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AS AFINIDADES ELETIVAS
ENTRE CURRÍCULO E
SOCIEDADE
2

Paula Renata Bassan Morais

AS AFINIDADES ELETIVAS ENTRE CURRÍCULO E


SOCIEDADE
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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__________________________________________________________________________________________
Morais, Paula Renata Bassan
M827a As afinidades eletivas entre currículo e sociedade /
Paula Renata Bassan Morais, – São Paulo: Platos
Soluções Educacionais S.A., 2021.
43 p.

ISBN 978-65-89881-69-8

1. Educação. 2. Currículo. 3. Políticas educacionais.


I. Título.

CDD 371
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB 010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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AS AFINIDADES ELETIVAS ENTRE


CURRÍCULO E SOCIEDADE

SUMÁRIO

Educação e currículo no Brasil: dos jesuítas à atualidade _____ 05

A inter-relação entre as políticas educacionais e o currículo


escolar em seus aspectos políticos, filosóficos,
culturais e sociais _____________________________________________ 19

As concepções do currículo real e do currículo oculto na


formação dos professores____________________________________ 33

Reflexões sobre as Teorias: Não Críticas, Críticas e


Pós-Críticas ___________________________________________________ 46
5

Educação e currículo no Brasil:


dos jesuítas à atualidade
Autoria: Paula Renata Bassan Morais
Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea

Objetivos
• Identificar diferentes concepções de currículo
e suas implicações para o processo de ensino-
aprendizagem.

• Conhecer sobre o processo histórico do Brasil, desde


a chegada dos jesuítas.

• Entender sobre os documentos educacionais


brasileiros.
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1. Educação e currículo no Brasil: dos jesuítas à


atualidade

1.1 Os jesuítas no Brasil e as primeiras escolas

Muitos documentos históricos retratam datas importantes para o início


das escolas nos Brasil. Falamos em escolas, pois a educação sempre
esteve presente mesmo antes da chegada dos jesuítas, uma vez que os
índios tinham e ainda têm todo um processo educacional e cultural em
sua essência.

A Companhia de Jesus chegou à Bahia em 1549, liderada pelo


padre Manuel da Nóbrega. Foi neste ano que os jesuítas iniciaram o
funcionamento da primeira instituição educativa em solo nacional. Feita
de taipas e madeiras, esta escola tinha como objetivo ensinar o canto,
apresentar os contos e estabelecer traços de leitura e escrita primitiva.

Entretanto, a missão real sempre foi a evangelização dos índios. Nos


primeiros esboços de um currículo escolar, a imposição da religião
católica se concentrava nas crianças, pois os jesuítas perceberam
que os índios adultos tinham costumes inveterados, como poligamia,
alcoolismo e antropofagia. O letramento se iniciou em português, latim e
espanhol, mas os jesuítas também queriam aprender sobre a linguística
tupi-guarani que englobava várias línguas indígenas.

Além das escolas, os jesuítas fundaram vários colégios que mantinham


internos os meninos índios como também os filhos dos portugueses. O
primeiro colégio jesuíta, no Brasil, foi o Colégio dos Meninos de Jesus,
fundado em 1550, em Salvador.

A disciplina escolar era muito exigente e os jesuítas atenuavam a


aplicação de castigos, punições e premiações para os alunos mais
7

comportados e dedicados. Para os alunos indisciplinados, as ações


educacionais eram pautadas em açoites para os menores, palmatória
para os maiores e admoestações, em particular, ou em público, para
os mais velhos. Em casos extremos de indisciplina, os pais eram
persuadidos a tirar seus filhos da escola.

Um fato histórico importante foi a fundação da Escola de Gramática,


em 1847. Nesta escola, as principais características do currículo
eram o ensino jesuítico, o ensino do latim e as competições internas
estimuladas com premiações, aproveitando-se da musicalidade dos
nativos e utilizando-a como metodologia de ensino por meio da
repetição e memorização.

Em 1870, iniciou-se a formação de professores no Ginásio Nossa


Senhora da Conceição, com o objetivo de aumentar o número de
professores nas escolas das cidades da redondeza, pois a medida que
o número de escravos aumentava nas fazendas jesuítas, as escolas de
ler e aprender foram sendo erigidas também para educar as crianças
negras.

Por muitos anos, as escolas jesuítas difundiram inovações e adaptações


e, atualmente, temos muitos educadores jesuítas no Brasil. Os
educadores das instituições jesuíticas difundiram uma definição sobre
o currículo escolar e a didática utilizada, chamando-a de Pedagogia
Inaciana. A Pedagogia Inaciana é um extenso acervo de publicações e
pesquisas de vários autores sobre um enfoque pedagógico que oferece
uma visão cristã do mundo e do ser humano.

1.2 O currículo como construção social e cultural

Para iniciarmos a conversa sobre currículo, é muito importante entender


como se originou o processo educacional no Brasil. Os jesuítas tiveram
um papel muito importante nesta construção, como acabamos de
estudar.
8

A palavra curriculum, que vem do latim, significa percurso, trajeto,


circuito atlético ou pista. Para Goodson (1995), a palavra curriculum
é derivada da palavra currere, que retrata correr, curso ou carro de
corrida.

Ao longo dos anos o currículo foi se construindo, se adaptando


e a cada novo ano é possível identificar novas oportunidade de
melhorias e inovações, pois o currículo educacional não se separa dos
acontecimentos históricos e sociais.

Outros fatos marcantes também foram fundamentais, como, por


exemplo, a transição do regime feudal para sociedade capitalista, o que
transformou a realidade social, política e econômica. Nesta época, houve
uma reorganização do sistema educativo. Os alunos deixaram de ter um
ensino individualizado e migraram para a formação de turmas e classes
de alunos, permitindo que os educandos percorressem um caminho
juntos e durante um certo período.

Edificou-se a passagem do termo curriculum do âmbito das atividades


atléticas para o âmbito educacional. Da mesma maneira que um atleta
conseguia realizar um circuito atlético e receber o prêmio de vencedor,
os alunos que concluíssem todo o currículo escolar obtinham o diploma.
A instituição escolar se incumbia desta certificação atestando que o
aluno estava pronto e formado para as imposições sociais daquela
época.

Durante a Revolução Industrial, o currículo sofreu alterações, pois a


população da zona rural migrou para a zona urbana e precisava se
qualificar para conseguir sua entrada no mercado de trabalho.

Santomé (1998) salienta que o processo industrial afetou o sistema


educacional, trazendo consigo a divisão de funções, os blocos de tarefas
repetitivas, a hierarquização, a exaltação do conhecimento científico e o
currículo delimitado por disciplinas isoladas.
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Os anos 1960 marcaram um momento reflexivo sobre as práticas


pedagógicas. Em muitos países, os movimentos sociais e culturais
começaram a criticar a efetividade do sistema de ensino e dos currículos
educacionais. O período foi de grande expansão da Sociologia, Filosofia,
Psicologia, Antropologia, entre outras áreas, com um olhar mais atento
para o ser humano, para a cidadania, para as artes, para a música e para
o corpo.

Atualmente, o tema currículo está pautado em muitos congressos


e pesquisas para dissipar a ideia do currículo com intencionalidade
fragmentada, de conclusão dentro do prazo imposto e estanque.

O sistema de ensino atual somente concede o diploma após o


cumprimento de todas as exigências da trajetória educacional mediante
os parâmetros de avaliação e sobre uma suposta eficiência da
escolarização.

Arroyo (2013, p. 119) afirma que “quando os currículos são pobres


em experiências sociais seus conhecimentos se tornam pobres em
significados sociais, políticos, econômicos, e culturais para a sociedade”.

Assim, conforme apontamento acima, percebe-se a crítica a um currículo


baseado na duração de tantos anos e não na aprendizagem efetiva. O
problema é que muitos alunos passam anos dentro da escola e saem
sem ao menos saber ler e escrever.

Podemos refletir e indagar sobre alguns pontos, conforme relata Arroyo


(2013, p. 102): “como os currículos veem os educandos e como os vemos
quando ensinamos ou elaboramos material e propostas curriculares?”.
Este mesmo autor completa:

A visão dos mundos do trabalho reduzidos à empregabilidade tão


determinante dos currículos, do que ensinar-aprender, avaliar, selecionar
em cada nível merece tempos de estudo, debates e intervenções dos
docentes-educadores. É extremamente preocupante que as políticas
10

curriculares e até as reorientações curriculares sigam esse servilismo ao


movimento do mercado. (ARROYO, 2013, p. 104)

O currículo é o eixo norteador de uma escola, seguido do projeto político


pedagógico. Torna-se um espaço central de intencionalidades.

Destaca-se também a visão de Moreira e Candau (2007, p. 24), que


reflete:

O complexo, variado e conflituoso cenário cultural em que estamos


imersos se reflete no que ocorre em nossas salas de aula, afetando
sensivelmente o trabalho pedagógico que nelas se processa. Cabe
perguntar: como as diferenças derivadas de dinâmicas sociais como classe
social, gênero, etnia, sexualidade, cultura e religião têm “contaminado”
nosso currículo? Como temos considerado, nesse currículo, essa
pluralidade, esse caráter multicultural de nossa sociedade? Como
articular currículo e multiculturalismo? Que estratégias pedagógicas
podem ser selecionadas? Nós, professores e gestores, temos reservado
tempo e espaço suficientes para que essas discussões aconteçam nas
escolas? Como nossos projetos político pedagógicos têm incorporado tais
preocupações.

Atualmente, reorganizar o currículo seria olhar atentamente para todo


o processo educacional e de maneira sistêmica alinhar os conteúdos de
cada seriação. Identificar disciplinas de maior atenção e importância,
tais como Língua e Portuguesa e Matemática, em relação às demais
disciplinas que são consideradas como segundo plano, é uma maneira
errônea de ser construir um currículo, pois a aprendizagem significativa
ocorre quando se unem a teoria e a prática, a vida e os sonhos, o
conhecimento e as limitações. Viabilizar a interdisciplinaridade na
organização do currículo asseguraria o livre acesso da conexão do
conhecimento e da vida social.

Tudo está conectado na vida e por que está fragmentado no currículo


escolar?
11

É fundamental entender todo o processo histórico ocorrido na educação


brasileira em relação ao currículo. Elencamos alguns pontos principais
sobre a legislação, que acabam orientando a construção dos currículos
escolares.

Em 1961, surgiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases


Nacional (LDB 4024/61). Esta legislação surgiu para reafirmar, diante dos
princípios presentes na reformulação da Constituição Federal de 1934, o
direito à educação desde a educação básica até o ensino superior.

A Constituição Federal (CF) do Brasil teve várias reformulações. A


última CF de 1988 inseriu a exigência do currículo escolar em todas as
instituições de ensino. O objetivo desta reformulação foi garantir que
todos os estudantes do ensino fundamental tenham acesso a muitos
conteúdos considerados importantes e prioritários. Propõe-se, na CF,
um conteúdo fixo e mínimo para a formação inicia, o que, hoje, se
concretiza na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A LDB atual (n. 9394), no ano de 1996, inovou o posicionamento de que


a educação brasileira seria igualitária, tanto no sistema educacional
público ou privado, o artigo 205 (BRASIL, 1988, p. 23) aponta que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1997, surgiram com o


objetivo de orientação para a construção dos currículos nas escolas. Em
sua introdução, aponta-se a importância de observar atentamente as
questões locais e regionais:

Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser


concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre
programas de transformação da realidade educacional empreendidos
12

pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não


configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que
se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à
diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de
professores e equipes pedagógicas. (BRASIL, 1997, p. 13)

Mais tarde, em 2008, o Programa Currículo em Movimento incluiu


parâmetros para o ensino infantil na Lei de Diretrizes e Bases Nacional.
Destaca-se a reflexão de Oliveira e Cruz (2010, p. 3):

O debate sobre o currículo na Educação Infantil tem gerado muitas


controvérsias entre os professores de creches e pré-escolas e outros
educadores e profissionais afins. Além de tal debate incluir diferentes
visões de criança, de família e de funções da creche e da pré-escola, para
muitos educadores e especialistas que trabalham na área, a Educação
Infantil não deveria envolver-se com a questão de currículo, termo em
geral associado à escolarização tal como vivida no ensino fundamental e
médio e associado à ideia de disciplinas, de matérias escolares. Receosos
de importar para a Educação Infantil uma estrutura e uma organização
que têm sido hoje muito criticadas, preferem usar a expressão ‘projeto
pedagógico’ para se referir à orientação dada ao trabalho com as crianças
em creches ou pré-escolas. Ocorre que hoje todos os níveis da Escola
Básica estão repensando sua forma de trabalhar o processo de ensino-
aprendizagem e rediscutindo suas concepções de currículo.

Vale ressaltar que, neste momento histórico, o país vivenciou um


precioso movimento educacional. Foram convidados inúmeros autores,
pesquisadores, profissionais da área e professores na elaboração
destes documentos. A intenção era validar e garantir uma educação de
qualidade. Todo este histórico de pesquisas resultou em um modelo
curricular com conteúdos estabelecidos para que as escolas tivessem
um norte educacional. Entretanto, também é primoroso relatar que
houve uma abertura ao novo. Todas as escolas, com sua singular
liberdade ao novo, puderam escolher e inserir conteúdos de acordo com
sua especificidade local.
13

Em 2014, ocorreu um marco educacional sobre o currículo com a


aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 13.005/20
trazendo vinte metas importantes para o currículo brasileiro:

A universalização da educação básica, a ampliação do acesso ao ensino


profissionalizante, ao ensino superior, à educação de jovens e adultos, à
pós-graduação, o aperfeiçoamento das políticas inclusivas, a qualificação e
a valorização dos profissionais da educação e dos docentes, entre outros
objetivos do PNE, devem ser observados sob a ótica da universalização
e também da redução das desigualdades que incidem sobre cada
uma dessas dimensões e que impõem, por vezes, uma apropriação
desequilibrada das oportunidades educacionais. Os indicadores e suas
desagregações aqui apresentadas assumem um significado especial
quando se tem em conta sua função de explicitar onde e sobre quais
populações recaem as privações do direito educacional, subsidiando a
tomada de decisões institucionais e o controle democrático. (BRASIL, 2014,
p. 11)

Para organizar as metas planejadas em cada escola de todo pais,


criou-se o Mapa de Monitoramento do PNE. Estatisticamente, várias
observações se solidificaram, trazendo um banco de dados sobre a real
situação da educação.

Também foi um papel importante do PNE a proposta de criação de uma


Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para todo o Brasil.

Para a elaboração do BNCC, amplos e acirrados debates e pesquisas


foram e ainda estão em andamento com um diferencial, que é o
envolvimento de toda a comunidade em todas as regiões do Brasil,
já que muitos relatos, vivências e avaliações trouxeram à tona a
desigualdade no desempenho dos alunos em provas de cunho nacional
como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
14

Uma das intenções do BNCC é elevar os padrões de ensino em todas


as regiões democratizando o ensino no país, com o aumento da
participação dos pais, professores e alunos nas decisões educacionais.

Libâneo (2013, p. 178) aponta que “o estudo e a reflexão na escola sobre


a proposta dos PCNs atrelam-se a outro componente muito importante
na vida escolar: a organização e a forma da gestão da instituição de
ensino”.

Ao observar os documentos oficiais brasileiros e a literatura pedagógica


desenvolvida por pesquisadores e acadêmicos em função das
normativas propostas na BNCC para a sala de aula, é possível detectar
um importante momento educacional com uma compreensão reflexiva
e crítica da realidade.

Figura 1–Objetivos da BNCC

Fonte: elaborada pelo autor.


15

Para um aprofundamento desta compreensão crítica, acessar o site


do Ministério da Educação para pesquisar e entender o processo
educacional vivenciado atualmente.

A intenção do Ministério da Educação (MEC), com o processo de


elaboração dos currículos escolares atuais, visa garantir medidas
unificadoras dos objetivos de aprendizagem considerados essenciais
nas escolas de todo o Brasil, respeitando a autonomia para as escolas
adaptarem e adequarem os conteúdos em relação às necessidades
e interesses dos educandos. Diversos conteúdos diferenciados estão
surgindo nas escolas, como ensino bilíngue, ênfase nas artes, matéria
eletiva de formação pluricultural, de educação complementar e todas
trazendo vantagens e benefícios para o aluno.

Esta nova proposta de reorganização curricular tem intencionalidades


e não é neutra, porque retrata uma ação com o viés de transformação
social, marcando, assim, uma posição política.

Para sintetizar os fatos marcantes na história da educação brasileira e,


principalmente, do nosso currículo, segue resumo abaixo.
16

Figura 2–Momentos e documentos educacionais do Brasil

Fonte: elaborada pelo autor.

Vale lembrar que em todo o processo, o professor que está diariamente


com seus alunos, vivenciando situações de dificuldades, tensões
e diversidades, bem como de sucessos e alegrias, precisa estar
atualizado para entender a visão sistêmica do currículo. Empoderado
de conhecimento, este professor será capaz de encontrar brechas no
sistema de ensino e provocar reflexões e ações sobre temas relevantes
e fundamentais para sua turma de alunos. Inovar também é um dever
do professor. O professor é o ator fundamental para a organização do
currículo nas escolas. Ao professor cabe o olhar atento e minucioso pois
ele está na linha de frente da educação em seu contato direto com o que
é real.

Lembramos do educador Freire (1996, p. 144), relatando sobre o papel


do professor/educador:
17

Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O


nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas
gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando,
crescendo, reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz
de negar valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir. Não sendo
superior nem inferior a qualquer outra pratica profissional, a minha, que é
a pratica docente, exige de mim um alto nível de responsabilidade ética de
que minha própria capacitação cientifica faz parte. É que lido com gente.
Lido, por isso mesmo, independentemente do discurso ideológico negador
dos sonhos e das utopias, com sonhos, esperanças tímidas, às vezes,
fortes, dos educandos. Se não posso, de um lado, estimular os sonhos
impossíveis, não devo, de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar.
Lido com gente e não com coisas. (FREIRE, 1996, p. 144)

A reflexão sobre currículo como construção social e cultural propõe a


cada um de nós um ato de intencionalidade educativa para promover
mudanças e transformações na sociedade.

Referências
ARROYO, M. Currículo, território em disputa. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
10 jun. 2021.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed). Nota técnica n. 20, de 21
de novembro de 2014. Brasília, 2014. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/
guest/inicio. Acesso em: 10 jun. 2021.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6. ed. São Paulo:
Heccus, 2013.
MOREIRA, A. F. B..; CANDAU, V. M. Currículo, conhecimento e cultura. In:
Indagações sobre o currículo. Salto para o futuro. Boletim 17. Brasília, 2007.
18

OLIVEIRA, Z. de M. R.; CRUZ, I. O currículo na educação infantil: o que propõem as


novas diretrizes nacionais? Anais do I seminário nacional: currículo e movimento.
Belo Horizonte, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-
2010-pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
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A inter-relação entre as políticas


educacionais e o currículo escolar
em seus aspectos políticos,
filosóficos, culturais e sociais
Autoria: Paula Renata Bassan Morais
Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea

Objetivos
• Identificar o surgimento das políticas públicas e
políticas educacionais no Brasil.

• Facilitar a inter-relação entre políticas educacionais e


o currículo escolar brasileiro.

• Entender os aspectos políticos, filosóficos, culturais e


sociais existentes nas políticas educacionais.
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1. Políticas educacionais e o currículo escolar


no Brasil

Visando historiar o processo da educação no Brasil, em seus aspectos


políticos, filosóficos, culturais e sociais, iniciaremos nosso estudo a partir
do que é preconizado na Constituição Brasileira.

É notório afirmar que o sistema de ensino brasileiro constitucionalizado


ocorreu tardiamente e vale ressaltar que, antes da implementação das
normativas constitucionais, o Brasil viveu uma fase de experimentações
educacionais desde a chegada dos jesuítas.

Na Constituição de 1824, constavam poucas informações sobre o


sistema de ensino, que retratava a gratuidade para os cidadãos, tais
como o ensino de elementos das ciências, belas artes e letras.

Em 1891, A Constituição Republicana, no artigo. 65, explicita: “[...]


faculta aos Estados, em geral, todo poder ou qualquer direito que lhes
fossem negados por cláusula expressa ou implicitamente contida na
Constituição”.

Neste momento, os Estados adquirem a autonomia para iniciarem


um processo de construção do ensino baseado nos aspectos políticos,
filosóficos, culturais e sociais de cada região.

Por Estado, entende-se que é uma unidade básica social, com território
definido e constituído pela coletividade dos que habitam neste espaço e
que é dirigida pelo governo.

Por Governo, admite-se ser um conjunto de indivíduos que ocupam,


na chefia do Estado, posições de decisão administrativa e política e que
norteiam a direção da sociedade, segundo Rodrigues (2010).
21

Os indivíduos que participam do governo são os elementos principais


que organizam as políticas públicas, definindo agendas políticas,
elaborando, implementando e avaliando todas as ações. Dessa
maneira, designam, entre diversas opções, quais serão as políticas e
as ações a serem efetuadas pelo governo para o alcance de objetivos
preestabelecidos.

As políticas públicas podem ser entendidas como a maneira pela qual


o Estado opera para atenuar os conflitos e desigualdades sociais. São
desenhadas por etapas, de acordo com os interesses e relacionamentos
existentes entre a sociedade, como mostra a figura a seguir.

Figura 1 – Construção e implementação de políticas públicas

Fonte: elaborada pelo autor.


22

Para Rodrigues (2010), as políticas públicas são ações do Governo,


portanto, são revestidas da autoridade soberana do poder público.
Dispõem sobre “o que fazer” (ações), “aonde chegar” (metas ou objetivos
relacionados ao estado de coisas que se pretende alterar) e “como fazer”
(estratégias de ação) (RODRIGUES, 2010, p. 53)

Por que estamos contextualizando as políticas públicas? Para


entendermos a inter-relação entre as políticas públicas e as políticas
educacionais e para revelar que desta maneira as políticas públicas
fortalecem as políticas educacionais, como mostra o quadro a seguir.

Figura 2 – Construção e implementação de políticas públicas

Fonte: elaborada pelo autor.


23

O cenário apresentado na figura permitiu que todos os Estados


reorganizassem seus sistemas educacionais a partir do entendimento de
que estes sistemas fazem parte de políticas públicas e educacionais, já
que visam o atendimento dos cidadãos.

Vale ressaltar que a partir 1900, o país viveu um momento de intensa


atividade politico-educacional, com inúmeras discussões no âmbito da
comunidade da área educativa solicitando ao Estado decisões legais e
administrativas de reformulações do ensino brasileiro.

Neste contexto, estabelecem uma relação de interligação, afastando a


dimensão temporal ou sequencial e considerando uma não linearidade
entre as etapas de construção das políticas, como afirma Mainardes
(2006):

O primeiro contexto é o contexto de influência onde, normalmente, as


políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos.
É nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar
a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser
educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de
partidos políticos, do governo e do processo legislative. (MAINARDES, 2006,
p. 51)

O autor retrata que é no contexto de influências que tem início a


formação de conceitos que legitimam as políticas educacionais.

Inicia-se um processo de reformulação do ensino e, a partir de 1920, em


vários Estados e começam os movimentos de renovação educacional.
Esses movimentos ficaram conhecidos como Escola Nova e tem
como precursores o educador Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, e o
educador Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, entre outros.

Vários educadores se uniram na Associação Brasileira de Educação,


com marcos de luta sociais se firmaram no Manifesto dos Pioneiros da
Educação, na década de 1930.
24

A renovação no âmbito social, político e educacional também aconteceu


na Revolução de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde,
juntamente com as reformas do ensino secundário e do ensino superior.

Para Ball (1998), inicia-se um momento de formação de comissões,


de comitês representativos com um fluxo de ideias (redes políticas e
sociais), fortalecidas em redes acadêmicas, como a criação de periódicos,
escrita de livros e proposições de conferências.

Emerge também as relações de parcerias nacionais e internacionais


estabelecidas entre as agências de financiamento, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e World Bank, para facilitar a expansão das
políticas educacionais. Também podemos citar a criação da UNESCO e
da UNICEF, como órgãos internacionais de parcerias educacionais.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


(UNESCO) foi fundada em 1945. Trinta e sete países assinam uma carta
de cooperação intelectual entre as nações. O Brasil é um dos membros
fundadores e a UNESCO possui um papel fundamental para as políticas
educacionais, pois auxilia nas áreas da Educação, Ciências Naturais,
Ciências Humanas e Sociais, Cultura e Comunicação.

Em 1946, a Organização das Nações Unidas (ONU), principia o Fundo


das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para defender e proteger os
direitos das crianças e dos adolescentes, atendendo suas necessidades
básicas para criar oportunidades para que alcancem seu pleno potencial.
A UNICEF Brasil foi um marco de incentivo ao desenvolvimento
educacional das crianças e adolescentes.

No ano de 1964, foi instaurado o regime autoritário e antidemocrático


da Ditadura Militar, que se estabeleceu após o Golpe Militar no Brasil,
que se prolongou até 1985, abafando todas estas ascensões da
educação.
25

Na década de 1990, portas foram abertas de novas políticas, com


expectativas positivas em relação ao ensino brasileiro. Nesta década,
a avaliação das escolas passa por um viés mercadológico, já que as
avaliações internacionais, tais como a do Banco Mundial, têm o papel de
informar um ranking classificatório das melhores e piores escolas. Neste
período, são criados e revitalizados vários exames como o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) e o Provão (Exame nacional de cursos), que têm como objetivo o
diagnóstico da educação básica brasileira

Na mesma visão mercadológica, foi criado e desenvolvido em 1995, o


Fundescola, que é financiado com recursos do governo federal e do
Banco Mundial. Em parceria com as secretarias estaduais e municipais
de Educação, promove um conjunto de ações para melhorar a qualidade
do ensino e amplia o acesso e a permanência dos alunos nas escolas
públicas.

Muitas ações importantes do Fundescola marcam as políticas


educacionais brasileiras, como os projetos de educação a distância
para professores, o programa Escola Ativa que foi implantado nas áreas
rurais para combater a repetência e a evasão e o Programa Dinheiro
Direto na Escola (PDDE), que contribui com uma assistência financeira
para as escolas, disposto a favorecer a manutenção e melhoria da
infraestrutura física e pedagógica.

Origina-se, então, a elaboração e condução da Lei de Diretrizes e Base da


Educação (LDB), em 1996. O artigo 11 ressalta a importância dos Estados
e dos municípios se constituírem como um sistema único de educação
básica. O artigo 21 reflete que a educação básica, como um nível da
educação nacional reúne três etapas escolares que são: a educação
infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
26

A finalidade da educação básica é garantir o desenvolvimento do


educando para o exercício da cidadania e, assim, progredir no trabalho e
nos estudos, como está descrita no artigo 205 da Constituição Federal:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1998, p. 47)

Diante da importância da educação básica, algumas leis, decretos e


programas, foram criados em articulação com os propósitos do Plano
Nacional de Educação (PNE), que é um documento elaborado a cada
dez anos para traçar metas para a educação no Brasil, juntamente com
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), do Ministério da Educação
(MEC). Para orientar o processo educacional foram elaborados os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nos anos de 1997 e 1998.
Em seguida, em 1999, foram elaborados para o ensino médio pelo
MEC. É uma coleção de documentos que compõem a grade curricular
de uma escola e apresenta a professores, coordenadores e diretores
alguns pontos de partida para realizarem várias estratégias e atividades
que podem ser desenvolvidas na sala de aula. Vale ressaltar que cada
escola tem seu próprio Projeto Político Pedagógico e que os PCNs são
adaptados de acordo com a realidade social onde a escola está inserida.

Para contribuir com o processo de democratização da escola no que


concerne à concepção e lógica político-pedagógica foi implantado o
Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). O PDE Escola, firmado
em 1998, foi concebido no âmbito do Fundescola, diante de um
acordo de empréstimo entre o governo brasileiro e o Banco Mundial.
É uma ferramenta gerencial que ajuda a escola a realizar melhor a
gestão escolar, a qualidade do ensino e a permanência dos alunos.
Nos documentos normativos, seis pilares são fundamentais para o
desenvolvimento integral de uma escola: 1- visão sistêmica da educação;
27

2- territorialidade; 3- desenvolvimento; 4- regime de colaboração; 5-


responsabilização; 6- mobilização social.

Diante destes pilares, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)


assumiu a visão de que o Estado é o responsável e também é quem
executa as políticas educacionais. Dessa maneira, o governo ressalta a
importância de mensurar o desempenho das escolas e para assimilar
uma visão estatística de como está a qualidade da educação criaram
índices. Nesta visão estatística foram criados inúmeros índices e o mais
conhecido é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),
onde o Estado fiscaliza e controla a distância o trabalho das escolas. As
avaliações se tornaram eixo central das ações políticas em educação,
que vincula uma série de financiamentos de programas aos resultados
do IDEB.

No ano de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) tem novas


diretrizes e é elaborado com a participação da sociedade, de associações
e entidades de educadores num processo de discussão democrática.
O PNE desde a introdução anuncia a importância dos sistemas de
avaliação em todos os níveis de ensino. Entretanto, neste momento, a
avaliação está associada ao desenvolvimento de sistemas de informação
para aperfeiçoar os processos de coleta e difusão dos dados e de
aprimoramento da gestão e melhoria da qualidade do ensino.

O PNE reafirma a necessidade de consolidar e aperfeiçoar o Censo


Escolar e o Saeb e de criar sistemas complementares nos estados e
municípios, bem como a importância de:

Assegurar a elevação progressiva do nível de desempenho dos alunos,


mediante a implantação, em todos os sistemas de ensino, de um programa
de monitoramento que utilize os indicadores do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica e dos sistemas de avaliação dos estados e
municípios que venham a ser desenvolvidos. (BRASIL, 2001, [n. p.])
28

Nesse instante, uma iniciativa positiva foi a criação do movimento Todos


Pela Educação, que reúne os representantes da sociedade civil, das
organizações sociais, da iniciativa privada, educadores e gestores da
educação pública com o objetivo de certificar uma Educação Básica de
qualidade para todos os alunos até 2022.

Este movimento foi iniciado em 2005, com grande participação de


empresários e foi lançado em território nacional em 2006. Em 2010,
o movimento Todos Pela Educação se auto refere como um projeto de
nação e não como projeto de uma organização específica.

O movimento definiu cinco metas para a educação a serem alcançadas


até 2022:

1. Toda criança e jovem de quatro a 17 anos estará na escola.


2. Até 2010, 80% e, até 2022, 100% das crianças de oito anos de
idade estarão plenamente alfabetizadas.
3. Todo aluno aprenderá o que é apropriado para sua série.
4. Todo aluno concluirá o ensino fundamental até os 16 anos de
idade e o ensino médio até os 19 anos.
5. O investimento em educação deve ser garantido e gerido de forma
eficiente e ética.

Em 2007, a mídia divulgou fortemente o movimento Todos pela Educação


e as cinco metas para a educação em jornais e revistas de grande
circulação as políticas educacionais. Um marco foi a reestruturação do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), onde o MEC informava as
28 estratégias do PDE para uma qualidade educacional e são revisitados
pelos professores atualmente.

Os movimentos, os planos, as diretrizes são muito importantes para


a estruturação de políticas educacionais, representam a identificação
de demandas e a definição na agenda, conforme apresentamos na
figura a seguir.
29

Figura 3–Marcos educacionais no Brasil

Fonte: elaborada pelo autor.

Citamos alguns dos marcos na educação, entre tantos outros, para


entendermos toda a construção das políticas educacionais em seus
aspectos políticos, filosóficos, culturais e sociaismercadológicas.

Nesse percurso, percebemos a real importância do papel da escola e da


organização curricular.

As tentativas de mudanças curriculares presentes nas políticas


educacionais como as leis, decretos, programas e projetos, nas últimas
décadas, estão vinculadas em sua grande maioria em propostas de
inovações. São propostas políticas, como, por exemplo: evidencia o
ensino médio apoiado em compreensões mercadológicas de sociedade,
30

enaltece a influência das novas tecnologias, fortalece a relação entre


globalização e a localização, incentiva o olhar para as necessidades
do mundo do trabalho, enfim, retrata uma compreensão filosófica de
mundo. Percebemos que todas estas propostas de reforma curricular
são ações políticas de intervenção na sociedade.

O autor Mainardes (2006), relata que os professores, os alunos, os pais


e a comunidade desempenham um papel ativo no processo de tradução
e reinterpretação das políticas educacionais e, principalmente, por
conseguirem enaltecer e vigorar o currículo das escolas.

Desse modo, a escola, com um currículo implantado, em suas diferentes


concepções, cria possibilidades e limites diferenciados para o processo
de tradução e reconstrução, pensando em várias situações precisam ser
consideradas:

- Situação local: cidade e bairro onde a escola está inserida, perfil da


população local, história da construção da escola e perfil e fluxo de
alunos.

- Situação material: perfil dos funcionários da escola, perfil da equipe


pedagógica, orçamento, tecnologia e infraestrutura.

- Situação externa: órgãos públicos como a Secretaria da Educação


local, expectativas municipais, índices e taxas a serem atingidas e
responsabilidades legais.

As escolas também contribuem com as políticas educacionais, na


medida em que criticam políticas defasadas e apesentam novas
necessidades, ou seja, ajudando para a melhoria do currículo escolar, ou
seja, ajudando na tradução das políticas educacionais, nas negociações
e apontamentos e na reformulação para que o currículo escolar tenha
uma base sólida e real, diante das necessidades de cada unidade
escolar.
31

Referências
BALL, S. J. Cidadania Global, Consumo e Política Educacional. In: SILVA, L. H. (org.). A
escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.
BRASIL.  Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível
em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_
EC91_2016.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed). Nota técnica n. 20, de 21 de
novembro de 2014. Brasília, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, LDB. 9394/1996. Brasília: MEC, 1996.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=12907:legislacoes&catid=70:legislacoes. Acesso em: 10
jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano decenal de educação para todos. Brasília:
MEC, 1993. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
me001523.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação:
Prova Brasil: ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores.
Brasília: MEC/SEB; Inep, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=7619-provabrasil-matriz-
pdf&category_slug=fevereiro-2011-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação: instrumento de campo (PAR). Brasília: MEC, 2007. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/component/tags/tag/pde?start=20. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MECSEF, 1998. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos: Matemática. Brasília: MEC, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. SETEC. Parâmetros Curriculares Nacionais–
Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/
arquivos/pdf/BasesLegais.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais/
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC, 2001. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
32

BRASIL. PNE em Movimento. Lei n. 13.005, de 25 junho de 2014. Aprova o Plano


Nacional de Educação–PNE e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em:
http://pne.mec.gov.br/18-planossubnacionais-de-educacao/543-plano-nacional-de-
educacao-lei-n-13-005-2014. Acesso em: 10 jun. 2021.
MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise
de políticas educacionais. Campinas: Educação e Sociedade, 2006.
RODRIGUES, M. A. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2010.
33

As concepções do currículo real e


do currículo oculto na formação
dos professores
Autoria: Paula Renata Bassan Morais
Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea

Objetivos
• Identificar as concepções do currículo real e do
currículo oculto.

• Entender a importância da formação dos


professores para a educação brasileira.

• Facilitar a conexão entre currículo educacional e


formação dos professores.
34

1. Currículo real

O currículo é um importante instrumento pedagógico. Moreira (1997)


aponta que é um importante componente social e cultural, cujas
nuances superam o fato de ser um necessário elemento educacional.

Estudos de vários autores, como Moreira (1997) e Libâneo, Oliveira


e Toschi (2007), ressaltam que existem três dimensões de currículo:
formal, real e oculto.

Figura 1 – Dimensões do currículo educacional

Fonte: elaborada pelo autor.

É provável que você já tenha formalizado a aprendizagem sobre o que


é currículo formal, mas retomaremos, pois é importante lembrar e
esclarecer as diferenças entre o currículo formal e o real.
35

O currículo formal caracteriza-se por um formato organizacional e


impecável da intencionalidade dos objetivos educacionais a serem
alcançados pelos educandos. São todos os documentos, leis, parâmetros
e diretrizes que orientam os sistemas educacionais. É a parte formal e
escrita.

Já o currículo real, é de cunho prático. É o retrato da realidade escolar.


É uma fotografia da sala de aula do jeito que se configura, lembrando
que cada turma é diferente, com perfil diferente, com professores com
pensamentos e habilidades educacionais diferentes, é a realidade fiel
identificada da escola e da sala de aula. Essa diversidade, encontrada
em cada sala de aula, interfere significativamente no currículo formal,
constituindo-se de demandas diversas, nas áreas política, sociológica,
administrativa, financeira e pedagógica.

Figura 2 – Concepções de currículo formal e currículo real

Fonte: elaborada pelo autor.

Ao configurar o currículo dentro destas duas definições, escrito e prático,


identificamos que a relação entre eles nem sempre é semelhante,
pois percebe-se que o currículo formal muitas vezes não representa o
currículo real de uma escola.
36

O autor Sacristán (2000) afirma:

Uma coisa é o currículo considerado como uma intenção um plano ou


uma prescrição que explica o que desejaríamos que ocorresse nas escolas,
e outra é o que existe nelas, o que realmente ocorre em seu interior. O
currículo tem que ser entendido como cultura real, que surge de uma série
de processos, mais que como objeto delimitado e estático que se pode
planejar e depois implantar. (SACRISTÁN, 2000, p. 27)

A interpretação do currículo formal e do real é importante e pode


direcionar os professores para dois caminhos: da reprodução ou da
transformação. Se pensarmos em reprodução, seria legitimar o currículo
formal, considerando que seja normal e adequado, que todas as turmas
tem um único formato e o conhecimento só é válido se for de maneira
universal. Se pensarmos em transformação, é compreender que o
professor tenha total conhecimento sobre o currículo formal, mas
acredita e estabelece um currículo real diante de sua sala de aula e da
realidade local de seus alunos.

Está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) 9394/96, a adaptação do currículo escolar formal à realidade
sociocultural de cada bairro, município e estado (BRASIL, 1996).

Vale ressaltar que após a orientação da Constituição Federal de 1988 e


da LDB 9394/96, contamos, atualmente, com a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), que indica os direitos de aprendizagem em todo o
território nacional e o desenvolvimento de dez competências gerais
da educação básica. Esta base comum de conteúdos e conhecimentos
gerais para os alunos do ensino fundamental e médio, independe
da escola em que estuda ou do lugar onde vive. Os conteúdos das
disciplinas, como Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, são
considerados como base.

Entretanto, as escolas têm a liberdade para inserir temas de interesse e


vincular seus currículos com o suporte das características regionais. São
37

consideradas como parte diversificada do currículo, que contemplam


temáticas também diversificadas como saúde, cidadania e meio
ambiente, inclusive aquelas que são do interesse dos educandos, não
sendo apenas propostas pela equipe técnico-pedagógica.

Da intenção formal à realidade prática, que ocorre em uma sala de


aula, podemos entender que a conciliação entre base comum e parte
diversificada seja transformadora para o desenvolvimento educacional
do aluno.

Essa conciliação entre currículos locais e currículos universais é um


dos grandes desafios no debate sobre composição e implantação de
documentos curriculares no país. Outros desafios são as políticas de
avaliação externa e a preservação da autonomia do professor em sala
de aula, em relação aos conteúdos interdisciplinares.

Para além da interdisciplinaridade, elencamos que um bom currículo


escolar deve ser inclusivo. Isso significa atender a todo tipo de
aluno, com suas particularidades. É muito importante entender as
necessidades dos alunos e buscar soluções para que todos consigam
acompanhar o ritmo da turma e se desenvolvam em cada etapa escolar.

Enfim, um currículo inovador está sempre em movimento e exige


reflexões, avaliações e mudanças constantes de acordo com cada ano
letivo.

2. Currículo oculto

Até aqui, tratamos do currículo formal e real. Agora, precisamos


entender e conhecer o currículo oculto.

Em 1938, o filósofo e pedagogista norte-americano John Dewey foi


o pensador que pôs a prática em foco, defendendo a democracia e
38

a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação


emocional e intelectual dos alunos. Também foi o autor que originou a
noção de currículo oculto e referiu-se a uma aprendizagem colateral de
atitudes, que ocorrem de modo simultâneo ao currículo formal.

O autor Moreira (1997, p.12) revela que currículo é o “[...] conhecimento


tratado pedagógica e didaticamente pela escola e que deve ser
aprendido e aplicado pelo aluno.” O currículo significa um conjunto de
experiências a serem vividas pelo aluno dentro da escola.

Já Santomé (1995) explica que o currículo oculto diz respeito aos:

[...] conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que se adquirem


mediante a participação em processos de ensino e aprendizagem e, em
geral, em todas as interações que se dão no dia-a-dia das aulas e escolas.
Estas aquisições, no entanto, nunca chegam a explicitar-se como metas
educativas a conseguir de uma forma intencional. (SANTOMÉ, 1995, p. 201)

Compreende-se que o currículo oculto é invisível para os documentos


formais e se torna um subproduto do currículo real, como uma
aprendizagem não presumida ou não ansiada de forma explícita. Está
associado a mensagens transmitidas de forma implícita por atitudes,
comportamentos valores, condutas, ações, falas e expressões dos
professores e por passagens também implícitas nos materiais didáticos
escolares (livros, textos, fotos, imagens, vídeos etc.), que levam o
educando a introjetar aprendizagens não programadas e organizadas
intencionalmente.
39

Figura 3 – Concepção do currículo oculto

Fonte: elaborada pelo autor.

Silva (2000) assegura que o currículo oculto é entendido como um


misto de atitudes, valores e comportamentos que não estão descritos
no currículo formal, porém, são ensinados ou assimilados nas relações
sociais, no cotidiano escolar, nas práticas e nas configurações de tempo
e espaço escolar. Por exemplo, os alunos aprendem que a mulher tem
um papel secundário quando a fila escolar é organizada com meninos
na frente e meninas atrás para evitar a bagunça, porém a mensagem
embutida é a de que as meninas são mais submissas, quietinhas, não
precisam de atenção.

Para elucidar essa concepção, Corazza (2001) relata que, por meio do
currículo oculto:
40

[…] identificamos significantes, significados, sons, imagens, conceitos,


falas, língua, posições discursivas, representações, metáforas, metonímias,
ironias, invenções, fluxos, cortes...(...) Ao atribuir essa condição
“linguajeira”, apenas uma das tantas maneiras de formular o mundo, de
interpretar o mundo, e de atribuir-lhe sentidos. (...) Que um currículo
é uma prática social, discursiva e não-discursiva, que se corporifica em
instituições, saberes, normas, relações, valores, modos de ser sujeito.
(CORAZZA, 2001, p. 9-10)

Como exemplo, as tratativas em relação aos negros e pobres estão


presentes no cotidiano escolar. O currículo oculto assimila a seleção de
significações, de cultura, de identidade dos grupos sociais. É produzido
pelos conflitos e pelas tensões que circundam o nosso ambiente.

Segundo Veiga (1991, p. 83), “planejar currículo implica tomar decisões


educacionais, implica compreender as concepções curriculares
existentes que envolvem uma visão de sociedade, de educação e do
homem que se pretende formar.”

Então, como os professores podem agir em relação aos conteúdos


que emergem de forma não explícita na escola? Como o professor,
que já preparou sua aula, consegue atender uma demanda pontual e
importante que o aluno relata nos primeiros minutos daquele dia?

Em um currículo oculto, as suposições em sala de aula não foram


planejadas pelo professor, pelo próprio fato de serem tácitas e
incidentais. Um tema importante ou um assunto de interesse do aluno
fica sujeito a um acontecimento real e traz à tona para a aula. Como
exemplo, podemos imaginar que este aluno foi para a escola de ônibus
e presenciou a cena de um jovem não ceder o seu banco para uma idosa
e isto o deixou incomodado. Este assunto poderia ser tratado na aula
imediatamente, mesmo que não esteja no planejamento do professor.

O currículo oculto desempenha um papel de destaque na configuração


de significados e valores e não estão plenamente conscientes.
41

Se faz necessário analisar o sistema educativo e, por conseguinte, o que


os cidadãos aprendem com a sua passagem pelas instituições escolares
implica prestar atenção não só ao que denominamos currículo explícito,
mas também ao currículo oculto. (SANTOMÉ, 1995, p. 201)

Sabemos que comportamentos, atitudes e valores são a base do


currículo oculto. Sabemos que estão diretamente ligadas com as
esferas sociais, políticas e emocionais. De acordo com vários estudos
sobre o currículo oculto, alguns temas emergem diariamente e podem
ser estudados em uma perspectiva educacional, como, por exemplo,
aqueles ligados à nacionalidade, a dimensão do gênero, da sexualidade,
da raça, etnia, exclusão, desigualdade social, furto, agressões físicas,
bullying, mau uso dos espaços coletivos, cola em provas, plágio de
trabalho, atitude de desrespeito ao professor, entre outros.

Talvez este momento seja uma maneira muito tímida de trabalhar


conceitos transversais e interdisciplinariedade para a formação global
do aluno, uma vez que tais situações acontecem por serem reais e não
estarão sistematizadas ou incluídas nas disciplinas ou no plano de aula
daquele dia.

Atualmente, a reflexão sobre a flexibilização, adaptação e modificação


de uma aula são temas interessantes para serem trabalhados com os
professores. A escola precisa subsidiar os professores com condições
de constituir uma aula por meio de estratégias pedagógicas que
visam à capacidade de antecipar ações, instaurar a problematização, a
democracia, provocação da consciência crítica e promover os debates
entre alunos sobre temas que, às vezes, serão sociais, políticos ou
emocionais, que emergem cotidianamente na vida real do aluno. Esse
papel de destaque que o currículo oculto exerce dentro do ambiente
escolar faz toda a diferença, se queremos alunos críticos e capazes de
tomar decisões próprias.
42

Para Santomé (1995) é muito importante percebermos o currículo oculto


presente nos espaços escolares

[...] observar o currículo oculto presente no ambiente escolar vai nos


facilitar a tarefa de reinterpretar tudo o que aí acontece e de chamar
a atenção para as possibilidades de desenvolver práticas educativas
comprometidas com a defesa de uma sociedade mais justa, mais
democrática e, portanto, mais livre. (SANTOMÉ, 1995, p. 10)

Quanto mais falarmos, reconhecermos, estudarmos e refletirmos sobre


o currículo oculto dentro do ambiente escolar, estaremos cientes de
que todos os fatores externos, de que toda a realidade social do aluno
estão interferindo diretamente no que ocorre dentro da escola. Estão
interferindo diretamente na formação dos professores.

3. Formação de professores

A formação dos professores deve estimular uma perspectiva crítico


reflexiva, que os subsidie para um pensamento autônomo e que facilite
seu desenvolvimento e trabalho escolar.

Não podemos esquecer que antes de ser um professor, é um ser


humano. Além disso, já realizou sua construção cultural, política e
social também. Urge, portanto, encontrar espaços de interação entre as
dimensões pessoais e profissionais.

A formação dos professores não se valida por acumulação de


certificados, mas por meio de um trabalho de reflexão crítica sobre suas
práticas diárias.

Alguns modelos que as escolas utilizam para a formação dos professores


são contínuas e organizadas individualmente. Essa formação é
43

importante para a aquisição de novos conhecimentos e técnicas, mas


elucidam o isolamento e reforçam o individualismo.

O professor é um ser social e circula por uma sala de aula com, às vezes,
até trinta ou mais alunos. São trinta ou mais seres pensantes juntos,
cada um com sua própria construção cultural, social e política, tentando
usufruir de um currículo formal, de um currículo real e de um currículo
oculto. Esta combinação, do ponto de vista sistêmico, precisa ser a
grande base e o tema norteador para a formação do professor.

Figura 4 – Tema norteador para a formação do professor

Fonte: elaborada pelo autor.

Práticas de formação de professores que tenham como tema norteador


as dimensões coletivas, contribuem para a emancipação profissional e
para o fortalecimento de uma profissão autônoma, que interage seus
conhecimentos e saberes com os conhecimentos e saberes que os
alunos trazem em suas bagagens.
44

É notório que a diversificação, a experimentação, a inovação,


investigação, criticidade, novos modelos mentais sejam fundamentais
nas práticas de formação, instituindo novas relações entre os
professores com os saberes pedagógicos e científicos.

Ressaltamos que a mudança no âmbito educacional está diretamente


ligada aos professores e sua formação. A transformação do ensino só
depende da transformação das práticas pedagógicas na sala de aula e
isso exige um investimento financeiro.

A transformação do ensino não pode estar fora do contexto real dos


alunos. Os conteúdos ensinados precisam ter significado para os alunos,
e suas experiências precisam ser conectadas à sua aprendizagem
escolar. O autor Morin (2008), propõe uma reforma do ensino que
atravesse a reforma do pensamento, de modo que motive, não apenas
isolar para aprender, mas também ligar o que está isolado. Morin
(2008) ressalta a diferença entre uma cabeça bem cheia, com inúmeros
conhecimentos empilhados e desconexos e uma cabeça bem-feita,
composta de saberes acumulados que se comunicam com as situações
da vida e contribuem à resolução de problemas cotidianos, promovendo
novas aprendizagens.

Referências
CORAZZA, S. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em Educação.
Petrópolis: Vozes, 2001.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e
organização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
Tradução Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
MOREIRA, A. F. B. Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.
SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
SANTOMÉ, J. T. O curriculum oculto. 3. ed. Porto: Porto Editora, 1995.
45

SILVA, T. T. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte:


Autêntica, 2000.
VEIGA, I.P.A. Escola fundamental: currículo e ensino. Campinas, SP: Papirus, 1991.
46

Reflexões sobre as Teorias: Não


Críticas, Críticas e Pós-Críticas
Autoria: Paula Renata Bassan Morais
Leitura crítica: Paula Renata Bassan Morais

Objetivos
• Identificar as concepções das teorias não críticas que
abordam a Pedagogia tradicional, a Pedagogia nova
e a Pedagogia tecnicista.

• Entender a importância da teoria crítica para o


contexto da educação brasileira.

• Facilitar a conexão entre as teorias não críticas,


teoria críticas e teorias pós-críticas para o sistema de
ensino.
47

1. Teorias da Educação

Quando refletimos sobre as teorias da educação, nos deparamos com


muitos autores e nomenclaturas diferenciadas. Não conseguiremos,
neste estudo, ter como base a leitura de vários autores, mas
estudaremos os autores mais pesquisados. Para iniciarmos, a pergunta
é: o que significa uma teoria?

Moreira (2011) relata que a palavra teoria é utilizada sem muita precisão
e em um entendimento genérico, como uma forma de sistematizar
um campo da ciência, como uma maneira diferenciada de entender a
situação e o contexto.

Para discutir a teoria da aprendizagem, por exemplo, podemos ressaltar


que se trata de uma construção humana, que um ou outro autor
desenvolve para explicar metodicamente a área de conhecimento
chamada de aprendizagem, ou seja, é sempre uma maneira diferenciada
de ver e elucidar as situações.

Em se tratando da educação, as teorias são ciências que pesquisam a


importância e relevância da educação para os seres humanos em suas
faixas etárias. São ditas como concepções pedagógicas.

Para Cabanas (2002), as teorias da educação, envolvem três momentos


do indivíduo:

Nível da filosofia: educação que, sobre a base de uma reflexão radical,


rigorosa e de conjunto sobre a problemática educativa, busca explicitar
as finalidades, os valores que expressam uma visão geral de Homem, de
mundo e de sociedade, com vistas a orientar a compreensão do fenômeno
educativo. Nível sociológico: procura sistematizar os conhecimentos
disponíveis sobre os vários aspectos envolvidos na questão educacional
que permitam compreender o lugar e o papel da educação na sociedade.
Busca identificação com a Pedagogia, e passa a compreender o lugar e
o papel da educação na sociedade. Nível pedagógico: é o modo como
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é organizado e realizado o ato educativo. Portanto, em termos concisos,


podemos entender a expressão “concepções pedagógicas” como as
diferentes maneiras pelas quais a educação é compreendida, teorizada e
praticada. (CABANAS, 2002, p. 56)

Com muitas pesquisas sobre as teorias da educação, ressaltamos os


estudos do educador Saviani (1984), que classificou essas teorias em
não críticas, teorias críticas e pós-críticas. Esta denominação foi oriunda
de sua percepção dos momentos históricos e sociais da educação e das
escolas.

Figura 1 – Teorias da educação

Fonte: elaborada pela autora.

Saviani (1984) propõe a existência de três teorias, que explicam três


processos educacionais diferentes. Os mesmos termos são empregados
também nos estudos sobre Teoria do Currículo, que são não crítica,
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crítica e pós-crítica. Pesquisando, é possível encontrar os mesmos títulos


para dois tipos de teoria e perceber que se ajustam entre si.

Neste momento, conheceremos e estudaremos um pouco mais sobre


cada uma das teorias da educação e poderemos perceber que se
conectam com todas as transformações sociais, políticas e históricas.

2. Teorias não críticas

Quando mencionamos as teorias não críticas, estamos falando


exatamente de um momento histórico da educação. O momento
histórico e social, que corresponde às teorias não críticas, não foi
estagnado, sofreu adaptações e produziu diferentes tendências, que
estudaremos a seguir.

Nesta perspectiva, o autor Saviani (1984) revela que a escola, juntamente


com os acontecimentos sociais e históricos, orientam os alunos mais
marginalizados na busca de uma escolarização como forma de evoluir
na vida para, assim, resolver os problemas e tentar sair da pobreza.
São consideradas, neste momento da educação brasileira, três
vertentes pedagógicas importantes das teorias não críticas: a Pedagogia
Tradicional, a Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista.
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Figura 2 – Teorias não críticas e as três vertentes da Pedagogia

Fonte: elaborada pela autora.

A Pedagogia tradicional surge anteriormente ao século XX, onde iniciam


os sistemas de ensino escolar. Foi com os ideais da Revolução Francesa
que se constitui a proposta, válida até hoje, de que a educação é um
direito de todos e um dever do Estado (mais recentemente, passou a
ser um dever da família também). Neste cenário, o papel da escola é
o de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. Ao
professor era centrado todo o poder decisório de qualquer conteúdo ou
situação.

Na perspectiva tradicional, “é marginalizado quem não é esclarecido”


e a educação é um “antídoto à ignorância, logo, um instrumento para
equacionar o problema da marginalidade” (SAVIANI, 1984, p. 10).

Esta fase da educação tinha algumas características pontuais e que, de


certa forma, ainda perpetuam em algumas salas de aula atualmente.
Podemos observar que na Pedagogia tradicional, os alunos são meros
ouvintes e o professor é o detentor do conhecimento e explana de
forma linear todos os conteúdos escolares. Trata-se de um aprendizado
baseado na escuta e memorização.
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Esta transferência de conhecimentos do professor para o aluno foi


retratada por inúmeras imagens pedagógicas, como, por exemplo, a
imagem e uma boca enorme na frente de uma sala de aula e muitas
orelhas pequenas, simbolizando os alunos receptores passivos de
informações e conhecimentos. A educação era simbolizada como um
produto.

Figura 3 – Teoria não crítica: Pedagogia Tradicional

Fonte: elaborada pela autora.

O autor Bordenave (1984, p. 41) afirma que este momento educacional


era conhecido como a Pedagogia da transmissão, onde os conteúdos
pedagógicos eram somente transmitidos pelo professor. “Era uma
sala de aula de poucos sons, poucas vozes, poucas perguntas e pouca
socialização. A formação educacional destes alunos era passiva
produzindo a concepção de cidadãos obedientes”.
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No início do século XX, surge a Pedagogia Nova, onde os professores se


afirmam em movimentos para criticarem esta escola tradicional. Para
estes professores, a Pedagogia Tradicional não estava adequada para
que os alunos pudessem ter uma educação de qualidade. Diziam que
esta escola falhou e, assim, surge a Escola Nova, com experimentos,
inovações e diálogos, os alunos e professores começaram um momento
de conversa e socialização. O aluno considerado indivíduo, deu vez
ao aluno no coletivo. Contribuiu, assim, para construir uma sociedade
em que os alunos se aceitem e se respeitem em suas diferenças.
Esta nova forma de entender a educação, retira o professor como o
centro do processo, dando o lugar ao aluno. O professor deixa de ser
o transmissor dos conteúdos e se torna o facilitador da aprendizagem.
Inúmeros trabalhos em grupos, exposições de alunos, pesquisas, jogos
de criatividade e dinâmicas são a base para o sistema de ensino.

Figura 4 – Teoria não crítica: Pedagogia Nova

Fonte: elaborada pela autora.


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O destaque, neste momento, é para o coletivo, a socialização, afetividade


e troca de saberes.

Para Saviani (1984), houve um momento que os professores perceberam


que a subjetividade da Pedagogia Nova não diminuía as questões
sociais, como a marginalidade, e iniciaram um processo de reformulação
educacional. Então a Pedagogia Nova, que promovia socialização de
Painel LED
saberes e coletividade, deu espaço para a Pedagogia Tecnicista.

Na Pedagogia Tecnicista, tanto o professor quanto o aluno são atores


secundários no processo pedagógico, como explica Saviani (1984):

Para a Pedagogia Tecnicista, a marginalidade não será identificada com


a ignorância nem será detectada a partir do sentimento de rejeição.
Marginalizado será o incompetente (no sentido técnico da palavra), isto é,
o ineficiente e improdutivo. (SAVIANI, 1984, p. 17)

Surge, então, no cenário educacional brasileiro, a Pedagogia


Tecnicista para atender as demandas mercadológicas das indústrias.
A produtividade e a racionalidade são marcos desta Pedagogia, que
surge com a Revolução Industrial. A palavra produtividade se espalha
no âmbito educacional. O método de ensino reforça perspectiva do
aprender fazendo.

Nesta perspectiva, o que rege a educação não é o professor e nem o


aluno, mas a qualidade da técnica de produtividade.
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Figura 5 – Teoria não crítica: Pedagogia Tecnicista

Fonte: elaborada pela autora.

A educação é objetiva e operacional. Os estímulos, incentivos e


recompensas são para as atividades desenvolvidas pelos alunos, levando
a uma grande competitividade entre eles. O saber fazer é o centro desta
Pedagogia.

As teorias não críticas ainda fazem parte de muitos documentos


educacionais. Estão nas entrelinhas ou marcando um fato entre os
conteúdos escolares, demonstrando que a Pedagogia Tradicional,
a Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista são reflexões teóricas
enraizadas na educação brasileira.
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3. Teorias críticas

No final da década de 1970 e início da década de 1980, os professores


elucidam uma pergunta inquietante: é possível ter uma visão crítica da
Educação? Como podemos extinguir as dificuldades apresentadas pelos
alunos e eliminar o problema da marginalidade?

Para responder essas perguntas, a base da reflexão é sobre as injustiças


sociais, sobre as desigualdades sociais e sobre o momento de provocar
mudanças para uma transformação social.

Nessa análise, vários autores relatam que foi importante buscar o


alicerce nas teorias não críticas e analisar, no contexto atual, o que for
positivo em cada Pedagogia. Neste instante, se resgata a importância
da Pedagogia Tradicional na dimensão teórica do saber. Também se
resgata a importância da Pedagogia Nova na dimensão do saber ser, e
da Pedagogia Tecnicista se resgata a importância do saber fazer.

Um documento de grande relevância foi o Relatório para a Unesco


da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Este
documento foi elaborado entre os anos de 1993 a 1996, e ficou
amplamente conhecido sob o título Educação: um tesouro a descobrir,
do autor Jacques Delors, que propõe quatro pilares para a Educação:
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a
viver juntos. Sua pretensão era de tornar-se um “[...] marco diretivo para
todo um século, concentrando em si as bases da ideologia de um projeto
educativo que visa formar certo tipo de ser humano adequado ao século
XXI.” (RIZO, 2010, p. 56). Como seria este novo aluno? Para o autor Delors
(1999):

A este propósito, referimos à necessidade de caminhar para uma


sociedade educativa [...] criar um espírito novo que, graças precisamente
à [...] percepção das nossas crescentes interdependências, graças a uma
análise partilhada dos riscos e desafios do futuro, conduza à realização
de projetos comuns ou, então, a uma gestão inteligente e apaziguadora
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dos inevitáveis conflitos [...] o século XXI exigirá de todos nós grande
capacidade de autonomia e de discernimento, juntamente com o reforço
da responsabilidade pessoal, na realização de um destino coletivo.
(DELORS, 1999, p. 18-20)

Em essência, as teorias críticas baseiam-se no caráter do processo


educativo essencialmente reflexivo, democrático, pautado no diálogo,
nas experimentações e experiências vivenciadas pelos alunos no
contexto social, para detectar problemas reais e propor soluções
originais e criativas. Também para desenvolver habilidades intelectuais,
como a observação, análise, avaliação, compreensão e generalização,
estimulando a curiosidade e a atitude investigativa do aluno.

Figura 6 – Teoria Crítica pautado nos quatro pilares da


educação de Delors (1999)

Fonte: elaborada pela autora.


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Na teoria crítica, a prática educacional é pautada na criação e recriação


de conhecimentos. O ensino e a aprendizagem se conectam entre
professor e aluno, valorizando a realidade social.

4. Teorias pós-críticas

Não podemos demarcar as teorias da educação como estanques, pois


isso não aconteceu. De certa maneira, foram se entrelaçando até que
uma teoria se sobrepôs à outra. Pensando assim, qual foi o momento
em que a teoria crítica deu espaço para a teoria pós-crítica?

Problematizar sobre as teorias críticas e pós-críticas é se permitir


misturá-las e visualizar suas nuances distintas, sem focar nas potenciais
rupturas. É como dizer que disputaram o campo do currículo e sempre
houve demarcações que as diferenciaram.

A teoria pós-críticas se fortalece em meados dos anos 2000, com


inúmeras discussões e debates favoráveis e contraditórios. Talvez
esse misto de interpretações ocorreu devido ao aprofundamento das
características pós-modernas nos tempos em que vivemos. Um tempo
com várias demandas globais, de lutas da diferença, das trocas culturais
e da organização no espaço e tempo, que a tecnologia nos impulsionou
a entender que estamos em um espaço físico e, ao mesmo tempo,
estamos em outros espaços, relativando noções de passado, presente e
futuro.

Para a autora Paraíso (2015), os estudos pós-críticos receberam


uma forte influência da chamada Filosofia da diferença, do pós-
estruturalismo, do pós-modernismo, pós-colonialistas, da teoria
dos estudos de gênero e feministas, ecológicos, dos estudos
multiculturalistas, étnicos, entre outros. Assim, a autora ressalta ainda
que:
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[…] as teorias pós-críticas realizam, no campo educacional brasileiro,


substituições, rupturas e mudanças de ênfases em relação às pesquisas
críticas. Suas produções e invenções têm pensado práticas educacionais,
currículos e Pedagogias que apontam para a abertura, a transgressão, a
subversão, a multiplicação de sentidos e para a diferença. (PARAÍSO, 2015,
p. 284)

Nas palavras de Corazza (2005), a invenção, a criação, o artefato e a


produção são fundamentais e a autora sintetiza:

Na perspectiva da teoria pós-crítica, o currículo está em tudo, em todos


os espaços, faz questão de ser exercido em qualquer comunidade formal
ou informal: local de trabalho, de lazer, campo, cais, ilhas, praças, pátios,
associações, ginásios, ruas, assentamentos, parques, viadutos, e até em
escolas. Faz questão de ser experienciado em qualquer lugar, onde lhe
seja dada a oportunidade de produzir e contestar verdades, confrontar
narrativas e experiências [...]. (CORAZZA, 2005, p. 109)

Defender a teoria pós-crítica no currículo escolar é ter a dimensão de


que as demandas imediatas, conflituosas e tensas, que envolvem os
conteúdos escolares, são importantes.

Entretanto, se o professor defender uma ou outra teoria, estará com


uma visão fragmentada sobre a educação brasileira. Temos a missão de
conhecer todas as teorias e entendê-las.

Nesse sentido, as teorias da educação são constitutivas das pessoas


e de sua forma de ser e estar no mundo. Portanto, é de grande
responsabilidade dos professores realizarem escolhas diversificadas
para embasarem suas práticas educacionais.
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Referências
BORDENAVE, J. D. A opção pedagógica pode ter consequências individuais e sociais
importantes. Revista de Educação AEC, n. 54, 1984.
CABANAS, J. M. Q. Teoria da Educação: concepção antinômica da educação.
Portugal: ASA, 2002.
CORAZZA, S. Diferença pura de um pós-currículo. In: LOPES, A.; MACEDO, E. (orgs.).
Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2005.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999; Brasília:
Unesco, 1999.
MOREIRA, A. F. B. (org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 2011.
PARAÍSO, M. Um currículo entre formas e forças. v. 38, n. 1. Porto Alegre:
Educação impresso, 2015.
RIZO, G. Relatório Delors: a educação para o século XXI. In: CARVALHO, E. J. G. de;
FAUSTINO, R. C. (org.). Educação e diversidade cultural. Maringá: UEM, 2010.
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze
tezes sobre educação e política. São Paulo: Cortez, 1984.
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BONS ESTUDOS!

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