das atividades de conservação ex sita da
diversidade biológica do Estado;
(x) realizar estudos que visem à modificação dos cálculos das
contas estaduais, a fim de que estes reflitam as perdas
econômicas resultantes da degradação dos recursos biológicos
e da perda da biodiversidade; e,
(xi) identificar as prioridades para a formação de pessoal
capacitado para proteger, estudar e usar a biodiversidade.
2.5. Acesso aos Recursos Genéticos
A Lei Estadual dividiu o acesso aos recursos genéticos em
duas grandes espécies; (i) condições in sita; e (ii) condições
ex-sita. Tal critério é idêntico ao adotado pela CDB. Passo a
examinar ambas as hipóteses.
2.5.1. Acesso em Condições In Situ
Pessoas físicas ou jurídicas, nacionais, estrangeiras ou
internacionais8 somente poderão requerer autorização para
acesso de espécies em condições in sita. No caso de
instituição estrangeira, o contrato de acesso, no entanto,
deverá ser escrito9 e as atividades de acesso, necessariamente,
desempenhadas por instituição de pesquisa, pública ou privada
nacional, de livre escolha do interessado, desde que
autorizado pelo órgão estadual competente.
Os contratos para o acesso aos recursos genéticos em
condições in situ dividem- se em três modalidades: (i)
contrato de acesso; (ii) contrato acessório; e (iii) contratos
conexos. O contrato de acesso viabiliza o acesso aos recursos
genéticos, mediante acordo mútuo entre o Estado, o provedor
dos recursos genéticos ou do detentor do conhecimento
tradicional associado; o contrato acessório assegura a
utilização do conhecimento tradicional associado e prevê a
repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização; os
contratos conexos são aqueles indispensáveis à implantação e
desenvolvimento de atividades relacionadas ao acesso aos
recursos genéticos.
2.5.1.1. Condições para a Obtenção da Autorização
A solicitação de acesso deverá ser feita acompanhada dos
seguintes documentos, no mínimo:
(i) identificação completa:
a. do solicitante, que deve ter capacidade jurídica para
contratar e capacidade técnica comprovada;
8 Provavelmente a norma quis se referir a organizações
internacionais.
9 Não vejo como possa ser possível a celebração de contratos
não escritos, pois contratos puramente verbais não podem
assegurar repartição justa e equitativa dos benefícios
decorrentes do acesso à diversidade biológica. Por outro
lado, a própria presença de partes públicas impõe a
formalidade nos contratos.
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
b. das pessoas ou entidades associadas ou de apoio e do
provedor dos recursos genéticos, produtos derivados ou de
conhecimento tradicional;
(ii) informação completa sobre o cronograma de trabalho
previsto, orçamento e as fontes de financiamento;
(iii) informação detalhada e especificada dos recursos
genéticos, produtos derivados ou conhecimento tradicional a
que se pretende ter acesso, incluindo seus usos atuais e
potenciais, sua sustentabilidade ambiental e os riscos que
possam decorrer do acesso;
(iv) descrição circunstanciada dos métodos, técnicas, sistemas
de coleta e instrumentos a serem utilizados;
(v) localização precisa das áreas onde serão realizados os
procedimentos de acesso;
(vi) indicação do destino do material coletado e seu
provável uso posterior.
Quando se tratar da hipótese de acesso a conhecimento
tradicional, além da documentação antes descrita, o projeto
deverá vir acompanhado de um protocolo de visitas à comunidade
local ou população indígena e das informações recolhidas de
fonte, oral ou escrita, relacionadas ao conhecimento
tradicional. Admite-se a hipótese da necessidade de Estudo de
Impacto Ambiental, a ser exigido pelo órgão estadual, após
despacho fundamentado. Note-se que o Estudo de Impacto
Ambiental não é a regra, pois, em tese, a utilização dos
recursos genéticos é feita de forma sustentável, Se assim não
for, penso, o próprio espírito da CDB estará sendo violentado.
O artigo 15 estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias, após a
publicação da solicitação e proposta de acesso, para que a
SECTMA emita parecer técnico e legal sobre a procedência ou
improcedência da solicitação. É importante observar que o
artigo 16 determina a motivação da decisão do órgão público. O
indeferimento encerra o procedimento administrativo. O
deferimento deve ser publicado, no prazo de 10 (dez) dias, no
Diário Oficial e no órgão de comunicação da imprensa local de
maior circulação, seguindo-se a negociação e elaboração do
contrato de acesso.
2.5.2. Contrato de Acesso
O contrato de acesso aos recursos genéticos, quando
celebrado no Estado do Acre, tem como partes obrigatórias as
seguintes: (i) o Estado, representado pela SECTMA; (ii) o
solicitante do acesso; (iü) o provedor do conhecimento
tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, nos casos de
contrato de acesso que envolva estes componentes. Na hipótese
em que a solicitação de acesso envolva conhecimento tra-
dicional ou cultivo agrícola domesticado, o contrato de acesso
deverá ser seguido de um contrato acessório de utilização de
conhecimento tradicional ou de cultivo agrícola domesticado.
Tal contrato deverá constar de anexo ao contrato de acesso e,
necessariamente, ser firmado pelo Estado do Acre, pelo
provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola
domesticado e pelo solicitante. Nele deve estar pactuada a
compensação justa e equitativa relativa aos benefícios
provenientes da utilização de tal conhecimento tradicional.
| Direito Ambiental
Há uma particularidade a ser observada: os contratos conexos
devem ser apresentados à autoridade pública antes da
celebração do contrato de acesso. A instituição pública ou
privada que for indicada para exercer o apoio institucional
deve ser aprovada pelo órgão ambiental; tal aprovação,
entretanto, não implica assunção de qualquer responsabilidade
solidária do órgão ambiental em relação à instituição em tela,
no que diz respeito ao contrato.
O contrato de acesso deve ter, além das cláusulas
acordadas10 entre as partes, as seguintes cláusulas
obrigatórias:
(i) definição do objeto do contrato, tal qual registrado na
solicitação e proposta de acesso, que se toma como
integrante do contrato;
(ii) indicação dos benefícios de toda ordem (econômicas,
sociais, técnicas, tecnológicas, biotecnológicas,
científicas e culturais), assinalando-se sua distribuição
inicial e posterior;
(iii) determinação da titularidade de eventuais direitos de
propriedade intelectual e de comercialização dos produtos e
processos obtidos e das condições para concessão de
licenças;
(iv) determinação das formas de identificação de amostras que
permitam o acompanhamento das atividades de bíoprospecção;
(v) obrigação do solicitante de não ceder ou transferir a
terceiros o acesso, manejo ou utilização dos recursos
genéticos e seus produtos derivados sem o consentimento
expresso da SECTMA e, quando for o caso, das comunidades
locais ou populações indígenas detentoras do conhecimento
tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, objetos do
procedimento de acesso;
(vi) compromisso do solicitante de comunicar previamente à
SECTMA sobre as pesquisas e utilizações dos recursos
genéticos e produtos derivados objetos do acesso;
(vii) compromisso do solicitante de transmitir à SECTMA os
relatórios e demais publicações que realize com base nos
recursos genéticos e produtos derivados objetos do acesso;
(viii) compromisso do solidtante de informar previamente à
SECTMA sobre a obtenção de produtos ou processos novos ou
distintos daqueles objeto do contrato;
(ix) obrigação do solicitante de apresentar à SECTMA
relatórios periódicos dos resultados alcançados;
(x) compromisso do solicitante de solicitar a prévia
autorização da SECTMA para a transferência ou movimentação
dos recursos genéticos e produtos derivados para fora das
áreas designadas para o procedimento de acesso;
(xi) obrigação de depósito obrigatório de amostras do recurso
genético e produtos derivados objetos do acesso, incluindo
todo material associado, em instituição designada pela
SECTMA, com expressa proibição de saída do Estado de
amostras únicas;
10 Art. 20.
çoíw - crmg wmor msm. jurídica
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(xii) indicação dos mecanismos de captação, distribuição,
movimentação e transferência das amostras;
(xiii) eventuais compromissos de confidencialidade, pelas
partes contratantes, sobre aspectos que envolvam direitos de
propriedade intelectual;
(xiv) eventuais compromissos de exclusividade de acesso em
favor do solicitante, sempre que estejam de acordo com a
legislação estadual e nacional sobre a livre-concorrência;
(xv) estabelecimento de garantia que assegure o ressarcimento,
em caso de des- cumprimento das estipulações do contrato por
parte do solicitante;
(xvi) estabelecimento de cláusula de indenização por
responsabilidade contratual, extracontratual e por danos ao
meio ambiente;
(xvii) submissão a todas as demais normas estaduais e
nacionais, em especial as de controle sanitário, de
biossegurança, de proteção do meio ambiente e aduaneiras;
(xviii) disponibilização à SECTMA do conhecimento gerado e
informação resultante dos trabalhos desenvolvidos;
(xix) participação estadual nos benefícios econômicos, sociais
e ambientais dos produtos e processos derivados das
atividades de acesso.
O contrato de acesso deve ter prazo de vigência não superior
a 5 (cinco) anos, a contar da data de sua assinatura, podendo
ser renovado por período igual ao do contrato original,
A Lei admite, ainda, a celebração de contratos provisórios,
sem a observância das determinações das alíneas c e jf do art.
13, desde que observados os ditames do zoneamento ecológico
econômico do Estado e que atendam o seguinte:
(i) prazo de vigência máxima de 2 (dois) anos, a contar da
data da assinatura, não sendo renovável;
(ii) elaboração de relatório circunstanciado da bioprospecção
realizada, a ser entregue à SECTMA até 180 (cento e oitenta)
dias contados da data de término do contrato, e que terá
tratamento confidencial até o prazo de 1 (um) ano do término
do contrato;
(iii) não-utilização comercial de produtos ou processos
obtidos a partir de procedimentos de acesso executados no
âmbito dos contratos provisórios;
(iv) o acesso aos recursos genéticos encontrados na área
dependerá de autorização e contratos de acesso não
provisórios;
(v) ao contratante do contrato provisório deve ser assegurada
prioridade para receber autorização e firmar contrato de
acesso aos recursos genéticos prospectados na área, podendo
exercer essa prioridade até o prazo de 1 (um) ano da data de
término do contrato provisório.
O art. 23 admite a confidencialidade dos dados e
informações, contidos na solicitação, na proposta, na
autorização e no contrato de acesso, que possam ser utilizados
de forma a caracterizar concorrência desleal por terceiros,
salvo quando seu
Direito Ambientai
conhecimento público for necessário para proteger o interesse
público ou o meio ambiente. É evidente que a regra é a
confidencialidade das informações comerciais. A administração
somente poderá tomar tais informações públicas com base em um
parecer fundamentado e após a oitiva da parte interessada. O
parágrafo primeiro determina que o solicitante de acesso,
mediante petição justificativa, acompanhada de um resumo não-
confidencial, proceda ao requerimento de confidencialidade. A
matéria confidencial ficará em poder da autoridade competente,
somente podendo ser divulgada a terceiros por ordem judicial.
A confidencialidade não se aplica, segundo o § 32, do artigo
23, sobre as informações previstas nas alíneas a, d e e do
art. 13.
O art. 25 determina que: Serão ntdos os contratos que se
firmem com violação a esta Lei, podendo ser decretada a
nulidade de oficio pela SECTMA ou a requerimento de qualquer
pessoa.
2.5.2.1. Execução e Acompanhamento dos Contratos de Acesso
Em função da matéria, os contratos de acesso, no Estado do
Acre, devem ser acompanhados em sua execução por uma
instituição técnico-científica brasileira detentora de
reconhecido conceito na área de conhecimento referente ao
contrato, que será designada pelo órgão gestor da diversidade
biológica estadual. Ressalte-se que a mencionada instituição,
conforme determinação contida no parágrafo único do artigo 31,
responde solidariamente pelo cumprimento das obrigações
assumidas pela pessoa fisica ou jurídica autorizada ao
desenvolvimento dos trabalhos. O acompanhamento da execução é
feito com o objetivo de verificar se os termos do contrato de
acesso estão sendo cumpridos, assim como velar pela
observância da autorização, e, em especial, assegurar que:
(i) o acesso seja feito exclusivamente aos recursos genéticos
e produtos derivados autorizados, quando não for o caso do
contrato provisório, e na área estabelecida;
(ii) sejam conservadas as condições ambientais da região onde
se desenvolvem os trabalhos;
(iii) haja permanentemente a participação direta de um
especialista da instituição supervisora;
(iv) seja feito um informe detalhado das atividades realizadas
e do destino das amostras coletadas;
(v) tenham sido entregues amostras das espécies coletadas para
serem conservadas ex situ, em instituição designada pela
SECTMA.
2.5.2.2. Retribuição
O artigo 33 da Lei admite que o Estado poderá exigir, das
pessoas físicas ou jurí
dicas autorizadas a realizar trabalhos de levantamento e de
coleta de recursos da
diversidade biológica, compensação financeira ao Estado por
este uso. O volume de
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
recursos arrecadados é destinado ao Fundo Especial de Meio
Ambiente do Estado do Acre, instituído pelo art, 131 da Lei n2
1.117, de 26 de janeiro de 1994. É importante frisar que tal
“compensação financeira” é uma receita patrimonial do Estado
e, em minha opinião, precisa ter os seus critérios e valores
de cobrança definidos por lei, não bastando uma menção
genérica na lei que a criou. Da forma em que está tratada na
Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre» ela é
inexigível.
2.5.2.3. Disposições Gerais sobre os Contratos de Acesso
As permissões, autorizações, licenças, contratos e demais
documentos que amparem a pesquisa, coleta, obtenção,
armazenamento, transporte ou outra atividade similar ao acesso
aos recursos genéticos, vigentes na data de publicação desta
lei, de acordo ou não com suas disposições, não condicionam
nem presumem a autorização para o acesso. O transporte do
material coletado somente pode ser feito dentro das condições
da autorização e das estabelecidas no contrato; qualquer
modificação deve ser comunicada às autoridades públicas
competentes. O mesmo se dá em relação ao manuseio do material
coletado, sob pena de responsabilidade.
A autorização, ou contrato, para acesso aos recursos
genéticos, não deve ser entendida como autorização para sua
remessa ao exterior. Esta deve ser precedida de autorização do
govemo estadual, bem como do governo federal, que é o
competente para legislar sobre qualquer forma de comércio
exterior.
O Poder Público estadual não reconhece direitos sobre
recursos genéticos e seus produtos derivados obtidos ou
utilizados em descumprimento da lei, não admitindo como
válidos títulos de propriedade intelectual ou similares sobre
tais recursos ou sobre produtos ou processos resultantes do
acesso em tais condições.
2.5.2.4. Contratos Conexos de Acesso
Os contratos conexos de acesso são aqueles necessários à
implantação e desenvolvimento de atividades relacionadas ao
acesso aos recursos genéticos, sendo celebrados entre o
solicitante de acesso e: (i) o proprietário ou possuidor de
sítio onde se localize o recurso genético; e (ii) a
instituição pública ou privada que sirva de apoio nacional
para as atividades de acesso, envolvendo obrigações que não
devam fazer parte do contrato de acesso. Eles devem possuir
uma cláusula obrigatória, mediante a qual as partes deverão
estipular uma participação justa e equitativa dos benefícios
resultantes do acesso ao recurso genético, indicando-se
expressamente a forma de tal participação.
A simples celebração de um contrato conexo não autoriza o
acesso ao recurso genético e seu conteúdo se subordina ao
disposto no contrato de acesso e com o estabelecido na lei.
Eles devem, necessariamente, incluir cláusula suspensiva,
condicionando o seu cumprimento à execução do contrato de
acesso. Sem prejuízo do avençado no contrato conexo e
independentemente deste, a instituição pública ou privada de
apoio nacional estará obrigada a colaborar com a autoridade
competente nas atividades de acompanhamento e controle de
atividades de acesso e a apresentar relatórios
Direico Ambiental
sobre as atividades sob sua responsabilidade, na forma e
periodicidade que a autoridade determinar e que devem ser
adequadas à natureza dos trabalhos contratados. Como o
contrato conexo ao de acesso é acessório em relação a este, a
nulidade do contrato principal acarreta a nulidade do
acessório. Observe-se, entretanto, que, na hipótese em que o
contrato conexo, declarado nulo, for indispensável para a
execução do contrato principal, o órgão gestor poderá declarar
a nulidade do próprio contrato de acesso.
A modificação, suspensão, rescisão ou resolução do contrato
conexo poderá implicar a modificação, suspensão, rescisão ou
resolução do contrato de acesso pela autoridade competente,
caso elas sejam de tal ordem que impliquem alteração subs-
tancial do próprio contrato principal.
2.6. Acesso aos Recursos em Condições Ex Situ
A lei autoriza o Estado do Acre, por sua secretaria de Meio
Ambiente, a celebrar, com terceiros, contratos de acesso a
recursos genéticos que estejam depositados em centros de
conservação ex sita localizados no território estadual. Não
havendo incompatibilidade lógica, aplicar-se-ão as normas
relativas ao acesso in situ, para as hipóteses do acesso ex
situ. Para os efeitos da lei, os acordos de transferência de
material ou análogos entre centros de conservação ex situ ou
entre estes centros e terceiros, internamente ou mediante
importação ou exportação, são considerados modalidades de
contrato de acesso.
2.7. Proteção do Conhecimento Tradicional Associado aos
Recursos Genéticos
Este é mais um tema bastante sensível, pois, como é do
conhecimento de todos, ainda não se logrou estabelecer um
mecanismo de proteção aos conhecimentos tradicionais
associados aos recursos da diversidade biológica que seja
unanimemente aceito pela comunidade internacional e,
principalmente, pelas comunidades locais e populações
indígenas. De qualquer forma, a Lei do Estado do Acre
determina em seu artigo 41 que: o Poder Executivo Estadual
reconhece e protege os direitos das comunidades locais de se
beneficiar coletivamente por suas tradições e conhecimentos e
de serem compensadas pela conservação dos recursos biológicos
e genéticos, seja mediante direitos de propriedade intelectual
ou de outros mecanismos. Segundo o parágrafo único do artigo
41, a proteção aos conhecimentos, inovações e práticas
desenvolvidas mediante processos cumulativos de conservação e
melhoramento da biodiversidade, nos quais não é possível
identificar um indivíduo responsável diretamente por sua
geração, obedecerá a regras espedãcas para direitos coletivos
de propriedade intelectual.
A legislação estadual, na presente hipótese, enveredou por
caminhos bastante ousados, se considerarmos a sua competência
constitucional. Nos termos do sistema constitucional
brasileiro, não cabe aos Estados legislar sobre propriedade
intelectual, pois tal competência é da União. O fato é que a
lei estadual criou a figura jurídica dos direitos coletivos de
propriedade intelectual, que não encontra amparo na Lei ns
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica |
9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações
relativas à propriedade industrial bem como não encontra
respaldo na Lei n2 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. A norma estadual, no
entanto, aponta um problema real: a inexistência de uma norma
no ordenamento interno que possa servir de proteção aos
direitos de propriedade intelectual das comunidades locais e
populações indígenas. Como foi visto anteriormente, o Decreto
Federal n2 3.551, de 4 de agosto de 2000, é, ainda, muito
tímido, pois se limita a estabelecer um registro do patrimônio
imaterial. Em todo caso, na forma do artigo 42 da lei
estadual, os direitos coletivos de propriedade intelectual
constituem o reconhecimento de direitos adquiridos
ancestralmen- te, englobando direitos de propriedade
industrial, direitos de autor, direitos de melhoria, segredo e
outros.
Os termos da lei local são muito contraditórios, pois criam
um direito estadual que se apoia em direitos reconhecidos no
nível federal, sem definir, claramente, o que são tais
direitos. Não liá que se falar em direitos adquiridos - do
ponto de vista técnico legal pois direitos adquiridos são
aqueles que se constituem na forma da lei. É evidente que a
norma estadual, ao utilizar a expressão direitos adquiridos,
não o fez em sentido técnico jurídico, mas, ao contrário,
baseou-se em uma reivindicação cultural e moral de validação e
reconhecimento das práticas de conhecimento tradicional.
Feitas estas observações, retomo a explanação da lei estadual.
O artigo 43 determina que: Os direitos coletivos de
propriedade intelectual serão regulamentados no prazo de 1
(um) ano contado da publicação desta lei, obedecendo às
seguintes diretrizes: I - identificação dos tipos de direitos
de propriedade intelectual que se reconhecem em cada caso; II
- definição dos requisitos e procedimentos exigidos para que
seja reconhecido o direito intelectual coletivo e a titu-
laridade do mesmo; III ~ definição de um sistema de registro
coletivo, de procedimentos e de direitos e obrigações dos
titulares.
O artigo 44 da Lei Estadual assegurou o direito às
comunidades locais de não permitir a coleta de recursos
biológicos e genéticos e o acesso ao conhecimento tradicional
em seus territórios, assim como o de exigir restrições a estas
atividades fora de seus territórios, quando se demonstre que
estas atividades ameacem a integridade de seu patrimônio
natural ou cultural. Esta é uma exceção, pois a regra da CDB é
o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional
associado. É evidente, portanto, que a negativa deve ser
fundamentada.
Por força do artigo 45, o Estado do Acre não reconhece
direitos individuais de propriedade intelectual, registrados
dentro ou fora do Estado, relativos a recursos biológicos ou
genéticos, derivados deles ou processados respectivos, quando:
I - utilizem conhecimento coletivo de comunidades locais; ou
II - tenham sido adquiridos sem o certificado de acesso e a
licença de saída do Estado.
2.8. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia
Compete ao Poder Executivo Estadual promover e apoiar o
desenvolvimento de tecnologias estaduais sustentáveis para o
uso e melhoramento de espécies, estirpes e
Direito Ambiental
variedades autóctones e dar prioridade aos usos e práticas
tradicionais dentro dos territórios das comunidades locais, de
acordo com suas aspirações. É permitida a utilização de
biotecnologias estrangeiras, sempre e quando estas se submetam
aos termos da Lei Estadual e demais normas sobre
biosseguxança, e quando a empresa interessada assumir,
integralmente, a responsabilidade por qualquer dano, presente
e futuro, à saúde, ao meio ambiente ou às culturas locais.
2.9. Sanções Administrativas
A Lei determina, em seu Artigo 50, que o Poder Executivo
estabeleça, em regulamento, o sistema de sanções
administrativas que se aplicarão aos infratores das normas de
aceso à diversidade biológica, contemplando as seguintes
medidas punitivas:
(i) advertência por escrito;
(ii) apreensão preventiva do recurso coletado, assim como de
materiais e equipamentos utilizados na ação irregular;
(iii) multa diária cumulativa;
(iv) suspensão do registro, permissão, licença ou autorização
de acesso ao recurso legalmente concedido;
(v) revogação da permissão ou licença para acesso ao
recurso;
(vi) apreensão definitiva do recurso coletado, dos materiais e
equipamentos utilizados na ação irregular;
(vii) embargo da atividade;
(viii) destruição ou inutilização do produto;
(ix) cancelamento do registro, licença ou autorização
legalmente concedido;
(x) intervenção no estabelecimento.
3. Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá
3.1. Disposições Gerais
O Estado do Amapá, de forma inovadora e pioneira, editou a
Lei nô 388, de 3 de dezembro de 1997, que dispõe sobre os
instrumentos de controle do acesso à biodiversidade do Estado
do Amapá e dá outras providências. Tal lei teve por finalidade
precípua preencher a lacuna causada pela ausência de uma norma
federal sobre o tema. A lei está dividida em seis capítulos
que se desenvolvem ao longo de 19 artigos.
A lei inicia com o estabelecimento de tuna obrigação para o
Poder Público, que é de preservar a diversidade, a integridade
e a utilização sustentável dos recursos genéticos localizados
no Estado do Amapá e fiscalizar as entidades dedicadas à pes-
quisa e manipulação de material genético. Para tal, o artigo Ia
estabeleceu os princípios que constam de seus quatro incisos e
que são os seguintes:
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(i) inalienabilidade dos direitos sobre a diversidade
biológica e sobre os recursos genéticos existentes no
território do Estado do Amapá;
(ii) participação das comunidades locais e dos povos indígenas
nas decisões que tenham por objetivo o acesso aos recursos
genéticos nas áreas que ocupam;
(iii) participação das comunidades locais e dos povos
indígenas nos benefícios econômicos e sociais decorrentes
dos trabalhos de acesso a recursos genéticos localizados no
Estado do Amapá;
(iv) proteção e incentivo à diversidade cultural, valorizando-
se os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades
locais sobre a conservação, uso, manejo e aproveitamento da
diversidade biológica e genética.
O controle e a fiscalização do acesso aos recursos genéticos
têm por objetivo a proteção, conservação e utilização
sustentável do patrimônio natural do Estado do Amapá,
aplicando-se as disposições da lei a todas as pessoas físicas
e jurídicas que extraiam, usem, aproveitem, armazenem,
comercializem, liberem ou introduzam recursos genéticos no
Estado do Amapá. O artigo 39 estabelece um largo espectro de
aplicação para a lei, pois determina que a mesma é aplicável
aos recursos biológicos e genéticos continentais, costeiros,
marítimos e insulares presentes no Estado do Amapá. É
importante frisar que as hipóteses de não-incidência da norma
estadual, definidas por ela própria em seu artigo 4a, são as
seguintes:
(i) ao todo, a suas partes e aos componentes genéticos dos
seres humanos;
(ii) ao intercâmbio de recursos biológicos realizados pelas
comunidades locais e pelos povos indígenas, entre si, para
seus próprios fins e baseados em sua prática costumeira.
Penso que a Lei que ora está sendo examinada, no aspecto
particular em que estabelece o seu campo de incidência,
provavelmente encontrará muitas dificuldades em afirmar a sua
constitucionalidade quando busca regular assuntos pertinentes
às comunidades indígenas e ao patrimônio da União que,
tradicionalmente, são de competência privativa da União, não
podendo ser tal competência exercida pelos Estados- Membros da
Federação, conforme tem sido reiteradamente decidido pelo
STF.11
11 AD3MC 1.499-PA. Ação Direta de Inconstitucionalidade,
Medida Cautelar. Rei. Min. Néri da Silveira. DJU 22/10/99,
p. 56, julgamento 5/9/96, Tribunal Pleno. Ementa: Ação
direta de ínconstitudonalidade. 2. Artigo 300 da
Constituição do Estado do Pará que dispõe sobre populações
indígenas e Lei Complementar estadual paraense zz8 31, de
14.2.1996, que institui o Conselho Estadual Indigenista
(CONEI), destinado ao atendimento e promoção do índio. 3.
Sustenta-se violação ao art. 22, XVI, da CF, que estabelece
competir privativamente à União legislar sobre “populações
indígenas”, bem assim ao art. 129, V, conjugado com o art
231, ambos da Lei Maior. 4. Falta ao Estado-Membro
competência legislativa para dispor acerca de populações
indígenas. A Constituição reserva essa competênda
legislativa à União, de forma privativa. Vido de
inconstitudonalidade formal 5. No que concerne ao
funcionamento do Conselho Indigenista, Lei Complementar n®
31/96, nada impede haja colaboração do Estado-Membro à
União, por via de convênio, no que concerne aos interesses
das comunidades indígenas existentes no território da
Unidade Federada. Não cabe ao Estado editar normas
legislativas sobre a espéde. 6. Relevantes os fundamentos da
inicial e conveniente a suspensão da vigênda dos
dispositivos impugnados, em conflito com a Constituição.
Direito Ambiental
3.2. Atribuições do Poder Público Estadual
Conforme determinação do artigo 52 da Lei estadual, compete
ao Poder Público, com vistas a assegurar o cumprimento da
norma em questão:
(i) criar comissão composta por representantes do Governo
Estadual, dos Municípios, da comunidade científica e de
organizações não-govemamentais, com o objetivo de coordenar,
avaliar e assegurar o desenvolvimento das atividades de
preservação da diversidade e da integridade do patrimônio
genético do Estado do Amapá, valendo-se da colaboração das
empresas privadas;
(ii) elaborar as diretrizes técnicas e científicas para o
estabelecimento de prioridades para a conservação de
ecossistemas, espécies e genes, baseadas em fatores como o
endemismo, a riqueza e o inter-relacionamento de espécies e
seu valor ecológico e, ainda, nas possibilidades de gestão
sustentável;
(iii) desenvolver planos, estratégias e políticas para
conservar a diversidade biológica e assegurar que o uso dos
seus elementos, seja sustentável;
(iv) estimular a criação e o fortalecimento de unidades de
conservação, a fim de conservar espécies, habitats,
ecossistemas representativos e a variabilidade genética
dentro das espécies; e
(v) capacitar pessoal para proteger, estudar e usar a
biodiversidade.
3.3. Acesso aos Recursos Genéticos
O artigo 6® da Lei Estadual determina que: Os trabalhos de
levantamento e de coleta de recursos da diversidade biológica
realizados no território do Amapá deverão ser previamente
autorizados pela autoridade competente, após apresentação de
requerimento pela pessoa física ou jurídica solicitante (...).
Tal requerimento, no mínimo, deverá ser acompanhado de
documento no qual constem, pelo menos:
(i) informação detalhada e especificada para a pesquisa dos
recursos a que deseja ter acesso, incluindo seus usos atuais
e potenciais, sua sustentabili- dade e os riscos que possam
decorrer do acesso;
(ii) descrição circunstanciada dos métodos, técnicas, sistemas
de coleta e instrumentos a serem utilizados;
(iii) localização precisa das áreas de acesso ao recurso;
(iv) indicação do destino do material coletado e seu
provável uso posterior.
Todos os trabalhos acima enumerados somente poderão ser
desenvolvidos se, obrigatoriamente, contarem com
acompanhamento de instituição técnico-científica brasileira de
reconhecido conceito na área objeto de pesquisa e que tenha
sido especialmente designada para tal tarefa pela autoridade
competente. A lei estabelece ainda a responsabilidade
solidária entre a instituição científica encarregada do acom
ESBJ - Ensaa Supsnor &sm Müçg
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
panhamento das pesquisas e a pessoa física ou jurídica
autorizada ao desenvolvimento dos trabalhos.
A autorização emitida pela autoridade competente dever
conter, além das informações prestadas pelo solicitante, todas
as demais obrigações a serem cumpridas, em especial:
(i) submissão a todas as demais normas nacionais, em especial
as de controle sanitário, de biossegurança, de proteção do
meio ambiente e aduaneiras;
(ii) garantia de participação estadual e nacional nos
benefícios econômicos, sociais e ambientais dos produtos e
processos obtidos pelo uso dos recursos genéticos
encontrados no território do Estado do Amapá;
(iii) garantia do depósito obrigatório de um espécime de cada
recurso genético acessado;
(iv) garantia às comunidades tradicionais indígenas, entre
outras, da remuneração por acesso aos direitos intelectuais
coletivos, que se darão na forma especificada no contrato de
acesso, sem que isso represente qualquer tipo de
transferência do controle do conhecimento.
O Poder Público estadual, em comum com a instituição por ele
designada para acompanhar os trabalhos de pesquisa que tenham
sido autorizados, deve acompanhar o cumprimento dos termos da
autorização e, especialmente, garantir:
(i) acesso, apenas, às espécies autorizadas;
(ii) conservação das condições ambientais da região na qual se
desenvolvem os trabalhos;
(iii) participação direta de especialista da instituição
supervisora;
(iv) realização de informe detalhado das atividades efetuadas
e do destino das amostras coletadas;
(v) tenha sido entregue um espécime da amostra coletada para
ser conservada ex sita.
O parágrafo único do artigo 9S admite a possibilidade de a
autoridade estadual exigir a realização de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental para os trabalhos que se busca autorizar.
As pessoas físicas ou jurídicas autorizadas a desenvolver
trabalhos de acesso aos recursos genéticos brasileiros são
obrigadas a comunicar às autoridades competentes quaisquer
informações referentes ao transporte de espécimes coletados,
sendo também responsáveis civil, penal e administrativamente
pelo inadequado uso ou manuseio de tais espécimes e pelos
efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da
diversidade biológica. A autorização de acesso ora em exame
não é válida para a remessa para o exterior do material
acessado, que somente poderá ser feita mediante a concessão de
autorização específica. E de se notar que a autorização de
acesso não permite uma utilização genérica do material
acessado, ao contrário, a utilização somente pode ocorrer nos
termos da autorização de acesso.

Direito Ambiental
O Estado do Amapá, na forma do artigo 13 da lei ora em
exame, não reconhece quaisquer direitos sobre recursos
genéticos que tenham sido obtidos ou utilizados em
desobediência à legislação própria sobre acesso à diversidade
biológica.
3.3.1. Introdução de Recursos Genéticos no Amapá
A Lei n 388/97 não se limitou a tratar do acesso aos
e

recursos genéticos existentes no Estado do Amapá. Ela dispôs,


também, sobre a introdução no território estadual de recursos
genéticos exóticos. Assim é que o artigo 14 da norma legal
determina que: A introdução de espécimes e de recursos
genéticos no território do estado do Amapá dependerá de prévia
autorização e obedecerá às seguintes diretrizes: I - a
introdução de um espécime exótico só será admitida se dele se
puderem esperar benefícios evidentes e bem definidos para as
comunidades locais; II - a introdução de um espécime exótico
só será admitida se não houver tecnologia adequada para
utilização de espécies nativas para o mesmo fim, e para
auxiliar na preservação de espécies nativas; III - nenhum
espécime exótico poderá ser deliberadamente introduzido em
qualquer habitat natural, entendendo-se como tal aquele que
não tenha sido alterado pelo homem, sem os prévios estudos de
impacto ambiental; TV - nenhum espécime exótico poderá ser
deliberadamente introduzido em qualquer habitat semi- natural,
exceto quando a operação houver sido submetida a prévio estudo
de impacto ambiental; V ~ a introdução de espécimes exóticos
em habitats altamente modificados só poderá ocorrer após os
seus efeitos sobre os habitats naturais e semi-naturais terem
sido avaliados por meio de prévio estudo de impacto ambiental.
O artigo 15 da norma determina que o Poder Público promova e
apoie o desenvolvimento de tecnologias nacionais sustentáveis
para o uso e melhoramento de espécies, estirpes e variedades
autóctones, dando prioridade aos usos e práticas tradicionais
dentro dos territórios das comunidades locais, de acordo com
suas aspirações próprias. Esta ação deve ser encetada após a
catalogação e avaliação das “biotec- nologias tradicionais e
locais”. A lei admite a utilização de “biotecnologias
estrangeiras”, desde que elas se submetam à legislação
nacional e local.
3.5. Sanções Administrativas
O artigo 17 determina que o Poder Executivo estabeleça em
regulamento o sistema de sanções administrativas que deve ser
aplicado aos infratores, que poderão ser as seguintes:
(i) admoestação por escrito;
(ii) apreensão preventiva do recurso coletado, assim como de
materiais e equipamentos utilizados na ação irregular;
3.4. Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia
Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica
(iii) multa diária cumulativa;
(iv) suspensão da permissão ou licença para acesso ao
recurso;
(v) revogação da permissão ou licença para acesso ao
recurso;
(vi) apreensão definitiva do recurso coletado, dos materiais e
equipamentos utilizados na ação irregular.
3.6. Conclusão
As leis estaduais de acesso à diversidade biológica foram
editadas em uma conjuntura na qual não havia uma norma federal
sobre a matéria. Este não é o quadro atual. A questão que se
passa a colocar é a de se estabelecer mecanismos que sejam
capazes de articular as normas estaduais com a norma federal,
pois, em princípio, existem muitos outros pontos de conflito
e, provavelmente, inconstitucionalidades que, seguramente,
poderão influir em suas convivências com a CF.
viwve-fuw w-iniíiihi b«srtses
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
Capítulo XXI Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional
Associado
1. Introdução
A proteção do Conhecimento Tradicional Associado, no Direito
brasileiro, conforme será visto adiante, encontra amparo
constitucional. Isto, no entanto, não significa que ele tenha
encontrado, de forma clara e inequívoca, respaldo na
legislação ordinária, especialmente quando não está vinculado
às comunidades indígenas. É evidente que, sem normas
infraconstitucionais, é muito difícil que uma determinação
constitucional possa prevalecer. É feto que a CF, em seu
artigo 59, LXXI, assegura o Mandado de Injunção sempre que a
falta de norma regulamentadora tome inviável o exercício dos
direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas ine-
rentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. No caso
particular, o STF tem admitido a impetração de Mandado de
Injunção Coletivo.1 É de se considerar, entretanto, que a mesma
elevada Corte tem se limitado a declarar a “mora legislativa”
do Congresso Nacional e não tem formulado uma regra para o
caso concreto.2
1 MI 472/DF, rei Min. Celso de Mello. DJU 2/3/2001, p. 3.
Ementa: Mandado de Injunção Coletivo. Impetração deduzida
por Confederação Sindical. Possibilidade. Natureza jurídica
do wrít injimcional. Taxa de juros reais (CF art 192, §3*).
Omissãodo Congresso Nacional. Fixação de prazo para
legislar. Descabimento, no caso. Writ deferido. Entidades
sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do
mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de
atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos
integrantes das categorias que essas instituições
representam, o exercício de liberdades, prerrogativas e
direitos assegurados pelo ordenamento constitucional.
Precedentes sobre a admissibilidade do znandado de injunção
coletivo: MI20, reL Mm. Celso de Mello; MI 342, rei Min.
Moreira Alves, e MI 361, rei. p/o acórdão Min. Sepúlveda
Pertence. Inércia do Congresso Nacional e desprestígio da
Constituição. A regra inscrita no art. 192, § 31, da
Constituição, por não se revestir de suficiente densidade
normativa, reclama, para efeito de sua integral
aplicabilidade, a necessária intervenção concretizadora do
Poder Legislativo da União. Inércia legi- fepmte do
Congresso Nacional. O desprestígio da Constituição -por
inércia dos órgãos meramente constituídos - representa uia
dos mais tormentosos aspectos do processo de desvalorização
funcional de Lei Fundamental da República, ao.mesmo tempo em
que, estimulando gravemente a erosão da consciência cons-
titucional, evidencia o inaceitável desprezo dos direitos
básicos e das liberdades púbUcas pelos poderes do Estado. O
inadimplemento do dever constitucional de legislar, quando
configure causa inviabilizadora do exercício de liberdades,
prerrogativas e direitos proclamados pela própria
Constituição justifica a utilização do mandado de injunção.
Mandado de injunção e estipulação judicial de prazo para o
adimplemeneo da obrigação constitucional. Não se afigura
cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional
suprira omissão em que ele próprio incidiu na regulamentação
da norma inscrita no art. 192 § 3>, da Carta Política, eis
que essa providência excepcional só sejustiBcaria se o
próprio Poder Púbhco, para além do seu dever de editar o
provimento normativo faltante, fosse, também, o sujeito
passiva da relação de direito material emergente do preceito
constitucional em questão. Precedentes.
2 MI 587/MT, reL Min. Sepúlveda Pertence. Ementa: Juros Reais:
limitação constitucional (art. 192, § S1) de eficácia
pendente de lei complementar, conforme decisão majoritária
do STF: procedência parcial do mandado de injunção, na linha
de numerosos e improfícuos precedentes a respeito para
declarar a mora legislativa e comunicá-la ao Congresso
Nacional (www.stf.gov.br).
Direito Ambiental
Fato é que os artigos 215, § l2,3 216,4 2315e 2326 da CF
fornecem um arcabouço jurídico extremamente amplo e favorável
à proteção do conhecimento tradicional, especialmente naquilo
que se refere às sociedades indígenas.
O chamado conhecimento tradicional associado, nos termos da
Lei brasileira é a informação ou prática individual ou
coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com
valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético. O
conceito normativo não é de simples compreensão, ou mesmo de
singela aplicação. O sujeito de direito que se pretende
tutelar não é uma pessoa física ou jurídica, mas uma
comunidade que vive de forma tradicional ou diferenciada da
sociedade envolvente.7
3 CF, Art. 215.0 Estado garantirá a todos o pleno exercício
dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais. § P O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo dvilizatório nacional.
4 CF, Ait. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os
bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I-
as formas de expressão; II—os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV
- as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artísdco-culturais; V ~~
os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e cientí- Êco. § Ia O Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilânda, tombamento e desapropriação> e de
outras formas de acautelamento e preservação. § 2* Cabem à
administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providéndas para franquear
sua consulta a quantos dela necessitem. § 30 A lei
estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de
bens e valores culturais. § 4> Os danos e ameaças ao
patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei, § 5a
Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscêndas históricas dos antigos quilombos.
5 CF, Art. 231. São reconheddos aos índios sua organização
sodal, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradidonalmente ocupam,
competindo á União demsrcá-la$, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens. § í® São terras tradidonalmente ocupadas
pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as
utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários ao seu bem-estar e as necessárias â sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições. §2* As terras tradidonalmente ocupadas pelos
índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes. §32 O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potendais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nadonal, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada partidpação
nos resultados da lavra, na forma da lei. §4> As terras de
que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5* É vedada a
remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad
referendum do Congresso Nadonal, em caso de catástrofe ou
epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse
da soberania do País, após deliberação do Congresso Nadonal,
garantido, em qualquer hipótese, o retomo imediato logo que
cesse o risco. § & São nulos e extintos, não produzindo
efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação,
o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,
ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse
público da União, segundo o que dispuser lei complementar,
não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou
a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7* Não se
aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3* e
4a.
6 CF, Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são
partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus
direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em
todos os atos do processo.
7 Por sodedade envolvente pretendo designar a sociedade
externa à sociedade tradicional, que se organiza dentro dos
parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico e econômico
prevalecentes em um determinado país.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
A nota mais marcante do conhecimento tradicional, em meu
entendimento, é a sua característica coletiva. Ainda que a
norma fale em prática individual, esta deve ser compreendida
no contexto cultural da comunidade local ou indígena. É
possível - e mesmo muito frequente - que um determinado
indivíduo em uma comunidade seja o único a exercer funções de
Pajé ou Xamã, ou outra qualquer. Mesmo assim, estamos diante
de uma atividade coletiva, pois tal indivíduo é fruto de uma
atitude coletiva, de um conhecimento coletivo, de uma
tradição. E mais: a sua prática será transmitida a terceiro
que, a tempo e hora, irá sucedê-lo em sua função social.
É importante que não se confundam comunidades tradicionais
com comunidades pobres e marginalizadas em geral, embora, em
muitos momentos, as duas condições possam estar presentes em
um mesmo agrupamento social. Os pequenos produtores rurais,
necessariamente, não ostentam a condição de comunidade
tradicional, para os efeitos da aplicação das normas da CDB.
Igualmente, penso que a definição não pode ser aplicada para
comunidades urbanas. Sem perder de vista que a minha opinião
possa ser tida por reducionista, parece-me que a CDB objetiva
a proteção da diversidade biológica em ecossistemas não
urbanizados e as suas regras de tutela e proteção de
conhecimentos tradicionais dirigem-se às populações que, aos
olhos dos “seres urbanos”, praticam um modo de vida
“tradicional”.
É desnecessário dizer que as comunidades locais e indígenas
não se constituem em um sujeito direito ordinário; para o
modelo vigente de ordenamento jurídico, tais agrupamentos
sociais não possuem personalidade jurídica própria. Podemos
dizer que se trata de uma comunidade que se constitui sobre a
existência de laços culturais. A grande dificuldade, ça va
sans dire, é a de estabelecer meios e modos que sejam capazes
de conferir proteção coletiva, dentro de um sistema legal que
é, fundamentalmente, individualista.
A proteção jurídica do conhecimento tradicional associado é
uma resposta às reivindicações formuladas por Organizações
Não-Govemamentais (ONGs) e pelas próprias comunidades
tradicionais que se sentiam ameaçadas em seus direitos de uti-
lização de plantas, drogas e práticas com finalidades
medicinais e culturais, diante do processo de globalização e,
em especial, pelos avanços da biotecnologia e das atividades
de bioprospecção, assim como pela crescente utilização de
ritmos, motivos e diferentes manifestações de origem
autóctone, na florescente indústria cultural. O artigo 7a, III,
da Medida Provisória fala em comunidade local, cuja definição
é a seguinte: grupo humano, incluindo remanescentes de
comunidades de quilombos, distinto por suas condições
culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações
sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas
instituições sociais e econômicas. A ênfase, em minha opinião,
deve ser colocada nos aspectos culturais, pois a conservação
de instituições econômicas, na atual etapa de integração
econômica, é praticamente impossível.
A proteção dos conhecimentos tradicionais reveste-se de
urgência, pois várias são as ameaças que sobre eles pairam.
Posso identificar, liminarmente, as seguintes: (i) acelerado
processo de urbanização e abandono das áreas rurais por parte
das comunidades locais e populações indígenas; (ii) ampliação
da utilização de produtos industrializados, fazendo com que
aqueles produzidos localmente fiqueiú relegados ao segundo
plano;
im ““
e (iii) natureza oral de tais conhecimentos, que faz com que
eles tendam a se perder no tempo e na memória. Estas são
ameaças de natureza cultural. Um outro aspecto a ser
considerado é aquele que diz respeito à proteção dos
conhecimentos tradicionais em face de sua utilização comercial
não autorizada pelos seus detentores.
O artigo 89 protege o conhecimento tradicional das
comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao
patrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita
e outras ações lesivas ou não autorizadas pelo Conselho de
Gestão ou por instituição credenciada. Por outro lado, o
Estado reconhece o direito das comunidades indígenas e das
comunidades locais de decidir sobre o uso de seus
conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético
do País, nos termos da Medida Provisória e do seu regulamento.
Existe, portanto, uma autonomia local para decidir se deve, ou
não, pôr à disposição de terceiros a utilização de seus
conhecimentos tradicionais associados. Tal utilização,
entretanto, deverá ser feita dentro de parâmetros da CDB, isto
é, a objeção deve ser fundamentada e justificável. Com todas
as dificuldades inerentes a uma Convenção internacional do
porte da CDB, admito que o seu objetivo maior é o de tentar
estabelecer mecanismos que permitam a circulação internacional
de tecnologia, recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais. Para isto, acredito que a regra geral contida na
CDB é a de que, sob o império das leis nacionais, devem ser
estabelecidos mecanismos amplos de acesso e transferência de
tecnologia, criando um fluxo constante de informações, bens e
recursos.
Para a proteção do conhecimento tradicional associado, tendo
em vista o seu caráter altamente etéreo e informal,8 necessário
se faz que o mesmo seja registrado em banco de dados capaz de
demonstrá-lo a terceiros. O conhecimento tradicional
associado, para o preenchimento das finalidades de registro e
documentação, foi legalmente declarado integrante do
patrimônio cultural brasileiro, admitindo-se o seu
cadastramento, conforme disposição a ser baixada pelo Conselho
de Gestão ou por legislação específica. Há, portanto, uma
forma sui generis de registro e proteção. Por fim, há que se
considerar que o legislador determinou que a interpretação dos
preceitos legais referentes ao acesso à biodiversidade não
pode ser feita de molde a impedir a preservação, a utilização
e o desenvolvimento de conhecimento tradicional de comunidade
indígena ou comunidade local. A disposição contida no § 3e do
artigo 8b parece-me desconcertante, pois não consigo perceber
como uma interpretação legal possa impedir a preservação, a
utilização e o desenvolvimento do conhecimento tradicional
associado.
Neste capítulo, pretendo tentar estabelecer uma estrutura
lógico-normativa que seja apta a identificar quais os atores
que devem ser incorporados aos conceitos de comunidades locais
e indígenas, com vistas a, na medida do possível, sistematizar
um tema que, por sua própria natureza, tende a ser
assistemático e difuso.
8 Pelo menos do ponto de vista da chamada sociedade
envolvente.
çí>w - ciisitp aupercor fãsçai
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
2. Direitos das Comunidades Indígenas e da Comunidade Local
2.1. Comunidades Indígenas
Ao se tratar dos direitos das comunidades indígenas, no
contexto da CDB, não se pode deixar de levar em consideração
que elas são regidas por normas constitucionais específicas e
por leis próprias. No nível constitucional, o artigo 231
dispõe: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens. Em complemento, o § 2S do mencionado artigo
atribui aos indígenas o “usufruto exclusivo” das riquezas do
solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas.
O instituto do usufruto constitucional indígena impõe de
forma muito clara que toda e qualquer atividade que possa ser
realizada em terras indígenas, necessariamente, deve ter o
consentimento prévio dos indígenas que as habitam, e mais:
eles devem participar do rendimento econômico da coisa. É
importante frisar que o § 6a do artigo 231 fulmina com nulidade
e extinção os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio
e aposse das terras (...) ou a exploração das riquezas
naturais do solo, rios e dos lagos nelas existentes.
Juridicamente, a diversidade biológica é acessória em relação
às terras, aos rios e aos lagos e, portanto, o acesso a ela
não pode se fazer, em terras indígenas, sem a consideração das
disposições constitucionais próprias.
Há, ainda, em favor dos indígenas, o conjunto de normas
tutelares constantes do Estatuto do índio, instituído pela Lei
n« 6.001, de 19 de dezembro de 1973 Com efeito, os indígenas,
em seus negócios com terceiros não-indígenas, são regidos pelo
parágrafo único do artigo 6° da Lei ns 6.001/73,9 não se lhes
aplicando normas mais desfavoráveis, quando cotejadas com
outras mais protetoras para os silvícolas. Não desconheço que
concepções respeitáveis tendem a interpretar que a
Constituição de 1988 teria revogado a Lei n2 6.001, de 19 de
dezembro de 1973, e que, em função disto, os indígenas não
estariam mais submetidos à órbita da Fundação Nacional do
índio - FUNAI. O argumento é importante, mas não impressiona.
Tê-lo por jurídico seria levar ao caos toda a política
indigenista nacional e, na prática, implicaria um abandono dos
índios à sua própria sorte. A FUNAI, com todas as dificuldades
que encontra para exercer o seu papel, é, seguramente,
legalmente responsável pela proteção aos indígenas, e a Lei na
6.001/73 (Estatuto do índio) continua vigente até que,
expressamente, seja revogada por novo diploma legal.
9 Lei nfl 6.001/73, Art, 6® Serão respeitados os tisos,
costumes e tradições das comunidades indígenas e seus
efeitos, nas relações de fàmQia, na ordem de sucessão, no
regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados
entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito
comum. Parágrafo único. Aplicam-se as normas de direito
comum às relações entre índios não integrados e pessoas
estranhas à comunidade indígena, excetuados os que forem
menos favoráveis a eles e ressalvado o disposto nesta Lei.
Direito Ambiental
2.1.1. Usufruto Indígena
O usufruto indígena, tratado no artigo 24 da Lei n9
6.001/73,10 em minha opinião recebido pela CF de 1988,
compreende “o direito à posse, uso e percepção das riquezas
naturais e de todas as utilidades existentes na terras
(grifei) ocupadas, bem assim ao produto da exploração
econômica de tais riquezas naturais e utilidades”. Parece-me
que não subsiste dúvida de que o patrimônio genético integra o
conjunto de bens submetidos ao usufruto indígena, não obstante
o seu caráter imaterial, motivo pelo qual é devida remuneração
aos indígenas pela sua utilização.
2.2. Comunidades Locais
Comunidades locais é uma designação muito mais genérica e
ampla do que comunidades indígenas ou populações indígenas.
Acredito, no entanto, que o ordenamento jurídico brasileiro
possui alguns instrumentos normativos capazes de nos
auxiliarem a compreendê-lo e, principalmente, dar a solução
jurídica que a matéria exige e merece seja dada. O § l2 do
artigo 215 da CF identifica os seguintes grupos:
(i) culturas populares; (ii) indígenas; (iii) afro-
brasileiros e (iv) outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional. A Constituição, como se vê, admitiu um
pluralismo cultural e étnico em nosso País.
2.2.1. Remanescentes de Quilombos
O § 5e do artigo 215 determina o tombamento de todos os
documentos e sítios detentores de reminiscências históricas
dos antigos quilombos, sendo certo que o artigo 68 do ADCT11
reconheceu a propriedade das terras ocupadas por remanescentes
de quilombos, cabendo ao Estado emitir os títulos respectivos.
É crucial observar que os remanescentes de quilombos foram
formalmente reconhecidos pela Medida Provisória ns 2.186-14,12
como depositários de conhecimentos tradicionais associados à
diversidade biológica. Trata-se de uma importante reparação
histórica feita a uma parcela significativa de nossa população
que, desde muitos anos, dá mostras de amor à liberdade e às
formas associativas de vida. No Brasil já foram identificadas
oficialmente13 743 comunidades remanescentes de qui
10 Lei na 6.001/73, Ait. 24. O usufruto assegurado aos índios
ou silvícolas compreende o direito à posse, uso e percepção
das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes
nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração
econômica de tais riquezas naturais e utilidades. § P
Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e
seus acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos
trechos das vias fluviais compreendidos nas terras ocupadas.
11 CF, ADCT, Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade deBnitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos.
12 Art. 7«, Hl.
13 Http://www.palmares.gov.br/Quilombos/QuiIombos_final_25
.htmL
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
lombos,14 reconhecidas 42 e tituladas, 29. Tais comunidades
chegam a uma população de cerca de 2.000.000 (dois milhões) de
pessoas, número bastante expressivo.
2.2.2. Populações Tradicionais
Um outro grupo que pode, tranquilamente, ser enquadrado como
comunidade local para efeito de repartição de benefícios
decorrentes do acesso à diversidade biológica é o constituído
pelas populações tradicionais que habitam nas üorestas nacio-
nais ou nas reservas extrativistas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA, desde 1992 mantém o Centro
Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações
Tradicionais - CNPT, que foi criado pela Portaria IBAMA nQ 22,
de 10 de fevereiro de 1992. A proteção das populações
tradicionais é uma das principais preocupações da Agenda 21 e
da própria CDB. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, antecipando-se aos dois
documentos internacionais, mas agindo dentro de seu espírito,
estabeleceu o mecanismo para catalogação e registro das
comunidades tradicionais. Posteriormente à entrada em vigor da
Lei n2 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação — SNUC, ficou bastante
claro, pela instituição das chamadas unidades de uso
sustentável, que têm como finalidade legal a compatibiHzação
entre a conservação da natureza e o uso sustentável de parcela
de seus recursos naturais,15 o reconhecimento explícito das
populações que vivem em unidades de conservação e que, em
função disto, praticam um modo de vida compatível com a
própria conservação da natureza* As populações tradicionais,
desta forma, podem ser definidas como aquelas que, em
princípio, encontram seus habitats em florestas nacionais,
reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento
sustentável, ou seja, os grupos que são conhecidos como povos
da floresta, caiçaras ou outros que, reconhecidamente, tenham
uma forma de vida peculiar e característica, distinguindo-os
da comunidade nacional. No contexto do presente trabalho, é
muito relevante deixar anotado que a Lei do SNUC, em diversos
artigos, faz menção expressa a populações tradicionais. Desde
o Decreto n.9 96.944, de 12 de outubro de 1988, foi
estabelecida a obrigação legal de proteger as comunidades
indígenas e as populações envolvidas no processo de
extrativismo.
Populações abrangidas pela CDB
Comunidades IndígenasComunidades Locais (Tradicionais)
• Extrativistas
• Remanescentes de Quilombos
• Caiçaras
• Outras reconhecidas por lei
14 A matéria é regida pelo Decreto n# 3.912, de 10/9/2001.
15 Ver Antunes, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 5a ed. 2001, pp. 324 e seguintes.
t“\K \. tmm \vçm*g ivÀ&m.
Direito Ambientai
wmm
2.3. Disposições Comuns
A comunidade indígena e a comunidade local que criem,
desenvolvam, detenham ou conservem conhecimento tradicional
associado ao patrimônio genético têm garantidos os seguintes
direitos:
(i) ter indicada a origem do acesso ao conhecimento
tradicional em todas as publicações, utilizações,
explorações e divulgações;
(ii) impedir terceiros não autorizados de:
a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração,
relacionados ao conhecimento tradicional associado;
b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações
que integram ou constituem conhecimento tradicional
associado;
(iii) perceber benefícios pela exploração econômica por
terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento
tradicional associado, cujos direitos são de sua
titularidade, nos termos da Medida Provisória.
O parágrafo único do artigo 9S estabelece que qualquer
conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético
poderá ser de titularidade da comunidade, ainda que apenas um
indivíduo, membro dessa comunidade, detenha esse conhecimento.
Pretende-se, com isto, proteger o conhecimento de xamãs,
curandeiros e outros indivíduos que, em tese, detêm
conhecimentos tradicionais associados, A norma, in casu,
reconhece o caráter social e coletivo dos conhecimentos
tradicionais associados, pois inadmite que, em comunidades
locais ou indígenas, haja uma apropriação individual das
práticas coletivas, mesmo nas hipóteses em que elas assumem
uma expressão individualizada.
Uma matéria jurídica relevante é aquela que diz respeito à
aplicação do § 2S do artigo 231 da CF,16 pois a norma nele
contida determina que as terras indígenas, embora de
propriedade da União, estão sob o regime de usufruto exclusivo
em favor dos indígenas quanto às riquezas do solo, dos rios e
dos lagos. Penso que, em se tratando de acesso ao patrimônio
genético existente em terras indígenas, cabe à União, por
intermédio do Conselho de Gestão e do próprio órgão
responsável pela proteção aos indígenas, exercer o controle
dos contratos, mas não lhe compete qualquer percepção de
royalties, pois o usufruto é exclusivo dos indígenas,17 o que
restaria subvertido caso a União recebesse qualquer valor
decorrente da utilização de terras indígenas.
16 Art. 231. São reconhecidos aos índios, sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fàzer
respeitar todos os seus bem. (...) § 2* As terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
17 A propósito ver Márcio Santilli. “Vitória do Usufruto
Indígena”, ia bttp://www.socio ambiental.org/web~
site/parabolicas/edicoes/edicaoSO/reportag/plOhtm.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
2.4. Conclusão
Penso que, para a aplicação da CDB, naquilo que diz respeito
à justa e equitativa repartição dos benefícios decorrentes do
acesso à diversidade biológica e aos conhecimentos
tradicionais associados, deve-se atuar caso a caso, muito
embora seja importante levar em consideração as normas legais
existentes. Em países que possuem grandes quantidades de
populações com imensas dificuldades financeiras e econômicas,
vivendo em situações de risco, certamente ocorrerá uma
tendência a um enquadramento destes grupos como comunidades
locais. É necessária atenção para o problema, de forma que as
normas da CDB não sejam banalizadas e acabem virando letra
morta.
3. Experiência Brasileira de Utilização do
Conhecimento;Tradicional Associado
Em nosso país, algumas experiências de acesso e utilização
de conhecimentos tradicionais associados vêm sendo
desenvolvidas com extraordinário êxito. É verdade, contudo,
que são poucos os casos concretos. A tendência, com a
definição de regras claras, é que elas sejam ampliadas e se
multipliquem. Não se deve olvidar, no entanto, que o elemento
mais importante em toda e qualquer experiência que envolva o
acesso aos conhecimentos tradicionais associados à diversidade
biológica é que se assegure a sua sustentabilidade.
Sustentabilidade esta que deve ser, ao mesmo tempo, social e
ambiental. Sustentabilidade social é aquela que faz do acesso
um instrumento para fortalecimento dos laços sociais e
culturais de uma comunidade tradicional ou indígena, que
desenvolve a sua auto-estima, que documenta e registra
práticas e costumes, que protege língua e cultura;
sustentabilidade ambiental se traduz na utilização racional
dos recursos da diversidade biológica, de forma que eles não
sejam superutálizados e passem a viver em regime de escassez.
São conhecidos dois casos bastante significativos de acesso
aos recursos genéticos por intermédio de conhecimentos
tradicionais associados, o primeiro deles; (i) é o
desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisas
Agropecuárias - Embrapa, com os índios Krahô (“Projeto
conservação e uso de recursos genéticos na Terra Krahô”);1& o
segundo (ii) é o desenvolvido pela empresa de cosméticos
Natura®, que produz tuna linha de produtos com base em óleos e
essências originários de comunidades indígenas da Amazônia.
3.1. Carta de São Luís do Maranhão
O Instituto Nacional da Propriedade Intelectual - ÍNPI
promoveu no mês de dezembro de 2001, na cidade de São Luís do
Maranhão, o seminário denominado "A
18 Http://www.kraho.org/projetos.htmL
Direito Arabiental
sabedoria e a ciência do índio e a Propriedade Industrial”,
com o objetivo de debater o tema dos conhecimentos
tradicionais associados ao acesso aos recursos genéticos. O
evento mereceu grande divulgação na imprensa e, certamente,
foi muito importante no contexto das discussões sobre a
proteção aos conhecimentos tradicionais. Como tive a
oportunidade de observar, “não se deve esquecer que a proteção
dos conhecimentos tradicionais associados à diversidade
biológica é um tema que diz respeito não apenas às populações
indígenas, mas igualmente às populações extrativistas,
comunidades ribeirinhas, remanescentes de quilombos e outras
comunidades”.19
O encontro promovido pelo INPI, embora extremamente
significativo, não teve o condão de contemplar toda a gama de
comunidades e interesses envolvidos nas questões referentes à
proteção legal do conhecimento tradicional. Aliás, a bem da
verdade, é importante que se diga que o INPI, em louvável
iniciativa, buscou “abrir o debate sobre a matéria”. Isto foi
realizado com muita competência. Entre as comunidades locais e
as populações indígenas existe uma diferença de status legal
muito significativa, pois as populações indígenas gozam de uma
legislação própria que lhes é muito favorável, merecendo
destaque os preceitos constitucionais específicos. De qualquer
forma, o encontro elaborou um documento que, em linhas gerais,
está de acordo com o conjunto de reivindicações que tem sido
formulado pelas comunidades locais e populações indígenas, das
mais diferentes latitudes, sobre o tema.
O documento, denominado Carta de São Luís do Maranhão,
lembra que o Brasil é uma sociedade pluriétnica constituída,
dentre outros, por 220 povos20 indígenas que falam 180 línguas,
ocupando cerca de 12% do território nacional, com uma po-
pulação de 360 mil indígenas, aproximadamente. A Carta de São
Luís possui 16 pontos, dentre os quais merecem destaque: (i)
reivindicação no sentido de que as comunidades indígenas
participem do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético; (ii)
recomendação para que a matéria referente ao acesso ao
patrimônio genético seja regulada por lei; (iii) reivindicação
de participação dos indígenas nas diferentes organizações
internacionais nas quais os temas de diversidade biológica e
acesso ao patrimônio genético sejam debatidos; (iv)
reivindicação de que seja aprovado pela Organização das Nações
Unidas o projeto de Declaração sobre os Direitos Indígenas;
(v) oposição ao patenteamento que “provenha da utilização dos
conhecimentos tradicionais”; (vi) reivindicação de que sejam
criados mecanismos para punir o furto da biodiversidade
brasileira; (vii) recomendação de que o governo federal crie
um fundo, gerido por uma organização indígena, com vistas à
capacitação e ao treinamento de profissionais indígenas na
área dos conhecimentos tradicionais; (viii) recomendação da
realização do II Encontro de Pajés sobre a CBD e Conhecimentos
Tradicionais; (ix) criação de um Comitê Indígena para
acompanhamento dos processos de discussão e planejamento da
produção dos Conhecimentos Tradicionais; (x) reivindicação de
que os Conhecimentos Tradicionais sejam reconhecidos como
saber e ciência,
19 Paulo de Bessa Antunes. “A Necessária Proteção do
Conhecimento Tradicional”, in Gazeta Mercantil.
20 A palavra povos, no contexto do documento, não tem o
significado que lhe é atribuído no Direito Internacional.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
com tratamento equitativo em relação à ciência ocidental, com
o estabelecimento de uina política de ciência e tecnologia que
reconheça a importância deles; (xi) criação de um sistema sui
generís de proteção aos conhecimentos tradicionais que seja
universalmente reconhecido; e (xii) criação de um Banco de
Dados e registros sobre os conhecimentos tradicionais.
A Carta de São Luís do Maranhão foi entregue à Organização
Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI, como parte da
fundamentação da proposta formulada pelo Governo brasileiro,
no sentido de que deve ser conferida proteção legal, com
reconhecimento internacional, aos conhecimentos tradicionais.21
No atual estágio dos debates, está-se formando um consenso
internacional no sentido de que devem ser estabelecidos
mecanismos jurídicos que contemplem, na medida do possível e
conforme o caso, um modelo de proteção legal para os
conhecimentos tradicionais, pois permitiriam um acréscimo de
renda para as comunidades locais e indígenas e,
principalmente, o reconhecimento da contribuição cultural que
elas têm dado para toda a humanidade.
4, Registro do Conhecimento Tradicional Associado 4.1. Origens
do Reconhecimento dos Conhecimentos Tradicionais Associados
4.1.1. Abrangência do Termo
Conhecimentos tradicionais é uma expressão muito ampla e
abrangente e que, por isso, engloba diferentes situações e
realidades. O folclore, certamente, é parte dos conhecimentos
tradicionais, embora não seja todo o conhecimento tradicional.
Também não se pode confundir o conhecimento tradicional das
populações indígenas com aquele das comunidades locais.
O acesso à diversidade biológica, como um importante
elemento da moderna atividade econômica, necessita que um de
seus aspectos mais relevantes seja suficientemente
desenvolvido e resolvido. O aspecto ao qual me refiro é a
relação entre os conhecimentos tradicionais associados e a
equitativa repartição dos benefícios derivados do acesso aos
segredos da diversidade biológica, em função do domínio de
tais conhecimentos. Esta é uma conclusão lógica do artigo 82,
j, da CDB.
O conhecimento tradicional associado tem uma definição
normativa que já foi vista neste texto, não havendo
necessidade de voltar a examiná-la nesta altura. Wolff22
informa que, desde os anos 1980, a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual - OMPI e a UNESCO estabeleceram um
Grupo de Especialistas para a
21 Jamil Chade. “País quer defender conhecimento indígena”, In
O Estado de S.Paulo, 18/12/2001. Geral.
22 Maria Thereza Wolff. “A Biodiversidade na Propriedade
Industrial”, in Revista da Associação Brasileira da
Propriedade Industrial, n4 52, maio/junho 2001, p. 19.
Direito Ambiental
Proteção de Expressões de Folclore na Propriedade Industrial A
expressão “folclore” gerou protestos de vários países até que,
no Fórum Mundial de Proteção do Folclore, realizado em 1997
conjuntamente pelas duas Organizações Internacionais, adotou-
se também o termo “conhecimento tradicional”.
Conhecimento Tradicional
Conhecimentos Conhecimentos de Folclore |
Indígenas Comunidades Locais
O secretariado da CDB tem feito uma divisão dos
Conhecimentos Tradicionais que leva em consideração o campo de
incidência específico de cada conhecimento determinado. A
tabela a seguir demonstra como é a classificação adotada.
Componentes do Conhecimento Tradicional23
Tecnologias e Tecnologia para Tecnologia para
Know-How conservaçao in o uso susten-
(identificação, sita tável da
caracterização diversidade
e supervisão de biológica'
ecossistemas e
espécies)
CT sobre Conhecimentos e Usos
sistemas locais tecnologias espirituais e
tradicionais culturais
para
conservação in
situ
Técnicas
CT sobre função tradicionais de
do ecossistema produção de
medicamentos
CT sobre Tratamento dos
territórios e recursos natu-
Habitats rais com o uso
de conhecimen-
tos e
tecnologias
autóctones
Taxionomias Metodologia
tradicionais para avaliação
da
biodiversidade
biológica, in-
clusive valore
seconômicos,
tais como a
existência e
valores
religiosos,
éticos e
culturais
Usos
tradicionais e
atuais CT para
determinar
espécies e ca-
tegorias do RG
e normas de
população
através do
tempo
CT - Conhecimento Tradicional RG - Recursos Genéticos
23 Fonte: UNEP/CDB/COP 19, 1996, p. 11, in
http://www.huxnboldt.org.co/biocoraercio/ html/dpi-bio-
div.htm.
feSBj - tnsino supsnor wi&j
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
4.1.2. Evolução da Matéria
A Organização das Nações Unidas - ONU declarou o ano de 1993
como "Ano Internacional dos Povos Indígenas Mundiais”. Tal
declaração seguiu-se à Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, realizada no Rio de
Janeiro no ano de 1992, na qual as organizações
representativas dos povos indígenas e comunidades locais foram
bastante expressivas e desempenharam papel de grande
importância.
O ano de 1993 foi marcado pela realização, na Nova Zelândia,
da Primeira Conferência Internacional sobre Direitos de
Propriedade Intelectual e Cultural dos Povos Indígenas, que
contou com a participação de cerca de 150 delegados de 14 paí-
ses diferentes.24 Ao término da Conferência, foi proclamada uma
declaração que afirmou a insuficiência dos modelos oficiais de
proteção da propriedade intelectual para assegurar os direitos
dos povos indígenas. Reivindicou-se, na oportunidade, que
cabia aos povos indígenas estabelecer suas próprias definições
para os seus direitos de propriedade intelectual.25 Dentre as
recomendações, originadas na Conferência, merecem destaque as
seguintes: (i) desenvolver um código de ética que assegure
que, quando houver utilização, por meio de qualquer mídia, de
um conhecimento tradicional, não sejam violadas regras
costumeiras de respeito de tal conhecimento tradicional; (ii)
estabelecer regras.apropriadas para: (a) preservar e monitorar
a utilização comercial de conhecimentos tradicionais que se
encontrem em domínio público; (b) assessorar os povos
indígenas na preservação de sua herança cultural; (c) fomentar
mecanismos de consultas obrigatórias para a elaboração de
qualquer nova legislação que afete a cultura dos povos
indígenas e os seus direitos de propriedade intelectual.
Quando se trata da produção dos chamados fármacos,
argumenta-se que o desenvolvimento de novos produtos depende
de um conhecimento prévio das qualidades das plantas ou dos
animais que serão utilizados para a sua elaboração. Busca- se,
assim, o princípio ativo, através de técnicas diferentes. A
estas atividades se dá o nome de bioprospecção. Os
conhecimentos tradicionais podem ser importantes, pois se
dispensa a bioprospecção puramente aleatória, cuja chance de
êxito é praticamente insignificante,26 e se passa a realizar a
bioprospecção racional, com critérios técnicos e científicos
para a procura de possíveis plantas com valor para atividades:
econômicas. Bastos Jr., analisando as diferentes formas de
bioprospecção, informa que o método que indiscutivelmente
oferece melhores condições de êxito é aquele que se utiliza da
etnobotânica - conhecimento das propriedades medicinais das
plantas e ervas, ancestralmente adquiridos pelas populações
locais.27 O mesmo autor assinala
24 Margaret Doucas. “Intellectual Property Law — Indigenous
Peoples Concerns”, in Canadian Intellectual Property Review,
vol. 12, na 1, October, 1995, p. 4.
25 Idem.
26Luiz Magno Pinto Bastos Jr. “A Convenção sobre Diversidade
Biológica e os Instrumentos de Controle das Atividades
Ilegais de Bioprospecção”, in Revista de Direito Ambiental,
Ano 6, jul.~set,/200I, n® 23, p. 208.
27Luiz Magno Pinto Bastos Jr. “A Convenção sobre Diversidade
Biológica e os Instrumentos de Controle das Atividades
Ilegais de Bioprospecção”, p. 207.
Direito Ambiental
que, por meio dos conhecimentos de emobotânica, a
possibilidade de êxito, por amostras, aumenta em índices ente
50 e 75%, reduzindo os custos de pesquisa. Prakash adota uma
postura muito mais otimista, pois estima que a possibilidade
de êxito na prospecção de novos princípios ativos pode passar
da média de 10.000 (dez mil) testes, por resultado positivo,
para um por dois.28 Não se deve deixar passar em branco o fato
de que não mais do que cerca de apenas 4% do germoplasma
utilizado no desenvolvimento de novas espécies provêm de
espécies selvagens ou coletadas in sita.29 De qualquer forma,
mesmo que os números estejam sub ou supervalorizados, fato é
que não se pode mais desconhecer a importância da etnobotânica
para a bioprospecção.
4.2. Experiências de Reconhecimento de Conhecimentos
Tradicionais
O reconhecimento dos conhecimentos tradicionais encontra-se
em diferentes estágios nos diversos países. Existe uma
tendência à construção de um quadro legislativo que seja capaz
de contemplar a proteção dos conhecimentos tradicionais.
Verifica-se que, indiscutivelmente, os sistemas jurídicos das
comunidades tradicionais estão ganhando uma relevância que,
anteriormente, não possuíam. Como será visto, a experiência
australiana de reconhecimento judicial do direito aborígine é
muito importante e marca uma nova perspectiva em relações
interétnicas. Deliberadamente, não examinarei questões
referentes ao Canadá e Estados Unidos, pois tais países
possuem particularidades quanto ao tema que demandariam a
elaboração de trabalhos específicos. Fixar-me-ei na América
Latina, com a exclusão do México, e, em especial, na Costa
Rica, Panamá e países andinos. Uma referência à Austrália e
Nova Zelândia também será feita.
4.2.1. América Latina
A América Latina é um dos mais importantes atores em todos
os aspectos relacionados à proteção dos conhecimentos
tradicionais associados à diversidade biológica; dentro da
região, merecem muita atenção os países andinos e a América
Central, assim como o México, em função da grande quantidade
de população indígena que habita tais países, em muitos casos,
a própria designação "latina”é bastante discutíveL Sem
pretender fazer um exame exaustivo da realidade vivida por
cada um dos Estados integrantes da região à qual me referi,
julgo extremamente conveniente que se trace um breve esboço da
evolução da matéria. Não me refiro especificamente ao Brasil,
pois nosso país tem merecido exame particular no contexto
deste trabalho.
28 Siddartha Prakash. “Towards a Synergy Between Biodiversity
and Intellectual Property Rights”, in The Journal of World
Intellectual Property Rights, vol. 2, nfi 5, September 1999,
p. 823.
29 Grahan Dutfield. Intellectual Property Rights, Trade and
Biodiversity. London: IUCN/ Earthscan, 2000,
p. 6.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
4.2.1.1. Costa Rica
A Costa Rica é um dos países que mais tem se destacado em
todas as matérias que dizem respeito às diferentes formas de
proteção da diversidade biológica e, por consequência, dos
conhecimentos tradicionais associados. A Lei de
Biodiversidade,30 por ser bastante ampla, não deixou de
enfrentar o tema e, sobre ele, dispôs especificamente.
O artigo 9,3 da Lei de Biodiversidade estabelece que um dos
princípios de aplicação da Lei é o respeito à diversidade
cultural, determinando que as diferentes práticas culturais e
conhecimentos associados à diversidade biológica devem ser
respeitados e incentivados, na forma da legislação nacional e
internacional, particularmente no caso das comunidades
camponesas, indígenas e outros grupos culturais. Um dos
objetivos da Lei, conforme definido pelo artigo 10,6, é
reconhecer e recompensar os conhecimentos, as práticas e as
inovações dos povos indígenas das comunidades locais para a
conservação e o uso ecologicamente sustentável dos elementos
da biodiversidade.
A lei estabeleceu um importante direito de objeção cultural,
mediante o qual as comunidades locais e indígenas podem se
opor à concessão de acesso à diversidade biológica caso o
mesmo implique violação de suas práticas tradicionais,
religiosas, espirituais, sociais, econômicas ou de “outra
índole”. O que a lei busca é que sejam resguardados os valores
básicos das comunidades tradicionais e que o acesso ao conhe-
cimento tradicional associado à diversidade biológica não se
transforme em um instrumento de desconstrução cultural e
social dos grupos provedores do conhecimento tradicional
associado. Não é desconhecido o feto de que - não raras vezes
- o contato entre sociedades e culturas diferentes tem
resultado em abalo significativo dos valores das sociedades
“mais frágeis” ou vulneráveis. Como consequência do que foi
dito anteriormente, na Costa Rica, as comunidades que se
sentirem ameaçadas em seus valores fundamentais, podem, de
pleno direito, opor uma negativa cultural ao acesso
pretendido. Trata-se de uma medida de salvaguarda colocada à
disposição das comunidades tradicionais e indígenas.
4.2.1.1.1. Forma de Reconhecimento do Conhecimento Tradicional
Associado
O Estado costa-riquenho, expressamente, reconhece a
existência e a validade das formas de conhecimento e inovação,
bem como a necessidade de protegê-las, pelo uso de
instrumentos legais apropriados para cada caso específico. A
proteção deverá ser feita, entre outras formas, mediante
patentes, segredos comerciais, direitos de melhoristas,
direitos intelectuais comunitários sui generis, direitos de
autor, direitos dos agricultores.
A legislação de propriedade intelectual é utilizável para a
proteção da diversidade biológica, embora as resoluções que
sejam tomadas em matéria de prote
30 Lei n« 7.788, de 23/4/1998. Fonte:
http://www.biodiversidadla.org/docunientos/7788.htxnL
Direito Ambiental
ção da propriedade intelectual relacionada com a
biodiversidade devam ser congruentes com os objetivos da lei
de diversidade biológica, aplicando-se o princípio da
integração. A lei estabeleceu um regime de Consulta
obrigatória ao órgão gestor da diversidade biológica, sempre
que o Escritório Nacional de Sementes ou o Registro de
Propriedade Intelectual e de Propriedade Industrial forem exa-
minar a concessão de proteção de propriedade intelectual ou
industrial que envolvam temas de diversidade biológica. A
oposição fundamentada do órgão gestor da diversidade biológica
impede a concessão da patente ou a proteção da inovação.
O Estado reconhece e protege, sob a designação de direitos
intelectuais comunitários sui generís, os conhecimentos,
práticas e inovações dos povos indígenas e comunidades locais,
relacionadas com o emprego dos elementos da biodiversidade e
conhecimento associado. A fonte de tal direito é a simples
existência da prática cultural ou do conhecimento associado
aos recursos genéticos e bioquímicos. Ele não depende de
qualquer declaração prévia, reconhecimento expresso nem
registro oficial, podendo, inclusive, contemplar práticas que
futuramente venham pertencer a tal categoria. A possibilidade
da inclusão de práticas faturas dos conhecimentos tradicionais
demonstra que, no caso da Costa Rica, a expressão tradicional
não se confunde com ancestral, não existe a obrigatoriedade de
imemorialidade do costume ou conhecimento. A ideia subjacente
é que ele tenha sido produzido — ou venha a ser produzido - em
uma comunidade que, por características próprias, não se
confunde com os padrões vigentes na sociedade cuja origem é
ocidental.
O reconhecimento, em tais condições e por força de lei,
implica que nenhuma forma de proteção dos direitos de
propriedade intelectual ou industrial, seja regulada pela
própria lei de biodiversidade, leis especiais ou pelo Direito
Internacional, pode afetar tais práticas históricas,
reconhecidas de pleno iure. A lei de biodiversidade, em seu
artigo 83, estabelece a necessidade de criação de um mecanismo
participativo para determinar a natureza e o alcance dos
direitos intelectuais comunitários sui generís. Tais direitos,
uma vez identificados pelo processo participativo, devem ter a
sua inscrição em registro próprio - mantida a possibilidade de
que futuramente outros direitos sejam arrolados —, conforme
solicitação feita pelas comunidades interessadas, sem a
imposição de quaisquer ônus ou formalidades. Uma vez efetuado
o registro, o órgão técnico de gestão da diversidade biológica
deve fazer oposição a qualquer requerimento ou consulta
relativa a reconhecimento de direitos de propriedade
intelectual ou industrial sobre o mesmo elemento ou
conhecimento. Admite-se também a negativa mesmo que o conheci-
mento não se encontre registrado. Aqui, evidentemente, cria-se
uma situação de difícil trato jurídico, pois a falta de
registro faz com que terceiros, em tese, não tenham prova da
existência do conhecimento tradicional. Somente a prática con-
creta pode dar solução a tais situações.
O direito intelectual comunitário sui generís terá o seu
titular, bem como a sua forma de exercício, definidos por
processo participativo, o qual definirá os beneficiários do
mesmo.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
4.2.1.1 -2. Acordo Instituto Nacional de Biodiversidade
(INBio) e Merck®
Antes mesmo da celebração da CDB, na Costa Rica, foi firmado
um contrato entre o Instituto Nacional de Biodiversidade
(INbio) e a empresa Merck®. Tal contrato foi firmado em 1991,
com validade de 2 (dois) anos.31 Pelo documento, o INbio
atuaria como provedor de recursos genéticos acessados nas
áreas protegidas da Costa Rica. Em contrapartida, a Merck®
teria o direito de utilizar o material em suas pesquisas de
produtos farmacêuticos. É importante frisar que o INbio é uma
instituição privada, dedicada às pesquisas científicas e sem
fins lucrativos. Uma das principais consequências do contrato
entre as duas instituições foi a elaboração da Lei de
Biodiversidade, já examinada anteriormente.
A Costa Rica é um país extremamente delineado para pesquisas
em diversidade biológica, pois possui costas nos oceanos
Pacífico e Atlântico; possui áreas montanhosas e é coberta por
florestas tropicais. Ela perdeu cerca de 28% (vinte e oito por
cento) de suas florestas entre os anos 1966 e 1989, tendência
que está sendo revertida em função do acordo INbio/Merck e da
nova Lei de Biodiversidade. Lá vivem cerca de 4% (quatro por
cento) de todas as espécies terrestres do planeta, ou seja,
aproximadamente, 500.000 espécies, das quais cerca de 300.000
são constituídas por insetos e aranhas.
A empresa Merck® pagou cerca de U$ 1.000.000,00 (um milhão
de dólares americanos) ao INbio para analisar 10.000 (dez mil)
amostras de plantas, animais e micro-organismos pelo período
de 2 (dois) anos e, adicionalmente, implantou um laboratório
com custo de U$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares
americanos) junto ao INbio. Caso sejam encontradas utilidades
comerciais nas pesquisas, a Merck® pagará até 10% (dez por
cento) de royalties para o INbio. Estima-se que, se forem
obtidos 20 (vinte) produtos das pesquisas, royalties de 2%
(dois por cento) sobre cada um deles poderão significar, para
a Costa Rica, um volume de recursos superior às suas atuais
exportações. O padrão médio dos royalties a serem pagos é
situado entre 2% e 3% do valor obtido com a comercialização.
Ficou estabelecido que 50% (cinquenta por cento) dos royalties
deve ser investido na proteção da diversidade biológica da
Costa Rica.32 Coughlin observa que o produto Invermectin® -
criado a partir de micro-organismos terrestres encontráveis no
Japão - rendeu para a Merck® mais de U$ 100.000.000,00 (cem
milhões de dólares americanos) no ano de 1991.
Finalmente, é preciso deixar consignado que, em função de
seu pioneirismo, o contrato INbio/Merck tem sido alvo de
muitos estudos e debates e, certamente, é o primeiro modelo a
ser levado em conta quando se pensa em acesso à diversidade
biológica. Esse é, sem dúvida, o modelo mais importante até
agora existente. Vale assinalar que a Bioamazônia, mutatis
mutandi, foi constituída dentro do mesmo espírito do INbio.
31 Http://www.american.edu/ted/merck.htm.
32 M. D. Coughlin Jr. “Using the Merck - INbio agreement to
clarify the Convention on Biological Diversity”, in Columbia
Journal of Transnational La tv 31(2) 337-75.
Direito Ambiental
4.2.1.1.2.1. Análise do desenvolvimento do acordo33
O INBio procurou desenvolver o seu projeto mediante a
celebração de diferentes acordos com instituições científicas
especializadas em bioprospecção, objetivando, com isto, a
ampliação de sua própria capacitação científica e tecnológica.
Ele desenvolveu projetos de prospecção de biodiversidade nas
áreas silvestres protegidas do país, em estreita colaboração
com o Ministério do Ambiente e Energia da Costa Rica. Todos os
trabalhos são feitos em parcerias com a comunidade acadêmica e
com o meio empresarial, merecendo especial destaque a atuação
da Universidade da Costa Rica, Universidade Nacional, Escola
de Agricultura da Região Tropical Úmida (EARTH), Instituto
Tecnológico da Costa Rica (ITCR), Universidad de Strathclyde,
Universidade de Dusseldorf, Instituto Lausanne, Universidade
de Massachusetts, Universidade Comell, Bristol Myers Squibb,
Merck & Co., Ecos-La Pacífica, Indena, Givaudan Roure, Diversa
etc.
O financiamento e a remuneração das atividades de
bioprospecção são efetuados da seguinte forma: 10% dos
orçamentos das pesquisas e 50% dos lucros que delas advierem
são repassados para o Ministério do Meio Ambiente da Costa
Rica, que os reinveste em conservação. O restante do orçamento
de pesquisa é destinado ao apoio da infraestrutura científica
e às atividades de pesquisa e desenvolvimento voltadas para a
conservação e uso sustentável da diversidade biológica.
Em 2004, o Instituto Nacional de Biodiversidade da Costa
Rica, INBio, completou 15 anos. O que foi feito desde então?
Uma das prioridades iniciais do INBio foi o estabelecimento de
um inventário de insetos e plantas da Costa Rica, anos depois
foram incorporados os estudos sobre moluscos e fungos. Ao
longo de 15 anos foram produzidas informações sobre cerca de 3
milhões de espécimes. Um dado importante é que 170
universidades das mais diversas partes do mimdo colaboraram
com o INBio para a produção do inventário.
Merece destaque o fato de que durante os 15 anos foram
descobertas 2.300 espécies novas, sendo que somente em 2004
foram 424. Se do ponto de vista científico os resultados do
INBio são bastante relevantes, o mesmo ocorre com o aspecto
financeiro, visto que a maioria dos recursos do instituto é
gerada por ele próprio, o que demonstra a viabilidade da
pesquisa e da proteção da diversidade biológica, simulta-
neamente. Em 15 anos a Costa Rica avançou muito e é,
certamente, um belo exemplo de acesso à diversidade biológica,
com a implementação do espírito e da letra da CDB. Que o
Brasil possa se espelhar em tal exemplo e recuperar o tempo
perdido.
4.2.1.2. Panamá
O Panamá é um dos países que estabeleceu, por lei, um
mecanismo sui generis de proteção aos conhecimentos
tradicionais dos indígenas, ou seja, definiu normas de
proteção da propriedade intelectual. Tal medida foi adotada
pela promulgação da
33 Texto base: É preciso acelerar o passo. 15.10.2005, in
www.oeco.com.br.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
Lei n9 20, de 26 de junho de 2000, que trata do regime especial
de propriedade intelectual sobre os direitos coletivos dos
povos indígenas, para a proteção e defesa de sua identidade
cultural e de seus conhecimentos tradicionais. O campo de
incidência da norma, no entanto, é restrito, pois ela não se
preocupou com os conhecimentos tradicionais associados com a
diversidade biológica, uma vez que não fez qualquer menção
expressa a práticas medicinais, por exemplo. A lei, como
assinalou Martinez,34 não foi aprovada pelo Parlamento
Panamenho com facilidade. O projeto foi apresentado no ano de
1995 e permaneceu na Casa Legislativa por 4 (quatro) anos, até
que uma feliz coincidência permitiu que ele fosse votado e
aprovado. “Después de las últimas elecciones nacionales 1999,
llegó a la presidencia dei Parlamento panameno un indígena
Kuna} el Diputado Enrique Garrido, quien además fue uno de los
proponentes de la Ley. Por segunda vez el anteproyecto se
presentó ante la Comisión de Asuntos Indígenas y ésta vez tuvo
uma acogida positivai O artigo lfl da lei define as suas
finalidades, que são as de proteger os direitos coletivos de
propriedade intelectual e os conhecimentos tradicionais dos
povos indígenas sobre suas criações, tais como invenções,
modelos, pinturas e desenhos, inovações contidas nas imagens,
figuras, símbolos, gráficos, petroglifos e outros detalhes;
além dos elementos culturais de sua história, música, artes e
expressões artísticas tradicionais, suscetíveis de uso
comercial, através de um sistema especial de registro, promo-
ção e comercialização de seus direitos, a fim de ressaltar os
valores socioculturais das culturas indígenas e fazer-lhes
justiça social.
O artigo 2S da Lei ns 20/2000 é bastante explícito ao
afastar a incidência dos tradicionais direitos de propriedade
intelectual sobre o patrimônio cultural indígena, quando o
requerimento de proteção não for formulado por uma comunidade
indígena assim reconhecida, ainda que se resguardem direitos
dos registros feitos anteriormente à vigência da norma. No
Capítulo dedicado aos objetos suscetíveis de proteção,
verifica-se que, dos três artigos que o formam, todos estão
firmemente voltados para a proteção de manifestações culturais
e artísticas, não se prestando para a proteção do conhecimento
tradicional associado à diversidade biológica. De qualquer
forma, a iniciativa panamenha é extremamente importante, pois
busca atender a uma necessidade que, cada vez mais, coloca-se
na ordem do dia.
4.2.2. Comunidade de Países Andinos
A Comunidade de Países Andinos, formada pela Bolívia, Peru,
Equador, Colômbia e Venezuela, é um bloco de países que,
dentro da América Latina, destaca-se pela imensa participação
da população indígena em todo o seu contingente populacional.
Em verdade, muitos desses países têm, explicitamente,
reconhecido o caráter multiétnico de seus povos. Este fato faz
com que os países integrantes da comunida-
34 Atecio López. “Sistemas Sui Genris para la Protección dei
Conocimiento Tradicional”, in
http://www.comuiüdadaüdma.org/taller4/p<if.
35 Atecio López Martinez. Ob. cit.
Direito Ambiencal
de andina sejam muito atuantes na defesa dos interesses das
comunidades locais e indígenas e que, em função disto, as
medidas que vierem a adotar em matéria de defesa dos
conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica
sejam bastante importantes e merecedoras de atenção.
A Comissão dos Países da Comunidade Andina emitiu, aos 2 de
julho de 1996, a Decisão nfi 391, que trata do Regime Comum de
Acesso aos Recursos Genéticos.36 Trata-se de uma norma bastante
ampla que, de maneira geral, repete as disposições contidas na
CDB, muito embora, em suas consideranda, seja bastante
explicitado o caráter peculiar dos países andinos, in verbis,
los países andinos se caracterizan
por su condición multiétnica y pluricultural; Que la
diversilad biológica, los recursos genévicos, el endemismo y
rareza, así como los conocimientos, innovaciones y prácticas
de las comunidades ineígenas, afroamericanas y locales
asociados a éstos, tienen un valor estratégico en el contexto
internacional; Que es necesario reconocer la contribución
histórica de las comunidades indígenas, afroamericanas y
locales a la diversidad biológica, su conservación y
desarrollo y ala utilización sostenible de sus componentes,
así como los benefícios que dicha contribución genera; Que
existe una estrecha interdependencia de las comunidades
indígenas, afroamericanas y locales con los recursos
biológicos que debe fortalecerse, en íunción de la
conservación de la diversidad biológica y el desarrollo
económico y social de las mismas y de los Países Miembros”.
Em coerência com o valor que foi atribuído ao papel
desempenhado pelas comunidades locais, afro-americanas e
indígenas na conservação da diversidade biológica, em especial
do reconhecimento político do conhecimento tradicional
associado, o artigo primeiro estabeleceu o conceito de
componente intangível, que vem a ser todo conhecimento,
inovação ou prática individual ou coletiva que tenha valor
real ou potencial, associado ao recurso genético, ou seus
produtos derivados, ou ao recurso biológico que os contenha e
que seja protegido, ou não, por regimes de propriedade
intelectual. Já o provedor do componente intangível é a pessoa
que, através do contrato de acesso e dentro das normas
estabelecidas pela Decisão n9 391 e pela legislação nacional
complementar, está habilitada para prover o componente intan-
gível associado ao recurso genético ou seus produtos
derivados.
O artigo 7e da Decisão, cabalmente, reconhece os
conhecimentos tradicionais associados: “Los Países Miembros,
de conformidad con esta Decisión y su legislación nacional
complementaria, reconocen y valoran los derechosyla íacultad
para decidir de las comunidades indígenas, afroamericanas y
locales, sobre sus conocimientos, innovaciones y prácticas
tradidonales asociados a los recursos genéticos y sus
productos derivados. ” Expressamente» a Decisão n9 391 declara
que os Países-Membros da Comunidade Andina não reconhecem
direitos de propriedade intelectual que sejam conferidos, onde
quer que seja, em desconformidade com as disposições nela
contidas.37
36 Http^/www.comtaiidadandina .org/normatva/dec/d391 .htm.
37 Disposicion.es Complementarias - Segunda - Los Países
Miembros no reconocerán derechos, incluídos los de propiedad
intelectual, sobre recursos genéticos, productos derivados o
sintetizados y componentes intangibles asociados, obtenidos
o desarrollados a partir de tma actividad de acceso que no
cumpla con las
COOJ - ensino iupenOf mau Jurfâcs
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
As relações entre conhecimento tradicional e propriedade
intelectual foram tratadas pela Decisão n9 486 da Comunidade
Andina que, em seu artigo 3e, estabelece: Os Países-Membros
assegurarão que a proteção conferida aos elementos da pro-
priedade industrial se concederá salvaguardando e respeitando
seu patrimônio biológico e genético, assim como os
conhecimentos tradicionais de suas comunidades indígenas,
afro-americanas ou locais. Em tal virtude, a concessão de
patentes que versem sobre invenções desenvolvidas a partir de
material obtido de dito patrimônio ou ditos conhecimentos
estará subordinada a que esse material tenha sido adquirido em
conformidade com o ordenamento jurídico internacional,
comunitário e nacional. Os Países-Membros reconhecem o direito
e a faculdade para decidir das comunidades indígenas, afro-
americanas ou locais, sobre seus conhecimentos coletivos. As
disposições da presente Decisão se aplicarão e interpretarão
de maneira que não contravenham as estabelecidas pela Decisão
n9 391, com suas modificações vigentes.
4.2.2.1. Bolívia
A Bolívia, conforme o artigo Ia de sua Constituição
Política, é um Estado que reconhece o caráter multiétnico e
multicultural de seu povo.38 As comunidades indígenas e locais
podem fazer o registro de sua personalidade jurídica e, desta
fòrma, podem se fazer titulares de direitos e obrigações
segundo a ordem jurídica boliviana. O artigo 17139 da sua
Constituição reconhece, respeita e protege os direitos
sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas que
habitam a Bolívia.
Naquilo que se refere especificamente à proteção da
diversidade biológica, a Bolívia, em sua lei de proteção e
conservação do meio ambiente,40 reconhece expressamente a
compatibilidade entre a existência de áreas protegidas e a
existência de comunidades tradicionais e indígenas (art. 64).
Este ponto demonstra que os conhecimentos tradicionais são
considerados de significância para a proteção da diversidade
biológica.
disposiciones de esta Dedsión. Adicionalmente, el País Míembro
afectado podrá solicitar la nulidad e mterponer las acciones
quefueren dei caso en los países que hubieren conferido
derechos u otorgado títulos de protección.
38 Constituição da Bolívia, Articulo 1. Bolívia, libre,
independieme, soberana, multíétnica y pluricultural,
consdtuida en República unitaria, adopta para su gobiemo la
forma democrática representativa, íiindada en la unidad y la
solidaridad de todos los bolivianos. Fonte: httpV/www.
georgetown.edu/pdba/constitu- tíons/bolivia/bol95 .htmL
39 Constituição da Bolívia. Art. 171. Se reconocen, respetan
yprotegen em el marco de la ley, los derechos soda/es,
económicos y culturales de los pueblos indígenas que habitan
en el territorio nacional, especialmente los relativos a sus
tierras comunitárias de. origen, garantizando el uso y
aprovechamemo sostenible de los recursos naturales, a su
identidad, valores, lenguas, costumbres e insntuciones. El
Estado reconoce la personalidade jurídica de las comunidades
indígenas y campesinas y de las asociaciones y sindicatos
campesinos. Las autoridades naturales de las comunidades
podrán ejercer íimeiones de admimstración y aplicación de
normas propias, como sohición alternativa de confliccos de
conformidad a sus costumbres CPE yalas leyes. La ley
compatibilizará estas íimeiones con Ias atribuidones de los
poderes dei Estado. Fonte: httpv7www.iadb.org/
sds/ind/ley/bolivia/bolivia_vaxl.htm.
40 Bolívia. Ley 1.333, de abril 27 de 1992. Fonte:
http://www.iadb.org/sds/ind/ley/ bolivia/bolivia_varl.htm.
WÊBBBBÊB& Direito Ambiental
wBÊfàM
4.22.2. Colômbia
A Constituição colombiana de 1991 reconhece amplamente os
direitos indígenas. Em primeiro lugar, há que se considerar
que o artigo 7941 da Lei Fundamental da Colômbia reconhece e
protege a diversidade cultural e étnica da nação colombiana.
Reconhece, também, que as diversas culturas existentes no país
são parte fundamental do patrimônio nacional. Pelo artigo 72,42
o patrimônio cultural está incluído dentro do patrimônio
nacional.
O Instituto Humboldt desenvolve uma intensa atividade na
Colômbia para pesquisa e registro da diversidade biológica,
inclusive naquilo que diz respeito à proteção dos
conhecimentos tradicionais. É bastante importante observar
que, na Colômbia, chegou-se a um consenso quanto aos grupos a
serem enquadrados dentre os beneficiários da proteção
concedida pela CDB e dos documentos dela resul- ■ tantes. Tais
grupos são os seguintes: (i) comunidades indígenas; (ii)
comunidades
jj afro-americanas ou negritudes; e (iii) camponeses. A
Colômbia participa da inicia-
;j tiva de Biocomércio sustentável patrocinada pela UNCTAD.
Considere-se que, na
ij experiência colombiana, conforme relatado por Salgar,«
“si bien se deben estable-
: cer lineamientos básicos a nível nacional, regional o
internacional, cada comumdad
posee critérios diferentes para abordar uma negociación de
esta naturaleza. Por lo tanto, se há llegado a la conclusión
de que seria um error craso elaborar programas • \ de
protección a los conocimientos tradicionales de manera
estricta, y más bien se
- debe elaborar programas o estrategias ‘marco’ que
permitan hacer bionegocios caso
; por caso”.
Há uma importante decisão da Corte Constitucional Colombiana
que afirma que: “El reconocimiento de la diversidad étnica y
cultural de la Constitución supo- ne la aceptación de
lamultiphcidad de formas de vida y sistemas de comprensión dei
mundo diferentes de los de la cultura Occidental. Algunos
grupos indígenas que con- servan su lengua, tradicionaes y
creencias no conciben una existencia separada de su comumdad.
El reconocimiento exclusivo de derechos fundamentales al
indivíduo, con prescindencia de concepciones diferentes como
aquellas que no admiten una perspectiva individualista de la
persona humana, es contrario a los princípios cons-
titucionales de democracia, plmralismo respeto a la diversidad
étnica yprotección de la riqueza cultural. ’,44
41 Constituição da Colômbia, Art. 7. El Estado reconoce y
protege 2a diversidad étnica y cultural de la Nacíón
colombiana. Fonte:
http://vrww.georgetown.edu/pdba/Constitutions/colombia.html.
42 Constituição da Colômbia. Art. 72. El patrimonio cultural de
la Nación está bajo laprotección dei estado. El patrimonio
arqueológico y otios bienes culturales que confonnan la
identidad nacional, pertenecen a ia Nación y son
inalienables, inembargables e imprescriptibles. La ley
establecerá los mecanismos para readquirirlos cuando se
encuentren en manos de particulares y reglamentará los
derechos especiales que pudieran tener los grupos étnicos
asentados en territorios de riqueza arqueológica.
43 Ana Maria Hemández Salgar. Conocimiento tradicional y
bionegocios: La experiencia de Colombia.
44 Corte Constitucional de Colombia, Sentencia T.308 de
1993.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
A decisão é importante no contexto do presente trabalho,
pois trata de uma matéria que ainda não foi examinada com a
mesma profundidade pelos tribunais brasileiros, uma vez que,
aqui, tal debate não logrou chegar à nossa mais elevada Corte.
Certamente, a decisão colombiana, assim como outras que serão
trazidas à luz neste trabalho, servirão de paradigma para os
tribunais brasileiros.
4.2.2.3. Equador
No mesmo diapasão dos demais países integrantes da
Comunidade Andina de Nações, o Equador se reconhece como uma
sociedade multíétnica e multirracial, conforme está expresso
no artigo Ia45 de sua Carta Política. Os conhecimentos tradi-
cionais naquele país encontram na Constituição a sua fonte
imediata de proteção, pois, conforme definido no artigo 62,46 o
Estado deve promover políticas permanentes para a conservação,
restauração, proteção e respeito do patrimônio cultural tan-
gível e intangível. Os conhecimentos tradicionais associados à
diversidade biológica, certamente, são enquadráveis no
patrimônio cultural intangível. No entanto, é nos artigos
84,47 5, 9 e 12, que, de forma mais clara, manifesta-se a
tutela constitucional dos conhecimentos tradicionais, pois
tais conhecimentos foram reconhecidos constitucionalmente como
direitos coletivos dos povos indígenas equatorianos, inclusive
naquilo que se refere à remuneração pela utilização, por
terceiros, do patrimônio cultural indígena e aos direitos dé
propriedade intelectual
Não deve ser esquecido que o artigo 83 da Constituição
equatoriana admite proteção aos conhecimentos tradicionais dos
povos afro-americanos que contribuem para a formação da
nacionalidade equatoriana.
45 Constituição do Equador. Artículo 1. El Ecuador es um
Estado social de derecho, soberano, unitário, inde-
pendiente, democrático, pluricultural, y mulúétnico. Su
gobiemo es republicano, presidencial, electivo
representativo responsable alternativo participativo y de
administración descentralizada. Fonte:
http://www.Iadfa.org/sds/md/ley/ecuador/ ecuador_varl.htm.
46 Constituição do Equador. Artículo 62. La cultura es el
patrímonio dei pueblo y consticuye el elemento esencial de
su identidad. El Estado promoverá y estimulará la cultura,
la creación, la formación artística yla investigación
científica. Establecerà políticas permanentes para la
conservación, restauración, protección yrespeto dei
patrímonio cultural tangible e mtangible, de la riqueza
artística, histórica, linguística e arqueológica de la
nación, así como el conjunto de valores y manifestaciones
diversas que conSguren la identidad nacional, pluricultural
y multíétnica. El Estado fomentará la interculturalidad,
inspirará sus políticas e integrará sus ixtstituciones según
los princípios de equidad e igualdad de culturas. Fonte:
http://wwwjadb.org/sds/ ind/ley/ecuador/ecuador„var1 -htm.
47 Constituição do Equador, Artículo 84. El Estado reconocerá
y garantizará a lospueblos indígenas, de conformidad con
esta constitución y la ley, el respeto al orden público y a
los derechos humanos los siguientes derechos colectivos:
(...) 5 - Ser consultados sobre planes y programas de
prospección y explotación de los recursos renovables que se
hallen en sus tierras y que puedanafectarlos ambiental o
culturalmente; participar de los benefícios que estos
proyectos reporten, en cuanto sea posible y reci- bir
indemnizaciones por los prejuicios socioambientales que les
causen (...) 9-Ala propiedad intelectual colectiva de sus
conocimientos ancestrales; a su valoración, uso y
desarrollo, conforme la ley (...) 12 — A sus sistemas,
conocimientos yprácticas de medicina tradicional, incluido
el derecho a 2a protección de los lugares rituales y
sagrados, plantas, animales, minerales y ecosistemas de
interés vital desde el punto de vista de aquella.
Direito Ambiental
4.2.2.4. Peru
Os conhecimentos tradicionais estão reconhecidos pela Lei ns
26.839, de julho de 1997, em seu artigo 23.48 Pelo artigo 2449
da mesma lei, foi determinado que os conhecimentos
tradicionais associados à diversidade biológica constituem-se
em patrimônio das comunidades camponesas, nativas e locais que
sobre eles têm direitos e a faculdade de decidir sobre a sua
utilização. Atualmente, está em discussão uma proposta de
proteção aos conhecimentos tradicionais que foi formulada pelo
INDECOPI, que é o órgão peruano responsável pelo registro da
propriedade intelectual no país dos Incas. Pelos termos da Lei
ne 26.839, a conservação e utilização sustentável da
diversidade biológica (Artículo 3, b) necessariamente precisa
da participação justa e equitativa nos benefícios que derivam
da utilização da diversidade biológica. A lei possui um título
próprio, para tratar das comunidades camponesas e nativas, que
se desdobra nos artigos mencionados.
4.2.23. Venezuela
A Constituição Bolivariana da Venezuela, de 1999, assim como
outras Cartas Políticas andinas, reconhece o caráter
multiétnico daquele país. O artigo 9a da Lei Fundamental da
República Venezuelana, por exemplo, determina que os idiomas
indígenas são de uso oficial para eles e devem ser respeitados
em todo o território da Venezuela.50 As comunidades indígenas
representam cerca de 1,5% (um e meio por cento) da população
da Venezuela, perfazendo um número de quase 315.000 pessoas.
Por força do artigo 100, estabeleceu-se o princípio
constitucional da igualdade das culturas. A Constituição foi
mais explícita no reconhecimento cabal do direito de
propriedade intelectual dos indígenas ao afirmar a garantia e
proteção da propriedade intelectual coletiva dos conhecimentos
tradicionais e inovações dos povos indígenas.51 Densificando a
norma constitucional, o legislador ordinário elaborou a Lei de
48 Ley n8 26.839, de Julio de 1997. Artículo 23. Se reconoce ia
importanda y el valor de los conodmientos, irmovaciones,
prácticas de las comunidades campesinas y nativas, para la
conservadón y uolización sos- tenible de la diversidad
biológica. Asimismo, se reconoce la necesidad de proteger
estos conodmientos y establecer mecanismos para promover su
utilizacuón con el consentimiento informado de dichas comu-
nidades garantizando la distribudón justa y equitativa de
los beneSdos derivados de su utilización. Fonte:
http://www.iadb.org/sds/ind/ley/peru/pera_-varl4.htm.
49 Ley n8 26.839, de Julio de 1997. Artículo 24. Los
conodmientos, hmovaciones y prácticas de las comunidades
campesinas> nativas y locales asodados a la diversidad
biológica, consrítuye patrimonio cultural de las mismãs, por
ello, tienen derechos sobre ellos y la íàcultad de decidir
respecto de su utilizadón. Fonte:
http://www.iadb.org/sds/ley/peru/peru_varl4.htm.
50 Constituição da Venezuela. Artículo 9. El idioma es el
castellano. Los idiomas indígenas también son de uso oBdal
para los pueblos indígenas y deben ser respetados en todo el
territorio de la República, por constituir patrimonio
cultural de la Nación y de la humanidad. Fonte:
http://www.ge orge-
town.edu/pdba/constitutions/venezuela/ven1999htm
51 Constituição da Venezuela, Artículo 124. Se garantiza y
protege la propiedad intelectual colectiva de los
conodmientos, tecnologias e innovadones de los pueblos
indígenas. Toda actividad reladonada con los recursos
genéticos y los conodmientos asodados a los mismos
perseguirán benefícios colectivos. Se pro- hibe el registro
de patentes sobre estos recursos y conodmientos ancestrales.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
Diversidade Biológica, de 24 de maio de 2000, que é o
documento legal que estabelece os mecanismos básicos para a
conservação da biodiversidade no país andino,52 assegurando,
inclusive, o direito de oposição cultural.
Atualmente existe a estratégia Nacional de Biodiversidade
que estabelece que o Poder Executivo deve manter inventários
da diversidade biológica venezuelana. A fim de criar os
inventários, foi construída uma base de dados denominada
BIOZU- LUA, que registra todas as informações possíveis sobre
a diversidade biológica do país. Conforme afirma Eugui, "ia
actividad básica para establecer la base de datos ha sido la
de recompilar la mayor cantidad posible de especies útües”.
Há que se registrar que, na Venezuela, já foi reconhecida a
primeira denominação de origem venezuelana, que foi o “Cacao
de Chuao”, cultivado e produzido por comunidades afro-
americanas, que se caracteriza por um processo artesanal de
fermentação que lhe fornece qualidades especiais de aroma e
sabor.
4.2.3. Austrália e Nova Zelândia
Tem sido amplamente reconhecido que os sistemas jurídicos
“ocidentais” de reconhecimento de direitos de propriedade
intelectual são insuficientes para acomodar as reivindicações
formuladas pelos povos aborígines e comunidades locais. Isto
tem feito com que sejam buscadas soluções "não convencionais’’
para o problema. Dois países nos quais a questão tem sido
debatida com muita frequência são a Austrália e a Nova
Zelândia. Tais países são aqueles nos quais os povos
autóctones e as comunidades locais possuem um elevado grau de
organização e, em função disto, têm obtido algum sucesso,
principalmente por meio de demandas judiciais.
4.2.3.1. Austrália
O marco fundamental para o reconhecimento dos direitos dos
povos aborígines pela Federação Australiana foi o famoso Caso
Mabo,53-54 no qual a Suprema Corte da Austráiia reconheceu a
capacidade da Common law em aceitar o direito tradicional dos
povos autóctones sobre as suas terras.55 Blakeney56 afirma que a
decisão do Caso Mabo teve o efeito de precipitar “demands for
the recognition of others aspects of
52 David Vivas Eugui. El régimen legal yla experienda
venezuelana en matéria de aceso a los recursosgené- ticos,
los conodmientos tradidonales y h propiedad intelectual
53 Http://www.foundingdocs.gov.au/places.
54 Mabo and Others v Queensland (n* 2) (1992).
55 O Julgamento da Suprema Corte Australiana no Caso Mabo
reconheceu a doutrina da validade dos títulos nativos no
Direito Australiano. Isto ocorreu ao proclamar os direitos
tradicionais do povo Merian às suas ilhas na parte oriental
do estreito de Torres; o Tribunal entendeu que os títulos
nativos tinham validade para todos os povos indígenas na
Austrália anteriormente às Instruções de Cook e do
estabelecimento da Colônia Britânica da Nova Gales do Suí,
em 1788. Tal decisão alterou todas as bases do direito fun-
diário na Austrália. Os títulos somente perderam valor legal
quando assim foi expressamente declarado por lei.
56 Michael Blakeney. “Protectmg Expressions of Australian
Aboriginal Folklore under Copyright Law”, m European
Intellectual Property Review, 9, 1995, p. 442.
Direito Ambiental
traditional aboriginal law” 57 Em sequência ao Caso Mabo,
diversas outras demandas sobre direitos culturais e econômicos
dos povos aborígines foram propostas perante os tribunais
australianos. Analisando situações específicas, ele afirma, em
outro trabalho, que o direito de patentes foi desenvolvido na
Inglaterra para possibilitar o desenvolvimento da Revolução
Industrial,58 tendo uma natureza essencialmente individualista.
Desta forma, acrescenta o autor, é muito questionável que o
aludido mecanismo possa agasalhar as pretensões das populações
indígenas em serem reconhecidas como “joint inventors under
patent lav/'.59 A inadequação do sistema ficou demonstrada em
dois casos. No primeiro deles, Caso Yumbulul.60 O Caso submeti-
do à apreciação judicial foi o seguinte: Terry Yumbulul era um
artista plástico aborígine que teve reproduzido um desenho
seu, a estrela polar, na nota de 10 dólares comemorativa do
bicentenário da Austrália. As estrelas polares são utilizadas
como símbolos funerários de aborígines importantes entre a sua
comunidade. Elas são construídas em madeira, penas e cordas e
pintadas com desenhos. Somente determinadas pessoas designadas
por normas costumeiras dos povos aborígines podem produzi-las,
pois devem observar determinados ritos religiosos. O trabalho
realizado por Terry Yumbulul foi vendido para o Museu
Australiano, onde deveria ficar em exposição pública, tendo
sido dada uma autorização para reprodução pela Agência de
Artistas Aborígines. Posteriormente, foi licenciada a
reprodução para que o Banco Central da Austrália utilizasse o
trabalho na nota comemorativa do bicentenário. Este fato foi
duramente criticado pelos membros da comunidade aborígine.
Dentro das tradições culturais dos aborígines, seria aceitável
que o trabalho fosse mostrado com finalidade de divulgar a
cultura da comunidade, mas não seria aceitável que ele fosse
exibido no dinheiro australiano. Terry Yumbulul, então, pro-
moveu uma ação judicial em face do Banco Central Australiano e
da Agência de Artistas Aborígines, argumentando que a licença
não teria sido concedida se ele soubesse qual a extensão
pretendida pelos licenciados. O tribunal não aceitou a
alegação de Yumbulul, acrescentando que o licenciamento que
foi concedido não poderia impedir a utilização dada pelo Banco
Central, com base no direito costumeiro aborígine. É
importante assinalar que a Comunidade não foi parte no
processo judicial, desobrigando o Tribunal de aplicar a norma
comunitária. O Tribunal reconheceu que: “Australia's copyright
law does not provide adequate recognition of Aboriginal com-
munity claims to regulate the reproduction and use of works
which are essentially communal in origin.
57Demandas pelo reconhecimento de outros aspectos do direito
tradicional aborígine.
58 Michael Blakeney. "Bioprospecting and the Protection of
Traditional Medical Knowledge of Indigenous People: an
Australian Perspective”, in European Industrial Property
Review, vol. 19, issue 6, p. 299.
59 "Inventores conjuntos sob o direito de patentes”.
60 Yumbulul v Reserve Bank of Australia (1991), in
http://www.icip.lawnet.com.au/ htm.1/part2.hnn.
61 A lei australiana de copyright não assegura adequado
reconhecimento para as reclamações promovidas pela
comunidade aborígine para regular a reprodução de trabalhos
que são essencialmente comunitários
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
Outra decisão extremamente importante foi aquela exarada no
Caso Milpurrurru,62-63 proferida pela Suprema Corte
Australiana, assim comentada pela Facts-Finding Mission da
World íntellectual Property Organization:64 “The Australian
Court appears to have shown a measure of creativity in
approaching such claims and some sensivity to the customary
laws, traditions and practices of the Aboríginal and Torres
Strait islanders comimmitjr m Austraha.”65
O caso se referia à reprodução não autorizada de um trabalho
artístico produzido pelo artista plástico aborígine John Bulun
Bulun, no ano de 1978, com a permissão dos anciões do povo
Ganalbingu. A pintura representava o local da criação do povo
Ganalbingu, sendo, portanto, sagrado e protegido por costumes
e leis aborígines. A empresa R. & T. Textiles Pty Ltd.
promovia a importação de tecidos com as reproduções do desenho
de Bulun Bulun, para venda na Austrália. O artista acionou a
empresa por violação de direitos autorais. Um segundo artista
aborígine, George Milpurrurru, propôs outra demanda, sob o
argumento de que a obra pertencia coletivamente à comunidade
aborígine, pois expressava conhecimentos tradicionais e
manifestações culturais relacionadas com a terra. A empresa
reconheceu a violação dos direitos autorais, porém, não
admitiu que a comunidade aborígine detivesse poderes derivados
de seu direito costumeiro para impedir a reprodução de seus
rituais e tradições, nem que Bulun Bulun fosse um mero
depositário de uma tradição cultural, não sendo devida à
comunidade Ganalbingu nenhuma compensação além daquela
reconhecida como devida em relação a Bulun Bulun.
O tribunal entendeu que Bulun Bulun era um mero depositário
do conhecimento ancestral de seu povo e que ele havia
produzido o seu trabalho artístico - que representava um
elemento sagrado de sua comunidade ~ sob direta e imediata
autorização dos anciões de seu povo. Ambas as ações foram
admitidas pelo Tribunal, que reconheceu a violação dos
direitos autorais do artista, bem como da comunidade. A
decisão reconheceu que os costumes aborígines podem funcionar
como uma proteção sui generis de suas tradições culturais e
conhecimentos. Segundo Blakeney,66 a Alta Corte australiana
indicou um caminho para que a matéria fique regulada pelo
direito costumeiro aborígine. A decisão é importantíssima.
Pelo seu conteúdo, que, em minha opinião, demonstra uma
tendência ao reconhecimento do caráter coletivo das
manifestações culturais das populações tradicionais, o que faz
com que as autorizações para a utilização dos símbolos, obras
de arte e mesmo acesso a conheci-
62 Http://www.fedcourt.gov.au/judgments/judgments_decis02
.htmL
63 Bulun Bulun vR&T Textiles Pty Ltd; Minister for Aboríginal
& Torres Strait Islander Affairs, intervening (3 September
1998, Justice von Doussa).
64 Http://www.wipo .int/globalissues/tk/report/SnaI/pdf7part2
.pdf.
65 A Corte Australiana parece ter mostrado uma medida de
criatividade e sensibilidade, ao examinar tal demanda com
base no direito costumeiro, tradições e práticas das
comunidades australianas de aborígines e ilhéus do estreito
de Torres.
66 Michael Blakeney. “Protecting Expressions of Australian
Aboriginal Folklore under Copyright Law”, in European
Intellectual Property Review, 9,1995, p. 445.
Direito Ambiental
mentos tradicionais sejam conferidas pelas “autoridades”
acreditadas pelas comunidades locais ou indígenas, sob pena de
nulidade.
4.2.3.2. Nova Zelândia
A Nova Zelândia é um dos países nos quais as populações
aborígines e as comunidades locais têm, com mais firmeza,
reivindicado o reconhecimento de suas peculiaridades culturais
e buscado a afirmação de sua autonomia. A colonização da Nova
Zelândia tem como documento fundamental o Tratado de Waitangi,
firmado em 1840 entre os ingleses e os Maori.67 Em consequência
do mencionado tratado, foi instituído o Tribunal Waitangi,
que, embora com funções consultivas, tem apreciado demandas
propostas pelos Maori, com base nas disposições do Tratado.
Atualmente, tramitam perante a Corte 779 ações referentes a
reivindicações sobre diferentes aspectos do Tratado de
Waitangi.
O Tribunal Waitangi foi estabelecido no ano de 197568 pela
Lei do Tribunal Waitangi, sendo constituído por 16 membros
nomeados pelo Governador Geral da Nova Zelândia, segundo
indicação do Ministro dos Assuntos Maori* O Tribunal não
possui função judicante, limitando-se a formular recomendações
sobre reivindicações práticas quanto à aplicação do Tratado
Waitangi. O Tribunal é apoiado administrativamente pelo
Departamento de Tribunais, que possui um setor especialmente
dedicado a ele. A questão da propriedade intelectual dos Maori
está sendo discutida no processo Wai 262.69 Por intermédio da
disputa, os Maori pretendem reestabelecer a chamada “te tino
rangatíratanga ”, que é a forma autóctone de conhecimento da
flora e fauna nativas, bem como a “taonga”, para a herança
cultural Maori. Tal ação foi proposta no ano 1991 e ainda
espera por uma decisão da Corte.70
A matéria suscitada perante a Corte é bastante complexa,
pois não é trivial chegar-se a uma conclusão sobre a quem
compete conceder autorização para que obras de arte e símbolos
rituais Maori possam ser utilizados comercialmente, assim como
também não é simples a questão de saber a quem devem ser
conferidos os direitos pela utilização de conhecimentos
tradicionais. Vale ressaltar, como medida da dificuldade da
questão,-que a Nova Zelândia é um dos países nos quais as
questões referentes aos direitos de propriedade intelectual
das comunidades locais e povos indígenas encontram-se mais
desenvolvidas e favoráveis para eles.
67 Margaret Doucas. “Intellectual Property Law - Indigenous
Peoples Concerns”, in Canadian Intellectual Property Review,
vol. 12, n° 1, October, 1995, pp. 1-2.
68 Www.knowledge-basket.co.nz/waitangi/about/about.litml.
69 Na verdade, rnn conjunto contendo seis reclamações
diferentes.
70 6/11/2001.
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
4.2.4; Registro do Patrimônio Imaterial no Brasil
Uma das questões mais complexas relacionadas com a proteção
da diversidade biológica é aquela que diz respeito ao acesso
aos benefícios decorrentes da utilização do patrimônio
genético para firis comerciais, por aqueles que detêm
conhecimentos tradicionais associados a tal patrimônio. Um dos
fatores mais importantes para a dificuldade de enfrentàmento
do tema é o fato de que o "conhecimento tradicional asso-
ciado”71 necessita estar devidamente catalogado e registrado
para que possa ser provado e, consequentemente, defendido e
remunerado. Não são poucas as discussões sobre o tema. Os
diferentes debates e concepções sobre proteção da propriedade
intelectual têm encontrado muitas dificuldades em enquadrar a
proteção dos conhecimentos tradicionais associados dentro dos
esquemas legais oficialmente reconhecidos nos diferentes
direitos internos e mesmo no direito internacional.
Em função das dificuldades acima apontadas, a comunidade
internacional está evoluindo para o reconhecimento de tuna
modalidade sui generís de proteção. Vários mecanismos vêm
sendo desenvolvidos por diferentes países para assegurar a
proteção de seus conhecimentos tradicionais associados. No
caso brasileiro, quando da edição da Medida Provisória ns
2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que trata do acesso e justa
repartição dos benefícios associados ao patrimônio genético,72
não foi feita qualquer referência ou consideração ao Decreto
Federal n2 3.551, de 4 de agosto de 2000, que Institui o
Registro de Bens Culturais-de Natureza Imaterial que cons-
tituem patrimônio cultural - brasileiro, cria o Programa
Nacional .do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. A
MP, simplesmente, desconsiderou a existência da forma de
registro “sui generís” do patrimônio imaterial, dentro do
qual, sem dúvida, incluem-se os conhecimentos tradicionais
associados, como ^pretendo demonstrar. É fato que a Medida
Provisória, acertadamente, considerou que o conhecimento
tradicional associado é parte integrante do patrimônio
cultural brasileiro, motivo pelo qual deveria ter o seu
registro no órgão próprio para tal. É evidente que o órgão
registrário não deve se imiscuir nas questões de acesso ao
patrimônio genético, assim como o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial não se imiscui com a utilização dos
dados que nele são registrados.
71 MP na 2.186-16, de 23/8/2001. Art. Ia Esm Medida. Provisória
dispõe sobre os bens, os direitos e as obrigações relativos:
(...) II - ao acesso ao conhecimento tradicional associado
ao patrimônio genético, relevante à conservação da
diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético
do País e 3 utilização de seus componentes (...) Art. 7®
Além dos conceitos e das definições constantes da Convenção
sobre Diversidade Biológica, considera-se para os Sns desta
Medida Provisória: (...) Art. 8o Fica protegido por - esta
Medida Provisória o conhecimento tradicional das comunidades
indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio
genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras
ações lesivas ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão de
que trata o art. 10, ou por insútmção credenciada. §2> O
conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético de
que trata esta Medida Provisória integra o patrimônio
cultural brasileiro e poderá ser objeto de cadastro,
conforme dispuser o Conselho de Gestão ou legislação
específica...
72 Tratada em local próprio deste trabalho.
Direito Ambiental
O registro de bens culturais, como parte do patrimônio
imaterial da nação, é uma decorrência e aprofundamento da
proteção legal estabelecida pelo Decreto-Lei ns 25/37, que
cuida da proteção legal do patrimônio histórico, artístico,
cultural, paleontológico material. A proteção do patrimônio
imaterial é igualmente importante e estava sendo negligenciada
por muitos e muitos anos.
0 Decreto ne 3.551, de 4 de agosto de 2000, por seu artigo
ls, instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro”. Tal
registro é constituído obrigatoriamente por quatro livros, que
são os seguintes:
1 - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos
conhecimentos e
modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos
rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do
entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão
inscritas manifes
tações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos
mercados, feiras, san
tuários, praças e demais espaços onde se concentram e
reproduzem práticas culturais coletivas.
A inscrição em qualquer um dos livros de registro deve ter
como referência a continuidade histórica do bem e sua
relevância nacional para a memória, a identidade e a formação
da sociedade brasileira. Quanto a isto devo acrescentar que,
assim como no caso do tombamento, não há qualquer impedimento
legàl para que os Estados e os Municípios criem registros de
seu patrimônio imaterial específico e com importância local ou
regional. O próprio decreto admite, no § 3S do artigo 1Q, a
possibilidade de abertura de outros livros, para a inscrição
de bens culturais de natureza imaterial que constituam
patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros
definidos no parágrafo primeiro do artigo P.
Os livros I e II* em minha opinião, podem perfeitamente
servir como um registro sui generis para o conhecimento
tradicional associado. E, em tal condição, servirem de
garantia do reconhecimento de que determinados conhecimentos
tradicionais são obra da produção cultural desta ou daquela.
A instauração do procedimento administrativo de registro
pode ser requerida por:
(i) Ministro de Estado da Cultura;
(ii) instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
(iii) Secretarias de Estado, de Município e do Distrito
Federal;
(iv) sociedades ou associações civis.
Os requerimentos de abertura do procedimento administrativo
de registro, acompanhados de documentação técnica, deverão ser
encaminhados ao Presidente do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que os subme-
ÊSBJ • Enano Superior By&sa JUÍ1&8
Proteção Jurídica do Conhecimento Tradicional Associado
terá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para
apreciação e deliberação. Procedente o requerimento de
registro, após decisão favorável do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, o bem será inscrito no livro
correspondente e receberá o título de “Patrimônio Cultural do
Brasil”.
Uma vez registrado o bem, o Ministério da Cultura dève
garantir: (i) documentação por todos os meios técnicos
admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o
material produzido durante a instrução do processo; e (ii)
ampla divulgação e promoção.
Dado o caráter imaterial do bem registrado, sujeitando-se a
alterações decorrentes da mudança de sua ambiência cultural,
determina o artigo 79 que se proceda a uma reavaliação decenal
da sua classificação como “Patrimônio Cultural do Brasil”. Na
hipótese de a revalidação ser negada, o registro será mantido,
como referência cultural de seu tempo. Naquilo que diz
respeito à proteção “sui generís” do conhecimento tradicional
associado, não há qualquer prejuízo, pois o registro
permanece.
4.2,4.1. Limitações do Registro do Patrimônio Imaterial
O Registro do Patrimônio Imaterial, tal como estabelecido na
legislação própria, possui limitações bastante evidentes, se
observado do ponto de vista da proteção de direitos de
propriedade intelectual - quaisquer que sejam as suas nature-
zas pois o registro não estabelece uma exclusividade no uso
dos costumes ou práticas tradicionais,, não sendo capaz,
portanto, de estabelecer uma proibição geral de uso hão
licenciado. É lógico que somente mediante lei seria possível
definir um regime de proibição geral e de exclusividade de
utilização de tal patrimônio. Isto, no entanto, possui
aspectos muito controversos e de difícil solução pela ordem
jurídica ocidental.
De qualquer forma, a matéria é mais complexa, pois práticas
e costumes associados ao conhecimento tradicional e às
diferentes manifestações de expressão cultural dificilmente
são exclusividade desta ou daquela comunidade local ou
indígena, pois, se assim fosse, conceitos de unidade cultural,
nações e pertinência a uma mesma linha civilizacional não
teriam qualquer sentido. Não se esqueça, igualmente, das
enormes dificuldades para definir a diferença entre uma
influência legítima - e mesmo inevitável — de uma determinada
tradição cultural sobre outra e a utilização deliberada de
formas de arte, diferentes formas de expressões culturais e
conhecimento tradicionais por terceiros, com o objetivo de
obtenção de lucro, é uma linha muito tênue — se é que existe
tal linha — e que não será facilmente identificada.
Naquilo que diz respeito, por exemplo, ao conhecimento
tradicional associado à utilização de determinadas plantas ou
substâncias de natureza medicinal, existe um outro problema
bastante complexo que se origina no fato de que, em geral, a
utilização de uma determinada terapia em comunidades indígenas
encontra-se associada a rituais místicos e espirituais
diretamente relacionados com a utilização da planta medicinal.
Khalil apresenta uma interessante visão sobre o tema: “So it
can be seen that knowledge had some sacredness around it. The
traditional healers, for instan- ce, were not wizards or
witches, but medicai practioners who used the medium of
Direito Ambiental
psychoanalysis to treat patients”.73-74 Não se discute,
evidentemente, o papel que o ritual desempenha no aspecto
psicológico de pessoas doentes nem na própria cultura de uma
sociedade, principalmente por meio do sentido de pertinência a
um grupo,
Do ponto de vista cultural, impõem-se as seguintes questões:
(i) Qual a importância da substância como elemento curativo?
(ii) Qual a importância dos rituais?
(iii) A proteção jurídica a ser concedida aos detentores de
tais conhecimentos poderá ser secionada, se o seu detentor
entende que eles formam um conjunto único?
É indiscutível que, dada a complexidade do tema e as
múltiplas interpretações que podem ser dadas à matéria, faz-se
necessário um consenso internacional sobre o assunto, de forma
que se possa estabelecer patamares de proteção que sejam
suficientemente adequados para estabelecerem uma equitativa
repartição dos benefícios, sem que se criem obstáculos
intransponíveis para a circulação de conhecimentos, bens e
mercadorias.
4.2A.2. Banco de Dados Nacional
O caminho para o registro sui generis dos conhecimentos
tradicionais, em minha opinião, deve ser a criação de um banco
de dados que não deveria ficar vinculado ao INPI, pois tantas
são as especificidades do tema que, dificilmente, um órgão
vocacionado para a ciência e tecnologia teria condições de
atender às expectativas sociais. O desenvolvimento e o
aprofundamento do modelo proposto pelo Decreto ns 3.551/200
parece-me o mais adequado e factível. Poder-se-ia criar um
livro específico para os conhecimentos tradicionais associados
à diversidade biológica e a participação do Ministério do Meio
Ambiente, da FUNAI e do próprio INPI no procedimento de
registro.
73 Mohamed Khalil. “Biodiversity and the Conservation of
Medicinal Plants: issues from the perspective of the
developing world”, in Timothy M. Swanson(Edited by).
Intellectual Property Rights and Biodiversity Conservation -
art interdisciplinary analysis of the values of medicinal
plants. Cambridge: Cambridge, 1998, p. 242.
74 Então pode ser visto que o conhecimento tinha algo de
sagrado envolvendo-o. Os curandeiros tradicionais, por
exemplo, não eram feiticeiros ou feiticeiras, mas
praticantes da medicina que tratavam seus pacientes por meio
da psicanálise.
As Florestas e sua Proteção Legal
Capítulo XXII As Florestas e sua Proteção Legal
L Introdução
A conservação das florestas é uma das questões fundamentais
para a humanidade e as demais formas de vida;
consequentemente» é um tema fundamental do DA.
Indiscutivelmente, a matéria remete-nos às graves questões da
biodiversidade1 e do aquecimento global, assim como aos
problemas relacionados ao desenvolvimento econômico dos países
em vias de desenvolvimento. Nos dias atuais as questões flo-
restais desempenham um relevante papel dentre os temas da
agenda internacional. Yves Bergeron et alii. assim
sintetizaram o importante papel desempenhado pelas florestas:
A floresta cobre mais da metade da superfície terrestre do
globo. Como abriga uma multidão de espécies vegetais e
animais, ela é um elemento determinante da evolução dos solos
e do controle dos climas. Para muitos países, a floresta tem
também um papel econômico primordial: madeira para combustão,
madeira de construção, madeira para o fabrico de papel, para a
caça, colheita etc. Mas a floresta está em perigo.2
As relações entre a imperiosa necessidade de desenvolvimento
econômico e o avanço sobre as áreas florestais é bastante
evidente; igualmente evidentes são as relações entre o avanço
sobre as florestas e a pobreza, tanto é assim que o Banco
Mundial aponta que a área ocupada por florestas nos países em
desenvolvimento foi reduzida à metade em aproximadamente um
século.3 Este quadro, contudo, não é recente. Ao contrário, a
pressão humana sobre as florestas e seus diversos recursos é
tão antiga quanto a própria existência dos seres humanos. Gomo
observa Perlin:4
Os sumerianos, que estabeleceram a primeira sociedade urbana
há mais de quatro mil anos no Crescente Fértil, usavam o signo
cuniforme ,(gis”, que determinava os tipos de madeiras e
objetos de madeira, em palavras que significavam “projeto [de
um edifício]”, “modelo” e “arquétipo”. “Arçhitékton”, que na
Gré
1 A definição de Biodiversidade, segundo a Convenção sobre a
Biodiversidade, é: A variedade de todos os seres vivos de
todas as origens, inter alia, terrestres, marítimos e outros
ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais
fazem parte; isso inclui diversidade nas espécies, entre
espécies e de ecossistemas.
2 “A Floresta Ameaçada”, in Terra - Patrimônio Comum. A
Ciência a Serviçodo Meio Ambiente e do
Desenvolvimento. Martine Barrère. São Paulo: Nobel, 1992, p.
81.
3 Banco Mundial, Le Secteur Forestier, Washington, 1992, p.
10.
4 John Perlin. História das Florestas. Rio de Janeiro: Imago,
1992, p. 31.
Direito Ambiental
cia clássica chegou a significar “chefe de obras77 e da qual
nós derivamos a palavra “arquiteto " significa hteralmente
“principal trabalhador em madeira
O próprio Banco Mundial reconhece o papel econômico
desempenhado pela exploração florestal e, igualmente,
reconhece o negativo papel que desempenhou em matéria de
desenvolvimento florestal, pois grande parte de seus
financiamentos voltados para a utilização econômica das
florestas serviu de agente indutor da destruição e degradação
florestal e ambiental. Desde a sua criação, o Banco Mundial
financiou 94 projetos florestais. Estes projetos custaram 2,5
bilhões de dólares americanos. A proteção ambiental, contudo,
não fazia parte das preocupações deles. Um dos exemplos mais
gritantes de política equivocada é o do chamado Polonoroeste
em Rondônia, Brasil. Com financiamento do Banco Mundial, foi
promovida uma grande devastação ambiental e gerados inúmeros
problemas sociais de difícil solução.' O projeto de
colonização iniciado em 1982 foi considerado um fracasso pelo
presidente do Banco Mundial, Barber Conable, em 1987.5 Foi a
partir da constatação de políticas ambientalmente desastrosas
e da própria pressão da opinião pública internacional que o
Banco Mundial assumiu o compromisso de não conceder
financiamentos para projetos florestais sem que rigorosos
estudos de impacto ambiental fossem realizados previamente.6
Devido ao importantíssimo papel desempenhado pelo Banco
Mundial como agente de fomento econômico, é de se esperar que
o seu comprometimento seja efetivo e verdadeiro, o que trará
significativas alterações no quadro global de proteção dos
recursos ambientais.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Rio 92, dedicou boa parte de seus trabalhos
ao exame da situação das florestas mundiais. As questões
florestais estão contempladas no item 9 da agenda 21.7 A Rio 92
estabeleceu diversos princípios para o manejo das florestas. A
letra g do preâmbulo do item 9 da Agenda 21 proclama uma
obviedade:
Forests are essenúal to economic development and the
maintenance of a11 forms of life.
As florestas são um dos principais temas do DA, como já foi
sublinhado, em razão da importância que têm para a preservação
da vida em todas as suas formas. A matéria florestal, no
ordenamento jurídico brasileiro, está contemplada na Lei nô
4.771, de 15 de setembro de 1965 — CFlo, contudo, recentemente
tem sido produzida uma grande quantidade de normas
especificamente voltadas para as florestas e, especialmente,
para a regularização de sua exploração econômica, com destaque
para a Lei n2 11.284, de 2 de março de 2006, que: “Dispõe sobre
a gestão de florestas públi
5 Raymond F. Mikesell e Lawrence F. Willians Internationa}
Banks ans the Environment Srom Growth to Sustainnability: An
Unümshed Agenda, San Francisco: Sierra Club Books, 1992, p.
165.
6 Banco Mundial, ob. cit., p. 21.
7 A Agenda 21 é um documento internacional pelo qual os países
signatários apontam os principais temas a serem enfrentados
pela comunidade internacional no século XXI.
cas para a produção sustentável; institui, na estrutura do
Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro -
SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal -
FNDF; e dá outras providências”.
Assim, ainda que o CFlo seja uma norma fundamental para a
proteção das florestas, ele não é mais o instrumento
específico para tal finalidade. Há que se observar que o CFlo
não define o que é floresta, ainda que estabeleça toda uma
gama de classificações de florestas e declare que algumas
delas estão submetidas a regimes especiais de proteção.
Ante a inexistência de um conceito jurídico normativo em
nosso Direito positivo, iremos apresentar algumas definições
que têm logrado obter aceitação internacional e que julgamos
serão bastante úteis para o presente estudo.
Pierre Merlin e outros definem floresta como “formação
vegetal espontânea ou produzida, caracterizada pela
predominância de árvores e pela fraca iluminação do sol. Por
extensão, uma vasta superfície (...) plantada de árvores em
formação cerrada”.8
O documento elaborado pela UICN - União Internacional para a
Conservação da Natureza; pelo PNUMA - Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente; e pelo WWF — Fundo Mundial para o
Meio Ambiente, Cuidando do Planeta Terra,9 classifica as
florestas em:
a) floresta natural: Floresta onde as árvores jamais foram
cortadas ou não foram abatidas durante os últimos 250 anos;
b) floresta modificada: Florestas onde as árvores têm sido
abatidas nos últimos 250 anos para a obtenção de madeira ou
para o cultivo migratório; e que retêm a cobertura de
árvores ou arbustos nativos. O crescimento de novas árvores
pode derivar inteiramente da recuperação natural ou ser
suplementado por “plantação de enriquecimento”. A floresta
modificada inclui muitas variações, desde florestas que têm
sido seletivamente abatidas até aquelas que foram
enormemente modificadas;
c) floresta plantada: Floresta na qual todas, ou a maioria das
árvores (51% ou mais da biomassa da madeira), foram
plantadas ou semeadas.
O Direito brasileiro, embora não reconheça as florestas tal
como definido no documento internacional que acaba de ser
mencionado, estabelece que, na forma do art. le da Lei n9
4.771, de 15 de setembro de 1965, as florestas existentes no
território nacional e as demais formas de vegetação,
reconhecidas de utilidade pública às terras que as revestem,
são bens de interesse comum a todos os habitantes do País,
exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações
legalmente previstas.
8 Dictionaire de l'Urbanisme et de l’Aménagement, Paris: PUF,
1988, p. 304,
9 Cuidando do Planeta Terra — Uma Estratégia para o Futuro da
Vida. São Paulo, 1991, p. 136.
Direito Ambiental
2. Os Diversos Tipos de Florestas
2.1. Floresta Boreal
Os países que possuem as maiores coberturas florestais do
mundo são:
a
) Rússia;
b
) Brasil;
c
) Canadá;
d Estados
) Unidos; e
e
) Zaire.
Embora as florestas tropicais sejam o maior repositório de
biodiversidade existente na Terra, pois abrigam mais da metade
das espécies vegetais e animais da terra, elas não chegam a
ocupar mais do que 7% do planeta.
Verifica-se, portanto, que o seu valor econômico-ecológico é
infinitamente superior às suas extensões territoriais. Este
fato tem passado despercebido por muitos.
A principal floresta do mundo, em extensão, é a floresta
boreal, que ocupa uma área de mais de 6 bilhões de hectares,
isto é, uma área equivalente a 25% da superfície terrestre que
ainda permanece coberta de matas. O Canadá e a Rússia possuem
aproximadamente 70% deste tipo de floresta. As florestas
boreais situam-se no extremo norte da Europa, da Ásia e da
América do Norte. Da mesma forma que as florestas tropicais, a
floresta boreal está passando por um grave risco de
sobrevivência. Tal situação, entretanto, tem ocupado pouco
espaço na mídia. É preciso observar que a pressão para a
preservação das florestas boreais não se faz com a mesma
intensidade que a efetivada em relação às florestas tropicais.
Parece evidente que, em grande parte, tal fato é devido à
circunstância de que são os países do chamado primeiro mundo
os detentores das enormes áreas de floresta boreal. A
atividade econômica nas florestas boreais é extremamente
grande e os países que as detêm não parecem dispostos a
abrandar o ritmo de sua exploração. Além da atividade
madeireira, há um risco que tem sido negligenciado, mas que
não pode ser relegado a segundo plano, que é aquele decorrente
de testes e depósitos de artefatos nucleares, naufrágios de
submarinos nucleares no oceano Ártico etc.
Muitos são os fatores que ameaçam as florestas boreais. A
floresta boreal está submetida a ameaças diretas e indiretas.
As ameaças diretas são as mesmas que se encontram presentes em
todas as áreas florestais, ou seja, a pressão para a extração
de madeira e recursos econômicos ocasionada por uma incorreta
compreensão da utilização das florestas. A expansão urbana
desordenada é, também, um fator de ameaça à floresta boreal. É
na Rússia que se encontram as maiores ameaças à floresta
boreal, pois o fim do regime soviético e o estabelecimento de
uma economia completamente desorganizada têm feito pressão
para que a madeira seja explorada de forma não sustentável. Em
verdade, o corte de madeiras nas terras siberianas tem sido
feito em ritmo avassalador e, evidentemente, exige uma
resposta da comunidade internacional. Questões estratégicas,
sobretudo quanto ao interesse dos países do
As Florestas e sua Proteção Legal
G710 em sustentar o modelo capitalista na Rússia, têm feito com
que os problemas ora referidos fiquem em segundo plano na
agenda internacional.
O efeito estufa e o aquecimento global são, também, ameaças
às florestas boreais. As principais características de flora e
de fauna dos complexos ecológicos das florestas boreais assim
foram sintetizados por Roger Dajoz:11
A taiga constitui um cinturão de florestas que cinge a
tundra ao sul do hemisfério norte, É formada exclusivamente de
coníferas: pinheiros, abetos, pinheiro-da-noruega, larício. O
clima da taiga é frio, os invernos longos e à fauna é pobre em
espécies,
É interessante observar que dentre os 24 maiores
exportadores de madeira, os EUA, a Rússia e o Canadá, países
que detêm a quase-totalidade das florestas boreais existentes
no mundo, ocupam os três primeiros lugares.12
2.2. Floresta Temperada
As florestas temperadas são as maiores vítimas da poluição
industrial. O fato de a maioria destas florestas estar situada
na região mais industrializada do planeta faz com que elas
sejam vítimas de uma grande pressão urbana, vítimas das chuvas
ácidas e outras mazelas da civilização industrial.
Roger Dajoz13 fomece-nos uma breve síntese dos ecossistemas
abrangidos pelas florestas temperadas:
A fauna nelas é muito diversificada. Os vertebrados
arborícolas são os esquilos e os leirões entre os mamíferos,
os pica-paus e as picanilhas entre as aves. Os mamíferos
terrestres são veados, corços e javalis; os roedores (ratos,
arganazes) são numerosos e caçados pelos pequenos carnívoros
(raposas, doninhas). O urso encontra-se em raros lugares. As
aves insetívoras e as aves de rapina noturnas são
abundantes...
A Europa, praticamente, não possui mais florestas naturais.
Ao longo dos vários séculos em que este continente tem sido
habitado por seres humanos, o seu ecossistema vem sendo
fortemente modificado. A Europa é, sem dúvida, um dos melhores
exemplos da construção social da natureza, isto é, de uma
natureza que foi intensamente modificada pelo homem, de forma
a atender os seus objetivos políticos e eco
10 Organismo que congrega os sete países mais ricos do mundo;
Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Canadá, Inglaterra
e Itália.
11 Ecologia Gemi, Petrópolis: Vozes, 1983, 4* ed., p. 391.
12 UICN — União Internacional para a Conservação da Natureza;
PNUMA — Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
WWF - Fundo Mundial para a Natureza, Cuidando do Planeta
Terra, São Paulo, 1991, p. 143.
13 Ecologia Geral, Petrópolis: Vozes, 1983,4» ed., p. 390.
Direito Ambiental
nômicos. Na América do Norte, embora com menor intensidade, a
modificação das florestas produzidas pela atividade humana, em
especial após o encontro de civilizações que se deu com a
chegada dos europeus ao continente americano, também foi
espetacular. É de se ressaltar que os povos aborígines, antes
da chegada do colonizador europeu, exerciam atividades capazes
de modificar a feição natural de seus territórios. A diferença
fundamental se dá na escala e no manejo da modificação humana.
A diferença é, essencialmente, cultural, de concepção acerca
do valor das florestas e seus recursos em cada civilização.
A situação economicamente privilegiada dos países situados
na zona temperada tem propiciado que suas florestas apresentem
um relativo crescimento nos últimos anos. Assim é porque os
governos dos países ricos têm patrocinado projetos de
reflorestamen- to, e o aumento da consciência preservacionista
entre a população tem servido como freio à derrubada de matas.
Tal conjunto de ações, contudo, não tem conseguido recuperar
todas as áreas que, secularmente, vêm sendo degradadas e
destruídas. O reflores- tamento, em geral, é feito com poucas
espécies da flora e, consequentemente, a recomposição do
ecossistema nunca é perfeita. Há, também, o gravíssimo perigo
de que se realize um reflorestamento uniforme e de pouco ou
nenhum valor ecológico.
O fato é que, enquanto se constata uma ampliação das áreas
florestais nos países ricos, paralelamente, amplia-se a
pressão sobre as florestas tropicais em busca da madeira e de
outros recursos. A ética da ampliação dos espaços florestais
dos países do primeiro mundo não pode se dissociar de uma ação
profunda em defesa da floresta tropical. Defesa esta que não
pode passar ao largo da modificação dos hábitos de consumo do
primeiro mundo, pois é para atender tais hábitos que, em
grande parte, é patrocinada a destruição das florestas
tropicais. Pouco importa que se amplie a floresta na Europa ou
no Japão se, na Malásia, por exemplo, a destruição das
florestas segue em um ritmo alucinante. Esta ética também não
pode se dissociar da premente necessidade de uma nova ordem
econômica internacional que seja capaz de alterar o perfil da
distribuição internacional de riqueza entre as nações.
2.3. Floresta Tropical
É, sem dúvida, a principal depositária mundial da
biodiversidade. A floresta tropical encontra-se situada na
região mais pobre do mundo e, por isto, é um ecossistema
extremamente pressionado e em gravíssimo risco de extinção. A
pressão sobre as florestas tropicais tem várias origens.
Independentemente da ordem de sua importância, podemos
destacar:
a) pressão migratória exercida por populações
marginalizadas;
b) pressão exercida pela criação de gado;
c) pressão exercida por madeireiras;
d) pressão exercida pelo narcotráfico;
e) pressão exercida pela dívida externa;
f) pressão exercida pelo garimpo de metais preciosos.
ëSBJ * Ensmo Supenor Bmm Juâ?
As Florestas e sua Proteção Legal
Estes são fatores extremamente complexos e que precisam ser
equacionados globalmente, sob pena de que as florestas
tropicais desapareçam em pouco tempo.
A verdadeira e intolerável miséria que assola os países do
terceiro mundo tem gerado um movimento de concentração urbana
e de expansão de fronteira agrícola que vem efetuando uma
destruição constante das florestas tropicais. O caso brasilei-
ro é bastante exemplificativo quanto ao particular. A Mata
Atlântica, que cobria a costa brasileira desde Santa Catarina
ao Rio Grande do Norte, é hoje um arremedo daquilo que foi,
pois foi reduzida a 7% de seu tamanho quando da chegada de
Pedro Álvares Cabral ao Brasil. A extração de madeira para a
exportação, a destruição de florestas para a implantação de
regiões agrícolas e a construção de cidades foram fatais para
a Mata Atlântica. Este processo, com pequenas alterações, tem
se verificado em todas as regiões tropicais.
A dívida externa é uma importante fonte de pressão sobre as
florestas tropicais, pois os países pobres necessitam acumular
moedas fortes para saldar os seus débitos internacionais. O
preço dos produtos primários, contudo, é baixo no mercado
internacional e, em razão disso, surge a necessidade de que
estes países exportem quantidades cada vez maiores de madeira
e outros produtos primários para obter moeda forte e saldar
parte da sua dívida. Os países do terceiro mundo, desta forma,
passam a ser exportadores de madeira, produtos primários e de
capitais, vivendo um círculo vicioso que parece não ter fim.14
Uma situação-limite e dramática é aquela representada pelo
baixo preço internacional dos produtos primários, com relação
aos países andinos. Tal situação de aviltamento do preço dos
produtos primários faz com que, no Peru, na Bolívia e na
Colômbia, a população local destrua a floresta para plantar
coca, que é vendida para os narcotraficantes, que a utilizam
como matéria-prima para a produção de cocaína. Do ponto de
vista estritamente mercadológico, é plenamente justificável a
atitude dos camponeses andinos, pois a coca atinge preços
muito mais elevados do que outros produtos primários. Há,
incontestavelmente, uma evidente correlação entre o aumento da
produção e plantio de folhas de coca e a ordem econômica
internacional. Entretanto, as medidas para o combate do
problema, praticamente, só existem na esfera policial e, como
se sabe, têm se mostrado francamente ineficazes.
A falta de equidade nas relações de comércio internacional
tem feito com que determinadas regiões de floresta tropical
estejam, praticamente, condenadas à morte, se o sistema
internacional de trocas não for modificado rapidamente. A
floresta tropical da Malásia é o melhor e mais triste exemplo:
As florestas de Boméu estão encolhendo ano a ano. O alto
preço da madeira e o uso da exploração mecanizada estão
causando destruição em um ritmo assustador, Ê muito provável
que dentro de poucas décadas todas as áreas acessíveis da
selva tenham sido abatidas pelos madeireiros.15
14 Norman Myers. Ob. cit., p. 365.
15 John Mackinnon. Boméu, Rio de Janeiro: Cidade, 1988,3* ed.,
p. 26.
Direito Ambiental
Não pode deixar de ser mencionado, en passant, que, além do
problema especificamente florestal, existem outros problemas
mais graves, que são aqueles vivencia- dos pelos milhões de
pessoas que habitam no interior das florestas e, rapidamente,
estão perdendo a sua característica de povos tradicionais, com
gravíssimas consequências culturais e sociais.
2.3.1. Florestas Brasileiras
O Brasil é um país que possui vastas áreas de florestas, e
tais florestas se constituem em muitos ecossistemas bastante
diversos entre si e portadores de grande riqueza genética e de
alta complexidade ecológica. A CEFB, em seu artigo 225, § 49,
estabeleceu que a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica
constituem patrimônio nacional. Desta forma, a Constituição
deu um destaque especial para tais ecossistemas. Isto não quer
dizer, contudo, que as mencionadas florestas gozem de um
status jurídico superior aos demais ecossistemas florestais.
Houve, ao que parece, uma supervalorização de alguns modelos
em relação aos demais. Tal supervalorização é muito mais
retórica do que efetiva. Aliás, seria profundamente incoerente
estabelecer uma superproteção jurídica para a Mata Atlântica e
abandonar-se, por exemplo, os cerrados. O próprio § 4a do
artigo 225,16 como é facilmente constatável, preocu- pou-se
mais com o meio ambiente litorâneo do que com o conjunto do
meio ambiente nacional. Justifica-se o fato em razão de que a
imensa maioria da população brasileira habita a área costeira
e que, portanto, a pressão maior se faça sentir no litoral.
Apesar de todos os problemas acima mencionados, o CFlo é um
instrumento jurídico capaz de assegurar, pelo menos em tese, a
proteção jurídica de que as nossas florestas necessitam.
Os principais ecossistemas florestais brasileiros são:
a) Floresta Amazônica,
b) Cerrado,
c) Mata Atlântica e
d) Caatinga.
Cada um exerce uma função de suma importância e, sem dúvida,
não se pode estabelecer uma escala hierárquica entre eles. Em
razão de sua importância internacional, passo a fazer uma
singela análise das questões referentes à Floresta Amazônica.
A Amazônia brasileira possui cerca de 40% da floresta
tropical remanescente em todo o mundo. A quantidade total de
espécies vegetais ou animais existentes na Amazônia é
incalculável. Assim como as demais parcelas da Floresta
Amazônica,17 a
16 Art. 225, § 4a A Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato- Grossense e a
Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-
se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a
preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais.
17 A França, país integrante do G7, não tem demonstrado
preocupação especial com a preservação de sua porção
amazônica» que está na Guiana Francesa.
Amazônia brasileira é vítima de pressões extremamente severas
sobre o seu ecossistema.18 O Brasil é o país que possui mais
florestas tropicais e» com certeza, um maior número de
espécies animais e vegetais do que qualquer outro país do
mundo. Esta circunstância impõe ao nosso País uma grave
responsabilidade internacional com a preservação da Hiléia
Amazônica; por outro lado, a comunidade internacional,
igualmente, deve assumir suas responsabilidades para com o
Brasil e cooperar construtivamente de forma que o País possa
ter acesso aos recursos financeiros e à tecnologia que serão
capazes de assegurar a sobrevivência da Amazônia, pois não
haverá preservação da Amazônia sem preços internacionais
justos e boas condições de vida para o amazônida.
A vasta extensão da Amazônia brasileira ainda não foi ferida
de morte. Ésta é uma importante constatação feita por
analistas internacionais independentes, è que merece registro:
... Com aproximadamente 90% de suas matas ainda em pé, a
Amazônia brasileira permanece relativamente intacta tanto em
face de padrões nacionais quanto internacionais,19
Na Amazônia brasileira, a expansão econômica da década de 70
do século XX, simbolizada pela construção da Transamazônica,
acarretou uma acelerada destruição da floresta para a criação
de gado e mesmo para áreas de garimpo. É importante observar
que os governos de então foram os fundamentais e mais
importantes indutores do processo, pois, através de toda uma
série de incentivos fiscais, estimularam a destruição
ambiental.
Tem havido uma diminuição no ritmo de destruição da Floresta
Amazônica brasileira20 em razão do fim de incentivos fiscais
para projetos agropecuários na região amazônica. O problema
das queimadas não se encontra solucionado, embora o seu ritmo
seja menor do que nas décadas de 70 ou 80.
O correto manejo da Floresta Amazônica pode ser um
importantíssimo fator de desenvolvimento para o Brasil e para
os demais países da região amazônica. Necessário se faz que a
sociedade brasileira, contudo, tenha um projeto de longo prazo
para o manejo amazônico e não se deixe seduzir por ganhos
fáceis e imediatos que levarão, inexoravelmente, à destruição
daquele que é, provavelmente, o maior tesouro biológico do
mundo.
Historicamente, têm sido atribuídas qualidades ambientais à
Amazônia que ela, evidentemente, não possui. A primeira destas
qualidades é a de “pulmão” do mundo. A concepção é equivocada
e tem se prestado a manipulações políticas. Certamente que é
muito importante o papel desempenhado pela Amazônia dentro do
contexto
18 Em realidade, ecossistemas.
19 John C. Ryan, “Conservando a Diversidade Biológica”, in
Qualidade de Vida 1992 - Salve o Planeta. Lester Brown. São
Paulo, 1992, p. 29.
20 Norman Myers. “Florestas Tropicais”, in Aquecimento Global
O Relatório do Greenpeace, Jeremy Legget. Rio de Janeiro:
FGV, 992, p. 350.
Direito Ambiental
ecológico internacional. Entretanto, sabemos que a maior parte
do oxigênio que respiramos é produzida pelos oceanos.
3. A Legislação Brasileira de Proteção Florestal
3.1. Evolução da Legislação Nacional
O autor do mais importante trabalho sobre a legislação
florestal brasileira afirma:
Em nosso País, o desenvolvimento do Direito Florestal
obedeceu às normas características observadas no resto do
mundo. Inicialmente as prescrições legislativas eram restritas
aos casos de incêndio. Ante o incremento cada vez maior do
comércio de madeiras, especialmente do pau-brasil, em que a
capacidade do sistema colonial português se preocupava em
espremer as riquezas da terra, até a última, foram
desaparecendo, em curtíssimo lapso de tempo, as reservas
florestais da orla litorânea. O produto começava a encarecer e
baixavam-se, em conseqüência, sucessivas prescrições para
reduzir a devastação e proceder-se a uma exploração racional
dessas reservas. As leis jamais foram observadas, e hoje
lastimamos o desaparecimento integral do pau-brasil e de
outras madeiras de lei, de zonas acessíveis, reduzidas a
imensos desertos áridos, de desoladora instabilidade climática
e pluviométrica, da ganância e da desonestidade de nossos
antepassados.21
Vale ressaltar que as palavras do Desembargador Osny Duarte
Pereira foram escritas no ano de 1950!
3.1.1. Período Colonial
A História do Direito brasileiro está indissoluvelmente
vinculada à História do Direito português. Sendo assim, é
preciso que se examine, sumariamente, as normas lusitanas
sobre a matéria. Ann Helen Wainer22 aponta que a primeira norma
jurídica voltada para a proteção ambiental existente no
Direito português é a Ordenação de Afonso IV, proibindo o
corte deliberado de árvores, datada de 12 de março de 1393.
Neste ponto, há uma divergência com a informação de Duarte
Pereira,23 que aponta a Carta Régia de 27 de abril de 1442 como
a primeira norma jurídica portuguesa voltada para a proteção
da flora fora dos casos de incêndio.
21 Osny Duarte Pereira. Direito Florestal Brasileiro, Rio de
Janeiro: Borsoí, 1950, p. 89.
22 Legislação Ambiental do Brasil (Subsídios para a História
do Direito Ambiental). Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 5.
23 Osny Duarte Pereira. Ob. ciL, p. 89.
As Florestas e sua Proteção Legal
A primeira impressão deixada pelo Brasil aos europeus foi a
de que no País só havia o pau-brasil como elemento digno de
valor comercial.24 Diante do desinteresse demonstrado por
Portugal em relação à colônia, as terras brasileiras foram
arrendadas por diversos cristãos-novos, com o objetivo de
exploração do pau-brasil. Em relação ao Brasil, alguns dos
documentos jurídicos fundamentais foram os contratos de pau-
brasil. A importância da exploração da madeira, no início da
colonização, foi tão grande que o próprio nome do País foi
retirado daquela que melhores resultados econômicos produzia.
Conforme aponta Rodolfo Garcia:25
É coisa sabidíssima que nas terras descobertas por Pedro
Álvares Cabral, e por ele chamadas de Santa Cruz, havia muito
brasil (...) A nova mercadoria americana não só conservou o
nome que havia usurpado, mas ainda deu-o à região donde agora
vinha, que começou a ser chamada de terra do Brasil, depois
simplesmente Brasil.
No século XVII, foi elaborado o Regimento do Pau-brasil,
pelo qual ficava proibido o corte do pau-brasil sem expressa
autorização das autoridades públicas.
Ao longo de toda a história do Brasil, têm sido muitas as
leis voltadas para a disciplina das atividades madeireiras e
florestais. Em 13 de março de 1797, foi expedida uma Carta
Régia pela qual foi declarada a propriedade real sobre todas
as matas e arvoredos à borda da costa, ou de rios que
desemboquem imediatamente no mar, e por onde em jangadas se
possam conduzir as madeiras cortadas até o mar.26 Aos 11 de
julho de 1799, foi estabelecido o primeiro Regimento sobre o
corte de madeira no Brasil. E importante observar que, no
período que está sendo mencionado, havia o cargo de juiz
conservador, com competência específica sobre a atividade
madeireira. A norma foi revogada em razão da pressão dos
dirigentes locais, que afirmavam que todas as áreas já estavam
ocupadas e que não haviam terras no interior para compensar os
expropriados. O discurso, aliás, permanece o mesmo, apesar de
todos os anos que se passaram. Em Ia de julho de 1802, foram
baixadas normas referentes ao reflorestamento.
3.1.2. Período Imperial
No ano de 1825, foram reiteradas as proibições de que se
concedessem licenças a particulares paia o corte do pau-brasil
e outras madeiras. A derrubada de árvores, sem autorização,
nas terras devolutas, foi proibida aos 11 de junho de 1829. Na
mesma ocasião, foi estabelecida a competência das Câmaras de
Vereadores para a concessão das referidas licenças. É
interessante a observação feita por Duarte Pereira:27
24 Rodolfo Garcia. Ensaio sobre a História Política e
Administrativa do Brasil (1500-1810), Rio de Janeiro: José
Olympio-MEC, 1975, p. 7.
25 Rodolfo Garcia. Ob. cit., p. 15.
26 Osny Duarte Pereira. Ob. cit., pp. 92-93.
27 Idem, p. 96.
%

Direito Ambiental
Pela Carta Régia de Lei de 15 de outubro de 1827, no § 12 do
art. 5a, incumbia aos juizes de paz das províncias a
fiscalização das matas e zelar pela interdição do corte das
madeiras de construção em geral, por isto chamadas madeiras de
lei.
O Código Criminal de 1830, em seus artigos 178 e 257,
apenava o corte ilegal de madeiras.
A Lei n2 601, de 18 de setembro de 185028 - Lei de Terras,
muito embora não tenha sido elaborada em razão do problema
florestal, foi muito importante para o nosso tema. Como se
sabe, a referida lei estabeleceu que a aquisição de terras
somente poderia ser feita por compra. Pela lei em tela, fox
proibida a usucapião sobre terras públicas, doravante
considerada crime.
3.1.3. Período Republicano
A Revolução de 30 e o fim da República Velha trouxeram uma
alteração profunda na regulamentação legal da proteção das
florestas, pois a concepção jurídica predominante passou a ser
a da intervenção estatal na ordem econômica com o objetivo de
promover o desenvolvimento e de compensar determinadas
desigualdades sociais. A preocupação com as florestas e a
flora como importantes bens econômicos foi bem caracterizada
com a expedição do Decreto n9 23.793, de 23 de janeiro de 1934,
que foi o primeiro CFlo brasileiro. Também o novo Código Penal
trouxe mecanismos jurídicos, poucos é bem verdade, cujo
objetivo era o de proteger as florestas, principalmente contra
incêndios. Foi criado o Serviço Florestal (reorganizado pelo
Decreto n2 4.439, de 26 de julho de 1939). Apesar do esforço
legislativo realizado com a edição do CFlo, ele era um
instrumento débil e incapaz de enfrentar as gravíssimas
questões suscitadas pela atividade madeireira e a necessidade
de proteção legal das florestas. Segundo José Afonso da
Silva,30 o Código de 34 não fora suficientemente
intervencionista para ter a eficácia protetora adequada.
28 Paia uma análise completa da lei, Ruy Cime Lima. Pequena
História Territorial do Brasil (Sesmarias e Terras
Devolutas), Porto Alegre: Sulina, 1954, 23 ed., pp. 59 e
seguintes.
29 Osny Duarte Pereira. Ob. cit., p. 111.
30 Direito Ambiental Constitucional, São Paulo: Malheiros,
1994» p. 115.

A ideologia política do liberalismo fez com que a chamada


República Velha demonstrasse pouca ou nenhuma preocupação com
as questões florestais. Tal negligência legislativa ocorreu
tanto na área civil como na área penal. Mais uma vez, Osny
Duarte Pereira29 oferece-nos uma crítica consistente do
problema:
O CC foi ainda mais negligente para com a floresta, e no seu
manuseio até parece que os vegetais nunca foram um bem
econômico suscetível de proteção.
ESBJ • Ensino Supenor guraaj Jtatôes
As Florestas e sua Proteção Legal
A partir das medidas acima arroladas, a legislação florestal
passou a ser um elemento importante e rotineiro dentro do
Direito pátrio.
3.2. O Código Florestal (Lei n2 4.771, de 15 de setembro de
1965)
O principal diploma legal brasileiro voltado para a proteção
legal das florestas é o CFlo instituído pela Lei ne 4.771, de
15 de setembro de 1965. A referida lei foi estabelecida com
base no regime constitucional de 1946. Pelo artigo 5Q, inciso
XV, ali- nea 1 da Constituição de 1946,31 competia à União
Federal legislar sobre as florestas. A norma tinha um evidente
intuito econômico, visto que se situava no mesmo patamar da
mineração, da energia elétrica, metalurgia, caça e pesca etc.
3.2.1. Competência Legislativa em Matéria Florestal
3.2.1.1. Da Carta de 1934 até a de 1969
Embora de inegável valor no interior da vida econômica
nacional, foi apenas em 1934 que as florestas mereceram menção
constitucional. De fato, o artigo 5S, XIX, alínea j, da
Constituição de 1934, dispunha:
Art. 5S Compete privativamente à União: (...) XDC-legislar
sobre: (...) j - bens do domfnio federal, riquezas do subsolo,
mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, florestas,
caça e pesca e a sua exploração.
É importante observar que, nos termos do § 3° do artigo 59
da Carta de 34, a competência da União para legislar sobre
florestas não excluía a possibilidade de os Estados legislarem
complementar e supletivamente. Aos Estados foi atribuída a
competência para, atendendo às peculiaridades locais, suprir a
legislação federal naquilo que ela fosse insuficiente ou
lacunosa. Os Estados, contudo, estavam impedidos de dispensar
as exigências da legislação federal. Vale observar que, neste
ponto, iniciou-se uma concepção jurídica que se tomou
tradicional em nosso Direito positivo, que é a de impedir que
os Estados diminuam o grau de proteção ambiental conferido
pela legislação federal. Importante observar, ademais, que a
alínea constitucional na qual se insere a competência federal
em matéria de legislação sobre florestas é, evidentemente,
voltada para o estabelecimento de critérios legislativos sobre
recursos econômicos.
A Carta outorgada de 1937 estabelecia, em seu artigo 16,
XÍV, que:
Art. 16. Compete privativamente à União o poder de legislar
sobre as seguintes matérias: (...) XIV - os bens do domínio
federal, minas, metalurgia, energia hidráulica, águas,
florestas, caça e pesca e sua exploração.
31 C.F. 1946 “Art. 5a - Compete à União: (...) XV—legislar
sobre: (...) 1) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,
águas, energia elétrica, floresta, caça e pesca...”
Direito Ambientai
O artigo 18, alínea a, da Polaca, determinava que:
Art. 18. Independentemente de autorização, os Estados podem
legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para
suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades
locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da
lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta as
regule, sobre os seguintes assuntos: a) riquezas do subsolo,
mineração, metalurgia, águas, energia hidroelétrica,
florestas, caça e pesca e sua exploração.
A Constituição democrática de 1946, em seu artigo 5% XV,
alínea 1, dispunha que:
Art. 59 Compete à União: (...) XV - legislar sobre: 1 -
riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia
elétrica, florestas, caça e pesca.
De acordo com o artigo 69 da Lei Fundamental de 1946, os
Estados eram dotados de competência legislativa supletiva ou
complementar, conforme o caso. Tanto na Constituição de 1967,
como na de 1969, o artigo 8S, XVII, alínea h, dispunham o
seguinte:
Art. 89 Compete à União: (...) XVII- Legislar sobre:
jazidas, minas e outros recursos minerais; metalurgia;
florestas; caça e pesca.
3.2.1.2. Constituição de 1988
A Constituição de 1988 foi, dentre todas as Constituições
brasileiras, aquela que mais amplamente tratou do tema
floresta. Existem, no mínimo, três referências às florestas e
sua proteção na vigente Constituição brasileira. Em nossa
opinião, a menção mais importante é aquela constante do § 6e do
artigo 225 da Lei Fundamental, que estabelece que a Floresta
Amazônica e a Mata Atlântica são parte do patrimônio nacional.
Há, ainda, uma menção expressa à flora no inciso VH do § 1- do
artigo 225. O conceito de patrimônio expresso no texto
Constitucional não pode e não deve ser confundido com o
conceito de patrimônio existente no Direito Civil. Manuel
Andrade,32 com a sua habitual proficiência, assim expõe a
doutrina tradicional:
Num primeiro e mais amplo sentido, o patrimônio vem a ser
(...) o conjunto de relações jurídicas (direitos e obrigações)
com valor econômico, isto é, ava- liável em dinheiro, de que é
sujeito ativo e passivo uma dada pessoa ~ singular ou coletiva
(patrimônio global). Numa fórmula mais sintética mas pouco
explícita, podemos defini-lo como o resultado jurídico-
econômico da atividade de uma pessoa.
32 Manuel A. Domingues Andrade. Teoria Geral da Relação
Jurídica, Coimbra: Almedraa, vol. 1,1983, p. 205.
Evidentemente que as florestas e demais formas de vegetação
que se encontram no interior do território brasileiro podem
integrar o patrimônio de pessoas jurídicas de direito público
ou de direito privado, bem como podem, obviamente, integrar o
patrimônio jurídico de pessoas naturais. O comando
constitucional não teve o condão de proceder desapropriações
dos bens que se encontravam no interior do patrimônio de
pessoas distintas da União. Não, os bens florestais
permaneceram sob a titularidade que ostentavam antes da
promulgação da Lei Fundamental de 1988. A norma constitucional
foi estabelecida com o sentido de realçar a proteção legal dos
bens instituídos como patrimônio nacional e reafirmar o dever
de todos no sentido de atuar visando à preservação ambiental,
como forma de assegurar o exercício do direito previsto no
artigo 225, caput. Houve, com efeito, uma reafirmação da Sobe-
rania e do domínio eminente do Estado sobre os bens existentes
em seu território.
Quanto à competência legislativa naquilo que tange às
florestas, o artigo 24, VI, da Lei Fundamental, estabelece
que:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar con- correntemente sobre: (...) VI — florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da
poluição.
Na forma do artigo 24, § 1«, compete à União legislar sobre
normas gerais. Naquilo que diz respeito às competências
administrativas, conforme determina o artigo 23, VII, da Lei
Fundamental, in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios: (...) VII - preservar as
florestas, a fauna e a flora.
No atual quadro jurídico constitucional brasileiro,
portanto, o CFlo tem a natureza de lei geral, limitando-se a
estabelecer os princípios genéricos que devem ser observados
pelos Estados em sua legislação própria. Esta competência
estadual está começando a ser exercitada de forma muito
intensa.
3.3. Política Florestal dos Estados
Como já foi visto, no atual regime constitucional, o CFlo é
uma lei cuja finalidade é o estabelecimento de princípios
legislativos gerais que devem ser observados pelos Estados-
Membros da federação. Está havendo um importante movimento em
diversos Estados integrantes da federação, visando ao
estabelecimento de políticas florestais próprias, mediante a
edição de leis específicas. E importante observar que este
movimento vem sendo incentivado pelo Governo federal, que,
através da imposição de determinadas exigências para a
concessão de financiamentos a projetos, tem exigido que os
Estados possuam leis florestais. O Estado de Goiás, em
iniciativa pioneira, estabeleceu um amplo processo de
consultas populares para a elaboração do
Direito Ambiental
projeto de lei a ser enviado pelo Poder Executivo para a
Assembléia Legislativa local. O exemplo goiano tem sido
seguido em diversos outros Estados-Membros da federação como,
por exemplo, no Rio Grande do Norte. O Estado de Minas Gerais,
que já possui a sua lei florestal há mais tempo, tem obtido
excelentes resultados com a sua implantação.
A peculiaridade que as políticas florestais têm apresentado
pode ser expressa em uma maior compreensão das realidades
locais e, portanto, em leis cujas especifí- cidades tomam-nas
mais aptas a exercerem um papel realmente eficaz.
3.4. O Regime Jurídico das Florestas
O artigo l2 do CFlo estabelece que:
As florestas existentes no território nacional e as demais
formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que
revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do
País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as
limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei
estabelecem.
O parágrafo único do mesmo artigo dispõe que:
As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código
na utilização e exploração das florestas são consideradas uso
nocivo da propriedade.
O uso nocivo da propriedade é um tema jurídico bastante
árduo e poucas são as obras que o enfrentam. Vilson Rodrigues
Alves33 assim trata o assunto:
A nocividade é a lesão, ou a probabilidade - de acordo com a
iminência e não com a eventualidade do dano — da lesão à
segurança pessoal, à segurança material, ao sossego...
Ao leitor atento não passará despercebido que, na singeleza
da redação do texto legal, diversas questões de alta indagação
jurídica estão contidas. Como já foi dito acima, a primeira
questão suscitada deriva da circunstância de que o CFlo não
define o conceito jurídico normativo de floresta. A segunda
questão é aquela que diz respeito aos bens de interesse comum
a todos os habitantes do País. E, por fim, temos o fato de que
o parágrafo único estabelece que as ações ou omissões
contrárias às disposições do Código constituem-se em uso
nocivo da propriedade. O Código, ipso iure, estabelece um
regime especial de propriedade especificamente voltado para as
florestas e demais formas de vegetação reconhecidas de
utilidade para as terras que revestem. Passemos ao exame das
questões acima apontadas.
33 Uso Nocivo da Propriedade, São Paulo: RT, 1992, p. 295.
As Florestas e sua Proteção Legai
Em primeiro lugar, merece ser ressaltado que o CFlo não está
voltado, apenas, para a proteção das florestas. Não. O CFlo
tem por objetivo a proteção das florestas e das demais formas
de vegetação reconhecidas de utilidade para as terras que
revestem- Portanto, os bens jurídicos protegidos pelo Código
são três:
a) as florestas;
b) as demais formas de vegetação úteis às terras que
revestem; e
c) as terras propriamente ditas.
Um aspecto importante que merece ser realçado é o
estabelecimento de um regime jurídico particular, que é a
instituição das florestas como bens de interesse comum de
todos os habitantes do País. Não se trata de uma novidade do
vigente Código, pois o Código de 1934, em seu artigo Ia, já
continha disposição semelhante. Interesse comum não se
confunde com domínio comum. O domínio das florestas pode ser
público ou privado. O interesse deve ser compreendido como a
faculdade legal e constitucionalmente assegurada a qualquer
indivíduo de exigir, administrativa ou judicialmente, do
titular do domínio florestal ou de vegetação ecologicamente
útil às terras que revestem, que ele preserve a boa condição
ecológica necessária para que a cobertura vegetal possa
desempenhar o seu papel protetor.
O regime jurídico da propriedade florestal não pode ser tido
como puramente civil, pois mesmo as matas particulares estão
sujeitas a ingerências administrativas. Há, desta forma, um
regime jurídico peculiar, nem público nem privado, um regime
jurídico de direito ambiental, que estabelece contornos
específicos para o direito de propriedade. O próprio regime
jurídico administrativo é limitado pelas normas ambientais de
proteção. Parece-nos que a principal marca definidora de um
regime jurídico especificamente ambiental é a possibilidade
deferida a qualquer habitante do Pa/s54 de oferecer oposição a
qualquer ato nocivo praticado contra as florestas, ainda que o
autor de tais atos seja o próprio titular do domínio
florestal.
3.4.1, O Conceito Jurídico de Floresta
Etimologicamente, segundo o Dicionário Aurélio,35 floresta
pode ser definida da seguinte forma:
Verbete: floresta [Do fr. ant. forest, hoje forêt, com infl.
de flor.] S. f.
L Formação arbórea densa, na qual as copas se tocam; mata.
2. Grande quantidade de coisas muito juntas; aglomerado,
conglomerado;
mata.
3. Fig. Confusão, labirinto, dédalo.
34 Inclusive estrangeiro aqui residente (CP, art. 5a, caput).
35 Dicionário Aurélio Eletrônico.
Direito Ambiental
Para o Websters Dictionary, o vocábulo forest significa,
principalmente, a large tract of land covered with trees and
underbrush; a woodland (uma grande extensão de terra coberta
com árvores e arbustos; uma mata)?6 Em Francês, o Dicionário
Robert37 define forêt da seguinte forma:
Vaste étendue de terrain couverte d'arbres; ensemble de ces
arbres (vasta extensão de terreno coberta de árvores; conjunto
destas árvores).
Na língua de Dante, floresta é definida pelo Zingarelli38
como:
Grande extensione di terreno coperta da alberi (grande
extensão de terreno coberta de árvores).
Há, portanto, um conceito bastante operacional na linguagem
comum: o conceito popular, entretanto, não é suficiente para
os objetivos deste trabalho. E necessário que se acrescente
elementos capazes de formar um conceito jurídico de floresta.
Não é demais repetir que o CFlo não define o conceito jurídico
de floresta. Averbe-se, contudo, que tal fato não tem impedido
que a legislação florestal seja aplicada diariamente. Há um
conceito, não legal, que tem obtido ampla aceitação
internacional, que é aquele estabelecido pelo documento
Cuidando do Planeta Terra,39 Para o mencionado documento, as
florestas podem ser:
a) floresta natural: floresta onde as árvores jamais foram
coitadas ou não foram abatidas durante os últimos 250 anos;
b) florestas modificadas: florestas onde as árvores têm sido
abatidas nos últimos 250 anos para a obtenção de madeira ou
para o cultivo migratório e que retêm a cobertura de árvores
ou arbustos nativos. O crescimento de novas árvores pode
derivar inteiramente da recuperação natural ou ser
suplementado por ‘plantação de enriquecimentoA categoria
floresta modificada inclui muitas variações, desde florestas
que têm sido seletivamente abatidas até aquelas que foram
enormemente transformadas;
c) floresta plantada: Floresta na qual todas ou a maioria
das árvores (51% ou mais da biomassa da madeira) foram
plantadas ou semeadas.
O Dictionaire de l’Urbanisme et de TAménagement,40 em seu
verbete sobre florestas, assim as define:
36 Webster's New Twentieth Century Unabrídgeddictionary, New
York, p. 718.
37 Micro Robert, Paris, 1988, p. 440.
38 H Nuovo Zingarelli, Bolonha: Zanichelli, 1983, p. 750.
39 Já citado anteriormente.
40 P. Marlin e F. Chouay Dictionaire de l'Urbanisme et de
l'Aménagement, Paris: PUF, 1988, p. 304.
As Florestas e sua Proteção Legal
513
Formation vegetale spontanée ou aménage, caractérisé parla
prédominance des arbres et de faible éclairement du sol. Par
extension, une vaste étendue (plusieurs centaines d’hectares)
plantée d’arbres en formation serée (...) Biologiquement, la
fôret se presente comme une sorte d’organisme ou se trouvent
associés les actions du climat, du sol, du sous-sol, des
végétaux, des animaux et même de l’homme. L equilibre délicat
de ses composants est rompu si l’un d’entre eux prend une
place trop important (formação vegetal espontânea ou manejada,
caracterizada pela predominância de árvores e pela fraca
iluminação do solo. Por extensão, um vasto espaço (muitas
centenas de hectares) plantado de árvores em formação cerrada
(...) Biologicamente, a floresta se apresenta como um tipo de
organismo no qual se encontram associadas as ações do clima,
do solo, do subsolo, dos vegetais, dos animais e mesmo do
homem. O delicado equilíbrio de seus componentes é rompido, se
um dentre eles assumir um papel muito importante).
O já tantas vezes citado Osny Duarte Pereira,41 relembrando
a definição de Guyot, afirma: “É um imóvel plantado de
árvores, onde a madeira (material lenhoso ou outras
substâncias tiradas da árvore, tais como resinas e casca)
constitui a produção principal. "Embora não se possa afirmar
que a produção principal de toda e qualquer floresta seja a de
madeira, a definição que acaba de ser apresentada tem uma
grande importância, à medida que, diferentemente das que foram
anteriormente apresentadas, coloca em destaque o papel
econômico desempenhado pela floresta. Este é um aspecto
fundamental, pois somente através de uma adequada compreensão
das funções econômicas desempenhadas pelas florestas é que,
efetivamente, asse- gura-se a sua preservação. O manejo
sustentado das florestas é, sem dúvida alguma, um dos
principais objetivos de toda a legislação de proteção
florestal. É preciso que se tenha claro que o atual nível de
desenvolvimento tecnológico não possibilita o encerramento das
atividades madeireiras. A utilização econômica das florestas
é, ainda, uma das atividades econômicas que não podem ser
dispensadas.
Os três conceitos apresentados acima, por serem mais
precisos, permitem que se possa ter um maior grau de segurança
jurídica no trato com as diversas questões florestais. Na
literatura jurídica brasileira, Hely Lopes MeireUes42 foi o
autor que primeiro perquiriu um conceito próprio de floresta.
Para ele, floresta é
t
a forma de vegetação, natural ou plantada, constituída por
um grande número de árvores, com o mínimo espaçamento entre
si.
O Direito comparado, tal qual o Direito brasileiro, não
fornece muitas definições normativas de floresta, embora sejam
inúmeras as leis voltadas para o tema. Um bom exemplo do que
vem de ser dito é a legislação florestal federal norte-
america-
41 Ob. cit., p. 148.
42 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 18a
ed., 1993, p. 476.
Direito Ambiental
na,43 que, embora extensa, não define o conceito jurídico de
floresta. Michel Prieur,4^ preocupado com o problema da
definição jurídica de florestas, afirma:
Aucune défímnon juridique de la forêtne peut être donne
(nenhuma definição jurídica de floresta pode ser dada).
Portanto, o Direito deverá socorrer~se com os conceitos
originários da biologia, da ecologia, da agronomia e de tantas
quantas sejam as ciências voltadas para o estudo das
florestas. Qualquer procedimento diferente tomaria
absolutamente impossível a aplicação da legislação florestal.
Há que se fazer uma jurisdicização de conceitos científicos.
Evidentemente que as ciências dedicadas ao estudo das
florestas não podem trabalhar com uma definição genérica de
floresta. Ao contrário, cada uma das diferentes modalidades de
floresta terá sua própria definição. O Cerrado não será
definido nos mesmos termos em que é definida a Floresta
Amazônica, sendo esta diferente da Mata Atlântica. Enfim, o
aplicador da lei florestal deverá ter presente qual o tipo de
floresta que, no caso concreto, está necessitando de proteção
legal.
Não há, portanto, um conceito jurídico genérico que seja
capaz de definir as florestas como um todo. Existem, contudo,
conceitos jurídicos específicos para cada um tipo de floresta
concretamente determinado. Tais conceitos serão vistos
adiante.
3.4.1.1. As Diferentes Florestas Tratadas pelo Código
Florestal
A divisão e classificação de diferentes formas de floresta é
uma tradição do Direito brasileiro. O Código de 1934
estabelecia uma vasta divisão entre as diversas modalidades
florestais. Para o revogado Código, as florestas estavam
divididas em: florestas protetoras, florestas remanescentes,
florestas modelos e florestas de rendimento. Tal classificação
guarda, apenas, valor histórico, pois não encontra correlação
com os termos em que foi lavrada a nova legislação.
3.4.1.1.1. Florestas de Preservação Permanente pelo Efeito do
Código Florestal
O primeiro grande grupo de florestas tratado pelo Código é o
constituído pelas florestas de preservação permanente por
imposição legal. Este grupo foi estabelecido pelo artigo 2fi do
CFlo, que determina:
Arr. 23 Consideram-se de preservação permanente, pelo só
efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu
nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
43 Envíronmental Law Stamtes, Sc. Paul: West, 1991, pp. 184 e
seguintes.
44 Droit de 1’Enviioxunent, Paris: Dalloz, 2* ed., 1991, p.
279.
CôEW * tosno ^upenor mm. jgffles
As Florestas e sua Proteção Legal |
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d agua de menos de 10
(dez) metros de largura;
2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d agua que tenham
de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50
(cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d agua que tenham
de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lâgos ou reservatórios d agua,
naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados
“olhos d’água ”, qualquer que seja a sua situação
topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura;
d) no topo dos morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45°
equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras
de mangue;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de
ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem)
metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros,
qualquer que seja a vegetação.
A relação é bastante longa e merece um exame mais minucioso,
principalmente em razão de uma terminologia técnica que é
empregada e que é pouco conhecida pelos juristas. O primeiro
ponto que merece ser observado é que de preservação permanente
é a flora que se encontre enquadrada dentro das condições
mencionadas na lei federal. Flora é, evidentemente, um
conceito mais amplo que o de floresta. O Dicionário Aurélio
assim define o vocábulo flora:
Verbete: flora [De Flora, deusa das flores.] S. f. 1. Bot. O
conjunto das espécies vegetais de uma determinada localidade:
2. Conjunto de plantas que servem para determinado fim: [Dim.
irreg.: ãórula].
Sendo certo que o CFlo é uma legislação geral e que, por
força constitucional, Hmita-se a estabelecer normas gerais,45
os Estados poderão estabelecer, em sua legislação própria,
outros critérios para que se definam locais nos quais a flora
será considerada de preservação permanente. Tal situação já
foi objeto de discussão judicial
Direito Ambiental
e de decisão que considerou constitucional lei do Estado do
Rio Grande do Sul voltada para a preservação das florestas.46
3.4.1.1.1.1. Proteção da água
A primeira preocupação que se pode observar no texto legal
do CFlo é com a preservação da vegetação que protege os cursos
d agua. Tal tipo de vegetação é conhecida como mata ciliar.
Paulo Bezerril Jr.47 explica a importância deste tipo de
vegetação:
A cobertura vegetal tem um papel importante, tanto no
deflúvio superficial - parte da cbuva que escoa pela
superfície do solo ~ como no deflúvio de base - resultado da
percolação da água no solo - onde ela se desloca em baixas
velocidades, alimentando os rios e lagos. A remoção da
cobertura vegetal reduz o intervalo de tempo observado entre a
queda da chuva e os efeitos nos cursos de água, diminui a
capacidade de retenção de água nas bacias hidrográficas e
aumenta o pico das cheias. Além disso, a cobertura vegetal
limita a possibilidade de erosão do solo, minimizando a
poluição dos cursos de água por sedimentos.
A preocupação do legislador com a manutenção das florestas
protetoras das águas vai além do próprio CFlo. A Lei n9 7.754,
de 14 de abril de 1989, estabeleceu novas medidas para a
preservação e proteção das florestas existentes nas nascentes
dos rios. Assim é que, nos termos do artigo le da lei que vem
de ser citada, são consideradas de preservação permanente, na
forma da Lei ng 4.771, de 15 de setembro de 1965, as florestas
e demais formas de vegetação existentes_nas nascentes dos
rios. A lei ora em exame estabelece que deverá ser constituída
na nascente dos rios uma área em forma de paralelogramo, cuja
denominação é paralelogramo de cobertura florestal, na qual é
vedada a derrubada de árvores ou qualquer outra forma de des~
matamento. Caso seja constatado que, antes da entrada em vigor
da lei mencionada, tenham sido realizados desmatamentos, a lei
determina o imediato reflorestamento da área com espécies
nativas.
As dimensões do paralelogramo acima mencionado devem ser
fixadas por regulamento administrativo. Estabelece a lei que o
descumprimento da obrigação de re- florestar com espécies
nativas acarreta a imposição de sanções pecuniárias que serão
dobradas em caso de reincidência. Como se vê, os rios recebem
proteção legal desde as suas nascentes até os seus respectivos
estuários. Naquilo que diz respeito à proteção das margens, há
uma questão importante a ser examinada, que é aquela que se
refere à capacidade legal que os Estados possuem de aumentar
as faixas de proteção
46 Tribunal Regional Federal da 4* Região, MAS n® 94.04.12035-
l/RS, m Jurisprudência Ambiental
Brasileira. Antunes, Paulo de Bessa. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1995, p. 90.
47 Apud G Maria Luiza Machado Granziera. Direito de Águas e
Meio Ambiente, São Paulo: ícone, 1993, p. 36.
As Florestas e sua Proteção Legal
e, portanto, de florestas de preservação permanente. Os
Estados podem ampliar a faixa de proteção dos rios com largura
entre 10 e 50 metros para 100 metros. Tal medida, entretanto,
deve ser examinada com muito critério, pois a grande
fertilidade das terras adjacentes aos rios faz com que as
mesmas tenham grande importância econômica e que, por isto,
sejam muito utilizadas para a agricultura. É necessário que
haja um elevado nível de consenso social para que se possa
subtrair imensas faixas de terra da atividade produtiva.
A defesa das florestas e demais formas de vegetação
protetora não se faz, apenas, em relação às águas correntes.
Também as lagoas, lagos, reservatórios (naturais ou não) e
olhos dagua48 são beneficiados pela previsão legal de florestas
voltadas para a sua proteção.
As florestas e demais formas de vegetação acima mencionadas
foram instituídas como reserva ecológica pela Resolução nõ 4/85
do CONAMA (art. 29,1/III).
3.4.1.1,1.2. Lei Geral sobre Florestas - Código Florestal
O CFlo brasileiro, instituído pela Lei n2 4.771, de 15 de
setembro de 1965, embora anterior à Carta Política de 1988
deve ser considerado como uma das normas gerais mencionadas no
artigo 24 da nossa Lei Fundamental, pois foi recepcionado pela
CF de 1988. Em tal condição, a mencionada lei estabeleceu a
chamada área de preservação permanente que, conforme disposto
em seu artigo 29, pode ter diferentes formas, No caso presente,
o interesse é investigar o regime legal das áreas de
preservação permanente situadas ao redor de reservatórios
artificiais.
E crucial que se observe que o artigo 22 do CFlo, ao definir
diferentes possibilidades de áreas de preservação permanente,
evidentemente, buscou adaptar-se às diversas realidades
locais. É fácil se observar que, diferentemente do que foi
feito com praticamente todas as áreas declaradas de
preservação permanente, a alínea b do artigo 2S não delimitou
uma faixa a ser considerada como área de preservação per-
manente ao redor dos reservatórios artificiais.
Há, portanto, uma lacuna que, obrigatoriamente, deve ser
preenchida pelo legislador estadual, no uso de suas
competências constitucionais, observados os princípios gerais
estabelecidos pelo próprio CFlo.
Vejamos o teor literal da disposição legal:
Art. 2S Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito
desta Lei,
as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...) b) ao redor das
lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou
artificiais.
Aqui se pode constatar, facilmente, que a alínea b não trata
de uma metragem específica para as áreas de preservação
permanente a ser estabelecida ao redor das
48 A Resolução CONAMA n® 4, de 18/9/1985 (art. 2a, d), define
olho d’água como.local onde se verifica o aparecimento de
água por afloramento do lençol freáúco.
Direito Ambiental
lagoas, lagos ou reservatórios artificiais, íazendo com que
tal faixa seja examinada à luz dos princípios constitucionais
referentes à intervenção no domínio econômico e,
especialmente, naquilo que diz respeito às competências
constitucionais ambientais, como já foi visto acima.
E óbvio que o princípio geral é o de que as áreas de
preservação permanente existem ao redor dos lagos, lagoas e
reservatórios naturais ou artificiais. O intérprete deverá, em
cada caso concreto, definir a metragem a ser considerada
aplicável. Se, por hipótese, não existisse a norma estadual
paranaense, qual seria a solução a ser aplicada?
Não tenho dúvida em afirmar que, por se tratar de
intervenção sobre o domínio privado combinada com proteção ao
meio ambiente, a escolha deveria recair na menor metragem
contemplada no próprio CFlo. No caso, aplicando-se o valor de
30 metros.
Em sustentação à tese ora apresentada, trago à colação a
opinião de Luís Carlos Silva de Moraes,49 que, em escólio ao
artigo 2e, alínea b, do CFlo, assim se pronunciou:
“O art. 2g divide-se em oito alíneas (a/h); preocupam-se as
alíneas de a até c com a vegetação que margeia os cursos
d’água, visando à sua proteção. Há uma preocupação em dividir
os cursos com corrente (alínea a) e os de água parada (alíneas
bec).
Todos os cursos d’água corrente (rios) têm especificação
exata da área considerada como de preservação permanente. A
alínea b trata de lagoas, lagos e reservatórios d’água
naturais ou artificiais. Nesse dispositivo, não há nenhuma
metragem especificando a área de preservação, pelo que devemos
tomar como correta a de menor metragem presente no artigo,
pelos seguintes motivos:
ls água parada não causa erosão, nem transporta sedimentos;
2Q o reservatório não é mantido pela umidade que o circunda
e sim pelo nível de água deãuente de cursos d’água, estes já
respeitando as regulamentações do artigo 2S, alínea a, números
1 a 5;
33 como a lei em tela é específica em dizer a metragem
quando assim acha necessário, e também descreve como infração
o desrespeito a esses dispositivos (art. 26, a), imputando
pena para essas condutas, devemos interpretar o presente
dispositivo RESTRITIVAMENTE, na mesma forma e modo que o
Direito Penal exige. ”
3.4.1.1.1.3. Reconhecimento Judicial da Legislação Estadual
sobre Florestas
O pleno exercício da competência suplementar dos Estados-
Membros da Federação tem sido reconhecido pelos tribunais de
nosso País, conforme nos dá mostra o seguinte aresto do
egrégio Superior tribunal de Justiça:
49 Luís Carlos Silva de Moraes. Código Florestal Comentado —
Com as Alterações da Lei de Crimes Ambientais — Lei n°
9.605/98. São Paulo: Atias, 1999, p. 29.
Conflito de Normas - Inexistência - Norma Especial que se
Compatibiliza com Preceito Geral Contido na Norma Federal. O
disposto no artigo 19, § ls, da Lei Estadual ns 10.561/91 não
conflitua com o preceito contido no artigo 21, parágrafo
único, do CFlo. Trata-se aquela de lei especial, compatível
com o tratamento genérico da norma federal. Recurso improvido
(REsp na246331/MG. 2a Turma. Data da decisão: 13/3/2001. DJU:
11/06/2001. P. 108. Relator Garcia Vieira).
A Corte Regional Federal da 4a Região, com jurisdição sobre
o Estado do Paraná, já teve a oportunidade de examinar o tema,
tendo decidido que:
Constitucional e Administrativo. Mandado de Segurança.
Florestas. Plano de Exploração. CFlo. Competência. Regulação.
Constitucionalidade. Lei Estadual nõ 7.989/85. Art. 83, inc.
17, da CR/1988. Remessa Oficial Provida. A Constituição
(art..8g, inc. 17) está respeitada pelo CFlo (Lei ng 4.771/65)
quando este explicita que a preservação das florestaspode ser
objeto também de legislação local, suprindo eventuais
omissões. 2. Sentença Re formada (REO 8904198534. 2* Turma.
DJU: 01/04/1992. P. 7.679, relator(a) JUIZ OSVALDO ALVAREZ).
Constitucional. Direito Florestal. A preservação das
florestas deixou de ser objeto de competência legislativa
privativa da União Federal a partir da CF de 1988, que deste
modo recepcionou a Lei Estadual n3 7.989, de 1985. Apelação e
Remessa “Ex Offido”providas em parte (MAS 900412035l/RS. 2a
Turma. DJU: 11/03/1992, p. 5.113. Relator: Juiz Ari
Pargendler).
Há que se afirmar, no entanto, que o STJ — ainda que em
decisão isolada,50 decidiu em sentido contrário ao que foi
acima demonstrado. Se isto indicará uma mudança na
jurisprudência, ainda é cedo para afirmar.
50 REsp n® 194.617-PR. DJU 1/7/2002, p. 278. Rei. Min.
Fiancmlli Netto. Recurso Especial. Pedido de Registro de
Loteamento às Margens de Hidrelétrica. Autorização da
Municipalidade. Impugnação Oferecida pelo Ministério
Público. Área de Proteção Ambiental. Resolução ne 4/85 —
CONAMA. Interesse Nacional. Superioridade das Normas
Federais. No que tange à proteção ao meio ambiente, não se
pode dizer que há predominância do interesse do Município.
Pelo contrário, é escusado afirmar que o inferes- se à
proteção ao meio ambiente é de todos e de cada um dos
habitantes do país e, certamente, de todo o mundo. Possui'o
CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à
proteção dasreservas ecológicas, entendidas como as áreas de
preservação permanentes existentes às margens dos lagos
formados por hidrelétricas. Consistem elas em normas de
caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas
estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e
§§ le e 4a, da CF e do artigo 6a, incisos IV e V, e §§ Io e
2o, da Lei n° 6.938/81. Úma vez concedida a autorização em
desobediência às determinações legais, tal ato é passível de
anulação pelo Judiciário e pela própria Administração Pú
blica, porque dele não se originam direitos. A área de 100
metros em tomo dos lagos formados por hidrelétricas, por
força de lei, é considerada de preservação permanente e,
como tal, caso não esteja coberta por floresta natural oú
qualquer outra forma de vegetação natural, deve ser
reãorestada, nos termos do artigo 18, caput, do CFlo.
Qualquer discussão a respeito do eventual prejuízo sofrido
pelos proprietários deve ser travada em ação própria, e
jamais para garantir o registro, sob penajle irreversível
dano ambientaL Segundo as disposições da Lei n° 6.766/79,
“não será permitido o parcelamento do solo em áreas de
preservação ecológica... ” (art. 3S, inciso V). Recurso
especial provido.
Direito Ambiental
3.4.1.1.1.4. Poder Regulamentar do Presidente da República
O Regime Político brasileiro, por ser Presidencialista,
atribui o Poder Regulamentar ao Presidente da República,
conforme definido no artigo 84, IV,51 de nossa Constituição.
Ele, como se sabe> limita~se a criar condições para a execução
das leis.
A boa doutrina administrativísta, da qual José dos Santos
Carvalho Filho52 é um excelente exemplo, tem definido o Poder
Regulamentar da seguinte forma:
“O poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a
existência desta. É com esse enfoque que a Constituição
autorizou o chefe do executivo a expedir decretos e
regulamentos: viabilizar a efetiva execução das leis (art. 84,
TV).
Por essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a
lei (contra legem), sob pena de sofrer invalidação. Seu
exercício somente pode dar~se secundum legem, ou seja, em
conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta
impuser. Decorre daí que não podem os atos formalizadores
criar direitos e obrigações, porque tal é vedado num dos
postulados fundamentais que norteiam nosso sistema jurídico:
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei” (art. 53, II, CF).
O festejado e pranteado Hely Lopes MeireHes, em seu
consagrado Direito Administrativo Brasileiro,53 de maneira
bastante enfática define o conteúdo do Poder Regulamentar, bem
como a sua indelegabilidade, in verbis:
“O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes
do Executivo (Presidente da República, Governadores e
Prefeitos) de explicar a lei para a sua correta execução, ou
de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência
ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privati-
vo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, TV) e por isso mesmo,
indelegável a qualquer subordinado. ”
Finalmente, há que se considerar a opinião de Pontes de
Miranda, conforme colecionada por Cretella Júnior,54 in verbis:
“Com efeito, ‘regulamentar é editar regras que se limitam a
adaptar a atividade humana ao texto, e não o texto à atividade
humana. Assim, quando o Poder Executivo, para tomar mais
inteligível a regra jurídica legal, enumera
51 CF, Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República: (...) TV - sancionar, promulgar e fazer publicar
as leis, bem como expedir decretos e regulamentos paia sua
Sei execução.
52 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 31.
53 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro.
São Paulo: Malheiros. 25* ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo et ai., 2000, p. 118.
54 José Cretella Júnior. Comentários à Constituição Brasileira
de 1988. Rio de Janeiro, 1991, pp. 2.897-2.898.
As Florestas e sua Proteção Legal
casos, exemplificativamente, em que teria de ser aplicado, não
adapta o texto à atividade humana — mas cria meios que sirvam
à atividade humana para melhor se entender o texto. Tanto
assim que, se os casos apontados não esgotam o conteúdo do
preceito legal, os intérpretes, judiciários e administrativos,
não ficam adstritos à taxatividade intrusa. Onde se
estabelecem, alteram, ou extinguem direitos, não há
regulamentos - há abuso de poder regulamentar, invasão de
competência do Poder Legislativo. O Regulamento não é mais do
que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o
lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura,
justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei. Quanto
menos se regulamenta, melhor(Pontes de Miranda).
3.4.1.1.1.5. Poder Regulamentar do CONAMA
O CONAMA foi criado pela Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981,
que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Determina
o artigo 8S da referida lei, in verbis:
Art. 89 Compete ao CONAMA:
I - estabelecer, mediante proposta da SEMA, normas e
critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e
supervisionado pelo SEMA;
II — determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alternativas e das possíveis conseqüências
ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos
órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades
privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos
estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no
caso de obras ou atividades de signifícativa degradação
ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio
nacional.
III — decidir, como última instância administrativa em grau
de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras
penalidades impostas pela SEMA;
TV— homologar acordos visando à transformação de penalidades
pecuniárias na Obrigação de executar medidas de interesse para
a proteção ambiental (Vetado);
V- determinar, mediante representação da SEMA, a perda ou
restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público,
em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de
participação em linhas de financiamento em estabelecimentos
oficiais de crédito;
VI — estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais
de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e
embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com
vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente
os hídricos.
Direito Ambientai
Parágrafo único. O Secretário do Meio Ambiente é, sem
prejuízo de suas funções, o Presidente do CONAMA.
Dentre as diferentes atribuições do CONAMA, data venia, não
se encontra a de regulamentar, diretamente, lei. Repita-se que
o Poder Regulamentar é da Competência do Presidente da
República, conforme disposto no artigo 84, IV, da CRFB.
É evidente que o CFlo somente pode ser regulamentado por
decreto presidencial e, jamais, por mera Resolução de um órgão
administrativo de assessoramento ao Presidente da República,
como é o CONAMA, tal qual definido no artigo 6a, II, da Lei nõ
6.938/81.55
3.4.1.1.1.5.1. Natureza Jurídica das Resoluções do CONAMA
A matéria em foco diz respeito ao estabelecimento de uma
metragem, não existente em lei, ao redor dos reservatórios
artificiais, equivalente a 100 (cem) metros na área rural e 30
(trinta) metros na área urbana, por Resolução do CONAMA.
É necessário, portanto, que se defina a exata natureza
jurídica das Resoluções do CONAMA para que o tema possa ser
enfrentado adequadamente.
Permito-me reproduzir as normas impugnadas:
Resolução n5 302, de 20 de março de 2002
(...)
Art. le Constitui objeto da presente Resolução o
estabelecimento de parâmetros, definições e limites para as
Áreas de Preservação Permanente de reservatório artificial e a
instituição da elaboração obrigatória de plano ambiental de
conservação e uso do seu entorno.
Art. 2e Para efeito desta Resolução são adotadas as
seguintes definições:
I - Reservatório artificial: acumulação não natural de água
destinada a quaisquer de seus múltiplos usos;
II - Área de Preservação Permanente: a área marginal ao
redor do reservatório artificial e suas ilhas, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas;
M
55 Lei n8 6.938/81, Art. 6S Os órgãos e entidades da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos
Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder
Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade
ambiental, consdvuirão o Sistema Nacional de Meio Ambiente —
S1SNAMA, assim estruturado: I — órgão superior: o Conselho
de Governo, com a função de assessorar o Presidente da
República na formulação da política nacional e nas
diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos
ambientais; II — órgão consultivo e deliberativo: o Conselho
Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de
assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo,
diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente
e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua compe-
tência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio
ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida.
£§SJ - Eo&no Superior Bmm MM
As Florestas e sua Proteção Legal J
Art. 3a Constitui Área de Preservação Permanente a área com
largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos
reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo
normal de:
I — trinta metros para os reservatórios artificiais situados
em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas Tarais;
(grifei)
U
Resolução na 303, de 20 de março de 2002
(...)
Art. ls Constitui objeto da presente Resolução o
estabelecimento de parâmetros, definições e limites referentes
às Áreas de Preservação Permanente.
U
Art 4a O CONAMA estabelecerá, em Resolução específica,
parâmetros das Áreas de Preservação Permanente de
reservatórios artificiais e o regime de uso de seu entorno,
(grifei)
É indiscutível que a Resolução CONAMA n« 302/2002 inovou,
pois estabeleceu metragem não prevista em lei. Como tem sido
sustentado ao longo de todo este parecer, não cabe ao Poder
Regulamentar inovar matéria reservada à lei. Em especial
quando a inovação é produzida por ato administrativo de
hierarquia inferior, como é o caso das Resoluções do CONAMA.
Maria Sylvia Zanella di Pietro56 assim define Resolução:
“Além do decreto regulamentar, o poder normativo da
administração ainda se expressa por meio de resoluções,
portarias, deliberações, instruções, editadas por autoridades
que não o Chefe do Executivo; estabelecem normas que têm
alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor. Há,
ainda os regimentos, pelos quais os órgãos estabelecem normas
sobre o seu funcionamento interno.
Em todas essas hipóteses, o ato normativo não pode
contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações,
proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob
pena de ofensa ao princípio da legalidade (arts. 5S, II e 37,
caput, da Constituição).”
Em seguida, citando Miguel Reale:
"Segundo a lição de Miguel Reale (1980:12-14), pode-se
dividir os atos normativos em originários e derivados.
‘Originários se dizem os emanados de um órgão estatal em
virtude de competência própria, outorgada imediata e dire-
tamente pela Constituição, para edição de regras instituidoras
de direito novo’; compreende os atos emanados do Legislativo.
Já os atos normativos derivados têm por objetivo a
‘explicitação ou especificação de um conteúdo normativo
56 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São
Paulo: Atlas, 1996, pp. 74-75.
Direito Ambiental
preexistente, visando à sua execução no plano da práxis’; o
ato normativo derivado, por excelência, é o regulamento.
Acrescenta o mesmo autor que "os atos legislativos não
diferem dos regulamentos ou de certas sentenças por sua
natureza normativa, mas sim pela originalidade com que
instauram situações jurídicas novas, pondo o direito e. ao
mesmo tempo. os limites de sua vigência e eficácia. ao passo
qúe os demais atos normativos explicitam ou complementam as
leis, sem ultrapassar os horizontes da legalidade (grifos do
original)
No mesmo diapasão, está o lúcido posicionamento de Celso
Antônio Bandeira de Mello:57
"Comparando-se estas várias fórmulas verifica-se que: o
decreto aparta-se de qualquer outra, por ser fórmula privativa
dos atos de Chefe de Executivo no exercício de suas
competências específicas. A instrução distancia-se da circular
e da ordem de serviço porque, ao contrário destas últimas,
veicula regras abstratas. A circular e a ordem de serviço
servem para expedição de regras concretas, embora gerais, e
correspondem a fórmulas utilizadas alternativamente. O aviso
funciona, hs vezes, como ofício entre autoridades de alto
escalão enquanto em outros casos equivale às instruções. A
portaria tem alcance muito impreciso e, bem por isso, por meio
dela, são expedidas ora regras gerais e abstratas, ora
decisões concretas e individuais, motivo por que em certos
casos desempenham função equivalente à das instruções e das
ordens de serviços e circulares. Em outras hipóteses, contudo,
veiculam atos que não se expressariam por estas fórmulas, como
é o caso da abertura de inquéritos, sindicância ou processo
administrativo. As demais figuras mencionadas são
perfeitamente distintas e inconfundíveis com quaisquer outras
(resoluções, alvarás, pareceres e ofícios).”
Diferente não é o posicionamento de Odete Medauar:58
“No direito brasileiro o poder regulamentar destina-se a
explicitar o teor das leis, preparando sua execução,
complementando-as, se for o caso. Do exercício do poder
regulamentar resulta a expedição de regulamentos, veiculados
por meio de decretos. Trata-se dos chamados regulamentos de
execução, de competência privativa do Chefe do Executivo; são
atos administrativos que estabelecem normas gerais. A
Constituição de 1988, no art. 84, inciso IV, confere ao
Presidente da República a atribuição de expedir decretos e
regulamentos para a fiel execução da lei As Constituições dos
Estados-Membros e as leis
57 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros. 4a ed-, 1993, p. 212.
58 Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno. São Paulo:
RT, 1996, p. 128.
orgânicas de Municípios contêm dispositivos similares para os
Governadores e Prefeitos, respectivamente. ”
Por fim, reveja-se a sempre válida lição de Hely Lopes
MeireUes:59
“Resoluções - Resoluções são atos administrativos normativos
expedidos pelas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe
do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos
presidentes de tribunais, órgãos legislativos e cole- giados
administrativos, para disciplinar matéria de sua competência
específica. Por exceção, admitem-se resoluções individuais.
As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos
inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-
los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e
explicitá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos,
conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da
providência concreta. ”
3.4.1.1.13.2. Jurisprudência Relativa aos Limites das
Resoluções
As Resoluções Administrativas têm merecido atenção de nossos
tribunais que, seguidamente, têm decidido que elas se
circunscrevem aos estritos limites da lei e não podem, sequer,
ultrapassar matéria contida em decreto. Obviamente que as
Resoluções do GONAMA, no particular, não merecem qualquer
distinção de outras normas de semelhante hierarquia.
Veja-se a seguinte decisão:
Administrativo - Retribuição Adicional Variável (RAV):
Artigo 5s da Lei n- 7.711, de 22 dez. 88 — Técnico do Tesouro
Nacional (TTN) —Limite Máximo Fixado pelo Art. 8S da MP ns
831/95 - Percentual Diferenciado para a Categoria de Auditor
Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN) e Técnico do Tesouro
Nacional (TTN): Isonomia Inexistente — Artigo 6a do Decreto-Lei
ns 2.225/85, de 10 jan. 85: Disposição Transitória de Eficácia
Restrita às Transposições — Regulamentação da RAV: A Admitir-
se sua Legalidade, a Estipulação do Percentual para o
Pagamento da RAV É Ato Discricionário - Resolução CRAV/n5
01/95, de 12 jun 95: Ilegalidade - Redutibilidade
Remuneratória Não Caracterizada - Percentual Devido: Artigo 14
do Decreto ns 96.667/89 - Preliminares de Ilegitimidade Ativa,
Decadência e Ilegitimidade Passiva do Secretário da Receita
Federal Rejeitadas — Segurança Denegada. 1. O MS Coletivo
constitui inovação da Constituição de 1988 para melhor atender
às necessidades das defesas dos direitos e garantias em geral,
cuja legitimação ativa para a sua impetração se encontra
perfeitamente delimitada no art. 5S, LXX, da CF/88, de modo que
o Sindicato, atuando, na hipótese, como substituto processual
dos servidores a ele
59 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro.
São Paulo: Malheiros. 25* ed., 2000, p. 172.
Direito Ambientai
associados, prescinde da autorização individual e expressa de
cada um dos associados, bem como da autorização genérica
constante do seu Estatuto Social, por isso que se trata, in
casu, de legitimação extraordinária conferida pela própria
Constituição, em que não lhe são aplicáveis as regras
pertinentes à substituição processual previstas para os casos
de legitimação ordinária (art. 8g, III, CF/88 e art. 240, “a”,
da Lei ns 8.112/90). 2. O Secretário da Receita Federal,
enquanto tal e como Presidente do “Colégio de Representantes
da Comissão de Administração da Retribuição Adicional
Variável” ~ CRAV, e o Coordenador- Geral de Recursos Humanos
do Ministério da Fazenda são reconhecidos, por maioria, como
autoridades passivas legitimadas (voto vencido reconhecendo
como legitimado para responder ao “wrít” apenas o Coordena
dor- Geral de Recursos Humanos do Ministério da Fazenda, por
sua quahdade de ordenador de despesas e responsável pelo
pagamento mensal dos vencimentos e seus adicionais). 3.
Decadência inexistente, ao entendimento de tratar-se de
prestações de trato sucessivo. 4. A RAV- Retribuição Adicional
Variável, criada pelo art. 5e da Lei ns 7.711/88, é uma
gratificação pecuniária destinada às Categorias de Auditor
Fiscal do Tesouro Nacional e de Técnico do Tesouro Nacional,
que tem por razão de ser “o melhor desempenho na administração
dos tributos federaisH. 5. A lei instituidora da vantagem
pecuniária determinou que ela seria atribuída “em função da
efíciência individual e plural da atividade fiscal na forma
estabelecida em regulamento” (parágrafo 2S). 6. Com ressalva do
ponto de vista do relator, que entende tratar-se de “norma em
branco” e de matéria de reserva legal, a Turma assentou que, a
despeito de regulamentada por decretos presidenciais e
portarias do Ministério da Fazenda e do Secretário da Receita
Federal mediante delegação e subdelegação de competência, a
forma de cálculo do pagamento da RAV consubstancia ato
discricionário. 7. A categoria Técnico do Tesouro Nacional -
TTN, de nível médio, não tem isonomia de vencimento ou
remuneração com a categoria de Auditor Fiscal do Tesouro
Nacional — AFTN, porque o art. 6e do Decreto-lei ns 2.225/85,
norma de caráter transitório, se exauriu com as transposições
feitas em 1985 em decorrência do citado diploma legal, o qual,
de resto, não foi integralmente recepcionado pela CF 88 (AMS n3
94.01.09603- l/DF, ReL Juíza ASSUSETE MAGALHÃES, 2 T„ ac. un.,
DJU16 Mar. 95, p. 13.540), não se podendo falar, desde então,
em "Carreira” de “Auditoria do Tesouro Nacional” — ATN
(entendimento da maioria). 8. O art. 89 da MP na 831/95 apenas
estipulou um limite máximo para o valor a ser pago aos
destinatários da RAV (até oito vezes o do maior vencimento
básico da tabela). Ele não fixou este limite como o
“percentual” da RAV nem ordenou que ambas as categorias de
AFTN e TTN deveriam receber a RAV num único percentual
(entendimento da maioria). 9. A Resolução CRAV/ne 01/95, além
de ser expedida por um “tíigão” legalmente inexistente (no
entender do relator), não obriga a Administração, na medida em
que pretenda alterar o art 24 do Decreto n° 97.667/89, que,
hierarquicamente superiora ela, fixou a RAV para a categoria
TTN em 30% (trinta porcento) do valor da RAV do AFTN
(entendimento da maioria) (o voto vencido também a considera
ilegal, mas por ter reduzido o “teto máximo” para
o TTN, mantendo-o para o AFTN). 10. Inexiste ofensa ao
princípio da irredutíbi- lidade de remuneração (Lei ns
8.112/90, art. 41, parágrafo 3$), porque a RAV, por definição
legal, é variável e não tem caráter permanente. 11. Na opinião
pessoal do Relator: a) o pagamento da RAV, como atualmente
feito, é de duvidosa legalidade; b) interpreta-se
restritivamente norma que tem por conteúdo vantagem
financeira; c) não é juridicamente admissível a adoção de
situações de duvidosa legalidade ou licitude como paradigma de
isonomia. 12. Apelação da União e remessa oficial providas.
Apelação do impetrante desprovida. Preliminares rejeitadas”
(TRF da 1- Região. AMS. 01000001776. 2* Turma. DJU:
03/08/1998, p. 380. Relator(a) Juiz Luciano Tolentino Amaral.
Grifei).
E mais:
Administrativo. Progressão Funcional. Professor Adjunto.
Efeitos a Partir da Implementação das Condições para a
Progressão. Norma! Regulamentadora que Restringe Direitos. Do
fato de não ser automática, a progressão, apenas decorre a
necessidade de que seja requerida, o que não impede que surja,
o direito a ela, na data em que implementados os requisitos,
ainda que outro seja o momento do requerimento. O Decreto n3
94.664/87, em seu art. 16, § Ia, prevê, como requisito para a
progressão funcional horizontal, o cumprimento do interstício
de dois anos no mesmo nível, com o mínimo de trinta pontos na
avaliação de desempenho. À previsão temporal ali contida é
inerente a uma avaliação de desempenho, a qual verifica o
conteúdo das atividades do profissional durante aquele
específico período, conferindo e certificando se o avaliado
preenche a outra condição que o habilita à progressão - o
desempenho. O poder regulamentar não é discricionário,
vinculando-se, isto sim, às normas que estabelecem os limites
da delegação. O art. 14, da resolução n3 49/90, do Conselho de
Ensino e Pesquisa da UFPR, ao estabelecer que os efeitos da
progressão funcional somente serão contados a partir do
protocolo do requerimento, restringe indevidamente o direito
do administrado, fixando condição que não existe na norma
competente” (TRF da # Região. A MS 48030. 3* Turma. DJU:
27/09/2000, p. 173, relatora Juíza Vivian Josete Pantaleão
Caminha).
Acrescente-se o seguinte:
Conselhos Profissionais. Poder Regulamentar. 1. Os Conselhos
Federais incumbidos de fiscalizar o exercício profissional de
seus associados, nas áreas de suas respectivas atuações, podem
baixar resoluções que melhor viabilizem suas atividades,
limitadas, porém, as leis que os criaram e lhes outorgaram
essa competência. 2. O axt Ia da Resolução 496/79, do Conselho
Federal de Contabilidade, que restringiu o exercido de
serviços técnicos contábeis prestados por pessoas jurídicas,
as sociedades compostas apenas por profissionais de outras
profissões liberais consideradas afins por ele, não pode
prevalecer, porque ampliou restrição inexistente no art 15 do
Decreto-lei 9.295, de 27.5.46. 3. Merecem interpretação
restrí~
1
Direito Ambiental
tíssima as normas infraconstitucionais que criam restrições às
liberdades consagradas na CF, como e o do exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão (arL 5S, inc. 13). 4.
Apelação e Remessa Oficial a que se nega provimento” (TRF
da 4a
Região. A MS. Processo: 8904176484. P Turma. DJU:
23/10/1991, p. 26.363,
relator Juiz Hadad Vianna. Grifei).
3.4.1.1.1.5.3. Flagrante Ilegalidade das Resoluções nõs 302 e
303, de 20 de março de 2002, do CONAMA
Os artigos 39 (Resolução na 302/2002) e 4a (Resolução nõ
303/2002) do CONAMA afrontam diretamente a ordem jurídica
democrática, pois invadem competência constitucional dos
Estados-Membros da federação em legislar supletivamente às
normas gerais estabelecidas pela União sobre florestas, no
caso o CFlo.
No caso concreto o artigo 29, b, do CFlo não deSniu uma,
metragem a ser consi- £ deradã como área de
preservação permanente ao redor de lagos, lagoas ou
reservatórios
l naturais ou artificiais.
ir'
I"
l “Art. 2a Consideram-se de preservação permanente,
pelo só efeito desta
i Lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:
L (■■■)
* b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios
d’água. naturais ou artificiais (...) ”
Esta evidente lacuna legal foi suprida, por exemplo, pelo
Estado do Paraná pela edição da Lei nfi 11.054, de 14 de
janeiro de 1995, em especial de seu artigo 29.
Art. 29. As formações florestais, localizadas na faixa de
entorno de lagoas, lagos ou reservatórios de águas naturais ou
artificiais, terão função protetora, podendo, no entanto, ser
exploradas através de técnicas de manejo, a critério da
autoridade florestal, salvo as faixas previstas como de
preservação permanente com limite mínimo de 3õm a contar da
linha de águas junto às margens.
3.4.1.1.15.4. Violação do Princípio do Desenvolvimento
Sustentável e da Proteção das Comunidades Humanas
A aplicação dos parâmetros e do limite de cem metros para
Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais
em áreas rurais estabelecidos pela Resolução CONAMA ns 302,
além de apresentar contradições com os dispositivos legais
vigentes, resultará em inúmeros impactos socioeconômicos
negativos. Dentre tais impactos, posso identificar a
desintegração social e cultural, assim como um possível
empobrecimento econômico das comunidades desses entomos dos
reservatórios envolvidos.
A maioria das comunidades afetadas é formada por sitiantes,
meeiros e parceiros que sobrevivem em pequenas propriedades
nas quais desenvolvem atividades
MM
agrícolas e pecuárias, cuja produção se dirige para a
subsistência familiar e para o mercado.
Cabe salientar que o conceito jurídico de meio ambiente
ecologicamente equilibrado, como preceitua a CF, inclui a
sadia qualidade de vida da população e não a sua exclusão.60
3.4.1.1.1.6. Proteção das Encostas e das Elevações
Outro aspecto importante que se pode observar na instituição
das florestas de preservação permanente pelo só efeito do
Código é o voltado para a proteção das encostas e das
elevações. A lei fala em proteção das florestas e demais
formas de vegetação que se encontrem no topo dos morros,
montes, montanhas e serras. Morro é definido pelo Dicionário
Geológico-Geomorfológico^1 como:
Monte pouco elevado, cuja altitude é aproximadamente de 100
a 200 metros. Termo descritivo para o geomorfólogo e muito
usado pelos topógrafos.
Monte, para o mesmo dicionário,62 é definido como:
Grande elevação do terreno, sem se considerar a sua origem.
Apenas se leva em conta o aspecto topográãco, ao descrever-se
a região onde aparecem este tipo de acidente de relevo. O
termo genérico de monte se aplica, de ordinário, às elevações
que surgem na paisagem como formas isoladas...
Já montanha63 é:
Grande elevação natural do terreno com altitude superior a
300 metros e constituída por um grande agrupamento de
morros...
O conceito normativo de morro ou monte é estabelecido pela
Resolução CONAMA n9 4, de 18 de setembro de 1985, e é o
seguinte:
Morro ou monte - elevação do terreno com cota do topo em
relação à base entre 50 (cinqüenta) e 300 (trezentos) metros e
encostas com declividade superior a 30% (aproximadamente 17s)
na linha de maior declividade; o termo “monte” se aplica, de
ordinário, à elevação isolada na paisagem.
60 CF, Art. 225. Todos têm direitoao meioambiente
ecologicamente equilibrado, bem deusocomum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defen
dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
61 Antônio Teixeira Guerra. Dicionário Geológico-
Geomorfológico, Rio de Janeiro: IBGE, 8* ed., 1993, p. 299.
62 Idem, p. 298.
63 Idem, p. 297.
Direito Ambiental
O conceito normativo de montanha está estabelecido pela
alínea í do artigo 2S da Resolução CONAMA n2 4/85, nos
seguintes termos:
Grande elevação do terreno, com cota em relação à base
superior a 300 (trezentos) metros e freqüentemente formada por
agrupamentos de morros.
A proteção legal estende-se às encostas com declividade
superior a 45a, equivalente a 100% na linha de maior
declividade. Aqui, mais uma vez, é necessário que nos
socorramos com o vocabulário técnico, indispensável para a
compreensão da norma jurídica. Assim sendo, encosta64 é:
Declive nos flancos de um morro, de uma colina ou de uma
serra.65 São estes declives de quando em vez interrompidos em
sua continuidade, apresentando rupturas (rupturas de
declives), cuja origem pode estar ligada à erosão diferencial,
à estrutura, às diferenciações de meteorízação, às variações
de níveis de base etc.
Protegidos estão, também, as bordas de chapadas e
tabuleiros. Chapada66 é definida da seguinte maneira:
Denominação usada no Brasil para as grandes superfícies, por
vezes horizontais, e a mais de 600 metros de altitude que
aparecem na Região Centro~ Oeste do Brasil...
Por sua vez, tabuleiro67 é forma topográfica de terreno que
se assemelha a planaltos, terminando geralmente de forma
abrupta... O conceito normativo de tabuleiro ou chapada está
contido na alínea q do artigo 2® da Resolução ns 4/85, do
CONAMA.68
A finalidade precípua do estabelecimento de flora de
preservação permanente nos locais acima mencionados é a de
evitar a erosão dos terrenos e a destruição dos solos,
preservando a integridade dos acidentes geográficos. Evita~se,
igualmente, as enchentes e inundações nos terrenos mais
baixos, uma vez que a vegetação ajuda a fixar a água da chuva
no solo e funciona como uma verdadeira barreira natural.
64 Idem, p. 148.
65 Resolução CONAMA n® 4/85 {art. 2a, i) — Serra — Vocábulo
asado de maneira ampla para terrenos acidentados com forces
desníveis, frequentemente aplicados a escarpas assimétricas,
possuindo uma vertente abrupta e outra menos inclinada.
66 Antônio Teixeira Guerra. Ob. dt., p. 90.
67 Idem, p. 404,
68 Resolução CONAMA nfl 4/85 (art. 2®, q) — Tabuleiro ou
chapada — formas topográficas que se assemelham a planaltos,
com declividade média inferior a 10% (aproximadamente 6%) e
extensão superior a 10 (dez) hectares, terminadas de forma
abrupta; a “chapada” se caracteriza por grandes superfícies
de mais de 600 (seiscentos) metros de altitude.
As Florestas e sua Proteção Legal |
As florestas e demais formas de vegetação acima tipificadas
são consideradas de preservação permanente e foram instituídas
como reservas ecológicas (Resolução CONAMA n2 4/85, art. 2®,
IV/VI).
3.4.1.1.1.7. Proteção das Restingas
O simples efeito da vigência do CFlo fez com que as
restingas, sempre que fixadoras de dunas ou estabilizadoras de
mangue, fossem juridicamente elevadas à condição de vegetação
de preservação permanente. Os conceitos normativos foram esta-
belecidos pela importante Resolução n2 4/85 (art. 2a, alínea n)
do CONAMA. Restinga, em termos normativos, é
acumulação arenosa, paralela à linha da costa, de forma
geralmente alongada, produzida por sedimentos transportados
pelo mar, onde se encontram associações vegetais muito
características, comumente conhecidas como ’’vegetação de
restinga”.
A definição científica é mais completa; assim é que, para o
Dicionário Geoló- gicofi9 as restingas foram definidas como
ilha alongada, faixa ou língua de areia, depositada
paralelamente ao litoral, graças ao dinamismo destrutivo e
construtivo das águas oceânicas.
Manguezal é ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos
baixos sujeitos à ação das marés localizadas em áreas
relativamente abrigadas e formado por vasas lodosas recentes
às quais se associam comunidades vegetais características,
conforme a definição legal estabelecida pela Resolução CONAMA
n2 4/85 (art. 22, alínea o). O estabelecimento das restingas
como áreas de preservação permanente é fundamental, pois os
manguezais são essenciais à formação da vida marinha e se
constituem em abrigo e fonte de alimentação para os seres
marinhos. Outras importantes funções são exercidas pelos
manguezais. Eugene P. Odum,70 sinteticamente, define a função
desempenhada por estes importantes ecossistemas:
Davis, que estudou a ecologia dos mangais, pensa que eles
são importantes, não só para ampliar as costas e formar ilhas,
mas também para proteger aquelas da excessiva erosão que, de
outro modo, se produziria com as violentas tempestades
tropicais. Tem se demonstrado que os detritos de folhas dos
mangais constituem para os seres aquáticos uma das principais
fóntes de energia.
Por estarem situados no litoral ou em áreas sujeitas à
influência das marés, os manguezais são bens pertencentes ao
patrimônio da União, em razão do que determina o artigo 20 da
CF, em seus incisos IV e VII. Como é do conhecimento do lei
69 Antônio Teixeira Guerra. Ob. cit., p. 372.
70 Eugene P. Odum, Fundamentos de Ecologia. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1988, 4* ed., p. 551.
Direito Ambiental
tor, os terrenos de marinha têm a sua definição legai
estabelecida pelo artigo 29 do Decreto-Lei n9 9.760, de 5 de
setembro de 1946.71
Por derradeiro, cumpre observar que, nas restingas incluídas
na categoria acima mencionada, as florestas e demais formas de
vegetação são consideradas de preservação permanente, conforme
determinado pela Resolução ne 4/85 do CONAMA (art. 2S, VII e
VIII) e, nesta condição, Instituídas como reservas ecológicas.
3.4.1.1.1.8. Áreas de Preservação Permanente em Regiões
Urbanas
Todas as formas de vegetação ou de acidentes geográficos
acima mencionados podem estar compreendidas no interior de
áreas urbanas. Em tais casos, o parágrafo único do artigo 22 da
Lei n§ 4.771, de 15 de setembro de 1965, estabelece que:
No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas
nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas
regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o
território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos
planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os
princípios e limites a que se refere este artigo.
O parágrafo acima mencionado foi plenamente recepcionado
pelo artigo 30 da CF. O respeito aos limites e princípios
estabelecidos pelo CFlo deve ser interpretado como a
impossibilidade legal de que os municípios tomem mais
flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal.
3.4.1.1.2. Florestas de Preservação Permanente por Ato do
Poder Público
O artigo 39 do CFlo determina que:
Art. 3Ç Consideram-se, ainda, de preservação permanente,
quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas
e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo das rodovias e
ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional, a critério das
autoridades militares;
71 São terrenos de marinhai, em uma profundidade de 33 (trinta
e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da
terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) Os
situados no continente, na costa marítima e nas margens dos
rios e lagos, até onde se faça sentira influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça
sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os
efeitos deste artigo, a influência das marés é caracterizada
pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos
do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
As Florestas e sua Proteção Legal
e) a proteger os sítios de excepcional beleza ou de valor
científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da flora e fauna ameaçados de
extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações
silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público,
A lei fala que ato do Poder Público declarará como tal as
áreas de preservação permanente que reúnam as condições
arroladas no próprio texto legal. O ato mencionado no texto
legal é um ato administrativo e não uma lei. Caso o legislador
tivesse o desejo de que somente a lei pudesse definir outras
áreas de preservação permanente, além daquelas que o próprio
Código mencionou, assim o teria feito. Ocorre que, no caso que
está sendo examinado, não se trata de estabelecer novas áreas
de preservação permanente. Isto é, as áreas que ora estão
sendo tratadas já são consideradas protegidas desde a edição
do CFlo. O Poder Público, no caso, limita-se a identificar,
demarcar e declarar a proteção de tais regiões. O ato neste
ponto deve ser entendido como um decreto. Observe-se, ademais,
que uma vez que estejam preenchidos os requisitos contidos nas
alíneas do artigo 3e do CFlo, ao Poder Público não restará
outra alternativa diferente da de expedir o decreto
declaratório da área de preservação permanente. No caso,
trata-se de uma mera regulamentação de cumprimento inafastávei
por parte do Executivo, uma vez que o ato, no caso, é
plenamente vinculado. Não há, portanto, a constituição de
nenhum direito ex~novo. Decisão neste sentido foi proferida
pelo antigo Tribunal Federal de Recursos,72 quando foi negada
autorização a proprietário de florestas de preservação
permanente, por força do artigo 3a, até que as áreas fossem
definitivamente demarcadas. O direito à proteção da área é,
repita-se, contemporâneo ao próprio CFlo.
Questão fundamental é a suscitada pelo texto do § l9 do
artigo 3e do CFlo, cujo teor é o seguinte:
A supressão total ou parcial de florestas de preservação
permanente só será admitida com prévia autorização do Poder
Executivo Federal, quando for necessária a execução de obras,
planos, atividades ou projetos de utilidade púbUca ou
interesse social.
O problema se coloca, na medida em que o inciso III do § l9
do artigo 225 da Lei Fundamental determina que:
Art. 225 (...) § ls Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Poder Público: (...) III—definir, em todas
as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a altera-
72 Paulo de Bessa Antunes. Jurisprudência Ambiental
Brasileira, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, pp. 89-90.
jm
Direito Ambientai
ção e a supressão permitidos somente através de lei, vedada
qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem
sua proteção.
O que se observa é que o § le do artigo 3a da Lei n2 4.771/65
admite que o Poder Executivo Federal autorize a supressão
total ou parcial de florestas de preservação :é- permanente
desde que isto seja necessário para a execução de obras,
planos, ativida- •"? des ou projetos de utilidade pública ou
interesse social. Ora, os termos da norma <í- constitucional
são bastante claros. Há uma dupla condição para que se
promovam alterações ou supressões de espaços territoriais
especialmente protegidos que são: C
a) existência de prévia lei autorizatíva; %
b) vedação de qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos íí que justifiquem sua proteção. *
A lei autorizativa para uma eventual alteração ou supressão
das florestas de preservação, estabelecidas pelo artigo 35, é o
próprio CFlo. E, portanto, não há necessidade de uma lei
específica que autorize a supressão de uma floresta de
preservação M permanente por ato do Poder Executivo. Ocorre
que a segunda condição constítu- 1| cional para que se possa
alterar ou suprimir um espaço territorial especialmente pro-
tegido é que tal alteração ou supressão não implique qualquer
utilização que com- M prometa a integridade dos atributos que
justifique sua. proteção. Tal dispositivo só %
pode ser compreendido em harmonia com a exigência
constitucional de estudos pré- 1
vios de impacto ambiental para obras ou atividades
potencialmente causadoras de |
significativa degradação do meio ambiente.73 É, portanto,
necessário que, nas hipó- t
teses em que as modificações a serem efetuadas estejam
compreendidas na Resolução % na 1/86 do CONAMA seja realizado o
Estudo de Impacto Ambiental antes da autori- zação do Poder
Executivo, ou, no mínimo, de uma Avaliação de Impacto
Ambiental ^ - ALA. Nas hipóteses contrárias, deverá haver uma
declaração expressa do Poder _ii Executivo de que, no caso,
não há exigibilidade do ELA. A ação do Executivo nos pre~ t
sentes casos é plenamente vinculada.
Diferente é a situação das áreas de preservação permanente
estabelecidas pelo í artigo 2S do CFlo, que somente poderão ser
alteradas por lei formal, em razão da hierarquia legislativa.
3.4.1.1.3.Terras Indígenas como Florestas de Preservação
Permanente ;
Em técnica legislativa extremamente discutível, a alínea g
do artigo 39 do CFlo estabelece que são de preservação
permanente, por ato do Poder Público, as florestas e demais
formas de vegetação destinadas a manter o ambiente necessário
à vida das populações silvícolas. Em seguida, o § 2e do mesmo
artigo estabelece que as florestas que integram o patrimônio
indígena ficam sujeitas ao regime de preservação
73 CRFB, art. 225, § 1«, IV.
14 - Ensroo SupSflGí
As Florestas e sua Proteção Legal |
permanente (letra g) pelo só efeito desta lei. Há uma evidente
contradição entre o caput do artigo e o seu parágrafo. Assim
é, pois não se pode confundir as duas modalidades de áreas de
preservação permanente. Ademais, os termos do artigo 231, §§
ls, 22 e 42, da Lei Fundamental da República impedem que
qualquer ato administrativo, ou mesmo legislativo, possa
descaracterizar as terras indígenas ou modificar o seu regime
jurídico de preservação.
4. O Exercício do Direito de Propriedade em Áreas Florestais
4.1. Contorno Jurídico da Propriedade Florestal
O primeiro ponto para a correta compreensão do problema é
uma questão que vem sendo amplamente esquecida: aquela que
define os contornos jurídicos da propriedade florestal. Esta,
evidentemente, não se confunde com a propriedade tal como
estabelecida no CC brasileiro, pois o CFlo é lei especial e,
portanto, os seus institutos, quando dispuserem inteiramente
sobre uma matéria, devem prevalecer sobre o direito comum, no
caso o Direito Civil. Fato é que, após a CF de 88, a
subordinação do Direito Civil aos princípios constitucionais
está mais clara e, obviamente, o Direito Civil ganhou o status
de ser “mais um ramo do direito”, perdendo a condição de “o
direito”, como tende á vê-lo o pensamento jurídico do século
XDC Neste sentido, o “direito comum” é o próprio Direito
Constitucional Um aspecto peculiar da propriedade florestal é
que o artigo l2 define que: “Art. Ia As florestas existentes no
território nacional e as demais formas de vegetação,
reconhecidas como de utilidade às terras que revestem, são
bens de interesse comum a todos os habitantes do Pais,
exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que
a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. ”
Pelo teor do caput do artigo 1®, fica claro que a propriedade
florestal está regida pelas limitações gerais existentes74 em
nosso ordenamento jurídico, isto é, respeitando as normas de
vizinhança, as normas constitucionais referentes ao desempenho
da função social da propriedade, tal como definidas pela CF
que, no caso florestal, manifestam-se pelos institutos
próprios que se encontram presentes na Lei de florestas. A
propriedade florestal* portanto, é uma propriedade especial,
que não se confunde com a propriedade em geral, que, diante
das diferentes regras jurídicas que lhe são aplicáveis, nada
mais é do que uma hipótese teórica, pois o que existe na
atualidade jurídica são “propriedades”. Quanto ao tema, aliás,
há que se registrar que, desde o momento em que a Constituição
definiu que a propriedade deve desempenhar a sua função social
para que, legitimamente, possa continuar a ser exercida, não
se pode mais - com fundamento jurídico - pensar no direito de
propriedade com base no GC, eis que este espelha, pura e
simplesmente, o aspecto referente à propriedade civil que não
é mais uma cláusula geral, pois este papel é deferido à
propriedade tal qual esta se encontra regrada pela Lei
74 Aplicáveis a qualquer uma das “diferentes” formas de
propriedade.
Direito Ambiental
Fundamental, ou seja, se existente uma “propriedade em geral”,
esta é aquela subordinada ao conceito jurídico constitucional
de função social. A propriedade florestal, tal como definida
por nosso ordenamento jurídico, possui três limitações
principais que são:
a) as Áreas de Preservação Permanente;
b) as Reservas Legais;
c) corte somente com autorização do Poder Público.
Tanto umas como as outras integram o próprio conteúdo do
direito de propriedade florestal. A propriedade florestal que
não possua, por exemplo, a Reserva-Legal, é juridicamente
inexistente como tal, pois destituída de um dos elementos
essenciais para a sua caracterização legal e constitucional.
Não há, portanto, limitações ao direito de propriedade, mas a
definição de como este instituto jurídico é perante o CFlo, A
ideia de limitação ao direito de propriedade é errônea, pois
em sua essência admite o conceito dos anos 1800 de que a
propriedade é um direito ilimitado. Em realidade, inexistem
limitações ao direito de propriedade. O que existe é que o
direito de propriedade somente tem existência dentro de um
determinado contexto constitucional e somente é exercido no
interior deste mesmo contexto. A função social da propriedade,
tal como exercida na própria Constituição, não possui conteúdo
concreto. A Função Social, na hipótese florestal, é
inteiramente diferente da função social exercida pela
propriedade imobiliária urbana,75 por exemplo.
Deve ser ressaltado que o CFlo, em sua redação primitiva, já
considerava que as ações e omissões contrárias às suas
disposições são consideradas uso nocivo da propriedade. As
recentes alterações do CFlo confirmaram a norma contida no § ls
do seu artigo l9, in verbis:
§ le As ações ou omissões contrárias às disposições deste
Código na utilização e exploração das florestas e demais
formas de vegetação são consideradas uso nocivo da
propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário
previsto no art. 275, inciso II, do CPC
Há que se considerar que o uso nodvo da propriedade, tal
como estabelecido pelo CFlo, não se confunde com o uso nocivo
da propriedade que impera no direi
75 CF, Art. 186. A íimção social é cumprida quando a
propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios
e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes
requisitos: I—aproveitamento racional e adequado; II —
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente; III - observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; TV —
exploração que favoreça o bem- estar dos proprietários e dos
trabalhadores. Art. 182. A política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes (...) § 2° A pro-
priedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
to de vizinhança, embora seja dele derivado. Isto não quer
dizer, entretanto, que alguns dos institutos presentes neste
último, não possam ser utilizados pelos intérpretes da Lei de
Florestas. A utilização do instituto deve ser compreendida no
referencial histórico no qual ele foi inserido no Código e
interpretado de acordo com a época presente, ou seja, ele foi
plenamente recepcionado pela Carta de 88, que possui um amplo
leque de normas jurídicas com o objetivo de proteção
ambiental. A aplicação pós-88, portanto, somente pode ser
feita com o objetivo de retirar do uso nocivo da propriedade
presente no CFlo as mais amplas consequências para proteger o
meio ambiente e, por conseguinte, os “vizinhos” da
propriedade, no caso os habitantes do País. Noção esta que
está plenamente compatível com o caput do artigo 225 da CF,
que estabelece o “direito de todos” ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. A vizinhança prejudicada não se
limita àqueles que estão próximos, mas se alarga a todos os
que sofrem as consequências da inexistência de florestas. Isto
se toma claro na medida em que o próprio artigo l9 do Código
estabeleceu a noção de interesse dos habitantes do País como
um dos alicerces da forma de propriedade que está sendo
examinada.
O atual estágio de desenvolvimento do Direito brasileiro,
com todo o arcabouço jurídico constitucional de proteção ao
meio ambiente, não só permite, mas, principalmente, impõe, que
a interpretação dos institutos previstos no CFlo se faça de
forma cada vez mais voltada para a proteção do patrimônio
florestal como um conjunto de bens que, simultaneamente,
interessa à coletividade e ao titular do domínio. Ambos
deverão agir em coordenação, de forma que a ação de um não
descaracterize o direito do outro. O proprietário deve
respeitar os “direitos ” da coletividade, utilizando-a dentro
dos preceitos estabelecidos pelo CFlo. Julgo importante
reafirmar o meu ponto de vista no sentido de que a Reserva
Legal não é propriamente uma “limitação” ao direito de
propriedade mas, ao contrário, um dos elementos constitutivos
do próprio direito de propriedade florestal e, como tal,
condição de sua existência. Finalmente, penso que a Reserva
Legal é uma manifestação do domínio eminente e que, em tal
condição, não pode ser desrespeitado pelo proprietário,
privado ou público, ou por quem quer que seja.
4.2. As limitações Decorrentes da Condição de Bem de Interesse
Comum
Conforme já foi visto acima, a Lei ns 4.771/65, em seu
artigo l9, caput, considera que as florestas e demais formas de
vegetação, reconhecidas de utilidade para as terras que
revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do
País... O artigo 170 da Lei Fundamental determina que:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na hvre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) III—função social da
propriedade; (...) VI — defesa do meio ambiente ...
[ Direito Ambientai
Estes itens constitucionais servem de suporte para a atuação
intervencionista do CFlo e de tudo aquilo que lhe seja
correlato.
A própria lei estabelece que são consideradas de interesse
público as seguintes atividades:
a) limitação de pastoreio em determinadas áreas, visando à
adequada conservação e propagação da vegetação florestal;
b) as medidas com o fim de prevenir e erradicar pragas e
doenças que afetem a vegetação florestal; e
c) a difasão e adoção de métodos tecnológicos que visem
aumentar economicamente a vida útil da madeira e o seu maior
aproveitamento e todas as fases de manipulação e
transformação.
As medidas aqui arroladas podem ser determinadas pelo Poder
Público sempre que haja necessidade e, obviamente, atinge
terras públicas e particulares. O pastoreio em áreas de
preservação permanente é um problema seríssimo e, em
realidade, tem sido o responsável por degradação em regiões
extremamente ricas do ponto de vista ecológico, como é o caso
da Ilha do Bananal, onde, anualmente, dezenas de milhares de
cabeças de gado pastam e degradam um ecossistema de valor
incomensurável.
É admissível que qualquer árvore possa ser declarada imune
de corte, por ato do Poder Público, em razão de sua
localização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes.76
Se a árvore for de domínio privado, o ato declaratório da
imunidade de corte deverá ser fundamentado e poderá ser
submetido ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Se
houver esvaziamento de seu valor econômico, o proprietário
deverá ser indenizado.
4.3. Reserva Florestal Legal
4.3.1. Conceito Normativo de Reserva Florestal Legal - RFL
A RFL é um elemento importante da propriedade florestal, que
é constituído por uma área, cujo percentual da propriedade
total é definido em lei, variando conforme as peculiares
condições ecológicas, em cada uma das regiões geopolíticas do
País e que não pode ser utilizada economicamente de forma
tradicional, isto é, destinar-se à produção de madeira ou de
outra comodity que dependa da derrubada das árvores em pé. A
nova redação do artigo 16 do CFlo admite a prática do manejo
florestal para a Reserva Legal.77 A área destinada à RFL
depende da região geográfica
76 CFlo, arL 7a.
77 § 2a A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida,
podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal
sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e
científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as
hipóteses previstas no § 3a deste artigo, sem prejuízo das
demais legislações específicas.
As Florestas e sua Proteção Legal |
(Jo país e do bioma nos quais esteja inserida a propriedade
florestal em questão. Ela não se confunde com as áreas de
preservação permanente que possuem outra desti- nação legal e
ecológica. A Reserva Florestal Legal deverá ser averbada no
Registro de Imóveis para conhecimento de terceiros, a sua não-
averbação, no entanto, não eixo- nera o proprietário da
obrigação de respeitá-la,78 pois ela não se constitui pela
averbação, que é um simples registro que declara a existência
da Reserva Legal e que não a constitui, de forma alguma.
Atualmente, a matéria está regida pela Medida Provisória n2
1.956-53, de 23 de agosto de 2000, que promoveu diversas
alterações no CFlo, dando nova redação ao artigo lô da Lei n9
4.771, de 15 de setembro de 1965, em sua alínea III do § 22,
que passou a estabelecer o seguinte conceito normativo:
Reserva Legal: área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação
permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e
proteção de fauna e flora nativas.
A Reserva Legal caracteriza-se por ser necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais. Como se sabe, uso
sustentável dos recursos naturais pode ser assim descrito:
a) aquele que assegura a reprodução continuada dos atributos
ecológicos da área explorada, tanto em seus aspectos de
flora como de fauna. E sustentável o uso que não subtraia
das gerações futuras o desfrute da flora e da fauna, em
níveis compatíveis com a utilização presente;
b) recursos naturais são os elementos da flora e da fauna
utilizáveis economicamente como fatores essenciais para o
ciclo produtivo de riquezas e sem os quais a atividade
econômica não pode ser desenvolvida.
4.3.2. A Reserva Legal como Interesse dos Habitantes do
País
O CFlo, utilizando-se da primorosa noção de "interesse dos
habitantes do País”, foi bastante inovador, pois definiu uma
situação jurídica bastante interessante e criativa. Como é
óbvio, o interesse estabelecido não se constitui em direito de
propriedade ou mesmo desapropriação. Ele é a coincidência da
vontade da coletividade, e de cada indivíduo, em ter uma
condição de vida digna e sob condições ambientais que, sob o
regime de 88, chamaríamos de “ecologicamente equilibrada”, com
a norma legal que o assegura, ao menos parcialmente, ao
estabelecer a obrigação da manutenção da Reserva Legal. A
Medida Provisória n9 1.956-53,79 de 23 de agosto de
78 Ver, em senddo contrário, Recurso Especial n® 58.397/SP
(1995/0001256-1), rei. Min. Ari Pargendler.
79 Não posso deixar de registrar minto perplexidade pelo
absurdo número de reedições da Medida Provisória
Direito Ambiental
2000, ainda que mantendo o caput do artigo l9 do Código, foi
responsável por profundas alterações no artigo, vez que
laborou a introdução de inúmeros parágrafos, muitos deles
contraditoríos e capazes de esvaziar o próprio conteúdo do
conceito jurídico da Reserva Legal.80 Entretanto, a modificação
legal efetuada pela Medida Provisória, no particular, teve o
mérito de propiciar a criação de um conjunto de conceitos
normativos que é perfeitamente apto a possibilitar ao
intérprete um caminho seguro para a adequada aplicação do
CFlo. Há que se considerar, entretanto, que, pelo conjunto de
alterações introduzidas na Lei n2 4.771/65 e pela repercussão
que as mesmas certamente produzirão em toda atividade
florestal, a Medida Provisória é o caminho menos indicado para
ser adotado pelo legislador - no caso um legislador solitário
que conseguiu ver urgência nas dezenas de reedições da MP.
Fato é, entretanto, que o CFlo foi modificado, não se sabe por
quantos 30 dias a mais, nem se a próxima MP manterá os termos
da atual.
Pelo texto da norma legal, resta claro que foi estabelecida
uma obrigação geral, e em tal condição não onerosa, que
determina que, nas florestas submetidas ao regime de
propriedade privada, deve ser assegurado que uma parcela delas
deve ser retirada da atividade económica e mantida como
reserva legal, A onerosidade da restri-
80 Art 1B As florestas existentes no território nacional e as
demais formas de vegetação, reconhecidas como de utilidade
às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos
os habitantes do País, exercendo-se o direito de
propriedade, com as limitações que a legislação em geral e
especialmente esta Lei estabelecem. § ls As ações ou
omissões contrárias às disposições deste Código na
utilização e exploração das ãorestas e demais formas de
vegetação são consideradas xiso nodvo da propriedade,
aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto
no art. 275, inciso II, do CPC. § 2S Para os efeitos deste
Código, entende-se por. I - Pequena propriedade rural ou
posse rural familiar: aquela explorada, mediante o trabalho
pessoal do proprietário ou posseiro e de sua famQia,
admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta
seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de
atividade agroãorestal ou do extrativismo, cuja área não
supere: a) cento e cinquenta hectares se localizada nos
Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e
Mato Grosso e nas regiões situadas ao norte do paralelo 13*
$, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano
de 44a W, do Estado do Maranhão ou no Pantanal mato-
grossense ou sul-mato-grossense; b) cinquenta hectares, se
localizada no polígono das secas ou a leste do Meridiano de
44s W, do iscado do Maranhão; e c) trinta hectares, se
localizada em qualquer outra região do País; II-Área de
preservação permanente: área protegida nos termos dos arts.
2S e 3° desta Lei coberta ou não por vegetação nativa, com a
íiinção ambiental de preservar os recursos hídricos, a pai-
sagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas; III - Reserva legai área
localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,
excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e
reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de íauna e flora
nativas; IV ~ Utilidade pública: a) as atividades de
segurança nacional e proteção unitária: b) as obras
essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços
públicos de transporte, saneamento e energia; e c) demais
obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução
do Conselho Nacional de Meio Ambiente ~ CONAMA; V- Interesse
social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da
integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção,
combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação
de invasores e proteção de plantios com espécies nativas,
conforme resolução do CONAMA; b) as atividades de mane/o
agroSorestal sustentável praticadas na pequena propriedade
ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura
vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c)
demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em
resolução do CONAMA; VI - Amazônia Legai os Estados do Acre,
Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as
regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de
Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44> W, do
Estado do Maranhão.
g§&j - Ensno Supenor sursaa
As Florestas e sua Proteção Legal
ção somente se justifica quando ela é instituída de tal forma
que apenas um, ou poucos proprietários, deve arcar com o
encargo estabelecido sobre a sua propriedade. A reserva legal
atinge todos os proprietários de áreas florestadas, ou mesmo
que tenham sido desflorestadas. Ela nada mais é do que a
aplicação concreta de um princípio geral estabelecido pelo
artigo 1- do CFlo, que determina serem as florestas um
interesse comum81 de todos os habitantes do País. A abrangência
da norma contida no Código é extremamente ampla, pois ela
oferece uma tutela que, verbi gratia, é mais alargada do que
aquela fornecida pela Ação Popular, que somente contempla o
cidadão. No caso presente, até mesmo o estrangeiro é sujeito
ativo de tal interesse, condição que lhe assegura o acesso aos
remédios jurídicos aptos a tomar efetiva a sua defesa. A norma
é sábia, vez que o bem tutelado é a sanidade das terras, a
higidez do ar, enfim, aquilo que o texto constitucional de
1983 chamou como “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.82
Merece ser ressaltado, ademais, que o caput do artigo 225 da
Lei Fundamental recepcionou expressamente o artigo l9 do CFlo,
pois estendeu o direito ao meio ambiente equilibrado a
“todos”; veja-se que aqui, em tese, qualquer indivíduo que
esteja em território brasileiro, ainda que não o habite em
caráter permanente, é sujeito ativo do aludido direito. O
CFlo, elaborado sob a égide da Constituição de 1946 - e com
ela inteiramente compatível - realizou uma verdadeira
antecipação da norma que seria insculpida na Constituição de
1988, embora se utilizasse da noção de interesse e não da de
direito, como hodiemamente consta de nossa Lei Maior.83 É
preciso ter clareza que o conceito que se encontra presente em
nosso CFlo é extremamente importante, haja vista que o mesmo
realiza o princípio da coordenação entre sociedade e
indivíduo. Por ele, a sociedade não se sobrepõe ao indivíduo
e, muito menos, este se sobrepõe àquela. Pelo princípio da
coordenação, não existem sacrifícios individuais em benefício
da coletividade, nem sacrifícios coletivos em benefício do
indivíduo. Uns e outros têm igualmente repartidas as cargas e
os benefícios ambientais. Em última análise, o interesse
estabelecido pelo artigo l9 da Lei n9 4.771, de 15 de setembro
de 1965, é, também, do proprietário das terras que, no
particular é, concomitantemente, sujeito passivo e ativo, pois
se beneficia, na condição de habitante do País - todos no
texto do artigo 225 dos benefícios decorrentes da reserva
legal. A legitimação de qualquer “habitante do país” para a
propositura de ações ambientais visando coibir o mau uso da
propriedade, antes da Carta de 88, decorria da noção de
interesse estabelecida pelo artigo 1-.
81 CFlo, Art. Io As florestas existentes no território nacional
e as demais formas de vegetação, reconhecidas como de
utilidade às terras que revestem, são bens de interesse
comiun a todos os habitantes do País, exer- cendo-se o
direito de propriedade, com as limitações que a legislação
em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
82 CF, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
paia as presentes e futuras gerações.
83 Para maiores esclarecimentos, ver Antunes, Paulo de Bessa.
Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceituai. Rio de Janeiro:
Luraen Juris, 2000, pp. 153 e seguintes.
Direito Ambiental
É importante frisar que a reserva legal não se confunde com
áreas de preservação permanente que, uma vez existentes na
propriedade, devem ser mantidas intocadas por força dos
comandos contidos nos artigos 2e e 32 do mesmo Código.
4.3.3. A Reserva Legal como Obrigação
A reserva legal é uma obrigação que recai diretamente sobre
o proprietário do imóvel, independentemente de sua pessoa ou
da forma pela qual tenbia adquirido a propriedade; desta
forma, ela está umbilicalmente ligada à própria coisa,
permanecendo aderida ao bem. O proprietário, para se desonerar
da obrigação, necessita, apenas, renunciar ao direito real que
possui, mediante a utilização de qualquer uma das formas
legais aptas para transferir a propriedade. O CFlo, neste
particular, não inovou em nosso Direito. Com efeito, o Direito
Civil brasileiro desde há muito reconhece obrigações de tal
natureza. Um exemplo bastante corriqueiro é aquele presente no
antigo artigo 1.19784 do CC brasileiro, no CC de 2002 constante
do artigo 576;85 ela também se faz presente em inúmeros
institutos jurídicos que regem as relações de vizinhança,
conforme bem assinalado por Bittar,86 para quem: “Nas
obrigações prop- terrem (...) decorre o vínculo da lei em
função de direitos reais, facultando~se a nm? pessoa exigir do
titular certa prestação, o qual se safa, no entanto, ao
despir~se do direito, como nas hipóteses de construção e
conservação de marcos divisórios e de tapumes divisórios, em
que se impõe aos proprietários a colaboração para a sua edi-
ficação ou manutenção; de divisão da coisa comum, em que cada
condômino deve colaborar para as despesas de conservação ou de
divisão; de pagamento da dívida na hipoteca pelo adquirente do
bem, para a sua liberação etc.”
O Código Tributário Nacional, igualmente, reconhece a
existência de obrigações da mesma natureza, conforme,deixam
ver os seus artigos 130 e 131.87
Tanto a obrigação de natureza civil, como a de natureza
tributária, são transmissíveis com o próprio bem.88 No caso do
Cflo, não resta dúvida de que a obriga-
84 CCB 1916, Art. 1.197. Se, durante a locação, for alienada a
coisa, não Sotrá o adquirente obrigado a res- pcii&r o
contrato, se nele UHO for consignada a cláusula da sitã
vigência no caso de alienação, e constar de registro
público.
85 CCB - 2002 - “Art. 576. Se a coisa for alienada durante a
locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o
contrato, se nele não fox consignada a cláusula da sua
vigência no caso de alienação, e não constar de registro. §
Ia O registro a que se refere este artigo será o de Títulos
e Documentos do domicffio do locador, quando a coisa for
móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva
circunscrição, quando imóvel. § 2a Em se tratando de imóvel,
e ainda no caso em que o locador não esteja obrigado a
respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário,
senão observado o prazo de noventa dias após a notificação.”
86 Bittar, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 41.
87 CTN, art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos
cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou s
posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela
prestação de serviços referentes a tais bens, ou a
contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos
respectivos, salvo quando conste do título a prova de sua
quitação. Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta
púbhca, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. Alt.
131. São pessoalmente responsáveis: I-o adquirente ou
remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou
remidos.
88 A propósito, vale lembrar que Baleeiro não admite o caráter
real da obrigação. Ver Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário
Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, IO ed„ 1985, p. 482.
As Florestas e sua Proteção Legal I
ção é de natureza civil e é na legislação civil89 que a mesma
deve ser investigada, inclusive quanto às suas peculiaridades
jurídicas mais proeminentes. Ressalte-se, entretanto, que os
institutos do Direito civil deverão ser “lidos” com os olhos
da proteção ambiental e de como ela é tratada em nossa
Constituição. É no Direito das Obrigações que o intérprete
deve buscar socorro para a adequada compreensão do instituto
jurídico em questão.
Efetivamente, a reserva legal é uma característica da
propriedade florestal que se assemelha a um ônus real que
recai sobre o imóvel e que obriga o proprietário e todos
aqueles que venham a adquirir tal condição, quaisquer que
sejam as circunstâncias. Trata-se de uma obrigação “in rem”,
“ob” ou “propter rem” ou seja, uma obrigação real ou mista.90
Convém relembrar as palavras de Orlando Gomes sobre a matéria,
in verbis: “[as obrigações reais] Caracterizam-se pela origem
e transmissibi- lidade automática 91 Consideradas em sua
origem, verifica-se que provêm da existência de um direito
real, impondo-se ao seu titular. Esse cordão umbilical jamais
se rompe. Se o direito de que se origina é transmitido, a
obrigação o segue, seja qual for o título translativo.” O
ilustre Professor Orlando Gomes não está solitário em sua
concepção, sendo uma das mais abalizadas vozes de uma corrente
amplamente majoritária sobre o tema. Apenas para reforçar o
argumento, vale trazer à colação a opinião do professor Caio
Mário da Silva Pereira,92 que é a seguinte:
Mas, se há uma relação jurídico-real, em que se insere,
adjeto à faculdade de não ser molestado, o direito a uma
prestação específica, este direito pode dizer-se ad rem, e a
obrigação correspondente é propter renà. Não falta quem lhe
pretenda atribuir autonomia. Mas parece-nos em vão, pois que o
direito que visa a uma prestação certa é de crédito, e a
obrigação respectiva é estrita. A obli- gatio propter rem
somente encorpa-se quando é acessória a uma relação jurídico-
real ou se objetiva numa prestação devida ao titular do
direito real, nesta qualidade (ambulat cum domino). E o
equívoco dos que pretendem definir a obrigação propter rem
como pessoal é o mesmo dos que lhe negam existência,
absorvendo-a na real...
4.3.3.1. Prazos para Recomposição da Reserva Legal
O estabelecimento de prazos legais para que o proprietário -
ou mesmo o posseiro - faça respeitar a Reserva Legal e, por
força disto, faça o reflorestamento da área
89 O Direito Ambiental, em minha opinião, é um direito
transversal que permeia os diferentes ramos do Direito;
logo, normas de proteção ao meio ambiente podem ser neles
encontradas. O Direito Ambiental é muito mais um conjunto de
princípios e regras de aplicação que devem estar presentes
em quaisquer que sejam as províncias jurídicas.
90 Orlando Gomes. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 12a ed.,
1998, p. 21.
91 Grifo do autor.
92 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil,
voL II, “Teoria Geral das Obrigações”. Rio de Janeiro:
Forense, 4» ed., 1976, pp. 44-45.
Direito Ambiental
degradada, é uma medida que, em minha opinião, é puramente
protelatória e de duvidosa constitucionalídade. Ora, se o
próprio CFlo reconhece, em seu artigo ls, que existe um
interesse comunitário de que a propriedade florestal seja
explorada nos termos do próprio Código e, em consequência
disto, tenha estabelecido que a inobservância de suas normas
se constitui em mau uso da propriedade e, portanto, em um
atentado ao direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, não é razoável o estabelecimento de prazos para
que se cumpra uma determinação legal e constitucional de
extrema importância, O estabelecimento de “prazos” para o
reflo- restamento da Reserva Legal, como se esta não fosse uma
condição de existência da própria propriedade florestal, tem o
condão de violar diretamente o artigo 225 da CF, pois adia o
desfrute do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Este direito, como direito fundamental, é
aplicável e exercitável imediatamente e não pode ser
postergado pelo legislador ordinário. O artigo 99 da Lei ns
8.171/91, portanto, parece-me inconstitucional.93 Vejo, para
tal, os seguintes fundamentos:
i) atenta diretamente contra o “direito de todos” ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, pois admite o
prolongamento temporal da prática do uso nocivo da
propriedade, em prejuízo da qualidade de vida da “macrovi-
zinhança”;
ii) atenta diretamente contra o § 1- do artigo 5S da CF,94 pois
ipso iure estabelece prazos para que os indivíduos possam
gozar do direito individual e fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado; e
iii) atenta contra função social da propriedade florestal,
pois retira-lhe um de seus elementos constitutivos, que é a
Reserva Legal.
4.3.3.2. A Delimitação, pela Autoridade Pública, da Área a
Ser Preservada
Argumento que, à primeira vista, impressiona é aquele que
afirma que a Reserva Legal deve ser delimitada pela autoridade
competente e que, na inexistência da ação administrativa, o
particular não está obrigado a promover o reflorestamento e a
recomposição da Reserva Legal,95 enquanto a autoridade pública
não fizer a referi-
93 Espero que o tema possa cair no agrado dos
constitucionalistas, que, certamente, poderão desenvolvê-lo
com a maestria que ele merece.
94 CF, art. 5», § 1* AÍ normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata.
95 Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao
regime de utilização limitada e ressalvadas as de
preservação permanente, previstas nos artigos 2S e 3? desta
lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes
restrições: a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-
Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas
nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas,
desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo
de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea
localizada, a critério da autoridade competente; b) nas
regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas
e previamente delimitadas pela autoridade competente, Scam
proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando
feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens,
permitindo-se, nesses casos, apenas a extração de árvores
para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas
a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas
primitivas, nos trabalhos de instalação de novas
propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de
30% da área da propriedade; c) na região Sul as áreas
atualmente revestidas de formações florestais em que ocorre
o pinheiro brasileiro, “Araucaria angustifolia” (Bert - O.
Ktze), não po-
As Florestas e sua Proteção Legal
da delimitação. O CFlo, na redação original do artigo 16, em
meu entendimento, não condicionava a ação de reflorestar à
existência da norma administrativa específica. Penso que esta
seja a conclusão lógica do fato de que à autoridade
administrativa foi outorgada a missão de delimitar a extensão
da RFL, em taxas mínimas, conforme definido pela lei. Observe-
se, ademais, que, se o proprietário não obteve do Poder
Público a delimitação geográfica da área a ser mantida como RL
e, igualmente, não obteve a definição dos percentuais de sua
propriedade que devem ser considerados como Reserva Legal,
isto não o desonera da obrigação de manter a RFL. Ao contrá-
rio, ante a omissão da administração - que deverá ser
constituída em mora o próprio proprietário pode sponte sua
definir a área e o percentual - respeitado o percentual mínimo
— a ser averbado como RFL. Isto para que não se tome sujeito
passivo de uma possível medida judicial com o objetivo de
evitar o prosseguimento da utilização danosa da propriedade.
Outra conclusão seria totalmente contrária à letra e ao
espírito de toda a legislação de proteção ambiental, inclusive
das normas constitucionais. A Reserva Legal, por seus
atributos ecológicos, não pode deixar de estar presente na
propriedade florestal, pois como venho argumentando ao longo
deste trabalho, ela é parte da própria propriedade florestal.
A delimitação da Reserva Legal, pela autoridade
administrativa, é um mero reconhecimento físico, nada mais.
Mutatis mutandi, a hipótese se assemelha à das terras
indígenas, a demarcação administrativa não é constitutiva, mas
meramente declaratória.
A questão parece-me extremamente simples. A RFL legal é
estabelecida por ato do proprietário que determina a sua
averbação junto ao Registro de Imóveis. À administração
pública compete, única e exclusivamente, verificar a
existência de atributos ecológicos nas áreas que deverão ser
averbadas pelo proprietário e delimitar-lhes os contornos. É
um ato administrativo vinculado, no qual o administrador
limita-se a verificar o preenchimento das condições legais. É
da própria natureza do ato mencionado a vinculação, pois o
sistema constitucional brasileiro inadmite a intervenção do
Estado na propriedade privada de forma discricionária. Caso o
ato de delimitação da RFL fosse um ato administrativo
discricionário, estaríamos diante de uma desapropriação
indireta. É da própria natureza da propriedade florestal a
existência da RFL, inclusive como condição de exploração da
dita propriedade. Não há exploração legal de propriedade
florestal que não tenha averbada a RFL.
derão ser desflorestadas de forma a provocar a eliminação
permanente das florestas, tolerando-se somente a exploração
racional destas, observadas as prescrições ditadas pela
técnica, com a garantia de permanência dos maciços em boas
condições de desenvolvimento e produção; d) nas regiões
Nordeste e Leste Setentrional, inclusive nos Estados do
Maranhão e Piauí, o corte de árvores e a exploração de
ãorestas só serão permitidos com observância de normas
técnicas a ser estabelecidas por ato do Poder Público, na
forma do art. 15, § Ia Nas propriedades rurais, compreendidas
na alínea a deste artigo, com área entre vinte (20) a
cinquenta (50) hectares computar-se-ão, para efeito de Exação
do limite percentual, além da cobertura florestal de qualquer
natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam fruticolas,
ornamentais ou industriais. §2<> A reserva legal, assim
entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada
propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser
averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no
registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de
sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer titulo,
ou de desmembramento da área. §3° Aplica-se às áreas de
cerrado a reserva legal de 20% (vinte por cento) para todos os
efeitos legais.
Direito Ambiencai
4.33.3. Percentuais que Devem Ser Mantidos como Reserva
Legal
O artigo 16 do CFlo, na forma da redação que lhe foi dada
pela Medida Provisória ne 1.956-53, de 23 de agosto de 2000, em
seu caput, estabelece como regra geral a possibilidade da
supressão das florestas e outras formas de vegetação nativas
desde que não estejam classificadas como áreas de preservação
permanente, não estejam submetidas ao regime de utilização
limitada ou protegidas por legislação específica. Esta regra
geral, entretanto, somente é aplicável desde que observadas as
áreas de Reserva Legal mínimas definidas nos incisos I até IV.
Na Amazônia Legal, o percentual de Reserva Legal foi
definido em 80% para as áreas de floresta; nas áreas de
cerrado existentes na Amazônia Legal, definiu-se o percentual
de 35%. Tal percentual, entretanto, pode ser subdividido em um
índice de, no mínimo, 20% na própria propriedade e os
restantes 15% poderão ser constituídos por compensação em
outra área incluída na mesma microbacia e que deverá ser
averbada no registro de imóveis.
O percentual de 20% foi confirmado como o padrão geral
aplicável às demais regiões do País, seja às florestas ou
outras formas de vegetação, mesmo nas regiões de campos
gerais.
4.3.3.3.1. Reserva Legal e Pequena Propriedade Rural
O conceito de Reserva Legal foi intensamente
descaracterizado pelo § 3a do artigo 16 do CFlo, conforme a
redação que lhe foi dada pela Medida Provisória ns 1.956-
53/2000. Assim é que a norma legal admitiu que, para o
cumprimento da obrigação de manutenção ou compensação da área
de Reserva Legal da pequena propriedade ou posse, pòderão ser
computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou
industriais, compostas por espécies exóticas, cultivadas em
sistema intercalar ou consorciadas com espécies nativas.
A medida adotada pela norma, em minha opinião, somente
poderia ter sido admitida após a elaboração de um censo
agrícola que fosse capaz de definir ã quantidade de pequenas
propriedades rurais, em cada uma das regiões do país, sob pena
de que a Reserva Legal, em áreas nas quais predomina a pequena
propriedade rural, não se transforme em letra morta. É extreme
de qualquer dúvida que a incorporação de espécies exóticas e
ornamentais ou industriais na Reserva Legal é a negação con-
ceituai da própria razão de ser da Reserva Legal.
4.3.3.3.2. Posse e Reserva Legal
O CFlo, conforme a determinação contida no § 10 do artigo
16, na forma da redação que lhe foi dada pela MP n2 1.956-
53/2000, estabelece que, também na posse, seja observada a
Reserva Legal. Na hipótese, entretanto, foi estipulado que o
possuidor deverá firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
com o órgão ambiental: tal termo tem força de título executivo
extrajudicial e deverá, no mínimo, ter a localização da
Reserva Legal, as suas características ecológicas básicas e a
As Florestas e sua Proteção Legal
proibição de sua supressão, aplicando-se à posse, quando
cabível, as mesmas regras aplicáveis à propriedade rural.
A interpretação sistemática do parágrafo leva-me à conclusão
de que, para os termos do CFlo, a posse foi equiparada à
propriedade, pois as determinações aplicáveis à posse, em
certa medida, são mais restritivas do que aquelas aplicáveis à
propriedade. Ao possuidor não podem ser impostas obrigações
superiores àquelas impostas aos proprietários. Ao
proprietário, o CFlo não impõe a assinatura de TAC, mas a
simples averbação da Reserva Legal. O TAC tem natureza
jurídica completamente diversa da Reserva Legal; este é uma
espécie de transação entre o órgão público e o interessado,
mediante a qual o segundo se compromete a dar cumprimento a
normas legais que não vêm sendo observadas. Caso as condições
definidas no TAC não sejam observadas, este serve de título
executivo extrajudicial. Já a averbação tem a natureza de ser
um registro público que serve para o conhecimento de terceiros
e grava a propriedade florestal.
Ora, se o possuidor pode ser acionado judicialmente para dar
cumprimento à obrigação de manter a Reserva Legal, com muito
mais razão se poderá acionar o proprietário para que dê
cumprimento à obrigação de manter e conservar a Reserva Legal.
A posse, ao se transformar em propriedade, por meio da
prescrição aquisitiva, já traz em si os germes da propriedade
florestal, inclusive quanto à Reserva Legal. Ora, se possível
a execução em face do possuidor, também em face do
proprietário.
4.3.3.3.3. Reserva Florestal Legal e os reservatórios de
hidrelétricas
O regime tradicional de propriedade foi incapaz de assegurar
a reprodução das características ambientais essenciais das
áreas submetidas a atividade madeireira ou agrícola, vindo a
lei a dar solução para a questão com a instituição, repita-se,
da reserva Florestal Legal. As diferentes atividades
econômicas no país e, especialmente, a expansão da chamada
fronteira agrícola estavam potencialmente nos conduzindo a um
nível de desflorestamento inaceitável, haja vista que nãó
existia qualquer obrigação legal para que o proprietário rural
destinasse parcela de sua propriedade para as finalidades de
reprodução das características ambientais relevantes. A solu-
ção encontrada pelo legislador se alicerça em dois pilares
fundamentais (i) a elevação das florestas ao status de
interesse nacional e (ii) a instituição da reserva florestal
legal. Assim, ex vi lege, foi criada uma obrigação para o
proprietário rural, no sentido de que ele mantenha determinado
percentual de sua propriedade apto a assegurar a reprodução
dos elementos ecossistêmicos fundamentais.
A Reserva Legal, ou Reserva Florestal Legal, é definida pelo
Código Florestal no inciso III, do § 2S do artigo ls, cujo teor
é o seguinte:
“Reserva Legal: área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural [grifo: PBA]. excetuada a de
preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais; à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, a conservação da biodiversidade e ao abrigo e
proteção de fauna e flora nativas.”
Direito Ambiental
Uma interpretação meramente semântica do dispositivo legal
demonstra que é da própria essência do conceito de RL, a sua
aderência a uma propriedade ou posse rural. Da mesma forma, a
finalidade de sua instituição é bastante óbvia: manutenção no
interior da área agrícola de parcela prístina capaz de
assegurar a reprodução das condições ecológicas originárias
que foram suprimidas para ceder vez à atividade agrícola ou de
silvicultura, É importante ressaltar no presente contexto que
o legislador não deu qualquer outra função à RL, bem como não
determinou que ela fosse observada em outro tipo de atividade
que não a rural ou agrícola. Anote-se que, devido à sua
especialidade, não é licito presumir que o legislador tenha
tido a intenção de atribuir ao instituto uma abrangência maior
do que aquela que expressamente consta da lei.96 A Reserva
Legal se justifica como instituto jurídico aplicável ao solo
com vocação agrícola, pois como se depreende de sua definição
normativa é área que, obrigatoriamente, deve ser mantida
hígida com vistas a assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais e a reabilitação dos processos ecológicos nas áreas
que foram desfiorestadas com vistas à implantação de
atividades agrícolas ou rurais. Re- lembrem-se os precisos
termos da definição: “localizada no interior de uma proprie-
dade rural” Permito-me ressaltar a expressão anteriormente
sublinhada para reafirmar que não há reserva legal que não
esteja “localizada no interior de uma propriedade rural”. Não
é a simples existência de uma floresta que dá origem à
imposição da obrigação propterrem de manutenção da RFL, até
mesmo porque não há que se falar em reserva Morestal> se a
área é toda florestada, a reserva somente se justifica quando
parcela significativa do imóvel não é florestada ou será
desflorestada para a atividade rural.97 A conclusão é lógica e
se impõe por si própria.
Estabelecida a necessidade da existência de uma propriedade
rural para que se possa falar em Reserva Legal ou Reserva
Florestal legal, há que se observar, contudo, que a
propriedade rural não é um conceito arbitrário ou aleatório a
ser utilizado pelo administrador público quando da
identificação de área na qual é exigível a Reserva Legal. Para
que a exigência seja feita com base legal, se faz necessário
que o conceito normativo de propriedade ou posse rural ou
agrícola seja preenchido inteiramente. Aqui, poderíamos falar
em verdadeira tipicidade do conceito. Como se sabe, o conceito
normativo de propriedade rural, por força do veto presidencial
aos artigos
96Art. 1.231, A propriedade presume-se plena e exclusiva, até
prova em contrário.
97 "Reserva de reservar s. f., ac?» o« efeito de reservar;
aquilo que se guarda ou se poupa para casos imprevistos ou
extraordinários; vasa das marinhas; situação dos soldados e
dos funcionários que, tendo já prestado serviço, estão
obrigados a voltar ao serviço, quando as conveniências
públicas assim o exigirem; unidades militares de retaguarda,
prontas a socorrer outras que estejam a descoberto; Desp.,
nos desportos de equipa, atleta que substitui o efectivo em
caso de necessidade; suplente; cláusula de contrato,
escritura, etc., que limita, em qualquer aspecto, os seus
efeitos; fig., segredo; retraimento; dissimulação;
restrição, excepção; ressalva; circunspecção; (nopl.)
retenção e acumulação dos elementos do activo de tuna empre-
sa, para fazer face a futuros investimentos, ou eventuais
reduções futuras de liquidez motivadas pela acumulação de
prejuízos. Fundo de importância que as sociedades, por
determinação da lei, reservam para compensar depreciações
nos valores ou prejuízos no activo; EcoL, natural: zona
delimitada (parque), cuja protecção, assegurada pelo Estado,
tem por objectivo garantir a sobrevivência das espécies
animais e vegetais que nela se encontram, bem como preservar
o equilíbrio do seu habitat natural”, in, http://ww\v.pri-
beram.pt/dlpo/definir_resultados.aspx, capturado aos 02 de
janeiro de 2008.
fl&J * Enssno Supsnor toai
As Florestas e sua Proteção Legal I
43 e 44 da Lei n2 8.171, de 17 de janeiro de 1991,98 deve ser
buscado no Estatuto da Terra, instituído pela Lei ns 4.504, de
30 de novembro de 1964, que em seu artigo 4a, I, define imóvel
rural: “O prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a
sua localização que se destina à exploração extrativa
agrícola, pecuária ou agroindustrial [destaque: PB A], quer
através de planos públicos de valorização, quer através de
iniciativa privada. ” Como se vê, o legislador se utilizou de
uma concepção teleológica para a classificação do imóvel e não
de uma classificação geográfica, como poderia parecer em
princípio. Penso que, da definição deve ser extraída uma
consequência relevante: A mera localização de um imóvel em
área rural não o transforma em rural automaticamente. A
natureza jurídica de imóvel rural exige que ele tenha como
des- tinação a “exploração extrativa agrícola, pecuária ou
agro-industrial” Permito-me afirmar que esta é tuna
consequência inteiramente lógica e racional, pois o terreno
destinado à instalação de um hospital em área rural não se
transforma em rústico, haja vista que não é destinado à
exploração extrativa agrícola, mas à saúde pública. O mesmo se
diga de escolas, postos de gasolina e toda e qualquer outra
atividade, inclusive as atividades e bens vinculados a
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que,
desde sempre, estão afetadas apenas e tão-somente ao mencio-
nado fim. Analisando o conceito de imóvel rural, o saudoso
agrarista Rafael Augusto de Mendonça Lima," com a tradicional
precisão pontificou:
98 “Art. 43 ~ Entende-se por produtor rural, para fins desta
Lei, aquele que desenvolva atividades agrícolas,
extratrvistas não predatórias ou artesanais, e, por pequeno
produtor, aquele que as desenvolve à custa de esforço de seu
próprio trabalho ou de sua família, eventualmente recorrendo
a contratação de mão-de- obra temporária, podendo ser
proprietário ou não dos meios de produção necessários ao
desenvolvimento de suas atividades. Art, 44 ~ Para os fins
desta Lei, entende-se como pequena propriedade rural aquela
onde prevalece o trabalho familiar e em que a contratação de
trabalho temporário só ocorre durante períodos eventuais de
atividade agrícola, bem como sua área não ultrapasse, em
dimensão, o correspondente a três módulos rurais.” Razões do
veto. O disposto nos dois artigos oferece conceituações
totalmente imprecisas, ao buscar definir o produtor rural e
a propriedade rural, reclamando, portanto, o veto por
contrariar o interesse público.
99 Rafael Augusto de Mendonça Lima, Critérios jurídicos no
Brasil, para a. utilização dos imóveis rurais, in, Direito
Agrário, Estudos, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1977, p.
33.
Supremo Tribunal Federal — RE 102816 / RJ. Relator; Min.
OCTAVIO GALLOTTI. Julgamento: 19/06/1987 Órgão Julgador:
Primeira Turma. DJU: 06-11-1987 PP-24441 “CARACTERIZANDO-SE O
IMÓVEL RURAL POR SUA DES12NAÇÃO OU UTUIZAÇÂO ECONÔMICA E NÃO
PELA LOCALIZAÇÃO [destaque: PB A], NÃO SE CONFIGURA A ALEGAÇÃO
DE NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO ART. 3. DO ATO COMPLEMENTAR N. 45-
69 E OUTRAS DISPOSIÇÕES QUE, VEDAM OU RESTRINGEM A SUA
AQUISIÇÃO POR ESTRANGEIROS. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS. CONVOLAÇÃO,
EM PRINCIPAL, DO OBJETIVO SOCIAL QUE ERA SECUNDÁRIO. PODERES
DA DIRETORIA DE SOCIEDADE ANÔNIMA RECUSADOS PELO ACÓRDÃO
RECORRIDO, DIANTE DA INTERPRETAÇÃO DO ESTATUTO E DA NATUREZA
DOS ATOS PRÓPRIOS DA ADMINISTRAÇÃO, SEM FERIR O DISPOSTO NOS
ARTIGOS 90,94,104,105,119 E 121 DO DECRETO-LEI N. 2.627-40.
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA, TUDO CULMINANDO
EM QUE NÃO SE CONHECA DO PRIMEIRO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
SUBSTABELEC3MENTO SIMPLES. O SILÊNCIO SOBRE A CLÁUSULA DE
RESERVA NÃO EXCLUI A ATUAÇÃO DO OUTORGANTE, MOTIVO PELO QUAL,
PERSISTINDO UM ADVOGADO EM COMUM AOS UTISCONSORTES, NÃO SE
LHES FACULTA O PRAZO EM DOBRO, PREVISTO NO ART. 191 DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVTL. SEGUNDO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE QUE NÃO
SE CONHECE, POR INTEMPESTIVO.
Direito Ambiental
“O que importa é a possibilidade de exploração agrícola
(destinação), podendo encontrar-se o imóvel, quer no ambiente
rural, quer dentro do perímetro urbano.
A lei n. 5.868, de 12 de dezembro de 1972, em seu artigo 63,
conceitua de forma, diferente o imóvel rural, valendo o
conceito, no entanto, só para os efeitos de incidência do
imposto territorial rural.
Desta forma, o imóvel com mais de um hectare, que for
utilizado para qualquer fim, que não agrícola, não será imóvel
rural... ”
Aliás, assim tem sido o entendimento do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.100
Não é raro que muitas das propriedades desapropriadas sejam
divididas, permanecendo parcelas relevantes dos imóveis que
foram desapropriados e alagados em posse e propriedade dos
titulares originais do imóvel que sofreu a expropriação.
Também não é raro que as áreas alagadas correspondam à
totalidade das áreas destinadas à Reserva Florestal Legal. Em
tais hipóteses como será e por quem deve ser cumprida a
exigência de manutenção da Reserva Legal? Como já foi visto, o
imóvel alagado perde a sua característica de imóvel rural,
transformando-se em um bem público federal vinculado ao
serviço público concedido de geração, transmissão e
distribuição de energia.
Ademais, deve ser registrado que a área remanescente ao
processo expropriató- rio permanece integrando o patrimônio do
mesmo titular da antiga propriedade. Por força do alagamento,
indiscutivelmente, criou-se uma nova realidade física que, ex
vi lege, deverá ter outra área destinada à Reserva Legal. A
obrigação, no entanto, permanece com o proprietário, não
havendo qualquer norma legal que a transfira para o
expropriante.
A averbação da Reserva Legal é matéria tratada nos §§ 8Õ e
9 do artigo 16 do Código Florestal e é de competência dos
2

Registros de imóveis, conforme previsto na alínea 22 do inciso


II do artigo 167, da Lei n9 6.015, de 21 de dezembro de 1973.101
Veja-se, quanto ao particular, o seguinte aresto:102
100 AgRg no REsp 679173 / SC. Relatora: Ministra DENISE
ARRUDA. 1» Turma. DJ 18.10.2007 p. 267 AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. VIOLAÇÃO DO ART. 32, §
1®, DO CTN. NÃO-OCORRÊNCIA. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA.
ART. 15 DO DECRETO 57/66. CRITÉRIO DA DESTINAÇÃO ECONÔMICA.
NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.0 critério da localização do imóvel é insuficiente para que
se decida sobre a incidência do IPTU ou ITR, sendo necessário
observar-se o critério da destinação econômica, conforme já
decidiu a Egrégia 2* Turma, com base em posicionamento do STF
sobre a vigência do DL n* 57/66 (AgRg no Ag 498.512/RS, 2»
Turma, Rei. Min. Frandsco Peçanha Martins, DJ de 16.5.2005).
2. Não tendo o agravante comprovado perante as instâncias
ordinárias que o seu imóvel é destinado economicamente à
atividade roral, deve incidir sobre ele o Imposto Predial e
Territorial Urbano. 3. Agravo regimental desprovido.
101 Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula,
serão feitos... II - a averbação:... 22. da reserva legal...
102 Superior Tribunal de Justiça. RMS 18301 / MG RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURAN- ÇÃ.2004/0075380-0. Relator:
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. 2» Turma. DJU: 03.10.2005, p.
157.
As Florestas e sua Proteção Legal |
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO.
AVERBAÇÃO DE RESERVA FLORESTAL. EXIGÊNCIA. CÓDIGO FLORESTAL.
INTERPRETAÇÃO. 1. O meio aínbiente ecologicamente equilibrado
é direito que a Constituição assegura a todos (art. 225 da
CF), tendo em consideração as gerações presentes e futuras.
Nesse sentido, desobrigar os proprietários rurais da averbação
da reserva florestal prevista no art, 16 do Código Florestal é
o mesmo que esvaziar essa lei de seu conteúdo. 2. Desborda do
mencionado regramento constitucional portaria administrativa
que dispensa novos adquirentes de propriedades rurais da
respectiva averbação de reserva florestal na matrícula do
imóvel, [destaque: PBA] 3. Recurso ordinário provido.
Observe-se que os pequenos proprietários, conforme o § 9a do
artigo 16, têm direito a averbação gratuita, não cabendo
falar-se em custos pela averbação. Veja-se o inteiro teor da
norma em comento:
§ 9a A averbação dã reserva legal da pequena propriedade ou
posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público
prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário.
4.4. Proteção Florestal e Desapropriação
Uma questão que é extremamente debatida é aquela suscitada
pelo estabelecimento de áreas de preservação permanente e as
suas repercussões no patrimônio dos titulares 4o domínio das
respectivas áreas. É grande o número de decisões judiciais
que, em muitas hipóteses, determinam o pagamento de
indenizações em razão do estabelecimento de áreas de
preservação. Entendem os tribunáis que, em várias hipóteses,
verifica-se um esvaziamento econômico do bem privado, que este
perde toda a sua importância anterior. Em verdade, para o
particular, toma-se um estorvo. E evidente que a simples
declaração de que uma área está submetida ao regime especial
de proteção florestal não é suficiente para que o referido
espaço passe a integrar o domínio público. Para que se possa
compreender melhor o tema ora abordado, passemos a examinar
como os autores classificam a desapropriação indireta.
O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello103 assim define a
desapropriação indireta:
É a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do
imóvel particular pelo Poder Público, com sua conseqüente
integração ao patrimônio público, sem obediência às
formalidades e cautelas do procedimento expropriatório.
Ocorrida esta, cabe ao lesado recurso às vias judiciais para
ser plenamente indenizado, do mesmo modo que o seria caso o
Estado houvesse procedido regularmente.
103 Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 4»
ed., 1992, pp. 385-386.
BBBBBfaMji Direito Ambiental
mmm
O jurista Hely Lopes Meirelles104 assim define a
desapropriação indireta:
Não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal,
não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai
generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o
proprietário até mesmo com os interditospossessórios.
Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio
público, tomam- se, daí por diante, insuscetíveis de
reintegração ou reivindicação, restando ao particular
espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais
completa possível...
Para o Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto,105 o
“instituto” pode ser assim definido:
Na realidade, não se trata de uma modalidade de
desapropriação, mas de um ato ilícito da Administração, que se
omite no cumprimento de dois requisitos constitucionais
inarredáveis da desapropriação: declaração e indenização. Dá-
se quando o Estado se apossa da propriedade particular e a
utiliza efetivamente no interesse púbhco. A afetação
decorrente integra, irreversivelmente, o bem esbulhado, ao
domínio público, cabendo, porém, ao espoliado, pleitear a
indenização que, por se tratar de ato ilícito, há de ser a
mais ampla possível...
A desapropriação indireta, portanto, é uma gentil construção
doutrinária e jurisprudencial sobre o apossamento, puro e
simples, de bens privados. É lamentável que a repetição de tal
fato tenha se verificado tantas vezes, que se tomou uma práti-
ca rotineira.
A criação de Parques Nacionais, Estaduais ou Municipais é
uma forma de intervenção do Estado no domínio econômico que
grava com a intocabilidade toda a área na qual se tenha
estabelecido o parque. Esta circunstância faz com que os
proprietários de terras da referida área não possam mais
explorar economicamente o seu bem, esvaziando-lhe o conteúdo
econômico e, portanto, retirando-lhe qualquer utilidade que
não seja a de lazer. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem,
seguidamente, mantido entendimento neste sentido.106 Também o
Superior Tribunal de Justiça tem entendido que:
As limitações administrativas, quando superadas pela
ocupação permanente, vedando o uso, gozo e livre disposição da
propriedade, desnatura-se concei- tualmente, materializando
verdadeira desapropriação. Impõe-se, então, a obrigação
indenizatóría justa e em dinheiro, espancando mascarado
confisco.107
104 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros,
1993,18» ed., pp. 507-508.
105 Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense,
1992,10» ed., p. 283.
106 Paulo dé Bessa Antunes. Jurisprudência Ambiental
Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 92.
107 Idem, pp. 92-93.
Ás Florestas e sua Proteção Legal
Concordo, em tese, com a orientação jurisprudencial e
doutrinária. Contudo, faz-se necessário lembrar que o momento
atual é de valorização dos bens naturais e que, atualmente,
está sendo desenvolvida uma poderosa indústria turística e de
pesquisas científicas que, dependendo da forma de conservação
a qual uma determinada região está sendo submetida, podem ser
praticadas perfeitamente. Muitas vezes, é o próprio
estabelecimento de áreas de preservação que irá servir de
suporte para a valorização econômica de um bem. É necessário
que os tribunais estejam atentos para o fato e que a análise
do esvaziamento econômico leve em consideração as novas formas
de atividade econômica. Evidentemente que o limite entre a
“limitação administrativa” do direito de propriedade e o
esvaziamento deste mesmo direito é extremamente tênue e
precisa ser examinado em cada caso concreto.
5. A Floresta, os Desmatamentos e a Utilização de Fogo
As queimadas são, certamente, um dos mais graves problemas
enfrentados pelas florestas brasileiras, pois, além da
diminuição da área florestada, elas causam um enorme aumento
da emissão de material particulado, ampliam a poluição
atmosférica e contribuem para o aquecimento global. Os
incêndios florestais108 têm várias origens e não se pode, sob
pena de odiosa simplificação, atribuir-lhes como causa ime-
diata este ou aquele fator. O tema é extremamente complexo,
pois, para que as florestas se queimem, existem causas que vão
desde condições culturais, econômicas até condições climáticas
mais favoráveis à propagação do fogo. O Brasil, em função de
sua grande presença amazônica, da fragilidade dos ecossistemas
da Hiléia, das características climáticas da região, das
dificuldades de acesso à região, das imensas desigualdades
sociais e da pobreza reinantes na selva, tem sido alvo
frequente de críticas internacionais sobre incêndios
florestais na Amazônia^ É evidente que todo o esforço deve ser
feito no sentido de que não se ampliem as áreas suscetíveis
aos incêndios, preservando-se, ao máximo, as imensas riquezas
existentes na floresta tropical. Merece ser realçado,
entretanto, que as críticas feitas ao país nem sempre são
formuladas por aqueles que podem se apresentar como modelos de
proteção ambiental. Em realidade, existe todo um jogo de
importantes interesses econômicos e políticos que, de forma
constante e repetitiva, busca minar as bases da soberania
nacional sobre o território amazônico, espalhando a tese —
falaciosa — de que o Brasil não é capaz de desempenhar o seu
papel na região. Infelizmente, muitos desavisados, ainda que
de boa-fé, têm colaborado para o descrédito do país em relação
às suas responsabilidades amazônicas.
108 O Decreto federal n® 2.959, de 10/2/1999, dispôs sobre
medidas a serem implementadas na Amazônia Legal, paia
monitoramento, prevenção, educação ambiental e combate a
incêndios florestais.
ililH Direito Ambiental
WÊSSBÊSSsm
5.1. Desflorestamento e Queimadas
Existe na região amazônica o chamado Arco de Desmatamento,
composto pelos Estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso (norte),
Pará (sul), Tocantins, Maranhão (oeste) e Amazonas (sul).109 No
ano de 1998, um grande incêndio florestal no Estado de
Roraima, cujas causas ainda não foram determinadas de forma
precisa e clara,110 deu origem à implantação de um programa
governamental denominado Programa de Prevenção e Controle às
Queimadas e aos Incêndios Florestais111 no Arco do
Desãorestamento - PROARCO,112 sob a responsabilidade do IBAMA e
do MMA.
Na década de 80, a taxa de desflorestamento da Amazônia
chegou ao alarmante índice de mais de 21 mil km2/ano de
floresta.113 No início da década de 90, tais valores sofreram
uma acentuada queda, oscilando entre 11.500 e 12.500 km2/ano.
No período compreendido entre 1994 e 1995, lamentavelmente,
houve um acréscimo do avanço do desflorestamento, atingindo-se
a seguinte cifra: 29.059 km2/ano. Verificou-se uma nova redução
dos valores de desflorestamento, com os seguintes valores:
18.161 km2 em 1996 e 13.037 km2 em 1997. O Instituto de
Pesquisas da Amazônia - IP AM114 constatou que entre 1994 e
1995, realizando pesquisas nas regiões de Paragominas e
Santana do Araguaia — PA, Alta Floresta — MT, Ariquemes ~ RO e
Rio Branco ~ AC, comprovou que em média de 8% a 23% da área de
cada uma das propriedades arroladas foram queimadas.115 O mesmo
estudo mostrou que o fogo acidental correspondeu a 48% da área
queimada em 1995. Os incêndios florestais, no entanto, não são
um privilégio brasileiro ou da região amazônica. A sua
ocorrência é bastante comum em todas as regiões do mundo,
inclusive nos países do chamado primeiro mundo.116 Nos EUA, o
número de focos elevou-se de 24.817, no primeiro semestre de
1997, para 28.455 em igual período de 1998, ampliando-se a
área atingida de 198.390 hectares para 241.236 hectares. No
Canadá, o crescimento foi ainda maior; no mesmo período o
número de focos cresceu de 1.313 para 3.148, ampliando-se a
área atingida de 9.478 hectares para 580.120 hectares.
109 As informações podem ser encontradas em
http://www.ibama.gov.br.
110 Tudo indica que o incêndio teve como causas mais
importantes a combinação do fenômeno do El Nino com a
prática utilizada pela população de atear fogo à vegetação
para limpeza do terreno.
111 Incêndio florestal é o fogo não controlado em floresta ou
qualquer outra forma de vegetação (Decreto na
2.661, de 8/7/1998, art. 20).
112 Desde agosto de 1988, o governo federal possuía o Sistema
de Prevenção Nacional e Combate a Incêndios Florestais -
PREVFOGO. O mencionado programa foi recriado no âmbito do
IBAMA pelo Decreto nfi
2.661, de 8/7/1998 (art. 18).
113 Informação constante de http://ww.ibama.gov.br.
114 IP AM. O Uso do Fogo na Amazônia. Estudos de Casos ao
Longo do Arco do Desmatamento, 1997.
115 É importante ressaltar que o desflorestamento não se deve,
apenas, à existência de queimadas.
116 Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália e Grécia
registraram a ocorrência de 460 mil incêndios entre 1* de
janeiro de 1985 e 31 de dezembro de 1995. Informação constante
de http://www.ibama.gov.br.
As Florestas e sua Proteção Legal
555
5.2. Regime Legal da Utilização do Fogo
O CFlo, instituído pela Lei ns 4.771, de 15 de setembro de
1965, em seu artigo 27, proíbe a utilização de fogo nas
florestas e demais formas de vegetação.117 A proibição da
utilização de fogo somente foi regulamentada em 1998, mediante
o Decreto n2 2.661, de 8 de julho.
5.2.1. Proibição do Uso de Fogo
O artigo l2 do decreto em comento estabeleceu a proibição do
uso de fogo118 em três hipóteses bem definidas: (i) florestas e
demais formas de vegetação; (ii) para a queima pura e simples,
assim entendida aquela não carbonizável de: (a) aparas de
madeira e resíduos florestais produzidos por serrarias e
madeireiras, como forma de descarte desses materiais; (b)
material lenhoso, quando seu aproveitamento for economicamente
viável; (iii) em faixa de: (a) 15 (quinze) metros dos limites
das faixas de segurança das linhas de transmissão e
distribuição de energià elétrica; (b) 100 (cem) metros ao
redor da área de domínio de subestação de energia elétrica;
(c) 25 (vinte e cinco) metros ao redor da área de domínio de
estações de telecomunicações, (d) 50 (cinquenta) metros a
partir de aceiro, que deve ser preparado, mantido limpo e não
cultivado, de 10 (dez) metros de largura ao redor das Unidades
de Conservação;119 (e) 15 (quinze) metros de cada lado de
rodovias estaduais e federais e de ferrovias, medidos a partir
da faixa de domínio; (iv) no limite da linha que, simultanea-
mente, corresponda: (a) a área definida pela circunferência de
raio igual a 6.000 (seis mil) metros, tendo como ponto de
referência o centro geométrico da pista de pouso e decolagem
de aeródromos públicos; (b) a área cuja linha perimetral é
definida a partir da linha que delimita a área patrimonial de
aeródromo público* dela distanciando no mínimo 2.000 (dois
mil) metros, externamente, em qualquer de seus pontos.120
As proibições acima anotadas, evidentemente, não dizem
respeito às atividades agrícolas ou agropastoris, pois em
realidade visam à proteção de atividades técnicas, comerciais
e econômicas.
117 CFlo, art. 27. Êproibido o tiso de fogo nas ãorestas e
demais formas de vegetação. Parágrafo único. Se par-
ticularidades locais ou regionais justificarem o emprego de
fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão
será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo
as áreas e estabelecendo normas de precaução.
118 Lei nD 9.605, de 12/2/1998, Art. 41. Provocar incêndio em
mata.ou floresta; Pena — reclusão, de dois a quatro anos, e
multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de
detenção de seis meses a um ano, e multa.
119 O uso da queima controlada para manejo do ecossistema e
prevenção de incêndios, desde que assim esteja previsto no
plano de manejo da unidade de conservação pública ou privada,
e da reserva legal (art. 22).
120 De acordo com o § Io do art. 1®, quando se tratar de
aeródromos públicos que operem somente nas condições visuais
diurnas (VFR) e a queima se realizar no período noturno
compreendido entre o pôr e o nas- cer-do-SoI, será observado
apenas o limite de que trata a alínea b do inciso TV. Nas
hipóteses de aeródromos privados em que as queimas se
realizarem no período noturno, o limite será reduzido para
1.000 metros.
Direito Arabiental
A partir de 9 de julho de 2003, ficou proibida a utilização
de fogo, ainda que de forma controlada, para a queima de
vegetação contida numa faixa de 1.000 (mil) metros do
aglomerado urbano de qualquer porte, delimitado a partir de
seu centro urbanizado, ou de 500 (quinhentos) metros, a partir
do perímetro urbano, se superior. A proibição contida no § 3e
do artigo l2 do Decreto ns 2.661/98, ao ingressar diretamente
na área de domínio municipal, gestão do solo urbano, em minha
opinião, encontra dificuldade para se afirmar constitucional.
Acrescente-se, ademais, que a matéria é de evidente interesse
local.
5.2.2. Permissão do Emprego de Fogo
O CFlo, em seu artigo 27, proíbe a utilização de fogo como
método agrícola ou agropastoril. Tal proibição, entretanto, é
desmentida pelo parágrafo único do mesmo artigo, que admite o
emprego de fogo se particularidades locais ou regionais
justificarem o emprego de fogo em práticas agropastoris ou
florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder
Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de
precaução. O Capítulo II do Decreto n- 2.661/98 estabeleceu os
critérios mediante os quais se admite a utilização de fogo.
Tal método é a chamada queima controlada. O conceito normativo
de queima controlada foi definido pelo parágrafo único do
artigo 2a do decreto ora sob exame. O mencionado conceito é o
seguinte: é o emprego do fogo como fator de produção e manejo
em atividades agropastoris ou florestais, e para fins de
pesquisa científica e tecnológica, em áreas com limites físi-
cos previamente definidos. A queimada controlada, para que
seja realizada, obrigatoriamente, deve ser autorizada pelo
órgão ambiental integrante do SISNAMA responsável pela região.
Penso que, aqui, deve ser considerado se o município possui ou
não órgão de controle ambiental. Caso exista o órgão ambiental
municipal, caberá àquele examinar o pedido de autorização para
a queima controlada.
5.2.2.1. Requisitos para a Queima Controlada
Aqueles que desejarem realizar queima controlada de
vegetação deverão, necessariamente, solicitar autorização ao
órgão de controle ambiental com atribuição na região. O
requerimento de solicitação deverá ser prévio ao início da
queima controlada. O requerimento deverá ser instruído com as
seguintes informações: (i) definição das técnicas,
equipamentos e mão-de-obra a serem utilizados no processo de
queima controlada; (ii) reconhecimento da área e avaliação do
material a ser submetido à queima controlada; (iii) assegurar
o monitoramento dos resíduos da vegetação, para limitar a ação
do fogo; (iv) preparar aceiros com, no mínimo, 3 (três) metros
de largura,121 ampliando a referida faixa sempre que as
condições ambientais,
121 Na forma do § 1® do art. 4®, o aceiro deverá ser duplicado
quando se destinar à proteção de áreas de floresta e de
vegetação natural de preservação permanente, de reserva
legal, aquelas especialmente protegidas por ato do Poder
Público e de imóveis confirontantes pertencentes a
terceiros.
£§&) - fcnsino Superior Bweaj Juldícs
As Florestas e sua Proteção Legal
topográficas, climáticas e o próprio material combustível
assim o determinarem; (v) assegurar a presença de uma equipe
treinada para atuar no locai da queima controlada, devidamente
equipada com o material necessário para evitar a propagação do
fogo para além da área delimitada; (vi) comunicar
formalmente122 aos vizinhos con- frontantes a intenção de
realizar a queima controlada, esclarecendo que a operação será
confirmada com a fixação de data, horário e local onde será
realizada a queima; (vii) que a queima será realizada em época
apropriada, considerando-se as condições de temperatura e
vento da ocasião; (viii) previsão de acompanhamento de toda a
operação de queima, até a sua extinção, com vistas à adoção
das medidas adequadas para a contenção do fogo na área
definida para o emprego do fogo.
Os procedimentos acima arrolados são procedimentos mínimos a
serem adotados por aquele que pretenda realizar a queima
controlada. O órgão ambiental, diante de peculiaridades da
área a ser submetida ao fogo, poderá123 exigir a adoção de
outros procedimentos considerados necessários à proteção do
meio ambiente e das propriedades de terceiros.
Uma vez que o órgão ambiental examine as informações
prestadas pelo interessado, e as considere suficientes, o
requerente deverá solicitar a autorização de queima
controlada. A autorização é solicitada pelo documento
denominado Comunicação de Queima Controlada.124 O requerimento
deverá se fazer acompanhar de: (i) comprovante de propriedade
ou de justa posse do imóvel onde se realizará a queima; (ii)
cópia da autorização de desmatamento, nas hipóteses nas quais
ela é exigível; e (üi) comunicação da queima controlada.
Admite-se a hipótese de que a queima seja realizada de forma
solidária, isto é, os proprietários ou posseiros que tenham
terras contíguas poderão realizar uma única queima controlada,
desde que a área a ser submetida ao fogo não ultrapasse 500
(quinhentos) hectares.
É curioso observar que, pelo parágrafo único do artigo 6% o
interessado tem direito à realização da queima controlada se a
Administração Pública não expediu a autorização ou a sua
negativa no prazo de 15 (quinze) dias após a protocolização do
requerimento. As exceções limitam-se às áreas sujeitas à
vistoria prévia.125
5.2.3. Ordenamento e Suspensão Temporária do Emprego de
Fogo
A queima controlada é matéria submetida ao poder de polícia
ambiental e, portanto, o órgão ambiental poderá determinar o
seu escalonamento regional, desde que
122 Aquele que desejar realizar a queima controlada deverá ter
em sua posse os documentos que comprovem que ele,
efetivamente, comunicou aos confrontantes a próxima
realização da queima.
123 Em realidade: deverá.
124 A comunicação de queima controlada é o documento mediante
o qual o interessado dá ciência ao órgão do SISNAMA de que
cumpriu os requisitos e as exigências previstas no artigo 4a
do decreto e, em tal condição, postula a autorização de
queima controlada.
125 Art. 7a A autorização de queima controlada somente será
emitida após a realização da vistoria prévia, obrigatória em
áreas: I — Que contenham restos de exploração florestal; II
— limítrofes às sujeitas a regime especial de proteção,
estabelecida em ato do Poder Público. Parágrafo único. A
vistoria prévia deverá ser dispensada em áreas cuja
localização e características não atendam ao disposto neste
artigo.

Direito Ambiental
as condições atmosféricas e o número de requerimentos de
autorizações possam implicar acréscimo considerável de fumaça
na região.
As hipóteses de suspensão de queima controlada,
estabelecidas pelo artigo 14, são as seguintes: (i)
constatação de risco de vida, danos ambientais ou condições
meteorológicas desfavoráveis; (ii) a qualidade do ar atingir
índices prejudiciais à saúde humana, constatados por
instrumentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos como
parâmetros;126 (iii) os níveis de fumaça, originados de
queimadas,127 atingirem limites mínimos de visibilidade,
comprometendo e colocando em risco as operações aeronáuticas,
rodoviárias e de outros meios de transporte. Neste caso, a
queima controlada está sendo realizada pelo interessado.
O artigo 15 admite a suspensão ou o cancelamento da
autorização de queima controlada128 quando: (i) registrarem
riscos de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas
desfavoráveis; (ix) interesse e segurança pública; (iii)
descumprimen- to de normas vigentes.
5.2.4. Redução Gradativa do Emprego de Fogo
Por incrível que possa parecer, o CFlo, datado de 1965, teve
regulamentado o seu artigo 27 no ano de 1998, ocasião na qual
se estipulou a diminuição gradativa do emprego de fogo. Os
artigos 16 e 17 foram elaborados especificamente para as
lavouras de cana-de-açúcar que, como se sabe, é um dos setores
mais atrasados e recalcitrantes ao adequado cumprimento das
normas de proteção ambiental, ressalvadas as exceções usuais.
O artigo 16 do Decreto ns 2.661, de 8 de julho de 1998,
estabelece um prazo de 20 (vinte) anos (!!!!) após a sua
publicação para a eliminação do fogo como método despalhador e
facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de
mecanização129 da colheita.130
5.3. Conclusão
O decreto que acabou de ser comentado, ao regulamentar a
proibição de uso de fogo, conforme previsto no artigo 27 do
CFlo, em minha opinião, foi extremamente
126 Aqui exige-se que o órgão ambiental faça uma prova técnica
no sentido de que as queimas controladas devem ser
suspensas. A orientação do decreto não me parece a melhor,
pois nem sempre estão disponíveis os aparelhos adequados
para uma boa medição da qualidade do ar. Penso que se há uma
proibição de uso de fogo ~ regra geral estabelecida pelo
artigo 27 do CFlo o poder regulamentar não poderia impor à
administração que fizesse prova da impossibilidade da
produção de fogo. Parece-me que o decreto, data venia,
inverteu os termos da equação.
127 A queimada não se confunde com a queima controlada, pois a
primeira é feita à margem da lei.
128 A queima controlada está apenas autorizada, mas não está
sendo realizada.
129 Declividade inferior a 12% (doze por cento).
130 Alt. 16. O emprego do fogo, como método despalhador e
facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de
mecanização da colheita, será eliminado de forma gradativa,
não podendo a redução ser inferior a um quarto da área
mecanizável de cada unidade agro-industríal ou propriedade
não vinculada a unidade agro-industrial, a cada período de
cinco anos, contados da data de publicação deste Decreto.
tolerante com a utilização de fogo nas atividades que
menciona. Não se desconhece que a utilização de fogo na
agricultura ainda é uma prática corrente. Contudo, desta
constatação de fato até uma ampla liberdade para a utilização
do fogo, como é o caso presente, existe uma imensa distância
que, até prova em contrário, não foi considerada pelo Decreto
n2 2.661/98.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Capítulo XXIII Áreas de Preservação Permanente e Unidades de
Conservação
1. Fundamentos Constitucionais das Áreas Protegidas e das
Unidades de Conservação
As bases constitucionais para que o Poder Público possa
instituir unidades de conservação encontra-se no inciso III do
artigo 225 da Lei Fundamental. O inciso em referência
determina que é da atribuição do Estado:
III — definir, em todas as unidades da federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
A norma constitucional estabelece uma obrigação de fazer,
cujo destinatário é o Poder Público em todos os três níveis de
Administração Pública existentes na federação* Por força da
determinação constitucional, este deverá definir não só as
áreas a serem especialmente protegidas, bem como deverá
indicar quais dos elementos existentes no seu interior não
merecem proteção especial.
A demarcação das áreas protegidas é feita com base no poder
de polícia e de delimitação legal do exercício de direitos
individuais, em benefício da coletividade de que é dotada a
Administração Pública. Utilizo a expressão delimitação, visto
que, na concepção que adoto, os direitos são exercidos dentro
dos contornos legais sob os quais foram inscritos na ordem
jurídica. Desta forma, não há uma limitação de direitos, mas o
seu exercício, no interior do círculo estabelecido pela
própria lei. Sendo assim, a definição de áreas a serem
especialmente protegidas poderá ser feita mediante leis ou
decretos, conforme o caso. Contudo, nos termos da norma
constitucional, a supressão e a alteração de áreas protegidas
somente poderão ser feitas por lei. A expressão lei deve ser
entendida em seu sentido formal. O constituinte atribuiu à
Administração o dever de demarcar áreas a serem especialmente
protegidas, porém não admitiu que esta mesma Administração
pudesse promover alterações ou supressões destas áreas sem o
consentimento do Congresso Nacional. A Constituição não
proibiu que todas as áreas merecedoras de especial proteção
legal pudessem ser utilizadas e exploradas economicamente;
contudo, proibiu utilização que alterasse as características e
os atributos que deram fundamento à especial proteção. A
questão coloca-se, portanto, no modelo de unidade de
conservação a ser adotado para cada um dos espaços
territoriais que venham a merecer uma especial proteção.
Melhor
Direito Ambiental
dizendo, a cada modelo de unidade de conservação corresponde
um determinado padrão de limitação de atividades econômicas,
sociais e recreacionais etc.
Em 1995, o Brasil possuía 34 Parques Nacionais, 23 Reservas
Biológicas Federais, 30 Estações Ecológicas, 38 Florestas
Nacionais, 15 Áreas de Proteção Ambiental, 4 Reservas
Extrativistas e 6 Reservas Ecológicas.1 Somando-se as áreas
federais com as municipais e estaduais, chegar-se-á ao total
de 3,7% da superfície do País em áreas protegidas.2 Tal
percentual vem aumentando de forma bastante significativa nos
últimos anos, conforme nos demonstra a tabela abaixo:3
|2QÒ2 12002 12006 12006 j
'3':" %
Estação Ecológica 29 38.048 32 71.864
Monumento Natural 0 0 0 0
Parque Nadonai 52 170.09 219.43
3 62 4
Refúgio de Vida
Silvestre 2 1,282 3 1.448
Reserva Biológica 25 34.421 29 38.588

HÜSH
111111
111111
127,11 168.40
Floresta Nadonai 51 6 63 2
Reserva 102.27
Extrativista 30 51.776 51 6
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável 0 0 1 644
Reserva de Fauna 0 0 0 Ò
Área de Proteção 29 72.326 30 92.937
Ambiental
Área de Relevante
Interesse
Ecológico 17 432 17 432

mÊÊÊmm L
à
A simples instituição de unidades de conservação, sem que os
recursos para a sua manutenção sejam providenciados, merece
ser fortemente criticada. Admite-se, contudo, que a sua
instituição cria determinados complicadores legais para
aqueles que pretendam degradar a área protegida, o que seria
mais positivo do que deixar a região sem proteção legal
nenhuma, além das rotineiras. Outro problema que não pode ser
esquecido é o decorrente da instituição de unidades de
conservação em desrespeito aos mandamen
1 O desaSo do desenvolvimento sustentável — relatório do
Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, Brasília, 1991, p. 78.
2 Idem.
3
Http://sistemas.mma.gov.br/portalcnuc/index.php?ido=principa
Lmdex&idConteudo=6301& idEstnitura=119, vistidado aos 14 de
março de 2008.
Areas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
tos legais. Este tipo de prática acarreta, evidentemente, ônus
excessivos aos cidadãos, desequilibrando as relações sociais e
impondo despesas com desapropriações ao estado.
1.1. Áreas Protegidas Diretamente pela CF
Além da proteção genérica que é definida no inciso III do
artigo 225, deve ser considerado que a própria Lei
Fundamental, no § 42 do capítulo dedicado ao meio ambiente,
criou um regime jurídico especial de proteção para
determinadas parcelas do território nacional:
A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica,A a Serra
do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira são
Patrimônio Nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
À exceção do cerradcP e da caatinga,6 todos os demais
grandes ecossistemas brasileiros foram classificados como
patrimônio nacional e mereceram menção expressa pelo
legislador constituinte. Desnecessário dizer que,
evidentemente, a quase totalidade da população brasileira e de
suas atividades econômicas está situada no interior dos
ecossistemas incluídos no Texto Constitucional. Logicamente
que a presença de menção expressa de tais elementos na própria
Constituição tem por finalidade determinar ao legislador
ordinário que, em sua produção legislativa, estabeleça cri-
térios capazes de assegurar a sustentabilidade dos mencionados
ecossistemas sem que, no entanto, sejam vedadas atividades
econômicas, sociais e recreativas lícitas que, rotineiramente,
venham sendo praticadas nas regiões especialmente protegidas
pelo dispositivo inserido na CF. Penso que esta é a única
explicação possível para o conteúdo da norma constitucional,
pois o DA não é um Direito que se oponha às atividades
econômicas, ao contrário, é um Direito que tem por finalidade
a compatibi- lização do crescimento econômico com o respeito
às formas de vida existentes no planeta Terra, a
sustentabilidade dos recursos naturais renováveis e não
renováveis, com os direitos humanos fundamentais e,
consequentemente com a melhoria da qualidade de vida, desta e
das futuras gerações.
4 A Mata Atlântica tem a sua exploração econômica disciplinada
pela Lei n° 11.428, de 22 de dezembro de 2006. “Dispõe sobre
a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata
Atlântica, e dá outras providências.”
5 Iara Verocai Dias Moreira. Vocabulário Básico do Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA, 1992, 4» ed., p. 51: Tipo
de vegetação que ocorre ao Planalto Central Brasileiro, em
certas áreas da Amazônia e do Nordeste, em terreno
geralmente plano, caracterizado por árvores baixas e
arbustos espaçados, associados a gramineas, também
denominado campo cerrado.
6 Idem, p. 46: Palavra usada para vários tipos de vegetação no
Brasil: 1) A vegetação espinhosa da região seca do Nordeste.
Formas naturais são florestas baixas, floresta baixa aberta
com escrube fechado. Escrube fechado com árvores baixas
emergentes (o mais comum), escrube fechado (também comum),
escrube aberto, savana de escrube. 2) Floresta baixa,
escrube fechado ou aberto, savana de esparso, todos de com-
posição üorística especial, sobre areia branca podzolizada,
no Nordeste da Amazônia... (ACESP, 1980).
Direito Ambientai
Ainda que não constem da CRFB, na forma de referência
expressa, nem a caatinga nem o cerrado estão alheios ao
sistema constitucional de proteção ambiental. É da própria
essência do artigo 225 que ecossistemas essenciais, e da
magnitude dos dois que foram olvidados, não fiquem apartados
da especial proteção da Lei Fundamental da República. Aliás, o
esquecimento dos dois ecossistemas mencionados serve paia
demonstrar, cabalmente, que a tendência adotada pelo
constituinte não foi a mais adequada. Mais importante do que
publicar uma lista de bens que merecem ser elevados à
categoria de patrimônio nacional é, sem dúvida, estabelecer um
contorno preciso dos bens, de forma que possam ser enquadrados
em tal categoria jurídica. Com isso, assegura-se que, caso a
caso, o conceito possa ser preenchido adequadamente.
1.2. Patrimônio Nacional
A CF, em seus artigos 219 e 225, § 4e, utilizou-se do
conceito jurídico de Patrimônio Nacional, cujo conteúdo ainda
não foi precisamente estabelecido pela doutrina jurídica.
O conceito estabelecido pela CF deve ser interpretado,
tomando-se como parâmetro o conceito de Patrimônio Público e
Social. O conceito jurídico de patrimônio público já está
pacificado na doutrina e na legislação. Dogmaticamente,
podemos encontrá- lo no artigo l2 e §§ le e 25 da Lei da Ação
Popular (Lei nfi 4.717, de 29 de junho de 1965):
§13 Consideram-se patrimônio público, para fins referidos
neste artigo, os bens e direitos de valor econômico,
artístico, estético, histórico ou turístico. § 2S Em se
tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou
custeio o tesouro público concorra com pelo menos cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita ânua, bem como de
pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as
conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão
por limite a repercussão deles sobre a contribuição dos cofres
públicos.
Patrimônio, na definição de Karl Larenz, é uma conjunção de
direitos e relações jurídicas concretas em relação a uma
determinada pessoa à qual correspondem.7 O conceito
estabelecido pelo Direito Civil será importante para a
compreensão do conceito constitucional, mas não pode ser
interpretado de forma estrita. Observe-se, contudo, que na
ideia de patrimônio nacional ecológico, que efetivamente foi
como a Lei Fundamental da República tratou os ecossistemas
anteriormente mencionados, não está presente o sentido de
transferência do domínio privado para o domínio público da
União nem a transferência de bens pertencentes aos Estados e
Municípios para a União. Na hipótese constitucional, existe
uma simples manifestação do domínio eminente da nação sobre os
bens existentes em seu território, sem que isto implique o
esvaziamento do domínio útil ou do domínio pleno. O conceito
deve ser ope- racionalizado, de fato, como um interesse comum
de todos, tal qual o dispositivo existente no CFlo e que já
foi examinado em outro capítulo.
7Karl Larea2. Derecho Civil — Parte General, Madri: Reunidas,
1987, p. 405.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
De fato, a Constituição não determinou vima desapropriação
dos bens mencionados no § 6e, porém reconheceu que as relações
de Direito Privado, de propriedade e, mesmo de Direito
Público, existentes sobre tais bens devem ser exercidas com
cautelas especiais. Estas cautelas especiais justificam-se e
fundamentam-se, na medida em que os bens ambientais estão
submetidos a um regime jurídico especial, pois a fruição dos
seus benefícios genericamente considerados (que é de toda a
coletividade) não pode ser limitada pelos detentores de um dos
diversos direitos que sobre eles incidem. Não é, contudo,
apenas neste particular que se manifesta o contorno do direito
de propriedade. Uma de suas principais características,
certamente, é a obrigatoriedade da manutenção e preservação da
função ecológica. Tem-se, portanto, que o direito de
propriedade privada sobre os bens ambientais não se exerce
apenas no benefício de seu titular, mas em benefício da
coletividade.
2. As Diferentes Áreas Protegidas
Áreas protegidas são áreas que, devido às características
especiais que apresentam, devem permanecer preservadas. O grau
de preservação é variável, considerando-se o tipo de proteção
legal específico de cada uma das áreas consideradas
individualmente e a classificação jurídica que tenha sido
estabelecida para cada uma delas. A proteção pode variar desde
a intocábilidade até o uso diário e relativamente intenso. As
áreas protegidas são denominadas tecnicamente unidades de
conservação.
A concepção tradicional de áreas protegidas é a de que tais
áreas devem ser constituídas, essencialmente, por grandes
regiões que devem permanecer isoladas. Tal concepção, contudo,
tem sido alvo de severas críticas, pois, em geral, realiza-se
a proteção ambiental sem que se leve em conta a proteção da
vida humana que tradicionalmente se encontra no seu interior.
Esta questão será examinada mais adiante.
As áreas protegidas estão contempladas em diversos diplomas
legais. Isso, evidentemente, traz enormes dificuldades para a
compreensão e sistematização do papel que cada uma delas deve
desempenhar no interior do sistema nacional de unidades de
conservação. O principal diploma legal que trata do nosso
assunto é o CFlo, entretanto, ele não é o único texto legal a
fazê-lo.
2.1. Breve Histórico da Legislação
O primeiro parque nacional brasileiro foi criado no ano de
1937, no antigo Estado do Rio de Janeiro, em Itatiaia. Tal
criação se fez com base em dispositivos legais constantes do
CFlo de 1934. Em 1943, mediante a expedição do Decreto Le-
gislativo n9 3, de 13 de fevereiro de 1948, foi aprovada a
Convenção para a proteção da flora, da fauna e das belezas
cênicas naturais dos países da América, que introduziu em
nosso sistema jurídico outras categorias de unidades de
conservação. Em 1965, surgiu a Lei n® 4.771, que estabeleceu
novos critérios para o estabelecimento de áreas protegidas. A
grande inovação foi a diferenciação entre áreas que admitiam a
utilização e áreas que a inadmitáam. Em geral, a idéia inicial
que preside o estabelecimento das unidades de conservação é a
da criação de santuários de flora e fauna.
■IliBBBfiBBáiBI Direito Ambiental
aMi
Acirradas críticas vêm sendo opostas a tais concepções, pois,
não raras vezes, nas áreas destinadas à preservação, existem
comunidades tradicionais que são grandemente prejudicadas pelo
estabelecimento de áreas nas quais a presença de comunidades
humanas não deve ser admitida. Esta situação começa a ser
modificada com o estabelecimento de uma nova mentalidade que
busca, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente e as
populações que habitam no interior das áreas protegidas.
In the past, it was generally believed that protected areas
were places where boundaries of protection were estabUshed and
people were either kept out or removed. Today, as population
pressure increases and the rights of indigenous people and
local communities gain recognition and respect, an expanded
approach to protected areas is emerging. Wilderness areas are
shrinking, and human activity is spreading. For example, in
Latin America, 86 per cent of the national parks and protected
areas are inhabited or affected by people... in western and
northern Europe, 80 per cent of the national areas and
protected areas are used seasonally, mainly by pastoral people
grazing their flocks.8
A preocupação manifestada teve a oportunidade de ser bem
examinada pelo 4s Congresso Mundial de Parques Nacionais e
Áreas Protegidas, realizado em Caracas, no ano de 1992. No
Brasil, uma das respostas que têm sido dada às questões
mencionadas é o estabelecimento das chamadas Reservas
Extrativistas e outras unidades de conservação e viso
sustentável.
3. As Unidades de Conservação
Unidades de conservação são espaços territoriais que, por
força de ato do Poder Público, estão destinados ao estudo e
preservação de exemplares da flora e da fauna. As unidades de
conservação podem ser públicas ou privadas. O estabelecimento
de unidades de conservação foi o primeiro passo concreto em
direção à preservação ambiental.
As unidades de conservação no Brasil estão tratadas em lei
federal especificamente voltada para o tema e que será o
objeto principal deste capítulo.
3.1. Sistema Nacional de Unidades de Conservação como Sistema
Federal de Unidades de Conservação
Após uma longuíssima tramitação, o Projeto de Lei ne
2.892/92 foi finalmente aprovado pelo Congresso Nacional e se
transformou na Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000, que
regulamenta9 o art. 225, § l5, incisos I, II, III e VII, da CF,
institui o Sistema Nacional de Conservação da natureza e dá
outras providências. Mediante a
8 Qaude Martin. “Introducdon”, in Elizabeth Kempf (Editor),
Protecting índigenouspeoples inprotected aieas, San
Francisco: Sierra Club Books, 1993, p. xvii.
9 Merece ser observado que a Constituição não sofre
“regulamentação” pela Lei ordinária, pois esta não tem
poderes para tal O que ocorre é um mero adensamento da norma
constitucional, que passa a ser completada de molde a poder
exercer plenamente os seus efeitos sobre o mundo jurídico.
fcSE-J - tnsino -^upenor BUIBSU MÍSSS
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
edição de tal lei, o legislador ordinário buscou harmonizar as
diferentes unidades de conservação existentes no ordenamento
jurídico federal.10 A ideia de um sistema nacional significa
que todos os integrantes da Federação devem adotar o modelo
estabelecido pela Lei Federal que, no particular, deve ser
entendida como uma lei que estabelece uma hierarquia
organizacional entre os diferentes èntes federativos.
A Lei do SNUC não está compreendida na competência comum
para legislar sobre florestas, visto que as florestas estão
submetidas ao regime jurídico definido pelo CFlo e pelas leis
florestais estaduais. O SNUC trata, íundamentalmente, de áreas
instituídas pelo Poder Público com a finalidade de assegurar a
“conservação” de determinados valores ambientais e ecológicos
considerados relevantes pelo legislador constituinte. Em
apertada síntese, Milaré11 sustenta que “para a configuração
jurídico-ecológica de uma unidade de conservação deve haver: a
relevância natural; o caráter oficial; a delimitação
territorial; o objeto conservacionista; e o regime especial de
proteção e administração
Logo, a Lei do SNUC não é norma geral aplicável a qualquer
área florestada natural, até mesmo devido ao fato de que nem
toda Unidade de Conservação está situada em florestas. A sua
aplicação é bastante específica e típica. Ele é antes vim
Sistema Federal de Unidades de Conservação do que um Sistema
Nacional. Entender que o SNUC é uma lei federal e não
nacional12 é a consequência lógica do sistema federativo
brasileiro, visto que o SNUC, na sua essência administrativa,
é uma norma que se destina à organização do regime jurídico
dos bens públicos federais afetados à defesa do meio ambiente,
com as medidas conservacionistas e preservacionistas que se
fizerem necessárias para cada caso concreto.
De fato, o artigo 2513 da CF reconhece a capacidade de auto-
organização dos estados, observados os princípios
estabelecidos pela CF. Ora, não há qualquer princípio
constitucional, que se tenha por obrigatório para os Estados,
relacionado à forma pela qual eles exercerão a gestão de seus
bens imóveis, sejam eles Parques ou
10Destaque-se, entretanto, que o artigo 225 da CF não fala na
criação de um "sistema nacional” de unidades de conservação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e faturas gerações. § Ia Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I—
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; U ~
preservar a diversidade è a integridade do .patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético; III—definir, em
todas as unidades da Federação> espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção (...) VII — proteger
a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade.
11VER; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT. 4*
ed„ 2005, p. 365.
12‘'Quando a lei federal tem por objetivo regular matéria de
interesse comum da Ünião, dos Estados e dos municípios,
recebe a denominação de lei nacionaL O Código Tributário
Nacional e a Lei 4,320/64, sobre a atividade financeira, são
os melhores exemplos.” Ver: TORRES, Ricardo Lobo, Curso de
direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar,
12a ed., 2005, p. 140.
13 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição. § Io — São reservadas aos Estados as
competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição...”
m
Direito Ambiental
não. Efetivamente, a limitação à auto-organização é bastante
restrita e não pode ser interpretada de forma extensiva, sob
pena de atentar contra o próprio modelo federal. Almeida,14 em
excelente trabalbo, assim se manifestou sobre o tema:
“Para se saber agora, em face do artigo 25, que princípios
condicionam a auto-organização dos Estados, o caminho inicial
já é conhecido. Há que se per- quirir os constantes do artigo
34, que cuida da intervenção federal. Estão eles no inciso
VIII daquele dispositivo: forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; direitos da pessoa
humana; autonomia municipal e prestação de contas da
administração pública direta e indireta. Do inciso IV do
artigo 34 deflui ainda o princípio da separação dos Poderes, à
medida que se estabelece a possibilidade de intervenção nos
Estados para “garantir o livre exercício de qualquer dos
Poderes nas Unidades da Federação...”
É o que ocorre com as limitações postas à auto-organização e
ao autogoverno dos Estados, através de normas que MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO (1990: v. I, 203) chama de “pré-
ordenação institucional”, por definirem a estrutura das
instituições estaduais. Sabe-se que o autogoverno se traduz na
capacidade de escolha dos próprios dirigentes. Pois bem, não
se retira dos Estados essa capacidade. Mas o artigo 27, por
exemplo, já disciplina em pormenor a composição do Legislativo
estadual, fixa a duração dos mandatos eletivos e dispõe sobre
os subsídios dos Deputados estaduais. Da mesma forma o artigo
28 dita as regras para a eleição dos Governadores, estabelece
a duração de seu mandato e dispõe sobre a perda do mesmo. Por
igual o artigo 125 estabelece normas sobre a organização da
Justiça estadual, o artigo 126 traz norma específica sobre a
competência dos juizes estaduais de entrância especial para as
questões agrárias e o artigo 98 impõe a criação, nos Estados,
de juizados especiais para julgamento de causas cíveis de
menor potencial ofensivo e também a criação de justiça de paz,
descendo a minúcias sobre seu funcionamento”.
Como se pode ver, sem maior esforço, a disciplina dos bens
de propriedades dos estados foi deixada para a legislação
local, por se tratar de medida tipicamente da economia interna
do ente federado.
3.1.1. Conceitos Normativos Aplicáveis às Unidades de
Conservação
Um fator de indiscutível valor da Lei ns 9.985, de 18 de
julho de 2000, é a definição de conceitos normativos
aplicáveis às unidades de conservação, pois não há qualquer
dúvida de que as denominações que até então vinham sendo
aplicadas eram bastante coníusas e muito pouco claras. Com
efeito, conceitos como Estação Ecológica, Reserva Biológica e
outros não raras vezes se sobrepunham, levando a
14 Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na
Constituição de 1988. São Paulo: Atlas. 3s ed., 2005, pp.
122-3.
Areas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
uma enorme anarquia em prejuízo da proteção ambiental. Em boa
hora, a novel legislação veio a estabelecer uma disciplina
bastante adequada para o tema.
Em termos legais, unidade de conservação é espaço
territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção. Já conservação da natureza é definida como
o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a
preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a
restauração e a recuperação do ambiente natural, para que
possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às
atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as
necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a
sobrevivência dos seres vivos em geral.
A diversidade biológica é a variabilidade de organismos
vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os
ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte;
compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre
espécies e de ecossistemas. Os recursos ambientais foram
definidos legalmente como: a atmosfera, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial,
o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a
flora.
Foi estabelecido o conceito normativo de “preservação”, que
é o conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à
proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas,
além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a
simplificação dos sistemas naturais. Existem, igualmente, os
seguintes conceitos normativos:
a) proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de
alterações causadas por interferência humana, admitido
apenas o uso indireto dos seus atributos naturais;
b) conservação in situ: conservação de ecossistemas e habitats
naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis
de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies
domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham
desenvolvido suas propriedades características;
c) manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a
conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas;
d) uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano
ou destruição dos recursos naturais;
e) uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comercial ou
não, dos recursos naturais;
f) uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a
garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e
dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os
demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e
economicamente viável;
Direito Ambiental
g) extrativismo: sistema de exploração baseado na coleta e
extração, de modo sustentável, de recursos naturais
renováveis;
h) recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma
população silvestre degradada a uma condição não degradada,
que pode ser diferente de sua condição original;
i) restauração: restituição de um ecossistema ou de uma
população silvestre degradada o mais próximo possível da sua
condição original;
j) zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de
conservação com objetivos de manejo e normas específicos,
com o propósito de proporcionar os meios e as condições para
que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de
forma harmônica e eficaz;
k) plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com
fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de
conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que
devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos
naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas
necessárias à gestão da unidade;
1) zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de
conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a
normas e restrições específicas, com o propósito de
minimizar os impactos negativos sobre a unidade; e
m) corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou
seminaturais, ligando unidades de conservação, que
possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da
biota, facilitando a dispersão de espécies e a reco-
lonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de
populações que demandam para sua sobrevivência áreas com
extensão maior do que aquela das unidades individuais.
3.1.2. Criação das Unidades de Conservação
A regulamentação da Lei n9 9.985, de 18 de julho de 2000,
foi feita pelo Decreto n2 4.340, de 22 de agosto de 2002, que
regulamenta artigos da Lei ns 9.985, de 18 de julho de 2000,
que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Tal
regulamentação foi limitada aos artigos 15,17,18, 20,22,
24,25,26,27,29,30,33,36, 41,42, 47, 48 e 55. O decreto esta-
beleceu os critérios a serem aplicados para a criação das
Unidades de Conservação.
Assim é que, na forma do art. 29 do decreto, o ato de
criação de uma unidade de conservação deve indicar:
I -a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os
limites, a área da
unidade e o órgão responsável por sua administração;
II -a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas
Extrativistas e
das Reservas de Desenvolvimento Sustentável;
III - a população tradicional residente, quando couber, no
caso das Florestas
Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e
TV - as atividades econômicas, de segurança e de defesa
nacional envolvidas.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação j
É condição de validade da constituição de unidade de
conservação que ela seja precedida de estudos técnicos
elaborados pelo órgão proponente de sua criação, sendo
possível — e recomendável — a convocação de uma consulta
pública para que se ouça o ponto de vista da comunidade
envolvida. De acordo com o artigo 59, a consulta pública para a
criação de unidade de conservação tem a finalidade de
subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos
limites mais adequados para a unidade. A Consulta pública,
conforme o § l2 do artigo 5e, não tem forma previamente defi-
nida, podendo ser realizada mediante reuniões públicas ou, a
critério do órgão ambiental competente, outras formas de
oitiva da população local e de outras partes interessadas. É
importante, no entanto, que haja clareza e regras que sejam do
conhecimento de todos os interessados. Deve ser observado que,
no processo de consulta pública, o órgão executor competente
deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as
implicações para a população residente no interior e no
entorno da unidade proposta. As normas definidas nos artigos
acima mencionados são direito subjetivo público da população
e, em especial, daqueles indivíduos que tenham posses ou
propriedades nas áreas a serem incorporadas nas futuras
unidades de conservação. No particular, o leitor deve ser
alertado para o fato de que tanto o Superior Tribunal de
Justiça — STJ15 como o próprio STF16'17 já se manifestaram no
sentido da obrigatoriedade da Consulta Pública e da nulidade
procedimental, caso ela não seja realizada.
15 STJ ~ MS- 8796. Processo: 200201652650- DF. PRIMEIRA SEÇÃO.
DJU: 28/03/2005, p. 177. Relator Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROJETO DE
CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL SERRA DO ITAJAt COMPETÊNCIA DO
IBAMA PARA REALIZAÇÃO DE CONSULTA. INCOMPETÊNCIA DO STJ.
EXTINÇÃO DO PROCESSO. 1. Como órgão executor do SISNAMA
(art. 3», IV, do Decreto n° 99.274/90), o IBAMA detém a
competência para executar estudos técnicos que permitam
identificar a localização, a dimensão e os limites mais
adequados para criação de unidades de conservação, além de
realizar consulta pública destinada a garantir ampla
participação da população residente, em resguardo à norma
contida no art. 5® do Decreto n° 4.340/2002, que regulamenta
o art. 22 áa Lei n® 9.985/2000. A essa autarquia, portanto,
deve ser imputada a responsabilidade pelas eventuais
irregularidades formais do procedimento, bem como pela falta
da devida publicidade dos seus atos. 2. No caso específico,
foi equivocada a indicação do Ministro de Estado do Meio
Ambiente como autoridade impetrada, já que a irregularidade
tida por ofensiva diz respeito a atos que não pertencem à
sua esfera legal de competência. 3. Mandado de segurança
extinto sem julgamento (CPC, art. 267, VI).”
16 STF - STF. MS -23800- MS - DJU 07-02-2003, p. 00022.
Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA. EMENTA: MANDADO DE
SEGURANÇA. CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BODOQUE-
NA. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA DE IMÓVEIS LOCALIZADOS
NA ÁREA DO PARQUE. EXIGÊNCIA LEGAL DE ESTUDOS TÉCNICOS E DE
CONSULTA PÚBLICA SOBRE A VIABILIDADE DO PROJETO. ALEGAÇÃO DE
OFENSA AO ARTIGO 22, § 2«, DA LEI 9.985, DE 18/07/2000:
IMPROCEDÊNCIA. 1. Comprovada nos autos a realização de
audiências públicas na Assembléia Legislativa do Estado com
vistas a atender a exigência do § 2® do artigo 22 da Lei
9.985/00. 2. Criação do Parque. Manifestação favorável de
centenas de integrantes das comunidades interessadas, do
Conselho Nadonal da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e
da Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente -
ABEMA. 3. Parecer técnico, do Ministério do Meio Ambiente,
que concluiu pela viabilidade e conveniência da destinação
ambiental da área, dada a necessidade de se proteger o
ecossistema local, revestido de significativa mata
atlântica. Zona de confluência entre o Pantanal, o Cerrado e
o Chaco, onde se encontram espécies vegetais raras,
ameaçadas de extinção. Segurança denegada.
17 STF - STF - MS - 24184 UF/ DF - DJU 27-02-2004, p. 22.
Relatora Ministra ELLEN GRACIE. “Quando da edição do Decreto
de 27.02.2001, a Lei ns 9.985/00 não havia sido
regulamentada. A sua regulamentação só foi implementada em
22 de agosto de 2002, com a edição do Decreto na 4.340/02. O
processo de criação e ampliação das unidades de conservação
deve ser precedido da regulamentação da lei, de estudos
técnicos e de consulta pública. O parecer emitido pelo
Conselho Consultivo do Parque não pode substituir
Direito Ambientai
3.2. Definição e Objetivos do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação - SNUC
O SNUC, na forma do artigo 3° da Lei n9 9.985/2000, é
constituído pelo conjunto das unidades de conservação
federais, estaduais e municipais. Os seus objetivos são os
seguintes:
a) contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos
recursos genéticos no território nacional e nas águas
jurisdicionais;
b) proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito
regional e nacional;
c) contribuir para a preservação e a restauração da
diversidade de ecossistemas naturais;
d) promover o desenvolvimento sustentável a partir dos
recursos naturais;
e) promover a utilização dos princípios e práticas de
conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
f) proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável
beleza cênica;
g) proteger as características relevantes de natureza
geológica, geomorfológi- ca, espeleológica, arqueológica,
paleontológica e cultural;
h) proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
i) recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
j) proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa
científica, estudos e monitoramento ambiental;
k) valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
1) favorecer condições e promover a educação e interpretação
ambiental, a
recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
m) proteger os recursos naturais necessários à subsistência de
populações tradicionais, respeitando e valorizando seu
conhecimento e sua cultura e pro~ movendo-as social e
economicamente.
A administração do SNUC deve ser feita com a adoção das
seguintes diretrizes:
a) garantias que assegurem que, no conjunto das unidades de
conservação, estejam representadas amostras significativas e
ecologicamente viáveis das diferentes populações, hãbitats e
ecossistemas do território nacional e das águas
jurisdicionais, salvaguardando o patrimônio biológico
existente;
b) garantias que assegurem os mecanismos e procedimentos
necessários ao envolvimento da sociedade no estabelecimento
e na revisão da política nacional de unidades de
conservação;
c) garantias que assegurem a participação efetiva das
populações locais na criação, implantação e gestão das
unidades de conservação;
a consulta exigida na lei. O Conselho não tem poderes para
representar a população locaL Concedida a segurança,
ressalvada a possibilidade da edição de novo decreto.”
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
d) busca de apoio e cooperação de organizações não-
govemamentais, de organizações privadas e pessoas físicas
para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas,
práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de
turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras
atividades de gestão das unidades de conservação;
e) incentivo às populações locais e às organizações privadas a
estabelecerem e administrarem unidades de conservação dentro
do sistema nacional;
f) garantia, quando possível, da sustentabilidade econômica
das unidades de conservação;
g) permissão de uso das unidades de conservação paxa a
conservação in situ de populações das variantes genéticas
selvagens dos animais e plantas domesticados e recursos
genéticos silvestres;
h) garantia de que o processo de criação e gestão das unidades
de conservação sejam feitos de forma integrada com as
políticas de administração das terras e águas circundantes,
considerando as condições e necessidades sociais e
econômicas locais;
i) consideração das condições e necessidades das populações
locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas
de uso sustentável dos recursos naturais;
j) garantia para as populações tradicionais cuja subsistência
dependa da utilização de recursos naturais existentes no
interior das unidades de conservação de meios de
subsistência alternativos ou a justa indenização pelos
recursos perdidos;
k) garantia de alocação adequada dos recursos financeiros
necessários para que, uma vez criadas, as unidades de
conservação possam ser geridas de forma eficaz e atender aos
seus objetivos;
1) busquem conferir às unidades de conservação, nos casos
possíveis e respeitadas as conveniências da administração,
autonomia administrativa e financeira; e
m) proteção de grandes áreas por meio de um conjunto integrado
de unidades de conservação de diferentes categorias,
próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de
amortecimento e corredores ecológicos, integrando as
diferentes atividades de preservação da natureza, uso
sustentável dos recursos naturais e restauração e
recuperação dos ecossistemas.
>3. Órgãos Integrantes do SNUC
a) Órgão consultivo e deliberativo: o CONAMA, com as
atribuições de acompanhar a implementação do Sistema;
b) órgão central: o Ministério do Meio Ambiente, com a
finalidade de coordenar o Sistema; e
c) Órgãos executores: Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade, os órgãos estaduais e municipais, com a
função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de
criação e administrar as unidades de conservação federais,
estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação.
Direito Ambiental
O parágrafo único do artigo 79 admite que> excepcionalmente,
o SNUC poderá ser integrado, a critério do Conama, por
unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas
para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam
objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente
atendidos por nenhuma categoria prevista na lei do SNUC e
cujas características permitam, em relação a estas, uma clara
distinção. Trata-se de um reconhecimento da diversidade de
situações ecológicas do País, bem como dos diferentes níveis
de organização administrativa dos diversos entes federativos,
confirmando a tese de que o SNUC é antes federal do que
nacional.
3.4. As Unidades de Conservação: Seus Diferentes Tipos e
Funções
Uma importante distinção estabelecida pela lei é aquela que
divide as unidades de conservação em dois grandes grupos, a
saber:
a) Unidades de Proteção Integral;
b) Unidades de Uso Sustentável.
As unidades de Proteção Integral têm por objetivo básico a
preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto
dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na
própria lei que estabeleceu o SNUC. As Unidades de Uso
Sustentável destinam-se à compatibilização entre a conservação
da natureza e o uso sustentável de parcela dos seus recursos
naturais.
3.4.1. Unidades de Proteção Integral
O Direito brasileiro reconhece a existência, no interior do
grupo de unidades de proteção integral, das seguintes unidades
de conservação:
a) Estação Ecológica;
b) Reserva Biológica;
c) Parque Nacional;
d) Monumento Natural;
e) Refúgio de Vida Silvestre.
3.4.1.1. Estação Ecológica
A Lei do SNUC buscou dar diretivas jurídicas mais estáveis e
firmes ao conceito jurídico de Estação Ecológica que, até seu
surgimento, era bastante confuso e extremamente frágil. Nas
edições anteriores deste trabalho, tive a oportunidade de
escrever sobre as Estações Ecológicas, in verbis:
Juridicamente, a deímição de Estação Ecológica é a seguinte:
São áreas representativas de ecossistemas brasileiros,
destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de
ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento
da educação conservacionista.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
As Estações Ecológicas foram consideradas áreas de relevante
interesse turístico pelo inciso II do artigo Ia da Lei ns
6.513, de 20 de dezembro de 1977. Através da Lei n5 6.902, de
27 de abril de 1981, foi definido o conceito jurídico de
Estação Ecológica. Deve ser considerado que, face à definição
de Estação Ecológica estabelecida pela Lei ns 6.902/81,
evidentemente que o inciso II do artigo 1$ da Lei ns 6.513/77
encontra-se revogado, ante a evidente incompatibilidade entre
a atividade turística e a destinação legal das Estações
Ecológicas.
Por determinação legal, 90% da área, ou mais, da Estação
Ecológica deverá ser destinada, em caráter permanente, e
definida em ato do Poder Executivo, à preservação integral da
biota. Na área restante, desde que haja plano de zonea- mento
aprovado, de acordo com as normas regulamentares, poderá ser
autorizada a realização de pesquisas ecológicas que possam
implicar modificação do meio ambiente natural.
As Estações Ecológicas são criadas pela Administração
Pública, nos três níveis, em terrenos de sua propriedade ou
que sejam desapropriados com esta finalidade.
A instituição das Estações Ecológicas foi regulamentada pelo
Decreto ns 99.274, de 6 de junho de 1990. O decreto de criação
de uma Estação Ecológica deve defmir-lhe os contornos
geográficos, a denominação e a entidade responsável pela sua
administração e o Zoneamento previsto no § 2S do artigo 1B da
Lei ns 6.902.
O CONAMA, através da Resolução CONAMA n510, de 3 de dezembro
de 1987, determinou que, para fazer face à reparação dos danos
ambientais causados pela destruição de florestas e de outros
ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, assim
considerado pelo órgão licenciante com fundamento no RIMA,
terá sempre como um dos pré-requisitos, a implantação de uma
Estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo
empreendimento, preferencialmente junto à área.
Há que se observar que o artigo 2° da Lei ns 6.902, de 27 de
abril de 1981, determina que:
As Estações Ecológicas serão criadas pela União, Estados e
Municípios, em terras de seus domínios, definidos, no ato de
criação, seus limites geográficos e o órgão responsável pela
sua administração.
As Estações Ecológicas, entretanto, não têm por finalidàde
legal a reparação dos danos ambientais pela destruição de
florestas e oútros ecossistemas. Acrescente-se que as Estações
Ecológicas, conforme determina o artigo 2e da Lei n9 6.902/81,
são criadas pelo Poder Público em terras de seus domínios. A
legalidade do artigo 1® da Resolução CONAMA ns 10, de 3 de
dezembro de 1987, é, destarte, extremamente discutível.
-As Estações Ecológicas, segundo a sua definição legal e os
seus objetivos fixados em lei, destinam-se à realização de
pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do
ambiente natural e ao desenvolvimento da Educação
conservacionista. Dentre as finalidades legais, não se
encontra a de repristinar danos ambientais. Ademais, coloca-se
a questão: deverá o, empreendedor do projeto a ser implantado
adquirir área para o estabelecimento da Estação
Direito Ambiental
Ecológica? Tal área deverá ser doada ao Governo? Há um
evidente equívoco na resolução. O correto seria determinar a
criação de uma reserva ecológica e jamais de uma Estação
Ecológica.
As Estações Ecológicas são consideradas unidades de
conservação” (.Resolução CONAMA n3 11, de 3 de dezembro de
1987).
Justifica-se a manutenção do texto, pois as Estações
Ecológicas não foram revogadas pela Lei do SNUC, ao contrário,
tiveram ampliada a sua base jurídica e fortalecidas as suas
atribuições. Há que se considerar, ademais, que as Estações
Ecológicas que tenham sido instituídas legalmente sob o regime
jurídico anterior permanecem existindo, de pleno direito.
3.4.1.1.1. Novo Regime Jurídico das Estações Ecológicas
O objetivo das Estações Ecológicas é a preservação da
natureza e a realização de pesquisas científicas. É, em tese,
constituída por área que, pelo seu valor ecológico, deve
permanecer intocada. Dada a sua característica de
intocábilidade, estas somente podem ser instituídas em áreas
públicas. O § l2 do artigo 92 da Lei n2 9.985/2000 refere-se a
“posse e domínio públicos”. O mesmo parágrafo, ín Une,
acertadamente, estabeleceu que as áreas particulares que se
encontrem no interior de Estações Ecológicas deverão ser
desapropriadas. O legislador nada mais fez do que reconhecer a
remansosa jurisprudência sobre o tema, pois, não raras vezes,
as autoridades ambientais instituíam Estações Ecológicas em
áreas submetidas ao regime de propriedade privada e se negavam
a reconhecer o evidente desapossamento administrativo da área.
Andou bem a lei no particular.
Tanto a visitação pública como a pesquisa científica somente
podem ser realizadas mediante condições previamente definidas
nos planos de manejo da Estação Ecológica.
3.4.1.1.2. Intervenções Admitidas
Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações dos
ecossistemas no caso de:
a) medidas que visem à restauração de ecossistemas
modificados;
b) manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade
biológica;
c) coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades
científicas;
d) pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja
maior do que aquele causado pela simples observação ou pela
coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma
área correspondente a no máximo três por cento da extensão
total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos
hectares.
fSBJ * Hnano Superior Sisêgu Ju?M?s©
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação 1
3.4.I.2. Reservas Ecológicas
E ixm tipo de unidade de conservação que não foi mantido
pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pois a Lei na
9.985/2000 delas não trata. Penso, entretanto, que não houve
uma revogação ou cancelamento das Reservas Ecológicas pree-
xistentes ao novo sistema. Em minha opinião, as Reservas
Ecológicas que tivessem sido instaladas, na forma da lei,
permanecem existentes. Os efeitos são, portanto, ex nunc, isto
é, aquelas Reservas Ecológicas que não foram regularmente
instaladas não mais poderão sê-lo, ante a inexistência da
modalidade de Unidade de Conservação. Esta é a consequência do
respeito ao ato jurídico perfeito e acabado, assegurado em
nossa CF. Na vigência do sistema antigo, tive a oportunidade
de escrever, in verbis:
KA Lei ne 6.513, de 20 de dezembro de 1977, em seu artigo Ia,

inciso II, considerou as Reservas Ecológicas como áreas de


relevante interesse turístico. Posteriormente, a Lei nB 6.938,
de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 9S, tratou das Reservas
Ecológicas. As alterações da Lei n9 6.938/81, promovidas pela
Lei n2 7.804, de 18 de julho de 1989, suprimiram as menções às
Reservas Ecológicas contidas no artigo 9a. Ocorre que a própria
Lei n3 7.804 determinou fosse dada uma nova redação ao artigo
18 da Lei na 6.938. Pelo novo teor do artigo 18, foram
transformadas em Reservas ou Estações Ecológicas, sob a res-
ponsabilidade do IBAMA, as üorestas e as demais formas de
vegetação natural de preservação permanente relacionadas no
artigo 2a da Lei n3 4.771, de 15 de setembro de 1965 - Código
Florestal, e os pousos de aves de arribação protegidas por
convênios, acordos ou tratados assinados pelo Brasil com
outras nações. O Decreto n$ 89.336, de 31 de janeiro de 1984,
determinou que:
São consideradas Reservas Ecológicas as áreas de preservação
permanente mencionadas no artigo 18 da Lei na 6.938, de 31 de
agosto de 1981, bem como as que forem estabelecidas por ato do
Poder Público (art. Ia).
No uso de seu poder regulamentar, o CONAMA baixou a
Resolução na 4, de 18 de setembro de 1985, pela qual foram
consideradas Reservas Ecológicas as formações florísticas e as
áreas de preservação permanente mencionadas no artigo 18 da
Lei nQ 6.938/81, bem como as estabelecidas pelo Poder Público
de acordo com o que preceitua o artigo ls do Decreto na
89.336/84. O artigo 3a da Resolução pormenoriza as áreas
tipificadas como Reserva Ecológica.
As reservas ecológicas são consideradas sítios ecológicos de
relevância cultural (Resolução CONAMA na 4, de 18 de junho de
1987). É importante observar que entidades civis poderão
participar da fiscalização das Reservas Ecológicas (Resolução
CONAMA nQ 3/88).
Aqueles que, de qualquer modo, degradarem as Reservas
Ecológicas ãcam sujeitos às penas do artigo 14 da Lei na
6.938/81, não excluída a responsabilidade penal.
1
F™
Direito Ambiental
A manutenção do texto se justifica ante a possibilidade do
surgimento de conflitos de aplicação da lei no tempo.
3.4.1.3. Reserva Biológica
A Reserva Biológica é uma unidade de conservação cujo
objetivo é a preservação integral da biota e demais atributos
naturais existentes em seus limites, sem interferência humana
direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de
recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de
manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio
natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos
naturais. Assim como a Estação Ecológica, ela é de posse e
domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em
seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe
a lei. A visitação pública é, igualmente, proibida, salvo
aquela que tenha objetivo educacional, conforme definição
regulamentar. As atividades de pesquisa científica dependem de
autorização prévia do órgão responsável pela administração da
unidade e está sujeita às condições e restrições por este
estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento. As
Reservas Biológicas estavam previstas no artigo 5° da Lei ne
4.771/65, que foi expressamente revogado pelo artigo 60 da Lei
n9 9.985/2000.
3.4.1.4. Parque Nacional
3.4.1.4.1. Aspectos Históricos
Os parques, sejam eles nacionais, estaduais ou municipais,
constituem-se em um importante segmento das unidades de
conservação. A finalidade dos parques é múltipla, pois servem
tanto ao estudo científico quanto ao lazer. O parque é o
modelo de unidade de conservação mais conhecido pela população
em geral. Eles correspondem a um determinado padrão de
conservação in situ. Os parques são os exemplos mais
eloquentes da concepção de que é necessário o estabelecimento
de verdadeiros santuários para que as áreas de valor ecológico
excepcional permaneçam protegidas.
A primeira reserva natural foi estabelecida na França, no
ano de 1853, em Fointainebleau. Aquela reserva foi
oficializada em decreto de 13 de agosto de 1861. O ato oficial
foi consequência de um movimento organizado por um grupo de
artistas e intelectuais, cuja finalidade era a de preservação
da mencionada área natural.
No Brasil, o primeiro Parque Nacional foi o de Itatiaia, no
Estado do Rio de Janeiro, criado através do Decreto n2 1.713,
de 14 de junho de 1937. O Decreto legislativo n9 3, de 13 de
fevereiro de 1948, que aprova a convenção para a proteção da
flora e da fauna e das belezas cênicas naturais dos países da
América, estabeleceu, em seu artigo l9, o conceito jurídico de
Parque Nacional, que é o seguinte:
Parque Nacional: As regiões estabelecidas para a proteção e
conservação das belezas cênicas naturais e da flora e fauna de
importância nacional das quais o público pode aproveitar-se
melhor ao serem postas sob a superintendência oficial.
Áreas de Preservação Permanence e Unidades de Conservação
O regulamento dos Parques Nacionais determina que eles sejam
estabelecidos em áreas relativamente extensas nas quais:
I — Haja um ou mais ecossistemas pouco ou não alterados pela
ação do . homem, onde as espécies vegetais e animais, os
sítios geomorfológicos e os habi- tats ofereçam interesses
especiais dos pontos de vista científico, educativo e
recreativo ou onde existam paisagens nâturais de grande valor
cênico;
II- tenha o Governo Federal tomado medidas para impedir ou
eliminar, o mais breve possível, as causas daquelas alterações
e para proteger efetivamente os fatores biológicos,
geomorfológicos ou cênicos que determinaram a criação do
Parque Nacional;
III—dependa a visita de restrições específicas, mesmo para
propósitos educativos, culturais ou recreativos.
3.4.1.4.2. Regime Jurídico
O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de
ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de pesquisaà científicas e
o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação
ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo
ecológico. É, portanto, uma unidade de conservação aberta à
visitação pública, mediante normas previamente estabelecidas.
É de se observar, contudo,-que o seu regime de visitação é, em
tese, mais amplo e liberal do que o vigente em outras unidades
de conservação integral. Ele é estabelecido em áreas públicas,
sendo que às áreas particulares incluídas em seus limites
serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
3.4.1.4.2.1. Reassentamento de Populações Tradicionais
Um dos problemas mais cruciais que estão relacionados à
implantação de unidades de conservação é o da tensa e difícil
relação entre a proteção de determinadas áreas ecologicamente
relevantes e as populações que, tradicionalmente, ocupam tais
regiões. Faço um parêntese para observar que, aqui,
"tradicionalmente” não tem o sentido de ancestralmente ou
imemorialmente. Não. Tradicionalmente refere-se a um modelo de
economia não monetarizada, sustentada em formas não
diretamente vinculadas ao modelo de mercado e que, não raras
vezes, é desenvolvida de forma comunitária. A lei do SNUC
admite que somente nas unidades de uso sustentável possam
coexistir populações tradicionais e formas jurídicas
qualificadas de proteção. Quando não se tratar da criação de
unidades de conservação, ou mesmò de “regularização fundiária”
de unidades de proteção integral, as populações tradicionais
nelas residentes devem ser reassentadas. Para tal, o Decreto n2
4.340, de 22 de agosto de 2002, em seus artigos 35/39,
estabeleceu os contornos mínimos dos mecanismos capazes de
promover o reassentamento de tais populações. Como pretendo
demonstrar, o decreto, no particular, está fundado sobre
equívocos bastante sérios.
Direito Ambientai
Estabelece o artigo 35 que: O processo indenizatório de que
trata o art. 42 da Lei ns 9.985, de 2000,18 respeitará o modo
de vida e as fontes de subsistência das populações
tradicionais. O decreto fez, exatamente, o contrário. A
definição de população tradicional para fins de indenização e
reassentamento é extremamente complexa e, francamente,
considerando-se o nível de incerteza e dificuldades em se
encontrar uma definição para o vocábulo, dificilmente se
poderá chegar a uma conclusão satisfatória quando não se
tratar de populações indígenas ou remanescentes de quilombos
que, aparentemente, são mais facilmente identificáveis. O
decreto, no artigo 36, determina que: Apenas as populações
tradicionais residentes na unidade no momento da sua criação
terão direito ao reassentamento. Em minha opinião, o artigo
exprime uma lógica cruel, pois muitas populações pobres podem
não se enquadrar no conceito de tradicional e, neste caso, não
teriam direito ao reassentamento. Fazem jus, ao que parece, a
uma simples indenização em pecúnia que certamente pequena ~
implicará problemas sociais de êxodo rural etc. Há que se
considerar, sobretudo, o fato de que áreas destinadas a
unidades de conservação - principalmente na Amazônia - são de
baixo valor, pois dotadas de pouca infraestrutura, distantes
de mercado etc. Certamente que o legislador não pretendeu, com
a criação de unidades de conservação, empurrar populações
pobres para a condição de miseráveis. Há, ainda, que se
observar que o artigo 37 do decreto estabelece que o valor das
benfeitorias realizadas pelo Poder Público, a título de
compensação, na área de reassentamento, será descontado do
valor indenizatório. Ora, os habitantes de áreas que poderão
vir a ser instituídas como unidades de conservação - como já
foi dito em geral, são pessoas pobres que residem em casas
extremamente modestas; se tiverem descontados os valores das
benfeitorias dos assentamentos, provavelmente serão
confiscados de suas moradias, pois pouco ou nada lhes restará
de indenização. Por fim, há que se consignar que a
propriedade, registrada em cartório e titulada, não é uma
característica muito marcante em nosso meio rural. Ao
contrário, a regularidade fundiária é, ainda, um horizonte
distante. Logo, a maioria das populações deslocadas é
constituída por posseiros.19
Ü8 Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades
de conservação nas quais sua permanência não seja permitida
serio indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias
existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em
local e condições acordados entre as partes. § Ia O Poder
Público, por meio do fygão competente, príorizaiá o
reassentamento das populações tradicionais a serem
realocadas. § 2a Até que seja possível efetuar o
reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas
normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a
presença das populações tradicionais residentes com os
objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das
fontes de subsistência e dos locais de moradia destas
populações, assegurando-se a sua participação na elaboração
das referidas normas e ações. §3° Na hipótese prevista no §
2®, as normas regulando o prazo de permanência e suas
condições serão estabelecidas em regulamento.
19 Antônio Hermann Benjamim. “Visão Geral da lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação”, in Milano, Miguel
Serediuk e Theulen (org). II Congresso Brasileiro de
Unidades de Conservação. Anais, volume III. Campo Grande,
2000. A exigência de indenização às populações ambientais
foi um louvável esforço de proteção de um segmento mais
desprotegido da sociedade. Entretanto deve ser interpretada
de maneira correta. A lei criou duas obrigações, uma de
indenizar benfeitorias, outra que não existe no ordenamento
que é a “ realocação”. Realocação não pode ser entendida
como obrigação do Poder Público dar casa ou propriedade,
pois isso seria indenização integral. A lei não poderia
obrigar o Poder Público a indeni-
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
O órgão fundiário, sempre que solicitado pelo órgão
executor, deve apresentar, no prazo de seis meses, a contar da
data do pedido, programa de trabalíio para atender às demandas
de reassentamento das populações tradicionais, com definição
de prazos e condições para a sua realização. Obviamente que a
matéria deve constar da previsão orçamentária do mencionado
órgão fundiário, ou do executor, sob pena de o artigo 38 do
decreto restar como letra morta.
O artigo 39 do decreto determina que: Enquanto não forem
reassentadas, as condições de permanência das populações
tradicionais em Unidade de Conservação de Proteção Integral
serão regtdadas por termo de compromisso, negociado entre o
órgão executor e as populações, ouvido o conselho da unidade
de conservação. A norma não pode ser aplicada em todas as
situações, pois, em se tratando de unidades de conservação que
serão criadas, a imissão na posse pelo Poder Público somente
ocorre após o ajuizamento da ação expropriatória e do depósito
da indenização. Ora, o artigo 42 da Lei do SNUC dispõe: As
populações tradicionais residentes em unidades de conservação
nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas
ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente
realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados
entre as partes. Em minha opinião, é condição prévia para que
se possa imitir a administração integralmente na posse que a
indenização tenha sido depositada e que o reassentamento
(realocação, nos termos da lei) já esteja encaminhado. Em
unidades de conservação que já possuíam populações em seu
interior quando de sua criação, penso que a situação é mais
complexa, pois existem usos permitidos prévios que não podem
ser restringidos sem mais.
Os parágrafos do artigo 3920 estabelecem absurdos jurídicos,
pois definem obrigações e direitos para as partes antes do
ajuizamento da ação expropriatória ou da desapropriação
amigável. Tal procedimento não encontra amparo legal ou
constitucionaL
3.4.I.5. Monumento Natural
Antes da edição da Lei n- 9.985/2000, os monumentos naturais
não estavam regulamentados no sistema jurídico nacional de
forma bastante clara e incisiva. Limitavam-se a uma previsão
feita pela “Convenção para a proteção da flora, da fauna e das
belezas cênicas naturais dos países da América” que, em se
artigo 13, definia os Monumentos Naturais da seguinte forma:
zar o posseiro nas mesmas condições que o proprietário. Quanto
às benfeitorias existentes, é necessário deSnir quais são.
Primeiro tem que ser a posse de boa-fé, já que por má-fé a lei
não permite. Depois, só podem ser indenizadas as necessárias e
úteis.
20 Art. 39, § Io O termo de compromisso deve indicar as áreas
ocupadas, as limitações necessárias para assegurar a
conservação da natureza e os deveres do órgão executor
referentes ao processo indenizatório, assegurados o acesso
das populações às suas fontes de subsistência e a
conservação dos seus modos de vida. § 2a O termo de
compromisso será assinado pelo órgão executor epelo
representante de cada família, assistido, quando couber,
pela comunidade rural ou associação legalmente constituída.
§3° O termo de compromisso será assinado no prazo máximo de
nm ano após a criação da unidade de conservação e, no caso
de unidade já criada, no prazo máximo de dois anos contado
da publicação deste Decreto. § 4* O prazo e as condições
para o reassentamento das populações tradicionais estarão
definidos no termo de compromisso.
Direito Ambiental
Monumentos Naturais: As regiões, os objetos ou as espécies
vivas de animais ou plantas, de interesse estético ou valor
histórico ou científico, aos quais é dada proteção absoluta,
com o fim de conservar um objeto específico ou uma espécie
determinada da flora ou fauna, declarando uma região, um
objeto ou uma espécie isolada monumento natural inviolável,
exceto para a realização de investigações científicas
devidamente autorizadas, ou inspeções oficiais.
Os Monumentos Naturais foram declarados sítios de relevância
ecológica pela Resolução CONAMA ns 11, de 3 de dezembro de
1987,
A Lei ns 9.985/2000, em seu artigo 12, estabeleceu que o
Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios
naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. É
importante observar que os Monumentos Naturais, na forma do §
l2 do artigo 12, podem ser constituídos por áreas particulares,
desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade
com a utilização da terra e dos recursos naturais do local
pelos proprietários. Trata-se, portanto, de uma unidade de
conservação que, em tese, pode estar submetida,
concomitantemente, ao regime jurídico público e privado. É
importante sublinhar, entretanto, que as áreas privadas
somente serão consideradas integrantes do Monumento Natural
com a aquiescência de seus proprietários; caso esta não
exista, a área deverá ser desapropriada, na forma da lei*
3.4.1.6. Refugio de Vida Silvestre
Os Refúgios de Vida Silvestre têm como objetivo proteger
ambientes naturais onde se asseguram condições para a
existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora
local e da fauna residente ou migratória. Eles podem ser
constituídos por áreas particulares, desde que compatíveis os
objetivos da unidade com a utilização do solo e dos recursos
naturais do local pelos proprietários. No caso da existência
de incompatibilidades entre os objetivos da unidade de
conservação e as atividades privadas ou, ainda, inexistindo a
concordância do proprietário com as condições propostas pelo
órgão responsável pela administração da unidade para a coe-
xistência do Refúgio de Vida Silvestre com o uso da
propriedade, a área deve ser desapropriada, na forma da lei.
§ 3B A visitação pública está sujeita às normas e restrições
estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas
estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e
àquelas previstas em reeuiamento.
3.4.2. Unidades de Uso Sustentável
Na forma do artigo 14 da Lei n2 9.985/2000, constituem o
Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias
de unidade de conservação:
a) Área de Proteção Ambiental;
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
b) Área de Relevante Interesse Ecológico;
c) Floresta Nacional;
d) Reserva Extrativísta;
e) Reserva de Fauna;
f) Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
g) Reserva Particular do Patrimônio Natural.
3.4.2.1. Áreas de Proteção Ambiental
3.4.2.1.1. Histórico Legislativo
As áreas de proteção ambiental foram introduzidas no Direito
brasileiro pela Lei Federal na 6.902, de 27 de abril de 1981,
que em seu artigo 82 determinava:
O Poder Executivo, quando houver relevante interesse
público, poderá declarar determinadas áreas do território
nacional como de interesse para a proteção ambiental, a üm de
assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou
melhorar as condições ecológicas locais.
Não é difícil perceber que, nos termos daquela lei, as Áreas
de Proteção Ambiental eram unidades de conservação
estabelecidas em regiões que já se encontravam habitadas. Em
realidade, a instituição de uma Área de Preservação Ambiental
(APA) tem como um de seus objetivos precípuos o de assegurar o
bem-estar das populações humanas que nela habitavam. Tal bem-
estar deve ser conjugado, evidentemente, com o aprimoramento
das condições ambientais existentes no interior da AP A. Bem
se vê, portanto, que as Áreas de Preservação Ambiental são
consideradas espaços protegidos que, não obstante a ampla
proteção legal que lhes são atribuídas, não se constituem em
áreas intocáveis. O artigo 9a, inciso VI, da Lei nfl 6.938/81
esta- belece que as Áreas de Proteção Ambiental são um dos
instrumentos da PNMA.
As AP As podem ser criadas por decreto ou lei, que,
necessariamente, deverá conter sua denominação, limites
geográficos, principais objetivos e; proibições e restrições
de uso de recursos ambientais. Não há proibição de habitação,
residência e atividades produtivas nas APAs; contudo, estas
devem ser orientadas e supervisionadas pela entidade ambiental
encarregada de assegurar o atendimento das finalidades da
legislação instituidora.21 Portanto, a criação de uma AP A, de
forma alguma, impede o exercício de atividades econômicas. Ao
contrário, se a APA for bem concebida, é possível que o seu
estabelecimento se constitua em estímulo ao desenvolvimento de
atividades econômicas. A única exigência que é feita pelo
Poder Público é que as atividades sejam compatíveis com o
plano de manejo e que sejam executadas de
21 Decreto na 99.274/90, arts. 28-32.
Direito Ambiental
maneira sustentável. Há que se consignar a existência de uma
tendência à criação de AP As mediante a expedição de leis e
não meros decretos.
Nas Áreas de Proteção Ambiental, não são permitidas as
seguintes atividades, que serão limitadas ou proibidas:
a) a implantação e o funcionamento de indústrias
potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de
água;
b) a realização de obras de terraplanagem e a abertura de
canais, quando essas iniciativas importarem sensível
alteração das condições ecológicas locais;
c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada
erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das
coleções hídricas;
d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área
protegida as espécies raras da biota22 regional.
Considerando o status jurídico especial das AP As, as
atividades a serem desenvolvidas em seu interior,
necessariamente, devem ser precedidas de estudo de impacto
ambiental. Em princípio, não deve haver pagamento de
indenização pelo simples estabelecimento de AP A. Entretanto,
na hipótese em que o estabelecimento de iima APA tenha
significado, em concreto, a obrigatoriedade do encerramento de
uma determinada atividade econômica, aí, sim, deverá ser paga
indenização, tendo em vista a verdadeira desapropriação
indireta. Isto, entretanto, é matéria de prova judicial. Há
que se evitar a utilização da APA como um pretexto para o
encerramento de atividades que já estavam em situação pré-
falimentar ou mesmo inviabilizadas por outros motivos que nada
têm a ver com a APA.
O CONAMA, por meio da Resolução n° 10/88, estabeleceu que as
áreas de preservação ambiental são unidades de conservação,
destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os
sistemas naturais ali existentes, visando à melhoria da qua-
lidade de vida da população local e também objetivando a
proteção dos ecossistemas locais. Independentemente de sua
situação dominial, qualquer área pode integrar uma APA. Há que
se concluir, portanto, que as AP As, em sentido estrito, não
devem ser vistas como unidades de conservação, mas,
preferencialmente, como áreas submetidas a um regime especial
de gestão ambiental.
A Lei na 9.985/2000, em seu artigo 15, estabelece que, in
verbis:
A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa,
com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente
importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das
populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a
diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
22 Iara Verocai Dias Moreira. Vocabulário Básico do Meio
Ambiente, Rio, FEEMA, 4* ed., 1992, p. 44. Biota: conjunto
dos componentes vivos (bióticosj de um ecossistema.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
A definição é, de certa forma, abstrata, pois se utiliza de
termos ambíguos e pouco claros, tais como “área em geral
extensa” ou “certo grau de ocupação humana”. Fato é que a APA
tem por finalidade, continuando a tradição do regime legal
anterior, a garantia da qualidade de vida — humana, por
suposto; isto implica que ela deve, necessariamente, ser uma
área ocupada por seres humanos. O grau é absolutamente
irrelevante, no particular. Da mesma forma, a extensão da área
é absolutamente irrelevante. O importante é o que se pretende
proteger, não a extensão física da área protegida.
Uma questão complexa que se coloca é aquela que diz respeito
à compatibiliza- ção do obfetivo das AP As em disciplinar o
processo de ocupação que, evidentemente, é “ocupação do solo”,
e o artigo 30 da CF,23 que define as competências municipais
quanto à utilização do solo urbano. Penso que estamos em um
terreno extremamente delicado, pois, em minha opinião,
dificilmente se poderá compatibilizar a existência de AP AS
federais ou estaduais em áreas urbanas, dados os particulares
poderes constitucionais atribuídos aos municípios que, ipso
facto, teriam as suas competências em disciplinar a utilização
do solo usurpadas por outros entes federativos. Esta,
obviamente, é uma questão em aberto que somente poderá ser
dirimida por uma decisão do Egrégio STF sobre o tema. É
evidente, entretanto, que as leis gozam de presunção de
constitucionalidade e não se pode, tout court, apregoar a ins-
constitucionalidade da norma que ora está sendo examinada.
As áreas de Proteção Ambiental são constituídas em terras
públicas ou privadas. Desde que observados os limites
constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições
para a utilização da propriedade privada localizada em uma
Área de Proteção Ambiental, Este não é um tema singelo, pois
muitas APAs têm sido declaradas como desapropriação indireta,
pois, infelizmente, a Administração pública, não raras vezes,
sob o manto de APA, estabelece, na prática, outras unidades de
conservação.24 É bem
25 CF, Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre
assuntos de interesse local (...) VIU - promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano...
24 KEsp591948/SP; RECURSO ESPECIAL. 2003/0176435-1 Ministro
LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. DjfU 29.11.2004p. 237. SERRA DO
MAR. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
INDENIZAÇÃO. AÇÃO DE NATUREZA REAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA.
SÚMULA N° 119/STJ. 1. Os proprietários de imóveis com
restrição ao direito de uso por imposição legal têm direito
à indenização pelo desfalque sofrido em seu patrimônio,
ocupado pelo Poder Público. A ação de desapropriação
indireta é de natureza real, não se expondo à prescrição
qüinqüenal. (RESP 94152, Rei. Min. Peçanha Martins, DJ de
23/11/1998). 2. As restrições de uso de propriedade
particular impostas pela Administração Pública, para fins de
proteção ambiental, constituem desapropriação indireta,
devendo a indenização ser pleiteada mediante ação de
natureza real, cujo prazo prescridonal é vintenário
(Precedentes nos REsps: 443.852 e 94.152) ADMINISTRATIVO.
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. PARQUE ESTADUAL DA
SERRA DO MAR. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL
LIMITAÇÃO DE USO. PERÍCIA. DETERMINAÇÃO DE NOVA AVAUAÇÃO.l.
O Estado de São Paulo é parte legítima para responder às
indenizações referentes ao Parque Serra do Mar, tendo a
jurisprudência deste STJ se mani&stado nessa linha em
diversas ocasiões. 2. Não se aplica o teor do art. l°do
Decreto na20.910/32às ações desapropriatórias indiretas. O
prazo, antes da vigência do Novo CC, para efeitos
prescriáonais, é de 20 anos. 3. Se o pedido não está
sustentado em alegações de domínio com descrição vaga e
incompleta, não há que se falar em inépcia da inicial. 4. O
Decreto que criou o Parque
Direito Ambiental
verdade que os Tribunais vêm exigindo para a caracterização da
desapropriação indireta que ocorra um molestamento efetivo dos
direitos dos proprietários e não meramente a instituição da
Unidade de Conservação.25 Nas áreas, integrantes da APA, que se
encontrem sob o regime jurídico de direito privado, cabe ao
proprietário esta
Estadual Serra do Mar não caducou, produzindo os seus efeitos
ao impor restrições de uso às propriedades atingidas. Não
ocorreu apossamento da área, havendo simples limitação
administrativa que afeta, em caráter não substancial, o
direito de propriedade. Não se justifica, assim, impor
indenização correspondente ao valor da terra quando o que lhe
atinge é, apenas, limitação de uso. 5. A perícia, considerando
o valor que o imóvel tinha, na época, no mercado, não se
dedicou a fixar, somente, os danos decorrentes das limitações
determinadas pelo Poder Público. O laudo, documento sublimado
pela sentença, é, portanto, irreal. Essa irrealidade
apresenta-se potencializada quando incluiu as matas de
preservação permanente, consideradas por lei, como possuindo
valor econômico. Se elas não podem ser exploradas, eviden-
temente, estão fora do mercado. 6. Recurso especial
parcialmente provido para o Sm específico de anular os atos
processuais a partir da perícia” (REsp 443.852, Rei. Min. José
Delgado, DJ de 10/11/2003). “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO
- RECURSO ESPECIAL - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - AÇÃO DE
NATUREZA REAL - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR - INTERESSE DE
AGIR - LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE - DEL 10.251/77 -
INDENIZABILIDADE - VIOLAÇÃO A LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA -
DISSÍDIO JURISPRUDÊNCIA! NÃO COMPROVADO - PRECEDENTES. — Os
proprietários de imóveis com restrição ao direito de uso por
imposição legal têm direito à indenização pelo desfalque
sofrido em seu patrimônio, ocupado pelo Poder Público. - A
ação de desapropriação indireta é de natureza real, não se
expondo à prescrição qüinqüenal. - Não basta a alegação de
violação à lei federal, com a simples indicação do preceito
legal violado, impondo-se a exposição de argumentação em abono
da tese sustentada pelo recorrente, sem o que inviável a
apreciação do pleito pelo julgador. - Para que se tenha por
comprovado o dissídio pretoriano alegado, os paradigmas
colacionados devem apreciar, rigorosamente, o mesmo tema
abordado do acórdão recorrido, dando-lhes soluções distintas.
- Desatendidas as determinações legais e regimentais para
demonstração da divergência jurisprudencial, tem-se por não
configurado o dissenso in terpretan vo invocado.- Recurso não
conhecido" (RESP 94152, ReL Min. Peçanha Martins, DJ de
23/11/1998) 3. Incidência da Súmulan» 119/STJ. “A ação de
desapropriação indireta prescreve em vin te anos. ” 4. A limi-
tação administrativa gera obrigação de indenizar quando
resulta em prejuízo para o proprietário. A verificação de
prejuízo e de sua extensão é questão de prova, obstaculizada
pela Súmula 7/STJ. 5. Decidindo o aresto recorrido pela
rejeição da prescrição e retorno dos autos, impõe-se o seu
retomo ao juízo de origem. 6. Recurso especial desprovido. “
25 REsp 628588 / SP; RECURSO ESPECIAL. 2004/0004702-7.
Relator: Ministro LUIZ ÍUX; Relator p/Acórdão Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI. - PRIMEIRA TURMA. DJ 01.08.2005 p. 327.
ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO DE ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL.
DECRETO ESTADUAL 37.536/93). DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
PRESSUPOSTOS: APOSSAMENTO, AFETAÇÃO À UTILIZAÇÃO PÚBLICA,
IRREVERSIBILIDADE. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. 1. A chamada
“desapropriação indireta” é construção pretoriana criada
para dirimir conflitos concretos entre o direito de
propriedade e o princípio da função social das propriedades,
nas hipóteses em que a Administração ocupa propriedade
privada, sem observância de piévio processo de
desapropriação, para implantar obra ou serviço público. 2.
Para que se tenha por caracterizada situação que imponha ao
particular a substituição da prestação específica (restituir
a coisa vindicada) por prestação alternativa (indenizá-la em
dinheiro), com a consequente transferência compulsória do
domínio ao Estado, é preciso que se verifiquem, cumulati,^.
~“nte, as seguintes circunstâncias: (a) o apossamento do bem
pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de
desapropriação; (b) a afetação do bem, isto é, sua
destinação à utilização pública; e (c) a impossibilidade
material da outorga da tutela especifica ao proprietário,
isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do
indevido apossamento e da afetação. 3. No caso concreto, não
está satisfeito qualquer dos requisitos adma aludidos,
porque (a) a mera edição do Decreto 37.536/93 não configura
tomada de posse, a qual pressupõe necessariamente a prática
de atos materiais; (b) a plena reversibilidade da situação
fática permite aos autores a utilização, se for o caso, dos
interditos possessórios, com indubitável possibilidade de
obtenção da tutela espedfica, 4. Não se pode, salvo em caso
de fato consumado e irreversível, compelir o Estado a
efetivar a desapropriação, se ele não a quer, pois se trata
de ato informado pelos princípios da conveniência e da
oportunidade. 5. Recurso especial a que se nega provimento.”
’ cfisiJio oupenor ssuisgi
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
belecer as condições para pesquisa e visitação pelo público,
observadas as exigências e restrições legais.
A Área de Proteção Ambiental, no regime do SNUC, deve dispor
de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua
administração; e constituído por representantes dos órgãos
públicos, de organizações da sociedade civil e da população
residente, na forma da regulamentação específica.
A Cidade do Rio de Janeiro é dotada de mais de 90 (noventa)
áreas especialmente protegidas que vão desde o Jardim
Botânico, criado em 1808, até Parques e, predominantemente,
Áreas de Proteção Ambiental que se espelham pelos mais
diversos bairros da cidade. Entretanto, o Município do Rio de
Janeiro não é dotado de uma legislação própria. Observe-se
que, no número acima, não estão incluídas as Áreas de Proteção
do Ambiente Cultural — APAC, que estão submetidas à
administração da Secretaria da Cultura.
3A.2.2. Área de Relevante Interesse Ecológico 3A2.2.1.
Histórico da Legislação
O Decreto Federal ns 88.351, de 31 de agosto de 1981,
regulamento administrativo das Leis nes 6.938/81 e 6.902/81,
estabeleceu, ao longo dos artigos 28-35, os contornos legais
das estações ecológicas e das áreas de proteção ambiental Esta
regulamentação permitiu o desenvolvimento, pelo Decreto
Federal na 89.336, de 31 de janeiro de 1984, por seu artigo 2Ô,
do estabelecimento das áreas de relevante interesse ecológico.
Tais áreas são aquelas que possuam características
extraordinárias ou abriguem exemplares raros da biota
regional, exigindo cuidados especiais de proteção por parte do
Poder Público.
As Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIL), no regime
pretérito, eram preferencialmente declaradas quando, além dos
requisitos previstos no caputdo art. 2®, tivessem extensão
inferior a 5.000 hectares e não tivessem^ na época do ato
declaratório, nenhuma ocupação humana (art. 2e, § Ia). As
ARILs, na forma do que dispunha o artigo 3S do Decreto n2
89.336/84, tinham por finalidade manter os ecossistemas
naturais de importância regional ou local e regular o uso
admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-las com os
objetivos da conservação ambiental.
O CONAMA, mediante a Resolução ne 12, de 14 de setembro de
1989, determinou que:
Nas áreas de relevante interesse ecológico são proibidas todas
as atividades
que possam pôr em risco a conservação dos ecossistemas; a
proteção especial à
biota localmente rara e a harmonia da paisagem.
As atividades ecologicamente sadias não estão proibidas nas
ARILs, inclusive o pastoreio equilibrado e a colheita de
produtos naturais, desde que devidamente controladas pelos
órgãos supervisores e fiscalizadores.
587
Direito Ambientai
3A.2.2.2. Novo Regime Jurídico
Na forma do art. 16 da Lei ne 9.985/2000,
a Área de Relevante Interesse Ecológico é uma área em geral de
pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com
características naturais extraordinárias ou que abriga
exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter
os ecossistemas naturais de importância regional ou local e
regular o uso admissível dessas áreas, de modo a
compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.
Elas podem ser formadas por terras públicas ou privadas. Uma
vez que sejam respeitados os limites constitucionais, podem
ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de
propriedade privada localizada em Área de Relevante Interesse
Ecológico. O mesmo comentário feito para as áreas de proteção
ambiental é válido para as áreas de relevante interesse
ecológico.
3.4.2.3. Floresta Nacional
3.4.2.3.I. Titularidade das Terras Brasileiras
É conveniente que, inicialmente, se faça uma rápida análise
sobre o regime dominial das terras brasileiras, visto que, em
nosso país, elas eram originariamente públicas e distribuídas
pelo Estado para colonização. Como se sabe, a colonização do
Brasil foi feita inicialmente pelo chamado regime de
sesmarias, que consistia na doação, por parte do poder
público, de terras para aqu ^cs que tivessem meios para
explorá-las economicamente, impondo-se ao donatário a
obrigação de cultivá-las. Caso as sesmarias não fossem
exploradas adequadamente, as terras retomavam à propriedade da
Coroa Portuguesa, conforme disposto na Lei de Sesmarias de D.
Fernando I, emitida no ano de 1375. Às terras não exploradas e
que retomavam à propriedade da Coroa se dava o nome de terras
devolutas (devolvidas).
O mencionado sistema era possível, visto que, em decorrência
do regime colonial, todas as terras pertenciam ao Mestrado da
Ordem de Cristo, cujo grão-mestre era o próprio rei de
Portugal. O regime de Sesmarias chegou ao fim com o Império,
que, logo em seus primórdios, reconheceu o chamado regime de
posse, abolindo as sesmarias. Na verdade, a resolução da mesa
da Câmara que aboliu as sesmarias foi o reconhecimento de uma
situação de fato que já tinha encontrado algum amparo legal em
Alvará de 1795 cujo objetivo central era a tentativa de
reestruturação de nosso padrão fundiário.
Com a Lei n5 601, de 18 de setembro de 1859, o regime de posse
foi extinto e somente se admitiu a alienação de terras
devolutas por meio da compra e venda. Assim, em princípio, as
terras que não foram dadas em sesmaria são consideradas
públicas no Brasil, bem como aquelas que, mesmo tendo sido
concedidas, não
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
tenham sido objeto da adequada exploração caíram em comisso,
retomando à titularidade do estado. O comisso, como se sabe,
era uma pena de perdimento em função do seu não-aproveitamento
econômico.
Logo, como se viu rapidamente, a quantidade de terras
públicas no Brasil é muito grande, em razão do regime de
colonização adotado. A proteção e utilização de tais bens
públicos com fins de proteção ambiental e de utilização
sustentável é, de certa forma, uma tradição de nosso direito
positivo, como demonstrarei. Entretanto, integra a mesma
tradição a necessidade de utilização econômica do bem. A
legislação colonial, em seu espírito e letra, é bastante clara
ao determinar a tutela do bem florestal, no contexto do
desenvolvimento da Colônia.
Já em 1605, conforme informa Wainer, foi baixado o Regimento
sobre o Pau- Brasil, mediante o qual ficava proibido o corte
do Pau-Brasil sem a devida autorização administrativa. Ainda
segundo a ilustre autora: “A partir da edição do Regimento, a
preocupação com o desmatamento é uma constante e foi inserida
no Regimento da Relação e Casa do Brazil, de março de 1609,
que foi o primeiro Tribunal brasileiro na cidade de Salvador,
com jurisdição em toda a colônia.”
Na verdade, o Regimento do Pau-Brasil buscava estabelecer os
mecanismos pelos quais era admitida a extração do Pau-Brasily
muito mais do que funcionar como uma proibição. Sem que haja
necessidade de aprofundar o desenvolvimento histórico da
legislação, serve a presente apenas para demonstrar que, desde
os seus primórdios, a legislação ambiental brasileira, como
parece ser evidente com a simples leitura do Regimento do Pau
Brasil,26 a Coroa Portuguesa tinha preocupações em manter
26 “1605 ~ REGIMENTO DO PAU-BRASIL Eu El-rei. Faço saber aos
que este Meu Regimento virem, que sendo informado das muitas
desordens que lia no certão do páo brasil, e na conservação
delle, de que se tem seguido baver boje moita falta, e ir-se
buscar muitas legoas pelo certão dentro, cada vez será o
damno mayor se se não atalhar, e der nisso a Ordem
conveniente, e necessaria, como em cousa de tanta impor-
tancia para a Minha Real Fazenda, tomando informações de
pessoas de experiência das partes do Brasil, e comunicando-
as com as do Meu Conselho, Mandei fàzer este Regimento, que
Hei por bem, e Mando se guarde daqui em diante
inviolavelmente. Parágrafo V. Primeiramente Hei por bem, e
Mando, que nenhuma pessoa possa cortar, nem mandar cortar o
dito páo brasil, por si, ou seus escravos ou Feitores seus,
sem expressa licença, ou escrito do Provedor mór de Minha
Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo des- tricto
estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o
contrário fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de
toda sua fazenda. Parágrafo 2’. O dito Provedor Mór para dar
a tal licença tomará informações da qualidade da pessoa, que
lha pede, e se delia ba alguma suspeita, que o
desencaminhará, ou furtará ou dará a quem o haja de fazer.
Parágrafo 3’. O dito Provedro Mór fará fazer um Livro por
elle assig- nado, e numerado, no qual se registarão todas as
licenças que assim der, declarando os nomes e mais con-
frontações necessarias das pessoas a que se derem, e se
declarará a quantidade de páo para que se lhe dê licença, e
se obrigará a entregar ao contractador toda a dita
quantidade, que trata na certidão, para com elia vir
confrontar o assento do Livro, de que se fará declaração, e
nos ditos assentos assignará a pessoa, que levar a licença,
com o Escrivão. Parágrafo 4’. E toda a pessoa, que tomar
mais quantidade de páo de que lhe fôr dada licença, além de
o perder para Minha Fazenda, se o mais que cortar passar de
dez quin- taes, incorrerá em pena de cem cruzados, e se
passar de cincoenta quintaes, sendo peão, será açoutado, e
degradado por des annos para Angola, e passando de cem
quintaes morrerá por elle, e perderá toda sua fazenda.
Parágrafo 5’. O provedor fkrá repartição das ditas licenças
em o modo, que cada um dos moradores da Capitania, a que se
houver de fazer o corte, tenha sua parte, segundo a
possibilidade de cada um, e que em todos se não exceda a
quantidade que lhe for ordenada Parágrafo 6’. Para que se
não córte mais quantidade de páo da que eu tiver dada por
contracto, nem se carregue à dada Capitania, mais da que
boamente se pôde tirar delia; Hei por bem, e Mando, que em
cada um anno se faça repartição da quantidade do
Direito Ambiental
a sustentabilidade da exploração da madeira, ainda que os
resultados alcançados não se mostrem tão alvissareiros como
seria o desejável.
3A.2.3.2. Serviço Florestal Brasileiro
Modernamente, a proteção das florestas começa com o
estabelecimento de um regime federal de proteção das florestas
no Brasil, com a edição do Decreto n2 4,421, de 28 de dezembro
de 1921, que criou o Serviço Florestal do Brasil, no âmbito do
Ministério da Agricultura e que tinha por escopo a
conservação, beneíjciamen to, reconstituição, formação e
aproveitamento das florestas. Indiscutível, portanto, que à
base da criação do Serviço Florestal estava o que atualmente
chamamos de manejo para o desenvolvimento sustentável. Aliás,
isto fica muito claro com a simples leitura do artigo l9 do
decreto em questão, pois nele está firmemente estabelecido que
o termo florestas não se restringe às áreas “atualmente
cobertas de vegetação de alto e médio porte", mas, também,
aquelas nas quais se pretenda desenvolver tal tipo de
vegetação
páo, que se ha de cortar em cada uma das Capitanias, em que há
mata delle, de modo que em todo se não exceda a quantidade do
Contracto. Parágrafo 7'. A dita Reparação do páo que se ha de
cortar em cada Capitania se fará em presença do Meu Governador
daqueUe Estado pelo Provedor Mór da Minha Fazenda, e Officiaes
da Camara da Bahia, e nelia se terá respeito do estado das
matas de cada uma das ditas Capitanias, para lhe não
carregarem mais, nem menos páo do que convém para benefício
das ditas matas, e do que se determinar aos mais votos, se
fará assento pelo Escrivão da Camara, e deües se tirarão
Provisões em nome do Governador, e por eile assignadas, que se
mandarão aos Provedores das ditas Capitanias para as
executarem. Parágrafo 8’. Por ter informação, que uma das
cousas, que maior danrao tem causado nas ditas mattas, em que
se perde, e destroe mais páos, é por os Contractadores não
aceitarem todo o que se corta, sendo bom, e de receber, e
querem que todo o que se lhe dá seja roliço, e massi- ço do
que se segue ficar pelos mattos muitos dos ramos e ilhargas
perdidas, sendo todo elle bom, e conveniente para o uso das
tintas; Mando a que daqui em diante se aproveite todo o que
fôr de receber, e não se deixe pelos matos nenhum páo cortado,
assim dos ditos ramos, como das ilhargas, e que os contracta-
dores o recebão todo, e havendo dúvida se é de receber, a
determinará o Provedor da Minha Fazenda com informação de
pessoas de crédito ajuramentadas; e porque outrosym sou
informado, que a causa de se extinguirem as matas do dito páo
como hoje então, e não tomarem as árvores a brotar, é pelo mão
modo com que se fàzem os cortes, não lhe deixando ramos, e
varas, que vão crescendo, e por se lhe pôr fogo nas raizes,
para fazerem roças; Hei por bem, e Mando, que daqui em diante
se não fação roças em terras de matas de páo do brasil, e
serão para isso coutadas com todas as penas, e defesas, que
estas coutadas Reaes, e que nos ditos córtes se tenhão muito
tento a conservação das árvores para que tornem a brotar,
deixan- do-ihes vaias, e troncos com que os possâo fazer, e os
que o contrário fizerem serão castigados com as penas, que pa-
recer ao Julgador. Parágrafo 9®. Hei por bem, e Mando, que
todos os annos se tire devassa do córte do páo brasil, na qual
se perguntará pelos que quebrarão, e fbrão contra este
Regimento. Parágrafo 10’. E para que em todo haja guarda e
vigilância, que convém Hei por bem, que em cada Capitania, das
em que houver matas do dito páo, haja guardas, duas delias,
que terão de seu ordenado a vintena das condemnações que por
sua denundação se fizeram, as quaes guardas serão nomeadas
pelas Camaras, e approvadas pelos Provedores de Minha Fazenda,
e se lhes dará juramento, que bem, e verdadeiramente fação
seus Ofí icios. Parágrafo 11«. O qual Regimento Mando se
cumpra, e guarde como nelle se contém e ao Governador do dito
Estado, e ao Provedor Mór da Minha Fazenda, e aos Provedores
das Capitanias, e a todas as justiças delias, que assim o
cumprão. e guarde, e fação cumprir, e guardar sob as penas
nelle contheudas; o qual se registrará nos livros da Minha
Fazenda do dito Estado, e nas Camaras das Capitanias, aonde
houver matas do dito páo, e valerá posto que não passe por
carta em meu nome, e o effeito delta haja de durar mais de um
anno, sem embargo da Ordenação do segundo Livro, título trinta
e nove, que o contrário dispõem. Francisco Ferreira o fés a 12
de Dezembro de 1605. E eu o Secretario Pedro da Costa o fis
escrever ‘Rey’.”
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
"para defesa da salubridade e aumento da riqueza pública”. Sem
dúvida, o conceito empregado naquela época se adapta
perfeitamente aos nossos dias. Vale relembrar, por pertinente,
que o vigente CFlo, conforme já foi assinalado, não tem uma
definição de floresta, sendo, no particular, mais
inconsistente que a legislação ora examinada.
Para fins de gestão do patrimônio florestal, o decreto em
questão definiu diferentes categorias de florestas, com
destaque especial para as chamadas florestas protetoras. “Art.
3a Ao Serviço Florestal incumbe: L Promover e auxiliar a
conservação, creação e guarda das florestas protectoras, isto
é, das que servem para: § ls Beneficiar a hygiene e a saude
publica. § 23 Garantir a pureza e abundançia dos mananciaes
aproveitaveis á alimentação; § 3S Equilibrar o regimen das
aguas correntes que se destinam não só ás irrigações das
terras agrícolas como tambem ás que servem de vias de
transporte e se prestam ao aproveitamento de energia. § 4a
Evitar os effeitos dam- nosos dos agentes atmosphericos;
impedir a destruição produzida, pelos ventos; obstar a
deslocação das areias movediças como tambem os
esbarrocamentos, as erosões violentas, quer pelos rios, quer
pelo mar. § 52 Auxiliar a defesa das fronteiras. ”
E importante observar que, na forma da tradição legal
brasileira, admitia-se que, nas florestas protetoras, nos
casos em que houvesse “grande vantagem” para a riqueza
nacional, fosse permitida a exploração econômica de seus
produtos, mas “sempre com a obrigação de replantio”. As
florestas protetoras que não estivessem sob o regime de
domínio público deveriam ser identificadas pelo poder público
para fins de declaração de utilidade ou necessidade pública,
tomando-se passíveis de desapropriação. Em tais casos, os
proprietários deveriam ser notificados e, pelo período de um
ano, tinham a obrigação de manter intactas as florestas até
que se providenciasse o ato de desapropriação. Contudo, “Si,
no prazo de um anno, contâdo da data da notificação, não fôr
ultimado o processo de desapropriação e indemnização, poderão
os proprietários usar, gosar e dispôr livremente dos bens
declarados imprescindíveis, ficando-lhes ainda salvo o direito
de indemnização pelo tempo em que a sua propriedade estava
gravada”
Além das florestas protetoras, o decreto estabeleceu outras
categorias que, hodiemamente, poderiam ser chamadas de
unidades de conservação, tais como (i) hortos florestais, (ii)
florestas-modeio, (iii ) reservas florestais e (iv) parques
nacionais. Assim, como se vê, a criação do serviço florestal
brasileiro, do ponto de vista jurídico, foi bastante
abrangente, chegou-se à instituição de uina polícia florestal
voltada para a defesa das florestas protetoras e de
estatísticas próprias para as atividades florestais.
Grande destaque deve ser dado ao chamado Regime Florestal
estabelecido pelo Decreto n9 4.421. Por tal regime se buscava a
“conservação metódica das florestas e a perpétua exploração
das mesmasNo particular, ressalte-se que o regime florestal
era obrigatório para todos os terrenos do domínio da União, in
verbis: “Art. 58. O regime florestal será obrigatório para
todos os terrenos do domínio da União, administrados por
qualquer ministério. ”
No regime estabelecido pelo Decreto em exame, todo e
qualquer terreno da União estava submetido ao chamado regime
florestal, ou seja, deveria ser utilizado economicamente,
desde que observadas as cautelas devidas. E mais, mesmo as cha
Direito Ambiental
madas florestas protetoras poderiam ser submetidas ao regime
de exploração econômica sempre que dela resultassem ganhos
efetivos para a nação. Assim, pelo que se pode perceber da
norma, o administrador estava obrigado a ponderar os
diferentes aspectos envolvidos na possível desafetação de uma
floresta protetora, levando em conta critérios ambientais e
econômicos. Em sua essência, trata-se de um mecanismo ainda
vigente em nosso ordenamento jurídico, muito embora a
terminologia empregada tenha sofrido significativa alteração.
Manejo e sustentabilidade eram vocábulos inexistentes em 1921,
mas, certamente, os conceitos abstratamente considerados já
tinham a sua gênese no texto normativo.
3.4.2.3.3. Código Florestal de 1934
As normas estabelecidas pelo Decreto ne 4.421, de 28 de
dezembro de 1921, vigeram até o advento do CFlo aprovado pelo
Decreto ns23.793, de 23 de janeiro de 1934. Efetivamente, com a
queda da República Velha, o Brasil entrou em um estágio no
qual a intervenção estatal no domínio econômico passou a ser
feita de forma mais intensiva e sistemática. Para que o novo
modelo intervencionista pudesse ser operacional, foi
necessária uma grande mudança nos marcos legais até então
existentes no País, com uma ampla modernização normativa. É
nesse contexto que surgem o Código de Águas, o Código de Minas
e o próprio CFlo. A característica que unifica e estabelece
uma forte identidade entre os referidos diplomas legais é:
criar condições legais e institucionais para o desenvolvimento
da infraestrutura brasileira. Em resumo, podemos dizer que o
Código de Águas foi criado para produzir energia elétrica; o
Código de Minas para expandir a mineração e o CFlo para
estimular a produção madeireira e de produtos florestais. Tudo
isto dentro de um contexto que buscava assegurar o acesso
perene aos recursos.
O elemento que, inicialmente, chama mais a atenção do Código
e que denota de forma cabal o seu conteúdo intervencionista é
o artigo le do referido diploma legal. De fato, pelo artigo l9
fica bastante claro que as florestas existentes no território
nacional, independentemente de seu regime jurídico, são bens
de interesse comum a todos os habitantes dopais, ãcando o
exercício dos direitos de propriedade com as limitações das
leis do Brasil, especialmente do próprio CFlo.17
O CFlo de 1934 manteve a antiga categoria das florestas
protetoras e estabeleceu outras. Assim, o Código de 1934
contemplava as seguintes categorias florestais: (i)
protetoras, (ii) remanescentes, (iii) modelo e (iv) de
rendimento.2S
27 Art. Ia As florestas existentes no temtorio nacional,
consideradas em conjuncto, constituem bem de interesse
commttm a todos os habitantes, do paiz, exercendo~se os
direitos de propriedade com as limitações que as leis em
geral, e especialmente este codigo, estabelecem.
28 “Art. 4» Serão consideradas florestas protectoras as que,
por sua localização, servirem conjuncta ou separadamente
paia qualquer dos fins seguintes: a) conservar o regimen das
aguas; b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes
naturaes; c) fixar dunas; d) auxiliar a defesa das
fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades
militares; e) assegurar condições de salubridade publica; í)
proteger sitios que por sua beüeza mereçam ser conservados;
g) asilar especimens raros de fauna indígena ArL 5a Serão
declara-
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
O Código reconhecia, também, a existência dos parques
nacionais, estaduais e municipais que eram considerados
monumentos públicos naturais, sendo vedada qualquer atividade
que neles pudessem causar danos à flora e à fauna. Florestas
de rendimento eram todas aquelas que não fossem classificadas
como protetoras, remanescentes ou modelo. Isto é, o Código
estabeleceu um amplo regime de permissão de exploração
florestal com finalidades econômicas, salvo em relação às
florestas tipicamente definidas. O que resulta evidente é que,
na inexistência de proibição expressa, o critério era a
possibilidade de exploração econômica do bem florestal, assim
como havia sido em toda a legislação precedente. Isto tanto
mais se evidencia quando se examina o artigo 89 do Código que,
expressamente, determinou a inalienabili- dade e a perenidade
com as quais estavam gravadas as florestas protetoras e as
remanescentes, salvo se os proprietários e os adquirentes se
obrigassem por si e por seus sucessores a mantê-las sob o
regime legal em questão.
3.42.3.3.1. Florestas de Domínio Público: Nacionais,
Estaduais e Municipais
É evidente que as diferentes categorias florestais tratadas
pelo Código não guardam uma relação direta com o regime
dominial do solo e de seus acessórios. Assim, não resta dúvida
de que as Eorestas protetoras poderão ser públicas ou
privadas, assim como as florestas de rendimento. O Código
definiu regimes de exploração - ou não-exploração, conforme o
caso - das florestas aplicáveis às áreas florestadas que
ostentassem determinados valores considerados relevantes para
as finalidades estabelecidas no próprio Código. Conforme
determinado pelo artigo 2e do Código de 1934, as normas nele
contidas eram aplicáveis “às florestas como às demais formas
de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que
revestem.” O Código, ao que me parece, buscava permitir a
utilização racional das florestas, ao mesmo tempo em que
estabelecia um forte regime de proteção ao solo, como forma de
assegurar a sobrevivência das florestas e evitar a erosão.
Qual a utilização econômica possível para as florestas
submetidas ao regime jurídico administrativo? No que se refere
às florestas de domínio público, a exploração econômica,
“exploração industrial intensiva”, nos termos do próprio
Código, somente foi autorizada para as florestas de
rendimento, conforme disposto no seu artigo 36.29 As üorestas
de rendimento de domínio público são as antecedentes imediatas
das modernamente chamadas Florestas Nacionais. Aqui é
necessário relem-
das florestas remanescentes: a) as que formarem os parques
nacionaes, estaduaes ou municipaes; b) as em que abundarem ou
se cultivarem especimens preciosos, cuja conservação se
considerar necessaria por motivo de interesse biologico ou
estetico; c) as que o poder publico reservar para pequenos
parques ou bosques, de gozo publico. Art. 6° Serão
classificadas como floresta modelo as artificiaes,
constituídas apenas por uma, ou por limitado numero de
essencias florestaes, indígenas e exóticas, cuja disseminação
convenha fazer-se na região. Art. 7» As demais florestas, não
compreendidas na discriminação dos arts. 4a a 6«, considerar-
se-ão de rendimento.”
29 “Art. 36. Das florestas de domínio público, só as de
rendimento são susceptíveis de exploração industrial
intensiva, sempre mediante concorrência pública.”
Direito Ambiental
brar que as florestas de rendimento eram todas as florestas de
domínio público que não estivessem compreendidas nas
categorias de (i) protetoras; (ii) remanescentes ou (iii)
modelo.
A exploração intensiva era aquela que estava restringida
apenas pelas normas do próprio CFlo naquilo que se refere aos
produtos florestais tal como definidos pelo próprio Código,
Floresta Nacional, assim, era o nome atribuído a uma floresta
de rendimento que pertencesse à União.
3.4.2.3.4. Código Florestal de 1965
Assim como o seu antecessor de 1934, o CFlo de 1965 surgiu
em momento de profunda transformação da vida nacional. E, como
o seu predecessor, fruto de uma brusca alteração política e
foi instituído, assim como o que lhe antecedera, para dina-
mizar a atividade florestal. Se comparado ao que lhe
precedera, o Código de 1965 trouxe diversas e profundas
alterações. Aquela que entendo dotada de mais relevância foi a
extinção das diferentes categorias florestais. É notável, como
já observei, o fato de que o Código não define floresta!!! De
fato, o Código foi mais enfático na ampla autorização para a
exploração econômica das florestas, conforme o artigo 1630 de
sua redação original. Embora tenha extinto as diferentes
categorias florestais, o Código de 1965 manteve as florestas e
demais formas de vegetação consideradas de preservação
permanente, dividindo-as em dois grandes grupos (i) ex vi
lege, notada- mente em função da localização e (ii) por ato do
poder público, quando destinadas à proteção de bens e valores
previstos no próprio código.
30 “Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao
regime de utilização limitada e ressalvadas as de
preservação permanente, previstas nos artigos 2® e 3® desta
lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes
restrições: a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-
Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas
nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas,
desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite minimo
de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea
localizada, a critério da autoridade competente; b) nas
regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas
e previamente delimitadas pela autoridade competente, ficam
proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando
feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens,
permitindo-se, nesses casos, apenas a extração de árvores
para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas
a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas
primitivas, nos trabalhos de instalação de novas
propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de
50% da área da propriedade; c) na região Sul as áreas
atualmente revestidas de formações florestais em que ocorre
o pinheiro brasileiro, “Araucaria angustifoHa” (Bert — O.
Ktze), não poderão ser desflorestadas de forma a provocar a
eliminação permanente das florestas, tolerando-se, somente a
exploração radonal destas, observadas as prescrições ditadas
pela técnica, com a garantia de permanência dos maciços em
boas condições de desenvolvimento e produção; d) nas regiões
Nordeste e Leste Setentrional, inclusive nos Estados do
Maranhão e Piauí, o corte de árvores e a exploração de flo-
restas só serão permitidos com observância de normas
técnicas a serem estabelecidas por ato do Poder Público, na
forma do art. 15. Parágrafo único. Nas propriedades rurais,
compreendidas na alínea a deste artigo, com área entre vinte
(20) a cinquenta (50) hectares computar-se-ão, para efeito
de fixação do limite percentual, além da cobertura florestal
de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam
frutí- colas, ornamentais ou industriais.”
êS&j - tnsrno òupencr moai jwm&
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
3.4.2.3.4.I. Florestas Públicas: Nacionais, Estaduais e
Municipais
Seguindo a tradição legal, o Código de 1965 reconheceu à
Administração Pública o poder-dever de instituir Florestas
públicas “com fins econômicos, técnicos ou sociais” que, na
forma da lei, podiam ser instituídas em áreas não florestadas,
desde que voltadas para o fim especificado em lei. O que a lei
objetivava era a possibilidade de criar florestas em áreas
mesmo que sem vegetação. Aqui, resta bastante claro que existe
uma linha de continuidade com o provecto “regimen florestal”
estabelecido pelo Decreto 4.421, de 28 de dezembro de 1921.
Isto é, as florestas públicas, sejam elas nacionais, estaduais
ou municipais são instituídas com fins econômicos, técnicos ou
sociais, mesmo que as áreas nas quais ocorra a sua instituição
não sejam florestadas. Portanto, elas são um instrumento do
estado para atuar na área econômica, com vistas à produção dos
chamados “produtos florestais”, conforme a classificação que
foi dada em 1921 aos frutos das florestas quando apropriados
economicamente. Na linguagem moderna, falaríamos em recursos
florestais. Não havia, portanto, nenhuma obrigação de que as
Florestas Nacionais correspondessem a uma área já plantada. Ao
contrário, poderia ocorrer que a Floresta Nacional fosse
instituída exatamente para propiciar o reflorestamento com
finalidades econômicas.
O Código de 1965 reconhece, em continuidade à tradição legal
brasileira, a existência de áreas destinadas especificamente à
proteção e conservação dos valores ambientais, conforme a
alínea a do artigo 59 de sua redação primitiva. Com efeito, por
força do dispositivo legal mencionado, foi determinado ao
poder público que criasse parques nacionais, estaduais e
municipais, bem como reservas biológicas, como reservas
biológicas com “a finalidade de resguardar atributos
excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da
flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para
objetivos educacionais, recreativos e científicos.” É
facilmente perceptível que o objetivo do legislador foi o de
criar duas espécies distintas e, seria possível dizer,
antagônicas, de áreas florestais públicas. Aquelas constantes
da alínea a vocacionadas para a conservação e mesmo
preservação ambiental; aquelas da alínea b, destinadas ao
aproveitamento econômico.
O artigo 5S, b, do CFlo foi regulamentado pelo Decreto nQ
1.298, de 27 de outubro de 1994, que “aprova o regulamento das
Florestas Nacionais é dá outras providências”. Efetivamente,
determina o artigo ls do mencionado decreto:” Art. í2 As
Florestas Nacionais ~ FLONAS — são áreas de domínio público,
providas de cobertura vegetal nativa ou plantada,
estabelecidas com os seguintes objetivos: I-promover o manejo
dos recursos naturais, com ênfase na produção de madeira e
outros produtos vegetais; II—garantir a proteção dos recursos
hídricos, das belezas cênicas, e dos sítios históricos e
arqueológicos; III - fomentar o desenvolvimento da pesquisa
científica básica e aplicada, da educação ambiental e das
atividades de recreação, lazer e turismo. § Ia Para efeito
deste decreto consideram-se FLONAS as áreas assim delimitadas
pelo Governo Federal, submetidas à condição de
inalienabilidade e indispo- nibilidade, em parte ou no todo,
constituindo-se bens da União, administradas pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
-
Direito Ambiental
IBAMA, sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente e da
Amazônia Legal. § 2? No cumprimento dos objetivos referidos no
caput deste artigo, as FLONAS serão administradas visando: a)
demonstrara viabilidade do uso múltiplo e sustentável dos
recursos florestais e desenvolver técnicas de produção
correspondente; b) recuperar áreas degradadas e combatera
erosão e sedimentação; c) preservar recursos genéticos in situ
e a diversidade biológica; d) assegurar o controle ambiental
nas áreas contíguas.”
Indiscutível, portanto, que as florestas públicas são, em
sua essência, a continuidade das chamadas florestas de
rendimento pertencentes ao poder público, independentemente da
esfera governamental à qual pertençam.
3.4.2.3.4.I.I. A inadequada colocação das Florestas Nacionais
no SNUC:
Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000
A partir da CF de 1988, os temas ambientais passaram a ter
maior relevância no contexto jurídico constitucional, visto
que mereceram um capítulo próprio constituído pelo artigo 225.
Em tal artigo, a proteção de espaços territoriais foi
expressamente prevista, conforme o inciso III do parágrafo ls.
Tanto o CFlo como diversas outras normas extravagantes
anteriores à própria Lei Fundamental existem para dar
cumprimento à determinação constitucional. Entretanto, o
legislador ordinário entendeu por bem estabelecer uma norma
única para disciplinar aquilo que foi por ele denominado
xmidades de conservação.
A lei, com indisfarçável erro técnico, tratou de diversas
categorias que, somente com muito esforço, podem ser
consideradas como unidades “com objetivos de conservação”.
Cito como exemplo as áreas de proteção ambiental e,
obviamente, as FLONAS. Ainda que presentes as dificuldades
acima apontadas, o fato é que o SNUC buscou dar um nível maior
de articulação às diferentes formas jurídicas para a proteção
dos recursos naturais, em especial à diversidade biológica.
Fato é, no entanto, que o SNUC não deu às FLONAS nenhum
tratamento diferente daquele que já se encontrava presente em
nosso ordenamento jurídico, ainda que se utilizando de uma
linguagem mais modema e atualizada.
As Florestas Nacionais estão contempladas no artigo 4a da
Lei do SNUC, tendo sido catalogadas como unidade de
conservação de uso sustentável. A definição e as principais
características das Florestas Nacionais foram estabelecidas
pelo artigo 17 da Lei do SNUC, in verbis: “Art. 17 -A Floresta
Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies
predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso
múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa
científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável
de florestas nativas.”
Há que se ver, por fundamental, que o chamado uso múltiplo
sustentável é um conceito aberto que deve ser preenchido
casuisticamente. Será sustentável todo uso que, de uma forma
ou de outra, não implica a subtração perene da cobertura vege-
tal. Conforme a experiência nos ensina, muitas atividades que,
à primeira vista, poderiam parecer como não sustentáveis, têm
sido desenvolvidas com êxito nas mais diversas unidades de
conservação. Um exemplo muito importante para que se possa
compreender a amplitude do conceito de sustentabilidade no
interior das FLONAS
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
nos é fornecido pelo caso específico da FLONA de Carajás. De
fato, conforme está definido no decreto de sua instituição,31 o
parágrafo único do artigo ls do decreto, expressamente, que a
pesquisa. a lavra, o benefíciamento. o transporte e a
comercialização de recursos minerais estão incluídos dentre os
objetivos do plano de maneio.
As principais características das FLONAS são as seguintes:
elas devem ser constituídas em área de domínio público, e só
de domínio público, sendo certo que as áreas particulares que
nelas tenham sido incluídas devem ser desapropriadas de acordo
com a lei. Admite-se, contudo, que no interior das Florestas
Nacionais existam populações tradicionais desde que nelas
habitassem quando da criação. Admite-se que nelas se faça
visitação pública, que será condicionada às normas
estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão responsável
pela administração. A pesquisa, também, é permitida e
incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão res-
ponsável pela administração da unidade, às condições e
restrições por este estabelecidas e àquelas previstas em
regulamento.
As Florestas públicas passaram a ser reguladas pela Lei na
11.284, de 02 de março de 2006, que “dispõe sobre a gestão de
florestas públicas para a produção sustentável; institui, na
estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal
Brasileiro — SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal - FNDF; altera as Leis nes 10.683, de 28 de maio de
2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de
fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de
31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá
outras providências ”
3A.2.4. Reserva Extrativista
3.4.2.4.L Histórico da Legislação
As Reservas Extrativistas constituem-se em uma das diversas
modalidades de unidades de conservação que são reconhecidas
pelo Direito brasileiro. A característica especial das
Reservas Extrativistas é que estas são um produto direto das
lutas dos seringueiros da Amazônia pela preservação de seu
modo de vida e pela defesa do meio ambiente. O exemplo e
símbolo mais marcante desta luta foi o seringueiro Chico
Mendes, que foi assassinado em defesa de suas ideias,32
relativas à proteção do meio ambiente e das relações de
trabalho vigentes na Amazônia Legal.
31 DECRETO N° 2.486, DE 2 DE FEVEREIRO DE 1998. Cria a
Floresta Nacional de Carajás, no Estado do Pará, e dá outras
providências. Art. 1» Fica criada, no Estado do Pará, a
Floresta Nacional de Carajás, (...) Art. 29 Os objetivos de
manejo da Floresta Nacional de Carajás são aqueles
estabelecidos no Decreto na 1.298, de 27 de outubro de 1994.
Parágrafo único. Consideradas as peculiaridades geológicas
da área da Floresta Nacional de Carajás, incluem-se dentre
seus objetivos de manejo a pesquisa, a lavra, o beneficia-
mento, o transporte e a comercialização de recursos
minerais. Art. 3a As atividades de pesquisa e lavra mineral
realizadas pela Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, e suas
empresas coligadas e controladas, na Floresta Nacional de
Carajás, devidamente registradas no Departamento Nacional de
Produção Mineral - DNPM, até a data da publicação deste
Decreto, bem como a infra-estrutura existente, deverão ser
integralmente consideradas no plano de manejo, sem que
venham a sofrer qualquer solução de continuidade, observadas
as disposições legais pertinentes...”
32 Alex Shoumatoff. Qui a. tué Chico Mendes?, Paris: Payot,
1991.
Direito Ambientai
O Decreto n9 96.944, de 12 de outubro de 1988, que criou o
Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia
Legal, em seu artigo l9, estabeleceu o programa Nossa Natureza,
com a finalidade de definir condições para a utilização e a
preservação do meio ambiente e dos recursos naturais
renováveis da Amazônia Legal. O item VI do artigo l2 do
referido decreto estabeleceu a obrigação jurídica de proteger
as comunidades indígenas e as populações envolvidas no
processo de extrativismo.
Pelo Decreto ne 98.897, de 30 de janeiro de 1990, foi,
finalmente, definido o mecanismo pelo qual seriam criadas
unidades de conservação capazes de conciliar a proteção dos
ecossistemas amazônicos com o modo e padrão de vida das
populações locais. As reservas extrativistas são espaços
territoriais destinados à exploração auto- sustentável e
conservação dos recursos naturais renováveis, por população
extrativista.
As reservas extrativistas deveriam ser criadas em espaços de
interesse ecológico e social, que são áreas que possuam
características naturais ou exemplares da biota que
possibilitem a sua exploração auto-sustentável, sem prejuízo
da conservação ambiental.
As populações extrativistas, para a exploração auto-
sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis,
deverão firmar contrato com o Estado para a concessão do
direito real de uso, cuja concessão é feita a título gratuito.
O contrato de uso é intransferível, e a degradação do meio
ambiente por parte das populações extrativistas implica a
rescisão do mesmo.
3.4.2.4.2. Novo Regime Jurídico
Conforme está disposto no artigo 18 da Lei n2 9.985/2000,
Reserva Extrativista é tuna área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem
como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade.
Ela é constituída por terras de domínio público, com o
direito de uso concedido às populações extrativistas
tradicionais, conforme o disposto no art. 23 da Lei n9
9.985/2000 e em seu regulamento, sendo que as áreas
particulares incluídas em seus limites devem ser
desapropriadas, de acordo com a lei. Deve ser criado um
Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável pela
administração de cada Reserva e constituído por representantes
de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das
populações tradicionais residentes na área, conforme se
dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade de
conservação.
A visitação pública é admitida, uma vez que compatibilizada
com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano
de Manejo respectivo. Quanto à pesquisa científica, esta é
permitida e incentivada, sujeitando-se, entretanto, à prévia
autorização do órgão responsável pela administração da
unidade, às condições e restrições por
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
este estabelecidas e às normas previstas em regulamento. Nas
reservas extrativistas, são proibidas a exploração de recursos
minerais e a caça amadorística ou profissional.
Quanto à exploração comercial de recursos madeireiros, esta
é admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e
complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva
Extrativista, conforme o disposto em regulamento é no próprio
Plano de Manejo da unidade de conservação.
3.4.25. Reserva de Fauna
A Reserva de Fauna, conforme disposto no artigo 19 da Lei ne
9.985/2000, é uma área natural com populações animais de
espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou
migratórias, adequadas para estudos técnico-cienouBcos sobre o
manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. Ela é de
posse e domínio públicos, sendo certo que as áreas
particulares nela incluídas devem ser desapropriadas de acordo
com a lei. A sua visitação pode ser permitida, sempre que
compatível com o seu manejo e de acordo com as normas
estabelecidas pelo órgão gestor. No seu interior, é proibido o
exercício da caça amadorística ou profissional. É possível a
comercialização dos produtos e subprodutos resultantes das
pesquisas, obedecido o disposto nas leis sobre fauna e
respectivos regulamentos.
3.4.2.6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Estabelecidas pelo artigo 200 da Lei n9 9.985/2000, as
Reservas de Desenvolvimento Sustentável são áreas naturais que
abrigam populações tradicionais, cuja existência baseia-se em
sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições
ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na
proteção da natureza e ria manutenção da diversidade
biológica, Elas têm como objetivo básico preservar a natureza
e, conco- mitantemente, assegurar as condições e os meios
necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da
qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das
populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e
aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do
ambiente, desenvolvido por tais popíulações. São unidades de
conservação criadas em terras de domínio público, motivo pelo
qual as áreas particulares que se encontrem em seu interior
devem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo a lei.
A utilização das áreas ocupadas pelas populações tradicionais
será feita de acordo com o disposto no art. 23 da Lei n2
9.985/2000 e em seu regulamento.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é gerida por
Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por
sua administração e constituído por representantes de órgãos
públicos, de organizações da sociedade civil e das populações
tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em
regulamento e no ato de criação da unidade de conservação.
Para a prática de atividades econômicas na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável, devem ser observadas as seguintes
condições:
Direito Ambiental
a) é permitida e incentivada a visitação pública, desde que
compatível com os interesses locais e de acordo com o
disposto no Plano de Manejo da área;
b) é permitida e incentivada a pesquisa científica voltada à
conservação da natureza, à melhor relação das populações
residentes com seu meio e à educação ambiental, sujeitando-
se à prévia autorização do órgão responsável pela
administração da unidade, às condições e restrições por este
estabelecidas e às normas previstas em regulamento;
c) deve ser sempre considerado o equilíbrio dinâmico entre o
tamanho da população e a conservação; e
d) é admitida a exploração de componentes dos ecossistemas
naturais em regime de manejo sustentável e a substituição da
cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde que
sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de
Manejo da área.
Obrigatoriamente, o Plano de Manejo da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável deverá definir as zonas de
proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e
corredores ecológicos, e será aprovado pelo Conselho
Deliberativo da unidade.
3.4.2.7. Reserva Particular do Patrimônio Natural
Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada,
gravada com perpetuidade pelo proprietário, com o objetivo de
conservar a diversidade biológica. O gravame deverá constar de
termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental, que
verificará a existência de interesse público, e será averbado
à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis.
Somente são permitidas nas Reservas Particulares do
Patrimônio Natural as seguintes atividades:
a) pesquisa científica;
b) visitação com objetivos turísticos, recreativos e
educacionais.
Os órgãos integrantes do SNUC, sempre que possível e
oportuno, prestarão orientação técnica e científica ao
proprietário de Reserva Particular do Patrimônio Natural para
a elaboração de um Plano de Manejo ou de Proteção e de Gestão
da unidade.
3.4.3. Criação, Implantação e Gestão das Unidades de
Conservação
3.4.3.1. Normas Gerais
As unidades de conservação devem ser criadas por ato do
Poder Público, conforme o artigo 22 da Lei n2 9.985/2000. A Lei
não estabelece a natureza do ato instituidor da Unidade de
Conservação. Em geral, o vocábulo ato tem sido compreendido
como “decreto”. Nas hipóteses nas quais as unidades de
conservação sejam cria-
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
das em áreas públicas, de propriedade do ente federativo que
as tenha instituído, não há dúvida de que o decreto é o
caminho adequado. Ocorre, porém, que, não raras vezes, as
Unidades de Conservação são instituídas em terrenos privados,
surgindo daí questões jurídicas que demandam reflexão mais
aprofundada. Penso que alguns aspectos importantes devem ser
considerados:
a) natureza da unidade de conservação;
b) titularidade da área na qual a unidade de conservação venha
a ser implantada.
As unidades de conservação da categoria de “proteção
integral”, conforme foi visto antes (3.4.1 e seguintes), são
aquelas nas quais a utilização econômica dos recursos
ambientais é zero — ou quase. Evidentemente que, ao serem
criadas por ato do Executivo - Decreto, e desde que atingindo
áreas de propriedade particular ou de domínio de outro ente
federativo que não o seu instituidor, estas implicam um esva-
ziamento do conteúdo econômico da propriedade. Faz-se
necessário, portanto, que, paralelamente ao ato de criação da
unidade de conservação, seja editado decreto, declarando a
área de utilidade pública para fins de desapropriação. A
unidade de conservação somente se aperfeiçoará após ajuizadas
as ações expropriatórias e feito o depósito correspondente.
Nas unidades de conservação de “uso sustentável”, em tese, não
há o esvaziamento econômico da propriedade, muito embora isto
possa ocorrer. Ocorre que, nestes casos, o proprietário deverá
dirigir-se ao Poder Judiciário e perante ele demonstrar
concretamente o seu prejuízo com vistas à obtenção de inde-
nização pela desapropriação indireta sofrida.
O novo regime legal da criação de unidades de conservação
impõe ao Poder Público que estabeleça um procedimento no qual
deverão estar previstas a realização de estudos técnicos e de
consulta pública, de forma que seja possível identificar a
localização, a dimensão e os limites mais adequados para a
unidade, conforme se dispuser em regulamento. A inexistência
de tais procedimentos prévios, em minha opinião, toma nulo
qualquer ato instituidor de unidade de conservação. Ressalte-
se que, por se tratar de norma de natureza processual, o
contido no § 2a do artigo 22 da Lei nô 9.985/2000 tem aplicação
imediata, mesmo em procedimentos que se encontrem em
andamento. É importante ressaltar que, no processo de consulta
de que trata o § 22 do artigo 22, o Poder Público é obrigado a
fornecer informações adequadas e inteligíveis à população
local e a outras partes interessadas.
Na criação de Estação Ecológica ou Reserva Biológica, por se
tratarem de unidades de conservação que somente podem ser
estabelecidas em terras públicas, não é obrigatória a consulta
de que trata o § 22 do artigo 22.
É possível a transformação, total ou parcial, de unidades de
conservação do grupo de Uso Sustentável em unidades do grupo
de Proteção Integral, por instrumento normativo do mesmo nível
hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os
procedimentos de consulta, estabelecidos no § 29 do artigo 22,
e resguardados os direitos de particulares nelas
estabelecidos, sob pena de se configurar desapropriação
indireta. Na forma do § 6a do artigo 22, in verbis: a ampliação
dos
jpBm
Direito Ambientai
limites de uma unidade de conservação, sem modificação dos
seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, pode
ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico
do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos
de consulta estabelecidos no § 2$ deste artigo.
A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de
conservação só pode ser feita mediante lei específica, isto é,
mediante lei formal, votada e aprovada pelo Poder Legislativo,
3.4.3.1.1. Gestão
A gestão das unidades de conservação é colegiada,
adotando~se o critério da participação organizada da
sociedade, Administração Pública e populações das áreas
diretamente vinculadas à unidade de conservação. A gestão
colegiada e plural mate- rializa~se em Conselhos Consultivos
ou Deliberativos, conforme o caso específico que, seja em um
caso, seja em outro, serão presididos pelo chefe da unidade de
conservação, o qual designará os demais conselheiros indicados
pelos setores a serem representados. O decreto regulamentar
define critérios a serem observados quanto à participação de
cada um dos diferentes setores interessados em ser
representados. Como definido no § Io do artigo 17 do Decreto nQ
4.340, de 22 de agosto de 2002, a representação dos órgãos
públicos deve contemplar, quando couber, os órgãos ambientais
dos três níveis da Federação e órgãos de áreas afíns, tais
como pesquisa científica, educação, defesa nacional, cultura,
turismo, paisagem, arquitetura, arqueologia e povos indígenas
e assentamentos agrícolas.
Quando se tratar da representação da sociedade civil, ela
deve contemplar, quando couber, a comunidade científica e
organizações não-govemamentais ambientalistas com atuação
comprovada na região da unidade, população residente e do
entorno, população tradicional, proprietários de imóveis no
interior da unidade, trabalhadores e setor privado atuantes na
região e representantes dos Comitês de Bacia Hidrográfica, O
decreto busca estabelecer uma paridade33 entre a representação
social e a governamental, embora não haja qualquer obrigação
para que assim seja. O critério a ser adotado é de
conveniência e oportunidade. É importante frisar que a
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP,
com representação no conselho de uma determinada unidade de
conservação, não pode candidatar-se à gestão compartilhada
tratada no Capítulo VI do decreto. Os integrantes dos Con-
selhos fazem jus à denominação conselheiros e têm mandato de
dois anos.34
Merece destaque a flagrante ilegalidade do § 6- do artigo
17, que determina: no caso de unidade de conservação
municipal, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, ou
órgão equivalente, cuja composição obedeça ao disposto neste
artigo,
33 Art. 17, § 3® A representação dos órgãos públicos e da
soáedãde civil nos conselhos deve ser, sempre que possível,
psritária, considerando as peculiaridades regionais.
34 Art. 17, § 5a O mandato do conselheiro é de dois anos,
renovável por igual período, não remunerado e considerado
atividade de relevante interesse público.
g*?çw - ciidmu ^upwiui tfui»n*.’
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
e com competências que incluam aquelas especificadas no art.
20 deste Decreto, pode ser designado como conselho da unidade
de conservação. Pois, como é curial, falece competência
constitucional ao Poder Executivo Federal para se imiscuir em
assunto da economia interna do Município, que é a definição de
estruturas administrativas próprias da municipalidade.
Ao Órgão Executor compete, na forma do artigo 19, in verbis:
I - convocar o conselho com antecedência mínima de sete
dias; II - prestar apoio à participação dos conselheiros nas
reuniões, sempre que solicitado e devidamente justiíicado.
Parágrafo único. O apoio do órgão executor indicado no inciso
II não restringe aquele que possa ser prestado por outras
organizações.
Ao Conselho de Unidade de Conservação compete:
I - elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa
dias, contados da sua instalação; II - acompanhar a
elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da
unidade de conservação, quando couber, garantindo o seu
caráter participativo; III — buscar a integração da unidade de
conservação com as demais unidades e espaças territoriais
especialmente protegidos e com o seu entorno; TV-esforçar-se
para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos
sociais relacionados com a unidade; V - avaliar o orçamento da
unidade e o relatório financeiro anual elaborado pelo órgão
executor em relação aos objetivos da unidade de conservação;
VI-opinar, no caso de conselho consultivo, ou ratificar, no
caso de conselho dehberativo, a contratação e os dispositivos
do termo de parceria com OSCIP, na hipótese de gestão
compartilhada da unidade; VII ~ acompanhar a gestão por OSCIP
e recomendar a rescisão do termo de parceria, quando
constatada irregularidade; VIII - manifestar-se sobre obra ou
atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de
conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou
corredores ecológicos; e IX- propor diretrizes e ações para
compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população
do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso.
3.4.3.1.1.1. Gestão Compartilhada com OSCIP
Um reconhecimento do modelo gerencial participativo é o
estabelecimento nos artigos 21 e seguintes do Decreto n9 4.340,
de 22 de agosto de 2002, gestão compartilhada de unidade de
conservação com OSCIP. Tal modalidade de gestão deve ser
regulada por termo de parceria firmado com o órgão executor,
nos termos da Lei n9 9.790, de 23 de março de 1999. A
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público elegível
para a gestão de unidades de conservação é aquela que atenda
aos seguintes requisitos: (i) tenha dentre seus objetivos
institucionais a proteção do meio ambiente ou a promoção do
desenvolvimento sustentável; (ii) comprove a realização de
atividades de proteção do meio ambiente ou desenvolvimento
sustentável, preferencialmente na unidade de conservação ou no
mesmo bioma. A escolha da OSCIP
Direito Ambiental
que deverá gerir uma unidade de conservação é feita mediante a
publicação de edital para seleção de OSCIP, visando à gestão
compartilhada, com antecedência mini- ma de sessenta dias da
data designada para o certame, em jornal de grande circulação
na região da unidade de conservação e no Diário Oficial, nos
termos da Lei n9 8.666, de 21 de junho de 1993. A escolha a ser
feita é diferente da licitação clássica, pois a OSCIP
interessada deverá apresentar a sua proposta de gestão em
função de um termo de referência elaborado pelo órgão
executor, ouvido o conselho da unidade. A OSCIP vencedora deve
encaminhar anualmente relatórios de suas atividades para
apreciação do órgão executor e do conselho da unidade.
O decreto deveria ter sido mais claro na estruturação dos
contornos legais da gestão compartilhada, pois, na forma em
que se encontra - francamente -, muito pouco está esclarecido.
E evidente que, em se tratando de gestão pública, as OSCIPs
devem oferecer garantias à Administração no sentido de que são
dotadas de condições técnicas e econômicas para levarem a bom
termo o avençado, inclusive com a eventual responsabilização
por danos que possam causar às unidades de conservação que,
eventualmente, estejam sob administração de OSCIP. Vejamos as
características jurídicas básicas das OSCIPs.
3.4.3.1.1.2. Natureza Jurídica das OSCIP’S35
A OSCIP organiza-se sob a forma de pessoa jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, conforme disposições da
Lei n9 9.790/99. Para que uma pessoa jurídica seja
caracterizada como OSCIP, é necessário que ela atenda, ao
mesmo tempo, aos critérios: (i) não ter fins lucrativos e
desenvolver determinados tipos de atividades de interesse
geral da sociedade (arts. I9 e 3e da Lei ns 9.790/99); e (ii)
adotar um determinado regime de funcionamento - dispor em seus
estatutos e engendrar nas suas ações preceitos da esfera
pública que tomem viáveis a transparência e responsabilização
pelos atos praticados (art. 42 da Lei n2 9.790/99). A concessão
de qualificação como OSCIP é feita pelo Ministério da Justiça.
A OSCIP não é uma mera organização não-govemamental, pois
está submetida a um determinado grau de controle
administrativo. A rigidez do controle administrativo decorre
da exigência de Termo de Parceria firmado entre o Poder
Público e a OSCIP, destinado à formação de vínculo de
cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das
atividades de interesse público previstas nos artigos 3e e 14
da Lei ne 9.790/99, assim como do artigo 8e do Decreto ne
3.100/99.
A Lei ne 9.790/99, art. 14, determina que se obedeça aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, economicidade e eficiência, que são os mesmos
princípios que regem a Administração Pública, de acordo com o
art. 37 da CF, Observe-se que o art. 14 da Lei n9 9.790, de 23
de março de 1999, e o art. 21 do Decreto ne 3.100, de 30 de
junho de 1999, determinam que as OSCIPs, quando celebrarem um
ou mais Termos de Parceria, têm que apresentar ao órgão
estatal parcei
35 Sandra Cilce de Aquino. Parecer sobre OCIP> inédito.
Informações básicas sobre o assunto.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
ro, até trinta dias após a assinatura do Termo de Parceria, um
Regulamento de Aquisições de Bens e Contratações de Obras e
Serviços da OSCIP, publicado na imprensa oficial do
Município/Estado/União, dependendo da abrangência do projeto.
No que se refere à prestação de contas, o art. 4a, VII, d,
da Lei n9 9.790/99 dispõe que as normas de prestação de contas
a serem observadas pela entidade, que determinarão no mínimo:
(...) d. a prestação de contas de todos os recursos e bens de
origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo
único do art. 70 da CF.
As OSCIPs devem observar, no que se refere às normas de
prestação de contas, de acordo com o art. 4a da Lei n2 9.790 e
o art. 19 do Decreto nQ 3.100, a realização de auditoria,
inclusive por auditores externos, independentemente da
aplicação dos recursos objeto do Termo de Parceria, nos casos
em que o montante de recursos for maior ou igual a R$
600.000,00 (seiscentos mil reais).
3.4.3.2. Normas Aplicáveis às Unidades de Uso Sustentável
A posse e o uso das áreas ocupadas pelas populações
tradicionais nas Reservas Extrativistas e Reservas de
Desenvolvimento Sustentável serão regulados por contrato,
conforme se dispuser em regulamento da Lei n2 9.985/2000. O
dispositivo do artigo 24, a toda evidência, somente se aplica
às unidades de conservação que estejam instaladas em terras
públicas. A posse, por ser uma situação de feto, em minha
opinião, toma~se difícil de ser regulada por contrato. Em se
tratando de terras públicas, penso que o mais indicado seria a
utilização do tradicional sistema de aforamento e concessão de
uso já existentes, de longa data, em nosso ordenamento
jurídico. É evidente que os habitantes das unidades de
conservação de uso sustentável obrigam-se a participar da
preservação, recuperação, defesa e manutenção da unidade de
conservação. De fato, a figura tratada pela norma legal
aproxima-se, em muito, do usufruto.
Para a utilização dos recursos naturais nas unidades de
conservação de uso sustentável, são aplicáveis as seguintes
normas:
a) proibição do uso de espécies localmente ameaçadas de
extinção ou de práticas que danifiquem os seus habitats;
b) proibição de práticas ou atividades que impeçam a
regeneração natural dos ecossistemas;
c) demais normas estabelecidas na legislação, no Plano de
Manejo da unidade de conservação e no contrato de concessão
de direito real de uso.
Determina o artigo 24 da Lei ne 9.985/2000 que: o subsolo e
o espaço aéreo, sempre que mãuírem na estabilidade do
ecossistema, integram os limites das unidades de conservação.
Trata-se de norma de constitucionalidade duvidosa, pois o
subsolo, como se sabe, é bem de propriedade da União e a sua
propriedade é independente da do solo. Nas unidades de
conservação federal, em tese, pode-se admitir a vigência da
norma. Quanto à situação das demais, cuja titularidade não
seja federal, penso que a matéria deverá ser decidida pelo
egrégio STF, que deverá decidir se há, ou não, inter
Direito Ambiental
ferência com o regime de propriedade do subsolo, em especial
naquilo que diz respeito à exploração de recursos minerais.
Isto para não se falar na exploração de águas subterrâneas.
3.4.3.2.1. Zonas de Amortecimento
À exceção das Reservas Particulares do Patrimônio Natural e
das Áreas de Proteção Ambiental, todas as unidades de
conservação devem possuir uma zona de amortecimento e, quando
conveniente, corredores ecológicos.
Cabe ao órgão responsável pela administração da unidade
estabelecer as normas específicas que regerão a ocupação e o
uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores
ecológicos vinculados à unidade de conservação. Os limites da
zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as
respectivas normas poderão ser definidos no ato de criação da
unidade ou posteriormente ao mesmo. É importante observar que,
necessariamente, as restrições de uso e aproveitamento de
recursos naturais na zona de amortecimento e nos corredores
ecológicos deverão ser menores do que aquelas vigentes na
própria unidade de conservação, pois, do contrário, tais áreas
deveriam integrar a própria unidade de conservação.
3.4.3.2.2. Normas Aplicáveis a Diferentes Unidades de
Conservação de um Mesmo Ecossistema
Na existência de um conjunto de unidades de conservação de
categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou
sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas,
constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita
de forma integrada e participativa, considerando-se os seus
distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar
a presença da biodiversidade, a valorização da
sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto
regional.
O regulamento da Lei disporá sobre a forma de gestão
integrada do conjunto das unidades.
3.4.3.2.2.I. Mosaico de Unidades de Conservação
O artigo 2630 da Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000, criou
a figura do “mosaico de unidades de conservação”, que é uma
figura jurídica inteiramente nova e sem precedente em nossa
legislação sobre unidades de conservação. A ideia do “mosaico”
s*
36 Lei n® 9.985/2000, Art. 26. Quando existir um conjunto de
unidades de conservação de categorias diferentes ou não,
próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas
protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a
gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e
participativa, considerando-se os seus distintos objetivos
de conservação, deforma a compatibilizar a presença da
biodiversidade, a valorização da sododiversidade e o
desenvolvimento sustentável no contexto regional. Parágrafo
único. O regulamento desta Lei disporá sobre a forma de
gestão integrada do conjunto das unidades.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
é trazer para o Direito brasileiro a experiência de gestão de
unidades de conservação que já é aplicada em diversos países,
com destaque para o modelo francês. Evidentemente que a
França, por ser um Estado unitário, possui menos problemas
institucionais para a gestão de unidades de conservação, pois,
de uma forma ou de oütra, o poder central é um só. No caso
brasileiro, a federação em três níveis implica enormes
dificuldades, em função da autonomia política de cada um dos
seus componentes. Indiscutível, portanto, que somente pela
negociação e cooperação os diferentes entes federativos
estabelecerão políticas comuns para unidades de conservação
que coexistam em uma mesma área. O mosaico visa possibilitar
que os diferentes atores se comuniquem e estabeleçam
mecanismos capazes de assegurar uma gestão profissional e
positiva para o conjunto das unidades de conservação.. A
matéria foi regulamentada pelos, artigos 89/ll do Decreto n2
4.340, de 22 de agosto dé 2002.
A condição de “mosaico” de unidades de conservação depende
do reconhecimento do Ministério do Meio Ambiente, mediante a
expedição de ato próprio, em resposta a requerimento dos
órgãos gestores das unidades de conservação interessadas em
compatibilizarem as suas formas de gestão. Uma vez reconhecido
o "mosaico é constituído um conselho de gestão que deverá ser
criado segundo os critérios estabelecidos no Capítulo V37 do
decreto regulamentar do SNUC.
37 Art. 17. As categorias de unidade de conservação poderão
ter, conforme a Lei ns 9.985, de 2000, conselho consultivo
ou deliberativo, que será presidido pelo chefe da unidade de
conservação, o qual designará os demais conselheiros
indicados pelos setores a serem representados. § 1° A
representação dos órgãos públi- cos deve contemplar, quando
couber, os órgãos ambientais dos três níveis da Federação e
órgãos de áreas afms, tais como pesquisa científica,
educação, defesa nacional, cultura, turismo, paisagem,
arquitetura, arqueologia epovos indígenas e assentamentos
agrícolas. § 2* A representação da sociedade civil deve con-
templar, quando couber, a comunidade cíendGca e organizações
não-govemaxnentais ambientalistas com atuação comprovada na
região da unidade, população residente e do entorno,
população tradicional, proprietários de imóveis no interior
da unidade, trabalhadores e setor privado atuantes na região
e representantes dos Comitês de Bacia Hidrográfica. § 3a A
representação dos órgãos públicos e da sociedade civil nos
conselhos deve ser, sempre que possível, paritária,
considerando as peculiaridades regionais. § 4a A Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público — OSCIP, com
representação no conselho de unidade de conservação não pode
se candidatar à gestão de que trata o Capítulo VI deste
Decreto. §5aO mandato do conselheiro é de dois anos,
renovável por igual período, não remunerado e considerado
atividade de relevante interesse público. § 6o No caso de
unidade de conservação municipal, o Conselho Municipal
deJDe&sa do Meio Ambiente, ou órgão equivalente, cuja
composição obedeça ao disposto neste artigo, e com
competências que incluam aquelas especificadas no art. 20
deste Decreto, pode ser designado como conselho da unidade
de conservação. Art. 18. A reunião do conselho da unidade de
conservação deve ser púbhca, com pauta preestabelecida no
ato da convocação e realizada em local de fácil acesso. Art.
19. Compete ao órgão executor: I - convocar o conselho com
antecedência mínima de sete dias; II - prestar apoio à
participação dos conselheiros nas reuniões, sempre que
solicitado e devidamente justificado. Parágrafo único. O
apoio do órgão executor indicado no inciso II não restringe
aquele que possa ser prestado por outras organizações. Art.
20. Compete ao conselho de unidade de conservação: I —
elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa dias,
contados da sua instalação; H — acompanhar a elaboração,
implementação e revisão do Plano de Manejo da tmidade de
conservação, quando couber, garantindo o seu caráter
participativo; III — buscar a integração da unidade de
conservação com as demais unidades e espaços territoriais
especialmente protegidos e com o seu entorno; IV—esforçar-se
para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos
sociais relacionados com a unidade; V—avaliar o orçamento da
unidade e o relatório financeiro anual elaborado pelo órgão
executor em relação aos objetivos da unidade de conservação;
VI - opinar, no caso de conselho consultivo, ou ratificar,
no caso de conselho deliberativo, a contratação e os
dispositivos do termo de parceria com OSCIP, na hipótese de
gestão compartilhada da unidade; VU—acompanhara gestão por
OSCIP e recomendar a rescisão do termo de parceria, quando
cons-
Direito Ambiental
A competência do Conselho de Mosaico é a seguinte: (i)
elaborar seu regimento interno, no prazo de noventa dias,
contados da sua instituição; (ii) propor diretrizes e ações
para compatibilizar, integrar e otimizar: a) as atividades
desenvolvidas em cada unidade de conservação, tendo em vista,
especialmente: 1. os usos na fronteira entre unidades; 2. o
acesso às unidades; 3. a fiscalização; 4. o monitoramento e
avaliação dos Planos de Manejo; 5. a pesquisa científica; e 6.
a alocação de recursos advindos da compensação referente ao
licenciamento ambiental de empreendimentos com significativo
impacto ambiental; b) a relação com a população residente na
área do mosaico; (iii) manifestar-se sobre propostas de
solução para a sobreposição de unidades; e (iv) manifestar-se,
quando provocado por órgão executor, por conselho de unidade
de conservação ou por outro órgão do SISNAMA - SISNAMA, sobre
assunto de interesse para a gestão do mosaico.
Por fim, vale ressaltar que, na forma do disposto no artigo
11, os corredores ecológicos, reconhecidos em ato do
Ministério do Meio Ambiente, integram os mosaicos para fins de
sua gestão> sendo certo que, na ausência de mosaico, o
corredor ecológico que interBga unidades de conservação terá o
mesmo tratamento da sua zona de amortecimento.
3.4.3.2.3. Plano de Manejo
A cada unidade de conservação deve corresponder um Plano de
Manejo, que deverá conter as seguintes características
mínimas:
a) abranger a área da unidade de conservação, sua zona de
amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas
com o fim de promover sua integração à vida econômica e
social das comunidades vizinhas;
b) a ampla participação da população residente;
c) deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da
data de sua criação.
O Plano de Manejo das unidades de conservação mereceu
regulamentação pelos artigos 12/16 do Decreto nô 4.340, de 22
de agosto de 2002, Cada unidade de conservação deve ter o seu
próprio Plano de Manejo, que será elaborado pelo seu gestor ou
proprietário, conforme o caso. Uma vez elaborado, o Plano de
Manejo deve ser aprovado por órgão específico; (i) em portaria
do órgão executor, no caso de Estação Ecológica, Reserva
Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida
Silvestre, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante
Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva de Fauna e
Reserva Particular do
tarada irregularidade; VE1 - manifestar-se sobre obra ou
atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de
conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou
corredores ecológicos; e IX — propor diretrizes e ações para
compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população
do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Patrimônio Natural; (ii) em resolução do conselho
deliberativo, no caso de Reserva Extrativista e Reserva de
Desenvolvimento Sustentável, após prévia aprovação do órgão
executor. "
Em se tratando de Reservas Extrativistas e Reservas de Uso
Sustentável, o contrato de concessão de direito real de uso e
o termo de compromisso firmados com populações tradicionais
deve. estar de acordo com o Plano de Manejo. O artigo 13
dispõe: devendo ser revistos, se necessário. Tal revisão, em
minha opinião, somente pode ocorrer se, o que se admite por
amor à argumentação, o contrato e o termo de compromisso
estiverem em desacordo com a lei ou prejudicando o meio
ambiente. Ambas as hipóteses parecem-me distantes. Como regra
geral, o Plano de Manejo deve respeitar os usos anteriores -
desde que não sejam ilegais ou nocivos ao meio ambiente.
Conforme determinação contida no artigo 16, o Plano de
Manejo aprovado deve estar disponível para consulta do público
na sede da unidade de conservação e no centro de documentação
do órgão executor.
E importante observar que o Plano de Manejo é a
materialização concreta das unidades de conservação que, sem a
sua existência, não passam de meras abstrações. Tal assertiva
é especialmente válida para aqueles modelos de unidades de
conservação. que, sem se apossarem de bens de terceiros,
estabelecem restrições para o gozo do direito de propriedade.
3.4.3.2A Atividades Proibidas nas Unidades de Conservação
a) as alterações, atividades ou modalidades de utilização em
desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e
seus regulamentos. Na inexistência de Plano de manejo e até
a sua elaboração, todas as atividades e obras desenvolvidas
nas unidades de conservação de proteção integral devem se
limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos
recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às
populações tradicionais porventura residentes na área as
condições e os meios necessários para a satisfação de suas
necessidades materiais, sociais e culturais;
b) introdução nas unidades de conservação de espécies não
autóctones, com exceção:
1) Em se tratando de Áreas de Proteção Ambiental, Florestas
Nacionais, Reservas Extrativistas e Reservas de
Desenvolvimento Sustentável, de animais e plantas
necessários à administração e às atividades das demais
categorias de unidades de conservação, de acordo com o que
se dispuser em regulamento e no Plano de Manejo da unidade;
2) nas áreas particulares localizadas em Refúgios de Vida
Silvestre e Monumentos Naturais podem ser criados animais
domésticos e cultivadas plantas, considerados compatíveis
com as finalidades da unidade, de acordo com o que dispuser
o seu Plano de Manejo.
Direito Ambiental
3.43.2.5. Órgao Gestor
Toda unidade de conservação do grupo de Proteção Integral
deve dispor de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão
responsável por sua administração e constituído por
representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em
Refugio de Vida Silvestre ou Monumento Natural, quando for o
caso, e, na hipótese prevista no § 29 do art. 42 da Lei n9
9.985/2000, das populações tradicionais residentes, conforme
se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.
As unidades de conservação podem ser geridas por
organizações da sociedade civil de interesse público com
objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser
firmado com o órgão responsável por sua gestão.
3.4.3.2.6. Recursos Econômicos
A exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços
obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais,
biológicos, cênicos ou culturais ou da exploração da imagem de
unidade de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e
Reserva Particular do Patrimônio Natural, dependerá de prévia
autorização e sujeitará o explorador a pagamento, conforme
disposto em regulamento. Com a finalidade de auxiliar nos
gravíssimos problemas orçamentários das Unidades de
Conservação, a Lei admite que os órgãos responsáveis pela
administração das unidades de conservação possam receber
recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou
internacionais, com ou sem encargos, provenientes de
organizações privadas ou públicas ou de pessoas físicas que
demonstrem interesse em colaborar com a sua conservação. A
administração de tais recursos cabe ao órgão gestor da
unidade, e estes serão utilizados exclusivamente na
implantação, gestão e manutenção da mesma. Embora não haja
previsão legal, penso que seria bastante razoável que a lei
estabelecesse a previsão de que o doador dos recursos fosse
informado sobre a sua utilização e que dela participasse.
Os recursos obtidos pelas unidades de conservação do Grupo
de Proteção Integral mediante a cobrança de taxa de visitação
e outras rendas decorrentes de arrecadação, serviços e
atividades da própria unidade serão aplicados de acordo com
critérios legais, que são os seguintes:
a) até cinquenta por cento, e não menos que vinte e cinco por
cento, na implementação, manutenção e gestão da própria
unidade;
b) até cinquenta por cento, e não menos que vinte e cinco por
cento, na regularização fundiária das unidades de
conservação do Grupo;
c) até cinquenta por cento, e não menos que quinze por cento,
na implementação, manutenção e gestão de outras unidades de
conservação do Grupo de Proteção Integral.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
3.4.3.2.6.I. Exploração de Bens e Serviços
É passível de autorização a exploração de produtos,
subprodutos ou serviços inerentes às unidades de conservação,
de acordo com os objetivos de cada categoria de unidade. Tais
produtos* subprodutos ou serviços inerentes à unidade de
conservação, conforme o decreto regulamentador, são os
seguintes; (i) aqueles destinados a dar suporte físico e
logístico à sua administração e à implementação das atividades
de uso comum do público, tais como visitação, recreação e
turismo; (ii) a exploração de recursos florestais e outros
recursos naturais em Unidades de Conservação de Uso
Sustentável, nos limites estabelecidos em lei. Somente se
admite a exploração dos produtos, subprodutos ou serviços,
conforme previsto no plano de manejo. Os usos anteriores ao
decreto, desde que não sejam contrários à lei, permanecem
válidos até o encerramento dos respectivos contratos, que não
mais poderão ser renovados sem a observância do decreto de
regulamentação do SNUC.
Admite-se o uso de imagens de unidade de conservação com
finalidade comercial, desde que cobrado conforme estabelecido
em ato administrativo pelo órgão executor. Quando a finalidade
do uso de imagem da unidade de conservação for prepon-
derantemente científica, educativa ou cultural, o uso será
gratuito. Isto, contudo, não se aplica ao acesso a
conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica
e, muito menos, quando se tratar de imagens de comunidades
tradicionais que têm direito à repartição de benefícios.
3.4.3.2.6.L1. Utilização de imagens de unidades de conservação
A utilização de imagens de unidades de conservação
brasileiras está disciplinada pela Instrução Normativa ne 5, de
18 de março de 2002, expedida pelo Presidente do IBAMA e que,
no momento, deve ser aplicada pelo Instituto Chico Mendes, até
que venha a ser substituída. A Instrução Normativa abarca as
seguintes atividades: (i) filmagens, (ü) gravações e (iii)
fotografias, de caráter educativo/cultural, científico,
comercial e publicitário.
Qualquer utilização de imagem das Unidades de Conservação,
com exceção de Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular
do Patrimônio Natural, só é permitida mediante prévia
autorização, sujeitando o interessado às normas do artigo 33
da Lei n9 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação/SNUC.
A Administração deverá levar em consideração os seguintes
critérios para a concessão da autorização pretendida:
Científico: Quando as imagens forem usadas como um instrumento
de pesquisa, licenciada pelo IBAMA, conforme Instrução
Normativa n2 109/97, que estabelece procedimentos para
realização de pesquisa em Unidades de Conservação, ou qualquer
outro instrumento que venha a substituí-la. Educativo
Cultural: Quando o projeto propuser-se a divulgar e difundir
informações relacionadas à biodiversidade e à gestão dos
recursos naturais,
Direito Ambiental
vindo a ser um instrumento de transmissão de conhecimento e de
interesse coletivo, como: documentários - programas de TV -
matérias para revistas - fotografias para ilustração de livros
— multimídia — CD-ROM — internet, que abordem aspectos sobre a
fauna, flora e recursos hídricos da Unidade de Conservação;
aspectos relevantes de natureza geológica, espeleológica,
arqueológica e paleontológica da Unidade; registro de
atividades de educação ambiental; pesquisas que estejam sendo
desenvolvidas na Unidade; trabalhos que estejam sendo
desenvolvidos com ou pelas comunidades do entorno; segurança
do público; campanhas de utilidade pública desenvolvidas pelo
Governo.
Comercial: Quando a Unidade for utilizada como cenário para
difundir e divulgar informações de caráter privado ou
comercial, tais como: gravações de programas de TV, anúncios,
promoção de marcas, campanhas publicitárias, obras de ficção
em qualquer meio ou bitola, promoção de cantores e conjuntos
musicais, gravação de cenas para programas de entretenimento,
fotos de modelos profissionais e atividades de ecoturismo.
3A3.2.7. Unidades de Conservação e Compensação por Impactos
Ambientais Negativos
Sempre que se tratar de licenciamento ambiental de
empreendimentos de significativo impacto ambiental negativo,
assim considerado pelo órgão ambiental competente, após
análise de estudo de impacto ambiental, o empreendedor é
obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de
conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o
disposto no artigo 36 da Lei n9 9.985/2000 e no seu
regulamento, observando-se os seguintes critérios:
a) o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor
para a finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos
custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão
ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto
ambiental causado pelo empreendimento.
b) o órgão ambiental licenciador definirá as unidades de
conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas
apresentadas no EIA/RIMA e, ouvido o empreendedor, podendo
inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de
conservação.
c) quando o empreendimento afetar unidade de conservação
específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento só
poderá ser concedido mediante autorização do órgão
responsável por sua administração, e a unidade afetada,
mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral,
deverá ser uma das beneficiárias da compensação em questão.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
A norma, em minha opinião, só é aplicável quando o projeto a
ser licenciado — je alguma forma - causar impacto sobre uma
das unidades de conservação da região. Se assim não fosse,
seria totalmente destituída de sentido a existência de medidas
xnitigadoras e compensatórias, pois estas seriam transformadas
em verdadeiros impostos sobre a implantação de projetos
utilizadores de recursos ambientais.
3.4.3.2.7.I. Regulamentação
A Compensação por significativo impacto ambiental foi
regulamentada pelos artigos 31/34 do Decreto ns 4.340, de 22 de
agosto de 2002. Determina o artigo 31 do decreto: Para os íms
de fixação da compensação ambiental de que trata o art. 36 da
Lei n9 9.985, de 2000, o órgão ambiental licenciador
estabelecerá o grau de impacto a partir do$ estudos ambientais
realizados quando do processo de licenciamento ambiental,
sendo considerados os impactos negativos, não mitigáveis e
passíveis de riscos que possam comprometer a qualidade de vida
de uma região ou causar danos aos recursos naturais. O
parágrafo único do referido artigo determina que os percen-
tuais serão fixados, gradualmente, a partir de meio por cento
dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, considerando-se a amplitude dos impactos
gerados, conforme estabelecido no caput. A lei, de feto, não
se refere a um percentual máximo, limitando-se a mencionar um
percentual mínimo de meio por cento. A fixação de tais
percentuais, evidentemente, deve estar centrada no princípio
da proporcionalidade e da razoabilidade, pois, se o percentual
for excessivo, é sinal de que os danos ambientais a serem
compensados são, igualmente, excessivos e, portanto, não
licenciável o projeto.
Aliás, é bastante discutível o sentido de compensação
estabelecido pela própria lei e pelo decreto, pois compensação
ambiental - em minha opinião - deve significar uma melhoria
ambiental - jamais uma substituição de tarefes que devem ser
realizadas ex officio pelo próprio Poder Público. Em
realidade, a prioridade estabelecida pelo artigo 33 do decreto
está voltada para ações institucionais que devem ser previstas
nos orçamentos das unidades de conservação.38
38 Art. 33. A aplicação dos recursos da compensação ambiental
de que trata o art. 36 da Lei n° 9.985, de 2000, nas
unidades de conservação, existentes ou a serem criadas, deve
obedecer à seguinte ordem de prioridade: I—regularização
íundiáría e demarcação das terras; II - elaboração, revisão
ou implantação de plano de manejo; III — aquisição de bens e
serviços necessárias à implantação, gestão, monitoramento e
proteção da unidade, compreendendo sua área de
amortecimento; TV - desenvolvimento de estudos necessários á
criação de nova unidade de conservação; e V —
desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da
unidade de conservação e área de amortecimento. Parágrafo
único. Nos casos de Reserva Particular do Patrimônio
Natural, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Área
de Relevante Interesse Ecológico e Área de Proteção
Ambiental, quando a posse e o domínio não sejam do Poder
Público, os recursos da compensação somente poderão ser
aplicados para custear as seguintes atividades: I—
elaboração do Plano de Manejo ou nas atividades de proteção
da unidade; II — realização das pesquisas necessárias para o
manejo da unidade, sendo vedada a aquisição de bens e
equipamentos permanentes; UI - implantação de programas de
educação ambiental; e TV - financiamento de estudos de
viabilidade econômica para uso sustentável dos recursos
naturais da unidade afetada.
Direito Ambientai
4. A Exigibilidade Legal da Compensação Ambiental: Delimitação
dos Danos
4.1. As intervenções aptas a gerar a compensação ambiental
A primeira questão a ser enfrentada quando se fala de
compensação ambiental é a definição do tipo de intervenção
sobre o meio ambiente e os recursos ambientais que podem dar
margem ao surgimento da imposição da medida de compensação
ambiental tratada pelo artigo 36 e seus parágrafos da Lei n2
9.985/2000, que instituiu o SNUC- SNUC. É o que passo a fazer
em seguida. Evidentemente que os conceitos de atividade, obra
e empreendimento estão no centro do debate. Permito-me, ini-
cialmente, retomar as definições dicionarizadas dos vocábulos:
Dicionário Michaelis:
ati.vLda.de sf (Lat. activitate) 1 Qualidade de ativo. 2
Multiplicidade dos trabalhos ou das idéias de um homem. 3
Diligência, presteza, prontidão. Antôn (acepções 1 e 3):
inatividade. A. Insalubre, Dir trab: atividade que, por sua
própria natureza, condições ou métodos de trabalho, expondo os
empregados a agentes físicos, químicos ou biológicos nocivos,
possa produzir doença e conste dos quadros aprovados pelo
Diretório-geral do Departamento Nacional de Segurança e
Higiene do Trabalho. A caracterização qualitativa ou
quantitativa de insalubridade e o meio de proteção aos
empregados serão determinados pela repartição competente em
matéria de segurança e higiene do trabalho.
em.pre.enudimen.to sm (empreender+mento2) 1 Ato de
empreender. 2 Cometimento, empresa.
o.bra (Lat. operari)Converter em obra; executar, fazer,
praticar, realizar; Obra maravilhas, obra proezas. Vtd 2
Fabricar. “O grão ferreiro sórdido que obrou do enteado as
armas radiantes” (Luís de Camões). Vint 3 Haver-se, praticar
um ato; proceder: “O velhaco obrou com malícia” (Rui Barbosa).
Vti e vint 4 Executar qualquer trabalho,praticar qualquer
ação: Os conspiradores obravam então contra o governo. Obrou
ele honestamente na tesouraria. “Tudo obrei por Jason; por ela
nada” (Filinto Elísio, ap Laudelino Freire). Obremos enquanto
é tempo. Vtd 5 Maquinar: Obra intrigas. Vti 6 Labutar, lidar,
trabalhar: Obrar com as mãos, obrar com a mente. Vti 7 Exercer
influência; atuar: Deus obra sobre a razão humana. Vint 8
Produzir efeito (um remédio): “ O remédio obrou” (Morais).
Vint 9 O mesmo que defecar e evacuar: “O bichinho chora... A
gente da de comer e ele obra verde que não tem fim” (José Lins
do Rego).
O Dicionário Aurélio tem as seguintes definições:
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Atividade. [Do latim activitade.] S.f. 1. Qualidade ou
estado de ativo; ação: Encontrei-o às seis da manhã já em
plena atividade. 2. Diligência, afa: Para que toda essa
atividade? 3. Qualquer ação ou trabalho especifico: atividades
agrícolas; A Câmara reiniciará suas atividades em março. 4.
Meio de vida; ocupação, profissão, indústria: Sua principal
atividade é ensinar. 5. Energia, força, vigor, vivacidade. 6
Eletrôn. Nos cristais piezelétricos, a magnitude de oscilação
relativa à tensão de excitação, não havendo processo padrão
para sua medida direta. 7. Filos. Ação (18). 8. Filos.
Qualidade ou estado do agente. 9. Filos. Qualidade ou estado
de ser me ato. 10. fís. Nucl. Número de partículas emitidas
por uma amostra, por unidade de tempo; atividade nuclear. 11.
Fís.-quím. Variável termo dinâmica intensiva que substitui a
concentração na expressão do potencial de um componente em um
sistema não ideal. A atividade ide um componente em uma
solução não ideal é uma medida da concentração que o
componente considerando deveria ter para a solução fosse ideal
em relação a ele. 12. Fisiol. Função normal do corpo, de
determinado órgão, do cérebro, êtc.: Só tem um dos rins em
atividade. Atividade geomagnética. Geofís. Conjunto de
fenômenos capazes de caracterizar, num determinado instante,
os efeitos e o valor do magnetismo terrestre. Atividade
nuclear. Fís, nucl. Atividade (10). Atividade óptica. Fís.
Propriedades de certas substâncias ou soluções de causarem em
rotação no plano de polarização dum feixe de luz polarizada
que as atravessas. Atividade solar. Astr. Conjunto de
fenômenos físicos localizado no Sol, e que caracterizam o
estado desse astro. Em atividade. 1. No exercício efeito de
funções ou empregos. [Diz-se de funcionários civis, de
militares, de empregadores, etc. Cf., nesta acepç.,
inatividade (2).] 2. Sem estar em repouso; em efervescência.
Empreendimento. [De empreender + -imento.] S.m. ljAto de
apreender; empresa. 2. Efeito de empreender; aquilo que se
empreendieu e levou a cabo; empresa; realização; cometimento.
Obra. [Do lat. opera, por via popular.] D. f. 1. Efeito do
trabalho ou da ação. 2. trabalho manual: Aquele tapete era
obra de um grande artífice. 3. Ação moral: Invejar é obra dos
que não sabem admirar. 4. Edifício em construção. 5. A
produção total de um escritório, artista ou cientista: A obra
de Coelho Neto compreende bem mais de 100 volumes. 6. Trabalho
literário, científico ou artístico: Guemica é a obra mais
famosa de Picasso; muitos consideram Fogo Morto a melhor obra
de José Lins do Rego. 7. Ação, feito: Aquela crueldade era
obra de Lampião. 8. Ato ou efeito de obra, de defecar. 9. Tip.
Qualquer impresso tipográfico, em contraposição a jomaL [V.
casa de obras.] 10. Brás. Pessoa ou coisa muito bonita,
perfeita: Aquela garota é uma obra. [Us. Tb. Ironicamente.] ~
V. obras. Obra aberta. Trabalho artístico ou literário que,
independentemente ou não da vontade do autor, permitir
diferentes interpretações. Obra capital. V. obra-prima (1).
Obra de. Pouco mais ou menos; cerca de: Esteve de férias obra
de dois meses; “Em pouco tempo, obra de três semanas, o
Pacabote era diretor, editor e proprietário de um jornal”
(João de Araújo Correia, Terra
Direito Ambiental
Ingrata, p. 120). Obra de acidência. Tip. V. obra-de-bico.
Obra de arte. 1. Obra produzida segundo o conceito de arte 1
(3), especialmente a que é tida como de boa qualidade, 2.
Objetivo executado com perfeição, acabamento, gosto, senso
estético: Este vestido é uma obra de arte. [Cf. obra-de-arte.]
Obra de carregação. Trabalho grosseiro, feito às pressas, com
vista apenas ao lucro; Obra de fancaria. Obra de consulta. A
que se destina apenas a ser consultada, como os dicionários,
enciclopédias, bibliografias, guias, Atlas, etc.; Obra de
referência. Obra de empreitada. 1. Trabalho feito pó rum ou
mais indivíduos a prazo. 2. Coisa não perfeita, executada sem
esmero. Obra de fachada. Obra (geralmente obra pública) de
pouca importância, mas de aparência bela ou graciosa. Obra de
fancaria. Obra de carregação. Obra de fôlego. Empreendimento
de grande vulto e que consumiu muitos recursos intelectuais
e/ou meterias: Aquele dicionário é obra de fôlego. Obra de
misericórdia. Ato de caridade; esmola. Obra de Penélope.
V.teia de Penélope. Obra de referência. Obra de consulta. Obra
de Santa Engrácia. Trabalho que tarda muito a ser feito, que
parece não ter fim. Obra de talha. 1.Trabalho em relevo, feito
por entalhadores. 2. Escultura em madeira, merfim ou metal.
[Tb. Se diz apenas talhas.] Obra de um instante. Trabalho
feito rapidamente, num abrir e fechar de olhos. Obras do
Capeta. 1. Coisa sem explicação; obra do diabo 2. Arruaça,
desordem. Obra do diabo. Obra do Capeta (1). Obra grossa.
Coisa feita sem arte, descuidadamente. Obra intelectual.
Criação do espírito de qualquer modo exteriorizada e protegida
pela legislação sobre direitos autorais. Obra póstuma. A arte
que é publicada posteriormente à morte do autor. Coroar a
obra. 1. Arrematar um trabalho: A sala já estava arrumada:
coroou a obra com um belo arranjo de flores, 2. Irôn.
Completar ação, plano: Pagou a maior parte do que me deve;
pode coroar a obra pagando o restante da dívida. Em obras. Em
construção; em reparo. Fazer obra. V. defecar (5). Pôr em
obra. Executar, realizar. Pôr por obra. Providencia no sentido
de que (alguma coisa) se realize; fazer executar, levar a
efeito: ÍApenas João Afonso ...saiu para pôr por obra aqueles
arbítrios o chanceler deixou-se cair na grande poltrona e
desandou tuna das suas chirriantes gargalhadas.” (Alexandre
Herculano, O Monge de Cister, II, p. 342) Por obra e graça de.
Graças à ação, ao participação de; por causa de.
A CF, ao tratar dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental,
conforme a disciplina contida no inciso IV do § 1Q do artigo
225, determinou que ele seria exigível, na forma da lei, para
instalação de obra ou atividade [grifos PBA] potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente. Assim,
à lei ficou reservada a possibilidade de disposição sobre os
EIA,39 ainda que boa parte da doutrina considere que a
Constituição possa ser regulada por simples Resolução
administrativa.40 O
39 Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 9» edição, 2006, p. 284.
40 Paulo Affonso ieme Machado, Direito Ambiental Brasileiro,
São Paulo: Malheiros, 13* edição, 2005, p. 217.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
fato é que, no que tange à compensação ambiental, a CF sobre
ela não dispôs expressamente e, portanto, os seus limites são
os legais, haja vista que não se Ihe aplica diretamente
nenhuma norma constitucional. Pois bem, a Lei n2 9.985, de
2000, não incluiu entre as hipóteses de cabimento da
compensação ambiental as chamadas atividades, limitando-se a
mencionar os empreendimentos.
Inicialmente, há que se consignar que a Constituição se
utiliza de dois vocábulos distintos, a saber: (i) obra e (ii)
atividade. Parece-me que os seus significados não são
idênticos, pois do contrário não teria qualquer sentido o
Constituinte se utilizar de tais sinônimos. Na verdade, os
termos são distintos e tal condição tem sido reconhecida pelo
poder regulamentar. A lei, como se pode ver, se utilizou do
vocábulo empreendimento que, no contexto do artigo, tem o
inequívoco significado de obra. Vejamos: “Art. 36. Nos casos
de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo
impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental
competente, com fmdamento em estudo de impacto ambiental e
respectivo relatório - FIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a
apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do
Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste
artigo e no regulamento desta Lei. § l5 O montante de recursos
a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não
pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos
para a implantação do empreendimento. sendo o percentual
fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau
de impacto ambiental causado pelo empreendimento."
A obra tem sido reconhecida como a implantação física de um
empreendimento com caráter de permanência, sendo que a
atividade é algo passageiro e que se esgota em si próprio.
Admite-se, contudo, que tem havido uma certa mistura dos
conceitos em inúmeras Resoluções do CONAMA. No caso específico
da indústria do petróleo, por exemplo, o levantamento de dados
sísmicos não pode ser confundido com obra, haja vista que, uma
vez feita a atividade, esta não deixará qualquer marca no
ambiente, notadamente nos casos da chamada sísmica off-shore.
Já a implantação de uma refinaria, seguramente, é um conjunto
de obras que, certamente foi precedido de inúmeras atividades,
tais como levantamento de dados de flora e fauna, da geologia
e tantos outros.
As atividades não são suscetíveis de dar azo à compensação
ambiental. No caso específico da indústria do petróleo, existe
uma definição legal de pesquisa que nos é dada pelo inciso XV
do artigo 6S da chamada Lei do Petróleo; nos termos da lei,
Pesquisa ou Exploração é o “conjunto de operações ou
atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a
descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás
natural”. Não me parece que, à luz da Lei do SNUC, a Pesquisa
ou a Exploração possa ser compreendida no conceito de
“empreendimento”. Empreendimento, no caso, vincula-se mais aos
aspectos da produção, tal como definida em lei: “Lavra ou
Produção: conjunto de operações coordenadas de extração de
petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua
movimentação.” Penso que o legislador deixou de fora da
exigência da compensação ambiental as meras atividades,
limitando-se a tomá-la obrigatória para as hipóteses de
empreendimentos (rectius: obras na linguagem constitucional).
[ Direito Ambientai
4.1.1. A natureza dos danos capazes de gerar compensação
ambiental
A Compensação Ambiental é um instrumento legal que se
encontra previsto na Lei que instituiu o SNIIC (Lei ne 9.985,
de 18 de julho de 2000), conforme as disposições contidas nos
artigos 36 e seus parágrafos. Entretanto, antes de sua
instituição por lei o CONAMA havia baixado a Resolução ne 02,
de 18 de abril de 1996, que em seu artigo 29 estabelecia que o
valor da compensação não poderia ser inferior a 0,5% (meio por
cento) dos custos totais relativos à implantação do
empreendimento.4* Evidentemente que a anterior normação do tema
não encontrava amparo em nosso sistema constitucional e legal,
motivo pelo qual novo tratamento foi dado ao assunto.
É importante observar que a Lei n3 9.985/2000, em seu artigo
36, determina um dever geral de “apoiar a implantação e
manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção
Integral*. nos casos de licenciamento ambiental de empreendi-
mentos de significativo impacto ambiental. Penso que, no caso,
o legislador estabeleceu uma presunção de que apoiar a
implantação de unidade de conservação do grupo de proteção
integral é medida apta a compensar determinados danos ambien-
tais, como será visto adiante.
A compensação ambiental é instituto que se liga diretamente
à questão referente à possibilidade ou não de recuperação dos
danos ao meio ambiente. A CF, em seu artigo 225, § 3®,
estabelece uma obrigação geral de reparação do dano causado ao
meio ambiente.42 Entretanto, as realidades da vida prática, em
não poucas vezes, impedem que haja uma recuperação do dano
causado ao meio ambiente. Nas hipóteses em que tal dano é
causado por uma atividade lícita, existe uma dificuldade, que
é o estabelecimento de um balanço entre as suas diferentes
consequências, sejam elas positivas ou negativas. A
compensação surge quando se verifica que, em um balanço amplo
dos diferentes resultados de uma intervenção humana no meio
ambiente, a existência de dano ambiental é compensável e
socialmente tolerável. Para que o nosso ponto de vista possa
ser mais bem explicitado, passo a classificar os danos
ambientais.
Os danos ambientais, como se sabe, podem ser (i) reparáveis;
(ii) mitigáveis ou (iii) compensáveis.
Reparáveis são aqueles danos que, dadas as suas dimensões,
não ostentam um caráter de irreversibilidade; já os mitigáveis
são aqueles que, mediante a intervenção humana, podem ser
reduzidos a níveis desprezíveis, haja vista que intervenções
técnicas adequadas são suficientes para mantê-los sob adequado
controle. Compensáveis são os danos ambientais que,
consideradas suas dimensões e características
41 Art. 2® O montante dos recursos a serem empregados na área a
ser utilizada, bem como o valor dos serviços e das obras de
infra-estrutura necessárias ao cumprimento do disposto no
artigo Io, será proporcional à alteração e ao dano ambiental
a ressarcir e não poderá ser inferior a 0,50% (meio por
cento) dos custos totais previstos para implantação do
empreendimento.
42 Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê- lo e preservá-io para as
presentes e futuras gerações... § 3» - As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
peculiares, não podem ser reparados ou mitigados, muito
embora, quando sopesados com os benefícios que a intervenção
venha a ocasionar, se justifiquem ante os termos do artigo 22
da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.43 Assim, do ponto
de vista teórico, a compensação ambiental somente tem sentido
quando se está diante de um dano não recuperável ou não
mitigável. A compensação não se presta para todo e qualquer
dano ambiental. Não há que se falar em compensação ambiental
para danos recuperáveis ou para danos mitigáveis.
É importante se observar que a definição de grau de impacto
é uma definição técnica e não jurídica. Não obstante tal fato,
a definição técnica deve se balizar por alguns fatores legais,
dentre os quais devem se destacar: (i) somente devem ser con-
siderados os impactos não mitigáveis e não recuperáveis; (ii)
tais impactos devem ser cotejados com os benefícios advindos
do empreendimento; (iii) a extensão do dano é o elemento
central do cálculo do grau de impacto e não os recursos
investidos no projeto, como será visto adiante.
O legislador pátrio, ao cuidar do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, mediante a edição da Lei n9 9.985, de
18 de julho de 2000, em seu artigo 36, estabeleceu uma
presunção legal de dano compensável nos casos de
“licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo
impacto ambiental”, com fundamento em estudo de impacto
ambiental [EIA], obrigando o empreendedor a "apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de
proteção inte- gral’.44 Parece-me evidente que o legislador, ao
determinar o apoio a Unidades de Conservação do grupo proteção
integral, o fez por entender que compensáveis são apenas os
danos causados aos chamados recursos ambientais, verbi gratia,
flora, fauna, recursos hídricos etc.
Chamo a atenção para o fato de que a Lei do SNUC não faz
qualquer referência às chamadas compensações sociais, ou
socioambientais. No caso de um determinado empreendimento
gerar extemalidades negativas para terceiros, a hipótese é de
ressarcimento de prejuízos causados ou de lucros cessantes,
conforme o caso. Não se cuida da compensação estabelecida pelo
artigo 36 da Lei ns 9.985/2000.
Observe-se que a aplicação da medida de compensação
ambiental ao empreendedor de determinado projeto é um ato
administrativo vinculado às conclusões do EIA. É o EIA que
dirá da existência dos danos, das suas dimensões, da
recuperabili- dade, mitigabilidade ou compensabilidade. Daí a
relevância dos ÈIAs bem compostos, apurados e tecnicamente bem
construídos. A compensação ambiental, penso, não existe como
uma medida autônoma cuja única condição de incidência seja a
existência de um projeto precedido de EIA. Em nosso ponto de
vista, a compensação ambiental se afirma como uma presunção
legal “iuris tantun” de dano ambiental não
43 Art. 2« A Política Nacional do Meio Ambiente tem por
objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,
condições ao desenvolvimento sodioeco- nômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos os seguintes princípios (...).
44 Artigo 36, caput.
Direito Ambiental
recuperável ou mitigável em empreendimento de elevado portei
Isto é, cuida-se de uma presunção que admite prova em
contrário. Importante observar que, aqui, houve a inversão do
ônus da prova para o empreendedor, que deverá comprovar que a
hipótese de compensação ambiental não se faz presente no
projeto proposto. Na verdade, parece-me evidente que o
legislador determinou ao administrador que todos os
empreendimentos que necessitem de estudo prévio de impacto
ambiental devem ser examinados como se, em princípio, tivessem
a capacidade de gerar impactos ambientais ditos compensáveis e
não meramente aqueles recuperáveis ou mitigáveis. O que me
parece lógico, pois empreendimentos que demandam EIA são, como
regra, de grande porte.
Ressalte-se que, em homenagem ao princípio constitucional da
ampla defesa e do contraditório, caso o empreendedor queira
produzir prova perante a Administração Ambiental no sentido de
que os impactos gerados pelo seu empreendimento são mitigáveis
ou recuperáveis, tal oportunidade não lhe poderá ser sonegada,
sob pena de ilegalidade da medida compensatória que venha a
ser estabelecida.
Determinou o legislador que o administrador se preocupe com
o meio ambiente e com a sua higidez de forma criteriosa. Como
sabemos, o papel das presunções jurídicas é o de estabelecer
determinadas premissas normativas que podem ser absolutas
(iuris et de jure) e, portanto, não se derrogam de forma
alguma, ou podem ser relativas (juris tantum) e podem ser
desconstituídas no caso concreto.
É importante ressaltar que, por se tratar de presunção
relativa, repita-se, cabe ao empreendedor fazer a prova no
sentido de que, no caso concreto, não há dano ambiental
compensável no processo de licenciamento ambiental. Como nos
recorda Venosa,46 “a presunção faz reverter o ônus da prova”.
É necessário que se esclareça qual a racionalidade que
informa a redação do artigo 225 da CF e a sua inserção no
conjunto das normas Constitucionais. É indiscutível que o
artigo 225 da Constituição estabelece um conjunto de
mandamentos constitucionais cuja finalidade última é a
adequada utilização dos recursos ambientais, com vistas a
assegurar-lhes a sustentabilidade e o correspectivo
desenvolvimento humano. Daí o Constituinte ter tido o cuidado
de determinar a elaboração de estudos de impacto ambiental
previamente à implantação de obra ou atividade potencialmente
ou efetivamente causadora de significativa degradação
ambiental, conforme dispõe o inciso IV do § l9 do artigo 225 de
nossa Lei Fundamental.47 Na verdade, partiu o Constituinte do
raciocínio de que a regra geral é a utilização econômica
45 Não se desconhece a existência de forte polêmica acerca da
constítucionalidade da compensação ambiental, ou de sua
natureza tributária. Contudo, neste arrazoado, o nosso
raciocínio parte da presunção de constitudonalídade das
leis, e toda a nossa argumentação estará fundada em tal
pressuposto.
46 Ver Silvio Salvo Venosa, Direito Civil, Parte Geral, São
Paulo: Atlas, 53 edição, 2005, p. 652.
47 Art 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê- lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. § 1« - ... IV - exigir, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
dos bens ambientais, decorrendo daí a necessidade de que tal
utilização se faça com a observância de cautelas
constitucionalmente estabelecidas, dentre as quais alcança
maior relevo o EIA. O EIA é> em princípio, o instrumento
constitucionalmente adequado para prever os danos a serem
produzidos por determinado empreendimento, indicar os meios de
recuperação ou mitigação e, não havendo tais possibilidades,
indicar a necessidade de compensação. Admitem-se os danos
compensáveis na medida em que em análise de custo benefício se
julgue conveniente suportar danos ao ambiente em troca de
benefícios de outra natureza. Veja-se, contudo, que os danos
compensáveis são limitados e não podem ultrapassar um limite
razoável, sob pena de, em análise custo/benefício, ser mais
conveniente não implantar o empreendimento.
4.1.2. O impacto significativo e não mitigável
A pergunta é relevante e, na prática, nela reside toda a
dificuldade contida na complexa questão da compensação
ambiental. Do ponto de vista estritamente legal, há que se
considerar que significativo impacto ambiental é um conceito
indeterminado e, portanto, preenchido em bases casuísticas.
Uma possível resposta à questão está relacionada ao conceito
de meio ambiente que adotamos. Particularmente, filio-me à
corrente que entende que meio ambiente é um conceito mais
amplo do que ecologia ou recursos naturais. Penso que meio
ambiente é conceito que tem como centro o indivíduo humano e
que tudo aquilo que circunda o indivíduo deve ser tido como
meio ambiente; parto do pressuposto de que, em muitas
hipóteses, um dano ecológico pode ser um benefício ambiental.
Aliás, no regime constitucional brasileiro não é possível
outra conclusão, haja vista que o princípio da dignidade da
pessoa humana é um dos princípios fundamentais da República.48
Diante de tal princípio, só tem trânsito constitucional o
conceito de proteção do meio ambiente que se funde no Ser
Humano como fundamento último de sua proteção. Protege-se o
meio ambiente, como forma mediata de proteção da vida humana e
de uma vida vivida dignamente. A propósito, em outra
oportunidade, assim me manifestei sobre a matéria:49 “O Ser
Humano, conforme estabelecido em nossa Constituição e na
Declaração do Rio — embora essa não tenha força obrigatória -
é o centro das preocupações do Direito Ambiental que existe em
íimção do Ser Humano e para que ele possa viver melhor na
Terra. ”
Os órgãos ambientais, como nos dá exemplo a Fundação
Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA,50 buscam
estabelecer alguns critérios que sirvam de orientação para
suas equipes técnicas quando se faz necessária a avaliação dos
impactos ambientais.
48 Art. Ia - A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Murdcípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: ... UI - a dignidade da pessoa humana.
49 Paulo de Bessa Antunes, Direito Ambiental, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 9» edição, 2006, p. 27.
50 RT — 040- R-2 — Avaliação de Impacto Ambiental — AIA.
Direito Ambiental
“3.4.1.4. Interpretação e valoração dos impactos
Ligada à definição da importância dos impactos, esta
atividade consiste em duas operações distintas. A primeira,
chamada interpretação dos impactos, dedica-se a estabelecer a
importância de cada um dos impactos em relação aos fatores
ambientais afetados, o que vai depender do projeto que se
analisa e de sua localização. A segunda, denominada valoração
dos impactos, refere-se à determinação da importância relativa
de cada impacto, quando comparada aos demais.
A importância de um impacto significa sua resposta social.
isto é. o quanto é importante esse impacto para a qualidade de
vida do grupo social afetado e para os demais, e depende de um
julgamento do valor. O grau de importância determinado pelos
técnicos que executam o estudo será certamente diferente dos
atribuídos pelos decisores e pelos representantes da
comunidade. Daí a necessidade de se criarem condições para o
envolvimento, nesta atividade, de todos os participantes do
processo de AIA, em especial, dos grupos sociais afetados pelo
projeto. Existem inúmeros métodos que permitem o envolvimento
do público nas tarefas destinadas a definir graus de
importância dos impactos confiáveis e representativos,
evitando-se assim que o estudo apresente resultados
insatisfatórios para um ou para outro ator do processo de
AIA.”
Diante do que foi acima exposto, é fácil constatar que não é
possível, a priori, definir o grau de significância do impacto
ambiental apenas e tão-somente pelas suas repercussões no meio
natural, mas, necessariamente, devem ser consideradas as suas
repercussões no ambiente, que é um conceito bem mais amplo,
Foi dentro desse espírito, por exemplo, que o CONAMA, ao
expedir a Resolução Conama n9 001, de 23 de janeiro de 1986,
definiu uma relação exemplificativa de atividades51 modifica-
doras do meio ambiente, estabelecendo uma presunção iuris
tantum, como vem sendo reconhecido por boa parte da doutrina
especializada. Milaré52 afirma com propriedade que:
“A presunção relativa (juris tantum), como se sabe, tem o
condão de inverter o ônus da prova, de sorte que o
Administrador, à vista de um caso listado, determinará a
elaboração do EIA. O empreendedor, querendo, poderá produzir
prova no sentido de que a obra ou atividade pretendida não
provocará impacto ambiental significativo. Portanto, em vez de
o agente público ter que provar a sig- niãcância do impacto, é
o empreendedor quem deve provar sua insignificância.”
No particular, já me53 manifestei em outra oportunidade, no
sentido de que:
51 Conforme se verá mais adiante, o vocábulo atividade não é o
adequado, sendo mais correta a designação obra ou
empreendimento.
52 Édis Milaré, Direito do Ambiente, São Paulo, RT, 4» ed.,
2005, p. 510.
53 Paulo de Bessa Antunes, Direito ambientai Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 9» ed., 2006, p. 285.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
“Uma outra questão crucial é a seguinte: a CF estabelece que
o Estudo de Impacto Ambiental deve ser exigido quando se
tratar de licenciar uma atividade efetiva ou potencialmente
poluidora ou degradadora do meio ambiente. O conceito, no
entanto, é aberto e somente pode ser preenchido através da
edição de atos normativos, sejam legais ou regulamentares. A
contrário senso, se a atividade não se incluir entre aquelas
que possam efetiva ou potencialmente ser agentes de poluição
ou de degradação, o Estudo do Impacto Ambiental será ine-
xigível. Ocorre que as atividades humanas são múltiplas e,
diutumamente, surgem novos projetos industriais, novos
produtos e situações que, dificilmente podem ser antecipadas
por atos normativos e legais. Estas questões, de crucial
importância, seja para a atividade econômica, seja para a
proteção do meio ambiente e da saúde humana, dependem da
adequação e definição da natureza jurídica dos Estudos Prévios
de Impacto Ambiental. O poder Executivo é o único autorizado
a, mediante parâmetros (?) fixados legalmente, definir se iuma
atividade é ou não causadora de significativo impacto
ambiental. É importante observar que as listas de atividades
potencialmente poluidoras devem ser examinadas com cuidado,
pois não é raro que, em função da tecnologia adotada, uma
atividade concreta possa estar aquém ou além do padrão no qual
tenha sido classificada. Evidentemente que, em tais casos, a
produção de estudos tecnológicos deverá ser levada em
consideração para a real classificação da atividade.”
A propósito, vale observar que o rigoroso Tribunal Regional
Federal da 4a Região,54 em admirável aplicação da análise
custo-benefício, ao sopesar a intervenção no meio ambiente e o
seu resultado concreto para a sociedade, entendeu desne-
cessário o Estudo Prévio de Impacto Ambiental quando evidente
o benefício decorrente da atividade.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LICENÇAS CONCEDIDAS
PELO IAP E AUTORIZAÇÃO DE DESMATE PELO IBAMA À SUDERH- SA
PROCEDER MACRODRAGAGEM DO LITORAL PARANAENSE SEM ESTUDO DE
IMPACTO AMBIENTAL. SUSPENSÃO DAS OBRAS E REPARAÇÃO DOS DANOS
AMBIENTAIS. RISCOS DE ENCHENTES. SAÚDE PÚBLICA. QUESTÃO
SANITÁRIA. 1. Não há necessidade de estudo de impacto
ambiental para mera limpeza de canais de escoamento e, in
casu, a pretensão de nulidade de todas as autorizações, bem
como a paralisação das obras de desassoreamento dos canais,
deixa ao desamparo as populações vizinhas, que sofrem riscos
de calamidades decorrentes das cheias, como a proliferação de
doenças como a dengue e a leptospirose, além de danos em
residências, móveis e utensílios. 2. A aplicação da Resolução
nB 237/97 do CONAMA deve ser feita com razoabilidade à luz do
que dispõe o art. 225 da Constituição. sem esquecer que
54 Tribunal Regional Federal da 4a Região, 3a Turma, Apelação
Cível n9 2003.04.01.014704-5, data de Julgamento: 05/08/03.
Relatora: Desembargadora Marga Barth.
Direito Ambiental
a obra que necessita de estudo de impacto ambiental/relatório
de impacto ambiental é predicada pela “significativa
degradação do meio ambiente [grifo PBA] 3. Verificando a
situação concreta. limpeza e desassoreamento de canais
vimenários, operação que deveria ocorrer periodicamente,
anualmente quiçá, não se mostra necessário o ELA/RIMA a cada
operação de limpeza. o que seria uma demasia. pelo seu alto
custo e complexidade, daí a conclusão de que as autoridade
avaliaram bem a situação, ao dispensá-los, neste caso, (grifo
PBA] 4. Não podem, todavia, ser realizadas obras novas, como o
canal entre os balneários ST Etíene e Albatroz, no balneário
Matxnhos, o do Rio da Onça e o ligando o Balneário Monções ao
canal do Guaraçu, bem como o próprio alargamento do canal do
Guaraçu sem os devidos EIA/RIMAs, no qual se discuta também a
opção de “não fazer”. 5. A despeito da função institucional
dos órgãos ambientais-réus, IBAMA e LAP, de fiscalizarem tudo
o quanto se refira ao meio ambiente, degradação ou
restauração, fica mantida a condenação de todos os réus, no
que se refere ao cumprimento do Plano de Recuperação
Ambiental, inclusive com a promoção da desocupação das áreas
invadidas ou irregularmente ocupadas. 6. Parcialmente providos
os recursos e a remessa oficial, afastada a condenação em
honorários advocatícios, por incabíveis na espécie.”
Importante realçar que as presunções, em matéria ambiental,
operam efeitos tanto no sentido da existência quanto no da
inexistência de danos significativos, como é o caso da matéria
tratada pela Resolução ne 369, de 28 de março de 2006, do
CONAMA, que “dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade
pública, de interesse social ou baixo impacto ambiental, que
possibilitam a supressão de vegetação em Área de Preservação
Permanente -APP”. Neste caso, estabeleceu-se tuna presunção em
favor do empreendedor que, conforme o caso concreto, poderá
ser desconstituí- da pelo órgão ambiental mediante prova cabal
de que os impactos gerados ultrapassam os benefícios
decorrentes do empreendimento. Seria precipitada a
interpretação de que a aludida Resolução teria autorizado toda
e qualquer intervenção em APP. Tal conclusão não seria
razoável, haja vista que implicaria negativa de vigência ao
inciso IV do § le do artigo 225 da CF.
A mitigação do impacto é a implementação de medidas técnicas
capazes de reduzir a repercussão sobre o meio natural de um
determinado empreendimento. É mitigação a exigência de
tratamento de efluentes, da colocação de equipamentos aptos a
diminuir a emissão de material particulado ou o lançamento de
efluentes, barreiras para impedir a propagação de ruídos e
outras. A mitigação vincula-se mais à operação do
empreendimento do que à sua implantação, ainda que na
implantação possa haver medidas mitigadoras, tais como a
pavimentação de uma via para a diminuição de material
particulado no ar. É mitigação a redução de resíduos sólidos
gerados, a maior eficiência no uso da água. O papel da
mitigação é reduzir o dano a níveis que o tomem
insignificante.
lHEH
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
3.4.1.5. Definição das medidas mitigadoras e do programa de
monitoragem dos impactos55
As medidas mitigadoras são aquelas destinadas a corrigir
impactos negativos ou a reduzir sua magnitude. Identificados
esses impactos, devem-se pesquisar quais os mecanismos capazes
de cumprir esta função, avaliando-se sua eficiência. Os
equipamentos para tratamento de despejos e emissões para a
atmosfera incluem-se no elenco das medidas mitigadoras das
diversas formas de degradação ambiental. Existe, na literatura
especializada, uma vasta gama de medidas mitigadoras já
utilizadas, o que pode auxiliar a execução desta atividade.
O programa de monitoragem dos impactos deve ser estabelecido
como parte do estudo de AIA, de modo que se possam comparar,
durante a implantação e operação da proposta, os impactos
previstos com os que efetivamente vierem a ocorrer. Deve ser
realizado, sempre que possível, para verificar a aplicação e a
eficácia das medidas mitigadoras, assegurar que os padrões de
qualidade ambiental não sejam ultrapassados, detectar impactos
não previstos a tempo de corrigi-los e, também, contribuir
para o aperfeiçoamento técnico dos métodos de AIA e das
técnicas de previsão e medição dos impactos, no sentido de
melhorar o grau de precisão dos estudos futuros.
Impacto não mitigável, portanto, é aquele que não é passível
de adoção de medidas técnicas para que as suas repercussões
sobre o meio biótico sejam reduzidas a dimensões desprezíveis.
4.1.2.1, Comentários sobre a ADI n0 3.37B-656
Faz~se aqui uma análise preliminar do acórdão proferido pela
Corte na ADI 3.378-6 DF ajuizada pela Confederação Nacional da
Indústria com a finalidade de ver declarada a
inconstitucionalidade do artigo 36 e seus parágrafos da Lei n9
9.985, de 18 de julho de 2000, que criou o Sistema Nacional de
Unidades de Compensação. Como se sabe, desde o seu início a
compensação ambiental tem sido muito polêmica e,
evidentemente, o seu caminho natural seria passar pela prova
da constitucionali- dade. A decisão do STF é importantíssima
sobre o tema. Contudo, ante a possibilidade da interposição de
embargos de declaração pela União, ela ainda não é definitiva
e uma análise de seu mérito, neste momento, seria precipitada.
Contudo, ante a densidade da decisão (cerca de 52 páginas),
uma análise da concepção dos senhores ministros sobre
princípios de Direito Ambiental e como tais princípios foram
manejados no caso concreto parece-me bastante relevante.
O relator da ADI foi o Ministro Carlos Britto, que em seu
voto invocou o princípio da “compensação-compartilhamento” que
não se encontra presente nas princi-
55 RT — 040- R-2 — Avaliação de Impacto Ambientai - AIA.
56 Texto básico publicado em O ECO, 10.07.2008.
Direito Ambientai
pais obras doutrinárias sobre direito ambiental até aqui
editadas no País. Pelo que se pode compreender do voto, tal
princípio implica a obrigação do empreendedor participar do
financiamento de unidades de compensação instituídas pelo
poder público, sempre que a atividade que vier a ser
desenvolvida seja potencial ou efetivamente causadora de
significativo impacto ambiental. Um pouco mais adiante em seu
voto (fls 251), sua Excelência afirma que: “entendo que o art.
36 da Lei n9 9.985/00 den- sifica o princípio do usuário-
pagador, este a significar um mecanismo de assunção da
responsabilidade social (partilhada, insiste-se) pelos custos
ambientais derivados da atividade econômica. ” Como se sabe, o
chamado princípio do usuário-pagador encontra expressão
normativa na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Busca o princípio usuário-pagador criar condições para que não
ocorra desperdício dos recursos naturais, especialmente a
água. Já o princípio poluidor pagador tem por objetivo
estabelecer um mecanismo que leve o agente econômico a
internalizar os custos ambientais de suas ações, refletindo-os
nos preços, com vistas a impedir uma concorrência feita com
base em subsídios ambientais não explícitos.
Mais adiante, em seu bem elaborado voto, Sua Excelência
afirma que: “nessa ampla moldura, é de se inferir que o fato
de, aqui e ali, inexistir efetivo dano ambiental não significa
isenção do empreendedor em partilhar os custos das medidas
preventivas. Isco porque uma das vertentes do princípio
usuário-pagador é a que impõe ao empreendedor o dever de
também responder pelas medidas de prevenção de impactos
ambientais que possam decorrer, significativamente, da
implementação de sua empreitada econômica” (fls. 252). À
primeira vista, tem-se a impressão de que a orientação do
Ministro-relator é a de que a compensação ambiental é devida
pela simples existência da atividade econômica. A compensação,
na concepção de Sua Excelência, é uma cláusula econômica geral
voltada para a prevenção de possíveis danos ambientais, sejam
eles identificados ou não. Aliás, há uma explicitação bastante
feliz da opinião do Ministro, como se pode ver do seguinte
trecho de seu voto: “porque a compensação ambiental se revela
como instrumento adequado ao fim visado pela Carta Magna: a
defesa e a preservação do meio ambiente para as presentes e
futuras gerações, respectivamente— não há outro meio eficaz
para atingir essa finalidade constitucional senão impondo ao
empreendedor o dever de arcar, ao menos em parte, com os
custos da prevenção, controle e reparação dos impactos
negativos ao meio ambiente... porque o encargo financeiro
imposto (a compensação ambiental) é amplamente compensado
pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente
ecologicamente garantido na sua higidez.”
Contudo, como se pode ver do texto do artigo 36 da Lei n9
9.985/2000 e do seu decreto regulamentador, a compensação
ambiental não está destinada à prevenção de danos ambientais
causados por um empreendimento especificamente considerado. Na
verdade, a norma legal determina que a compensação seja
utilizada como meio de financiamento de unidades de
conservação. Sem entrar no mérito de que a obrigação do
financiamento das unidades de conservação é do estado, o fato
é que a compensação, tal como concebida pelo legislador, busca
criar uma alternativa para os danos não mitigáveis e não
recuperáveis e, portanto, compensá-los mediante a adoção de
medidas capazes de gerar um valor ambiental positivo superior
ao desva-
fSBJ * Ensino Superior toai
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
lor causado pelo empreendimento do qual foi a compensação
cobrada. Parece-me, portanto, que a compensação não guarda
qualquer relação com prevenção de danos.
A divergência foi inaugurada pelo Sr. Ministro Marco Aurélio
cujo ponto de vista central prendia-se ao feto de que o artigo
225 e seus parágrafos estão voltados para a recuperação de
danos ambientais já realizados e que não caberia a compensação
para danos futuros não adequadamente identificados e não
comprovados. "De início surge o conflito do § le do artigo 36
da Lei ns 9.985/2000 com o § 2se o §33 do artigo 225 da Carta
Federal. Enquanto estes versam situações já ocorridas - a
circunstância de a atividade desenvolvida pela pessoa natural
mostrar-se agressiva ao meio ambiente, contendo o §3S a alusão
até mesmo a infratores, a sanções penais e administrativas, a
indenizações por danos causados ~ a norma atacada despreza,
por completo, esses fatos geradores do ônus a ser imposto, que
ganha contornos compensatórios. Prevê que o empreendedor, na
fase embrionária do planejamento da atividade, visando à
obtenção de licença, destinará recursos para implantação e
manutenção de unidade de conservação do grupo de proteção
integrai, sendo o dispêndio realizado segundo preceitos da lei
e o regulamento respectivo. Em síntese, há imposição de
desembolso para obter-se a licença, sem mesmo saber-se da
extensão de danos causados. Mais do que isso, em desprezo
total ao princípio da razão suãciente, estabelece, como base
de incidência do percentual a ser Sxado pelo órgão
licenciador, os custos totais previstos para a implantação do
empreendimento e não o possível dano verificado. ” (fls. 259)
O cerne da intervenção do Ministro Marco Aurélio, como se
pode ver, está no próprio dano ambiental real e nas formas
legais existentes para recuperá-lo ou indenizar quando a
recuperação não for possível. De fato, uma leitura dos
parágrafos constitucionais voltados para o tratamento dos
danos ambientais nos revela que o mandamento primeiro é o de
recuperá-los, ou seja, repristiná-los; a indenização é uma
decorrência da impossibilidade de recuperação. Evidentemente
que, em termos ambientais, a indenização não se confunde
meramente com pecúnia. A indenização ambiental é, na verdade,
a compensação ambiental. Ela só cabe nas hipóteses em que o
dano não possa ser mitigado ou recuperado. Compensar por meio
de mecanismos financeiros danos mitigáveis ou recuperáveis é,
de fato, impor tributos pelo simples fato de que o meio
ambiente está sendo utilizado. Entretanto, a medida demanda
uma alteração significativa em nosso sistema constitucional
tributário. Sua Excelência ressaltou um aspecto muito
relevante que é a fixação de um percentual sobre o
investimento e não o custo do dano compensável em si, como
base de cálculo para a fixação da compensação. Na verdade,
parece-me que, da forma como a questão se coloca na lei, criou
uma carga pecuniária pelo simples fato de existir um
empreendimento a ser precedido de Estudo Prévio de Impacto
Ambiental. Isto é, há uma evidente natureza tributária que não
consegue se esconder razoavelmente.
No mesmo voto é levantada outra questão bastante
interessante, que é a da “presunção” de impacto gerada pela
forma como a compensação é imposta aos empreendedores. “Não se
pode conceber que, diante da clareza do artigo 225, § 2« e §
3C, da Carta Federal, jungindo a obrigação de indenizar aos
danos causados [rectius: reparar] e verificados, dispor
mediante - se é que assim se pode considerar - presunção,
chegando a verdadeira comissão presentes os custos totais de
implantação de certo empreendimen-
I Direito Ambiental
to e, o que é pior, sem fixação em lei, ficando o percentual a
ser definido pelo órgão ambiental licenciador...” Foi pena que
o Tribunal não tivesse se aprofundado no tema da presunção de
dano. De fato, as presunções podem e devem ser utilizadas em
matéria ambiental. Não é desconhecido que a lista de
atividades que demandam estudos de impacto ambiental é uma
presunção de danos significativos ao meio ambiente; tal pre-
sunção é relativa, pois o EIA poderá demonstrar que a
atividade pretendida é licenciá- vel e, portanto, causadora de
danos socialmente suportáveis. Por relativa, a presunção
admite prova em contrário. Entender a compensação como uma
presunção a ser des- constituída (ou não) pelo empreendedor
poderia ser um caminho para tomar a questão mais adequada ao
contexto jurídico nacional e ambiental. Demonstrando-se,
cabalmente, a inexistência de danos não mitigáveis ou não
recuperáveis, a compensação - no caso concreto - perderia o
sentido. Evidentemente que tal orientação não implicaria o
abandono das regras rotineiras da responsabilidade ambiental.
Em aparte, o Sr. Ministro Ricardo Lewandowski atribuiu a
obrigação de reparação do dano à aplicação concreta do
princípio do poluidor pagador (fls. 266) e acrescentou que:
“vigora para o efeito de meio ambiente o princípio da
precaução e também da antevisão, esse é um aspecto.” Sua
Excelência tem inteira razão, muito embora ambos os princípios
não estejam em questão quando o tema é a compensação
ambiental, tal qual ela está disposta em nossa legislação
ordinária.
O Ministro Celso de Mello, aderindo à divergência, avançou
na questão — crucial em meu ponto de vista - do elevadíssimo
subjetivismo da norma que outorga ao administrador a
possibilidade de fixação de valores sem que quaisquer
parâmetros legais sejam observados. Eis a manifestação do
Ministro:
“Portanto, o parágrafo le, a meu juízo, com toda a vênia,
mostra-se compatível com as exigências estabelecidas na
Constituição, inclusive com a proposta feita, agora, pelo
eminente Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO e também
acolhida pelo eminente Ministro CARLOS BR1TTO, mas o de se
estabelecer a possibilidade de uma relação causal que permita
definir o montante de recursos precisamente de acordo com o
grau de impacto ambiental causado pelo pelo empreendimento.”
Merece destaque o fato de que Sua Excelência apontou de
forma aguda a contradição entre o estabelecimento de um valor
pecuniário e o dano ambiental. “Eu não concebo que, em se
pagando, se possa implementar a degradação do meio ambiente. ”
Na verdade, em singelas palavras, foram tocadas as maiores
dificuldades da chamada “precificação” do meio ambiente e da
economia ecológica, pois os critérios para a identificação de
“valor” econômico para o meio ambiente ainda não lograram
pacificação entre os estudiosos. Contudo, há um determinado
grau de consenso que o direito a “comprar a degradação” não
encontra sustentação diante de princípios morais, éticos e
mesmo legais. A compensação, tal como concebida na lei — para
não falarmos na sua prática concreta - tem o inconfundível
olor de “pedágio ambiental”. Na verdade, parece-me, ela é a
filha bastarda da pouca relevância que o meio ambiente tem na
Administração brasileira que, ao eximir-se de estipendiar os
órgãos
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
ambientais pela via orçamentária, optou por estabelecer a
armadilha da compensação que, em sua lógica canhestra, acaba
sendo a porta de entrada para projetos am- bientalmente mais
impactantes e, portanto, com compensações mais alentadas.
Para o Ministro Menezes Direito, que em, seu voto
sistematizou as posições anteriormente avançadas pelos seus
colegas, um dos pontos relevantes foi a opinião do Ministro
Celso de Mello no sentido de que, no caso concreto, “pode
ocorrer que não haja impacto significativo”. Cuida-se,
evidentemente, da inexistência do impacto compensável,
conforme se pode inferir pelo conjunto do voto de Sua
Excelência.
No que se refere à natureza jurídica da compensação, Menezes
Direito aduziu que ela é “compensatória porque visa preservar
o meio ambiente e eventual empreendimento que possa causar o
significativo impacto ambiental\ Tal como estabelecida pela
lei, a compensação somente tem lugar nos casos nos quais sejam
exigidos os estudos prévios de impacto ambiental e que, por
meio deles, fique demonstrada a existência de impactos
significativos que não sejam mitigáveis ou recuperáveis,
surgindo dai a categoria dos impactos ditos compensáveis.
Contudo, o Ministro Menezes Direito encaminhou o seu voto no
sentido de uma interpretação com redução do texto, tendo em
vista a controvérsia que se instalara na Corte quanto ao
percentual de 0,5% (meio por cento) sobre o valor do
investimento: ”... se assim entender o Pleno, fazemos uma
declaração parcial de inconstitucionalidade, com redução do
texto, apenas para tirar essas expressões “não pode ser
inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a
implantação do empreendimento.1" Vale observar, entretanto,
que, à base do voto e da sugestão, encontra-se a possibilidade
de que o órgão ambiental reconheça que não há dano compensável
e, portanto, incabível a imposição do encargo. “E o órgão
ambiental, com perícia técnica, e já vimos em várias ocasiões
isto ser feito, poderá escalonar ou definir a situação em que
se justificará esse pagamento (grifei) do empreendedor para
preservar o meio ambiente e garantir a reposição [compensação]
do meio ambiente se houver o significativo impacto ambiental.”
A dificuldade de interpretação da fórmula proposta, contudo,
não passou indiferente. Ao esclarecer questionamento formulado
pelo Ministro Joaquim Barbosa, disse o Ministro Menezes
Direito: “Se nós tiramos a idéia de percentual poderá ocorrer
duas coisas: uma, não haver impacto ambiental significativo e
nenhuma proporcionalidade entre o impacto ambiental e a
participação do empreendedor na compensação do eventual
impacto; a segunda, pode ser estabelecido outro critério que
não seja o percentual sobre o empreendimento, porque esse
critério, como está fixado no mínimo, pode levar ao máximo,
ficando absolutamente descontrolado Sustentando uma
interpretação conforme Joaquim Barbosa feriu questão crucial
que havia passado em segundo plano, que é a da limitação do
percentual a ser atribuído ao gravame. Ante a inexistência de
um máximo legal, o valor expresso na norma deveria ser o
adotado como o maior possível. “Dessa forma, dou interpretação
conforme para manter a norma em vigor, entendendo-se que a
administração não poderá fixar percentual superior a meio por
cento. Se o legislador não fixou patamar superior. penso que o
administrador não poderá fazê-lo. (grifei)”
Finalizando o voto do Ministro Menezes Direito, surgiram
algumas clarificações relevantes à adequada compreensão da
compensação: ”... O que nós estamos
Direito Ambiental
fazendo, é o que me parece, é estabelecer que é possível fixar
um valor de acordo com o relatório de impacto ambiental
/rectius: estudo prévio de impacto ambiental), como já está
previsto na lei, como disse o Ministro Carlos Britto, bá
perícia; vimos em outros casos que há critérios estabelecidos,
e assim sucessivamente, e, ao mesmo tempo, assegurando, como
disse o Ministro Celso de Mello, o pleno direito de defesa e
do contraditório, nessa fixação.
E, ademais, e me parece importante, estaríamos autorizando
que seria possível, sim, fixar um outro meio de compensação
para a reposição do meio ambiente. Por exemplo: é possível
que, no relatório de impacto ambiental se estabeleça que, para
fazer um determinado tipo de empreendimento, seja necessário
determinado tipo de represamento. Pode-se, então, estabelecer
não um percentual sobre todo o empreendimento, mas sobre
determinada obra que se tome necessária para compatibilizar o
empreendimento com a preservação do meio ambiente. ”
Os trechos acima demonstram que o debate ambiental chegou ao
STF com força definitiva e que, cada vez mais, a Corte
desempenhará um papel decisivo na matéria ambiental, haja
vista o status constitucional que ela ostenta. Contudo, como
se pode perceber dos elementos acima coligidos, o Tribunal
ainda demonstra certa oscilação na fixação do conteúdo dos
princípios próprios do Direito Ambiental* No entanto, como se
pode ver dos votos dos Ministros Celso de Mello, Joaquim
Barbosa e Menezes Direito, a principiologia própria do Direito
Ambiental não está colocada acima de princípios
constitucionais estabilizados como o da legalidade e o da
ampla defesa. O tribunal repudiou a compensação ambiental como
um valor a ser arbitrado pelo órgão ambiental sem a utilização
de contornos claros - ainda que a sua fixação não seja tarefa
simples —, bem como deixou claro que a imposição do encargo
financeiro não pode ocorrer unilateralmente, sem que se
ofereça ao interessado o direito de contestá-la. Certamente,
com a interposição dos embargos de declaração, a decisão será
mais bem esclarecida. As discussões doutrinárias que se
seguirão, certamente, também contribuirão para um melhor
entendimento do decidido.
4.1.3. Compensação ambiental e risco
Hodiemamente vivemos na chamada sociedade de risco. O risco
é um elemento cada vez mais relevante no planejamento
ambiental. Contudo, em não raras vezes, o risco tem sido
examinado a partir de uma ótica unilateral, haja vista que
somente se consideram os riscos decorrentes da implementação
de um determinado empreendimento e poucas vezes se leva em
conta o risco decorrente de sua não-implantação. Cito como
exemplo os riscos de desabastecimento de combustíveis diante
da impossibilidade de implantação de um projeto de
infraestrutura de energia, por exemplo. Contudo, há que se
considerar que o risco é uma mera possibilidade que poderá ser
maior ou menor, mais ou menos aceitável. Risco não se confunde
com dano. É tuna mera possibilidade de dano.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Risco é uma mera possibilidade de dano e não dano atual,
repita-se. Compensa- se algo que acontecerá e não algo que
poderá acontecer. Nos casos em que, não obstante todos os
esforços do empreendedor, o risco se materialize e danos ao
meio ambiente venham a efetivamente ocorrer, a hipótese será
de reparação do dano ambiental, com base na responsabilidade
civil prevista na CF e na Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente. É curial que toda e qualquer implantação de empreen-
dimentos envolve riscos que serão maiores ou menores, conforme
o caso concreto. Uma vez identificados os riscos, cabe à
sociedade, por meio de suas instituições legalmente
constituídas, identificar qual a porcentagem de risco que
deseja correr. Não há atividade humana que não implique
riscos.
Na verdade, a percepção de risco é ton fenômeno que tende a
influenciar negativamente determinadas atividades, dentre as
quais certamente se encontram aquelas destinadas à produção de
energia. Contudo, percepção de risco não corresponde a risco
real e, risco real, não corresponde a acidente ocorrido e,
muito menos, a dano ambiental concreto não mitigável e não
recuperável que, como tem sido visto ao longo do presente
trabalho, é a condição legal para a imposição de compensação
ambiental. A propósito, vale relembrar que atividades de risco
são admitidas e legalmente desenvolvidas, pois em análise
custo benefício elas são consideradas vantajosas. Convém
relembrar a lição de Sunstein:57 “When asked to assess the
risks and benefits associated with certain items, people tend
to think that risky activities contain low benefits, and that
beneficial activities contains low risks. In other words,
people are likely to think that activities that seem dangerous
do not carry benefits; it is rare that they will see an
activity as both highly beneficial and quite dangerous or as
both benefit-free and danger-free. ”
5. A Exigibilidade da Compensação Ambiental: Aspectos Formais
5.1. Termo inicial (dies a quo) para a exigência da
compensação ambiental
Estabelecido, segundo a argumentação apresentada acima, que
a compensação ambiental só é cabível nos casos em que o EIA
demonstre a existência de danos ambientais ocasionados
diretamente pelo empreendimento e que não possam ser
classificados como recuperáveis ou mitigáveis, Como
anteriormente explanado, há vinculação legal entre as
conclusões do EIA e a imposição administrativa da compensação
ambiental. Surge daí a relevante questão da fixação do dies a
quo para sua exigência por parte do órgão de controle
ambiental. Como nos recorda Venosa,58 “deno-
57 Cass R. Sunstein, Risk and Reason - Safety, Law and The
Environment, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.
43.
58 Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil — Parte Geral, São
Paulo: Editora Atias. 5* edição, 2005, p. 516.
Direito Ambiental
mina-se termo inicial (ou suspensivo ou ‘dies a quo^ aquele a
partir do qual se pode exercer o direito...”
Uma leitura do artigo 36 e seus parágrafos, da Lei n2
9.985/2000, não denuncia de forma clara o dies a quo para
exigibilidade. Relembre-se o texto legal:
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de
empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim
considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em
estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA,
o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção
de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de
acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ ls O montante de recursos a ser destinado pelo
empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio
por cento dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental
licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado
pelo empreendimento.
§ 2- Ao órgão ambiental licenciador compete definir as
unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as
propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor,
podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades
de conservação.
§ 3e Quando o empreendimento afetar unidade de conservação
específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que
se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido
mediante autorização do órgão responsável por sua
administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente
ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das
beneficiárias da compensação defini- da neste artigo.
Da mesma forma, o regulamento da lei em tela é omisso quanto
ao momento em que surge a obrigação de pagamento da chamada
compensação ambiental: Efetivamente, o Decreto ne 4.340, de 22
de agosto de 2002, em seus artigos 31 e seguintes, não cuida
do tema:
“Art. 31. Para os fins de fixação da compensação ambiental
de que trata o art. 36 da Lei n9 9.985, de 2000, o órgão
ambiental licenciador estabelecerá o grau de impacto a partir
de estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório -
EIA/RIMA realizados quando do processo de licenciamento
ambiental, sendo considerados os impactos negativos e não
mitigáveis aos recursos ambientais.
Parágrafo único. Os percentuais serão fixados, gradualmente,
a partir de meio por cento dos custos totais previstos para a
implantação do empreendimento, considerando-se a amplitude dos
impactos gerados, conforme estabelecido no caput.
Art. 32. Será instituída no âmbito dos órgãos licenciadores
câmaras de compensação ambiental, compostas por representantes
do órgão, com a finali-
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
dade de analisar e propor a aplicação da compensação
ambiental, para a aprovação da autoridade competente, de
acordo com os estudos ambientais realizados e percentuais
definidos.
Art. 33. A aplicação dos recursos da compensação ambiental
de que trata o art. 36 da Lei n2 9.985, de 2000, nas unidades
de conservação, existentes ou a serem criadas, deve obedecer à
seguinte ordem de prioridade:
I - regularização fundiária e demarcação das terras;
II — elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo;
III - aquisição de bens e serviços necessários à
implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade,
compreendendo sua área de amortecimento;
IV - desenvolvimento de estudos necessários à criação de
nova unidade de conservação; e
V - desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo
da unidade de conservação e área de amortecimento.
Parágrafo único. Nos casos de Reserva Particular do
Patrimônio Natural, Monumento Natural, Refugio de Vida
Silvestre, Área de Relevante Interesse Ecológico e Área de
Proteção Ambiental, quando a posse e o domínio não sejam do
Poder Público, os recursos da compensação somente poderão ser
aplicados para custear as seguintes atividades:
I - elaboração do Plano de Manejo ou nas atividades de
proteção da unidade;
II - realização das pesquisas necessárias para o manejo da
unidade, sendo vedada a aquisição de bens e equipamentos
permanentes;
III - implantação de programas de educação ambiental; e
IV — financiamento de estudos de viabilidade econômica para
uso sustentável dos recursos naturais da unidade afetada.
Art. 34. Os empreendimentos implantados antes da edição
deste Decreto e em operação sem as respectivas licenças
ambientais deverão requerer, no prazo de doze meses a partir
da publicação deste Decreto, a regularização junto ao órgão
ambiental competente mediante licença de operação corretiva ou
retifi- cadora.”
Ante a omissão legal, há que se buscar uma solução por via
da interpretação sistemática das diferentes normas envolvidas
no tema.
5.2. Implantação do empreendimento: conceito
O primeiro aspecto que me chama a atenção é que a
exigibilidade da compensação ambiental somente pode ser feita
ipso iure após a análise do ELA e o reconhecimento de que
existem danos ambientais compensáveis, isto é, aqueles não
mitigáveis e não recuperáveis. Em geral, a aceitação do ELA
ocorre antes da emissão da Licença Prévia. Contudo, não seria
razoável a exigência da compensação ambiental na fase da
Licença Prévia, tendo em vista que tal licença não autoriza o
início de
Direito Ambiental
obras e, portanto, a sua simples concessão não é capaz de
gerar qualquer dano ambiental, seja atual, seja potencial.59
A Licença que, em tese, pode dar margem ao surgimento de
danos ambientais compensáveis é a Licença de Instalação, pois
ela é aquela que autoriza o início da instalação do
empreendimento.60 Aqui é necessário que se ressalte o fato de
que projetos nem sempre são instalados inteiramente de uma só
vez. Assim a fase de implantação se refere apenas àquelas
partes do projeto que, efetivamente, venham ser implantadas, e
tal fase se estende, como regra, até o início das operações de
cada um dos diferentes segmentos do empreendimento. Ante a
inexistência de uma previsão legal explícita quanto ao momento
da exigibilidade da compensação, há que se avançar no conceito
de implantação do empreendimento.
A resposta inicialmente deve se pautar pela definição
semântica do verbo implantar, haja vista que é do seu conceito
que decorre grande parte das consequências econômicas da
compensação ambiental.
Segundo o Dicionário Aurélio:
Implantar. [De im-1 + plantar2.] V. t. d e c. 1. Introduzir;
inaugurar; estabelecer: Os colonizadores sempre tentaram
implantar seus costumes nas terras conquistadas. 2. Inserir
(uma coisa) em outra; plantar, arraigar, fixar: A árvore
implanta suas raízes na terra. T. d. 3. Hastear, desfraldar,
içar: Implantar uma bandeira. 4. Implantar (1). 5. Arquit.
Demarcar no terreno as fundações de ta obra que será
construída) [Grifo PBA]. 6. Cir. Fazer implante (2) de. P. 7
plantar-se, arraigar-se. 8. Fixar-se, estabelecer-se.
Já para o Michaelis:
Im.plan.tar (im1 + plantar) Vtd 1 Plantar (uma coisa) em
outra; arraigar, fixar: implantava na alma dos discípulos
sódios ensinamentos cristãos. Vtd 2 Estabelecer, introduzir.
“Filosofia materialista integral que a Rússia tenta implantar”
(Tristão de Ataíde, ap Franc. Fernandes). Vtd 3 Hastear,
arvorar: implantou a flâmula da vitória. Vpr 4 Arraigar-se,
estar implantado: implanta- ra-se uma parasita no tronco
carcomido. Vpr 5 Estabelecer-se. íixar-se: (Grifo PBA] Grande
leva de imigrantes ali se implantara.
De acordo com o acima descrito, a implantação de um projeto
pode ser parcial ou completa. Não é pouco usual que os
projetos se implantem em fases consecutivas
59 Art. 19.0 Poder Público, no exercício de sua competência de
controle, expedirá as seguintes licenças: I - Licença Prévia
(LP), na fase preliminar do planejamento de atividade,
contendo requisitos hásirns a sprpm atendidos jias feses de
localização, instalação e operaçâo, observados os planos
municipais, estaduais ou federais de uso do solo; (...)
60 Art. 19. O Poder Público, no exercício de sua competência
de controle, expedirá as seguintes licenças: ... II -
Licença de Instalação (LI), autorizando o inicio da
implantação, de acordo com as especificações constantes do
Proieto.Bxecutivo aprovado..."
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
em função da capacidade de investimento do empreendedor, da
necessidade de infraestrutura adequada e muitos outros fatores
que variam de projeto a projeto. Assim, parece-me que a
compensação ambiental, quando devida, somente o será na
proporção da parcela do empreendimento que efetivamente
estiver sendo implantada e não do empreendimento considerado
como planejado; até mesmo porque muitas vezes, os
planejamentos são abandonados e os empreendimentos não se
concretizam tal como outrora idealizados. Igual opinião é
sustentada por Machado.61
Assim, por implantação do empreendimento, deve ser entèndida
a fase que, efetivamente, estiver sendò construída pelo
empreendedor até o início de sua operação efetiva; o mero
encerramento das obras civis, em minha opinião, não caracteri-
za a efetiva implantação de um empreendimento.
5.2.1. Compensação ambiental e empreendimentos já
implantados
Uma curiosa questão é a da possibilidade de exigência de
compensação ambiental em empreendimentos já implantados e
operando quando se cuidar da renovação da Licença de Operação.
Peço vênia para, mais uma vez, retomar ao texto do artigo 36
da Lei n2 9.985/2000. Com efeito, determina o artigo 36: “Nos
casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de
significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão
ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto
ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é
obrigado a apoiara implantação e manutenção de unidade de
conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o
disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”
Efetivamente, a norma se refere a “casos de licenciamento
ambiental” e não especifica qual a etapa do processo de
licenciamento ambiental considerada. Contudo, somente uma
interpretação de má-fé poderia sugerir que o artigo contempla
a renovação de Licença de Operação - ou outra qualquer que
venha a ser concedida com o empreendimento já implantado e
operacional pois o próprio caput do artigo 36 diz
textualmente, “com fundamento em estudo de impacto ambiental e
respectivo relatório”, Ora, tal hipótese, por força do inciso
IV do § l9 do artigo 225 da CF, é prévia à instalação e à
operação de empreendimento capaz de gerar compensação
ambiental.
O Decreto regulamentador da Lei n9 9.985/2000, em seu artigo
34 traz norma que, na minha opinião, não pode ser interpretada
como estabelecedora de compensação ambiental retroativa.
Vejamos o texto normativo: “Os empreendimentos implantados
antes da edição deste Decreto e em operação sem as respectivas
licenças ambientais deverão requerer. no prazo de doze meses a
partir da publicação deste Decreto, a regularização iunto ao
órgão ambiental competente mediante licença de operação
corretiva ou retiãcadora.” O que me parece, foi determinado
àqueles que
61 Paulo Affònso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro,
São Paulo: Malheiros, 133 edição, 2005, p. 789.
Direito Ambiental
operavam antes da edição do Decreto e que não estivessem
licenciados, é que buscassem o órgão ambiental com vistas à
obtenção das respectivas licenças ambientais.
O decreto jamais poderia definir uma compensação retroativa,
haja vista que a lei não dispôs desta forma. E mais: mesmo que
estivéssemos em sede de interpretação da norma, tal
interpretação não poderia retroagir, ante expressa vedação
legal contida na Lei n9 9.784/99, m verbis. “Art. 2e A
Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios
da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo
único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de:... XIII - interpretação da norma
administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do
fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de
nova interpretação.”
5.2.2. Extensão da compensação ambiental em relação ao
volume de recursos investidos pelo empreendedor
Como tem sido amplamente examinado no presente parecer,
existem falhas relevantes no arcabouço legal da chamada
compensação ambiental. Tais falhas, contudo, devem ser
minimizadas, com vistas ao aproveitamento da norma jurídica.
Portanto, o intérprete se vê diante de tema complexo e que
demanda a construção de um raciocínio jurídico que se adapte à
presunção de constitucionalidade das leis. Isto impõe a adoção
do chamado princípio da interpretação conforme. Os notáveis
admi- nistrativistas ibéricos, Enterria e Femadez,62 assim
definem o mencionado princípio:
“A origem do princípio que impõe a interpretação, conforme a
Constituição, de todo o ordenamento, está no processo de
constitucionalidade das leis: antes de que uma lei seja
declarada inconstitucional o juiz que efetua o exame tem o
dever de buscar, em via interpretativa, uma concordância da
dita lei com a Constituição. A anulação de uma lei é um
acontecimento bastante mais grave que a anulação de um ato da
Administração, porque cria por si só uma grande insegurança
jurídica. ... É este horror vacui (?) o que determina o
princípio formulado assim pelo Tribunal Federal Constitucional
alemão: é válido o princípio de que uma lei não deve ser
declarada nula quando pode ser interpretada em consonância com
a Constituição.”
Assim, daremos à compensação ambiental o tratamento de
receita pública. Como nos recorda Torres,63 ao tratar sobre as
receitas do Estado, "originárias são aquelas que decorrem da
exploração do patrimônio do estado, compreendendo os
62 Eduardo Grada Enterria e Tomás-Ramón Femandez, Curso de
Direito Administrativo, tradução de Arnaldo Sem, São Paulo:
RT, 1990, p. 139.
63 Ricardo Lobo Torres, Cuiso de Direito Financeiro e
Tributário, Rio de Janeiro: Renovar. 12a edição, 2005,
ISBJ - Ensino Superior te&i
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
preços públicos, as compensações financeiras e os ingressos
comerciaisEsta é tuna interpretação que, fimdando-se no fato
de que o meio ambiente é um bem público, cuja defesa compete
ao Poder Público.64 Contudo, há que se observar que a compen-
sação ambiental se reveste de caráter peculiaríssimo, haja
vista que não possui expressa previsão constitucional, como é
o caso da compensação financeira prevista no artigo 20, § l9,
da Lei Fundamental da República.65 Entretanto, para que se
possa interpretar a norma conforme à Constituição, no caso
concreto, há que se temperar alguns de seus comandos, sob pena
de uma completa invalidação da norma.
Como compensação financeira, o que se admite para a
finalidade de assegurar a constitucionalidade da norma, esta
não pode ser exigida do particular sem a fixação de um limite
máximo, sob pena de se constituir em verdadeira aberração
jurídica. De fato, o legislador, ao redigir o § Is do artigo 36
da Lei na 9.985/2000, foi extremamente infeliz, senão vejamos:
'Ҥ Is O montante de recursos a ser destinado pelo
empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio
por cento dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental
licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado
pelo empreendimento.”
Com efeito, a lei não estabelece um máximo a ser cobrado a
título de compensação ambiental e, como tal, ostenta uma
verdadeira natureza confiscatória, pois delega ao
administrador a possibilidade de fixar o valor da compensação
até o infinito. Aliás, veja-se que mesmo que o administrador
fixe um “teto” para a compensação, este seria arbitrário, pois
sem expressa e prévia previsão legal. É indiscutível que há
que se ter por inconstitucional a expressão “não pode ser
inferior” e admitir-se que meio por cento (0,5 %) é o valor
que o legislador entendeu como máximo aplicável. Há parti-
cularidade na receita acima descrita, haja vista que, de
acordo com o caput do artigo 36 da Lei do SNUC, uo empreendedor
é obrigado [grifo PBA] a apoiar a implantação e manutenção de
unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral’. Há,
portanto, compulsoriedade e, havendo a compulsoriedade,
parece-me evidente que o empreendedor tem o direito subjetivo
de saber até onde vai o limite legal de sua obri-
64 Lei na 6.938, de 31 de agosto de 1981: “Art. 2a A Política
Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à
vida, visando assegurar, no País, condições ao
desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos
os seguintes princípios: í - ação governamental na
manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público [grifo PBA] a ser neces-
sariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo.”
65 Art. 20. São bens da União:... § l9 - É assegurada, nos
termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, bem. como a órgãos da administração direta da
União, participação no resultado da exploração de petróleo
ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de
energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo
território, plataforma continental, mar territorial ou zona
econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa
exploração.
Direito Ambiental
gação. Vale, no caso vertente, a oportuna observação de
Saliba.66 “Ressalte-se que, ainda que se diga, bem como se
aceite em termos meramente didáticos e não financeiros; que o
tipo de receita originária provenha de bens pertencentes ao
patrimônio público, ou seja> da sua exploração, não podemos
perder de vista que efetivamente quem vai arcar com este custo
será sempre um determinado particular, [grifo PBA] Se
examinarmos as leis que cuidam de outras compensações
financeiras, não será difícil percebermos o que elas
estabelecem. Com efeito, vejamos, como exemplo, o artigo 17 da
Lei ne 9.648, de 27 de maio de 1998» que assim dispõe:
Art. 17. A compensação financeira pela utilização de
recursos hídricos de que trata a Lei n9 7.990, de 28 de
dezembro de 1989, será de seis inteiros e setenta e cinco
centésimos por cento sobre o valor da energia elétrica
produzida. a ser paga por titular de concessão ou autorização
para exploração de potencial hidráulico aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios em cujos territórios se
localizarem instalações destinadas à produção de energia
elétrica, ou que tenham áreas invadidas por águas dos
respectivos reservatórios, e a órgãos da administração direta
da União.
O legislador, evidentemente, estabelece o valor a ser
cobrado pelo administrador, não podendo deixá-lo submetido ao
livre-arbítrio do Executivo, ante a prevalência do princípio
da legalidade constitucional. Assim, parece-me que o
percentual máximo a ser estabelecido pelo administrador é
aquele que a lei, equivocadamente, acoimou como mínimo. Esta é
a única fórmula que me parece possível e viável para que se
tenha como constitucional a norma em questão.
Resta a questão referente ao valor mínimo da compensação.
Conforme visto acima, o valor da compensação ambiental foi
fixado em um máximo de meio por cento do valor do
investimento. Há uma relevância em se indagar se a lei
admitiria uma gradação entre os valores devidos. Entendo que
sim. Efetivamente, o § l9 do artigo 36 da Lei nB 9.985/2000
estabelece que: “o montante de recursos a ser destinado pelo
empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio
por cento dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental
licenciador de acordo com o grau de impacto ambiental causado
pelo empreendimento" fGrifo PBA]. Penso ser extreme de dúvidas
o fato de que o legislador determinou ao administrador que
adote uma proporcionalidade entre “o grau de impacto ambiental
causado pelo empreendimento” e o valor cobrado como
compensação. Cuida-se, em meu modo de ver, de um comando
imperativo e que não debca ao administrador qualquer margem de
discrição. Cabe- lhe estabelecer mecanismo capaz de definir
valores de compensação proporcionais aos impactos reais, não
mitigáveis e não recuperáveis do empreendimento a ser
implantado. O próprio Decreto ns 4.340, de 22 de agosto de
2002. embora partindo
66 Ricardo Berzosa Saliba, Fundamentos do Direito Tributário
Ambiental, Sao Paulo: Quatier Latin, 2005, p. 150.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
de um pressuposto constitucionalmente equivocado, reconhece a
necessidade de proporção entre o valor a ser cobrado a título
de compensação e o dano efetivamente causado. Veja-se o
parágrafo único do artigo 31 do Regulamento, in verbis: “Os
percentuais serão fixados, gradualmente [grifo PBA], a partir
de meio por cento dos custos totais previstos para a
implantação do empreendimento, considerando-se a amplitude dos
impactos gerados, conforme estabelecido no caput. ” Como já
vimos, é possível a inexistência de danos compensáveis na
implantação de determinado empreendimento e, portanto, a
compensação zero é uma hipótese a ser considerada. Destarte,
uma variação entre zero e meio por cento do valor do
investimento está compreendida entre os objetivos da lei.
Fortes em nossa compreensão de que a compensação ambiental é
uma receita publica, ainda que de natureza espedalíssima, há
que se buscar fazer com qúe ela seja paliçada de forma
equânime e proporcional, a fim de que não se transforme em
confisco. O Código Tributário Nacional, ao cuidar da
interpretação da lei tributária, assim determina:
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade
competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
IV — a equidade.
§ 23 O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa
do pagamento de tributo devido.
Desta forma, desde que não implique a dispensa do pagamento
da compensação ambiental, o administrador poderá dar-lhe uma
dimensão proporcional ao dano e não puramente ao investimento,
haja vista a inexistência de uma expressa previsão legal
quanto aos valores máximos a serem cobrados. Ainda que ein
seara de direito privado, mas como apoio ao nosso raciocínio,
também podemos nôs socorrer do artigo 944 do CC, que pode ser
aplicado pelo órgão ambiental sempre que evidente uma
desproporção entre o dano e o valor da compensação a ser
cobrada.67
Como amplamente tratado ao longo do presente, o valor de
meio por cento é um valor máximo. Uma vez que o valor devido
deve ser calculado em função do impacto ambiental realmente
causado, conforme demonstrado no EIA, a cobrança deverá ser
proporcional ao impacto. Na inexistência de impacto
compensável, o valor da compensação deverá ser igual a zero.
6. Ampla Defesa e Compensação Ambiental
Aspecto relevante da questão que está sendo tratada no
presente parecer é o que se refere às diferentes concepções
sobre a natureza dos impactos ambientais gerados
67 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização.
Direito Ambiental
pela implantação de determinado empreendimento. Não será pouco
comum que o órgão ambiental considere que o empreendimento é
gerador de danos ambientais compensáveis e que o empreendedor
considere que os danos são mitigáveis ou recuperáveis e que os
compensáveis não têm a dimensão que lhes é atribuída pelo
órgão de licenciamento. Como esta questão pode ser resolvida?
Penso que indiscutivelmente, o licenciamento ambiental é um
procedimento administrativo (rectius. processo) que trata
diretamente de direitos e garantias individuais expressamente
tutelados pela CF. Em tal condição, não há como se furtar à
aplicação da Lei n9 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula
o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal. Na forma de tal norma, estabelecer-se- á o
contraditório administrativo com vistas à produção das provas
capazes de demonstrar a veracidade do ponto de vista de uma ou
de outra parte, com a aplicação dos artigos 29 e seguintes da
lei em tela.68 Vale observar que não há uma lei disciplinando o
processo de licenciamento ambiental, o que seria desejável e
necessário.
Além da necessidade do contraditório para a solução das
divergências entre as partes e diante do exame que estamos
procedendo da matéria, não nos foi possível encontrar qualquer
norma que condicione a concessão de qualquer uma das licenças
ambientais à quitação dos valores que possam vir a ser
exigidos em termos de compensação ambiental. Com efeito, o
artigo 36 da Lei ne 9.985, de 18 de julho de 2000, limita-se a
afirmar que: “Nos casos de licenciamento ambiental de
empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim
considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em
estudo de impacto ambiental e respectivo relatório — ELA/RIMA,
o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção
de imidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de
acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
” Como se sabe, em direito administrativo não se presumem
restrições; e mais: a intervenção na esfera privada somente se
faz legal mediante expressa autorização de lei,
É importante observar que o legislador, quando entendeu
necessário estabelecer algum vínculo de condicionalidade entre
o procedimento de licenciamento ambiental e a proteção das
unidades de conservação, o fez de forma expressa, como
definido no § 39 do artigo 36 que determina a prévia
autorização do órgão gestor de unidade de conservação
específica ou de sua zona de amortecimento quando estes forem
afetados pelo empreendimento, estabelecendo, ainda, que a
unidade de conservação em tela deverá ser beneficiada pela
compensação, verbis: “Quando o empreendimento afetar imidade
de conservação especifica ou sua zona de amortecimento, o
licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá
ser concedido mediante autorização do órgão responsável por
sua administrarãn. A a nnidade afetada [grifo PB A], mesmo que
não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma
das beneficiárias da compensação definida neste artigo." Aqui
parece-me
68 Lei 9.784/1999: Art. 69. Os processos administrativos
específicos continuarão a reger-se por lei própria,
aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta
Lei.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
evidente que, sem autorização do órgão gestor da UC não há que
se conceder a Licença Ambiental pleiteada. Trata-se, contudo,
de uma exceção. Ressalte-se, por oportuno, que o requisito é a
autorização e não o pagamento da compensação.
A Administração Pública, como se sabe, somente pode agir
dentro dos estritos e estreitos limites da legalidade, não
podendo formular exigências aos empreendedores que não
encontrem base iegal. Tem sido comum o estabelecimento de
"condicionantes” nas licenças que se vinculam diretamente ao
pagamento da compensação ambiental. Parece-me que, data venia,
a hipótese é de desvio de finalidade.69 Efetivamente, cria-se
uma “condicionante” não ambiental com o único desiderato de
arrecadar o valor correspondente à compensação. O estado
dispõe de meio legais para a cobrança dos valores de
compensação ambiental que julgue devidos, podendo utilizar-se,
inclusive, da execução fiscal,70 que é forma privilegiada de
cobrança de débitos.
A aposição de “condicionante” vinculada ao pagamento da
compensação ambiental viola o princípio da ampla defesa
constitucional, como já tem sido decidido pelos tribunais
superiores em casos que, embora não sejam totalmente
assemelhados, servem como base de raciocínio.71 E evidentemente
inconstitucional qualquer tentativa de criar uma
obrigatoriedade para a compensação ambiental, vinculando a
própria validade da licença ao seu pagamento, visto que a lei72
não estabelece qualquer indicação nesse sentido.
69 Lei n° 4.717-1965. “Art. 2a - São nulos os atos lesivos ao
patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos
casos de:... e} desvio de finalidade. Parágrafo único. Para
a conceituação dos casos de nulidade observar- se-ão as
seguintes normas:... e) o desvio da finalidade se verifica
quando o agente pratica o ato visando a fim. diverso daquele
previsto, explícita ou implicitamente, na regra de
competência.
70Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980 - Lei de Execuções
Fiscais... Art. 2® - Constitui Dívida Adva da Fazenda
Pública aquela definida como tributária ou não tributária na
Lei nfl 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações
posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro
para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da
União> dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
71 STJ, Súmula 127: E ILEGAL CONDICIONAR A RENOVAÇÃO DA
LICENÇA DE VEÍCULO AO PAGAMENTO DE MULTA, DA QUAL O INFRATOR
NÃO FOI NOTIFICADO.
72 REsp 633432 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2004/0030029-4.
Ministro LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. DJ 20.06.2005 p. 141.
ADMINISTRATIVO. CONTRATO. ECT. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE
TRANSPORTE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE MANTER A
REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO. PAGAMENTO DAS FATURAS.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A exigência de regularidade fiscal para
a participação no procedimento lícitatório funda-se na CF,
que dispõe no § 3« do art. 195 que “a pessoa jurídica em
débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido
em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”, e
deve ser mantida durante toda a execução do contrato,
consoante o art. 55 da Lei 8.666/93. 2. O ato
administrativo, no Estado Democrático de Direito, está
subordinado ao principio da legalidade (CF/88, arts. 5a, II,
37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a
Administração poderá amar tão-somente de acordo com o que a
lei determina. 3. Deveras, não constando do rol do art. 87
da Lei 8.666/93 a retenção do pagamento pelos serviços
prestados, não poderia a ECT aplicar a referida sanção à
empresa contratada, sob pena de violação ao princípio
constitucional da legalidade. Destarte, o descumprimento de
cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a
rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não
autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e,
ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos
serviços. 4. Consoante a melhor doutrina, a supremacia
constitucional “não significa que a Administração esteja
autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de
seus deveres contratuais sob alegação de que o particular
encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras
instituições. A administração poderá comunicar ao órgão
competente a existência de crédito em favor do particular
para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de
pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusi
I Direito Ambiental
Há que se observar que ante o ineditismo do tema, não há uma
jurisprudência prévia ou legislação específica que possa nos
guiar no tema. Necessário se faz, portanto, que algumas
situações assemelhadas sejam vistas.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 205 determina
que a lei poderá exigir a prova da quitação de determinados
tributos, mediante a expedição de certidão negativa.73 Observe-
se, contudo, que nas hipóteses em que possa haver a perda do
direito, a própria certidão pode ser dispensada,74 conforme
permissivo do artigo 207 do CTN. Assim, no caso da
compensação, a expedição das licenças na existência de
pendência quanto aos valores, em nada obstaculiza o direito de
a administração cobrá-la pelas vias próprias e legais.
6.1. Reserva da Biosfera
O artigo 41 da Lei n9 9.985/2000 incorporou ao Direito
interno brasileiro as chamadas “Reservas da Biosfera” como
unidades de conservação. O texto do mencionado artigo,
entretanto, é confuso, pois o legislador definiu a reserva da
biosfera como um modelo que é adotado internacionalmente, de
gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos
naturais, com os objetivos básicos de preservação da
diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de
pesquisa,, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o
desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida
das populações.
Os parágrafos do mencionado artigo estabelecem a
constituição e outros requisitos das Reservas da Biosfera.
Elas se constituem por:
a) uma ou várias áreas-núcleo, destinadas à proteção integral
da natureza;
b) uma ou várias zonas de amortecimento, onde só são admitidas
atividades que não resultem em dano para as áreas-núcleo; e
c) tuna ou várias zonas de transição, sem limites rígidos,
onde o processo de ocupação e o manejo dos recursos naturais
são planejados e conduzidos de modo participativo e em bases
sustentáveis.
vo, passível de ataque inclusive através de mandado de
segurança" (Marçai Justen Filho. Comentários à Lei de
Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo, Editora
Dialética, 2002, p. 549). 5. Recurso especial a que se nega
provimento.
73 Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de
determinado tributo, quando exigível, seja feita por
certidão negativa, expedida à vista de requerimento do
interessado, que contenha todas as informações necessárias à
identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de
negócio ou atividade e indique o período a que se refere o
pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre
expedida nos termos em que tenha sido requerida e será
fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do
requerimento na repartição.
74 Art. 207. Independentemente de disposição legal permissiva,
será dispensada a prova de quitação de tributos, ou o seu
suprimento, quando se tratar de prática de ato indispensável
para evitar a caducidade de direito, respondendo, porém,
todos os participantes no ato pelo tributo porventura
devido, juros de mora e penalidades cabíveis, exceto as
relativas a infrações cuja responsabilidade seja pessoal ao
infrator.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação
Isto em áreas de domínio público ou privado. Elas podem ser
integradas por unidades de conservação já criadas pelo Poder
Público, respeitadas as normas legais que disciplinam o manejo
de cada categoria específica. São geridas por Conselho
Deliberativo, formado por representantes de instituições
públicas, de organizações da sociedade civil e da população
residente, conforme se dispuser em regulamento e no ato de
constituição da unidade. E, por fim, são reconhecidas pelo
Programa Intergovemamental “O Homem e a Biosfera - MAB”,
estabelecido pela Unesco, organização da qual o Brasil é
membro. Melhor teria andado o legislador se simplesmente
dissesse que são Reservas da Biosfera aquelas assim
reconhecidas pela UNESCO.
6.1.1. Regulamentação
A Reserva da Biosfera, conforme previsto no artigo 41 do
Decreto n2 4.340, de 22 de agosto de 2002, é um modelo de
gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos
naturais, que tem por objetivos básicos a preservação da
biodiversidade e o desenvolvimento das atividades de pesquisa
científica, para aprofundar o conhecimento dessa diversidade
biológica, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o
desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida
das populações. O gerenciamento das Reservas da Biosfera está
submetido à coordenação da Comissão Brasileira para o Programa
“O Homem e a Biosfera” - COBRAMAB, de que trata o Decreto de
21 de setembro de 1999.
À COBRAMAB, além do estabelecido no decreto de 21 de
setembro de 1999, compete apoiar a criação e instalação do
sistema de gestão de cada uma das Reservas da Biosfera
reconhecidas no Brasil, nas seguintes hipóteses: (i) quando a
Reserya da Biosfera abranger o território de apenas um Estado,
o sistema de gestão será composto por um conselho deliberativo
e por comitês regionais; (ii) quando a Reserva da Biosfera
abranger o território de mais de um Estado, o sistema de
gestão será composto por um conselho deliberativo e por
comitês estaduais.
Compete aos conselhos deliberativos das Reservas da
Biosfera: (i) aprovar a estrutura do sistema de gestão de sua
Reserva e coordená-lo; (ii) propor à COBRAMAB macrodiretrizes
para a implantação das Reservas da Biosfera; (iii) elaborar
planos de ação da Reserva da Biosfera, propondo prioridades,
metodologias, cronogra- mas, parcerias e áreas temáticas de
atuação, de acordo com os objetivos básicos enumerados no art.
41 da Lei n2 9.985, de 2000; (iv) reforçar a implantação da
Reserva da Biosfera pela proposição de projetos pilotos em
pontos estratégicos de sua área de domínio; e (v) implantar,
nas áreas de domínio da Reserva da Biosfera, os princípios
básicos constantes do art. 41 da Lei ns 9.985, de 2000.
Os comitês regionais e estaduais têm as seguintes
incumbências: (i) apoiar os governos locais no estabelecimento
de políticas públicas relativas às Reservas da Biosfera; (ii)
apontar áreas prioritárias e propor estratégias para a
implantação das Reservas da Biosfera, bem como para a difusão
de seus conceitos e funções.
Direito Ambiental
6.1.2. Outras Unidades de Conservação
Além das unidades de conservação acima descritas, existem
outras importantes e que não foram contempladas pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação — SNUC. Passo a examiná-
las.
6.1.2.1. Jardins Botânicos
Os Jardins Botânicos são unidades de conservação com imensa
tradição no Brasil. No ano de 1808, foi criado o Real Horto,
na Cidade do Rio de Janeiro, pelo decreto de 6 de agosto, do
Príncipe Regente D. João VI. O Real Horto tinha por função
preparar a aclimação de plantas produtoras de especiarias das
índias. Houve, portanto, na criação do Real Horto, uma
finalidade essencialmente econômica e de pesquisa científica
aplicada. Atualmente, o Real Horto é o Jardim Botânico do Rio
de Janeiro, organizado como fundação. O Jardim Botânico do Rio
de Janeiro é o mais importante museu vivo do Brasil.
Os jardins botânicos são parques científicos e culturais que
integram o conjunto das unidades de conservação brasileiras.
São importantes unidades na estratégia de conservação devido
ao acervo científico que acumulam, servindo de banco genético
para áreas degradadas, bem como para evitar a extinção de
espécies. As pesquisas de biodiversidade e de produtos
farmacêuticos em geral devem muito aos jardins botânicos e aos
seus acervos específicos.
Os jardins botânicos são sítios ecológicos de relevância
cultural. Existem muitos Jardins Botânicos e Hortos Florestais
no Brasil.
6.1.2.2. Jardins Zoológicos
Os jardins zoológicos estão regulamentados pela Lei n9
7.173, de 14 de dezembro de 1983. Nos termos do artigo l9 do
referido diploma legal, jardim zoológico é qualquer coleção de
animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em
semiliber- dade e expostos à visitação pública.
O Poder Público federal, para atender finalidades
socioculturais e científicas, poderá manter ou autorizar o
funcionamento de jardins zoológicos. Os jardins zoológicos
poderão integrar patrimônio público ou privado.
Os animais silvestres que integrem a coleção de um jardim
zoológico permanecem de propriedade estatal.
Diversas são as categorias nas quais um jardim zoológico
pode estar enquadrado. O enquadramento levará em conta
critérios técnicos, científicos, de dimensões etc.
6.1.2.3. Hortos Florestais
Hortos Florestais são unidades de conservação com natureza
científica assemelhada à dos jardins botânicos. A diferença
fundamental é que os hortos florestais estão mais voltados ao
aprimoramento e armazenamento de exemplares da flora. O
aspecto de lazer e recreação nos hortos florestais é menos
saliente do que nos jardins botânicos.
Capítulo XXIV Agrotóxicos
Agrotóxicos
1. Introdução
Os agrotóxicos, sem dúvida, constituem-se em um dos mais
graves problemas de poluição causada por produtos químicos. As
implicações dos agrotóxicos são bastante graves, pois abrangem
uma área que oscila desde a produção de alimentos e da sua
qualidade até a saúde humana afetada, seja pelos próprios
agrotóxicos ou pelo consumo de alimentos contaminados.
Agrotóxicos são produtos químicos destinados à utilização
pela agricultura com a finalidade de “proteção” contra pragas
ou destinados a aumentar a produtividade de determinadas
culturas. Inicialmente, foram denominados como fertilizantes
ou defensivos agrícolas, denominações estas que caíram em
desuso, tendo em vista a alta nocividade desses produtos
químicos e a impressionante capacidade por eles demonstrada de
criar uma verdadeira dependência química nas diversas espécies
vegetais, fazendo com que, cada vez mais, seja necessária
maior quantidade de agro- tóxico para a obtenção de um mesmo
rendimento agrícola.
A aplicação dos agrotóxicos por lavradores cujo nível de
escolaridade e cultura formal é bastante baixo, tem gerado um
explosivo coquetel de agrotóxicos e mortes por intoxicação que
ainda não mereceu atenção particular das autoridades públicas
brasileiras. A problemática dos agrotóxicos é extremamente
complexa, pois implica, inclusive, questões referentes à
soberania nacional, dívida externa, auto-suficiência de
alimentos e, logicamente, o papel desempenhado pelas empresas
transnacionais no contexto do desenvolvimento de cada nação.
Deve ser observado que, ainda hoje, a agricultura sem
produtos químicos é apenas uma esperança. Não se logrou, até
aqui, uma produção agrícola isenta de produtos químicos que
seja grande o suficiente para suprir as necessidades básicas
da humanidade. Por tal motivo, o controle dos agrotóxicos é
uma matéria de imensa relevância para todos.
2. Os Agrotóxicos na CF e nas Constituições Estaduais
A CRFB, em seu amplo capítulo dedicado ao meio ambiente, não
deixou passar em branco o tema relativo ao controle de
agrotóxicos. Assim é que o inciso V do § ls do artigo 225
determina:
Diieíto Ambiental
Art. 225, § ls, V- controlar a produção, a comercialização e
o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
A norma inserta na CF teve um efeito multiplicador junto aos
legisladores constituintes estaduais e, em diversos Estados-
Membros da Federação, foram inseridas normas locais referentes
aos agrotóxicos. Assim é que na Constituição do Estado do
Acre, em seu artigo 206, § l2, inciso VI, está determinado:
Art. 206. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, incumbindo ao Poder Público, juntamente com a
coletividade, defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações: § 15 Para garantira efetividade desse
direito, compete ao Poder Público: VI - fiscalizara utilização
e comercialização de fertilizantes, pesticidas ou similares
que comprometam a qualidade do solo, a vida a ele associada e
ao homem.
No Estado de Alagoas, a matéria foi disciplinada pelo artigo
217, V, cujo teor é o seguinte:
Art. 217. O Estado, com a colaboração da comunidade,
promoverá a defesa e a preservação do meio ambiente,
cumprindo~lhe especificamente: V- controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, para a qualidade de vida e
para o meio ambiente.
No Amazonas, a matéria foi regrada pela sua Lei Fundamental,
nos seguintes termos:
Art. 230. Para assegurar o equilíbrio ecológico e os
direitos propugnados no art. 229 desta Constituição, incumbe
ao Estado e aos Municípios, entre outras medidas; VI -
controlar a produção, o emprego de técnicas e métodos, a
estocagem, a comercialização, o transporte e o uso de
materiais ou substâncias que comportem riscos efetivos ou
potenciais para a vida, a qualidade de vida e do meio
ambiente, no âmbito do seu território, principalmente os
materiais e substâncias que sejam promotores de alterações e
fontes de radioatividade, sejam eles novos, em uso ou já
inutilizados.
No Estado da Bahia, é no artigo 219 de sua Constituição
Estadual que foi feita uma previsão expressa da matéria:
Art, 219. As condições em que se fará a produção,
comercialização e utilização de agrotóxicos e substâncias
causadoras de danos à vida e ao meio ambiente serão definidas
em Lei que, inclusive, adaptará o respectivo receituá-
Agrotóxicos
rio às características do clima e solo do Estado e incentivará
o uso de insumos e defensivos biológicos.
Também no Estado do Ceará existe previsão constitucional
sobre o assunto, conforme a norma estabelecida no inciso XIV
do parágrafo único do artigo 259:
Art. 259. O meio ambiente equilibrado e uma sadia qualidade
de vida são direitos inalienáveis do povo, impondo-se ao
Estado e à comunidade o dever de preservá-los e defendê-los.
Parágrafo único. Para assegurara efetividade desses
direitos, cabe ao Poder Público, nos termos da lei estadual:
XTV — controlar, pelos órgãos estaduais e municipais, os
defensivos agrícolas, o que se fará apenas mediante receita
agronômica.
O Estado do Espírito Santo, em sua Constituição» não dedicou
atenção especial ao assunto. Já o Estado de Goiás, no artigo
127, § 1Q, VI, assim dispôs sobre a matéria:
Art. 127. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo, recuperá-lo e pre- servá-
lo. § ls Para assegurar a efetividade desse direito, cabe ao
Poder Público: VI — controlar e fiscalizar a produção,
comercialização, transporte, estocagem e uso de técnicas,
métodos e substâncias que comportem riscos para a vida e o
meio ambiente.
No Maranhão, é no artigo 247 da Constituição Estadual que a
matéria foi tratada:
Art. 247. Dependerá de autorização legislativa o
licenciamento para execução de programas e projetos, produção
ou uso de substâncias químicas ou fontes energéticas que
constituam ameaça potencial aos ecossistemas naturais e à
saúde humana.
Parece-me, data venia, que o artigo da Constituição Estadual
do Estado do Maranhão é flagrantemente inconstitucional ante o
artigo 225, § Ia, indso V, da CRFB. Assim é porque a atividade
de licenciamento é atividade eminentemente administrativa e,
nesta condição, é tuna atribuição típica do Poder Executivo.
Há que se ponderar, inclusive, que a exigência de autorização
legislativa, nos termos em que foi fixado pela Carta
Maranhense, paralisa a atividade administrativa e, desta
forma, pode ser extremamente nociva, malgrado as evidentes
boas intenções do constituinte maranhense.
No Mato Grosso, a Constituição Estadual assim tratou o
problema:
Art. 263. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-
Direito Ambienta!
se ao Estado, aos municípios e a coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e faturas
gerações. Parágrafo único. Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Estado: XI — controlar e regulamentar, no
que couber, a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, qualidade de vida e o meio ambiente.
No Estado do Mato Grosso do Sul, a Constituição Estadual, em
seu artigo 222, § 29, XIII, determinou, que:
Art. 222. Toda pessoa tem o direito a fruir de um meio
ambiente físico e social livre dos fatores nocivos à saúde. §
23 Incumbe ao Poder Público. XIII - fiscalizar e controlar o
uso de agrotóxicos e demais produtos químicos.
Minas Gerais tratou da matéria no artigo 214, § lfi, VI, de
sua Carta Estadual:
Art. 214. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, e ao Estado e à coletividade é imposto o
dever de defendê-lo e conservá-lo para as gerações presentes e
futuras. § l9 Para assegurar a efetividade do direito a que se
refere o artigo, incumbe ao Estado, entre outras atribuições:
VI ~ controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que importem riscos para a
vida, a qualidade de vida, o meio ambiente, bem como o
transporte e o armazenamento dessas substâncias em seu
território.
No Estado do Pará, é no artigo 255, § 59, de sua Lei
Fundamental que o tema foi mencionado. De fato, consta de sua
Carta:
Art. 255. Competem ao Estado a defesa, conservação,
preservação e controle do meio ambiente, cabendo-lhe: § 55 A
pesquisa, a experimentação, a produção, o armazenamento> a
comercialização, o uso, o transporte, a importação, a
exportação, o controle, a inspeção e a fiscalização de
agrotóxicos, domotóxi- cos, ecotóxicos, seus componentes e
afins, no território paraense, estão condicionados a prévio
cadastramento dos mesmos nos órgãos estaduais responsáveis
pelos setores da ciência e tecnologia, indústria e comércio,
agricultura, transporte, saúde e meio ambiente.
O Estado da Paraíba, em sua Constituição, não tratou
especificamente do tema objeto deste capítulo. Já no Paraná, a
matéria está contemplada no artigo 207, § l2, VIII, cujo teor é
o seguinte:
Art. 207. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e
futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o
Agrotóxicos
uso racional dos recursos ambientais. ls Cabe ao Poder Público,
na forma da Lei, para assegurar a efetividade desse direito:
VIII — regulamentar e controlar a produção, a comercialização,
as técnicas e os métodos de manejo e utilização das
substâncias que comportem risco para a vida e para o meio
ambiente, em especial agrotóxicos, biocidas, anabolizantes,
produtos nocivos em geral e resíduos nucleares.
Quanto ao Estado de Pernambuco, a matéria está prevista no
artigo 210, inciso V, que assim se encontra redigido:
Art. 210. O Plano Estadual de Meio Ambiente, a ser
disciplinado por Lei, será o instrumento de implementação da
política estadual e preverá a adoção de medidas indispensáveis
à utilização racional da natureza e redução da poluição
resultante das atividades humanas; inclusive visando a: V-
proibir os remédios e agrotóxicos cujo uso comprometa o meio
ambiente.
O constituinte estadual no Piauí, igualmente, dedicou-se ao
tema, conforme demonstra o artigo 237, § l2, VI:
Art. 237. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo e de
harmonizá-lo, racionalmente, com as necessidades do
desenvolvimento socioe- conômico para as presentes e futuras
gerações. § l9 Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público: VI - controlar a produção, a comer-
cialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, conforme o
disposto no artigo 258, § ls, IX, estabeleceu que:
Art. 258. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
saudável e equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se a todos, e em especial ao
Poder Público, o dever de defendê-lo, zelar por sua
recuperação e proteção em benefício das gerações atuais e
futuras. § Ia Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público: IX- controlar e fiscalizar a
produção, a estocagem, a comercialização e a utilização de
técnicas, métodos e instalações que comportem risco efetivo ou
potencial para a qualidade de vida e o meio ambiente,
incluindo formas geneticamente alteradas pela ação humana.
Para o Estado do Rio Grande do Norte, estas são as disposições
constitucionais:
Art. 150. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-
Direito Ambiental
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo, e de harmonizá-lo, racionalmente, com as
necessidades do desenvolvimento socioe- conômico, para as
presentes e futuras gerações. § l3 Para assegurara efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público: VI - controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente.
No Estado mais meridional do País, a sua Constituição
Estadual assim determina:
Art. 253. É vedada a produção, o transporte, a
comercialização e o uso de medicamentos, biocidas, agrotóxicos
ou produtos químicos e biológicos cujo emprego tenha sido
comprovado como nocivo em qualquer parte do território
nacional por razões toxicológicas, farmacológicas ou de
degradação ambiental.
Ainda no Rio Grande do Sul existe, em sua Lei Fundamental, a
norma contida no art. 251, § l9, III.
No Estado de Rondônia, a matéria encontra-se prevista no
artigo 219, IX, de sua Carta Política, nos termos seguintes:
Art. 219. É dever do Poder PúbUco, através de organismos
próprios e colaboração da comunidade: IX- controlar a
produção, comercialização, emprego de técnicas, métodos e
utilização de substâncias que afetem a saúde pública e o meio
ambiente.
Em Santa Catarina, a Constituição local, igualmente, possui
norma sobre a matéria. Tal norma está contida no artigo 182,
VI, cujo teor é o seguinte:
Art. 182. Incumbe ao Estado, na forma da Lei: VI - controlar
a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida e o meio
ambiente.
O Estado de São Paulo é mais um dos Estados-Membros da
Federação que, em sua Lei Fundamental, dedicou atenção a tão
significativo assunto. O artigo 193, XI, da Constituição
Estadual determina que:
Art. 193. O Estado, mediante Lei, criará um sistema de
administração da qualidade ambiental, proteção, controle e
desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos
naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de
órgãos e entidades da administração pública direta e indireta,
assegurada a participação da coletividade com o Um de: XI -
controlar e fiscalizar a produção, armazenamento, transporte,
comercialização, utilização e destino final das substâncias
que comportem risco efetivo ou potencial para a qualidade de
vida e meio ambiente, incluindo o do trabalho.
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Agrotóxicos
O Estado de Sergipe dedicou espaço em sua Carta Magna ao
tema. Em Sergipe, é no artigo 232, § l2, VI que se encontra o
dispositivo em tela. Já em Tocantins, o assunto não foi
tratado em sua Constituição Estadual.
3. Antecedentes Legislativos da Lei nQ 7.802, de 11 de Julho de
1989
Antes da entrada em vigor da atual lei de agrotóxicos, a
matéria encontrava-se regulada pelo Decreto n2 24.114, de 12 de
abril de 1934. Na legislação estadual, foi o Estado do Rio
Grande do Sul aquele que primeiro contemplou o assunto,
mediante a promulgação de uma lei bastante completa e
protetora do meio ambiente. Tal lei, contudo, foi declarada
inconstitucional pelo STF: o Poder de Polícia do Estado pode
manter e atualizar a utilização de agrotóxicos e outros
biocidas, respeitando a classificação toxicológica da União
(STF; REsp. n9 1.153/RS, 27/11/85). Seguindo a esteira da
legislação gaúcha, diversos outros Estados estabeleceram
legislação semelhante àquela do Estado do extremo meridional
do País.
4. A Lei nQ 7.802/89
A Lei n9 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a
pesquisa, a experimentação, a embalagem e rotulagem, o
transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda,
comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino
final dos agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras
providências, é o instrumento normativo que se encontra
vigente com a finalidade de disciplinar a matéria em âmbito
federal. A Lei n9 9.974, de 06 de juuho de 2000, determinou
algumas modificações no texto da lei original.
A competência legislativa em matéria de agrotóxicos, seus
componentes e afins é aquela definida na CRFB e na própria Lei
n2 7.802/89. Paralelamente à competência administrativa,
existe, como se sabe, a competência legislativa da qual cada
um dos integrantes da Federação possui uma parcela definida.
Em sede legal, o artigo 92 da Lei na 7.802/89 determinou que a
União, no exercício de sua competência, adotasse as seguintes
medidas:
a) legislar sobre produção, registro, comércio interestadual,
exportação, importação, transporte, classificação e controle
tecnológico e toxicológico;
b) controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção,
importação e exportação;
c) analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins,
nacionais e importados; e
d) controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a
importação.
Em conformidade com os artigos 23 e 24 da CRFB, compete aos
Estados e ao Distrito Federal legislar sobre o viso, a
produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos
agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o
uso, o
Direito Ambiental
consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.
Aos Municípios1 cabe, supletivamente, legislar sobre o uso e o
armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins.
4.1. Repartições de Competências Administrativas no Interior
da Administração Federal
Os artigos 2e, 35, 4®, 59,6e e 72 do Decreto na 4.074, de 04
de janeiro de 2002, estabeleceram as competências
administrativas de cada um dos órgãos federais responsáveis
pelos setores de agricultura, saúde e meio ambiente, naquilo
que diz respeito ao processo de fiscalização e inspeção de
todo o ciclo dos agrotóxicos, seus componentes e afins. Tais
competências foram repartidas conforme demonstra o seguinte
quadro:
4.1.1. Competências dos Ministérios da Agricultura, Saúde e
Meio Ambiente
Conforme estabelecido pelo artigo 2a do Regulamento, as
competências são as seguintes, de acordo com a atribuição de
cada um:
(i)estabelecer as diretrizes e exigências relativas a dados e
informações a serem apresentados pelo requerente para
registro e reavaliação de registro dos agrotóxicos, seus
componentes e afins;
(ii)estabelecer diretrizes e exigências objetivando minimizar
os riscos apresentados por agrotóxicos, seus componentes e
afins;
(iii)estabelecer o limite máximo de resíduos e o intervalo de
segurança dos agrotóxicos e afins;
(iv)estabelecer os parâmetros para rótulos e bulas de
agrotóxicos e afins;
(v)estabelecer metodologias oficiais de amostragem e de
análise para determinação de resíduos de agrotóxicos e afins
em produtos de origem vegetal, animal, na água e no solo;
1 STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP - 29299- RS. 1»
TURMA. DJU: 17/10/1994, p. 27861.
Relator: Ministro DEMÓCRITO KEINALDO. CONSTITUCIONAL. MEIO
AMBIENTE. LEGISLAÇÃO
MUNICIPAL SUPLETIVA. POSSIBILIDADE. Atribuindo, a CF, a
competência comum à União, aos
Estados e aos Municípios paia proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas, cabe, aos
municípios, legislar supletivamente sobre a proteção
ambiental, na esfera do interesse estritamente local. A
legislação municipal, contudo, deve se constringir a atender
às características próprias do
território em que as questões ambientais, por suas
particularidades, não contém com o disdplinaraento
consignado na lei federal ou estaduaL A legislação supletiva,
como é cediço, não pode ineficacizar os efei
tos da lei que pretende suplementar, uma vez autorizada pela
União a produção e deferido o registro do
produto, perante o ministério competente, é defeso aos
municípios vedar, nos respectivos territórios, o uso e o
armazenamento de substâncias agrotóxicas, extrapolando o poder
de suplementar, em desobediência à lei federal. A proibição de
uso e armazenamento, por decreto e em todo o município
constitui desafei- ção à lei federal e ao princípio da livre
iniciativa, campo em que as limitações administrativas hão de
cor
responder às justas exigências do interesse público que as
motiva, sem o aniquilamento das atividades reguladas, recurso
conhecido e improvido. decisão indiscrepante.
Agrotóxicos
(vi) promover a reavaliação de registro de agrotóxicos, seus
componentes e afins quando surgirem indícios da ocorrência
de riscos que desaconselhem o uso de produtos registrados ou
quando o País for alertado nesse sentido, por organizações
internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio
ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou
signatário de acordos;
(vii) avaliar pedidos de cancelamento ou de impugnação de
registro de agrotóxicos, seus componentes e afins;
(viii) autorizar o fracionamento e a reembalagem dos
agrotóxicos e afins;
(ix) controlar, fiscalizar e inspecionar a produção, a
importação e a exportação dos agrotóxicos, seus componentes
e afins, bem como os respectivos estabelecimentos;
(x) controlar a qualidade dos agrotóxicos, seus componentes
e afins frente às características do produto registrado;
(xi) desenvolver ações de instrução, divulgação e
esclarecimento sobre o uso correto e eficaz dos agrotóxicos
e afins;
(xii) prestar apoio às Unidades da Federação nas ações de
controle e fiscalização dos agrotóxicos, seus componentes e
afins;
(xiii) indicar e manter representantes no Comitê Técnico de
Assessoramento para Agrotóxicos de que trata o art. 95 do
Regulamento;
(xiv) manter o Sistema de Informações sobre Agrotóxicos -
SIA, referido no art. 94 do Regulamento; e
(xv) publicar no Diário Oficial da União o resumo dos
pedidos e das concessões de registro.
4.1.2. Competências do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento
Na forma do artigo 5Q do Regulamento, compete ao Ministério da
Agricultura,
Pecuária e Abastecimento:
(i) avaliar a eficiência agronômica dos agrotóxicos e afins
para uso nos setores de produção, armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas florestas
plantadas e nas pastagens; e
(ii) conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos,
produtos técnicos, pré-misturas e afins para uso nos setores
de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, nas florestas plantadas e nas pastagens,
atendidas as diretrizes e exigências dos Ministérios da
Saúde e do Meio Ambiente.
4.1.3. Competência do Ministério da Saúde
Na forma do artigo 69 do Regulamento, compete ao Ministério da
Saúde:
(i) avaliar e classificar toxicologicamente os agrotóxicos,
seus componentes, e afins;
Direito Ambiental
(ii) avaliar os agrotóxicos e afins destinados ao uso em
ambientes urbanos, industriais, domiciliares, públicos ou
coletivos, ao tratamento de água e ao uso em campanhas de
saúde pública, quanto à eficiência do produto;
(iii) realizar avaliação toxicológica preliminar dos
agrotóxicos, produtos técnicos, pré-misturas e afins,
destinados à pesquisa e à experimentação;
(iv) estabelecer intervalo de reentrada em ambiente tratado
com agrotóxicos e afins;
(v) conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos,
produtos técnicos, pré-misturas e afins destinados ao uso em
ambientes urbanos, industriais, domiciliares, públicos ou
coletivos, ao tratamento de água e ao uso em campanhas de
saúde pública, atendidas as diretrizes e exigências dos
Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente; e
(vi) monitorar os resíduos de agrotóxicos e afins em
produtos de origem animal.
4.1.4. Competência do Ministério do Meio Ambiente
De acordo com a determinação regulamentar, compete ao
Ministério do Meio Ambiente:
(i) avaliar os agrotóxicos e afins destinados ao uso em
ambientes hídricos, na proteção de florestas nativas e de
outros ecossistemas, quanto à eficiência do produto;
(ii) realizar a avaliação ambiental, dos agrotóxicos, seus
componentes e afins, estabelecendo suas classificações
quanto ao potencial de periculosidade ambiental;
(iii) realizar a avaliação ambiental preliminar de
agrotóxicos, produto técnico, pré-mistura e afins destinados
à pesquisa e à experimentação;
(iv) conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos,
produtos técnicos e pré- misturas e afins destinados ao uso
em ambientes hídricos, na proteção de florestas nativas e de
outros ecossistemas, atendidas as diretrizes e exigências
dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e
da Saúde.
4.1.5. Competências do Ministério do Trabalho e Emprego
Ainda que não haja uma menção explícita no Regulamento, não
há como desconsiderar que o Ministério do Trabalho e Emprego
tem importantes atribuições no que se refere aos agrotóxicos.
Não são atribuições quanto ao produto em si mesmo, mas dizem
respeito à utilização dos agrotóxicos em suas finalidades
precípuas, ou seja, na agricultura. Tais atribuições, do ponto
de vista regulamentar, são exercidas pela elaboração de Normas
Regulamentadoras. Atualmente está vigendo a Norma
Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na
Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e
Aquicultura - NR 31, aprovada pela Portaria na 86, de 03/03/05,
publicada no Diário Oficial da União de 04 de março de 2005.
Agrotóxicos
4.2. Definição Legal de Agrotóxico, Seus Componentes e Afins
De conformidade com a norma legal, são considerados
agrotóxicos e afins:
(i) agrotóxicos e afins:
a. os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou
biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no
armazenamento e bene- ficiamento de produtos agrícolas, nas
pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas,
e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos,
hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da
ação danosa de seres vivos considerados nocivos;
b. substâncias e produtos, empregados como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;
(ii) componentes: os princípios ativos, os produtos técnicos,
suas matérias-primas, os ingredientes inertes e aditivos
usados na fabricação de agrotóxicos e afins.
4.3. Controle de Qualidade, Inspeção e Fiscalização dos
Agrotóxicos
Do ponto de vista legal, existe um sistema de amplo
monitoramento dos agrotóxicos. Tal monitoramento abrange todos
os aspectos da vida do produto. A lei estabelece um mecanismo
de controle sobre toda exportação, produção, importação,
comercialização e utilização dos agrotóxicos. Assim é que os
agrotóxicos, seus componentes e afins só poderão ser
produzidos, exportados, importados, comercializados e
utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de
acordo com as diretrizes e exigências formuladas dos órgãos
responsáveis pelos setores de saúde, do meio ambiente e da
agricultura.
O aludido monitoramento divide-se em controle de qualidade,
inspeção e fiscalização. O Controle de qualidade, a inspeção e
a fiscalização são realizados com vistas ao controle dos
agrotóxicos, seus componentes e afins em tudo aquilo que diga
respeito à sua produção, aos veículos destinados ao
transporte, ao seu armazenamento, à sua comercialização e
utilização, à propaganda comercial, à rotulagem e à disposição
final de resíduos e embalagens.
4.3.1. Controle de Qualidade
O artigo 68 do Regulamento determina que os órgãos federais
encarregados dos setores de agricultura, saúde e meio ambiente
mantenham atualizados e aperfeiçoados mecanismos capazes de
assegurar a qualidade dos agrotóxicos, seus componentes e
afins, tendo em vista a identidade, pureza e eficácia dos
produtos. Isto deverá ser efetuado mediante mecanismos de
controle de qualidade. O Poder Público, no exercício de seu
poder de polícia exerce o controle de qualidade, entretanto,
isto não
Direito Ambiental
desobriga que o estabelecimento destinado à produção e
importação de agrotóxicos, seus componentes e afins disponha
de unidade de controle de qualidade próprio, com a finalidade
de verificar a qualidade do processo produtivo, das matérias-
primas e substâncias empregadas, quando couber, e dos produtos
finais. Admite-se que as empresas produtoras de agrotóxicos,
seus componentes e afins realizem os controles previstos no
Regulamento em institutos ou laboratórios oficiais ou
privados, de acordo com a legislação vigente.
4.3.2. Inspeção e Fiscalização de Agrotóxicos, sens
Componentes e Afins
Segundo determinação contida no artigo 70 do regulamento,
todo o ciclo de vida dos agrotóxicos, seus componentes e
afins, será submetido à fiscalização. No ciclo de vida estão
compreendidos: (i) sua produção, (ii) manipulação, (iii)
importação, (iv) exportação, (v) transporte, (vi)
armazenamento, (vii) comercialização, (viii) utilização,
(ix) rotulagem e a (x) destinação final de suas sobras,
resíduos e embalagens.
Considerando a natureza federal do Estado brasileiro e a
existência de um regime de federalismo cooperativo, o artigo
71 do Regulamento estabeleceu a seguinte estrutura para a
fiscalização dos agrotóxicos, seus componentes e afins:
4.3.2.1. Competência federal
(i) estabelecimentos de produção, importação e exportação;
(ii) produção, importação e exportação;
(iii) coleta de amostras para análise de controle ou de
fiscalização;
(iv) resíduos de agrotóxicos e afins em produtos agrícolas e
de seus subprodutos; e
(v) quando se tratar do uso de agrotóxicos e afins em
tratamentos quarentená- rios e fitossanitários realizados no
trânsito internacional de vegetais e suas partes.
4.3.2.2. Competência dos Estados e Distrito Federal
Os órgãos estaduais e do Distrito Federal são encarregados
dos setores de agricultura, saúde e meio ambiente, dentro de
suas respectivas esferas de competência, ressalvadas aquelas
específicas dos órgãos federais relacionados,2 quando se tratar
de:
2 STF - STF. AI-AgR - AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RS -
DJU: 26-04-1996, pg. -13120. Relator Ministro MAURÍCIO
CORRÊA EMENTA; AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA: ALEGAÇÃO DE INVASÃO DE
COMPETÊNCIA AO ARGUMENTO DE QUE EM SEDE DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO SOMENTE É CABÍVEL EMISSÃO DE JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE, E NÃO APRECIAÇÃO DO MÉRITO. IMPROCEDÊNCIA.
ART. 1. DA LEI N. 7.747/82, DO RIO GRANDE DO SUL.
INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA PELO PLENÁRIO DESTA CORTE.
AGRAVO IMPROVIDO. 1. A teor do disposto no art. 21, par. 1.,
do RISTF, poderá o relator arquivar ou negar seguimento a
pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou
improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência
predominante do Tribunal. Nulidade: invasão de competência.
Improcedente. 2.0 Plenário desta Corte, ao julgar a
Representação n°
Agrotóxicos
(i) uso e consumo dos produtos agrotóxicos, seus componentes e
afins na sua jurisdição;
(ii) estabelecimentos de comercialização, de armazenamento e
de prestação de serviços;
(iii) devolução e destinação adequada de embalagens de
agrotóxicos, seus componentes e afins, de produtos
apreendidos pela ação físcalizadora e daqueles impróprios
para utilização ou em desuso;
(iv) transporte de agrotóxicos, seus componentes e afins, por
qualquer via ou meio, em sua jurisdição;
(v) coleta de amostras para análise de fiscalização;
(vi) armazenamento, transporte, reciclagem, reutilização e
inutilização de embalagens vazias e dos produtos apreendidos
pela ação físcalizadora e daqueles impróprios para
utilização ou em desuso; e
(vi) resíduos de agrotóxicos e afins em produtos agrícolas e
seus subprodutos.
Admite-se a delegação de atribuições da União para os Estados.
4.3.3. Atribuições da Fiscalização
A fiscalização é atividade rotineira e de caráter
permanente, somente podendo ser desenvolvida por agentes
devidamente credenciados e com a formação profissional que o
habilite devidamente para tal. Os fiscalizados devem, sob pena
de aplicação de sanções, prestar informações ou proceder à
entrega de documentos nos prazos estabelecidos pelos órgãos
competentes, a fim de não obstar as ações de inspeção e
fiscalização e a adoção das medidas que se fizerem
necessárias.
A fiscalização tem livre acesso, no desempenho de suas
atividades, aos locais onde se processem, em qualquer fase, a
industrialização, o comércio, a armazenagem e a aplicação dos
agrotóxicos, seus componentes e afins, competindo-lhes, quando
se fizer necessário:
(i) coletar amostras necessárias às análises de controle ou
fiscalização;
(ii) executar visitas rotineiras de inspeções e vistorias para
apuração de infrações ou eventos que tomem os produtos
passíveis de alteração e lavrar os respectivos termos:
(i) verificar o cumprimento das condições de preservação da
qualidade ambiental;
(ii) verificar a procedência e as condições dos produtos,
quando expostos à venda;
1.153-RS, não julgou inconstitucional o art. 1* da Lei
7.742/82, que condiciona a prévio cadastramento do produto
agrotóxico e outros biocidas no Departamento do Meio Ambiente
da Secretaria Estadual de Saúde e do Meio Ambiente a
comercialização no território do Estado do Rio Grande do Sul.
Agravo regimental improvido.
Direito Ambiental
(iii) interditar, parcial ou totalmente» os estabelecimentos
ou atividades quando constatado o descumprimento do
estabelecido na Lei na 7.802, de 1989, neste Decreto e em
normas complementares e apreender lotes ou partidas de
produtos, lavrando os respectivos termos;
(iv) proceder à imediata inutilização da unidade do produto
cuja adulteração ou deterioração seja flagrante, e à
apreensão e interdição do restante do lote ou partida para
análise de fiscalização; e
(v) lavrar termos e autos de infração.
A inspeção se faz por meio de exames e vistorias sobre: (i)
matéria-prima, qualquer que seja a sua origem ou natureza;
(ii) a manipulação, transformação, elaboração, conservação,
embalagem e rotulagem dos produtos; (iii) os equipamentos e as
instalações do estabelecimento; (iv) o laboratório de controle
de qualidade dos produtos; e (v) a documentação de controle da
produção, importação, exportação e comercialização.
A fiscaEzação será exercida sobre os produtos nos
estabelecimentos produtores e comerciais, nos depósitos e nas
propriedades rurais. Caso seja constatada qualquer
irregularidade, o estabelecimento poderá ser interditado e o
produto ou alimento poderão ser apreendidos e submetidos à
análise de fiscalização.
4.3.3.1. Produção de Prova
A análise de fiscalização será realizada mediante coleta de
amostra representativa do produto ou alimento pela autoridade
fiscalizadora, A coleta de amostra deverá ser realizada em
três partes, conforme técnica e metodologia indicada em ato
normativo próprio. A amostra deve ser acondicionada de forma
que se tome inviolável em presença do interessado e, caso ele
não se encontre presente ao ato, ou se recuse a acompanhá-lo,
faz-se necessária a presença de duas testemunhas. A produção
de prova será feita da seguinte maneira: (i) uma parte da
amostra será utilizada pelo laboratório oficial ou devidamente
credenciado, (ii) outra permanecerá no órgão fís- calizador e
(iii) outra ficará em poder do interessado para realização de
perícia de contraprova. Resguardado emprego de metodologia
oficial, a. análise de fiscalização poderá ser realizada por
laboratório oficial ou credenciado.
Em prazo máximo de quarenta e cinco dias, contados .da data
da coleta da amostra, o interessado deve ser comunicado dos
resultados da análise de fiscalização (art. 79). Havendo
discordância quanto ao resultado, poderá a parte requerer seja
pericia- da a contraprova, em dez dias contados da ciência do
resultado da análise de fiscalização. Cabe ao interessado: (i)
arcar com os ônus da contraprova e (ii) indicar perito
habilitado.
Assim como a análise de fiscalização, a perícia de
contraprova deve ser realizada em laboratório oficial, ou
credenciado, asseguradas a presença de peritos do interessado
e do órgão fiscalizador e a assistência técnica do responsável
pela análise contestada. A contraprova será realizada no prazo
máximo de quinze dias, contados da data de seu requerimento,
salvo quando condições técnicas exigirem a sua prorroga
f$8J - Ensino Superior Sursay Jurícfícs
Agrotóxicos
ção, o que deverá ser informado ao interessado de forma
fundamentada, em obediência ao princípio constitucional da
ampla defesa. Somente será admitida a realização da
contraprova em parte da amostra que não tenha sido violada,
fato que será, obrigatoriamente, atestado pelos peritos.
A autoridade não realizará a contraprova quando for
verificada a violação da amostra, oportunidade em que será
finalizado o processo de fiscalização e instaurada sindicância
para apuração de responsabilidades. Nesta hipótese se
estabelece uma situação complexa, visto que a contraprova se
encontra em poder da autoridade e, ante a impossibilidade de
examiná-la, em tese, não se poderia validar os resultados da
análise impugnada. Recomenda a cautela que se suspenda a
aplicação de qualquer penalidade ao interessado, até que a
Comissão de sindicância apure os fatos e, caso reste provado
que a violação não foi praticada com o concurso do
interessado, ou feita de forma a beneficiá-lo, não me parece
cabível a aplicação de penalidade com base na primitiva
análise. Evidentemente que a parte da amostra que se encontra
em poder do interessado não poderá ser utilizada na
controvérsia.
Com vistas a assegurar a ampla defesa e o contraditório, ao
perito da parte interessada deverá ser dado conhecimento da
análise de fiscalização e prestadas as informações que ele
solicitar, assim como exibidos os documentos necessários ao
desempenho de sua tarefa.
Todo o ato de perícia de contraprova deve ser reduzido a
termo, com a lavratu- ra de laudos e ata que serão assinados
pelos peritos e arquivados no laboratório oficial ou
credenciado, após a entrega de cópias à autoridade
fiscalizadora e ao requerente. Havendo divergência entre o
laudo de contraprova e o da análise de fiscalização, pro-
ceder~se~á a nova análise, em terceiro laboratório, oficial ou
credenciado, cujo resultado será irrecorrível, conforme a
dicção do decreto (art. 80, § 6o), utilizando-se a parte da
amostra em poder do órgão fiscalizador, facultada a
assistência dos peritos anteriormente nomeados, observado o
disposto nos parágrafos l9 e 29 do artigo 80.
Evidentemente que a irrecorribilidade é meramente
administrativa, visto que no Brasil vige o princípio do juízo
universal e toda e qualquer lesão, ou ameaça de lesão a
direito pode ser objeto de apreciação judicial.
4.4. Registro de Pessoas Física e Jurídica
Com vistas à obtenção de registro nos órgãos competentes do
Estado, do Distrito Federal ou do Município, as pessoas
físicas e jurídicas prestadoras de serviços na aplicação de
agrotóxicos, seus componentes e afins, ou que os produzam,
formulem, manipulem, exportem, importem ou comercializem,
deverão apresentar, dentre outros documentos, requerimento
solicitando o registro, onde constem, no mínimo, as
informações contidas no Anexo V do Regulamento. Nao obstante a
existência do registro, o funcionamento somente poderá se
iniciar sob a assistência e responsabilidade de técnico
legalmente habilitado. As pessoas físicas ou jurídicas serão
cadastradas no sistema de informação de agrotóxicos (cadastro
geral de estabelecimentos produtores, manipuladores,
importadores, exportadores e de instituições dedicadas à
pesquisa e experimentação).
Direito Ambiental
Até trinta dias após o Registro na Junta Comercial,
quaisquer alterações estatutárias ou contratuais deverão ser
comunicadas aos órgãos federais registrantes e fis-
calizadores. Art. 40. As empresas importadoras, exportadoras,
produtoras ou formu- ladoras de agrotóxicos, seus componentes
e afins passarão a adotar, para cada partida importada,
exportada, produzida ou formulada, codificação em conformidade
com o Anexo VI deste Decreto, que deverá constar de todas as
embalagens dela originadas, não podendo ser usado o mesmo
código para partidas diferentes.
O artigo 41 determina às empresas importadoras,
exportadoras, produtoras e formuladoras de agrotóxicos, seus
componentes e afins que forneçam aos órgãos federais e
estaduais competentes, até 31 de janeiro e 31 de julho de cada
ano, todos os dados relacionados às quantidades de
agrotóxicos, seus componentes e afins importados, exportados,
produzidos, formulados e comercializados de acordo com o
modelo de relatório semestral do Anexo VII do Regulamento.
Há obrigação de que as pessoas físicas ou jurídicas que
produzam, comercializem, importem, exportem ou que sejam
prestadoras de serviços na aplicação de agrotóxicos, seus
componentes e afins, mantenham à disposição dos órgãos de
fiscalização de que trata o art. 71 o livro de registro ou
outro sistema de controle, que deve conter:
(i) Para o produtor de agrotóxicos, componentes e afins:
a. relação detalhada do estoque existente; e
b. nome comercial dos produtos e quantidades produzidas e
comercializadas.
(ii) Para os estabelecimentos que comercializem agrotóxicos e
aüns no mercado interno:
a. relação detalhada do estoque existente; e
b. nome comercial dos produtos e quantidades comercializadas,
acompanhados dos respectivos receituários.
(iii) Para os estabelecimentos que importem ou exportem
agrotóxicos, seus
componentes e afins:
a. relação detalhada do estoque existente;
b. nome comercial dos produtos e quantidades importadas ou
exportadas; e
c. cópia das respectivas autorizações emitidas pelo órgão
federal competente.
(iv) Para as pessoas físicas ou jurídicas que sejam
prestadoras de serviços na
aplicação de agrotóxicos e afins:
a. relação detalhada do estoque existente; programa de
treinamento de seus aplicadores de agrotóxicos e afins;
b. nome comercial dos produtos e quantidades aplicadas,
acompanhados dos respectivos receituários e guia de
aplicação; e
c. guia de aplicação.
4.5. Alerta de Organizações Internacionais e seus Reflexos no
Brasil
A lei revela uma salutar preocupação com o estado da arte
das pesquisas sobre agrotóxicos, de molde a manter o país
atualizado e apto a enfrentar os desafios cons-
Agrotóxicos
tantes que surgem em tão complexa área. Desta forma, o artigo
32, § 4a, da lei de agrotóxicos determina:
“Quando organizações internacionais responsáveis pela saúde,
alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro
integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem
para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, seus
componentes e afins, caberá à autoridade competente tomar as
imediatas providências, sob pena de responsabilidade
Aqui existem algumas questões importantes que necessitam
ficar bem esclarecidas. Há uma evidente diferença entre
Tratados e Convenções internacionais que determinem a
proibição de determinados produtos e das quais o Brasil seja
Parte. Uma vez que a Convenção ou o Tratado entrem em vigor,
mediante os mecanismos de ratificação, tais medidas se tomam
obrigatórias para nós. Diferente é a posição de hipótese na
qual uma entidade internacional tenha patrocinado um estudo e
chegado a conclusões definitivas quanto à nocividade de um
determinado produto. Caso não haja uma norma internacional,
obrigatória, que proíba a utilização do mencionado elemento, o
Brasil não estará obrigado a proibi-lo. A correta
interpretação do parágrafo é no sentido de que o Brasil, por
suas autoridades, deverá levar em conta os estudos
internacionais e examinar a sua procedência para a nossa
realidade. Manda o bom senso que medidas preventivas sejam
adotadas, com vistas ao esclarecimento das questões suscitadas
pelo documento do organismo internacional.
Para os fins de aplicação da norma em questão, deve-se
compreender por Organização Internacional aquela que possa ser
qualificada dentro do conceito vigente no Direito
Internacional Páblico:
As organizações internacionais, apesar de serem uma
realidade na sociedade internacional, não possuem tuna
definição fornecida por uma norma internacional. As definições
de organizações internacionais são dadas pela doutrina. A que
nos parece ser mais exata é a dada por Angelo Piero Sereni:
“organização internacional é uma associação voluntária de
sujeitos de direito internacional, constituída por ato
internacional e disciplinada nas relações entre as partes por
normas de direito internacional, que se realiza em um ente de
aspecto estável, que possui um ordenamento jurídico interno
próprio e é dotado de órgãos e institutos próprios, por meio
dos quais realiza as finalidades comuns de seus membros
mediante funções particulares e o exercício de poderes que lhe
foram conferidos. ” Esta definição é um pouco longa, mas tem,
entretanto, a vantagem de enunciar as principais
características das organizações internacionais?

3 Celso Albuquerque Mello. Curso de Direito Internacional


Público, voL I, Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
4a ed„ 1974, p. 314.
Direito Ambiental
Observe-se que a norma legal não definiu uma proibição ou
uma prescrição ditada por organismo internacional, mas
limitou-se a falar em desaconselhamento ou alerta quanto à
nocividade do produto. Qual a providência que deverá ser
adotada pela autoridade brasileira? Parece-nos que, nos termos
em que a legislação está colocada, a única medida que pode ser
tomada pela autoridade brasileira é a determinação de que se
realizem estudos quanto ao produto que tenha sido objeto de
investigação da organização internacional. Tais estudos
deverão, é certo, levar em consideração as análises realizadas
no exterior; contudo, não poderão deixar de ter em mente que o
que se quer é investigar as consequências do produto no
Brasil. Se o produto estiver registrado segundo as leis
brasileiras, somente após a completa realização de novos
estudos é que o registro poderá vir, em tese, a ser colocado
em questão.
O artigo 19 do regulamento estabelece que: “Quando
organizações internacionais responsáveis pela saúde,
alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro
integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem
para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, seus
componentes e afins, caberá aos órgãos federais de
agricultura, saúde e meio ambiente, avaliar imediatamente os
problemas e as informações apresentadas. Parágrafo único. O
órgão federal registrante, ao adotar as medidas necessárias ao
atendimento das exigências decorrentes da avaliação, poderá: I
- manter o registro sem alterações; II - manter o registro,
mediante a necessária adequação; III - propor a mudança da
formulação, dose ou método de aplicação; IV - restringir a
comercialização; V - proibir, suspender ou restringir a
produção ou importação; VI - proibir, suspender ou restringir
o uso; e VII - cancelar ou suspender o registro.”
4.6. Registro do Produto
Devido aos riscos envolvidos com o ciclo de vida dos
agrotóxicos, seus componentes e afins, eles somente serão
produzidos, manipulados, importados, exportados,
comercializados e utilizados no território nacional mediante
prévio registro no órgão federal competente, atendidas as
diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos
setores de agricultura, saúde e meio ambiente. Para que o
registro seja efetivado, cabe aos requerentes e titulares de
registro4 fornecer, obrigatoriamente, aos órgãos federais
responsáveis pelos setores de agricultura, saúde e meio
ambiente, as inovações concernentes aos dados apresentados
para registro e reavaliação de registro dos sem produtos.
É condição indispensável à obtenção do registro ou à
reavaliação de registro de produtos técnicos, pré-misturas,
agrotóxicos e afins, que o interessado apresente, em prazo não
superior a cinco dias úteis, a contar da data do primeiro
protocolo do pedido, a cada um dos órgãos responsáveis pelos
setores de agricultura, saúde e meio
4 “Regulamento, art. Ia (...) XLV - titular de registro -
pessoa física ou jurídica que detém os direitos e as
obrigações conferidas pelo registro de um agrotóxico,
componente ou afim.”
Agrotóxicos
ambiente, requerimento em duas vias, conforme Anexo II do
Regulamento, acompanhado dos respectivos relatórios e de dados
e informações exigidos, por aqueles órgãos, em normas
complementares.
O registro de produto equivalente será realizado com
observância dos critérios de equivalência da Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO, sem
prejuízo do atendimento a normas complementares estabelecidas
pelos órgãos responsáveis pelos setores de agricultura, saúde
e meio ambiente.
Quando se tratar do registro ou RET de produtos e agentes de
processos biológicos geneticamente modificados que se
caracterizem como agrotóxicos e afins, éste deverá ser
ultimado na forma dos critérios e exigências estabelecidos na
legislação específica. Quanto aos produtos de baixa toxicidade
e periculosidadè, deverá ser-lhes dada tramitação prioritária,
sempre que requerido, conforme definido pelos órgãos
competentes.
Conforme determina o artigo 13, os agrotóxicos, seus
componentes e afins poderão ter os seus registros reavaliados,
suspensos ou cancelados administrativamente caso apresentem
indícios de redução de eficiência agronômica, alteração dos
riscos à saúde humana ou ao meio ambiente. Logicamente que
isto somente poderá ocorrer com a observância do devido
processo legal e da ampla defesa.
O registro de agrotóxico é feito sob ampla publicidade,
devendo ser publicado no Diário Oficial da União, em prazo de
até trinta dias da data do protocolo do pedido e da data da
concessão ou indeferimento do registro, resumo o qual conterá:
(i) o pedido com o nome do requerente; a marca comercial do
produto; o nome químico e comum do ingrediente ativo; o nome
científico, no caso de agente biológico; o motivo da
solicitação; e a indicação de uso pretendido; (ii) a concessão
ou indeferimento do registro, com o nome do requerente ou
titular; a marca comercial do produto; o resultado do pedido
e, se indeferido, o motivo; o fabricante e o formulador; o
nome químico e comum do ingrediente ativo; nome científico, no
caso de agente biológico; indicação de uso aprovada;
classificação toxicológica; e classificação do potencial de
periculosidade ambiental.
Cabe aos órgãos federais realizarem a avaliação técnico-
científica, para fins de registro ou reavaliação de registro,
no prazo de até cento e vinte dias, contados a partir da data
do respectivo protocolo. A contagem do prazo será suspensa
caso qualquer dos órgãos avaliadores solicite por escrito e
fundamentadamente, documentos ou informações adicionais,
reiniciando a partir do atendimento da exigência, acrescidos
trinta dias. Havendo o não-atendimento de pedidos
complementares no prazo de
5 Regulamento “Art. I9 (...) XXXVI - produto formulado
equivalente - produto que, se comparado com
outro produto formulado já registrado, possui a mesma
indicação de uso, produtos técnicos equivalentes entre si, a
mesma composição qualitativa e cuja variação quantitativa de
seus componentes não o leve a expressar diferença no perfil
toxicológico e ecotoxicológico frente ao do produto em
referência; (...)
XXXVIII — produto técnico equivalente — produto que tem o
mesmo ingrediente .ativo de outro produto
técnico já registrado, cujo teor, bem como o conteúdo de
impurezas presentes, não variem a ponto de alte
rar seu perfil toxicológico e ecotoxicológico...”
Direito Ambiental
trinta dias, arquivar-se-á o processo, com o indeferimento do
requerimento pelo órgão encarregado do registro, salvo se
apresentada, formalmente, justificativa técnica considerada
procedente pelo órgão solicitante, que a seu juízo poderá
conceder prazo adicional, seguido, obrigatoriamente, de
comunicação aos demais órgãos para as providências cabíveis. O
requerimento será decidido em até trinta dias, após a divulga-
ção dos resultados das avaliações dos órgãos federais
envolvidos.
É importante ressaltar que, na forma do artigo 20 do
regulamento, somente será concedido registro de novo produto
agrotóxico, sem componentes e afins, se a sua ação tóxica
sobre o ser humano e o meio ambiente for, comprovadamente,
igual ou menor do que a daqueles já registrados para o mesmo
fim. Compete aos órgãos competentes estabelecer os padrões a
serem considerados para a avaliação tratada no artigo 20,
sendo certo que eles deverão considerar prioritariamente o
seguinte: (i) toxicidade; (ii) presença de problemas
toxicológicos especiais, tais como: neurotoxicida- de,
fetotoxicidade, ação hormonal e comportamental e ação
reprodutiva; (iii) persistência no ambiente; (iv)
bioacumulação; (v) forma de apresentação; e (vi) método de
aplicação.
Proceder-sé-á ao cancelamento do registro de agrotóxicos,
seus componentes e afins sempre que for verificada modificação
não autorizada pelos órgãos federais dos setores de
agricultura, saúde e meio ambiente em fórmula, dose, condições
de fabricação, indicação de aplicação e especificações
enunciadas em rótulo e bula, ou outras modificações em
desacordo com o registro concedido.
4.6.1. Produtos para Exportação
Os produtos destinados exclusivamente à exportação
prescindem da apresentação dos estudos relativos à eficiência
agronômica, à determinação de resíduos em produtos vegetais e
outros que venham a ser estabelecidos em normas complementares
pelos órgãos responsáveis pelos setores de agricultura, saúde
e meio ambiente.
O registro para exportação deve ser concedido, no prazo de
sessenta dias da entrega do pedido, certificado de registro
para exportação de agrotóxicos, sem componentes e afins para
os produtos que já tenham sido registrados com nome comercial
diferente daquele com o qual será exportado, desde que o
interessado apresente cópia do certificado de registro e de
requerimento contendo as seguintes informações: (i) destino
final do produto; e (ii) marca comercial no país de destino.
5. Responsabilidade
Como já foi exaustivamente analisado ao longo de todo o
presente livro, as violações às normas de proteção ambiental
implicam a imputação de responsabilidade àquele que tenha dado
causa à ruptura da ordem pública do meio ambiente. A res-
ponsabilidade, como se sabe, reveste-se de múltiplos aspectos.
A imputação de responsabilidade, nos termos da Lei n2 7.802, de
11 de julho de 1989, está normatizada nos artigos 14 e
seguintes do mencionado diploma legal. A regulamentação da
apli
Agrotóxicos
cação das sanções administrativas está contemplada pelo
Decreto n9 4.074, de 04 de janeiro de 2002, com a nova redação
que lhe foi dada pelo Decreto n9 5.549/2005.
As responsabilidades penal, civil e administrativa, pelo
não-cumprimento da Lei são imputáveis:
a) ao profissional, quando comprovada a prescrição de
receita errada;
b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando em desacordo
com o receituário;
c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo
receituário ou em desacordo com a receita;
d) ao registrante que, por dolo ou culpa, omitir informações
ou fornecer informações incorretas;
e) ao produtor que produzir mercadorias em desacordo com as
especificações constantes do registro do produto, do rótulo,
da bula, do folheto e da propaganda;
f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção
dos equipamentos necessários à proteção da saúde dos
trabalhadores ou dos equipamentos utilizados ou destinados à
produção, distribuição e aplicação dos produtos.
5.1. Responsabilidade Criminal
A lei de agrotóxicos estabeleceu alguns tipos penais
especificamente voltados para a proteção dos bens jurídicos
mexo ambiente, saúde humana e vida. Tais figuras típicas,
entretanto, não serão examinadas neste capítulo, pois existe
um capítulo neste livro cujo objetivo precípuo é o estudo da
responsabilidade criminal em matéria de meio ambiente.
5.2. Responsabilidade Administrativa
Os artigos 17 e 18 da lei ora em exame estabelecem as
penalidades administrativas que devem ser aplicadas àqueles
que, eventualmente, burlem as normas aplicáveis à manipulação
e utilização dos agrotóxicos. As penalidades as quais nos
referimos são independentes das medidas cautelares de embargo
de estabelecimento e apreensão do produto ou alimentos
contaminados (art. 17, caput:). Tais medidas são as seguintes:
a) advertência;
b) multa de até 1.0Q0 (mil) vezes o Maior Valor de Referência
— MVR, aplicável em dobro em caso de reincidência;
c) condenação do produto;
d) inutilização do produto;
e) suspensão da autorização, registro ou licença;
Direito Ambiental
f) interdição temporária ou definitiva do estabelecimento;
g) cancelamento da autorização, registro ou licença;
h) destruição de vegetais, partes de vegetais e alimentos, nos
quais tenha havido aplicação de agrotóxico de uso não
autorizado, a critério do órgão competente.
A título de pena administrativa acessória, deverá ser dada
ampla divulgação das sanções aplicadas pela autoridade
administrativa aos infratores das normas legais e regulamentos
referentes aos agrotóxicos. Ademais, todo e qualquer custo em
que tenha incorrido o Estado para a aplicação das penalidades
e para a apuração das responsabilidades decorrentes de
infração aos dispositivos legais e regulamentares que vêm
sendo examinados ao longo do presente capítulo deverá ser
suportado pelo infrator.
A incidência da responsabilidade é bastante abrangente, pois
deverá responder pela infração todo aquele que cometer,
incentivar ou se beneficiar da prática da infração. A ação e a
omissão devem ser entendidas como qualquer causa sem a qual a
infração não teria ocorrido. Admite-se, no entanto, as
excludentes decorrentes de força maior ou de eventos naturais
ou circunstâncias imprevisíveis. Eventos naturais ou
circunstâncias imprevisíveis devem ser tidos como
cientificamente imprevisíveis, ou de possibilidade
desprezível. A imprevisibilidade para o homem comum do povo,
aqui, não pode ser tida como excludente de responsabilidade.
Como já foi visto antes, os agrotóxicos têm a sua utilização
altamente regulamentada e, sem dúvida alguma, todos os passos
de sua utilização estão vinculados a conhecimentos técnicos,
receituários etc. Há, portanto, uma presunção de que a
utilização dos agrotóxicos está sendo feita dentro de tuna
moderna metodologia científica.
5.2.1. Infrações
Utilizando-se de uma cláusula aberta que, seguidamente, vem
se tomando mais corriqueira no DA, o Regulamento, em seu
artigo 82, estabelece que: “Constitui infração toda ação ou
omissão que importe na inobservância do disposto na Lei n9
7.802, de 1989, neste Decreto ou na desobediência às
determinações de caráter normativo dos órgãos ou das
autoridades administrativas competentes.”
A responsabilidade decorrente da utilização de agrotóxicos
se estende às pessoas físicas e jurídicas que serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme
o disposto nas Leis n?s 7.802, de 1989. e 9.605. de 12 de
fevereiro de 1998. e ainda nos regulamentos pertinentes, nos
casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, pessoa individual ou órgão
colegiado, no interesse ou em benefício da sua entidade,
conforme previsto no artigo 83 do regulamento. Aqui, permito-
me observar que não vejo como aplicável o artigo 2e da Lei nfi
9.605/98, visto que ele próprio se restringe aos casos
decorrentes da própria aplicação da lei de crimes ambientais e
não de outras normas, pois tal função caberia ao Código Penal
e não a uma lei extravagante. Por igual, o artigo 84 esta-
belece que as responsabilidades administrativa, civil e penal
pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente,
em função do descumprimento do disposto na
Agrotóxicos
legislação pertinente a agrotóxicos, seus componentes e afins,
recairão sobre: (i) o registrante que omitir informações ou
fornecê-las incorretamente; (ii) o produtor, quando produzir
agrotóxicos, seus componentes e afins em desacordo com as
especificações constantes do registro; (iii) o produtor, o
comerciante, o usuário, o profissional responsável e o
prestador de serviços que opuser embaraço à fiscalização dos
órgãos competentes ou que não der destinação às embalagens
vazias de acordo com a legislação; (iv) o profissional que
prescrever a utilização de agrotóxicos e afins em desacordo
com as especificações técnicas; (v) o comerciante, quando
efetuar a venda sem o respectivo receituário, em desacordo com
sua prescrição ou com as recomendações do fabricante e dos
órgãos registrantes e sanitário-ambientais; (vi) o comer-
ciante, o empregador, o profissional responsável ou prestador
de serviços que deixar de promover as medidas necessárias de
proteção à saúde ou ao meio ambiente; (vii) o usuário ou o
prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o
receituário ou com as recomendações do fabricante ou dos
órgãos sanitário-ambientais; e
(viii) as entidades públicas ou privadas de ensino,
assistência técnica e pesquisa* que promoverem atividades de
experimentação ou pesquisa de agrotóxicos, seus componentes e
afins em desacordo com as normas de proteção da saúde pública
e do meio ambiente. Confesso a minha imensa dificuldade em
enquadrar no esquema teórico do ordenamento jurídico
brasileiro a responsabilidade penal definida em decreto.
, A cláusula genérica contida na Lei foi transformada na
relação do artigo 85 do decreto, que estabeleceu as seguintes
infrações administrativas:
(i) pesquisar, experimentar, produzir, prescrever, fracionar,
embalar e rotular, armazenar, comercializar, transportar,
fazer propaganda comercial, utilizar, manipular, importar,
exportar, aplicar, prestar serviço, dar destinação a
resíduos- e embalagens vazias de agrotóxicos, seus
componentes e afins em desacordo com o previsto na Lei na
7.802, de 1989, e legislação pertinente;
(ii) rotular os agrotóxicos, seus componentes e afins, sem
prévia autorização do órgão registrante ou em desacordo com
a autorização concedida; e
(iii) omitir informações ou prestá-las de forma incorreta às
autoridades registrantes e fiscalizadoras.
5.2.1.1. Sanções Administrativas
Determina o artigo 86 do Regulamento que: “sem prejuízo das
responsabilidades civil e penal cabíveis, a infração de
disposições legais acarretará, isolada ou cumulativamente,
independentemente da medida cautelar de interdição de estabe-
lecimento, a apreensão do produto ou alimentos contaminados e
a aplicação das sanções previstas no art. 17 da Lei n9 7.802,
de 1989. § l9 A advertência será aplicada quando constatada
inobservância das disposições deste Decreto e da legislação em
vigor, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 2Ô A multa será aplicada sempre que o agente: I — notificado,
deixar de sanar, no prazo assinalado pelo órgão competente, as
irregularidades praticadas; ou II — opuser embaraço à
fiscalização dos órgãos competentes. § 3S A inutilização será
aplicada nos casos de produto
Direito Ambiental
sem registro ou naqueles em que ficar constatada a
impossibilidade de Lhes ser dada outra destinação ou
reaproveitamento. § 4a A suspensão de autorização de uso ou de
registro de produto será aplicada nos casos em que sejam
constatadas irregularidades reparáveis. § 5a O cancelamento da
autorização de uso ou de registro de produto será aplicado nos
casos de impossibilidade de serem sanadas as irregularidades
ou quando constatada fraude. § 69 O cancelamento de registro,
licença, ou autorização de funcionamento de estabelecimento
será aplicado nos casos de impossibilidade de serem sanadas as
irregularidades ou quando constatada fraude. § 1~ A interdição
temporária ou definitiva de estabelecimento ocorrerá sempre
que constatada irregularidade ou quando se verificar, mediante
inspeção técnica ou fiscalização, condições sanitárias ou
ambientais inadequadas para o funcionamento do
estabelecimento. § 8e A destruição ou inutilização de vegetais,
parte de vegetais e alimentos será determinada pela autoridade
sanitária competente, sempre que apresentarem resíduos acima
dos níveis permitidos ou quando tenha havido aplicação de
agrotóxicos e afins de uso não autorizado.
5.2.1.1.1. Aplicação das Sanções Administrativas
Os autos de infração deverão conter a descrição do fato, a
capitulação do ilícito administrativo e a informação das
penalidades aplicáveis, sob pena de nulidade.6 O artigo 88 do
Regulamento determina que a autoridade competente, ao analisar
o processo administrativo, observará, no que couber, o
disposto nos arts. 14 e 15 da Lei nQ 9.605. de 1998. A norma é
claramente além do que foi disposto na Lei ne 7.802, de 11 de
julho de 1989, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei ne
9,974, de 06 de junho de 2000, visto que a Lei n2 7.702 não
trata do assunto. O artigo é, portanto, ilegal e inaplicável.
Seguindo uma orientação que vem se consolidando no sentido
de que apenas tuna autoridade federada aplique multa em função
de um mesmo fato, o artigo 89 determina que: “A aplicação de
multa pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios
exclui a aplicação de igual penalidade por órgão federal
competente, em decorrência do mesmo fato.” Merece ser chamada
a atenção para o fato de que a dimensão dos valores é
irrelevante no caso.
O Poder Público, em caso de destruição ou inutilização de
agrotóxicos, seus componentes e afins, nocivos à saúde humana
ou animal ou ao meio ambiente, determinará ao infrator que
arque com os custos.
6 TRF - 1* REGIÃO. AC 9501188264/GO. 3* TURMA SUPLEMENTAR.
DJU: 22/8/2002, p. 182. Relator: JUIZ MOACIR FERREIRA RAMOS
<CONV.) ADMINISTRATIVO. MULTA. SUNAB. AUTO DE INFRAÇÃO.
DESCRIÇÃO DOS FATOS QUE NÃO CORRESPONDE À TIPIFICAÇÃO DA
CONDUTA ILÍCITA- POSTERIOR RETIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA DO
AUTO. I. É nulo o auto de ínfiração em que o fundamento
jurídico adotado não corresponde à situação fática descrita
na autuação, sendo insuficiente a posterior retificação
administrativa da tipificação da infração. II. Apelação e
remessa oficial improvidas.
catw - tnsno Superior Biseau MScs
Agrotóxicos
Em qualquer caso, o procedimento a ser adotado será com base
na Lei ng 9,784, AP 29 de janeiro de 1999, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal.
6. Comercialização dos Agrotóxicos
Os agrotóxicos, assim como quaisquer outros produtos, têm um
ciclo de vida que começa na sua produção e se encerra na sua
destinação final. Nesta altura do presente trabalho,
necessário se faz que sejam examinados os elementos
indispensáveis para que os agrotóxicos e afins possam ser
legalmente comercializados no território brasileiro. O
primeiro elemento a ser examinado, portanto, é o receituário
agronômico, sem o qual nenhum agrotóxico poderá ser
comercializado legalmente no Brasil.
6.1. Receituário Agronômico
A receita ou receituário é a prescrição e orientação técnica
necessárias para a utilização de agrotóxico ou afim, por
profissional legalmente habilitado. Sem tal documento não pode
haver comercialização de agrotóxicos. Observe-se que não há
necessidade legal de que o profissional seja engenheiro
agrônomo, bastando a qualificação de técnico agrícola com
formação de segundo grau.7 O receituário é um documento formal
que deve obedecer a determinados parâmetros técnicos
especiais. Em primeiro lugar ele deve ser expedido em, pelo
menos, duas vias, a primeira para o usuário e a segunda para o
estabelecimento comercial que deverá mantê-la à disposição dos
órgãos fiscalizadores pelo prazo de dois anos, contados da
data de sua emissão. A receita deverá conter as seguintes
informações: (i) nome do usuário, da propriedade e sua
localização; (ii) diagnóstico; (iii) recomendação para que o
usuário leia atentamente o rótulo e a bula do produto;
recomendação técnica com as seguintes informações: nome do(s)
produto(s) comercial(ais) que deverá(ão) ser utilizado(s) e de
eventual(ais) produto(s) equivalente(s), cultura e áreas onde
serão aplicados; doses de
7 STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EDRESP - EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - 206454/SC. 2» Tirana.
DJU:29/03/2004, p. 178. Relator Ministro FRANCIULLI NETTO.
EMBARGOS DE DECLARAÇAO - RECURSO ESPECIAL - TÉCNICOS
AGRÍCOLAS DE SEGUNDO GRAU - PRESCRIÇÃO DE RECEITUÁRIO
AGRONÔMICO - VENDA DE AGROTÓXICOS - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA
DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. Ao tribunal toca
decidir a matéria impugnada e devolvida. A função
teleológica da decisão judicial é a de compor,
precipuamente, litígios. Não é peça acadêmica ou
doutrinária, tampouco se destina a responder a argumentos, à
guisa de quesitos, como se laudo peridal fora. Contenta-se o
sistema com a solução da controvérsia, observada a
lesmmáicium deducta, o que se deu, no caso ora em exame. A
egrégia Primeira Seção desta colenda Corte consolidou o
entendimento segundo o qual os técnicos agrícolas podem
prescrever receituário agronômico, inclusive produtos
tóxicos. “A Lei n° 5.254, de 1968, prevê, entre as
atividades próprias do técnico agrícola de nível médio, a de
dar assistência na compra, venda e utilização de produtos
especializados da agricultura (art. 2®, II), nos quais se
consideraram incluídos os produtos agrotóxicos. Assim, tais
técnicos possuem habilitação legal para expedir o
receituário exigido pelo art. 13 da Lei n® 7.802, de 1989. É
expresso, nesse sentido, o art. 6®, XIX, do Decreto
90.922/85, com a redação dada pelo Decreto 4.560/2002”
(EREsp 265.636/SC, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, J. em
25.06.2003). Embargos de declaração rejeitados.
669
Direito Ambiental
aplicação e quantidades totais a serem adquiridas; modalidade
de aplicação, com anotação de instruções específicas, quando
necessário, e, obrigatoriamente, nos casos de aplicação aérea,
época de aplicação; intervalo de segurança; orientações quanto
ao manejo integrado de pragas e de resistência; precauções de
uso; orientação quanto à obrigatoriedade da utilização de EPI;
data, nome, CPF e assinatura do profissional que a emitiu,
além do seu registro no órgão fiscalizador do exercício
profissional.
Produtos de baixa periculosidade poderão ser dispensados de
receituário, conforme for definido pelas autoridades
administrativas.
6.2. Embalagem, Fracionamento e Rotulagem
Um dos problemas relevantes com os agrotóxicos é o referente
às embalagens e, sobretudo, ao seu destino final. O
ordenamento jurídico brasileiro não dispõe, até o momento, de
uma norma que disponha amplamente sobre a destinação final dos
resíduos sólidos. Isto tem feito com que o CONAMA, indo além
de suas atribuições, busque disciplinar a matéria pela via das
resoluções, o que, evidentemente, é excessivo, pois aquele
Conselho não tem atribuição legal para criar obrigações para
tercei" ros. As embalagens de agrotóxicos, devido ao seu
elevado grau de contaminação, ocupam papel de destaque na
problemática dos resíduos sólidos.
As embalagens, os rótulos e as bulas de agrotóxicos e afins
devem obedecer às especificações e dizeres aprovados pelos
órgãos federais dos setores da agricultura, da saúde e do meio
ambiente, em suas respectivas áreas de competência, por
ocasião do registro do produto ou, posteriormente, quando da
autorização para sua alteração, sendo que a inobservância
dessas disposições acarretará a suspensão do registro do
produto, ou seja, o fabricante não é inteiramente livre para
definir como será a apresentação comercial do produto.
Os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão
determinar modificações nos rótulos e embalagens, com vistas a
atender à realidade local, sem necessidade de oitiva do órgão
federal.
§ 3® As alterações que se fizerem necessárias em rótulos e
bulas decorrentes de restrições, estabelecidas por órgãos
competentes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
As embalagens dos agrotóxicos e afins deverão:
(i) ser projetadas e fabricadas de forma a impedir qualquer
vazamento, evaporação, perda ou alteração de seu conteúdo e
de modo a facilitar as operações de lavagem, classificação,
reutilização, reciclagem e destinação final adequada;
(ü) ser imunes à ação de seu conteúdo ou insuscetíveis de
formar com ele combinações nocivas ou perigosas;
(iii) ser resistentes em todas as suas partes e satisfazer
adequadamente às exigências de sua normal conservação;
Agrotóxicos
(iv) ser providas de lacre ou outro dispositivo, externo, que
assegure plena condição de verificação visual da
inviolabilidade da embalagem; e
(v) as embalagens rígidas deverão apresentar, de forma
indelével e irremoví- vel, em local de fácil visualização,
exceto na tampa, o nome da empresa titular do registro e
advertência quanto ao não-reaproveitamento da embalagem.
Admite-se o fracionamento e a reembalagem de agrotóxicos e
afins com o objetivo de comercialização desde que realizados
pela empresa produtora ou por manipulador, sob
responsabilidade daquela, em locais e condições previamente
autorizados pelos órgãos estaduais, do Distrito Federal e
municipais competentes.
6.3. Destinação Final dos Agrotóxicos
A destinação final de agrotóxicos é uma medida que necessita
ser definida em lei. A Lei n2 7,802, de 11 de julho de 1989,
não dispôs sobre a matéria, motivo pelo qual o decreto
regulamentador não poderia enfrentar o tema. Reconhece-se que
a relevância é óbvia e que a necessidade de disciplinar o
assunto é inquestionável. Entretanto, a observância da ordem
jurídica é igualmente fundamental. Não se pode despir um
santo, para vestir outro. O que é necessário é que o Poder
Público promova a edição da lei necessária para regular a
matéria.8
Em medida salutar, o Poder Público admite a reutilização de
embalagens, mediante aprovação dos órgãos federais
intervenientes no processo de registro. Quanto à destinação
final, o artigo 52 do Decreto estabelece que: “a destinação de
embalagens vazias e de sobras de agrotóxicos e afins deverá
atender às recomendações técnicas apresentadas na bula ou
folheto complementar.”
8 TRF 4* REGIÃO. AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 76428/ RS.
QUARTA TURMA. DJU:02/10/2002, p. 795 Relator: JUIZ AMAURY
CHAVES DE ATHAYDE. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DETERMINAÇÃO AOS RÉUS PARA RECOLHER, REEMBALAR E DEPOSITAR,
SOB CONTROLE PÚBLICO, OS PRODUTOS AGROTÓXICOS EM MÃOS DE
PARTICULARES, DESATIVAR ESSES MESMOS PRODUTOS E CONTER A
CONTAMINAÇÃO EM DEPÓSITOS, SOB PENA DE MULTA. ALEGAÇÃO DE
IRRESPONSABILIDADE PELAS PROVIDÊNCIAS. DIMENSIONAMENTO E
DESTINAÇÃO DA; PENA COMINADA. CONHECIMENTO PARCIAL DO
RECURSO. 1. Não se conhece da parte do recurso que investe
contra definição já havida na mesma ínstânda e espécie
recursal. 2. A ausência de responsabilidade da União pelas
providências ordenadas (pelo que já se transitou, explícita
e implicitamente, em autos e momento diversos), não exsurge
manifesta do diploma legal invocado (Lei n® 7.802/89, tanto
na versão original como atual), antes laborando em desfavor
da pretensão recursal. 3. Revela-se adequada a adoção, em
ação civil pública tendente à proteção do meio ambiente e
sob a matiz emergencial, de todas as providências
indispensáveis, inquestionável a incidência do princípio da
prevenção. É como se dá aos fins de determinar à União e ao
Estado o recolhimento, reembalagem e depósito sob controle
público de produtos agrotóxicos em mãos de particulares,
além da desativação desses produtos e a contenção da
contaminação nos depósitos, sob pena de multa. 4. A
gravidade dos fatos autoriza a cominação de multa em valor
correspondente e não»excessivo (desobrigado o juiz de escora
em cálculo matemático e da explicitação da previsão e
destinação Vgais da penalidade), inclusive em face do valor
inestimável, em moeda, do meio ambiente e da saúde.
Direito Ambiental
Cabe aos usuários de agrotóxicos e afins devolver as
embalagens vazias, e res- ; pectivas tampas, aos
estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, observa-
-tó das as instruções constantes dos rótulos e das bulas, no
prazo de até um ano, conta- do da data de sua compra. Findo o
prazo anterior, havendo ainda produto na embalagem, dentro do
prazo de validade, será facultada a devolução da embalagem em
até 6 meses após o término do prazo de validade. Faculta-se ao
usuário a devolução de embalagens vazias a qualquer posto de
recebimento ou centro de recolhimento licenciado por órgão
ambiental competente e credenciado por estabelecimento
comercial.
Os usuários devem manter à disposição dos órgãos
fLscalizadores os comprovantes de devolução de embalagens
vazias, fornecidas pelos estabelecimentos comerciais, postos
de recebimento ou centros de recolhimento, pelo prazo de, no
mínimo, um ano, após a devolução da embalagem. No hipótese de
embalagem contendo produtos impróprios para utilização ou em
desuso, o usuário observará as orientações contidas nas
respectivas bulas, cabendo às empresas titulares do registro,
produtoras e comercializadoras, promover o recolhimento e a
destinação admitidos pelo órgão ambiental competente. As
embalagens rígidas, que contiverem formulações miscí- veis ou
dispersíveis em água, deverão ser submetidas pelo usuário à
operação de tríplice lavagem, ou tecnologia equivalente,
conforme orientação constante de seus rótulos, bulas ou
folheto complementar. Os usuários devolverão as embalagens
vazias aos estabelecimentos nos quais compraram os produtos,
quando se tratar de produto adquirido diretamente do exterior.
Os estabelecimentos comerciais disporão de instalações
adequadas para recebimento e armazenamento das embalagem
vazias devolvidas pelos usuários, até que sejam recolhidas
pelas respectivas empresas titu- í§ lares do registro,
produtoras e comercializadoras, responsáveis pela destinação
final dessas embalagens; caso eles não tenham condições de
receber ou armazenar embalagens vazias no mesmo local onde são
realizadas as vendas dos produtos, os estabelecimentos
comerciais credenciarão posto de recebimento ou centro de
recolhimento, previamente licenciados, cujas condições de
funcionamento e acesso não venham a dificultar a devolução
pelos usuários. Nas notas fiscais deverá constar o endereço de
devolução.
Os estabelecimentos destinados ao desenvolvimento de
atividades que envolvam embalagens vazias de agrotóxicos,
componentes ou afins, bem como produtos em desuso ou
impróprios para utilização, deverão obter licenciamento
ambiental.
O artigo 57 do decreto dispõe que: “As empresas titulares de
registro, produtoras e comercializadoras de agrotóxicos, seus
componentes e afins, são responsáveis pelo recolhimento, pelo
transporte e pela destinação final das embalagens vazias,
devolvidas pelos usuários aos estabelecimentos comerciais ou
aos postos de recebimento, bem como dos produtos por elas
fabricados e comercializados; I — apreendidos pela ação
fiscalizatória; e II - impróprios para utilização ou em
desuso, com vistas à sua reciclagem ou inutilização, de acordo
com normas e instruções dos órgãos registrante e sanitário-
ambientais competentes. § le As empresas titulares de registro,
produtoras e comercializadoras de agrotóxicos e afins, podem
instalar e manter centro de recolhimento de embalagens usadas
e vazias. § 2a O prazo máximo para
Agrotóxicos
recolhimento e destinação final das embalagens pelas empresas
titulares de registro, produtoras e comercializadoras, é de um
ano, a contar da data de devolução pelos usuários. § 3a Os
responsáveis por centros de recolhimento de embalagens vazias
deverão manter à disposição dos órgãos de fiscalização sistema
de controle das quantidades e dos tipos de embalagens,
recolhidas e encaminhadas à destinação final, com as
respectivas datas.
Quando o produto for importado, o importador arcará com a
responsabilidade pela destinação:
(i) das embalagens vazias dos produtos importados e
comercializados, após a devolução pelos usuários; e
(ii) dos produtos apreendidos pela ação fiscalizatória e dos
impróprios para utilização ou em desuso.
Controle de Produtos Tóxicos
Capítulo XXV Controle de Produtos Tóxicos
1. Introdução
O controle das substâncias tóxicas encontra o seu fundamento
constitucional no inciso V do § l2 do artigo 225 da Lei
Fundamental.
É possível, igualmente, encontrar amparo constitucional para
o controlei de produtos tóxicos na norma contida no artigo 200
e seus incisos da CF,1 que cuidam do Sistema Único de Saúde.
Além disto, tais substâncias estão submetidas ao poder de
policia típico da atividade estatal e que se espalha pelos
mais diversos aspectos da vida em sociedade.
Estamos diante de aplicações práticas dos princípios da
prevenção, precaução e limite que já foram vistos em outro
capítulo.
É necessário estruturar um sistema de controle de
substâncias tóxicas capaz de diminuir o risco que elas
representam para a vida humana. Embora não haja máior
dificuldade na compreensão desta necessidade, a sua
concretização não é muito simples. A preocupação com os
produtos tóxicos não é muito antiga. Foi somente com o
aparecimento do livro Silent Spríng, da escritora Rachel
Carson, que o problema ganhou dimensão planetária. Isto
ocorreu no ano de 1962, nos Estados Unidos da América. O
livro, ainda que escrito em tons alarmistas, foi o primeiro
libelo contra a poluição causada por produtos químicos,
notadamente pelos pesticidas que, desde então, passaram a ser
conhecidos com o nome de agrotóxicos. Silent spríng alcançou a
notável marca de meio milhão de exemplares vendidos, tendo
permanecido por 31 semanas na lista de best-sellers do New
York Times.2
É importante observar que antes da publicação de Silent
Spríng os “acidentes” com produtos tóxicos não mereciam maior
atenção das autoridades ou mesmo da opinião pública:
A inquietação diíimdida pelos efeitos da precipitação
nuclear e pelas advertências de Silent Spring se combinou no
período de 1966-1972 com uma série de “desastres ambientais” —
acontecimentos que figuraram em manchetes de jornal e tiveram
um efeito catalisador sobre os temores ambientais. Houve
desastres ambientais comparáveis antes, alguns deles em
passado muito recen-
1 É bem verdade que o bem jurídico meio ambiente não deve ser
confundido com. o bem jurídico saúde pública.
2 McCormck, John. Rumo ao Paiaíso, Rio de Janeiro: Relume
Dumaxá, 1992, p. 63.
Direito Ambiental
te. Em 1948, por exemplo, vinte pessoas morreram e 43% da
população de Do- nora, Pensilvânia, caíram doentes em
conseqüência de um nevoeiro sulfuroso. Uma mistura de nevoeiro
e fumaça (o smog) típica do inverno desceu sobre Londres entre
5 e 10 de dezembro de 1952, tendo sido responsável, segundo o
Conselho do Condado de Londres, pela morte imediata de
445pessoas; ao todo, mais de quatro mil pessoas morreram, a
maioria por condições circulatórias e respiratórias de longo
prazo provocadas pelo nevoeiro. O acontecimento foi
diretamente responsável pela aprovação na Grã-Bretanha da Lei
do Ar Limpo, em 1956?
Infelizmente, não temos, no Brasil, um diagnóstico adequado
dos problemas causados por produtos químicos e outras formas
de poluição. O caso de poluição mais notório do Brasil é, sem
dúvida, o da cidade de Cubatão, no Estado de São Paulo. O
relatório apresentado pelo Governo brasileiro à Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio
92, contém alguns elementos elucidativos, ainda que tímidos,
da tragédia que se desenrolou e ainda se desenrola naquela
cidade, in verbis:
A presença de zonas habitadas sobre áreas de passagens de
dutos para o transporte de produtos perigosos, sujeitando
milhares de pessoas a acidentes de grandes proporções,
provocou, nesse mesmo ano de 1984, a tragédia da Vila Socó. A
explosão e incêndio de 700 mil htros de gasolina mataram mais
de 100 pessoas.4
Outro acidente grave ocorrido no Brasil foi o do Césio 137,
em Goiânia.5 Lamentavelmente, muitos outros casos podem ser
apontados, tais como a poluição por mercúrio causada pelos
garimpos na Amazônia etc.
Convém, no entanto, que não sejam esquecidas as palavras de
Jean Dorst:6
Trata-se, na realidade, de wn assunto extraordinariamente
complexo, e é muito difícil ter atualmente uma visão serena e
objetiva. Demasiados interesses materiais e financeiros ~
indústria química, produção agrícola - e demasiados
sentimentalismos e conclusões apressadas complicaram um
problema sobre o qual, no entanto, já possuímos atualmente uma
série de informações provenientes de um número crescente de
experiências e observações. As conclusões conduziram,
freqüentemente, a posições extremadas em que a impulsividade
de uns se opunha aos interesses materiais de outros.
3 McComick, John. Ob. cit., 1992, p. 71.
4 O Desafio do Desenvolvimento Sustentável, Brasília, 1991, p.
50.
5 Será examinado nos capítulos destinados à energia nuclear.
6 Dorst, Jean- Antes que a Natureza Morra, São Paulo: Edgar
Bucher, 1973, p. 205.
Controle de Produtos Tóxicos
2. Controle de Produtos Perigosos
2.1. Convenções Internacionais
2.1.1. Convenção de Basiléia
E uma importantíssima norma internacional que foi
incorporada ao Direito brasileiro pelo Decreto Legislativo ne
34, de 1992, que “aprova o texto da Convenção sobre Controle
de Movimentos Transíronteiriços de Resíduos Perigosos e sua
Eliminação, concluída em Basiléia, Suíça, a 22 de março de
1989" Posteriormente, o Congresso Nacional aprovou o Decreto
Legislativo n9 463, de 21 de novembro de 2001, que “aprova os
textos da Emenda ao Anexo I e dos dois novos Anexos (VIII e
IX) à Convenção de Basiléia sobre o Controle do Movimento
Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito,
adotados durante a TV Reunião da Conferência das Partes,
realizada em Kuching, na Malásia, em 27 de fevereiro de 1998”.
O texto original da Convenção foi promulgado no Brasil pelo
Decreto ne 875, de 19 de julho de 1993, publicado em 20 de
julho de 1993.
A Convenção tem por objetivo reduzir a circulação
internacional de resíduos perigosos, tendo em vista que as
Partes consideram “que a maneira mais eficaz de proteger a
saúde humana e o meio ambiente dos perigos que esses resíduos
representam é a redução ao mínimo da sua geração em termos de
quantidade e/ou potencial de seus riscos”. A Convenção definiu
que são resíduos perigosos: (a) Resíduos que se enquadram em
qualquer categoria contida no Anexo I, a menos que não possuam
quaisquer das características descritas no Anexo III; e, (b)
Resíduos não cobertos pelo parágrafo (a) mas definidos ou
considerados resíduos perigosos pela legislação interna da
Parte que seja Estado de exportação, de importação ou de
trânsito; (c) Os resíduos que se enquadram em qualquer
categoria contida no Anexo II e que sejam objeto de movimentos
transíronteiriços serão considerados “outros resíduos” para os
fins da Convenção;7 (d) Os resíduos que, por serem radioativos,
estiverem sujeitos a outros
7 TRF 1* REGIÃO. AMS ~ APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA -
9501280420/AM. QUARTA TURMA. DJU: 9/4/1999, p. 373. Relator
JUIZ ALEXANDRE VIDIGAL. ADMINISTRATIVO. PNEU USADO.
IMPORTAÇÃO PROIBIDA. ZONA FRANCA DE MANAUS. DL 288/67,
PORTARIA 138-N/92 DO IBAMA. CONVENÇÃO DA BASILÉIA. 1. O
Brasil fora signatário da Convenção da Basiléia sobre o
Controle de Movimentos Fronteiriços de Resíduos Perigosos e
seu Depósito, aprovada pelo Decreto legislativo 33, de
16/6/92, e promulgada pelo Decreto 875, de 19/7/93.2. “Os
tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente
incorporados ao direito intemo, situam-se no sistema
jurídico brasileiro, nos mesmos pianos de validade, de
eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis
ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos
de direito internacional público, mera relação de paridade
normativa” (STF, ADIN 1480/DF, Relator o Ministro Celso de
Mello; "Informativo STF’, n® 135, DJU/I, de 16/12/98). 3. A
especificação da importação abordada, por envolver a Zona
Franca de Manaus, e que se amparada pelo Decreto-lei 288/67,
não encontra, só por este aspecto, motivação suficiente a
inviabilizar os efeitos da Portaria 138-N/92, do IBAMA,
posto que esta fora editada com amparo em espécie normativa
de mesma hierarquia daquele decreto-lei (o Decreto 875/93),
e quanto a isso considerando-se, ainda, a competência
normativa daquele órgão, para o caso, assegurada pela Lei
6.938/81.4.0 fato de a Convenção da Basiléia não ter se
refletido expressamente ao pneu usado como resíduo perigoso,
nem por isso afastou
Direito Ambiental
sistemas internacionais de controle, inclusive instrumentos
internacionais que se apliquem especificamente a materiais
radioativos, ficam excluídos do âmbito da Convenção; (e) Os
resíduos derivados de operações normais de um navio, cuja des-
carga esteja coberta por um outro instrumento internacional,
ficam excluídos do âmbito da Convenção.
A Convenção determina que cada Parte deve informar às
demais, por meio do Secretariado, como define em sua
legislação local os resíduos perigosos.8 Pelo artigo 4 da
Convenção foram estipuladas obrigações gerais para as Partes
quanto à informação às demais sobre a implementação do direito
de proibir ou não permitir importação de resíduos perigosos,
bem como de proibir ou não permitir a exportação de resíduos
perigosos; sem a concordância por escrito do estado
importador, considera-se crime internacional a movimentação
internacional de resíduos perigosos fora dos termos da
Convenção.9
2.1.2. Convenção de Roterdã
A Convenção de Roterdã foi aprovada pelo Decreto Legislativo
n3 197, de 7 de maio de 2004, e promulgada pelo Decreto ne
5.360, de 31 de janeiro de 2005, que
a possibilidade de tal definição, conforme infere-se do
disposto em seu artigo 1“, 1, “b", que conferiu à legislação
interna da Parte que seja Estado exportador, importador ou de
trânsito, a possibilidade de inserir determinada substância,
objeto ou produto naquela definição. 5. Provimento da apelação
e da remessa de ofício, tida como interposta. Sentença
reformada.
8 TRP 4» REGIÃO. REO - REMESSA EX OFFICrO 9604657038/ PR.
QUARTA TURMA. DJU: 19/05/1999, p. 653. Relator JUIZ A. A.
RAMOS DE OLIVEIRA. ADMINISTRATIVO - IMPORTAÇÃO DE RESÍDUOS
DE PAPEL PARA REAPROVEITAMENTO INDUSTRIAL - OBSTACUUZAÇÃO
PELA AUTORIDADE ADUANEIRA, SOB INVOCAÇÃO DA PORTARIA
NORMATIVA PRT-138-N, do IBAMA, QUE VEDA A IMPORTAÇÃO DE
RESÍDUOS PERIGOSOS - DESCABIMENTO. 1. A Portaria Normativa
n« 138-N, do IBAMA, ao proibir a importação de resíduos,
estabelece, no ART. 2, PAR. 1: “ Característica básica na
conceituação de resíduo é a Condição de inutilidade,
indesejabilidade ou descar- tabilidade do material em
relação à sua utilização original". 2. Também a Convenção de
Basiléia, que dá suporte a esse ato normativo do IBAMA
conceitua claramente o que entende por resíduos perigosos,
listando os produtos e substâncias que se submetem a esse
conceito. 3. Os resíduos de papel, destinados à reciclagem
industrial, não se incluem no Conceito de resíduos da
Portaria Normativa na 138-N-IBAMA e da Convenção de Basiléia
pois não são nem inúteis, nem indesejáveis, nem
descartáveis, nem muito menos, perigosos, constituindo
matéria-prima da indústria papeleira de tanta relevância
para a preservação ambiental que o Poder Público tem
incentivado programas de coleta doméstica de lixo
reciclável, inclusive o papel. 4. Remessa oficial improvida.
9 TRF 4» REGIÃO. RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 3321-RS.
SÉTIMA TURMA. DJU: 26/03/2003, p. 802. Relator: JUIZ
VLADIMIR FREITAS. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CF, ART. 109,
V. PENAL. DESCAMINHO, CP, ART. 334. CRIME AMBIENTAL,
IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE DE SUBSTÂNCIA PERIGOSA. LEI
9.605/98, ART. 56. CONVENÇÃO DE BASILÉIA. 1. A importação e
o transporte de gasolina com a finalidade de uso próprio ou
de revenda, em quantidade sobre a qual não incide o ÍPI e em
valor insignificante, não justifica a propositura de ação
penal, uma vez que a Fazenda Nacional não tem interesse na
cobrança de débitos fiscais inferiores a RS 2.500,00, na
forma da MP 2.176-77/2001.2.0 transporte de gasolina em
quantidade pequena não configura transporte de resíduo
perigoso, tal como previsto na Convenção de Basiléia, à qual
o Brasil aderiu através do Decreto 875/93. Conseqüentemente,
é da Justiça Estadual a competência para processar e julgar
denúncia pela prática deste delito, vez que a conduta
delituosa não é alcançada pela previsão do Tratado e com
isso a hipótese não se ajusta à previsão do art. 109, inc.
V, da Carta Magna.
Controle de Produtos Tóxicos
“Promulga a Convenção sobre Procedimento de Consentimento
Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas
Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos, adotada em 10 de
setembro de 1998, na cidade de RoterdãE entrou em vigor no
Brasil aos 24 de fevereiro de 2004.
A Convenção de Rotedã visa estabelecer os mecanismos para
que as populações envolvidas possam ter uma informação
adequada sobre a movimentação internacional de substâncias
químicas perigosas e agrotóxicos. A Convenção objetiva
promover a responsabilidade compartilhada e esforços
cooperativos entre as Partes no comércio internacional de
certas substâncias químicas perigosas, visando à proteção da
saúde humana e do meio ambiente contra danos potenciais e
contribuir para o uso ambientalmente correto desses produtos,
facilitando o intercâmbio de informações sobre suas
características, estabelecendo um processo decisório nacional
para sua importação e exportação e divulgando as decisões
resultantes às Partes. Tal Convenção é de grande importância,
por exemplo, para a agricultura, visto que trata de
agrotóxicos, dentre outros produtos.
2.1.3, Convenção de Estocolmo
É a mais recente das Convenções internacionais destinadas a
tratar de produtos químicos perigosos. No caso, ela é voltada
especificamente para os chamados poluentes orgânicos
persistentes (POPs). Ela foi promulgada pelo DECRETO Na 5.472,
DE 20 DE JUNHO DE 2005, que “Promulga o texto da Convenção de
Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, adotada,
naquela cidade, em 22 de maio de 2001”, antes fora aprovada
pelo Decreto Legislativo n9 204, de 7 de maio de 2004, tendo
entrado em vigor internacionalmente aos 24 de fevereiro de
2004.
Um dos objetivos fundamentais da Convenção é fazer com que
cada uma das Partes adote medidas para reduzir ou eliminar as
liberações decorrentes de produção e uso intencionais dos
poluentes orgânicos persistentes que, em essência, são os cha-
mados organoclorados. Assim, é lícito aos Estados que proíbam
e/ou adotem medidas jurídicas e administrativas que sejam
necessárias para eliminar a produção e utilização das
substâncias químicas relacionadas no Anexo A da Convenção, de
acordo com as disposições especificadas naquele Anexo; e,
também a importação e exportação das substâncias químicas
relacionadas no Anexo A, de acordo com as disposições do
parágrafo 2 da Convenção; e restringir a produção e utilização
das substâncias químicas relacionadas no Anexo B, de acordo
com as disposições especificadas naquele Anexo.
2.2. Normas internas
Doravante, passarei a examinar algumas das normas de direito
interno que incidem sobre o tema.
Direito Ambiental
2.2.1. Asbestos (Amianto)10
Amianto ou asbesto são nomes genéricos de mineral encontrado
naturalmente no meio ambiente, em mais de 30 variedades, sendo
que somente seis possuem valor econômico ou comercial. O
vocábulo asbestos é de origem grega: “o que não é destrutível
pelo fogo”. Amianto é denominação de origem latina
(amianthus): "incorruptível, sem mácula”. Existem dois
importantes grupos de rochas amiantíferas: as serpentinas e os
anfibólios. As variedades de amianto destes dois grupos são
distintas tanto nas aplicações como nos riscos que podem
causar à saúde humana. A principal variedade de serpentina é a
crisotila ou amianto branco, correspondendo a quase 98,5% de
todo o amianto utilizado no mundo. Os anfibólios são fibras
duras, retas e pontiagudas. Agrupam-se em cinco variedades
principais: amosita (amianto marrom), crocidolita (amianto
azul), antoGlita, tremolita e actinolíta. Do ponto de vista
econômico, os dois primeiros são os mais importantes. Muito
utilizados até os anos de 1970, atualmente estão em desuso,
por causa de seus efeitos sobre a saúde.
Foram os anfibólios que produziram a má fama do amianto.
Atualmente, o amianto marrom e o amianto azul representam
menos de 1,5% do consumo mundial, estando localizados os seus
centros produtivos na África do Sul, e seu uso é cada dia mais
insignificante.
2.2.1.1. Utilização do Amianto
O amianto é um produto que se presta a inúmeras utilizações
comerciais e industriais. Estima-se que mais da metade das
construções realizadas nos Estados Unidos entre 1950 e 1970
possuam algum tipo de asbesto em sua composição.
Literally millions ofhouses, schools, State and federal
office buildings, and commercial and industrial structures
have benefíted from its fire-resistant pro- perties11
(Literalmente milhões de casas, escolas, edifícios públicos
estaduais e federais, e estruturas comerciais e industriais
beneficiaram-se de suas propriedades de resistência ao fogo).
Em razão de suas múltiplas propriedades físico-químicas, o
amianto tem tido, ao longo da história, milhares de
aplicações. Entretanto, ultimamente, tais aplicações estão
reduzidas a cerca de uma centena. Passo a expor as principais
utilizações do amianto:
i) Cimento-amianto: mais de 80% do consumo mundial de amianto é
realizado por este segmento. Anualmente, produzem-se,
mundialmente, cerca de 30 milhões de toneladas de telhas
onduladas, placas de revestimento, pai
10 Informação técnica colhida em http://www.abra-
arnianto.org.br.
11 Ruth A. Eblen e William R. Eblen. The Encyclopedia of the
Environment. New York/Boston: Houghton Mifflin Company,
1994, p. 39.
liSSJ • Ensmo Superior Bureaj Jurfe&s
Controle de Produtos Tóxicos
néis divisórios, tubos, caixas~d’água e outros artigos
necessários para a construção civil. No Brasil, o cimento-
amianto responde por quase 90% do amianto consumido. Registre-
se que mais de 50% dos telhados no Brasil são de cimento-
amianto.
ii) Produtos de fricção: utilização na indústria
automobilística e ferroviária para a confecção de pastilhas,
lonas de freio e discos de embreagem.
iii) Indústria têxtil: é utilizado para a confecção de mantas
para isolamento térmico de caldeiras, motores, automóveis,
tubulações e equipamentos diversos, em particular para as
indústrias química e petrolífera, e também na produção de
roupas especiais (macacões, aventais e luvas) e biombos de
proteção contra fogo.
iv) Produção de filtros: serve para a produção de filtros
especiais que são utilizados nas indústrias farmacêutica e
de bebidas (cervejas e vinhos) e na fabricação de soda
cáustica, dentre outros.
(v) Indústria de papéis e papelões: laminados de papel ou
papelão utilizados como isolante térmico e elétrico de
fomos, caldeiras, estufas, tubulações de transporte marítimo
e embalagens especiais.
vi) Material de vedação: é utilizado em combinação com outros
produtos para a produção de juntas de revestimento e
vedação, guarnições diversas, além de mástiques e massas
especiais, usadas em setores como a indústria automotiva e a
de extração de petróleo.
vii) Isolantes térmicos para as indústrias aeronáutica e
aeroespacial.
vüi) Revestimentos de piso.
2.2.1.2* Amianto e a Saúde Humana
Os principais problemas relacionados com os asbestos dizem
respeito à sua presença no ar atmosférico e consequente
inalação. As suas microfibras penetram nas vias respiratórias
e podem acarretar doenças graves. De fato, as repercussões do
amianto sobre a saúde humana são a principal discussão sobre o
produto, pois ninguém desconhece a sua importância econômica.
Toda a polêmica teve início na década de 1960, quando veio a
público um estudo de casos de doenças em uma mina de amianto
anfibólio na África do Sul. O amianto vem sendo estudado há
muitos anos e, sem dúvida alguma, já existe um nível de
conhecimento científico bastante importante sobre o mesmo. O
amianto pode estar relacionado com três doenças principais: a
asbestose, o câncer do pulmão e o mesotelioma. As doenças eram
decorrentes de uma intensa exposição dos operários à poeira do
amianto, sobretudo nas minas e quando da aplicação por
jateamento (spray) de isolantes térmicos em navios, casas e
prédios.
Diante dessas circunstâncias, foram e continuam sendo
realizados importantes estudos científicos sobre o amianto,
que têm levado à utilização controlada do mineral. Algumas
conclusões científicas podem ser adiantadas:
i) O amianto é nocivo apenas aos pulmões.
Direito Ambiental
ii) A asbestose, o câncer do pulmão e o mesotelioma são males
que demoram cerca de quinze a quarenta anos para se
manifestar e só estão sob risco os trabalhadores expostos,
durante longos períodos, a altas concentrações de fibras.
Asbestose. Doença pulmonar relacionada com a prolongada
inalação de poeira contendo alta concentração de fibras de
amianto. As fibras alojam-se nos alvéolos pulmonares, e,
para se defender, o organismo deposita sobre elas uma
proteína semelhante a um cimento, que cicatriza o alvéolo,
impedindo que se encha de ar. Esse processo, repetindo-se
intensamente ao longo dos anos, pode tomar o pulmão
fibrosado e sem elasticidade, com dificuldades
respiratórias. O período médio de aparecimento da doença é
de quinze anos. Câncer do pulmão. É semelhante ao câncer
causado pelo fumo. Do início da exposição às fibras de
amianto até o aparecimento do câncer, passam-se em média 20
anos.
Mesotelioma. Forma muito rara de tumor maligno que se
desenvolve no mesotélio, a membrana que envolve o pulmão
(pleura), o abdômen e seus órgãos (peritônio). O período médio
de aparecimento da doença, desde o início da exposição, é de
trinta a quarenta anos.
2.2.2. Quadro Legal sobre a Matéria
2.2.2.1. Regulamentação do CONAMA
A primeira regulamentação da utilização de asbestos no
Brasil, em termos ambientais, foi feita pelo CONAMA que,
mediante a Resolução nfi 5, de 24 de janeiro de 1986,
constituiu uma comissão especial, com a finalidade de estudar
os problemas ambientais relacionados com a utilização de
Amianto/Asbestos.12 Posteriormente, o próprio CONAMA, através
da Resolução nfi 7, de 16 de setembro de 1987,33 fixou normas
regulamentadoras do uso do amianto.
O artigo 3a da Resolução Conama n2 7, de 16 de setembro de
1987, determina que:
O não-cumprimento do disposto nesta Resolução acarretará aos
infratores multa de 10 a 1.000 OTNs, aplicável em dobro nas
reincidências, na forma do art. 14 e alíneas, da Lei ns6.938 e
do Decreto ns 88.351, artigo 37 e alíneas, complementado pelo
Decreto ns 89.532/84.
A Resolução em tela limita-se a estabelecer alguns
mecanismos de identificação do produto, que deverão ser
observados, sob pena da aplicação de multas e sanções
administrativas. Não se estabeleceu nenhum mecanismo com a
finalidade de promover estudos visando substituir a utilização
do amianto por produtos inofensivos, ou menos agressivos. Deve
ser observado que a política de “controle” estabelecida pelo
12 Publicada no DOU de 17/2/1986.
13 Publicada no DOU de 22/10/1987.
Controle de Produtos Tóxicos
CONAMA não logrou produzir nenhum resultado significativo. Em
verdade, a produção de asbestos aumentou, apesar da crise
econômica e da recessão que há muito atingem o país, como
apontam dados do próprio IBGE:14
A produção de asbesto... apresentava tendência crescente já
no ano de 1989, quando a atividade de indústria como um todo
declinava.
22.2.2. Portaria n9 1, de 28 de maio de 1991 (Secretaria
Nacional do Trabalho)
A Convenção ns 162 da Organização Internacional do Trabalho
- OIT, que; trata da utilização do asbesto em condições de
segurança -1986, foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto ns
126, de 22 de maio de 1991. A aplicação do documento
internacional no país foi regulamentada pela Portaria n9 1, de
28 de maio de 1991, baixada pelo diretor do Departamento de
Saúde e Segurança do Trabalhador, do Ministério do Trabalho.
O mencionado diploma legal estabeleceu os limites de
tolerância para as poeiras minerais-asbesto, limites estes que
são aplicáveis a quaisquer atividades nas quais os
trabalhadores estejam expostos ao asbesto no exercício de
trabalho. A exposição ao asbesto foi definida como:
A exposição no trabalho às fibras de asbesto respiráveis ou
poeira em suspensão no ar originada pelo asbesto ou por
minerais, materiais ou produtos que contenham asbesto.
A mencionada portaria proibiu a pulverização (spray) de toda
e qualquer forma de asbesto. Foi estabelecido, igualmente, um
cadastro de todas as empresas que utilizam asbestos.
2.2.2.2.I. Providências Ambientais
Elaboração de plano prévio aos trabalhos de remoção ou
desmonte, em conjunto entre os trabalhadores e a empresa, com
vistas a:
i) proporcionar toda proteção necessária aos trabalhadores;
ii) limitar o despreendimento de poeira de asbesto no ar;
iii) prever a eliminação dos resíduos que contenham asbesto.
Avaliação ambiental da poeira de asbesto em períodos não
superiores a seis meses.
Manutenção dos registros pelo prazo mínimo de 30 anos.
Participação dos trabalhadores no processo de avaliação
ambiental.
Direito dos trabalhadores de solicitar avaliação ambiental
complementar ou impugnar o resultado daquela realizada.
14 Henry Acselrad. Uma Luta. pelo Controle dos Recursos
Naturais, Rio de Janeiro: Políticas Governamentais, ns 78,
vol. Vin, p. 24.
Direito Ambiental
Fixação de padrões de qualidade do ar (fibras respiráveis).
Responsabilidade do empregador quanto à eliminação dos
resíduos de asbesto sem prejuízo para o meio ambiente e para a
população em geral.
2.2.2.3. Lei nô 9.055, de 19 de junho de 1995
Após as normas legais mencionadas, com natureza hierárquica
inferior, o país atingiu um novo patamar legal sobre a matéria
com a edição da Lei n9 9,055, de 1B de junho de 1995, que
disciplina a extração, industrialização, utilização,
comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos
que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais,
de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim e dá outras
providências. Esta lei, em termos gerais, segue e mantém os
compromissos que a nação assumiu no âmbito internacional ao
firmar e ratificar a Convenção ns 162 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT.
Na forma do artigo l9 da Lei n2 9.055/95, ficou vedada em todo
o território nacional:
I - a extração, produção, industrialização, utilização e
comercialização da acúnolita, amosita (amianto marrom),
antofílita, crocidolita (amianto azul) e da tremolita,
variedades minerais pertencentes ao grupo dos anãbólxos, bem
como dos produtos que contenham estas substâncias minerais;
II - a pulverização (spray) de todos os tipos de fibras,
tanto de asbesto/amianto da variedade crisotila como daquelas
naturais e artificiais referidas no art. 2S desta Lei;
IU-a venda a granel de fíbras em pó, tanto de
asbesto/amianto da variedade crisotila como daquelas naturais
e artificiais referidas no art. 2a da norma que ora está sendo
analisada.
O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco),
do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras,
naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o
mesmo fim, somente podem ser extraídos, industrializados,
utilizados e comercializados em consonância com as disposições
contidas na lei. Para os efeitos da norma, são consideradas
fibras naturais e artificiais as comprovadamente nocivas à
saúde humana.
O artigo 39 manteve as normas vigentes relativas ao
asbesto/amianto da variedade crisotila e as fibras naturais e
artificiais referidas no artigo 29> contidas na legislação de
segurança, higiene e medicina do trabalho, nos acordos
internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil
e nos acordos assinados entre os sindicatos de trabalhadores e
os seus empregadores, atualizadas sempre que necessário.
Os órgãos competentes de controle de segurança, higiene e
medicina do trabalho foram incumbidos do desenvolvimento de
programas sistemáticos de fiscalização, monitoramento e
controle dos riscos de exposição ao asbesto/amianto da varie-
dade crisotila e às fibras naturais e artificiais tratadas no
art. 2e da lei. Tal atribuição pode ser exercida diretamente ou
através de convênios com instituições públicas ou privadas
credenciadas para tal fim pelo Poder Executivo.
Controle de Produtos Tóxicos
O legislador determinou às empresas que manipulem ou que
utilizem materiais contendo asbesto/amianto da variedade
crisotila ou as fibras naturais e artificiais, que enviassem,
anualmente, ao Sistema Único de Saúde e aos sindicatos
representativos dos trabalhadores, uma relação dos seus
empregados, com indicação de setor, função, cargo, data de
nascimento, de admissão e de avaliação médica periódica,
acompanhada do diagnóstico resultante. Determinou, ainda, que
todos os trabalhadores das empresas que lidam com o
asbesto/amianto da variedade crisotila e com as fibras natu-
rais e artificiais fossem registrados e acompanhados por
serviços do Sistema Único de Saúde, devidamente qualificados
para esse fim, sem prejuízo das ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde interna, de responsabilidade das
empresas.
O artigo 7S estabeleceu determinação de que em todos os
locais de trabalho onde os trabalhadores estejam expostos ao
asbesto/amianto da variedade crisotila ou das fibras naturais
ou artificiais, devem ser observados os limites de tolerância
fixados na legislação pertinente e, na sua ausência, estes
serão fixados com base nos critérios de controle de exposição
recomendados por organismos nacionais ou internacionais,
reconhecidos cientificamente. Os limites fixados devem ser
reavaliados anualmente, com vistas a que se reduza a exposição
dos trabalhadores ao nível mais baixo que seja razoavelmente
exequível.
O transporte do asbesto/amianto e das fibras naturais e
artificiais é considerado de alto risco e, no caso de
acidente, a área deve ser isolada e todo o material deve ser
reembalado dentro de normas de segurança, sob a
responsabilidade da empresa transportadora.
Todas as infrações à Lei ns 9.055/91, desde que constatadas,
devem ser encaminhadas pelos órgãos fiscalizadores, no prazo
máximo de setenta e duas horas, ao Ministério Público Federal,
através de comunicação circunstanciada, para as devidas
providências. Conclui-se, daí, ser federal a competência para
processar e julgar ações decorrentes da norma examinanda.
2.2.23.1. Decreto 2.350, de 15 de outubro de 1997
A Lei nQ 9.055, de l9 de junho de 1995, foi regulamentada
pelo Decreto ns 2.350, de 15 de outubro de 1997, nos seguintes
termos:
A extração, a industrialização, a utilização, a
comercialização e o transporte de asbesto/amianto, no
território nacional, foram limitados à variedade crisotila. A
importação de asbesto/amianto da variedade crisotila, em
qualquer de suas formas, somente pode ser realizada após
autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral -
DNPM do Ministério de Minas e Energia, e atendidas as
seguintes exigências:
I ~ cadastramento junto ao DNPM das empresas importadoras de
asbesto/amianto da variedade crisotila, em qualquer de suas
formas, condicionado à apresentação, pela empresa importadora,
de licença ambiental e registro no cadastro de usuário do
Ministério do Trabalho;
II—apresentação, até 30 de novembro de cada ano, ao DNPM, de
previsão de importação, para o ano seguinte, de
asbesto/amianto da variedade crisotila;
Direito Ambiental
III - cumprimento das condições estabelecidas pela
legislação federal, estadual e municipal de controle
ambiental, de saúde e segurança no trabalho e de saúde púbhca,
pertinentes a armazenagem, manipulação, utilização e proces-
samento do asbesto/amianto, bem como de eventuais resíduos
gerados nessa operação, inclusive quanto k sua disposição
final (artigo 2q).
O cadastramento da empresa importadora de asbesto/amianto no
órgão competente de que trata o inciso I do artigo 2e é válido
apenas por doze meses, ao término dos quais, inexistándo a
renovação, deve ser cancelado.
A comercialização dos produtos que contenham asbesto/amianto
da variedade crisotila, importados ou de produção nacional,
somente poderá ser feita se estes apresentarem marca de
conformidade do Sistema Brasileiro de Certificação. As fibras
naturais e artificiais que já estejam sendo comercializadas ou
que venham a ser fabricadas deverão ter a comprovação do nível
de agravo à saúde humana avaliada e certificada pelo
Ministério da Saúde.
O monitoramento e controle dos riscos de exposição ao
asbesto/amianto da variedade crisotila e às fibras naturais e
artificiais, nos termos do art. 4a da Lei nô 9.055, de 1995,
poderão ser executados por intermédio de instituições públicas
ou privadas, credenciadas pelo Ministério do Trabalho. O
credenciamento de instituições públicas ou privadas
especializadas no monitoramento e controle dos riscos de
exposição dos trabalhadores ao asbesto/amianto deve ser feito
conforme critérios estabelecidos pelos Ministérios do
Trabalho, de Minas e Energia e da Saúde.
Na forma do art. 13, os Ministérios do Trabalho e da Saúde
determinarão aos produtores de asbesto/amianto da variedade
crisotila, bem como das fibras naturais e artificiais
referidas no art. 2C da Lei ne 9.055, de 1995, a paralisação do
fornecimento de materiais às empresas que descumprirem
obrigação estabelecida naquela lei, dando ciência, ao mesmo
tempo, ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo
para as providências necessárias.
0 Decreto, em seu artigo 14, criou a Comissão Nacional
Permanente do Amianto - CNP A, vinculada ao Ministério do
Trabalho, de caráter consultivo, com o objetivo de propor
medidas relacionadas ao asbesto/amianto da variedade crisoti-
la, e das demais fibras naturais e artificiais, visando à
segurança do trabalhador.
São integrantes da CNPA:
1 - dois representantes do Ministério do Trabalho, um dos
quais a presidirá;
II - dois representantes do Ministério da Saúde;
III - dois representantes do Ministério da Indústria, do
Comércio e do Turismo;
IV ~ um representante do Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
V - um representante do Ministério de Minas e Energia;
VI - quatro representantes de entidades de classe
representativas de empregados e quatro de empregadores.
Controle de Produtos Tóxicos
2.2.3. Competência Concorrente e Amianto
O STF , recentemente, proferiu uma importante decisão em
matéria ambiental; refiro-me à ADI n2 2396-9, Relatora a
Senhora Ministra Ellen Gracie. A hipótese era a seguinte: o
Senhor Governador do Estado de Goiás ajuizou Ação Declaratória
de Inconstitucionalidade, sendo requerida a Assembleia
Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul, com vistas a
suscitar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da
Lei Estadual (Mato Grosso do Sul) n9 2.210, de 5 de janeiro de
2001: artigo l9 e §§ l9, 29 e 39; artigo 2«; artigo 32 e §§ l9 e
29; e parágrafo único do artigo 5S. A matéria tratava da
proibição da utilização de amianto no Estado do Mato Grosso do
Sul. Foi concedida Medida Liminar para suspender a eficácia
dos dispositivos legais acima mencionados. O Informativo 243
do STF assim resumiu a decisão: “Em seguida, o Tribunal, por
aparente ofensa ao art. 24, VI e XII, da CF - que atribui à
União, aos Estados e ao Distrito Federal competência
concorrente para legislar sobre proteção do meio ambiente,
controle de poluição, proteção e defesa da saúde - deferiu o
pedido de medida liminar para suspender diversos dispositivos
da Lei impugnada (art. I3 e§§ 1% 2S e 3S; art. 2S; art. 33 e §§
ls e 2S; e parágrafo único do art. 55), em lace da existência
de lei federal que, de forma geral, permite a comercialização
e utilização do amianto, não podendo o Estado-membro dispor em
sentido contrário. ADInMC 2.396-MS, rei. Ministra Ellen
Gracie, 26.9.2001 (ADI-2396). ”
O tema é da maior importância, pois o instrumento de busca
yahoo registra 24.800 entradas para a palavra amianto. A
própria Organização Mundial do Comércio - OMC anunciou, em 25
de julho de 2000, a autorização para que os países-membros
bloqueiem importações de amianto, sob a alegação de defesa da
saúde pública. O Brasil, como 4a produtor mundial do mineral,
protestou contra a decisão da OMC, pois a exportação do
produto gera divisas de cerca de 30 milhões de dólares.
A lei do Estado do Mato Grosso do Sul, ao banir o amianto
daquele Estado, nada mais fez do que seguir uma tendência
legislativa que vem se verificando em vários estados e
municípios. A questão que se coloca, claramente, é a da
constitucionalida- de das referidas normas legais em face do
artigo 24, VI, da CF, que determina^ ser competência
concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal
legislar sobre, dentre outras coisas, “proteção do meio
ambiente e controle da poluição”.
Fato é que se encontram em plena vigência as lei federais
que tratam da matéria. Tais leis são: (i) Lei n9 9.055, de 1 de
junho de 1966; (ü) Lei n9 9.976, de 3 de julho de 2000; (iii)
Decreto n9 126, de 22 de maio de 1991, que “Promulga a
Convenção n2 162, da Organização Internacional do Trabalho -
OIT, sobre a Utilização do Asbèsto com Segurança”; (iv)
Decreto na 2.350, de 15 de outubro 1997, que regulamenta a Lei
n9 9.055, de Ia de junho de 1995. O conjunto normativo consagra
a “utilização con- tro!adan do amianto e não o seu banimento.
A questão jurídica relevante que foi ventilada pela
concessão da liminar é a que diz respeito ao correto
entendimento do que é a competência concorrente. Há uma
tendência, quase unânime, de se considerar que a legislação
estadual sobre meio ambiente pode - para alguns, deve - ser
mais restritiva que a federal. Dentro dé tal
Direito Ambiental
compreensão, a lei do Estado do Mato Grosso deveria ser tida
por constitucional. O Tribunal, em princípio, está com
entendimento contrário.
Caso o STF prossiga na linha de raciocínio que prevaleceu
para a concessão da Medida Liminar, estará definitivamente
estabelecendo que o limite da competência concorrente é muito
claro: os estados não podem desnaturar o comando estabelecido
na norma federal. Aos estados está reservada a possibilidade
de, nos limites da lei federal, criar adaptações para as suas
peculiaridades regionais. A decisão de mérito da ação direta
de mconstitucionalidade interessa diretamente a todos aqueles
que se preocupam com a proteção jurídica do meio ambiente.
Brasüia, 2 a 6 de junho de 2008 n3 509 Data (páginas internas):
11 de junho de 2008
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas
sessões de julgamento das Tunnas e do Plenário, contém resumos
não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A
fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões,
embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente
poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
2
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
3
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
4
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa ~
5
ADI e Prerrogativa de Delegado
ADI e Aumento de Remuneração
Emenda Parlamentar e Aumento de Despesa
ADI e Regime Jurídico
ADI e Sistema de Sorteios
ADI e Responsabilidade Civil de Profissional
Horário de Expediente Forense e Princípio da Colegialidade
Desmembramento de Feito e Conexão - 1
Instauração de Processo contra Governador e Licença da
Assembleia Legislativa - 2 lft Turma
Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 4
Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos e Gratuidade - 3
Estelionato contra a Previdência e Crime Instantâneo ECA e
Convívio Familiar - 1 EGA e Convívio Familiar - 2
Pensão por Morte e Rateio entre Esposa e Companheira - 2 2a
Turma
Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação
fSEJ - Enstno Superior Suresu Jurícfica
Controle de Produtos Tóxicos
Imediata Execução de Julgado e Abuso do Direito de Recorrer
- 1
Imediata Execução de Julgado e Abuso do Direito de Recorrer
- 2 dipping do DJ Repercussão Geral Transcrições
Crime Continuado e Reunião de Feitos (HC 91895/SP)
pLENÁRIO
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
2
Por votação majoritária, o Tribunal, em questão de ordem,
negou referendo à decisão concessiva de liminar, proferida
pelo Min. Marco Aurélio, e, julgando prejudicado agravo
regimental, indeferiu a liminar pleiteada em ação direta de
inconstitnicionalidade, ajuizada pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria — CNTI, em face da Lei
12.684/2007, do Estado de São Paulo, que "proíbe o uso, no
Estado de São Paulo, de produtos, materiais ou artefatos que
contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros
minerais que} acidentalmente, tenham fibras de amianto na sua
composição” - v. Informativo 477. Prevaleceram os votos dos
Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.
ADI 3937 OO-MC/SP. rei. Min. Marco Aurélio. 4.6.2008. (ADI-
3937)
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa ~
3
O Min. Joaquim Barbosa salientou, inicialmente, os graves
danos à saúde provocados pelo amianto, citando doenças
relacionadas ao seu uso, e o que disposto na Resolução CONAMA
348/2004, no sentido de reconhecer, de acordo com critérios
adotados pela Organização Mundial da Saúde, a inexistência de
limites seguros para a exposição humana ao referido mineral.
Considerou que, à primeira vista, a lei impugnada não seria
inconstitucional por duas razões. Afirmou, no ponto, que
haveria uma norma a respaldar a postura legislativa adotada
pelo Estado-Membro, qual seja, a Convenção 162 da OIT,
promulgada por meio do Decreto 126/91. Essa Convenção seria um
compromisso, assumido pelo Brasil, de desenvolver e
implementar medidas para proteger o trabalhador exposto ao
amianto, uma norma protetiva de direitos fundamentais, em
especial o direito à saúde e o direito ao meio-ambiente
equilibrado. Tendo em conta a coincidência principiológica
entre o texto constitucional e a Convenção, afirmou que esta
deveria ser um critério para se avaliar as normas estaduais, e
conferiu às normas da Convenção, no mínimo, o status
supralegal e infraconstitucional. Ressaltou que, se a União,
no plano internacional, assumiu o compromisso de adotar
medidas no sentido de substituir a utilização do amianto
crisotila, conforme os artigos 3e e 10 da Convenção 162, esse
compromisso deveria ser utilizado também no plano interno em
face das unidades federativas.
ADI 3937 OO-MC/SP. rei. Min. Marco Aurélio. 4.6.2008. (ADI-
3937)
Direito Ambiental
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
4
Além disso, o Min. Joaquim Barbosa se convenceu da
legitimidade da lei estadual impugnada por reputar inadequado
concluir que a lei federal excluiria a aplicação de qualquer
outra norma ao caso. Esclareceu que a preexistência da
Convenção impediria que se tentasse levar a lei ordinária
federal ao status de norma geral. A Convenção é que possuiria
tintas de generalidade nessa matéria, sendo a lei federal uma
lei específica destinada, talvez, a permitir o crisotila no
âmbito das relações federais. Acrescentou que essa distinção
entre lei federal e lei específica seria inaplicável ao caso
das leis sobre amianto, porque, em matéria de defesa da saúde,
sobre a qual o Estado-Membro tem competência, não seria
razoável que a União exercesse uma opção permissiva no lugar
do Estado, retirando-lhe a liberdade de atender, dentro dos
limites razoáveis, aos interesses da sua comunidade, sob pena
de, assim fazendo, esvaziar por completo o compromisso
internacional, assumido pelo Brasil, na Convenção.
ADI 3937 OO-MC/SP. rei. Min. Marco Aurélio. 4.6.2008. (ADI-
3937)
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa -
5
Por sua vez, o Min. Eros Grau, salientando que o Tribunal
não estaria vinculado às razões que fundamentam o pedido do
requerente, e reputando imprescindível a análise da
conformidade da lei federal com a Constituição, indeferiu a
liminar por entender que a Lei 9.055/95 pareceria
inconstitucional, na medida em que desrespeitaria o preceito
disposto no art. 196 da CF (“A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”), situação
que viabilizaria o estado-membro a legislar sobre a matéria de
forma ampla (CF, art. 24, § 39). Vencidos os Ministros Marco
Aurélio, relator, Menezes Direito e Ellen Gracie, que
referendavam a decisão concessiva da liminar, por considerar
que, em princípio, na linha de precedentes da Corte, a lei
impugnada teria usurpado a competência da União para tratar da
matéria (CF, art. 22, VIII), e extrapolado a competência
concorrente prevista no inciso V do art. 24 da CF, por existir
norma federal regulando o tema. Os Ministros Cármen Lúcia e
Ricardo Lewandowski reajustaram seus votos.
ADI 3937 OO-MC/SP. rei. Min. Marco Aurélio. 4.6.2008. (ADI-
3937)
2.2.4. Conclusão
A legislação brasileira, sem desconhecer os riscos causados
pelo amianto em suspensão atmosférica, compreendendo a grande
importância econômica da utilização do amianto, optou por
permitir a sua utilização controlada no território brasileiro.
A opção do legislador nacional está plenamente amparada pelos
princípios que regem o direito ambiental e, da mesma forma,
segue a tendência internacional sobre a matéria. Merece
destaque, na legislação supraexaminada, a ampla possibilidade
de
Controle de Produtos Tóxicos
691
que os trabalhadores possam participar ativamente do controle
de seus locais de trabalho e, desta forma, da garantia de sua
qualidade de vida e saúde.
2.3, Ascarel
O fluido dielétrico conhecido pelo nome comercial de
Ascarel, dentre outros, é um organoclorado de grande teor
tóxico. As bifenilas policloradas (PCBs) podem assumir
diversas formas. Em realidade, estas são “distintos compostos
químicos, cuja composição difere somente quanto ao número e à
posição dos átomos de cloro substituídos na molécula da
bifenila”.15 Quanto às bifenilas policloradas, ainda se pode
acrescentar que são substâncias que consistem em lima molécula
bifenila, com ou sem substituintes alquila ou arila, na qual
mais de um átomo de cloro é substituído no núcleo bifenila. Os
produtos comerciais são misturas de compostos clorados em
vários graus, de acordo com o uso pretendido, também podendo
conter baixos teores de impurezas altamente tóxicas como
clorobenzotioxinas e policlorodibenzofu- ranos. Os óleos que
contêm PCBs são conhecidos sob denominações comerciais, como
Ascarel, Arocclor, Clorophen, Phenoclor, Kaneclor, Pyroclor,
Ineerten, Pyranol, Pyralene e outros. São óleos que apresentam
PCBs em sua composição química, combinados com solventes
orgânicos... Os PCBs podem se apresentar como óleo ou sólido
branco cristalino, tendendo a sedimentar-se quando em mistura
com água, em função do seu maior peso específico... Os efeitos
tóxicos dos PCBs nos seres humanos, a partir da ingestão ou
contato, passaram a ser observados através do acompanhamento
de inúmeros acidentes, o pior deles ocorrido em 1968, no
Japão, quando mais de 1.500 pessoas foram afetadas com óleo de
arroz contaminado (FEEMA).16
2.3.1. Portaria Interministerial ns 19, de 29 de janeiro de
1981
O Ascarel é utilizado, em larga escala, para a refrigeração
de sistemas elétricos. Os seus impressionantes efeitos levaram
à proibição de seu uso, pela administração federal, por ato
consistente na Portaria Interministerial n2 19, de 29 de
janeiro de 1981, que afirma:
Considerando ser urgente e indispensável evitara
contaminação do ambiente por bifenil policlorados - PCBs
(comercialmente conhecidos como Askarel, Aroclor, Clophen,
Phenoclor, Kanechlor e outros), devido aos efeitos nocivos que
esses compostos causam no homem e animais; considerando que os
mencionados compostos provocam males, como lesões
dermatológicas acentuadas, alterações no fígado e rins,
alterações morfológicas nos dentes, alterações psíquicas,
perda da libido, efeitos teratogênicos e cancerígenos;
considerando, ainda, os efeitos nefas
15 F. Moriarty. Ecowxicology, London: Academic Press, 2* ed-,
p. 12.
16 Moreira, Iara Verocai Dias. Vocabulário Básico do Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA/Petrobras, 4* ed., 1992, p.
40.
I
Direito Ambientai
tos sobre o homem e animais, de acordo com estudos realizados,
por ocasião da contaminação acidental de alimentos com PCBs em
alguns países...
Desde a publicação da referida portaria, está proibida a
instalação de qualquer equipamento que utilize o Ascarel ou
qualquer elemento congênere. Ficou, também, proibida a
produção do referido produto químico em território nacional.
Pelo mesmo ato foram proibidos o uso e a comercialização de
PCBs, em todo estado, puro ou em mistura, em qualquer
concentração ou estado físico, conforme prazos estabelecidos
na própria portaria. Foi, ainda, proibido “terminantemente” o
despejo de PCBs, direta ou indiretamente, nos cursos e
coleções de água ou em locais expostos a intempéries.
Engana-se quem pensa que a Portaria ínterministerial ne
19/81 significou a solução para o problema dos PCBs. Ao
contrário, ela própria foi uma complicadora para toda a
questão, como se verá. Em primeiro lugar, deve ser adiantado
que a Portaria n9 19/81 não proibiu a utilização dos PCBs, pois
pelo item III da mesma foi determinado que:
Os equipamentos de sistema elétrico, em operação, que usam
bifenil poli- clorados - PCBs, como fluído dielétrico, poderão
continuar cpm este dielétrico, até que seja necessário o seu
esvaziamento, após o que somente poderão ser preenchidos com
outro que não contenha PCBs.
A vida útil de um equipamento de sistema elétrico é de 20
anos ou mais; desta forma, nos termos da portaria, somente a
partir de 2001 iniciou-se um processo de substituição em massa
dos equipamentos supracitados.
Ademais, o item IV da Portaria é bastante claro ao
demonstrar o caráter puramente indicativo da mesma, senão
vejamos:
IV — as empresas usuárias de equipamentos elétricos deverão
considerar, nas especificações de novos capacitores de
potências, a aquisição de equipamentos que não utilizem PCBs.
Isto implica que a movimentação entre empresas de
equipamentos que sejam utilizadores de PCB é legal.
É de se considerar, ainda, que a portaria não estabeleceu
uma solução final para o lixo contaminado que resulta não só
do próprio Ascarel, como dos diversos equipamentos que,
gradatívamente, vão sendo postos fora de uso. O feto é que,
boje, existem toneladas e toneladas de equipamentos infectados
e que não têm qualquer solução para as suas destinações. A
própria destruição é problemática, pois a incineração só
recentemente começou a ser realizada no Brasil e, mesmo assim,
a queima dos organoclorados é um tema polêmico entre os
químicos e outros técnicos que têm se dedicado ao tema. Alega-
se que a referida queima gera dioxina,17 que é uma substân
WgBÊBÊBÊÊ
BIH38
17 Pedro Márcio Braile. Dicionário inglês/português de termos
técnicos e ciências ambientais> Rio de Janeiro: Serviço
Social de Indústria, 1992, p. 119: São chamadas de
ultravenenos, pela sua alta toxidez. As dibenzo- para-
dioxinas polidoradas (PCDD) e os íuranos são duas séries de
compostos com ligações tríclclicas aro~
Controle de Produtos Tóxicos
cia altamente nociva à saúde, além de contribuir para a
depleção da camada de ozônio a0 liberar cloro para atmosfera.
Um grave acidente envolvendo o óleo Ascarel aconteceu no rio
Paraíba do Sul,18 no mês de agosto de 1988. O fato ocorreu nas
instalações de grande indústria siderúrgica sediada em Barra
do Piraí, Estado do Rio de Janeiro. Um derramamento de óleo no
rio» após a ocorrência de vim incêndio, paralisou o abasteci-
mento de água de uma população de cinco milhões de pessoas
durante três dias. Foram despejados 300 litros do óleo e,
embora diversas ações judiciais tenham sido propostas tão logo
o acidente se verificou, inclusive uma do Ministério Público
Federal, não se chegou a qualquer resultado concreto. Foi
ainda determinada a abertura de um inquérito policial pela
Polícia Federal que, igualmente, não chegou a lugar nenhum.
Igualmente, o Ministério Público Federal ajuizou diversas
ações, tendo por finalidade fosse determinada judicialmente a
destruição do Ascarel estocado por diversas empresas na cidade
do Rio de Janeiro. As referidas ações já se prolongam por
Vários anos e não lograram obter qualquer resultado efetivo.
2.3.2. Resolução Conama n9 6, de 15 de junho de 1988
O Conama, através da Resolução Conama n9 6, de 15 de junho
de 1988, de forma explícita, reconheceu as precárias condições
e a total falta de informação quanto à estocagem e à
armazenagem dos PCBs. Tais circunstâncias fizeram com que, no
processo de licenciamento, fossem determinadas medidas
especiais a serem tomadas naquilo que diz respeito às
bifenilas poHcloradas.
A referida resolução determinou prazo para que as indústrias
geradoras de resíduos, nos quais a presença dos PCBs fosse
notada, apresentassem ao órgão de controle ambiental as
informações sobre geração, características e destino final de
seus resíduos. O referido conjunto de informações deve ser
prestado ao órgão ambiental estadual e, supletivamente, ao
órgão federal. A resolução estabeleceu um critério definidor
das empresas que, na forma do artigo 2e, deveriam apresentar o
referido relatório. A relação é constituída por:
a) indústrias siderúrgicas com mais de 100 funcionários;
b) indústrias químicas com mais de 50 funcionários;
c) indústrias de qualquer tipo (grupo 00 a 30) com mais de
500 funcionários;
d) indústrias que possuem sistema de tratamento de águas
residuais do processo industrial;
e) indústrias que gerem resíduos perigosos definidos como tais
pelos órgãos ambientais competentes.
matizadas, involuntariamente sintetizadas de forma plana com
características físicas, biológicas, químicas e tóxicas
semelhantes. Os átomos de cloro se ligam nestes compostos
criando possibilidades de um grande número deisômeros: 75 para
a dioxina e 135 para osfdranos. A dioxina tem um DL/50 de
0,001 Mg/kg.
18 Rio responsável pelo abastecimento de água da cidade do Rio
de Janeiro e da Baixada Fluminense.
Direito Ambiental
Foi feita uma determinação especial para as empresas
concessionárias de energia elétrica, pois tais empresas, em
razão de sua peculiar atividade, são grandes utilizadoras de
aparelhos que são refrigerados por óleos em cuja composição os
PCBs são muito importantes.19 O mencionado destaque,
entretanto, limitou-se a exigir, no prazo de 60 dias da
publicação da resolução, que as concessionárias de energia
elétrica apresentassem relatório, contendo inventário de seus
estoques, ao órgão de controle ambiental.
Foi estabelecida a aplicação de uma multa cujo valor era de
10 a 1.000 OTNs, caso as determinações da resolução não fossem
observadas. O órgão aplicador da penalidade é o órgão estadual
de controle ambiental. Ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA está destinada
a atuação supletiva.
Em caso de terceirização da gestão dos resíduos, o agente
terceirizado deverá obter um licenciamento específico.
Os anexos da Resolução Conama nô 6/88 trazem uma enorme
quantidade de dados técnicos que devem ser informados quando
da feitura do mencionado inventário.
É importante observar que a resolução do Conama que se vem
de mencionar é basicamente voltada para o objetivo de conhecer
os estoques de PCBs e outros produtos tóxicos, e determinar
algumas medidas para o seu armazenamento que, na maioria das
vezes, ocorre in situ20 e, o que é pior, em condições bastante
precárias.
2.4. Mercúrio
O mercúrio é, dentre os metais pesados,21 aquele que se
tomou mais conhecido pelos resultados trágicos causados pela
sua disseminação irresponsável e aleatória pelo ambiente. O
episódio envolvendo poluição causada por mercúrio que obteve a
maior repercussão internacional ocorreu no Japão, durante as
décadas de 50 e 60, e ficou conhecido como a doença de
Minamata.22 Os casos reconhecidos e notórios de poluição por
mercúrio (símbolo químico Hg) são pelo menos 33 e espalham-se
por todo o mundo.
No Brasil, os principais focos de poluição por mercúrio
situam-se nas regiões de garimpo, sobretudo na Amazônia, em
regiões de alta concentração industrial, sendo um bom exemplo
o Polo Petroquímico de Camaçari, situado no Estado da Bahia.
Vários foram os casos englobados na chamada doença de
Minamata. Passemos a examinar alguns deles:23
19 São os transformadores e capacitores que utilizam os PCBs
como líquidos refrigerantes. As novas gerações de tal tipo
de aparelho elétrico utilizam diversas modalidades de óleos
minerais.
20O Globo, 2/5/1991, Procurador processa INPI por guardar
produto tóxico.
21Moreira, Iara Verocaí Dias. Ob. cit., p. 136: Metais que
podem ser precipitados por gás suiÔdrico em solução ácida:
por exemplo: chumbo, prata, ouro, mercúrio, bismuto, zinco e
cobre (ABNT — 1973). São metais recalcitrantes, como o cobre
e o mercúrio - naturalmente não biodegradáveis que fazem
pane da composição de muitos pesticidas e se acumulam
progressivamente na cadeia tróGca (Carvalho — 1981).
22 A doença de Minamata foi causada, ainda, por outros metais
pesados como o cádmio.
23Roberto Santos Vieira. Direito Ambiental Brasileiro, Manaus,
inédito, 1990, pp. 37-39.
Controle de Produtos Tóxicos
O primeiro destes casos (Nigata Minamata) fundamentou-se no
envenenamento de algumas pessoas por metil mercúrio orgânico
registrado inicialmente a partir de 1964 nas águas.ao longo do
rio Aganogama, no Distrito de Nigata. Setenta e sete pacientes
ingressaram em juízo demonstrando este fato e exigindo da
empresa Showa Denko Ltd., - e sua fábrica em Knose -
indenização por danps no valor aproximado de 530 milhões de
ienes. A -fábrica está localizada a montante do rio Aganogama,
que abastece o distrito. A sentença foi prolatada em setembro
de 1971 e reconheceu a culpa da empresa pelo dano, que segundo
o tribunal, resultara da negligência da companhia. A Corte
definiu que a acusada havia causado prejuízo à saúde de
pessoas como resultado do contínuo lançamento de águas
residuais que praticava, sem prévio tratamento, e que este
fato era capaz de caracterizar a imprudência da empresa. A
companhia, foi, além disso, acusada de ter cometido erros
grosseiros, porque havia se descurado de investigar se suas
águas residuais continham substâncias perigosas, muito embora
tivesse conhecimento de que uma outra íabnca de produtos
químicos, de Chisso, que produzia componentes químicos
similares, estava sob suspeita de que as águas utilizadas para
processamento teriam sido causadoras de doenças em Kumanoto
Minamata. O tribunal condenou a empresa a pagar a indenização
sohcitada.
O segundo caso, conhecido como a doença de Itaí-itaí
originou-se de iima enfermidade que ocorria com grande
freqüência, dentre os residentes, ao longo do rio Kintsu no
Distrito de Toyama. Dor intolerável e fraqueza nos ossos foram
registradas como sintomas, mais comuns da estranha patologia -
a dor extrema fazia com que os pacientes gritassem “itaí-
itaí”'(o equivalente do “ai” em língua portuguesa, como reação
de sofrimento). Trinta e uma vítimas ajuizaram petição
requerendo indenizações da empresa Mitsui Kinzoku Ltd., tida
como responsável pelas enfermidades, no montante aproximado de
62 milhões de ienes. A empresa mantinha, uma companhia de
mineração a montante do rio Kintsu, chamada de Minas de
Kamioka. A essa ação a Corte emitiu decisão final, em junho de
1971, reconhecendo a existência da relação causal entre a
doença e o mineral cádmio (Cd) que era emitido pela mencionada
fábrica. O tribunal determinou que a acusada honrasse a
indenização pelo dano; insatisfeita, a empresa ingressou com
recurso para uma Corte superior. Em{prosseguimento, os
demandantes promoveram o aumento para 151,3 milhões de ienes.
O recurso foi indeferido e a companhia teve que pagar o novo
valor.
O último caso, talvez o mais referido de todos, cuida do que
se conheceu, a partir-de então, como doença de Kumamóto
Minamata. Nas áreas circunvizinhas à baía de Minamata, no
Distrito de Kumamoto, foram registrados casos de
envenenamentos freqüentes, identificados como resultado da
contaminação por mercúrio orgânico, substância que provocava,
nos pacientes, distúrbios da fala e da visão, dentre outros
efeitos. Os fenômenos tiveram início por volta de 1953, e 138
pessoas apresentaram ação contra a companhia Chisso e sua
fábrica de Minamata, reclamando o total de aproximadamente
1.470 milhões de ienes, como compensação pelos danos. O
tribunal reconheceu a alegação dos autores de que havia, de
fato, correlação entre a ocorrência das doenças e a substância
Direito Ambiental
metil mercúrio emitida pela fábrica da Cbisso, bem como
negligência da empresa e concluiu pela condenação dos
acusados. A sentença reconheceu, ainda, que a doença era
provocada pela ingestão de alimentos marinhos pescados na baía
de Minamata e nas suas proximidades, os quais estavam
contaminados com compostos de mercúrio. Esses alimentos, que
vinham sendo consumidos ao longo de muitos anos, depositaram
grandes quantidades de mercúrio no organismo das pessoas,
gerando a doença então diagnosticada como Encefalopatia
Tóxica. Em acréscimo, o tribunal também concluiu que a empresa
havia negligenciado, quanto ao seu importante dever de
prevenir o perigo que suas operações representavam à vida e à
saúde das pessoas, particularmente da comunidade local havendo
cometido imprudência adicional quando, muito embora já tivesse
sido determinado que a água residual que Uberava na baía era
perigosa, ou pelo menos sobre ela já se havia estabelecido
dúvida quanto à ameaça, que tais dejetos poderiam representar,
ainda assim deixara de adotar as medidas possíveis ao seu
dispor, tal como a imediata suspensão das operações da
fábrica...
O governo japonês, contudo, tem resistido a reconhecer a
totalidade das vítimas da doença de Minamata e, existem ainda,
aproximadamente 2.000 ações judiciais em curso com a
finalidade de obtenção de indenização pelos danos causados
pelo mercúrio. Até o ano de 1992, a administração japonesa
reconheceu que 2.900 pessoas eram portadoras da doença de
Minamata.
A limpeza da baía de Minamata já consumiu bilhões de ienes
e, se for feito um cálculo entre as diversas indenizações
pagas, não será difícil alcançar~se a cifra de 140 bilhões de
ienes.24
2.4.1. O Controle dos Metais Pesados no Brasil
O garimpo é uma das atividades que responde pela maior
parcela da contaminação por mercúrio dos rios brasileiros.25
Apesar disso, o mercúrio é proibido nessa atividade desde
1989, conforme determinação do Decreto ne 97.507, de 13 de
fevereiro de 1989, que dispõe sobre licenciamento de atividade
mineral, o uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de
extração de ouro, e dá outras providências.
24 National Alliance of Vicüms of Minamata disease and Lãwyers
(NAMD), Stop Minamata Disease, Tokyo, 1992.
25 TRF1» REGIÃO. REO - REMESSA EX-OFFICIO -
199901000923997/AM. TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR. DJU:
27/5/2004, p. 55. Relator JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES
(CONV.). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GARIMPAGEM COM A UTILIZAÇÃO DE
MERCÚRIO. INADMISSIBILIDADE. 1. Legitimidade passiva do
Estado do Amazonas, uma vez que a preservação do meio
ambiente constitui competência comum da União e dos Estados
(Carta Magna, art. 23, VI e VTI). 2. A garimpagem, cora a
utilização de mercúrio, constitui atividade que implica a
degradação do meio ambiente e risco para a saúde das
populações ribeirinhas, indígenas ou não, bem como para os
próprios garimpeiros, uma vez que o metal em questão é
absorvido pelos peixes, que é tuna das principais fontes de
alimento na região amazônica (Carta Magna, art. 225, caput;
e § 4a). 3. Inadmissibilidade da exploração de riquezas
minerais em reserva indígena sem autorização do Congresso
Nacional (Carta Magna, art. 231, §§ 2a e 3a). 4. Remessa a
que se nega provimento.
ÇWJ - tnssno Sapmor jurfêfe?
Controle de Produtos Tóxicos
Assim é que o artigo 2S do mencionado decreto determina:
Art. 2e É vedado o uso de mercúrio na atividade de extração
de ouro, exceto em atividade licenciada pelo órgão ambiental
competente.
É curiosa a redação do artigo, pois fica proibida a
utilização de mercúrio no garimpo não licenciado, e autorizada
nos garimpos que tenham sido regularmente licenciados. Parece-
me impossível que qualquer proibição de uma atividade que
esteja sendo realizada clandestinamente possa ter resultado
prático. Por outro lado, permitir a atividade licenciada é, na
prática, criar uma autorização expressa para a utilização do
mercúrio. É, portanto, inexistente a aludida “proibição”.
As consequências da utilização do mercúrio no garimpo são
bastante conhecidas por todos. De fato, o mercúrio tem causado
danos extraordinários às populações ribeirinhas e,
especialmente, aos povos que habitam a Floresta Amazônica,26
onde o garimpo e o mercúrio espalham-se como ervas daninhas.
Um estudo piloto foi realizado, em novembro de 1987, por uma
equipe de médicos do Departamento de Epidemiologia da Escola
Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ),
em duas áreas garimpeiras do Pará: Cachoeiro e Cumaru, esta
última na reserva Gorotire dos índios Kayapó. O estudo visava
medira intoxicação mercurialproveniente de "mercúrio inor-
gânico em estado líquido agregado na fase de concentração e
amalgamação” do ouro. A conclusão a que chegaram os
pesquisadores é que a intoxicação mercu- rial incide usobre os
garimpeiros, assim como os outros grupos sociais envolvidos:
índios, comprador de ouro”, Tc: (Rosa C. de S. Coúto, Volney
M. Câmara, . Paulo C. Barboza 1988p. 314) F
A proibição em tela é, evidentemente, letra morta.
2.4.2. limite Legal de Concentração de Mercúrio na Água
A matéria está tratada na Resolução CONAMA n2 357, de 17 de
março de 2005.
26 TRF1* REGIÃO. AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO - 200001000894664/ PA. QUINTA TURMA. DJU:
26/9/2003, p. 204 Relator DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE
DEUS. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGENTES DE
SAÚDE CONTAMINADOS POR PRODUTOS TÓXICOS NO EXERCÍCIO DE SUAS
FUNÇÕES. CUSTEIO DO TRATAMENTO MÉDICO PELA FUNASA. TUTELA
ANTECIPADA. CABIMENTO. 1. Incensurável a decisão que deferiu
a antecipação dos efeitos da tutela, ao determinar à FUNASA
que assumisse o custeio do tratamento médico de seus
funcionários, acometidos de intoxicação por agentes químicos
(DDT e mercúrio), no exercício de suas atividades
profissionais, tendo em vista a verossimilhança da alegação
e por estar comprovada a possibilidade da ocorrência de dano
irreparável ou de difícil reparação ao direito dos Autores.
2. Precedentes desta Corte. 3. Agravo de instrumento
improvido. 4. Agravo regimental prejudicado.
27 Ribeiro, Berta G. Amazônia — Urgente — Cinco Séculos de
História e Ecologia, Belo Horizonte: Itatiaia,
Direito Ambiental
A referida resolução estabelece novos critérios para a
classificação das águas doces, salobras e salinas no
território nacional.
2.5. Benzeno
A fabricação de produtos que contenham benzeno em território
nacional está proibida desde 28 de abril de 1982, conforme
determinação contida na Portaria Interministerial ns 3, de 28
de abril de 1982. Admite-se, contudo, a presença de 1% da
referida substância, como agente contaminante.
2.6. Cloro
2.6.1. Importância do Cloro
O cloro é dos diferentes produtos químicos que mereceu
regulamentação legal de sua produção e utilização. É
precisamente esta a função desempenhada pela Lei ns 9.976, de
3 de julho de 2000, que dispõe sobre a produção de cloro e dá
outras providências. Tal Lei enquadra-se em um amplo movimento
internacional que tem como um de seus objetivos um controle
mais eficiente dos diversos produtos químicos que, atualmente,
encontram-se em utilização. O cloro (Cl) certamente é um dos
produtos químicos mais importantes e que, em tal condição, é
responsável por importantes impactos ambientais e sobre a
saúde humana. É importante a observação de McGinn,28 no sentido
de que dos 1.000 contaminadores ambientais conhecidos, cerca
da metade contém cloro, que tende a proporcionar estabilidade
à molécula e tomá-la mais propensa a bioacumular. A
importância do cloro para a indústria química é extraordinária
e, mais do que isto, o seu valor para a vida de cada um de nós
é de uma relevância tal que dificilmente se poderia imaginar a
vida moderna dissociada do cloro e de todas as suas
consequências, sejam as positivas, sejam as negativas. Parece-
me ser de transcendental importância para a atualidade a
existência do cloro e dos produtos dele derivados; veja-se,
por exemplo, a saúde pública, que é impensável - nos dias
atuais sem o auxílio decisivo do cloro29 como elemento uti-
lizado para a purificação da água.
A utilização do cloro para o tratamento de água teve início
no começo do século XX, nos Estados Unidos. A experiência
pioneira realizada naquele país rapidamente começou a se
expandir pelos mais diferentes recantos do mundo. Os
resultados alcançados pela utilização do cloro para a
purificação de água podem ser classificados como
espetaculares, pois o número de casos de febre tifóide por
veiculação hídri
28 Anne Platt McGinn. “Eliminando gradualmente os poluentes
orgânicos persistentes”, in Brown. Lester R.; Flavin,
Christopher e French, Hilary F. Estãdo do Mundo 2000.
Salvador: UMA, 2000, p. 84.
29 A revista Época de 25 de dezembro de 2000 registra o caso
da poluição por Arsênio em Bangla Desh, resultante da
utilização de poços artesianos como forma de solucionar o
problema causado pelo consumo de água sem o adequado
tratamento.
Controle de Produtos Tóxicos
ca decaiu de 25.000 em 1900 para apenas 20 em 1960.30 No
Brasil, desde 1925 — em São Paulo - é obrigatória a utilização
do cloro como elemento purificador da água utilizada para o
abastecimento público. Em outros setores da medicina,
igualmente, o cloro é um produto da maior importância:
Dos mais de 400 novos compostos aprovados para o uso
terapêutico em pessoas, desde 1984, mais de 60 são compostos
clorados e muitos outros usam cloro como intermediário em sua
fabricação. Mais de 2 mil compostos orgânicos clorados ocorrem
também na natureza. Estes compostos são produzidos como parte
do ciclo de vida de plantas, organismos marinhos, insetos,
bactérias e fungos, assim como nas atividades atmosférica e
geológica.31
2.6.2. A Regulamentação Legal da Produção de Cloro no
Brasil
A Lei ns 9.976, de 3 de julho de 2000, tem como objetivo
precípuo o estabelecimento de normas para a produção de cloro
pelo processo de eletrólise em todo o território nacional. Em
primeiro lugar, há que considerar que a lei em comento não
estabeleceu uma proibição das tecnologias de produção de cloro
pelo processo de ele- trólise utilizadas no país até a dato de
sua edição. Como se verá, a norma legal estabeleceu uma
proibição ex nimc e criou critérios rígidos de controle para
as empresas já instaladas no território nacional. A medida
legal adotada pelo legislador é razoável e de bom-senso, pois
não desativa o parque industrial do setor e exige padrões
tecnológicos, ambientais e de segurança do trabalho mais
rígidos para as empresas que venham a se instalar em
território nacional. Há, portanto, uma transição tecnológica
contemplada na lei. As indústrias que estavam operando na data
da edição da lei e que utilizavam o processo de eletrólise
para a produção de cloro podem continuar a fazê-lo, desde que
observem o seguinte:
i) cumprimento da legislação de segurança, saúde no trabalho e
meio ambiente vigente;32
ii) análise de riscos com base em regulamentos e normas
legais vigentes;
iii) plano intemo de proteção à comunidade interna e externa
em situações de emergência;
iv) plano de proteção ambiental que inclua o registro das
emissões.
2.6.2.1. Controle da Presença de Mercúrio no Processo
Produtivo
Especial ênfase foi dada ao controle do mercúrio, tendo sido
estabelecidas as seguintes obrigações para as indústrias:
30 Informação em http://www.ciorosur.org.br.
31 Idem.
32 Exigência completamente destituída de sentido, pois, em
tese, somente podem operar as indústrias que estejam
cumprindo as leis brasileiras.
Direito Ambiental
a) sistema de reciclagem e/ou tratamento de todos os
efluentes, emissões e resíduos mercuriais;
b) paredes, pisos e demais instalações construídas de forma a
minimizar perdas de mercúrio;
c) operações de manuseio, recuperação, manutenção e
armazenagem de mercúrio que evitem a contaminação dos locais
de trabalho e do meio ambiente;
d) avaliações ambientais conforme normas específicas para
este agente.
Ainda quanto à presença do mercúrio, faz-se necessária a
existência de um programa de prevenção da exposição ao
mercúrio que inclua:
a) avaliação de risco para a saúde do trabalhador;
b) adoção de medidas de controle de engenharia, operações
administrativas e equipamentos de proteção individual -
EPIs;
c) monitoramento da exposição e gerenciamento do risco;
d) ação de vigilância à saúde dos trabalhadores próprios e
de terceiros;
e) procedimentos operacionais, de manutenção e de atividades
de apoio*
2.Ó.2.2. Controle da Presença de Amianto
Da mesma forma que para o mercúrio, a lei estabeleceu
critérios bastante estritos para o controle do amianto no
processo produtivo. Assim, é necessário que a empresa tenha um
sistema gerencial de controle de amianto que obrigatoriamente
contemple o seguinte:
a) utilização de amianto somente do tipo crisotila;
b) ambiente fechado com filtração de ar para o manuseio do
amianto seco;
c) locais controlados nas operações de preparação e remoção de
diafragmas de amianto;
d) segregação de resíduos do amianto, tratamentos e
destinações adequadas, com registro interno de todas as
etapas;
e) vestiários adequados para o acesso às áreas do amianto por
pessoas designadas;
f) vigilância da saúde na prevenção de exposição ocupacional
ao amianto com procedimentos bem definidos de toda ação de
controle; e
g) disponibilidade de equipamento de proteção individual e
uniformes específicos para operações nessa área.
2.6.2.3. Aspectos de Segurança e Saúde do Trabalhador
Sempre que os dados originários do sistema de monitoramento
ambiental indiquem a ultrapassagem dos padrões legalmente
obrigatórios, deverá ser providenciado o afastamento
temporário, do trabalhador, do local de risco, até que medidas
de controle sejam adotadas e o indicador biológico
normalizado. É indiscutível que tal
Controle de Produtos Tóxicos
afastamento deverá ser suportado financeiramente pela
indústria, não podendo haver, em decorrência dele, qualquer
redução salarial do empregado.
Em função do elevado potencial de danos ao meio ambiente e à
saúde humana, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
- CIPAs têm o dever legal de estabelecer mecanismos aptos a
propiciar a adequada discussão dos riscos para a saúde e para
o meio ambiente em decorrência do uso do mercúrio e do
amianto.
2.6.2A. Monitoramento
As indústrias são obrigadas a possuir planos de
automonitoramento, isto é, elas próprias são obrigadas a
manter registros e documentos capazes de informar os padrões
de efluentes e de emissões de suas instalações, de forma clara
e insofismável, sempre que solicitados pelo órgão ambiental.
Nos mencionados planos deverá estar especificado, no mínimo, o
seguinte:
a. forma e metodologia do monitoramento;
b. estratégia de amostragem;
c. registro e disponibilização dos resultados médios de
monitoramento.
2.6.3. Ampliação e Modificação de Indústrias já Instaladas
A lei proibiu a instalação de novas indústrias de produção
de cloro à base da eletrólise, mas não proibiu a chamada
“modificação substancial” naquelas atualmente existentes que
utilizam processos a mercúrio ou diafragma de amianto;
condicionou- as, entretanto, ao registro, prévio, mediante
comunicação formal aos órgãos públicos competentes, sem
prejuízo das exigências legais pertinentes. A própria lei
definiu as modificações substanciais como aquelas alterações
de processo, instalações, equipamentos e área envolvida
diretamente no processo de eletrólise que:
i) aumentem a capacidade nominal de produção da fábrica;
ii) modifiquem a área utilizada;
iií) alterem o tipo de célula;
iv) aumentem o número de células existentes;
v) possam resultar em impactos ambientais em função de:
a) mudança de matérias-primas e insumos;
b) aumento de geração de poluentes nas águas, ar e resíduos
sólidos;
c) alterações nas formas e quantidades de energias utilizadas;
e
d) aumento no consumo de água;
vi) possam resultar em alterações nos riscos à saúde e
segurança dos trabalhadores e das instalações.
Penso que, da forma que a lei tratou a matéria, não se pode
deixar de considerar que as chamadas modificações
substanciais, sub-repticiamente, são um prolonga-
Direito Ambiental
mento ‘branco” do processo já proibido por lei. Tendo em vista
que a lei expressamente refere-se a modificações cujos
impactos ambientais são negativos, pois admite o aumento de
geração de efluentes nas águas, ar e ampliação dos resíduos
sólidos; bem como contempla alteração nas quantidades e formas
de energia e, principalmente, admite a possível existência de
riscos à saúde e segurança dos trabalhadores e das
instalações, o que indiretamente pressupõe riscos para os
vizinhos da instalação, é evidente que a mera comunicação ao
órgão ambiental não é suficiente para dar tintas de legalidade
ao procedimento. O § U do artigo 4a não pode ser interpretado
como uma cláusula permissiva para a elisão de obrigações
ambientais. A sua interpretação deve ser feita em harmonia com
o conjunto das normas de proteção ambiental previstas na CF,
na legislação ordinária e na própria lei que o contempla. Em
assim sendo, a comunicação formal de que trata a lei somente
pode ser entendida como o requerimento formal de novo
licenciamento ambiental, submetido a todas as regras a ele
pertinentes. Em princípio, inclusive, não deve ser descartada
a exigência de novo estudo de impacto ambiental, pois a
própria lei menciona alterações ambientais adversas que, se
autorizadas, necessitam da realização, prévia, de estudo de
impacto. Outra não pode ser a conclusão, pois a atividade
impactante está submetida ao poder de polícia ambiental e, em
tais condições, somente pode ser exercida após licenciada. O
empreendedor não goza do direito potestativo de meramente
comunicar - ainda que formalmente - ao órgão ambiental as
modificações que pretende implantar em seu estabelecimento.
Pelo § 29 do artigo 42, ficam vedadas ampliações desses
processos que configurem construções de novas salas de células
ou circuitos completos adicionais aos já existentes. A vedação
da ampliação é coerente com a proibição da implantação de
novas indústrias, pois muitas ampliações são verdadeiramente
novas instalações industriais.
É importante notar que, sempre que se falar em novas
tecnologias, estas somente poderão ser implantadas se
precedidas de análise de risco, conforme preceitua o artigo 5S
da lei.
2.6.4. Penalidades
A não-observância das normas e determinações contempladas na
lei que ora se examina sujeitam os infratores às seguintes
penalidades:
i) advertência;
ii) multa;
iii) suspensão temporária da atividade industrial; e
iv) suspensão definitiva da atividade industrial.
De observar, no entanto, que as penalidades previstas na Lei
n 9.605 são aplicáveis às hipóteses de violação da norma
ô

específica sobre a produção de cloro.


Controle de Produtos Tóxicos
2.7. Pilhas e Baterias
2.7.1. Aspectos Gerais
Um dos mais graves problemas gerados pelos resíduos sólidos;
é aquele causado pela disposição final de pilhas e baterias.
Esta situação se deve ao fato de que grande parte desses
produtos possui em sua composição química diferentes espécies
de metais pesados. A questão é extremamente grave» pois, como
não se desconhece, o consumo de tais mercadorias é crescente e
não parece estar próximo de se deter, ao contrário,
constantemente aparecem novos equipamentos e aparelhos que
demandam fontes autônomas de energia, cada vez mais poderosas.
A matéria cuja importância é óbvia por si própria,
evidentemente, necessita de um urgente tratamento legal.
O CONAMA, reconhecendo a extensão do problema, buscou
estabelecer uma disciplina para a matéria, e o fez através da
edição da Resolução CONAMA 257, de 30 de junho de 1999. O ato
normativo baixado pelo CONAMA, entretanto, do ponto de vista
jurídico, é grandemente controverso e, em tais circunstâncias,
de legalidade e constitucionahdade bastante duvidosas. Em
primeiro lugar, merece registro o fato de que a referida
Resolução do CONAMA não encontra fundamento imediato em nenhum
diploma legal elaborado pelo Poder Legislativo. Igualmente,
não consigo vislumbrar nas competências estabelecidas pelo
artigo 82 da Lei na 6.938/8133 qualquer autorização para que o
CONAMA possa dispor sobre direitos e obrigações comerciais de
produtores e comerciantes de pilhas e baterias; nem mesmo o
Regimento Interno do CONAMA, que foi baixado por uma simples
portaria, chega a cogitar da competência à qual ora estou me
referindo.34 É curial que, nos termos da Constitui
33 Lei na 6.938/81, Art. 8a Incluir-se-ão entre as competências
do CONAMA: I — estabelecer, mediante proposta do IBAMA,
normas e critérios para licenciamento de atividades efetiva
ou potencialmente poluido- ras, a ser concedido pelos
Estados e supervisionado pelo IBAMA; II - determinar, quando
julgar necessário, a realização de estudos das alternativas
e das possíveis conseqüências ambientais de projetos
públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais,
estaduais e municipais, bem como a entidades privadas, as
informações indispensáveis para apreciação dos estudos de
impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de
obras ou atividades de signiÔcativa degradação ambiental,
especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional; UI
— decidir, como última instância administrativa em grau de
recurso, mediante depósito prévio sobre as multas e outras
penalidades impostas pela IBAMA; IV - homologar acordos
visando à transformação de penalidades pecuniárias na
obrigação de executar medidas de interesse para a proteção
ambiental (vetado); V ~ determinar, mediante representação
do IBAMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais
concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou
condicional, e a perda ou suspensão de participação em
linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito; VI ~ estabelecer, privativamente, normas e padrões
nacionais de controle da poluição por veículos automotores,
aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios
competentes; VU — estabelecer normas, critérios e padrões
relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio
ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais,
principalmente os hídricos. Parágrafo único. O Ministro do
Meio Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente
do CONAMA.
34 Regimento Interno (Portaria ne 326, de 15 de dezembro de
1994). Art. 1» O Conselho Nacional de Meio Ambiente -
CONAMA, órgão colegiado do Ministério do Meio Ambiente e da
Amazônia Legal - MMA, nos termos previstos na Lei n9 8.746,
de 9 de dezembro de 1993, e no Decreto ne 1.205, de 1 de
agosto de 1994, instituído pela Lei na 6.938, de 31 de
agosto de 1981, alterada pela Lei na 7.8Ó4, de 18 de julho
1989, regulamentada pelo Decreto ne 99.274, de 6 de junho de
1990, alterado pelo Decreto na 99.355, de 29 de junho de
1990, integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente — SISNAMA,
na qualidade de Órgão Consul-
Direito Ambiental
ção vigente em nosso País, inexiste, em nosso direito
positivo, a figura jurídica do regulamento autônomo.35 Há que
se considerar, contudo, que a resolução ora sob comento deve
ser atendida pelas partes envolvidas até que uma declaração de
ilegalidade ou inconstitucionalidade - conforme seja o caso -
venha a ser proferida pelo Poder Judiciário. Assim é, pois as
normas jurídicas, em princípio, gozam de presunção de
constitucionalidade.
Uma vez estabelecida a premissa anterior, cumpre seja
examinado o conteúdo da resolução, em seus pormenores.
2.7.2. Definição de Pilhas e Baterias
O artigo inaugural da Resolução n9 257/99 estabelece que: As
pilhas e baterias que contenham em suas composições chumbo,
cádmio, mercúrio e seus compostos, necessárias ao
íuncionamento de quaisquer tipos de aparelhos, veículos ou
sistemas, móveis ou fixos, bem como os produtos
eletroeletrônicos que as contenham integradas em sua estrutura
de forma não substituível, após seu esgotamento energético,
serão entregues pelos usuários aos estabelecimentos que as
comercializam ou à rede
tivo e Deliberativo, e tem por Qualidade: I - assessorar,
estudar <2 propor a instâncias superiores do Governo,
diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e
recursos ambientais; II - deliberar, no âmbito de sua
competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio
ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida. Art. 2° Para a consecução de suas
finalidades o CONAMA deverá: I - estabelecer, mediante
proposta do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal,
normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva
ou potencialmente poluidoras a ser concedido pelos Estados e
pelo Distrito Federal; II— determinar, quando julgar
necessário, a realização de estudos das alternativas e das
possíveis conseqüências ambientais de projetos púbUcos ou
privados, requisitando aos órgãos federais estaduais e
municipais, bem assim a entidades privadas, as informações
indispensáveis à apreciação dos estudos de impacto ambiental,
especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional; III
— decidir, como última instância administrativa em grau de
recurso, mediante depósito prévio, sobre as muitas e outras
penalidades impostas pelo IBAMA; IV - homologar acordos
visando à transformação de penalidades pecuniárias na
obrigação de executar medidas de interesse para a proteção
ambiental (vetado); V - determinar, mediante representação do
IBAMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos
pelo poder público em caráter geral ou condicional, e a perda
ou suspensão de participação em linhas de financiamento em
estabelecimentos oficiais de créditos; VI - estabelecer,
privativamente, normas e padrões nacionais de controle da
poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações,
mediante audiência dos Ministérios competentes; VII. -
estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle
e á manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso
racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
§ 2» Cabe também ao CONAMA: I - estabelecer normas relativas
às Unidades de Conservação e às atividades que possam ser
desenvolvidas em suas áreas circundantes; II - estabelecer os
critérios para a declaração de áreas críticas, saturadas ou em
vias de saturação; IU - criar e extinguir Câmaras Técnicas.
§2> As normas e critérios para o licenciamento de atividades
potencial ou efetivamente poluidoras deverão estabelecer os
requisitos indispensáveis à proteção ambiental. § 3e As
penalidades previstas no inciso V deste artigo somente serão
aplicadas nos casos previamente definidos em ato especíSco do
CONAMA, assegurando-se ao interessado ampla defesa. §4° Na
fixação de normas, critérios e padrões relativos ao controle e
à manutenção da qualidade do meio ambiente, o CONAMA ievará em
consideração a capacidade de auto-regeneração dos corpos
receptores e a necessidade de estabelecer parâmetros genéricos
mensuráveis.
35 Regulamento autônomo é aquele baixado pelo Poder Executivo
sem que exista um suporte legal mediato para a sua edição.
Controle de Produtos Tóxicos
de assistência técnica autorizada pelas respectivas
indústrias, para repasse aos fabricantes ou importadores, para
que estes adotem, diretamente ou por meio de terceiros, os
procedimentos de reutilização, reciclagem, tratamento ou
disposição final ambientalmente adequada. A resolução
estabeleceu cinco categorias distintas de obrigações (i) para
os usuários das pilhas e baterias: obrigação de entregar
aquelas que já se tenham esgotado aos revendedores; (ii) para
os comerciantes e assistência técnica autorizada; receber as
pilhas e baterias usadas e repassá-las aos fabricantes ou
importadores; (iii) para os fabricantes e importadores:
receber os produtos já utilizados e dar-lhes destino final
adequado. O mesmo procedimento deve ser adotado quando se
tratar de baterias industriais, guardadas as peculiaridades
próprias.
E imperioso registrar que foi somente em seu artigo 29 que a
Resolução estabeleceu os conceitos normativos de pilhas e
baterias - elemento absolutamente indispensável para que se
possa saber qual é o alcance da norma legal. Desta forma,
foram adotadas as seguintes definições:
I ~ bateria: conjunto de pilhas ou acumuladores
recarregáveis interhgados convenientemente, (NBR$6 7039/87); II
- pilha: gerador eletroquímico de energia elétrica, mediante
conversão geralmente irreversível de energia química. (NBR
7039/87); III ~ acumulador chumbo-ácido: acumulador no qual o
material ativo das placas positivas é constituído por
compostos de chumbo, e os das placas negativas essencialmente
por chumbo, sendo o eletrólito uma solução de ácido sulfurico.
(NBR 7039/87); IV - acumulador (elétrico): dispositivo eletro-
qtdmico constituído de um elemento, eletrólito e caixa, que
armazena, sob forma de energia química, a energia elétrica que
lhe seja fornecida e que a restitui quando ligado a um
circuito consumidor. (NBR 7039/87); V - baterias industriais:
são consideradas baterias de apHcação industrial, aquelas que
se destinam a aplicações estacionárias, tais como
telecomunicações, usinas elétricas, sistemas ininterruptos de
fornecimento de energia, alarme e segurança, uso geral
industrial e para partidas de motores diesel, ou ainda
tracionárias, tais como as utilizadas para movimentação de
cargas ou pessoas e carros elétricos; VI— baterias veiculares:
são consideradas baterias de apHcação veicular aquelas
utilizadas para partidas de sistemas propulsores e/ou como
principal fonte de energia em veículos automotores de
locomoção em meio terrestre, aquático e aéreo, inclusive de
tratores, equipamentos de construção, cadeiras de roda e
assemelhados; VII - pilhas e baterias portáteis: são
consideradas pilhas e baterias portáteis aquelas utilizadas em
telefonia, e equipamentos eletroeletrônicos, tais como jogos,
brinquedos, ferramentas elétricas portáteis, informática, lan-
ternas, equipamentos fotográficos, rádios, aparelhos de som,
relógios, agendas eletrônicas, barbeadores, instrumentos de
medição, de aferição, equipamentos médicos e outros; VIII -
pilhas e baterias de aplicação especial: são considera
36 Normas Técnicas fixadas pela Associação Brasileira de
Normas Técnicas - ABNT.
Direito Ambientai
das pilhas e baterias de aplicação especial aquelas utilizadas
em aplicações específicas de caráter científico, médico ou
militar e aquelas que sejam parte integrante de circuitos
eletroeletrônicos para exercer funções que requeiram energia
elétrica ininterrupta em caso de fonte de energia primária
sofrer alguma falha ou flutuação momentânea.
2.7.3. Obrigações
Pelos artigos 3e e 4a, foi estabelecida a obrigatoriedade de
que os estabelecimentos que comercializem os produtos tratados
pelo art. I9 da resolução, bem como a rede de assistência
técnica autorizada pelos fabricantes e importadores de tais
produtos, aceitem dos usuários a devolução das unidades
usadas, cujas características sejam similares àquelas
comercializadas, com vistas aos procedimentos referidos no
art. le. As pilhas e baterias recebidas devem ser
acondicionadas adequadamente e armazenadas de forma segregada,
obedecidas as normas ambientais e de saúde pública, bem como
as recomendações definidas pelos fabricantes ou importadores,
até o seu repasse a estes últimos. Em primeiro lugar, há que
se observar que a obrigação de receber pilhas e baterias não
se restringe àquelas que sejam comercializadas pelo receptor.
Quaisquer pilhas e baterias que sejam similares às
comercializadas devem ser recebidas. A resolução não
estabeleceu qualquer punição para aqueles que se neguem a dar
cumprimento às normas em tela. É de se ver, no entanto, que em
face da presunção de legalidade ostentada pela Resolução, até
que órgão judicial pronuncie-se em contrário, é aplicável, em
tese, a Lei n9 9.605/98, em função do não-atendimento do
disposto em Resolução do CONAMA. Vê-se, claramente, portanto,
a urgente necessidade de que a matéria seja tratada por lei
formal, elaborada pelo Congresso Nacional. Deixar que matéria
de tão importante significação permaneça “regulada” por um ato
administrativo elaborado pelo CONAMA que, repita-se, em minha
opinião não possui competência para editá-lo,37 é pura e
simplesmente deixar que um dos assuntos mais delicados e
sérios - naquilo que diz respeito a resíduos sólidos -
permaneça sem o tratamento adequado e que é absolutamente
urgente.
Pelo artigo 5S da resolução, foram fixados prazos para o
estabelecimento de novos padrões técnicos a serem adotados
pelas pilhas e baterias a serem importadas, fabricadas e
comercializadas no Brasil. Os padrões técnicos e os prazos
definidos pelo CONAMA são os seguintes:
37 TRF 4a REGIÃO. AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO.
200404010018614/RS. QUARTA TURMA. DJU 02/03/2005, p. 417.
Relator JUIZ EDGARD A. UPPMANN JUNIOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO
CONTRA DEFERIMENTO DE LIMINAR. DESTINAÇÃO DE PILHAS E
BATERIAS DE CELULARES EXAURIDOS. DANO AMBIENTAL.
POSSIBILIDADE. RESOLUÇÃO 257/99 DO CONAMA. INAPLI-
CABILIDADE. - Os requisitos autorizadores da liminar estão
expressos em lei, com o que, estando presentes, é de se
manter o despacho que deferiu a medida. É de se adequar a
destinação de pilhas e baterias de celulares exauridos para
que não causem dano ambiental, uma vez que, mesmo que de
acordo com o disposto no art. 13 da Resolução 257/99 do
CONAMA, por serem, após estudo técnico, potencialmente
capazes de causar danos ao meio ambiente.
Controle de Produtos Tóxicos
A pardr de 1Q de janeiro de 2000, a fabricação, importação e
comercialização de pilhas e baterias deverão atender aos
limites estabelecidos a seguir: 1 — com até 0,025% em peso de
mercúrio, quando forem do tipo zinco-manganês e alca- lina-
manganês; II - com até 0,025% em peso de cádmio, quando forem
do tipo zinco-manganês e alcalina-manganês; III-com até 0,400%
em peso de chumbo, quando forem do tipo zinco-manganês e
alcalina-manganês; IV-com até 25 mg de mercúrio por elemento,
quando forem do tipo pilhas miniaturas e botão.
Para o ano de 2001, foram estabelecidas as seguintes normas,
conforme determinação contida no art. 6S:
A partir de P de janeiro de 2001, a fabricação, importação e
comercialização de pilhas e baterias deverão atender aos
limites estabelecidos a seguir: I - com até 0,010% em peso de
mercúrio, quando forem do tipo zinco-manganês e alcalina-
manganês; II - com até 0,015% em peso de cádmio, quando forem
dos tipos alcalina-manganês e zinco-manganês; III - com até
0,200% em peso de chumbo, quando forem dos tipos alcalina-
manganês e zinco-manganês.
A disposição final das pilhas e baterias somente pode ser
feita dentro de padrões técnicos capazes de assegurar que elas
não venham a causar danos ecológicos ou à saúde humana,
restando proibidos, pelo artigo 8a da norma em comento, os
seguintes tipos de destinação final de pilhas e baterias
usadas, de quaisquer tipos ou características:
I - lançamento in natura a céu aberto, tanto em áreas
urbanas como rurais; II - queima a céu aberto ou em
recipientes, instalações ou equipamentos não adequados,
conforme legislação vigente; III - lançamento em. corpos
d’água, praias, manguezais, terrenos baldios, poços ou
cacimbas, cavidades subterrâneas, em redes de drenagem de
águas pluviais, esgotos, eletricidade ou telefone, mesmo que
abandonadas, ou em áreas sujeitas à inundação.
Uma nova obrigação foi “criada” pela resolução; refiro-me à
determinação contida no artigo 9a, pela qual, no prazo de um
ano a partir da data de vigência desta resolução, nas matérias
publicitárias, e nas embalagens ou produtos descritos no art.
ls deverão constar, de forma visível, as advertências sobre os
riscos à saúde humana e ao meio ambiente, bem como a
necessidade de, após seu uso, serem devolvidos aos
revendedores ou à rede de assistência técnica autorizada para
repasse aos fabricantes ou importadores. A medida preconizada
pelo artigo é importante, pois, sem a adequada publicidade,
certamente, as medidas necessárias para a implementação do
recolhimento das pilhas e baterias não se efetivarão.
Ressalte-se, entretanto, que, também aqui, o CONAMA não possui
competência legal para defini-las, lamentavelmente.
O CONAMA, no auge de seu afa regulamentarista e invadindo
competências que são do Congresso Nacional, chegou a
determinar padrões para a própria fabrica-
Direito Ambiental
ção de aparelhos que utilizem pilhas e baterias, conforme se
pode ver do artigo 10, in verbis: os fabricantes devem
proceder gestões no sentido de que a incorporação de pilhas e
baterias, em determinados aparelhos, somente seja efetivada na
condição de poderem ser facilmente substituídas pelos
consumidores após sua utUização, possibilitando o seu descarte
independentemente dos aparelhos.
Determinou o CONAMA que, no prazo de doze meses após a
publicação da resolução, os fabricantes, os importadores, a
rede autorizada de assistência técnica e os comerciantes de
pilhas e baterias ficassem obrigados a implantar os mecanismos
operacionais para a coleta, transporte e armazenamento do
material já utilizado. No prazo de vinte e quatro meses, a
partir da publicação da resolução, os fabricantes e os
importadores de pilhas e baterias ficam obrigados a implantar
os sistemas de reutilização, reciclagem, tratamento ou
disposição final, obedecida a legislação em vigor.
Desde que atendam às exigências estipuladas pelo artigo 6S,
as pilhas e baterias poderão ser dispostas, juntamente com os
resíduos domiciliares, em aterros sanitários licenciados; vale
observar, todavia, que os fabricantes e importadores devem
identificar os produtos, pela aposição nas embalagens e,
quando couber, nos produtos, de símbolo que permita ao usuário
distingui-los dos demais tipos de pilhas e baterias
comercializados.
A reutilização, reciclagem, tratamento ou a disposição final
das pilhas e baterias abrangidas por esta resolução,
realizados diretamente pelo fabricante ou por terceiros,
deverão ser processados de forma tecnicamente segura e
adequada, com vistas a evitar riscos à saúde humana e ao meio
ambiente, principalmente no que tange ao manuseio dos resíduos
pelos seres humanos, filtragem do ar, tratamento de efluentes
e cuidados com o solo, observadas as normas ambientais,
especialmente no que se refere ao licenciamento da atividade,
conforme determinado pelo artigo 14. Caso não seja possível a
reutilização ou reciclagem das pilhas e baterias, a destinação
fínal por destruição térmica deverá obedecer às condições
técnicas previstas na NBR - 11175 - Incineração de Resíduos
Sólidos Perigosos - e os padrões de qualidade do ar
estabelecidos pela Resolução CONAMA nB 03, de 28 de junho de
1990.
2.7.4. Conclusão
A matéria tratada pela Resolução ns 257/99 do CONAMA é das
mais relevantes para a qualidade ambiental. A resolução, em
seus aspectos técnicos, é bastante adequada e capaz de dar um
direcionamento adequado aos problemas causados pela disposição
final de pilhas e baterias. Tais méritos, entretanto, não
podem elidir o fato de que todo o assunto tratado é,
claramente, de ordem legal. Não se pode admitir que o CONAMA,
por mais relevante que seja o tema abordado, ultrapasse os
limites do Estado Democrático de Direito, como foi o caso. Em
minha opinião, a matéria deve ser tratada pelo Congresso
Nacional.
Controle de Produtos Tóxicos
3. Transporte de Produtos Tóxicos
A importância do exame da regulamentação jurídica do
transporte rodoviário de produtos perigosos é imensa, pois, no
Brasil, é através do transporte rodoviário que circula a
imensa maioria de nossas mercadorias. Logo, os produtos
perigosos, igualmente, são, em grande parte, transportados por
via terrestre, mediante a utilização de caminhões e outros
veículos automotores. O regulamento para o transporte
rodoviário de produtos perigosos foi aprovado pelo Decreto nô
96.044, de 18 de maio de 1988. O referido regulamento é
aplicável, apenas, ao transporte civil de produtos perigosos;
o transporte militar obedece a regulamentação própria.
Observe-se, entretanto, que não é apenas o Ministério do
Transporte o órgão dotado de atribuições para definir o
ordenamento aplicável ao transporte de produtos perigosos.
Quando se tratar de produtos explosivos, o transporte
rodoviário deverá observar, também, as normas emanadas do
Ministério do Exército. Na hipótese de transporte de produtos
radioativos, deverá ser observada, também, a regulamentação
originária da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. A
definição jurídica de produto perigoso é aquela fixada pelo
Ministro de Estado dos Transportes, em ato próprio.
O regulamento busca estabelecer medidas que sejam capazes de
disciplinar o transporte rodoviário de produtos perigosos em
seu ciclo completo. Em assim sendo, a regulamentação se
estende desde as condições de transporte, nelas compreendidos
os veículos e equipamentos; a carga e a sua maneira de ser
acondicionada; o itinerário; o estacionamento etc.
3.1. Condições de Transporte
Somente poderão proceder ao transporte de produtos perigosos
os veículos que se enquadrem em padrões de segurança
estabelecidos por normas brasileiras especialmente voltadas
para o setor. Tais veículos deverão possuir um atestado de
qualidade fornecido pelo INMETRO, Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, ou por órgão
por ele credenciado. Tais veículos, ademais, estão sujeitos à
vistoria em lapso de tempo não superior a três anos. Há,
ainda, a necessidade de que, em caso de acidente com os
veículos, os mesmos somente retomem à atividade após serem
vistoriados e periciados pelo INMETRO ou órgão legalmente
credenciado.
Os veículos destinados ao transporte de produtos perigosos
deverão portar rótulos de risco e painéis de segurança
especificados de acordo com normas técnicas. Todos os veículos
deverão ser equipados com tacógrafos, cujos discos deverão
permanecer à disposição do expedidor, do contratante, do
destinatário e do órgão fisca- lizador pelo período de três
meses, excepcionando-se os casos de acidente, quando deverão
permanecer acautelados por um ano.
Toda a carga deverá ficar acondicionada de forma segura e
identificada, acusando a classificação do produto e o seu
risco. A responsabilidade pelo acondicionamento e as
consequências pela suã inexata realização pertencem ao
expedidor. Em se tratando de produto importado, tal
responsabilidade é do importador.
Direito Ambiental
Os produtos perigosos não podem ser transportados juntamente
com animais, alimentos ou outro tipo de carga que não tenha
com os mesmos compatibilidade.
Os veículos transportadores de produtos perigosos devem
procurar observar itinerários adequados, evitando as áreas
densamente povoadas, as de proteção de mananciais,
reservatórios de água ou reservas florestais e ecológicas. O
estaciona- mento de tais veículos somente poderá ocorrer em
áreas previamente determinadas e, na inexistência destas,
deverá ser evitado estacionamento em locais que possam
importar risco para a coletividade.
4. Transporte de Produtos Perigosos entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai
A matéria foi tratada pelo Decreto ne 1.797, de 25 de
janeiro de 1996, que dispõe sobre a execução do Acordo de
Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos
Perigosos, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, de 30
de dezembro de 1994. Os quatro países integrantes do chamado
“cone sul” firmaram, em 30 de dezembro de 1994, em Montevidéu,
o Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte
de Produtos Perigosos, entre Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai. Na forma do Decreto 1.797/96, Art. I9, o Acordo de
Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos
Perigosos, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, apenso
por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão
inteiramente como nele se contém, inclusive quanto à sua
vigência.
4.1. Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do
Transporte de Produtos Perigosos
Todo o transporte dos produtos das classes 1 e 7 dos Anexos
do Acordo, e dos resíduos perigosos é regido pelas disposições
do Acordo de "Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte
de Produtos Perigosos” e pelas normas específicas estabe-
lecidas por organismos competentes de cada um dos Estados-
Partes. Cada um dos Estados-Partes poderá, mediante prévia
comunicação aos demais membros do acordo, proibir a entrada de
qualquer produto perigoso em seu território.
As entradas e saídas de produtos perigosos realizadas de
acordo com as exigências estabelecidas pela Organização
Marítima Internacional (OMI) e pela Organização Internacional
de Aviação Civil (OACI) devem ser aceitas pelos Estados-
Partes. A circulação das unidades de transporte com produtos
perigosos é regida pelas normas gerais estabelecidas no acordo
e pelas disposições particulares de cada um dos Estados-
Partes.
4.1.1. Embalagens
O transporte de produtos perigosos deverá ser feito
colocando-os em embalagens ou equipamentos que:
Controle de Produtos Tóxicos
(i) sejam capazes de atender aos requisitos estabelecidos nas
Recomendações das Nações Unidas para o Transporte de
Produtos Perigosos;
(ii) estejam marcados e identificados;
(iii) estejam em conformidade com as práticas nacionais que
atendam a tais requisitos.
4.1.2. Veículos
O transporte de produtos perigosos somente pode ser
realizado por veículos cujas características técnicas e estado
de conservação assegurem segurança compatível com o risco
correspondente aos produtos transportados. Durante as
operações de carga, transporte, descarga e transbordo de
produtos perigosos ou de limpeza e des- contaminação, os
veículos deverão ostentar os rótulos de risco e painéis de
segurança identificadores dos produtos e dos riscos a eles
associados. Na documentação utilizada para o transporte de
produtos perigosos devem estar incluídas informações capazes
de identificar, de forma clara, o material transportado e
indicar todos os procedimentos que devem ser adotados em caso
de emergência.
A equipe responsável pelo transporte e manuseio de produtos
perigosos deve possuir treinamento específico para as suas
atribuições, bem como possuir o equipamento de proteção
adequado. É importante observar que, na forma do artigo 10, os
certificados e os relatórios de ensaios expedidos em um
Estado-Parte serão aceitos pelos demais, quando exigidos no
contexto deste acordo. Isto significa que a legislação
aplicável quanto à documentação é a do país no qual o veículo
de transporte esteja registrado.
4.2. Normas Técnicas
As normas técnicas para o transporte de produtos perigosos
foram definidas pela Portaria n9 22, de 19 de janeiro de 2001,
publicada no Diário Oficial da União em 24 de janeiro de 2001.
5. Transporte Ferroviário
Embora sem a importância estatística que mereceria, o
transporte ferroviário de produtos perigosos é muito
importante, pois alivia a pressão sobre as rodovias e, con-
sequentemente, desempenha papel de reduzir o risco de impactos
ambientais altamente negativos, que são os causados pelos
acidentes rodoviários com produtos perigosos. A matéria foi
regulamentada pelo Decreto Federal na 98.973, de 21 de feve-
reiro de 1990, que aprova o Regulamento do Transporte
Ferroviário de Produtos Perigosos38
38 Publicado no Diário Oficial da União de 22/2/1990.
Direito Ambientai
5.1. Aplicabilidade do Regulamento
O regulamento aprovado pelo Decreto ne 98.973/90 aplica-se
ao transporte ferroviário de produtos perigosos, excluído o
realizado pelas Forças Armadas, que é disciplinado por
legislação específica.
O regulamento do transporte, por via férrea, de produtos
que, por suas características, sejam perigosos ou representem
riscos para a vida e a saúde das pessoas, para a segurança
pública, assim como para o meio ambiente ou para a própria
ferrovia, não impede a aplicação do disposto na legislação
peculiar a cada produto perigoso, nem da legislação geral de
proteção ao meio ambiente. Produtos perigosos, para efeito de
transporte, são aqueles relacionados em portaria baixada pelo
Ministério dos Transportes. Quando se tratar de transporte de
produtos explosivos e de substâncias radioativas, aplicam-se,
também, as normas próprias do Ministério da Defesa, bem como
da Comissão Nacional de Energia Nuclear, conforme o caso.
Outras normas aplicáveis:
Portaria MT 349. de 4 de junho de 2002
Aprova as Instruções para a Fiscalização do Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos no Âmbito Nacional.
ANTT
RESOLUÇÃO Ng 420. DE 12 DE FEVEREIRO DE 2004
Aprova as Instruções Complementares ao Regulamento do
Transporte Terrestre de Produtos Perigosos.
RESOLUÇÃO N3 701. DE 25 DE AGOSTO DE 2004
Altera a Resolução ns 420, de 12 de fevereiro de 2004, que
aprova as Instruções Complementares ao Regulamento do
Transporte Terrestre de Produtos Perigosos e seu anexo.
RESOLUÇÃO Ns 1644. DE 26 DE NOVEMBRO DE 2006
Altera o Anexo à Resolução n® 420, de 12 de fevereiro de
2004, que aprova as Instruções Complementares ao Regulamento
do Transporte Terrestre de Produtos Perigosos.
Inmetro
Portaria INMETRO ng 172. de 29 He inibo de 1991
Aprova o Regulamento Técnico para “Equipamento para o
Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos à Granel (RT-7)”.
I
ÍSSi • Enssng Supencr hsm AsMà»
Controle de Produtos Tóxicos J
Portaria INMETRO ng 221. de 30 de setembro 1991 Aprova o
Regulamento Técnico "Inspeção em Equipamentos destinados ao
Transporte de Produtos Perigosos à Granel não incluídos em
outros Regulamentos” - RT-27.
Portaria INMETRO ng 277. de 27 de novembro de 1991 Aprova o
Regulamento Técnico “Veículo Rodoviário destinado ao Trans-
porte de Produtos Perigosos ~ Construção, Instalação e
Inspeção de Pára- Choque Traseiro” - RTQ-32.
Portaria INMETRO na 275. de 16 de dezembro de 1993 Aprova o
Regulamento Técnico da Qualidade - RTQ-36 Revestimento intemo
de tanque rodoviário de produtos perigosos com resina éster
vinílica reforçada com fibra de vidro - aplicação e inspeção.
Portaria INMETRO n9 276. de 16 de dezembro de 1993 Aprova os
Regulamentos Técnicos da Qualidade, RTQ-2 — Revisão 01 -
Equipamentos para o Transporte Rodoviário de Produtos à Granel
- Construção e Inspeção Inicial e RTQ-34 - Equipamento para o
Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos à Granel - Geral -
Construção.
Portaria INMETRO ng 199. de 6 de outubro de 1994 Aprova o
“Regulamento Técnico da Qualidade nô 5 (RTQ-5) - Veículo
destinado ao Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos —
Inspeção”.
Portaria DENATRAN/MT na 1, de 5 de fevereiro de 1998 Baixa
as instruções a serem adotadas quando da elaboração e do
preenchimento do Auto de Infração, anexo I, conforme Resolução
ns 1/98, de 23/1/98, do Conselho Nacional de Trânsito.
Resolução CONTRAN/MT n* 70. de 23 de setembro de 1998 Dispõe
sobre curso de treinamento específico para condutores de
veículos rodoviários transportadores de produtos perigosos
(Revogada pela Resolução CONTRAN/MJ n3 91 de 4/5/99).
Portaria DENATRAN/MT ng 38. de 10 de dezembro de 1998
Acrescenta ao Anexo IV da Portaria n9 01/98 — DENATRAN, os
códigos das infrações referentes ao Transporte Rodoviário de
Produtos Perigosos.
Resolução CONTRAN/MT ng 9L de 4 de maio de 1999 Dispõe sobre
os cursos de Treinamento Específico e Complementar para
Condutores de Veículos Rodoviários Transportadores de Produtos
Perigosos (Revogada pela Resolução CONTRAN/MJns 168 de
22/03/05).
Direito Ambiental
Portaria INMETRO ng 8, de 16 de janeiro de 2001
Publica a proposta do texto de Portaria para a
Regulamentação Técnica de Cilindros de Liga Leve para
Armazenamento de Gás Metano Veicular.
Portaria INMETRO ng 74, de 29 de maio de 2001
Aprova o Regulamento Técnico, que estabelece os requisitos
mínimos para produção em série de cilindros leves,
recarregáveis para o armazenamento de gás metano veicular a
alta pressão, como combustível automotivo» fixado a bordo de
veículos.
Lei ng 10.357, de 27 de dezembro de 2001
Estabelece normas de controle e fiscalização sobre produtos
químicos que direta ou indiretamente possam ser destinados à
elaboração ilícita de substâncias entorpecentes, psicotròpicas
ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras
providências.
Decreto na 4.262. de 10 de junho de 2002
Estabelece normas de controle e fiscalização sobre produtos
químicos que direta ou indiretamente possam ser destinados à
elaboração ilícita de substâncias entorpecentes, psicotròpicas
ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras
providências.
Portaria MT nõ 1274, de 26 de agosto de 2003
Exerce o controle e a fiscalização de precursores e outros
produtos químicos essenciais empregados na fabricação
clandestina de drogas, como estratégia fundamental para
prevenir e reprimir o tráfico ilícito e o uso indevido de
entorpecentes e substâncias psicotròpicas.
Resolução CONTRAN/MT n9 168. de 14 de Dezembro de 2004
Estabelece Normas e Procedimentos para a formação de
condutores de veículos automotores e elétricos, a realização
dos exames, a expedição de documentos de habilitação, os
cursos de formação, especializados, de reciclagem e dá outras
providências.
A Importância das Águas
Capítulo XXVI A Importância das Aguas
A água1 é um elemento indispensável a toda e qualquer forma
de vida. Sem a água é impossível a vida. Esta afirmação,
absolutamente óbvia e elementar, por incrível que pareça, é
incapaz de sensibilizar muitas pessoas e comunidades, de forma
que estas possam proteger e preservar as águas. De fato, o
desperdício dos recursos hídricos é um fato que se repete
muitas vezes. O valioso estudo Cuidando do Planeta Terra - Uma
estratégia para o futuro da vida, indica que:
O nosso uso da água está criando uma crise em grande parte
do mundo. Estima-se que as retiradas totais de água tenham
aumentado mais de 35 vezes durante os últimos três séculos, e
que devem aumentar 30-35% até o ano 2000. Os níveis atuais de
uso de água doce não poderão ser mantidos se a população
humana atingir 10 bilhões em 2050.
A denominação Terra para o nosso planeta é claramente
equívoca. Mais adequado seria se o seu nome fosse Água. Assim
é porque, da superfície global da Terra, maís de 2/3 pertencem
aos oceanos. É, também, nos oceanos que se localiza mais de
94% de toda a água existente no planeta. A qualidade tanto da
água doce como da água salina está fortemente ameaçada. O
problema da escassez e da qualidade das águas, em determinadas
regiões do mundo, é simplesmente alarmante.
Da água doce existente no mundo são utilizados 73% na
agricultura, 21% na indústria e 6% como água potável.2 A água
utilizada na agricultura é grandemente desperdiçada, pois
quase 60% de seu volume total se perde antes de atingir a
planta. A água dita potável é de qualidade muito precária,
pois, nos países pobres do chamado Terceiro Mundo, mais de 80%
das doenças e mais de um terço da taxa de mortalidade são
decorrência da má qualidade da água3 utilizada pela população
para o atendimento de suas diversas necessidades.
Em média, a quantidade de água consumida por um cidadão
europeu é setenta vezes maior do que a de um habitante de
Gana.4 Um norte-americano consome 300 vezes mais água que um
ganense.
1 Parte deste capítulo foi publicada em Antunes, Paulo de
Bessa, “A justiça e o direito a água limpa”, in Caubet, Guy
(org.). Manejo alternativo de recursos hídricos,
Florianópolis: UFSC, 1994.
2 Catherine Aliais. “O estado do planeta em alguns números”,
in Barrère, Martine (org.). Terra, Patrimônio Comum, São
Paulo: Nobel, 1992, p. 250.
3 Allais, Catherine. Ob. cit., p. 250.
4 País africano utilizado como exemplo para demonstrar a
disparidade média de consumo entre os países do Primeiro
Mundo e os países pobres.
Direito Ambiental
Merece ser mencionado o fato de que quase 1,5 bilhão de
pessoas não tem água potável e quase 2 bilhões não dispõem de
instalações sanitárias, dos quais 330 milhões habitam países
da OCDE.5 Ocorre que o problema é ainda mais grave do que a
simples análise quantitativa do consumo de água pode
demonstrar. Em realidade, apenas a análise qualitativa é capaz
de apontar a verdadeira dimensão de uma catástrofe que se
avizinha, se não forem tomadas medidas urgentes e realistas
por parte das pessoas responsáveis deste e por este planeta. É
de se observar que o consumo de água tem o perfil da estrutura
social. As distorções sociais refletem-se e se reproduzem no
consumo de água individualmente considerado. As desigualdades
Norte-Sul, igualmente, refletem-se na gravíssima questão do
abastecimento de água que é, sem dúvida, um dos principais
desafios ao chamado desenvolvimento sustentado.
A luta pelo acesso à água já começa a ser uma das principais
fontes de conflitos internacionais, sobretudo nas regiões
semi-áridas e áridas. A ONU reconhece a existência de, pelo
menos, 156 grandes disputas internacionais envolvendo a
utilização de recursos hídricos. Os conflitos internos chegam
a milhares.
A convocação da CNUMAD - Rio 92, pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas, levou em consideração os graves
problemas que afetam os recursos hídricos em todo o mundo.
Conforme anota o Embaixador G.E. do Nascimento e Silva:7
A Assembléia Geral das Nações Unidas, ao convocar a
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992,
enumerou, dentre os principais tópicos a serem abordados, "a
proteção da qualidade e do suprimento de água potável”, tendo
em vista a sua importância na manutenção da qualidade do meio
ambiente da Terra.
A proteção do meio ambiente é um dos setores do Direito
Internacional que, nos últimos anos, tem alcançado o maior
desenvolvimento. Ainda que, segundo Nascimento e Silva8 e boa
parte da doutrina autorizada, não se possa falar em Direito
Internacional do Meio Ambiente, o fato é que a proteção
ambiental tem sido um dos setores do Direito Internacional que
mais tem se desenvolvido e influenciado o Direito intemo de
diversas nações. Naquilo que concerne à proteção das águas
pelo Direito Internacional, pelo menos duas grandes divisões
podem ser estabelecidas, a saber:
a) a proteção do meio marinho; e
b) a proteção das águas continentais, nelas incluídas as
áreas úmidas e alagadas.
5 Martine Barrère. Terra — Patrimônio Comum — A Ciência a
Serviço do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, São Paulo:
Nobel, 1992, p. 250.
6 Trolldalen, Jon Martin, International Environmental Conflict
in Resolution, the role of the United Nations; Washington:
WPED/ÜNITAR/NIDR, 1992, p. 62.
7 G. E. do Nasdmento e Silva. Direito Ambiental Internacional,
Rio de Janeiro: Thex, 1995, p. 75.
8 Idem, p. 5.
A Importância das Águas
Tanto as águas marinhas quanto as águas doces mereceram
menção de destaque na Agenda 21 que, como se sabe, foi o
principal documento elaborado pela CNU- MAD - Rio 92.
O documento mais importante adotado no decorrer da
Conferência do Rio é a Agenda 21, onde a comunidade
internacional apresenta, em longo documento, um planejamento
destinado a solucionar até o ano 2000 os principais problemas
ambientais que, conforme a denominação indica, deverá entrar
pelo século 21.9
Os capítulos 17 e 18 da Agenda 21 estão diretamente
direcionados para a proteção das águas. O capítulo 17 tem por
objetivo a proteção dos oceanos e mares, inclusive os
mediterrâneos ou semimediterrâneos, das áreas costeiras e o
desenvolvimento e uso racional de seus recursos vivos; já o
capítulo 18 tem por objetivo a proteção da qualidade e do
suprimento das fontes de água potável.
Inúmeros são os tratados e convenções internacionais
voltados para a proteção do meio ambiente aquático. O Brasil é
signatário de inúmeros documentos internacionais que foram
estabelecidos com a finalidade de proteção dos recursos
marítimos.
Os graves problemas que afetam as águas em todo o mundo
levaram a comunidade internacional a afirmar alguns princípios
fundamentais para a utilização sustentada das águas e para a
sua conservação para as futuras gerações. Os princípios ora
referidos foram estabelecidos pela Conferência Internacional
sobre Água e Desenvolvimento, realizada em Dublim, Irlanda, no
ano de 1992.
Os princípios são os seguintes:
a) a água é um recurso finito e vulnerável, essencial para a
manutenção da vida, do desenvolvimento e do meio ambiente;
b) o desenvolvimento e a administração da água devem estar
baseados em uma abordagem participativa, envolvendo os
usuários, planejadores e elaborado- res de políticas
públicas, em todos os níveis;
c) a mulher desempenha um papei central na administração, na
proteção e na provisão da água;
d) a água tem valor econômico em todos os seus usos e deve ser
reconhecida como um bem econômico.
A presente principiologia é importante, pois incorpora, ao
importante setor hídrico do direito ambiental, especificidades
que merecem, e devem, ser ressaltadas e sublinhadas. Em
realidade, a água é tida, especialmente entre nós brasileiros,
como um recurso infinito e sem qualquer valor. Assim não é,
efetivamente. Aprender a valorizar a água como um recurso
escasso é fundamental para que esta não seja desperdiçada
inutilmente.
9 G. E. do Nascimento e Silva. Ob. cit., p. 142.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
Capítulo XXVII Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
1. A Água nas Constituições Brasileiras
1.1. As Águas nas Constituições Anteriores a 1988
Para que se possa examinar como as águas foram tratadas
pelas diversas constituições brasileiras é necessário que se
mencione o fato de que as águas podem ser compreendidas, seja
como bem jurídico de propriedade do Estado, seja como bem
jurídico submetido ao regime de Direito Privado, ou como fonte
geradora de recursos econômicos. As Constituições, no
tratamento dedicado ao tema, refletem esta multiplicidade de
situações. É certo que foi a Constituição de 1988, dentre
todas as Cartas Políticas brasileiras, aquela que mais
profundamente tratou das águas na condição de bem de valor
econômico.
1.1.1. Constituição Imperial
A Constituição de 1824 foi completamente omissa sobre o
tema. Entretanto, a Lei de l2 de outubro de 1828, que
disciplinou as atribuições das Câmaras Municipais, determinou
que as câmaras tivessem competência legislativa sobre as
águas. Pelo artigo 16 da mencionada lei era atribuída
competência aos vereadores para deliberar sobre:
a) aquedutos, chafarizes, poços, tanques;
b) esgotamento de pântanos e qualquer estagnação de águas
infectas.
Ainda sob o regime político imperial foi promulgado o Ato
Adicional, Lei n9 16, de 12 de agosto de 1834, que estabeleceu
a competência das Assembleias Legislativas provinciais para
legislar sobre obras públicas, estradas e navegação no
interior de seus respectivos territórios, o que,
evidentemente, tinha reflexos claros sobre a política a ser
adotada quanto às águas.
1.1.2. Período Republicano
1.1.2.1. Constituição de 1891
A CF de 1891 também foi omissa quanto ao tema que ora
tratamos. Aquela Carta Política limitou-se a definir a
competência federal para legislar sobre Direito
Direito Ambiental
Civil, no qual se pode incluir a atribuição legislativa sobre
águas, principalmente quando elas são enfocadas sob o prisma
do regime de propriedade que sobre elas incide. Com efeito, o
CC brasileiro de 1916, elaborado sob aquela ordem
constitucional, era dotado de um vasto número de artigos
voltados para o assunto.
1.1.2.2. Constituição de 1934
A Constituição brasileira de 1934 foi a que primeiro
enfrentou o tema de forma clara e considerando os aspectos
econômicos e de desenvolvimento que nele se incluem. Assim é
que no artigo 52, XIX, alínea j, daquela Carta Constitucional
foi estabelecido que:
Art. 59 Compete privativamente à União:... XIX—legislar
sobre:... j — bens do domínio federal, riquezas do subsolo,
mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, ãorestas,
caça e pesca e a sua exploração.
Acrescente-se que o artigo 20, II, da Constituição de 1934
determinava:
Art. 20. São do domínio da União:... II—os lagos e quaisquer
correntes em terrenos do seu domínio, ou que banhem mais de um
Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a
território estrangeiro,
Em razão do profundo cunho intervencionista que marcava a
Carta de 1934, foi nela incluído um título referente à ordem
econômica e social que, em nosso Direito Constitucional
brasileiro se constituiu em grande novidade. Os artigos 118 e
119 da CF, expressando de forma bastante clara as tendências
constitucionais, determinavam:
Art. 118. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para
o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art. 119. O aproveitamento industrial das minas e das
jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica,
ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou
concessão federal, na forma da lei... § 2S O aproveitamento de
energia hidráulica, de potência reduzida e para uso exclusivo
do proprietário, independe de autorização ou concessão... § 4a
A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas
minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia
hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica
ou militar do país... § 63 não dependem de concessão ou
autorização o aproveitamento das quedas d’água já utilizadas
industrialmente na data desta Constituição...
A água, portanto, foi enfocada sob o ponto de vista de que
se constituía em elemento essencial para a geração de riquezas
econômicas e desenvolvimento, especialmente como fonte de
energia elétrica.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
1.1.2.3. Constituição de 1937
A Constituição de 1937, em seu artigo 16, XVI, atribuiu
competência privativa à União para legislar sobre os bens de
domínio federal, águas e energia hidráulica. Acrescente-se que
o artigo 143 determinava:
As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas
d’água, constituem propriedade distinta da propriedade do solo
para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O
aproveitamento industrial de minas e jazidas minerais, das
águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade
privada, depende de autorização federal.
1.1.2.4. Constituição de 1946
A CF de 18 de setembro de 1946, em seu artigo 52, inciso XV,
alínea 1, determinava ser da competência da União legislar
sobre riquezas do solo, mineração, metalurgia, águas, energia
elétrica, florestas, caça e pesca. Tal competência, nos termos
do artigo 6a, não excluía a legislação estadual supletiva ou
complementar. Dentre os bens pertencentes à União, conforme
estabelecido pelo artigo 34 da Constituição de 1946, os lagos
e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou
que banhem mais de um Estado, sirvam de Umite com outros
países ou se estendam a território estrangeiro, e bem assim as
ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países. Na relação dos bens pertencentes aos Estados incluíam-
se os lagos e rios em terrenos de seu domínio e os que têm
nascente e foz no território estadual.1
A Constituição liberal de 1946 manteve a existência de um
título voltado para o disciplinamento da ordem econômica e
social. Em tal capítulo, o constituinte não deixou de tratar
das águas e o fez nos artigos 152 e 153. O artigo 152 manteve
as quedas d’água sob o regime de propriedade distinta da do
solo para o efeito de aproveitamento industrial ou de
exploração. O artigo 153 determinava que o aproveitamento de
recursos minerais e de energia hidráulica dependia de
autorização ou concessão, conforme definido em lei. O
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida não
dependia de autorização ou concessão. As concessões ou
autorizações de que tratava o artigo 153 somente poderiam ser
dadas a brasileiros ou a empresas organizadas no país.
1.1.2.5. Constituições de 1967 e 1969
As Constituições de 67 e de 69 não possuem grandes
diferenças, entre si, quanto ao particular. Assim sendo,
dentre os bens pertencentes à União estavam incluídos
1 Constituição de 1946, art. 35.
Direito Ambiental
... os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de
seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, constituam hmite
com outros países ou se estendam a território estrangeiro; as
ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas
zonas limítrofes com outros países.2
Dentre os bens dos Estados e Territórios estavam incluídos
os lagos em território de seu domínio, bem como os rios que
neles têm nascentes e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as
terras devolutas não compreendidas no domínio federal.3
A competência legislativa federal sobre águas foi mantida,
afastando-se a competência supletiva dos Estados quanto ao
particular,
A Constituição de 1969,4 em seu artigo 168, determinava que:
Art. 168. As jazidas, minas e os demais recursos minerais e
os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade
distinta da do solo, para o efeito de exploração e
aproveitamento industrial. § Ia A exploração e o aproveitamento
das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais
de energia hidráulica dependerão de autorização ou concessão
federal, na forma da lei, dadas exclusivamente a brasileiros
ou a sociedades organizadas no País... § 4? Não dependerá de
autorização ou concessão o aproveitamento de energia hidráuli-
ca de potência reduzida.
1.2. As Águas na Constituição de 1988
1.2.1. Domínio da União
A CF de 1988, assim como diversas Cartas anteriores, também
dispôs sobre as águas. Assim é que o artigo 20, III, da CRFB
determina que são bens da União:
Os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de
seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de Hmite
com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou
dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias
fluviais.
O domínio da União, na forma do determinado pelos incisos
IV, V, VI, VII, VIII do artigo 20, é integrado por:
Ilhas fluviais e lacustres nas zonas hmítrofes com outros
países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as
costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas
2 Constituição de 1967, art. 4«, II.
3 Constituição de 1967, art. 5«.
4 Na Constituição de 1967, artigo 161.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
no art. 26, II; os recursos naturais da plataforma Continental
e da zona econômica exclusiva; o mar territorial; os terrenos
de marinha e seus acrescidos; os potenciais de energia
hidráulica.
O inciso III do artigo 20 da CRFB trouxe algumas inovações
em relação ao direito anterior, ao mesmo tempo em que
consolidou algumas situações que se mostravam controversas. As
inovações ficam por parte da introdução dos terrenos marginais
e das praias fluviais que no direito anterior não integravam o
rol de bens da União. A consolidação do direito pretérito
ficou por conta da reafirmação do domínio federal sobre lagos,
rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,
ou que banhem mais de um Estado da Federação, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele sejam provenientes,
O artigo 176 da CF, integrante do capítulo que estabelece os
princípios gerais da atividade econômica, determina que:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
O § 4- determina:
Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento
do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.
1.2.2. Domínio dos Estados e dos Municípios
O artigo 26, em seus incisos I, II e III, arrola entre os
bens pertencentes aos Estados os seguintes:
a) as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes
e em depósito, ressalvadas neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União;
b) as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiveram no
seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União,
Municípios ou terceiros;
c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União.
1.2.3. Competência Legislativa
A competência legislativa sobre águas é exercida
privativamente pela União; conforme determinado pelo artigo
22, IV, da CF, tal competência deve ser compreendida em
conjugação com a competência federal para legislar sobre
energia, que é estabelecida na mesma norma constitucional.
Observe-se, contudo, que o parágrafo único do artigo 22 prevê
a possibilidade de que lei complementar, obviamente
Direito Ambiental
federal, possa autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas relacionadas no artigo 22.
Quanto às competências administrativas, o artigo 23 da CRFB
determina que o combate à poluição, em qualquer de suas
formas, e a defesa do meio ambiente integram a competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Ora, é evidente que, para exercitar tais
atribuições, existe a necessidade de que sejam elaboradas
normas e regulamentos. Portanto, cabe, sem dúvida, uma
produção legislativa dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios sobre águas, desde que voltada para o combate à
poluição e para a proteção do meio ambiente.
1.2.4. Mudança de Concepção
A CF de 1988, adotando tuna concepção extremamente moderna,
trouxe uma profunda alteração em relação às Constituições
anteriores. Utilizando-se de aspectos que eram apenas
insinuados, a Carta atual caracterizou a água como um recurso
econômico de forma bastante clara e importante. Além disso, os
rios foram compreendidos a partir do conceito de bacia
hidrográfica e não como um elemento geográfico isolado. Tal
situação é fundamental, pois permite a gestão integrada dos
recursos hídricos, de forma que se possa assegurar a sua
proteção e gestão racional.
Um outro elemento que deve ser observado é que a concepção
subjacente ao modelo constitucional de 1988 é aquela que prevê
o fim da privatização dos recursos hídricos, como tem sido a
situação até hoje vigente. De feto, dado que a água é um bem
público de livre apropriação, os grandes usuários de recursos
hídricos apropriam- se das águas para as suas finalidades
privadas, auferindo lucro com elas e, no entanto, tal
circunstância não lhes custa um único centavo. A degradação da
qualidade e a diminuição da quantidade das águas é suportada
pela sociedade. O estabelecimento de um preço pela utilização
das águas serve de parâmetro para impedir que toda a sociedade
arque com os custos de benefícios que são, claramente,
identificáveis.
2. O Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O regime jurídico aplicável aos recursos hídricos é,
provavelmente, aquele que melhor demonstra as peculiaridades
do Direito Ambiental. As águas podem estar submetidas a
regimes jurídicos de Direito Privado ou de Direito Público;
podem ser de propriedade pública ou privada e, qualquer que
seja o regime jurídico ao qual estejam submetidas, são
merecedoras de tutela jurídica especial.
Dentre os chamados recursos ambientais, a água é,
provavelmente, aquele que vem sendo tutelado pelo Direito
Positivo há mais tempo. Conforme anota Afrânio de Carvalho:5
5 Águas inferiores, São Paulo: Saraiva, 1986, p. V.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O CC de 1916 dedicou uma das seções à água e fê-lo com
inegável aceito, mantendo a tradição de nosso direito
(Ordenações do Reino; Resolução de 17/8/1775; Alvará de
27/11/1804; Consolidação das Leis Civis de Teixeira de
Freitas). Após o CC, quando este já vigorava há muitos anos,
veio o Código de Águas de 1934 (Dec. n* 24.643, de 17/1/1934).
A proteção dos recursos hídricos, portanto, não é novidade
no Direito Positivo brasileiro. O que se deve indagar é: quais
foram as mudanças que o moderno conceito de Direito Ambiental
introduziu no regime jurídico das águas?
Não é recente a preocupação do Direito brasileiro com as
águas. A legislação colonial, sobretudo as Ordenações
Filipinas, decretadas em 11 de janeiro de 1603 e vigentes por
quase três séculos, já tratava da proteção das águas. Assim é
que no LIVRO V, Título LXXXVIII, foi estabelecida a proibição
de poluição das águas, conforme nos lembra Ann Helen Wainer:6
O conceito de poluição das águas nos é fornecido no
parágrafo sétimo do referido título, que expressamente proibia
a qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e
sua criação ou sujar a água dos rios e lagoas.
No sistema republicano, o CC de 1916 dedicou espaço ao trato
de questões referentes à utilização e ao regime das águas.
Desta forma, foi estabelecido, em seus artigos 563 a 568, um
regime geral das águas, submetido a normas de Direito comum. O
novo CC instituído pela Lei n9 10.406, de 10 de janeiro de
2002, também é dotado de dispositivos voltados para a proteção
das águas, ainda que sob uma ótica mais priva- tista,7 conforme
artigo 1.288 e seguintes.
6 Legislação Ambiental do Brasil, Rio de Janeiro: Forense,
1991, p. 20.
7 CC “Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é
obrigado a receber as águas que correm naturalmente do
superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu
fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio
inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou
possuidor do prédio superior. Art. 1.289. Quando as águas,
artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas,
correrem dele
para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desrviem,
ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.
Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do
benefício obtido. Art. 1.290. O proprietário de nascente, ou
do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades
de seu consumo, não pode impedir, ou desviar o curso natural
das águas remanescentes pelos prédios inferiores. Art. 1.291.
O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos pos-
suidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá
recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for
possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das
águas. Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir
barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água
em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio,
será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido
o valor do benefício obtido. Art. 1.293. É permitido a quem
quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários
prejudicados, construir canais, através de prédios alheios,
para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às
primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause
prejuízo considerável à agricultura e à industria, bem como
para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a
drenagem de terrenos. § l8 Ao proprietário prejudicado, em tal
caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que
de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas,
bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.
§ 2fl O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subter-
rânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios,
hortas, jardins ou quintais. § 3* O aqueduto será
Direito Ambiental
A legislação brasileira, ainda vigente, de proteção aos
recursos hídricos é bastante ampla. O principal instrumento é
o Decreto n2 24.643, de 17 de julho de 1934 (Código de Águas).
O Código, ainda que baixado com o principal objetivo de
regulamentar a apropriação da água com vistas à sua utilização
como fonte geradora de energia elétrica, possui mecanismos
capazes de assegurar a utilização sustentável dos recursos
hídricos, bem como garantir o acesso público às águas. O CC,
igualmente, possui várias normas referentes à proteção da
qualidade da água. Podem, ainda, ser apontadas as seguintes
leis:
a) Lei ns 4.466, de 12 de novembro de 1964;
b) Lei n2 5.357, de 17 de novembro de 1967;
c) Lei n2 6.050, de 24 de maio de 1974;
d) Lei na 6.662, de 25 de junho de 1979;
e) Lei n2 6.938, de 31 de agosto de 1981.
Em sede administrativa, existem as Resoluções CONAMA 20/86 e
5/88.
O aspecto que, hodiemamente, se pode considerar superado na
legislação mencionada é aquele que estabelece o acesso não
oneroso às águas. Pela legislação atualmente em vigor, salvo
em alguns Estados, não há um preço para a água em estado
bruto. Isto faz com que o desperdício e descaso com a proteção
e qualidade dos recursos hídricos seja, em geral, muito
grande. A nova política de recursos hídricos tem instrumentos
capazes de dar fim ao problema.
O Código Penal também possui normas destinadas à proteção
dos recursos hídricos.
2.1. Água: Sua Definição
Antes de iniciar a análise do regime jurídico das águas,
necessário se faz seja definido o conceito semântico e
técnico-eientífíco de água. A água é um daqueles elementos que
nos cercam, cuja definição parece ser demasiadamente óbvia e,
em razão disto, dificilmente a encontramos nos livros voltados
para o estudo do seu regime jurídico. Penso que, não obstante
a obviedade, é importante que sejam oferecidas aos leitores as
definições usualmente utilizadas.
construído de maneira que canse o menor prejuízo aos
proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu demo,
a quem incumbem também as despesas de conservação. Art. 1.294.
Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos arts. 1.286 e
1.287. Art. 1.295.0 aqueduto não impedirá que os proprietários
cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a
sua segurança e conservação; os proprietários dos imóveis
poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras
necessidades da vida. Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas
supérfluas, outros poderão canalizá-las, para os fins
previstos no art. 1.293, mediante pagamento de indenização aos
proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de
importância equivalente às despesas que então seriam
necessárias para a condução das águas até o ponto de
derivação. Parágrafo único. Têm preferência os proprietários
dos imóveis atravessados pelo aqueduto.”
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Regime Jurídico dos Recursos Hídricos I
I
O Dicionário Aurélio Eletrônico registra a seguinte
definição para o vocábulo água: Verbete: água [Do lat. aqua.]
S.f.l. Quím. óxido de diidrogênio, líquido, incolor, essencial
à vida. [Fórm.: H2O.J 2. A parte líquida do globo terrestre.8
O Dicionário Geológico Geomorfológico do Professor Antônio
Teixeira Guerra9 assim define a água:
É um composto químico formado de dois átomos de hidrogênio e
um de oxigênio (H2O). A água constitui uma unidade de medida
de densidade e a escala termométrica centesimal (Celsius) se
baseia no seu ponto de sohdiãcação 0° e de ebuhção 100° C.. As
águas estão em constante circulação, .estando presentes tanto
na atmosfera sob a forma de vapor quanto na superfície do solo
sòb a forma líquida, ou mesmo no interior do subsolo,
constituindo lençóis aqüíferos. Três são as partes que
integram o ciclo hidrológico: 1 - Água de evaporação; 2 - Água
de infiltração; 3 ~ Água de escoamento superãcial.
2.2. Conceitos Básicos do Código de Águas
O Código de Águas instituído pelo Decreto n9 24.643, de 10
de julho de 1934,. significou uma profunda alteração nos
dispositivos legais do CC brasileiro, que se destinavam à
regulamentação do regime dominial e de uso das águas no
Brasil. Explica-se o fato na medida em que o CC limitava-se a
uma regulamentação cujo fundamento básico era o direito de
vizinhança e a utilização das águas como bem essencialmente
privado e de valor econômico limitado. O Código de Águas foi
construído a partir de uma concepção inteiramente diversa.
Para o Código de Águas, as águas são um dos elementos básicos
do desenvolvimento, pois a eletricidade é mn subproduto
essencial para a industrialização do país. Ao mesmo tempo, a
lei das águas estabelece um mecanismo de intervenção
governamental com vistas a garantir a qualidade e a
salubridade dos recursos hídricos. Aliás, a diferença
fundamental entre a normatívidade estabelecida pelo CC
brasileiro e pelo Código de Águas está, exatamente, no fato de
que o Código de Águas enfoca as águas como recursos dotados de
valor econômico para a coletividade e, por isto, merecedores
de atenção especial do Estado.
Observe-se que as consideranda que servem de base para a
instituição do Código de Águas são bastante explícitas. De
fato, merecem transcrição os seguintes trechos:
Considerando que o uso das águas no Brasil tem-se regido até
hoje por uma legislação obsoleta, em desacordo com as
necessidades e interesses da coletividade nacional;
considerando que se toma necessário modificar este estado de
coisas, dotando o País de uma legislação adequada que, de
acordo com a tendên-
8 Dezessete significados foram dicionarizados.
9Dicionário Geológico Geomorfológico, Rio de Janeiro: IBGE, 8a
ed., pp. 8-9.
Direito Ambiental
cia atual, permita ao Poder Público controlar e incentivar o
aproveitamento industrial das águas; considerando que, em
particular, a energia hidráulica exige medidas que facilitem e
garantam seu aproveitamento racional...
Merecem destaque, também, os artigos 32 e 33 do Código de
Águas, que estabelecem a possibilidade de desapropriação das
águas em razão de necessidade ou utilidade pública.
Dignas de destaque, igualmente, são as disposições contidas
nos artigos 109/116, que tratam das águas nocivas, e que são
bastante atualizadas, ainda hoje.
É, portanto, a partir de uma ótica intervencionista que
devem ser compreendidos os institutos jurídicos estabelecidos
pelo Código de Águas.
O Código de Águas define uma série de conceitos jurídicos
que são fundamentais para o estudo do Direito e, em especial,
para o Direito Ambiental. A importância dos mencionados
conceitos decorre do fiato de que toda a regulamentação admi-
nistrativa referente à qualidade dos recursos hídricos deverá
levar em consideração o regime dominial ao qual estão
submetidas as águas.
Inicialmente, cumpre considerar que o Código de Águas divide
as águas em três categorias básicas, a saber:
a) públicas,
b) comuns, e
c) particulares.
As águas públicas foram divididas pelo Código em duas
categorias, que são:
a) de uso comum e
b) dominicais.
Vale observar que para que as águas ostentem a condição
jurídica de águas públicas é indispensável que as mesmas sejam
perenes.
As águas públicas de uso comum10 são as seguintes:
a) mar territorial, nos mesmos incluídos os golfos, baías,
enseadas e portos;
b) correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou
flutuáveis;
c) as correntes de que se façam estas águas;
d) as fontes e reservatórios públicos;
e) as nascentes, quando forem de tal modo consideráveis que,
por si só, constituam o caput £uminis;
f) os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os
mesmos influam na navegabilidade ou flutuabilidade;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
g) as situadas em zonas periodicamente assoladas pela seca, nos
termos e de acordo com a legislação especial sobre a
matéria.
As águas públicas dominicais são todas aquelas situadas em
terrenos que ostentem a condição de domínio público dominical,
quando não forem do domínio público de uso comum, ou não forem
comuns. São particulares as nascentes e todas as águas
situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não
estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as
águias públicas ou as águas comuns.
Em relação aos seus proprietários, águas públicas podem se
classificar em federais, estaduais e municipais. São águas
públicas federais quando:
a) sejam marítimas;
b) estejam situadas em territórios federais;
c) sirvam de limites da República com as nações vizinhas ou se
estendam a território estrangeiro;
d) quando situadas na zona de lOOkm contígua aos limites da
República;
e) quando sirvam de limites entre dois ou mais Estados;
f) quando percorrerem parte do território de dois ou mais
Estados.11
São estaduais quando:
a) sirvam de limites a dois ou mais municípios e
b) quando percorram parte dos territórios de dois ou mais
municípios.
As águas públicas são municipais quando exclusivamente
situadas em seu território, respeitadas as restrições que
possam legalmente ser impostas.
Águas comuns são as correntes não navegáveis ou flutuáveis.
Álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar
para o solo natural e ordinariamente enxuto.12 Em sentido
comum, o álveo é o leito do rio, conforme a definição que nos
é fornecida pelo Dicionário Aurélio Eletrônico: Verbete: álveo
[Do lat. alveu.] S. m. 1. Leito (5). 2. Sulco, escavação. O
álveo poderá ser público, de uso comum ou dominical, conforme
a propriedade respectiva das águas. Será particular no caso
das águas comuns ou das águas particulares.13
Nascentes são as águas que surgem naturalmente ou por
indústria humana e que correm dentro de um mesmo prédio
particular e, ainda que o transponham, quando elas não tenham
sido abandonadas pelo proprietário do mesmo.14
Águas pluviais são aquelas que procedem diretamente das
chuvas.15
11Código de Águas, artigo 29,1.
12Código de Águas, artigo 9®.
13Código de Águas, artigo 10.
14Código de Águas, artigo 89.
15Código de Águas, artigo 102.
Direito Ambientai
2.2.1. Outros Conceitos Importantes
Alguns conceitos são importantes para a compreensão do
âmbito de aplicação do Código de Águas, embora o próprio
Código de Águas não nos forneça a sua definição normativa.
Doravante, passarei a apresentar aqueles que julgo serem
essenciais.
2.2.1.1. Rio
Rio é um conceito essencial no que diz respeito à aplicação
do Código de Águas. O rio é uma das classificações em que se
dividem as águas correntes naturais. Na sua acepção semântica,
rio tem o seguinte significado:16
Verbete: rio [Do lat. rivu (riu no lat. vulg.).] S. m, 1.
Curso de água natural, de extensão mais ou menos considerável,
que se desloca de um nível mais elevado para outro mais baixo,
aumentando progressivamente seu volume até desaguar no mar,
num lago, ou noutro rio, e cujas características dependem do
relevo, do regime de águas, etc. [Vafluente (4), curso (3),
foz, leito (5), margem (3) e nascente (5).].
Juridicamente, conforme observa Antônio de Pádua Nunes,17 o
conceito difere daquele que é fornecido pela linguagem comum:
Podemos considerar rio o curso de água que é apto para
navegação ou flutuação, bastando que essa aptidão exista em
algum trecho nos termos do art. 6S do Decreto-lei n-2.281, de
5/9/1940. Se assim não for, a corrente deverá deno~ minar-se
córrego, ribeirão, riacho, arroio etc.
Afrânio de Carvalho18 ensina-nos que:
O rio, no seu todo, compõe-se de três elementos, água, leito
e margem, dos quais a água é o principal, servindo o leito e a
margem para contê-la. Ao passo que a água é um elemento
autônomo, o leito e a margem se completam e solidarizam na
função de continente dela. A margem, como prolongamento
lateral ascendente do leito ou álveo, chega até a orla
saliente da calha do rio, onde serve para hndar a contenção da
água no seu curso normal. Na parte mais baixa, também é
chamada de praia, e na mais alta, de ribanceira, ou barranca,
pois costuma haver uma gradação, maior ou menor, de tuna para
outra, embora seja por vezes quase repentina a mudança, como
nos “canhões” do rio. Assim como o leito, a margem é parte
integrante do rio, mas, ao mesmo tempo, ambos não
16 Didonárío Aurélio Eletrônico, Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.
17 Código de Águas, São Paulo; RT, 2» ed., voL 1, p. 3.
18 Águas Interiores, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 121.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
I
passam realmente de extremidades do solo ribeirinho, dada a
homogeneidade de sua composição.
Bacia hidrográfica - o Vocabulário Básico de Meio Ambiente
apresenta os seguintes significados para o conceito de bacia
hidrográfica:
Área cujo escoamento das águas superficiais contribui para
um único exu- tório... Área de drenagem de um curso d’água ou
lago... Área total drenada por um rio e seus afluentes...
Conjunto de terras drenadas por um rio principal e seus
aãuentes... São grandes superfícies limitadas por divisores de
águas e drenadas por um rio e seus tributários...19
2.2.1.2. Lago e Lagoa
Lago e lagoa são duas definições extremamente importantes
para a legislação protetora dos recursos hídricos. Em sua
acepção comum, o vocábulo lago, originado do latim lacun, é
sinônimo de extensão de água cercada de terras. Já lagoa é
vocábulo que também tem a sua origem no latim, provindo de
lacona, segundo o Dicionário Aurélio Eletrônico, é um lago
pouco extenso. No Brasil é corrente chamar lagoa a qualquer
lago.
2.2.1.3. Corrente
Corrente é vocábulo cujos significados dicionarizados por
Aurélio Buarque são extremamente amplos, em sendo assim,
passarei a apresentar, apenas, aqueles que guardam referência
direta com o nosso tema:
Corrente [Do lat. currentej... Diz-se das águas que correm,
que não se acham estagnadas; corrediço, corredio... O curso
das águas de um rio, de um ribeiro, de um regato;
correnteza...
2.3. Legislação Extravagante de Proteção aos Recursos Hídrieos
Além do Código de Águas, existem outras normas legais, no
Direito brasileiro, que se prestam à proteção dos recursos
hídricos. Cid Tomanik de Pompeu,20 em excelente trabalho,
arrolou o conjunto de normas legais que, mesmo antes do
estabelecimento da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA,
mediante a edição da Lei ne 6.938/81, eram perfeitamente aptas
à prote-
19 Moreira, Iara Verocai Dias. Vocabulário Básico de Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA, 1992, 4a ed., p. 35.
20 Regime Jurídico das Águas Públicas — 1 — Polícia da
Qualidade, São Paulo: Cetesb, s/d, pp. 105 e seguintes.
Direito Ambiental
ção da qualidade das águas públicas e particulares. Tal
legislação, antecedente à concepção jurídica que dá base à
existência do Direito Ambiental, está fundada na defesa da
saúde pública que, como se sabe, é a concepção jurídica que
primeiro serviu para a proteção legal do meio ambiente. Tal
legislação guarda uma relação direta com o processo de
industrialização vivido pelo país a partir da década de 30 e,
sobretudo, a partir dos anos 50. Atualmente, existindo a
legislação específica de Direito Ambiental, com vistas ao
combate da poluição dos recursos hídricos, a legislação
mencionada pelo professor Tomanik Pompeu é importante pelo seu
valor histórico e retrospectivo. Citarei, doravante, algumas
das normas referidas pelo ilustre autor.
Em primeiro lugar, deve ser citado o Decreto n9 23.777, de
23 de janeiro de 1934, que “já estabelecia a obrigatoriedade
do lançamento dos resíduos industriais das usinas açucareiras
nos rios principais, longe das margens, em lugar fundo e cor-
rentoso, devendo, quando não fosse possível, ser adotados
tanques de depuração”.21 Como se observa, não existe uma
preocupação evidente com o tratamento dos rejeitos ou mesmo
com a sua eliminação. Entretanto, o que é bastante louvável,
considerando-se a época, é que existe a preocupação de que
seja evitada a contaminação das águas imediatamente
utilizáveis pelos ribeirinhos.
Decreto-lei ne 3.365, de 21 de junho de 1941, que estabelece
a possibilidade de desapropriação por utilidade pública, na
qual se compreende a salubridade pública. A própria
Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 221 c/c
222, estabelece penalidades para os responsáveis por
instalações industriais que não derem tratamento aos resíduos
produzidos, capaz de tomá-los inofensivos para a coletividade.
As leis posteriores aos anos 50 não foram referidas, pois,
de maneira geral, encontram-se analisadas ao longo de todo o
presente trabalho, em diversos capítulos e tópicos.
3. O Valor Econômico dos Recursos Hídricos
Como já foi visto antes, a legislação brasileira é pródiga
ém normas cujo objetivo é a proteção dos recursos hídricos. A
legislação anterior à Lei n2 6.938/81 tinha como escopo básico
a proteção da saúde humana. O importante da legislação brasi-
leira de proteção aos recursos hídricos é que, mesmo antes da
Lei ne 6.938/81, o Código de Águas e as demais normas jurídicas
voltadas para a proteção dos recursos hídricos já estavam
fundamentados em concepção jurídica que contemplava, simul-
taneamente, a proteção da saúde humana, com a proteção da
qualidade ambiental das águas e com a proteção e manutenção do
valor que as mesmas ostentam para o desenvolvimento econômico
e social. O combate à poluição dos recursos hídricos se
21 Idem, p. 106.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
faz, portanto, a partir do reconhecimento do multifacético
valor assumido pelas águas no Direito brasileiro.
O reconhecimento do valor econômico tem sido assumido desde
a vigência do Código de Águas e ganhou nível constitucional
desde a Carta de 34.
3.1. Desapropriação de Recursos Hídricos
O Código de Águas, em seus artigos 32 e 33, reconhece a
possibilidade de desapropriação dos recursos hídricos. A
desapropriação das águas públicas de uso comum ou patrimoniais
dos Estados ou dos Municípios, bem como as águas comuns ou
particulares, ainda como os seus respectivos álveos e margens,
podem ser desapropriados em razão de necessidade ou utilidade
pública. A declaração de necessidade ou utilidade pública
somente é possível, contudo, quando se tratar da hipótese de
algum serviço público a ser instalado e que esteja previsto na
legislação brasileira.
Em assim sendo, são aplicáveis as hipóteses do artigo 2e, §§
2 e 59, do Decreto-lei ne 3.565, de 21 de junho de 1941, que
9

tratam das desapropriações por utilidade pública. São


aplicáveis, igualmente, as disposições contidas na Lei n9
4.132, de 10 de setembro de 1962, que dispõe sobre a
desapropriação por interesse social. Na lei em tela são
consideradas como de interesse social, por força dos incisos
VI e VII:
As terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária,
pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de
saneamento, portos, transporte, eletriôcação, armazenamento de
água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas
socialmente aproveitadas22 e, ainda, a proteção do solo e a
preservação de cursos e mananciais de água e de reservas
florestais.13
Veja-se que a desapropriação das águas é um instrumento
extremamente poderoso, seja para a proteção da qualidade dos
recursos hídricos com vistas à proteção da saúde humana, seja
com vistas à utilização dos recursos hídricos como fonte
geradora de energia.
3.2. Obrigação de Conservação da Qualidade das Aguas
Antecipando-se aos modernos conceitos de responsabilização
por danos ambientais, o Código de Águas, em seus artigos
109/118, estabelece um sistema pelo qual aquele que
“conspurcar ou contaminar as águas que não consome em prejuízo
de terceiros” deve arcar com o ressarcimento dos prejuízos e
com os custos da recu-
22 Lei n« 4.132, de 10/9/1962, art. 2« VI.
23 Lei vfi 4.132, de 10/9/1962, art. 2«, VII.
Direito Ambiencal
peração da qualidade das águas. Hodiemamente, estaríamos
diante da obrigação de repristinar o meio ambiente agredido
pelo inquinamento.
Estabelecida a proibição geral de conspurcação ou
contaminação das águas em prejuízo de terceiros, conforme as
determinações legais contidas no artigo 109, o próprio Código
de Aguas passa a definir quais os mecanismos que deverão ser
utilizados para a reparação dos danos ambientais,
independentemente da responsabilidade civil, penal e
administrativa. Com efeito, determina o artigo 110 do Código
de Águas:
Os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à
custa dos infratores, que> além da responsabilidade criminal',
se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e
pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos
administrativos.
Verifica-se que, pelo que está disposto na norma, compete ao
poluidor todo o pagamento pelos trabalhos para a salubridade,
isto é, pelos trabalhos para a recomposição da biota agredida,
bem como a indenização pelos danos causados a terceiros ou às
propriedades públicas ou privadas que, eventualmente, tenham
sido prejudicadas pela poluição causada. O poluidor,
igualmente, sujeita-se às sanções administrativas resultantes
da inobservância de regulamentos administrativos e, por fim,
caso o dano ambiental tenha sido provocado por um comporta-
mento criminalmente reprovável, o poluidor deve responder
pelos seus atos perante o juízo do crime.
3.2.1. A Regulamentação Administrativa das Águas
3.2.1.1. Estabelecimento das Classes de Águas
O estabelecimento de um sistema de classificação das águas é
essencial para que se possa organizar o sistema administrativo
destinado a exercer a fiscalização do controle de qualidade
das águas interiores. A primeira classificação das águas
realizadas no Brasil foi estabelecida pela Portaria ne 13/76 do
Ministério do Interior que, na época, era o órgão ao qual
estava vinculada a antiga SEMA - Secretaria Especial do Meio
Ambiente.
Atualmente, a matéria está regida por resoluções do CONAMA.
A água é um dos componentes do meio ambiente natural que tem
merecido as maiores atenções administrativas por parte do
CONAMA. Diversas têm sido as resoluções voltadas para a
proteção dos recursos hídricos. A atividade administrativa do
CONAMA diri- ge-se seja para a proteção das águas marinhas,
seja para a proteção das águas doces. O principal instrumento
regulamentar é a resolução CONAMA n9 357, de 17 de março de
2005:
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos Classificação das
águas conforme o uso preponderante
Classi
ficaçã Clas
o se
Águas destinadas ao abastecimento
para consumo humano, com
desinfecção; à preservação do
equilíbrio natural das comunidades
aquáticas, e a preservação dos
ambientes aquáticos em unidades de
conservação de proteção integral.
Águas destinadas ao abastecimento
para consumo humano, após tratamento
simplificado; à proteção das
comunidades aquáticas; à recreação
de contato primário, tais como:
natação, esqui aquático e mergulho,
conforme Resolução CONÀMA n» 274, de
2000; à irrigação de hortaliças que
são consumidas cruas e de frutas que
se desenvolvam rentes ao solo e que
sejam ingeridas cruas sem remoção de
película; e à proteção das comuni-
dades aquáticas em Terras Indígenas.
Espe Águas destinadas ao abastecimento
dal para consumo humano, após tratamento
convencional; à proteção das
comunidades aquáticas; à recreação
de contato primário, tais como:
natação, esqui aquático e mergulho,
conforme Resolução CONAMA n® 274, de
2000; à irrigação de hortaliças,
plantas frutíferas e de parques,
jardins, campos de esporte e lazer,
com os quais o público possa vir a
ter contato direto; e à aquicultura
e a atividade de pesca.
Águas destinadas ao abastecimento
para consumo humana, após tratamento
convencional ou avançado; à
irrigação de culturas arbóreas,
cerealíferas e forrageiras; a pesca
amadora; a recreação de contato
secundário; e a dessedentação de
animais.
Águas destinadas à navegação; à
1 harmonia paisagística.
Águas destinadas à preservação dos
ambientes aquáticos em unidades de
conservação de proteção integral; e
à preservação do equilíbrio natural
das comunidades aquáticas.
Águas Águas destinadas à recreação de
doces contato primário, conforme Resolução
CONAMA na 274, de 2000; à proteção
das comunidades aquáticas e à
aquicultura e a atividade de pesca.
Águas destinadas à pesca amadora; e
2 a recreação de contato secundário.
Águas destinadas à navegação; à
harmonia paisagística.
Águas destinadas à preservação dos
ambientes aquáticos em unidades de
conservação de proteção integral; e
à preservação do equilíbrio natural
das comunidades aquáticas.
3 Águas destinadas à recreação de
contato primário, conforme Resolução
CONAMA n» 274, de 2000; à proteção
das comunidades aquáticas; à
aquicultura e a atividade de pesca;
ao abastecimento para consumo
humano, após tratamento convencional
ou avançado; à irrigação de
hortaliças que são consumidas cruas
e de frutas que se desenvolvam
rentes ao solo e que sejam ingeridas
cruas sem remoção de película, e à
irrigação de parques, jardins,
campos de esporte e lazer, com os
quais o público possa vir a ter
contato direto.
Aguas destinadas à pesca amadora; e
4 a recreação de contato secundário.
Águas destinadas à navegação; à
harmonia paisagística.
Espe
cial
1
2
3
Espe
cial
Águas
Salina
s 1

2
Águas 3
Salobr
as
Direito Ambiental
4. As Águas Submetidas ao Regime Jurídico de Direito Privado
4.1. Normas Gerais Estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro
Apesar da existência do Código de Águas, que regulamentou a
apropriação e a utilização pública e privada das águas,
remanescem as normas do CC brasileiro quanto ao particular. O
Código de Águas não significou uma revogação pura e simples
das normas contidas no CC brasileiro sobre o regime jurídico
das águas. Conforme afirma Afrânio de Carvalho:24
O Código de Águas de 1934 cobriu interstícios deixados pelo
CC, de sorte que os dois diplomas, embora se repitam em certo
tanto, noutro tanto se completam.
Como já foi dito anteriormente, as águas podem estar
submetidas ao regime de Direito Público ou ao regime de
Direito Privado. Nesta altura do presente trabalho, cumpre
examinar as águas que se encontram submetidas ao regime
jurídico de Direito Privado. Do ponto de vista do Direito
Privado, a matéria encontra-se regulada no chamado direito de
vizinhança.
O CC trata do assunto nos artigos 1.288 e seguintes que
complementam as normas do Código de Águas, sobretudo no que se
refere aos aspectos de vizinhança. Conforme observa Silvio
Rodrigues:25
Quando dentro do campo da vizinhança, fala-se em regime de
águas legalmente estabelecido, tem-se em vista o complexo das
normas reguladoras das relações entre vizinhos, referentes às
águas de nascente e pluviais, que, com o escopo de harmonizar
interesses e compor conflitos, criam direitos e obrigações
recíprocos.
Os direitos e obrigações recíprocos que são estabelecidos
pelo CC dizem respeito à garantia do livre fluxo das águas do
prédio superior para o prédio inferior, da obrigação de
receber as águas que fluem normalmente etc. A matéria
encontra-se também no Código de Águas, em seus artigos 68/138.
Os principais direitos e obrigações concernentes à
utilização das águas são os seguintes:26
Principais direitos
a) o que tem o dono do prédio superior de facilitar o
escoamento das águas mediante abertura de sulcos e drenos;
24 Carvalho, Afrânio de. Ob. cit., p. 114.
25 Direito Civil - Direito das Coisas, vol. V, São Paulo:
Saraiva, 1980,10a ed., p. 140.
26 Classificação feita pelo Professor Orlando Gomes e
apresentada por Maria Helena Diniz, in Curso de Direito
Civil Brasileiro - Direito das Coisas, vol. IV, São Paulo:
Saraiva, 6» ed., 1989, pp. 181-182.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
b) o que tem o proprietário do prédio inferior de facilitar o
escoamento natural das águas com a abertura de canais e
valetas;
c) o de captar as águas de que se serve;
d) o que tem o dono do prédio superior de utilizar-se
livremente das águas de fonte não captada para satisfazer
suas necessidades;
e) o que tem o proprietário do prédio inferior sobre as sobras
de fonte não captada pelo prédio superior;
f) o de captar água de fonte;
g) o de utilizar-se das águas pluviais;
h) o de aproveitar águas de rios públicos;
i) o de canalizar, através de prédios alheios, as águas a
que tenha direito;
j) o de captar águas dos rios que banhem ou atravessem seu
terreno;
1) o de alterar o álveo da corrente que atravessa seu imóvel,
desde que mantendo o mesmo ponto de saída para o prédio
inferior.
Quanto às principais obrigações, estas são as seguintes:
a) a que tem o dono do prédio inferior de receber as águas que
correm naturalmente do superior, isto é, as águas correntes
por obra da natureza e as águas pluviais;
b) a que tem o dono do prédio superior de não aumentar o
ímpeto das águas, reunindo-as num só curso;
c) a que tem o dono do prédio inferior de consentir que o
proprietário do prédio superior penetre seu terreno para a
execução de trabalhos de conservação e limpeza;
d) a do dono do prédio superior de não impedir o curso natural
das águas pelos prédios inferiores;
e) a de permitir, através de seus prédios, o aqueduto;
f) a de não captar toda a água da corrente que atravessa ou
banha seu terreno, para não privar o dono do prédio vizinho
da parte que lhe toca;
g) a que tem o dono do prédio superior de não piorar a
situação do prédio inferior, com as obras que fizer para
facilitar o escoamento das águas.
4.1.1. Regime de Prescrição
Sendo certo que a água é um bem juridicamente apropriável, o
regime de prescrição incidente sobre o mesmo é muito
importante. Como se sabe, através da aplicação do regime de
prescrição são possíveis a perda e a aquisição de bens. A
matéria está regulada pelo artigo 79 do Código de Águas, que
estabelece:
É imprescritível o direito de uso sobre as águas das
correntes, o qual só poderá ser alienado por título ou
instrumento público, permitida não sendo, entretanto, a
alienação em benefício de prédios não marginais, nem com pre-
juízo de outros prédios, aos quais pelos artigos anteriores é
atribuída a preferên~
Direito Ambiental
cia no uso das mesmas águas. Parágrafo único. Respeitam-se os
direitos adquiridos até a data da promulgação deste Código,
por título legítimo ou prescrição que recaia sobre oposição
não seguida, ou sobre a construção de obras no prédio
superior, de que se possa inferir abandono do primitivo
direito.
4.2. Normas do Código de Águas Referentes ao Aproveitamento de
Águas Comuns e Particulares
A disposição mais importante do Código de Águas sobre as
águas particulares é aquela que está contida no artigo 68, que
estabelece o regime de inspeção e autorização administrativa
para as águas comuns e as particulares, no interesse da saúde
e da segurança pública; e para as águas comuns, no interesse
dos direitos de terceiros ou da qualidade, curso ou altura das
águas públicas. Note-se que, aqui, está estabelecida uma norma
de grande alcance ambiental, pois considera a água como um
interesse público, independentemente de seu regime de domínio.
5. A Política Nacional de Recursos Hídricos
A CF de 1988, como já foi exaustivamente dito ao longo de
todo o presente trabalho, é um marco significativo na mudança
de concepção sobre o meio ambiente e de sua proteção legal.
Infelizmente, muitos aspectos verdadeiramente inovadores da
Carta ainda não passaram pela necessária densificação
legislativa. Felizmente, naquilo que diz respeito aos recursos
hídricos, o legislador federal estabeleceu uma nova normação
que possibilitou o estabelecimento da Política Nacional de
Recursos Hídricos - PNRH que, como se verá adiante, não é
antagônica à Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, ao
contrário, ambas são complementares. A Política Nacional de
Recursos Hídricos - PNRH está estabelecida pela Lei ne 9.433,
de 8 de janeiro de 1997.
5.1. Princípios Gerais da Política Nacional de Recursos
Hídricos - PNRH
Os princípios basilares da Política Nacional de Recursos
Hídricos - PNRH estão estabelecidos no artigo 1® e seus
incisos, da Lei ns 9.433/97. Eles são os seguintes:
a) a água é um bem de domínio público;
b) a água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico;
c) em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos
hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos animais;
d) a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar o uso
múltiplo das águas;
e) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos -
PNRH e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos;
f) a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e
contar com a participação do Poder Público, dos usuários e
das comunidades.
■ÉS
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O principal aspecto que pode ser compreendido destes
princípios é que a nova concepção legal busca encerrar com a
verdadeira apropriação privada e graciosa dos recursos
hídricos. Com efeito, sabemos que a indústria e a agricultura
são os grandes usuários dos recursos hídricos. Normalmente, a
água é captada, utilizada e devolvida para o seu local de
origem, sem que aqueles que auferem vantagens e dividendos com
a sua utilização paguem qualquer quantia pela atividade. E
mais, a recuperação e manutenção das boas condições sanitárias
e ambientais dos recursos hídricos, conspurcados pelas
diversas atividades econômicas que deles dependem, é um
encargo de toda a sociedade que, com seus impostos, subsidia
de forma inaceitável diversas atividades privadas.
A Política Nacional de Recursos Hídricos — PNRH, em seus
princípios, rompe com a antiga e errônea concepção de que os
problemas referentes aos recursos hídricos podem ser
enfrentados em desconsideração das realidades geográficas. A
adoção da gestão por bacias é um passo fundamental para que se
consiga um padrão ambien- talmente aceitável para os nossos
recursos hídricos. Igualmente relevante é a adoção do critério
de que a gestão dos recursos hídricos é um elemento de
interesse de toda a sociedade e que, portanto, somente em
ações conjuntas é que se conseguirá obter resultados
favoráveis.
5.1.1. Objetivos
A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH tem por
objetivos os
seguintes:
a) assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos;:
b) a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,
incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
c) a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos
de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos
recursos naturais.
5.2. Instrumentos
A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH possui os
instrumentos capazes de tomá-la exequível. Estes instrumentos
são os seguintes:
a) os planos de recursos hídricos;
b) o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os
usos preponderantes da água;
c) a outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
d) a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
e) o sistema de informação sobre os recursos hídricos.
Direito Ambiental
Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores cujo
objetivo é fundamentar e orientar a implantação da Política
Nacional de Recursos Hídricos — PNRH, bem como o gerenciamento
dos recursos hídricos. Os Planos de Recursos Hídricos carac-
terizam-se por serem planos de longo termo. O plano deverá ter
o seguinte conteúdo mínimo:
a) diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;
b) análise das alternativas de crescimento demográfico, de
evolução das atividades produtivas e da modificação dos
padrões de ocupação do solo;
c) balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos
recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com
identificação de conflitos potenciais;
d) metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e
melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;
e) medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e
projetos a serem implantados para o atendimento de metas
previstas;
f) prioridades para outorga de direitos de uso de recursos
hídricos;
g) diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos
recursos hídricos;
h) propostas para a criação de áreas sujeitas à restrição de
uso com vistas à proteção dos recursos hídricos.
Os planos poderão ser criados em nível local, regional e
nacional.
O enquadramento dos corpos de água em classes, já existentes
anteriormente, conforme já foi visto, tem por objetivo atingir
os seguintes resultados:
a) assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais
exigentes a que forem destinadas;
b) diminuir os custos do combate à poluição das águas,
mediante ações preventivas permanentes.
5.2.1. Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos
Juntamente com o estabelecimento da cobrança pela utilização
dos recursos hídricos, este é um dos fatores mais importantes
nas modificações trazidas pela nova legislação. Com efeito,
através da outorga, o Estado passa a ter controle sobre a cap-
tação e o lançamento de efluentes nos corpos de água. A
inexistência de tais controles, como se sabe, acarretou
consequências extremamente negativas. De fato, antes da
legislação atual, o bem público água era apropriado
privadamente, gerando lucro e riqueza para os seus usuários e
transferindo os ônus da manutenção de sua qualidade para a
sociedade como um todo. Esta prática, é desnecessário dizer,
era extremamente antissocial.
A outorga do direito de uso é um instituto jurídico
administrativo cujos contornos ainda não estão muito bem
definidos, em razão de sua novidade em nosso sistema jurídico.
O artigo 11 da Lei ne 9.433, de 8 de janeiro de 1997,
estabelece que:
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos
tem como
objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo
dos usos da água e o
efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
A própria lei estabeleceu, em seu artigo 12, quais são os
direitos que se encontram submetidos ao regime de outorga. São
os seguintes os direitos recém-mencionados:
a) derivação ou captação de parcela de água existente em corpo
de água para consumo final, inclusive abastecimento público,
ou insumo de processo produtivo;
b) extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final
ou insumo de processo produtivo;
c) lançamento, em corpo de água, de esgotos e demais resíduos
líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua
diluição, transporte ou disposição final;
d) aproveitamento de potenciais hidrelétricos;
e) outros usos que alteram o regime, a quantidade ou a
qualidade da água existente em um corpo de água.
Bem se vê que o grande número de atividades sujeitas ao
regime de outorga, necessariamente, acarretará úm maior
controle das atividades que, de alguma forma, utilizam os
corpos hídricos. A outorga deverá ser solicitada à entidade de
direito público que tenha a titularidade do corpo hídrico, ou
a quem lhe faça as vezes.
A outorga deve ser tida como um instituto jurídico
administrativo intermédio entre a autorização e a licença
administrativa. Embora não seja concedida em caráter precário,
igualmente não o é, de forma definitiva. Há que se observar,
entretanto, que, na forma do artigo 15, existe uma expressa
previsão legal das diversas hipóteses nas quais se poderá
registrar a suspensão da outorga. A suspensão da outorga de
recursos hídricos poderá ser; (a) parcial e (b) total. Ou
ainda: (a) definitiva ou (b) por tempo limitado. Os motivos
legais que podem acarretar a suspensão da outorga são os
seguintes:
a) não-cumprhnento, pelo outorgado, dos termos da outorga;
b) ausência de uso por três anos consecutivos;
c) necessidade premente de água para atender a situações de
calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas
adversas;
d) necessidade de prevenir ou reverter grave degradação
ambiental;
e) necessidade de atender a usos prioritários, de interesse
coletivo, para os quais não se disponha de fonte
alternativa;
f) necessidade de serem mantidas as características de
navegabilidade do corpo hídrico.
Todas as hipóteses previstas em lei estão bastante evidentes e
são voltadas para o atendimento de um interesse público
relevante. Mesmo o não-cumprimento dos
Direito Ambiental
termos da outorga significa tuna violação de interesse
público, pois a outorga, quando concedida, visa uma exploração
sustentável do recurso, dentro de um planejamento mais
abrangente.
A outorga, concedida pelo prazo de 35 anos, renováveis, não
implica alienação das águas, mas, apenas e tão-somente, a
autorização para a sua adequada utilização.
5.2.2. Cobrança pela Utilização dos Recursos Hídricos
A cobrança pelo uso da água está inserida em um princípio
geral do Direito Ambiental que impõe, àquele que,
potencialmente, auferirá os lucros com a utilização dos
recursos ambientais, o pagamento dos custos. A cobrança,
portanto, está plenamente inserida no contexto das mais
modernas técnicas do Direito Ambiental e é socialmente justa.
A cobrança pela utilização do uso dos recursos hídricos não é
um fim em si mesmo mas, ao contrário, um instrumento utilizado
para o alcance de finalidades precisas. A cobrança não tem a
natureza de tributo. São objetivos da cobrança pela utilização
dos recursos hídricos:
a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma
indicação de seu real valor;
b) obter recursos financeiros para o financiamento dos
programas e interações contemplados nos planos de recursos
hídricos.
A cobrança pela utilização dos recursos hídricos deve ser
realizada tendo por base os critérios legais fixados na lei,
sendo certo que a sua utilização prioritária deve ocorrer na
bacia hidrográfica que tenha gerado o recurso financeiro. A
aplicação dos recursos poderá ser feita a fundo perdido, ou
seja, o dinheiro retoma à sua origem com vistas ao
financiamento de projetos e obras que alterem, de modo
considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade
e o regime de vazão dos corpos de água.
5.2.3. Administração dos Recursos Hídricos
A administração dos recursos hídricos é feita em três
níveis.
a) Conselho Nacional dos Recursos Hídricos;
b) Comitês de Bacias Hidrográficas; e
c) Agências de Água.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi
constituído tendo por base os seguintes objetivos:
a) coordenar a gestão integrada das águas;
b) implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos —
PNRH;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
c) arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com
os Recursos Hídricos;
d) planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a
recuperação dos Recursos Hídricos;
e) promover a cobrança pela utilização dos Recursos Hídricos.
O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos é
integrado por:
a) Conselho Nacional dos Recursos Hídricos;
b) Conselho de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito
Federal;
c) Comitês de Bacias Hidrográficas; e
d) os órgãos dos poderes públicos federais, estaduais e
municipais, cujas competências se relacionem com a gestão
dos recursos hídricos.
5.2.3.1. Constituição e Competências do Conselho Nacional dos
Recursos Hídricos
O Conselho Nacional dos Recursos Hídricos tem a seguinte
composição:27
a) Presidência do Ministro de Estado do Meio Ambiente;
b) Representante do Ministérioda Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;
c) Representante do Ministério da Ciência e Tecnologia;
d) Representante do Ministério da Fazenda;
e) Representante do Ministério da Defesa;
f) Representante do Ministério do Meio Ambiente;
g) Representante do Ministériodo Planejamento, Orçamento e
Gestão;
h) Representante do Ministério das Relações Exteriores;
i) Representante do Ministério da Saúde;
j) Representante do Ministério dos Transportes; k)
Representante do Ministério da Justiça;
1) Representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior;
m) Representante do Ministério da Integração Nacional; n) Um
representante da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
da Presidência da República;
o) Um representante:
L Da Agência Nacional de Águas - ANA, ii. Da Agência
Nacional de Energia Elétrica - ANEEL; p) Representantes
indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; q)
Representantes dos usuários dos Recursos Hídricos; r)
Representantes das organizações civis dos Recursos Hídricos.
27 Decreto n° 3.978, de 22/10/2001.
Direito Ambiental
Ao Conselho compete:
a) promover a articulação do planejamento dos Recursos
Hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais
e dos setores usuários;
b) arbitrar, em últimà instância administrativa, os conflitos
existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
c) deliberar sobre os projetos de aproveitamento dos Recursos
Hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados
em que serão implantados;
d) deliberar sobre as questões que lhes tenham sido
encaminhadas pelos Conselhos Estaduais dos Recursos Hídricos
ou pelos Comitês de Bacias Hidrográficas;
e) analisar propostas de alteração da legislação pertinente a
Recursos Hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos
- PNRH;
f) estabelecer diretrizes complementares para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, aplicação de
seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional dos Recursos
Hídricos;
g) aprovar propostas de instituição de Comitês de Bacia
Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a
elaboração de seus regimentos.
.2.3.2. Comitês de Bacia Hidrográfica
Os Comitês de Bacia Hidrográfica poderão ter como áreas de
atuação:
a) a totalidade de uma bacia hidrográfica;
b) sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água
principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou
c) grupo de bacias ou sub-bacias contíguas.
Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua
área de atuação:
a) promover o debate das questões relacionadas a recursos
hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes;
b) arbitrar, em primeira instância administrativa, os
conflitos relacionados aos recursos hídricos;
c) aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
d) acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da
bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento
de suas metas;
e) propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e
lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da
obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos
hídricos, de acordo com os domínios destes;
f) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso dos recursos
hídricos e sugerir os valores a serem cobrados;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
g) estabelecer critérios e promover o rateio dos custos das
obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
É a seguinte a composição dos Comitês de Bacia:
a) representante da União;
b) representante do Estado e do Distrito Federal cujos
territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas
respectivas áreas de atuação;
c) representantes dos Municípios situados, no todo ou em
parte, em suas áreas de atuação;
d) representantes dos usuários das águas em sua área de
atuação;
e) das entidades civis de recursos hídricos com atuação
comprovada na bacia.
Nas hipóteses em que os Comitês estejam constituídos em
áreas que envolvam Terras Indígenas, deverão ser integrados
por representantes da Fundação Nacional do índio — FUNAI e das
comunidades indígenas da região.
5.3. Infrações e Penalidades
São infrações às normas de utilização dos Recursos Hídricos:
a) derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer
finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;
b) iniciar a implantação ou implantar empreendimento
relacionado com a derivação ou a utilização de recursos
hídricos, superficiais ou subterrâneos, que impliquem
alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos,
sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;
c) utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou
serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as
condições estabelecidas na outorga;
d) perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-
los sem a devida autorização;
e) fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou
declarar valores diferentes dos medidos;
f) infringir normas estabelecidas em regulamento,
compreendendo as normas administrativas emanadas dos órgãos
competentes;
g) obstar ou dificultar as ações da fiscalização competente.
As penalidades aplicáveis são as seguintes:
a) advertência por escrito, na qual será fixado o prazo para a
correção da irregularidade;
b) multa simples ou diária, proporcional à gravidade da
infração;
Direito Ambientai
c) embargo provisório, por prazo determinado, para a execução
de serviços e obras necessárias para o cumprimento das
normas legais referentes aos recursos hídricos;
d) embargo definitivo» com revogação da outorga.
5.4. Agência de Agua
As Agências de Água têm por função o desempenho das
atividades técnicas necessárias para que os Comitês de Bacia
Hidrográfica possam ver aplicadas as suas deliberações. As
Agências de Água podem prestar serviços para mais de um
Comitê. As Agências de Água deverão ter a sua constituição
autorizada pelos Comitês ou pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos. São condições legais necessárias à constituição de
Agências de Água:
a) prévia existência do Comitê ou dos Comitês de Bacia
Hidrográfica que as tenham instituído;
b) viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos
recursos hídricos em sua área de atuação.
Incumbe à Agência de Bacia, na sua área de atuação:
a) manter balanços atualizados da disponibilidade de recursos
hídricos em sua área de atuação;
b) manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
c) efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo
uso dos recursos hídricos;
d) analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a
serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo
uso dos recursos hídricos e enca- minhá-los à instituição
financeira responsável pela administração desses recursos;
e) acompanhar a administração financeira dos recursos
arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos em
sua área de atuação;
f) gerir o sistema de informações sobre recursos hídricos em
sua área de atuação;
g) celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços
para a execução de suas competências;
h) elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à
apreciação do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia
Hidrográfica;
i) promover os estudos necessários para a gestão dos recursos
hídricos na sua área de atuação;
j) elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do
respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica.
Compete, ainda, às Agências de Água propor ao respectivo ou
respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para
encaminha mento ao respectivo conselho nacional ou conselhos
estaduais de recursos hídricos, de acordo com o domínio
destes;
b) os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos
hídricos;
c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a
cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
d) o rateio do custo das obras de uso múltiplo, de interesse
comum ou coletivo.
5.4.1, Organizações Civis de Recursos Hídricos
Nos termos da Lei ns 9.433, de 8 de janeiro de 1997, artigo
47, são consideradas organizações civis de recursos hídricos:
a) consórcios e associações intermunicipais de bacias
hidrográficas;
b) associações regionais, locais ou setoriais de usuários de
recursos hídricos;
c) organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse
na área de recursos hídricos;
d) organizações não-govemamentais com objetivos de defesa de
interesses difusos e coletivos da sociedade;
e) outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou
pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos.
5.4.2. Agência Nacional de Águas - ANA
5.4.2.1. Apresentação
A edição da Lei Federal nQ 9.984, de 17 de julho de 2000,
que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas -ANA,
entidade federal de implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências,
foi um poderoso instrumento legal para a complementação do
novo modelo de gestão dos recursos hídricos estabelecido pela
Lei Federal n2 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
O Brasil é um país, como se sabe, extremamente bem
aquinhoado com recursos hídricos28 que, no entanto, necessita
que os mesmos sejam geridos de forma racional e capaz de
preservá-los para as presentes e futuras gerações. Assim como
a renda, a distribuição de recursos hídricos em nosso
território é bastante desigual e, portanto, carecedora de uma
intervenção que possa promover o equilíbrio e as necessárias
compensações entre as regiões e os diferentes usuários do
recurso. Em última análise, a Agência Nacional de Águas tem o
papel de ser a entidade encarregada de dar

28 Se considerarmos apenas as águas subterrâneas - potencial


até hoje praticamente: inexplorado no país devemos observar
que o aquífero Guarani, com a extensão total de 1,2 milhão
de km2, está localizado praticamente todo no Brasil,
considerando-se que o seu potencial de água é suficiente
para abastecer o planeta até o ano 2300.
Direito Ambientai
execução às decisões políticas capazes de definir usos
adequados para os recursos hídricos brasileiros, atendendo às
diferentes necessidades nacionais de forma equilibrada e
contemplando todos os usos e velando para que uns não se
sobreponham aos outros, assegurando o equilíbrio entre as
diferentes demandas dos diferentes usuários.
S.4.2.2. Competências da Agência Nacional de Águas
De acordo com o determinado na Lei Federal ns 9.433, de 8 de
janeiro de 1997, compete ao Conselho Nacional de Recursos
Hídricos promover a articulação dos planejamentos nacional,
regionais, estaduais e dos setores usuários elaborados pelas
entidades que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos e formular a Política Nacional de Recursos
Hídricos. O mencionado Conselho, entretanto, não possui
competências executivas; estas pertencem à Agência Nacional de
Águas - ANA. É importante observar, entretanto, que a Agência
Nacional de Águas - ANA não está organizada
administrativamente como as demais agências criadas após o
processo de concessões e privatizações que vem sendo
implantado pela administração pública brasileira desde a
década de 90 do século XX A Agência Nacional de Águas - ANA,
diferentemente da Agência Nacional de Energia Elétrica -
ANEEL, Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e Agência
Nacional do Petróleo - ANP, não possui autonomia
administrativa frente à Administração, pois é organizada sob a
forma de autarquia sob regime especial, com autonomia
administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, com a finalidade de implementar, em sua esfera de
atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos,
integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. No desempenho de suas funções, a Agência Nacional de
Águas - ANA deverá observar os fundamentos, objetivos,
diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos, articulando-se com órgãos e entidades públicas e
privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
A competência da Agência Nacional de Águas - ANA é a seguinte:
i) supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades
decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente
aos recursos hídricos;
ii) disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a
operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos
da Política Nacional de Recursos Hídricos;
iii) outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso
de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União,
observado o disposto nos arts. 5e, 69,7a e 8e da lei que
instituiu a Agência Nacional de Águas - ANA;
iv) fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água
de domínio da União;
v) elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem
cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União,
com base nos mecanismos e quantitati-
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
vos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, na forma do
inciso VI do art. 38 da Lei n2 9.433, de 1997;
vi) estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação
de Comitês de Bacia Hidrográfica;
vii) implementar, em articulação com os Comitês de Bacia
Hidrográfica, a cobrança pelo uso de recursos hídricos de
domínio da União;
viii) arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por
intermédio da cobrança pelo uso de recursos hídricos de
domínio da União, na forma do disposto no art, 22 da Lei n*
9.433, de 1997;
ix) planejar e promover ações destinadas a prevenir ou
minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em
articulação com o órgão central do Sistema Nacional de
Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios;
x) promover a elaboração de estudos para subsidiar a aplicação
de recursos financeiros da União em obras e serviços de
regularização de. cursos de água, de alocação e distribuição
de água, e de controle da poluição hídrica, em consonância
com o estabelecido nos planos de recursos hídricos;
xi) definir e fiscalizar as condições de operação de
reservatórios por agentes públicos e privados, visando
garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme
estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas
bacias hidrográficas;
xii) promover a coordenação das atividades desenvolvidas no
âmbito da rede hidrometeorológica nacional, em articulação
com órgãos e entidades públicos ou privados que a integram,
ou que dela sejam usuários;
xiii) organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de
Informações sobre Recursos Hídricos;
xiv) estimular a pesquisa e a capacitação de recursos humanos
para a gestão de recursos hídricos;
xv) prestar apoio aos Estados na criação de órgãos gestores
de recursos hídricos;
xvi) propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o
estabelecimento de incentivos, inclusive financeiros, à
conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos.
Em se tratando de bacias hidrográficas compartilhadas com
países vizinhos, evidentemente que a ANA não poderá
ultrapassar ou deixar de observar os limites estabelecidos em
tratados internacionais ou multilaterais.
5.4.2.2.I. Exceções às Atribuições da ANA
As atribuições da ANA são marcadas por algumas exceções
bastante claras e que, de certa forma, são bastante razoáveis,
pois implicam a utilização do Poder Regulamentar em níveis
superiores aos de uma simples agência administrativa. Refiro-
me, por exemplo, às restrições à utilização normal e regular
dos recursos hídricos quando envolverem a aplicação de
racionamentos preventivos, que somen
Direito Ambiental
te poderão ser promovidas mediante a observância de critérios
a serem definidos em decreto do Presidente da República.
Sempre que se tratar da definição das condições de operação
de reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos, esta será
efetuada em articulação com o Operador Nacional do Sistema
Elétrico — ONS. Em salutar medida de descentralização admi-
nistrativa, a ANA poderá delegar ou atribuir a agências de
água ou de bacia hidrográfica a execução de atividades de sua
competência, nos termos do art. 44 da Lei n2 9.433, de 1997, e
demais dispositivos legais aplicáveis.
5.4.2.2.2. A Outorga Administrativa como Instrumento de
Gestão de Recursos Hídricos
Não é demais relembrar que a água, quando apropriável com
finalidades econômicas, é tratada pela moderna legislação
ambiental brasileira como recurso hídrico. Este é um elemento
extremamente importante e necessário para a adequada com-
preensão do novo tratamento dispensado às águas pelo direito
brasileiro, especialmente naquilo que diz respeito à
apropriação de águas públicas com a finalidade de gerar
riquezas econômicas, sejam públicas ou privadas. Entendeu o
legislador brasileiro, acertadamente, em meu ponto de vista,
que a natureza comunitária da titularidade dos recursos
hídricos impede que os mesmos sejam utilizados como instru-
mento para produzir riqueza apenas para um indivíduo ou grupo
de indivíduos, sem que se estabeleça um mecanismo de
compensação para a coletividade.
A outorga é o instrumento jurídico administrativo que foi
instituído pelo legislador ordinário para definir as
condições29 pelas quais o usuário dos recursos hídricos poderá
captá-lo ou nele lançar efluentes, dentro de critérios
técnicos que assegurem a sustentabilidade do recurso.
5.4.2.2.2.I. Limites e Condições da Outorga
O artigo 5 da lei de regência estabeleceu os seguintes
S

prazos:
a) até dois anos, para início da implantação do empreendimento
objeto da outorga;
b) até seis anos, para conclusão da implantação do
empreendimento projetado;
c) até trinta e cinco anos, para vigência da outorga de
direito de uso.
Na fixação dos prazos mencionados, a autoridade
administrativa deverá levar em conta a natureza e o porte do
empreendimento, bem como, quando for o caso, o período de
retomo do investimento. Em consequência disto, os prazos
estabelecidos nas letras (a) e (b) poderão ser ampliados,
quando o porte e a importância social e
29 Nos atos administrativos de outorga de direito de uso de
recursos hídricos de cursos de água que banham o semiárido
nordestino, expedidos nos termos do inciso IV deste artigo,
deverão constar, explicitamente, as restrições decorrentes
dos indsos III e V do art. 15 da Lei n» 9.433, de 1997.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
econômica do empreendimento justificarem a ampliação, desde
que ouvido o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Quanto ao
prazo estabelecido na letra (c), o mesmo poderá ser prorrogado
pela ANA, respeitando-se as prioridades estabelecidas nos
Planos de Recursos Hídricos.
É importante assinalar que as outorgas de direito de uso de
recursos hídricos para concessionárias e autorizadas de
serviços públicos e de geração de energia hidrelétrica
vigorarão por prazos coincidentes com os dos correspondentes
contratos de concessão ou atos administrativos de autorização.
A medida justifica-se em função dos elevadíssimos
investimentos necessários e do evidente interesse público
envolvido na matéria.
5.4.2.2.2.2. Outorga Preventiva e Declaração de Reserva de
Disponibilidade Hídrica
A lei estabeleceu a figura da “outorga preventiva” de uso de
recursos hídricos. Tal outorga tem por finalidade dedarar a
disponibilidade de água para os usos requeridos, observado o
disposto no art. 13 da Lei n2 9.433, de 1997.0 termo outorga
preventiva, em minha opinião, é incorreto e não deveria ser
utilizado. Em primeiro lugar, porque não é, efetivamente, uma
outorga, pois a outorga é um consentimento administrativo,
para que uma determinada quantidade de recursos hídricos possa
ser apropriada economicamente, como parte de um processo
produtivo ou como corpo receptor de efluentes. Ela, como se
sabe, estabelece prazos e condições para que um bem público
possa ser momentaneamente utilizado privadamente (desde que
tenha utilidade para a coletividade). Como se passará a ver, a
“outorga preventiva” não exerce qualquer função similar.
Em segundo lugar, há que se considerar que a outorga
preventiva não confere direito de uso de recursos hídricos. O
seu único objetivo é o de reservar a vazão passível de
outorga, possibilitando aos investidores o planejamento de
empreendimentos que necessitem desses recursos. Em verdade, o
que existe é uma declaração feita pelo poder público dirigida
a um determinado empreendedor, no sentido de que, em tese, há
vazão suficiente para o empreendimento projetado. Existe, no
particular, um certo grau de similaridade com a Licença Prévia
(IP) prevista na legislação de licenciamento ambiental.
Entretanto, diferentemente do que ocorre com a LP, a concessão
da “outorga preventiva” não cria uma vinculação da
administração para com as razões nela estabelecidas. Em
primeiro lugar porque a lei, expressamente, afasta a
incidência do direito adquirido para a hipótese. Por outro
lado, a administração, ao concedê-la, gera para o particular
uma expectativa de direito bastante relevante, pois o
planejamento é feito com base em custos projetados desde uma
determinada carga de vazão. Uma alteração neste particular,
não se desconhece, pode ser bastante negativa para as
atividades que se pretende desenvolver. Penso que a
administração, portanto, deverá fundamentar jurídica e
tecnicamente toda decisão que implique modificação dos termos
da outorga. A fundamentação, portanto, passa a ser o motivo
determinante do ato administrativo. Caso a fundamentação
mostre-se em desconformidade com a realidade técnica, o
particular poderá, judicialmente, pleitear o restabelecimento
da vazão que originariamente lhe fora acenada.
Direito Ambiental
É também de se considerar que a classificação de
“preventiva” para a declaração feita pela administração é
bastante inadequada, pois ela não tem a pretensão de. evitar
coisa alguma. Tenho a sensação de que o legislador desejava
utilizar-se do termo “cautelar” ou “prévio” e,
inadvertidamente, lançou mão da palavra "preventiva”.
As outorgas preventivas, assim como a outorga propriamente
dita, são concedidas com prazos definidos. Estes serão fixados
levando-se em conta a complexidade do planejamento do
empreendimento, limitando-se ao máximo de três anos, findo o
qual será considerado o disposto nos incisos I e II do art. 5S.
O prazo, assim como a vazão, em minha opinião, poderá ser
alterado pela Administração, mediante a edição de ato jurídico
devidamente fundamentado, desde que o interesse público, defi-
nido em lei, assim o exija e justifique.
Uma figura assemelhada à da outorga preventiva é a
“declaração de reserva de disponibilidade hídrica”.30 Trata-se
de documento essencial sempre que a Agência Nacional de
Energia Elétrica - ANEEL for promover licitação com o objetivo
de autorizar ou conceder o uso de potencial de energia
hidráulica em corpo de água de domínio da União.
O § 2fi do artigo 79 assegura a transformação automática da
declaração de reserva de disponibilidade hídrica, pelo
respectivo poder outorgante (rectius: que estabeleceu a
reserva, pois outorga ainda não existe), em outorga de direito
de uso de recursos hídricos à instituição ou empresa que
receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso do
potencial de energia hidráulica. A medida é inteligente e de
caráter prático, pois assegura maior celeridade processual e
evita a repetição de procedimentos administrativos
desnecessários. Por medida de isonomia e de economia pro-
cessual e administrativa, entendo que o mesmo deva ocorrer com
a outorga preventiva, que poderia ser, automaticamente,
transformada em outorga, desde que presentes as condições para
a operação do empreendimento planejado.
Desnecessário dizer que os pedidos de outorga de direito de
uso de recursos hídricos de domínio da União, bem como os atos
administrativos que deles resultarem, devem ser tomados
públicos por meio de publicação na imprensa oficial e em pelo
menos um jornal de grande circulação na respectiva região da
outorga requerida.
5.4.3. Estrutura Administrativa da Agência Nacional de
Águas - ANA
5.4.3.1. Diretoria: Composição
A ANA é dirigida por uma Diretoria Colegiada, composta por
cinco membros, nomeados pelo Presidente da República, com
mandatos não coincidentes de quatro anos, admitida uma única
recondução consecutiva, e contará com tuna Procuradoria.
30 Alt. 7a, § 1® Quando o potencial hidráulico localizar-se em
corpo de água de domínio dos Estados ou do Distrito Federal,
a declaração de reserva de disponibilidade hídrica será
obtida em articulação com a respectiva entidade gestora de
recursos hídricos... § 3® A declaração de reserva de
disponibilidade hídrica obedecerá ao disposto no art. 13 da
Lei n° 9.433, de 1997, e será fornecida em prazos a serem
regulamentados por decreto do Presidente da República.
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
O Diretor-Presidente da ANA é escolhido diretamente pelo
Presidente da República entre os membros da Diretoria
Colegiada, e investido na função por quatro anos ou pelo prazo
que restar de seu mandato.
O artigo 10 da lei estabelece uma estranha estabilidade para
os membros da diretoria da ANA, pois a mesma não encontra
qualquer amparo constitucional. Em primeiro lugar, é utilizada
a expressão “exoneração imotivada”, o que, em termos de
direito administrativo, é totalmente incongruente. A demissão
do servidor deve ser motivada, a exoneração do exercente de
cargo comissionado, assim como a nomeação, é feita ad nutrnn.
Parece-me, portanto, inconstitucional a norma contida no
artigo 10, que determina, in verbis: Art. 10. A exoneração
imotivada de dirigentes da ANA só poderá ocorrer nos quatro
meses iniciais dos respectivos mandatos. § 1B Após o prazo a
que se refere o caput, os dirigentes da ANA somente perderão o
mandato em decorrência de renúncia, de condenação judicial
transitada em julgado ou de decisão definitiva em processo
administrativo disciplinar. Além desta hipótese,
inconstitucional repita-se, de perda de cargo, os dirigentes
da ANA estão submetidos aos §§ 2a e 32 do artigo 10.3Í A
preocupação demonstrada pelo texto legal com a estabilidade
funcional do dirigentes da ANA é saudável, pois revela a
necessidade de que as agências ambientais possam ter uma
direção profissional e não meramente política, como
infelizmente tem sido a prática administrativa. Isto,
entretanto, não é suficiente para que sejam subtraídos poderes
legítimos do Chefe do Executivo, sem que haja expressa
previsão constitucional.
S.4.3.2. Atividades Vedadas aos Dirigentes
O art. 11 estabeleceu um rol de atividades vedadas aos
dirigentes da ANA, enquanto eles estiverem no desempenho do
mandato. São proibições amplas, pois se estendem ao exercício
de qualquer outra atividade profissional, empresarial,
sindical ou de direção político-partidária. Existe, ainda, a
proibição de que o detentor de cargo de direção da autarquia,
conforme dispuser o seu regimento interno, tenha interesse
direto ou indireto em empresa relacionada com o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A lei, no § 29
do artigo 11, estabeleceu uma derrogação parcial da proibição,
ao não aplicá-la aos casos de atividades profissionais
decorrentes de vínculos contratuais mantidos com entidades
públicas ou privadas de ensino e pesquisa. A exceção, em meu
ponto de vista, não se justifica, pois a cada dia é maior o
número de instituições de ensino e pesquisa que, por meios
próprios ou
31 Art. 10, § 2* Sem prejuízo do que prevêem as legislações
penal e relativa à punição de atos de improbidade
administrativa no serviço público, será causa da perda do
mandato a inobservância, por qualquer um dos dirigentes da
ANA, dos deveres e proibições inerentes ao cargo que ocupa.
§ 3° Para os fíns do disposto no § 2a, cabe ao Ministro de
Estado do Meio Ambiente instaurar o processo administrativo
disciplinar, que será conduzido por comissão especial,
competindo ao Presidente da República determinar o afasta-
mento preventivo, quando for o caso, e proferir o
julgamento.
Direito Ambiental
mediante a contratação por fundações, oferecem serviços no
mercado como qualquer empresa, utilizando inclusive a dispensa
de licitação favorecida pela lei de licitações.
5.4.3.3. Atribuições da Diretoria
Na forma do artigo 12, é da competência da Diretoria da ANA:
a) exercer a administração da ANA;
b) editar normas sobre matérias de competência da ANA;
c) aprovar o regimento interno dà ANA a organização, a
estrutura e o âmbito decisório de cáda diretoria;
d) cumprir e fazer cumprir as normas relativas ao Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
e) examinar e decidir sobre pedidos de outorga de direito de
uso de recursos hídricos de domínio da União;
f) elaborar e divulgar relatórios sobre as atividades da ANA;
g) encaminhar os demonstrativos contábeis da ANA aos órgãos
competentes;
h) decidir pela venda, cessão ou aluguel de bens integrantes
do patrimônio da ANA;
i) conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de
componentes da Diretoria da ANA.
Ao Diretor-Presidente compete:
a) exercer a representação legal da ANA;
b) presidir as reuniões da Diretoria Colegiada;
c) cumprir e fazer cumprir as decisões da Diretoria Colegiada;
d) decidir, ad referendum da Diretoria Colegiada, as questões
de urgência;
e) decidir, em caso de empate, nas deliberações da Diretoria
Colegiada;
f) nomear e exonerar servidores, provendo os cargos em
comissão e as funções de confiança;
g) admitir, requisitar e demitir servidores, preenchendo os
empregos públicos;
h) encaminhar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos os
relatórios elaborados pela Diretoria Colegiada e demais
assuntos de competência daquele Conselho;
i) assinar contratos e convênios e ordenar despesas; e
j) exercer o poder disciplinar, nos termos da legislação em
vigor.
Compete à Procuradoria da ANA, que se vincula à Advocacia
Geral da União para fins de orientação normativa e supervisão
técnica:
a) representar judicialmente a ANA com prerrogativas
processuais de Fazenda Pública;
Regime Jurídico dos Recursos Hídricos
b) representar judicialmente os ocupantes de cargos e de
funções de direção, inclusive após a cessação do respectivo
exercício, com referência a atos praticados em decorrência
de suas atribuições legais ou institucionais, adotando,
inclusive, as medidas judiciais cabíveis, em nome e em
defesa dos representados;
c) apurar a liquidez e certeza de créditos, de qualquer
natureza, inerentes às atividades da ANA, inscrevendo-os em
dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e
i .
d) executar as atividades de consultoria e de assessoramento
jurídicos.
A atribuição contemplada na letra (b), em minha opinião, é
absurda e não pode ser tida como constitucional. Com efeito,
cabe à Advocacia da União e aos seus órgãos vinculados a
atuação em defesa do Estado e do Erário Publico,32 defesas
estas que não se confundem com a defesa judicial dos
dirigentes de órgãos públicos - quaisquer que sejam os níveis
hierárquicos ostentados pelos mesmos. Imagine-se que um
determinado dirigente da ANA esteja respondendo aos termos de
uma ação popular, em função da prática de ato, em tese, lesivo
à autarquia. Como poderão os procuradores da ANA defender a
autarquia e o dirigente concomitantemente? O mesmo ocorre para
as hipóteses de improbidade administrativa etc.
32 Ver artigo 131 da CF.
Capítulo XXVIII Mineração
Mineração
1. A Mineração nas Constituições Brasileiras
A mineração é uma das atividades mais polêmicas quanto aos
impactos ambientais que produz. Apesar disto, é indiscutível
que, no patamar tecnológico em que a humanidade se encontra, é
absolutamente impossível a vida humana sem as atividades
minerarias. Este fato, evidente por si mesmo, fez com que o
constituinte de 1988 dedicasse diversos tópicos da CRFB,
promulgada em 1988, ao tema mineração.
Dadas as condições em que o Brasil foi colonizado por
Portugal, a mineração sempre desempenhou um papel importante
na economia nacional. O extrativismo de riquezas naturais,
durante muitos anos, foi a principal atividade econômica do
país e, no interior da atividade extrativista, a mineração
sempre desempenhou um papel assaz importante.
Com o descobrimento do Brasil, a Coroa portuguesa passou a
ser senhora e proprietária de todo o território brasileiro.
Estabelecidos os mecanismos para a concessão de terras para
aqueles que se dispusessem a financiar a colonização, através
das Cartas de Doação, a Coroa portuguesa reservava-se o
direito de reter a quinta parte das riquezas minerais que
fossem encontradas e lavradas na colônia. Os minerais,
portanto, eram de propriedade do Estado que outorgava o
direito de lavra aos particulares que, em contrapartida,
ficavam obrigados ao pagamento do quinto.
1.1. Constituições Anteriores
O Regime Imperial não deu tratamento constitucional ao tema.
Foi, portanto, omissa a Constituição de 1824 quanto ao
particular. Na República, todas as Constituições dispuseram
sobre a matéria.
Na Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891, as
minas foram contempladas pelo artigo 72, § 17, cujas
disposições eram as seguintes:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade nos termos seguintes:... § 17. O direito de
propriedade mantém-se em toda a plenitude, salvo a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante
indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do
solo, salvo as limitações que forem estabelecidas por lei a
bem da exploração deste ramo de indústria.
Direito Ambiental
Com a reforma constitucional promovida pela Emenda de 3 de
setembro de 1926, o dispositivo foi alterado, passando a ter a
seguinte redação:
Art. 72, § 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a
sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, mediante indenização prévia.
a) As minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as
limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das
mesmas.
b) As minas e jazidas minerais necessárias à segurança e
defesa nacionais e as terras onde existirem não podem ser
transferidas a estrangeiros.
A Constituição de 1934 dispunha que:
Art. 118. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas dágua, constituem propriedade distinta da do solo para
o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art. 119. O aproveitamento industrial das minas e das
jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica,
ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou
concessão federal, na forma da lei. § Io As autorizações ou
concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a
empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário
preferência na exploração ou co~participação nos lucros. § 23 O
aproveitamento de energia hidráulica, de potência reduzida,
independe de autorização ou concessão. § 3S Satisfeitas as
condições estabelecidas em lei, entre as quais a de possuírem
os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados
passarão a exercer, dentro dos respectivos territórios, a
atribuição constante deste artigo. § # A lei regulará a
nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e
quedas d’água ou outras formas de energia hidráulica, julgadas
básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País. §
5e A União, nos casos prescritos em lei e tendo em vista o
interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e no
aparelha- mento das estâncias mineromedicinais ou
termomedicmais. § 6QNão dependem de concessão ou autorização o
aproveitamento de quedas dágua já utilizadas industrialmente
na data desta Constitmção e, sob esta mesma ressalva, a explo-
ração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa.
A CF de 1937 dispôs sobre a matéria no artigo 145 e seus
parágrafos. Não houve grandes mudanças em relação ao Texto
Magno de 1934.
A Constituição de 1946, ao tratar da matéria, estabeleceu os
seguintes dispositivos:
Art. 152. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para
efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art. 153. O aproveitamento dos recursos minerais e de
energia hidráulica depende de autorização ou concessão
federal, na forma da lei § ls As autoriza-
Mineração I
I
ções ou concessões serão conferidas exclusivamente a
brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao
proprietário do solo preferência para a exploração. Os
direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às
minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza
deles. § 2S Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida. § 35
Satisfeitas as condições exigidas em lei, entre as quais as de
possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos,
os Estados passarão a exercer nos seus territórios a
atribuição constante deste artigo. § 4o A União, nos casos de
interesse geral, deíinido em lei, auxiliará os Estados nos
estados referentes às águas termominerais de aplicação
medicinal e no apare- lhamento das estâncias destinadas ao uso
delas.
A CF de 1967, com a emenda n2 1/69, em seus artigos 168 e 169,
determinava que:
Art. 168. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os
potenciais de enjergia hidráulica constituem propriedade
distinta da do solo, para o efeito de exploração ou
aproveitamento industrial.
§ 1SA exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e
demais recursos minerais e dos potenciais de energia
hidráulica dependerão de autorização ou concessão federal, na
forma da lei, dadas exclusivamente a brasileiros ou a
sociedades organizadas no País.
§ 23 É assegurada ao proprietário do solo a participação nos
resultados da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração
constituir monopólio da União, a lei regulará a forma de
indenização.
§ 3e A participação de que trata o parágrafo anterior será
igual ao dízimo do imposto sobre minerais.
§ 4a Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida.
Art. 169. A pesquisa e a lavra de petróleo em território
nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei.
1.2. A Mineração na Constituição de 1988
1.2.1. Disposições Constitucionais
A CRFB estabelece em seu artigo 20, IX, que:
Art. 20. São bens da União:... IX- os recursos minerais,
inclusive os do subsolo.
Desta forma, é inequívoco que qualquer recurso mineral
existente no país pertence à União; isto não quer dizer que
somente a União pode explorá-lo comercial-
Direito Ambiental
mente, conforme será visto mais adiante. Por sua vez, o artigo
21, XXV, da Lei Fundamental da República determina que:
Art. 21. Compete à União. ... XXV ~ estabelecer as áreas e
as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em
forma associativa.
Coerentemente com aquilo que foi estabelecido pelo artigo
20, IX, da Constituição de 1988, o artigo 22, XII, determina
que:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:...
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia.
Não se pode olvidar de que o artigo 91, § 1®, inciso III, da
CF, evidentemente, também está ligado ao tema que ora se
examina. Tanto é assim que, na forma do artigo mencionado,
compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e
condições de utilização das terras indispensáveis à segurança
do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a
preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer
tipo.
O artigo 174, por seus §§ 32 e 4®, determina que:
Art. 174, §3*0 Estado favorecerá a organização garimpeira em
cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a
promoção econômica dos garimpeiros; § 4° As cooperativas a que
se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização
ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando e
naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da
lei.
Evidentemente que as competências estaduais e municipais
específicas de proteção ambiental, necessariamente, terão
repercussões na atividade minerária, ainda que não caiba aos
Estados e aos Municípios legislar diretamente sobre tais
atividades. Mais à frente, o artigo 176 da CF voltou-se,
especificamente, para o disciplinamento da atividade
minerária, assim dispondo:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
Os §§ l2, 2® e 3e do mencionado artigo dispõem que:
§ l3 A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o
aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste
artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou
concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou
empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua
sede e adminis-
Mineração
tração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições
específicas quando essas atividades se desenvolverem na faixa
de fronteira ou terras indígenas;1
§ 2a É assegurada participação ao proprietário do solo nos
resultados da lavra, na forma da lei, e
§ 3° A autorização de pesquisa será sempre por prazo
determinado, e as autorizações e concessões previstas neste
artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou
parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
No capítulo constitucional voltado para a proteção do meio
ambiente, encontra-se o § 29, cujo teor é o seguinte:
Aquele que explorar recwrsos minerais fica obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da
lei.
Por fim, acrescente-se a norma contida no § 3e do artigo 231
da CF, cujo teor é o seguinte:
Art 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens... § 39 O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
Fora do corpo permanente da CF, também, existem normas
voltadas para a disciplina da atividade minerária. Assim é que
no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, os
artigos 43 e 44 dispuseram sobre a matéria, in verbis:
Art. 43. Na data da promulgação da lei que discipUnar a
pesquisa e a lavra de recursos e jazidas minerais, ou no prazo
de um ano, a contar da promulgação da Constituição, tomar-se-
ão sem efeito as autorizações, concessões e demais títulos
atributivos de direitos minerários, caso os trabalhos de
pesquisa ou de lavra não hajam sido comprovadamente iniciados
nos prazos legais ou estejam inativos.2
Artigo 44. As atuais empresas brasileiras titulares de
autorização de pesquisa, concessão de lavra de recursos
minerais e de aproveitamento dos poten
1 Redação dada pela Emenda Constitucional nfi 6, publicada no
DOU de 16/8/1995.
2 Ver a Lei n* 7.886, de 20/11/1989.
Direito Ambiental
ciais de energia hidráulica em vigor terão quatro anos, a
partir da promulgação da Constituição, para cumprir os
requisitos do art. 176, § ls.
§ Ia Ressalvadas as disposições de interesse nacional
previstas no texto constitucional, as empresas brasileiras
ficarão dispensadas do cumprimento do disposto no art. 176, §
1% desde que, no prazo de até quatro anos da data da pro-
mulgação da Constituição, tenham o produto de sua lavra e
benefíciamento destinado à industrialização no território
nacional, em seus próprios estabelecimentos ou em empresa
industrial controladora ou controlada...
§ 3S As empresas brasileiras referidas no § l5 somente
poderão ter autorizações de pesquisa e concessões de lavra ou
potenciais de energia hidráulica, desde que a energia ou o
produto da lavra sejam utilizados nos respectivos processos
industriais.
1.2.2. Breve Análise das Disposições Constitucionais à Luz
do Artigo 225, § 2S
Os recursos minerais e as atividades de exploração, lavra e
pesquisa mineral, como se viu, foram amplamente tratados pela
Lei Fundamental da República. A atividade de garimpagem, hoje,
constitui-se em um dos mais graves problemas nacionais, seja
pelos aspectos ambientais, seja pelos aspectos sociais. É de
se estranhar, portanto, que a garimpagem tenha merecido
incentivos explícitos por parte do legislador constituinte.
Tal fato somente se pode explicar pela presença de grupos de
pressão e de políticos interessados na continuidade de uma
atividade econômica que é altamente degradadora do meio
ambiente e que é extremamente nociva à saúde dos próprios
garimpeiros e de inúmeros grupos indígenas.3 Sendo uma
atividade econômica que é grande utilizadora de mão-de-obra
desqualificada, a garimpagem é, evidentemente, um bom celeiro
de votos para aqueles que se dedicam a “ajudar” os
garimpeiros. Várias são as implicações das atividades
garimpeiras, merecendo destaque as condições subumanas em que
vivem os homens dos garimpos, a destruição dos povos
indígenas, o contrabando do minério garimpado, a devastação
ecológica de flora e fauna nas regiões de garimpo, a poluição
de rios, a contaminação por mercúrio etc. Acrescente-se a esta
lista a violência e a corrupção. Diante de um quadro caótico,
a norma contida no artigo 225, § 2a, serve de verdadeiro marco
a indicar um caminho que deve ser percorrido pela sociedade e
pelas autoridades, com o objetivo de estabelecer um
ordenamento razoável para o grave problema.
Devo observar que o Estado brasileiro chamou a si a
responsabilidade de organizar a garimpagem que, como se sabe,
é tuna prática de alto impacto ambiental. E mais, além de
organizar a atividade garimpeira, o Estado brasileiro atribuiu
prioridade à autorização ou concessão para pesquisa e lavra4
dos recursos e jazidas de mine
3 Veja capítulo próprio.
4 Moreira, Iara Verocai Dias. Vocabulário Básico de Meio
Ambiente, Rio de Janeiro: FEEMA, 1992, 4a ed., p. 124: La
via — É o conjunto das operações ordenadas que objetivam o
aproveitamento da jazida, desde a extração da substância até
o seu aproveitamento.
Mineração
rais garimpáveis, nas áreas em que os garimpeiros estejam
atuando, e mesmo em áreas que, posteriormente, venham a ser
demarcadas.
A garimpagem é exercida por homens e mulheres que, por
motivos econômicos em sua maioria, foram expulsos de suas
cidades ou terras e que se dirigiram para as áreas de
fronteira até chegarem aos garimpos, às “serras peladas”, em
busca de um eldorado que jamais encontrarão. São pessoas com
precárias condições de saúde, de cultura etc. que se tomam
presas fáceis para grupos de especuladores que os utilizam
como mão-de-obra semiescrava com a finalidade de produzirem a
maior quantidade possível de mineral e metais preciosos. A
vida desses indivíduos toma-se cada vez mais curta e menos
valiosa para aqueles que promovem a exploração dos garimpos. É
curioso observar que, apesar da imensa quantidade de pessoas
envolvidas no garimpo, sobretudo de ouro, a produção oficial
de ouro nos garimpos é pequena. E assim é em razão do grande
contrabando que é praticado serenamente.
A CF, em seu artigo 91, § ls, III, não deixa dúvida de que
compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e
condições de utilização das áreas indispensáveis à segurança
do território nacional e opinar sobre o seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a
preservação e a exploração de recursos naturais de qualquer
tipo. A garimpagem, portanto, é constitucionalmente lima
questão de segurança nacional e, em consequência, cabe ao
Conselho de Defesa Nacional dispor sobre a sua prática nas
áreas de fronteira.
2. O Código de Mineração
O objetivo deste capítulo não é o de realizar um exame
jurídico minucioso da atividade minerária. O nosso objetivo é,
apenas e tão-somente, o de examinar a atividade de mineração
em relação aos seus reflexos sobre o meio ambiente. Para tal,
é necessário que os institutos jurídicos fundamentais da
atividade minerária sejam trazidos à colação para que, no
momento oportuno, as implicações ambientais da extração
mineral possam ser adequadamente compreendidas.
O Código de Minas, estabelecido pelo Decreto-lei n9 227, de
28; de fevereiro de 1967, com as alterações que lhe foram
introduzidas pela Lei n9 7.805, de 18 de julho de 1989, é o
principal diploma legal brasileiro, em âmbito
infraconstitucional, que regulamenta a atividade de extração
mineral em nosso País. Uma vez que a propriedade dos recursos
minerais independe da propriedade do solo, o Código tem por
função básica, o regramento da atividade do Poder Público como
administrador dos recursos minerais. A matéria, evidentemente,
é da maior repercussão econômica e ambiental. Ao analisarem a
importância do ordenamento jurídico da atividade mineraria,
Lauro Lacerda Rocha e Carlos Alberto M. Lacerda5 assim se
pronunciaram:
5 Comentários ao Código de Mineração do Brasil, Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 3.
Direito Ambiental
Realidade de maior preponderância econômica, política e
estratégica do Estado, o direito sobre as minas e jazidas é
aqui objetivado [no Código] sob o ponto de vista
constitucional da intervenção do poder público no conceito
moderno da propriedade territorial...
O Código foi fortemente modificado pela Lei n9 9.314, de 14
de novembro de 1996, que alterou a redação de vários de seus
principais artigos.
É no Código de Minas que estão os padrões básicos para o
licenciamento das atividades utilizadoras de recursos
ambientais minerários. Os conceitos básicos que devem ser
apreendidos por aqueles que buscam compreender as repercussões
da atividade minerária no meio ambiente são os de:
a) Jazida - que do ponto de vista técnico-científíco tem a sua
melhor definição como “ocorrência anormal de minerais
constituindo um depósito natural que existe concentrado em
certos pontos da superfície do globo terrestre. Consideram-
se assim todas as substâncias minerais de origem natural,
mesmo as de origem orgânica, como: carvão, petróleo,
calcário etc.ÍJ.6
O artigo 42 do Código de Minas dispõe que: Art. 4o
Considera-se jazida toda massa individualizada de substância
mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no
interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a
jazida em lavra, ainda que suspensa.
b) Mina - é o depósito mineral (jazida) em exploração pelo
homem. Um peg- matito decomposto e inexplorado é uma jazida;
o mesmo em estado de exploração, com galerias, escavadeiras
etc., é uma mina.7 Do ponto de vista jurídico, as minas
foram definidas pelo artigo 49 do Código de Minas, conforme
foi visto na letra precedente. Na concepção de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto,8 é uma universitas iuris que
abrange a jazida, a concessão e as diversas servidões
administrativas que forem instituídas para a construção de
edifícios, instalações e vias necessárias ao bom êxito dos
trabalhos de lavra. De acordo com a nova redação dada ao
artigo 62 do Código, as minas podem ser assim classificadas:
(a) mina manifestada, a em lavra, ainda que transitoriamente
suspensa a 16 de julho de 1934 e qué tenha sido manifestada
na conformidade do art. 10 do Decreto n2 24.642, de 10 de
julho de 1934, e da Lei n9 94, de 10 de dezembro de 1935;
(b) mina concedida, quando o direito de lavra ê concedido
pelo Ministro de Estado de Minas e Energia.
c) Lavra - é tecnicamente definida como lugar onde se realiza
a exploração de mina, geralmente de ouro ou diamante. Lavra
significa, por conseguinte, exploração econômica da jazida.9
Normativamente, o conceito foi fixado
6 Guerra, Antônio Teixeira. Dicionário Geológico
Geomorfológico, Rio de Janeiro: IBGE, S3 ed„ 1993, p. 244.
7 Idem, p. 290.
8 Curso de Direico Administrativo, Rio de Janeiro: Forense,
10* ed., p. 340.
9 Guerra, A. Teixeira. Ob. cit., p. 261.
- Stsjhö Superior Basai Jurte
Mineração
pelo artigo 36 do Código de Minas, cujo teor é o seguinte:
entende-se por lavra, o conjunto de operações coordenadas
objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a
extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o
benefíciamento das mesmas.
d) Garimpo - é um verbete definido pelo Dicionário Aurélio
Eletrônico como: [Der. regress. de garimpeiro.] S. m. Bras.
1. Mina de diamantes ou carbona- dos. 2. Lugar onde se
encontram tais minas. 3. Lugar onde existem explorações
diamantinas e auríferas. 4. Ant. Mineração ou exploração
clandestina de diamante e de ouro. 5. Bras., GO. Povoação
fundada e habitada pelos garimpeiros.
e) Pesquisa mineral - é a execução dos trabalhos necessários à
definição da jazida, sua avaliação e a determinação da
exequibilidade do seu aproveitamento econômico.10 Na
pesquisa estão compreendidos os seguintes trabalhos de campo
e de laboratório: levantamentos geológicos detalhados da
área a ser pesquisada, estudos de afloramentos e suas
correlações; levantamentos de natureza geofísica e
geoquímica; abertura de escavações visitáveis e realização
de sondagens no corpo mineral; amostragens sistemáticas;
análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos
de sondagens; ensaios de benefíciamento de minérios ou das
substâncias minerais para a obtenção de concentrados, de
acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento
industrial.11
f) Permissão de lavra garimpeira - é o aproveitamento imediato
de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão,
localização e utilização econômica, possa ser lavrado,
independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo
critérios fixados pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral-DNPM. 12
Vale notar que, por força das modificações introduzidas no
artigo 3e, estão afastados da incidência das normas do Código
os trabalhos de movimentação de terras e de desmonte de
materiais m natura necessários para a abertura de vias de
transporte, obras de terraplenagem e de edificações, desde que
não haja comercialização das terras e dos materiais
resultantes dos trabalhos, ficando seu aproveitamento restrito
à própria obra.
2.1. Classificação das Jazidas Minerais
A classificação das jazidas minerais, conforme estava
estabelecido pelo artigo 59 do Código de Mineração, foi
totalmente extinta por força do artigo 3Q da Lei n3 9.314/96. A
antiga classificação, entretanto, ainda pode ter repercussão
jurídica em
10 Código de Mineração, artigo 14.
11 Freire, William. Comentários ao Código de Mineração, Rio de
Janeiro: Aide, 1995, p. 43.
12 Lei ns 7.805/89, ait. Io, parágrafo único.
Direito Ambiental
atividades que estejam se desenvolvendo, motivo pelo qual não
a retiramos deste trabalho. O antigo artigo 5S do Código estava
assim lavrado:
Classificam-se as jazidas para efeito deste Código, em 9
(nove) classes: Classe I—jazidas de substâncias minerais
metalíferas;
Classe II —jazidas de substâncias minerais de emprego
imediato na construção civil; as argilas empregadas no fabrico
de cerâmica vermelha e de calcário dolomítico empregado como
corretivo de solos na agricultura;
Classe III - jazidas de fertilizantes;
Classe IV —jazidas de combustíveis fósseis sólidos;
Classe V -jazidas de rochas betuminosas e pirobetuminosas;
Classe VI-jazidas de gemas e pedras ornamentais;
Classe VII - jazidas de minerais industriais, não incluídas
nas classes precedentes;
Classe VIII ~ jazidas de águas minerais;
Classe IX -jazidas de águas subterrâneas.
Conforme a observação de William Freire:13
Essa classificação não abrange as jazidas de combustíveis
líquidos, gases naturais e jazidas de substâncias minerais de
uso na energia nuclear.
Uma vez estabelecidas as classes de jazidas minerais, foi
definida uma divisão técnica dos minerais mais conhecidos
dentro de cada uma das classes. Os casos omissos ficaram
submetidos à classificação pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral - DNPM. Tal divisão dos minerais por classes
é a seguinte:14
Classe I - alumínio, antimônio, arsênico, berílio, bismuto,
cádmio, cério, césio, cobalto, cromo, chumbo, cobre, escândio,
estanho, ferro, germânio, gálio, háfnio, índio, irídio, ítrio,
lítio, magnésio, manganês, mercúrio, mo- libdênio, nióbio,
níquel, ósmio, ouro, paládio, platina, prata, rádio, rênio,
ródio, rubídio, rutênio, selênio, tálio, tântalo, telúrio,
titânio, tungsténio, vanádio, xenotímio, zinco, zircônio.
Classe II — ardósias, areias, cascalhos, quarzitos e saibros,
quando utilizados in natura para o preparo de agregados,
argamassa ou como pedra de talhe, e não se destinem, como
matéria-prima, à indústria de transformação. Classe III -
fosfatos, guano, sais de potássio e salitre.
Classe IV - carvão, linhito, turfa e sapropelitos.
Classe V - rochas betuminosas e pirobetuminosas.
Classe VI - gemas e pedras ornamentais.
13 Comentários ao Código de Mineração, Rio de Janeiro: Aide,
1995, p. 28.
Mineração
Classe VII — substâncias minerais industriais, não incluídas
nas classes precedentes;
a) anfibólios, areias de fundição, argilas, argilas
refratárias, andaluzita, agalmatolitos, asbestos, ardósias,
anidrita, andofilita, bentonitas, barita, boratos,
calcários, calcários coralíneos, calcita, caulim, celes-
tita, cianita, conchas calcárias, córidon, crisotila,
diatomitos, dolomi- tos, diamantes industriais, dumortirita,
enxofre, estroncianita, estea- titos, feldspatos, filitos,
fluorita, gipso, grafita, granada, hidrargilita, leucita,
leucofilito, magnesita, mármore, micas, ocre, pinguita,
pirita, pirofilita, quartzo, quartzito, silimanita, sais de
bromo, sais de iodo, sal-gema, saponito, sílex, talco,
tremolita, tripolito, vermiculita, wol- lastonita;
b) basalto, gnaisses, granitos, quaisquer outras substâncias
minerais, quando utilizadas para produção de brita ou
sujeitas a outros processos industriais de beneficiamento.
Classe VIII - águas minerais. A Classe IX foi excluída pelo
regulamento do Código.
2.2. O Código de Minas e a Proteção do Meio Ambiente
O próprio Código de Minas contém dispositivos legais que
podem ser utilizados na proteção do meio ambiente. É certo que
tais dispositivos são tímidos, que estavam a demandar normas
mais explícitas em sua substituição. Assim é que o artigo 47
do Código determina:
Ficará obrigado o titular da concessão, além das condições
gerais que constam deste Código, ainda, às seguintes, sob pena
de sanções previstas no Capítulo V:... V - Executar os
trabalhos de mineração com observância das normas
regulamentares... VU - Não dificultar ou impossibilitar por
lavra ambiciosa, o aproveitamento ulterior da jazida; VIU —
Responder pelos danos e prejuízos a terceiros, que resultarem,
direta ou indiretamente da lavra; IX- Promover a segurança e a
salubridade das habitações existentes no local; X - Evitar o
extravio de águas e drenar as que possam ocasionar danos e
prejuízos aos vizinhos; XI - Evitar a poluição do ar ou da
água, que possa resultar dos trabalhos de mineração; XII -
Proteger e conservar as fontes, bem como utilizar as águas
segundo os preceitos técnicos, quando se tratar de lavra de
jazida da classe VIII...
As disposições ambientais contidas no Código de Minas não
foram revogadas com o advento da novel legislação de proteção
ambiental mas, pelo contrário, devem ser interpretadas de
acordo com o sistema instituído pela política nacional do meio
ambiente.
Direito Ambiental
3. Mineração em Terras Indígenas15
Dentre todos os temas polêmicos que dizem respeito às
atividades minerárias, certamente, o mais polêmico é referente
à mineração em terras indígenas. Veja-se que, no tocante à
mineração, o § 3e do artigo 231 da Lei Fundamental da República
estabeleceu uma exceção ao regime de usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes em terras
indígenas, conforme definido pelo § 22 do artigo 231. Nos
resultados da utilização econômica dos recursos minerais
eventualmente existentes no interior de terras indígenas, a CF
determinou que, na forma da lei, seja assegurada aos índios a
participação nos resultados da lavra. A Constituição de 1988
determinou, igualmente, fossem ouvidas as comunidades afetadas
pela atividade mineraria.
Pelo que se pode constatar dos termos contidos na CF, a
mineração em terras indígenas não está proibida no Brasil. O
que a Constituição determinou foi, apenas e tão-somente, que o
Congresso Nacional autorizasse a atividade e que a comunidade
indígena afetada fosse ouvida, assegurando-se à mesma a
percepção de royalties. A participação dos indígenas no
produto da lavra é, apenas e tão-somente, uma extensão dos
direitos, previstos no § 2e do artigo 176, aos povos
aborígines.
Infelizmente, ainda hoje,16 o Congresso Nacional não aprovou
as leis necessárias para que as atividades minerárias possam
se desenvolver normalmente, e para que as próprias comunidades
indígenas possam obter uma melhor situação econômica, a partir
da exploração racional das riquezas existentes em seus
territórios. A inércia que vem sendo a marca do Congresso
Nacional, no particular, é extremamente nociva para todas as
partes envolvidas no problema. A não-regulamentação da maté-
ria, em minha opinião, serve como um incentivo para a invasão
de terras indígenas por garimpeiros e outros aventureiros.
O projeto de Lei ns 2.057/91, que institui o Estatuto das
Sociedades Indígenas, aprovado parcialmente na Câmara dos
Deputados, em seu título V - Do aproveitamento dos recursos
minerais, hídricos e florestais (artigos 79 e seguintes),
estabelece normas disciplinadoras da exploração minerária no
interior de terras indígenas.
4. Mineração e Meio Ambiente
É indiscutível que, em princípio, a mineração é uma
atividade causadora de alto impacto ambiental e que, nesta
condição, necessário se faz que ela esteja rigorosamente
submetida a controles de qualidade ambiental, de monitoramento
e auditoria constantes. Tais circunstâncias, contudo, não
fazem com que a mineração seja uma atividade proscrita ou
ilegal em nosso País. Ao contrário, a mineração é uma ativi-
dade lícita e que tem gerado muitos recursos para o Brasil. É
dentro desta perspecti-
15 Especificamente quanto ao regime jurídico das terras
indígenas, v. os capítulos próprios.
16 Maio de 1999.
Mineração
va que as relações entre as atividades minerárias e o meio
ambiente devem ser observadas. Aliás, não é demasiado que se
recorde os termos do artigo 2S da Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente - PNMA, que são os seguintes: A Política
Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurarJ no País, condições de desenvolvimento
econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana... A própria CF, ao dispor
amplamente sobre as atividades de mineração, reconheceu a
importância das mesmas. As únicas restrições que podem ser
opostas às atividades minerárias, do ponto de vista ambiental,
são aquelas com imediato assento constitucional. Tais
restrições são:
a) ser praticada em áreas definidas como intocáveis e
b) ser realizada em áreas indígenas sem autorização do
Congresso Nacional e sem que as comunidades indígenas sejam
consultadas.
Excetuando-se as duas vedações apresentadas, a atividade
minerária será permitida, desde que, precedida de Estudo de
Impacto Ambiental, conforme determinação constitucional
contida no artigo 225, § l9, inciso IV, e que sejam atendidas
as condições contidas no § 2S do mesmo artigo 225, cujo teor é
o seguinte:
Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a
recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida
pelo órgão púbh-
co competente, na forma da lei.
4.1. Licenciamento das Atividades de Mineração
A mineração, assim como as demais atividades utilizadoras de
recursos ambientais, está submetida à necessidade de
licenciamento, para que possa ser exercida licitamente e de
conformidade com a lei brasileira. Assim é em razão do artigo
10 da Lei n2 6.938/81.17 Há, entretanto, direito especial
quanto ao regime jurídico do licenciamento das atividades
minerárias, estabelecido pela Lei na 7.805, de 18 de julho de
1989, que altera o Decreto-lei nõ 227,18 de 28 de fevereiro de
1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue
o regime de matrículas e dá outras providências. Tanto a
permissão de lavra garimpeira, tratada no artigo 39 da Lei n9
7.805/89, quanto a concessão de lavra, tratada no artigo 16,
dependem de prévio licenciamento pelo órgão ambiental
integrante do SISNAMA.
O artigo 17 da lei estabelece a possibilidade de que a
pesquisa e a lavra possam ser realizadas em áreas de
conservação,19 desde que haja prévia autorização do órgão
ambiental responsável pela administração da unidade de
conservação. O que a lei
17 O regime jurídico do licenciamento ambiental foi amplamente
examinado em capítulo próprio.
18 Código de Minas.
19 O correto seria a utilização do termo unidades de
conservação.
Direito Ambiental
pretende é que, nas unidades de conservação nas quais sejam
admitidas atividades econômicas, destas, a princípio, não se
poderá excluir a atividade mineráría. A exclusão da mineração
somente poderá ser concebida se, no estudo de impacto
ambiental, resultar demonstrado que os efeitos nocivos das
atividades de mineração, na unidade específica, não podem ser
mitigados adequadamente. A matéria deverá ser examinada,
portanto, caso a caso, considerando-se os objetivos legais da
unidade de conservação, a intangibilidade ou não de seu
território e os efeitos concretos, previstos na avaliação dos
impactos ambientais, da atividade pretendida. Conforme observa
Marcelo Gomes de Souza:20 O licenciamento ambiental... deve ser
exigido para toda atividade de mineração a se implantar...
4.2. Estudos de Impacto Ambiental e Atividades de Mineração
A mineração, obviamente, está submetida ao regime geral
estabelecido pelo artigo 225, § le, IV, da CRFB, que determina
a obrigatoriedade da realização de estudos de impacto
ambiental para a atividade. Coloca-se a questão: toda
atividade mineraria deve ser submetida a estudo de impacto
ambiental? Esta não é uma questão pacífica, pois autores há
que entendem ser inconstitucional a exigência de estudos de
impacto ambiental para toda e qualquer atividade de mineração,
vez que é necessário seja levado em consideração se o
aproveitamento do recurso mineral especíãco é ou não
potencialmente causador de expressivo impacto ambiental.21
A Resolução CONAMA n^ 1, de 23 de janeiro de 1986, determina
que:
Art. 2S Dependerá de elaboração de estudo de impacto
ambiental e respectivo relatório de Impacto Ambiental - RIMA,
a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e
do IBAMA em caráter supletivo, o licencia- mento de atividades
modificadoras do meio ambiente, tais como... IX— extração de
minério, inclusive os da classe II, definida no Código de
mineração...
Posteriormente, o próprio CONAMA fez editar a Resolução
CONAMA na 9, de 6 de dezembro de 1990, com o objetivo de
definir mais claramente as normas pertinentes ao licenciamento
ambiental das atividades de extração mineral das classes I,
III, IV, VI, Vn, VIII e DC do Decreto-lei n* 227, de 28 de
fevereiro de 1967.
O licenciamento ambiental da atividade minerária é,
prioritariamente, realizado pelos órgãos estaduais integrantes
do SISNAMA. O IBAMA somente tem atuação supletiva, isto é,
caso o órgão estadual deixe de realizar a sua tarefe. Não há
que se falar em embargos administrativos promovidos pelo IBAMA
em razão de discordância com os termos do licenciamento
estadual. Na hipótese em que a atividade minerária a ser
desenvolvida tenha repercussão ambiental em mais de um Estado-
Membro da federação, competirá ao IBAMA a coordenação dos
trabalhos de licenciamento.
20 Direito Minerário e Meio Ambiente, Belo Horizonte: Del Rey,
1995, p. 133.
Mineração
-771-
O estudo de impacto ambiental deverá ser apresentado ao
órgão fiscalizador juntamente com o requerimento de concessão
da Licença Prévia (LP). Na fase posterior do processo de
licenciamento, isto é, quando do requerimento da Licença de
Instalação (LI), o empreendedor deverá apresentar o Plano de
Controle Ambiental (PCA), o qual deverá conter os projetos
executivos de minimização dos impactos ambientais analisados
quando do requerimento de concessão da licença prévia (LP).
Observe-se que, nos termos em que está redigido o § 29 do
artigo 5Ô da Resolução CONAMA n2 9/90, a concessão da licença
de instalação (LI) é um direito do requerente, desde que o PCA
tenha sido aprovado: o órgão ambiental competente, após a
aprovação do PCA do empreendimento, concederá a licença de
instalação. A licença de operação, igualmente, se constitui em
direito do empreendedor, desde que tenham sido implantados os
projetos previstos no PCA e que os mesmos estejam tendo
desempenho satisfatório.
Art. 7S Após a obtenção da portaria de lavra e a implantação
dos projetos constantes do PCA, aprovados quando da concessão
da Licença de Instalação, o empreendedor deverá requerer a
Licença de Operação, apresentando a documentação necessária...
§2S O órgão ambiental competente, após a comprovação da
implantação dos projetos do PCA, concederá a Licença de
Operação.
A Resolução CONAMA ns 1/86 menciona expressamente a Classe
II22 como uma das categorias de atividades minerárias para as
quais são exigidos estudos prévios de impacto ambiental.
Ocorre que o próprio CONAMA, através da Resolução CONAMA nô 10,
de 6 de dezembro de 1990, entendeu que nem sempre as ativida-
des minerárias são potencialmente causadora(s) de
significativa degradação do meio ambiente. Assim é que o
artigo 3a da recém-mencionada resolução estabelece a pos-
sibilidade de dispensa da apresentação de estudo prévio de
impacto ambiental De fato, dispõe o artigo 3Q do diploma legal:
A critério do órgão ambiental competente, o empreendimento,
em função de sua natureza, localização, porte e demais
peculiaridades, poderá ser dispensado da apresentação dos
Estudos de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de
Impacto Ambiental - RIMA.
Foi determinado ao empreendedor que, na hipótese de dispensa
de apresentação do EIA/RIMA, o mesmo deverá apresentar um
Relatório de Controle Ambiental — RCA, elaborado segundo
diretrizes fixadas pelo órgão ambiental.
As Licenças de Instalação (LI) e de Operação (LO), desde que
o empreendedor tenha atendido às exigências legais, se
constituem em direito do requerente. Como
22 Classe U - ardósias, areias, cascalhos, quarzitos e
saibros, quando utilizados in nacura para o preparo de
agregados, argamassa ou como pedra de talhe, e não se
destinem, como matéria-prima, à indústria de transformação.
Direito Ambiental
se vê, a Resolução CONAMA n2 10/90 derrogou a Resolução CONAMA
na 1/86, naquilo que diz respeito às atividades minerárias
referentes aos minerais compreendidos na Classe II.
4.2.1. Ilegalidades Existentes na Resolução ne 9/90 do
CONAMA
O CONAMA, no uso de seu poder regulamentar, baixou as
Resoluções nss 9 e 10/90, com o objetivo de disciplinar o
licenciamento e as exigências de estudos de impacto ambiental
para as atividades de mineração. Do ponto de vista legal e
regulamentar, a matéria está contida no Decreto-lei n2 227, de
28 de fevereiro de 1967, na Lei ne 7.805, de 18 de julho de
1989, e no Decreto n9 98.812, de 9 de janeiro de 1990.
A Resolução CONAMA n2 9, de 6 de dezembro de 1990,
estabelece em seu artigo l2 que:
A realização de pesquisa mineral, quando envolver o emprego de
guia de
utilização, ãca sujeita a prévio licenciamento ambiental.
Inicialmente, há que ser dito que o Código de Minas, nos
artigos 14/35, não faz qualquer menção à necessidade de
licenciamento ambiental para a obtenção de autorização de
pesquisa. Explica-se a circunstância em razão de que o Código
é muito anterior à legislação ambiental. Evidentemente que o
titular da autorização de pesquisa não pode se esquivar ao
cumprimento das determinações legais contidas no artigo 47,
especialmente naquilo que diz respeito à proteção ambiental.
Ora, mexis- tindo norma no Código de Minas, a matéria deve ser
examinada à luz dos demais dispositivos legais referentes às
atividades minerárias. Desta forma, é necessário que se
examinem as disposições contidas na Lei n2 7.805, de 18 de
julho de 1989. Tal lei tem por finalidade básica a disciplina
da atividade de lavra garimpeira. Nos artigos 16,17 e 18 estão
os elementos básicos para que se possa examinar se o
legislador objetivou a exigência de licenciamento ambiental
para as atividades de pesquisa minerária.
O artigo 16 estabelece que a concessão, de lavra depende de
prévio licenciamento ambiental. Não há qualquer menção à
pesquisa mineral. Pelo artigo 17 verifica-se que as atividades
de pesquisa e lavra em áreas de conservação^3 dependem de
prévia autorização do órgão ambiental que as administre. Nesta
hipótese, embora não seja utilizado o termo licença ambiental,
na prática, o que ocorrerá é que o órgão ambiental responsável
pela unidade de conservação realizará determinadas exigências
ao empreendedor. Observe-se, contudo, que, uma vez que o
licenciamento ambiental é, eminentemente, estadual, se a
unidade de conservação for federal ou municipal, a pesquisa
poderá ser realizada sem a licença estadual; já a lavra não.
Assim é porque o artigo 16 exige o licenciamento ambiental
para a lavra.
Pelo artigo 18, observa-se que o órgão ambiental, ainda que
não tendo concedido licença para a pesquisa mineral, tem
poderes para suspender os trabalhos, caso
23 O correto seria a utilização da designação unidades de
conservação.
fíSBJ - Ensino Superior Bmeau
Mineração
estes estejam sendo nocivos ao meio ambiente. Repetem-se, no
artigo 19, os pressupostos da responsabilidade civil daqueles
que, exercentes de atividades minerárias, vierem a causar
danos ao meio ambiente.
Observe-se que no Decreto ns 98.812, de 9 de janeiro de
1990, igualmente, e acertadamente, inexige a licença ambiental
para os trabalhos de pesquisa minerária. Merece ser ressaltado
que, nas áreas de conservação (rectius: unidades de conserva-
ção), conforme estabelecido em lei, o artigo 19 do decreto
condiciona a concessão de autorização para a pesquisa e a
lavra ao consentimento do órgão gestor da unidade.
Parece-me, portanto, que há uma evidente ilegalidade na
exigência de licenciamento ambiental para as atividades de
pesquisa mineral, pois, nos termos da legislação vigente, a
pesquisa mineral só depende do licenciamento exclusivamente
minerário.
4.2.2, A Extinção das Classes Minerais e os Estudos de Impacto
Ambiental
A extinção das classes minerais estabelecidas pelo código
tem enormes repercussões em tudo aquilo que diz respeito à
exigência de estudos de impacto ambiental. De feto, as
resoluções do CONAMA pertinentes à matéria estão fundadas em
uma exigência genérica vinculada às classes minerais. Ora,
inexistentes as classes, como se deve aplicar a exigência dos
estudos de impacto ambiental? Em minha opinião, enquanto não
for editada uma nova resolução CONAMA, o assunto deve ser
examinado casuisticamente. Isto é, em cada caso o órgão
ambiental deverá verificar, concretamente, as possibilidades
de impacto ambiental negativo e justificar o requerimento de
que sejam realizados os estudos de impacto ambiental.
4.2.3. Atividades com Repercussões Ambientais em Áreas
Indígenas
Como já foi dito em diversas oportunidades deste trabalho,
muitas vezes, as atividades minerárias têm repercussão em
áreas indígenas. Observe-se que, aqui, não se está a falar de
atividades no interior de áreas indígenas, mas de atividades
realizadas fora de áreas indígenas e que, eventualmente,
poderão gerar consequências em terras indígenas. Tal matéria
está submetida à regulamentação do Decreto ns 24, de 4 de
fevereiro de 1991. Assim é que o artigo 2e, parágrafo único,
alínea c, determina que deve ser realizado o controle
ambiental das atividades potencial ou efetivamente
modificadoras do meio ambiente, mesmo daquelas desenvolvidas
fora dos limites das áreas que afetam. O Serviço do Meio
Ambiente das Terras Indígenas,24 vinculado à Coordenadoria de
Patrimônio Indígena da Fundação Nacional do índio - FUNAI, é o
órgão responsável pela aprovação de projetos de órgãos
públicos ou privados que possam acarretar impactos diretos ou
indiretos ao meio ambiente das terras indígenas.25 Dentre as
atribuições do mencionado Serviço do Meio Ambiente das
24 Instituído pela Portaria nB 422, de 25/4/1989, da
Presidência da FUNAI.
25 Portaria no 423, de 25/4/1989, art. Io, II, alínea b.
Direito Ambiental
Terras Indígenas (SEMATI), incluem-se as atribuições de
elaborar e acompanhar os projetos de recuperação de áreas
indígenas que tenham sofrido degradação ambiental e de
acompanhar a execução de projetos que provoquem alterações do
meio ambiente das terras indígenas. Situação diferente é a de
atividades realizadas no interior de terras indígenas, pois,
como foi visto, estas necessitam de autorização do Congresso
Nacional.
4.3. Obrigação de Recuperação Ambiental da Área Degradada
Como se sabe, o Direito Ambiental consagra o princípio geral
da responsabilização dos causadores de danos ambientais.
Dentre os elementos fundamentais que constituem a obrigação de
reparação do dano, encontra-se a repristinação do meio
ambiente como um dos mais importantes aspectos a serem
observados pelos utilizadores de recursos ambientais. A CF,
contudo, naquilo que diz respeito às atividades minerárias,
foi redundante, pois, no § 2S do artigo 225, estabelece que:
Aquele que explorar recursos minerais £ca obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da
lei.
Sendo certo que no § 3e está determinado que:
As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o
dano.
Obviamente que a reparação dos danos estabelecidos pelo § 3e
somente pode ser considerada tecnicamente correta se feita de
acordo com a orientação do órgão público competente. Admite-
se, contudo, que o constituinte tenha buscado dar um relevo às
atividades minerárias e aos danos que estas possam ter causado
ao meio ambiente.
Após a promulgação da CRFB foi baixado o Decreto ns 97.632,
de 10 de abril de 1989, com o objetivo de regulamentar o
artigo 2S, inciso VIII, da Lei ne 6.938/81. O inciso VIII do
artigo 29 da Lei nQ 6.938/81 estabelece que um dos princípios
da política nacional do meio ambiente é a recuperação das
áreas degradadas. A degradação da qualidade ambiental é, nos
termos da lei, a alteração adversa das características do meio
ambiente.26
É evidente que a degradação ambiental não decorre, apenas,
das atividades minerárias. Entretanto, o Decreto n2 97.632/89
limitou-se a tratar de recuperação de
26 Lei no 6.938/81, artigo 3a, II.
Mineração
áreas degradadas por atividades minerárias. Observe-se,
ademais, que o decreto estabeleceu uma definição para
degradação. Assim é que o artigo 29 dispõe:
Para efeito deste decreto são considerados como degradação
os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos
quais se perdem ou se reduzem algumas das suas propriedades,
tais como a qualidade ou capacidade produtiva dos recursos
ambientais.
O Código de Mineração, conforme o disposto em seu artigo 48,
define a lavra ambiciosa como aquela conduzida sem observância
do plano preestabelecido, ou efetuado de modo a impossibilitar
o ulterior aproveitamento econômico da jazida. Decorre daí que
o Código tem duas preocupações básicas, a primeira que é a de
assegurar que a lavra seja efetuada dentro de padrões técnicos
que garantam a salubridade da atividade, e a segunda, com o
objetivo de manter um determinado grau de susten- tabilidade
da atividade minerária. Sabemos, entretanto, que os recursos
minerais não são renováveis e que, para a sua extração, não
raro, são necessárias atividades que criam modificações
ambientais irreversíveis. Tais modificações, durante a
realização das atividades de extração mineral, não podem ser
impedidas. Como exemplo é possível apresentar o desmonte de um
morro para a extração de determinado minério. Dificilmente o
morro poderá ser reconstituído e, em seu lugar, poderá surgir
uma cratera. Bem se vê que, no caso, não se poderá falar em
repristinação ambiental ante a total impossibilidade, pelo
menos em nível de nossa melhor tecnologia atualmente;
existente.
Penso que a situação que está colocada é interessante, pois,
de fato, não se poderia adotar a designação degradação para as
atividades minerárias, regularmente realizadas e praticadas
segundo os ditames dos licenciamentos, inclusive o ambiental.
Assim é porque, nos termos da lei, a degradação é uma
alteração adversa do meio ambiente e, portanto, proibida.
AnaHsando-se a questão sob outro prisma, observa- se que o
legislador, diante das importantes repercussões econômicas e
sociais das atividades minerárias, estabeleceu um critério
diferenciado para a prática de tais atividades. Embora tenha
exigido que as mesmas se façam com respeito à legislação de
proteção do meio ambiente e mediante critérios bastante
rígidos de segurança, admitiu que, durante a fase de extração,
são inevitáveis os resultados negativos sobre o meio ambiente.
A recuperação dos danos ambientais causados pela mineração
é, precipuamen- te, uma atividade de compensação, pois
raramente é possível o retomo, ao status quo ante, de um local
que tenha sido submetido a atividades de mineração.
’’’I
I
rife
\
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Capítulo XXIX A Proteção Judicial e Administrativa do Meio
Ambiente

1. Introdução
Uma das maiores dificuldades para aqueles que não são
profissionais do Direito é compreender a estrutura
organizacional do Poder Judiciário brasileiro e das insti-
tuições que têm sua existência em função da prestação
jurisdicional, tais como o Ministério Público, a Polícia
Judiciária e a Militar, bem como a própria advocacia. De fato,
há uma verdadeira perplexidade sobre o tema. Mesmo entre os
profissionais do Direito, não raras vezes, não existe uma
clareza sobre a matéria ora referida. Não é difícil perceber
que, sem uma prévia e correta compreensão da estrutura
judiciária brasileira, é muito difícil que se possa buscar a
proteção judicial do meio ambiente.
2. O Poder Judiciário
O Poder Judiciário é um dos Três Poderes existentes no
Estado brasileiro e tem por finalidade dirimir conflitos com
base no sistema legal, com vistas a evitar ameaças ou lesões
de direitos1 e assegurar um mínimo de convivência pacífica
entre os membros da sociedade. A estrutura organizacional do
Poder Judiciário brasileiro está contemplada nos artigos 92 e
seguintes da CRFB. Em obediência à estrutura federativa do
Estado brasileiro, o Poder Judiciário está assim constituído:
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I~o STF;
II—o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Federais;
IV-os Tribunais e Juizes do Trabalho;
V-os Tribunais e Juizes Eleitorais;
VI-os Tribunais e Juizes Militares;
VII ~ os Tribunais e Juizes dos Estados e do Distrito Federal
e Territórios.
O STF e o Superior Tribunal de Justiça têm jurisdição sobre
todo o território nacional. A Justiça brasileira divide-se em
comum e especializada. A Justiça comum
1 CF, art. 2* c/c art. 5«, XXXV.
778
Direito Ambientai
é constituída pela Justiça Federal e pela Justiça dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios. Já a Justiça
especializada é composta pela Justiça do Trabalho, pela
Justiça Eleitoral e pela Justiça Militar.2 Uma vez que o Brasil
é uma Federação, o Poder Judiciário poderá ser Federal ou
Estadual. O Poder Judiciário Federal é integrado pela Justiça
Federal e pelas Justiças especializadas mencionadas. O Poder
Judiciário do Distrito Federal e dos Territórios, embora seja
mantido pela União Federal, é considerado como se estadual
fosse, especialmente em razão de suas competências. Em
realidade, não há qualquer diferença entre o Poder Judiciário
dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios.
2.1. O STF e o Superior Tribunal de Justiça na Proteção
Ambiental
O STF é o principal tribunal do sistema judiciário
brasileiro competindo- lhe, fundamentalmente, a guarda da CF,
nos termos dos artigos 102 e seguintes da própria Lei
Fundamental da República. Cabe, ainda, ao STF, processar e
julgar ações entre os Estados ou entre os Estados e a União
Federal. Tais causas, não é preciso dizer, poderão versar
sobre matéria ambiental. Parece-me, contudo, que o papel
ambiental mais importante desempenhado pelo STF é aquele que
diz respeito à declaração de inconstitucionalidade ou
constitudonalidade das leis por via direta (art. 102, Î, a, da
Constituição de 1988). Através do citado mecanismo, o STF
poderá declarar a inconstitucionalidade ou a
constitudonalidade de uma norma jurídica com validade erga
omnes e “manter” ou “suspender” um texto legal.
Um exemplo importante da atividade direta do STF pode ser
mostrado pela seguinte dedsão:
Tratando-se do uso de defensivos agrícolas, a fiscalização
estadual só não pode excluir aquela da União, mas pode e deve
exercer-se de toda conveniência para melhor controle da
regularidade do uso do produto, aplicando aos infratores as
penalidades da lei estadual (STF, Rep. nô 1.134-SE).3
Já o Superior Tribunal de Justiça tem uma atuação de
natureza recursal diversa, pois ao mencionado tribunal compete
a guarda da legislação comum. A matéria ambiental que pode ser
tratada pelo Superior Tribunal de Justiça, em geral, chega-
lhe pela via de recursos contra as dedsões dos Tribunais
Regionais Federais ou dos Tribunais de Justiça. O Superior
Tribunal de Justiça tem proferido inúmeras dedsões em matéria
ambiental, notadamente quanto a questões envolvendo
competências processuais.
2 A Justiça Militar pode ser estadual ou federal.
3 Antunes, Paulo de Bessa. Jurisprudência Ambiental
Brasileira, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 106.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
2.2. A Justiça Federal, a Justiça do Trabalho e a Proteção
Ambiental
À Justiça Federal compete processar e julgar as causas nas
quais existam interesses da União, de suas autarquias, de suas
fundações ou empresas públicas. Compete, ainda, à Justiça
Federal processar e julgar as causas que tenham por fundamento
os tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
No campo criminal, compete à Justiça Federal processar e
julgar os crimes praticados contra bens, serviços e interesses
da União e das entidades que lhe sejam vinculadas.4 Compete,
ainda, à Justiça Federal julgar as causas sobre direitos
indígenas. Bem se vê, portanto, que a Justiça Federal
desempenha um importante papel no interior da problemática
concernente à proteção judicial do meio ambiente. A proteção
da fauna silvestre, dos parques nacionais, dos rios
interestaduais, do mar, das reservas indígenas etc. está
constitucionalmente definida como área de competência da
Justiça Federal.
A Justiça do Trabalho, em situações específicas, pode também
ser um importante instrumento de proteção ambiental. Como se
sabe, a Justiça do Trabalho, por força do artigo 114 da
Constituição de 1988, tem por competência processar e julgar
dissídios entre empregados e empregadores e, também, aqueles
originários do cumprimento de suas próprias decisões. Ocorre
que o artigo 200, VIII, da CRFB determina que compete ao
Sistema Único de Saúde colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho. O meio ambiente do trabalho
pode ser urbano ou rural e, muitas vezes, cláusulas não
econômicas são incluídas nos dissídios coletivos ou acordos
trabalhistas com o intuito de promover melhorias em condições
ambientais ou de saúde. O cumprimento de tais cláusulas deverá
ser buscado perante a Justiça do Trabalho. Penso que este é um
aspecto da competência da Justiça do Trabalho que tem sido
pouco explorado.5 O STF, em acórdão de lavra do Ministro Marco
Aurélio, para nossa felicidade, consagrou a tese que venho
defendendo, desde há muito, de que existe competência da
Justiça do Trabalho para processar e julgar ações civis
públicas.6
2.3. A Justiça dos Estados e a Proteção Ambiental
Todas as causas que não tenham a União ou uma de suas
entidades em polo passivo ou ativo, e que não sejam
decorrência de relação de trabalho, deverão ser processadas e
julgadas perante a Justiça dos Estados. E um universo
extremamente vasto e importante. Deve-se atentar para o fato
de que as contravenções do CFlo, ainda que praticadas em
detrimento de bens da União Federal, parques nacionais, por
exemplo, serão sempre julgadas e processadas na justiça
estadual.
4 CF, art. 109,1, II, DI e IV.
5 O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro tem
produzido trabalhos bastante interessantes quanto ao
particular.
6 RE n® 206.220-MG. Rei. Min. Marco Aurélio. DJU 17/9/99, p.
58. Julgamento: 16/3/1999, 2* Tunna. Ementa: Competência.
Ação Civil Pública - Condições de Trabalho. Tendo a ação
civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas
e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do
trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a
competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho.
Direico Ambiental
3. O Ministério Público
A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de atribuições
bastante amplo para o Ministério Público em matéria de
proteção ambiental. Em linhas gerais tais atribuições são
originárias do regime jurídico que ora se passa a examinar.
3.1. A Base Constitucional da Atuação do Ministério Público
Já se tomou lugar-comum afirmar que a CF de 1988 atribuiu ao
Ministério Público papel de grande relevância na proteção dos
chamados interesses difusos. De fato, a vigente Lei
Fundamental brasileira foi bastante positiva ao atribuir
funções ao Ministério Público. Os artigos 127/130 da CF
moldaram o perfil do parquet como um importante instrumento de
expressão da sociedade.
A organização constitucional do Ministério Público no Brasil
não encontra paralelo em nenhum outro país do mundo. O nível
de independência e autonomia que foi deferido ao MP pelo
constituinte é absoluto. O Ministério Público e seus
integrantes somente se encontram submetidos à lei e à própria
consciência.
Sem dúvida alguma, é no artigo 127 da CF que se encontra o
cerne das atribuições ministeriais. Determina o recém-
mencionado dispositivo constitucional:7
O Ministério PúbliccP é instituição permanente, essencial à
íunção juris-
dicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Em razão de suas atribuições básicas, conforme estatuídas no
caput do artigo 127, decorrem as funções institucionais
estabelecidas ao longo do artigo 129. Estas,9 em realidade, se
constituem em um conjunto de atribuições pelas quais são
estabelecidos instrumentos para que o MP possa exercer os
misteres ao seu encargo.
Dentre as diversas funções institucionais mencionadas no
artigo 129, encontram-se o exercício da ação civil pública10 e
do inquérito civil.11 As funções institucionais estabelecidas
na Lei Fundamental são exercidas na forma da legislação de
menor hierarquia. Atualmente é bastante grande o número de
leis que tratam da ação civil pública e do inquérito civil.
Hoje, o Direito brasileiro consagra, no mínimo, cinco ações
civis públicas típicas, que são aquelas previstas nas leis:
a) Lei n2 7.347/85;
b) Lei n9 7.853/89 (integração social do deficiente físico);
7 Órgãos estaduais.
8 Poderá ser utilizada a sigla MP.
9 Penso que, na realidade, tratam-se de instrumentos de
atuação do MP.
10 Doravante, ACP.
11 Deve ser observado que apenas o inquérito civil constitui-
se em exclusividade do MP.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
c) Lei ia2 7.913/89 (responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários);
d) Lei n9 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); e
e) Lei n9 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Penso que os dispositivos constantes de todas as leis
mencionadas são complementares e podem ser aplicados em
processos judiciais versando matéria ambiental.
O Ministério Público é, no Brasil, o principal autor de
ações civis públicas e desempenha um papel de extraordinária
relevância quanto ao particular. De fato, o precário nível de
organização de nossa sociedade não permite que ela própria, e
por meios autônomos, busque a defesa de seus interesses. O
Ministério Público, em razão disto, passou a desempenhar um
tipo de advocacia pro bono quando acionado por pessoas e
associações preocupadas com os problemas ambientais.
4. Principais Meios Judiciais de Proteção Ambiental
4.1. Ação Civil Pública
O presente tópico não pretende ser uma análise da ação civil
pública, mas, apenas e tão-somente, servir de uma apresentação
sumária do tema àqueles que pretendem auferir conhecimentos de
Direito Ambiental. A ação civil pública é um importante ins-
trumento de tutela do meio ambiente, mas, a toda evidência,
não é um instituto que integre o Direito Ambiental. A lei da
ação civil pública, igualmente, não criou qualquer direito. É,
apenas, norma de processo, e é desta maneira que deve se
enfocada.
Para que se possa compreender o objeto da ação civil pública
é necessário que se tenha em mente que são diversas as
matérias tuteladas pela Lei nQ 7.347/85.
A Lei n9 7.347, de 24 de junho de 1985, tem por finalidade,
sem prejuízo da ação popular disciplinada pela Lei n2 4.717, de
29 de junho de 1965, reger as ações de responsabilidade por
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e
direitos de valor artístico, histórico, turístico e
paisagístico. Vale notar que, com o advento da Constituição de
1988, o campo de abrangência da lei que ora se examina foi
bastante ampliado, vez que, por força do artigo 129, III,
estabeleceu-se a possibilidade de propositura de ações civis
públicas para a defesa de outros interesses difusos. A exata
definição de todo o espectro jurídico alcançado pelas diversas
leis de ação civil pública ainda está por ser feita pela
doutrina especializada e pela própria jurisprudência. De
pronto, verifica-se que, mesmo dogmaticamente, os conceitos
jurídicos adotados pelo texto legal são conceitos jurídicos
indeterminados. Tal fato não deve causar perplexidade no
intérprete, mas, ao contrário, deve servir de estímulo e desa-
fio para o alargamento da tutela propiciada pela norma. Aliás,
merece ser recordada a lição de Engisch:12
12 Karl Engisch. Introdução ao Pensamento Jurídico, Lisboa:
Calouste Gulbenkiam, 1979, p. 173.
Direito Ambientai
Os conceitos jurídicos absolutamente determinados são muito
raros em direito.
Assim, salvo melhor juízo, o julgador, em casos que envolvam
a defesa judicial de interesses difusos, deverá utilizar-se,
largamente, das disposições contidas no artigo 126 do CPC, in
verbis:
O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar
as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais do Direito.
A simples leitura do artigo 39Í3 conjugada com a do artigo
4a14 demonstra-nos que podem ser propostas ações com a
finalidade de obter condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer e, ainda, medidas cautelares
que estejam em consonância com "os üns desta lei”
Não posso deixar de observar que7 embora a Lei n9 7.347/85
vise regulamentar uma ação de "responsabilidade”, esta lei não
contém qualquer dispositivo acerca da liquidação dos danos
cujos ressarcimentos devem ser buscados mediante a utilização
do diploma legal que se analisa. Em não poucas oportunidades,
a reparação de uma lesão poderá demandar uma prévia declaração
judicial da existência ou da inexistência de uma relação
jurídica, a validade de um ato jurídico, verbi gratia, a
anulação de licenças ambientais concedidas ao arrepio da lei:
“Se o fato arguido de lesivo ao meio ambiente foi praticado
com licença, permissão ou autorização de autoridade compe-
tente, deverá o autor da ação - Ministério Público ou pessoa
jurídica ~ provar a ilegalidade de sua expedição, uma vez que
todo ato administrativo traz a presunção de legitimidade, só
invalidável por prova em contrário.”15
Deve ser observado que a Lei Fundamental de 1988 ampliou as
hipóteses de cabimento da ação civil pública. Assim é que se
pode ver no inciso III do artigo 129 da CF a seguinte função
institucional do Ministério Público:
Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção do patrimônio púbhco e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
Logicamente, e por força direta da nova norma
constitucional, foram ampliadas as hipóteses de tutela
constitucional possibilitadas pela Lei nB 7.347/85, isto é,
passaram a ser tutelados os patrimônios público e social e,
ainda, outros interesses difusos
13 Alt. 3® A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer.
14 Art. 4® Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins
desta lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
15 MeireUes, Hely Lopes. “Proteção ambiental e ação civil
pública”, in Revista de Direito Administrativo,
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
e coletivos. Nova ampliação das hipóteses de cabimento da ação
civil pública, proposta pelo Ministério Público, foi efetivada
pela Lei Complementar ns 75, de 20 de maio de 1993, em seu
artigo 62, inciso VII, alíneas a, b, c e d, cujo teor é o
seguinte:
Art. 69 Compete ao Ministério Público da União: ...
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública
para:
a) proteção dos direitos constitucionais;
b) a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis,
homogêneos, sociais, difusos e coletivos, relativos às
comunidades indígenas, à família, à criznça, ao adolescente,
ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos,
sociais, difusos e coletivos.
O artigo l- da Lei na 7.347, de 24 de julho de 1985,
determina que:
Art. 19 Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo
da ação popular, as ações de responsabilidade por danos
causados: I ~ ao meio ambiente; II - ao consumidor; Hl-a bens
e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico; TV - a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo.
Dentre os bens jurídicos tutelados pela presente lei, o meio
ambiente é um dos que merecem maior destaque. Normativamente,
o meio ambiente, como se sabe, está conceituado no inciso I do
artigo 32 da Lei nQ 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA Nos termos
da norma jurídica recém-citada o meio ambiente é o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem química,
física e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas. Por força de expressa disposição
constitucional, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo
e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e
futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a
preservá-lo e defendê-lo (CF, art. 225).
De todas as hipóteses de cabimento das ações civis públicas,
esta é aquela que permite a maior ampliação do instrumento
processual ora sob análise. Evidentemente que a amplitude do
permissivo contido no inciso é função do entendimento que se
tenha dos próprios interesses difusos. O nosso posicionamento
é no sentido de considerar que os interesses difusos revestem-
se da característica de serem um prolongamento e uma extensão
dos direitos humanos fundamentais. Nesta condição possuem um
caráter de garantia e tutela de determinados padrões de con-
dição de vida e não podem ser confundidos com qualquer
reivindicação de grupos. Isto porque os interesses difusos não
se confundem com postulações corporativas.
Existe uma certa tendência doutrinária em considerar que o
simples choque de interesses entre grupos sociais que formulam
reivindicações conflitantes entre si é suficiente para
configurar um choque de interesses difusos. Não é assim. Não
se pode
Direito Ambiental
falar em interesse difuso quando a postulação é contrária ao
próprio sistema constitucional de garantia dos direitos
humanos em qualquer uma de suas dimensões.
O objetivo que deve guiar o intérprete é o de compatibilizar
a reivindicação eventualmente formulada por um grupo com um
interesse geral da sociedade. Se a postulação não trouxer em
seu bojo um interesse geral da sociedade, presente e futura,
não há que se falar em interesse difuso mas, ao contrário, de
interesse corporativo, não tutelado pela ação civil pública.
4.1.1. Competência para o Processamento e Julgamento das
Ações Civis Públicas
Parece-nos que o legislador não foi muito feliz ao tratar do
presente assunto, senão vejamos:
a) a lei determina que a ação seja proposta perante o juízo
com jurisdição sobre o local do dano;
b) a lei determina que o juiz do local terá competência
funcional para processar e julgar o feito.
Em minha opinião há uma contradição nos termos com os quais
o legislador quis abordar o tema ora examinado. A hipótese
prevista na letra a é, a toda evidência, de competência
territorial. Como é de conhecimento de todos, é competência
relativa, portanto, prorrogável. Quanto à letra b, esta não
tem qualquer relação com a competência territorial.
Juridicamente, há um erro grosseiro de conceituação, pois, de
fato, o legislador misturou e confundiu os institutos da
competência territorial e da competência funcional. Vale
trazer à colação a lição de Humberto Theodoro Junior:16
Há que se distinguir a competência de foro da competência do
juiz. Foro é o local onde o juiz exerce as suas funções. Mas
no mesmo local podem funcionar vários juizes com atribuições
iguais ou diversas, conforme a organização judiciária. Se tal
ocorrer, há que se determinar, para uma mesma causa, primeiro
qual o foro competente e, depois, qual o juiz competente. Foro
competente, portanto, vem a ser a circunscrição territorial
(Seção Judiciária ou Comarca) onde determinada causa deve ser
proposta. Ejuiz competente é aquele, entre os vários
existentes na mesma circunscrição, que deve tomar conhecimento
da mesma para processá-la e julgá-la.
Longe de pretender doutrinar sobre tema de tão grave
indagação, socorro-me da lição de Athos Gusmão Carneiro:17
16 Processo de Conhecimento, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed.,
1984, p. 176.
17 Jurisdição e Competência, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 92.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambience
Diferentes “funções” ou atribuições dentro de um mesmo
processo podem caber a diferentes juizes. No âmbito criminal,
temos exemplo expressivo nos processos por crimes de
competência do tribunal do júri, pois pode caber a um juiz de
vara criminal comum instruir o processo, ao juiz da vara
privativa do júri proferir a sentença de pronúncia e presidir
o júri, aos jurados responderem aos quesitos, ao juiz fixar a
pena, e, por fim, ao juiz das execuções criminais apreciar os
incidentes surgidos durante a execução da pena. Trata-se nessa
hipótese, de competência funcional “horizontal” tramitando o
processo no mesmo grau de jurisdição. No cível, o critério de
competência funcional encontra maior aplicação no plano
“vertical” na também chamada competência “hierárquica”, ou
competência recursal. São de ordem pública, e assim
interrogáveis - competência absoluta - os critérios de
competência funcional, atributivos da competência a um juiz
para praticar determinados atos ou para conhecer de uma causa
em primeira instância, e a outras, juizes para conhecê-la em
segunda instância.
O Estado brasileiro é organizado sob a forma de República
Federativa, com separação de Poderes. Isto implica que os
Poderes organizam-se de forma independente, devendo manter
harmonia em suas relações. A República brasileira, na forma da
Constituição de 1988, é constituída pela união dos Estados,
dos Municípios e do Distrito Federal. Desta forma, e em
decorrência dos princípios federativos adotados pela Lei
Fundamental da República, o Poder Judiciário, embora seja um
dos Poderes nacionais, divide-se em Poder Judiciário Federal e
Poder Judiciário Estadual. A propósito, vale frisar que as
justiças especializadas (Trabalho, Eleitoral e Militar) são,
em geral, federais, à exceção da última, que também pode ser
estadual. A Justiça Federal, propriamente dita, é justiça
comum. Verifica-se, portanto, que há uma organização dual na
Justiça brasileira. A Lei n2 7.347/85, como é óbvio, existe
para ser aplicada pelo Poder Judiciário, seja federal ou
estadual e não apenas por um de seus “braços”.
No âmbito da Justiça dos Estados o local do dano é uma
Comarca, salvo nos casos em que o dano possa ter ocorrido em
mais de uma Comarca. Caso o dano tenha se verificado em mais
de tuna Gomarca, deverão ser aplicadas as normas do CPC sobre
conexão, prevenção etc.
Há que ser considerada a eventualidade da existência de dano
que, por suas dimensões excepcionais, ultrapasse os limites de
uma única Comarca e que, neste caso, se reproduza em várias
localidades que, juridicamente, podem ser Comarcas diversas.
Ora, em minha opinião, deve ser considerado que, em se
tratando de matéria de competência relativa, o ajuizamento
poderá ocorrer em qualquer uma das Comarcas nas quais o evento
danoso tenha produzido consequências. Evidentemente que, se
ajuizado mais de um processo visando à reparação do dano, em
Comarcas diferentes ou em mais de uma Vara da mesma Comarca,
prevalecerá a competência daquela que primeiro tenha tido
conhecimento dos fatos (mediante despacho citató- rio exarado
pelo órgão judicial), por força da prevenção. Do ponto de
vista estritamente prático, recomenda-se seja o feito ajuizado
na Comarca do local onde o dano tenha sido iniciado, onde o
evento lesivo se verificou, desconsiderando-se repercus-
Direito Ambiental
soes em outras Comarcas. Tal recomendação tem por objetivo
facilitar a produção de provas. Daí poderá haver uma
repercussão socialmente mais eficaz para o processo. Galeno de
Lacerda18 e Hugo Nigro Mazzilli19 têm entendimento no mesmo
sentido.
Quando se tratar de ação civil pública que tenha por
finalidade a tutela de bem jurídico cuja titularidade é da
União Federal ou de uma de suas autarquias ou empresas
públicas, a competência, em nossa opinião, é, evidentemente,
federal. Tais casos não demandam maiores indagações, se o dano
ocorrer nas capitais ou em cidades que sejam sede de juízo
federal
4.1.1.1. Prescrição
A prescrição é um dos assuntos mais árduos e dos mais
importantes para o DA e, talvez em função disso, tem sido
pouco tratada pela doutrina mais abalizada. A grande
importância do tema está situada na órbita do direito
processual e não propriamente na do direito qualificado como
“material”. Ela se constitui em defesa do réu que, se
acolhida, importa julgamento com apreciação do mérito.,
conforme determinação do CPC.20 Em geral, sustenta-se que,
devido aos valores tutelados pelo DA, não se poderia falar em
prescrição, visto que aqueles, por não terem caráter patrimo-
nial, estariam imunes à sua incidência. Aduz-se que a
prescrição recai sobre direitos patrimoniais e que, em direito
ambiental, apenas parcialmente se pode falar em direitos
patrimoniais, visto que os bens tutelados, em sua essência,
não possuem valor econômico. A fim de bem ilustrar a posição
acima mencionada, permito~me, nesta altura, transcrever um
breve texto do excelente Edis Milaré21 que, na minha opinião,
bem ilustra o conjunto das concepções negadoras da prescrição
em matéria ambiental, in verbis: “Conforme salientamos
alhures, o Direito enxerga o dano ambiental sob dois aspectos
distintos: à) o dano ambiental coletivo, dano ambiental em
sentido estrito ou dano ambiental propriamente dito, causado
ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção
difusa, como patrimônio coletivo, e b) o dano ambiental
individual ou dano ambiental pessoal, sofrido pelas pessoas e
seus bens. Assim é porque um mesmo fato pode ensejar ofensa a
interesses difusos e individuais, como ocorre, por exemplo,
com a contaminação de um curso de água por carreamento de
produto químico nocivo. Ao lado do dano ecológico puro ou
coletivo identificado, poderão coexistir danos individuais em
relação aos proprietários ribeirinhos que tenham suportado
perda de criações ou se privado do uso comum da água
contaminada... De fato, o estabelecimento de um prazo para o
ajuizamento da ação tendente à composição da lesão ambiental
resulta por completo inadequado para o sistema de prescrição.

18 “Ação civil pública”, in Revista do Ministério Público do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ed. especial, nc 19,1986,
p. 40.
19 A Defesa dos interesses Difusos, São Paulo: RT, 1988, p.
40.
20 CPC: “Art. 269 — Extingue-se o processo com julgamento de
mérito: (...) IV — quando o juiz pronunciar a decadência ou
a prescrição...”
21 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT. 2005, 4*
edição, pp. 962-3.
fSBJ * Hnsno Supenor
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
O tema, por complexo, não será examinado em toda a sua
profundidade nesta sede, buscarei dar uma ideia geral do nível
dos debates sobre a matéria e, na medida do possível, externar
uma concepção pessoal. Em primeiro lugar penso que o aludido
caráter difuso do dano ambiental não deve nos impressionar. Os
chamados interesses difusos têm como uma de suas mais
importantes características básicas a sua quase completa
fluidez e plasticidade, um caráter gelatinoso, que resulta de
situações fundamentalmente fáticas. Conforme Mancuso,22 “são
interesse metaindividuais que, não tendo atingido o grau de
agregação e organização necessário à sua aferição
institucional, junto a certas entidades ou órgãos
representativos dos interesses já socialmente deíinidos,
restam em estado fluído, dispersos pela sociedade civil como
iim todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico),
podendo por vezes concernir a certas coletividades de conteúdo
numérico indefinido (v. g., os consumidores). Caracterizam~se
pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do
objeto, por tuna intensa litigiosidade interna e por sua
tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.
Diante de uma abrangência tão ampla e de seu caráter
evidentemente aberto, o problema da legitimidade ativa,
evidentemente, tem uma grande importância. As dificuldades
para tutelar judicialmente tais interesses foram resolvidas no
direito brasileiro com a Lei n3 7.347/85, que instituiu a Ação
civil Pública que, posteriormente, foi constitucionalizada.
Tal lei processual estabeleceu mecanismos de substituição
processual capazes de romper com os rígidos limites do artigo
6a23 do CPC. A Lei foi uma construção prática capaz de dar
solução a problemas de legitimidade ativa no que concerne à
busca pela reparação de danos causados a bens que não estavam
diretamente vinculados à esfera jurídica de particulares e,
portanto, estes últimos não podiam perseguir em juízo, pela
falta de legitimidade ativa. Posso citar, por exemplo, a
obrigação de que o ar fosse mantido limpo, ou de que os rios
não fossem poluídos. Não se deve esquecer, contudo, que nas
hipóteses individuais, o direito de vizinhança foi amplamente
utilizado no direito brasileiro e com expressivo sucesso, nas
questões de ruído excessivo,24 iluminação,25
22 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos (conceito e
legitimação para agir). São Paulo: RT, 1988, p. 105.
23 CPC - “Art. 6a - Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei”
24 TJRJ. 2005.001.06459 - APELACAO CÍVEL. Relator Desembargador
DES. NAGIB SLAIBI FILHO - Julgamento: 21/06/2005 ~ SEXTA
CAMARA CÍVEL. “Direito Processual Civil. Recurso
manifestamente improcedente. Aplicação do art. 557 da Lei
Processual. Embargos de terceiro. Inadequação da via eleita
para modificar a sentença. Perícia que conclui pela
existência de ruídos excessivos que prejudicam o sossego e a
tranqüilidade dos vizinhos. A embargamejá se encontrava no
local na data da realização da perícia, impondo-se ao
ocupante do imóvel as normas que disciplinam os direitos de
vizinhança. Inexistência de comprovação do esbulho ou
turbação de posse ou bens. Desprovimento do recurso.”
25 TRJEC/RJ. 2005.700.014253-3. Relatora: Juíza CRISTINA TEREZA
GAULIA. Direito de vizinhança - Instalação de letreiro
luminoso em marquise — Prédio antigo de dois andares —
Instalação inadequada do ponto de vista elétrico - Fios
soltos — Insegurança - Perigo de curto-circuito — Incômodos
causados à autora pela iluminação noturna excessiva sob as
janelas de sala e dos quartos — Ruído oriundo da corrente de
energia — Uso da marquise (espaço que tem natureza de área
comum) sem autorização prévia de todos os proprietários do
prédio — Uso anormal da propriedade inclusive pelo fato de
já possuir o estabelecimento réu dois outros letreiros
instalados adequadamente sob a marquise Desvalorização do
imóvel da autora —Po-
Direito Ambiental
fumaça26 etc. Evidentemente que os direitos de vizinhança não
são sufícientes para resolver problemas de natureza coletiva,
visto que terceiros não podem defender em nome próprio direito
alheio.
Os interesses difusos não excluem e nem são antagônicos às
questões patrimoniais. Aliás, se analisarmos as questões
referentes aos danos morais veremos que, inicialmente, eles
não eram indenizáveis, visto que se alegava que a dor não
tinha preço. Com isto, seguramente, os causadores de tal
espécie de dano ficavam inteiramente imunes à força do
direito. A evolução da matéria chegou ao ponto de que a
proteção da intimidade e a possibilidade de indenização de
danos morais se transformaram em matéria constitucional. Veja-
se que já se fala em dano moral ambiental,27 com repercussão
inclusive na jurisprudência.28 Ao contrário, a
patrimonialização,
Iuição visual exagerada - Direito da autora enquanto vizinha e
proprietária do imóvel afetado Desnecessidade de usar a autora
seu imóvel continuamente para exercer o direito previsto na
lei civil, tendo em vista inclusive que não consta autorização
da Prefeitura -Art. 1.277 CC/02 Eliminação da interferência
que é possível sem prejuízo para a publicidade da ré de seu
comércio ~ Danos morais não providos - Sentença de procedência
pardal que determina a retirada do letreiro em prazo certo
pena de multa diária que se confirma - Afastamento correto do
pedido contraposto na forma do Enunciado 4.1.1, DORJ 21/09/01.
26 TACRS. Apelação Cível n» 187052279. Relator Desembargador
Osvaldo Stefanello. Primeira Câmara Cível. 29/09/1987
Ementa: Direito de vizinhança. Uso nocivo de propriedade.
Ação Cominatória. Churrasqueira. Fumaça e cheiro. O artigo
554 do CC estabelece limites ao livre uso da propriedade,
eis que a subordina às relações de vizinhança, pelo
princípio consagrado nessa norma, o proprietário deve
exercer seu direito de propriedade sem prejudicar o bem-
estar, a segurança ou a saúde dos seus vizinhos. No entanto,
o que a lei limita é o ato abusivo e praticado com excessos,
assim não considerado o que não imponha aos vizinhos maiores
sacrifícios ou importunações. O conceito de mau uso, ou uso
nocivo da propriedade não comporta definição ou proposição
dogmática, predominando o princípio da relatividade, ou
seja, cada caso deverá ser examinado nas variadas
circunstâncias que apresenta, não caracterizando o abuso de
direito no uso da propriedade não tem, o proprietário
vizinho, o direito de impedir sua plena utilização. A
harmonia sodal não se compadece com a idéia de vir o
proprietário utilizar a coisa de tal modo que o exercício de
seu direito se converta em sacrifício ou moléstia de seu
vizinho (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de
Direito Civil, IV/149, Forense, ls ed.). A mesma harmonia,
no entanto, não autoriza, sem que ocorram os requisitos do
artigo 554 do CC, que o vizinho pretende limitar o direito
de seu próximo de usar, gozar e dispor do que e seu,
observados os limites legalmente impostos. Sentença con-
firmada, apelo improvido (Apelação Cível n® 187052279,
primeira câmara cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator:
Osvaldo Stefanello, julgado em 29/09/1987).
27 RODRIGUEIRO, Daniels A. Dano moral ambiental - sua defesa
em juízo, em busca de vida digna e saudável São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira. 2004. 230p.
28 TIRJ. 2001.001.14586 - APELAÇÃO CÍVEL. Relatora: DES. MARIA
RAIMUNDA T. AZEVEDO - Julgamento: 07/08/2002 - SEGUNDA
CÂMARA CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL, CORTE
DE ÁRVORE. FALTA DE AUTORIZAÇAO JUDICIAL. CONSTRUÇÃO SEM
LICENÇA. RESSARCIMENTO DOS DANOS. DANO MORAL, FIXAÇÃO DO
VALOR. RECURSO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACOLHIMENTO.
Poluição Ambiental Ação Civil Pública formulada pelo
Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em
supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização
municipal. Cortes de árvores e início de construção não
licendada, ensejando multas e interdição do locaL Dano à
coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo
conseqüêndas nocivas ao meio ambiente, com infrmgência às
leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal
750/93, artigo 2», Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e
inciso XI, e a Lei Orgânica do Munidpio do Rio de Janeiro,
artigo 477. Condenação à reparação de danos materiais
consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfaz imento
das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral
perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral
ambiental razoável e propordonal ao prejuízo coletivo. A
impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior
justificam a condenação em dano moral pela degradação
ambiental prejudidal a coletividade. Provimento do recurso.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
em determinada medida, é a única forma possível de fazer com
que as lesões que tenham sofrido não restem completamente
impunes.
Entretanto, gostaria de ressaltar que o meu ponto central é
o de que não existe uma relação direta entre não-
patrimonialidade e direitos difusos. Aliás, se observarmos o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a norma mais
completa para a defesa dos interesses difusos, veremos que a
maioria dos direitos por ele tutelados são de natureza
patrimonial, ainda que a defesa do consumidor seja considerada
como integrante do rol de “interesses difusos”.29
O problema que os direitos difusos buscaram resolver não
guarda qualquer relação com a natureza patrimonial ou não
patrimonial dos bens. A existência de dificuldade para a
quantificação de valor econômico de um bem não significa, em
si, que ele não possa ter um valor econômico definido.
Especialmente porque se tais bens não têm preço, certamente
têm custos e os custos são ressarcíveis e indenizáveis. Da
mesma forma, o feto de que para determinados indivíduos,
considerados pessoalmente, certos bens e pessoas sejam
incomensuráveis, isto não implica que socialmente não se
atribuam valores a bens “sem preço” como a vida humana, por
exemplo. Diariamente são fixadas indenizações civis pelo
“evento morte”, “danos à saúde”30 e “invalidez” e chega-se
mesmo a estabelecer valores por perda de determinadas partes
do corpo humano; da mesma forma, nada impede a incidência da
prescrição31 de ações que visem obter reparações por tais
perdas.
Se examinarmos os bens ambientais, veremos, sem muita
dificuldade, que eles, desde muito, possuem valor redutível à
pecúnia em nosso direito. O velho Código de
29 REsp 72994/SP. Relator: Ministro NILSON NAVES, relator para
Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. 3» TURMA
DJU 17.09.2001, p. 159. Ação civil pública. Entidades de
saúde. Aumento das prestações. Legitimidade atíva. 1. O
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC tem
legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa
dos consumidores de planos de saúde. 2. Antes mesmo do
Código de Defesa do Consumidor, o país sempre buscou
instrumentos de defesa coletiva dos direitos, ganhando força
seja com a Lei ns 7.347/87 seja alcançando dimensão especial
com a disciplina constitucional de 1988. Sedimentados os
conceitos centrais, não há razão que afaste o presente feito
do caminho da ação civil pública. O instituto autor é
entidade regularmente constituída e tem legitimidade ativa
para ajuizar a ação civil pública de responsabilidade por
danos patrimoniais causados ao consumidor. 3. Recurso
especial conhecido e provido.
30 REsp 302238/RJ; RECURSO ESPECIAL Ministro JOSÉ DELGAJDO. 1»
Turma. DJU 11.06.2001, p. 140. PROCESSUAL OVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO, CONTRA O ESTADO, POR ERRO MÉDICO. PRESCRIÇÃO.
TERMO INICIAL. CONSTATAÇÃO DA IRREVERSÍBILIDADE DO DANO
OCORRIDO. 1. Recurso Especial contra Acórdão que decretou a
prescrição do direito de o recorrente pleitear indenização,
por erro médico, contra o Estado recorrido, com aplicação do
art. 1® do Decreto n* 20.910/32, ao entendimento de que o
prazo inicial conta-se a partir do momento da primeira
internação (entrada) no estabelecimento de saúde. 2. Segundo
a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, começa a
fluir o prazo prescridonal, para o ajui- zamento de ação
indenizatória por erro médico, a partir da ciência, pela
vítima, da impossibilidade da reversão da lesão ocasionada.
3. No período anterior à constatação da irreversibilidade do
dano ocorrido, o autor não poderia imaginar que lhe
acometeria a deficiência acontecida a posteriori. 4.
Precedentes desta Corte Superior. 5. Recurso provido, para
afâstar a prescrição decretada e determinar o retomo dos
autos ao Egrégio Tribunal a quo, a fim de que o mesmo
continue o julgamento, desta feita sem a prejudicial em
tela.
31 STJ - REsp 260690 / RJ. Relator: Ministro FERNANDO
GONÇALVES. 4* TURMA DJU 18.04.2005 p. 339. “CIVIL.
INDENIZAÇÃO. MORTE. DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL.
PRESCRIÇÃO QÜIN- QÜENÁRIA. INAPLICABILIDADE. PRESSUPOSTO
FÁTICO. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS. PERCU- CIÊNCIA. REEXAME DE
PROVAS. SÚMULA 7-STJ. DESPESAS DE FUNERAL. FALTA DE COMPRO-
VAÇÃO. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Em se tratando de
indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal,
não se aplica o prazo prescridonal do art. 178, § 10,1, do
CC (cinco anos), mas
Direito Ambiental
Águas instituído pelo Decreto n2 24. 643, de 10 de julho de
1934, em diversos de seus artigos previa a quantificação
pecuniária do uso das águas. Naquela norma era admissível que,
em razão de interesse relevante da agricultura ou da
indústria, as águas fossem “inquinadas”, cabendo uma
indenização em favor dos lesados.32 Havia, também, a previsão
da possibilidade de desapropriação de águas, o que demonstra a
redutibi- lidade à pecúnia de seu “valor”.33 A legislação mais
moderna sobre recursos hídricos é bastante clara ao definir
que a água é um bem que possui valor econômico,34 chegando a
estabelecer a obrigação de que o usuário da água deve pagar um
preço pelo bem considerado em si mesmo.
Um outro elemento importante para que se possa compreender a
questão é que o meio ambiente, no direito brasileiro, ostenta
a condição de bem de uso comum, conforme definição do artigo
225 da CF. Isto implica que os valores ambientais podem e
devem ser usufruídos por todos da forma mais ampla possível.
Isto, entretanto, só é possível no interior da ordem jurídica,
visto que em todo e qualquer caso de violação de tal “bem
comum”, o aparato repressivo do estado poderá ser acionado por
qualquer indivíduo que se sinta prejudicado, mediante os
mecanismos processuais próprios. Do ponto de vista prático, o
meio ambiente é considerado patrimônio público,35 conforme
disposto na Lei ns 6.938, de 31 de julho de 1981.
o do art. 177 do mesmo diploma legal (vinte anos), porquanto a
menção a alimentos (art, 1537, II) representa mera referência
para o cálculo do ressarcimento, sem, contudo, retirar a
natureza da obrigação, vale dizer, a de indenizar o dano
decorrente do evento (Resp n® 1.G21/RJ e Resp n» 53538/RJ). 2
— A delimitação e existência do pressuposto fático de
concessão do pedido indemzatórfo, não existente para a empresa
recorrente, mas demonstrado para o acórdão recorrido, esbarra
no óbice da súmula 7-STJ, porquanto demanda investigação
probatória, não condizente com a via do recurso especial. 3 —
0 mesmo verbete incide quanto à questão federal afeta áo art.
608 do CPC, pois aferir a existência ou não da real necessida-
de de se provar feto novo, para, então, concluir pela
incidência ou pelo afastamento da liquidação por artigos, é
matéria também de cunho eminentemente probatório. 4 - Não se
faz necessária, segundo o entendimento prevalente na Quarta
Turma ~ Resp 530.804/PR - a comprovação das despesas de
funeral para se obter o reembolso das despesas do responsável
pelo sinistro, não só em razão da certeza do feto, mas, tam-
bém, pela estipulação módica da verba, reduzida para valor
equivalente a três salários mínimos. 5 - Recurso conhecido em
parte (letra “c”) e, nesta extensão, parcialmente provido.
32Código de águas - Art. 111. Se os interesses relevantes da
agricultura ou da indústria o exigirem, e mediante expressa
autorização administrativa, as águas poderão ser inquinadas,
mas os agricultores ou industriais deverão providenciar para
que as se purifiquem, por qualquer processo, ou sigam o seu
esgoto natural. Art. 112. Os agricultores ou industriais
deverão indenizar a União, os Estados, os Municípios, as
corporações ou os particulares que pelo favor concedido no
caso do artigo antecedente, forem lesados.
33 Art. 32. As águas públicas de uso comum ou patrimoniais, dos
Estados ou dos Municípios, bem como as águas comuns e as
particulares, e respectivos álveos e margens, podem ser
desapropriadas por necessidade ou por utilidade pública: a)
todas elas pela União; b) as dos Municípios e as
particulares, pelos Estados; c) as particulares, pelos
Municípios.
34 Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997, “Art. 1* A Política
Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes
fundamentos; I - a água é um bem de domínio público; II — a
água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico.”
35Lei nfi 6.938/81. “Art. 2a A Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes
princípios: I - ação governamental na manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo...”
A Proteção Judiciai e Administrativa do Meio Ambiente
4.1.1.1.1. A Prescrição e seus Principais Elementos
As sociedades e os indivíduos não podem viver eternamente
presos ao peso de seus passados, seja para lamentá-lo, seja
para exaltá-lo. O passado serve de ensinamento para o presente
e para o futuro. O luto é um ritual necessário para que o pas-
sado seja encerrado, de forma que os vivos possam prosseguir
em suas caminhadas sem culpas, remorsos ou ressentimentos. Ele
é o rompimento com o passado, de forma a assegurar uma
continuidade entre o que foi, o que é e o que será. Todas as
sociedades conhecem o luto, ainda que ele possa se expressar
de formas diferentes. Com relação aos atos praticados pelos
vivos, as sociedades conhecem o perdão, o esquecimento e a
anistia. O perdão, pedido ou concedido, é o significado de que
o passado pode ser deixado de lado e de que uma nova etapa
começa na vida daquele que foi perdoado. É uma maneira de
fazer com que voltemos os nossos olhos para a frente e não
para o passado. Todos sabemos o mal-estar que causa o
ressentimento, a mágoa e as cobranças indefinidas por
situações já passadas e consolidadas.
No mundo do direito, a prescrição é um dos mecanismos aptos
a evitar que o passado continue a dominar o presente, fazendo
com que o último possa se desenvolver sem os pesos do que
ficou para trás. Sem a existência da prescrição, as violações
de direito praticadas no passado permaneceriam constantemente
puníveis e abertas, impedindo a consolidação de situações de
fato. Se considerarmos, com Reale, que direito é fato, norma e
valor, a não-consolidação de situações de fato impediria a
consolidação do próprio direito, visto que um dos seus
elementos fun- dantes não teria como se expressar
adequadamente. É na interação desses três elementos que se
poderá estabelecer os critérios para que situações pretéritas
possam ser “esquecidas” pela ordem jurídica. Entretanto, o
critério para o esquecimento é, obviamente, axiológico em sua
raiz mais profunda. Para que o esquecimento opere efeitos,
normalmente, são fixados prazos que resultam de uma valoração
social que considera o fato em si, a sua importância no
contexto de uma socièdade e a quantidade de tempo que se fixa
como necessária para que o esquecimento se manifeste
juridicamente. O que se busca estabelecer é uma regra de
equivalência que seja socialmente aceita e, portanto, capaz de
assegurar padrões desejáveis de estabilidade social, com força
para afastar o “rancor” e o “ressentimento” da vida social,
que se perpetuariam caso não houvesse o mecanismo legal do
esquecimento.
Prescrição é a repercussão causada na ordem jurídica pelo
decurso do tempo, operando os efeitos acima enunciados. Ela
pode significar a perda ou a aquisição de determinados
direitos, conforme seja a situação especificamente
considerada. "De fato, dentro do instituto da prescrição, o
personagem principal é o tempoZ36 Ela se divide em duas
grandes: (i) extintíva e (ii) aquisitiva. Ambas possuem enorme
importância no mundo jurídico. Pela primeira é determinada a
perda do direito de ação em face do devedor da obrigação,
muito embora o próprio direito não se perca; já pela
36 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Parte Geral, volume 1.
São Paulo: Saraiva. 32» edição. 2002, p. 324.
Direito Ambiental
segunda, o sujeito ativo adquire direitos em face da inércia
de terceiros, é o caso do usucapião. Tanto em uma, como na
outra, o lapso temporal é uma medida de política legislativa
e, portanto, poderá sofrer variações de acordo com as opções
do legislador em cada caso concreto. Da mesma forma, o
legislador poderá determinar as hipóteses excepcionais de
imprescritíbilidade, visto, que, para nós, vale 'a regra geral
de não haver em nosso sistema direitos imprescritíveis”?7 A
Constituição brasileira reconhece a imprescritíbilidade dos
crimes de racismo e terrorismo, por exemplo.3» Um outro exemplo
que se poderia considerar de imprescritíbilidade é o tratado
pelo caput do artigo 23139 da Constituição.
Efetivamente, a construção do instituto da prescrição
extintiva de direitos é uma importante evolução pela qual
passou o direito romano, visto que antes da sua insti-
tucionalização pelo direito pretoriano, as ações eram
perpétuas e a parte passiva permanecia indefinidamente sujeita
a vir a ostentar a condição de réu em uma ação judicial, não
importando a época na qual a “violação” do direito tivesse
sido praticada.
No direito brasileiro a matéria está regulada, em termos
gerais, pelo CC, ainda que leis especiais possam prever prazos
e situações especiais de prescrição. Para nós a prescrição
requer, ainda, a inércia do titular. Isto é, a prescrição se
constitui sobre uma base dúplica: (i) decurso de tempo e (ii)
inércia do titular. Para as questões que estão sendo abordadas
neste texto, avulta a inércia do titular. Digo isto porque os
negadores da prescrição em matéria ambiental, de maneira
geral, negligenciam o aspecto subjetivo na sua construção.
Muitas vezes, a negação da possibilidade de existência do
lapso prescricional é feita de forma tão genérica que se toma
difícil compreender-lhe os fundamentos jurídicos.40 Como se
sabe, a incidência do prazo prescricional somente começa a se
operar com a ciência da lesão do direito.41
37 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil
— Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civiL
Volume I. Rio de Janeiro: Forense. 20» edição, 2004, p. 685.
38 C.F. “Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XLII - a prática do
radsmo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei..."
39 CF. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
sodal, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
40 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 5* edição, 2004, p. 348.
41 STJ. REsp 449000/PE. Ministro FRANCIULLI NETTO. 2* TURMA.
DJU 30.06.2003, p. 195. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E
MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR. ALEGADA PRESCRIÇÃO.
INOCORRÊNCIA LEI N® 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO
FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS
POLÍTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO
PRESCRI- CIONAL. A Lei nfi 9.140, de 04.12.95, reabriu o
prazo para investigação, e conseqüente reconhecimento de
mortes decorrentes de perseguição política no período de 2
de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para
possibilitar tanto os registros de óbito dessas pessoas como
as indenizações para reparar os danos causados pelo Estado
às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge, companheiro ou
companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o
quarto grau. Na hipótese em exame, o reconhecimento, pela
Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, do
falecimento, em 1973, de Jarbas Pereira Marques, pai e
esposo das recorridas, deu-se com a publicação do Extrato da
Ata da Terceira Sessão Ordinária realizada em 08 de
fevereiro de 1996 (fl. 250), dies a quo para a contagem do
prazo prescridonal. Com efeito, o pia-
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Entendo que a prescrição incide nas lesões causadas ao meio
ambiente, visto que, como tenho sustentado ao longo de todo o
presente livro, o direito ambiental está inserido na ordem
jurídica constitucional e a prescrição é um dos pilares do
valor segurança jurídica que não pode ser relegado a segundo
plano, devendo ser harmonizado com os demais valores
constitucionalmente relevantes, como é o caso da proteção ao
meio ambiente. Compreende-se que, muitas vezes, situações
individuais complexas e graves possam fazer com que o
intérprete perca a noção de conjunto do sistema jurídico e da
própria aplicação da justiça. Nestes casos, é conveniente
relembrar a lição de Douglas:42 "Justice hasnothing to do witb
isolated cases'\ Conforme sustentei acima, a doutrina e a
jurisprudência brasileiras admitem tranquilamente que a
prescrição somente começa a correr com o conhecimento da lesão
do direito.43 O caso apontado é importante, pois ainda que
fosse uma ação individual articulada em face de empresa
fabricante de cigarros, não resta dúvida de seu imenso
potencial para se transformar em muitas ações coletivas,
seguindo tendência internacional, Na hipótese em teia, cuidou-
se de ação interposta com base no Código de Proteção e Defesa
do Consumidor por parte de cidadão que teria contraído doença
em função de tabagismo. O Superior Tribunal de Justiça
entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor
esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa
a fluir o prazo prescricional. Em se tratando das ações
coletivas, isto é, das
zo de prescrição somente tem início quando há o
reconhecimento, por parte do Estado, da morte da pessoa
perseguida na época do regime de exceção constitucional,
momento em que seus familiares terão tomado ãência definitiva
e oficial de seu falecimento por culpa do Estado. Dessarte,
ante a ausência de qualquer reconhecimento oficial pelo Estado
do falecimento de Jarbas Pereira Marques até o ano de 1996, a
prescrição deve ser afastada, uma vez que o ajuizamento da
ação deu-se em 02 de fevereiro de 1993. Ainda que assim não
fbsse, em se tratando de lesão à integridade física, deve-se
entender que esse direito é imprescritível* pois não há
confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e
dependentes. “O dano noticiado, caso seja provado, atinge o
mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo
Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de
tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra
quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da
sua prática” (REsp n. 379.414/PR, Rei. Min. José Delgado, in
DJ de 17.02.2003). Recurso especial não conhecido.
42DOUGLAS, Mary. How inszitudons think. Syracuse: Syracuse
ühiversity Press.
43STJ - RESP - 304724/RJ. 33 TURMA. DJU: 22/08/2005, p. 259.
Relaton Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. CONSUMIDOR -
REPARAÇÃO CTVIL POR FATO DO PRODUTO - DANO MORAL E ESTÉTICO
~ TABAGISMO - PRESCRIÇÃO - CINCO ANOS - PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE - INÍCIO DA CONTAGEM - CONHECIMENTO DO DANO E
DA AUTORIA - REEXAME DE PROVAS - SÚMULA 7 - AUSÊNCIA DE
INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI SUPOSTAMENTE VIOLADO -
DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇAO - SÚMULA 284/STF - DIVERGÊNCIA
NÃO-CONFIGURADA, - A ação de reparação por feto do produto
prescreve em cinco anos (CDC; Art. 27). - O prazo pres-
cricional da ação não está sujeito ao arbítrio das partes. A
cada ação corresponde uma prescrição, Bxada em lei. - A
prescrição definida no Art. 27 do CDC é especial em relação
àquela geral das ações pessoais do Art. 177 do CC/16. Não
houve revogação, simplesmente, a norma especial afasta a
incidência da regra geral (LICC, Art. 2S, § 29). —A
prescrição da ação de reparação por fato do produto é
contada do conhecimento do dano e da autoria, nada importa a
renovação da lesão no tempo, pois, ainda que a lesão seja
contínua, a fluência da prescrição já se iniciou com o
conhecimento do dano e da autoria. - “A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial.” - É
inadmissível o recurso especial, quando a deficiência na sua
fundamentação não permitir exata compreensão da
controvérsia. Inteligência da Súmula 284/STF. — Divergência
jurisprudencial não demonstrada, nos moldes exigidos pelo
par. único, do Art. 541, do CPC.”
Direito Ambiental
ações civis públicas, não vejo por que a situação deva merecer
tratamento diferente. Em primeiro lugar há que se considerar
que, na forma do artigo 5S da Lei n2 7.347/85, existe previsão
legal para legitimidade ativa de toda uma infinidade de
autores,44 legitimidade esta que tem sido ampliada pelos
tribunais45 desde há muito. Assim, o temor de que o bem
jurídico meio ambiente fique desprotegido é, evidentemente,
despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de
que a manutenção de questões abertas e sem definição legal
clara possam desequilibrar relações jurídicas e violar os
preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica. De
fato, a ordem jurídica se funda em preceito de justiça que não
deve ser esquecido, sobretudo quando os danos ambientais são,
em grande parte, causados por atos lícitos. Parece evidente
que, salvo casos em que o conhecimento de uma determinada
situação seja notório,46 a prescrição para cada um dos inúmeros
legitimados ativos somente começará a correr quando ele tiver
ciência inequívoca do fato. Assim, diante do número de
potenciais legitimados, a ocorrência do lapso prescricional
embora seja teoricamente possível, é, do ponto de vista
prático, de muito difícil realização. O importante da
manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da
prescrição é assegurar que o equilíbrio jurídico não seja
quebrado, garantindo a existência do preceito de justiça que,
ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma
transmutação significativa. Romper a barreira prescricional
seria, no caso concreto, estabelecer um nível insuportável de
falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito
e, reflexamente, para a atividade econômica.
4.1.2. Legitimidade Ativa
O artigo 5S da Lei n^ 7.347/85 estabelece o rol dos legitimados
ativos para a pro- positura das ações civis públicas. Com
efeito, estabelece o artigo 5® da Lei ns 7.347/85:
A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também serpropos-
44 “Art. 5o - A ação principal e a cautelar poderão ser
propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados
e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia,
empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou
por associação que: I - esteja constituída há pelo menos um
ano, nos termos da lei civil; II — inclua entre suas
finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico; (...) § 3a — Em caso de desistência infundada
ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério
Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. §
4a — O requisito da pré-constitui- ção poderá ser dispensado
pelo juiz, quando haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela
relevância do bem jurídico a ser protegido.”
45 STJ - REsp 31150/SP. Relator; Ministro ARI PARGENDLER. 2»
TURMA. DJ 10.06.1996 p. 20304. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO DE BAIRRO. A AÇÃO
CIVIL PÚBLICA PODE SER AJUIZADA TANTO PELAS ASSOCIAÇÕES
EXCLUSIVAMENTE CONSTITUÍDAS PARA A DEFESA DO MEIO AMBIENTE,
QUANTO POR AQUELAS QJJE, FORMADAS POR MORADORES DE BAIRRO,
VISAM AO BEM-ESTAR COLETIVO, INCLUÍDA EVIDENTEMENTE NESSA
CLÁUSULA A QUALIDADE DE VIDA, SÓ PRESERVADA ENQUANTO
FAVORECIDA PELO MEIO AMBIENTE. RECURSO ESPECIAL NÃO
CONHECIDO.
46 CPC - “Art 334 — Não dependem de prova os fatos: I -
notórios...”
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
tas por autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista ou por
associação...
O artigo 5S é, provavelmente, aquele que apresenta a mais
importante inovação contida na lei da ação civil pública. Ê
aquele que rompe mais formalmente com a tradição
individualista que informa o sistema processual civil
brasileiro. Queremos nos referir, em especial, à norma contida
no artigo 6a do CPC: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
A regra contida na lei de ritos é que apenas o titular de um
direito subjetivo pode pleitear este mesmo direito perante o
Poder Judiciário. Nestas hipóteses a parte processual se
confunde com a parte material. A legitimatio ad causam
tradicionalmente existente em matéria de processo civil está,
destarte, vinculada à relação existente entre o titular do
direito dito material e a demanda. À exceção à regra se dá o
nome de substituição processual, figura esta que não se
confunde com a da representação, pois, como se sabe, o
representante age em nome do representado e não em nome
próprio. O CPC já contemplava algumas hipóteses nas quais a
figura do substituto processual se fazia presente, bem como o
próprio CC brasileiro, o Código Comercial e, em matéria de
defesa do patrimônio público, em sentido amplo, a Lei de Ação
Popular e a legislação de combate à poluição causada por óleo
e a própria Lei n2 6.938/81.
4.1.3. Ministério Público
A ação civil pública definida pelas diversas leis que a
regulamentam é uma das principais, senão a principal área de
atuação do Ministério Público no campo do processo civil, isto
não implica que, no âmbito civil, a única ação que pode ser
proposta pelo Ministério Público seja a ação civil pública e,
muito menos, que a ação civil pública sirva para amparar
processualmente toda e qualquer pretensão do Ministério
Público. O parquet, na ação civil pública, pode ser autor ou
fiscal da correta aplicação da lei. Possui, ainda, o poder de
realizar investigações prévias à própria proposi- tura da ação
judicial, mediante a instauração de inquérito civil. Tais
atribuições fazem com que, ipso iure, o Ministério Público
seja a presença mais marcante nó que se refere à defesa dos
interesses difusos. Atualmente, a concepção de que o processo
penal é o “reino do Ministério” é um pouco menos verdadeira.
As ações civis públicas são o principal instrumento de ação
do Ministério Público no âmbito da jurisdição civil. O
Ministério Público, apesar das imensas dificuldades de
recursos financeiros e materiais, vem propondo diversas ações
civis públicas e tem obtido alguns êxitos significativos. Ê
interessante observar que, apesar de a lei conferir uma
amplíssima legitimação ativa para a propositura das ações
civis públicas,47 tem sido o Ministério Público o maior
ajuizante deste tipo de de
47 São legitimados ativos: o MP, a Uniao, os Estados e os
Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as
fundações, as entidades de economia mista e associações
civis.
Direito Ambiental
mandas judiciais. Contam-se em algumas centenas os números de
ações civis públicas propostas perante os diversos juízos
existentes em nosso País.
A Lei n2 7.347/85 teve a grande virtude de ampliar os
vínculos entre a sociedade e o Ministério Público. Assim é na
medida em que os membros do parquet, que se têm dedicado à
proteção jurídica do meio ambiente e de outros interesses
difusos, têm logrado obter o respeito e a consideração da
população que, não sem pouca frequência, acorre às curadorias
e procuradorias em busca de auxílio.
Como autor, o Ministério Público busca a condenação do
poluidor ou degrada- dor do meio ambiente. Há, portanto, um
objetivo teleológico. O Ministério Público, nestas hipóteses,
não busca, como já foi dito antes, a realização abstrata da
Justiça, mas a sua concretização em uma condenação. Para
atingir o seu objetivo ele pode valer-se de todos os
instrumentos existentes na legislação processual brasileira.
Uma importante questão que está colocada na ordem do dia é a
da repartição de atribuições entre os ramos federal e estadual
do Ministério Público. Pode o Ministério Público dos Estados
ajuizar feitos perante a Justiça federal? Muita controvérsia
tem surgido sobre o tema. Com o devido respeito, as opiniões
que se têm apresentado sobre a matéria não estão alicerçadas
no melhor critério técnico.
A possibilidade de litisconsórcio ativo entre os Ministério
Público Federal e dos Estados-Membros, em nossa opinião é,
evidentemente, inconstitucional,^ perante o artigo 127, § l9,
da Lei Fundamental. Assim é porque, se o MP é imo e
indivisível49 não pode dividir-se em duas entidades autônomas e
que se unem em determinados momentos para a propositura de uma
demanda judicial. A cooperação e integração entre os diversos
segmentos do MP são absolutamente desejáveis. Entretanto, a
sua realização deve ser administrativa e não judicial.
A hipótese chegou a ser prevista no § 2e do art. 82 do
Código de Defesa do Consumidor, que veio a ser,
posteriormente, vetado. Este parágrafo tratava de um
litisconsórcio facultativo entre o parquet federal e os
estaduais. Entretanto, o art. 113 do Código de Defesa do
Consumidor acabou por inserir o § 5a do artigo 5a da Lei n2
7.347/85, objeto de veto, prevendo a mesma possibilidade.
Assim, pela aplicação subsidiária desta última lei às causas
que envolvem os direitos e interesses dos consumidores (artigo
90 do Código de Defesa do Consumidor), a discussão continua
atual.
48 Foi formulada arguição de inconstitucionalidade nos autos
do Proc. 95.02.08513-2 (AC 79.039), em curso no Tribunal
Regional Federal da 2» Região, em que são partes o
Ministério Público Federal - MPF em litisconsórcio com o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de um lado,
e, de outro, diversas empresas de seguro saúde. Ainda não há
decisão sobre a matéria.
49 Ementa: Constitucional e Processual Civil. Alegado
descumprimemo de normas relativas à higiene e à segurança do
trabalho. Inquérito Civil e Ação Civil Pública.
Ilegitimidade do Ministério Público Estadual. O Ministério
Público é uno e indivisível mas apenas na medida em que os
seus membros estão submetidos a uma mesma cheãa. Essa
unidade e indivisibilidade só dizem respeito a cada um dos
vários Ministérios Públicos que o sistema jurídico
brasileiro consagrou. Assim, o Ministério Público Estadual
não tem legitimidade para instaurar, contra sociedade
empresarial, pessoa jurídica de direito privado, Inquérito
Civil para apurar o descumprimento de normas relativas a
higiene e a segurança do trabalho, nem para ajuizar,
decorrentemente, Ação Civil Pública. Recurso Provido. STJ,
ROMS n° 5-563-RS. Ia Turma. DJU 16/10/95, p. 34.609. RDA
vol. 204. Rei. Cesar Asfor Rocha.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
Em meu entendimento, até por coerência, é de ser afastada a
hipótese de litis- consórcio facultativo entre Ministério
Público Federal e Estadual. Só podem Htiscon- sorciar-se
entidades diferentes, a teor do que dispõe o artigo 46 do CPC:
duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em
conjunto, ativa ou passivamente... Se o Ministério Público é
um só — uno e indivisível —, inexiste esta possibilidade.
Aliás, todas as normas jurídicas contidas no CPC que cuidam do
instituto do litisconsórcio referem-se a pessoas diferentes. A
propósito, merece ser transcrito o artigo 48 do CPC:
Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes
serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como
litigantes distintos; os atos e omissões de um não
prejudicarão nem beneficiarão os outros.
João Batista de Almeida também se posiciona no mesmo
sentido:
Ministério Público tanto pode ser o Federal como o Estadual.
Funciona o primeiro se a ação for de competência da Justiça
Federal... Funciona o segundo se a ação for de competência da
Justiça Estadual.50
Idêntica é a posição de Vicente Greco Filho, que aponta a
violação do sistema federativo pela subversão das competências
dos ramos autônomos do MP.51
A defesa da possibilidade de litisconsórcio ativo entre
ramos do Ministério Público, em realidade, faz-se, muito mais,
em razão de interesses corporativos do que em razão de
concepções jurídicas que tenham qualquer consistência teórica
ou mesmo legal. Ainda que a matéria suscitada na nota 21 ainda
não tenha obtido decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal
da 23 Região, o Superior Tribunal de Justiça teve a
oportunidade de apreciar dois recursos, tendo se pronunciado
taxativamente pelo não-cabimento do litisconsórcio entre o
Ministério Público Federal e o Ministério Público dos
Estados.52
Como se sabe, o Ministério Público pode desempenhar papéis
diferentes no interior de uma ação civil pública. Passemos a
examinar tais papéis.
50 Ob. cit., p. 150.
51 Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, São Paulo:
Saraiva, 1991, p. 377.
52 Administrativo. Processual Civil. Ação Civil Pública.
Competência da Justiça Estadual. Litisconsórcio Ativo.
Órgãos do Ministério Público Federal e Estadual.
Inadmissibilidade. Em sede de ação civil pública, na qual se
discute questão administrativa do âmbito da Secretaria de
Segurança do Estado do Ceará, assunto cujo exame compete à
Justiça Estadual, não há como se conceder a admissão do MP
Federal no pólo ativo da demanda, e, litisconsórcio com o MP
Estadual. Recurso desprovido (STJ, 6a T. ROMS n« 4.146- CE,
Rei. Min. Vicente Leal, j. 23/10/95, DJU 26/2/96, p. 336).
Processual Civil. Ação CivÜ Pública. Sociedade de Economia
Mista Estadual (Concessionária de Serviços de Telefonia).
Competência da Justiça Estadual. I — Reconhecida a falta de
interesse do Ministério PúbHco Federalpara atuar no pólo
ativo da ação como litisconsórcio facultativo do autor,
Ministério Público Estadual, em ação que este aforou contra
sociedade de economia mista do estado, correta a declaração
de incompetência da Justiça Federal, com remessa dos autos à
Justiça Comum para apreciação da lide. II — Recurso não
conhecido (STJ, 3* T, REsp n» 151.855-PE. Rei. Min. Waldemar
Zveiter, j. 12/5/98, DJU 29/6/98, p. 167).
Direito Ambiental
A função de custos legis é uma função exercida pelo
Ministério Público nas causas em que ele não for o autor. Em
tal função, o Ministério Público deve ficar atento para que a
lei se aplique corretamente, fiscalizando as partes e o
próprio juiz da causa.
A função mais tradicional do Ministério Público, no âmbito
do processo civil, é a de custos legis. Isto é, compete ao
parquet exercer a fiscalização da correta aplicação da lei, em
cada um dos diversos feitos judiciais nos quais estejam
presentes as condições estabelecidas na legislação processual,
em especial nos casos do artigo 82, III, do CPC.53 É importante
observar que a Lei Complementar n9 75, de 20 de maio de 1993 -
Lei Orgânica do Ministério Público da União, trouxe uma
importante modificação no particular, pois, nos termos do
artigo 6q, inciso XV, do citado diploma, cabe ao próprio
Ministério Público dizer de seu interesse em ingressar no
feito. Senão vejamos:
Art. 6a Compete ao Ministério Público da União: XV -
Manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo
solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender
existente interesse em causa que justifique sua intervenção.
Por força do artigo 5e, § ls, da Lei n9 7.347/85, o parquet
intervirá em todas as ações nas quais não tenha sido o autor.
Em sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público, a
sua não-realização implica nulidade do processo. A intervenção
do Ministério Público é material e não apenas formal. Isto é,
serão tidas por inexistentes as intervenções que se limitem a
manifestações lacônicas, tais como: “Nada a requerer”;
“Ciente, pelo prosseguimento”. Nestes casos, o magistrado
deverá fazer com que os autos retomem ao Ministério Público
para que este se manifeste funda- mentadamente sobre o ponto
em que a controvérsia se encontre.
A intervenção do Ministério Público como custos legis
implica que este seja intimado das provas a serem produzidas
pelas partes. Deverá ser intimado dos documentos e perícias
constantes dos autos. Deverá, também, ser intimado das
assentadas, das decisões interlocutórias e da sentença. Ou
seja, o Ministério Público deverá ter conhecimento de tudo
aquilo que consta dos autos. Nenhum prazo correrá contra o
Ministério Público, caso este não tenha sido intimado
pessoalmente. Na hipótese em que as partes cheguem a algum
tipo de acordo ou transação, o Ministério Público deverá ser
intimado de seus termos e esta somente poderá ser homologada
pelo órgão judicial após a manifestação do representante do
Ministério Público. Caso o Ministério Público discorde dos
termos nos quais foi lavrado o acordo ou transação, poderá
recorrer da decisão homologatória.
O Ministério Público, na função de custos legis, será
responsável pela execução da decisão condenatória, quando a
associação vencedora não o tenha feito em até 60 dias após o
trânsito em julgado da sentença (artigo 15 da Lei n9 7.347/85).
53 Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir... III - Em
todas as demais causas em que bá interesse público,
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
5. Mandado de Segurança Coletivo
O mandado de segurança coletivo é uma inovação processual
trazida ao sistema processual brasileiro pela Constituição de
1988. Trata-se de uma ação constitucional prevista nos incisos
LXIX e LXX do artigo 59 da CRFB.
Os pressupostos gerais para a impetração do mandado de
segurança coletivo são aqueles que estão contidos no inciso
LXIX do artigo 59 da Lei Fundamental da República que trata do
mandado de segurança. O detalhe é fornecido pela alínea b do
inciso LXX que dispõe sobre mandado de segurança impetrado por
organização sindical, entidade de classe ou associação
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, exn
defesa dos interesses de seus membros e associados.
Ocorre que, para que se configure a legitimidade para
aj'uizamento do mandado de segurança coletivo, necessário se
faz que as associações obtenham de seus membros a expressa
autorização para o ingresso em juízo, conforme dispõe o inciso
XXI do artigo 52 da CF.
José Afonso da Silva54 esposa a opinião que:
O requisito de direito líquido e certo será sempre exigido
quando a entidade impetra o mandado de segurança coletivo na
defesa do direito subjetivo individual. Quando o sindicato
usá-lo na defesa do interesse coletivo de seus membros e
quando os partidos políticos forem impetrá-lo na defesa do
interesse coletivo difuso exige-se menos a ilegalidade e a
lesão do interesse do que o que o fundamenta.
É possível figurar-se a hipótese de um sindicato de
trabalhadores em usinas de metalurgia que, no dissídio
coletivo da categoria, logrou inserir cláusulas de proteção de
meio ambiente do trabalho, tais como a instalação de filtros
antipoluição, plantio de árvores no terreno da indústria e
outras. Tais cláusulas, por exemplo, não estão sendo cumpridas
pela empresa. O sindicato tem, evidentemente, direito líquido
e certo de exigir judicialmente que tais cláusulas sejam
implementadas pela empresa. Daí ser cabível o mandado de
segurança coletivo.
6. Ação Popular
A ação popular constitucional está prevista no artigo 5a,
LXXHI, da CRFB, nos seguintes termos:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa,
ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultu
54 Corso de Direita Constitucional Positivo, São Paulo: RT, 5*
ed., pp. 396-397.
Direito Ambiental
ral, ficando o autor, salvo comprovada má-féisento de custas e
do ônus da sucumbência.
Veja-se que a norma constitucional capitulou, expressamente,
o meio ambiente dentre os bens jurídicos passíveis de tutela
por meio da ação popular. Vale lembrar, contudo, que a lei
ordinária já incluía o meio ambiente entre os bens jurídicos
protegidos pela referida ação,
A ação popular é um dos mais tradicionais meios de defesa
dos interesses difusos do Direito brasileiro. O autor popular,
cidadão brasileiro no gozo de seus direitos políticos, age em
nome próprio na defesa de um bem da coletividade. A ação
popular é um instituto jurídico constitucional a ser
exercitado pelo cidadão e não por associações ou pessoas
jurídicas ou, ainda, pelo Ministério Público. Tal circunstân-
cia, entretanto, não impede que vários cidadãos
litisconsorciem-se para a propositu- ra de um único processo.
7. Desapropriação
O artigo 216 da Lei Fundamental da República estabelece que:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
O inciso V do referido artigo inclui dentre os bens que
formam o patrimônio:
... os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
O § l9 determina que:
O Poder Púbhco, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de preservação.
E inegável, portanto, que o meio ambiente está arrolado no
interior do conceito de patrimônio cultural brasileiro,
inclusão esta que não se choca com o caput do artigo 225 da
Constituição de 1988. Destarte, razoável e lógico que a
desapropriação seja mais um dos vários instrumentos de Direito
Ambiental.55 A desapropriação, in casu, não poderá afastar-se
do princípio geral estabelecido no inciso XXIV do artigo
55 Em outros pontos do presente livro o tema da desapropriação
é visto mais concretamente.
A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
59 da CRFB, que determina: a lei estabelecerá o procedimento
para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante prévia e justa indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
A desapropriação com finalidade de proteção do meio
ambiente, utilidade pública, deverá ser precedida de
indenização em dinheiro, conforme preceitua a CF.
8. Tombamento
Embora não se trate de uma medida judicial de proteção ao
meio ambiente, entendi que seria conveniente a colocação do
tema tombamento no interior do presente capítulo, tendo em
vista que a matéria guarda estreita relação com a defesa
judicial do meio ambiente, sobretudo em razão da ampla
possibilidade de revisão judicial dos atos administrativos.
O tombamento é a declaração de valor histórico, artístico,
paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou
locais que, por tal motivo, mereçam a preservação pelo Poder
Público. O tombamento é ato administrativo de exclusiva
atribuição do Poder Executivo, seja este federal, estadual ou
municipal. Isto não quer dizer que o Poder Legislativo ou o
Poder Judiciário não possam, em concreto, declarar que
determinados bens mereçam proteção especial do Estado. O que
ocorre é que, em tais casos, ipso iure, não se pode falar em
tombamento. O que poderá haver é a proteção em decorrência de
lei ou de decisão judicial. Não haverá, porém, tombamento, que
é ato administrativo típico.
Após efetuada a declaração da existência dos valores
anteriormente referidos, deve ser o bem inscrito em livro
próprio - o livro tombo. No Brasil este instituto jurídico (o
tombamento) tem sede constitucional no § l9 do artigo 216,
cujos termos são os seguintes:
O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância e tombamento,
desapropriação e de outras formas de acautelamento e
preservação.
Hely Lopes Meirelles56 sustenta que o tombamento não é uma
forma adequada para a proteção do meio ambiente, conforme
deixa ver a seguinte passagem:
Ultimamente o tombamento tem sido utilizado para proteger
florestas nativas. Há equívoco neste procedimento. O
tombamento não é o instrumento adequado para a preservação da
flora e da fauna. As florestas são bens de interesse comum e
estão sujeitas ao regime legal especial estabelecido pelo CFlo
(Lei n3 4.771, de 15/9/1965), que indica o modo de preservação
de determinadas
56 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 1989, pp.
484-485.
Direito Ambiental
áreas florestadas... O mesmo ocorre com a fauna, que é regida
pelo Código de Caça (Lei ns 5.197, de 3/1/1967), os quais
indicam como preservar as espécies silvestres e aquáticas...
Portanto, a preservação das florestas e da fauna silvestre há
de ser feita com a criação de parques nacionais, estaduais e
municipais ou de reservas biológicas, como permite
expressamente o CFlo (art. 5S).
A questão fundamental que deve ser examinada na matéria em
foco é a seguinte: quais as consequências que o ato de tombar
um bem ambiental poderá acarretar para o proprietário do
mesmo, caso este se encontre submetido ao regime jurídico de
Direito Privado e tenha um proprietário? E a partir desta
indagação que se poderá examinar a pertinência ou não do
tombamento. Como se sabe, o tombamento implica um regime de
controle bastante estrito do Estado sobre o bem tombado, ainda
que o mesmo permaneça sob o mesmo regime jurídico que detinha
antes do tombamento. Ora, o tombamento, muitas vezes, implica
esvaziamento do valor econômico do bem e, neste caso, haverá
verdadeira desapropriação indireta e, em assim sendo, o
proprietário deverá ser indenizado.
Outra questão que nos parece extremamente complexa é que,
com o tombamento, a área ambiental tombada passará ao regime
de supervisão e controle do patrimônio histórico, o que é,
evidentemente, um contra-senso.
9. Arbitragem e Meio Ambiente
O STF, em decisão proferida em 12 de dezembro de 2001,
decidiu pela consti- tucionalidade da Lei ns 9.307, de 23 de
setembro de 1996, que regula a arbitragem no Brasil. A decisão
da elevada Corte Constitucional é extremamente importante,
pois abre caminho para uma nova fórmula de solucionar
conflitos que, não raras vezes, prolongam-se perante o Poder
Judiciário por muitos anos. Penso que a decisão adotada pelo
STF pode produzir repercussões muito relevantes na esfera da
proteção ambiental. Usualmente, as questões relativas à
proteção do meio ambiente têm sido consideradas quase
exclusivamente do ponto de vista do direito público e indis-
ponível. Este fato é extremamente importante, pois demonstra a
seriedade com a qual o tema foi tratado pelo legislador
brasileiro. Mas a proteção ambiental não pode se resumir à
proteção de interesses difusos da coletividade, pois quase
sempre a violação de interesses difusos da sociedade implica
violação de direitos privados de terceiros. Decorridos 20 anos
da publicação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei n9 6.938/81), 16 anos da publicação da Lei da Ação Civil
Pública (Lei n2 7.347/85), 13 anos da promulgação da CF de 1988
e cinco anos da publicação da Lei de Arbitragem (Lei nQ 9.307,
de 23 de setembro de 1996), é importante que se explorem as
relações que possam existir entre os diferentes diplomas
legais e a possibilidade de harmonizá-los com vistas à
ampliação da proteção do meio ambiente.
O artigo Ia da Lei de Arbitragem dispõe que: as pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis. Ora, imagine-se a hipótese na qual uma firma
tenha que mudar as suas
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A Proteção Judicial e Administrativa do Meio Ambiente
instalações industriais de um determinado município para outro
município, ou mesmo mudar de Estado, uma vez que constatou que
o solo e o lençol freático da área na qual estava instalada
foram contaminados pelo lançamento irregular de efluentes de
uma planta industrial vizinha. Existe, sem dúvida, uma questão
de interesse público - portanto indisponível, que é a própria
contaminação ambiental e uma questão de direito privado — a
indenização que o poluidor deve à empresa que foi obrigada a
se relocalizar. Esta última constitui-se em um direito
plenamente disponível e privado.
O litígio entre as empresas, no juízo arbitrai, estaria
definido no prazo máximo de 6 (seis) meses, com a grande
vantagem de que, nos termos do art. 31 da Lei de Arbitragem,
"a sentença arbitrai produz entre as partes e seus sucessores,
os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivoA
decisão arbitrai, portanto, pode ser um poderoso elemento para
resguardar responsabilidades ambientais futuras, visto que o
seu valor é igual ao de uma decisão do Poder Judiciário. Mesmo
o acordo entre as partes, uma vez instaurado o juízo arbitrai,
será declarado em sentença pelo árbitro. Há, como se vê, um
fortíssimo grau de segurança jurídica.
E importante observar que a decisão de questões ambientais
pelo caminho do direito privado tem sido muito relevante em
nosso ordenamento jurídico, pois os tribunais judiciais, quase
diariamente, decidem ações propostas com base no direito de
vizinhança (artigo L277 do CC),57 referentes à poluição sonora,
fumaça, construções irregulares, poluição hídrica e outras
formas de incômodos. E de se registrar que, em sede penal, tem
sido quase rotineira a prática de transações entre o
Ministério Público e infratores da legislação ambiental,
quando o delito é de pequeno potencial ofensivo, conforme
admitido pela Lei nQ 9.099/95.
Em minha opinião, a Lei de Arbitragem pode se transformar em
poderoso instrumento de solução de conflitos ambientais entre
particulares, em especial quanto aos efeitos patrimoniais que
tais conflitos possam ter.
57 Art, 1.277.0 proprietário ou o possuidor de um prédio tem o
direito de fàzer cessar as interferências prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saüde dos que o habitam,
provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo
único. Proíbem-se as interferências considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas
as normas que distribuem as edificações em zonas, e os
limites ordinários de tolerância dos moradores da
vizinhança.
QUINTA PARTE
POLÍTICA ENERGÉTICA E MEIO AMBIENTE
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
8Ó7
Capítulo XXX Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
L Introdução
O ano de 2001 marcou uma importantíssima alteração nos
hábitos de consumo de energia dos brasileiros, pois nele
ocorreu o fenômeno que ficou conhecido como apagão. O apagão
foi o nome popular de um grave problema de abastecimento de
energia elétrica que foi consequência de vários e
diferenciados fatores políticos, sociais, econômicos e
climatológicos. Neste trabalho não se pretende discutir culpas
sobre a situação energética do país, muito menos propor
soluções para o problema. O meu objetivo é, pura e
simplesmente, tratar do assunto no contexto de um livro de
Direito Ambiental, examinando os aspectos ambientais da nova
situação criada no país. A produção e o consumo de energia são
das questões ambientais mais relevantes e, qualquer que seja a
configuração da matriz energética de um país, as suas reper-
cussões sobre o meio ambiente serão sempre importantes e
significativas.
Evolução das fontes primárias de oferta de energia no Brasil -
1974-2004

Fonte: Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia


(MME)
Direito Ambiental
2. Política Energética Nacional
A Lei nB 9.478, de 6 de agosto de 1997, é a principal norma
jurídica nacional que dispõe sobre a política energética
nacional. É preciso que se diga, entretanto, que a lei está
voltada fundamentalmente para o setor petróleo do grande
complexo energético que compõe a nossa matriz. A mencionada
lei dispõe sobre a política energética nacional, as atividades
relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho
Nacional de Pohtica Energética e a Agência Nacional do
Petróleo.
2.1. Princípios e Objetivos da Política Energética Nacional
A lei estabelece em seu art. le que as políticas nacionais
para o aproveitamento racional das fontes de energia devem
buscar atender aos seguintes objetivos:
(i) preservar o interesse nacional;
(ii) promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho
e valorizar os recursos energéticos;
(iii) proteger os interesses do consumidor quanto a preço,
qualidade e oferta dos produtos;
(iv) proteger o meio ambiente e promover a conservação de
energia;
(v) garantir o fornecimento de derivados de petróleo em todo o
território nacional, nos termos do § 2* do art. 177 da CF;
(vi) incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás
natural;
(vii) identificar as soluções mais adequadas para o suprimento
de energia elétrica nas diversas regiões do país;
(viii) utilizar fontes alternativas de energia, mediante o
aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das
tecnologias aplicáveis;
(ix) promover a livre concorrência;
(x) atrair investimentos na produção de energia;
(xi) ampliar a competitividade do País no mercado
internacional.
2.2. Conselho Nacional de Política Energética
A lei instituiu o Conselho Nacional de Política Energética -
CNPE, que é um órgão vinculado à Presidência da República e
presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a
atribuição de propor ao Presidente da República políticas
nacionais e medidas específicas destinadas a:
(i) promover o aproveitamento racional dos recursos
energéticos do País, em conformidade com os princípios
enumerados no capítulo anterior e com o disposto na
legislação aplicável;
(ii) assegurar, em função das características regionais, o
suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou
de difícil acesso do país, subme-
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
tendo as medidas específicas ao Congresso Nacional, quando
implicarem, criação de subsídios;
(iii) rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas
às diversas regiões do País, considerando as fontes
convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis;
(iv) estabelecer diretrizes para programas específicos, como
os de uso do gás natural, do álcool, do carvão e da energia
termonuclear;
(v) estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de
maneira a atender às necessidades de consumo interno de
petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e
assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de
Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de
Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art.
4a da Lei ns
8.176, de 8 de fevereiro de 1991,
Tal órgão de assessoramento pessoal do Sr. Presidente da
República é apoiado em suas atividades e atribuições pelas
Agências Reguladoras do Setor Energético.
O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE foi
regulamentado pelo Decreto ns 3.520, de 21 de junho de 2000,
que dispõe sobre a sua estrutura e o seu funcionamento*1
2.2.1. Finalidade e Composição
Na forma do artigo l9 do decreto, o Conselho Nacional de
Política Energética - CNPE, criado pela Lei ne 9.478, de 6 de
agosto de 1997, é órgão de assessoramento do Presidente da
República para a formulação de políticas e diretrizes de
energia, destinadas a:
(i) promover o aproveitamento racional dos recursos
energéticos do País, em conformidade com o disposto na
legislação aplicável e com os seguintes princípios:
a) preservação do interesse nacional;
b) promoção do desenvolvimento sustentado, ampliação do
mercado de trabalho e valorização dos recursos energéticos;
c) proteção dos interesses do consumidor quanto a preço,
qualidade e oferta dos produtos;
d) proteção do meio ambiente e promoção da conservação de
energia;
e) garantia do fornecimento de derivados de petróleo em todo o
território nacional, nos termos do § 2S do art. 177 da CF;
f) incremento da utilização do gás natural;
g) identificação das soluções mais adequadas para o suprimento
de energia elétrica nas diversas regiões do País;
1 O Regimento Interno fbi aprovado pela Resolução nfi
1,7/11/2000.
Direito Ambiental
h) utilização de fontes renováveis de energia, mediante o
aproveitamento dos insumos disponíveis e das tecnologias
aplicáveis;
i) promoção da livre concorrência;
j) atração de investimentos na produção de energia;
1) ampliação da competitividade do País no mercado
internacional;
(ii) assegurar, em função das características regionais, o
suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou
de difícil acesso do País, submetendo as medidas específicas
ao Congresso Nacional, quando implicarem criação de
subsídios, observado o disposto no parágrafo único do art.
73 da Lei nB 9.478, de 1997;
(iii) rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas
às diversas regiões do País, considerando as fontes
convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis;
(iv) estabelecer diretrizes para programas específicos, como
os de uso do gás natural, do álcool, de outras biomassas, do
carvão e da energia termonuclear;
(v) estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de
maneira a atender às necessidades de consumo interno de
petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e
assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de
Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de
Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art.
4a da Lei ns
8.176, de 8 de fevereiro de 1991.
O CNPE, se entender necessário, poderá constituir comitês
técnicos para analisar e opinar sobre matérias específicas sob
sua apreciação, inclusive com a participação de representantes
da sociedade civil, dos setores de produção e de distribuição,
e dos consumidores, quando a matéria analisada lhes disser
respeito.
O Conselho Nacional de Política Energética é integrado pelas
seguintes autoridades públicas:
(i) Ministro de Estado de Minas e Energia, que é o seu
presidente;
(ii) Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;
(iii) Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e.
Gestão;
(iv) Ministro de Estado da Fazenda;
(v) Ministro de Estado do Meio Ambiente;
(vi) Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior;
(vii) Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da
República;
(viii) um representante dos Estados e do Distrito Federal;
(ix) um cidadão brasileiro especialista em matéria de
energia; e
(x) um representante de universidade brasileira, especialista
em matéria de energia.
Os Ministros de Estado, nos seus impedimentos, serão
representados pelos respectivos Secretários-Executivos. Os
membros referidos nos incisos VIII, DC e X serão designados
pelo Presidente da República para mandatos de dois anos,
renováveis por
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
mais um período, sendo os representantes dos Estados e do
Distrito Federai indicados pelos respectivos Secretários de
Governo a que estejam afetos os assuntos de energia, e os
demais pelo Ministro de Estado de Minas e Energia.
O CNPE, na forma de seu Regimento Interno,2 tem a seguinte
organização administrativa:
(i) Plenário,
(ii) Secretaria-Executiva,
(iii) Assessoria Técnica, e ,
(iv) Comitês Técnicos que venham a ser constituídos.
2.2.1.1, Atribuições do Presidente do Conselho Nacional de
Política Energética - CNPE
(i) convocar e presidir as reuniões do colegiado;
(ii). manifestar voto próprio e de qualidade, em caso de
empate, na deliberação de proposições a serem encaminhadas
ao Présidente da República;
(iii) encaminhar ao Presidente da República as propostas
aprovadas pelo Conselho.
O Presidente do CNPE, considerando a matéria que será
submetida à apreciação do Colegiado, poderá convocar para
participar das reuniões do Conselho os Presidentes da Petróleo
Brasileiro S.A - PETROBRAS, da Centrais Elétricas Brasileiras
SA. - ELETROBRÁS e do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES, bem como os dirigentes máximos de
outros órgãos ou entidades.
2.2.1.2. Plenário
O Plenário do CNPE é composto pelos Conselheiros nomeados na
forma da lei. As suas reuniões somente podem ser instaladas
com o quorum mínimo de metade màis um do total de seus
integrantes, titulares ou representantes indicados
especificamente para a reunião. As recomendações e resoluções
do CNPE são aprovadas por metade mais um dos membros do
Conselho presentes à reunião. O Presidente do CNPE pode, em
casos de necessidade, decidir questões ad referendum do
Plenário do Conselho.
2.2.1.2.1. Funcionamento do CNPE
Conforme determina o artigo 12 de seu Regimento Interno, o
CNPE deve se - reunir ordinariamente a cada seis meses,
mediante convocação de seu Presidente. Havendo ausência ou
impedimento de seu Presidente, os demais' conselheiros esco-
lherão um dos Ministros de Estado presentes à reunião para
presidir os trabalhos.
2 Art, 7«.
I Direito Ambiental
O CNPE pode se reunir, extraordinariamente, por convocação
do Presidente, nas seguintes hipóteses:
(i) por sua exclusiva iniciativa; e
(ii) quando solicitado por quaisquer dos integrantes efetivos
do CNPE, desde que apoiado por mais dois integrantes
titulares.
Cabe ao Presidente comunicar aos demais integrantes do
plenário do CNPE, com antecedência mínima de quinze dias, a
data, horário e local das reuniões ordinárias, bem como a
pauta dos assuntos a serem tratados. Para cada assunto da
pauta, o Secretário-Executivo elaborará um relatório, o qual
será encaminhado aos integrantes do Conselho juntamente com a
pauta da reunião. Os assuntos que os integrantes do plenário
desejarem discutir nas reuniões ordinárias deverão ser previa-
mente encaminhados ao Secretário-Executivo do CNPE, observada
a antecedência mínima de vinte dias, a fim de serem instruídos
e encaminhados aos demais membros do Conselho.
2.2.1.3. Secretaria-Executiva
O exercício da função de Secretário-Executivo do CNPE é da
atribuição do Secretário de Energia do Ministério de Minas e
Energia, competindo-lhe as seguintes tarefes:
(i) organizar as pautas das reuniões;
(ii) coordenar e acompanhar a execução das propostas aprovadas
pelo Presidente da República;
(iii) coordenar os trabalhos dos comitês técnicos;
(iv) providenciar a inclusão da dotação do Conselho no
orçamento da União;
(v) cumprir outras atribuições que lhe forem conferidas.
2.2.1.4. Assessoria Técnica
A Assessoria Técnica, de caráter permanente, tem a fimção de
apoiar tecnicamente o funcionamento do CNPE, sendo composta
pelo Secretário de Energia, na função de coordenador, por um
representante da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL,
por um representante da Agência Nacional do Petróleo,
Biocombustíveis e Gás Natural - ANP e por representantes
indicados pelos Ministros de Estado, que integram o CNPE. Ele
deve se reunir, no mínimo, vinte dias antes de cada reunião
ordinária do CNPE, com o objetivo de preparar a pauta de
trabalho do plenário. Ela, se convocada, poderá participar das
reuniões do Plenário.
O apoio técnico ao Conselho e a estrutura de funcionamento
correspondente devem ser providenciados pela Secretaria de
Energia do Ministério de Minas e Energia e por técnicos
indicados pelos Diretores Gerais da ANEEL e da ANP, com ou
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
sem o auxílio de outros profissionais de entidades vinculadas
aos Ministérios que integram o CNPE. O Secretário-Executivo do
CNPE poderá, mediante aprovação do Presidente, contratar
consultores por atividade específica e por tempo determinado,
para participar de estudos relacionados a assuntos em análise
pelos Comitês Técnicos, assim como poderá convidar, a critério
do Presidente do Conselho, técnicos e especialistas de outras
áreas da administração pública direta ou indireta, bem como da
iniciativa privada, para participar de estudos e análises a
serem levados à consideração do Plenário do Conselho ou de
seus Comitês Técnicos.
2.2.1.4.1. Comitês Técnicos
Os Comitês Técnicos serão criados pelo Plenário do CNPE, em
número não superior a oito e terão por função analisar e
emitir parecer sobre matérias específicas ligadas à área de
energia a serem apreciadas pelo Conselho. É obrigatório que
deles participem representantes dos seguintes setores:
(i) produtor,
(ii) distribuidor,
(iii) consumidores, e ainda,
(iv) técnicos da administração pública e de
(v) entidades de classe, quando a matéria a ser analisada
lhes disser respeito.
A coordenação dos Comitês Técnicos será exercida pelo
Secretário-Executivo do CNPE, ou por outro profissional de sua
indicação. Os seus membros serão indicados pelo Secretário-
Executivo e nomeados pelo Presidente do CNPE. Os Comitês serão
constituídos por prazo limitado, que não será superior a doze
meses, contados a partir da reunião do plenário que os
instituir, podendo ser prorrogados a critério do plenário.
As normas para funcionamento e os programas de atividades
dos Comitês Técnicos serão aprovados pelo Presidente do CNPE.
A conclusão dos trabalhos realizados pelos Comitês Técnicos
será encaminhada ao Presidente do CNPE, que a submeterá à
consideração do plenário.
A Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia
deve prover os recursos necessários e o apoio administrativo
para a operação dos Comitês Técnicos.
3. O Petróleo na Política Energética Nacional
3.1. A Exploração e Produção (E&P) de Petróleo no Brasil
A atividade de exploração e produção de petróleo no Brasil,
em linhas gerais, pode ser assim resumida:3
3 Http://www.cepet.tinicamp.br.
Direito Ambiental
(i) Até 1938, com as explorações sob o regime da livre-
iniciativa, A primeira sondagem profunda foi realizada entre
1892 e 1896, no Município de Bofete, Estado de São Paulo,
por Eugênio Ferreira Camargo.
(ii) Regime de propriedade estatal do subsolo. Criação do
Conselho Nacional do Petróleo, em 1938.
(iii) Regime de monopólio estatal, com a criação da Petrobras,
em 3 de outubro de 1953, promulgou a Lei nQ 2.004.
(iv) Flexibilização do Monopólio, conforme a Lei 9.478, de 6
de agosto de 1997, decorrente de reforma constitucional.
No ano de 1931, o escritor nacionalista Monteiro Lobato
fundou a Companhia de Petróleo do Brasil e passou a se dedicar
a uma campanha para extração do produto. A primeira descoberta
de petróleo no Brasil ocorreu no Estado da Bahia, na loca-
lidade de Lobato, no ano de 1953. A primeira tentativa de
atração de investimentos estrangeiros na indústria nacional de
petróleo foi feita em 1975, com os contratos de risco que, no
entanto, não obtiveram muito sucesso.
A exploração comercial do petróleo na Bacia de Campos (RJ)
ocorreu no ano de 1977. Em 1985, tem início a produção em
águas profundas. No ano de 1997, foi atingida a produção de
mais de 1 milhão de barris por dia, meta só alcançada por 16
países.
3.2. Regime Legal do Petróleo no Brasil
3.2.1. Dispositivos Constitucionais
A CF de 1988, conforme a redação que lhe foi dada pela
Emenda Constitucional n® 9, de 9 de novembro de 1995,
modificou inteiramente o regime do monopólio do Petróleo que,
por muitos anos, prevaleceu no Brasil. O monopólio da
atividade de exploração e produção de petróleo continua a
existir, porém, é exercido pelo regime de concessão do
serviço. Estabeleceu a norma constitucional a abertura do
mercado para a iniciativa privada que, desde então, passa a
competir com a Petrobras, que é a empresa de economia mista,
organizada sob o regime jurídico de Sociedade Anônima, que era
a única responsável pela exploração e a produção de petróleo
no Brasil até então.
Na forma do artigo 177 da Lei Fundamental da República, o
monopólio da União abrange as seguintes atividades:
(i) a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural
e outros hidrocar- bonetos fluidos;
(ii) a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
(iii) a importação e exportação dos produtos e derivados
básicos resultantes das atividades previstas nos incisos
anteriores;
(iv) o transporte marítimo do petróleo bruto de origem
nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no
País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de
petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer
origem;
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
(v) a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento,
a industrialização e o comércio de minérios e minerais
nucleares e seus derivados.
A União pode contratar com empresas estatais ou privadas a
realização das atividades previstas nos incisos I a IV do
artigo 177, observadas as condições estabelecidas em lei.4 Tal
lei, de acordo com o mandamento constitucional, deve tratar
dos seguintes temas:
(i) a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em
todo o território nacional;
(ii) as condições de contratação;
(iii) a estrutura e atribuições do órgão regulador do
monopólio da União.
3.2.1.1. Exercício do Monopólio
São de propriedade da União todos os depósitos de petróleo,
gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no
território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o
mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica
exclusiva.
3.2.2. Glossário da Lei n2 9.478, de 6 de agosto de 1997
O artigo 6S da Lei na 9.478, de 6 de agosto de 1997, define
os seguintes conceitos normativos:
(i) Petróleo: todo e qualquer hidrocarboneto líquido em seu
estado natural, a exemplo do óleo cru e condensado;
(ii) Gás Natural ou Gás: todo hidrocarboneto que permaneça em
estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído
diretamente de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos,
incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros;
(iii) Derivados de Petróleo: produtos decorrentes da
transformação do petróleo;
(iv) Derivados Básicos: principais derivados de petróleo,
referidos no art. 177 da CF, a serem classificados pela
Agência Nacional do Petróleo;
(v) Refino ou Refinação: conjunto de processos destinados a
transformar o petróleo em derivados de petróleo;
(vi) Tratamento ou Processamento de Gás Natural: conjunto de
operações destinadas a permitir o seu transporte,
distribuição e utilização;
(vii) Transporte: movimentação de petróleo e seus derivados ou
gás natural em meio ou percurso considerado de interesse
geral;
4 Lei n® 9.478, de 6/8/1997, dispõe sobre a política
energética nacional, as atividades relativas ao monopó
lio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política
Energética e a Agência Nacional do Petróleo.
Direito Ambiental
(viii) Transferência: movimentação de petróleo, derivados ou
gás natural em meio ou percurso considerado de interesse
específico e exclusivo do proprietário ou explorador das
facilidades;
(ix) Bada Sedimentar: depressão da crosta terrestre, onde se
acumulam rochas sedimentares que podem ser portadoras de
petróleo ou gás, associados ou não;
(x) Reservatório ou Depósito: configuração geológica dotada de
propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás,
associados ou não;
(xi) Jazida: reservatório ou depósito já identificado e
possível de ser posto em produção;
(xii) Prospecto: feição geológica mapeada como resultado de
estudos geofísicos e de interpretação geológica, que
justificam a perfuração de poços exploratórios para a
localização de petróleo ou gás natural;
(xiii) Bloco: parte de uma bacia sedimentar, formada por um
prisma vertical de profundidade indeterminada, com
superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas
de seus vértices, onde são desenvolvidas atividades de
exploração ou produção de petróleo e gás natural;
(xiv) Campo de Petróleo ou de Gás Natural: área produtora de
petróleo ou gás natural, a partir de um reservatório
contínuo ou de mais de um reservatório, a profundidades
variáveis, abrangendo instalações e equipamentos destinados
à produção;
(xv) Pesquisa ou Exploração: conjunto de operações ou
atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a
descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás
natural;
(xvi) Lavra ou Produção: conjunto de operações coordenadas de
extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de
preparo para sua movimentação;
(xvíi) Desenvolvimento: conjunto de operações e investimentos
destinados a viabilizar as atividades de produção de um
campo de petróleo ou gás;
(xviii) Descoberta Comercial: descoberta de petróleo ou gás
natural em condições que, a preços de mercado, tomem
possível o retomo dos investimentos no desenvolvimento e na
produção;
(xix) Indústria do Petróleo: conjunto de atividades econômicas
relacionadas com a exploração, desenvolvimento, produção,
refino, processamento, transporte, importação e exportação
de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e
seüs derivados;
(xx) Distribuição: atividade de comercialização por atacado
com a rede varejista ou com grandes consumidores de
combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito
"envasado, exercida por empresas especializadas, na forma
das leis e regulamentos aplicáveis;
(xxi) Revenda: atividades de venda a varejo de combustíveis,
lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos
de serviços ou revendedores, na forma das leis e
regulamentos aplicáveis;
(xxii) Distribuição de Gás Canalizado: serviços locais de
comercialização de gás canalizado, junto aos usuários
finais, explorados com exclusividade pelos
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
Estados, diretamente ou mediante concessão, nos termos do § 2a
do art. 25 da CF;
(xxiii) Estocagem de Gás Natural: armazenamento de gás natural
em reservatórios próprios, formações naturais ou
artificiais.
3.2.3. Agência Nacional do Petróleo
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem origem na própria
CF, que, por força do artigo 177, § 22, III, determinou a
constituição de um órgão regulador para as atividades das
diversas facetas da indústria petrolífera. Tal agência foi
instituída pelo artigo 7S da Lei n9 9.478, de 6 de agosto
de1997. Ela é integrante da Administração Federal indireta,
submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador
da indústria do petróleo, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia. Sua sede e foro situam-se em Brasília, com
escritórios centrais na cidade do Rio de Janeiro, podendo
instalar unidades administrativas regionais. Justifica-se a
situação geográfica de seus escritórios centrais, na medida em
que o Estado do Rio de Janeiro é, de longe, o maior produtor
de petróleo no BrasiL
Os objetivos institucionais da ANP são os de promover a
regulação, a contratação e a fiscalização das atividades
econômicas integrantes da indústria do petróleo, dentre as
quais se destacam:
(i) implementar, em sua esfera de atribuições, a política
nacional de petróleo e gás natural, contida na política
energética nacional, nos termos do Capítulo I da Leí n9
9.478, de 6 de agosto de 1997, com ênfase na garantia do
suprimento de derivados de petróleo em todo o território
nacional e na proteção dos interesses dos consumidores
quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos;
(ii) promover estudos visando à delimitação de blocos, para
efeito de concessão das atividades de exploração,
desenvolvimento e produção;
(iii) regular a execução de serviços de geologia e geofísica
aplicados à prospecção petrolífera, visando ao levantamento
de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases
não-exclusivas;
(iv) elaborar os editais e promover as licitações para a
concessão de exploração, desenvolvimento e produção,
celebrando os contratos delas decorren
tes e fiscalizando a sua execução;
(v) autorizar a prática das atividades de refinação,
processamento, transporte, importação e exportação;
(vi) estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de
transporte dutoviário e
arbitrar seus valores, nos casos e da forma previstos na Lei;
(vii) fiscalizar diretamente, ou mediante convênios com órgãos
dos Estados e do Distrito Federal, as atividades integrantes
da indústria do petróleo, bem como aplicar as sanções
administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento
ou contrato;
Direito Ambiental
(viii) instruir processo com vistas à declaração de utilidade
pública, para fins de desapropriação e instituição de
servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural,
construção de refinarias, de dutos e de terminais;
(ix) fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso
racional do petróleo, dos derivados e do gás natural e de
preservação do meio ambiente;5
(x) estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na
exploração, produção, transporte, refino e processamento;
(xi) organizar e manter o acervo das informações e dados
técnicos relativos às atividades da indústria do petróleo;
(xii) consolidar anualmente as informações sobre as reservas
nacionais de petróleo e gás natural transmitidas pelas
empresas, responsabilizando-se por sua divulgação;
(xiii) fiscalizar o adequado funcionamento do Sistema Nacional
de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual
de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o
art. 4s da Lei ns 8.176, de 8 de fevereiro de 1991;
(xiv) articular-se com os outros órgãos reguladores do setor
energético sobre matérias de interesse comum, inclusive para
efeito de apoio técnico ao CNPE;
(xv) regular e autorizar as atividades relacionadas com o
abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as
diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da
União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.
O conjunto de atribuições da ANP, embora relacionado
diretamente com a qualidade da operação das atividades de
petróleo, indiscutivelmente, guarda muita proximidade com o
controle ambiental. Assim é porque, efetivamente, a má opera-
ção quase sempre implica o lançamento de petróleo no ambiente.
Observa-se, portanto, que um derramamento de óleo com efeitos
negativos sobre o ambiente repercute, do ponto de vista
jurídico, na esfera administrativa própria da atividade de
petróleo, bem como nas diferentes esferas tuteladas pelo
Direito Ambiental. É importante, portanto, que a ANP, o IBAMA
e as Agências Ambientais dos Estados estabeleçam um mecanismo
de colaboração e consulta, a fim de que a proteção ambiental
seja considerada de forma concreta e razoável.
3.2.3.1. Caso Concreto de Conflito entre Autoridades
Ambientais em Matéria de Petróleo
As disputas entre os diferentes atores da proteção ambiental
em matéria de petróleo atingiu o paroxismo com o vazamento de
petróleo ocorrido no dia 16 de julho de 2000, no Estado do
Paraná,6 quando ocorreu o maior acidente com derra-
5 É importante ressaltar que a ANP possui, ex vi lege,
competência residual em matéria de proteção ao meio ambiente
(art. 8«, DQ.
6 Http://www.pr.gov.br/iap/petro01.html.
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
mamento de óleo/petróleo em recursos hídricos (arroio
Saldanha, rio Barigüi e rio Iguaçu) brasileiros. No dia
seguinte ao fato, o Instituto Ambiental do Paraná - IAP autuou
a Petrobras/Repar, impondo-lhe uma multa administrativa no
valor de R$
50.000.000.00 (cinquenta milhões de reais), pelo at±ngimento
de corpos hídricos estaduais, conforme determina a Lei Federal
n9 9.605/98. Passados cerca de 15 (quinze) dias, o IBAMA autuou
a Petrobras/Repar, aplicando-lhe três multas pelos danos ao
rio federal, à flora e à fauna silvestre e à ictiofauna, isto
tudo no valor de R$
168.000.000.00 (cento e sessenta e oito milhões de reais).
O surpreendente é que, após a aplicação da multa realizada
pelo IAP, o órgão ambiental paranaense viu-se na condição de
requerido em uma medida cautelar7'8 na qual eram requerentes os
Ministérios Públicos Federal, Estadual e o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
- IBAMA, com o objetivo de que a multa ambiental aplicada pelo
IAP fosse declarada nula, sob o argumento da incompetência do
órgão estadual para aplicar sanções administrativas de defesa
do meio ambiente, no caso concreto. O feito foi julgado
extinto, sem apreciação do mérito.9 O Poder Judiciário, na
hipótese, restabeleceu a racionalidade.
A grande pergunta que surge do caso acima narrado é: quem é
o beneficiário da ação? O meio ambiente?
3.2.4. Exploração e Produção (Aspectos Ambientais)
As atividades de exploração e produção de petróleo estão
submetidas ao poder de polícia ambiental exercido na forma da
lei pelos órgãos competentes.10
Em primeiro lugar, há que se considerar que todos os
direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em
território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o
mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica
exclusiva, pertencem à União, cabendo sua administração à ANP.
Isto implica que a União e a ANP, tendo em vista a
titularidade dos recursos minerais relacionados ao petróleo e
ao gás natural, na condição de poder concedente, são
subsidiariamente responsáveis por danos ambientais decorrentes
das atividades de exploração e produção de petróleo. Ou seja,
o Estado somente poderá ser acionado por danos ambientais
advindos da atividade de exploração e produção de petróleo se,
e somente se, o capital das empresas diretamente responsáveis
pelo dano tiver se esgotado e a concessão tiver retomado ao
Poder concedente, sem a reparação dos danos causados. A
responsabilidade do Estado é uma matéria que, em Direito
Ambiental, deve ser aplicada com parcimônia, pois, ante a
vigência do princípio poluidor pagador, não é razoável que se
impute à coletividade os custos com a reparação de danos
ambientais que foram causados por atividades privadas e com
lucros privados.
7 Processo 2000.70.00.019229.8, 4a Vara Federal de Curitiba.
8 Deu origem à Ação Gvil Pública 2001.70.582.0.
9 Http://www.jfpr.gov.br/consultas/asp.
10 Ver Capítulo concernente ao licenciamento ambientai das
atividades de petróleo.
Direito Ambiental
3.2.4.1. Informações Técnicas
As atividades de exploração e produção de petróleo são
intrinsecamente causar doras de impactos ambientais que, no
entanto, podem ser diminuídos se as informações técnicas
existentes sobre as reservas, o estado do ambiente no qual as
atividades serão desenvolvidas, forem em nível suficiente —
qualitativa e quantitativamente - para permitir que as
atividades se desenvolvam com o menor risco possível. É por
isto que o artigo 22 da Lei n9 9.478, de 6 de agosto de 1997,
determina que: o acervo técnico constituído pelos dados e
informações sobre as bacias sedimentares brasileiras é também
considerado parte integrante dos recursos petrolíferos
nacionais, cabendo à ANP sua coleta, manutenção e
administração. A lei, realisticamente, reconheceu que o maior
banco de dados existente no País sobre exploração e produção
de petróleo é de propriedade da Petrobras que, desde 1953,
vinha exercendo o monopólio do petróleo, em todas as suas
fases.
Com vistas a dotar o órgão regulador com as informações
técnicas essenciais para o desenvolvimento das atividades de
exploração e produção de petróleo e, igualmente, com vistas a
garantir um mínimo de igualdade no mercado entre as empresas
que ingressam na atividade, foi determinado à Petrobras que
transferisse para a ANP as informações e dados de que
dispusesse sobre as bacias sedimentares brasileiras, assim
como sobre as atividades de pesquisa, exploração e produção de
petróleo ou gás natural, desenvolvidas em função da
exclusividade do exercício do monopólio* Tal transferência,
remunerada, deve ser feita com critérios estabelecidos pela
própria ANP.
3.2.4.2. Contratos de Concessão
As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de
petróleo e de gás natural somente podem ser exercidas mediante
contratos de concessão, precedidos de licitação, cujos termos
essenciais são definidos na Lei ns 9.478, de 6 de agosto de
1997. Os blocos a serem concedidos são definidos pela ANP,
mediante a adoção de procedimento próprio, e obrigatoriamente
deverão contemplar duas fases: (i) exploração e (ii) produção.
Na fase de exploração estão compreendidas as atividades de
avaliação de eventual descoberta de petróleo ou gás natural,
para determinação de seu nível potencial de comercialização.
Na fase de produção devem estar incluídas, também, as ativida-
des de desenvolvimento. Somente podem se candidatar à
concessão para a exploração e produção de petróleo ou gás
natural as empresas que atendam aos requisitos técnicos,
econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP.
3.2.4.2.I. Cláusulas Cogentes dos Contratos de Concessão
O contrato de concessão, como qualquer contrato de
concessão, deve reproduzir as condições do edital e da
proposta vencedora, tendo as seguintes cláusulas essenciais:
(i) definição do bloco objeto da concessão;
(ii) prazo de duração da fase de exploração e as condições
para sua prorrogação;
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
(iii) programa de trabalho e o volume do investimento
previsto;
(iv) obrigações do concessionário quanto às participações,
conforme o disposto na Seção VI da Lei do Petróleo;
(v) indicação das garantias a serem prestadas pelo
concessionário quanto ao cumprimento do contrato, inclusive
quanto à realização dos investimentos ajustados para cada
fase;
(vi) especificação das regras sobre devolução e desocupação de
áreas, inclusive retirada de equipamentos e instalações, e
reversão de bens;
(vii) procedimentos para acompanhamento e fiscalização das
atividades de exploração, desenvolvimento e produção, e para
auditoria do contrato;
(viii) obrigatoriedade de o concessionário fornecer à ANP
relatórios, dados e informações relativos às atividades
desenvolvidas;
(ix) procedimentos relacionados com a transferência do
contrato, conforme o disposto no art. 29 da Lei do Petróleo;
(x) regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o
contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a
arbitragem internacional;
(xi) casos de rescisão e extinção do contrato;
(xii) penalidades aplicáveis na hipótese de descumprimento,
pelo concessionário, das obrigações contratuais.
Na forma do artigo 44, o contrato deve estabelecer, ainda,
as seguintes obrigações para o concessionário;
(i) adotar, em todas as suas operações, as medidas necessárias
para a conservação dos reservatórios e de outros recursos
naturais, para a segurança das pessoas e dos equipamentos e
para a proteção do meio ambiente;
(ii) comunicar à ANP, imediatamente, a descoberta de qualquer
jazida de petróleo, gás natural ou outros hidrocarbonetos ou
de outros minerais;
(iii) realizar a avaliação da descoberta nos termos do
programa submetido à ANP, apresentando relatório de
comercialidade e declarando seu interesse no desenvolvimento
do campo;
(iv) submeter à ANP o plano de desenvolvimento de campo
declarado comercial, contendo o cronograma e a estimativa de
investimento;
(v) responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus
prepostos e indenizar todos e quaisquer danos decorrentes
das atividades de exploração, desenvolvimento e produção
contratadas, devendo ressarcir à ANP ou à União os ônus que
venham a suportar em consequência de eventuais demandas
motivadas por atos de responsabilidade do concessionário;
(vi) adotar as melhores práticas da indústria internacional do
petróleo e obedecer às normas e aos procedimentos técnicos e
científicos pertinentes, inclusive quanto às técnicas
apropriadas de recuperação, objetivando a racionalização da
produção e o controle do declínio das reservas.
Não é ocioso observar que o contrato de concessão pode ser
um poderoso instrumento de proteção e conservação ambiental,
pois, por cláusulas bem definidas e claras,
Direito Ambientai
é possível determinar medidas concretas de defesa do meio
ambiente. Este é um meca- nismo que, parece-me, tem sido pouco
explorado e desenvolvido. Se considerarmos as ; dificuldades
inerentes aos processos legislativo e regulamentar, toma-se
bastante sim- r; pies perceber que há uma enorme margem de
manobra para que o controle ambiental possa ser parcialmente
exercido por cláusulas do próprio contrato de concessão,
3.2A.2.2. Direitos e Obrigações do Concessionário
A concessão é exercida pelo concessionário, às suas próprias
expensas, com a - obrigação de explorar e, na hipótese de
obter sucesso, produzir petróleo ou gás natu- € ral em
determinado bloco, cabendo-lhe a propriedade do produto de sua
atividade, : ’• sobre eles incidindo os encargos relativos ao
pagamento dos tributos aplicáveis e das participações legais
ou contratuais correspondentes. Caracterizado o sucesso da -
exploração, cabe à ANP aprovar os planos e projetos de
desenvolvimento e produ- ^ ção. O órgão regulador tem o prazo
legal de 180 (cento e oitenta) dias para aprovar ou não os
planos. Em minha opinião, sendo a produção viável, ambiental e
econo- micamente, à ANP só resta aprová-lo. Se assim não o
fizer, penso que o concessioná- ; í= rio pode exigir
judicialmente tal aprovação.11
3.2.4.2.3. Extinção das Concessões
São causas de extinção das concessões: f
(i) vencimento do prazo contratual;
(ii) acordo entre as partes;
(iii) motivos de rescisão previstos em contrato;
(iv) término da fase de exploração, sem que tenha sido feita
qualquer descoberta comercial, conforme definido no
contrato;
(v) na fase de exploração, se o concessionário exercer a opção
de desistência e de devolução12 das áreas em que, a seu
critério, não justifiquem investimentos em desenvolvimento.
3.2.4.2.3.L Descomissionamento
O descomissionamento é o abandono organizado de uma
atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural.
Trata-se de uma atividade cuja repercussão ambiental é de
transcendental importância, pois como a E&P é feita com
significati-
11 Ver § 3» do artigo 26.
12 Art. 28, § 1* A devolução de áreas, assim como a reversão
de bens, não implicará ônus de qualquer natureza para. a
União ou para a ANP, nem conferirá ao concessionário
qualquer direito de indenização pelos serviços, poços,
imóveis e bens reversíveis, os quais passarão à propriedade
da União e à administração da ANP, na forma prevista no
inciso VJ do art. 43.
fÜJ ' Ênsno Sííperiof Bamty Mies
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental I
vo impacto ambiental, necessário se faz que o encerramento de
tais processos seja feito dentro de normas ambientais que
assegurem o máximo de recuperação da área degradada, bem como
dos aparelhos e equipamentos utilizados. Daí, a relevância do
§ 2e do artigo 28, que determina: em qualquer caso de extinção
da concessão, o concessionário fará, por sua conta exclusiva,
a remoção dos equipamentos e bens que não sejam objeto de
reversão, ücando obrigado a reparar ou indenizar os danos
decorrentes de suas atividades e praticar os atos de
recuperação ambiental determinados pelos órgãos competentes.
Ainda que exista uma previsão legal para o
descomissionamento e a recuperação ambiental, com a remoção de
equipamentos e bens que não sejam revertidos para o poder
concedente, verbi gratia, plataformas de produção,
armazenamento etc. Persiste uma necessidade muito grande de
aprofundamento do quadro regulatório da matéria.
3.2.4.2.3.1.1. Abandono de Poço
A ANP vem buscando, no âmbito de suas competências,
estabelecer um marco regulatório para as diferentes atividades
referentes ao descomissionamento das variadas fases da E&P de
petróleo. Exemplo disto é a Portaria ns 176, de 27 de outubro
de 1999,13 que aprova o Regulamento de Abandono de Poços
perfurados com vistas à exploração ou produção de petróleo
e/ou gás.14
O objetivo do regulamento em questão é estabelecer
procedimentos a serem adotados no abandono de poços de
petróleo e/ou gás, de maneira a assegurar o perfeito
isolamento das zonas de petróleo e/ou gás e também dos
aquíferos existentes, prevenindo:
a) a migração dos fluidos entre as formações, quer pelo poço,
quer pelo espaço anular entre o poço e o revestimento; e
b) a migração de fluidos até a superfície do terreno ou o
fundo do mar.
O abandono do poço, no transcorrer da Fase de Exploração,
poderá ser feito, desde que de acordo com o disposto no
Regulamento próprio e mediante notificação prévia à ANP.
Quando se tratar da Fase de Produção, excetuandò-se a Etapa de
Desenvolvimento,15 todo poço produtor de petróleo e/ou gás, ou
injetor, somente poderá ser abandonado mediante autorização da
ANP. Na primeira étapa, é necessária uma mera notificação ao
Órgão Regulador; já na fase de Produção faz-se necessária a
autorização da ANP, ou seja, o seu consentimento formal.
13 Há que se observar que a Portaria determinou que a não-
observância de suas normas implica a aplicação das
penalidades contidas na Medida Provisória n° 1.883-16, de
27/8/99, que dispõe sobre a fiscalização das atividades
relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que
trata a Lei na 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece
sanções administrativas e dá outras providências. É
problemática a aplicação da norma, pois a mesma não trata do
assunto disposto no Regulamento aprovado pela Portaria da
ANP.
14 Publicada no DOU de 28/10/99.
15 Em tal momento basta a mera notificação.
Direito Ambiental
É proibido o abandono de poço enquanto as operações de
abandono puderem causar prejuízo de alguma forma a quaisquer
operações em poços vizinhos, salvo se o poço em questão, por
algum motivo, representar ameaça de dano à segurança e/ou aò
meio ambiente. O Regulamento estabelece os mecanismos para a
cimentação do poço ■ que, por seu caráter extremamente
técnico, não vejo necessidade de mencionar. 0
O abandono pode ser dividido em: (i) permanente e (ii)
temporário e deve ser realizado conforme determinado pelos
capítulos II e III do Regulamento.
3.2.4.3. Aspectos Ambientais da Licitação
A licitação é a forma constitucional e legal para a
concessão de serviços públicos e foi o método adotado pelo
nosso regime legal para a concessão das atividades de E&P. A
fórmula adotada tem sido criticada pelos estudiosos do
assunto, pois nãp segue a tendência mundial dos Contratos de
Produção Partilhada. Houve uma reto-, mada do modelo vigente
no Código de Mineração de 1934, que perdurou até o advento da
Lei n9 395, de 29 de abril de 1938, que criou o Conselho
Nacional de . Petróleo.16 Não pretendo, aqui, discutir os
aspectos de direito administrativo do processo licitatório de
blocos para a E&P, pois este não é o objetivo deste trabalho;
Entretanto, julgo oportuno estabelecer algumas observações
sobre as repercussões ambientais do processo licitatório e,
principalmente, das repercussões ambientais na 0 execução do
contrato de concessão.
O edital de licitação, conforme determina o artigo 37 da Lei
do Petróleo, deverá vir acompanhado da minuta básica do
contrato de concessão e, obrigatoriamente, deverá indicar:
(i) o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a
duração da fase de exploração, os investimentos e programas
exploratórios mínimos;
(ii) os requisitos exigidos dos concorrentes, nos termos do
art. 25, e os critérios de pré-qualificação, quando este
procedimento for adotado;
(iii) as participações governamentais mínimas, na forma do
disposto no art. 45, e a participação dos superfíciários
prevista no art. 52;
(iv) a relação de documentos exigidos e os critérios a serem
seguidos para aferição da capacidade técnica, da idoneidade
financeira e da regularidade jurídica dos interessados, bem
como para o julgamento técnico e econômi- co-financeiro da
proposta;
(v) a expressa indicação de que caberá ao concessionário o
pagamento das indenizações devidas por desapropriações ou
servidões necessárias ao cumprimento do contrato;
16 Edmflson Moutmho dos Santos e Carlos Augusto de Almeida
Correia. “Deve a Agência Nacional de Petróleo Explorar Novas
Fórmulas Contratuais?”, m http://www.ibp.org.br.
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
(vi) o prazo, local e horário em que serão fornecidos, aos
interessados, os dados, estudos e demais elementos e
informações necessários à elaboração das propostas, bem como
o custo de sua aquisição.
Na hipótese em que for permitida a participação de empresas
em consórcio, o edital conterá as seguintes exigências.
(i) comprovação de compromisso, público ou particular, de
constituição do consórcio, subscrito pelas consorciadas;
(ii) indicação da empresa líder, responsável pelo consórcio e
pela condução das operações, sem prejuízo da
responsabilidade solidária das demais consorciadas;
(iii) apresentação, por parte de cada tuna das empresas
consorciadas, dos documentos exigidos para efeito de
avaliação da qualificação técnica e econômi- co-financeira
do consórcio;
(iv) proibição de participação de uma mesma empresa em outro
consórcio, ou isoladamente, na licitação de um mesmo bloco;
(v) outorga de concessão ao consórcio vencedor da licitação
condicionada ao registro do instrumento constitutivo do
consórcio, na forma do disposto no parágrafo único do art.
279 da Lei na 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
O edital deverá conter a exigência de que a empresa
estrangeira que concorrer isoladamente ou em consórcio
apresente, juntamente com sua proposta e em envelope separado:
(i) prova de capacidade técnica, idoneidade financeira e
regularidade jurídica e fiscal, nos termos da regulamentação
a ser editada pela ANP;
(ii) inteiro teor dos atos constitutivos e prova de encontrar-
se organizada e em funcionamento regular, conforme a lei de
seu país;
(iii) designação de um representante legal junto à ANP, com
poderes especiais para a prática de atos e assunção de
responsabilidades relativamente à licitação e à proposta
apresentada;
(iv) compromisso de, caso vencedora, constituir empresa
segundo as leis brasileiras, com sede e administração no
Brasil.
Como se pode ver das regras básicas para o procedimento
licitatório, não há qualquer preocupação com a caracterização
ambiental da área a ser submetida ao certame. Tal fato, em
minha opinião, é extremamente preocupante, pois as licitações
dos blocos, como têm sido feitas até agora, têm se limitado
aos exames geofísicos das bacias sedimentares nas quais os
diferentes blocos são oferecidos. Penso que seria extremamente
conveniente que os instrumentos convocatórios do certame
fossem oferecidos ao público interessado com uma descrição
detalhada das áreas ambiental- mente sensíveis, indicando as
áreas de exclusão, unidades de conservação existentes e outras
informações ambientais relevantes. Parece-me que a
inexistência de dados ambientais, em especial sobre o meio
ambiente marinho, está criando uma situação
Direito Ambiental
de difícil administração, pois são exigidos das empresas
vencedoras das licitações estudos de impacto ambiental que, em
minha opinião, ultrapassam, em muito, o razoável.
O ideal é que, antes do oferecimento do bloco à licitação
pública, sejam realizados os estudos ambientais necessários
para a exploração da área - por contratação da ANP.17 Uma vez
concedido o bloco para exploração, os estudos ambientais
seriam meros aprofundamentos de dados já existentes.
4. Política Nacional de Conservação de Energia
Uma norma diretamente advinda da crise energética e da
ameaça de apagão é a Lei ns 10.925, de 17 de outubro de 2001,
que Dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso
Racional de Energia e dá outras providências. Tal lei, é
desnecessário dizer, possui uma enorme repercussão ambiental,
pois, pela conservação e uso racional de energia, diminui-se a
pressão sobre os diferentes recursos ambientais. Infelizmente,
o Brasil só passou a desenvolver uma política consistente de
conservação de energia com a crise do ano 2001, Porém, é
imperioso dizer que os resultados que vêm sendo alcançados têm
sido bastante expressivos e a colaboração espontânea dos
diferentes consumidores de energia tem servido de importante
lição para as autoridades públicas, que necessitam fazer
planejamentos mais profundos e realistas.
É relevante assinalar que o artigo 1° da lei dispõe,
expressamente, que a Política Nacional de Conservação e Uso
Racional de Energia (PNCURE) visa à alocação eficiente de
recursos energéticos e à preservação do meio ambiente. Este é
uin reconhecimento formal de que o desperdício de energia é um
fator de degradação ambiental.
O principal ponto enfocado pela PNCURE é o estabelecimento
de níveis máximos de consumo específico de energia, ou mínimos
de eficiência energética, de máquinas e aparelhos consumidores
de energia fabricados ou comercializados no País, com base em
indicadores técnicos pertinentes. A lei, portanto, busca
alcançar a eficiência energética com aparelhos menos
intensivos na utilização de energia. Isto implicará, sem
dúvida, uma modernização dos aparelhos utilizados no País, com
uma repercussão ambiental imediata.
A fixação de parâmetros racionais de consumo de energia e
eficiência energética deve ser feita de forma que utilize
valores técnica e economicamente viáveis, considerando a vida
útil das máquinas e aparelhos consumidores de energia. A
implantação será feita de maneira gradual, tendo início em até
1 (um) ano a partir da publicação dos referidos níveis,
conforme um Programa de Metas para sua progressiva evolução.
Os níveis máximos de consumo de energia e mínimo de eficiência
energética, conforme forem definidos pelas autoridades
públicas, são obrigatórios para os fabri-
17 O valor dos estudos seria ressarcido no próprio processo
licitatório.
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
cantes e os importadores de máquinas e aparelhos consumidores
de energia que, para alcançá-los, devem adotar as medidas
necessárias. É importante observar que, diferentemente de
diversos padrões, proibições e limites ambientais, no caso da
PNCU- RJE, eles têm base diretamente legal e não em resoluções
ou outros atos administrativos de menor hierarquia.
Compete aos importadores comprovar o atendimento aos níveis
máximos de consumo específico de energia, ou mínimos de
eficiência energética, durante o processo de importação.
4.1. Penalidades
Os aparelhos consumidores de energia encontrados no mercado
sem atender às especificações legais, quando da vigência da
regulamentação específica, serão recolhidos, no prazo máximo
de 30 (trinta) dias, pelos respectivos fabricantes e
importadores. Uma vez ultrapassado o prazo anteriormente
mencionado (art. 3e, § 2a), os fabricantes e importadores
estarão sujeitos às multas por unidade, a serem estabelecidas
em regulamento, de até 100% (cem por cento) do preço de venda
por eles praticados.
A lei buscou aplicar um mecanismo democrático para a fixação
dos limites máximos de consumo de energia e mínimo de
eficiência energética, por mais de um mecanismo de consultas
prévias realizado mediante audiências públicas, com divulgação
antecipada das propostas formuladas pelo Governo, nas quais
deverão participar entidades representativas de fabricantes e
importadores de máquinas e aparelhos consumidores de energia,
projetistas e construtores de edificações^ consumidores,
instituições de ensino e pesquisa e demais entidades
interessadas.
4.2. Regulamentação da Política Nacional de Conservação de
Energia
A Política Nacional de Conservação de Energia foi
regulamentada pelo Decreto n9 4.059, de 19 de dezembro de 2001.
O artigo le do decreto estabelece que os níveis máximos de
consumo de energia, mínimos de eficiência energética^ de
máquinas e aparelhos consumidores de energia fabricados ou
comercializados, bem como as edificações construídas, serão
estabelecidos com base em indicadores técnicos e regula-
mentação a ser baixada pelo Ministério das Minas e Energia.
4.2.1. Composição e Atribuições do Comitê Gestor de
Indicadores e Níveis de Eficiência Energética - CGIEE
O Decreto instituiu o Comitê Gestor de Indicadores e Níveis
de Eficiência Energética — CGIEE, cuja formação é a seguinte:
(i) Ministério das Minas e Energia;
(ii) Ministério da Ciência e Tecnologia;
Direito Ambiental
(iii) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior; • ;• : i
(iv) Agência Nacional de Energia Elétrica; :; ^ j
(v) Agência Nacional do Petróleo;
(vi) Um representante de universidade brasileira e um cidadão
brasileiro, ambos especialistas em matéria de energia,
designados pelo Ministro de Estado das Minas e Energia, com
mandato de dois anos.
Atribuições do Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de
Eficiência Energética - CGIEE:
(í) elaborar plano de trabalho e cronograma para a
implementação da Lei ns 10.295, de 17 de outubro de 2001;
(ii) elaborar regulamentação específica para cada tipo de
aparelho e máquina consumidores de energia;
(iii) estabelecer Programa de Metas com indicação da evolução
dos níveis à serem alcançados para cada equipamento
regulamentado; .• •
(iv) instituir Comitês Técnicos para analisar e opinar sobre
matérias específi- cas que estejam sendo apreciadas pelo
CGIEE, assegurada a participação de representantes da
sociedade civil; ;.
(v) acompanhar e avaliar sistematicamente o processo de
regulamentação è propor plano de fiscalização; e
(vi) deliberar sobre as proposições do Grupo Técnico para
maior eficiência dé energia em edificações. j
4.2.1.1. Audiências Públicas
As Audiências Públicas são previstas como parte do
procedimento para a aprovação dos níveis máximos de consumo e
mínimos de eficiência energética.
4.3. Energia Renovável: Iniciativa Energética
Uma importante medida em favor da proteção ambiental e da
maior susten- tabilidade da matriz energética nacional é a
representada pela Lei ne 10.438, de 26 de abril de 2002, que
dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emer-
gencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o
Programa de Incentivo às • Fontes Alternativas de Energia
Elétrica (Proinfa), a Conta de Desenvolvimento Energético
(CDE), dispõe sobre a tmiversalização do serviço público de
energia elétrica, dá nova redàção às Leis n° 9.427, de 26 de
dezembro de 1996, n° 9.648, de 27 de maio de 1998, n3 3.890-A,
de 25 de abril de 1961, n3 5.655, de 20 de maio de 1971, n5
5.899, de 5 de julho de 1973, n? 9.991, de 24 de julho de
2000, e dá outras providências.
Tal lei, em seu artigo 39, institui o Programa de Incentivo
às Fontes Alternativas de Energia Elétrica — Proinfa, cujo
objetivo é aumentar a participação da energia elé-
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
trica produzida por empreendimentos dè Produtores
Independentes Autônomos,18 cuja concepção seja baseada em
fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e bio- massa,19
no Sistema Elétrico Interligado Nacional, desde que observados
os seguintes comandos nas duas etapas do Proinfa, conforme
passo a apresentar:
I — na primeira etapa do programa:
a) A empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - Eletrobrás
firmará contratos, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro)
meses da publicação da Lei ns 10.438, de 26 de abril de
2002, com os Produtores Independentes Autônomos (PIA), com
vistas à implantação de 3.300 MW de capacidade, originados
em instalações de produção com início de funcionamento pre-
visto para até 30 de dezembro de 2006, assegurando a compra
da energia a ser produzida no prazo de 15 (quinze) anos, a
partir da data de entrada em operação definida no contrato,
observando o valor-piso definido na alínea b do artigo 39 da
lei instituidora do Proinfa.
b) A Eletrobrás, ao celebrar os contratos mencionados, deverá
contratar de forma igualitária, quanto à capacidade
instalada, entre as diferentes fontes participantes do
Proinfa, e a aquisição da energia deverá ser feita em bases
que considerem o valor econômico correspondente à tecnologia
específica de cada fonte, valor este a ser definido pelo
Poder Executivo, mas tendo como piso 80% (oitenta por cento)
da tarifa média nacional de fornecimento ao consumidor
final;
c) o valor pago pela energia elétrica adquirida conforme o
modelo estabelecido em feeos custos administrativos
incorridos pela Eletrobrás na contratação serão rateados
entre todas as classes de consumidores finais atendidas pelo
Sistema Elétrico Interligado Nacional, proporcionalmente ao
consumo individual verificado;
d) a contratação das instalações deverá ser feita por Chamada
Pública para conhecimento dos interessados, considerando, no
conjunto de cada fonte específica, primeiramente as que já
tiverem a Licença de Instalação - LI e, posteriormente, as
que tiverem a Licença Prévia - LP;
e) no caso de existirem instalações com LI e LP em número
maior do que a disponibilidade de contratação pela
Eletrobrás, serão contratadas aquelas cujas licenças
ambientais possuam menores prazos de validade remanescentes;
f) será admitida a participação direta de'fabricantes de
equipamentos de geração, sua controlada, coligada ou
controladora na constituição do Produtor Independente
Autônomo, desde que o índice de nacionalização dos equipa-
mentos seja de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) em
valor.
18 Art. 3®, § l4 Produtor Independente Autônomo é aquele cuja
sociedade não é controlada ou coligada de concessionária de
geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica,
nem de seus controladores ou de outra sociedade controlada
ou coligada com o controlador comum.
19 Deve ser feita atenção ao feto de que a única fonte
geradora de C02 que está contemplada no programa é a
biomassa que, no caso especifico, é principalmente o bagaço
de cana.
Direito Ambientai
Pelas medidas definidas para serem aplicadas na primeira
fase, em minha opinião, estabeleceu-se o mais importante
mecanismo capaz de, efetivamente, interferir na criação de uma
matriz energética menos agressiva ao meio ambiente, pois foram
criadas garantias econômicas no sentido de que os
investimentos feitos poderão ter o necessário retomo. É
indiscutível que uma das dificuldades para a adoção . de novos
comportamentos e padrões ambientais reside no fato de que
estes se limitavam a ser iniciativas vazias, vez que não
tinham qualquer repercussão econômica. No momento em que a
Eletrobrás compromete-se a adquirir energia gerada pelas
chamadas fontes alternativas, estas podem buscar o seu lugar
no mercado. O fato de haver um rateio do preço entre os
consumidores finais é igualmente importante, pois compromete
toda a comunidade com o programa. Trata-se, como se verá, de
um “pontapé inicial” da nova matriz energética, visto que
estabelece um patamar mínimo que será implementado em um
programa mais vasto com duração de vinte anos, tempo
suficiente para que as fontes alternativas possam se
consolidar.
As medidas a serem adotadas na segunda etapa do programa:
a) atingida a meta de 3.300 MW, o desenvolvimento do Programa
será realizado de forma que as fontes eólicas, pequenas
centrais hidrelétricas e bio~ massa atendam a 10% (dez por
cento) do consumo anual de energia elétrica no País,
objetivo a ser alcançado em até 20 (vinte) anos, aí
incorporados o prazo e os resultados da primeira etapa;
b) os contratos a serem celebrados pela Eletrobrás terão prazo
de duração de 15 (quinze) anos e o seu preço será
equivalente ao valor econômico correspondente à geração de
energia competitiva, definida como o custo médio ponderado
de geração de novos aproveitamentos hidráulicos com potência
superior a 30.000 kW e centrais termelétricas a gás natural,
calculado pelo Poder Executivo;
c) a aquisição da “energia limpa” deve ser feita mediante
programação anual de compra da energia elétrica de cada
produtor, de forma que as referidas fontes atendam o mínimo
de 15% (quinze por cento) do incremento anual da energia
elétrica a ser fornecida ao mercado consumidor nacional,
compensando-se os desvios verificados entre o previsto e
realizado de cada exercício, no subsequente;
d) o produtor de energia é credor de um valor complementar a
ser mensalmente satisfeito com recursos da Conta de
Desenvolvimento Energético - CDE, calculado pela diferença
entre o valor econômico correspondente à tecnologia
específica de cada fonte, valor este a ser definido pelo
Poder Executivo, mas tendo como piso 80% (oitenta por cento)
da tarifa média nacional de fornecimento ao consumidor final
e o valor recebido da Eletrobrás;
e) até o dia 30 de janeiro de cada exercício, os produtores
emitirão um Certificado de Energia Renovável - CER, em que
conste, no mínimo, a qualificação jurídica do agente
produtor, o tipo da fonte de energia primária utilizada e a
quantidade de energia elétrica efetivamente comercializada
no exercício anterior, a ser apresentado à Aneel para
fiscalização e controle das metas anuais;
Política Energética Nacional e Proteção Ambiental
f) o Poder Executivo deverá regulamentar os procedimentos a
serem observados e a Eletrobrás deve atuar de forma que a
satisfação dos créditos complementares não ultrapasse 30
(trinta) dias da requisição de pagamento feita pelo agente
produtor;
g) a contratação deverá ser precedida de Chamada Pública para
conhecimento dos interessados, devendo a Eletrobrás aplicar
os critérios acima descritos, considerado o prazo mínimo de
24 (vinte e quatro) meses entre a assinatura do contrato e o
início de funcionamento das instalações;
h) a contratação deve ser distribuída igualmente, em termos de
capacidade instalada, para cada uma das fontes participantes
do Programa, podendo o Poder Executivo, a cada 5 (cinco)
anos de implantação dessa Segunda Etapa, transferir para as
outras fontes o saldo de capacidade de qualquer uma delas,
não contratada por motivo de falta de oferta dos agentes
interessados;
i) o valor pago pela energia elétrica adquirida e os custos
administrativos incorridos pela Eletrobrás na contratação
serão rateados entre todas as classes de consumidores finais
atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional,
proporcionalmente ao consumo verificado.
As normas são de transcendental importância, pois visam
estabelecer um mecanismo econômico capaz de viabilizar o
ingresso de fontes alternativas de energia em nossa matriz
energética.
:n

A Energia Nuclear na Constituição Federal


Capítulo XXXI A Energia Nuclear na Constituição Federal
A CF de 1988 contém, em seu bojo, inúmeros dispositivos
concernentes à utilização da energia nuclear. Estes
dispositivos estão contidos em diversos capítulos da nossa
Carta Política. É importante que se observe que a utilização
da radioatividade tem diversas finalidades, e a Lei
Fundamental, na medida do possível, buscou con- templá-las
todas. São tratados temas que variam desde o uso de
radioisótopos com objetivos medicinais até a proibição de
utilização da energia nuclear com finalidades agressivas. É,
portanto, um espectro bastante amplo e diferenciado.
Como não é difícil perceber, há uma ampla margem de
discussão e dúvidas suscitadas pelas normas constitucionais
concernentes à atividade nuclear no Brasil. Estas dificuldades
surgem em função da organização federativa do Estado
brasileiro e de uma normalização da energia nuclear muito
imprecisa em nossa Constituição. A própria novidade da matéria
enfocada não deixa oportunidade para que se possa recorrer a
fontes doutrinárias e/ou jurisprudenciais capazes de apontar
uma tradição jurídica plenamente consolidada sobre o tema.
Desta forma, resta fazer uma tentativa de abordagem teórica
sobre o assunto, visando extrair da Lei Fundamental e da
legislação ordinária um mínimo de coerência e harmonia para
que a legislação nuclear possa ser compreendida como uma
legislação de tutela do meio ambiente e da saúde pública e não
como uma legislação voltada para a defesa da indústria da
energia nuclear.
É importante observar que, lamentavelmente, há toda uma
preocupação dos legisladores em afastar os campos de
incidência da legislação de proteção ambiental, da legislação
de proteção à saúde pública e da legislação nuclear.1 Tal
preocupação, no entanto, não é exclusivamente brasileira mas,
ao contrário, pode ser constatada em muitos outros países. Em
realidade, busca-se inserir a legislação nuclear no Direito da
Energia, do qual um sub-ramo seria o Direito Nuclear. Com
isto, a proteção contra as radiações ionizantes e suas
consequências fica contida no interior de um direito
eminentemente econômico, que é o Direito da Energia,2 e
permanece apenas referida pelo Direito Ambiental, cujo
conteúdo humanístico é expressivo. Veja-se que a própria
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
1 Esta característica é bastante claia na Lei n8 6.453/77.
2 Díreico da Energia é o ramo da ciência jurídica que estuda
as relações jurídicas pertinentes à disciplina de
utilização de resultantes tecnológicas da energia, com
repercussão econômica. Alváres, Walter T. Curso
de Direito da Energia, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 1.
I Direito Ambiental
I
Desenvolvimento, Rio 92 não teve nenhuma sessão destinada ao
exame de matéria concernente à energia nuclear.
Em uma brevíssima análise topológica dos artigos
constitucionais referentes ao assunto, é possível constatar
que a matéria diz respeito, simultaneamente, à organização
administrativa (art. 21, XXIII, e art. 22, XXVI), à
organização dos Poderes (arts. 48 e 49, XIV) e à ordem
econômica e financeira (arts. 177, V, e 225, § 6a). Vale res-
saltar que, no título da Ordem Econômica e Financeira, inclui-
se a defesa do meio ambiente (art. 170, VI).
A energia nuclear, independentemente do juízo de valor que
se possa fazer de sua utilização, tem evidentes implicações
ambientais. Desta forma, obviamente, é preciso que se examine
a inserção do meio ambiente na Lei Fundamental. Feito isto,
será possível chegar-se a um completo quadro legal sobre o
tema.
1. Competências em Matéria Nuclear
1.1. Competências da União em Matéria Nuclear
1.1.1. Administrativas
Estão no artigo 21, inciso XXIII, da CRFB as primeiras
referências constitucionais à energia nuclear. Como se sabe, o
artigo 21 da Constituição de 1988 é aquele que estabelece as
competências da União. Ao longo das três alíneas do inciso
XXIII, o legislador constituinte definiu princípios a serem
observados pela Administração Pública quando esta estiver
exercitando as suas atribuições concernentes à energia
nuclear. Assim é que determina o artigo 21, inciso XXIII, da
Lei Fundamental da República: compete à União: explorar os
serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e
exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o
enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios nucleares e seus derivados. Estabelecidas
as competências administrativas, o próprio texto
constitucional definiu uma principiologia a ser
obrigatoriamente observada no trato da questão; tais
princípios são os seguintes:3
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será
admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do
Congresso Nacional;
b) sob o regime de concessão ou permissão, é autorizada a
utilização de radioi- sótopos para pesquisa e usos
medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas;
c) a responsabilidade civil por danos nucleares independe de
culpa.
3 CF, art. 21, inciso XXHI, alíneas a, b e c.
£SU * Ensino Superior JM®
A Bnergia Nuclear na Constituição Federal
1.1.2. Legislativa
Ao estabelecer as competências constitucionais privativas da
União, a CF determinou que dentre estas se inclui a de
legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza,
contida no artigo 22, inciso XXVI, da Carta Política vigente.
Observe-se, entretanto, que o parágrafo único do referido
artigo dispõe: Lei complementar poderá autorizar os Estados a
legislar sobre questões especíãcas das matérias relacionadas
neste artigo.
Estas são as repartições básicas da competência federal em
matéria de energia nuclear. E desnecessária qualquer análise
mais fundamentada acerca das competências e de suas divisões,
pois isto já foi feito em outros pontos do presente trabalho.
1.1.2.1. Papel do Congresso Nacional
O Congresso Nacional é dotado de competência exclusiva para
aprovar iniciativas do Executivo referentes a atividades
nucleares (CF, artigo 49, inciso XIV), aprovação esta que
independe de sanção do Chefe do Poder Executivo (CF, artigo
48, caput).
1.2. As Competências dos Estados e dos Municípios em Matéria
Nuclear
A competência estabelecida pelo artigo 21 da CRFB dá à União
um amplo campo de atuação em matéria de energia nuclear. Já o
artigo 23 da Constituição de 1988, que trata da competência
comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, dispõe, em seu inciso VI, que aos referidos entes
políticos compete proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas. É certo, ainda, que, no
campo legislativo, o artigo 24 determina: compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:... VI- florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição. Ademais, o inciso VIII
do mesmo artigo constitucional determina que aos mesmos entes
políticos cabe a competência legislativa concorrente em
matéria relativa a danos ao meio ambiente.
Por derradeiro, registre-se que os quatro parágrafos do
artigo 24 determinam que, em se tratando de legislação
concorrente, a competência da União limita-se a estabelecer
normas gerais. Ocorre que a competência da União para legislar
sobre as normas gerais não exclui a competência suplementar
dos Estados. Na inexistência de lei federal que disponha sobre
as normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender às suas peculiaridades
regionais. Na hipótese de super- veniência de lei federal
disciplinadora daquilo que deve ser entendido como norma geral
em cada uma das hipóteses definidas constitucionalmente,
suspender-se-á a eficácia da lei estadual, naquilo que
implique violação das normas gerais estabelecidas pelo Poder
Legislativo da federação.
Quanto aos municípios, é de se observar que as suas
competências constitucionais foram estabelecidas pelo artigo
30 da Lei Fundamental da República. Em assim
Direito Ambiental
sendo, aos municípios, por força do artigo 30, VIII, compete:
promover no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano.
1.3. Análise da Estrutura de Competências
Como já foi dito, é indiscutível a repercussão da utilização
da energia nuclear sobre o meio ambiente. Tal repercussão
encontra reconhecimento nas próprias normas constitucionais. A
questão que se coloca ante o analista é a de saber se é possí-
vel aos Estados-Membros e aos Municípios legislar sobre meio
ambiente quando se tratar das repercussões ambientais da
utilização de material radioativo.
Deve ser observado que a energia nuclear e os elementos
radioativos, de um modo geral, estão tratados nos itens que
definem a competência legislativa privativa da União (CF, art.
22, XXVI). Relembre-se que o texto Constitucional fala em
“atividades nucleares de qualquer natureza”. Parece-me que o
inciso diz respeito não só à produção de radiação mas, também,
a toda e qualquer repercussão que a “atividade nuclear" possa
vir a causar nos diversos aspectos da vida humana. É de se
verificar que a matéria nuclear é uma exceção4 dentre os
múltiplos aspectos normatizados pelo Direito Ambiental. Com
efeito, o ordenamento jurídico peculiar à atividade nuclear e
suas repercussões no mundo fático têm merecido tratamento
específico e destacado por parte da legislação brasileira que,
neste particular, não se afasta das principais ordens
jurídicas da comunidade internacional.
A norma constitucional que ora está sendo examinada
estabelece uma exceção dentre das diversas normas ambientais.
Trata-se, repita-se, de uma norma particular que, como tal,
sobrepõe-se às gerais. Este é um princípio tradicional de
interpretação das normas de Direito, cuja validade é aceita
por todos os juristas que versaram sobre o tema.5 Ademais, não
se pode deixar de considerar que o objetivo da norma contida
no inciso XXVI do artigo 22 da CRFB diz respeito à atividade
nuclear-fim, motivo pelo qual as inúmeras atividades-meio que
lhe dão suporte devem estar subordinadas ao mesmo poder
legiferante. Trata-se de uma conclusão lógica e irrefutável.
Veja-se que, na Constituição de 1969 (art. 8«, XV, b} e XVII,
i), já havia norma semelhante àquelas que hoje se contêm nos
artigos 21, inciso XXIII, e 22, inciso XXVI, da Constituição
de 1988. Ocorre que o quadro normativo da Constituição de 1988
é muito mais complexo do que aquele existente nas duas
Constituições anteriores, devido ao fato de que,
diferentemente das cartas anteriores, o poder constituinte
democrático exprimiu-se de maneira mais ambígua, em razão do
conflito de interesses e do peso das diversas forças políticas
que integraram a Assembleia Nacional Constituinte.
Diante das circunstâncias apontadas, como é possível que,
constitucionalmente, os Estados-Membros da Federação possam
atuar em matéria nuclear? O tema é
4 Cujo fundamento lógico é de todo inexistente.
5 Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio
de Janeiro: Forense, 1981, passim.
A Energia Nuclear na Constituição Federal
relevante, pois, como se verá, os Estados dispuseram,
amplamente, sobre energia nuclear em suas respectivas
Constituições.
Sabemos que o objeto do Direito Ambiental é extremamente
vasto e que o conceito de meio ambiente é suficientemente
largo para que, em seu interior, possam ser incluídas matérias
muito distantes umas das outras. A princípio, penso, não se
pode confundir energia nuclear ou qualquer outra atividade que
implique a utilização de radioisótopos radioativos, com meio
ambiente. A relação necessária entre o nuclear e o meio
ambiente é que o nuclear, potencialmente, pode causar graves
danos ambientais, seja no momento da mineração do mineral
radioativo, seja no momento da utilização do radioisótopo ou,
finalmente, no momento em que se deva dar um destino final aos
rejeitos nucleares. Portanto, embora mantenham relações funda-
mentais, não se pode confundir meio ambiente e nuclear.
Evidentemente que, em uma conceituação lata de Direito
Ambiental e de proteção da natureza, as atividades nucleares,
em geral, estão compreendidas entre aquelas que podem e devem
ser nor- matizadas por regras de Direito Ambiental, Ocorre
que, no presente caso, a própria Lei Fundamental da República
estabeleceu uma exceção definida e precisa. Isto é, a
atividade nuclear está diretamente ligada ao Poder Federal
naquilo que diz respeito à competência legislativa, sendo
certo que, na hipótese, trata-se de competência privativa e,
portanto, indelegável.
Entretanto, há um elemento complicador que é estabelecido
pelo § 6a do artigo 225 da Norma Fundamental. Determina o
referido parágrafo: as usinas que operem com reator nuclear
deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que
não poderão ser instaladas. Ora, em realidade, o próprio
parágrafo reforçou a necessidade de lei federal para a
definição de locais para a instalação das usinas que operem
com reatores nucleares. Isto porque a matéria ambiental é de
competência da União, dos Estados e dos Municípios. O
reconhecimento explícito de que o nuclear tem repercussões
ambientais - daí a sua inserção parcial no capítulo
constitucional referente ao meio ambiente - implica delegação
de determinadas competências, tanto aos Estados quanto aos
Municípios.
Na vigência da Carta de 1969, o STF teve oportunidade de se
manifestar, por duas vezes, quanto ao tema ora sob exame; em
ambas as oportunidades o Tribunal decidiu pela
inconstitucionalidade das normas estaduais que dispunham sobre
matéria nuclear. É importante observar que, em um dos casos,
tratava-se de uma Emenda à Constituição de Estado-Membro da
Federação. Passemos às referidas decisões:
Representação na 1.233-RJ. Representante ~ Procurador Geral
da República. Representado - Assembléia Legislativa do Rio de
Janeiro. Representação de inconstitucionalidade da Lei na 785,
de 10/10/84, do Estado do Rio de Janeiro. Incompetência do
Estado-membro para legislar sobre a construção de usina
nuclear, bem como de instalações para processamento de
material radioativo para fins industriais. Procedência da
representação, por afronta ao artigo 8S, inciso XVn, letra i,
da Constituição da República. Precedente da Corte. Decisão
unânime. Relator Ministro Djaci Falcão. 27/6/85.
Direito Ambiental
Representação nQ 1.130-RS. Representante - Procurador Geral
da República. Representado - Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul. Representação. Emenda Constitucional de Estado-
membro que estabelece disposições referentes à autorização da
Assembléia Legislativa e ao referendo da população do Estado,
com vistas à implantação de usinas destinadas a produção de
energia nuclear no território estadual, bem assim de
instalações para processamento ou armazenamento de material
radioativo, que lhes forem complementares. É da competência
exclusiva da União legislar sobre energia nuclear, nos termos
do artigo 8S, XVII, letra i, da CF. Lei federal ns 6.803, de
2/7/1980, artigos 10 e 12. A competência para autorizar e
localizar instalações nucleares, no Pais é exclusivamente da
União. Se não se reserva, assim, aos Estados-membros competên-
cia para legislar, sequer supletivamente, sobre energia
nuclear, certo está que não poderão fazê-lo por meio de emenda
constitucional. A limitação constitucional de competência
legislativa abrange, em razão da matéria, o poder de emenda,
no Estado-membro. Fere, também, a emenda constitucional
estadual impugnada, o processo legislativo definido na CF,
arts. 13, III e 200. Representação julgada procedente,
declarando-se a inconstitucionalidade da Emenda ns 16 de
6/11/80 à Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Relator
Ministro Néri da Silveira. 26/9/84.
A CF de 1988 possui elementos capazes de alterar a
jurisprudência do STF sobre o assunto? Penso que sim. Em
primeiro lugar, deve ser observado que a Constituição de 1988
é muito mais abrangente naquilo que diz respeito à utilização
da energia nuclear e às disposições sobre o meio ambiente. Em
segundo lugar, ainda que buscando afastar o tema nuclear do
tema meio ambiente, estabelecendo a norma excepcional quanto à
energia nuclear e meio ambiente, a CRFB, em seu artigo 225, §
6a, assume, claramente, a forte vinculação entre ambos. Pelo
menos naquilo que diz respeito às instalações nucleares, a Lei
Fundamental entende que a matéria é relativa ao meio ambiente.
Observe-se, ainda, que a grande maioria dos Estados fez
introduzir em suas Constituições normas que limitam as
atividades nucleares. Tais limitações têm por essência a
preocupação com a segurança das instalações e com o destino
das diversas formas de rejeitos radioativos. Alguns Estados,
inclusive, chegaram a determinar uma proibição pura e simples
da energia nuclear em seus territórios. Há tuna evidente
manifestação daquilo que é conhecido no Direito Ambiental como
síndrome de NIMB (Not in my backyard), ou seja, não no meu
quintal.
A matéria deve ser examinada a partir de algumas premissas.
A primeira delas deve ser o conjunto de princípios que
informam o Direito Ambiental. Por estes princípios, não resta
dúvida de que a cautela deve ser observada em matéria nuclear;
e mais, não se pode negligenciar a proteção de valores e
direitos fundamentais do ser humano.
Qual a competência de cada um dos integrantes da Federação
em matéria nuclear? Tal competência será idêntica àquela
referente ao meio ambiente? A Constituição estabeleceu algumas
obrigações especiais para a União em matéria ambiental, v. g.,
determinar mediante lei a localização das instalações
nucleares, fis
A Energia Nuclear na Constituição Federal
calização, pelo Congresso Nacional, das atividades nucleares
etc. Nestes tópicos há uma área legislativa especificamente da
União. Os Estados-Membros não poderão dispor sobre as matérias
que foram reíorçadamente incluídas nas competências legis-
lativas federais. Ocorre que tais matérias não abrangem todo o
espectro no qual se fez necessária a intervenção legislativa
do Poder Público. É neste espaço remanescente que se
estabelece a grande dificuldade do problema ora tratado.
Inicialmente, cumpre que se indague quais são a natureza e a
finalidade do estabelecimento de competências legislativas em
matéria nuclear. As obrigações federais em matéria nuclear são
estabelecidas com o objetivo de dar um determinado grau de
unidade a um tema cujo potencial ofensivo é por demais
conhecido e que, ao mesmo tempo, implica investimentos
extraordinariamente elevados e que, do ponto de vista do
empreendedor, não podem ficar ao sabor de humores locais. Por
outro lado, a legislação nuclear não pode deixar de atender às
determinações constitucionais contidas no artigo 225 naquilo
que diz respeito à proteção do meio ambiente. Vê-se, portanto,
que o conjunto legislativo ao qual ora nos referimos não é,
nem poderia ser, contra a autonomia dos Estados e Municípios.
Aqui está um ponto essencial. A Constituição estabeleceu um
sistema de competência múltipla em matéria nuclear. A
diferença em relação à matéria ambiental não nuclear é que, na
matéria ambiental em geral, a União age, apenas, naquilo que
tange ao estabelecimento de normas gerais.
Em matéria de atividades nucleares, a União estabelece uma
legislação própria, possui competências fiscalizatórias, mas
não se subtrai a atividade de polícia dos Estados e Municípios
quando a atividade nuclear, potencialmente, implicar riscos
ambientais.
Os Estados poderão estabelecer normas de proteção
radiológica quando isto se fizer necessário para assegurar uma
boa qualidade ambiental. As competências estaduais e
municipais, no entanto, não poderão ser exercidas de forma que
inviabilizem a atividade nuclear. Em tais hipóteses, ipso
íacto, haveria uma usurpação de competência absolutamente
inadmissível em nosso sistema constitucional. O legislador
constituinte, gostemos ou não, reconheceu a atividade nuclear
e, igualmente, aceitou a energia nuclear como uma das
alternativas de geração de energia. Esta realidade somente
pode ser alterada pelo Poder Constituinte Federal, originário
ou derivado.
É de se observar, porém, que as diferentes Constituições dos
Estados-Membros guardam um profundo significado de receio e
crítica ao nuclear e, especialmente, quanto ao método
autoritário pelo qual foi implantado o programa nuclear
brasileiro e à centralização deste em uma Federação que sempre
esteve muito mais na condição de estado unitário e ditatorial
do que na de um sistema descentralizado e com repartição de
poderes.
Devemos “levar a sério” a Constituição e tentar torná-la
real, sobretudo, naquilo que diz ser o Brasil um “Estado
Democrático de DireitoEm assim sendo, a União não deve ser
encarada como um bicho-papão pronto a devorar os Estados e
Municípios, mas como uma entidade política, dotada de
capacidade de coordenação e soberania. Como tal, pode, e deve,
dar respostas a problemas graves, como, por exemplo, o do lixo
radioativo e outros, visando com isto obter uma solução
nacional e não meramente localizada e particularista, como
fetalmente ocorreria se cada ente
Direito Ambiental
integrante da Federação pudesse legislar como bem entendesse
em matéria de tal repercussão. Quanto a nós, cidadãos, cabe-
nos uma tarefa muito maior que é a de, através dos mecanismos
de soberania popular (CF, art. 14) ou do próprio Congresso,
dizermos se queremos ou não a atividade nuclear como fonte
geradora de energia em nosso País.
1.3.1. A Experiência Norte-Americana em Matéria de
Competência
A comparação de experiências jurídicas pode ser um
importante elemento de apoio à construção do Direito interno
de cada País. Em se tratando de novos ramos do Direito, a
comparação é ainda mais importante. O Direito norte-americano
é um valioso referencial para o nosso tema,6 vez que na América
do Norte está localizado o maior número de centrais nucleares
existentes em um único País e devido ao feto de que o Estado
norte-americano, assim como o brasileiro, é organizado sob
forma federativa.
O texto legal básico sobre utilização de energia nuclear nos
Estados Unidos é o Atom Energy Act, emendado em 1954. O
propósito fundamental daquela legislação é o de proteger o ser
humano e o meio ambiente contra as radiações ionizantes.
Muitas questões concernentes à aplicação da referida lei têm
sido suscitadas perante os Tribunais americanos. A experiência
lá desenvolvida pode ajudar a construção jurisprudencial a ser
desenvolvida por nossos Tribunais.
A jurisprudência norte-americana consagra a primazia do
govemo federal sobre os governos locais quando se trata de
legislar sobre energia nuclear. Findley e Farber7 apresentam a
decisão proferida no caso Northern States Power Co, vs.
Minesota, cujo julgamento foi feito pelo Tribunal do Oitavo
Circuito em 1971 (474 F. 2d 1143), e confirmada pela Suprema
Corte em 1972 (405 US 1035), pela qual ficou estabelecido que:
The federal govemment has exclusive authority under the
doctrine of preemption8 to regulate the construction and
operation of nuclear power plants, which necessarily includes
regulation of the leveis of radioactive efãuents discharged
from the plant (Pela doutrina da preempção, o govemo federal
detém autoridade exclusiva para regulamentar a construção e a
operação de usinas nucleares, a qual, necessariamente, inclui
a regulamentação dos níveis de efluentes radioativos
produzidos pela usina).
Tal entendimento foi reafirmado no caso Pacific Gas &
Eletric Co. vs. State Energy Ressources Conservation &
Development Comission 461 US 390 (1983).
6 Roger Findley e Daniel Farber. Environ mental Law> St. Paul:
West publishing, 1988, 2* ed., pp. 228 e seguintes.
7 Idem, pp. 220-221.
8 Doutrina adotada pela Suprema Corte, segundo a qual
determinadas matérias têm caráter nacional e, portanto, leis
federais têm preferência sobre leis locais quanto ao tema.
Em sendo assim, um Estado não pode legislar em desacordo com
as leis federais.
A Energia Nuclear na Constituição Federal
Assim, no sistema jurídico norte-americano, cabe à União a
competência legislativa quando se trata de matéria nuclear.
Pode, no entanto, ocorrer exceção ao princípio mestre, como se
verá adiante.
Situação interessante foi aquela julgada pela Suprema Corte,
que entendeu constitucional uma lei do Estado da Califórnia
que proibiu a instalação de usinas nucleares em seu território
enquanto o Congresso não aprovasse uma lei nacional sobre a
disposição de rejeitos radioativos. A Suprema Corte, não
obstante a decisão precitada, não admite que os estados
promulguem leis mais rigorosas que as leis federais em matéria
de disposição de rejeitos nucleares. A base constitucional de
tais decisões encontra-se na cláusula de livre-comércio, pois,
se um estado estabelecer leis mais rigorosas do que a União ou
do que outros estados, estará, no entendimento da Corte,
dificultando a livre circulação de mercadorias entre os
diversos componentes da Federação. Acresce-se que, para a
Corte, os estados não podem criar obstáculos para o
desenvolvimento da energia nuclear, pois esta se encontra
submetida ao regime de monopólio federal.
1.4. Inserção da Atividade Nuclear na Ordem Econômica
O artigo 177 da CF, integrante do título da Ordem Econômica
e Financeira, em seu inciso V, determina que constituem
monopólio da União: a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e
minerais nucleares e seus derivados. Dispõe, ainda, o referido
artigo em seus §§ 1Q e 29 que: o monopólio previsto neste
artigo inclui os riscos e resultados decorrentes das
atividades nele mencionadas... e a lei disporá sobre o
transporte e a utilização de materiais radioativos no
território nacional.
O texto constitucional é suficientemente claro e, portanto,
não demanda qualquer análise mais aprofundada.
2. O Nuclear nas Anteriores Constituições Federais
A utilização das propriedades radioativas dos minerais é
bastante recente e, por esta razão, a imensa maioria das
Constituições anteriores não se voltou para o tema. No Brasil,
foi somente a partir da Constituição9 de 1969 que a matéria foi
elevada ao âmbito constitucional. O artigo 89, inciso XVII,
alínea i, da Carta de 1969 estabeleceu a competência da União
para legislar sobre: águas, telecomunicações, serviço postal e
energia (elétrica, térmica, nuclear ou qualquer outra). Pontes
de Miranda,10 maior comentador das Constituições brasileiras,
não faz a menor menção ao tema.
A Carta de 1967 limitava-se a estabelecer a competência
legislativa da União sobre energia, sem definir-lhe as formas
de geração.11
9 Emenda Constitucional nB 1, de 1969.
10 Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda ne 1 de
1969% Rio de Janeiro: Forense, 1987, tomo D, pp. 97-98.
11 Tratava-se de uma menção implícita.
Direito Ambientai
3. O Nuclear nas Constituições dos Estados-Membros
As Constituições de quase todos os Estados-Membros também
dispuseram sobre energia nuclear, conforme se demonstrará a
seguir.
A Constituição do Estado do Acre, em seu artigo 206, VIII,
dispõe que compete ao Poder Público: proibir a utilização do
solo, subsolo e mananciais hídricos para fins de disposição de
lixo atômico ou similar, no espaço territorial do Estado, O
Estado de Alagoas, por força do artigo 221 de sua
Constituição, proibiu a instalação, em seu território, de
usinas nucleares e depósitos de resíduos atômicos.
A Constituição do Estado do Amazonas estabeleceu diversos
comandos referentes à energia nuclear e a produtos radioativos
de maneira geral. Assim é que os §§ 2a, 3e e 42 do artigo 233
determinam:
§ 2e É vedada a utilização do território estadual como
depósito de rejeitos radioativos, lixo atômico... salvo
situação gerada dentro de seus próprios limites, casos
obrigatoriamente a serem submetidos ao Conselho Estadual de
Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia.
§ 3S Fica proibida a introdução, dentro dos limites do
Estado, de substâncias cancerígenas, mutagênicas e
teratogênlcas.
§ 49 A entrada de produtos explosivos e radioativos
dependerá de autorização expressa do órgão executor da
Política Estadual do Meio Ambiente.
Já no § 8® do mesmo artigo foi determinado que: a Zona
Franca de Manaus, entendida a área territorial por ela
delimitada, é declarada Zona Desnuclearizada. O § l9 do artigo
235 da Lei Fundamental do Amazonas determina que:
A implantação, no território estadual, de usinas de energia
nuclear, instalação de processamento e armazenamento de
material radioativo... respeitadas as reservas estabelecidas
em lei e áreas indígenas> de acordo com o disposto no artigo
231, da Constituição da República, além da observância das
exigências legais e constitucionais, estarão sujeitas ao que
estabelece o art. 234, desta Constituição, ao parecer
conclusivo do Conselho Estadual do Meio Ambiente... e, na
hipótese de indicação íavorável, aprovação por dois terços dos
membros da Assembléia Legislativa, após consulta plebiscitária
aos habitantes da área onde se pretende implantar o projeto.
As disposições constitucionais vigentes no Estado da Bahia
não discrepam daquelas até agora apresentadas; assim é que o
artigo 226 da Carta Estadual determina:
Art. 226. São vedados, no território do Estado... III—a
instalação de usinas nucleares; IV-o depósito de resíduos
nucleares ou radioativos gerados fora dele.
O Estado do Ceará, em sua Constituição, assim disciplinou a
matéria:
A Energia Nuclear na Constituição Federal
Art. 259. XIX— embargar a instalação de reatores nucleares,
com exceção daqueles destinados exclusivamente a pesquisa
científica e ao uso terapêutico, cuja localização será
definida em lei.
Em Goiás está proibida a instalação de usinas nucleares, bem
como produção, armazenamento e transporte de armas nucleares
de qualquer tipo... (art. 131, § 29). Está, igualmente,
decidido que os resíduos radioativos, as embalagem de produtos
tóxicos, o lixo hospitalar e os demais rejeitos perigosos
deverão ter destino definido em lei, respeitados os critérios
científicos (artigo 131, § ls).
Somente mediante consulta popular será concedida Ecença
ambiental para a instalação de equipamentos nucleares no
Estado do Mato Grosso (GE, artigo 266). Já os equipamentos
nucleares no Estado recém-citado, destinados às atividades de
pesquisa ou terapêuticas, terão seus critérios de instalação e
funcionamento definidos em lei (CE, artigo 266, parágrafo
único).
No Estado do Pará são vedados a construção, o armazenamento
e o transporte de armas nucleares... bem como a utilização de
seu território para depósito de lixo atômico ou para
experimentação nuclear com finalidade bélica. E mais, a lei
preverá os casos e locais em que poderá ser depositado o lixo
ou o rejeito atômico produzido em território paraense e
resultante de atividades não bélicas (CE, artigo 527 e
parágrafo único).
Na Paraíba é vedado instalar usinas nucleares e depositar
lixo atômico não produzido no Estado (CE, artigo 232). No
Paraná, por força do artigo 209 da Constituição estadual, o
tema assim foi regulado:
Art. 209. Observada a legislação federal pertinente, a
construção de centrais termelétricas e hidrelétricas dependerá
de projeto técnico de impacto ambiental e aprovação da
Assembléia Legislativa, a de centrais termonucleares, desse
projeto, dessa aprovação e de consulta plebiscitária.
Um peculiar artigo proíbe, no Estado de Pernambuco, a
instalação de usinas nucleares enquanto não se esgotar toda a
capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de
outras fontes (artigo 216).
Pela Constituição do Piauí, o Estado não aceitará depósito
de resíduos nucleares produzidos em outras unidades da
federação (artigo 241).
No Estado do Rio de Janeiro, a propósito, o único do Pais a
possuir usinas nucleares com a finalidade de geração de
energia elétrica, a Constituição, por seu artigo 261,
determina que:
A implantação e a operação de instalações que utilizem
materiais radioativos estarão sujeitas ao estabelecimento e à
implementação de plano de evacuação das populações das áreas
de risco e o permanente monitoramento de seus efeitos sobre o
meio ambiente e a saúde da população.
Direito Ambiental
Tais dispositivos, contudo, não se aplicam à utilização de
radioisótopos, prevista no artigo 21, XXIII, b, da CF.
No Rio Grande do Norte, lei estadual, observada a limitação
imposta por lei federal, disporá sobre o depósito temporário
ou permanente de resíduos de material atômico de qualquer
origem no território do Estado (CE, artigo 153).
A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul determina, em
seu artigo 256, que a implantação, no Estado, de instalações
industriais para a produção de energia nuclear dependerá de
consulta plebiscitáría, bem como do atendimento às condições
ambientais e urbanísticas exigidas na lei estadual. E mais,
são vedados, em todo o território estadual, o transporte e o
depósito ou qualquer outra forma de disposição de resíduos que
tenha sua origem na utilização de energia nuclear e de
resíduos tóxicos ou radioativos, quando provenientes de outros
estados ou países (artigo 257).
Em Rondônia, por força do artigo 232 de sua Constituição,
está vedado o depósito de todo e qualquer resíduo ou lixo
atômico, ou similar. Em Santa Catarina, a implantação de
instalações industriais para produção de energia nuclear...
dependerá, além do atendimento às condições ambientais e
urbanísticas exigidas em lei, de autorização prévia da
Assembléia Legislativa, ratificada por plebiscito realizado
pela população eleitoral catarinense (artigo 185).
Os Estados do Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais, São Paulo,12 Sergipe e Tocantins não possuem, em
seus capítulos constitucionais sobre o meio ambiente,
disposições especiais sobre matéria nuclear.
O universo legislativo é, como se viu, muito amplo e de
complexa configuração jurídica. Quanto às legislações
municipais, toma-se impossível arrolá-las ante o grande número
de municípios existentes no Brasil.
4. Tratamento Democrático do Problema Nuclear na Constituição
de 1988
A CF de 1988 tem sofrido muitos ataques. Tais ataques,
entretanto, fazem-se mais pelo que ela tem de positivo do que
pelos seus aspectos negativos. Ademais, existe um ponto que
entendo ser de fundamental importância: pouco adianta modi-
ficar uma Constituição se as mentalidades que irão aplicá-la
não se modificarem. Antes de mais nada, é preciso que se dê
estabilidade à Constituição para que esta possa manter-se
íntegra por um largo período de tempo, de molde que seus
princípios e fundamentos possam introjetar-se na consciência
popular.
Penso que os aspectos mais importantes naquilo que se refere
ao tratamento democrático conferido pela CF de 1988 ao
complexo problema nuclear encontram- se nos artigos 49, XIV;
177, § 2e; e 225, § 69. Por tais disposições constitucionais,
veri- fica-se que o Congresso Nacional e a lei são os dois
pilares fundamentais sobre os
12 É importante observar que no Estado de São Paulo encontra-
se situado o reator experimental da Marinha de Guerra.
BBJ * Ensnc Supsfor Sas&s M&g
A Energia Nuclear na Constituição Federal
quais deve se alicerçar a atividade nuclear no Brasil. Isto é,
a utilização de radioisó- topos nucleares neste País só pode
ser feita se assim o desejar o seu povo. Há uma evidentíssima
mudança em relação ao sistema anterior. Veja-se que, embora
mantendo a competência federal para legislar sobre atividades
nucleares de qualquer natureza, o que a nosso ver está
correto, a Lei Fundamental determinou que tal competência é
restrita a setores da atividade nuclear e que é o povo que
deve definir os rumos de tal legislação.
Pelo artigo 49, XIV, está estabelecido que compete ao Poder
Legislativo aprovar iniciativas do Executivo referentes a
atividades nucleares, sendo certo que, por força do artigo 48,
a aprovação congressual não depende de sanção do Chefe do
Executivo, Quais seriam tais iniciativas? Seriam os projetos
de lei originados do Executivo? O termo utilizado pela
Constituição não é técnico. Aliás, a Constituição não tem
obrigação de ser técnica, pois não é feita por técnicos nem
para técnicos. Cabe ao jurista buscar o sentido técnico-
jurídico dos termos utilizados na Constituição, em harmonia
com os princípios fundamentais que dão fisionomia e caráter à
Lei Fundamental.
Pelo artigo 84, III, da CRFB, verifica-se que ao Chefe do
Poder Executivo compete iniciar o processo legislativo nos
casos e na forma previstos na própria Constituição. O inciso
III do mesmo artigo atribui ao Presidente da República prerro-
gativas para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução. Ora, não se pode perder de vista que o artigo 21,
inciso XXIII, alínea a, determina que toda atividade nuclear
em território nacional somente será admitida para íms
pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional. Ao que
nos é dado compreender, a CF não autorizou o Presidente da
República a expedir decretos e regulamentos em matéria nuclear
sem que estes sejam aprovados pelo próprio Congresso; dito de
outra maneira, o Presidente pode dispor sobre matéria nuclear,
mas, nos estritos termos da Lei Fundamental da República, as
iniciativas do Executivo somente poderão produzir efeitos
jurídicos após a aprovação pelo Congresso Nacional. Trata-se
de uma restrição imposta pelo Constituinte ao Executivo. Para
nós, trata-se de uma situação peculiar, porém real: o
Congresso aprova tuna lei, sem sanção presidencial, e o
Presidente a regulamenta; tal regulamento, contudo, só entra
em vigor após a aprovação pelo próprio Congresso. É um duplo
controle exercido pelo Legislativo sobre o Executivo: inicial
e final.
O parágrafo único do artigo 22 admite: lei complementar
poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo. É preciso
que se harmonize a competência da União definida no artigo 21
com aquela prevista no artigo 22. Tal harmonização só pode ser
analisada à luz daquilo que dispõe o artigo 49, XIV, da CRFB.
As “questões específicas” tratadas no parágrafo refe- rem-se a
incisos que não encontrem, em outros locais da Lei Fundamental
da República, obstáculos à delegação. Ora, em sendo
competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar
iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades
nucleares, esta competência não pode ser delegada, por força
do parágrafo primeiro do artigo 68. A matéria nuclear é
indelegável, por via de lei complementar, para os Estados. Em
verdade, o inciso XXVI do artigo 22 da Constituição de 1988
cuida de
Direito Ambiental
competência exclusiva e não privativa. Trata-se de um erro
técnico da Constituição, facilmente sanável se examinadas as
diversas disposições atinentes à matéria.
5. O Brasil na Comunidade Nuclear Internacional
O Brasil, como país-membro da comunidade internacional,
participa de diversos acordos multilaterais sobre energia
nuclear, sendo que diversos foram ratificados. Os documentos
internacionais de que o Brasil é signatário são os seguintes:
a) Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica,
ratificado aos 25 de julho de 1957;
b) Emenda aos artigos VI (13/10/1971), VIA I (19/2/1985
aceitação) e VI A 3 (13/2/1985) da Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA);
c) Tratado para a proscrição das armas nucleares na América
Latina e no Caribe - Tratado de Tlateloco (29/1/1968);
d) Tratado para a proscrição das experiências com armas
nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água
(4/3/1965);
e) Tratado sobre a proibição da colocação de armas nucleares e
outras armas de destruição em massa do leito do mar, no
fundo do oceano e em seu subsolo (15/3/1988);
f) Convenção sobre a proteção física de materiais nucleares
(17/10/1985);
g) Convenção sobre a pronta notificação de acidente nuclear
(5/12/1990);
h) Convenção sobre assistência no caso de acidente nuclear ou
emergência radiológica (5/12/1990).
Princípios Constitucionais de Utilização da Energia Nuclear
Capítulo XXXII Princípios Constitucionais de Utilização da
Energia Nucleari
1. Os Princípios Estabelecidos pela Constituição da República
Federativa do Brasil
A CF estabeleceu, no artigo 21, inciso XXIII, alíneas a, be
c, os princípios fundamentais para a utilização da energia
nuclear no Brasil. Estes princípios, contudo, não devem ser
vistos como os únicos aplicáveis à atividade nuclear. É
fundamental que sejam incorporados aos princípios
especificamente voltados para a energia nuclear aqueles que
dizem respeito à proteção do meio ambiente e aos princípios
fundamentais da República.
Merece ser observado que o artigo 21 não trata da
competência legislativa da União, mas de competência
administrativa. Observe-se que, no caso do inciso XXIII,
trata-se de um conjunto de atividades ligadas entre si, que
vão desde a lavra de materiais radioativos até a sua
industrialização e a de seus derivados. A norma constitucional
possui um inequívoco conteúdo econômico, mais precisamente,
possui um evidente conteúdo de intervenção estatal na ordem
econômica.
A atividade nuclear no Brasil está submetida aos seguintes
princípios constitucionais:2
a) Toda. atividade nuclear em território nacional somente será
admitida para fins pacíãcos e mediante aprovação do
Congresso Nacional (CF artigo 21, XXIII, alínea a);
b) sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a
utilização de radioi- sótopos para a pesquisa e usos
medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas (CF
artigo 21, XXIII, alínea b);
c) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da
existência de culpa (CF, artigo 21, XXIII, alínea c).
A análise das alíneas do artigo 21, XXIII, demonstra-nos que
os preceitos contêm as seguintes normas:
1 A versão preliminar foi publicada na Revista da Procuradoria
Geral da República, n° 1, out./nov.( 1992.
2 Em realidade, são preceitos, pois uma mesma alínea pode
conter mais de um princípio.
Direito Ambientai
a) a atividade nuclear deve estar voltada para fins
pacíficos;
b) o controle democrático da atividade nuclear;
c) a atividade nuclear encontra-se submetida ao controle do
Estado;
d) a responsabilidade civil na atividade nuclear é objetiva.
1.1. Atividade Nuclear para Fins Pacíficos
O princípio está contido na alínea a do inciso XXIII do
artigo 21 da Lei Funda- mental, parte. “Toda atividade nuclear
em território nacional somente será admitida para fins
pacíficos.” Parece-me que o enunciado deveria ter sido
formulado da seguinte forma: “Não será admitida atividade
nuclear com fins bélicos.”
Penso que pela alínea a não se logrou chegar a resultados
muito claros quanto à natureza das atividades para fins
pacíficos, embora seja possível que se faça alguma observação
preliminar. O campo das atividades nucleares é muito vasto,
como pode ser observado do próprio inciso XXIII. Mesmo a
pesquisa nuclear voltada para a medicina pode ser desvirtuada
em seus objetivos e utilizada com finalidades bélicas. A
definição, portanto, dos fins pacíficos não é simples como
poderia parecer a princípio. Igualmente, não é simples a
definição de atividade nuclear. Contudo, do conjunto de normas
que se encontram na própria Constituição, assim como na
legislação ordinária, é possível concluir qual o conteúdo
jurídico concreto da norma da qual se fala. Atividade nuclear
é a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessa- mento, a
industrialização, o comércio, o transporte de minerais
nucleares e de seus derivados e subprodutos.
Deste amplo conceito de atividade nuclear verifica-se que o
constituinte estabeleceu tuna restrição: não pode haver no
Brasil atividade nuclear com fins de agressão militar.
O que são os fins pacíficos tratados pela Constituição? A
resposta não me parece singela. Um ponto é possível fixar~se
imediatamente: não pode haver atividade nuclear que vise dotar
o País de um potencial ofensivo nuclear. É usual dizer-se que
os arsenais nucleares têm força dissuasiva, isto é, em um
mundo nuclearmente armado, fez- se necessário que os países
possuam armas nucleares com a finalidade de desestimular
ataques oriundos de outros países, tendo em vista a
possibilidade de revide.
O equilíbrio pelo terror nuclear não pode ser apontado como
um mecanismo eficaz para a manutenção da paz mundial ou
regional. Ao contrário, os arsenais nucleares servem como um
estimulador das tensões internacionais. Ademais, o fim da
guerra fria estabeleceu uma nova correlação de forças
internacionais que, incentivadas por nacionalismos e conflitos
étnicos e religiosos de todas as cores, criam situações de
ameaça nuclear totalmente fora do controle.
A distância tecnológica hoje existente entre os diversos
países toma impossível uma refrega entre países ricos e países
pobres. O resultado já se sabe de antemão (veja-se a Guerra
das Malvinas e a Guerra do Golfo). Ainda que a Argentina e o
Iraque dispusessem de armas nucleares, teria sido diferente o
resultado dos conflitos? Provavelmente, a única diferença
seria um número maior de mortos. O fim da União
Princípios Constitucionais de Utilização da Energia Nuclear
Soviética gerou uma democratização das potências nucleares
que, hoje, já ultrapassam a dezena. O fim da bipolaridade e da
guerra fria, com efeito, multipliçou as possibilidades de
conflitos nucleares, mesmo que limitados, o novo nacionalismo
nos países nucleares é um perigoso ponto gerador de conflitos.
1.2. Controle Democrático da Atividade Nuclear
O princípio do controle democrático da atividade nuclear
encontra-se contido em diversos artigos da Lei Fundamental da
República. O primeiro que o menciona é o artigo 21, inciso
XXIII, alínea b; a seguir está contido no inciso XTV do artigo
49, que dispõe ser da competência exclusiva do Congresso
Nacional aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a
atividades nucleares? também no § 29 do artigo 177 da CF o
princípio está presente: a lei disporá sobre o transporte e a
utilização de materiais radioativos no território nacional.
Finalmente, o § 6S do artigo 225 da CRFB estabelece que as
usinas que operem com reatores nucleares deverão ter a sua
localização definida em lei, sem o que não poderão ser
instaladas.
Não é difícil perceber que o constituinte, acertadamente,
atribuiu ao povo o papel preponderante na definição da
atividade nuclear no Brasil, dos seus objetivos e da forma
pela qual esta será desenvolvida. O que ocorre, infelizmente,
é que o próprio Congresso Nacional não tem se interessado no
desempenho de suas atribuições constitucionais, naquilo que
diz respeito aos assuntos nucleares. Ainda não temos tuna lei
que defina a maneira pela qual o Congresso deva realizar os
controles da atividade nuclear que integram a sua competência.
O Brasil ainda não possui uma lei que defina concretamente o
que deve ser compreendido por atividade nuclear para fins
pacíficos. Os princípios constitucionais permanecem como uma
proclamação de intenções sem eficácia concreta. A própria
opinião pública nacional ainda não se mobilizou para exigir
que o Congresso exerça o seu papel e passe a desempenhar um
efetivo controle da atividade nuclear.
2. A Localização das Usinas Nucleares
Nos termos estabelecidos pela CF de 1988, as usinas que
operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei, sem o que não poderão ser instaladas.
A matéria é de grande relevância, à medida que no Brasil
existe, em operação parcial, a Central Nuclear Almirante
Álvaro Alberto. Em tal central, encontram-se três usinas
(Angra I, II e III). A usina de Angra I está implantada e
funciona, ainda que os seus períodos de fechamento sejam
bastante longos. As usinas Angra II4 e III
3 Na forma do artigo 48 da CF, esta aprovação não está
submetida à sanção presidencial.
4 O governo federal obteve empréstimo junto a bancos alemães
para o prosseguimento das obras da Usina Angra 13, no valor
de US$ 860 milhões. O Globo, 10/7/1992, p. 26. Há a dedsao
política de dar prosseguimento às obras que se encontram
paralisadas.
Direito Ambiental
encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento. Angra II
está em construção adiantada e Angra III não passa de um
imenso buraco. Qual a incidência da norma contida no § 62 do
artigo 225 da CF sobre a Central Nuclear Almirante Álvaro
Alberto? A resposta, certamente, não é apenas jurídica. Do
ponto de vista jurídico, o problema diz respeito ao conflito
de normas no tempo e, sobretudo, diz respeito à hierarquia das
normas jurídicas. Do ponto de vista político, o problema é
muito mais complexo, pois trata-se de uma opção de
desenvolvimento que deve ser feita pela sociedade. Ocorre que,
desafortunadamente, ainda não atingimos neste País uma
estrutura democrática que permita levar a questão nuclear a
toda a sociedade. A nossa realidade é exatamente inversa,
somente pequenos círculos discutem e decidem estas e outras
questões fundamentais da vida nacional Veja-se que isto
ocorre, não obstante a existência de uma norma constitucional
democratizadora.
Em primeiro lugar, cumpre observar que a legislação
ordinária brasileira, ante- rior à Constituição de 1988 não
definiu uma localização para a Central Nuclear Almirante
Álvaro Alberto. O que foi feito pela legislação precedente foi
uma simples previsão genérica para as instalações nucleares e
a especificação de mecanismos para licenciamento. A
autorização a qual me refiro é aquela contida no artigo 10 da
Lei n2 6.189, de 16 de dezembro de 1974, cujo teor é o
seguinte: a autorização para construção e operação de usinas
nucleoelétrícas será dada exclusivamente, a concessionárias do
serviço de energia elétrica, mediante decreto, ouvidos os
órgãos competentes do Ministério das Minas e Energia. É
indiscutível que, no regime constitucional anterior, a matéria
dependia, apenas, de Decreto do Poder Executivo.
O conjunto de disposições constitucionais que trata da
utilização da energia nuclear indica que o constituinte buscou
fazer com que o assunto nuclear ficasse diretamente
subordinado ao controle do Congresso Nacional e dependente de
lei. Em assim sendo, não é possível a conclusão de que lei, na
hipótese, é um termo abstrato, que tanto pode ser entendido
como lei em sentido material, como em sentido formal. Não.
Aqui, a toda evidência, trata-se única e exclusivamente de lei
em sentido formal, isto é, uma lei aprovada pelo Congresso
Nacional.
2.1. O Entorno da Usina Nuclear como Reserva Ecológica
Existe uma forte controvérsia quanto à limpeza da energia
nuclear. Um dos pontos mais acirrados que foram adicionados a
esta controvérsia é exatamente aquele que se examina agora.
Muitas questões surgem a partir da utilização da energia
nuclear como combustível e fonte de recursos; dentre as
diversas questões, merece destaque aquela que diz respeito aos
acidentes nucleares e suas consequências, bem como aquela que
trata do destino do lixo radioativo.
Penso que se deve ter em mente que a poluição nuclear é
qualitativamente diferente daquelas causadas por outros
agentes poluentes. Gordon Rattray Taylor, em trabalho que já
se fez clássico, afirmou que:
A radiação difere dos poluentes vulgares sob três pontos de
vista principais. Primeiro... nem pode gastar-se nem
desativar-se. Vai-se simplesmente
Princípios Constitucionais de Utüização da Energia Nuclear
transmutando, levando o tempo que muito bem lhe parece, que
pode ser longuíssimo; não podemos realmente dizer que
enfraquece, pois, embora se dêem cada vez menos explosões,
cada uma é tão forte quanto às anteriores, e igualmente capaz
de causar estragos a tudo o que de perto a cerca. Segundo, faz
sentir seu efeito nos tecidos vivos a um micronível. Uma
simples molécula do mais terrível dos poluentes imagináveis
não faria mal a uma mosca. Mas uma simples explosão atômica de
um único átomo de carbono, que se encontre por acaso em uma
posição crucial, por exemplo, junto ao material genético (DNA)
de uma célula de esperma ou de um óvulo, poderia causar
mutação que seria transmitida à descendência por períodos
indefinidos. Tudo depende de onde se encontra o átomo
radioativo quando explode. Terceiro, há este elemento curioso
do acaso: é como disparar a metralhadora contra a multidão.
Podemos dizer com certeza que haverá alguns mortos e uns
tantos feridos, mas sem a menor idéia de quem sejam. Da mesma
forma, se lançarmos no ambiente estas bombas de relógio em
miniatura que são só átomos radioativos, podemos ter a certeza
de que alguém há de Êcar ferido, mas quem sofre e quem escapa
será meramente uma questão de acaso.5
A nova consciência ecológica que vem sendo construída está
colocando a energia nuclear no centro dos debates sobre o
desenvolvimento sustentado. Ocorre que, infelizmente, não
existe uma grande informação pública sobre o assunto. Este
feto é preocupante, pois a população fica sem condições de
opinar decisivamente sobre a utilização ou não da energia
nuclear. Esta realidade não é um privilégio do Brasil e já foi
denunciada por Jean Dorst:6
os perigos atômicos são voluntariamente minimizados por
alguns e, pelo contrário, consideravelmente amplificados por
outros. A opinião pública mereceria, sem dúvida, ser mais
informada e tranqüilizada do que está sendo feito atualmente
sobre estes assuntos que permanecem extremamente inquietantes,
até mesmo pelo mistério que os cercam.
Tal conjunto de preocupações fez com que o Poder Executivo
expedisse o Decreto n9 84.973, de 29 de jullio de 1990, que
dispõe sobre a co-localização de estações ecológicas e usinas
nucleares. A motivação do referido decreto foi calcada èm
quatro pontos, a saber:
a) necessidade de conservação do meio ambiente e uso racional
dos recursos naturais;
b) imperativo da continuidade do programa nuclear
brasileiro;
5 A Ameaça Ecológica, Sao Paulo: Verbo-Edusp, 1978, pp. 169-
170.
6 Antes que a Natureza Morra, São Paulo: Edgar Blücher, 1973,
p. 255.
Direito Ambiental
c) os estudos necessários para a localização e funcionamento
de instalações nucleares incluem avaliações pormenorizadas
que fazem parte das atividades desenvolvidas em uma estação
ecológica;
d) a co-localização permitirá estabelecer um excelente
mecanismo de acompanhamento preciso das características do
meio ambiente. Assim, foi decretado que as “usinas nucleares
deverão ser localizadas em áreas delimitadas como estação
ecológica”.
O certo seria determinar a co-localização com Reservas
Ecológicas.
3. Os Princípios
3.1. Princípio da Atividade Controlada
O princípio da atividade controlada está presente ao longo
de todos os artigos da CF que dizem respeito à atividade
nuclear. A utilização de elementos nucleares no Brasil não se
encontra dentre as atividades econômicas que estão incluídas
no modelo econômico da livre-iniciativa. As alíneas a, be cdo
inciso XXIII do artigo 21 da CF determinam um rígido controle
administrativo das atividades nucleares em território
brasileiro. Neste particular, o legislador constituinte
reafirmou o princípio de não-incidência do regime de economia
de mercado em matéria nuclear, seja qual for a finalidade em
que esteja sendo empregada.
A concessão e a permissão são dois regimes jurídico-
administrativos pelos quais é possível a um particular exercer
atividades que o Estado pretende manter sob um padrão e certo
grau de controle. Tais instrumentos são, portanto, a expressão
do poder estatal de configurar juridicamente o exercício de
determinados direitos. Concessão é designação genérica.
Existem várias subespécies de concessão. Celso Antônio
Bandeira de Mello7 julga que sob denominação tão ampla podem se
esconder vários institutos até mesmo conflitantes. As
diferentes formas de concessão têm em comum o fato de
atribuírem ao concessionário um círculo de direitos subjetivos
bastante amplos em face da Administração Pública. Permissão é
ato unilateral pelo qual a Administração Pública faculta, a
título precário, a um particular a prestação de um serviço
público. A CF refere-se, ainda, à autorização.
A diferença fundamental entre os três institutos jurídico-
administrativos é que a concessão é dotada de um certo caráter
consensual entre o particular e a Administração. A
Administração, mediante alvarás, pode conceder ao particular
licenças ou autorizações. A licença tem um sentido de
definitividade, só podendo ser revogada por motivo de
interesse público ou por violação de normas legais por parte
do exer- cente da atividade licenciada ou, ainda, por algum
vício em sua expedição. A revogação de licença pode ser
indenizável; já a autorização, concedida a título precário,
7 Elementos de Direito Administrativo, São Paulo: RT, 1991,2*
ed„ p. 122.
Princípios Constitucionais de Utilização da Energia Nuclear
é revogável a qualquer momento pelo poder autorizante, sem
qualquer indenização para o autorizado.
Em decorrência do interesse social envolvido, a atividade
nuclear está submetida a licenciamento. As atividades
mencionadas estão submetidas ao controle administrativo da
Comissão Nacional de Energia Nuclear, criada pela Lei n2 4.118,
de 27 de agosto de 1962, alterada pela Lei n9 6.189/74 e Lei n9
7.781, de 27 de junho de 1989.
As inovações trazidas pela Lei Fundamental de 1988,
sobretudo com a atribuição de poder de fiscalização, em
matéria nuclear, ao Congresso Nacional, evidentemente impõem
que se faça uma alteração nos Estatutos da Comissão Nacional
de Energia Nuclear, de forma que se possa estabelecer um
vínculo jurídico entre a autarquia e o Legislativo. Seria
aconselhável que a diretoria da Comissão Nacional de Energia
Nuclear fosse aprovada pelo Congresso e designada para mandato
certo. Assim, a autonomia fiscalizatória da Comissão Nacional
de Energia Nuclear estaria enormemente ampliada e fortalecida,
subordinando-se única e exclusivamente aos aspectos técnicos e
constitucionais da questão, vez que a exoneração ad nutum de
sua diretoria seria afastada. Uma outra hipótese a ser pensada
é a de, pura e simplesmente, transferir a Comissão Nacional de
Energia Nuclear para o Poder Legislativo. Nesta hipótese,
poderia ser adotado um modelo semelhante ao do Tribunal de
Contas da União. Logicamente que em qualquer uma das hipóteses
é indispensável que os indicados para compor o board da
autarquia sejam, evidentemente, detentores de profundo
conhecimento sobre a matéria nuclear.
3.2. Princípio da Responsabilidade Objetiva
Outro princípio adotado pela Constituição é o de que a
responsabilidade civil por danos nucleares independe de culpa.
Assim, o constituinte estabeleceu um sistema de
responsabilidade objetiva em matéria nuclear, qualquer que
seja o objetivo em razão do qual ela esteja sendo exercida. A
responsabilidade objetiva em matéria nuclear funda-se no risco
da atividade.
A responsabilidade é um dos aspectos mais tormentosos da
ciência da Comissão Nacional de Energia Nuclear e, seja na
matéria nuclear, seja na ambiental, é um dos elementos-chave
para que se possa assegurar a efetividade da aplicação de todo
um conjunto de leis próprias. A responsabilidade civil, como
se sabe, resolve-se no ressarcimento do dano causado. Não há
que se falar em situação que tenha sido resolvida em favor do
prejudicado, se este não logrou, efetivamente, perceber aquilo
que lhe era devido em razão do dano suportado. A grave questão
que se coloca é a de saber até que ponto é possível a
reparação.
A responsabilidade por danos nucleares é um dos aspectos
mais recentes da teoria geral da responsabilidade objetiva.
Foi nos Estados Unidos que primeiro surgiu uma legislação
específica sobre o tema, sob a forma da modificação proposta
no ano de 1957 ao Atom Energy Acf de 1954. Em seguida, a
República Federal Alemã, aos 23 de dezembro de 1959, instituiu
regime legal para o uso pacífico da energia nuclear, sobre a
proteção contra os perigos de sua utilização. A referida
legislação entrou em vigor em ls de janeiro de 1960 e foi
alterada nos anos de 1963 e 1975.
Direito Ambiental
Pierre-Marie Dupuy afirma que o acidente nuclear ocorrido na
central nuclear de Browns Ferry (USA) em março de 1975, cujas
chances de ocorrer eram de grandeza infinitesimal e que, não
obstante, isto causou bastante perplexidade, levando à cons-
trução de uma responsabilidade original.
La gravité de tels préjudices, les risques de leur
diffusion, et la subtilité de 1’agent initiateur du domage
imposèrent très vite que Fon conçoive des systè- mes de
responsabilités oríginawP (A gravidade de tais prejuízos, os
riscos de sua difusão e a sutileza do agente causador do dano
impuseram muito rapidamente que se concebessem sistemas
originais de responsabilidade).
Nos Estados Unidos da América do Norte, o Atom Energy Act,
com alterações promovidas pela emenda Price-Anderson, de 2 de
setembro de 1975, estabelece a responsabilidade “estrita”
(stríct liabilityP do causador do dano nuclear (em nosso
sistema: responsabilidade objetiva).
Na República Federal Alemã, por força do artigo 25, 1», do
Atomgesetz, de 23 de dezembro de 1959, foi instituída a
responsabilidade objetiva por danos nucleares. O artigo 26
cria uma presunção de responsabilidade do detentor de
substâncias radioativas. Este é, também, o mecanismo adotado
pela lei de 23 de dezembro de 1959, cuja entrada em vigor se
deu em le de julho de 1960.
No Japão, a lei de 17 de junho de 1961 declara, em seu
artigo 39, a responsabilidade objetiva do explorador de reator
nuclear em relação aos danos causados por seu funcionamento.
No Reino Unido, a lei de l9 de dezembro de 1965 (artigo 7°)
segue o exemplo dos países já mencionados. Na França, a
legislação está em igualdade de posição com as anteriormente
mencionadas (Lei n9 68-943, de 30 de outubro de 1968),
No Brasil, a matéria é regida pela Lei ns 6.453, de 17 de
outubro de 1977.
3.3. O Regime de Monopólio
O artigo 177 da CF,10 em seu inciso V, estabelece o regime
de monopólio para a atividade nuclear. Tal monopólio diz
respeito a: pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento,
industrialização e comércio de minérios nucleares e seus
derivados. Trata-se de repetição desnecessária da norma
contida no inciso XXVI do artigo 22.
A legislação ordinária, Leis ne 4.118, de 27 de agosto de
1962, e n9 6.189, de 16 de dezembro de 1974, estabeleceu os
modos e maneiras pelos quais a União deve exercer o mencionado
monopólio das atividades nucleares. Por força da Lei n9 4.118,
de 27 de agosto de 1962, artigo lô, constituem monopólio da
União:
8 Pierre-Marie Dupuy. La Responsabilité Internationale des
États pour le Domage d’Origine Technologique et
Industrielle, Paris: Pedonne, 1976, p. 102.
9 Strict liability - Liability without Fault— Blacks Law
Dictionary, St. Paul: West publishing, 191, p. 991.
10 O artigo 22, inciso XXVI, já foi suficientemente examinado.
Princípios Constitucionais de Utilização da Energia Nuclear
a) a pesquisa e a lavra de jazidas de minérios nucleares
localizadas no território nacional;
b) o comércio dos minérios nucleares e seus concentrados, dos
elementos nucleares e seus compostos, dos materiais físseis
e férteis, dos radioisótopos artificiais e substâncias
radioativas das três séries naturais; dos subprodutos
nucleares;
•c) a produção de materiais nucleares e sua
industrialização.
A Lei n9 6.189, de 16 de dezembro de 1974, determinou em seu
artigo ls que o monopólio contido na Lei ns 4.118/62 fosse
exercido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear e pela
NUCLEBRÁS. <
O Decreto-lei n9 1.192, de 28 de dezembro de 1982, em
evidente superposição legislativa, determina em seu artigo ls
que:
O exercício das atividades nucleares incluídas no monopólio
instituído pelo artigo Ia da Lei ns 4.118, de 27 de agosto de
1962, é exclusivo da Comissão Nacional de Energia Nuclear —
CNEN e das Empresas Nucleares Brasileiras S. A. - NUCLEBRÁS ou
de suas subsidiárias, ressalvado o que prescreve o artigo 10
da Lei ns 6.189; de 16 de dezembro de 1974. .
A NUCLEBRÁS teve o seu nome alterado pelo Decreto-lei n9
1.464, de 31 de agosto de 1988.
Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear
Capítulo XXXIII Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear
1. A Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear
A responsabilidade criminal em matéria nuclear encontra-se
prevista, principalmente, na Lei n2 6.453, de 17 de outubro de
1977, embora esta lei não esgote todas as hipóteses de crimes
que possam ser praticados com a utilização de material nuclear
ou relacionados com a atividade nuclear em todas as suas
múltiplas possibilidades. Aliás, deve ser observado que a
literatura jurídica brasileira, inadvertidamente, não tem
entendido os crimes praticados com instrumentos nucleares como
crimes contra a natureza ou contra o meio ambiente,1 ou, pelo
menos, a eles não faz menção.
O potencial de agressão dos delitos nucleares é imenso e, no
entanto, eles não mereceram até hoje uma legislação que não
diga respeito, apenas, às instalações nucleares. O que
acontece é que crimes de imensas repercussões sociais são
punidos pela legislação penal comum que, como se sabe, não é
vocacionada para a delinquência tecnológica. No Brasil,
infelizmente, existe um exemplo claro desta situação que nos é
dado pelo processo criminal contra os causadores da catástrofe
de Goiânia, afinal condenados por homicídio culposo (art. 101,
§ 3e, do Código Penal).
1.1. Os Crimes Previstos na Lei n9 6.453/77
Os crimes nucleares estão tipificados nos artigos 20/27 da
Lei ne 6.453/77, sendo que o artigo 19 limita-se a fazer uma
exposição genérica dos preceitos nos quais estão previstos os
crimes cometidos na exploração e utilização da energia
nuclear.
A primeira constatação a ser feita é que, ao longo dos
artigos 20/27, encontra- se, apenas, um crime de exposição da
vida, da saúde e do patrimônio a perigo causado pela não-
observação de regras de segurança ou proteção relativas à
instalação nuclear ou ao uso, transporte, posse e guarda de
material nuclear, que é aquele descrito no artigo 26.
O dano propriamente dito não foi objeto de tutela
específica, pois a lei optou por permanecer no mero perigo.
Qualquer ato ou omissão que implique dano efetivo causado
contra a pessoa humana, contra a vida humana, contra a saúde
pública, contra o meio ambiente, ou mesmo contra o patrimônio
público ou privado deverá
1 Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas.
Crimes contra a Natureza, São Paulo: RT, 1990,
Direito Ambiental
ser punido pela legislação penal comum. Tanto o Código Penal
como a legislação extravagante poderão vir a ser utilizados,
conforme o caso concreto.
1.1.1. O Tipos Legais Previstos na Lei n9 6.453/77
Os crimes previstos na lei de responsabilidade pela
utilização de energia nuclear dizem respeito, muito mais, a
atos praticados contra as instalações nucleares ou contra a
Administração Pública, pela inobservância de normas técnicas,
do que a atos ilícitos praticados durante a operação da
instalação nuclear e que tenham atingido a vida humana ou o
patrimônio dos indivíduos, ou mesmo o meio ambiente.
O artigo 19 é bem demonstrativo da filosofia adotada pela
lei em tela, in verbis:
Constituem crimes na exploração e utilização da energia
nuclear os descritos neste capítulo, além dos tipificados na
legislação de segurança nacional...
A ideia, como se vê, é a da proteção da instalação nuclear
como um fator de “segurança nacional”.
a) Artigo 20. Produzir, processar, fornecer ou usar material
nuclear sem a necessária autorização ou para fim diverso do
permitido em lei: Pena: reclusão, de quatro a dez anos.
Este crime é praticado por aqueles que estão envolvidos
diretamente na atividade nuclear. Em realidade, seria
conveniente que este tipo fosse voltado, também, para pessoas
jurídicas, e as penas adequadas às pessoas jurídicas, como é
permitido pela Constituição de 1988 (art. 225, § 39). O objeto
jurídico tutelado é o poder de polícia da Administração
Pública. A utilização de material nuclear, a sua produção,
processamento e comércio somente podem ser feitos mediante
autorização específica de órgão do Poder Público, no caso a
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. A autorização
vencida é equiparável à autorização inexistente.
Há, ainda, uma inequívoca vinculação do tipo penal com a
concepção de segurança nacional predominante à época da
promulgação da lei em exame. A finalidade definida em lei deve
ser compreendida em sentido amplo. Lei aqui, não é preceito
formal. A violação de uma norma regulamentar, em nosso
entendimento, é suficiente para completar a figura criminosa.
O agente é a pessoa física que pratica os atos definidos no
tipo ou aquele que para eles concorre de qualquer forma.
Material nuclear é o definido pelo inciso IV do artigo l2 da
própria lei.
b) Artigo 21. Permitir o responsável pela instalação nuclear
sua operação sem a necessária autorização. Pena: reclusão, de
dois a seis anos.
É a primeira vez que a lei utiliza o termo responsável e não
o termo operador. Parece-me que a norma destina-se à direção
da empresa ou instituição operadora da instalação nuclear.
Assim é porque o operador da instalação nuclear, nos termos da
!*§8j * £n$no Sup êrior tesy
Responsabilidade Criminal em Matéria Nudear
lei, é sempre a “pessoa jurídica devidamente autorizada para
operar instalação nuclear”. Trata-se de uma responsabilidade
pessoal.
O objeto jurídico tutelado é o poder de polícia da
Administração Pública.
c) Artigo 22. Possuir, adquirir, transferir, transportar,
guardar ou trazer consigo material nuclear, sem a necessária
autorização. Pena: reclusão, de dois a seis anos.
A definição de material nuclear é aquela constante na
própria lei (art. I9, inciso IV). O sujeito ativo pode ser
qualquer pessoa. O objeto jurídico tutelado é o poder de
polícia da Administração Pública.
d) Artigo 23. Transmitir ilicitamente informações sigilosas,
concernentes à energia nuclear. Pena: reclusão, de quatro a
oito anos.
Trata-se de um artigo curioso. As informações referentes ao
ciclo nuclear estão amplamente disseminadas pelo mundo, seja
na comunidade científica, seja na sociedade em geral. Diversas
centrais nucleares são negociadas entre empresas e governos e,
de fato, a utilização civil da energia nuclear não conhece
mais segredos. Eventualmente podem existir segredos
industriais e não nucleares como pretende a lei. O segredo
nuclear, tal como está estipulado no tipo, parece-me ser de
natureza militar e} portanto, incabível em lei destinada às
atividades civis.
O próprio plano de evacuação em caso de acidente nuclear em
Angra dos Reis permaneceu sigiloso durante muitos anos.
Observe-se a contradição, pois, se a população tiver que ser
retirada da região, necessariamente, terá que ter conhecimento
do plano de evacuação. A finalidade do artigo ora examinado é
obscura. O objeto jurídico tutelado é o sigilo das informações
sobre energia nuclear. Ora, em sendo a energia nuclear um
monopólio federal, o princípio da publicidade da Administração
Pública (CF, artigo 37) impede a existência de sigilo, salvo
expressa previsão legal.
Uma questão bastante interessante que é suscitada pelo
artigo é a referente ao sigilo em relação a uma atividade que
se encontra sob regime de monopólio. Como se sabe, o sigilo
industrial tem por finalidade impedir que uma empresa
aproprie-se de técnicas e pesquisas de outra e passe a fazer
uma concorrência desleal. No regime de monopólio, a referida
situação não existe, pois não há concorrência entre empresas.
Ademais, as instalações nucleares brasileiras foram adquiridas
no exterior e, portanto, não há qualquer segredo industrial em
relação a elas, pois são produzidas em série e com tecnologia
conhecida.
e) Artigo 24. Extrair, beneficiar ou comerciar ilegalmente
minério nuclear. Pena: reclusão, de dois a seis anos.
O objeto jurídico tutelado é a Administração Pública e o seu
interesse em controlar a circulação econômica dos minérios
nucleares. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O crime
só admite a forma dolosa.
Direito Ambiental
f) Artigo 25. Exportar ou importar, sem a necessária
licença, material nuclear, minérios nucleares e seus
concentrados, minérios de interesse para a energia nuclear e
minérios e concentrados que contenham elementos nucleares.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
O objeto jurídico tutelado é o poder de polícia da
Administração Pública e, em especial, o interesse desta de
manter controle da entrada e saída de material radioativo do
território nacional. O sujeito ativo do crime é qualquer
indivíduo. Ante a natureza do presente tipo, as questões
suscitadas em relação ao artigo 334 do Código Penal guardam
uma relevante pertinência. Observe-se que a pena cominada para
o artigo da lei penal comum é inferior àquelas da lei de
responsabilidade nuclear.
g) Artigo 26. Deixar de observar as normas de segurança ou
de proteção relativas à instalação nuclear ou ao uso,
transporte, posse e guarda de material nuclear, expondo a
perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
É o único crime, previsto na legislação nuclear, que não diz
respeito à Administração Pública ou a circunstâncias inerentes
ao próprio processo de produção nuclear. É um tipo penal
bastante insuficiente para penalizar qualquer dano gerado por
qualquer falha, ação ou omissão, culposa ou dolosa cuja fonte
seja a instalação nuclear.
O tipo limita-se a falar em um genérico outrem, tal qual os
tipos penais voltados para a repressão de delitos individuais
praticados contra indivíduos. O dano nuclear é sempre
coletivo, a história não registra um único caso em que um dano
nuclear tenha sido sofrido por um único indivíduo.
A exposição a perigo causada por uma instalação nuclear será
sempre coletiva e a lei deveria contemplar esta hipótese. Em
verdade, o tipo do artigo 26 é uma deliberada redução, para
efeitos penais, das consequências do perigo nuclear. Tendo em
vista o monopólio da energia nuclear existente no Brasil,
percebe-se que está voltado para a proteção da camada
tecnoburocrática responsável pela operação das instalações
nucleares.
O tipo não contempla, ainda, o dano ambiental que somente
poderá ser punido como crime de poluição, previsto na Lei ne
6.938/81. O tipo não contempla casos de morte em decorrência
de ilícitos nucleares que, desta forma, deverão ser enquadra-
dos no Código Penal como homicídio; a qualificação de culposo
ou doloso devera ser feita diante do caso concreto, não sendo
aceitável que se adote a posição de considerá-los culposos a
priori. É franciscana a pobreza do presente tipo penal. A sua
utilidade em caso de um ilícito real é praticamente nenhuma.
h) Artigo 27. Impedir ou dificultar o funcionamento de
instalação nuclear ou o transporte de material nuclear. Pena:
reclusão, de quatro a dez anos.
Responsabilidade Criminal em Matéria Nuclear
É interessante constatar que o crime apenado com maior rigor
é o tipificado no artigo 27. A sua pena supera, inclusive, a
prevista no artigo 26 que, como se viu, é o único que guarda
alguma relação com a vida dos cidadãos. O artigo é aquele que
mais profundamente assume o caráter de defesa das instalações
nucleares e não da comunidade, contido na lei que está sob
exame. Tanto do ponto de vista penal como do ponto de vista
civil, a Lei n9 6.453 é muito mais uma lei de defesa da energia
nuclear do que uma lei de defesa dos cidadãos contra a energia
nuclear.
1.2. A Utilização do Código Penal
Ante a inexistência de uma legislação nuclear
especificamente voltada para o aspecto penal que possa ser
usada eficientemente pela sociedade em sua própria defesa,
faz-se necessário que se examine quais artigos do Código Penal
vigente poderão ser aplicáveis aos casos concretos. O exame
não se pretende exaustivo, pois há a possibilidade de toda uma
cumulação de crimes em concurso formal ou material que,
praticamente, tomam impossível uma previsão de casos
concretos.
A deficiência da utilização do Código Penal para as
hipóteses em que o bem jurídico atingido é o meio ambiente já
foi percebida por vários juristas em todo o mundo. As
dificuldades são internas e externas ao Direito. Internamente,
é possível verificar a incapacidade de os tipos penais
existentes atenderem a demandas inteiramente diversas daquelas
do tempo em que foram criados. A subjetividade, a pessoa-
lidade e demais critérios centrados no indivíduo são
absolutamente impotentes para lidar com problemas de
sociedades altamente tecnológicas. Externamente, o problema
mais grave é a inexistência de uma consciência social que
aceite o ilícito ecológico como ilícito criminal e que veja o
delinqüente ecológico como verdadeiro criminoso. Infelizmente,
a tendência social é considerar os ilícitos ecológicos como
“acidentes”.
i) Artigo 121. Matar alguém.
Trata-se do crime de homicídio. A sua utilização em matéria
nuclear, lamentavelmente, já foi experimentada pela Justiça
brasileira, no tristemente célebre caso do Césio 137, em
Goiânia. Os donos e o técnico responsável pela cápsula de
Césio 137, que se encontrava abandonada, foram processados por
homicídio culposo, tendo em vista a morte de três pessoas, que
encontraram o equipamento abandonado e se “pintaram” com o pó
que se desprendia do mesmo.
A pena aplicada pela Justiça foi de três anos de detenção,
passível de conversão em prestação de serviços à comunidade. A
pena aplicada foi rigorosa, dentro da fragilidade da
legislação vigente. A condenação, no entanto, somente ocorreu
em 1992.2 As apelações interpostas pelos réus, fatalmente,
acarretarão a prescrição, em concreto, da pretensão punitiva.
2O Globo,6/8/92.
Direito Ambiental
Penso que a decisão criminal de Goiânia traz-nos alguns
importantes pontos para reflexão. O primeiro deles é a total
insuficiência da legislação penal ordinária como instrumento
de repressão a delitos produzidos com material radioativo. A
lesão causada foi imensa e a lei tratou-a como se fora vim
acidente de trânsito.3 Não tenho notícia de que tenha havido
processo penal em razão das doenças que acometeram centenas de
pessoas, inclusive algumas que sequer tinham nascido na época
da prática do crime. Igualmente, não tenho notícia de
processos originados pela destruição do patrimônio de centenas
de pessoas que habitavam na região sinistrada.
j) Outros artigos do Código Penal
Embora reconhecendo uma certa dificuldade em suas
aplicações, penso que os artigos 252 (exposição da vida ou da
saúde pelo emprego de gases tóxicos ou asfixiantes) e 270
(envenenar água potável ou substância alimentícia) podem ter
uma utilidade considerável na repressão aos crimes causados
por meio da energia nuclear. Na hipótese, os eventuais
resultados danosos, morte e lesão corporal grave, importam
agravamento da pena.
Como leciona Fernando Fragoso,4
além das conseqüências mais agravadas, o evento morte,
resultante... de envenenamento de água potável ou de
substância alimentícia, implica para o criminoso uma série de
outros gravames, impostos pela Lei ns 8.072, de 25/7/1990, a
saber: não são passíveis de anistia, graça ou indulto; o réu
preso em flagrante responderá à ação penal preso, pois está
proibida a concessão de liberdade provisória, com ou sem
fiança; a pena será cumprida integralmente em regime fechado;
e o livramento condicional somente poderá ser apreciado após o
cumprimento de, no mínimo, dois terços da pena.
3 Cujo tratamento, aliás, é excessivamente brando.
4 “Os crimes contra o meio ambiente no Brasil”, in Revista
Forense, n* 317, jan./mar. de 1992, p. 110.
Os Rejeitos Nucleares
Capítulo XXXIV Os Rejeitos Nucleares
1. Os Rejeitos Nucleares: Breve Definição
Rejeito nuclear ou lixo nuclear é todo material contaminado
cuja produção seja resultado da atividade desenvolvida em uma
instalação nuclear. Atualmente, o rejeito produzido pelos 413
reatores nucleares em atividade em todo o mundo é equivalente
a algumas centenas de toneladas e cresce constantemente, sendo
o seu armazenamento e descarte extremamente problemáticos. Os
rejeitos nucleares podem se revestir de várias formas e cada
uma delas possui características bastante diversas das demais
modalidades. Os rejeitos radioativos podem ser classificados
como de:
a) baixa,
b) média, ou
c) alta radioatividade.
No Brasil, atualmente, somente a Central Nuclear Almirante
Álvaro Alberto produz rejeitos de alta radioatividade.
2. Alguns Aspectos Internacionais do Problema
Quaisquer que sejam os argumentos em favor da utilização da
energia nuclear, nenhum deles consegue apresentar uma solução
adequada para o descarte definitivo dos rejeitos nucleares de
alta radioatividade. Anualmente, toneladas de rejeitos
radioativos são estocadas no mundo inteiro e, enquanto isto,
ainda não se logrou chegar a uma conclusão definitiva sobre o
destino que deve ser dado a estas verdadeiras montanhas de
lixo letaL Com efeito, o nível atual de conhecimento
científico demonstra que somente o processo natural de
desintegração é capaz de destruir os materiais radioativos.
Isto implica que, em nível da melhor tecnologia disponível,
não há nada a fazer que não seja esperar pacientemente pela
perda de letalidade dos materiais radioativos.
A incerteza é a única certeza em matéria de radioatividade e
de seus efeitos sobre o meio ambiente e a saúde humana. Como
afirma Nicholas Lensen,1 até hoje não se sabe ao certo quais
são os efeitos da radiação. Ante uma realidade extrema
1 “Desafiando o lixo nuclear”, in Brown, Lester. Qualidade de
Vida 1992 — Salve o Planeta!, São Paulo, Globo, 1992, p. 75.
Direito Ambientai
mente complexa que é o manejo do lixo radioativo, os diversos
países têm encontrado inúmeras dificuldades para conseguir
localizar os rejeitos nucleares de forma segura. As
dificuldades são de natureza técnica e política. As
dificuldades técnicas derivam das condições científicas que
foram genericamente mencionadas; as dificuldades políticas
derivam do fato de que nenhuma comunidade deseja ter o
depósito de rejeitos nucleares em seu território.2
A solução que tem sido adotada pela maioria dos países para
o grave problema do lixo atômico é o enterramento do material
em aterros especificamente preparados. Entretanto, mesmo esta
solução não tem conseguido obter consenso público e social ou
facilidade na sua implementação. O consagrado físico Anselmo
Paschoa entende que a melhor solução para o problema talvez
seja o depósito no subsolo submarino, nas planícies abissais.3
Os EUA que, inicialmente, pretendiam ter obtido uma solução
definitiva para o problema em 1985, não conseguiram realizar o
seu intento e, no momento, a solução está prevista para ser
implementada somente em 2010.4 Na Alemanha ocorreu o mesmo
retardamento, a previsão atual é que o depósito somente estará
pronto no ano 2020.
Na Inglaterra, planeja-se construir um depósito para
rejeitos de baixa e média radioatividade na cidade de
Sellefield. Este mencionado depósito tem causado bastante
controvérsia, pois, recentemente, foi descoberto que um
relatório elaborado para o Ministério do Meio Ambiente
constatara a existência de perigo de explosões subterrâneas em
decorrência do acúmulo de gases no depósito. As explosões
poderiam vir a romper as proteções blindadas do depósito. A
expectativa atual é a de que o depósito venha a ser inaugurado
no ano de 2005.5 Note-se que o depósito está planejado para uma
profundidade de 800 metros e o seu rompimento poderia implicar
grave contaminação dos lençóis freáticos da região, com
consequências imprevisíveis. Os custos estimados da obra são
da ordem de dois bilhões de dólares americanos.
Os custos econômicos envolvidos na construção dos aterros
para os rejeitos nucleares atingem valores que são realmente
extraordinários. Estima-se que para a construção de um único
local capaz de armazenar 96.000 toneladas de combustível
irradiado e os rejeitos de alto nível de radioatividade seja
de 36 bilhões de dólares americanos.6 Como se vê, a energia
nuclear representa uma quantidade de investimentos que não
acabam nunca. Para começar ou para encerrar a atividade
nuclear gastam-se milhares de milhões de dólares.
3. O Problema no Brasil
Como já tivemos oportunidade de ver, no Brasil inexiste
legislação federal capaz de fornecer diretrizes para
solucionar os graves problemas ocasionados pela
2 Trata-se do fenômeno conhecido como not in my backyard.
3 Jomal do Brasil, 19/8/1991, Ecologia.
4 Nicholas Lensen. Ob. cit., p. 82.
5 Jomal do Brasil, 4/4/92.
6 Nicholas Lensen. Ob. cit., p. 84.
Os Rejeitos Nucleares
destinação final dos rejeitos nucleares. Mais tuna vez, não se
trata de uma particularidade brasileira, pois no mundo inteiro
a questão tem se caracterizado pela inércia e pela
desconfiança generalizadas.
A energia nuclear, independentemente do juízo de valor que
dela se faça, traz consigo um inequívoco problema, que é o
gerado pelo rejeito radioativo que se alastra diariamente em
grande proporção. Este é um problema que acompanha todos os
equipamentos que utilizam a radiação ionizante em qualquer de
suas formas conhecidas até hoje.
Os problemas mais significativos existentes no Brasil
referentes aos rejeitos radioativos são aqueles causados pelo
Césio 137, na cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás;
pelos rejeitos da usina nuclear de Angra dos Reis e por
mineradoras que trabalham com material radioativo na extração
mineral e, simplesmente, deixam o rejeito decorrente de sua
atividade para que a sociedade e o Poder Público o tratem.7
A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, muito embora
produza 16 toneladas de lixo radioativo a cada 18 meses, não
dispõe de uma solução definitiva para a disposição dos
rejeitos por ela produzidos, limitando-se a realizar uma
“estocagem provisória”do referido material.
O problema suscitado pelos rejeitos produzidos em Angra dos
Reis tem várias origens, inclusive, ideológica. A ideologia
que fundamentou o programa nuclear brasileiro estava calcada
na falsa premissa de que a energia nuclear é absolutamente
limpa e que a proteção a ser dada ao programa nuclear
brasileiro era, fundamentalmente, a proteção das instalações
nucleares contra atentados ou atos terroristas. A proteção da
população ante os perigos e riscos trazidos pelas usinas
nucleares. A partir desta premissa básica, todo o sistema de
segurança foi elaborado equivocadamen- te. A proteção da
população, neste contexto, era absolutamente secundária.
Atualmente, inicia-se um lento processo de revisão de
conceitos relativos à segurança nuclear e, paulatinamente, a
proteção da população civil contra eventuais acidentes
nucleares começa a se tomar o elemento fundamental do sistema
de segurança. Os fundamentos ideológicos que marcaram o início
da atividade nuclear no Brasil implicaram que, ainda hoje, o
gravíssimo problema dos rejeitos nucleares não tenha qualquer
solução minimamente aceitável, seja por parte da sociedade,
seja por parte de técnicos independentes, seja pelos governos
estaduais e municipais que sofrem as consequências de um
planejamento nuclear socialmente irresponsável.
3.1. O Césio 137
O lixo nuclear não pode ser examinado apenas naquilo que
tange às instalações nucleares, o problema é muito mais grave.
Fato é que existem centenas, senão milhares, de equipamentos
que utilizam material radioativo em nosso País e não há uma
lei federal regulamentando a disposição final desses rejeitos.
7 Anselmo Paschoa. jornal do Brasil, 4/4/92.
866
Direito Ambiental
O acidente com o Césio 137, que é o maior acidente nuclear
brasileiro, muito embora não tenha sido causado por uma
instalação nuclear, é um caso exemplar. Mais uma vez, pode ser
citado o caso do lixo radioativo resultante do acidente com o
Césio 137 que, até hoje, continua “guardado” em tonéis, de
segurança discutível.
A lentidão administrativa para a solução do gravíssimo
problema do lixo nuclear é absolutamente espantosa. Vejamos as
repercussões do acidente com o Césio 137, ocorrido em Goiânia,
no ano de 1987, nas atitudes da Administração Pública. No ano
de 1987, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional
mensagem contendo projeto de lei sobre depósito intermediário
de rejeitos radioativos. Aos 19 de novembro de 1987, foi
aprovada a urgência para a tramitação de tal mensagem. A
urgência foi retirada aos 16 de maio de 1990.8 Em abril de
1992, foi anunciada a abertura de uma concorrência para a
realização do Estudo de Impacto Ambiental que deveria
anteceder à construção do depósito definitivo do lixo nuclear
resultante do acidente acontecido em Goiânia.
O depósito foi previsto para armazenar cinco mil toneladas
de lixo radioativo e somente ficou pronto em 1994, isto é,
sete anos após o acidente.9
3.2. Destinação Final de Rejeitos Radioativos
A importante questão da destinação final dos rejeitos
radioativos, como foi demonstrado nas edições anteriores do
presente trabalho, passou muitos anos sem que qualquer medida
legislativa fosse adotada para enfrentá-la. Finalmente, o
Congresso Nacional saiu de sua inércia e aprovou a Lei nQ
10.308, de 20 de novembro de 2001, que dispõe sobre a seleção
de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a
fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade
civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos
radioativos, e dá outras providências. £ desnecessário dizer
que se trata de uma lei de importância extraordinária que, até
aqui, ainda não foi regulamentada.10 Este feto, como se sabe,
impede a aplicação concreta da norma legal que ora se pretende
examinar.
O objetivo da lei é o de estabelecer normas para o destino
final dos rejeitos radioativos produzidos no território
nacional, bem para a seleção de locais, a construção, o
licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a
indenização, a responsabilidade civil e as garantias
referentes aos depósitos radioativos. Ou seja, buscou- se
cobrir todo o espectro do problema. Conforme foi definido pelo
parágrafo único do artigo le da lei em questão, a nomenclatura
a ser adotada para a implementação da norma legal é aquela
estabelecida nas normas da Comissão Nacional de Energia
Nuclear - CNEN.
8 Ecologia e Desenvolvimento, n* 9, ano 1, p. 41.
9 O Estado de S.Paulo, 13/4/1992.
10 7/9/2002.
Os Rejeitos Nucleares
3.2.1. Responsabilidade pelos Rejeitos Radioativos
Conforme definido pelo artigo 29, compete à União, com base
nos arts. 21, inciso XXIII, e 22, inciso XXVI, da CF, por meio
da CNEN, no exercício das competências que lhe são atribuídas
pela Lei ne 6.189, de 16 de dezembro de 1974, modificada pela
Lei n9 7.781, de 27 de junho de 1989, a responsabilidade pelo
destino final dos rejeitos radioativos produzidos em
território nacional.
3.2.2. Tipos de Depósitos de Rejeitos Radioativos
0 artigo 3Q da lei admite a instalação e a operação dos
seguintes tipos de depósitos de rejeitos radioativos:
1 - depósitos iniciais;
II - depósitos intermediários;
III — depósitos finais.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN tem o dever
legal de estabelecer normas para a construção, licenciamento,
administração e procedimentos diversos dos depósitos iniciais,
intermediários e finais, vedado o recebimento nos depósitos
finais de rejeitos radioativos na forma líquida ou gasosa. É
admissível que os depósitos iniciais utilizados para o
armazenamento de rejeitos nas instalações de extração ou de
beneficiamento de minério sejam convertidos em depósitos
finais, mediante expressa autorização da CNEN. Nas hipóteses
de ocorrência de acidentes radiológicos ou nucleares,
excepcionalmente poderão ser construídos depósitos pro-
visórios, que serão desativados, com a transferência total dos
rejeitos para depósito intermediário ou depósito final,
segundo critérios, procedimentos e normas especialmente
estabelecidos pela CNEN.
3.2.2.1. Seleção de Locais para Depósitos de Rejeitos
Radioativos
A seleção de locais para depósitos iniciais deve ser feita
dentro de critérios estabelecidos pela CNEN para a localização
das atividades produtoras de rejeitos radioativos. Tal seleção
de locais para instalação de depósitos intermediários e finais
deve obedecer a critérios, procedimentos e normas
estabelecidos pela CNEN. Os terrenos escolhidos como adequados
para depósitos finais deverão ser declarados de utilidade
pública e desapropriados pela União, quando já não forem de
sua propriedade. Não se admite o depósito de rejeitos de
quaisquer naturezas nas ilhas oceânicas, na plataforma
continental e nas águas territoriais brasileiras.
O operador das instalações nas quais são gerados os rejeitos
deve responsabilizar-se pelo projeto, construção e instalações
dos depósitos iniciais de rejeitos radioativos. Quanto aos
depósitos intermediários e finais, o seu projeto, construção e
instalação são da responsabilidade da Comissão Nacional de
Energia Nuclear — CNEN.
Direito Ambiental
3.2.2.2. Licenciamento e Fiscalização dos Depósitos
Cabe à Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN a
responsabilidade pelo licenciamento de depósitos iniciais,
intermediários e finais de rejeitos nucleares. Especialmente
quanto aos aspectos referentes ao transporte, manuseio e
armazenamento de rejeitos radioativos e à segurança e proteção
radiológica das instalações, sem prejuízo da licença ambiental
e das demais licenças legalmente exigíveis. A fiscalização dos
depósitos iniciais, intermediários e finais será exercida pela
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, no campo de sua
competência específica, sem prejuízo do exercício por outros
órgãos de atividade de fiscalização prevista em lei.
3.2.2.3. Administração e Operação dos Depósitos
O titular da autorização para operar a atividade geradora
dos rejeitos é o responsável pela administração e operação de
depósitos iniciais, competindo à Comissão Nacional de Energia
Nuclear - CNEN a administração e a operação de depósitos
intermediários e finais.
3.2.23.1. Depósitos Provisórios
Quando ocorrerem acidentes nucleares ou radiológicos, a
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, a seu exclusivo
critério, considerada a emergência enfrentada, poderá
determinar a construção de depósitos provisórios para o
armazenamento dos rejeitos radioativos resultantes, sendo da
sua exclusiva responsabilidade a seleção do local, o projeto,
a construção, a operação e a administração dos depósitos
provisórios, ainda que executados por terceiros devidamente
autorizados. A fiscalização de tais depósitos é exercida pela
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, no campo de sua
competência específica, sem prejuízo do exercício por outros
órgãos de atividade de fiscalização prevista em lei. Todos os
custos relativos aos depósitos provisórios, inclusive os de
remoção de rejeitos e descomissionamen- to, são de
responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear -
CNEN. No que tange à segurança “física” dos mencionados
depósitos, esta fica à guarda das autoridades estaduais,
cabendo, no entanto, a responsabilidade civil por danos
radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por
rejeitos nos depósitos provisórios ou durante o transporte do
local do acidente para o depósito provisório e deste para o
depósito à Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN.
3.2.2.4. Remoção dos Rejeitos
A remoção de rejeitos de depósitos iniciais para depósitos
intermediários ou de depósitos iniciais para depósitos finais
é da responsabilidade do titular da autorização para operação
da instalação geradora dos rejeitos, que arcará com todas as
despe-
Os Rejeitos Nucleares
sas diretas e indiretas decorrentes da atividade. Tais
remoções somente podem ser feitas com prévia autorização da
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN.
Compete ao titular da autorização para a operação da
instalação geradora de rejeitos arcar integralmente com os
custos relativos à seleção de locais, projeto, construção,
instalação, licenciamento, administração, operação e segurança
física dos depósitos iniciais. À Comissão Nacional de Energia
Nuclear - CNEN compete arcar com os custos relativos à seleção
de locais, projeto, construção, instalação, licenciamento,
administração, operação e segurança física dos depósitos
intermediários e finais.
3.2.3. Responsabilidade Civil
Em se tratando de depósitos iniciais, a responsabilidade por
danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais
causados por rejeitos radioativos neles depositados,
independentemente de culpa ou dolo, é do titular da
autorização para operação da instalação; já nos depósitos
intermediários e finais, a responsabilidade civil por danos
radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por
rejeitos radioativos neles depositados, independentemente de
culpa ou dolo, é da Comissão Nacional de Energia Nuclear -
CNEN.
Quando se tratar do transporte de rejeitos dos depósitos
iniciais para os depósitos intermediários ou de depósitos
iniciais para os depósitos finais, a responsabilidade civil
por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais
causados por rejeitos radioativos é do titular da autorização
para operação da instalação que contém o depósito inicial. Já
no transporte de rejeitos dos depósitos intermediários para os
depósitos finais, a responsabilidade civil por danos
radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por
rejeitos radioativos é da CNEN. Ainda que exista a
possibilidade de delegação, a terceiros, da atividade de
transporte do material dos depósitos intermediários para os
depósitos finais, a responsabilidade civil remanesce afetada à
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN.
Somente mediante a prestação de garantias, previstas no
artigo 13 da Lei n9 6.453, de 17 de outubro de 1977,u serão
concedidas autorizações para a operação de depósitos iniciais,
intermediários ou finais. O titular da autorização para a
operação da instalação, quando se tratar de operação ou
descomissionamento de depósitos iniciais e de intermediários
ou finais, na hipótese de estarem sendo operados por ter-
ceiros, deverá apresentar garantia suficiente para fazer
frente às indenizações por
11 Art. 13. O operador da instalação nuclear é obrigado a
manter seguro ou outra garantia financeira que cubra a sua
responsabilidade pelas indenizações por danos nucleares. §
Io A natureza da garantia e a Exação de seu valor serão
determinadas, em cada caso, pela Comissão Nacional de
Energia Nuclear, no ato da licença de construção ou da
autorização para a operação. § 2a Ocorrendo alteração na
instalação, poderão ser modiãcados a natureza e o valor da
garantia. 3C Para a determinação da natureza e do valor da
garantia, levarse-ão em conta o tipo, a capacidade, a
finalidade, a localização de cada instalação, bem como os
de~ mais fatores previsíveis. 4* O não-cumprimento, por
parte do operador, da obrigação prevista neste artigo
acarretará a cassação da autorização. 5« A Comissão Nacional
de Energia Nuclear poderá dispensar o operador da obrigação
a que se refere o caput deste artigo, em razão dos reduzidos
riscos decorrentes de determinados materiais ou instalações
nucleares.
Direito Ambiental
danos radiológicos causados por rejeitos radioativos. Na forma
do artigo 25, nos depósitos intermediários e finais, caso
sejam operados por terceiros, consoante o art. 13 desta Lei, o
prestador de serviços deverá oferecer garantia para cobrir as
indenizações por danos radiológicos.
Os direitos eventualmente existentes sobre os rejeitos
radiativos são transferidos para a Comissão Nacional de
Energia Nuclear - CNEN, mediante a sua simples entrega para
armazenamento nos depósitos intermediários ou finais.
B8J - Ensfîo Superior Bmm Mftco
Energia Nuclear
Capítulo XXXV Energia Nuclear
1. Os Primeiros Protestos contra o Nuclear
A energia nuclear, aos olhos da população comum, sempre
esteve envolvida em uma aura de mistério e suspense. Desde o
projeto Manhattan,1 as questões nucleares estão cobertas por
razões de segurança nacional, razões de Estado e outras
designações semelhantes que possuem um ponto comum, que é a
supremacia das razões de estado sobre os indivíduos e sobre a
proteção dos direitos humanos básicos. Durante múitos anos, a
opinião pública internacional permaneceu completamente
desinformada sobre o que aconteceu em Alamo Gordo ou em
Tcheliabinsk.2 Em plena guerra fria, a CIA e a KGB mantiveram
uma colaboração secreta, por aproximadamente 20 anos, com a
finalidade de impedir que o mundo tomasse conhecimento dos
riscos nucleares e do nível de irresponsabilidade daqueles que
manipulam artefatos nucleares.3
No período compreendido entre 1945 e 1962, o mundo assistiu,
perplexo, a 423 detonações nucleares comunicadas oficialmente
por seus responsáveis. Deste total, os EUA foram responsáveis
por 271, a ex-União Soviética por 124, o Reino Unido por 23 e
a França por cinco. A República Popular da China só mais tarde
ingressou no Clube Nuclear. Em l2 de março de 1954, os EUA
detonaram a bomba de hidrogênio, com potencial ofensivo de 15
megatons, no atol de Bikini. A carga detonada foi bastante
superior às dos artefatos lançados sobre Hiroshima e Nagasaki
nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial.
A explosão da bomba de hidrogênio suscitou veementes
protestos populares e que chegaram a envolver personalidades
tais como o físico Albert Einstein, o humanista Albert
Schweitzer e o papa Pio XII. A precipitação de chuvas com
resíduos radioativos e toda uma série de outros acidentes
fizeram com que a opinião pública internacional se
posicionasse firmemente contra a energia nuclear,
especialmente quando utilizada como arma de guerra.
Desde a época que vem de ser mencionada, o movimento
antinuclear tem dado mostras de sua força popular no mundo
inteiro. Assim, muitos países têm editado leis que implicam a
suspensão das atividades nucleares, a moratória nuclear etc. A
própria
1 Projeto secreto norte-americano que construiu a bomba
atômica.
2 Campos nucleares norte-americano e soviético.
3 Hertsgaard, Mark. “Les Catastrophes Secrètes de
Tcheliabinsk", inL'Evenement du Jeudi, nfl 376, 16 au
22 de Janvier 1992, p. 40.
871
Direito Ambiental
Constituição brasileira, como já foi visto,4 possui mecanismos
de controle da atividade nuclear que refletem a angústia e a
repulsa popular contra este terrível perigo.
2. Os Segredos Nucleares: Uma História de Tragédias
2.1. Atividades Civis
Existe uma tendência internacional, que já foi denunciada
neste livro, de dotar a energia nuclear de mecanismos de
controle institucional autônomo e independente dos demais
organismos de controle ambiental. Esta tendência se explica em
função da necessidade de a indústria nuclear permanecer
distante da vigilância da opinião pública, em razão dos
segredos de estado, das razões de estado. A seguir, passarei a
apresentar algumas situações que foram criadas pelas razões de
estado e pelo segredo naquilo que diz respeito às atividades
nucleares, especialmente aquelas com finalidade militar.
2.1.1. Estados Unidos - Los Alamos National Laboratory
O Los Alamos National Laboratory, nos EUA, é um exemplo
interessante daquilo que foi afirmado no parágrafo anterior. O
cidadão norte-americano Tyler Mercier tem feito, seguidamente,
denúncias sobre o nível de contaminação radioativa na cidade
de Los Alamos.5 As denúncias, como sempre, foram negadas e a
direção do laboratório sempre afirmou a segurança das
instalações do laboratório. Entretanto, a gravidade dos fatos
fez com que a instituição assumisse que, entre os anos de 1951
e 1964, foram despejados, diariamente, em um riacho próximo ao
centro de pesquisas, 40.000 litros de água contendo plutônio
puro, urânio e trítio. Em seguida, o próprio laboratório
admitiu ter praticado cerca de 770 violações às normas de
proteção ao meio ambiente.
O Los Alamos National Laboratory está situado na mesma
cidade utilizada para os estudos e pesquisas do projeto
Manhattan. Na cidade, pelo menos, 97 casos de câncer cerebral
são atribuídos às atividades do laboratório, isto sem se Mar
em um provável acidente nuclear que teria ocorrido em 1973, e
que ainda não houve uma explicação oficial sobre se o referido
acidente teria ou não ocorrido efetivamente.
Não se pode esquecer, ainda, as consequências letais das
experimentações realizadas no campo militar de Hartford e do
lançamento de 340.000 curies de gás radioativo na atmosfera.
Hoje se sabe que o Pentágono, para obter resultados “ver-
dadeiros” quanto ao efeito da bomba atômica, realizou testes
com soldados voluntários. Em 1984, o governo americano
indenizou os tais voluntários pelos danos que estes sofreram
em sua saúde.
4 Veja o capítulo próprio.
5 O Globo, 9/3/1992.
\
Energia Nuclear j
2.1.2. Ex-União Soviética - Tcheliabinsk
Tcheliabinsk é uma cidade de aproximadamente um milhão de
habitantes, situada nos montes Urais, em cuja região se
encontra um polígono conhecido como Bayak, local até pouco
tempo secreto. Nesta região encontra-se instalado um complexo
nuclear da ex-União Soviética. O local é conhecido como a
"capital do câncer Pelo menos três grandes acidentes nucleares
podem ser anotados no passivo do campo nuclear de
Tcheliabinsk. O primeiro dos acidentes se passou nos anos de
1950, quando os rejeitos radioativos eram vertidos diretamente
no rio Techa. Vinte e oito mil pessoas foram expostas
diretamente à radiação. A radiação para aqueles que foram
expostos diretamente foi calculada em número 57 vezes maior do
que a radiação que foi liberada pelo acidente de Chemobil.6 O
então presidente Mikhail Gorbatchov, em seu informe sobre os
fatos ocorridos em Tcheliabinsk, disse que dos 124 mil
habitantes da região que foram expostos à radiação, cerca de
um quarto foi submetido a doses consideradas graves. Algumas
informações contidas no pronunciamento presidencial são
espantosas. Somente em 1953 foi proibida a utilização das
águas do rio Techa. Em 1957, houve uma pane no sistema de
refrigeração, lançando radiação semelhante àquela de Chemobil.
Somente foram evacuadas 11 mil pessoas da região.
Mark Hertsgaard, discorrendo sobre o acidente ocorrido no
ano de 1957,7 afirma que:
Le drame de 1957 et la négligence des Soviétiques offraient
aux Améri- cans, certes, de quoi alimenter leur propagande
idéologique contre le comunis- me. Cependant, en insistant sur
l'horreur de Tchehabinsk, on risqueait de braquer l’opinion
pubhque occidentaux. Or, au même moment, Washington faisait un
gros effort de communication pour ses propres programmes
atomiques. Tout bien posé, les autorités américaines ont
préférés le silence. Un silence de mort (O drama de 1957 e a
negligência dos soviéticos, certamente, ofereceram aos
americanos material para alimentar a sua propaganda contra o
comunismo. Entretanto, a insistência sobre o horror de
Tcheliabinsk poderia acarretar uma mobilização da opinião
pública ocidental. Ora, ao mesmo tempo, Washington fazia um
grande esforço de comunicação para os seus próprios programas
atômicos, tudo bem pesado, as autoridades americanas
preferiram o silêncio. Um silêncio de morte).
Foram registradas, oficialmente, 66 mil vítimas da
catástrofe de 1957. A outra catástrofe causada pelo complexo
nuclear de Tcheliabinsk foi em decorrência da contaminação do
lago Karachay. Naquele lago, desde 1951, foi lançada uma
formidável quantidade de rejeitos radioativos. Estima-se que o
lago tenha recebido uma carga total de 120 milhões de curies.
Evidentemente que o lago, após a espetacular
6 Ob. cit., p. 37.
7 Idem, p. 40.
Direito Ambientai
descarga de produtos radioativos, está completamente morto. Os
cientistas soviéticos pensavam que o lançamento dos rejeitos
radiativos no lago Karachay não acarretaria maiores danos,
pois o lago era relativamente isolado e não mantinha contato
com os rios da região. Ledo engano. No inverno de 1966, tuna
longa estiagem fez com que o nível do lago ficasse muito baixo
e, na superfície de suas águas formou-se uma película
radioativa que, em razão dos fortes ventos do verão de 1967,
espalhou-se por uma região de 25.000km2, atingindo 430 mil
pessoas. O nível da radioatividade que foi espalhada por toda
uma imensa região foi comparável ao da radioatividade
espalhada pela bomba lançada sobre Hiroshima. O número de
vítimas não foi revelado até hoje.
É desnecessário dizer que todas as mortes e doenças graves
resultantes das experiências nucleares, que aqui foram
narradas, aconteceram em nome da razão de estado e do
progresso âentífíco.
2.2. Atividades Militares
2.2.1. Contaminação Radioativa em Centros de Produção de
Armamentos ~ EUA8
a) Reserva Hanford, Washington - Désde 1944, 760 bilhões de
litros de água contaminada (suficiente para criar um lago de
12 metros de profundidade do tamanho de Manhattan) penetraram
na água subterrânea e no rio Columbia; 4,5 milhões de litros
de resíduos de alta radioatividade vazaram de tanques
subterrâneos. O governo, conscientemente e algumas vezes
deliberadamente, expôs o público a grandes quantidades de
radiação aérea entre 1943 e 1956.
b) Reserva Oak Ridge - Desde 1943, milhares de libras de
urânio foram liberadas para a atmosfera. Resíduos radioativos
e perigosos poluíram gravemente riachos locais que fluem para
o rio Clinch. O Reservatório Watts Bar, um lago utilizado pela
população para finalidades recreativas, está contaminado com
pelo menos 175.000 toneladas de mercúrio e césio.
3. A Utilização Pacífica da Energia Nuclear
3.1. Three Mile Island
O “acidente” nuclear de Three Mile Island foi o maior
acidente nuclear em instalações civis e não submetidas ao
regime de segredo até os acontecimentos de Chemobil. A 28 de
março de 1979, registrou-se o vazamento em uma das válvulas do
sistema de resfriamento do reator nfi 2 da central nuclear de
Three Mile Island, localizada no Estado da Pensilvânia, EUA. O
acidente obrigou a evacuação de 3.170 famílias da região e
acarretou a perda do emprego de 636 pessoas. Foi paga uma
inde-
8 Lester R- Browu. Qualidade de Vida 1991 - Salve o Planeta!,
São Paulo: Globo, p. 198.
Energia Nuclear
nização de 33 milhões de dólares àqueles que foram
prejudicados pelo vazamento. Na ocasião do vazamento, não se
registraram vítimas fetais.9
3.2. Chemobil
A central nuclear de Chemobil foi á causadora do acidente
nuclear mais grave jamais verificado na história humana. O
volume total dos custos financeiros decorrentes do acidente
ainda não pode ser completamente contabilizado. O número total
de vítimas, igualmente, ainda não pode ser avaliado. A 25 de
abril de 1986, incendiou-se o reator n2 4 da central nuclear. O
incêndio foi devido ao resultado negativo de uma experiência
que estava sendo realizada.
O número inicial de mortos foi de 32, sendo certo que o
número de pessoas hospitalizadas chegou a 299..10 Inicialmente,
foram evacuadas 12.000 pessoas. Um total de 20.000 pessoas foi
submetido a processos de descontammação. Os resultados se
espalharam pelo mundo inteiro.11
3.3. Goiânia
O Brasil, lamentavelmente, ocupa um lugar de destaque no
ranking internacional dos acidentes nucleares. Em Goiânia, no
ano de 1987, ocorreu um acidente cujas consequências negativas
somente foram superadas pelas decorrentes do acidente de
Chemobil, Ucrânia. Os fatos relacionados ao acidente
demonstram uma triste realidade de pobreza, descumprimento da
lei, irresponsabilidade e ignorância, que foram absolutamente
essenciais para que o acidente com a cápsula de Césio 137
tivesse as consequências que, efetivamente, teve.
Um grupo de apanhadores de lixo encontrou um objeto metálico
em um depósito de lixo e resolveu abri-lo para verificar o que
havia dentro do mesmo. Foi encontrada uma estranha pedra azul
brilhante que encantou os seus desafortunados descobridores.
A referida pedra era o mineral radioativo césio 137. Além da
pedra, havia um pó azul que foi espalhado pelos três
apanhadores de papel em seus corpos. A pedra e o pó foram
retirados do local e exibidos pelos seus descobridores a
diversos amigos e vizinhos.
Em poucos dias, os três homens estavam mortos. A causa foi
uma aguda intoxicação nuclear. Também, em poucos dias, algumas
partes da cidade de Goiânia foram fortemente contaminadas. O
número de vítimas do acidente nuclear foi extremamente alto. A
Comissão Nacional de Energia Nuclear fez monitoramento em
aproximadamente 112 mil pessoas, tendo encontrado 249
contaminadas. A experiência
9 Martine Rémond-Gouilloud. Du Droit de Détmire, Paris: FUF,
1989, pp. 77-78.
10 Ao longo do trabalho já foram examinadas outras
conseqüências da tragédia.
11 Martine Rémond-Gouilloud. Ob. dt., p. 79.
Direito Ambiental
com outros acidentes nucleares demonstra que não se pode ter
certeza de que o número de vítimas permanecerá aquele
atualmente conhecido.
Até o ano de 1995, as vítimas do acidente ainda não tinham
sido indenizadas e algumas ações judiciais arrastam-se sem que
cheguem a qualquer solução, apesar do clamor público gerado
pelos acontecimentos. No campo penal, houve a condenação por
homicídio culposo dos donos da clínica que, criminosamente,
deixaram abandonado o aparelho que utilizava o césio 137. A
pena aplicada pela Justiça foi de três anos de detenção,
passível de conversão em prestação de serviços à comunidade. A
pena foi rigorosa, dentro da fragilidade da legislação
vigente.12 A condenação, no entanto, somente ocorreu em 1992.13
As apelações14 interpostas pelos réus, fetalmente, acarretaram
a prescrição, em concreto, do direito de punir os criminosos.
Penso que a decisão criminal de Goiânia traz-nos alguns
importantes pontos para reflexão. O primeiro deles é aquele
que diz respeito à total insuficiência da legislação penal
ordinária como instrumento de repressão a delitos produzidos
com material radiativo. A lesão causada foi imensa e a lei
tratou-a como se fora um simples homicídio culposo.15
4. O Mundo Desativa a Energia Nuclear
O Brasil ainda não se deu conta de que a maioria dos países
do mundo que utilizam a energia nuclear com finalidade de
geração de energia elétrica tem realizado uma revisão crítica
destes projetos. Alguns documentos oficiais demonstram que a
população brasileira rejeita a energia nuclear, como nos dá
exemplo o Relatório do Brasil para a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - O Desafio do
Desenvolvimento Sustentável, no qual se encontra a seguinte
afirmativa:
O uso da energia nuclear no País é objeto de signiãcativa
rejeição social, explicável, entre outros fatores, pelas
próprias condições em que foi decidida a construção da
primeira usina em 1970, em região de excepcional valor
paisagístico (Angra dos Reis), no eixo entre as duas maiores
regiões metropolitanas do País e com problemas de ordem
técnica na colocação do equipamento instalado.16
Ainda que com um reconhecimento parcial dos problemas
gerados pela Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, o
governo brasileiro não parece disposto a encer-
12 ATL 121, § 3a, do Código PenaL
13 O Globo, 6/8/1992.
14 O Tribunal Regional Federal da 1* Região, em 1995,
confirmou a decisão de primeira instância. Há grande
possibilidade de que sejam interpostos recursos para o
Superior Tribunal de Justiça e para o STF.
15 Cujo tratamento, aliás, é excessivamente brando.
16 O Desafio do Desenvolvimento Sustentável, Brasília, 1991,
p. 44.
Energia Nuclear
rar o seu programa nuclear e paralisar a construção das usinas
nucleares em Angra dos Reis.
O relatório Brundtland afirma a existência de uma tendência
internacional de relegar a energia nuclear a uma posição menos
relevante na matriz energética internacional; as exceções são
a França, o Japão, alguns dos países que resultaram da dis-
solução da antiga União Soviética17 e de vários outros países
do Leste europeu, que decidiram levar avante seus programas
nucleares; em muitos outros países, as perspectivas de
encomenda, construção e licenciamento de novos reatores não
parecem promissoras.18 O relatório Brundtland é de 1988 e,
desde então, muitas foram as mudanças ocorridas na ex-URSS e
no Leste europeu, o que, certamente, prejudicou o
desenvolvimento de investimentos no setor nuclear.
Em março de 1980, o povo sueco, mediante um plebiscito,
decidiu fechar todos os 12 reatores nucleares existentes na
Suécia até o ano de 2010. É importante observar que os
reatores suecos são considerados os mais seguros do mundo.19
Após a decisão tomada pelo povo da Suécia, muitos outros
países decidiram reexaminar profundamente os seus programas
nucleares e diversos deles decidiram encerrá-los. A Espanha,
no ano de 1984, decidiu paralisar a construção de novos
reatores nucleares, A Holanda, a Alemanha, a extinta
Iugoslávia e o Reino Unido, desde a decisão espanhola,
entraram em virtual moratória nuclear. No ano de 1990, a
Itália, após a realização de um plebiscito, decidiu fechar os
seus reatores nucleares, Na Europa ocidental, somente a França
mantém um programa nuclear ativo.20
É de se acrescentar que no Reino Unido, onde se desenvolve
um importante programa de privatização de empresas estatais, a
iniciativa privada não tem se interessado pela aquisição das
usinas nucleares.21
Os Estados Unidos, país que detém o maior número de reatores
nucleares, desde 1978, não estão construindo nenhum novo
reator. A consagrada revista Forbes publicou matéria na qual
se afirmou que:
O fracasso do programa nuclear norte-americano consiste no
maior desastre gerencial da história dos negócios.2Z
As imensas dificuldades econômicas permanentes que assolam
as economias dos países do terceiro mundo fizeram com que
muitos países abandonassem os seus res-
17 Na ocasião da elaboração e divulgação do documento, a União
Soviética ainda existia.
18 Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento —
Nosso Futuro Comum, Rio de Janeiro: FGV, 1988, p. 207.
19 Peter Miller. “A come back for nuclear power? Our eletric
future", in National Geographic, vol. 180, n° 2, August
1991, p. 78.
20 Idem, p. 79.
21 Bill Keepin. "Energia nuclear e aquecimento global”, in
Aquedmento Global — O Relatório do
Greenpeace, Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 273.
Direito Ambiental
pectivos programas nucleares. É no âmbito deste quadro de
desprestígio e desmobilização das atividades nucleares que, no
Brasil, se tenta prosseguir com a construção da usina de Angra
II, cuja utilidade prática é discutível.
4.1. Uma Tecnologia Cara
Costuma-se apresentar a tecnologia nuclear como um dos
principais aspectos da chamada “modernidade”. Nada mais falso.
A tecnologia nuclear já possui mais de cinquenta anos e não
traz qualquer novidade no campo científico. Afirma-se que a
energia nuclear é um importante aliado no combate ao
aquecimento global e no enfrentamento da poluição. Ou seja, a
energia nuclear é ecológica.
A alta taxa de emissão de gases estufe23 seria um forte
elemento incentivador da rediscussão do papel a ser
desempenhado pela energia nuclear dentro da matriz energética
mundial e nacional. Esta rediscussão seria possível tendo em
vista a tecnologia que se vem desenvolvendo, dos novos
reatores intrinsecamente seguros. O professor Luiz Pinguelli
Rosa,24 entretanto, afirma que a questão não se coloca em
termos brasileiros, pois a geração de energia por fonte
hidrelétrica, em nosso país, é muito grande e atende às
necessidades.
Quanto aos países que possuem como suas principais fontes de
geração de energia as usinas termelétricas, especialmente
aquelas que utilizam carvão ou óleo combustível, emissoras de
gases estufe, é falaciosa afirmativa de que seria possível
substituí-las pela alternativa nuclear. Assim é porque o
volume de consumo de combustíveis fósseis e o volume de
emissão de gás carbônico não está decrescendo.25 Ora, a manter-
se os níveis atuais de emissão de C02, seria necessária a
construção de cinco mil usinas nucleares até o ano 2025, ou
seja, a construção de uma usina a cada dois dias e meio,26 ao
custo de cinco trilhões e trezentos milhões de dólares
americanos. Somente os países do terceiro mundo teriam que
construir 2.351 usinas. A hipótese é totalmente inviável, não
só do ponto de vista econômico, mas, igualmente, do ponto de
vista do prazo necessário para a construção de cada uma das
instalações que, teoricamente, seriam necessárias para a
mencionada substituição.
Os valores mencionados no parágrafo anterior não são
calculados levando-se em consideração a necessidade de
armazenar o lixo nuclear, que é um problema cada dia mais
grave e que, como já foi visto ao longo deste trabalho, ainda
não encontrou tuna solução adequada em nenhum país do mundo.
Ademais, a substituição da atual geração de energia poluente
pela energia nuclear é extremamente custosa. Calcula- se que
matriz energética por uma matriz de base nuclear é 32 vezes
mais custosa do que programas eficazes de eficiência
energética.27
23 Gases que contribuem paia a ampliação do efeito estufa e
do aquecimento globaL
24 Luiz Pinguelli Rosa. “As alternativas energéticas e o novo
estilo de desenvolvimento”, in O Ambiente Inteiro-A
Contribuição Crítica da Universidade à Questão Ambiental,
Rio de Janeiro: UFRJ, 1992, p. 240.
25 Observe-se que a Convenção sobre o aquecimento global,
firmada na CNUMAD, RIO 92, não fixou prazos e metas para a
redução da emissão de gases estufa.
26 Bill Keepin. Ob. cit., p. 276.
27 jtfem.p. 282.
li *'
Si-'
Energia Nuclear
Há, também, um aspecto importante a ser considerado no plano
político, que é o do agravamento da dependência dos países
pobres em relação aos países ricos quando da utilização
massiva da energia nuclear. Este é um dado importante que vem
sendo “esquecido” pelos diversos governos. A opinião
insuspeita de José Goldemberg e Benjamim Dessus28 é a de que:
... a energia nuclear tem poucas chances de favorecer um
desenvolvimento equilibrado entre o Norte e o Sul. Os riscos
de disseminação da arma nuclear, o receio de novos acidentes,
os problemas do armazenamento dos detritos, as somas
financeiras a reunir são freios para um eventual e maciço
recurso à energia nuclear no mundo todo.
Várias tecnologias vêm sendo desenvolvidas em diversos
países visando à utilização da energia solar, da energia
eólica, da energia das marés e diversas outras. Igualmente
existe todo um esforço internacional com a finalidade de
desenvolver mecanismos que ampliem a eficiência da utilização
energética.
5. A Energia Nuclear no Brasil
A história da energia nuclear no Brasil teve seu início na
década de 50, quando foram instalados em São Paulo e Belo
Horizonte dois reatores com finalidades científicas. Em 1969,
o governo brasileiro decidiu comprar um reator de grande
potência, com o objetivo de produzir eletricidade. O reator
com a potência de 627 MW é aquele que está instalado na usina
Angra I, o aparelho foi adquirido à empresa Westinghouse.29
O ápice da história nuclear brasileira foi atingido com as
usinas nucleares de Angra dos Reis, cujos gastos, riscos e
condições gerais de funcionamento permanecem como uma caixa de
Pandora.
5.1. O Subsídio à Energia Nuclear no Brasil
O Estado brasileiro reconhece, explicitamente, que a energia
nuclear não tem condições de competitividade com a energia
gerada em usinas hidrelétricas. O Decreto ns 86.250, de 30 de
julho de 1981, que dispõe sobre o financiamento das usinas
nucleoelétricas, estabelece que estas devem ser financiadas
pela Nuclebrás. O mesmo Decreto, entretanto, estabeleceu um
mecanismo de subsídio público, às expensas do Tesouro
Nacional, pelo qual toda a sociedade brasileira deveria finan-
ciar a diferença de preço entre a energia originada de geração
hidroelétrica e aquela de origem nuclear. Em razão disto, o
artigo 4® do Decreto ora examinado dispõe:
28 “Energia: inventar novas solidariedades”, in Terra
Patrimônio Comum - A Ciência a Serviço do Meio Ambiente e
Desenvolvimento, São Paulo: Nobel, 1992, p. 151.
29 Luiz Pinguelli Rosa; Fernando de Souza Barros e Suzana
Ribeiro Barreiros. A Política Nuclear no Brasil, São Paulo:
Greenpeace, 1991, p. 14.
i Direito Ambiental
Havendo alternativas hidroelétricas para suprimento de
energia elétrica nas mesmas quantidades da opção nuclear, com
custo do quilowatt médio instalado, aferido junto aos centros
de consumo, inferior ao custo do quilowatt médio de origem
nuclear, referido ao mesmo ponto, a participação de recursos
próprios da concessionária compradora da usina nucleoelétrica
no pagamento do respectivo preço ficará limitada ao custo da
alternativa hidroelétrica.
A chamada Nova República não enfrentou a questão dos
subsídios públicos à energia nuclear e, ao contrário,
confirmou a dotação de subsídios públicos para a energia
nuclear, como pode ser visto pelo artigo l9 do Decreto ns
91.981, de 25 de novembro de 1985, cujo teor é o seguinte:
Serão incluídos nas propostas orçamentárias da União, a
partir do exercício de 1987, recursos anuais para o
cumprimento das obrigações financeiras resultantes de
operações de crédito correlatas, internas e externas,
contraídas por Fumas ~ Centrais Elétricas S.A. - no montante
financeiro apurado em 31 de dezembro de 1984, que deduzido do
investimento na Unidade I da central nuclear Almirante Álvaro
Alberto - Angra I, tome seu custo médio unitário de geração,
aferido no consumo, equivalente ao custo médio unitário de
tuna opção hidrelétrica, de semelhante capacidade, que fosse,
à mesma época, disponível para construção.
Levantamento preliminar realizado pelo Tribunal de Contas da
União30 demonstra que o subsídio à usina de Angra 1 foi assim
realizado:
... do custo total para a construção de Angra I, aferido em
dezembro de 1984, Cr$ 5.438.199,68 (cinco milhões,
quatrocentos e trinta e oito mil, cento e noventa e nove
cruzeiros e sessenta e oito centavos), Cr$
4.156.000,00passaram a ser responsabilidade da União. Este
valorem dezembro de 1989, estava quantificado em NCz$
11.735.118.000,00 (onze bilhões, setecentos e trinta e cinco
milhões e cento e dezoito mil cruzados novos).
A “dívida” da União31 para com Fumas é de alguns milhões de
dólares americanos. O mesmo relatório do TCU32 aponta outros
valores bastante significativos e que merecem transcrição:
30 Resultante de requerimento do autor para instruir a ação
civil pública movida pelo Ministério Público Federal em face
de Fumas Centrais Elétricas S/A; Comissão Nacional de
Energia Nuclear — GNEN e União Federal, na 5» Vara Federal
do Rio de Janeiro (proc. 9L297400).
31 Isto é, dos contribuintes brasileiros.
32 Processo n® TC - 016.440/91—9, decisão n8 197/92 — 2*
Câmara, relator Min. Ludano Brandão Alves de Souza.
- Hnsino Superior Bu&au
Energia Nuclear
Do montante de recursos a serem reembolsados à Fumas, pela
União, nos termos dos Decretos n3s 86.250, de 30.7.81 e 91.981,
de 25.11.85, a empresa já recebeu US$ 1.953,1 milhões... o
saldo devedor da União, registrado no balanço de Fumas de
31.12.89, ascendia ao montante de US$ 1.418 milhões,
considerando-se sua liquidação à vista naquela data.
Escalonado este valor no tempo do compromisso de quitação do
serviço da dívida, dos contratos de financiamentos associados
e adicionados os investimentos complementares da Usina Angra
I, o saldo devedor da União para com Fumas, referente aos
reembolsos determinados pelos Decretos n9 86.250 e 91.981,
passa a ser de US$ 2.715,9 milhões...
Observe-se que tais valores dizem respeito, apenas, ao
diferencial de preço entre a opção nuclear e a opção
hidroelétrica; e trata-se, apenas, do montante envolvido em
Angra I, uma vez que Angra II e III não são operacionais.
Outros fatores de custo serão examinados mais adiante. Uma
última observação é que o governo brasileiro fez opção pelo
prosseguimento de Angra II em um momento em que se fala em
neoliberalismo e em fim de subsídios públicos; entretanto, não
se adotou qualquer medida para que seja extinto o subsídio à
energia nuclear.
Em realidade, o que se verifica é que estamos diante de uma
opção energética que não consegue sustentar-se sem um forte
aporte de subsídios públicos. O problema dos subsídios à
energia nuclear tem atingido repercussão internacional e
merecido a atenção de todos aqueles que se preocupam com a
ecologia. Diversas propostas têm surgido, sendo de destacar
aquelas dos verdes franceses que defendem a privatização do
setor energético, em especial dos reatores nucleares:
La çomparaison intemationalepermet de démontrer que la non-
intervention économique de Vétat dans les choix énergetiques
rationalise les investis- sements. Nous pouvons considérer que
la privatisation dEDF et des secteurs industrie et recherche
du CEA couperait le nucléaire d’un soutien important33 (A
comparação internacional permite demonstrar que a não-
intervenção econômica do estado nas escolhas energéticas
racionaliza os investimentos. Podemos considerar que a
privatização da EDF e dos setores industriais e de pesquisa do
CEA cortaria uma importante fonte de recursos do nuclear).
5.1.1. Os Custos da Central Nuclear Almirante Álvaro
Alberto
A geração de energia elétrica no Brasil por fonte nuclear,
como já foi visto, é altamente subsidiada. Entretanto, o custo
do subsídio não é o único custo que toma a energia nuclear
profundamente mais onerosa que a energia hidroelétrica. Pode-
se atribuir, com tranquilidade, à energia nuclear boa parte da
dívida externa brasileira.
33 Judith Perrignon,. “Les Verts: Changer h société", in Tout
sur les Écologistes, Collection Libération, n° 9, mais 1992,
p. 21.
Direito Ambiental
As usinas Angra II e III, segundo dados do Tribunal de
Contas da União — TCU, até junho de 1991, haviam consumido,
nada mais, nada menos do que Cr$ 617.384.828.912,00
(seiscentos e dezessete bilhões, trezentos e oitenta e quatro
milhões, oitocentos e vinte e oito mil e novecentos e doze
cruzeiros), cifra equivalente, em moeda da época, a US$ 1,15
bilhão. A este custo pode ser acrescentado aquele com a
construção de subestações e linhas de transmissão, que é da
ordem de US$ 4,71 milhões.
Aos valores mencionados devem ser adicionados outros para
que se chegue aos custos reais de Angra dos Reis. A análise
preliminar realizada pelo TCU34 aponta gastos que são
verdadeiramente fantásticos. Veja-se que, na inspeção, não
estão computados os valores decorrentes de modificações
efetuadas em dois geradores de vapor, na renovação de luvas
térmicas do sistema primário de geração e troca de
transformadores.
A correção monetária dos valores examinados35 leva à
seguinte conclusão:
A inspeção verificou ainda a existência de dívidas
vinculadas à construção das três usinas nucleares programadas
pelo País (Angra 1, 2 e 3) em valores de junho de 1991, sob a
responsabilidade de Fumas, de Cr$ 82,1 bilhões ou US$ 263,3
milhões (Cr$ 1,88 trilhão a preços atuais). Dos recursos
gastos, US$ 243,1 milhões (cerca de 1 trilhão) referem-se a
despesas com o combustível nuclear comprado por Fumas à INB
para Angra I, desde a sua construção em 1970, até agosto de
1991, chegava a Cr$ 17,7 bilhões, o que equivale a US$ 56,7
milhões (Cr$ 234,6 bilhões a preços de hoje) Isso resulta no
valor médio mensal de manutenção de Angra 1 da ordem de Cr$
2,2 bilhões, ou US$ 5,6 milhões (Cr$ 23,15 bilhões, em valores
atuais).
O custo, informou o TCU, inclui a manutenção da
infraestrutura montada para Angra 2 e 3.
Enfim, os gastos foram e são bastante vultosos (não se
limitando aos arrolados anteriormente). A questão que se
coloca, em minha opinião, é a de saber até que ponto a
sociedade brasileira está disposta a arcar com estes custos.
Estudiosos do tema têm afirmado o aspecto negativo da energia
nuclear. O impacto econômico da energia nuclear tem sido
negativo no Brasil.36 O custo da energia nuclear é de apro-
ximadamente quatro vezes o custo da energia hidroelétrica.
Os custos que foram apresentados não levam em conta
determinados íatores que são fundamentais dentro de todo o
sistema de funcionamento de uma instalação nuclear. Tomemos
como exemplo o preço do descomissionamento,37 nenhuma esti
34 O relatório do Tribunal de Contas da União mereceu uma
longa reportagem publicada na edição de 2/8/1992 do jornal O
Estado de S.Paulo.
35 Tânia Malheiros e Teimo Wambier. “TCU vê perda de dinheiro
público em Angra”, in O Estado de S.Paulo, 2/8/1992.
36 Rosa, Barros e Barreiros, ob. cit., p. 40.
37 É a desativação de uma usina nuclear após o encerramento de
sua vida útil. Para que tuna usina nuclear seja
descomissionada, é necessário que se faça todo um processo de
descontaminaçâo do material etc.
Energia Nuclear
mativa dos custos da central nuclear Almirante Álvaro Alberto
leva em consideração tal valor. Igualmente, nos custos que
foram apresentados, não estão incluídos os valores referentes
ao seguro por acidentes nucleares;38 por fim, deve ser
considerado que, nos custos apresentados, não se incluem os
valores necessários para a disposição final do lixo nuclear
gerado pelas usinas nucleares.
O Tribunal de Contas da União — TCU entendeu que os
contratos celebrados em função das instalações nucleares de
Angra dos Reis significaram vultosas perdas de recursos
públicos “configuradas em investimentos” desnecessários,
ineficazes e ineficientes.
38 Bastante mitigados pela responsabilidade tarifada.
SEXTA PARTE TERRAS INDÍGENAS
Introdução
Introdução
A inserção de um capítulo constitucional, versando sobre os
índios e o direito dos povos indígenas, abriu uma nova
perspectiva em nosso sistema jurídico quanto à garantia do
respeito aos direitos dos povos indígenas. Lamentavelmente, a
simples existência de um capítulo constitucional dedicado aos
índios não é suficiente para assegurar a efetividade de suas
normas- A realidade indígena, como se sabe, não será
modificada apenas pela força dos artigos 231 e 232 da CF.
Os estudos jurídicos voltados exclusivamente para os índios
e sua realidade são muito poucos em nossa literatura
especializada. Poucas são as obras jurídicas voltadas para o
exame legal das questões indigenistas. Infelizmente, esta
lacuna em nosso universo jurídico ainda está longe de ser
superada e, em realidade, os cursos jurídicos e os estudiosos
do Direito não têm demonstrado muito interesse, seja pela vida
dos indígenas, seja pelo Direito Indigenista.
A importância do estudo do Direito Indigenista é, em nossa
opinião, fundamental, pois, no estudo da condição jurídica dos
povos indígenas, diversas e candentes questões têm sido
suscitadas ao longo de séculos. Em primeiro lugar, parece-me
que o reconhecimento à diferença e à identidade são os pontos
cruciais de todo o Direito Indigenista. Os obstáculos ao
exercício do direito à diferença têm diversas origens. Existem
os obstáculos de natureza ideológica, que se fundamentam em um
forte componente racista. Existem, ainda, obstáculos de
natureza econômica, pois não é segredo para ninguém que a
localização geográfica e espacial dos povos indígenas estimula
a cobiça de grupos econômicos com grandíssimos interesses na
área de mineração e na extração de produtos naturais,
sobretudo na atividade madeireira. Acrescente-se, ademais, a
fortíssima vinculação dos temas indigenistas com a geração de
energia elétrica através da construção de usinas hidrelétricas
e outras formas de utilização de recursos naturais.
Os graves problemas fundiários existentes no Brasil,
igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolva os
problemas relativos às terras indígenas. Assim é, na medida em
que a expansão da fronteira agrícola verificada na década de
70 do século XX e a construção de diversas rodovias, tais como
a Transamazônica, implicaram o deslocamento de inúmeros povos
indígenas das terras que tradicionalmente ocupavam, ou mesmo a
invasão das terras indígenas por colonos originários das mais
diferentes regiões do País.
Outro aspecto extremamente importante a ser observado é o da
íntima relação entre os povos indígenas e a preservação do
meio ambiente e a ecologia. Os povos indígenas são, dentre
todos, aqueles cujas formas de vida guardam maior proximidade
cora a natureza e o meio ambiente. A preservação do meio
ambiente é uma condição fundamental para a reprodução da vida,
nos moldes tradicionais, nas comuni-
Direito Ambiental
dades indígenas. Em um país como o Brasil, no qual a presença
de imensas áreas florestais é significativa, não se pode
deixar de examinar a repercussão que o Direito possui na vida
dos povos e gentes que encontram na floresta o seu habitat.
Os povos indígenas e os demais povos que habitam as
florestas brasileiras, desde que compreendidos em suas
diferenças em relação à sociedade envolvente, têm um papel
fundamental a desempenhar em toda a complexa marcha para o
perfeito conhecimento da biodiversidade existente nas
florestas, em especial na Floresta Amazônica. É de se observar
que a própria Lei Fundamental Brasileira reconhece a
importância dos índios para a preservação do meio ambiente,
assim como reconhece a importância do meio ambiente para a
preservação e sobrevivência dos índios (art. 231, § 1«).
Há uma nova compreensão do papel a ser desempenhado pelos
povos aborígenes na preservação ambiental. Lentamente, está
sendo modificada a antiga, e errônea, compreensão de que a
proteção ambiental deveria ser feita mediante a adoção de
políticas que implicassem o isolamento da área a ser
protegida.
E necessário, e fundamental, que os povos indígenas possam
conservar suas identidades e peculiaridades como parte
integrante que são da riqueza e diversidade cultural
brasileira. É de se observar que a República Federativa do
Brasil é signatária da Convenção n2 169,1 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT - Convenção relativa aos povos
indígenas e tribais em países independentes. O artigo 4.1 da
referida convenção determina que:
Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam
necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os
bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados.
Não se pode deixar de mencionar, ademais, toda a
problemática suscitada pela presença indígena em diversas
regiões da fronteira brasileira e de suas implicações em temas
extremamente sensíveis, tais como soberania e defesa
nacionais. Em suma, embora extremamente marginalizados pela
sociedade brasileira, não resta dúvida de que os índios estão
colocados em uma posição estratégica naquilo que diz respeito
à construção do Brasil como Nação e, principalmente, como
Nação e Estado democráticos. Está, portanto, plenamente
justificada a inclusão de toda uma seção dedicada ao Direito
índigenista no interior de um livro voltado para o estudo do
Direito Ambiental.
1 A referida Convenção, embora remetida ao Congresso Nacional
pela mensagem 367, de 16/7/1991, ainda não foi aprovada pela
Casa Legislativa.
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
Capítulo XXXVI Evolução Histórica da Legislação Indigenista
L Os Primeiros Contatos com o Colonizador
O colonizador, quando aportou nas terras brasileiras, já
encontrou uma grande população plenamente estabelecida. Esta
população era de aproximadamente cinco milhões de indivíduos e
composta por muitos e muitos povos extremamente diferentes
entre si. Os povos nativos que aqui estavam passaram a ser
conhecidos como índios. Esta designação passou a ser válida
para todos os povos e indivíduos que aqui habitavam.
Desnecessário dizer da superficialidade da generalização. Tal
designação, como se sabe, é bastante equívoca, pois não se
pode afirmar qualquer semelhança entre os originários
habitantes de nossa terra e as populações do subcontinente
indiano. Esta, no entanto, foi a designação que se adotou para
todos os povos nativos do “Novo Mundo”.
Os “índios”, em realidade, eram, e são, constituídos por
diversos povos e nações com costumes e peculiaridades
específicas e diferenciadas. Não se pode agrupá-los em uma
única categoria. Pouco se sabe sobre os povos que habitavam o
Brasil quando da época da chegada dos colonizadores. Os tupis
formam o grupo mais bem conhecido, pois, em razão dos combates
e guerras que travaram com os portugueses, estes passaram a
anotar-lhes as características mais importantes etc.
Diferentemente daquilo que é pregado pela história oficial, a
colonização não se fez sem sangue e sem luta. A disparidade
entre a força das armas, o nível organizacional e outras
circunstâncias1 levaram os povos nativos à derrota ante o
colonizador. Convém acentuar, contudo, que: nos limites de
suas possibilidades, foram inimigos duros e terríveis, que
lutaram ardorosamente pelas terras, pela segurança e pela
liberdade, que lhes eram arrebatadas conjuntamente.2 Não há,
contudo, uma história da resistência indígena. A História é
sempre a História do vencedor, de seus “feitos”. O movimento
his- toriográfico voltado para o “outro” lado da História é
recente e minoritário. Os indígenas dedicavam-se à caça, à
pesca, à silvicultura e à colheita. Os instrumentos utilizados
para as suas atividades eram, em geral, construídos de pedras
ou de madeira. O ferro ou o bronze eram desconhecidos entre os
primitivos habitantes do Brasil.
1 Em especial, a propagação de doenças até então desconhecidas
na América e cujo efeito sobre as populações aborígines foi
devastador.
2 Sérgio Buarque de Holanda. História Cerzi da Civilização
Brasileira, 1 - A época colonial (do descobri
mento à expansão territorial). São Paulo: DIFEL, 1985,7S ed.,
p. 72.
Direito Ambiental
Os brasileiros nativos, desde o começo, sofreram a
escravização por parte dos colonizadores que aqui aportavam.
De fato, a escravização dos “gentios”3 caminhou lado a lado com
a ocupação do território brasileiro e dela não pode ser
separada. Conforme anota Rodolfo Garcia:
Desde o primeiro contato com a terra do Brasil, como veio a
chamar-se logo depois, e com a população aborígine começaram
os descobridores a praticar a escravidão.4
1.1. O Regimento de Tomé de Souza
O Regimento do Governador Geral Tomé de Souza continha
determinações extremamente precisas para que a mais alta
autoridade colonial buscasse explorar as eventuais rivalidades
entre os diversos povos nativos, em proveito da empreitada da
colonização. E, igualmente, trazia ordens para que o exército
colonizador destruísse, sem qualquer piedade, aqueles que se
opusessem à atividade da colonização. Vale ressaltar que a
palavra "paz” está muito presente no documento que ora se
comenta. Mas, sem dúvida, trata-se da paz conseguida à custa
do silêncio e da submissão dos povos que já se encontravam nas
terras brasileiras no momento da chegada dos portugueses. Os
termos contidos no Regimento são assustadores:
E tanto que a dita cerca for reparada e estiverdes provido
do necessário, e o tempo vos parecer disposto para isso,
praticareis, com pessoas que o bem entendam, a maneira que
tereis para poder castigar ps culpados, a mais a vosso salvo,
e com menos risco da gente que puder ser, e como assim
tiverdes praticado, o poreis em ordem, destruindo-lhes suas
aldeias e povoações, e matando e cativando aquela parte deles,
que vos parecer que basta para seu castigo e exemplo de todos,
e daí em diante, pedindo-vos paz, lha concedais, dando-lhes
perdão; e isso, porém, será com eles fícarem reconhecendo
sujeição e vassalagem, e com encargo de darem em cada ano
alguns mantimentos para a gente da povoação; e no tempo que
vos pedirem paz, trabalhareis por haver a vosso poder alguns
dos principais que foram no dito alevantamento, e estes manda-
reis, por justiça, enforcar na aldeia donde eram principais.5
3 Verbete: gentio [Do lat. tardio gentile.J S. m. 1. Aquele
que professa o paganismo; idólatra. 2. P. ext. índio 1 (2).
3. Pop. Grande porção de gente; multidão. Adj. 4. Que segue
o paganismo; idólatra. Diáonário Aurélio Eletrônico, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.
4 Ensaio sobre a História Política e Administrativa do Brasil
(1500-1810). Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1975, 2» ed.,
p. 63.
5 Mendonça, Marcos Carneiro de. Raizes da Formação
Administrativa do Brasil, tomo I, Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro/Conselho Federal de Cultura, 1972, p.
37.
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
Não obstante as ordens extremamente cruéis e duras contidas
no Regimento, toda a atividade colonizadora, conforme se pode
ler no documento comentado, foi praticada no intuito de trazer
a fé católica aos indígenas:
Porque a principal cousa que me moveu a mandar povoar as ditas
terras do
Brasil foi para que a gente delas se convertesse à nossa
Santa Fé Católica.6
A nobre missão de levar a fé aos gentios, contudo, não
impediu que as autoridades coloniais simplesmente ignorassem
todos os mandamentos religiosos e eclesiásticos que proibiam a
escravização dos povos indígenas. Em realidade, ao longo de
todo o período colonial, houve uma legislação extremamente
vacilante e contraditória que jamais conseguiu, efetivamente,
impedir e proibir o cativeiro dos índios.
Izidoro Martins Jr. destaca a seguinte passagem do Regimento
de 1548:
... Destruir-íhes as aldeias e povoações, matando, cativando e
expulsando
o número que lhe parecesse bastante para castigo e exemplo?
No projeto da colonização, como se pode perceber, não havia
qualquer espaço para a complacência ou tolerância para com os
primitivos ocupantes de nossas terras brasileiras. A guerra
travada contra os indígenas possuía dois fronts bastante
claros e definidos: o ataque físico às populações indígenas e
o ataque cultural. Pelo ataque físico tentava-se a destruição
militar dos indígenas; pelo ataque cultural o objetivo era a
“integração1* dos indígenas à ideologia e à sociedade colonial.
Estas características que marcaram o início do processo de
colonização são as principais características que regeram, por
cinco séculos, as relações entre brancos e índios, entre
“civilizados” e “selvagens”.
1.2. A Escravização dos Indígenas
Uma das primeiras manifestações do colonizador para com os
índios foi a tentativa de escravizá-los.8 Já no ano de 1511,
cerca de 30 índios cativos foram levados para Lisboa. Os
Senhores e Donatários das capitanias hereditárias recebiam,
através das próprias Cartas de Doação e Forais, o direito de
escravizar indígenas. Os senhores tinham o direito de
escravizar quantos índios quisessem e podiam levar até 39 para
a capital da colônia. Buscava, o colonizador, assegurar o
suprimento de mão-de- obra barata e abundante, sem que
precisasse, para tanto, comprar escravos negros no mercado
africano.
6 Mendonça, Marcos Carneiro de. Ob. cit., p. 43.
7 História do Direito Nacional, Brasília: Ministério da
Justiça, 1979, p. 133.
8 Para maiores detalhes sobre o assunto, v. Antunes, Paulo de
Bessa. Uma Nova Introdução ao Direito, Rio de Janeiro:
Renovar, 2a ed., 1992, pp. 260 e seguintes.
Direito Ambiental
O início oficial e legal do cativeiro indígena, contudo,
ocorreu no ano de 1537, quando foi expedida uma Carta Régia
pela qual foi permitida a escravização dos caetés.
Ao longo do período colonial foram feitas inúmeras leis e
outros documentos legais que tinham por finalidade tratar da
“liberdade” dos povos indígenas. Este era o eufemismo
utilizado para estabelecer as condições mediante as quais era
permitida a escravização dos indígenas. Em que pese a alegada
fé cristã e católica da Coroa Portuguesa, a Corte jamais deu
muita importância aos mandamentos da Igreja quanto ao delicado
problema da escravização dos índios. Sendo certo, igualmente,
que a própria concepção eclesiástica acerca do problema da
escravização dos indígenas, por muito tempo, foi vacilante e
contraditória. Observe-se que, no ano de 1537, isto é, no
mesmo ano em que foi permitida a escravização dos caetés, o
papa Paulo III expediu uma Bula pela qual eram excomungados
todos aqueles que mantivessem índios em cativeiro. Segundo
Eduardo Galeano:9
Uma nova Bula sai do Vaticano. Se chama subhmis Deus e
descobre que os
índios são seres humanos, dotados de plena razão.
Tal Bula foi confirmada, em 1639, por Urbano VIII.
A legislação acerca dos direitos, deveres e escravização dos
indígenas sempre foi muito confusa, embora tivesse um núcleo
comum que era o de, no mínimo, submeter os índios à religião
católica. Tanto é assim que no Regimento de Tomé de Souza
constava que o principal fim por que se povoava o Brasil era o
de reduzir “o gentio à fé católica”.10 Reduzir o gentio à fé
católica, evidentemente, significava impor a religião católica
aos índios. Pela lei de 30 de julho de 1609, os índios foram
declarados livres conforme o Direito e seu nascimento natural.
Por força desta nova legislação, os índios tiveram
restabelecidos os seus direitos de liberdade. Tal liberdade,
contudo, não teve maior duração, pois a lei de 10 de setembro
de 1611 restabeleceu o regime de escravidão indígena. Pela
referida lei será reputado legítimo o cativeiro não só dos
aprisionados em guerra justa, mas, também, dos índios
resgatados quando cativos de outros índios.11
Embora seja indiscutível a forte influência da Igreja
Católica em todo o processo de colonização do território
brasileiro, ela não conseguiu impedir a legislação que
permitia a escravidão indígena. Somente em 1647 é que foi
revogada a lei de 13 de outubro de 1611, a qual estabeleceu
condições para a “liberdade dos gentios”. Com efeito, os
Alvarás de 10 de novembro de 1647 e dos dias 5 e 29 de
setembro de 1649 restabeleceram o regime de liberdade dos
povos nativos. É de se observar, contudo, que, pela provisão
de 17 de outubro de 1653, voltada especialmente para o Pará e
para o Maranhão, foram restabelecidos os antigos casos de
cativeiro e instituídos outros novos. Já aos 9 de abril de
1655 foram abolidos os novos casos de escravidão.
9 Nascimencos - Memória do Fogo (1), Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986, p. 155.
10 Izidoro Martins Jr. Ob. cit., p. 133.
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
A incoerência e vacilação da legislação, contudo, levaram a
que leis dos anos 1663,1667 e 1673 voltassem a determinar
hipóteses de escravidão indígena. A escravidão indígena foi
abolida pela lei de ls de abril de 1680, que repristinou a lei
de 30 de julho de 1609; pela lei em tela foi determinado:
se não pudesse cativar índio algum em nenhum caso, nem ainda
nos executados nas leis anteriores, sendo livres os que fossem
prisioneiros nas guerras ofensivas ou defensivas que com os
colonos fizessem, como se usa nas da Europa; podendo somente
ser entregues nas aldeias de índios livres católicos, para que
se pudessem reduzir à fé e servir ao estado.12
Em 1684, pela lei de 2 de setembro, novamente, foi
restabelecida a escravidão indígena. Para o grande estudioso
da escravidão no Brasil, Perdigão Malheiros, a lei de 2 de
setembro, contudo» não passava de uma “escravidão disfarçada”,
A revogação definitiva da escravidão indígena no Brasil só
veio a ocorrer com a carta Régia de 27 de outubro de 1831.
J. F. Lisboa, citado por Izidoro Martins Jr.,13 fez uma
síntese extremamente feliz de todas as ambiguidades e
contradições que marcaram a escravização dos povos indígenas:
Em relação aos índios a dominação portuguesa foi uma série
nunca interrompida de hesitações e contradições até o
ministério do marquês de Pombal. Decretava-se hoje o cativeiro
sem restrições, amanhã a Uberdade absoluta, depois um meio-
termo entre os dois extremos. Promulgava-se, revogava-se,
transigia-se, ao sabor das paixões e interesses em voga, e,
quando enfim se supunham as idéias assentadas por uma vez,
recomeçava-se com novo ardor a teia interminável. Foi aquele
ministro enérgico e poderoso quem rompeu sem regresso com o
princípio funesto da escravidão. Os índios, é certo, ainda
depois das famosas leis de 1755, foram não poucas vezes
vítimas da opressão; porém o mal nestes casos tinha um caráter
meramente acidental e transitório e nunca mais adquiriu os
foros de doutrina corrente, que legitimando os seus
resultados, os tomava por isso mesmo mais intensos e
duradouros. As experiências que em sentido contrário tentou o
governo do príncipe regente em 1808 nem foram bem aceitas pela
opinião pública, nem vingaram contra o princípio da liberdade
já radicado... Um curioso espécime dessa legislação casuística
e vacilante é a provisão de 9 de março de 1718, que, ela só,
resume em poucas linhas quanto se encontra disperso em difusas
páginas durante mais de dois séculos... É fácil conceber todo
o partido que executores ávidos e cruéis podiam tirar dessas
leis contraditórias e confusas, que multiplicando-os casos e
as exceções davam estímulos poderosos à cavilação e ao
arbítrio... Uma vez reduzidos ao cativeiro, índios
12 Izidoro Martins Jr. Ob. cit., p. 138.
Direito Ambiental
e africanos eram em tudo e por tudo igualados em condição e
miséria. As leis portuguesas, equiparando-os freqüentemente às
bestas e a animais, e considerando-os antes coisas que
pessoas, tratavam-nos conseqüentemente de um modo estranho a
todos os sentimentos de humanidade. Os escravos chamavam- se
peças. Como fôlegos vivos e bem perituros, acautelava-se o
perigo da sua perda. Como gado ou mercadoria, marcavam-se e
carimbavam-se para se não confundirem uns com os outros, em
prejuízo dos respectivos senhores. Se cometiam crimes, e um
dos mais graves era tentarem fugir do cativeiro, julgavam-se
em voz, sem forma nem estrépito de juízo, e a mutilação e a
marca de ferro em brasa, já instrumentos de boa arrumação
mercantil e sinais distintivos da propriedade, passavam a
fígurar entre as disposições da política e justiça real... Nem
os seus folguedos rudes e simples, nem os ornatos das suas
mulheres escapavam a implacável regulamentação da Corte!... A
exploração destas peças desvalidas nunca ficou circunscrita
dentro dos limites da escravidão, aliás tão fáceis de transpor
e sempre tão pouco respeitados pela cobiça infrene dos
exploradores. Quanto aos remorsos ou à hipocrisia da Corte
forçaram-na a decretar o princípio da Uberdade, fícava-lhe o
recurso dos desci- mentos dos índios Üvres para prover os
colonos ociosos de braços para o trabalho... Com o suor de seu
rosto, e a força de seus braços, edificavam-se a$ igrejas, os
conventos, os hospitais, os palácios, as fortalezas e os
armazéns reais. Eles abriram as estradas, lavraram a terra,
colhiam os frutos, beneficiavam os engenhos, tripulavam as
canoas, iam à pesca e à caça, apanhavam o gado, e eram nos
açougues as ajudas dos açougueiros. Os índios finalmente
faziam a guerra ofensiva e defensiva no interesse dos seus
opressores, e iam com eles às expedições do sertão para
matarem, cativarem e desceram por seu turno outros índios.
O grande historiador do Direito brasileiro, Izidoro Martins
Jr., com maestria, resumiu o significado da legislação
portuguesa acerca da escravização dos indígenas:
Foi esta que aí Sca, na sua simplíssima feição de labirinto,
de caos, de Proteu administrativo, a extravagante legislação
portuguesa sobre os índios da colônia brasileira.14
A escravização do índio, no Brasil, não é mais permitida,
assim como não é permitida a escravização de nenhum ser
humano. Contudo, muitas denúncias referentes à existência de
escravidão indígena têm sido feitas.
14 Izidoro Martins Jr. Ob. cit., p. 139.
ÍSSJ • Ensino Superior Bmm Jurídico
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
2. O índio nas Constituições Brasileiras
Conforme ensina José Afonso da Silva,15 ... a Constituição
de 1988 revela izm grande esforço da Constituinte no sentido
de preordenar um sistema de normas que pudesse efetivamente
proteger os Direitos e interesses dos índios. É indiscutível
que a Carta Política de 1988 foi aquela que mais extensamente
abordou o assunto e o fez de maneira mais favorável aos
índios. O tratamento foi bastante abrangente, mas é preciso
que se diga que a simples presença, ainda que ampla, das
questões indígenas em nossa Lei Fundamental não é suficiente
para equacionar os gravíssimos problemas enfrentados pelos
diversos povos nativos em nosso País.
As Cartas de Doação e Forais expedidas pelos Reis de
Portugal em favor dos donatários das Capitanias Hereditárias e
os próprios Regulamentos dos Gerais foram os primeiros textos
legais vigentes no Brasil e, guardadas as devidas proporções,
podem ser considerados como as Constituições primitivas do
Brasil. Em tais documentos constavam normas acerca dos
indígenas. Tais normas eram destinadas à “pacificação” e
determinavam a conduta a ser seguida pelos portugueses em
relação aos indígenas.
A Constituição brasileira de 1824 não dedicou qualquer de
seus itens ao tratamento dos problemas indígenas. Foi
totalmente omissa. A omissão constitucional redunda,
provavelmente, do fato de a Carta ter sido outorgada e do
pouco interesse que a sorte dos índios sempre despertou nas
classes dirigentes brasileiras, imperiais e republicanas. É
curioso que a Assembleia Constituinte não deixou de debater os
assuntos indígenas. O resultado dos debates, contudo, foi
classificado por Manuela Carneiro da Cunha16 como
“decepcionante”.
A Carta Republicana de 1891 não se dedicou aos assuntos
indigenistas, É importante observar, contudo, que o debate
acerca dos aborígines esteve presente na Assembleia
Constituinte. O Apostolado Positivista, na sua proposta
constitucional, elaborou um texto que reconhecia cabalmente os
índios e seus direitos originários.
Mais uma vez, a Professora Manuela Carneiro da Cunha17
fomece-nos uma indicação segura a ser seguida:
Em 1890, o Apostolado Positivista apresenta à Constituinte
uma proposta que contém o mais explicito reconhecimento da
soberania indígena. Art. I5 A República dos Estados Unidos do
Brasil é constituída pela livre federação dos povos
circunscritos dentro dos limites do extinto Império do Brasil.
Compõem- se de duas sortes de estados confederados, cujas
autonomias são igualmente reconhecidas e respeitadas segundo
as fórmulas convenientes a cada caso, a saber: I - Os Estados
Ocidentais brasileiros sistematicamente confederados e que
provêm da fusão do elemento europeu com o elemento africano e
o ele-
15 Curso de Direito Constitucional, São Paulo: MaLheiros, 9»
ed-, p. 722.
16 Os Direitos do índio, São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 65.
17 Idem, pp. 71 e seguintes.
Direito Ambiental
mento aborígene. II - Os Estados Americanos brasileiros
empiricamente confederados, constituídos pelas hordas
fetichistas esparsas pelo território de toda a República. A
federação deles hmita-se à manutenção das relações amistosas
hoje reconhecidas como um dever entre nações distintas e
simpáticas, por um lado; e, por outro lado, em garantir-lhes a
proteção do Governo Federal contra qualquer violência, quer em
suas pessoas, quer em seus territórios. Estes não poderão
jamais ser atravessados sem o seu prévio consentimento
pacificamente sohcitado e só pacificamente obtido.
A primeira Constituição brasileira a dispor sobre a situação
jurídica dos indígenas foi a de 1934.18 A Constituição de 1934
dedicou dois tópicos ao tema ora examinado. A menção inicial
encontrava-se presente no artigo 55, inciso XIX, alínea m.
Tratava-se ali da competência legislativa privativa da União.
Dentre as competências legislativas privativas da União estava
incluída a de legislar sobre incorporação dos silvícolas à
comunhão nacional. O artigo 129 manteve e elevou em nível
constitucional a tradição do Direito brasileiro em reconhecer
e respeitar os direitos originários dos indígenas sobre as
suas terras.19 Assim é que o artigo mencionado dispunha;
Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se
achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto,
vedada a alienação das mesmas.
A Carta Ditatorial de 1937, por seu artigo 154, dispunha
que:
Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se
achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém,
vedada a alienação das mesmas.
O fim da Ditadura Vargas foi consolidado pela Constituição
de 1946, que, também, fez menção aos silvícolas e suas terras.
O artigo 52, ao tratar das competências legislativas da União,
determinou ser de sua competência legislar sobre a incorpora-
ção dos silvícolas à comunhão nacional. Já o artigo 216
dispunha que:
Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde,se
achem permanentemente localizados, com a condição de não as
transferirem.
Já a Constituição de 1967 incluiu entre os bens da União as
terras ocupadas pelos silvícolas (art. 4e, IV). O artigo 8e
daquela Constituição, em seu inciso XVII, incluiu entre as
competências da União a de legislar sobre nacionalidade,
cidadania e naturalização; incorporação dos silvícolas à
comunhão nacional. O regime jurídico constitucional das terras
ocupadas pelos indígenas, em suas linhas básicas, foi esta-
belecido pelo artigo 186, cujo teor era o seguinte:
18 Luciano Mariz Maia. Legislação Indigenista, Brasília:
Senado Federal, 1993.
19 Pelo menos em nível de legislação. A prática, contado, é
bem diversa.
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
Ê assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras
que habitam e reconhecido seu direito ao usufruto exclusivo
dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas
existentes.
A Emenda Constitucional ns 1, de 17 de outubro de 1969,
estabeleceu a competência legislativa da União naquilo que diz
respeito à incorporação dos silvícolas à comunhão nacional
(art. 8a, XVII, alínea o), A mesma Emenda, por seu artigo 198,
dispôs sobre as terras indígenas. De todas as Constituições
que o País tivera até aquele momento, foi a E.C. n5 1 aquela
que dedicou maior espaço à questão.
O artigo 198 estabeleceu que:
As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos
termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua
posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao
usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as uti-
lidades existentes.
Por força do mandamento constitucional, foram declarados
nulos e extintos todos os efeitos jurídicos, quaisquer que
fossem as suas naturezas, de atos que tivessem por objeto o
domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos
silvícolas (art. 198, § Ia). A declaração de nulidade
constitucionalmente estabelecida foi determinada sem que o
usurpador das terras indígenas tivesse direito a qualquer
indenização (art. 198, § 2^),
Do ponto de vista cultural, a Constituição de 1988 foi a
mais abrangente naquilo que diz respeito aos direitos dos
povos indígenas, conforme se verá ao longo do presente
trabalho.
O traço comum entre as diversas Cartas Políticas anteriores
à atual é o de buscar “integrar” o índio à comunidade
nacional. Parece-nos que nos dispositivos constitucionais
anteriores está presente a ideia de que o índio é um ser
estranho à chamada comunidade nacional, pois não compartilha
dos elementos julgados basilares pelos nacionais, tais como a
religião, a língua, os costumes, a maneira de ver o mundo etc.
A diferença existente entre os índios e a “comunidade
nacional” é vista como algo a ser eliminado, através da
progressiva transformação do indígena em "branco”, ou seja, à
medida que o indígena abra mão de sua diferença cultural e
assuma a plena identificação com a sociedade envolvente. A
integração, portanto, se faria através da dissolução do
elemento cultural e existencial dos povos indígenas nos
elementos da “comunhão nacional”.
O índio é visto, em nossa tradição constitucional, como um
co-habitante do País, mas, efetivamente, não é um nacional.
Pior, não é sequer estrangeiro, pois aos estrangeiros
residentes sempre foram reconhecidos todos os direitos
fundamentais do homem. Jamais se exigiu que um estrangeiro se
“aculturasse”, para ter direitos sobre os seus filhos ou bens,
por exemplo. Patemalisticamente, as Constituições reconheceram
a existência dos índios para negar-lhes o direito à diferença
e aniquilá-los em suas identidades fundamentais.
As Constituições que precederam à atual não reconheceram aos
povos indígenas o direito à manutenção de seu modo particular
de vida. O que foi reconhecido,
Direito Ambiental
pelas cartas anteriores, é que os índios se constituíam em uma
parcela da população brasileira que, ainda, não havia se
agregado às demais. Este afastamento dos indígenas da
“comunhão nacional” se fazia em razão do “atraso cultural”
destes povos em relação aos demais brasileiros. O índio e a
sua cultura, nos regimes anteriores, jamais passaram do âmbito
da “curiosidade folclórica”, isto é, expressavam formas de
vida e de pensar que, devido à sua ingenuidade, deveriam ser
substituídos por uma expressão cultural mais consistente, mais
amadurecida, mais perene, a cultura ocidental manifestada na
“comunhão nacional”.
Pensamos, a propósito, que nós, brasileiros, não obstante a
nossa evidente pluralidade étnica e cultural, ainda, não
logramos atingir um patamar de convivência democrática que nos
possibilite o reconhecimento das diferenças existentes entre
todos nós. Ao contrário, a ideologia predominante é aquela que
busca criar semelhanças e igualdades étnicas e raciais, a
partir de um modelo predominante, ao qual todos os demais
devem se submeter.
2.1. Dispositivos da Constituição de 1988
A CF de 1988 contém diversas menções implícitas e explícitas
aos índios. Os artigos constitucionais voltados para os povos
indígenas são os seguintes: art. 20, XX; 22, XIV; 109, XI;
129, V; 210, § 2*; 215, § 1°; 231 e 232.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas integram
o conjunto de bens da União (art. 20, XI), sendo da
competência privativa desta legislar sobre as populações
indígenas (art. 22, XTV). Ao Congresso Nacional compete dispor
sobre a autorização, a exploração e o aproveitamento dos
recursos hídricos e a lavra de riquezas minerais nas terras
indígenas (art. 49, XVI). É importante observar que, no caso,
o Congresso Nacional exerce a atribuição sem a sanção do
Presidente da República (art. 48).
O processamento e o julgamento de ações judiciais versando
sobre direitos indígenas cabe à Justiça Federal (art. 109,
XI), sendo atribuição do Ministério Público Federal a tutela
judicial dos interesses e direitos das populações indígenas
(art. 129, V).
A educação dos povos indígenas também foi motivo de
preocupação da Assembleia Nacional Constituinte. Assim é que o
artigo 210, em seu § 29, determinou fossem asseguradas às
comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem. Garantiu a Lei Fundamental
que os povos indígenas possam desenvolver-se em seu próprio
idioma e, mais que isto, possam garantir a perpetuação de um
dos elementos mais fundamentais para a construção de tuna
identidade, que é a língua.
Ainda no campo cultural, o constituinte desejou fossem
garantidas as peculiaridades da cultura indígena. Em assim
sendo, foi assegurada aos índios a proteção de seus valores e
manifestações culturais (art. 215 e §§). Não se pode deixar de
anotar que as tradições, modos e maneiras de viver, pensar e
produzir, indígenas, por força da norma contida no artigo 216,
são parte integrante do patrimônio cultural brasileiro.
Existem, ademais, artigos constitucionais que, mediatamente,
dizem respeito à problemática vivenciada pelos povos pré-
colombianos. Tais artigos podem ser encontrados nos capítulos
destinados aos direitos e garantias individuais, aos direitos
Evolução Histórica da Legislação Indigenista
sociais e coletivos, à ordem econômica e social etc. Por
questões óbvias por si mesmas, deve ser ressaltado que os
tópicos constitucionais voltados para a atividade garxmpeira e
para a extração de riquezas minerais e naturais têm grande
relevância para tudo aquilo que diga respeito aos povos
indígenas.
2.1.1. Dispositivos Específicos
Em que pese seja muito criticada, mais pelo que tem de
positivo do que pelos seus aspectos negativos, a Constituição
de 1988 é aquela que dedicou maior atenção à dura realidade
vivida pelos indígenas. Em verdade, a vigente Constituição
dedica um capítulo especialmente aos índios.
Os índios e o seu modo de ser foram cabalmente reconhecidos
pela CF, tendo sido imposta à União a obrigação de proteger os
índios, suas terrais, sua cultura, suas línguas, bens etc. É
importante frisar que os direitos dos índios sobre suas terras
foram considerados direitos originários. A reconhecida
especialista Manuela Carneiro da Cunha20 afirma que a categoria
direitos originários é importante pois ... tais direitos
derivam de um fato histórico - o de terem sido os índios os
primeiros ocupantes do Brasil - e não, como erroneamente
muitas vezes se pensa, da situação de fragilidade e
desproteção em que se encontram. Os direitos originários dos
indígenas sobre as suas terras são preexistentes a qualquer um
outro, de quem quer que seja. São, portanto, oponíveis erga
omnes.
A própria Lei Fundamental definiu o conceito de terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios. Tais terras são
aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as
utilizadas com vistas às suas atividades produtivas,
culturais, religiosas etc.
É nos artigos 231 e 232 que se encontram os elementos
essenciais para a definição jurídico-constitucional de tudo
aquilo que diz respeito aos indígenas e seus direitos
coletivos e individuais.
2.2. Conclusão
O Texto Constitucional de 1988 é bastante abrangente e pode,
efetivamente, fornecer um quadro institucional bastante
adequado para a proteção jurídica, física e cultural dos povos
indígenas. É exatamente em razão dos aspectos claramente favo-
ráveis aos índios e seus direitos que, por ocasião da
natimorta revisão constitucional de 1994, muitas propostas têm
sido feitas visando à modificação dos dispositivos
constitucionais referentes aos povos indígenas.
A defesa consequente dos dispositivos constitucionais
referentes aos direitos dos índios é uma das principais
tarefes jurídico-políticas dos democratas brasileiros.
20 CEDI — Centro Ecumênico de Documentação e Informação -
Povos indígenas no Brasil — 1987/88/89/90, Aconteceu,
especial na 18, São Paulo, 1991, p. 29.

As Terras Indígenas
Capítulo XXXVII As Terras Indígenas
O principal problema que aflige os diversos grupos indígenas
que integram o povo brasileiro é, sem dúvida, aquele que diz
respeito à preservação e manutenção de suas terras. A própria
inserção da matéria em diversos textos constitucionais, desde
1934, é uma prova bastante evidente de que o assunto é
extremamente sensível. O interesse da literatura jurídica
nacional sobre a matéria tem sido escasso. A bem da verdade,
contudo, deve ser assinalado que, nos últimos anos, vêm sendo
produzidas algumas obras especialmente voltadas ao tema. Este
fato tem ocorrido, especialmente, após a promulgação da
Constituição de 1988.
E preciso não olvidar de que a própria existência do tema
terras indígenas é, com efeito, um triste reconhecimento de
que os povos indígenas, de há muito, não são mais os senhores
de seus tradicionais territórios. A discussão acerca das
terras indígenas não é uma simples polêmica entre juristas ou
entre indianistas. O tema, efetivamente, é o mais importante
dentre todos os temas vinculados ao Direito Indigenista. Assim
é porque a relação entre os aborígines e o seu habitat
transcende qualquer relação que um “civilizado” possa ter com
a sua casa ou com a sua cidade natal. O tema é, claramente,
antropológico e, como é evidente, falece competência ao autor
para enfrentá-lo com a necessária profundidade. Desta forma,
permito-me a transcrição de algumas palavras da consagrada
antropóloga Alcida Rita Ramos1 em relação à matéria:
No passado, quando não havia grandes pressões de fora sobre
a quantidade de terra a ser utilizada para cada sociedade
indígena, a questão da manutenção de fronteiras territoriais
não chegava a se colocar de maneira categórica. Todos tinham o
direito de utilizar os recursos do meio ambiente na forma de
caça, pesca, coleta e agricultura, sem que divisas rígidas
fossem mantidas entre aldeias, mesmo sociedades vizinhas.
A demarcação das terras indígenas, embora seja,
contraditoriamente, uma reivindicação histórica dos indígenas,2
serve de demarcação dos espaços nos quais os indígenas estarão
“confinados,” sem que possam exercer a sua “indigerúdade” fora
de tais limites territoriais.
1 Sociedades Indígenas, São Paulo: Ática, 1986, p. 13 e
passim.
2 Pelo menos desde que estes tomaram contato com a civilização
ocidental.
Direito Ambiental
A terra, entretanto, tem diversas outras funções
importantes. A terra é o local no qual se desenvolvem as
relações culturais, religiosas e econômicas. Conforme anotou a
Professora Alcida Ramos, com propriedade: Não é apenas um
recurso natural, mas - e tão importante quanto este - um
recurso sociocultural.
Entre os indígenas nunca se verificou uma fronteira rígida
entre os territórios pertencentes a cada uma das diversas
sociedades. Havia uma certa tolerância que grupos diferentes
utilizassem um mesmo território. As limitações estabelecidas
tinham por base uma ética pecuhar entre os aborígines.
Os conceitos de casa ou até mesmo de aldeia não possuem
maior importância para os indígenas. O elemento fundamental é
o seu território, o seu mundo. É dentro desse universo que
todas as suas principais relações são desenvolvidas, e fora
dele, dificilmente, a sociedade consegue sobreviver e
prosperar.
1. Histórico da Legislação
1.1. Do Período Colonial até o Século XIX
Logo no início do século XVII é possível constatar-se que a
legislação colonial reconhecia a existência de terras
indígenas, isto é, de terras de posse e domínio exclusivamente
indígenas. Manuela Carneiro da Cunha3 informa-nos que as Cartas
Régias de 30 de julho de 1609, bem como a de 10 de setembro de
1611, expedidas por Felipe III, reconheciam o pleno domínio
dos índios sobre seus territórios e sobre as terras que lhes
são alocadas nos aldeamentos. Ainda no século XVII, surgiram
outros alvarás e atos governamentais que dispunham sobre o
direito dos índios às suas terras. Este tipo de legislação,
indiscutivelmente, pressupunha que as terras do Brasil não
eram dos índios e que, ao contrário, dentro do território
nacional, deve- riam ser reservadas áreas específicas para os
índios; reconheciam igualmente, a existência de um estado de
beligerância entre nações diversas. Neste sentido, é interes-
sante observar a própria redação do Alvará Régio de l2 de abril
de 1680, pelo qual foi estabelecido que os povos indígenas
foram os primeiros ocupantes e donos naturais destas terras.4
Ou seja, não o são mais. Em razão deste reconhecimento, o
Estado passa a estabelecer áreas exclusivas para os índios,
buscando compensar as enormes perdas sofridas pelos índios e
manter sobre um determinado grau de controle a expansão da
colonização. A principal dessas compensações é á indicação e o
reconhecimento de áreas que serão dedicadas à posse exclusiva
dos indígenas.
O Alvará de l9 de abril de 1680 foi destinado ao tratamento
das questões relativas aos povos indígenas do Grão-Pará mas,
apesar disto, pode ser apresentado como um marco para a
legislação dedicada aos problemas indigenistas em geral, pois,
pelo
3 Manuela Carneiro da Cunha. Os Direitos do índio, São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 58.
4 Os dados legislativos foram colhidos em Tourinlio Neto,
Fernando da Costa. “Os direitos originários dos indígenas
sobre as terras que ocupam e suas conseqüências jurídicas”,
in Santilli, Juliana. Ob. cit., p. 9 e
As Terras Indígenas
Alvará de 8 de maio de 1758, foi determinada a extensão das
determinações ora examinadas para todos os povos indígenas do
Brasil. O § 4S do Alvará de 1680 determinou fossem destinadas
terras aos índios que descessem do sertão. Havia a proibição
explícita de que os silvícolas fossem mudados das terras a
eles destinadas, sem que assim o consentissem. Os índios não
estavam obrigados ao pagamento de qualquer tributo por suas
terras.
Evidentemente que a distância entre a norma legal e a sua
aplicação concreta sempre foi muito grande em nosso país.
Imagine-se quão descumpridas deveriam ser as regras citadas.
Fato é que a legislação colonial reconhecia aos índios o
direito exclusivo das terras necessárias à sua sobrevivência.
Observe-se que a Carta Régia de 9 de março de 1718 reconheceu
que os índios são livres, e isentos de minha jurisdição que os
não podem obrigar a saírem de suas terras, para tomarem um
modo de vida que se não agradarão. É importante observar que,
se foi estabelecida uma proibição legal, isto se deveu ao fato
de que, evidentemente, a situação proibida, de fato, ocorria.
Do contrário, não haveria a necessidade da proibição.
A “guerra justa ” movida contra os povos indígenas, permitia
que as terras indígenas fossem subtraídas de seu domínio. As
terras passavam a assumir a condição de terras devolutas. A
definição legal de terras devolutas, contudo, somente foi
estabelecida de forma definitiva pela Lei nô 601, de 18 de
setembro de 1850. As terras devolutas, dentre outras
destánações, podiam ser afetadas à colonização dos indígenas,5
As terras devolutas eram aquelas concedidas a sesmeiros que,
por caírem em comisso, retomavam ao domínio do Poder Público.6
José Afonso da Silva7 aponta qúe os dispositivos legais
referentes às terras indígenas constituíam o instituto
jurídico do indigenato, que é fonte primária de Direito e não
se confunde com a simples posse. Este instituto jurídico
extrapola os limites do Direito Civil. Não é Direito comum,
mas Direito especializado. Trata-se de um direito à própria
sobrevivência das comunidades indígenas que, como se sabe, no
caso dos índios está umbilicalmente ligado ao seu chão.
O século XIX é considerado pelòs especialistas como um
período no qual houve um grande retrocesso no reconhecimento
dos direitos dos povos nativos. Tal fato se deu, em grande
parte, em razão do Ato Adicional de 1834, que atribuiu
competência às Assembleias Provinciais para legislar,
concorrentemente, com o Governo Geral e a Assembleia Nacional
sobre assuntos indígenas. Obviamente que as oligarquias locais
passaram a ter mais poder jurídico e, portanto, foram dotadas
dos instrumentos necessários para a usurpação das terras
indígenas. Aliás, não é desconhecida a reivindicação das
modernas oligarquias rurais no sentido de que' seja atribuída
aos Estados competência legislativa em matéria de Direito
Indigenista.
5 Art. 12 da Lei na 601/1850.
6 Paulo de Bessa Antunes. Ob. CÍL, pp. 75-76. .
7 José Afonso da Silva. Ob. cit„ p. 728 e passim.
Direito Ambiental
1.2. O Período Republicano
Somente com o Estatuto do índio é que as peculiaridades da
posse indígena sobre as suas terras foram reconhecidas. A Lei
nfi 6.001, de 19 de dezembro de 1973, em seu artigo 23, dispõe:
Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da
terra que, de
acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detêm e onde
habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou
economicamente útil.
2. As Terras Indígenas na Constituição de 1988
A importância do tema é tanta, que a CF dedica diversos
tópicos ao problema. As terras indígenas são, inclusive,
tratadas no dispositivo constitucional voltado para a ordem
econômica e social. Veja-se o § 2e do artigo 176, que exige lei
específica para o desenvolvimento da atividade garimpeira em
terras indígenas. Esta não é, contudo, a única referência
constitucional à garimpagem em áreas indígenas. A relevância
da matéria é extraordinariamente grande e o próprio ato das
disposições constitucionais transitórias estabeleceu um prazo
para a demarcação de todas as terras indígenas. Por força do
artigo 67 do ADCT, a demarcação deveria estar concluída em
prazo de cinco anos, a partir da promulgação da CF.
Desnecessário dizer que a determinação constitucional está
longe de ser cumprida.
Foi reconhecido aos índios o direito originário sobre as
terras que tradicionalmente ocupam. À União Federal foi
atribuída a tarefa de demarcação de todas as áreas indígenas.
Houve, como já foi visto, a fixação de período fixo para que a
demarcação fosse concluída.
O conceito jurídico de terra tradicionalmente ocupada pelos
índios tem os seus alicerces no próprio corpo da Constituição.
O conceito se funda no seguinte:
a) são as terras utilizadas para atividades produtivas; as
imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais
necessários ao bem-estar dos índios e as necessárias à
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições (art. 231, § le);
b) são destinadas à posse permanente dos índios, cabendo-lhes
o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes (art. 231, § 2a).
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, portanto,
não são terras que "ímemorialmente” tenham sido ocupadas pelos
indígenas. Podem ou não estar nesta condição. O fundamental do
conceito é que as terras sejam essenciais ao modo indígena de
viver, nada mais. Não se cogita da temporalidade do conceito.
As terras indígenas são terras federais e pertencentes ao
domínio exclusivo da União. A própria União, entretanto,
sofreu limitação de seus direitos de proprietária. Assim é
porque o constituinte instituiu um usufruto exclusivo dos
índios sobre as
ES3J - Ena.no Superior Jvrldkto
As Terras Indígenas
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. E
mais: determinou a inaliena- bilidade e a indisponibilidade
das terras indígenas, sendo imprescritíveis os direitos sobre
as mesmas.
A malienabilidade e a imprescritibilidade que gravam as
terras indígenas opõem-se à União e às próprias comunidades
indígenas, que, elas também, não poderão efetuar qualquer
negócio jurídico que implique qualquer tipo de disposição ou
alienação de seus direitos sobre as terras. A disposição é
sábia. O legislador constituinte, de fato, estabeleceu um
mecanismo que impede sejam os índios “convencidos” dos
benefícios que poderiam advir da alienação ou disposição de
“um pequeno trecho” das suas terras. O princípio estabelecido
na Lei Fundamental impede que, por interesses estranhos à
comunidade indígena, os índios dividam-se e passem a se
autodestruir.
A importância das terras indígenas para as diferentes nações
indígenas é tão grande que a Lei Fundamental estabeleceu uma
inamovibilidade indígena. Os índios foram constitucionalmente
vinculados, na condição de povos, ao seu torrão. A remoção
temporária de um povo indígena de suas terras somente pode ser
feita em casos de epidemia ou catástrofe que ponha em risco a
própria sobrevivência da população indígena. Em ocorrendo a
hipótese mencionada, a remoção deverá ser referendada pelo
Congresso Nacional. Admite-se, ainda, que, mediante
deliberação do Congresso Nacional, possam os índios ser
removidos de suas terras, quando em risco a soberania
nacional. Cessados os riscos, deverá haver a mediata
relocalização dos índios em suas terras de origem.
A norma constitucional é plenamente justificável, pois, como
se sabe, os índios se têm em conta como parte da natureza e da
terra. Não há maior violência que se possa cometer contra um
indígena do que afastá-lo de seu natural habitat.
A própria Constituição determina a absoluta nulidade e
extinção de qualquer ato jurídico que tenha por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas. Igualmente
nulos e extintos são quaisquer atos que tenham por objeto a
exploração de riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
existentes em terras indígenas. A Lei Maior ressalvou o
interesse público da União, tal qual definido em lei
complementar. As nulidades tratadas no § 6a do artigo 231 não
ensejam qualquer indenização, excetuadas as benfeitorias
realizadas de boa-fé.
2.1. Direitos Adquiridos sobre as Terras Indígenas
Um problema importante e que não pode deixar de ser abordado
neste trabalho é aquele que diz respeito a pretensos direitos
adquiridos por terceiros sobre as terras indígenas. Como está
estabelecido pelo § 6a do artigo 231 da Lei Fundamental, não é
devida qualquer indenização em razão de atos ou negócios
jurídicos praticados por terceiros e que envolvam terras
indígenas. A única exceção é para as benfeitorias feitas por
terceiros de boa-fé. A Constituição de 1988 não criou novas
áreas indígenas. Ao contrário, limitou-se a reconhecer as já
existentes. Tal reconhecimento, contudo, não se cingiu às
terras indígenas já demarcadas. As áreas demarcadas,
evidentemente, não necessitavam do reconhecimento
constitucional, pois, em nível da legislação
infraconstitucional, já se encontravam afetadas aos povos
indígenas. O que foi feito
Direito Ambiental
pela Constituição foi o reconhecimento de situações fáticas,
isto é, a Lei Fundamental, independentemente de qualquer norma
de menor hierarquia, fixou critérios capazes de possibilitar o
reconhecimento jurídico das terras indígenas. Não se criou
direito novo.
É preciso estar atento ao fato de que as terras indígenas
foram reconhecidas como afetadas aos diversos grupos étnicos
de origem pré-colombiana, em razão do expresso reconhecimento
da incidência de direito originário, isto é, direito prece-
dente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa
ter constituído sobre o território dos índios. A demarcação
das terras tem única e exclusivamente a função de criar uma
delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a
terceiros. A demarcação não é constitutiva. Aquilo que
constitui o direito indígena sobre as suas terras é a própria
presença indígena e a vinculação dos índios à terra. Ora,
qualquer construção, qualquer empreendimento encontrado no
interior das áreas indígenas, sem expressa previsão legal ou,
ainda, por autorização contratual firmada entre as partes,
deve ser tido, a partir da Constituição de 1988, como violador
dos direitos originários dos indígenas sobre as suas terras. É
não índenizável, a menos que o terceiro interessado comprove,
judicialmente, desconhecer o caráter indígena do território no
qual tenha realizado o empreendimento em tela. Observe-se que,
aqui, o terceiro não poderá invocar em sua defesa a norma
contida no artigo 5a, inciso XXXVI, da CRFB, pois houve
expressa exclusão de quaisquer direitos adquiridos. A única
exceção é em relação às benfeitorias de boa-fé.
2.2. Classificação das Terras Indígenas pelo Estatuto do índio
O Estatuto do índio, como não poderia deixar de ser, possui
uma lista de artigos voltados unicamente para o trato das
questões referentes às terras indígenas. Em qualquer parte do
território nacional, a União pode demarcar e destinar áreas
para a utilização exclusiva dos povos indígenas. Tais áreas
podem ser adquiridas por compra, por desapropriação ou por
qualquer outro modo de transmissão de domínio.
Nos termos do Estatuto as terras indígenas podem ser
classificadas em:
a) reserva indígena — área destinada a servir de habitat a
grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência;
b) parque indígena - área contida em terra na posse dos
índios, cujo grau de integração permita assistência
econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em
que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas
naturais da região;
c) colônia agrícola indígena ~ área destinada à exploração
agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao
índio, onde convivam tribos acultura- das e membros da
comunidade nacional;8
8 Pela redação do Estatuto, verifica-se que o índio não é
considerado membro da comunidade nacional.
As Terras Indígenas
d) território federal indígena - é a unidade administrativa
subordinada à União, instituída em região na qual pelo menos
um terço da população seja formado por índios.
2.3. A Extração de Madeixa nas Terras Indígenas
Este é mais um dos pontos extremamente polêmicos dentro de
um tema que é essencialmente polêmico. É indiscutível que a
maior parte das terras indígenas é altamente rica em diversas
madeiras nobres e raras. Penso que o problema cuja abordagem
ora se inicia tem duas vertentes distintas, ainda que ambas
tenham uma origem comum, que é o descaso e abandono com que
são tratados os índios brasileiros. Refiro-me à exploração
clandestina de madeira nas áreas indígenas e à exploração
realizada pelos próprios índios. Desta última o exemplo mais
eloquente é a extração de mogno no território Kaiapó. Tendo em
vista que o problema da madeira extraída pelos próprios
indígenas é mais complexo, examinarei em primeiro lugar a
chamada exploração “clandestina” de madeira nas áreas
indígenas.
a) Exploração clandestina - As dimensões necessárias para
que uma exploração de área madeireira seja comercialmente
viável demonstram cabalmente que, de fato, estas não possam
existir sem a mais ampla conivência daqueles que deveriam ser
responsáveis pela proibição da atividade. A “clandestinidade”
da extração de madeira em áreas indígenas é economicamente
extremamente importante, sendo responsável pela maior parte do
mogno exportado pela América Latina.9 O que se sabe a respeito
da exploração "clandestina” de madeira é que esta encontra,
não raras vezes, um ambiente favorável, á medida que é uma
atividade de “desenvolvimento econômico”. A partir do momento
em que “constata” a existência de uma atividade “clandestina”
de exploração de madeira e, diante de uma realidade
irreversível, começa todo um processo com vistas à
“regularização” da exploração. Muitos são os argumentos
apresentados em favor de tais “regularizações”. O mais forte é
sempre o de que os índios serão “beneficiados” com os enormes
recursos de que passarão a dispor.
A total falta de recursos destinados às aldeias indígenas
serve de armadilha para que os índios fiquem em uma situação
embaraçosa, pois, diante da falta de recursos para a
assistência médica, educacional, sanitária etc., busca-se
criar uma situação que tem por objetivo forçá-los a admitir a
exploração desenfreada de madeiras nobres em suas áreas.
b) Exploração realizada pelos índios ou com autorização
destes - A invasão das terras indígenas pelos mais diversos
tipos de invasores e a omissão, quase que reiterada, das
autoridades públicas em assegurar que as áreas indígenas
permaneçam na posse exclusiva dos índios têm gerado situações
paradoxais e bastante graves. Não
9 Alan Thein Burning. “Prestando apoio aos povos indígenas”,
in Lester R. Brown, Qualidade de Vida 1993 - Salve o
Planeta! São Paulo: Globo, 1993, p. 123.
Direito Ambiental
poucas vezes, ante situações de fato, praticamente
irreversíveis, os próprios índios, mediante “contratos”,
autorizam a exploração de madeira e mesmo de garimpo em suas
terras.
A complexidade do problema é muito grande, pois suscita
questões referentes à autonomia dos povos indígenas acerca do
grau de liberdade que é dado aos índios para a exploração dos
recursos econômicos eventualmente existentes em suas terras.
Em primeiro lugar, penso que deve ser examinado qual o
fundamento jurídico que serve de base para que terras públicas
federais sejam afetadas diretamente às diversas nações
indígenas em usufruto permanente. Ora, conforme o mandamento
constitucional contido no artigo 231, § 1% tais terras são
aquelas imprescindíveis à preservação dos recursos naturais
necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução
física e cultural; desnecessário dizer, portanto, que a terra
foi tida pela Lei Fundamental como um elemento essencial à
própria sobrevivência dos povos indígenas como grupos étnicos
e culturais plenamente diferenciados. O legislador
constituinte entendeu, acertadamente, que qualquer risco que
as terras indígenas possam sofrer significa risco aos próprios
índios.
Dando mais consistência ao caput do artigo 231, o § 4a
dispõe que: as terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas
imprescritíveis. Evidentemente que no conceito de terras
indígenas não está incluindo, apenas, o chão, mas, ao
contrário, todo o conjunto de bens que nelas existem e, em
especial, o patrimônio ecológico nelas abrigado. É, aliás, um
princípio elementar de direito o de que os bens móveis se
vinculam aos bens imóveis nos quais estão inseridos. Ora, se
as terras indigenas são inalienáveis, parece-me que os seus
acessórios (riquezas minerais, madeiras etc.) também o são.
Não se pretende que tais recursos sejjam tidos como
intocáveis, mas necessário se fez que a utilização dos mesmos
não se feça de forma predatória e potencialmente causadora de
riscos para a própria sobrevivência das comunidades indígenas.
Esta concepção antropológica e legal já foi objeto de
confirmação judicial, durante o regime da Carta de 69, pelo
extinto Tribunal Federal de Recursos, conforme decisão
proferida nos autos da apelação cível ns 31.078 - Mato Grosso,
relator o Ministro Adhemar Raymundo, em cuja ementa se pode
ler o seguinte:
... O objetivo da norma Constitucional, ao transformar as
áreas ocupadas pelos índios em terras inalienáveis, foi o de
preseirvar o habitat de uma gente, sem cogitar de defender a
sua posse, mas dentro do sadio propósito de preservar um
património territorial, que é a razão de ser da própria
existência dos índios...10
O reconhecimento da autonomia cultural dos povos indígenas
se faz no âmbito do Estado brasileiro e implica,
evidentemente, a construção de direitos e deveres, tanto para
a chamada sociedade envolvente quanto para os próprios povos
indígenas
10 Paulo Machado Guimarães. Ementário de Jurisprudência
Indigenista, Brasília: CIMI, 1993, p. 35.
As Terras Indígenas
que, também eles, possuem obrigações para com os outros
setores e etnias de nossa sociedade multiétnica. O dever de
preservação do meio ambiente, tal qual estabelecido no artigo
225 da CF, é imposição feita a todos os brasileiros, sem
qualquer distinção racial ou étnica.
É de se observar que a extração de madeira por grupos
indígenas, quase sempre, é duplamente um mau negócio, pelo
menos para os índios. É um mau negócio porque, comercialmente,
o preço da madeira que é pago para os índios pelas madeireiras
é sempre abaixo do real preço de mercado. Em segundo lugar, é
um mau negócio, pois as explorações, em geral, são feitas sem
qualquer critério de sustentabilida- de e, em médio e longo
prazos, acarretarão gravíssimos riscos para a própria sobre-
vivência da comunidade envolvida.
Em algumas comunidades indígenas, a extração de madeira já
chegou a atingir proporções alarmantes, tal é o caso da
extração de mogno pelos índios caiapós. Permito-me transcrever
o seguinte texto sobre o particular:
O mogno extraído das reservas caiapós representa parte
significativa do total das exportações brasileiras. Para se
ter uma idéia basta dizer que do total das exportações dessa
madeira em 1987, 163.271m3 segundo dados da Cacex, cerca de 69%
foram extraídos das áreas dos grupos caiapós das aldeias
A’Ukre, Gorotire, Kikretum, Kokraimoro e Kuben-Kran-Ken. O ano
de 1987parece ter sido um ano extremamente produtivo para as
atividades das madeireiras nas áreas Kaiapó, como indica o
declínio da atividade no ano seguinte, 1988, quando se retirou
“apenas” 69.421,736m3, ou seja, pouco mais da metade do ano
anterior. Especulativamente pode-se inferir que a queda na
atividade se deva ao esgotamento das reservas pela exploração.
Ainda assim, esse total de mogno extraído das reservas kaiapó,
em 1988, ficou acima do total das exportações brasileiras
dessa madeira nos anos de 1985 e 1986 somados.11
Este feto tem causado, inclusive, divisões entre os cáiapós,
pois muitos dos caciques são frontalmente contra a política de
extração de madeira que vem sendo desenvolvida de forma
bastante agressiva por determinados setores do povo caiapós.
Em realidade, o que se constata é que os caiapós chegaram a
uma situação limite. Assim é porque as suas terras, situadas
na região Sul do Estado do Pará, sempre foram alvo de grande
pressão, seja por parte de garimpeiros, seja por parte de
madeireiras, e mesmo pressão agropecuária. A inércia e
incapacidade do governo em realizar a demarcação plena da
terra caiapó serviram de base para a consolidação de situação
fática cuja irreversibihdade a curto prazo é bastante
evidente. A pressão internacional por madeiras nobres,
conjugada à indiferença dos órgãos governamentais, está
fazendo com que uma boa parcela de um importante grupo
indígena, em nome de ganhos fáceis, esteja alienando o seu
futuro enquanto povo. De certa forma, a pró
21O Mogno Kaiapó, in Centro Ecumênico de Documentação e
Informação, ob. cit., p. 312.
Direito Ambiental
pria Funai é interessada na devastação que se vem verificando,
pois, como se sabe, é a administradora da chamada “renda
indígena". Veja-se que a Lei n2 6.001/73, por seu artigo 46,
condiciona a automação de corte de madeira nas florestas
indígenas, consideradas em regime de preservação permanente, à
existência de "programas ou projetos para o aproveitamento das
terras respectivas na exploração agropecuária, na indústria ou
no reflorestamento”. É evidente por si mesmo que nenhuma das
atividades mencionadas guarda qualquer relação com o modo
indígena de viver.
É importante observar que o tipo de exploração em tela é
nula de pleno direito, em razão do § 6a do artigo 231 da Lei
Fundamental, que determina a nulidade de qualquer contrato que
tenha por objeto a exploração das riquezas naturais do solo,
dos rios e lagos existentes em terras indígenas, ressalvado o
interesse público da União, conforme definido em lei
complementar. Tal nulidade, como é evidente, abrange contratos
firmados por índios ou por brancos.
2.4. Terras Indígenas e Soberania Nacional
A quantidade de interesses que estão envolvidos em toda a
problemática referente às terras indígenas tem possibilitado o
surgimento de pontos de vista completamente distorcidos sobre
o assunto. Penso que, ainda que não se trate de novidade, deve
ser ressaltado o fato de que as terras indígenas são terras de
propriedade da União Federal, isto é, pertencem ao Estado
brasileiro. A partir desta inquestionável realidade jurídica,
não só de direito interno, mas, sobretudo, de direito
internacional, é que se deve examinar toda a complexa situação
das fronteiras e da soberania.
Fala-se, atualmente, em uma profunda mudança no conceito de
soberania nacional. Tal mudança seria decorrente de alterações
estruturais na ordem econômica internacional, com um
aprofundamento cada vez mais presente da internacionalização
da economia.
A importância que a Amazônia desempenha dentro do atual
contexto internacional é, sem dúvida, crescente. Sabe-se que
as riquezas escondidas na Amazônia são incalculáveis. Não se
fala, aqui, de riquezas minerais, pois estas são perfeitamente
detectáveis pelos modernos sistemas de satélite e já foram
levantadas, em grande parte, pelo Projeto Radam. A principal
riqueza da Amazônia está na sua biodiversidade. É indiscutível
que, com o atual nível de conhecimento, não se pode ter a real
dimensão de todas as substâncias químicas que poderão vir a
ser sintetizadas a partir da flora amazônica. A proteção
destas riquezas é um imperativo. Evidentemente que, em razão
destas e de outras questões extremamente graves, como o
tráfico internacional de entorpecentes e armas, existe a
necessidade real e concreta da proteção das áreas de
fronteiras do País. O domínio das terras nas regiões
fronteiriças sempre foi motivo de divergência jurídica, vez
que, por muitos anos, não existiu uma lei capaz de definir
categoricamente os direitos em relação a tais terras.12 Pela
Constituição
12 Para maiores detalhes, v. Aurélio Veiga Rios. “Os Direitos
Constitucionais dos índios nas Faixas de Fronteiras”, in
SantÜli, Juliana (Org.). Ob. cit., pp. 51 e seguintes.
As Terras Indígenas
vigente, não há a menor dúvida de que as terras situadas na
faixa de fronteira pertencem à União Federal. No caso das
terras indígenas que estejam situadas na faixa de fronteira, é
indiscutível que estas pertencem à União por dupla afetação:
por estarem na faixa de fronteira e por serem terras
indígenas.
Há quem pretenda ver uma incompatibilidade entre a presença
dos índios na faixa de fronteira e a preservação da segurança
nacional. Há, também, quem pretenda ver uma impossibilidade da
presença do Estado em suas fronteiras, se estas estiverem
afetadas aos povos indígenas, em razão de que tal presença
seriá nociva aos índios. Penso que ambas as posições são
extremadas e não consultam ao interesse nacional. Não Mo de um
interesse nacional abstrato, mas, muito pelo contrário, de um
interesse que se fez sentir na possibilidade de cada
brasileiro viver dignamente e de acordo com os seus hábitos,
tradições e características culturais mais profundas. É óbvio
que a preservação física, cultural e espiritual dos povos
indígenas é do interesse nacional, assim como a preservação da
integridade das fronteiras. Os dois bens jurídicos são
igualmente relevantes e não conflitantes, pois ambos possuem
previsão constitucional.
O que tem sido conflitante é o conjunto de políticas
adotadas, o despreparo e, não raras vezes, a má~fé com que o
assunto é encarado, independentemente de quem sejam os atores.
A ótica integracionista e a sua contraposição, isto é, aquela
que; julga terem os índios direitos superiores aos dos demais
brasileiros, são nocivas aos legítimos interesses brasileiros,
de todos os brasileiros. Se é indiscutível a necessidade de
proteção de nossas fronteiras, é igualmente indiscutível que
projetos como o Calha Norte mostraram-se equivocados e
incapazes de gerar frutos socialmente úteis. O problema,
contudo, é um dos mais graves enfrentados pelo País e deve ser
discutido por toda a sociedade brasileira, de forma ampla e
leal. A omissão em tal debate, penso, é o pior mal que se pode
fazer ao País e, evidentemente, aos próprios índios.
3. A Demarcação das Terras Indígenas
A CRFB determina, em seu artigo 67, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que: a União concluirá a
demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a
partir da Constituição. A norma jurídica, em si, não constitui
novidade em nosso Direito Positivo, pois representa repetição
e elevação em nível constitucional de norma existente no
artigo 65 da Lei n2 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Portanto,
há mais de 20 anos, existe um prazo legal para que as terras
indígenas sejam demarcadas dentro de cinco anos. Tanto a norma
legal como a constitucional restam letra morta. As razões para
que isso ocorra são inúmeras e não precisam ser examinadas
neste trabalho.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são bens
de propriedade da União (CF,13 art. 20, XI). Tais terras são
destinadas à posse permanente dos indígenas e a eles cabe o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
exis-
13 CF - Constituição Federal.
| Direito Ambiental
tentes em seu interior (CF, art. 231, § 29). À União compete
demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas (CF,
art. 231, caput).
Terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas
por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as
necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições (CF, art. 231, § 1-).
O Poder Executivo, em iniciativa, com o objetivo de agilizar
a demarcação das terras indígenas, baixou o Decreto nB 22, de 4
de fevereiro de 1991, que dispõe sobre o processo
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências. A aplicação do referido decreto para a
demarcação de terras indígenas tem suscitado imensa
controvérsia acerca da constitucionalidade de diversos
dispositivos nele constantes.
A matéria é muito complexa, seja do ponto de vista jurídico,
seja do ponto de vista social, haja vista as imensas
repercussões que decorrerão de uma eventual declaração de
inconstitucionalidade de dispositivos regulamentares contidos
no decreto em questão. A tese que sustenta a
inconstitucionalidade baseia-se no fato de que o artigo 25 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias14 extinguiu
todas as delegações para que o Executivo deliberasse sobre
matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional.
Portanto, em consequência da norma contida no ADCT, o artigo
19 da Lei ne 6.001/73 (Estatuto do índio) estaria revogado.
Para os adeptos da tese ora apresentada, o Decreto ns 22/91 é
uma mera regulamentação do artigo 19 da Lei n® 6.001/73 e,
portanto, é nulo de pleno direito. Acresce-se, dizem os
adeptos da tese, que o artigo 5®, LV,15 da CF assegura a todos
o direito ao contraditório, seja no processo administrativo,
seja no judicial, e o Decreto n^ 22/91 não respeitou o aludido
princípio constitucional.
A tese contrária sustenta que o Decreto n9 22/91 é uma
decorrência direta das normas contidas no artigo 231 da Lei
Fundamental da República e que o mesmo não violou qualquer
princípio constitucional, implícito ou explícito.
O primeiro ponto a ser enfrentado é aquele que diz respeito
às competências exclusivas do Congresso Nacional em matéria de
terras indígenas. As terras indígenas são terras públicas
federais (CF, art. 20, XI), com uma destinação específica con-
ferida pelo artigo 231 da CRFB. O artigo 48, V, da Lei
Fundamental da República estabelece que:
14 ADCT, Art. 25. Ficam revogados, a partir de 180 dias da
promulgação da Constituição, sujeito este prazo à
prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que
atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência
assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional,
especialmente no que tange à: I - ação normativa; II —
alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
15 Art. 5a, LV — aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.
As Terras Indígenas
Cabe ao Congresso Nacional... dispor sobre todas as matérias
de competência da União, especialmente sobre: ... V - limites
do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do
domínio da União.
Estaria a norma constitucional a indicar que somente uma lei
formal poderia definir o critério de demarcação das terras
indígenas, vez que estas são bens da União.
Inicialmente, cumpre observar que ao Congresso Nacional cabe
dispor sobre todas as matérias de competência da União. Ora,
ao se admitir a tese de que o Decreto n2 22/91 é
inconstitucional, pois dispôs sobre matéria de competência do
Congresso Nacional, implicitamente, estamos admitindo a tese
de que a Carta de 1988 extinguiu o Poder Regulamentar do Poder
Executivo, e mais, que nenhum decreto ou decreto-lei foi
recepcionado pela atual CF. O que é, evidentemente, absurdo. O
próprio STF, não raras vezes, tem declarado a recepção de
decretos e decretos-lei; especialmente em matéria tributária
que, como se sabe, contempla a defesa de direitos e garantias
individuais.
O artigo 19 da Lei n9 6.001/73 determina que:
Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob
orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão
administrativamente demarcadas, de acordo com o processo
estabelecido em decreto do Poder Executivo.
Existiria nesta norma legal qualquer delegação feita pelo
Legislativo ao Executivo? Evidentemente que não.
A Constituição de 1967, com a redação que lhe foi dada pela
Emenda Constitucional n9 1, de 1969, em seu artigo 43, VI,
determinava:
Art. 43. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de
competência da União: VI - limites do território nacional;
espaço aéreo e marítimo; bens de domínio da União.
Pontes de Miranda,16 ao comentar o dispositivo
constitucional, assim se pronunciou:
Só o Congresso Nacional, com sanção do Presidente da
República, pode legislar sobre bens da União. Mas, com isso,
que se estabelece no art. 43, VI, parte, da Constituição de
1967, não se pré~excluem as leis-delegadas...
A toda evidência que o conteúdo da norma contida no artigo
25 do ADCT é o de fazer cessar qualquer efeito de delegação
legislativa que tenha sido feita em favor do Executivo pelo
Legislativo pré-Constituinte. É necessário ser mais explicito:
o que
16 Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com
a Emenda a9 1 de 1969, Rio de Janeiro: Forense, tomo III,
1987, p. 102.
Direito Ambiental
foi declarado extinto pelo artigo 25 do ADCT foram as
delegações feitas com base nos artigos 52/54 da Constituição
de 1967.17 O Poder Regulamentar não é tuna delegação do
Legislativo ao Executivo; ao contrário, é uma atribuição
inerente à natureza do próprio Poder Executivo e decorre do
artigo 29 da Lei Fundamental da República.
Observe-se que, no momento em que o Constituinte pretendeu
estabelecer uma competência exclusiva do Congresso Nacional em
matéria de terras indígenas, isto foi feito. Assim é que o
artigo 49 da CRFB, em seu inciso XVI, determina:
Art. 49. Éda competência exclusiva do Congresso Nacional:...
XVI-autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais.
Como se sabe, o verbo dispor possui inúmeros significados18
e, evidentemente, o Constituinte não pretendeu proibir o
Executivo de arrecadar e demarcar as terras da União. O
objetivo é muito outro. O que se proibiu foi a disposição de
terras públicas no sentido de sua alienação, de sua
transferência. Assim é que o artigo 49, XVH, da Lei
Fundamental da República é bastante explícito no sentido de
que a alienação ou concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhentos bectares depende de prévia
autorização congressual.
Quanto à violação do princípio do contraditório,
estabelecido no artigo 5% LV (contraditório e ampla defesa),
igualmente não procede a imputação de inconstitucionalidade. A
CRFB estabelece o princípio da ampla revisão judicial dos atos
administrativos e o da inafastabilidade da apreciação judicial
de qualquer violação de direito ou de simples ameaça de
violação de direitos.19 Em assim sendo, mesmo que o Executivo
pretendesse violar direitos constitucionais, especialmente os
do contraditório e da ampla defesa, a Lei Fundamental da
República não o admitiria. Como compreender-se, portanto, o
contraditório e a ampla defesa em sede administrativa? Esta é
a questão fundamental a ser examinada.
As regras constitucionais da ampla defesa e do contraditório
têm origem na luta pelo estabelecimento de critérios jurídicos
capazes de impedir a arbitrariedade e a
17 Constituição de 1967 (EC 1/69), Art. 52, As leis delegadas
serão elaboradas pelo Presidente da República, comissão do
Congresso Nacional ou de qualquer das suas Casas, Parágrafo
único. Não serão objeco de delegação os atos de competência
exclusiva do Congresso Nacional, nem os de competência
privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, nem
a legislação sobre: I-a organização dos juizes e tribunais e
garantias da magistratura; H -a nacionalidade, a cidadania,
os direitos políticos e o direito eleitoral; e UI - o
sistema monetário. Arr. 53. No caso de delegação a comissão
especial, sobre a qual disporá o regimento do Congresso
Nacional, o projeto aprovado será remetido à sanção, salvo
se, no prazo de dez dias de sua publicação, a maioria dos
membros da Comissão em tzm quinto da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal requerer a sua votação pelo plenário. Art.
54. A delegação ao Presidente da República terá forma de
resolução do Congresso Nacional, que espedScará seu conteúdo
e os termos do seu exercício. Parágraíb único. Se a
resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso
Nacional, este a fkri em sessão única, vedada qualquer
emenda.
18O Dicionário Atirélio Eletrônico registra 32 significados.
19 CF, art. 5®, XXXV — A lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
As Terras Indígenas I
violência contra os cidadãos. Tais regras, portanto, estão
intimamente vinculadas à aplicação de normas penais ou de
sanções e punições administrativas. Vale observar que os
incisos XXVII/LXVIII do artigo 52 da Lei Fundamental da
República são todos voltados para a proteção da liberdade
individual contra prisões ou apenamentos arbitrários. Já a
proteção aos direitos de propriedade e do proprietário está
contemplada nos incisos XXII/XXXI do mesmo artigo 52.
A própria localização topográfica do inciso LV do artigo 52
demonstra-nos que o mesmo não está voltado para a proteção da
propriedade. O inciso LV do artigo 59 é uma explicitação de
princípios que já se encontravam implícitos nas constituições
anteriores.20 O próprio STF, historicamente, sempre tem
compreendido que a norma tem o nítido conteúdo de defesa em
tema de liberdade individual e de apuração de falta
disciplinar. A propósito, vale trazer à colação a lição do
Professor Cretella Jr.:21
Em 22 de julho de 1936, o STF, então denominado Corte
Suprema, julgando argüição de inconstitucionalidade de
dispositivo de processo civil, diante da Constituição de 1934,
vigente, art. 113, § 23, que assegurava aos acusados ampla
defesa, manifestou-se pelo voto do Relator, e firmou, para
sempre, o princípio de que a Carta “consagra garantias a réus,
em processos criminais, ou acusados de crime, propriamente
ditos, e não cogita de estabelecer nenhuma norma fundamental
para o direito civil”. Assim em 1934, art. 113, § 24, como já,
antes, em 1891, art. 72, § 15 e, comodepois, em 1937, art.
122, § 11; em 1946art. 141, §25; em 1967, art. 150, § 15; em
1969, art. 153, § 15; em 1988, art. 5s, inc. LV, “ampla defesa”
é regra peculiar a processo em que o Estado acusa e hão existe
em processo no qual o Estado, por meio de magistrado, é
estranho à lide, procurando dar razão a quem a tem. No
processo administrativo, que alguns denominam de inquérito
administrativo, “é necessária a ampla defesa para demissão de
funcionário admitido por concurso” (Súmula 20 do STF), sendo
“nula a demissão de funcionário com base em processo
administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa”
(STF, em RDA, 73:136), porque em inquérito administrativo,
destinado a apurar a falta de funcionário e aphcação da pena
de demissão, a ampla defesa deve ser-lhe assegurada (STF, em
RDA 47:108).
Portanto, contraditório e ampla defesa são princípios
constitucionais destinados à defesa de acusados em matéria
penal ou administrativo-disciplinar. Tais princípios não se
aplicam a outros tipos de procedimento, como é tradicional no
Direito brasileiro.
Vale ressaltar que o Decreto n® 22/91 admite que os
interessados não indígenas possam intervir no processo de
demarcação. Visando assegurar-lhes a defesa de eventuais
direitos de terceiros, o § 7S do Decreto determina a publicação
do relatório que caracteriza a terra indígena a ser demarcada.
As impugnações ao relatório
20 CF de 1967 (EC 1/69), Art. 153, § 15. A lei assegurará aos
acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não
haverá foro privilegiado, nem tribunais de exceção.
21 Comentários à Constituição de 1988 (artigos Ia a 5°, LXVJI),
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 534.
Direito Ambiental
podem ser feitas no prazo de 30 dias (§ 8S). Somente após o
prazo do § 89 é que o Ministro da Justiça determinará a
demarcação da terra indígena. Releva notar que, mesmo após
terem sido demarcadas, as terras indígenas, ainda dependem da
homologação do Presidente da República. Existem, portanto,
três momentos nos quais os eventuais interessados podem opor
sua irresignação ao processo de demarcação.
Deve ser afirmado que a CRFB estipula que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos indígenas pertencem à União, e
aos índios foi reconhecido, pelo Constituinte, o “direito
originário” dos indígenas sobre as mesmas (art. 231, caput).
Em razão do reconhecimento constitucional dos direitos
históricos dos povos indígenas em relação às suas terras são
declarados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos,
os atos que tenham por objeto a ocupação> o domínio e a posse
das terras a que se refere este artigo (231). Ora, do ponto de
vista constitucional, inexiste qualquer título válido sobre
terras indígenas. Logo, inexistem terceiros Juridicamente
capazes de reivindicar tais terras, seja a que título for.
Entretanto, se uma área não for indígena e, eventualmente, a
demarcação a tenha definido como tal, a figura jurídica a ser
aplicada é a da desapropriação indireta a ser reconhecida pelo
Poder Judiciário, com a consequente indenização do
expropriado.
Por fim, é importante verificar uma lição do Direito
Comparado, em matéria de tutela dos direitos indígenas:
To compensate for the disadvantage at which the treaty-
making process placed the tribes, and to help carry out the
federal trust responsability, the Supreme Court has fashioned
rules of construction sympathetic to Indian inte- rests.
Treaties interpretation are to be constructed as they were
understood by the tribal representatives who participated in
their negotiation22 (Para compensar a desvantagem em que o
processo de feituras de tratados colocou as tribos e para
ajudar a implementar a responsabilidade federal, a Suprema
Corte estabeleceu normas simpáticas aos interesses dos índios.
A interpretação dos tratados deve ser construída, tal como
eles eram compreendidos, pelos representantes tribais que
participaram de sua negociação).
3.1. O Decreto n* 1.775, de 8 de janeiro de 1996
Com a revogação do Decreto n9 22/91, foi baixado o Decreto
n 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Este Decreto suscitou muita
a

polêmica. O debate estava centrado, muito mais, na revogação


do Decreto ns 22 do que propriamente na elaboração de um novo
diploma legal. O Decreto na 22, como foi demonstrado
anteriormente, em minha opinião, jamais padeceu do vício de
ilegalidade ou inconstitucionalidade. Entretanto, no uso de
seu exclusivo poder regulamentar o Poder Executivo houve por
bem decretar uma nova norma referente à demarcação de terras
indígenas.
22 William Canby Jr. American Indian Law, St. Paul: West,
1994, p. 88.
As Terras Indígenas
O que o Decreto ns 1.775/96 fez foi estabelecer, de forma
clara, os princípios de índole constitucional que já se
encontravam presentes na norma anterior. O contraditório, já
existente, por força de mandamento constitucional, tornou-se
mais meridiano, mais límpido. Foi expressamente estabelecido
que todos aqueles que se julgassem prejudicados com o
reconhecimento administrativo de terras indígenas teriam um
prazo para impugnar o reconhecimento. Das centenas de
impugnações apresentadas, a sua imensa maioria era
completamente destituída de sentido e foi rechaçada pela
Fundação Nacional do índio - Funai. O Ministro da Justiça, ao
analisar as impugnações, sustentou a imensa maioria das
decisões da Funai, solicitando diligências em alguns poucos
casos.
O Decreto n9 1.775/96 busca fazer com que a caracterização
das terras indígenas seja feita, única e exclusivamente,
dentro das determinações constitucionais; isto é, que a
Fundação Nacional do índio — Funai, ao declarar uma área como
terra indígena, verifique, efetivamente, se as terras cumprem
as funções determinadas pelo artigo 231 da Lei Fundamental da
República. O que se pode constatar é que o Decreto n2 1.775/96
criou uma obrigação técnico-profissional extremamente complexa
e que deve ser bem desempenhada pelo órgão de proteção aos
índios. Por outro lado, não se pode olvidar de que o maior
rigor técnico exigido para a demarcação fará com que os
procedimentos sejam mais seguros, gerando maior tranquilidade
para a sociedade e para os próprios indígenas.
i
A Legislação Penal e os Indígenas
Capítulo XXXVIII A Legislação Penal e os Indígenas
1. Aspectos Gerais
O Direito Penal é um campo do Direito que tem grande
importância para os assuntos legais voltados para a tutela dos
índios. Em primeiro lugar, deve ser consignado que é bastante
vultoso o aspecto histórico da legislação penal e a sua
incidência sobre os povos indígenas que habitam o território
brasileiro. Como já foi visto em outros pontos do presente
trabalho, diversas foram as leis do período colonial que
determinavam o aprisionamento de índios, a imposição de penas
diversas etc. Modernamente, a questão tem sido apresentada sob
um outro ângulo, que é o da relação que deve haver entre uma
legislação com tendências à generalização e à universalização,
como é o caso da legislação penal, e o direito à diferença e à
especificidade cultural que têm sido reconhecidos como
direitos básicos das minorias étnicas.
2. Legislação Penal Específica (Lei n9 6.001/73)
2.1. Principiologia em Relação ao Agente Indígena
A legislação penal específica encontra-se arrolada no
Estatuto do Índio. Assim é que os artigos 58/59 tipificam
infrações penais próprias. E importante consignar que a
especificidade, no caso, se encontra em tuna principiologia
particular naquilo que diz respeito ao sistema de imputação
penal dos indígenas. Ademais, o sistema penal brasileiro
admite a possibilidade de que os próprios indígenas possam
aplicar sanções penais àqueles que tenham praticado atos que
sejam contrários aos usos e costumes indígenas. Ficam, no
entanto, excluídas as penas cuja natureza seja infa- mante e a
pena de morte. O Projeto de Lei nQ 2.057/91, por seu artigo
151, conserva a orientação da Lei n3 6.001/73, estabelecendo
que:
Será respeitada a aplicação, pelas comunidades indígenas, de
sanções de natureza coercitiva ou disciplinar contra os seus
membros, de acordo com suas instituições, desde que não
revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso
a pena de morte.
Tanto a Lei n2 6.001/73 quanto o Projeto de Lei nfi 2.057/91
admitem a possibilidade de que o direito indígena seja
aplicado para a solução de conflitos ocorridos dentro de uma
comunidade indígena. Parece-me, entretanto, que a norma
indígena
Direito Ambiental
somente poderá ser aplicada para a solução de conflitos
ocorridos no interior de uma mesma tribo indígena. O espírito
da legislação brasileira não alcança a aplicação das regras de
um determinado ordenamento indígena quando o agente do delito
não pertencer à comunidade cuja ordem social foi violada.
Neste caso, parece-me, deverá ser aplicado o direito
brasileiro. Não se trata, contudo, de uma questão simples,
pois, com toda razão, a nação cujo direito tenha sido violado
deverá reivindicar a aplicação de seu ordenamento. Penso,
entretanto, que ante a imensa pluralidade de ordens jurídicas
indígenas, é necessário que o estranho tenha um parâmetro de
comportamento que, no caso, é fornecido pela legislação
indigenista brasileira. De qualquer forma, a questão permanece
em aberto e somente a prática concreta poderá apresentar
soluções satisfatórias.
O parágrafo único do artigo 150 do Projeto estabelece que:
na hipótese prevista no caput deste artigo a comunidade poderá
optar pelo processo e julgamento da Justiça Federal. Trata-se
de uma interessante possibilidade de aplicação do Direito
Indígena por um órgão do Estado brasileiro. Muitas questões,
entretanto, serão suscitadas pela norma de direito
indigenista. Em primeiro lugar há que se observar que o
Direito Indígena deverá ser provado, isto é, a comunidade ao
optar pelo julgamento perante a Justiça Federal deverá
proceder tal qual a hipótese capitulada no artigo 3371 do CPC.
Obviamente que, em sendo consuetudinário, tal Direito deverá
ser provado, no caso, mediante laudo antropológico que
confirme a vigência da prática legal entre a comunidade
indígena. Outra questão importante que é suscitada pela norma
contida no projeto é a referente às garantias individuais.
Como se sabe, o artigo 5e da Lei Fundamental está inspirado nas
concepções jurídicas oriundas do liberalismo europeu e
ocidental. Desta forma, são assegurados aos acusados os
direitos e garantias processuais do contraditório, da ampla
defesa, da presunção de inocência etc. Tais princípios, como
se sabe, são histórica e culturalmente determinados e, por-
tanto, podem inexistir no contexto de um dado Direito
Indígena. Pensamos, contudo, que, na hipótese de aplicação do
Direito Indígena pelo Juiz Federal, o magistrado não poderá
deixar de realizar uma adaptação entre o Direito Indígena e o
artigo 52 da CRFB. De fato, o que ocorrerá será a aplicação do
Direito Indígena mesclado com o sistema de garantias
constitucionais brasileiro.
Com efeito, a norma comentada abre um imenso universo
exegético e, sem dúvida, estabelece um novo parâmetro de
observação do fenômeno jurídico, enriquecendo
extraordinariamente o Direito brasileiro.
O artigo 56 da Lei ne 6.001/73 determina que:
No caso de condenação de índio por infração penal, a pena
deverá ser atenuada e na sua aplicação o juiz atenderá também
ao grau de integração do silvícola.
1 CPC, art. 337. A pane, que alegar direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lbe-
i o teor e a vigência, se assim determinar o juiz.
A Legislação Penal e os Indígenas
Quanto à execução da pena, igualmente, existem princípios
particulares a serem observados pelo magistrado competente.
Dispõe o parágrafo único do artigo 56:
As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se
possível, em regime de semiliberdade, no local de
funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais
próximo da habitação do condenado.
O princípio geral é que as penas aplicadas aos indígenas
deverão ser atenuadas, em razão de o agente ser indígena e,
como parâmetro de dosimetria, deverá ser considerado o nível
de integração do indígena na sociedade nacional. A atenuante
será tanto maior quanto menor for o grau de integração do
índio. Quanto à matéria ora ventilada, vale trazer à colação o
seguinte acórdão do STF:
Habeas Corpus: Indígena. Se o índio já é aculturado e tem
desenvolvimento mental que lhe permite compreender a üicitude
de seus atos, é plenamente imputável. Recurso desprovido.2
Ocorre que tal atenuante tem sido tratada pela doutrina
jurídica de uma forma extremamente preconceituosa e nefasta.
De fato, os doutrinadores em Direito Penal têm,
sistematicamente, entendido que a atenuante em tela, isto é, o
fato de o agente ser índio, não é aplicável. Ademais, o nível
de integração vem sendo considerado como sinônimo de
desenvolvimento mental incompleto e/ou retardado. Consagrados
autores se pronunciaram, assim como Nélson Hungria, um dos
autores do Código Penal de 1940 e Ex-Ministro do STF, sobre os
índios e o Direito Penal:
O artigo 22 fala em “desenvolvimento incompleto ou
retardado”. Sob este título se agrupam não só os deficitários
congênitos do desenvolvimento psíquico ou ohgofrênicos
(idiotas, imbecis, débeis mentais), como os que são por
carência de certos sentidos (surdos-mudos) e até mesmo os
silvícolas inadapta- dos... assim não há dúvida que entre os
deficientes mentais é de se incluir também o Homo sylvester,
inteiramente desprovido das aquisições éticas do civih- zado
Homo medius que a lei penal declara responsável?
Décadas após, o pensamento jurídico não se modificou em
grande coisa. Damásio de Jesus,4 assim como a imensa maioria da
doutrina penal, entende que os indígenas não integrados devem
ser incluídos, para fins de inimputabilidade, na cláusula do
desenvolvimento mental incompleto ou retardado:
2 RHC n8 64.476-7-MG, Rei. Min. CarlosMadeira, DJU 31/1/1986,
in Guimarães, Paulo Machado.
Ementário da furisprudênda Indigenista, Brasília: CIMI, 1993,
p. 27.
3 Apud Carlos Frederico Marés Souza Filho.“O direito
envergonhado: o direito e os índios noBrasil”, in
Grupioni, L. D. B. índios no Brasil, São Paulo, Secretaria
Municipal de Cultura, s/d, p. 162.
4 Direito Penal — volume I — Parte geral, São Paulo, Saraiva,
13» ed., 1988, p. 441.
Direito Ambiental
A segunda cláusula de inimputabilidade é o desenvolvimento
mental incompleto, i.e., o desenvolvimento mental que ainda
não se concluiu. É o caso dos menores de 18 anos (artigo 27) e
dos silvícolas inadaptados.
Outro autor de nomeada, como é o caso de Delmanto,5 refere-
se ao assunto desta forma:
A lei se refere a desenvolvimento mental incompleto ou
retardado. Como exemplo, os silvícolas não totalmente
integrados, os mudos por surdez sem aprendizado...
Evidentemente que o grau de integração do indígena na
sociedade nacional e o desenvolvimento mental são dois
conceitos que não guardam a menor relação entre si. Para que
um índio ou qualquer pessoa tenha o seu desenvolvimento mental
completo não há a menor necessidade de que este esteja
integrado na sociedade brasileira. As diferenças culturais não
podem, de forma nenhuma, servir de base para julgamentos
relativos à sanidade ou ao desenvolvimento mental de qualquer
pessoa. Tratar-se diferenças culturais como retardamento
mental é extremamente perigoso, pois, à semelhança do nazismo
e do estalinismo, todo aquele que não estiver “integrado” em
um determinado padrão de organização social passa a ser
tratado como retardado mental, intelectualmente pouco
desenvolvido ou louco.
Uma das vozes mais lúcidas a enfrentar o tema foi o falecido
professor Heleno Cláudio Fragoso,6 que, ao discorrer sobre a
matéria em tela, aponta para o fato de que se deve fazer uma
distinção precisa entre a inimputabilidade decorrente de uma
situação peculiar, do ponto de vista sociocultural, e a
cláusula de desenvolvimento mental incompleto. É importante
relembrar as palavras do professor Heleno Fragoso:
Nem sempre a questão estará bem posta pelo prisma da
imputabilidade. Imputabilidade é capacidade de culpa, vale
dizer, capacidade de governar a própria conduta, segundo as
exigências do ordenamento jurídico. Parece-nos terem razão os
que afirmam não haver fundamento válido para formular, como
princípio geral, o da inimputabilidade do indígena... trata-se
deãtríbuir relevância jurídica ao déficit social dos
silvícolas, enquanto estranhos e alheios ao nosso estilo de
civilização.
O conhecido e respeitado especialista em Direito Indigenista
brasileiro, prof. Carlos Frederico Marés de Souza Filho,7
examinou o tema da seguinte forma:
5 Código Penal Comentado, Rio de Janeiro: Renovar, 3* ed„
1991, p. 48.
6 Direito Penal e Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 14.
7 “O direito envergonhado: o direito e os índios no Brasil”,
in Grupioni, L. D. Benzi (org.), índios no Brasil, São
Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, s/á, p. 164.
A Legislação Penal e os Indígenas
A leitura simples e direta do dispositivo legal nos remete à
vontade do legislador de dar aos índios um tratamento
diferenciado no julgamento da ação ou omissão criminosa dos
índios, que, só pelo fato de sê-lo, deverão ter pena atenuada.
Na aplicação da pena atenuada, deverá o juiz atender ao grau
de integração. Quer dizer, em qualquer hipótese, o índio terá
sua pena atenuada, conforme expressamente determina o texto
legal, e de acordo com o seu grau de integração a aplicação
será minorada.
A vontade do legislador, contudo, permanece presa a
estereótipos e preconceitos em desfavor dos indígenas. A
jurisprudência mais moderna vem se desenvolvendo no sentido de
fazer uma clara distinção entre o desenvolvimento mental
incompleto e/ou retardado e o grau de aculturação do indígena.
Assim é que Delinanto8 apresenta ementa que merece transcrição:
“É necessária perícia médica que comprove o desenvolvimento
incompleto ou retardado, não bastando a só condição de sil-
vícola” (TJSC, RT544/390; TJPR, £7621/1339).
As causas de inimputabilidade, retardamento mental e baixo
nível de aculturação, portanto, são totalmente diversas e não
podem ser confundidas. O retardamento mental, não só para os
índios, mas também para todo e qualquer acusado, deve ser
comprovado por perícia médico-psiquiátrica. Já o grau de
integração do índio somente pode ser comprovado pela perícia
antropológica que a modalidade técnica especifica. Não pode o
magistrado, baseado em impressões pessoais, determinar se o
indígena já se encontra em nível de compreensão plena do
ordenamento jurídico da sociedade nacional e em gozo da
capacidade de se auto-ordenar, em consonância com tal
entendimento. A inexistência do laudo antropológico, no caso
de condenação do indígena, parece-me acarretar a nulidade da
decisão por cerceamento de defesa e falta de prova técnica.
Aliás, é importante ressaltar que os conceitos de índio
integrado ou em vias de integração são conceitos técnico-
normativos previstos nos incisos II e III do artigo 4a da Lei
n2 6.001/73.
Quanto aos chamados índios isolados, ou seja, aqueles que
vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e
vagos informes através de contatos eventuais com elementos da
comunhão nacional,9 eles são totalmente inimputáveis em razão
da total incapacidade de compreensão do sistema jurídico
nacional.
O Projeto de Lei n2 2.057/91, que estabelece o Estatuto das
Sociedades Indígenas, em seu artigo 151, § l9, determina a
obrigatoriedade da perícia antropológica para que se possa
determinar o grau de consciência da ilícitude do ato prati-
cado, com vistas à aplicação do disposto no artigo 21 do
Código Penal. O projeto, como se vê, deu um tratamento
bastante adequado à matéria, sendo muito superior ao
tratamento contido na Lei nô 6.001/73. E assim é na medida em
que o problema passa a ser visto pelo aspecto da compreensão
de um outro universo cultural e não pelo ângulo da integração
ou do desenvolvimento mental completo ou incompleto.
8 Celso Belmanto. Ob. cit., p. 49.
9 Lei ne 6.001/73, artigo 4a, I.
Direito Ambiental
Tais circunstâncias estão explicitamente colocadas na cláusula
de exclusão de ilicitu- de estabelecida pelo artigo 152 do
projeto, que determina o seguinte: “Não há crime se o agente
indígena pratica o fato sem consciência do caráter delituoso
de sua conduta, em razão dos valores culturais do seu povo.”
2.2. Crimes Praticados contra os Indígenas e suas Comunidades
Inicialmente é na própria Lei Fundamental da República que
deve ser encontrada a fonte normativa dos tipos penais que
incriminam atos praticados contra os indígenas e as suas
comunidades. Assim é que o artigo 3e, inciso IV, da
Constituição determina que:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Mais adiante, a Lei Máxima da República, no artigo incisos
XLI e XLII, esta- belece que:
XLI — a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais.
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Os termos insculpidos em nossa Constituição são um
importante fator de promoção social dos indígenas, bem como de
outras minorias étnicas discriminadas. Entretanto, como se
sabe, a simples existência do preceito constitucional não é
suficiente para impedir a discriminação racial nas suas mais
diversas manifestações.
A primeira imputação penal referente ao racismo tipificada
pela legislação brasileira ocorreu com a chamada Lei Afonso
Arinos.
2.2.1. Crimes Previstos no Estatuto do índio (Lei ns
6.001/73)
O vigente Estatuto do índio tem a previsão de diversos tipos
penais voltados especialmente para a tutela dos indígenas e de
seus valores fundamentais. Os três incisos do artigo 58 da Lei
ne 6.001/73 definem como crime as seguintes figuras:
Artigo 58. Constituem crimes contra os índios e a cultura
indígena: I - escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou
tradição culturais indígenas; vili- pendiá-los ou perturbar,
de qualquer modo, a sua prática: pena — detenção de um a três
meses; II ~ utilizar o índio ou comunidade indígena como
objeto de propaganda turística ou de exibição para fins
lucrativos: pena — detenção de
A Legislação Penal e os Indígenas
dois a seis meses; III - propiciar, por qualquer meio, a
aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos
grupos tribais ou entre índios não integrados: pena — detenção
de seis meses a dois anos.
Todas as penas mencionadas são agravadas de um terço quando
o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de
assistência ao índio.
O primeiro crime tipificado tem como núcleos os verbos
escarnecer, vilipendiar ou perturbar cerimônia, rito, uso,
costume ou tradições culturais indígenas. O Dicionário Aurélio
Eletrônico, assim define o verbo escarnecer:
“Verbete: escarnecer [Incoativo de escarnir.] V. t. d. I.
Fazer escárnio de; troçar de; zombar de; ludibriar, V‘ t. i 2.
Zombar, mofar: [Sin.: escarnir. Conjug.: v. aquecer.]” já
vilipendiar tem o significado de: “Verbete: vilipendiar V, L
d. 1. Tratar com vilipêndio. 2. Ter ou considerar como vil;
desprezar; repelir. [Pres. ind.: vilipendio, etc. Cf.
vilipêndio.]”.
O crime, como é fácil perceber, se constitui de diferentes
ações. O agente, parece-nos, somente pode ser indivíduo não-
índio ou, pelo menos, índio “integrado”. Na realidade, o
objeto jurídico tutelado é o respeito aos usos e práticas de
uma cultura vis-à-vis às demais. A proteção que a lei busca
atribuir é, sem dúvida, uma proteção contra os elementos
externos às diversas culturas indígenas. Pretende-se
assegurar, coercitivamente, o respeito por parte dos
integrantes da sociedade brasileira aos valores indígenas mais
profundos. O crime admite tentativa.
O segundo crime, previsto no inciso II, diz respeito à
preservação da imagem indígena. O objetivo da lei é evitar que
a imagem indígena seja utilizada como atração turística ou
“folclórica”, ou seja, foi proibida a exploração do elemento
indígena como “curiosidade”, capaz de gerar lucro para aqueles
que o façam. Evidentemente que a lei não proibiu a utilização
de fotos, imagens ou qualquer outro instrumento audiovisual
como fator de divulgação e fortalecimento da cultura indígena.
O objeto jurídico tutelado é a integridade da imagem pública
dos índios e de suas comunidades.
O terceiro tipo penal está vinculado a um dúplice elemento
que é a integridade da saúde física e mental dos indígenas e,
ao mesmo tempo, a integridade cultural das nações indígenas.
Trata-se de incriminar todos aqueles que, por quaisquer meios,
facilitem aos indígenas a utilização de bebidas alcoólicas. E
desnecessário dizer do grande mal que se constituiu a bebida
alcoólica no meio dos povos indígenas.
É de se observar que, ao teor do que dispõe o artigo 59 da
Lei n9 6.001/73, a prática de crime contra a pessoa, o
patrimônio ou os costumes de índio não integrado ou de
comunidade indígena implica agravamento de um terço da pena
aplicada.
Os crimes descritos, se praticados no interior de área
indígena, serão processados e julgados perante a Justiça
Federal (HC 65.912 — 8/MG, relator, o Ministro Célio Borja,
DJU 24/06/1988).
Direito Ambiental
2.2.2. Genocídio (Lei n9 2.889/56)
A Lei ng 2.889, de le de outubro de 1956, que define o crime
de genocídio, embora não seja especificamente voltada para a
defesa das populações indígenas, evidentemente, guarda grande
importância para a defesa das populações indígenas como
etnias. A lei, como se sabe, surgiu como uma reação
internacional contra os crimes praticados pelos nazistas
durante a Segunda Guerra Mundial contra minorias étnicas, tais
como os judeus e os ciganos.
Lamentavelmente, a lei ora referida já teve oportunidade de
ser utilizada pelo Ministério Público Federal quando da
chacina cometida contra os ianomâmis.
Nos termos da lei, pratica o crime de genocídio:
Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de
membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de
existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total
ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no
seio do grupo; efetuar transferência forçada de crianças do
grupo para outro grupo (artigo Ia).
A incitação à prática do genocídio, em qualquer das
modalidades previstas na lei, direta e publicamente, implica
pena correspondente à metade das penas cominadas no artigo l2.
Havendo a consumação do genocídio, em razão da incitação, a
pena aplicada ao incitador será igual à do crime consumado.
Caso a incitação seja praticada pela imprensa, a pena será
aumentada de um terço.
A associação de mais de três pessoas para a prática do
genocídio implica agravamento em metade das penas aplicadas,
conforme determinação legal contida no artigo 2S. Haverá
agravamento em um terço da pena, caso o crime seja praticado
por governante ou funcionário público.
Ponto importante da lei é que o crime de genocídio não é
considerado crime político para os fins de extradição (artigo
ô9).
Por força do artigo l2 da Lei n2 8.072, de 25 de julho de
1990, o crime de genocídio foi considerado como crime hediondo
e, portanto, submetido a um regime jurídico particular. Em
assim sendo, o genocídio, tentado ou consumado, é insuscetível
de anistia, graça e indulto, fiança ou liberdade provisória
(artigo 2e, I e II). Há, ainda, a previsão legal de um regime
próprio de execução penal que retira do âmbito da Lei de
Execuções Penais a execução das penas aplicadas aos genocidas.
Em primeiro lugar deve ser apontado que o genocida deverá
cumprir a pena integralmente em regime fechado. O réu somente
poderá apelar em Uberdade se o magistrado, fundamentadamente,
assim o decidir.
A Legislação Penal e os Indígenas
2.2.3. Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor
(Lei n9 7.716/89)
Em substituição à antiga Lei Afonso Arinos, que estabelecia
a contravenção resultante de preconceito racial ou de cor, o
Congresso Nacional decretou e foi sancionada pelo Presidente
da República a Lei ne 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Na alu-
dida lei são tipificadas diversas condutas criminosas que,
evidentemente, são praticadas em detrimento não apenas dos
índios mas de todo e qualquer grupo étnico e racial. A lei é
bem mais abrangente que a antiga Lei Afonso Arinos e cobre um
universo mais amplo.
O primeiro crime tipificado pela lei é o de impedir ou
obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado> a qualquer
cargo da Administração Direta ou Indiretaj bem como das
concessionárias de serviço público (artigo 3a). A prática é
apenada com reclusão de dois a cinco anos. Também é
considerado crime o ato de negar ou obstar emprego em empresa
privada (artigo 4®), bem como impedir o ingresso nas forças
armadas (artigo 13). Recusar ou impedir acesso a
estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou
receber cliente ou comprador (artigo 59). O bloqueio ao acesso
às instituições de ensino, públicas ou privadas, de qualquer
grau, em razão da raça ou da cor do indivíduo, é o crime
previsto no artigo 6B. A pena cominada é de reclusão de três
meses a cinco anos, agravando-se de um terço, caso o crime
seja praticado contra menor de 18 anos.
Os serviços de hotelaria, estalagem e pensões, restaurantes,
bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público
não podem negar atendimento ou acesso aos indivíduos, sob pena
da prática dos crimes previstos nos artigos 89 e 9S.
Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos
esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao
público (artigo 10), bem como impedir o acesso ou recusar
atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou
casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades
(artigo 11) são crimes previstos na lei em tela.
O livre acesso a todos os meios de transporte é o bem
jurídico tutelado pela norma contida no artigo 13.
Por fim, é considerado crime o ato de impedir ou obstar, por
qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e
social; a pena para o crime previsto no artigo 14 é de
reclusão de dois a quatro anos.
No caso em que os crimes previstos na lei ora examinada
tenham sido praticados por servidor público, haverá a pena
acessória de perda do cargo. Os estabelecimentos comerciais,
nos quais tenha sido praticado o crime de racismo, terão o seu
funcionamento suspenso por prazo que não excederá três meses.
2.2.4. Lavra Garimpeira (Lei n9 7.805/89)
A Lei n9 7.805, de 18 de julho de 1989, instituiu o chamado
regime de permissão de lavra garimpeira. O regime de lavra
garimpeira, como se sabe, é o aproveitamento imediato de
jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão, localização
e utilização econômica, possa ser lavrado, independentemente
de prévios trabalhos
928
Direito Ambiental
de pesquisa, segundo critérios fixados pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM). A matéria é de grande
relevância para o Direito Indigenista, pois, é notório, as
áreas indígenas são extremamente ricas em minerais.
O crime previsto no artigo 21 da lei em questão determina
que: a realização de trabalhos de extração de substâncias
minerais, sem a competente permissão, concessão ou licença,
constitui crime, sujeito a penas de reclusão de 3 (três) meses
a 3 (três) anos e multa. É decretado, também, o perdimento de
todos os utensílios que tenham sido utilizados na extração
ilegal do minério.
A permissão de lavra garimpeira, instituída na lei em tela,
não se aplica às áreas indígenas. A conduta típica punível,
contudo, pode ser praticada no interior de áreas indígenas.
2.2.5. Crimes Praticados pelos índios
A imputabilidade penal plena somente é reconhecida aos
indígenas que se encontrem “integrados” à sociedade
envolvente. Em razão disto, o Estatuto do índio determina que,
no caso de condenação de índio por infração penal, deverá ser
atenuada a pena, e o juiz deverá estar atento ao grau de
integração do silvícola (artigo 56). A Lei ne 6.001/73
determina, ademais, que as penas de reclusão e detenção deve-
rão ser cumpridas, se possível, em regime de semiliberdade, no
local de funcionamento do órgão federal de assistência aos
índios mais próximo da habitação do condenado.
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Apelação Cível na 31.078 - MT, Relator Ministro Adhemar
Raymundo, DJU 21/5/1981.
Ministério Público Federal, Inquérito policial ns 078/93, livro
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Carlos Frederico Santos, Franklin Rodrigues da Costa e
Luciano Mariz Maia).
Processo no TC - 016.440/91-9, decisão na 197/92 - 2S Câmara,
relator Ministro Luciano Brandão Alves de Souza.
RHC n9 64.476-7-MG, Relator Ministro Carlos Madeira, DJU
31/1/1986,
TRF da 5â Região, AC n9 20.978-AL, Relator Juiz Lázaro
Guimarães, DJU 2/41993.
ADI 2432 / RN - RIO GRANDE DO NORTE.Relator(a): Min. EROS GRAU
Tribunal Pleno. DJU 26-08-2005, p. 5. Republicação: DJU 23-
09-2005, p. 07.
ADI 1245 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Relator: Min. EROS GRAU.
Tribunal Pleno. DJU 26-08-2005, p. 5,
RE 286789 / RS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. ELLEN
GRACIE.
Segunda Turma. Publicação: DJ 08-04-2005, p. 38.
ADI 2.068, Relator Ministro Celso de Mello, DJU 16/05/2003).
MS 21239 / DF. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. TRIBUNAL
PLENO. DJ 23-04-1993, p. 6920.
ADI 2544 MC / RS. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento:
12/06/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJU: 08-11-2002
PP-00021.
ADI 1245 / RS. Relator: Min. EROS GRAU. Tribunal Pleno. DJU
26-08-2005.
I Direito Ambiental
ADI 1086 MC / SG - SANTA CATARINA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ILMAR
GALVÃO Julgamento: 01/08/1994 órgão Julgador: TRIBUNAL
PLENO.
ADI 1278 MC / SC - SANTA CATARINA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO. REsp 591948 / SP; RECURSO ESPECIAL. 2003/0176435-1
Ministro LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. DJU 29.11.2004.
REsp 628588 / SP; RECURSO ESPECIAL. 2004/0004702-7. Relator:
Ministro LUIZ FUX; Relator p/Acórdão Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI.
STF: HC 82424 QO / RS - QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS.
Relator: Min. MOREIRA ALVES; Rei Acórdão Min. MAURÍCIO
CORRÊA. Tribunal Pleno DJU 19-03-2004, p. 17.
STF - STF. RE-embargos - EMBARGOS NO RECURSO EXTRAORDINÄRE.
51972.
ADJ: 14-11-1963, p. 01165. Relator Ministro CÂNDIDO MOTTA.
STF - STF. RE: 92845/SP - São Paulo.DJU: 19-09-1980, p. 7206.
Relator Ministro Cunha Peixoto.
STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP - 235773/RJ. TURMA.
DJU: 27/03/2000, p. 76. Relator: Ministro José Delgado.
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271. Relator: JUIZ CARREIRA ALVTM.
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"1
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ES8 J • Ênsino Superior B\sm JyH$cs
índice Remissivo
índice Remissivo
Abandono de poço - p. 823-824 Abuso de Poder — p. 27, 97-98,
521
Ação Civil Pública - p. 28, 46, 73, 100, 102-104, 106, 118,
189-190, 207-208, 218, 221- 223, 227-230, 254, 297, 299, 623,
671, 696, 779-784, 786-789, 794-797, 802, 819, 880 Ação
Popular - p. 17, 27-28, 65, 73, 100, 176, 248, 332, 443, 541,
564, 755, 781, 783,795, 799-800
Acesso aos recursos genéticos - p. 364, 412-413, 438-439, 443-
445, 447-449, 451, 453, 455,457-460,471-472,482 Acordo
internacional - p. 354, 377 Agência Nacional de Águas - p.
117, 743, 747-748, 752 Agência Nacional do Petróleo — p. 116,
168, 235, 748, 808, 812, 815, 817, 828 Agenda - p. 12,114,
181, 183, 186, 188, 276, 342, 346, 369-370, 392, 469, 495-496,
499, 717
Agentes Ambientais Voluntários - p. 176
Agrotóxicos - p. 52, 54, 93, 645-657, 659-673, 675, 679
Água doce - p. 715
Águas naturais ~ p. 528
Álveo- p. 729-730, 737
Amianto - p. 680-682, 684-690, 700-701
Área de relevante interesse ecológico - p. 583, 587-588, 608,
613, 633 Áreas críticas-p. 107, 114,153, 198-199,290-293, 704
Áreas de Preservação - p. 193, 310, 517-519, 522-523, 528,
531-536, 538-539, 542, 546, 551,553, 561, 563,565,
567,569,571, 573, 575,577, 579, 581,583-585,587,589,591,
593,595,597,599,601,603,605,607,609,611,613,
615,617,619,621,623,625,627, 629, 631, 633, 635, 637, 639,
641, 643 Áreas de proteção ambiental - p. 110, 193, 562, 583-
585, 587-588, 596, 606, 609 Asbestos - p. 33, 680-683, 767
Ascarel — p. 691-693
Atividade nuclear — p. 100, 212, 615, 833-834, 836-837, 839-
841, 845, 847-849, 852-854,
857-858,864-865,872 Atividades industriais - p. 198-199,
203, 291 Atividades proibidas — p. 609
Audiência Pública - p. 27, 160, 167, 284, 301, 317-318, 390,
433 Auditorias - p. 237
Bacia Hidrográfica - p. 114,306,308,373,
602,607,724,731,738,742,744,746,749-750
Baterias — p. 224, 703-708
Bens naturais — p. 4, 9, 12, 18, 268, 403, 553
Direito Ambiental
Bioamazônia — p. 413-414, 479
Biodiversidade - p. 10-11, 53, 128, 137, 145, 177, 344, 348-
352, 357, 401^02, 405-406, 413-414, 433-440, 447-448, 454,456,
458, 466, 472-474,477-480, 487,495, 498, 500, 522, 539-540,
547, 569, 573, 606, 611, 643-644, 888, 910 Biossegurança - p.
34, 317, 349, 355, 366, 383-385, 387, 389, 391-397,
399,403,445-446, 451,456, 459
Biotecnologia - p. 34, 53, 348-351, 358-359, 361, 365-366,
370, 383, 387-388, 414, 439, 465
Biótica - p. 77 Biótopo - p. 76, 269 Boreal - p. 498
Brasil na Comunidade Nuclear Internacional - p. 846 Busca do
pleno emprego - p. 14 Caatinga-p. 345, 502, 563-564
CDB - p. 348, 354-360, 362-366,404-405,433-435,441,443-
444,447-449,455, 465-467, 469, 471, 473-474, 479-480, 482,484
Cerrado - p. 345, 502, 514, 545-546, 563-564, 571
CFlo ~ p. vii, 21, 61, 68, 86,115, 228-229, 496-497, 502, 506-
507, 509-512, 514-519, 522, 528, 531-542, 544-547, 555-556,
558, 564-565, 567, 591-592, 594-596, 779, 801-802 Chapada - p.
530 Classes minerais - p. 773 Classificação das jazidas
minerais - p. 765 Cloro - p. 225, 691, 693, 698-699, 701-702
Código de águas - p. 61, 592, 725-734, 736-738, 789-790 Código
de caça - p. 177, 179, 802 Código de mineração - p. 40, 763,
765-766, 770, 775, 824 Código Sanitário do Distrito Federal -
p. 195 Comitês de Bacia Hidrográfica - p. 114, 602, 607, 744,
746, 749 Competências em Matéria Nuclear - p. 834
Comunidades indígenas - p. 370,404,457,463,466-469,471-
472,482-484,486,491,493, 598, 745, 768-769, 783, 887, 898,
903, 905, 908-909, 919 Concessão de Serviços Públicos - p. 824
Concorrência - p. 14, 116, 123, 208, 451, 593, 626, 794, 808,
810, 859, 866 Congresso Nacional-p. 70, 84-85,97-100,103-
104,222,355,370,394,463-464,561,566, 677, 696, 706-708, 761,
768-769, 774, 809-810, 834-835, 839, 844-845, 847, 849-850,
853, 866, 888, 898, 905, 912-914, 927 Conhecimento Tradicional
Associado — p. 349, 402, 404-408, 410-412, 414-415, 417-423,
425-432, 437, 439, 447-448, 454-455, 463-467, 469-471, 473,
475, 477, 479, 481-483, 485, 487, 489, 491-493 Conselho de
Gestão do Patrimônio Genético — p. 403,405,408,410-
411,427,430-432,472 Conselho Nacional dos Recursos Hídricos —
p. 742-743
Constituição Brasileira-p. 176, 255, 270, 322, 508, 520, 720,
792, 872, 895-896 Constituição da República-p. vii, 59,63,69-
70,86,101,139-140,218,302,351, 837, 842, 847
Constituição de 1824 - p. 719, 757 Constituição de 1891 — p.
719
Constituição de 1934 - p. 12, 61, 507, 720, 758, 896, 915
índice Remissivo
Constituição de 1937 - p. 61, 721
Constituição de 1946 - p. 443, 507, 541, 721, 758, 896
Constituição de 1967 - p. 443, 508, 722, 841, 896, 913-914
Constituição de 1969 - p. 722, 836
Constituição de 1988 - p. 13,62-63,82, 89,135,162,194-
195,467,508, 524-525, 541, 568, 719, 722, 759-760, 768, 778-
781, 785, 799-800, 834-836, 838, 844-845, 850, 858, 895, 897-
899, 901, 904-906, 915 Constituição Imperial — p. 59, 719
Contratos de concessão - p. 168, 751, 820 Contravenções — p.
779
Controle Ambiental — p. 25, 48, 80, 88, 114, 126-127, 142,
146, 150, 153, 163, 169-170, 181, 183-187, 189, 229-230,236-
237, 242-243,245,253, 283, 291, 392, 556, 596, 631, 686, 693-
694, 771, 773, 818, 822, 872 Convenção de RAMSAR - p. 370-371,
374
Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e
Fauna Selvagem em Perigo de Extinção — p. 375, 378 Convenção
sobre Diversidade Biológica —p. 34, 71, 348, 354-355, 358,
411, 427, 433-434, 438, 441, 475,491 Corredores ecológicos —
p. 570, 573, 600, 603, 606, 608 Crédito rural e meio ambiente
- p. 228 Crimes contra o meio ambiente - p. 20, 862 Crimes
praticados contra os indígenas - p. 924 Custos da Central
Nuclear Almirante Álvaro Alberto - p. 881, 883 Dano Ambiental
- p. 7,46,134, 207,212,217,219,221, 227,229,242, 247-
248,250,252- 254,284,297,299, 337-338, 519, 541,618-620,
623,626-628, 631, 634,706,734,786- 787,860 Declaração de
Estocolmo - p. 24
Defesa do Consumidor - p. 14, 118,222-223, 227, 244, 388, 781,
789, 793, 796 Defesa do Meio Ambiente - p. 26, 53, 56, 63, 69,
100, 109, 122, 176, 244, 270, 286, 312, 317,447, 537, 567,
597, 602, 607, 724, 794, 819, 822, 834 Demarcação - p. 82,
329, 545, 561, 613, 633, 901, 904, 906, 909, 911-913, 915-917
Desapropriação ~ p. 69-70, 101, 203, 270, 323-324,416, 464,
539, 545, 551-552, 565, 581, 584-586, 591, 601, 728, 732-733,
757-758, 790, 800-802, 818, 906, 916 Descarga de óleo - p.
238-240 Descomissionamento — p. 822-823, 868-869, 882
Desenvolvimento Sustentável - p. 6,24-25, 53,117,187,
206,253,260, 348,360-361,404, 445,447,469, 528, 562, 570,
572,583, 590, 599-600, 603, 605-606, 609,642-643, 676,
739,876
Desflorestamento — p. 194, 547, 554 Desflorestamento e
queimadas — p. 554 Desigualdades-p. 14,195-196, 506, 553, 716
Desmatamento - p. 170, 276, 347-348, 516, 554, 557, 589
Direito agrário - p. 62, 549 Direito de Informação - p. 26
Direito de Petição - p. 27
Direito de uso - p. 185, 209, 327, 585-586, 598, 737, 740,
745, 748, 750-752, 754 Direito Ecológico - p. 10, 192, 250
Direito Ambiental
Direito Econômico - p. 13, 15
Direito Indigenista - p. 441, 887-888, 901, 903, 920, 922, 928
Direitos Humanos - p. 16-17, 23, 25, 69-72, 119, 563, 783-784,
871, 922 Doutrina - p. 6, 10-12, 29, 37, 42, 46, 54, 56, 70,
73, 79, 82, 90, 105, 120, 129, 139-140,
144,149,184,192,213,215,224,247,251,270,280,298,352,487,508,
520,564,616, 622, 641, 661, 716, 781, 786, 793, 840, 893, 921
Ecoiogismo - p. 9
Ecossistema - p. 57, 76-78,208, 233,235-236,248, 254,269, 359,
436,446,474, 499-500, 503, 531, 538, 555, 570-571, 584, 605-
606, 788 Educação Ambiental - p. 109, 128, 255-262, 553, 573,
595, 600, 612-613, 633, 642-643 Embalagens - p. 238, 655-657,
660, 667, 670-673,681,707-708,710, 843 Encostas - p. 202, 327,
515, 529-530
Energia Nuclear - p. 32, 52, 80, 99, 105, 166, 676, 709, 712,
766, 833-847, 849-851, 853, 855, 857-883 Energia renovável -
p. 723, 828, 830 Engenharia Genética - p. 350-351, 384-385,
396
Entorno - p. 181, 199-202, 204, 233, 256, 328-329, 522-523,
528, 570-571, 602-603, 607- 608, 612, 850
Equilíbrio Ecológico - p. 75-76, 102, 108-109, 233, 637, 646,
790
Era dos Direitos - p. 16
Escravização dos indígenas - p. 891-892, 894
Estação ecológica-p. 68, 193, 568, 574-576, 578, 601, 608, 852
Estatuto da Cidade - p. 321, 324, 330-331, 333
Estatuto do índio - p. 467, 904, 906, 912, 919, 924, 928
Estudo de Impacto Ambiental - p. 27,159-160, 169-170,173, 207-
208, 219,263, 280, 289, 291, 294-295, 297-299, 301-303, 305-
306, 312, 314, 316, 327, 393, 449,460, 534, 584, 612, 617,
619, 623-624, 632, 635, 640, 702, 769-771, 866 Estudo de
Impacto de Vizinhança - p. 327-328
Estudos de Impacto Ambiental - p. 20, 45, 74,112-113, 158,
163, 207, 265, 271,275-276, 281-282,284-286,289,291, 293, 295,
303, 312-313,315, 327, 343, 394,460,496, 521, 620, 628, 703-
704, 770-773, 826 Evolução da legislação nacional - p. 504
Exercício do direito - p. 72, 150, 325-326, 509, 535, 887
Experiência Norte-Americana - p. 281, 840 Exploração de bens e
serviços - p. 611 Extração de madeira - p. 498, 501, 907, 909
Fauna - p. 4, 10, 19, 24, 82-83, 88, 124, 127, 159, 248, 269,
283, 292, 310, 337, 342, 345, 349, 353-354, 370-371, 373-375,
378,413, 429, 442, 490, 499, 509, 522, 533, 539-540, 547, 565-
567, 569, 578, 581-583,592-593, 595, 599, 608, 612,617, 619,
655,762, 779, 801-802, 819, 835, 906 Floresta Amazônica - p.
68,401, 502-503, 508, 514, 563, 697, 888 Floresta Nacional -
p. 583, 588, 594-597, 608 Florestas de preservação permanente
- p. 514, 517, 529, 532-534 Fontes do Direito Ambiental - p.
51 Função Social da Propriedade - p. 14, 69-70, 535-537, 544
Fundo Nacional do Meio Ambiente — p. 423, 428 Garimpagem - p.
276, 696, 760, 762-763, 904
índice Remissivo
Genética-p. 349-351, 384-385, 396, 402-403, 439, 445-447, 457-
458, 502 Gerenciamento costeiro - p. 90, 93-94, 206, 208
Gestão compartilhada com OSCIP — p. 603 Hortos florestais - p.
123, 591, 644
ÍBAMA-p. vii, 27,41-43, 56, 84, 88, 99, 107,110-113, 117, 125-
128, 137, 140, 142-145, 147, 150, 155-158, 160-165, 170, 176-
177, 184,207, 236, 271, 297, 299, 315-316, 376- 379,381, 392,
395,409,431,469, 554,571,577, 596, 611, 623-624, 677-678,
694,703- 704, 770, 818-819 Ilegalidade na exigência - p. 773
Importância das águas - p. 715, 717 Incentivo Fiscal - p. 422
Informações técnicas - p. 820
Infrações administrativas -p. 144, 241,425, 427-428, 667
Infrações e sanções - p. 241 Iniciativa Popular - p. 26, 331
Inserção da atividade nuclear na ordem econômica - p. 841
Interesse Comum- p. 17, 68, 71,196-197,229,497,510-511, 535,
537, 540-541, 564,567, 592, 745, 747, 801, 818 Jardins
Botânicos - p. 369, 644 Jardins Zoológicos - p. 369, 644
Jazida - p. 169, 617, 762, 764-765, 767, 775, 816, 821 ;
Lago e lagoa - p. 731
Lavra garimpeira - p. 765, 769, 772, 927-928
Legislação brasileira - p. 126, 168, 239, 306-307, 315, 317,
504, 690, 726, 732-733, 836, 920,924 Legislação especial - p.
729 Legislação extravagante - p. 731, 858 Legislação
indigenista - p. 889, 891, 893, 895-897, 899, 920 Lei de
Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre - p. 443, 453
Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá - p.
456 Leis Estaduais de Acesso à Diversidade Biológica - p. 441,
443, 445, 447, 449, 451, 453, 455,457,459,461
Licença de instalação - p, 49, 94,159,164,169-170,174-
175,180,183,185-187,634,771, 829
Licença prévia - p. 158-159,164,169-170,172-174,180,183, 185-
186, 633-634, 751,771, 829
Licenças ambientais - p. 27, 147,151, 164-165,167,180,183,
633,635-636, 640, 782,829 Licenciamento Ambiental - p. 41-42,
45, 80, 103-104, 127, 146-147, 149-168, 170-171,
173,175,179,181,183-
191,200,224,229,242,291,299,301,303,317,328,363,392- 395, 608,
612-613, 617-620, 632, 635, 640, 672, 702, 751, 769-770, 772-
773, 819 Licitação - p. 425, 442, 604, 752, 754, 820, 824-826
Limite legal de concentração de mercúrio na água - p. 697
Livre Concorrência — p. 116, 794, 808, 810 Mandado de Injunção
- p. 85, 289-290, 463
Mandado de segurança-p. 40,69,97,116,120-
121,137,179,318,519,550,571,642,677, 799
Manejo Ecológico - p. 19, 74, 78, 567
Direito Ambienta]
Mar territorial - p. 156-158, 166, 235, 569, 637, 723, 728,
815, 819
Mata Atlântica — p. 68, 345-347, 401, 501-502, 508, 514, 563,
571
Matéria Nuclear-p. 93, 100, 834-839, 841, 844-845, 852-853,
857, 859, 861
Medicamento - p. 43-44, 367-368
Meio ambiente do trabalho — p. 779, 799
Mercúrio - p. 676, 694-697, 699-701, 704, 707, 762, 766, 874
Mineração - p. 40, 61, 160, 165, 507-508, 592, 695, 720-721,
757, 759, 761, 763, 765-773, 775, 824, 837, 887
Ministério da Agricultura - p. 43-44, 124-125, 379, 387, 397,
409, 590, 653, 743
Ministério da Fazenda — p. 526, 743
Ministério da Saúde - p. 226, 387, 397, 408, 653, 686, 743
Ministério das Minas e Energia - p. 827, 850
Ministério do Meio Ambiente - p. 111, 117, 123-125, 127-128,
182, 271, 387, 397, 405, 407-409, 411,413-414, 433, 480,
494, 497, 571, 573, 596-597, 607-608, 654, 686, 703- 704,
743, 748,864
Ministério Público-p. 12,28,98,101,106-107,117-123,137-
138,142-144,175,190,212, 217,219,221,228-
229,244,248,254,317,332,464, 519, 685, 693, 777,779-783,786,
794-798, 800, 803, 880, 898, 926 Monitoramento - p. 11, 38,
45, 114, 127-128, 136, 145, 174, 181, 311, 315, 360-361, 391,
439, 553, 556, 572-573, 608, 613, 633, 642-643, 655, 684, 686,
700-701, 768, 843, 875 Montanha - p. 311, 530 Monte - p. 311,
340, 529, 683, 765, 775 Monumento natural - p. 574, 581-582,
608, 610, 613, 633 Morro - p. 3 U, 529-530, 775 Mosaico de
unidades de conservação - p. 606 Nascente - p. 345, 516, 721,
725, 730, 736 National Environment Policy ACT - p. 278 NEPA-
p. 278-282
OGM - p. 350-351, 383-387, 391-392, 395-399
Ordem Econômica e Financeira - p. 834, 841
Ordem Pública - p. 101, 133-135, 191, 252, 291, 365, 664, 785
Organismos Geneticamente Modificados - p. 350-352, 383, 392-
394, 403
Organização da sociedade civil de interesse público — p. 602-
603, 607
Outorga de direito - p. 174, 185, 740, 745, 750, 752, 754
Papel do Congresso Nacional - p. 835
Parque Nacional - p. 565, 571, 574, 578-579, 608
Patrimônio Genético - p. 19,351,401-408,410-412,414-
432,434,439,445,458,464,466, 468,470,472,491,567 Patrimônio
Imaterial - p. 455, 491-493
Patrimônio Nacional-p. 68, 112-113, 401, 484, 502, 508-509,
521, 563-564, 703-704 Penalidades - p. 90, 110, 112-114, 123,
155, 211, 217, 220, 226, 397, 407, 424, 426, 521, 523, 642,
665-666, 668, 702-704, 732, 745, 778, 821, 823, 827 Período
colonial - p. 504, 891-892, 902, 919 Período colonial até o
século XIX - p. 902 Período imperial - p. 505 Período
republicano - p. 60, 506, 719, 904 Pesquisa mineral - p. 762,
765, 772-773
índice Remissivo
Petróleo -p. 116, 165, 167-169, 180-181, 187, 232-233, 235,
238-243, 349, 617, 637, 681, 748, 759, 764, 808-824, 828
Pilhas e baterias - p. 224, 703-708
Plano de manejo - p. 189, 555, 570, 582-583, 597-600, 603,
605, 607-609, 611, 613, 633
Plano Diretor e gestão Democrática da Cidade — p. 330
Plebiscito - p. 26,197, 324, 844, 877
Pluviais - p. 707, 725, 729, 736-737
PND - p. 107
PNMA-p. 67, 95, 97, 107-111, 114, 123, 126, 153-154, 161, 195,
206, 218, 294, 297, 308- 309, 392, 398, 583, 731, 738, 769,
783 Poder de Polícia - p. 13,40, 42-43, 55, 80, 107, 111, 127-
135, 137, 139, 141-143, 145-147, 149,151-153,155,157,159,161,
163,165,167,169,171,173, 175-177, 179, 181, 183, 185,187, 189,
195, 207-208,295,403,427,431,445, 557, 561, 651, 655,675,702,
819,
858-860
Poder regulamentar-p. 99,112,132,184,240, 520-
524,527,558,577,617,749, 772, 913- 914,916 Poderes da
República — p. 97-98 Política Agrícola - p. 14, 229 Política
de Desenvolvimento Urbano ~ p. 323, 536
Política Energética - p. 168, 805, 807-811, 813, 815, 817,
819, 821, 823, 825, 827, 829, 831 Política Energética
Nacional-p. 168, 807-809, 811, 813, 815, 817, 819, 821, 823,
825, 827, 829, 831
Política florestal dos Estados - p. 509 Política Nacional de
Biodiversidade - p. 433-435, 437,439 Política Nacional de
Conservação de Energia - p. 826-827 Política Nacional de
Recursos Hídricos - p. 626, 738-740, 742, 744, 747-748, 790
Política Nacional do Meio Ambiente - p. vií, 14-15,43, 59, 66,
97,102, 107, 123-124, 126,
154,158,206,224,226,291,294,312,521,619,631,637,731,738,
767,769, 774,783, 790, 802
Política Urbana - p. 14, 197, 321, 324, 331 Poluição marítima
- p. 232 PPP-p. 49-50
Prazo para adaptação às normas legais - p. 244 Preconceitos -
p. 343, 923-924, 927
Preservação da vegetação que protege os cursos d’água - p. 516
Principiologia em Relação ao Agente Indígena-p. 919
Privatização - p. 724, 877, 881
Produtos Tóxicos-p. 6,27,223,669,675,677,679,681,683,
685,687,689,691,693-695, 697, 699, 701, 703, 705, 707, 709,
711, 713, 843 Propriedade privada-p. 14,131,193,323-324,347,
540, 545, 565,576,585-586,588, 720- 721, 758
Propriedade urbana - p. 203, 321, 330, 536
Proteção da água - p. 516
Proteção da vida humana - p. 565, 621
Proteção das encostas e das elevações - p. 529
Proteção do conhecimento tradicional - p. 454, 463-464, 466,
472, 481
Queimadas - p. 346, 503, 553-554, 558
| Direito Ambiental
Recursos genéticos - p. 71, 357-359, 362, 364-366, 369, 401,
412-413, 434-435, 438-439, 443-460, 466, 471-472, 474,478-479,
482, 486-487, 572-573, 596 Recursos Hídricos - p. 80, 82-83,
99, 174,185,248,464, 522, 540, 572, 595, 612,619,626, 637-638,
686, 715-716, 719, 721, 723-729, 731-735, 737-755, 761, 790,
819, 898, 914 Recursos Minerais - p. 40, 42, 62, 82-83, 233,
248, 310, 508, 597, 599, 606, 637, 721-723, 758-763, 768-769,
774-775, 819 Referendo - p. 26, 324, 689, 838 Reflexos sobre o
meio ambiente - p. 763 Reforma Agrária - p. 69-70, 101, 204-
205 Refúgio de vida silvestre - p. 574, 582, 608, 610, 613,
633 Regime de Permissão de Lavra Garimpeira — p. 769, 927
Regime jurídico das florestas - p. 510 Regime legai da
utilização do fogo - p. 555 Regimento de Tomé de Souza - p.
890, 892 Regulamentação do CONAMA- p. 682 Rejeitos nucleares -
p. 837, 841, 863-865, 867-869 Relatório Ambiental Simplificado
- p. 172-173, 175 Relatório de detalhamento dos programas
ambientais - p. 172, 174-175 Relatório de Impacto Ambiental -
p. 54, 159, 208, 280, 295, 297, 299, 301, 316-317, 624, 630,
770-771 Relatório de impacto de vizinhança - p. 328-329
Remoção dos rejeitos - p. 868 Reserva biológica —p. 193, 568,
574, 578, 601, 608 Reserva da biosfera - p. 571, 642-643
Reserva de desenvolvimento sustentável - p. 583, 599-600, 609
Reserva de Fauna - p. 583, 599, 608
Reserva ecológica-p. 517, 576-577, 850
Reserva Extrativista - p. 583, 597-599, 609
Reserva Florestal Legal - p. 229-230, 538-539, 547-548, 550
Reserva Legal - p. 229, 246, 526, 536-548, 550-551, 555-556
Reserva particular do patrimônio natural - p. 583, 600, 608,
610-611, 613, 633
Reservas ecológicas - p. 519, 531-532, 562, 577, 852
Responsabilidade ambiental - p. 49, 211-213, 215, 217, 219,
221, 223-227, 229, 231, 233, 235, 237, 239, 241, 243, 245,
247, 249-253, 628 Responsabilidade das pessoas jurídicas de
Direito Público - p. 215 Responsabilidade pelos rejeitos
radioativos — p. 867 Responsabilidades pelo cumprimento da lei
- p. 242 Restingas - p. 206, 209, 515, 531-532 Reunião técnica
informativa - p. 172,175
RIMA - p. 54, 150, 159, 169, 189, 207-208, 265, 295, 297, 299,
301, 303, 305, 311-318, 328, 395, 575, 612, 617, 624, 632,
635, 640, 770-771 RIVI - p. 328-330
Ruídos - p. 28, 202-203, 293, 624, 787 Salinas - p. 698, 735
Salobras - p. 698, 735
Salubridade - p. 5,44, 60,135,199, 591-592, 727, 732, 734,
767, 775
índice Remissivo
Sanções administrativas - p. 90, 134, 138,241,252,
314,423,425,427,456 460 665 667- 668,682,734,817,819,823 '
Saúde do Trabalhador - p, 388, 700
Saúde e meio ambiente - p. 648, 652, 655-656, 662-664
Segredos nucleares — p. 872
Segurança e saúde do trabalhador - p. 700
SEMA-p. 107, 125, 150-151, 207-208, 255, 292-293, 316, 521,
615, 675, 734, 774 : Serviço Público - p. 115, 134, 144-145,
409, 550, 586, 733, 753, 828, 852, 927 SISNAMA-p. 97, 100,107,
110-111, 114-115, 123, 126-127, 142, 155, 157, 160, 162-165,
184, 235, 257, 259, 392, 432, 522, 556-557, 571, 608, 703,
769-770 Sistema Único de Saúde - p. 675, 685, 779 Sistemas
Associados aos Empreendimentos Elétricos — p, 172
SNUC - p. 21, 113-115, 196, 469, 567, 570, 572-574, 576, 579,
581, 587, 596, 600, 607, 611, 614, 617-619, 637, 644 Soberania
Nacional - p. 14, 98, 371, 553, 645, 905, 910 Solo Urbano - p.
89,198, 322-323, 330, 556, 585, 836 Tabuleiro - p. 530
Taxa de Fiscalização Ambiental — p. 88
Tecnologia - p. 14, 34, 48, 53, 71, 110, 187, 258, 272, 299,
306-307, 309, 349-351, 357- 359, 361, 364-366, 370, 383, 386-
388, 392,402,408,414, 421-424,^435,439-440,447, 455,460,465-
466,473-474,494, 503, 623, 648, 672, 743, 775, 810, 827, 829-
830,:842, 859, 863, 878 Temperada - p. 499-500 Terras
Devolutas ~ p. 505-506, 588, 722, 903
Terras indígenas - p. 99, 157, 166, 169, 171, 404, 464, 467,
470, 534-535, 545, 735, 745, 761, 768, 773-774, 885, 887, 897-
898, 901-917 Tbree Mile Island - p. 280, 874
Transporte - p. 42-43, 91, 94, 100, 124, 141-142, 148, 165,
234, 236-238, 241, 321, 327, 376-378, 380-381, 383-384, 453,
459, 540, 558, 591, 597, 641, 646-648, 650-652, 655- 657, 672,
676, 678, 681, 684-685, 708-713, 733, 739, 741, 765, 814-818,
841, 843-844, 848-849, 857, 860, 868-869, 927 Transporte
aquaviário - p. 234, 739 Tropical - p. 347, 413, 480, 500-502,
553
Unidades de Conservação - p. 11, 126, 128, 157, 166, 171, 193,
261, 324-325, 348, 458, 469, 555, 561-563, 565-581, 583-585,
587,589, 591, 593, 595-613, 615, 617, 619, 621, 623, 625-627,
629, 631-633, 635, 637, 639-644, 704, 735, 769-770, 772-773,
825, 938 Unidades de uso sustentável - p. 469, 574, 579, 582,
605 Uso de fogo - p. 555, 558 Usucapião ~ p. 323-324, 506, 792
Usufruto - p. 208, 464, 467-468, 470, 605, 768, 897, 904, 908,
911 Usufruto indígena — p. 468, 470
Veículos-p. 91, 112-113, 141, 180, 185-186, 233, 250-251, 427,
521, 655, 703-705, 709- 711,713-714 Zonas de amortecimento -
p. 573, 606, 642
r
I
E35J - Ensino Superior BiT&gu AffSBcs
índice Remissivo
índice Onomástico
Afrânio de Carvalho - p. 724, 736
Alex Shoumatoff - p. 597
Alexandre Kiss - p. 30
Ana Maria Hemández Salgar - p. 484
Anne Platt McGinn - p. 698
Anselmo Paschoa ~ p. 864-865
Antônio Carlos Diegues - p. 344, 347
Antônio Teixeira Guerra - p. 529-531
Atecio López Martinez - p. 481
Barry Breen - p. 279
Bill Keepin — p. 877-878
Bjom Lomborg — p. 339
Brian Clark - p. 277-278, 286
Brace Aylward - p. 367-369
Brace G. Trigger—p. 343
Caio Mário da Silva Pereira - p. 212, 543, 788
Carla Bassanazi Pinsky - p. 343
Carlos Alberto Bittar - p. 231
Carlos Araújo Moreira Neto - p. 345
Carlos Augusto de Almeida Correia — p. 824
Carlos Frederico Marés Souza Filho - p. 921
Carlos M. Correa - p. 349
Carlos Maximiliano — p. 836
Carlos Roberto Gonçalves -p. 213
Catherine Allais - p. 715
Celso Albuquerque Mello - p. 661
Celso Antônio Bandeira de Mello - p. 524
Celso Delmanto — p. 923
Charles Darwin — p. 338
Charles R. Boxer - p. 344-345
Christopher Flavin - p. 341
Claude Martin - p. 566
Cláudio Roberto Contador - p. 265
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