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Aparecida Mendes Barbalho

Nattan Ricardo de Campos


Ualter dos Santos Rojas
(organizadores)

Paulo Alberto dos Santos Vieira


(coordenador)

TEORIAS DA EDUCAÇÃO: REFLEXÕES E


PROBLEMATIZAÇÕES

Serviços Acadêmicos Especializados


academicasparatodaobra@gmail.com
WhatsApp: (21)99652-8835
APRESENTAÇÃO

Com muita satisfação recebi o convite para escrever uma apresentação para
essa obra em formato digital que traz a produção compartilhada por docentes e
discentes na Disciplina Teorias da Educação, ministrada pelo colega Professor Doutor
Paulo Alberto dos Santos Vieira, no semestre 2022/2, no Programa de Pós-Graduação
em Educação – PPGEdu da Universidade do Estado de Mato Grosso.
Essa disciplina é de grande importância na formação inicial de pesquisadores
e pesquisadoras em educação, pelo fato de que traz conhecimentos que vão
enriquecer a reflexão sobre suas próprias temáticas e objetos de pesquisa. Dessa
forma, produziu-se um conteúdo a partir da reflexão provocada que traduziu em
artigos aquilo que foi discutido e passou a fazer parte dos saberes que apoiam todo o
caminho que se apresenta diante de cada um e cada uma
O conteúdo traz artigos desenvolvidos pelos/pelas discentes em coautoria
com um/uma docente orientador/a. Como ex-coordenadora do PPGEdu acompanhei
o planejamento dessa iniciativa desde o ano de 2021 e que se edita agora. Quem já
se empenhou na transformação de suas ideias em obra pública sabe que é tarefa
árdua e que leva tempo para se materializar.
O resultado que surgiu à luz das teorias e teóricos estudados se traduz nessa
coletânea que visa contribuir com os autores e autoras em sua formação que se
aprofunda nas temáticas discutidas.
É um trabalho coletivo em que muitas mãos e muitos corações se uniram para
a ampliação desse PPGEdu que comemora em seus 12-13 anos de existência a
elevação de sua nota CAPES para 4, incentivando a produção de muitos artigos,
capítulos e livros que venham contribuir ainda mais com o aprimoramento da formação
de mestres em educação.

Cáceres-MT, 24 de julho de 2023.


Prof.ª Dr.ª Rosely Romanelli
PPGEdu-UNEMAT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO_____________________________________________________06
Nattan Ricardo de Campos

PARTE I - TEORIAS DA EDUCAÇÃO

DA TEORIA CRÍTICA ÀS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS: COMPREENDENDO O


PERCURSO HISTÓRICO E CONCEITUAL DESTAS CORRENTES TEÓRICAS NO
BRASIL___________________________________________________________11
Benedita Gonçalina de Almeida, Claudia Andreia Gomes Araújo, Daiany Pereira e
Jorge Luís de Freitas Lima

ENTRE ACUSAÇÕES E DEFESAS DA ESCOLA: MORIN, BOURDIEU E


MASSCHELEIN E SIMONS____________________________________________32
Nattan Ricardo de Campos, Ualter dos Santos Rojas, Vanilza de Aguiar Biano e
Luciene Neves

A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: MOVIMENTO EUGENISTA E A


ESCOLA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA_________________________________45
Marizeth de Amorim Campos, Milena Luiza Lucas Queiroz e Sandra Francisca Marçal

PARTE II – EDUCAÇÃO BRASILEIRA, DIVERSIDADES E GLOBALIZAÇÃO

EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA: ESPAÇOS DE RESSIGNIFICAÇÃO E


RESISTÊNCIA_____________________________________________________62
Aparecida Mendes Barbalho, Carla Daiane Santos Rodrigues, Claudinei de Andrade
Silva e Elizeth Gonzaga dos Santos Lima

O LUGAR DAS MINORIAS NAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA


EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E
DIVERSIDADE_____________________________________________________73
Neuri Eliezer Senger, Rosemeyre Pinheiro de Oliveira, Valéria Aparecida Firmino,
Wanderleia Pereira da Silva e Rosely Aparecida Romanelli
REFLETINDO SOBRE A PERSPECTIVA DECOLONIAL: A DIÁSPORA CULTURAL E
A DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA______________________________________95
Adriana Marangueli da Silva, Zeneide Santos Modesto e Marilda de Oliveira Costa

DIMENSÕES PEDAGÓGICAS: REFLEXÕES À LUZ DA EPISTEME DOS ESTUDOS


CULTURAIS NO CURRÍCULO ESCOLAR_______________________________108
Géssica Souza Lacerda, Jenilson de Aguiar Biano e Rosane Duarte Rosa Seluchinesk

PARTE III – PESQUISAS EM EDUCAÇÃO

O JOGO À LUZ DA FENOMENOLOGIA_________________________________121


Marina da Costa Azevedo, Michele de Arruda Vasconcelos Moura e João Carlos
Martins Bressan

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS MARXISTAS NA EDUCAÇÃO: A CONEXÃO


ENTRE TRABALHO, EDUCAÇÃO E PRÁXIS POLÍTICO-EDUCATIVA E A
PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA NA TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL__________________________________________________________135
Addison Ricardo Fischer Corrêa, Aireno de Souza Silva e Beatriz Ferraz Bühler

PRESSUPOSTOS RELACIONADOS À TRAJETÓRIA DA PESQUISA


EDUCACIONAL NO BRASIL__________________________________________149
Jane Amorim da Silva, José Carlos Arantes, Judite Barreira de Macedo e Ângela Rita
Christofolo Mello

ATRAVÉS DO OLHAR DA REPRESENTAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE A


CULTURA E A REPRESENTAÇÃO SEGUNDO STUART HALL_______________160
Jucileide Alves Ribeiro, Kamila Abril de Azevedo e Sebastiana Almeida Souza

COORDENADOR E ORGANIZADORES________________________________171
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INTRODUÇÃO
Nattan Ricardo de Campos1

A Educação é um método ou mecanismo social utilizado desde as primeiras


civilizações como forma de transmitir os conhecimentos acumulados e produzidos de
uma geração a outra. Essa definição simples esconde, entretanto, questões para as
quais as sociedades contemporâneas ainda buscam respostas. Cada coletivo
humano, sociedade ou comunidade, constrói suas formas de transmissão do
conhecimento e do saber de modo que, em diferentes sociedade, lugares e épocas
surgem sistemas e formas de educação diversificados.

Pensar sobre a educação e sobre as epistemologias que direcionam os


processos educacionais, que os constroem e os colocam em funcionamento, é
também pensar nos valores e nas cosmovisões que dão subsídios teórico-práticos às
instituições (formais ou não) que os aplicam.

Uma das metáforas mais conhecidas quando se trata da produção intelectual


humana é a dos óculos ou das lentes que simbolizam esse conjunto de ideias que
moldam nossa forma de ver o mundo. Essa metáfora nos revela uma multiplicidade
de formas, sujeitos e lugares pelos quais se pode observar a realidade. É disso que
se trata esta coletânea: Diferentes sujeitos com diferentes lentes observando um
recorte bastante definido da realidade para sobre ela pensar e escrever. No caso da
coletânea que apresentamos algumas reflexões acerca de epistemologias estudadas
e debatidas ao longo do segundo semestre do programa de mestrado em Educação
da Universidade do Estado de Mato Grosso.

Pensamos e escrevemos a partir de variadas e diversas lentes; nosso critério


para compreensão do mundo está comprometido com o pluralismo metodológico e de
ideias. Nos posicionamos contra a construção de verdades absolutas e nos
recusamos a aceitar qualquer absolutismo do discurso. O que queremos, portanto, é
demonstrar algumas destas lentes utilizadas por sujeitos que se debruçaram sobre
temas que nos parecem relevantes para debater questões educacionais no século
XXI.

1
Mestrando em Educação (UNEMAT). Email: nattan.campos@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8267039107831834.
7

A coletânea, que, com satisfação, apresentamos, é resultado de um esforço


conjunto de professores e alunos que ingressaram em 2022 no programa de Mestrado
em Educação da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Campus
Universitário Jane Vanini, localizado na cidade de Cáceres/MT.

Movimentados pelo desejo de produzir um material que servisse de aporte


teórico, 36 (trinta e seis) mestrandos e 11 (onze) docentes internos e externos ao
Programa de Pós-graduação em Educação, se dedicaram a refletir sobre abordagens
epistemológicas na educação e a produzir a dezena de artigos que compõe esta
coletânea.

A coletânea está organizada em três grandes eixos: Teorias da Educação;


Educação Brasileira, Diversidades e Globalização; e Pesquisas em Educação.

O eixo Teorias da Educação é composto por três textos. O primeiro tem por
título Da teoria crítica às teorias pós-críticas: compreendendo o percurso histórico e
conceitual destas correntes teóricas no Brasil, das autoras Benedita Almeida, Claudia
Araújo, Daiany Pereira e Jorge Lima, traz reflexões a respeito das teorias tradicionais
e pós-críticas no campo curricular, tencionando questionar a quem a elaboração do
currículo interessa, quem tem lugar em seu território e se o mesmo é capaz de atender
as diferentes demandas identitárias presente na sociedade. Entre acusações e
defesas da escola: Morin, Bourdieu e Masschelein e Simon, segundo texto de Nattan
Campos, Ualter Rojas, Vanilza Biano e Luciene Neves, apresentam três posições
distintas, mas que podem ser complementares sobre a escola e sua função. O terceiro
texto deste eixo tem por título, A produção do conhecimento científico: movimento
eugenista e a escola pública contemporânea, de autoria de Marizeth Campos, Milena
Queiroz e Sandra Marçal e nos permite relacionar algumas convergências entre o
pensamento eugenista e o pensamento pedagógico brasileiro desde o início do século
XX.

O eixo Educação Brasileira, Diversidades e Globalização traz outros três textos.


O primeiro deles Educação Básica Brasileira: Espaços de ressignificação e resistência
tem Aparecida Barbalho, Carla Rodrigues, Claudinei Silva e Elizeth Lima como autoras
e autores. Neste artigo nos são apresentadas algumas reflexões e discussões sobre
as Metodologias Ativas em face aos instrumentos e recursos tradicionais no âmbito
escolar.
8

Em O lugar das minorias nas diretrizes curriculares nacionais da educação


básica: Algumas reflexões sobre identidade e diversidade de autoria de Neuri Senger,
Rosemeyre Oliveira, Valéria Firmino, Wanderléia Silva e Rosely Romanelli, somos
conduzidos a refletir acerca do lugar de alguns grupos sociais minoritários e/ou
marginalizados dentro do escopo das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica.

O capítulo Refletindo sobre a perspectiva decolonial: A diáspora cultural e a


desobediência epistêmica de Adriana Silva, Zeneide Modesto e Marilda de Oliveira
Costa, constrói a partir de um olhar analítico, a intersecção de identidades sociais, e
sistemas relacionados à opressão, à discriminação e à dominação visando
compreender as contribuições da interseccionalidade.

Para finalizar este eixo, o capítulo Dimensões pedagógicas? Reflexões à luz da


episteme dos estudos culturais no currículo escolar de autoria de Géssica Souza
Lacerda, Jenilson de Aguiar Biano e Rosane Duarte Rosa Seluchinesk tem como
objetivo apresentar reflexões acerca das dimensões pedagógicas à luz da episteme
dos estudos culturais no currículo escolar.

O eixo Pesquisas em Educação é composto pelos quatro últimos textos desta


coletânea. A primeira contribuição é O jogo a luz da fenomenologia de Moura, Marina
Azevedo e João Bressan. Neste capítulo as autoras e o autor lançam mão da
fenomenologia para problematizar perspectivas mercadológicas presentes na
contemporaneidade. O texto seguinte, Aplicação dos princípios marxistas na
educação: A conexão entre trabalho, educação e práxis político-educativa e a
perspectiva da avaliação participativa na transformação social de Addison Corrêa,
Aireno Silva e Beatriz Bühler são desenvolvidas reflexões a partir das contribuições
marxistas para a educação e a formação humana omnilateral.

Jane Silva, José Carlos Arantes, Judite Macedo e Ângela Mello em


Pressupostos relacionados à trajetória da pesquisa educacional no Brasil apresentam
um breve histórico da Pesquisa Educacional no Brasil, sua trajetória desde a década
de 1930 até a contemporaneidade e pressupostos relacionados ao desenvolvimento
da Pesquisa Educacional.

Encerrando o terceiro eixo e a coletânea, Jucileide Ribeiro, Kamila Azevedo e


Sebastiana Souza em Através do olhar da representação: Uma reflexão sobre a
9

cultura e a representação segundo Stuart Hall se debruçam sobre a teoria de Stuart


Hall acerca da representação e da cultura.

Esperamos que esta coletânea tenha vindo em boa hora e que possa ser aos
seus leitores fonte de pesquisa, análise e construção de conhecimento, contribuindo
significativa e positivamente àquelas e àqueles que tomarem esta como referência
para si.
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PARTE I
TEORIAS DA EDUCAÇÃO
11

DA TEORIA CRÍTICA ÀS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS: COMPREENDENDO O


PERCURSO HISTÓRICO E CONCEITUAL DESTAS CORRENTES TEÓRICAS NO
BRASIL

Benedita Gonçalina de Almeida2


Claudia Andreia Gomes Araújo3
Daiany Pereira4
Jorge Luís de Freitas Lima5

RESUMO: O texto visa apresentar breve contexto histórico da Escola de Frankfurt,


Teorias críticas e Teorias pós-críticas de currículo. Apresentando o papel dessas
bases epistemológicas em fazer a crítica a diversos aspectos presentes na sociedade,
dando destaque ao processo de inserção e consolidação no Brasil, enfatizando o
currículo. O artigo tende de instigar reflexões a respeito das teorias tradicionais e pós-
críticas no campo curricular, tencionando questionar a quem a elaboração do currículo
é pensado e direcionado, quem tem lugar em seu território e se o mesmo é capaz de
atender as diferentes demandas identitárias presente na sociedade. O texto discute
aspectos referente as relações entre saber, identidade e poder, valorização da
diversidade e multiculturalismo no campo educacional brasileiro, destacando
propostas de mudanças, relacionadas às práticas, aos saberes e fazeres que
influenciam a cultura da escola e fortalecem a criação de cada sujeito, seja coletivo
ou individual. Para dialogar com o texto, utilizamos como base autores como Silva
(1993), Derrida (1998), Duarte (2004), Paraíso (2004), Lyotard (2009), Silva (2002,
2009), Lopes (2013), Camargo (2014), entre outros autores.
Palavras-chave: Currículo. Teorias Críticas. Teorias Pós-Críticas.

INTRODUÇÃO

Compreender o processo educacional no Brasil é uma tarefa que se tem se


mostrado em constante movimento, visto que as demandas da sociedade vão se
transformando ao longo dos anos de modo a exigir dos atores educacionais
perspectivas teóricas que fundamentem a elaboração de seus planejamentos
educacionais: a definição e compreensão de sua escola teórica.

2 Especialista em Atendimento Educacional Especializado (AEE). Email: benedita.almeida@unemat.br.


Lattes: http://lattes.cnpq.br/9425771893429244.
3 Mestranda em Educação (UNEMAT). Email: claudiaaraujo@pge.ro.gov.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5177187632044193.
4 Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Faculdade Única). Email:
daiany.p@unemat.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5823116602097596.
5 Pós-Doutor pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Email: jorgefreitas@ufam.edu.br.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/8848135440647626.
12

Consideramos pertinente a reflexão apontada anteriormente, uma vez que ao


tratarmos do processo de escolarização trataremos também sobre o currículo, que
tem se colocado como um importante momento de reflexão para os educadores.
Principalmente por estar ocupando cada vez mais lugares de destaque no cenário
educacional brasileiro, nas áreas de conhecimento pedagógico, bem como, por se
constituir de grande importância para o desenvolvimento de uma educação voltada a
formação de cidadãos críticos e reflexivos.
Neste sentido, buscando apontar a importância do processo de construção do
currículo a partir das teorias críticas e pós-críticas no Brasil. Objetivamos instigar os
leitores a refletirem sobre os métodos que utilizam para elaboração e execução de
seus planos de aula, de modo a identificarem a teoria a qual atende as necessidades
das demandas da comunidade escolar e que atendam suas expectativas em relação
ao processo de ensino-aprendizagem.
Assim, a fim de fundamentarmos as discussões realizadas incialmente,
abordaremos neste trabalho alguns dos elementos centrais das teorias críticas e pós-
críticas que se inseriram no contexto educacional brasileiro entre as décadas de 1960
e 1990, respectivamente. Para isso, utilizamos como base para nosso diálogo autores
como Silva (1993), Derrida (1998), Veiga-Neto (2000), Duarte (2004), Paraíso (2004),
Jay (2008), Lyotard (2009), Silva (2002, 2009), Lopes (2013), Camargo (2014), entre
outros, que discutem em suas pesquisas como ocorre o processo de construção do
currículo, a partir de diversas etapas as quais se entrelaçam para a consolidação do
processo de ensino-aprendizagem no Brasil.
Buscaremos estabelecer diálogos com os autores anteriormente mencionados,
de modo que através dos escritos apresentados neste trabalho seja possível
compreendermos a teoria crítica e a teoria pós-crítica de modo a subsidiar as reflexões
pertinentes ao processo educacional brasileiro.

A TEORIA CRÍTICA E A ESCOLA DE FRANKFURT: CAMINHOS HISTÓRICOS NO


BRASIL E O SURGIMENTO DAS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS

Para compreendermos a consolidação dos pensamentos, nos moldes atuais,


teóricos críticos da Escola de Frankfurt no Brasil, precisamos retomar ao texto “Teoria
Tradicional e Teoria Crítica” elaborado por Max Horkheimer (1895-1973) que
apresentou a comunidade científica a ‘teoria crítica’ nos idos de 1937. Ainda nessa
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perspectiva, consideramos importante destacar que a publicação deste manuscrito se


deu por meio da Revista de Pesquisa Social, cuja editoração era de responsabilidade
do próprio autor, Horkheimer. Como mantenedora da Revista de Pesquisa Social
figurava o Instituto de Pesquisa Social fundado em 1923 na cidade de Frankfurt, às
margens do Rio Meno na Alemanha (NOBRE, 2004).
Em Jay (2008) identificamos que a partir da presidência exercida por
Horkheimer, à época com 35 anos, o Instituto passava a assumir a responsabilidade
de redirecionar os rumos em que as pesquisas estavam caminhando, deste modo, a
partir desta reconfiguração é que a instituição passa a obter importantes resultados,
sobretudo na contribuição de métodos não reducionistas nos estudos do campo da
sociologia crítica.
Pesquisadores como Duarte (2004), Nobre (2004) e Jay (2008) destacam em
suas produções que um dos primeiros passos para compreendermos a teoria crítica
inicia pela forma em que se deu seu surgimento, visto que entre o Instituto e a Revista
que davam voz a teórica, encontrava-se um pensador (Horkheimer), além de se
considerar que historicamente o mundo enfrentava a Segunda Guerra Mundial, e
ainda o Nazismo na Alemanha, o Stalinismo na União Soviética, situações que,
segundo Puzone (2022) Horkheimer e seus colegas a se interessarem por “análises
pouco tradicionais, sobretudo para processos sociopsicológicos envolvidos no apelo
de massa de fascismo” (p. 87). Diante desse emaranhado de acontecimentos,
observou-se o despontar de uma sistemática crise mundial de liberdade, e junto a ela
a necessidade de se encontrar novos caminhos, através de uma reflexão rigorosa de
como o mundo havia chegado àquele estado, em que o que se via em todos os lugares
era a predominância da irracionalidade e a manipulação das massas.
Diante desse contexto de destruição da liberdade, manipulação da população
e de uma irracionalidade exacerbada, Horkheimer apresenta uma nova forma de
pensar a realidade de uma maneira crítica. Neste caminho, Duarte (2004) destaca em
produção que durante a gestão de Horkheimer à frente do Instituto, houve importantes
e significativas reestruturações. Como o estabelecimento de metas mais objetivas
quanto à investigação das anomalias do próprio capitalismo burguês gerado a partir
das distorções sociais vivenciadas à época, dentre as quais é possível citar a
desigualdade entre as classes sociais e a opressão aos que eram desprovidos de
condições materiais e culturais.
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Em Wiggershaus (2010) identificamos que embora a teoria crítica fosse


desenvolvida predominantemente por pensamentos filosóficos, sociológicos e
psicológicos, buscava também a um trabalho interdisciplinar. Sobre isso, o autor
pontua em sua pesquisa que “Instituto não desiste das pesquisas eruditas tradicionais,
mas desejava doravante integrá-las em um projeto mais vasto interdisciplinar, sob
uma filosofia da sociedade que retorna à dialética hegeliana” (p. 17). Importa destacar
que essa introdução do trabalho interdisciplinar ocorre a partir de Horkheimer de modo
que norteou as diretrizes do Instituto para que trabalhasse em prol da perspectiva da
interdisciplinaridade.
Em complemento, buscamos em Nobre compreender que:

Horkheimer traçou todo um novo programa de investigação e de


funcionamento do Instituto. Lançou as bases de um trabalho coletivo
interdisciplinar, uma grande inovação para a época. Tratava-se de dar um
sentido positivo ao aprofundamento da especialização no âmbito das ciências
humanas, em que disciplinas como a economia, o direito, a ciência política e
a psicologia ganhavam cada vez mais autonomia e independência. Isto foi
feito de modo a, de um lado, valorizar a especialização em seus aspectos
positivos, e, de outro, garantir uma certa unidade para os resultados das
pesquisas em cada um desses ramos do conhecimento. E essa unidade era
dada justamente pela referência à obra de Marx, razão pela qual essa
experiência inovadora ficou conhecida como “materialismo interdisciplinar”
(NOBRE, 2004, p. 15).

Podemos, a partir das considerações ora apresentadas, podemos apontar que


um dos principais – ou o principal – objetivo da Escola de Frankfurt materializada por
meio da Teoria Crítica, foi a de construir uma rigorosa crítica ao sistema de dominação
experienciado à época, de modo que, os principais intelectuais que compunham o
Instituto, produziam e veiculavam ensaios, artigos e resenhas que buscavam
desenvolver o pensamento crítico na sociedade de modo que percebessem a
inconclusão daquilo que estava posto, e portanto, seguia-se aberto a contribuições
nas linhas de pensamento.
Buscamos em Ribeiro compreender que:

Os temas da liberdade e da racionalidade e o confronto entre o Positivismo e


a Dialética serão considerados fundamentais para a recuperação da reflexão
teórica e o surgimento da Teoria Crítica. Ela tornou-se produto da ação de
intelectuais como Max Horkheimer e Theodor Adorno, Erich Fromm, Walter
Benjamin e, posteriormente, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas, todos
interessados em resgatar o que haveria de melhor na tradição iluminista:
recuperar a razão como forma de emancipação humana (RIBEIRO, 2010, p.
166).
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Nobre (2008) contribuiu com o excerto acima ao destacar que teóricos críticos
como Marcuse, Adorno e Horkheimer – por exemplo, criaram um legado em que se
buscava desenvolver uma crítica em forma de teoria, por meio das pesquisas que
tinham como objetivo:

Partir do entendimento concreto do funcionamento do mundo existente,


detectando os potenciais de resistência e de emancipação nele presentes; os
princípios norteadores da teoria crítica estão inscritos na realidade presente
das relações sociais; historicamente, a “crítica da economia política”, de Marx,
é o primeiro modelo do campo da teoria crítica; as teorias críticas analisam o
funcionamento concreto das coisas (do tempo presente) à luz de uma
emancipação ao mesmo tempo concretamente possível e bloqueada pelas
relações sociais vigentes; é a orientação à emancipação que permite
compreender a sociedade em seu conjunto, o que permite pela primeira vez
a constituição de uma teoria em sentido enfático; a orientação para a
emancipação exige que a teoria seja expressão de um comportamento crítico
relativamente ao conhecimento produzido em condições sociais capitalistas
e à própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender; a
vitalidade da teoria crítica está condicionada à sua permanente capacidade
de analisar o momento histórico presente, devendo reformular-se
permanentemente em vista de novas condições históricas; as contribuições
atuais procuram produzir novos modelos críticos baseados em novos
diagnósticos do tempo e novas reformulações dos princípios fundamentais
da teoria crítica (NOBRE, 2008, p. 09).

Compreendido os aspectos históricos que contribuíram para o surgimento da


Teoria Crítica, e seus principais pensadores, passamos a discutir os elementos
centrais que dão forma a essa corrente. Buscamos em Ribeiro (2010) a reflexão sobre
o surgimento da teoria, de modo que o autor aponta que:

Fundamentada no pensamento dialético, possuidora de um vigoroso poder


de crítica, sem esquecer um só instante da autocrítica, ela é agora
apresentada como essencial no processo do conhecimento. Assim, a Teoria
Crítica quanto à sua natureza, compreende a teoria em quatro aspectos
fundamentais: 1. Compreensão das relações que existem na realidade entre
o particular e o todo, o específico e o geral, o local e o universal; 2. Deve
desenvolver-se como metateoria e reconhecer os interesses que representa,
rompendo com a neutralidade positivista; 3. Servir de base e de apoio ao
poder de crítica e da autocrítica; 4. Tornar indispensável uma relação entre a
teoria e os estudos empíricos (RIBEIRO, 2010, p. 168).

Neste caminho, compreendemos que – em síntese, a Teoria Crítica tem como


objetivo a preservação e materialização dos ideais iluministas baseados na razão
como instrumento de liberação da humanidade de algumas de suas dominações, tais
como: a ignorância, a repressão, a inconsciência, a massificação e a manipulação,
que podem ocorrer tanto individual quanto coletivamente, ou seja, tanto na concepção
individual do ser, quanto da sociedade em geral.
16

Identificados esses importantes elementos históricos da Teoria Crítica


elaborada a partir de pensadores da Escola de Frankfurt, passamos a discorrer sobre
sua chegada ao Brasil. Sobre isso, Camargo (2014) contribui afirmando que:

A teoria crítica da Escola de Frankfurt teve sua inserção no Brasil a partir de


meados da década de 1960, consolidando-se no final da década com as
primeiras traduções de obras de pensadores frankfurtianos, inicialmente
alguns textos de Walter Benjamin e depois Herbert Marcuse e Theodor
Adorno. É possível afirmarmos que dois campos do conhecimento
expressaram fortemente o impacto inicial do pensamento frankfurtiano: o dos
estudos literários e da comunicação. As primeiras referências ao pensamento
frankfurtiano ocorrem a partir de debates quanto à relação entre arte e
sociedade durante os anos 1960. É importante lembrarmos que, já nos anos
1950, os autores frankfurtianos eram minimamente conhecidos
nacionalmente; Chacon (1994, p. 454), por exemplo, afirma ter mencionado
publicamente Theodor Adorno pela primeira vez em 1955 (CAMARGO, 2014,
p. 107).

Observamos a inserção da Escola de Frankfurt no Brasil de modo tardio,


conforme destacado por Camargo (2014), as primeiras menções ao pensamento
frankfurtiano ocorrem em 1955 a partir da utilização da obra The authoritarian
personality de Theodor Adorno, por Vamireh Chacon de Albuquerque Nascimento
durante as aulas que ministrava nos cursos de metodologia ofertados pela
Universidade de São Paulo (USP).
Evidenciados com maior ênfase na década de 1960, os pensamentos
frankfurtianos passam a compor obras publicadas no Brasil passando a influenciar os
intelectuais brasileiros a denunciar o irracionalismo, seja ela como uma prática
política, seja como ruptura epistemológica, também desprendida de consequências
políticas. Dentre os quais podemos mencionar a coletânea elaborada por Roberto
Schwarz em 1965 intitulada A sereia e o desconfiado que traria em seu bojo os
conceitos defendidos por Walter Benjamin, a obra Razão do poema de autoria de José
Guilherme Merquior e publicada ainda em 1965, também trazia elementos do
pensamento do autor alemão. Ambos os trabalhos possuíam como fonte dos
conceitos e debates, o manuscrito de Benjamin traduzido no Brasil pela primeira vez
em 1968 cujo título era A obra de arte não era de sua reprodutibilidade técnica
(CAMARGO, 2014).
Em contribuição, o autor ainda complementa afirmando que:

Apesar de algumas referências a Benjamin já fossem encontradas antes de


1968, por exemplo em Merquior (1965), Schwarz (1965) e Konder (1967), e
17

somente a partir de um conjunto de traduções de textos dos pensadores


frankfurtianos publicadas na Revista Civilização Brasileira que temos maior
divulgação das questões da Escola de Frankfurt. O papel dessa revista,
publicada entre 1965 e 1968, foi fundamental como órgão de reflexão de
intelectuais de esquerda no período, se constituindo, conforme depoimento
de Konder (apud Soares, 1999, p. 89), no principal veículo de publicação de
intelectuais de esquerda naquele momento. O papel histórico dessa revista
na divulgação das ideias de Benjamin, Marcuse e Adorno foi tão importante
que representou um marco no processo de recepção do pensamento
frankfurtiano no Brasil (CAMARGO, 2014, p. 109).

Buscamos em Duarte (2015) compreender que a introdução dos pensamentos


frankfurtianos no Brasil passaram, segundo o autor, por duas fases. A primeira
consistiu na inserção do pensamento crítico a partir do interesse de Herbert Marcuse,
em que compreendia que o materialismo apresentado por Marx já não atendia as
necessidades da sociedade para a compreensão do capitalismo atual, a esta fase se
deu o nome de ‘pré-acadêmica’.
A segunda fase, intitulada de ‘acadêmica’ se materializou no âmbito das
universidades e faculdades de Ciências Humanas, em que os pesquisadores
passavam a utilizar os pensadores da teoria crítica em seus trabalhos. De acordo com
Duarte (2015) essa fase acabou se dividindo em duas subfases, conforme
observamos.

A primeira, a partir do início da década de 1970, estava centrada na


apropriação do pensamento de Walter Benjamin, provavelmente porque, no
entender dos seus protagonistas, seria relativamente mais fácil ocultar os
elementos marxistas de seu pensamento, os quais são, na realidade, muitos
e bastante fortes. [...] Essa subfase se caracteriza pela maior mobilização do
pensamento de Walter Benjamin no âmbito da teoria da literatura e dos
estudos culturais do que no da filosofia. [...] A segunda subfase, por sua vez,
iniciada em meados da década de 1980, apresenta uma clara tendência à
recepção filosófica da Teoria Crítica, encabeçada pelo crescente interesse no
pensamento de Adorno, ao mesmo tempo em que as investigações sobre
Benjamin e também sobre outros expoentes da Escola de Frankfurt, como o
já mencionado Marcuse (agora considerado com maior seriedade pela
academia) ou Max Horkheimer, seguem chamando a atenção de muitos
investigadores, inclusive os mais jovens (DUARTE, 2015, p. 189-190).

Para Duarte (2015) o aumento no interesse dos pesquisadores brasileiros pela


corrente da Teoria Crítica se consolidou ao longo dos anos, de modo que, por
exemplo, até 2010, segundo o autor, cerca de duzentos e cinquenta artigos foram
produzidos tendo como referencial Theodor Adorno, soma-se ainda cerca cinco
dezenas de dissertações e duas dezenas de teses que apresentavam como base o
referido filósofo. Os dados expressos referem-se exclusivamente a Adorno, podemos
18

considerar que os outros pesquisadores tiveram seus pensamentos estudados,


defendidos e referenciado com intensidade similar ao de Theodor Adorno.
Retomando a discussão sobre a receptividade da Teoria Crítica no Brasil,
identificamos em Duarte (2015) que:

Outra característica interessante da recepção da Teoria Crítica no Brasil, no


sentido do estabelecimento de sua “atualidade”, e o que chamo sua
progressiva “capilarização”: a tendência inicial de ela ter sido recebida
somente nas universidades mais tradicionais das maiores cidades do país
está sendo superada, no sentido de que hoje ela é influente não apenas no
sul e no sudeste, como também no norte e nordeste do país, tradicionalmente
mais carentes em termos econômicos. Dado que essas regiões, por outro
lado, são muito ricas em termos da cultura popular “autêntica”, é possível que,
em algum momento deste processo, surjam abordagens muito interessantes
da crítica cultural, tendo em conta modelos alternativos ao da cultura erudita
europeia, que ser viu de base para a crítica adorniana, por exemplo
(DUARTE, 2015, p. 199-200).

Em face aos apontamentos aqui apresentados, podemos tomar as leituras dos


importantes pesquisadores referenciados para podermos concluir que o processo de
inserção e recepção da Teoria Crítica no Brasil, nos desvelou duas ações intelectuais.
A primeira referente ao início da utilização dos conceitos frankfurtianos nas pesquisas
em desenvolvimento e a segunda na ação que busca o desenvolvimento desta
corrente de pensamento, o que demonstra a sua importância frente as demandas
atuais da sociedade.
Embora até aqui tenhamos apresentado, discutido e refletido sobre as Teorias
Críticas oriundas da Escola de Frankfurt, recorremos a Silva (2009) para
compreendermos que com o passar dos anos, determinados autores críticos
passaram a incorporar em suas pesquisas alguns elementos da pós-modernidade e a
partir delas, passaram a questionar a ideia de verdade e de racionalidade plena
anteriormente defendidas. Neste contexto, emergem no Brasil, a partir da década de
1990, as teorias pós-críticas que discutiremos com maior ênfase no próximo subtítulo
deste trabalho.
Os estudos e pesquisas em teorias pós-críticas, política e currículo
movimentam e evidenciam investigações científicas avançadas e multidisciplinares
sobre o assunto que entrou em voga no Brasil a partir do século XXI, apesar de
circundarem a literatura desde os primórdios dos anos de 1990.
Ressaltamos os tópicos, identidades e formação de educadores, literatura,
produção cultural e modos de modo de vida, elegendo tais signos, em suas
19

implicações semiológicas, suas formações discursivas, suas repercussões nas


Ciências Humanas e nos embates epistemológicos dele derivados. Sendo eles fonte
primordial tanto para se avançar nas conquistas científicas da área, como para se criar
condições para a manifestação de novos sujeitos de direito, em suas lutas por
democracia e cidadania cultural no Brasil e nas sociedades contemporâneas,
destacando a importância do desenvolvimento epistemológico na cronologia temporal.
Foi permeando os entendimentos metodológicos e científicos, passando pelo
marco das revoluções iluminista e industrial que se estabeleceram os limites e
enquadramentos mínimos da pesquisa e da ciência. Até a primeira metade do século
XX, tinha-se a percepção de que a realidade deveria se encaixar na teoria e em
consonância as análises realizadas, vislumbrou-se que a educação historicamente
sempre buscava em outras áreas de pesquisas a sua própria área, ou seja, carecia
de especificidade teórica.
As questões relativas à centralidade do sujeito nas pesquisas científicas
tenderam a partir de então compartilhar concepções da não neutralidade da ciência,
buscando explicitar argumentos que justificassem tal compreensão. Suas implicações
a serem evitadas e elucidando a necessidade de uma inovação na postura do
pesquisador, ciente das possibilidades e das reponsabilidades da perspectiva da não
neutralidade, o que conferiria maior credibilidade à práxis científica.
Ferreira Jr. e Brittar (2008) relatam sobre a epistemologia da pós-modernidade
que questiona os paradigmas até então estabelecidos, deixando de estudar as
estruturas gerais e passando a estudar a fragmentação dos indivíduos. Logo, no final
da década de 1980 e começo de 1990 o foco das pesquisas em educação quebraram
os temas generalistas e se voltaram para as especificidades.
Contextualizado as circunstâncias históricas, chegaram-se as discussões
acerca da teoria pós-crítica e currículo que conforme anteriormente mencionado,
possuem algumas marcas importantes como a valorização do significado, a
centralidade da cultura e a linguagem como produção humana.
Desta feita, Azevedo (2017) afirma que o ganho maior da teoria cultural
relaciona-se à capacidade de articular um ponto de vista que abarque
simultaneamente história, economia, política, sociedade e cultura. Para Thompson e
Williams (1979, apud AZEVEDO, 2017), os procedimentos econômicos e políticos é
que organizam a vida social e em contraponto a cultura é o campo por meio do qual
essa organização se expressa no concreto, na forma de um modo de vida real. Assim,
20

de forma particular, a cultura é o modo como a sociedade é concebida e vivida pelas


pessoas, não se tratando de algo “derivado” ou “secundário”, e por esse motivo não
devemos pensar a cultura em situação de desquite com a sociedade.
Lopes (2013) em suas publicações traz à baila os estudos pós-críticos com
ênfase no currículo em um tempo, segundo a própria autora, de fim das utopias e das
certezas, de desmoronamento da ideia de verdade centrada na prova empírica, na
objetividade, na natureza ou na evidência matemática. Surgida em tempos de
explosão das demandas particulares e das lutas das diferenças, de aceleração das
trocas culturais e dos fluxos globais de compressão espaço-tempo.
Williams (1979 apud AZEVEDO, 2017), evidencia que não existe uma cultura
melhor do que a outra, o que existe é apenas cultura, logo não se deve valorizar uma
em detrimento da outra. Apresentando o supracitado conceito é possível afirmar que
o currículo escolar deve abarcar todas as culturas, não tendo que priorizar
determinada área a outra. Como exemplo, a introdução dos estudos clássicos
literários em desprestígio à literatura de Cordel, pois isso acarretaria numa falsa
contradição entre cultura erudita e cultura popular.
É essa provocação que os pesquisadores pós-críticos introduzem no cotidiano
político, no sentido de atentar aos grupos que produzem cultura. Portanto, quem se
alinha aos estudos culturais ou é influenciado por eles, vai sempre ter um
posicionamento muito nítido, qual seja, estar enfaticamente preocupado em conhecer,
perceber, estudar, problematizar e investigar a história desde os porões até a casa
grande.
Para Lopes (2013) esse cenário, usualmente chamado pós-moderno, mas que
também é denominado modernidade líquida, fluida, instável, tardia, leva à construção
de outras formas de compreender o social e em especial no campo do currículo. A
expressão teorias pós-críticas é utilizada para se referir às teorias que questionam os
pressupostos das teorias críticas, marcadas pelas influências do Marxismo, da Escola
de Frankfurt e em alguma medida da Fenomenologia, discussões em que as conexões
entre currículo, poder e ideologia são destacadas.
Apesar de pós-moderno ser uma expressão vaga e imprecisa que tenta dar
conta de um conjunto que problematiza esse cenário de fluidas, irregulares e
subjetivas paisagens, sejam elas étnicas, midiáticas, tecnológicas, financeiras ou
ideológicas, algumas teorias surgiram com terminologias diversas, podendo ser
destacados os estudos pós-estruturais, pós-coloniais, pós-modernos, pós-
21

fundacionais e pós-marxistas, que apesar de serem conectados, referem-se a estudos


distintos, com questões e problemáticas próprias.
Na alçada do pós-estruturalismo autores como Michel Foucault e Jacques
Lacan que a priori eram denotados as pesquisas estruturalistas, acabaram por
questionar suas próprias bases epistêmicas. Apesar de possuírem semelhanças ao
questionar a consciência humana privilegiada e autônoma, estimar a linguagem como
constituinte do social, considerando ainda a cultura em termos simbólicos e
linguísticos e ainda partilharem de uma postura antirrealista e anti-positivista,
possuíam na primazia das questões que relacionam linguística, identidade e
diferenças os seus pontos principais de questionamento.
Ainda em consonância a Lopes (2013) o pós-estruturalismo, todavia, não se
constitui como um movimento ou um conjunto de doutrinas comuns, pois vários foram
os autores que apresentaram noções de suplemento a sua constituição e
consequentemente descartaram a ideia de interpretar o mundo de forma estruturada,
pré-estabelecida e socialmente construídas.
Além dos já mencionados Foucault e Lacan, dentre os principais escritores
cujas obras são frequentemente caracterizadas como pós-estruturalistas destacam-
se também Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Judith Butler, Jean Baudrillard, Julia
Kristeva, Jacques Rancière e Paul Ricoeur, embora muitos deles tenham rejeitado tal
rótulo de "pós-estruturalistas".
De forma agregada ao pós-estruturalismo, constituem-se também as teorias
pós-coloniais, que ao lidarem com a crítica, especialmente de textos literários, dos
efeitos políticos do colonialismo nos países colonizados, sob forte influência do
pensamento Derridiano, propuseram o questionamento das noções hierarquizadas e
verticalizadas entre colonizador e colonizado nas ciências humanas e sociais.
Silva (1993) enfatiza que o pós-colonialismo é um conjunto de teorias que
discute os efeitos políticos, filosóficos, artísticos e literários introduzidos pelo
colonialismo tanto nos países colonizados quanto nos colonizadores, ainda que seus
escritores fundadores dediquem maior atenção às implicações herdadas. Neste
âmbito ainda proliferam a ideia de que a cultura dos países colonizados é apenas um
efeito da opressão colonizadora e opera com a categoria de hibridismo como a
possibilidade de introduzir suplementos nos diferentes mecanismos de tradução, que
fazem com que toda a colonização seja obrigatoriamente uma negociação com o
Outro.
22

No tocante ao campo do currículo em língua portuguesa os principais escritores


e mais citados no pós-colonialismo encontramos Cameron MacCarthy, Edward Said e
Homi Bhabha, que apontaram para a constituição de novas epistemologias e
paradigmas de análises socioculturais, atuando na valorização de saberes não
hegemônicos que provieram dos países periféricos.
Matta (2014) reflete sobre esse processo de teorização do pós-colonial
revelando que as experiências dos “Outros” não europeus foram sistematicamente
marginalizadas da produção científica, por meio da beatificação de formas de
conhecimento produzidas pelos autoproclamados países dominantes. Como
exemplificação a autora destaca que as ciências sociais surgiram para explicar as
sociedades e se institucionalizaram como integrante do currículo nos países
europeus, num momento em que estes detinham diversas colônias. Assim sendo, o
pós-colonialismo busca romper com a história única e eurocêntrica, corroborando as
relações de poder que estão por trás da produção de conhecimento. E para tal feito,
os escritores pós-coloniais almejam desconstruir os “essencialismos” das ideias que
naturalizam a inferioridade dos países que anteriormente eram colônias.
Para Silva (1993) devido ao alcance do pós-estruturalismo, eventualmente
considerado como incorporador de todas as discussões pós-coloniais, bem como a
crítica em comum tanto ao estruturalismo quanto ao empirismo-positivismo, por
diversas vezes esta teorização é ideado como sinônimo de pós-modernidade.
Entretanto, ainda que pelo lapso temporal exista a possibilidade de associação dos
dois movimentos, eles referem-se a sentidos distintos.
Para afirmar tais distinções Lopes (2013) enfatiza que a pós-modernidade pode
ser caracterizada pelo fim do otimismo em relação ao ser humano, diante das
barbáries no século XX, dentre as quais cita as duas grandes guerras, o holocausto,
as bombas atômicas e os genocídios de toda a espécie. Para a supracitada autora, é
por meio da pós-modernidade que se toma forma um movimento que passa a
suspeitar do “Projeto do Iluminismo”, que tinha como princípios a capacidade de
garantir a emancipação humana, no entanto passou a ser pensado como um sistema
de opressão universal em nome da libertação humana.
Nos termos de Lyotard (2009), a condição pós-moderna designa o estado da
cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da
literatura e das artes a partir do final do século XIX e sua temporalidade tende a ser
23

situado nos anos 1950, com uma consolidação entre os anos de 1968 e 1972, quando
a expressão foi cristalizada pela sua obra A Condição Pós-Moderna de 1979.
Lyotard (2009) ressalta ainda em sua obra que as características gerais do pós-
modernismo, podem ser apresentadas por meio da incredulidade perante as
metanarrativas de legitimação da ciência e da ação humana, com as suas pretensões
atemporais, a-históricas, totalizantes e universalizantes da dialética do espírito
(Hegel), emancipação do sujeito racional ou do trabalhador. Para o autor são
colocados em crise conceitos como razão e, portanto, verdade e totalidade, bem como
os conceitos de sujeito, progresso, espaço e tempo linear.
Para os autores da corrente pós-modernista o único consenso é que não existe
a possibilidade de consenso e Lopes (1993) enfatiza que para eles não há autoridade
final, narrativa total e abrangente capaz de explicar o mundo social, não existe a
possibilidade de um lugar objetivo de onde se possa falar e nomear o mundo fora da
história, da linguagem, das construções discursivas, das identidades e experiências,
pois os pós-modernistas privilegiam a heterogeneidade e a diferença como forças
libertadoras do discurso cultural. Assim como valorizam a indeterminação, a
fragmentação, o efêmero, o descontínuo, o caótico, sem pretender definir em nenhum
momento o que há de eterno, universal e imutável nessa dispersão.
A supramencionada dispersão do pós-modernismo acaba por desencadear o
movimento literário do pós-fundacionalismo, que por sua vez, pode ser entendido
como uma reação à fragmentação, ao puro diferir, ou seja, ao caráter anti-
fundacionalista do pós-modernismo. De acordo com Laclau (2000) o pós-
fundacionalismo concordar com a impossibilidade de termos fundamentos fixos,
questionando o objetivismo, valorizando a heterogeneidade, o indeterminismo e o anti-
essencialismo tal como o pós-estruturalismo.
O pensamento desenvolvido por Laclau (2000) tem a intenção de revelar como
a ruptura radical com a epistemologia do fundamento tem consequências significativas
para atingirmos a nossa realidade social, tendo por base a reflexão de que os
fundamentos sociais estão sempre fadados ao fracasso. O referido autor elucida a
ideia de “impossibilidade da sociedade”, aludindo ao contrassenso de ponderarmos a
sociedade como um elemento inteligível e permanente, como algo dado pela força do
tempo, ou como possibilidade de alcançarmos um momento de uma sociedade
uníssona, enquanto uma unidade fundamental de sentido.
24

Contudo o pós-fundacionalismo se apresenta ainda no desenvolvimento do


pós-marxismo, que para Lopes (2013) tanto pode assumir um registro mais geral, no
caso de estudos que afirmam a necessidade de ir além da ortodoxia das leis da
história marxista, como defende Hall, quanto pode referir-se à teoria do discurso de
Laclau e Mouffe, também com grande impacto nos estudos culturais, sendo por alguns
considerados um paradigma nesses estudos.
No campo do currículo escolar que compreende as experiências de
aprendizagens aplicadas pelas unidades escolares e que deverão ser vivenciadas
pelos estudantes. Conforme elucidado nas teorias pós-criticas, os conteúdos a serem
abordados no processo de ensino-aprendizagem e a metodologia utilizada para os
diferentes níveis de ensino devem ser observados sob a perspectiva de algo que
produz uma relação de gêneros, onde se critica a desvalorização do desenvolvimento
cultural e histórico dos diferentes grupos étnicos e os conceitos da modernidade, como
razão e ciência.
Lopes (2013) nos revela que é por meio da teoria que teremos a compreensão
do objeto e intenções de um determinado grupo social e que tal pensamento constrói-
se no âmbito de uma concepção ampliada de política. Apesar de muitos defenderem,
segundo a autora, que estamos fadados a dispersão desmobilizadora devido à
fragmentação curricular e consequentemente a uma era menos politizada, ela afirma
que é exatamente o contrário que vivenciamos, pois a política conectada à cultura
ressignifica o contexto histórico e abre possibilidades infindáveis para a
hiperpolitização.
Assim sendo, o currículo deve contribuir para construção da identidade dos
alunos na medida em que evidencia a individualidade e o contexto social em que estão
inseridos. Além de ensinar um determinado assunto, deve exacerbar as
potencialidades e a criticidade dos estudantes.
Com essa perspectiva, a função das teorias curriculares pós-críticas é
compreender e descrever fenômenos da prática curricular que questionem os
elementos de verdade e de certeza. Além da própria noção de conhecimento a ser
ensinado, o que acarreta embates em torno do que lecionar nas escolas com a
esperança de um mundo melhor incorporado ao ensino, onde se tem consciência da
completa impossibilidade de significarmos esse mundo de uma vez por todas e ainda
assim sabermos da necessidade de investirmos nessa significação.
25

Nesse mesmo diapasão é possível dedicar aos currículos tal prerrogativa, sem
esquecer de sua instabilidade, provisoriedade e precariedade, o que exatamente lhe
traz ares pujantes acessíveis a serem constantemente refeitos de maneiras
imponderáveis.
O processo de colonização no país perdura nos currículos escolares resquícios
de passado colonial responsável pela exclusão, negação e silenciamento de povos,
culturas, saberes e da língua, prevalecendo a visão hegemônica do homem branco,
cristão, heteronormativo e de classe média, mantendo as ausências de saberes e
narrativas de grupos historicamente subalternizados. Em decorrência conjuntura
histórica dos movimentos sociais e políticos ocorridos na década de 60, após a
segunda guerra mundial, a exemplo dos movimentos feministas, movimentos civis em
prol das pessoas negras e homossexuais, movimentos estudantis, início da ditadura
militar e mudanças em vários aspectos da sociedade, abre-se caminhos para pensar
a estrutura vigente da educação de outro modo.
As teorias pós-críticas no Brasil, segundo Paraíso (2004), surgem numa
perspectiva de problematizar o já existente, e no campo educacional brasileiro, vem
para desarrumar o que se encontra posto, significando de outro modo, questionando
a quem serve o currículo, a que tipo de sujeito ele é elaborado e se o mesmo está
sendo pensado a todas subjetividades, identidades e diferenças. Além de focar na
constituição do sujeito e suas formas de subjetivação, enfatiza o que é posto como
verdade na educação, os conhecimentos que são construídos e escolhidos como
desejáveis, e os saberes que são inventados.
A educação sob o viés da teoria tradicional, por muitos anos foi pensada como
uma organização, Silva (2010, p. 23) expõe que Bobbitt defendia que o sistema
educacional precisava definir objetivos, onde o currículo era pensado sob uma visão
mecânica. Bobbitt influenciado pelas ideias de Frederick Taylor, dizia que a educação
era como uma organização e que deveria funcionar conforme os princípios da
administração. Desse modo, o currículo precisava ter objetivos específicos, voltado
para os conteúdos a ser aplicados e as metas de aprendizagens que os alunos
precisavam alcançar. As consequências desse viés da teoria tradicional, pode aqui ser
exemplificada pelo ensino “bancário” criticado por Paulo Freire, onde o sujeito não tem
autonomia, nem criticidade e é um mero receptor dos conteúdos já definidos para sua
aprendizagem, onde os saberes não são questionados e a formação das identidades
dos sujeitos não são priorizadas.
26

As teorias críticas, influenciadas pelo Marxismo, da escola de Frankfurt e da


Fenomenologia, deram destaques para discussões a respeito do currículo, poder e
ideologia, tornando dominantes em meados dos anos 2000, efetuando inversão nas
bases das teorias tradicionais. Posteriormente, surgem as teorias pós-críticas, e com
elas surgem vários questionamentos, Silva e Santos (2020, p. 197), enfatizam que o
currículo pós-crítico preza pela mudança, buscando problematizar e representar os
grupos subalternos marginalizados da sociedade, busca olhar para a diversidade,
tornando-se capaz de propiciar possibilidades outras, caminhos outros, sentidos
outros e uma educação outra.
Diante disso, Silva (2010, p. 16-17) enfatiza que as teorias críticas e pós-críticas
do currículo estão voltadas para as relações entre saber, identidade e poder. De
acordo com o autor, as teorias críticas ao desviar o olhar, antes fixado ao pedagógico
e ensino aprendizagem, para dar ênfase aos conceitos de ideologia e poder, permite
ver a educação de outro modo, por outras lentes. As teorias críticas e pós-críticas
estão envolvidas em questionar, substituindo o “o que” pelo “por que”. Ainda segundo
o autor, enquanto o currículo tradicional estava centrado na questão conteudista e
objetivista, sendo neutro, científico e desinteressado, preocupado com o que o aluno
precisava aprender em determinado espaço/tempo, as teorias pós-críticas centram-
se nos discursos narrativos, surgindo para questionar o já existente, possibilitando
pensar e significar de outro modo, pensar novos sentidos, novas possibilidades.
O currículo, além de estar envolvido na construção das identidades dos
sujeitos, porta de grande poder nas relações e construção social, desse modo precisa
ser questionado. Para Silva (2010, p. 15-16), o currículo está implicado naquilo que
somos e nos tornamos, ou seja, na nossa identidade e nossa subjetividade. Está
relacionado com a questão de poder, por definir, selecionar, privilegiar os
conhecimentos julgados como necessários para cada sujeito. Para Carvalho (2009,
p. 188), pensar o currículo, é pensar em propostas de mudanças que, relacionadas às
práticas, aos saberes e fazeres, implicam em acompanhar as transformações que
influenciam a cultura da escola e fortalecem a criação de cada sujeito, seja coletivo
ou individual.
Nas teorias pós-críticas, o que está presente na sociedade possui significados
e significações que influenciam no campo do currículo. De acordo com Maknamara e
Paraíso (2013), as diversas formas de representações presentes na sociedade,
provocam influência no currículo e no conhecimento dos sujeitos, esses mecanismos
27

entram em conflito com o que é ensinado na escola, a exemplo as redes de televisão,


músicas, brinquedos, redes sociais, jogos etc. Desta forma, o currículo precisa ser
pensado de acordo com as transformações, mudanças da sociedade. Silva e Santos
(2020), expõem que a escola precisa se constituir como espaço que possibilite
diferentes tipos de conhecimentos, que esteja voltada para uma educação
intercultural, e na construção e reconstrução de práticas pedagógicas outras. Para
Arroyo (2015), só é possível a constituição de currículos outros, se as lutas sociais,
culturais e os processos de mudanças estiverem presentes no dia-a-dia das escolas,
sem isto não há educação. A autora evidencia que:

Se a educação é um processo intencional, político em construção histórica o


currículo de formação de docentes-educadores/as e das escolas terá de ser
uma construção histórica política intencional a ser assumida pelos
movimentos sociais e pelos intelectuais que analisam e teorizam essa nova
consciência de mudança. Enquanto essa nova consciência e essas novas
análises não forem traduzidas e incorporadas no cotidiano da consciência
docente e das práticas escolares a educação do campo, indígena, quilombola
não se enraizará (ARROYO, 2015, p. 50).

Um exemplo muito importante dessa construção histórica política intencional


no currículo brasileiro nos últimos anos, foi a alteração da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) pela Lei 10.639/03 que inclui nos currículos escolares e torna
obrigatório o ensino sobre a História da África, dos africanos e afro-brasileiros nas
redes de ensino, evidenciando suas reais contribuições para o desenvolvimento e
crescimento da nação brasileira. Para Marques et al. (2018, p. 21), a Lei 10.639/03
pode ser entendida como símbolo de maior conquista do século XXI, por trazer para
dentro das escolas e ensino superior a discussão de uma história que foi silenciada
no currículo educacional por muito tempo. Silenciamento este que oculta os processos
de discriminação, racismo, violência e exclusão de povos subordinados que não
tiveram lugar na sociedade e nem no território dos currículos.
Diante disso, o currículo precisa incluir as diferenças e valorizar a cultura dos
povos marginalizados da sociedade, como afirmam as autoras:

No espaço escolar, poder compreender o mundo a partir do olhar daqueles


(as) que são marginalizados (as), possibilita confrontar diferentes leituras de
mundo, diferentes perspectivas que podem romper com a ideia do
conhecimento como algo neutro, acabado, intemporal, indiscutível, como
vemos muitas vezes nos livros didáticos (FRANCESCHINI et al., 2017, p. 05).
28

O currículo envolvido na produção social e identitária, precisa incluir a


representação das diversas culturas e diferenças, é essencial pensar o currículo sob
a vertente multicultural e não hegemônico. A respeito disso, Candau (2009, p. 48)
evidencia que é preciso construir práticas educativas, em que estejam incluídos
assuntos que abordem as diferenças e sobre o multiculturalismo, sendo necessário
trazer para dentro do currículo os saberes dos grupos culturais minoritários, grupos
silenciados e excluídos que por muito tempo estiveram ausentes no campo dos
currículos. Em consonância Silva expõe que:

O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo


de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir,
precisamente o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais
conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que “esses
conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados (SILVA, 2010, p.
15).

As teorias pós-críticas do currículo trazem para o debate no campo do currículo,


elementos sociais que possibilitam reflexões e compreensões dos diversos
movimentos, significados e significações compostas nas diversas culturas,
questionando os conhecimentos e sujeitos propostos no currículo. Pensar o currículo
sob perspectiva das teorias pós-críticas, para Paraíso (2004), é repensar o já pensado
na educação e significar de outro modo, criando, produzindo e multiplicando,
apresentando novas possibilidades a um processo de idas e vindas que não é fixo.
Diante disso, é preciso pensar novas perspectivas do currículo na educação, o
sujeito precisa ser pensado como sujeito singular, que transforma e é transformado,
que tem subjetividade e significados. É imprescindível que a escola seja multicultural,
tornando um espaço que possibilite diferentes tipos de saberes e conhecimentos. É
necessário que o movimento seja de dentro para fora, ou seja, que as mudanças
iniciem na composição do currículo, que grupos silenciados estejam presentes nos
currículos, que o mesmo desempenhe seu papel formativo, valorizando as diferenças
e a pluralidade cultural, dando ênfase a todas as vozes.

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31

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32

ENTRE ACUSAÇÕES E DEFESAS DA ESCOLA: MORIN, BOURDIEU E


MASSCHELEIN E SIMONS

Nattan Ricardo de Campos6


Ualter dos Santos Rojas7
Vanilza de Aguiar Biano8
Luciene Neves9

RESUMO: O presente artigo se configura como um estudo teórico acerca de três


posições sobre o que seja a escola e sua função. Primeiro operamos com a visão de
Edgar Morin, demonstrando como o pensamento complexo e a educação planetária
estão ligados a uma possibilidade de escola que esteja para além das segmentações
atuais. Depois ecoaremos a voz de Pierre Bourdieu e da ideia de Capital Cultural
desenvolvida por ele para demonstrar uma importante crítica à escola: A de ser
conservadora. Por fim, discutiremos a partir de Masschelein e Simons a necessidade
de, apesar das críticas que pesem sobre a escola, mantê-la enquanto instituição
pública com vistas a garantir um espaço e um tempo livre para o aprendizado.
Palavras-chave: Pensamento Complexo. Capital Cultural. Escolar.

INTRODUÇÃO

Neste artigo temos como objetivo contribuir com o debate acerca da razão de
ser da escola, a priori do ponto de vista de Edgar Morin. Em seguida, trataremos da
educação na visão de Pierre Bourdieu, Masschelein e Simons.
Esta temática aparece de forma enfática na educação brasileira, visto que a
reflexão que os quatro autores trazem contribuem para pensarmos no grande desafio
de educar a nova geração, bem como a reformulação das metas tradicionais da
educação. Assim, necessita-se de cada vez mais de um novo olhar pertinente sobre
a importância, o significado e os propósitos do ato de educar, que constitui uma pauta
indispensável e, sobretudo, inesgotável, e, por este motivo, necessita sempre ser
retomada em novos horizontes de compreensão.

6 Mestrando em Educação (UNEMAT). Email: nattan.campos@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/8267039107831834.
7 Mestrando em Educação (UNEMAT). Email: ualter.rojas@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3790442489633244.
8 Especializada em Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira (UFMT). Email:
vanilza.biano@unemat.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8762756109802913.
9 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Email:
luciene@unemat.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3879856571281743.
33

Edgar Morin é um filósofo francês, que vem se destacando, desde as três


últimas décadas do século XX, por escrever, de forma inovadora, sobre muitas
questões polêmicas e fundamentais, entre elas a educação. Seu estudo bibliográfico
tem como base os princípios da teoria da hermenêutica (HERMANN, 2002) e da
complexidade (MORIN, 2006).
Desse modo, Morin opta por buscar na hermenêutica a compreensão da
realidade educacional. Nesse sentido, aponta uma série de problemas que estamos
vivenciando, tais como: desregramento ecológico, exclusão social, exploração sem
limites dos recursos naturais, busca frenética e desumanizante do lucro e o aumento
das desigualdades.
Salienta que essa situação nos faz refletir sobre novos caminhos que
colaborem com o futuro da humanidade e do planeta. Para o autor, a situação em que
nos encontramos, o “Desregramento ecológico, exclusão social, exploração sem
limites dos recursos naturais, busca frenética e desumanizante do lucro, aumento das
desigualdades encontram-se no cerne das problemáticas contemporâneas” (MORIN,
2015a, p. 5).
Tudo isso, atinge a economia, as relações humanas e a educação, sendo
assim, cabe a nós repensarmos os caminhos da racionalidade para que futuramente
possam nos orientarmos. Nesse sentido, Martinazzo (2019, p. 404) enfatiza que
refletir sobre o que se pretende com a ação educacional, não é um desafio somente
para o educador, mas sim para toda a comunidade educativa. Morin reconhece que
para educar a nova geração há um contexto desafiador a ser enfrentado, pois para
isso seria necessário reformular as metas tradicionais da educação.
Na visão desse autor, a sociedade e a escola só irá operar com outros sentidos,
passando pelo processo de reforma, também chamado de “metamorfose”, capacidade
de regeneração. Enfatiza que para a compreensão da realidade complexa é preciso
um pensamento do tipo complexo. Explica que esse é o primeiro pressuposto
fundamental para qualquer tipo de reforma, seja das instituições ou das pessoas.
Já na obra Escritos de Educação organizada por Maria Alice Nogueira e Afrânio
Catani (2007) que trata de algumas ideias construídas por Pierre Bourdieu, uma com
toda certeza, merece foco e mais de nossa atenção: O conceito de Capital Cultural.
Não porque seja a principal ideia do texto ou possa ser pensada como melhor em uma
escala hierárquica dos conceitos e ideias produzidos por ele, mas sim porque se
34

relaciona diretamente com o que propomos discutir neste artigo: A escola e a


Educação.
Bourdieu, a partir da ideia do Capital Cultural, nos demonstra de que forma e
com qual intensidade a educação está diretamente vinculada com determinadas
realidades, instituições, culturas e identidades que extrapolam o ambiente escolar.
Ele analisa a educação e o espaço escolar enquanto integrante de uma grande
rede de relações sociais, econômicas, políticas e culturais, devolvendo à escola seu
caráter coletivo mais amplo e trazendo para o centro do debate as determinações
histórico-sociais que produzem um espaço educacional destoante de seus objetivos
mais “puros” e “salvacionistas” de combater e acabar com as desigualdades (nas suas
mais diversas formas).
Dialogando com as análises educacionais apresentadas por Morin e Bourdieu,
procuramos agora discutir sua pertinência para as discussões educacionais atuais e
seus limites enquanto respostas para o que deve ser feito da escola e da educação
hoje.

MORIN: REFORMAR PARA UM PENSAMENTO PLANETÁRIO

Na ótica de Morin (2015a, p.182) o paradigma da complexidade tem o potencial


e pode se constituir em uma plataforma de inspiração e de embasamento teórico,
primeiro para uma reforma do pensamento ou das mentalidades, em seguida para
uma reforma do conhecimento e finalmente para uma reforma da educação.
De acordo com Martinazzo (2019, p.409), as reformas, para serem exitosas,
devem ter uma base de sustentação teórica com viés na complexidade. Para isso,
Morin busca essas bases na Filosofia, na Ciência, na Lógica, enfim, no paradigma da
complexidade. A reforma do pensamento está intrinsecamente interligada com todo o
processo pedagógico e deve ser compreendida como uma precondição e, de certa
forma, como um propósito do ato de educar.
No final do século XX, Morin (2015) começa a divulgar nos seus escritos que a
tarefa da educação escolar é formar um aluno com uma cabeça benfeita, isto é, capaz
de realizar a cidadania terrena, alguém que saiba reconhecer seus direitos e deveres
na sociedade, que seja solidário e responsável. E que seja capaz de ir além do que
lhe foi ensinado, de se auto questionar. E também que saiba organizar os
35

conhecimentos e o pensamento. Pois, ao se referir a teoria da complexidade, na qual


embasa seu pensamento, o autor se refere a capacidade que o aluno deve ter de fazer
a articulação entre os diferentes saberes referentes as disciplinas ou a qualquer
aspecto na vida do ser humano.
Quando Morin (2000) se refere a expressão “cabeça benfeita”, nos tempos
atuais, não pode ter o mesmo significado que Montaigne atribuiu à expressão no início
do período moderno. Para Montaigne (2010), essa mesma expressão seria uma
cabeça cheia de informação (uma mente enciclopédica). Já para Morin (2000a, p. 21),
é mais importante que o aluno saiba lidar com as informações para resolver e tratar
os problemas de ordem transversal.
O autor enfatiza sobre o que é necessário ensinar e aprender, salienta que é
necessário saber se distanciar, saber objetivar, saber se aceitar, saber meditar e
refletir. Acrescenta que é preciso compreender a si mesmo para compreender os
outros. Além disso, faz uma crítica ao ensino atual, que promove a inadequação entre
os saberes fragmentados, em forma de disciplinas, com a realidade e os problemas
que são cada vez mais de ordem polidisciplinar, transversal, multidimensional e
planetária.
Assim, o ensinar a pensar e o ensinar a viver são propósitos complementares
no processo educacional. E esses dois propósitos se desdobram na educação
refletindo na cidadania, na profissionalização, na autonomia, na incerteza, na
multi/interculturalidade e também na diversidade cultural.
Morin (2015b, p. 3) reconhece que de fato falta uma base pedagógica para
desenvolver o que ele tem defendido como complexidade, que é a capacidade de
fazer a articulação entre os diferentes saberes.
Morin conclui: “A missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma
cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça,
ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre” (2000, p. 11). Por fim, reforça
que é papel da escola formar um aluno com uma cabeça benfeita, isto é, com
capacidade de organizar e processar o conhecimento e, que também ensine os alunos
a viverem, oportunizando-lhes estudos sobre a natureza e a condição humana como
pré-requisito para conviverem como concidadãos de uma Pátria-Comum, a Terra-
Pátria.
Diante do exposto, pode-se dizer que para Morin o conhecimento é como se
fosse a reconstrução da realidade. Para ele, a missão da educação para a era
36

planetária é fortalecer as condições para a emergência de uma sociedade-mundo


composta por cidadãos protagonistas, consciente e criticamente comprometidos com
a construção de uma civilização planetária (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p. 98).
Nesse sentido, cada estudante deve ser protagonista, ser consciente, ser crítico
diante de toda e qualquer situação, como por exemplo, diante de uma leitura realizada,
seja literária ou não literária, até mesmo diante das narrativas populares que ouvimos
desde criança, passadas de geração em geração. Como bem salienta Morin, ao
realizar uma leitura literária por exemplo, o aluno deve ser capaz de ir além daquilo
que lhe foi ensinado. Saber ler as entrelinhas, o que não está explícito no texto. Pensar
e refletir sobre os elementos dos textos, o que eles representam para nós? O tempo
e o espaço, onde tudo acontece. Como essa leitura se relaciona com nossa vida
cotidiana, enfim, procurar sempre se auto questionar.

BOURDIEU: O CAPITAL CULTURAL E A REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES

O que é então esse conceito tão importante de Capital Cultural e o que ele nos
apresenta de compreensão possível sobre educação? A primeira coisa que
precisamos levar em consideração na obra, é o fato de que o Capital Cultural é a
forma pela qual Bourdieu vai explicar a existência de ativos culturais com objetivo de
descrever quais são as variáveis (extraescolares) que determinariam o percurso
acadêmico dos sujeitos. Nesse sentido, Bourdieu busca estabelecer possibilidades de
análise de variáveis que indicariam com alto grau de acerto que adulto seria formado
após seu processo de escolarização e formação acadêmica, ou ainda, a busca por
leis, afirmando ainda a possibilidade de que “um modelo que leve em conta essas
diferentes variáveis – e também as características demográficas do grupo familiar,
como o tamanho da família – permitiria fazer um cálculo muito preciso das esperanças
de vida escolar” (BOURDIEU, 1979 apud NOGUEIRA; CATANI, 2007, p. 43).
Levando em conta um processo sistemático e contínuo de transmissão de
determinados ativos culturais (que ocorre segundo Bourdieu por um tipo de Osmose),
algumas crianças, segundo a ideia do capital cultural, teriam um hand cap que seria
cada vez mais elevado quanto mais se reforçasse determinados privilégios enquanto,
na outra ponta, os obstáculos seriam tanto mais aprofundados conforme se
37

acumulassem variáveis excludentes e desiguais dos grupos mais marginalizados e


menos favorecidos na sociedade.
A acusação que Bourdieu faz à escola enquanto espaço de reprodução e
aprofundamento das desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais, parte
da argumentação de que a escola (conforme ele busca descrever) opera com um
conjunto de mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua de crianças
desfavorecidas a partir do aspecto da “experiência escolar” e da “taxa de êxito”,
resultados da herança cultural (BOURDIEU, 1979 apud NOGUEIRA; CATANI, 2007,
p. 41-42).
Em sua compreensão a respeito das heranças culturais, ele vai demonstrar que
há formas diferentes de se pensar os ativos culturais dentro desse guarda-chuva
conceitual que é o Capital Cultural, apresentado em três formas como veremos a
seguir.

As três formas do capital cultural segundo a Teoria Bourdieusiana

Partimos do pressuposto defendido por Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1979


apud NOGUEIRA; CATANI, 2007) de que a escola deve ser constituída como um
ambiente em que o conhecimento seja transmitido democraticamente entre todos os
alunos, não podendo haver distinção. Embora seja esta a ideia de um ambiente
escolar que proporcione aos estudantes a capacidade de se desenvolver intelectual,
cultural e socialmente, Bourdieu critica a estrutura educacional posta, visto que o
conhecimento não é transmitido a todos os alunos como se esperava desta instituição.
Pelo contrário, segundo o sociólogo os alunos de classes mais favorecidas
economicamente trazem em sua formação uma herança, denominada capital cultural
(aqui entendida como o capital de cultura) proporcionado pelas oportunidades
recebidas por este grupo. Antes de prosseguirmos com esta discussão, precisamos
estabelecer um parêntese para facilitar a compreensão: A cultura pode ser entendida
como os valores e significados que orientam e dão personalidade a uma determinada
classe social, ao passo que o capital cultural – segundo Bourdieu, é uma metáfora
usada para explicar como a cultura pode ser entendida como uma forma/moeda
utilizada pelas classes dominantes para acentuar as diferenças.
Ou seja, a cultura passa a se tornar um elemento de dominação, uma vez que
as classes burguesas a utilizam como uma forma de imposição da sua cultura,
38

colocando em dúvida a qualidade dos elementos culturais presentes nas classes


dominadas. Podemos apresentar como exemplo o acesso aos teatros, cinemas,
concertos, entre outros eventos/locais que são limitados aqueles que possuem capital
econômico.
Neste sentido, Pierre Bourdieu observa a escola, local privilegiado de
convivência das diferenças, como principal exemplo de como os diferentes tipos de
capital, notadamente o cultural e o econômico, exercem influência nas disputas dos
sujeitos dentro de um campo. Bourdieu destaca que:

Essa definição tipicamente funcionalista das funções da educação, que


ignora a contribuição que o sistema de ensino traz à reprodução da estrutura
social, sancionando a transmissão hereditária do capital cultural, encontra-
se, de fato, implicada, desde a origem, numa definição do “capital humano”
que, apesar de suas conotações “humanistas”, não escapa ao economicismo
e ignora, dentre outras coisas, que o rendimento escolar da ação escolar
depende do capital cultural previamente investido pela família e que o
rendimento econômico e social do certificado escolar depende do capital
social – também herdado – que pode ser colocado a seu serviço (BOURDIEU,
1979 apud NOGUEIRA; CATANI, 2007, p. 74).

Na medida em que a escola vai se popularizando, num projeto de escola liberal,


e estudantes de diferentes origens sociais acessam o espaço escolar, estimulados
pela promessa de uma escola democratizante que ensine a todos e promete ascensão
social para aqueles que estudem, esse se constitui como um campo de disputas, onde
as diferenças vão influenciar diretamente na trajetória dos sujeitos, reservando a
poucos privilegiados, por serem dotados do capital cultural mais valorizado naquele
campo, uma trajetória de sucesso (BOURDIEU, 1979 apud NOGUEIRA; CATANI,
2007).
Neste caminho, Pierre Bourdieu apresenta três estados do capital cultural: no
estado incorporado, estado objetificado e, por fim, estado institucionalizado. Apoiamo-
nos em Bonnewitz (2003) para definirmos inicialmente os três estados do capital
cultural, conforme observamos a seguir:

O capital cultural, que corresponde ao conjunto das qualificações intelectuais


produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família. Este capital
pode existir sob três formas: em estado incorporado, como disposição
duradoura do corpo (por exemplo, a facilidade de expressão em público); em
estado objetificado, como bem cultural (a posse de quadros, de obras); em
estado institucionalizado, isto é, socialmente sancionado por instituições
(como os títulos acadêmicos) (BONNEWITZ, 2003, p. 53-54).
39

De acordo com a teoria bourdieusiana o capital cultural é um ter que se tornou


ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da “pessoa”.
Aquele que o possui “pagou com sua própria pessoa” e com aquilo que tem de mais
pessoal, seu tempo! Portanto, o estado incorporado se constitui como um capital
“pessoal” que não pode ser transmitido instantaneamente a terceiros (BOURDIEU,
1979).
No estado objetificado o capital cultural surge a partir das possibilidades que o
poder econômico familiar proporciona, como a aquisição de escritos, pinturas,
esculturas, viagens, acesso a diferentes formas de lazer, entre outros. Ou seja, os
bens culturais podem ser acessados por meio da apropriação material oportunizado
pelo capital econômico, além da apropriação simbólica, que pressupõe capital cultural
(BOURDIEU, 1979).
Por conseguinte, o estado institucionalizado o capital cultural pode ser obtido
por meio do diploma de nível superior, conferindo ao portador certa competência
cultural. Neste momento, propomos uma breve reflexão sobre a forma com que o
aparelho estatal trata as diferentes formações, de modo a reproduzir as
desigualdades, por exemplo pela falta de balizamento salarial em que ocorre a
supervalorização de diplomas como os cursos de medicina (reconhecidamente um
curso com acesso facilitado à burguesia, dentre outros motivos pela questão do capital
cultural e econômico) e a desvalorização dos diplomas de licenciaturas (reconhecido
também como um curso destinado às classes economicamente desfavorecidas da
sociedade).
Ao retomarmos a discussão da obra de Pierre Bourdieu, verificamos que o
sociólogo afirma que os alunos e os estudantes de famílias pobres têm todas as
probabilidades de conseguir, no final de uma longa escolaridade, muitas vezes paga
com grandes sacrifícios, nada mais do que um diploma muito desvalorizado. Desta
forma, “a instituição escolar é vista cada vez mais, tanto pelas famílias como pelos
próprios alunos, como um engodo e fonte de uma imensa decepção coletiva: uma
espécie de terra prometida, sempre igual no horizonte, que recua à medida que nos
aproximamos dela” (BONNEWITZ, 2003, p. 221).
Fazendo um link com a obra Razões práticas sobre a teoria da ação de autoria
de Pierre Bourdieu, o sociólogo destaca que:
40

O sistema escolar age [...] à custa do gasto de energia necessária para


realizar a operação de triagem, ele mantém a ordem existente, isto é, a
separação entre os alunos dotados de quantidades desiguais de capital
cultural. Mais precisamente, através de uma série de operações de seleção,
ele separa os detentores de capital cultural herdado daqueles que não os
possuem. Sendo as diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças
sociais conforme o capital herdado, ele tende a manter as diferenças sociais
preexistentes (BOURDIEU, 2011, p. 37).

Ou seja, a herança (e aqui não falamos do capital econômico propriamente dito,


mas daquilo que através dele se pode alcançar) associada ao modelo burguês de
escola, acaba por reproduzir e ampliar as desigualdades dos “excluídos do interior”
em face aos herdeiros das classes dominantes.
Concluímos nossa discussão destacando que segundo os elementos
apresentados nos textos de Pierre Bourdieu (1979), a escola não cobra dos alunos
apenas aquilo que foi ensinado, mas ela cobra dos alunos outras habilidades que são
fáceis para alguns e estranhas para outros, ou seja, ela enfatiza as diferenças.
Portanto, os alunos que não possuem um bom capital da cultura dominante, se
enganam, e pensam que a dificuldade é um déficit de aprendizagem. Aqui podemos
exemplificar essa dominação cultural é a baixa importância dada às disciplinas de arte
e educação física em favorecimento de outras. Assim, a dominação de uma classe
sobre outra se mantém, reproduzindo o que Bourdieu considera violência simbólica
exercida pela escola.

UM ESCUDO PARA A ESCOLA PÚBLICA: COLOCANDO AS CRÍTICAS EM SEU


LUGAR

Ficou nítido, a partir das reflexões trazidas por este artigo que, tanto em Morin
quanto em Bourdieu, a escola é um espaço específico de transmissão de
conhecimentos e saberes. Nos dois autores percebemos a importância da escola
enquanto instituição social de produção de sujeitos. Parece nos também, que, a partir
de ambos os autores, a escola pode ser pensada como tendo uma função teleológica,
uma responsabilidade de transformação social, com a produção de sujeitos
emancipados e verdadeiramente livres. Assim, a escola seria a instituição social, por
natureza, que deveria formar sujeitos a partir de determinadas ações e configurações
que fossem livres de opressão, livres das limitações do conhecimento construído pela
41

sociedade moderna (fragmentado em disciplinas) e rumassem, então, guiando a


sociedade mundial para uma espécie de época superior da humanidade.
Se vista dessa ótica teleológica a escola fica condenada inexoravelmente a
responsabilidade ao objetivo primordial e final de formar verdadeiros guias para a
felicidade mundial, cuidando uns dos outros e do mundo. Nesse aspecto, o aluno seria
então o sujeito central do processo educacional e escolar e o professor aquele que
prepara os “messias” das próximas gerações. Mas, esse é o papel da escola?
Defenderemos primeiro que as críticas de Bourdieu e Morin se mostram
verdadeiras quando direcionadas a escola, mas só o são porque partem de uma
percepção ou pressuposto de escola que se configura dentro de uma ideia de espaço
de evolução humana que deveria nos conduz a uma sociedade ideal. É daí, da ideia,
para nós bastante equivocada, que surgem, não apenas as críticas (às quais nenhuma
instituição deva estar livre), mas que, também, abrem espaços para ataques quanto a
existência da própria instituição.
Nesse ponto, defenderemos que as análises e críticas que resultam dos
estudos de ambos os autores precisam ser postas dentro de limites que para nós,
parecem mais assertivos e de compreensões corretas a fim de que elas não tenham,
como nunca tiveram, um objetivo apocalíptico da escola. Há, portanto, uma fronteira,
um limite que separa o pensamento de uma escola transformada e que busca superar
condições postas e reproduzidas pela sociedade capitalista e a completa erradicação
da própria instituição como alguns possam advogar.
Seria, podemos reconhecer, estranho e contraditório pensar que dois autores
que projetam na escola a possibilidade de produção de um sujeito livre e emancipado
das condições de opressão a que estão sujeitos na sociedade moderna, desejassem
seu fim. No entanto, não é difícil pensar que as críticas direcionadas à escola podem
ser apropriadas por aqueles que defendem uma escola corrompida, capturada e
cooptada por outros interesses políticos, sociais e econômicos que desvirtuam sua
mais importante função, ou mesmo por sujeitos que, pregando seu fim, entendem que
elas podem ser substituídas por formas e vivencias da realidade social moderna, como
se na escola, nada houvesse de diferente ou de específico.
Conforme Masschelein e Simons (2014), a escola sofre recorrentes acusações,
que poderiam servir de fundamento para uma militância que visasse seu fim.
Acusações como a de Alienação, consolidação de poder e corrupção, desmotivação
da juventude, falta de eficácia, falta de empregabilidade ou até mesmo de
42

redundância. Cada uma dessas acusações observa a escola a partir de determinados


critérios que justificariam sua existência ou não, bem como suas metas e métodos.
Se em Bourdieu percebemos a escola vista a partir dos resultados que ela
promove (de reprodução e conservação do status quo), e por isso ela é criticada como
não sendo ou não promovendo alterações que busquem uma sociedade mais justa,
igualitária e equitativa, em Morin, a escola recebe sua parcela de crítica por ser
observada como herdeira de uma certa forma de pensar o mundo que já não se
adequa a realidade mundial, ou seja, a escola já não está atualizada com o momento.
A escola sempre foi perseguida por interesses que tentavam moldar a
sociedade segundo determinados critérios de verdade e de idealismos. No entanto,
não é nesse anseio que a escola surge nas cidades-estados gregas (onde tem sua
origem) e nem deve ser assim nos dias atuais ou, do contrário, a conclusão lógica
será sempre a de uma escola que por um motivo ou outro, é incapaz de ser o que,
baseado nesses critérios, precisaria ser.
Masschelein e Simons nos chamam a atenção para o fato de que:

Foi sorte da escola, ao longo da história, ter escapado da censura definitiva


por juiz ou júri, ou de ter sido privada de seu direito de existir. Ou, mais
propriamente, durante uma grande parte da história, os esforços para punir
as transgressões da escola foram correcionais: a escola era algo a ser
constantemente melhorado e reformado (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p.
10).

Defendemos, portanto, que a escola não deve ser vista a partir de critérios
teleológicos de uma sociedade ideal, de uma possibilidade metafísica que se
materializaria, como se os alunos estivessem sendo preparados para a construção de
um mundo de seres humanos livres, de uma sociedade igualitária e equitativa
previamente estabelecida pelas gerações anteriores.
A escola é antes de qualquer outra coisa – e é isso que defendemos, um
“espaço e um tempo” em que as novas gerações podem desfrutar de uma
democratização do tempo de aprender, do espaço de aprendizagem e do conteúdo a
ser aprendido, onde as expectativas e os caminhos previamente estabelecidos pelas
velhas gerações não se tornem a métrica para a existência ou o gabarito único de
avaliação aos quais se recorreria para justificar ou não a sobrevivência da escola.
Queremos dizer com isso que, desde a Grécia Antiga a escola é um
espaçotempo de possibilidade de usurpação de privilégios pertencentes a elite e,
43

mesmo que as críticas de Bourdieu e Morin tenham razão de refletir e denunciar os


aspectos, ferramentas e processos de manutenção de privilégios existentes na escola,
precisamos reconhece-la também como um espaço de suspensão onde “os requisitos,
tarefas e funções que governam lugares específicos, tais como a família, o local de
trabalho, o clube desportivo, o bar e o hospital, já não se aplicam”, ou seja, “na escola,
o tempo não é dedicado à produção, investimento, funcionalidade ou relaxamento.
Pelo contrário, esses tipos de tempo são abandonados. De modo geral, podemos
dizer que o tempo escolar é o tempo tornado livre e não é tempo produtivo”
(MASSCHELEIN; SIMONS. 2014, p. 23).
Não estamos dizendo que a escola não precise se reformar, não precise ser
adequada aos tempos aos quais pertence e as sociedades nas quais está inserida.
Não nos opomos às críticas como forma de aprimorar o escolar. Mas defendemos que
as críticas direcionadas à escola sejam todas a partir do pressuposto de que a escola
é esse espaço - tempo de liberdade e de renovação, sem que ela seja capturada por
interesses ou grupos que a corrompam naquilo que a torna exatamente o que ela é.
Defendemos que a escola seja, portanto, skholé.

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45

A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: MOVIMENTO EUGENISTA E A


ESCOLA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

Marizeth de Amorim Campos10


Milena Luiza Lucas Queiroz11
Sandra Francisca Marçal12

RESUMO: Neste trabalho, o movimento social da Eugenia no Brasil, baseada nos


conceitos de melhoramento racial e sociedades superiores, com base central em
Francis Galton foi correlacionada a escola pública contemporânea. A eugenia carrega
o conceito que substituiria a educação, ao mesmo tempo em que serviria de base para
a educação individual. O artigo foi desenvolvido de acordo com a proposta da
disciplina de Teoria da Educação do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em
Educação da Universidade do Estado de Mato Grosso (PPGEdu/UNEMAT), e trata do
movimento eugênico na educação e a relação com os princípios da escola pública
contemporânea. Assim, se relaciona algumas convergências entre o pensamento
eugenista e o pensamento pedagógico brasileiro desde o início do século XX, tendo
como pressuposto a visão marxista. Inúmeros estudos têm sido realizados no Brasil
e no mundo para melhor compreender o fenômeno da eugenia, o discurso envolve
por meio de revisões teóricas, a relação no corrente descaso com o valor do
conhecimento científico, e os aspectos da influência dos ideais eugênicos na
constituição da escola pública contemporânea.
Palavras-chave: Educação. Eugenia. Conhecimento Científico. Escola Pública
Contemporânea.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, houve diversos avanços no campo da educação, permitindo


conhecer e aprender alguns fundamentos que levam a refletir diante dos processos
históricos evolutivos da humanidade e como os estudos em educação, a produção
científica voltada para repensar a produção de conhecido e a prática em educação
tem possibilitado enxergar correntes eugênicas no Brasil. Levando em consideração
todas as formas de saber, é possível desmistificar através de algumas contribuições

10 Mestranda em Educação (UNEMAT). Email: marizeth.amorim@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/1506903886872807.
11 Mestranda em Educação (UNEMAT). Email: luiza.lucas@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8284441633684957.
12 Pós-Doutora em Ciências Ambientais (UNIC). Email: sandraabio@gmail.com. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2954298659719862.
46

filosóficas permeadas entre as denominadas Era Clássica e Era Contemporânea, e


direcionando o estudo do conhecimento e a ciência, ampliando discussões em torno
da educação e a eugenia nas escolas públicas.
Diante dessas discussões observadas, sobre o conhecimento científico, nota-
se a relevância de três principais correntes teóricas, estando dentre elas o positivismo,
e a fenomenologia, dando ênfase ao Materialismo Histórico-dialético, por ser mais
próximo do cenário social e educacional que emergia no começo do século XX.
O entendimento acerca do fenômeno da eugenia tem sido objeto de vários
estudos no Brasil e no mundo. No Brasil, particularmente, as questões raciais sempre
tiveram grande destaque, principalmente no final do século XIX e começo do século
XX, dando abertura para pensar e praticar mais nos modelos de colonização
implantado no país e à miscigenação advinda do “melhoramento da raça”. Essa ideia
foi se fortalecendo e dando ênfase na sociedade brasileira, interferindo nas escolas,
manifestando conexão entre a noção de raça e a de ciência. Como afirma Gualtieri
(2008), “um movimento que se alastrou como “fogo no capinzal” em países europeus,
latino-americanos e nos Estados Unidos especialmente porque por onde passou
correspondeu a ‘desejos’ e a ‘necessidades imediatas’ [...]”. No Brasil, não foi
diferente, principalmente na questão da Seleção para a regeneração e a educação
eugênica.
O presente artigo desenvolve uma reflexão sobre a educação no Brasil e a
influência do movimento eugenista baseada nas “experiências” de Gualtieri, que
Renato Kehl e muitos cientistas e teóricos do Brasil, foram capazes de mudanças de
paradigmas na sociedade, como essas ideias percorrem até a escola contemporânea.
As diversas exclusões sociais que existiram no Brasil ao longo de sua história em
diversas esferas da sociedade, principalmente na educação, assim, um movimento
global de natureza discriminatória, ainda gera influências diretas ou indiretas para o
processo educacional no Brasil.
Entender a partir dessa reflexão, como o Brasil, a partir de uma democracia
racial se tornou o mito norteador da nação durante a maior parte do século XX, e como
essa instituição social se construiu a partir dessa narrativa histórica. O presente artigo
também analisa obras utilizadas durante o percurso das aulas da disciplina Teoria da
Educação do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Educação da
Universidade do Estado de Mato Grosso (PPGEdu/UNEMAT).
47

Ao passear sobre a evolução do conhecimento científico, vimos como esse


processo pode nos fornece os pressupostos teóricos e metodológicos para o
desenvolvimento deste. Durante todo o processo do estudo, nos amparamos por
leituras que contribuíram para a formação desse trabalho e, assim, fundamentar o
trabalho através dos autores como: Alves (2001), Bello (2006), Gualtieri (2008), Köche
(2011), Moreira (2006), Triviños (1987), entre outros. Assim, a fim de expor as obras
que foram analisadas e discutidas no decorrer das aulas, realizamos um breve recorte
apontando algumas convergências entre o pensamento eugenista e o pensamento
pedagógico brasileiro do início do século XX, tendo como pressuposto a visão
marxista.

O PROCESSO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

No campo da educação, a ciência visa fornecer conhecimento que pode ser


aplicado tanto no processo de ensino e aprendizagem quanto em iniciativas de
alcance comunitário por meio da disseminação e transferência de tecnologia.
Atualmente, muito se discute sobre esse tema na literatura, pois ainda existem
cientistas que rejeitam o conhecimento comum, acreditando que apenas o
conhecimento produzido em laboratório, ou, aquele conhecimento que é observado,
testado e analisado minuciosamente para ter validade e valor.
Como os interesses sociais históricos entram em conflito, diante das relações
sociais nas escolas, constituindo elementos que interligados determinam a dinâmica
das relações de poder no campo educacional. Köche (2011) trata o senso comum,
como resultado da necessidade de resolver os problemas diários não sendo, portanto,
antecipadamente programado ou planejado.
À medida que a vida vai acontecendo esse conhecimento vai se
desenvolvendo, seguindo a ordem natural dos acontecimentos. Nele, há uma
tendência de manter o sujeito que o elabora como um espectador passivo da
realidade, atropelado pelos fatos. Por isso, o conhecimento do senso comum
caracteriza-se por ser elaborado de forma espontânea e instintiva.
Pode-se destacar alguns filósofos que são clássicos e que permearam nossos
estudos como Sócrates, Platão, Aristóteles entre outros que desempenharam
fundamental importância para a evolução do pensamento humano. Os Gregos foram
os precursores do pensamento científico e desenvolveram o exercício da atividade
48

intelectual, do questionar, no sentido de querer conhecer as causas, conhecer sobre


os fenômenos naturais, questões relacionadas ao universo, a natureza da vida e da
forma de raciocinar.
A concepção de mundo apresentada por alguns filósofos, em destaque
Aristóteles (384-322 a.C.), um dos personagens mais importantes, sendo que a
concepção por ele apresentada, durou 2.000 anos.

O método aristotélico consiste em analisar a realidade através de suas partes


e princípios que podem ser observados, para, em seguida, postular seus
princípios universais, expressos na forma de juízos, encadeados logicamente
entre si. Dessa forma o modelo aristotélico propõe uma ciência (episteme)
que produz um conhecimento que pretende ser um fiel espelho da realidade,
por estar sustentado no observável e pelo seu caráter de necessidade e
universalidade. Desenvolve um conhecimento da essência das coisas e das
suas causas, respondendo às perguntas o que é? e por que é? A ciência
aristotélica manifesta-se com uma ciência do discurso, qualitativa, que
proporciona um conhecimento universal, estável, certo e necessário, tal qual
propunham os pré-socráticos. O conhecimento verdadeiro deve satisfazer os
critérios da justificação lógica: deve ser demonstrado com argumentos que
sustentam a certeza e tornam evidente a sua aceitação em função da
coerência lógica de suas afirmações com os princípios universalmente
aceitos (verdade sintática) (KÖCHE, 2011, p. 47).

Neste sentido, o modelo aristotélico propõe uma ciência a qual produz um


conhecimento que pretende ser um fiel espelho da realidade, porque se sustenta no
observável e pelo seu caráter de necessidade e universalidade. Sendo o
conhecimento científico demonstrado como certo e necessário através de
argumentação lógica, em que o valor de uma explicação estava no poder
argumentativo, a ciência grega se pautava no discurso que mais adiante foi
questionada a partir do século XV e principalmente no século XVII, “pela revolução
científica moderna, que introduz a experimentação científica, modificando
radicalmente a compreensão e concepção teórica de mundo, de ciência, de verdade,
de conhecimento e de método” (KÖCHE, 2011, p. 49).
O modelo de fazer ciência que antes se apresentava não conseguia mais
atender as necessidades e os questionamentos que emergiam na Idade Média, no
qual os métodos de investigação e explicação no campo das ciências naturais
conduziram a tentativa de usar métodos matemáticos como experimentais. Momento
esse de muitas mudanças que revolucionou a ciência do século XVII. Que
contrapunha a ciência grega e as imposições religiosas que imperavam na época.
49

Triviños (1987), destaca em sua obra aspectos primordiais para o


desenvolvimento metodológico e tendencial que surgiu da observação e se
concretizam nas pesquisas educacionais, enfatizando a necessidade da decisão
ontológica e gnosiologia do pesquisador, trazendo conceitos fundamentais das
principais abordagens epistemológicas do pensamento contemporâneo, sendo elas:
o positivismo, a fenomenologia e materialismo histórico-dialético baseado em Marx,
levando em consideração os conhecimentos precedentes e as construções
epistemológicas das abordagens mencionadas no sentido de que uma supera a outra
através de seus ideais.
É notório que o conhecimento científico exige rigor para que suas proposições
sejam consistentes e compreensíveis. A Eugenia teve um importante papel
organizador e motivador no campo da educação pública, promovendo essas políticas
e práticas educacionais, formando conexões e discussões entre disciplinas e novas
áreas de pesquisa científica, compreendendo as etapas de procedimentos e correntes
metodológicas.

A CORRELAÇÃO DA EUGENIA E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NO


BRASIL

Diante de um movimento social formado nas primeiras décadas do século XX


e liderado por uma elite intelectual menor, que lutou tenazmente pela implantação do
ensino da ciência do melhoramento racial no Brasil, entende-se a necessidade da
compreensão da correlação da eugenia e produção de conhecimento na educação no
Brasil, reflete em correntes epistemológicas. Neste seguimento, os teóricos
eugenistas frequentemente enfatizavam a necessidade de se engajar em iniciativas
educacionais para ampliar a compreensão de todos sobre Eugenia.
O Positivismo reflete essa corrente, ao não aceitar outra realidade que não seja
os fatos, assim, os fatos que podem ser observados, não interessando as causas dos
fenômenos, baseava-se no conhecimento objetivo, ou seja a “objetividade científica”
na qual privilegiava determinadas estratégias em que o conhecimento deixa de ser
subjetivo. Esse conhecimento alheio a qualquer traço de subjetividade, foi capaz de
eliminar as perspectivas de colocar a busca cientifica ao serviço das necessidades
humanas, não se interessa em conhecer as consequências dos dados obtidos.
Triviños (1987, p. 37), destaca que “a ciência estuda os fatos para conhecê-los, e tão
50

somente para conhecê-los, de modo absolutamente desinteressado”, tendo como


premissa a neutralidade científica, como “papel exprimir a realidade e não julgá-la”.
Todas essas características fizeram com que Escola Positivista se tornasse
inviável para atender os anseios e os diversos aspectos das ciências, abrindo
caminhos para a Fenomenologia como uma escola filosófica iniciada na Alemanha no
final do século XIX e primeira metade do século XX, pensada por Edmund Husserl
(1859-1938), que criticava as ciências positivistas e apresentava como proposta
descrever o fenômeno, voltado para as coisas mesmas, ou seja, ao mundo da
experiência, partindo da descrição e interrogação sobre o mesmo, correspondendo a
um método nem dedutivo nem empírico, mas que consistia na reflexão sobre o
fenômeno apresentado.
Bello destaca a Fenomenologia como uma palavra:

[...] formada de duas partes, ambas originadas de palavras gregas, como


sabemos. ‘Fenômeno’ significa aquilo que se mostra; não somente aquilo que
aparece ou parece [...] e ‘Logia’ deriva da palavra logos, que para os gregos
tinha muitos significados: palavra, pensamento (BELLO, 2006, p. 17).

Neste sentido, podemos pensar a fenomenologia como reflexão sobre um


fenômeno ou sobre aquilo que se mostra. Nessa perspectiva, Husserl possibilita
perceber a Fenomenologia como um método, em que compreender os fenômenos
implica em definir um caminho e para isso a compreensão do sentido das coisas
propões duas etapas.
A primeira etapa consiste em buscar o sentido dos fenômenos, a redução
eidética que corresponde a busca pela compreensão e o sentido das coisas, embora
nem todas as coisas sejam compreensíveis e para Husserl o importante não é
compreender o fato, mas o sentido do mesmo, não bastando somente dizer que ele
existe.
A segunda etapa é a redução transcendental, que consiste em identificar como
o sujeito busca o sentido das coisas, fazendo uma reflexão sobre si, quem somos,
sendo a análise do sujeito o ponto de partida para a investigação. Dessa forma Bello
(2006) aponta que ter consciência dos atos corresponde as vivências e, portanto,
teríamos dois níveis de consciência, a dos atos perceptivos e dos atos reflexivos, a
autora afirma ainda, que os seres humanos percebem o que estão fazendo através
51

das reflexões, por isso, constitui-se como uma vivência humana, e a consciência é a
dimensão com a qual registra-se os atos.
De acordo com Triviños (1987), a Fenomenologia enfatiza a ideia de que a
realidade é construída socialmente e a educação sendo vista como agente da
socialização, elevando a importância do sujeito no processo da construção do
conhecimento.

A fenomenologia, sem dúvida, representa uma tendência filosófica que, entre


outros méritos, parece-nos, tem o de haver questionado os conhecimentos
do positivismo, levando a importância do sujeito no processo da construção
do conhecimento. Na pesquisa educacional, através especialmente de
estudos de sala de aula, permitiu a discussão dos pressupostos considerados
como naturais, óbvios. Mas o esquecimento do histórico na interpretação dos
fenômenos da educação, sua omissão do estudo da ideologia, dos conflitos
sociais de classes, da estrutura da economia, das mudanças fundamentais,
sua exaltação da consciência etc., autorizam a pensar que um enfoque
teórico dessa natureza pouco pode alcançar de proveitoso quando se está
visando os graves problemas de sobrevivência dos habitantes dos países do
Terceiro Mundo (TRIVIÑOS, 1987, p. 48).

Diante do exposto, levando em consideração a evolução dos processos


históricos em que a construção dos conhecimentos contemporâneos buscavam
atender as necessidades e os problemas em todas as ciências, podendo ser
compreendido a partir de diferentes abordagens. "A dialética pode ser uma delas,
assim como, mais especificamente, o materialismo histórico-dialético, ou a dialética
marxista" (PIRES, 1997, n.p.).
A autora Gualtieri (2008), possibilitou a amplo entendimento sobre a dimensão
social e educacional que aconteceu naquela época no mundo e principalmente na
sociedade brasileira, destaca que a palavra “eugenia” tem pouco uso, e é pouco
conhecida em nosso mundo contemporâneo. Dizendo que:

De fato, a “consciência vigilante” agiu deliberadamente para tentar riscar da


memória a barbárie associada à eugenia, porém, à medida que o passado
recente é revirado, percebem-se os mitos que foram construídos para
preservar a ciência, os cientistas e intelectuais. Por exemplo, um dos mitos é
o de que a eugenia foi uma pseudociência, mas os registros históricos não
dão suporte a essa interpretação; ao contrário, revelam que a eugenia esteve
ligada ao desenvolvimento da genética (GUALTIERI, 2008, p. 106).

É perceptível que o “Manifesto da Escola Nova” de 1932, apoiado por diversos


intelectuais, ainda suportava um sistema educacional seletivo e excludente.
Infelizmente, podemos dizer que a seleção e exclusão permanece até hoje na
52

realidade educacional, em pleno século XXI. Mas, é visto que a sociedade brasileira,
obteve alguns avanços científicos e educacionais ao longo dos tempos. Uns dos
avanços principais está através de projetos e leis onde preocupa com ase valorização
da Diversidade nas escolas, práticas relacionadas ao tema da igualdade racial e da
equidade na educação, em especial que aborde processos da Lei 10639/2003-
11645/2008.
Para este pensador, só foi possível a partir da reinterpretação do pensamento
dialético de Hegel. A separação sujeito-objeto, promovida pela lógica formal, não
satisfazia a estes pensadores que, na busca da superação desta separação, partiram
de observações acerca do movimento e da contraditoriedade do mundo, dos homens
e de suas relações.
O método dialético que desenvolveu Marx, o método materialista histórico-
dialético, é método de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis. A
reinterpretação da dialética de Hegel (colocada por Marx de cabeça para baixo), diz
respeito, principalmente, à materialidade e à concreticidade. Para Marx, Hegel trata a
dialética idealmente, no plano do espírito, das ideias, enquanto o mundo dos homens
exige sua materialização. Neste sentido, Triviños (1987) contribui afirmando que:

O pesquisador que segue a linha teórica baseada no materialismo dialético


deve ter presente em seu estudo uma concepção dialética da realidade
natural e social e do pensamento, a materialidade dos fenômenos e que estes
são possíveis de conhecer [...]. Não é possível, porém, para o pesquisador,
imbuído de uma concepção marxista da realidade, realizar uma investigação
no campo social, e especificamente na área educacional, se não tem ideia
clara dos conceitos capitais do materialismo histórico: estrutura das
formações socioeconômicas, modos de produção, força e relações de
produção, classes sociais, ideologia, que é a sociedade, base e
superestrutura da sociedade, história da sociedade como sucessão das
formações socioeconômicas, consciência social e consciência individual,
cultura como fenômeno social, progresso social, concepção do homem, ideia
de personalidade, da educação etc (TRIVIÑOS, 1987, p. 73).

Diante do exposto, Triviños (1987) enfatiza que ao traçar uma pesquisa de


cunho materialista dialético existem procedimentos que orientam o conhecimento do
objeto, sendo eles a “contemplação viva” do fenômeno, como etapa inicial do estudo;
a “análise do fenômeno”, em que se observa os elementos ou as partes que o integram
e a “realidade concreta do fenômeno” que estabelece aspectos essenciais do
fenômeno, seu fundamento, sua realidade e possibilidades, conteúdo e forma etc.
53

O MOVIMENTO DA EUGENIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Primeiramente, descrevemos aqui neste artigo o conceito da palavra “eugenia”,


que segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa (SCOTTINI, 2009, p. 254),
significa: “tese para aprimorar a raça humana, afim de preservar os melhores.” Essa
tese, foi mantida no sistema educacional brasileiro no começo do século XX, até a
década de 30, selecionando os “melhores” de forma eficiente e rápida.
O sistema educacional no Brasil nos anos 30, foi praticada através de seleções
entre seres humanos, seguindo a teoria de Galton que por sinal era primo de Darwin,
tinham como ideologia que pessoas extraordinários e de pele clara teriam filhos
extraordinários, homens notáveis tem filhos notáveis.
A eugenia, entendida como um movimento social, e formada diante de um
conceito desenvolvido na Inglaterra em 1883 que se espalhou para outros países no
início do século XX, principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha. Se baseando
na prática de seleção natural humana por meio de casamentos arranjados (quais as
características que é melhor para garantir que os filhos saem branca, encontrar um
marido inteligente para que o filho seja inteligente), seriam características positivas
das pessoas, (isso para eles). Mas a teoria de Galton mudou a história da ciência,
porque na época, no Brasil, em todo o mundo, estavam sendo abraçados por ideias
da teoria da eugenia.
No início do século passado o Brasil estava querendo imitar os países
europeus, a maior parte das pessoas pobres e negras, o racismo era mais visível. Mas
mesmo antes de Galton publicar seus primeiros trabalhos, já se discutia muito sobre
a seleção de raças melhores, como as que deveriam ser reproduzidas, e raças
inferiores, como as que deveriam ser eliminadas. Considera-se então, que Galton
seguiu um caminho científico seguindo as teorias e discussões de sua época.
O Brasil foi o primeiro país da América Latina que começou a pesquisar e
aplicar a eugenia, tendo várias campanhas de higienização sanitárias, concursos de
beleza de bebês, educação sexual, principalmente voltada às pessoas pobres. No
pensamento de Renato Kehl, a educação não é uma questão passada, ao contrário,
está sendo reavaliado à luz das novas ideias eugênicas adotadas.
Diante do contexto, intensificado pelas expectativas de progresso nacional, a
eugenia atraiu a atenção de intelectuais de áreas diversas, que se dispuseram a
debatê-la e relacioná-la com questões que reconheciam à época, como a
54

determinação das causas do atraso nacional e as formas comprovadas


cientificamente seguras, para viabilizar soluções que variavam, em função de
perspectivas teóricas e ideológicas. Resultaram em várias ideias sobre herança,
convergências e divergências, bem como várias metodologias, incluindo empirismo
experimental e análise estatística.
Para Kehl, a educação escolar seria o principal responsável para a
conscientização dos indivíduos para o melhoramento racial na quela época, dizendo
que “[...] a formação de um ideal como o da eugenia precisa iniciar-se na escola. A
criança deve começar a aprender, desde muito pequena, o verdadeiro papel que
representa como célula cooperadora do grande organismo coletivo” (KEHL, 1933, p.
217 apud GUALTIERI, 2008, p. 99).
A eugenia teve um importante papel organizador e motivador no campo da
educação pública, promovendo práticas educacionais, afim de educar com seus
seguimentos, conscientizando sobre o iminente perigo da miscigenação e priorização
da educação dos indivíduos que carregam um potencial para habilidades comuns em
sua família geneticamente.
Ainda na concepção de Renato Ferraz Kehl, que estava utilizando o sistema
educacional do Brasil para mostrar que só através de seleção humana que o País
teria uma “raça” branqueada, que ainda iria possibilitar a melhoria da higiene pessoal
e social. A eugenia foi compreendida como uma espécie de higiene racial destinada a
orientar as classes populares em direção à saúde e maior produtividade no trabalho.
Essa educação deveria ser continuada nas escolas, tendo como principal disciplina a
biologia para ensinar aos alunos a educação sexual, porque através deste, seria a
melhor maneira da sociedade se conscientizar e proceder ao melhoramento racial. O
mesmo, era também defensor também da disciplina da Educação Física, para que
todos pudessem ter uma postura corporal reta e bem formada.
Assim, seguindo Gualtieri (2008, p. 100) “[..] a Constituição Brasileira de 1934
ter feito constar no artigo 138 a seguinte redação: Incumbe à União, aos Estados e
aos Municípios, nos termos das leis respectivas, estimular a educação eugênica”.
Essa lei foi aprovada e exposta na nossa Constituição na época, demonstrando como
era a “mentalidade política” naquele século.
Sendo assim, a frase “Educar para Selecionar”, sempre partiu da ideia de que
a seleção dos princípios do agrupamento nas salas de aulas estava de acordo com o
desenvolvimento daqueles alunos mais branqueados, e ditos “mais inteligentes”.
55

Esse princípio estava contido nos artigos 446 e 447 da lei da Reforma do
Distrito Federal de acordo com os quais a organização das classes deveria
obedecer ao critério de “seleção dos alunos por suas aptidões mentais”, ou
seja, era a “escola sob medida” em que os alunos seriam classificados “[...]
segundo o critério de suas aptidões, condições e necessidades físicas, para
a formação dos tipos de classes comuns e especiais” (AZEVEDO, p. 185
apud GUALTIERI, 2008, p.1003).

Deste modo, pode-se dizer que a escola pensada nessa época, ficou conhecida
como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, como principal redator Azevedo
em 1932.

Nesse texto, Azevedo (2006) sistematizou uma proposta de sistema público


de ensino fundado em concepções pedagógicas apresentadas como
inovadoras para a época. Trata-se de um combinado entre a necessidade de
dar à educação “um caráter científico e técnico” com uma reação ao ensino
tradicional considerado” livresco”, “verbalista” e “passivo” a ser substituído por
“métodos mais ativos” que, por sua vez, integrariam “a escola em seu meio
social” (GUALTIERI, 2008, p. 104).

O “Manifesto da Escola Nova”, tinha como bandeira de uma escola única,


pública, laica, obrigatória, gratuita, ter um ensino sem descriminação de classe social,
econômica, mas, vale lembrar que ao mesmo tempo tinha como referencial a
classificação como finalidade biológica na educação. Essa visão classificatória
consolidava em melhorar a educação brasileira através de “a seleção dos alunos nas
suas aptidões naturais”, bem como a “supressão de instituições criadoras de
diferenças sobre base econômica” constituem, entre outros aspectos, o que seria um
“programa de uma política educacional” (AZEVEDO, 2006, p. 236 apud GUALTIERI,
2008, p. 104). Essas ideologias poderiam até ser como ponto positivo, mas, em
análise percebe-se entre linhas seleção e exclusão nesse Manifesto.

OS REFLEXOS DOS MOVIMENTOS NA ESCOLA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA


NO BRASIL

A educação contemporânea é o resultado de várias influências e tentativas de


adequações, o século XX pode ser considerado um período importante para a história
da escola pública no Brasil, devido a relevantes alterações.
O modelo contemporâneo de educação propõe que pais, professores e alunos
participem do cotidiano escolar, definindo a educação como um processo colaborativo
56

que está sempre sendo aprimorado. A partir do pensamento de uma instituição social,
que atendesse aos anseios da sociedade contemporânea, buscaremos amparo em
Alves (2001) que nos apresenta em sua obra, fruto de estudos de pós-doutoramento
questões que marcaram a trajetória de como surgiu a escola pública contemporânea.
Para o autor, a realidade desencadeada pela Revolução Industrial gerou um
cenário em que a escola se tornou obrigatoriamente universalizada para atender a
demanda de crianças que, destituídas de seus postos de trabalho nas fábricas,
precisavam de local para se ocuparem de alguma forma, surgindo dessa maneira a
clientela que ocuparia o espaço escolar.
A integração racial do povo brasileiro era vista como uma forma de melhorar
não apenas sua "raça", mas também as desejadas condições culturais, sociais e
econômicas do novo país. Assim, a educação pública foi pautada na concepção
comeniana, que permitia uma estrutura escolar barata, ocasionando a produção e a
especialização do trabalho didático, fenômeno também observado em todo o processo
de produção capitalista.

A imposição do novo tempo, para Comenius, deveria resultar na simplificação


do trabalho didático, de uma forma tal que qualquer pessoa pudesse ensinar
[...] Como decorrência, a simplificação do trabalho didático gerou o
barateamento dos serviços prestados pelos professores e, com isso, a queda
dos custos de instrução. Começava a se tornar viável, portanto, a
universalização da educação. Os manuais didáticos, enquanto instrumentos
de simplificação do trabalho do professor, assumiram papel central nesse
processo (ALVES, 2001, p. 173).

Com esse processo podemos dizer que a educação antes reservada para a
burguesia, agora se universalizando a classe trabalhadora não conseguia aproximar-
se dos conhecimentos clássicos, o manual didático com os conhecimentos rasos e
fragmentados, passou a ser o protagonista do processo de ensino, com isso “[...] os
conhecimentos difundidos dentro da escola não alimentavam a sua formação,
enquanto cidadãos, pois não colocavam em questão compreensão da sociedade”
(ALVES, 2001, p. 176).
Essa quebra da eficácia da inclusão educacional leva a uma percepção
distorcida de que o acesso educacional carrega os traços do racismo estrutural,
levando as pessoas a procurar oportunidades educacionais alternativas. Neste
sentido a educação atendia os anseios da sociedade capitalista e desprezava a
formação e o desenvolvimento intelectual dessa clientela, não tendo por finalidade a
57

formação humana, maquiando assim o conceito de Escola Única que vinha


contrapondo o modelo de Escola Dualista conhecido pela classe burguesa.

Atuando num sentido antagônico, porém a escola refuncionalizou visando


colocar-se como alternativa para preencher o tempo disponível do jovem
trabalhador, então desempregado. A ex-criança de fábrica, tendencialmente,
se metamorfoscaria em criança de escola. A escola se transformou ao
constituir-se numa instituição social que prometia atender, além dos filhos dos
capitalistas, também aos filhos recém-desempregados dos trabalhadores
(ALVES, 2001, p. 150).

A relação entre a escola e trabalho só pode ser realizada através da mediação


da formação científica do educando, numa conquista que a própria educação
burguesa assegurou quando impôs a presença de ciências modernas no currículo
escolar. Nessa perspectiva que se pode afirmar que a escola pública revelou desde o
início o conceito de trabalho como princípio educativo, ou seja, educação pensada
para o trabalho.
A partir dessas evidências, torna-se necessário considerar e direcionar a
discussão sobre o futuro da educação, pois não basta apenas formar para o trabalho,
ou para a sobrevivência, como parece entender os que consideram a escola apenas
como um instrumento para prepara para o mercado de trabalho ou para entrar na
universidade. A escola é uma instituição responsável pela produção de um bem ou
serviço imprescindível à sociedade. O produto da escola ou o resultado do serviço é
o sujeito educado, dotado de competência técnica, comprometimento social, com
conhecimento dos pressupostos científicos, enfim dotado de condições de intervir
qualitativamente na realidade, e exercer sua cidadania.
Através do sistema educacional no Brasil, começo do século XX, tendo como
percursor Renato Kehl (1889-1974), com apoio de principais políticos da época,
cientistas e alguns intelectuais que defendiam o sistema eugênico na educação
brasileira.
Portanto, educadores, intelectuais, cientistas, políticos e todos os povos civis,
não deixe a exclusão e o preconceito racial prevalecer em nosso sistema educacional,
ou seja, na sociedade brasileira. Valorizar a raça na questão cultural e não biológico.
O Brasil precisava de uma estratégia educacional que incluísse
consistentemente a eugenia, Alves (2001) destaca em sua obra a proposta de
reorganizar todo o trabalho didático, de modo a torná-lo compatível com os recursos
dos quais dispomos atualmente, sendo que o anacronismo da organização da escola
58

pública pune os homens do nosso tempo com a impossibilidade de atender através


da educação ao conhecimento culturalmente significativo, capaz de tornar possível a
compreensão da totalidade, propondo a extinção do manual didático. O autor
menciona que a nova organização didática necessita passar pela formação dos
educadores. Essa formação, como a do trabalhador, tendo como propósito o
desenvolvimento da consciência de como funciona a sociedade, com a perspectiva
de superar as relações sociais vigentes.
Algumas exigências que a sociedade contemporânea espera das escolas
públicas, se destacam a partir de problemas reais, não podendo se limitar às fórmulas
vazias aos conteúdos desconectados da realidade. A escola deve preparar para a
própria vida, não para o futuro, mas para o viver bem o futuro, isto é, para o desfrute
de todos os bens criados socialmente pela humanidade.
Isso tem relevantes implicações para a educação escolar, pois com o advento
da sociedade pós-moderna a acessibilidade à informação se disseminou. A
informação está na internet, na televisão, nas revistas, no celular, com todo o
dinamismo e rapidez. E a figura do professor, único detentor do conhecimento, que
marcou o início da instituição escolar se distancia cada vez mais.
Hoje as grandes verdades não mais dão conta de explicar a realidade. A
sociedade contemporânea perdeu a dimensão teleológica. O fim ideal nunca chega.
Os processos levam continuamente a novos processos. O conhecimento científico, as
teorias citadas no presente artigo enfatizam esse movimento e se complementam
entre si. Cai por terra a crença de que o mundo é regido pela linearidade, como uma
receita, em que primeiro se faz isso, depois aquilo e se tem o resultado esperado. A
sociedade pós-moderna apresenta um ritmo inédito na história, em que o tempo é o
atual, o aqui e o agora.
Na falta de verdades absolutas, prosperam incertezas textuais. O mundo não
vai parar para que se busque soluções. É necessário pensar as soluções no processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto eugenista brasileiro foi eficaz na difusão de suas ideias por meio do
poder do sistema educacional como aparato ideológico patrocinado pelo Estado,
buscamos apesentar nesse artigo a base teórica e a fundamentação que foram
59

percorridos para a realização da investigação, leitura e apresentação do trabalho.


Contudo obtivemos supervalorização dos conhecimentos e dos constantes caminhos
que foram e estão sendo trilhados por meio de leituras e reflexões do tema que foi
investigado.
A eugenia e educação acarretaram em uma conexão ao longo do tempo, tendo
consequências estruturais inesperadas, onde por um lado, influenciou recursos e
métodos para ampliar a educação pública de forma a incluir famílias antes excluídas.
Porém, diante dos conceitos baseados na eugenia, as escolas ordenavam os alunos
e professores a definir como deficientes, as pessoas negras e pobres, provocando
assim, no ambiente escolar, um novo modo de exclusão, maquiando o real racismo
existente nesse movimento.
O rigor metodológico sempre deve ser levado em consideração, a escolha da
metodologia e métodos para coletas de informações, como uma linha teórica se faz
necessária para desenvolver uma pesquisa que se sustente teoricamente, aqui
enfatizamos o materialismo histórico proposto por Marx.
A educação, associada às práticas fortemente ligadas às práticas eugênicas,
entende-se que o processo do conhecimento está passando por grandes revoluções,
e é preciso repensar, sobre as práticas pedagógicas, afim de que as produções
científicas na área da Educação para que possamos ter uma melhor qualidade e
melhor visibilidade. Assim, o desenvolvimento dessa escrita e pesquisa obedecendo
o rigor metodológico, ético e com fidedignidade nas informações, possamos obter
resultados que condizem com a realidade pesquisada.
Por fim, levanta-se a questão dos fundamentos epistemológicos que
fundamentam os rastros deixados pela eugenia, tendo em vista sua participação nos
projetos filosóficos que resultaram na desumanização racial e social de diversos
grupos, que são implicadas dentro das escolas. Acreditamos que desenvolver uma
pesquisa, com uma pequena revisão da história da eugenia englobando esses
aspectos, seja de grande importância para a sociedade, podendo apresentar
resultados plausíveis para contribuição da prática educacional.

,
60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Associados, 2001.
BELLO, A. A. Introdução à fenomenologia. São Paulo: Edusc, 2006.
GUALTIERI, Regina Cândida Ellero. Educar para regenerar e selecionar.
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KÖCHE, J. C. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e iniciação à
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conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katál, Florianópolis, v. 10, p.
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MARCELO GARCÍA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa.
Porto: Porto Editora, 1999.
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PIRES, Marília Freitas de Campos. O materialismo histórico-dialético e a Educação.
Ensaios: Interface (Botucatu), v. 1, n. 1, 1997. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/icse/a/RCh4LmpxDzXrLk6wfR4dmSD/?lang=pt. Acesso em: 13
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SCOTTINI, Alfredo. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Blumenau: Todolivro
Editora, 2009.
SIPEM. Fortaleza: UFC, 2012. p. 1-14.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
61

PARTE II
EDUCAÇÃO BRASILEIRA, DIVERSIDADES E
GLOBALIZAÇÃO
62

EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA: ESPAÇOS DE RESSIGNIFICAÇÃO E


RESISTÊNCIA

Aparecida Mendes Barbalho13


Carla Daiane Santos Rodrigues 14
Claudinei de Andrade Silva15
Elizeth Gonzaga dos Santos Lima16

RESUMO: Neste ensaio produzido na disciplina de Teoria da Educação, do curso de


Pós Graduação em Educação do PPGedu/Unemat/MT, será apresentado algumas
reflexões sobre a Educação Básica Brasileira como Espaços de Ressignificação e
Resistência apresentando discussões sobre as Metodologias Ativas em face aos
instrumentos e recursos tradicionais que nos são disponibilizados tais como o livro
didático e as práticas de ensino vivenciadas no âmbito escolar. Nota-se, no atual
cenário educacional brasileiro, a instauração de novas formas de ensino-
aprendizagem, isto é, modos de operação pedagógicas que se conectam com os
meios contemporâneos de produção e disseminação do conhecimento científico.
Tendo em vista o avanço exponencial obtido pelas tecnologias, bem como as
reinterpretações do objeto livro, propomos, nesse artigo, uma breve investigação dos
mecanismos contemporâneos e/ou pós-modernos, de interação, avaliação e
promoção do conhecimento na sala de aula do ensino básico, avaliando, desse modo,
tópicas relevantes nesse sentido, a saber: a formação de leitores, a metodologia
pedagógica e, sobretudo, a noção de educação como resistência social. Utilizaremos
como suporte teórico, primordialmente, as teorias de Morin (2007), Chartier (2009) e
Camargo e Daros (2018).
Palavras-chave: Educação. Resistência. Ressignificação.

Acredito nos jovens à procura de caminhos


novos abrindo espaços largos na vida.
Cora Coralina (1889-1985)

INTRODUÇÃO

A proposta da presente pesquisa está alicerçada na averiguação do fenômeno


das novas tecnologias instauradas em nosso meio social, que, não obstante, foram

13 Especialista em Linguística (ICE). Email: aparecida.barbalho@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/0833202499730790.
14 Especialista em Educação Especial em Libras (FAPAN). Email: carla.daiane@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1717183687094262.
15 Especialista em Ensino de Geografia. Email: claudinei.andrade@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2937886265696870.
16 Pós-Doutora em Educação (UNICAMP). Email: elizeth@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/45299260401442.
63

assimiladas à educação, de modo a engendrar novas perspectivas metodológicas


quanto às formas de ensino-aprendizagem em sala de aula. O avanço exponencial da
tecnologia, bem como a inserção do jovem estudante nesse novo paradigma de
sobrevivência contemporânea, tem conseguido abrir novas perspectivas de
abordagem conteudística nos ambientes escolares, traduzindo um modus operandi
que parece chegar com mais eficácia aos alunos. Dessa forma, as metodologias
ativas objetivam um diálogo entre professor e aluno mediado pelas novas tecnologias,
trazendo, em seu bojo, uma experiêncialização da escola e do conteúdo como algo
além do tradicional, rompendo com barreiras ortodoxas e pouco eficazes.
Nesse sentido, buscaremos interpretar esse novo filão do fazer pedagógico, de
modo a compreendermos a forma como essas metodologias ativas conseguem
estabelecer novos olhares sobre a educação, bem como ressignificar o ambiente
escolar, seus dizeres e encruzilhadas, como também as vivencias estabelecidas no
cotidiano escolar. Precisamente nesse horizonte, a formação de leitores, a
metodologia pedagógica e, sobretudo, a noção de educação como resistência social
surgem como tópicas relevantes a esse contexto, obtendo consistência e maior
representatividade em sala de aula.
Streck (2009) apresenta em seu artigo que “A pedagogia do oprimido tinha na
libertação o seu horizonte utópico e as práticas procuravam traduzir sinais desta
libertação. Educação, dizia Paulo Freire nos títulos de seus livros era a como prática
da liberdade ou como ação cultural para a liberdade” (p. 541). Então essa libertação
educacional se dá a partir desta práxis desse modus operandi de educar na
atualidade, voltada no processo de inclusão desses alunos, com o uso de tecnologias
aliadas a uma nova forma de apreender a ensinar.

O OBJETO LIVRO FRENTE AO CONTEXTO DA TECNOLOGIA: FORMAÇÃO


LEITORA

Em nosso atual contexto educacional, nota-se uma encruzilhada frente ao


contexto da formação leitora dos alunos, sobretudo quando pensamos na relevância
do objeto livro e o seu potencial quanto a estruturação do sujeito crítico. Em um
contemporâneo permeado cada vez mais pela irrigação tecnológica/digital, o processo
da leitura e interpretação de mundo parece estar relegado ao um espaço opaco,
obscuro, de baixa importância. É, pois, justamente nesse âmbito que uma tópica surge
64

e consegue uma demarcação territorial para além do simbólico, qual seja: o excesso
tecnológico como um opositor à formação leitora. Os diversos meios com os quais o
adolescente (e não apenas essa faixa etária) vem assimilando a tecnologia, lidando
com ela, quase sendo tragado, acaba retirando esse sujeito da sala de aula, embora
fisicamente ele ainda a habite. Pensemos, então, incialmente, no processo de
formação leitora desses alunos, isto é, na presença que a literatura ocupa nesses
espaços, de modo a posteriormente observamos com mais acuidade as metodologias
ativas conectadas a essa questão.
Vejamos o que a pesquisadora Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo afirma
sobre a leitura e, também, acerca da figura social do professor:

O professor da educação básica é um leitor. Embora existam, ainda, os que


defendem que esse profissional não lê, é importante discutir os pressupostos
que reafirmam que tanto o professor quanto qualquer sujeito que vive numa
sociedade grafocêntrica desenvolve práticas de leitura [...] São abundantes
as pesquisas que atestam a diversidade de práticas de leitura nas sociedades
grafocêntricas indicando que os sujeitos vivem imersos, de alguma forma em
contextos de cultura escrita, tendo o seu cotidiano permeado por textos
impressos e digitais (MACEDO, 2021, p. 49).

É interessante a opinião da autora, sobretudo quando Macedo (2021)


problematiza a noção de sociedade leitora. Para a autora, a “imersão” no mundo da
leitura é algo que está inerente aos sujeitos, ou seja, a leitura permeia os espaços,
seja de modo direto ou indireto. Mesmo tocando em uma linha de discussão arbitrária
– a do professor leitor – Macedo consegue concentrar em seus argumentos a ideia de
textualidades constantes, defendendo, mesmo que indiretamente, uma sociedade
inclinada naturalmente à leitura. Nesse ponto, observamos a potência da
leitura/literatura no ambiente escolar, principalmente quando refletimos sobre a
capacidade crítica de leitura de mundo que excede os manuais escolares. A formação
leitora acaba por ser a base, a estrutura, de qualquer forma de conhecimento,
presentificando e engendrando autonomia no estudante.
Nesse ínterim, o objeto livro vem sofrendo de uma dilapidação severa em suas
estruturas formais. A busca pela leitura agora não é mais restrita ao espaço da
biblioteca, mas a recursos digitais (e-book, kindle etc.) que estão disseminados pelo
domínio da internet. No entanto, é necessário levar em consideração a condição
financeira dos estudantes, que parece não coadunar com o espírito digital e quase
incomensurável do universo das redes. Dessa maneira, as bibliotecas setoriais em
65

escolas públicas têm resistido, necessitando do professor, majoritariamente, do


professor de língua portuguesa para a sua “popularidade” no ambiente escolar, como
também verificamos que toda organização pedagógica das unidades escolares do
estado de Mato Grosso está voltada a formação e a qualificação destes profissionais
e posteriormente os professores de matemática, pois as avaliações externas priorizam
avaliam o desempenho nestas duas disciplinas. As “práticas de leitura” aludidas por
Macedo anteriormente podem ser reconfiguradas mediante ao novo contexto de
manifestação do livro em nossa contemporaneidade. “Prática”, aqui, concebida como
um aparato diverso de mecanismos de leitura, mas com um declínio da mediação,
quase um apagamento do fazer-leitor.
Se, anteriormente, uma das dificuldades do professor era a de conseguir fazer
o aluno não recorrer ao resumo da obra solicitada, atualmente essa dificuldade atinge
um nível alarmante, que é o de fazer o aluno chegar, minimamente, ao objeto livro.
Encontrá-lo fisicamente, vê-lo atraente em oposição a tantos recursos de streaming e
redes sociais. A imaginação suscitada pela leitura enfrenta o desafio da concorrência
daquilo que é ágil, mais prático e colorido, isto é, o império das séries, dos animes,
dentre outros. Tal afirmação já estabelece outra nuance, qual seja: a da união desses
polos, de modo que a leitura caminhe junto ao audiovisual. No entanto, é necessário
discutir, incialmente, a base leitora, para posteriormente tratar das consequências da
contemporaneidade.
Sobre esse dilema, Chartier (2009) argumenta:

A textualidade eletrônica de fato transforma a maneira de organizar as


argumentações, históricas ou não, e os critérios que podem mobilizar um
leitor para aceitá-las ou rejeitá-las. Quanto ao historiador, permite
desenvolver demonstrações segundo uma lógica que já não é
necessariamente linear ou dedutiva, como é a que impõe a inscrição, seja for
a técnica, de um texto ou de uma página. Permite uma articulação aberta,
fragmentada, relacional do raciocínio, tornada possível pela multiplicação das
ligações hipertextuais. Quanto ao leitor, agora a validação ou rejeição de um
argumento pode se apoiar na consulta de textos (mas também de imagens
fixas ou móveis, palavras gravadas ou composições musicais) que são o
próprio objeto de estudo, com a condição de que, obviamente, sejam
acessíveis em forma digital (CHARTIER, 2009, p. 59-60).

Chartier (2009) demarca o domínio do digital como “textualidades eletrônicas”,


elencando chaves de interpretação negativas e positivas. De um lado, há a expressão
“aceita-las, para de outro, haver a máxima do “rejeitá-las”. Entre esses dois polos –
que convergem entre si – é possível a observância do discutido anteriormente, isto é,
66

como conseguir estabelecer um diálogo com o aluno, de modo a compreender ou


direcionar o sujeito a aceitar ou não o eletrônico, sem o pagamento do físico. Tornar
esses dois polos únicos, trabalhando para o mesmo fim: a formação leitora. É,
necessariamente na posição de Chartier, que as metodologias ativas possuem uma
demarcação mais assertiva e palatável, pois as novas tecnologias – em uso
educacional – podem ser aliadas nesse processo de formação, reconduzindo os
alunos a dialogarem com o contemporâneo, sem a ausência do interesse pelo
conteúdo escolar, mais especificamente, pela leitura enquanto transformação de
mundo.
Retomando Macedo (2021), a autora explica que “essa é uma pauta política.
Não se consegue atingir o objetivo de democratização do acesso ao livro e à leitura
sem luta, travada coletivamente, em todas as instâncias da cadeia de formação do
leitor” (2021, p. 56). Inevitavelmente, não podemos deixar de perceber a esfera da
“democratização do livro”, do “acesso ao livro”, bem como a tônica política dessa
discussão. Embora existam as campanhas de promoção, as feiras literárias e os
projetos de difusão do livro nas escolas públicas – vide o belíssimo projeto
“Literamato” em MT – fica sempre a necessidade e o esforço, apaixonado, dos
professores de língua portuguesa em demonstrar aos seus alunos a relevância da
leitura, sua força e características simbólicas e sociais.
Pensemos, agora, nas formas de leitura do mundo, ou do mundo da leitura, que
figuram como alicerces na formação leitora do aluno. Nesse mesmo segmento, a ideia
de leitura dos clássicos (Machado de Assis, José de Alencar, Álvares de Azevedo,
Monteiro Lobato, Guimarães Rosa, dentre outros) em oposição à literatura de massa
contemporânea, tendem a gerar uma insistente polêmica no ambiente escolar – e,
também, fora dele. Há uma parcela da crítica que defende a sempre renovação
interpretativa de um clássico – fato esse singularmente verdadeiro – em oposição à
baixa qualidade social e estética da literatura de massa. Por outro lado, há os
defensores do “ato da leitura”, pura e simplesmente, que manifestam aprovação à
leitura, mesmo em face à qualidade da obra.
Nesse horizonte, o que fica, ao nosso ver, é novamente a junção desses polos,
ou seja, a mediação docente como desencadeadora do interesse pela leitura, do
auxílio da interpretação dos clássicos e do apoio da literatura de massa. Não há uma
exclusão mútua entre esses territórios. Pelo contrário. O que há – ou deve haver – e
a mediação, isto é, a figura docente como não apenas disseminadora de conteúdo
67

técnico e pré-vestibular/ENEM, mas uma mediação que amplie a visão de mundo do


aluno.
Marisa Lajolo (1994), em sua obra Do mundo da leitura a leitura do mundo,
assevera que:

Do mundo da leitura a leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre,


refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática
circular e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a leitura não esgota
seu poder de sedução nos estreitos círculos da escola. [...] Mundo da leitura,
leitura do mundo: onde acaba um e começa a outra? Talvez os limites sejam
esgarçados, aquela terceira margem do rio de que fala Guimarães Rosa
(LAJOLO, 1994, p. 08).

De modo poético, Lajolo (1994) chama a atenção para a transformação crítica


advinda do ato de leitura. Para a autora, os “limites” do sujeito são ampliados,
potencializados mediante o ato da leitura. A “prática circular e infinita” mencionada por
Lajolo é necessariamente as contínuas interpretações e, não obstante, lições
apreendidas pela leitura. Nesse universo, a leitura de Marina Colasanti, por exemplo,
em seu conto A moça tecelã (1982), pode trazer aos leitores uma reflexão sobre o
papel da mulher da sociedade, a visão paradoxal de uma relação amorosa, bem como
a solidão no mundo contemporâneo. Esse é apenas um exemplo da “leitura de mundo”
proposta pela autora, que, demarca a posição de relevância e aprendizado do texto
literário e, sobretudo, da leitura enquanto manifesto de resistência. Por assim dizer
fazendo a relação com a autora marina Colasanti o autor Maurice Tardif (2013) afirma
em seu artigo que “O ensino é predominantemente realizado como fora de trabalho
por a mulheres cerca de 75, 80 até 90% nas escolas primárias havendo uma
separação entre o ensino destinado a classe operária e a elite” (p. 553). Verificamos
que o oficio ser professor é desempenhado por mulheres onde o autor cita que a uma
evolução do ensino escolar moderno passando por três idades que correspondem
cada uma a um determinado período histórico que corresponde a idade da vocação
que predomina do século XVI ao XVIII, a idade do ofício que se instaura a partir do
século XIX e, finalmente, a idade da profissão que começa lentamente a se impor na
segunda metade do século XX se tratando do contexto educacional brasileiro.
68

METODOLOGIAS ATIVAS E O NOVO DESAFIO EM SALA DE AULA:


RESISTÊNCIA E CONTEMPORANEIDADES

Um novo modo estratégico no processo de ensino-aprendizagem escolar tem


despontado – embora não seja algo aludido somente na contemporaneidade –
atualmente nos ambientes escolares e também universitários. Referimo-nos,
conforme já mencionado anteriormente, às metodologias ativas, mais especificamente
em formas pedagógicas que escapam ao tradicionalismo convencional do ensino,
incidindo em uma ruptura formal com os meios já estabelecidos de aprendizagem.
Em acordo com Alves e Santos (2022):

O que vem ocorrendo com a Educação contemporânea está indicando que


mudar é preciso, o que implica que estejamos prontos para abandonar velhas
práticas e abraçar o novo – inclusive o “novo normal” – com disposição.
Obviamente, há ainda alguma resistência daqueles educadores desconfiados
das mutações tão intensas. Mas, a nova forma de ensinar e aprender,
mediada pelas metodologias educacionais ativas e pelas (novas) tecnologias
digitais, veio para ficar e tem se mostrado muito eficiente em seus resultados
(ALVES; SANTOS, 2022, p. 10-11).

Os autores indicam as mudanças que vêm ocorrendo com a educação


contemporânea, tendo em vista o avanço das tecnologias e as novas formas de
assimilação dos conteúdos – sejam curriculares ou não. Concomitante ao fato de o
digital estar cada vez mais presente em nosso cotidiano, também é necessária uma
reavaliação na forma de ensino-aprendizagem que exceda e reconfigure os
parâmetros conteudísticos e pedagógicos em sala de aula. Desse modo, o trabalho
com o dinâmico, o audiovisual, o não previsível, é capaz de despertar o interesse dos
alunos no conteúdo trabalhado naquele momento, inserindo não apenas eles, mas o
professor em um dinamismo que é capaz de experencializar uma visão crítica e salutar
dos temas abordados no livro didático e estabelecidos pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC).
As já famigeradas TICs (tecnologias da informação e da comunicação)
assumem, portanto, um lugar de maior representatividade, alimentando-se em maior
quantidade do variado repertório digital disponibilizado pelas redes. Dessa maneira,
as TICs vão sendo somadas a novas formas de ensino, tais como a sala de aula
invertida, a gamificação, e, não menos importante, a problematização da realidade,
estando o aluno como agente da ação no processo de ensino-aprendizagem. O aluno
69

é, portanto, na seara das metodologias ativas, não apenas o foco – como sempre foi,
mas o responsável pela totalidade de suas ações.
Em A sala de aula inovadora, os autores Camargo e Daros (2018), ao
elencarem formas inovadoras de intervenção em classe, asseveram que:

A aula expositiva é um elemento necessário no contexto educacional, mas


deve ser complementar e secundária no processo de aprendizagem. A
conscientização dessas premissas junto aos educadores tem levado a um
crescente interesse pela compreensão das chamadas metodologias ativas de
aprendizagem, que nada mais são do que métodos para tornar o estudante
protagonista do seu processo de aprendizagem, e não mais elemento passivo
na recepção de informações (CAMARGO; DAROS, 2018, p. 11).

Os autores discutem a problemática da aula no modelo expositivo, explicando


ser necessária essas formas de atuação metodológica, no entanto, compreendem
que, em nossa contemporaneidade, há um esvaziamento de eficácia na aplicabilidade
desse método. Quando os alunos se tornam protagonistas de seu processo de
aprendizagem, isso não significa que o papel do professor está relegado ao de um
tutor, mas auxiliando o aluno a desenvolver suas competências e habilidades de forma
ativa, dinâmica e não parametrizada. Vê-se, portanto, a condição de alteridade do
aluno, seus limites e conjunturas sociais e, inclusive, psicológicas. A exposição de
conhecimento, nesse sentido, deve ser aliada à atuação desse conhecimento,
revelando ao aluno a sua capacidade de relação em grupo e, principalmente, a sua
forma de se conectar com os conteúdos de forma mais ágil.
Camargo e Daros (2018) estabelecem diversas modalidades para o
aprendizado ativo. Nessa proposta, vejamos dois exemplos citados pelos autores. O
primeiro deles, intitulado “Árvores de problemas” é tido como “uma estratégia que visa
à análise de problemas, por meio da identificação das causas e efeitos relativos a um
problema central” (2021, p. 70). Para cada das propostas dos autores, há sempre as
competências a serem trabalhadas, bem como a sequência didática específica a ser
seguida. De maneira ordenada, um problema é distribuído para os grupos formados,
de modo que, a partir do problema-foco colocado no centro da árvore, os alunos
consigam analisar, de modo amplo, os demais problemas ali elencados.
Por meio da “Árvores de problemas”, os alunos conseguem potencializar um
problema dado a eles, ou seja, problematizar e interpretar aquela questão-chave
trazida pelo professor. É, de forma totalizante, uma ampliação de olhar, uma forma de
fazer o aluno sair do campo da obviedade, estabelecendo, de modo ativo, novas
70

compreensões sobre um mesmo tema. Na imagem acima, podemos notar o problema


central em destaque, mas com a prerrogativa de outros problemas que presentificam
esse tronco. O aluno, nessa esfera ativa de aprendizagem, conseguirá exercer
habilidades de expansão de organização sobre um determinado conteúdo,
compreendendo que há sempre raízes e adjacências para tudo aquilo que se mostra
unitário.
Um segundo exemplo/estratégia, extraído da obra de Camargo e Daros, é o
das “Diferentes perspectivas de um texto”, que, segundo os autores, “permite aos
alunos compreenderem o texto por meio de várias visões ou perspectivas diferentes”
(2018, p. 106). As competências para a elaboração e aplicação dessa estratégia
consiste em cinco tópicos, todos eles ligados à análise textual, síntese e cooperação
e colaboração.
Com a estratégia elucidada acima, os alunos conseguem traduzir
analiticamente um texto sob diversos prismas, tendo, inclusive, a visão do outro como
instrumento para debates e diálogos em sala de aula. Percebe-se, nessa metodologia
ativa, a construção de um conhecimento literário em grupo, transformando e
reconfigurando noções e visões de mundo pré-estabelecidas pelos alunos. A
percepção interpretativa é, paulatinamente, redirecionada a uma discussão em maior
escala, deixando em evidência várias camadas textuais presente no texto escolhido
pelo professor. Edgar Morin (2007), em sua obra Educação e complexidade: os sete
saberes e outros ensaios, explana sobre uma tópica importante nesse estudo, a saber:
a do pensamento e suas relações com o outro. Notemos:

A reforma necessária é aquela que gera um pensamento do contexto e do


complexo. O pensamento contextual busca sempre a relação de
inseparabilidade e as interretroações entre qualquer fenômeno e seu
contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um
pensamento que capte relações, inter-relações, implicações mútuas,
fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente
solidárias e conflitivas [...], que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que
a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca
entre todas as partes (MORIN, 2007, p. 21-22).

Morin trabalha com a espinha dorsal de uma “reforma necessária”, mais


especificamente, de uma revolução que opere em amplos sentidos, conexões e
interconexões. O sociólogo realiza um estudo sobre a complexidade da educação, e,
precisamente na citação supratranscrita, podemos perceber o diálogo com o assunto
tratado nessa pesquisa. Quando o autor realiza a distinção entre o contextual o
71

complexo, percebe-se, no âmbito das metodologias ativas e das práticas de leitura, o


complexo enquanto motor para as suas definições e aplicações. Todavia, não o
complexo filosoficamente balizado, mas o complexo rastreável, delimitável, passível
de exploração. É, pois, no trajeto dessa chave, que a leitura enquanto resistência
atinge conexão com as estratégias ativas e suas conexões de transformação da visão
de mundo.
A resistência, a leitura e as novas tessituras pedagógicas vistas aqui,
presentificam novas abordagens salutares de ensino-aprendizagem, conectando o
aluno à rede de saberes, tornando-o crítico, dinâmico e interessado nos conteúdos
curriculares. Compreender os limites do domínio da internet dentro da sala de aula
não é apenas se restringir ao uso do livro didático, mas absorver o contemporâneo
digital, assimilando-o ao metodológico ativo, ao aluno enquanto ponto de partida e de
chegada. A resistência no campo da leitura e as novas formas do fazer pedagógico
não estão cerceadas a grupos específicos, mas também ao aluno, seja o da educação
básica ou não. Ler é instrumento de resistência com os avanços tecnológicas e
midiáticos atuais em face a realidade nas unidades escolares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração os argumentos e discussões apresentadas neste


ensaio sobre a Educação Básica Brasileira: Espaços de Ressignificação e
Resistência, consideramos que que conceitos são instrumentos para a leitura de
nosso mundo, partindo desta reflexão podemos evidenciar que com as práticas
educacionais e tecnológicas em constante evolução as normas tradicionais do oficio
de ensinar está se ressignificando e que muitas vezes é delimitada a alguns.
Nas primeiras discussões, entendemos que a formação do estudante com o
objeto livro, não como um recurso de ensino que na atualidade e visto como
ultrapassado em face ao uso das tecnologias ativas, que estão cada vez mais
presente no âmbito educacional as reflexões aqui apresentadas são de que este
recurso é um instrumento de extrema importância para os debates teóricos dos
educandos sendo este um aliado no processo de ensino aprendizagem nestes
espaços.
72

Em um segundo momento, discutimos as contribuições das metodologias


ativas diante das demandas formativas emergentes na contemporaneidade,
apresentado as principais contribuições de seu uso no cotidiano escolar e que sempre
deve estar aliada a outros recursos didáticos como o livro, pois, através da leitura
podemos compreender os usos dessas tecnologias que ganham espaços no cotidiano
escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Celso Roberto Borges; SANTOS, Marcos Pereira dos. Metodologias Ativas na
Escola Contemporânea: dois olhares pedagógicos convergentes. In: MARTINS,
Gercimar; AZEVEDO, Gilson Xavier (Orgs). Metodologias ativas: um caminho de
novas possibilidades. Goiânia: Editora IGM, 2022.
CAMARGO, Fausto; DAROS, Thuinie. A sala de aula inovadora: estratégias
pedagógicas para fomentar o aprendizado ativo. Porto Alegre: Penso, 2018.
CHATIER, Roger. A História ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
GERALDI, Wanderley João (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,
1994.
MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes (Org.). A função da literatura na escola:
resistência, mediação e formação. São Paulo, Parábola, 2021.
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 4 ed.
São Paulo: Cortez, 2007.
STRECK, Danilo Romeu. Da pedagogia do oprimido às pedagogias da exclusão: um
breve balanço crítico. Educação & Sociedade, v. 30, n. 107, p. 539-560, mai./ago.
2009.
TARDIF, Maurice. A profissionalização do ensino passados trinta anos: dois passos
para a frente, três para trás. Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 123, p. 551-571, abr./jun.
2013.
73

O LUGAR DAS MINORIAS NAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA


EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E
DIVERSIDADE

Neuri Eliezer Senger17


Rosemeyre Pinheiro de Oliveira18
Valéria Aparecida Firmino19
Wanderleia Pereira da Silva20
Rosely Aparecida Romanelli21

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca do lugar de alguns
grupos sociais minoritários e/ou marginalizados dentro do escopo das Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica. O foco aqui é a junção de olhares
diversos acerca destes grupos identitários para a constituição de um patchwork que
dê conta de um panorama crítico sobre a atual conjuntura das Diretrizes Curriculares
Nacionais que possa refletir sobre os caminhos do porvir. Como referente de base
para estas reflexões, utiliza-se principalmente a noção de identidade Cultural e suas
peculiaridades em Hall (2003, 2006) além de algumas aproximações das ideias acerca
do pensamento decolonial (SOUZA, MENEZES, 2010).
Palavras-chave: Identidade Cultural. Diretrizes curriculares Nacionais.

INTRODUÇÃO

Em 2013, o ministro da Educação Aluízio Mercadante (BRASIL, 2013, p. 4),


no prefácio das Diretrizes para Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(DCN’s), afinado com o fluxo discursivo do governo vigente naquela conjuntura, afirma
que:

Um dos fundamentos do projeto de Nação que estamos construindo, a


formação escolar é o alicerce indispensável e condição primeira para o
exercício pleno da cidadania e o acesso aos direitos sociais, econômicos,
civis e políticos. A educação deve proporcionar o desenvolvimento humano

17 Especialista em Coordenação Pedagógica (UFMT). Email: senger.neuri@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/8584397324603486.
18 Especialista em Turismo (UNEMAT). Email: pinheiro.oliveira@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6322413178981100.
19 Especialista em Pedagogia do Esporte (FCARP). Email: valeria.firmino@unemat.br. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9137503267883042.
20 Especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT). Email: wanderleia.pereira@unemat.br. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/5090331954455935.
21 Doutora em Educação (USP). Email: rosely.romanelli@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8657873385904540.
74

na sua plenitude, em condições de liberdade e dignidade, respeitando e


valorizando as diferenças (BRASIL, 2013, p. 4).

Passados 10 anos da instituição dos DCN’s, com muita turbulência –


principalmente nos últimos quatro anos, com um projeto anarco-liberal de desmonte
da Educação Pública em nosso país, é chegado o momento de, na medida do
possível, retomadas e reconstruções. O hiato no projeto de nação citado pelo agora
ex-ministro parece que se findou com a vitória do presidente Lula nas eleições
presidenciais de 2022. Assim, o ano de 2023 começa com novas perspectivas para o
campo da Educação, com um ambiente político propício para os debates acerca da
diversidade e da inclusão das minorias oprimidas em nosso país em um projeto de
Educação. Em 2013, éramos outra nação, outras pessoas. Hoje temos uma nova
conjuntura política eleitoral e social. As relações entre as pessoas se complexificaram.
As ideias acerca dos Direitos Humanos se ampliaram no imaginário popular. Nada
mais justo do que atualizar o projeto político-educacional daqueles tempos para o
nosso presente. Isso é algo esperado, pautado e já em vias de debate pelos membros
do Conselho Nacional de Educação.
Nessa toada, as reflexões presentes neste trabalho refletem sobre quatro
coordenadas presentes nos DCN’s, referentes a grupos sociais minoritários:
Educação para as Relações Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura afro-
brasileira e africana; da Educação no Campo; da Educação Indígena e da Educação
para Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade nos Estabelecimentos
Penais. Estas quatro diretrizes nos ajudam a refletir muito sobre os tempos que se
foram e onde estamos hoje como sociedade. Na altura dos nossos tempos, não há
como pensar estes grupos e sua dinâmica identitária fora de uma lógica progressista
de inclusão democrática e promoção da dignidade humana.

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA

Neste momento nos propomos a uma breve análise da Lei 10.639/03,


destacando sua importância e percurso para efetivação. Nos limitamos a fazer alguns
recortes, que possam subsidiar o leitor com informações que ao nosso entendimento
são indispensáveis para a compreensão da relevância e significado desta lei.
75

Discorrer sobre o estabelecimento das diretrizes curriculares nacionais para a


educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-
brasileira e africana, é um grande desafio, pois conforme Gomes (2005, p. 51) “[...] no
decorrer do processo histórico, no contexto das diversas culturas, as diferenças e
semelhanças foram ganhando sentidos e significados diversificados [...]”. Neste
sentido:

Falamos sobre a construção social, histórica, política e cultural das


diferenças. É o que chamamos de diversidade cultural. A diversidade cultural
está presente em todas as sociedades e a questão racial brasileira localiza-
se dentro do amplo e complexo campo da diversidade cultural (GOMES,
2005, p.51).

Partindo do pressuposto da diversidade cultural, compreendemos a


importância da Lei 10.639/03, no sentido de reconhecer e valorizar a cultura
étnico/racial do negro, nos diferentes âmbitos de nossa sociedade. De acordo com
Gomes (2005) “[...] a questão racial brasileira não é algo particular que deve interessar
somente às pessoas que pertencem ao grupo étnico/racial negro”.
Ela é uma questão social, política e cultural de todos(as) os(as) brasileiros(as).
Ou seja, é uma questão da sociedade brasileira e também mundial quando ampliamos
a nossa reflexão sobre as relações entre negros e brancos, entre outros grupos étnico-
raciais, nos diferentes contextos internacionais. Enfim, ela é uma questão da
humanidade (GOMES, p. 51).
Diante do exposto, temos a partir da Lei 10.639/03, a necessidade de
estabelecer as diretrizes que contribuíram de maneira significativa para que a questão
étnico-racial pudesse compor os currículos das diferentes esferas de ensino.

[...] dimensões normativas, reguladoras de caminhos, embora não fechadas


a que historicamente possam, a partir das determinações iniciais, tomar
novos rumos. Diretrizes não visam a desencadear ações uniformes, todavia,
objetivam oferecer referências e critérios para que se implantem ações, as
avaliem e reformulem no que e quando necessário (BRASIL, 2013, p. 509).

Sendo assim, o documento que compõe as Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
afro-brasileira e africana, está organizado de forma que apresenta o relatório dos
conselheiros Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Carlos Roberto Jamil Cury,
Francisca Novantino Pinto de Ângelo e Marília Ancona-Lopez. Tal parecer:
76

[...] procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à


demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações
afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e
valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política
curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas
da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que
atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe à divulgação
e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores
que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial –
descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de
asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em
que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade
valorizada (BRASIL, 2013, p. 498).

Com estes apontamentos, temos um documento que evidencia a necessidade


de regulamentar políticas que perpassam pelo currículo das instituições de ensino,
garantindo assim o mínimo de reparo, reconhecimento e valorização daqueles que
constituem a nossa sociedade. Conforme Brasil (2013) Políticas de reparações
voltadas para a educação dos negros devem oferecer:

[...] garantias a essa população de ingresso, permanência e sucesso na


educação escolar, de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-
brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como
indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar
todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de
ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes,
além de desempenharem com qualificação uma profissão (BRASIL, 2013, p.
498-499).

Neste sentido, no âmbito do processo de escolarização, é importante lembrar


que “[...] os (as) professores (as) não devem silenciar diante dos preconceitos e
discriminações raciais (GOMES, 2005. p. 60)”. Para tal “[...]devem cumprir o seu papel
de educadores(as), construindo práticas pedagógicas e estratégias de promoção da
igualdade racial no cotidiano da sala de aula (GOMES, 2005. p. 60)”. Sendo assim,
além do acesso ao ensino, este deve ser garantido numa perspectiva de
reconhecimento. De acordo com Brasil (2013):
Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e
econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os
negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. [...]
desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este
que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos
patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse,
desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social
hierárquica cria com prejuízos para os negros (BRASIL, 2013, p. 499).

A partir do que foi exposto, fica evidente que “[...] reconhecer exige a
valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e
77

história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao


sofrimento causado por tantas formas de desqualificação (BRASIL, 2013, p. 499)”.
Corroborando:

[...] não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz


europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares
para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta
perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que
proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos
povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana
e europeia (BRASIL, 2013, p. 503).

É importante destacar que a efetivação de políticas públicas que contemplam


a Educação das Relações Étnico-Raciais, que consolidem na reparação,
reconhecimento e valorizações, necessita no seu caminhar de:

[...] condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o


ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e
não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e
apoiados. Depende também, [...] de trabalho conjunto, de articulação entre
processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto
que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações
étnico-raciais não se limitam à escola (BRASIL, 2013, p. 500).

Desta maneira, é apontado no relatório em defesa das diretrizes curriculares


para as relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana, princípios necessários para que esta educação ocorra de maneira coerente,
sendo eles: consciência política e histórica da diversidade; fortalecimento de
identidades e de direitos; ações educativas de combate ao racismo e a
discriminações. É notório que o documento apresenta caminhos indispensáveis para
que a Lei 10.639/03 realmente ocorra. Corroborando com o evidenciado no parecer,
o Conselho Nacional de Educação, com a resolução nº 1, de 17 de junho de 2004,
instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana.
Apresentamos no decorrer do texto o que é explicito no parecer que resulto
no estabelecimento das diretrizes, composta por nove artigos que incluem o
desenvolvimento de programas de formação inicial e continuada de professores;
orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da
Educação; a necessidade do estabelecimento de conteúdos, competências, atitudes
e valores, a serem estabelecidos pelas instituições de ensino e seus professores, bem
como o apoio e supervisão dos sistemas de ensino; estabelecer canais de
78

comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições


formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, para a trocar
experiências e organizar os planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de
ensino; Permitir o direito de alunos afrodescendentes de frequentarem
estabelecimentos de ensino de qualidade; exame e encaminhamento de solução para
situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o
reconhecimento, valorização e respeito da diversidade; os sistemas de ensino
orientarão e supervisionarão a elaboração e edição de livros e outros materiais
didáticos. Assim, como a ampla divulgação do Parecer CNE/CP 003/2004 e da
resolução nº 1, de 17 de junho de 2004 (BRASIL, 2013, 512-513).
Este ano a Lei 10.639/03 completa 20 anos de existência. Ao pesquisar sobre
tal feito, nos deparamos com a produção de artigo, resultado de uma revisão
bibliográfica de produções científicas sobre Relações Étnico-Raciais no âmbito da
Educação Básica publicadas na plataforma Scientific Electronic Library Online
(SciELO). Neste artigo, os autores Silva e Vargas (2022) analisaram 26 artigos da
referida plataforma, e evidenciaram que os temas políticas afirmativas e à formação
de professores obteve maior produção entre os anos de 2017 e 2018. Destacam que
as produções referentes às relações étnico-raciais “está extremamente ligado aos
marcos legais, relacionados à Lei de Cotas 12.711/12, assim como a que estabelece
obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura afro-brasileira, a Lei 10.639/03 (p. 14)”
[...] O que de acordo com os autores, existe uma “necessita de uma urgente
transformação epistemológica”.
Com tais informações, podemos observar que a Lei 10.639/03, representa um
marco legal, na valorização, reconhecimento e reparação, no que tange a questão
étnico-racial, tendo como campo propicio o âmbito da educação. Por outro lado, não
podemos ignorar o fato que a efetivação do está exposto nas diretrizes curriculares
nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura afro-brasileira e africana, emana de uma série de ações. Neste sentido,
construir currículos, práticas pedagógicas, materiais didáticos, formação continuadas,
e uma educação para as relações étnico-racial ideal, ainda é um desafio.

EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE


LIBERDADE NOS ESTABELECIMENTOS PENAIS
79

Esta produção tem como objetivo tecer reflexões para além de normas e leis
sobre a educação escolar para jovens e adultos em um espaço peculiar: a prisão. A
Educação para Jovens e Adultos em espaços de privação de liberdade, deve estar
pautada nos ideais da educação para todos, respeitando suas diversidades e sua
individualidade, que no ato de aprender a ler, escrever e interpretar esteja embutido a
(re)construção da cidadania e da humanização. Nessa perspectiva, buscamos
dialogar com aporte teórico que nos leva a identificar o que é garantido por Leis, bem
como essa educação é percebida por diferentes autores, tendo como ênfase, o
conceito de “diáspora” defendido por Hall (2000).
Partindo do pressuposto que a educação, é um direito humano subjetivo
previsto em vários instrumentos legais, estando na Constituição Federal de 1988 em
seu art. 205 que assevera: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho”. E para que isso ocorra é dever do Estado conforme o
artigo 208, garantir o Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, assegurando,
inclusive, “sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade
própria”.
Além disso, entende que a educação para jovens e adultos é um direito
essencial utilizada em prol do bem comum para jovens e adultos em situação de
privação de liberdade, pois conforme a Lei de Execução Penal Brasileira (Lei N° 7.210,
de 11/7/84) em seu Título I dispõe sobre os direitos assegurados às pessoas em
situação de privação de liberdade, assim sendo o Art.3 “Ao condenado e ao internado
serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. A própria
Lei de Execução Penal determina expressamente que os estabelecimentos devem
oferecer assistência educacional aos presos e as presas.

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a


formação profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema
escolar da Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de
aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à
sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com
entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos
especializados.
80

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada


estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de
reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didática (BRASIL, 1984).

Para dar credibilidade ao texto dessa lei, o Conselho Nacional de Política


Criminal e Penitenciária, por meio da Resolução nº 14, em 11 de novembro de 1994,
editou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, decisões tomadas
em Congressos internacionais sobre justiça penal, acrescentando ainda que “deverá
ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão,
sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento” (art.42).
A discussão desse tema torna necessário, conforme os dados do sistema
prisional no Brasil. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, há mais de 700
mil pessoas presa no Brasil, esse número coloca o país na 3º posição no ranking em
relação à população encarcerada em todo mundo. Segundo o Conselho Nacional de
Justiça
Com as novas estatísticas, o Brasil passa a ter a terceira maior população
carcerária do mundo, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro
Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As prisões
domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos (CNJ,
2014).
Em 2010, temos aprovada as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação
para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos
penais, temos que ter o cuidado em relação à escola que deve ser concebida nesses
espaços penais, para que não seja a mesma educação que já os excluiu antes.
Corroborando com a indicação de Vieira para qual caminho a Educação poderia
percorrer.
[...] no sentido de responder às necessidades e anseios da população
atendida, através de propostas mais adequadas ao tipo de vida e às histórias
passadas, presentes e perspectivas futuras dos apenados, entendendo que
nesse sistema, a maioria dos sujeitos tem sua história marcada pela exclusão
e o não acesso a bens culturais e materiais que os tornou marginalizados e
distanciados de uma trajetória escolar (VIEIRA, 2012, p. 08).

A prisão, em tese, representa a perda dos direitos civis e políticos. Suspensão,


por tempo determinado, do direito do interno ir e vir livremente, de acordo com a sua
vontade, mas não implica, contudo, a suspensão dos seus direitos ao respeito, à
dignidade, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral, ao desenvolvimento
pessoal e social, espaço onde se insere a prática educacional (BRASIL, 2013, p. 320).
81

Não importa tempo, quantidade ou qualidade de reflexão: ainda não é possível


imaginar uma sociedade sem prisões, pois estamos longe de atingir os fatores que
originam a criminalidade, o que percebemos é que os estudos não estão voltados para
as causas do problema, mas para as estratégias de combatê-lo. Nesse sentido,
concordamos com Cunha:

Enquanto a sociedade não encarar os problemas que ela mesma cria,


buscando mecanismos de humanização e inserção social de todos, por meio
da redução da desigualdade social e econômica e de garantia de
oportunidades dignas, o problema da violência continuará penalizando a
todos, inclusive a esta mesma sociedade que se sente confortável em seu
mundo de muros e câmeras de segurança, com medo de tudo que está fora
dele (CUNHA, 2010, p. 176).

O que assistimos são abordagens impostas para uma parte da população


onde são historicamente marginalizadas, são invisíveis pela sociedade até cometerem
algum crime, são privados de direitos básicos, em outras palavras negligenciadas pelo
Estado e pela sociedade. Esse grupo que são marginalizados passa ou passarão por
momentos de negação dentro de outros grupos, ocorrendo o conceito de “diáspora”
defendido por Hall (2003) no caso dos apenados estes serão deslocados para prisões
e passarão a habitar tal espaço e terão que apreender e incorporar o novo modo de
vida a espera de outro novo, para muitos a prisão torna-se o espaço fronteiriço entre
a liberdade e o cárcere, um espaço de passagem, de um mundo a outro.
A prisão tem as “funções: a) punir; b) defender a sociedade isolando o
malfeitor; c) corrigir o culpado para reintegrá-lo à sociedade” (BRASIL, 2010, p. 309),
alguns fatos tornam interessante nessa discussão; a punição, a sociedade e a
identidade.
Em muitos casos somos obrigados a “jogar” conforme Hall (2006, p. 16) define
“jogo de identidades”, dependendo das circunstâncias nós nos posicionamos o que
melhor convêm e não necessariamente o que convêm a nós e sim a realidade. Stuart
Hall (2006) inicia com a ideia do “sujeito iluminismo”, sujeito este que não sofre
nenhum tipo de alteração, depois passa a ideia de “sujeito sociológico” esse sim
apresenta de forma instável conforme o convívio social e por último o sujeito que tem
a identidade fragmentada e está sempre em movimento o “sujeito pós-moderno”. De
acordo com Hall (2006, p. 108) o sujeito pós-moderno “aceita que as identidades não
são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais
fragmentada e fraturada; que elas não são nunca, singulares, mais multiplamente
82

construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem ser cruzar ou ser
antagônicas”.
O historiador Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir: o Nascimento da
Prisão (1987), analisa o controle exercido pelas instituições sociais, através do
conceito de “poder disciplinar”, sobre as ações das pessoas. Foucault de forma
louvável explana sobre esse poder.
O poder disciplinar representa a regulação, a vigilância e o governo da espécie
humana, ou também o controle do indivíduo e do corpo. O objetivo desse poder é
manter o domínio sobre a vida do indivíduo, mantê-lo como corpo dócil, seu trabalho,
suas atividades, seus prazeres, sua saúde física e moral, suas práticas sexuais, enfim
tudo que se diz respeito ao indivíduo. precisa estar sob controle e disciplina. Conforme
o pensamento foucaultiano essa situação iniciou no século XIX e chegou ao seu
desenvolvimento máximo no século XX. Esse poder surgiu juntamente com as
instituições que “policiam” e também disciplinam as pessoas tais como as: as oficinas,
os quartéis, as escolas, as prisões, os hospitais, as clínicas, entre outras (FOUCAULT,
1987, p. 26).
Importante destacar que existem dois grupos de aprendizagens próprios das
prisões: as regras da instituição e as regras dos próprios presos, em alguns casos
algumas dessas regras se sobreponham às outras “tudo isso é educação da prisão,
não a educação na prisão” (MAEYER, 2013, p. 42), visto que a política para as prisões
sua constituição esta pautada nos interesses coletivos.

As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras”, criam


espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e
hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação;
recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam
lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas
também uma melhor economia do tempo e dos gestos (...). A primeira das
grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros vivos”
que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em
multiplicidades organizadas (FOUCAULT, 1987, p. 126-127).

Em muitos desses espaços complexos são criados poderes que não é


discricionário pela estrutura jurídica, mas consuetudinário e próprio da cultura local,
arbitrando sobre o que pode ou não ser efetivado para que esse espaço torne uma
multiplicidade organizada.
Na configuração social, cuja concepção de civilização própria orienta a
definição das funções de cada indivíduo, encontra-se o indivíduo singular
83

desempenhando a função de encarcerado que demanda cumprir a punição imposta,


que consiste na perda temporal de sua liberdade, e o fortalecimento de sua autonomia
como forma de retornar ao convívio social com condições de exercer ativamente sua
cidadania (DUARTE, 2016, p. 26).
A educação nas instituições penais deve possuir identidade e características
próprias, alinhada ao direito dos jovens e adultos em situação de privação de
liberdade, e não se esquecendo do mundo fora das grades, “[...] viver em uma prisão
é estar sujeito há um tempo e a um espaço distinto da sociedade livre, porém ainda
pertencente e não alheio a esta sociedade” (ONOFRE, 2015, p. 246). É preciso
compreender a educação de forma sistêmica, para assim, entendermos os desafios e
as expectativas em torno da educação para jovens e adultos em situação de privação
de liberdade nos estabelecimentos penais, para que a educação ultrapasse o
encarceramento e atinja a dimensão global não restringindo apenas ao contexto
prisional.
Diante do exposto no decorrer deste texto, destacamos a necessidade de
aprofundar nas bases teóricas e conceituais necessárias para o devido entendimento
do processo de construção das identidades e as singularidades que atravessam a
formação dos indivíduos a partir da educação para jovens e adultos em situação de
privação de liberdade nos estabelecimentos penais. Ao analisar a educação nas
prisões é necessário observar quais foram às vozes comtempladas no texto e no
discurso dessas políticas e quais as ações que estão sendo desenvolvidas para
garantir a educação nas instituições penais, pois a ausência de representações dos
grupos de pessoas que são silenciadas pelas normas do sistema faz toda a diferença.

DIRETRIZES INDÍGENAS, IDENTIDADE E DECOLONIEDADE

Pensar acerca das identidades no mundo pós-moderno é uma complexa


questão, na medida em que sua essência não é permanente. Trata-se de um
complexo jogo de conexões de elementos díspares que se conectam e desconectam,
criando novas configurações de ser e estar no mundo para os sujeitos. A própria
contemporaneidade, desloca-se de si constantemente. Assim, conforme Hall (2006),
dado o hibridismo, nada é certeza e permanência nas identidades culturais na
contemporaneidade.
84

Levando essa lógica em consideração, a presente reflexão se trata de uma


análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena que
considerem a contemporaneidade e uma adequação à realidade atual – levando-se
em conta de que a jornada do ser humano neste mundo é diacrônica e que o melhor
caminho para exorcizar os mal estares históricos é começar a pensar sob um prisma
desconstrucionista. Grosso modo, derrubar o castelo posto e reconstruir peça a peça,
como em um modelo de engenharia reversa – com suas devidas atualizações, e essas
seguem o fluxo de uma crítica sob a perspectiva decolonial.
Uma identidade, grosso modo é a forma do sujeito triangular sua existência
sob o mundo. É o ser e o estar à partir de como ele se representa, conforme sua
subjetividade, suas relações sociais e o meio ambiente. Conforme Stuart Hall (2006),
a identidade do sujeito na pós-modernidade a identidade é híbrida e em constante
mutação. Apesar de manter um núcleo significativo vinculado às tradições, com o
passar das décadas as teorias e o próprio entendimento acerca das identidades foi se
complexificando, graças ao movimento histórico de descentração do pensamento
(movimentos sociais, compreensão e ampliação das noções de linguagem,
subjetividade, liberdade e autonomia do sujeito etc.).
Uma identidade cultural se funda numa estrutura primeva – mito geracional,
povo, nação, e na pós-modernidade se complexifica, com a adesão de múltiplos
referentes. Uma identidade cultural em tempos pós-modernos pode ser observada de
fora, por referentes outros. Mas só pode ser definida em sua completude por aqueles
que a partilham. Se ela for caracterizada só pelos externos, acaba estereotipada e
muitas vezes instrumentalizada com fins políticos, econômicos, mercadológicos. É a
política do rótulo à banalização e daí à extinção – como observado nas consequências
de uma necropolítica extrativista que quase levou ao genocídio do povo Yanomami.
Isolar, desumanizar, extirpar a identidade. Quem não existe, não pode ser reconhecido
e, portanto, ninguém saberá do seu fim. Um povo sem educação, sem história, com a
cultura aniquilada sem instrumentos simbólicos não pode se defender.
Nesse sentido, a retomada das Diretrizes deve constituir o resultado de um
esforço social de múltiplas esferas governamentais e não governamentais, que tenha
significativa participação de educadores indígenas que possam trazer a sua voz para
a construção de um novo modelo, com projetos que reflitam a sua realidade,
contribuindo para a sua afirmação identitária e defesa dos direitos, bem como uma
85

inserção sua inserção digna na sociedade brasileira. Uma educação para


reconstrução.
Aqui foi falado de uma retomada e de uma reconstrução. É importante
aproveitar o momento histórico para reformar estes pactos sociais. Pensar as
Diretrizes à partir das vivencias atuais e história dos povos indígenas. Se pensarmos
sob o viés dos pós-coloniais, especificamente sob os ensinamentos de Boaventura de
Souza Santos (2010) e suas metáforas em epistemologias do Sul, vamos
compreender que a comunidade é mais do que uma lógica de dominação territorial. É
opressão simbólica, na matriz do pensamento. São formas organizadas de dominação
exercida não só nas Américas como em todas as partes do mundo, nas mais diversas
épocas históricas. São estratégias visíveis, invisíveis e de invisibilização de culturas e
povos. São processos marcados por tensões e relações de força entre colonizadores
e colonizados, mas também de muita resistência. O que é bom e o que é o ruim? O
que as narrativas oficiais, vinculadas ao capital tendem a ressaltar em detrimento de
outras? O que vimos em Roraima com o povo Yanomami, a negação de uma cidadania
básica, segue um modus operandi herdado deste ranço colonial.
Além disso, a educação tradicional e seus penduricalhos nacionalistas – outra
herança maldita do regime militar, não atende as pluralidades identitárias e a
diversidade da contemporaneidade social. Modelos de educação autoritários que só
reproduzem a colonização, o modelo de sujeito unificado e o ethos da modernidade –
um ciclo já finalizado. Um exemplo nítido é a tentativa de militarização das escolas
públicas no Estado de Mato Grosso. É a colonização dos saberes, uma tentativa de
domar o corpo do outro – geralmente aquele que é pobre, periférico e negro. Não se
vê tentativas de implantar perspectivas pedagógicas humanistas nas escolas públicas
como a Escola Waldorf. Porque não sãos os filhos de ricos que que ali estão. Filho de
rico não estuda em colégio militar. Só os filhos da periferia, estereotipados e rotulados.
Imaginem os indígenas?
Os povos nativos foram colonizados e tratados como um problema para o
projeto da expansão da colonização europeia – essa, uma ideologia que sobrevive
como subtexto que alimentam um discurso abominável de pretensa superioridade
genética e moral que de quando em vez, ressurge das tumbas com uma nova
maquiagem, mas que em essência, permanece ali está nas estruturas da sociedade.
Um sistema, uma hierarquia com papéis definidos em uma narrativa criada pelos que
colonizam, à guisa da subalternidade, com intuito de dominar corpos e mentes.
86

Assim, entende-se que a educação é um direito de todos, inclusive dos povos


indígenas, e lhes deve ser dado os subsídios necessários para que possam tê-la
dentro das comunidades onde vivem. Deve ser construída a partir dos saberes destas
comunidades, dando-lhes autonomia e possibilidades para que a sua cultura seja
preservada e desenvolvida, pensando sua identidade e reforçando o seu lugar e papel
a ser desempenhado dentro do Brasil. Não é isolar. É reforçar sua cultura ao mesmo
tempo que se integre essas comunidades com os processos de cidadania
contemporâneos. Lembrando que cada nação indígena tem suas peculiaridades,
modos de ser e existir.
Ao mesmo tempo, é importante que os estereótipos sejam quebrados. Assim,
diferentemente da educação indígena nas aldeias, a educação sobre as comunidades
originárias deve elucidar o lugar dos indígenas para o resto da sociedade brasileira –
que é múltipla e formada por inúmeras formas de manifestações culturais. Em 1996,
o texto dedicado à Educação Indígena das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
reafirmou alguns pontos da Constituição Federal de 1986 e avançou em muitos
aspectos no quesito do “Direito à uma Educação Diferenciada”. Seus principais
objetivos, em síntese são:

a) Orientação das Escolas indígenas e demais dimensões institucionais


educativas na elaboração, desenvolvimento e avaliação de projetos;
b) Orientar a construção de instrumentos normativos específicos que visem
tornar a educação indígena um projeto orgânico, garantindo as
especificidades culturais indígena;
c) Assegurar que os princípios da especificidade, do bilinguismo e
multilinguismo, da organização comunitária e da interculturalidade
fundamentem os projetos educativos das
comunidades indígenas, valorizando suas línguas e conhecimentos
tradicionais;
d) assegurar que o modelo de organização e gestão das escolas indígenas
leve em consideração as práticas socioculturais e econômicas das
respectivas comunidades, bem como suas formas de produção de
conhecimento, processos próprios de ensino e de aprendizagem e projetos
societários;
e) Fortalecer o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, fornecendo diretrizes para
a organização da Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no âmbito
dos territórios etnoeducacionais;
f) Normatizar dispositivos constantes na Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho, ratificada no Brasil, por meio do Decreto Legislativo
nº 143/2003, no que se refere à educação e meios de comunicação, bem
como os mecanismos de consulta livre, prévia e informada;
g) Orientar os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores
indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar Indígena,
a colaboração e atuação de especialistas em saberes tradicionais, como os
tocadores de instrumentos musicais, contadores de narrativas míticas, pajés
87

e xamãs, rezadores, raizeiros, parteiras, organizadores de rituais,


conselheiros e outras funções próprias e necessárias ao bem viver dos povos
indígenas;
h) Zelar para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido às
comunidades indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica,
cultural, linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, saberes e
perspectivas dos próprios povos indígenas (DCN, 2006, p. 376).

Percebe-se nestes objetivos um cuidado para que a educação indígena tenha


uma atenção especial com a identidade e a cultura dos povos originários, com o
devido respeito às especificidades de cada nação. É um processo que se opõe a um
modelo de estandardização da educação, como se fosse uma linha de produção –
muito comum nas escolas particulares e seu apostilamento.
Nesse sentido, a escola indígena pode ser entendida como um lugar de
fronteira, ou seja, um lugar – um espaço construído simbolicamente a partir dos
vínculos de pertencimentos – de fluxos, passagens. Um lugar de dialogismo e
reinvenção, onde dois mundos se conectam e se retroalimentam, criando novos
significados. Onde as identidades e as diferenças se hibridizam. Pensando no sujeito
Pós-moderno em Hall (1996), aquele que é mutante, híbrido e nunca permanente,
entende-se aqui que em uma revisão das Diretrizes, faz-se necessário reinventar o
processo de formação dos educadores e, consequentemente, de aprendizagem dos
alunos, a partir da noção do “ser indígena” em uma sociedade globalizada e pós-
moderna, bem como decolonizar a matriz de saberes e conteúdos.

DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO

A educação brasileira em sua trajetória recente apresenta-se num contexto


em que se percebe a ação de diversos atores sociais e governamentais. Um estudo
realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2015 apresenta algumas
realidades, por exemplo: em 2013, havia aproximadamente 50 milhões de estudantes
matriculados na Educação Básica, sendo a rede pública responsável por mais de 80%
dessas matrículas em mais de 200 mil estabelecimentos onde trabalhavam mais de 2
milhões de docentes.
Alguns números demonstram significativas conquistas. O estudo relata que
em 2013, 93,6% das crianças e jovens entre 4 e 17 anos estavam matriculados e
frequentando a escola, o que mostra que as taxas de abandono vêm caindo. Também
a taxa de distorção idade-série vem diminuindo. O investimento público em educação
88

básica nesse período foi de 4,7%, a maior taxa dede 2000 (ABRUCIO; SIMIELLI,
2015, p. 18).
No que se refere à educação do campo, as realidades que se apresentam
podem ser percebidas a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (BRASIL, 2013), dos estudos e pesquisas já realizados e pela observação que
se faz na prática do dia a dia de professores das escolas rurais e dos sistemas de
educação, destacando-se os sistemas municipais, onde as práticas se dão e as
verdades se estampam.
Neste documento está contemplada a Educação no Campo, bem como, a
Educação Indígena, a Quilombola, a Educação Especial, a Educação para Jovens e
Adultos e, também para quem se encontra em Situação de Privação de Liberdade nos
estabelecimentos penais estendendo-se também para a Educação Profissional
Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2013, p. 4).
Numa revisão muito sucinta, as Constituições Brasileiras apresentam a
realidade de que, mesmo num Brasil considerado agrário, a educação do campo não
apresentou um protagonismo de desenvolvimento.
A Constituição de 1934 foi marcada por ideias do Movimento renovador e
culminou com o Movimento dos Pioneiros. Expressa os impactos da relação de forças
existente entre os vários setores: cafeicultores, intelectuais, classes médias e até as
massas populares. Foi um período de fecundas reformas educacionais, por exemplo,
a reforma de Francisco Campos que formulou proposições com base em estudos da
situação educacional brasileira, pautando-se pela discussão das relações entre as
instituições e a sociedade. Percebe-se a concepção do Estado quando se atribui às 3
esferas do poder público a responsabilidade com a garantia dos direitos à educação.
Prevê um Plano Nacional de Educação e a organização do ensino por sistemas, a
participação social com a instituição de Conselhos e a distribuição de fundos especiais
(BRASIL, 2013, p. 269-270).
A Constituição de 1937, no contexto da indústria nascente, sinaliza a
importância da educação profissional. Deixando nítido que esta, é para atender as
classes menos favorecidas, sendo essa atribuição, um dever do Estado. No entanto,
não faz proposições para o ensino agrícola e legitima as desigualdades sociais.
Num período posterior, já caminhando para a Constituição de 1946, foi
regulamentado o ensino profissional que contemplou o ensino agrícola (Decreto-Lei
9.613/1946). Decreto este, que reafirmava a educação sexista, pois as mulheres só
89

poderiam receber instrução agrícola em escolas femininas e o ensino deveria ter em


mira a natureza feminina e voltado para o papel da mulher na vida do lar (BRASIL,
2013, p. 272).
A Constituição de 1967, manteve o texto da obrigatoriedade de oferecer
ensino primário gratuito, mas a obrigatoriedade recaia apenas para as empresas
comerciais e industriais, conforme estabelecido pela Constituição anterior, excluindo
as agrícolas. A Emenda Constitucional de 1969, manteve esta mesma prática
(BRASIL, 2013, p. 273).
A Carta de 1988, apesar de não se referir diretamente ao ensino rural,
possibilitou o tratamento da educação rural como direito e respeito às diferenças,
sendo contemplada nas constituições estaduais e na LDBN. Mas os desafios
continuam presentes, pois na maioria dos textos constitucionais [dos estados] a
educação do campo recebe tratamento periférico, por conta do poder e influência de
grupos hegemônicos. E, se alguma mudança há nessa tendência, é por conta da
presença dos movimentos socais do campo, por exemplo, pela realização da
Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (BRASIL, 2013, p. 273).
Exposto essa visão das constituições brasileiras, passamos ao contexto atual.
Estudos recentes deixam nítido que a educação do campo ainda recebe tratamento
periférico, como afirma Santos:

Os valores presentes no meio rural, quando comparados ao espaço urbano,


eram tratados com descaso, subordinação e inferioridade. Num campo
estigmatizado pela sociedade brasileira, multiplicava-se, cotidianamente,
preconceitos e estereótipos (SANTOS, 2017, p. 211).

A partir do texto das Diretrizes percebe-se a importância da atuação dos


movimentos sociais em favor da educação do campo, nesse sentido Santos também
corrobora com o texto legal, quando afirma:

Na atual conjuntura, os movimentos sociais defendem que o campo é mais


que uma concentração espacial geográfica. É o cenário de uma série de lutas
e embates políticos. É ponto de partida para uma série de reflexões sociais.
É espaço culturalmente próprio, detentor de tradições, místicas e costumes
singulares. O homem e a mulher do campo, nesse contexto, são sujeitos
historicamente construídos a partir de determinadas sínteses sociais,
específicas e com dimensões diferenciadas em relação aos grandes centros
urbanos (SANTOS, 2017, p. 211).

O campo apresenta toda uma realidade e especificidade bem característica


tanto no que se diz respeito às pessoas, como sujeitos que possuem um modo social
90

de vida, quanto à natureza e sazonalidade e do envolvimento das pessoas com o


trabalho o que conduz à necessidade de uma educação ser pensada para o campo.
Como visto, as constituições brasileiras passaram a dar alguma atenção à educação
do campo a partir da Constituição de 1934, não tendo sido mencionada nas cartas de
1824 e 1891, como destaca o Relatório da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação. Segundo o Relatório ainda:

[...] alguns estudiosos consideram que a especificidade do campo constitui


uma realidade provisória que tende a desaparecer, em tempos próximos, face
ao inexorável processo de urbanização que deverá homogeneizar o espaço
nacional. Também as políticas educacionais, ao tratarem o urbano como
parâmetro e o rural como adaptação reforçam essa concepção (BRASIL,
2013, p. 267).

Ou seja, a educação do campo ou para o campo sempre foi uma adaptação


da educação dispensada ao meio urbano. Também o relatório cita a atividade e a
intenção dos Movimentos Sociais, quando diz:

Já os movimentos sociais do campo propugnam por algo que ainda não teve
lugar, em seu estado pleno, porque perfeito no nível das suas aspirações.
Propõem mudanças na ordem vigente, tornando visível, por meio das
reivindicações do cotidiano, a crítica ao instituído e o horizonte da educação
escolar inclusiva (BRASIL, 2013, p. 267).

De modo que o campo deve ser considerado um espaço heterogêneo, com


diversidade econômica, pluriatividade a presença de movimentos sociais e
multiculturalidade. Concluindo, a partir da contextualização da atenção dada à
educação do campo nas Constituições e do pressuposto indicado no relatório da
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, trazemos para
observação o exposto na RESOLUÇÃO CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2022.
Reza o artigo 3º: “O Poder Público, [...] deverá garantir a universalização do
acesso da população do campo à Educação Básica e à Educação Profissional de
Nível Técnico.” Isso posto, é a norma. A problematização é: a educação do campo
está recebendo a atenção devida? A inclusão dessas minorias que podemos chamar
de “a população do campo”, estão sendo contempladas, em conformidade como o
previsto no marco regulatório?
Por outro, afirma o artigo 5º dessa mesma Resolução: Art. 5º As propostas
pedagógicas das escolas do campo, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade
e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos artigos 23, 26 e 28 da Lei nº
91

9.394/96, contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais,


culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.
Ou seja, as propostas pedagógicas, para as quais se faz necessário
professores com a devida formação e capacitação, contemplarão a diversidade do
campo. É o que afirma o marco regulatório.
No entanto, será que os estudiosos da atualidade, não os que preconizaram
o desaparecimento do campo, mas esses de nossos dias, comprometidos com a
educação e a diversidade. Será que estes professores poderão nos afirmar que a
realidade do campo é esta proposta na resolução?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É interessante perceber que, sendo um conjunto de documentos datados de


2013, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica possui muitos
avanços democráticos significativos referentes às minorias e aos marginalizados. Mas
uma coisa é o papel, a outra a prática. Muito do que ali se encontra não foi colocado
em efetivo uso e outra grande parte foi sufocada pela onda “conservadora” que
arrasou o país. Uma perspectiva que de certa forma homogeneíza a noção de sujeito
e vilaniza a diferença: todos devemos ser iguais e pensar da mesma forma, como
robôs.
O divergente – em qualquer aspecto – não possui espaço para sequer existir.
Uma educação que possa ser específica e valorizar os segmentos sociais acabou por
ser ela própria, marginalizada, em detrimento de uma educação pelas instituições
ditas tradicionais, como a militar ou religiosa. Este espaço temporal no qual passamos
neste momento deve ser aproveitado para construção de algumas políticas públicas
para a educação que valorizem o trabalhador e as classes sociais ditas subalternas,
bem como os grupos identitários oprimidos pelo status quo, porque ele vai acabar.
Nada é permanente e os registros nos mostram que as forças reacionárias
tendem a resistir, espernear para evitar que a história avance e que a classe popular
se perpetue no poder. Devaneios políticos a parte, uma atualização dos DCN’s à luz
de um governo brasileiro afinado com a contemporaneidade urge.
92

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situação atual e perspectivas. Relatório Final: Cenários Transformadores para a
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94

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Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
95

REFLETINDO SOBRE A PERSPECTIVA DECOLONIAL: A DIÁSPORA CULTURAL


E A DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA

Adriana Marangueli da Silva22


Zeneide Santos Modesto23
Marilda de Oliveira Costa24

RESUMO: Reflete-se sobre a opção decolonial como importante entendimento da


diáspora e desobediência epistêmica, partindo do pressuposto da identidade cultural
de um povo disperso de suas origens. Investigar se a interseccionalidade consiste em
um método de desobediência epistêmica na perspectiva de um sujeito que precisa
viver e representar sua subjetividade no espaço social em sua complexidade
universal. E nesse âmbito que contextualizar a decolonialidade defendida por Mignolo
(2007) no sentido de intensificar trabalhos que ofertam um elo de objetividade na
identidade, culturalidade, racionalidade e assim que a distinção entre as civilizações
(inferior e superior) não exista. É nesse caminho que traçamos um olhar de análise
sob a intersecção de identidades sociais, e sistemas relacionados a opressão,
discriminação e dominação de algumas civilizações, visando compreender se a
interseccionalidade constitui-se nesse espaço epistêmico. E desse modo pontuar, o
posicionamento desses sujeitos de classe de luta que necessitam se colocar em
postura sempre em defesa de seus interesses, exigindo valorização e respeito à
ominilateralidade, no sentido de fortalecer a opção decolonial sob a demanda cultural
de uma civilização padronizada e instituída pela hegemonia eurocêntrica.
Palavras-chave: Desobediência Epistêmica. Colonialidade. Decolonialidade.
Diáspora.

INTRODUÇÃO

O presente capítulo traz uma reflexão ao processo epistemológico instituído


como Desobediência Epistêmica, à luz das discussões levantadas pelos autores
Walter Mignolo (2007) e Anibal Quijano (1990). Nesse pontuaremos de forma sintética
como a Colonialidade/Decolonialidade, desenvolvem entre as civilizações e nesse
caminho apresentar uma visão de Modernidade atrelada aos paradigmas da
Hegemonia consentida da Europa.

22 Especialista em Educação Ambiental (ICE). Email: adriana.marangueli@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/6704012980150720.
23 Especialista em Educação Interdisciplinar (AJES). Email: zeneide.modesto@unemat.br. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/0144465374252135.
24 Pós-doutora em Ciência da Educação no Instituto de Educação da Universidade do Minho/Portugal.

Email: marilda.costa@unemat.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0551479581924651.


96

Para tanto, diferenciamos o princípio da Desobediência Epistêmica que se


apresenta conectado a dois conceitos ideológicos muito bem explicados por Mignolo
(2007) que é a identidade em política e a política de identidade. É nessa conjectura
que observaremos a diferenciação desse movimento, pois pensar em construir uma
política econômica, social ou educacional, é refletir primeiro sob seus sujeitos em
construção e consideração de um indivíduo em sua complexidade formativa tanto
cultural, social e epistêmica, e assim superar a inferioridade de certas comunidades
consideradas excluídas pela ótica europeia e valorizar o conhecimento arraigado que
carregam durante toda sua história. Sendo assim, Mignolo (2008), afirma:

Tendo a construção epistêmica dos conceitos e categorias próprias do


pensamento descolonial, da mesma forma sem abandonar as contribuições
das críticas feitas ao pensamento colonial hegemônico produzido por
pensadores europeus, segundo Mignolo (2008) “não será tomada como
‘deslegitimar as ideias críticas europeias ou as ideias pós-coloniais
fundamentadas em Lacan, Foucault e Derrida’”(MIGNOLO, 2008, p. 288).

Diante do exposto, que refletimos sob a importância de um direcionamento para


a desobediência epistêmica, romper os paradigmas implantado da hegemonia de
algumas civilizações ditas como superiores. Seria a resistência à
Colonialidade/Modernidade eurocêntrica e assim incluir em nossas vidas projetos e
trabalhos que vão ao encontro dessa desobediência epistêmica, da luta pela
valorização de sujeito subjugado inferior como os descendentes afro, os indígenas, a
comunidade quilombolas, dessa forma, a inferiorização que engloba a raça, o gênero,
o sexo, a cultura etc. Sendo assim, a desobediência epistêmica deve ser aplicada de
modo a superar os desafios de uma sociedade capitalista, que visa a exploração de
seus trabalhadores no sentido apenas, de limitar e retirar ao máximo sua
subjetividade.
Nesse cenário capitalista, o olhar é direcionado apenas para a riqueza, nem
que seja, explorando, excluindo e inferiorizando as civilizações denominadas
inferiores. Nesse breve panorama que levantamos a ideia da construção de sujeitos
sociais e omnilaterais, na perspectiva de valorização de identidade epistêmica,
cultural, econômica e social.
97

UM BREVE RELATO DO CONCEITO DE DIÁSPORA A PARTIR DO DISCURSO DA


CONFERÊNCIA DE JULHO DE 2000

A estrutura de nossa sociedade foi desenvolvida a partir do ideal de


acumulação particular de capital. Esta característica causou uma visão antagônica na
sociedade, onde para se acumular capital era necessário valer-se da força de trabalho
das classes minoritárias e subalternas. Com esta prática, começaram a praticar a
escravização de povos, pelos chamados burgueses, os quais se tornaram os
responsáveis pela gestação e nascimento da prática racista em nosso planeta,
adquirindo novos contornos. O racismo nasce acoplado no âmbito da estrutura do
capitalismo, na sua origem de acumulação de bens. Tal processo de acumulação de
bens promovido pelo capitalismo, consolida os modos de produção, culminando com
a denominada Revolução Francesa. Esta prática dissemina-se, transformando
radicalmente a visão e o modo de ser do feudalismo, provocando na sociabilidade, o
surgimento de uma nova estrutura social: a classe burguesa.
A classe burguesa, passa assim, a controlar e concentrar os conceitos e
práticas sociais, políticos, ideológicos, culturais e econômicos, dentre outros. Esta
visão, traz em sua estrutura, novos olhares sobre a conformação das classes sociais
em sua estruturação. Concebemos assim, a visão do trabalho e sua divisão, na
perspectiva de Marx, considerando o intercâmbio material na perspectiva do ser
humano e sua relação com a natureza. O ser social tem a capacidade de estabelecer
sentidos às objetividades da realidade, características estas que o diferencia dos
animais irracionais.
O processo de racialização trouxe inúmeras consequências à sociedade como
um todo. Os inúmeros relatos de negros que foram racializados e relegados aos
subúrbios citadinos, em sua quase totalidade, amontoados nas favelas, vivendo
muitas vezes em condições sub-humanas, desassistidos pelo poder público.
Guimarães (2020), afirma que os negros correspondem a 66,7% dos 657,8 presos no
Brasil em que há a informação da raça/cor disponível, somando 438 mil pessoas. Para
cada não-negro cumprindo pena até 2019, duas pessoas negras estavam em situação
de cárcere. Os dados são do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado
no início da semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Nesta perspectiva, temos também relatos da ação direta destes aspectos de
dominação capitalista, aos povos indígenas, os quais tiveram suas terras e espaços
98

invadidos, por ocasião do descobrimento do Brasil. Assim, tiveram que abandonar


seus espaços, invadidos pelos garimpos ilegais e desmatamentos pelo agronegócio,
além da dizimação de muitos povos pelas doenças tropicais, desassistidos pelo poder
público. “Estima-se que a população indígena no Brasil no ano de 1500, quando os
primeiros colonizadores chegaram, variava entre 4 e 10 milhões de pessoas.
Passados 517 anos, a população indígena foi reduzida para 816.917 pessoas,
representando apenas 0,47% da população brasileira atual” (GARCIA, 2017, s/p).
Dessa forma, as marcas do processo de colonização, tornam-se então, a confirmação
do processo capitalista no mundo, com a imposição deste, às demais civilizações.
O etnocentrismo causa situações difíceis para muitas culturas nas quais as
pessoas vivem. Isso ocorre porque as pessoas que vivem em sociedades
etnocêntricas devem lidar com a discriminação de seus governos, religiões e raças.
Muitos países africanos estão entre as diásporas formadas por motivos racistas,
políticos e religiosos. A diáspora é, portanto, um assunto muito popular e se destaca
como pesquisa reflexiva em nosso tempo. Stuart Hall é um estudioso do campo da
linguagem que relê outros autores e pensa com eles, no contexto do marxismo atual,
da sociologia moderna, aplicada ao nosso tempo. Assim, para explicar o conceito de
diáspora moderna, Stuart Hall aborda temas complexos como: Colonização e
Racismo; Raça/Racismo e Racialização; Gênero e Sexualidade; Epidermalização;
Identidades Culturais
Diante do exposto consideramos importante destacar a relação entre cultura e
dinâmicas sociais nas representações mediadas pela identidade do sujeito e os
conceitos que envolvem processos de inclusão/exclusão no contexto da sociedade
moderna, na perspectiva de procurar mediar os aspectos relevantes entre
pluralismo, diversidade, multiculturalismo e tolerância. Nesse caminho a discussão
se pautou em conceitos de identidade, diferença e deficiência em sua relação com
a geração de representações e estereótipos dos sujeitos como participantes de
sociedades multiculturais. Para tanto, analisamos as relações de poder
estabelecidas nas relações sociais que definem o discurso de 'normalização' das
minorias culturais. Para finalizarmos a contextualização sob práticas culturais,
coadunamos com Fanon (1963) que “colonização não se compra apenas em manter
um povo nas suas garras e em esvaziar o cérebro do nativo de forma e conteúdo. Por
uma espécie de lógica pervertida, pega no passado do povo oprimido e distorce-o,
desfigura-o e destrói-o” (FANON, 1963, p, 170). Uma opção bem interessante sobre
99

não se prender a padrões fechados, ao “pertencimento cultural” como única e


homogênea, é abraçar um processo mais amplo - o jogo da semelhança e da
diferença, mudando culturas ao redor do mundo. Este é o caminho da “diáspora”, ou
seja, o caminho do homem moderno e da cultura moderna.

UM MOVIMENTO DA DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA

A discussão da identidade na política desenvolvida por Mignolo (2007), traz a


interpelação de um processo importante da lógica do pensar e agir, na concepção de
quebrar as correntes da moderna teoria política advinda da Europa). É perante a esse
ângulo patriarcal e racista de negar o preposto político às pessoas classificadas como
inferiores no sentido de raça, sexualidade, gênero etc.) que a inferioridade de
determinadas civilizações está sob o domínio eurocentrada. Em outra dimensão, o
fato de que algumas pessoas consideradas inferiores, tiveram negado o acesso
epistêmico pelo mesmo motivo há de se refletir diante do contexto histórico
eurocêntrico. Para tanto, toda transformação de descolonização política (não
heterossexualmente patriarcal, não racista), deve acarrear uma desobediência política
epistêmica. Desse modo, temos dois tipos de desobediência: a civil e a epistêmica; a
desobediência civil foi defendida por Mahtma Ghandi e Marter Luther King Jr.
efetivamente grandes mudanças ocorreram, portanto, a desobediência civil sem
desobediência epistêmica perdurará capturada em jogos controladores, embasado na
teoria política e econômica, centradas em uma política eurocêntrica.
Nesse cenário, o autor Anibal Quijano em um de seus trabalhos de quebra-de bases
“Colonialidad y Modernidad/Racionalidad” escreve (1990, 1992). partiu do princípio da
desobediência epistêmica, em que esse movimento precisa iniciar, para assim a
possibilidade de o desencadeamento epistêmico ingerir, em controvérsia, por
conseguinte manteremos no controle da oposição interna aos conceitos modernos e
eurocentrados, arraigados nas categorias de conceitos gregos e latinos e nas
subjetividades formadas dessas bases. E assim não seremos instruídos a exceder os
limites do Marxismo, Foucaldianismo, Freudismo dentre outros. Nesse sentido, o autor
fortalece a precisão de uma desobediência epistêmica como elementar percurso para
os pensadores pós-colonial/descolonial, essa proteção é enfatizada no texto de
Mignolo com um fragmento do artigo de Quijano: “Colonialidad y
Modernidade/Racionalidad” (1990, 1992):
100

Lejos de esto, es necesario desprenderse de las vinculaciones de la


racionalidad-modernidad con la colonialidad, en primer término, y en definitiva
con todo poder no constituido en la decision libre de gentes libres”. E nessa
cosmovisão de modernidade “[...] precisa ser assumida tanto por suas glórias
quanto por seus crimes (MIGNOLO, 2017, p. 04).

Para tanto, as discussões aqui se objetivam na decolonialidade, desobediência


epistêmica e na identidade em política, pois consideramos de extrema importância,
em que o percurso de todas as dimensões das identidades sociais, e que a gerência
da política de identidade situa-se, na construção de uma identidade que não se parece
como expressão superficial. Independentemente da cor, do gênero as principais
características de uma política de identidade precisam revelar identidades tanto
congêneres quanto diferentes, contrárias ao fundamentalismo. Para tanto, o autor
Stuart Hall menciona: ‘’A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço
entre o ‘’interior’’ e o ‘’exterior’’- entre o mundo público’’ (HALL, 1996, p. 02).
A identidade em política é relevante para opção descolonial, em virtude que,
não havendo construção de teorias, organização e ações políticas justificadas em
identidade que foram contingenciadas, haja visto, a possibilidade de desnaturalizar a
construção racial e imperial da identidade no mundo moderno em uma economia
capitalista. É nesse caminho, que compreendemos que a identidade em política, é a
única via de pensar descolonialmente. As outras formas de pensar e de agir
politicamente, isto é, maneiras que são descoloniais, denota permanecer no sentido
imperial, quer dizer, dentro da política dominante de identidades.
Outrossim, a política da identidade atua no pressuposto de que a identidades
primordiais entre comunidades marginalizadas por efeito (de gênero e raça) são as
que valem valorização. Comumente, política de identidade não se envolve em nível
de Estado e mantém na esfera da sociedade civil. Todavia, a identidade em política,
ao contrário desconecta da cadeia dos “partidos políticos” como tem firmado pela
teoria política moderna/colonial e eurocentrada.
Para Mignolo (2008), a desobediência epistêmica não se refere a “política de
identidade”, mas de “identidade em política”, para tanto, é indispensável diferenciar as
duas posições. Reforçando, a política de identidade fortalece o pensamento colonial
com sua definição e segmentação entre gênero, sexualidade, etnias etc. que é produto
dos conceitos construídos por correntes de pensamento que redizem o predomínio
colonial nos colonizadores. Consideravelmente na identidade em política que se
endossa a opção descolonial, estabelecendo teorias políticas que defrontem com
101

qualquer outra maneira de pensar, que essas não seja arquitetada com bases
conceituais/categorias e o instituir descolonial dos próprios colonizadores. Nesse
sentido, citamos a língua, que também executa essa função descolonizador no
arcabouço que vão ao encontro com as imposições do discurso imperial.

Pretendo substituir a geo e a política de Estado de conhecimento de seu


fundamento na história imperial do Ocidente dos últimos cinco séculos, pela
geo-política e a política de Estado de pessoas, línguas, religiões, conceitos
políticos e econômicos, subjetividades etc., que foram racializadas (ou seja,
sua óbvia humanidade foi negada). Dessa maneira, por “Ocidente” eu não
quero me referir à geografia por si só, mas à geopolítica do conhecimento
(MIGNOLO, 2008, p. 290).

A intercorrência descolonial é epistêmica, quer dizer, se desprende dos


fundamentos autênticos dos conceitos ocidentais e da acumulação de conhecimento.
E nesse conceito de desprender, elucido a institucionalização por todo o planeta e não
o abandono. Para tanto, a opção descolonial significa aprender a desaprender e esse
pensamento descolonial pode ser também compreendido como o fazer descolonial;
visto que a discrepância moderna entre teoria e prática não se adequa quando
entramos no campo do pensamento da fronteira e nos projetos descoloniais.
Uma das ações da razão imperial foi a de assegurar-se como uma identidade
superior ao constituir inferiores questões nacionais, raciais, religiosas, sexuais e de
gênero) e de arremeter para fora do ambiente normativo do real. Sendo assim,
refletimos sob a existência de muitas exterioridades, significa, o exterior construído a
partir do interior para tornar e atender seu espaço imperial. Como exemplo, citamos o
continente americano, objetivando o do Sul e Central, em que o pensamento
descolonial subsiste nas mentes e corpos de indígenas e população afros
descendentes. As marcas e a segregação gravadas em seus corpos por geração,
considerando a questão sociopolíticas e republicanas controlada pelo descendente
europeu, alimentaram uma mudança geopolítica de Estado do conhecimento.
Entretanto, o pensamento descolonial nos quilombos brasileiros, implementou o
pensamento indígena descolonial.
Destarte, o discurso de “superioridade racional”, traz para o debate o conceito
de modernidade europeia considerada como nação padrão. Interessante destacar,
que na América do Sul a política de desenvolvimento foi denunciada pelo presidente
da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina) o economista Raúl Prebisch,
que conduziu a teoria da dependência. Nota-se que a opção descolonial atua pelo
102

mundo, ressaltando as críticas que prosseguem na civilização capitalista e neoliberal.


Alternativas descoloniais estão descortinando o caminho para o futuro, que não pode
ser construído das ruinas e memórias da civilização ocidental e de seus aliados
internos. Pontuamos que, uma civilização que celebra e aprecia a vida ao oposto de
volver certas vidas requerida para amontoar morte, incertamente pode ser construída
a partir das ruínas da civilização ocidental, mesmo com suas falsas promessas.
Torna-se pressuroso, uma questão de sobrevivência, uma visão de esperança
e seriedade as possibilidades de futuro que desejamos “Esperançar” como inspira
Freire (2014), pois entendemos a importância desse conceito na construção de novos
sujeitos e valorização de identidades, subjetividades, e assim percorremos o caminho
da desobediência epistêmica, incorporada em nossas vidas pessoais, profissionais e
socias. Esperancemos em diminuir e/ou minimizar o pensamento abissal que divide e
segmenta a sociedade (SANTOS, 2020).
Ultimamente, alguns movimentos sociais vem se estabelecendo como
liderança de um mundo não capitalista e estão ganhando terreno, como as Nações de
Indígenas do Equador, Via Campesina e Fórum Mundial de Pescadores etc. Nessa
perspectiva, a opção descolonial vem ao encontro com a ideia da reprodução da vida,
isto é, na possibilidade da maioria das pessoas do mundo, dos quais foram
explicitamente obrigadas, e que a integridade foi oprimida; em que corpos foram
explorados na força de trabalho. Sendo assim, a reprodução de vida, integra os afros
escravizados e indígenas na constituição e desenvolvimento de uma economia
explicitamente capitalista, que se expande à reprodução da morte, por meio da
ampliação imperial do ocidente e assim, essa é possibilidade descolonial que vai
sustentando o pensamento descolonial, depreendendo um planeta no qual muitos
mundos podem coabitar. Esse movimento descolonial, está firmado na consciência
entre os participantes da comunidade e líderes de projetos que propaga essa
desobediência epistêmica. A luta está relacionada ao poder que não pode ser tomado,
como propõe Enrique Dussel, “porque o poder não está no Estado, mas nas pessoas
politicamente organizadas” (DUSSEL, 2006, p. 288).
Ao coadunar descolonialidade, identidade política e opção descolonial
transparece a identidade oculta sob demanda de teorias democráticas universais,
simultaneamente instituídas através de identidades racializadas, que foram edificadas
pela hegemonia das categorias de história, pensamento e experiencias eurocentrada.
Nesse caminho, pensar em uma economia que preze à reprodução da vida, oposto
103

da reprodução da morte que pretende à condolência e o arranjo justo da riqueza entre


muitos, e não uma centralização de capital entre poucos é de extrema relevância. Há
necessidade de uma economia inclinada na direção da reprodução da vida e ao bem-
estar de muitos, no sentido de um trabalho direcionado a uma organização
sociopolítica em escala global. E a opção descolonial se afronta com os projetos
econômicos colonial/imperial precedido pelos países europeus, conservando o projeto
de globalização neoliberal que para Mignolo (2008) caminha para “desfetichização”
do poder político e em uma organização econômica que visa à [...] “à reciprocidade e
à distribuição justa da riqueza entre muitos, e não à acumulação de riqueza entre
poucos”, pensamento imperial que procura se impor.
As observações sobre identidade em política e desobediência epistêmica
referenciadas por Mignolo suplantam a mera definição do pensamento descolonial.
Procurar definir seria limitar-se ao pensamento hegemônico do regulamento e doutrina
do conhecimento ocidental, no qual o autor busca arredar. E nesse sentido,
reconhecer o pensamento descolonial é compreender que o ser e o estar em uma
pessoa, permite contrair uma identidade em política e uma desobediência epistêmica
descolonial, independente se está representado por um branco europeu estando na
Europa, África ou Ásia. Portanto, essa política de identidade pode ser exercida por um
nativo das américas, um mestiço ou indígena etc. que é capaz de assumir o
pensamento colonial. Dessa forma, a consciência está acertadamente na aceitação
das diversidades de categorias, relações de poder e organização.
Nossas considerações revelam a centralidade da desobediência epistêmica
como negação de qualquer abordagem de padronização das relações sociais e
econômicas e subjetivas dos povos, sempre receando e sustentando sua
independência social, epistemológica e de poder. É nessa crítica que questiona
qualquer tentativa de adequar esses povos a modelos socioeconômicos defendidos
por teorias como o neoliberalismo, que reforça o poder hegemônico do Capitalismo.
Ou ainda, a teoria do socialismo/comunismo, que apesar de sua oposição frente ao
capitalismo, é considerada por Mignolo como tendo em sua essência os mesmos
objetivos: padronização às formas de organização social pelo planeta. Ambas as
teorias combatidas pela corrente de pensamento descolonial, da qual faz parte
Mignolo e outros pensadores contemporâneos.
A relevância da mudança de conceitos encapsulados em algumas civilizações,
sob à luz da colonialidade e suas implicações, reforça o quanto o processo de
104

pensamento descolonial, na sua episteme e diversidade ao longo da civilização, abriu


uma ferida em algumas civilizações subjugadas inferiores, como exemplo citaremos
os indígenas da América, os negros da África, dentre outras. Devido a essas
subjetividades excluídas que a existência de projetos descolonial ou opção
descolonial, necessitam partir de trabalhos relacionados a epistemologia de fronteira
entre as civilizações, quanto o pensamento de fronteira.
Essa mudança de episteme e consciência, demonstra a posição descolonial e
seu significado no enxerto de um pensamento a partir da exterioridade e em uma
posição de conhecimento dependente, referente à hegemonia epistêmica que
concebe e compõe um exterior a fim de garantir sua interioridade.
Nesse princípio os processos decoloniais e de desobediência epistêmica,
move-se em direção a um futuro para mais do acúmulo de capital que se distancia da
cosmologia advinda da Europa, trazendo uma visão de padrão de modernidade,
definindo-os como reais protagonista do período. Diante do exposto, citamos o
sistema neoliberal, que gere a distribuição social e influencia a gestão de trabalho,
cujas engrenagens atuam diretamente na acumulação de riqueza, exploração de
trabalho da classe subjugada inferior, apropriação individual de recursos naturais
dentre outros meios de capitanear. O desafio que se enfrenta em todo esse processo
direcionado ao capitalismo, é de certa forma incluir a gestão da educação que é
essencial na formação e administração da organização econômica, política da
sociedade como a formação da subjetividade do sujeito, partindo do pressuposto de
sua integralidade e plenitude do sujeito como ser omnilateral. Consequentemente, o
enfrentamento de direitos epistêmicos, é por princípios em que a política, economia e
educação estejam no mesmo patamar epistemológico, que seja arranjada,
determinada e decretada.
Nessa direção, citamos a importância de projetos que visam a universalidade,
a integralidade e multiculturalidade entre as civilizações. Como exemplo Nina Pacari
(2006), cita um modelo de pensamento descolonial, entre comunidades indígenas,
explicando afirmação de identidades e os quatro pilares da promoção de poder que
são: proporcionalidade-solidariedade; complementaridade; reciprocidade; e
correspondência.
Para tanto, pensar sobre a descolonialidade, projetos descoloniais em uma
escala global, propenso no pensar e no agir, traz para discussão que a opção
descolonial requere ser epistemicamente desobediente. E nesse caminho uma opção
105

descolonial é a luta, que não é uma escolha para determinados povos massacrados
pela exploração capitalista, mas uma expressão de sua revolta e resistência. Aqueles
que fizeram nossa carne de açoite, são os mesmos que o fazem hoje. Os traficantes
de pessoas escravizadas, ou simplesmente, burgueses, são os responsáveis pela
gestação e nascimento do racismo estrutural (ALMEIDA, 2018).
Para tanto, o caminho para um amanhã se trata de um intenso trabalho à luz
epistemológica, e como proposta a linha descolonial como escolha assertiva da luta
contra a hegemonia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão e análise apresentada nesse artigo, foram feitas a partir de


questionamentos das linhas abissais (SANTOS, 2007), associando com a
Modernidade, Colonialidade, Capitalismo e a Desobediência Epistêmica dos autores
(MGNOLO, 2007; QUIJANO, 1990). Nota-se o racismo, enquanto adversidade de
organização e estruturante de nossa sociedade, afeta-nos constantemente, de formas
muito profundas e nem sempre visíveis. A modernidade é frequentemente relacionada
a suas conquistas de independência político-econômica, no território europeu, mas
dificilmente é associada a seus atos nefastos. São eles o engendramento do
capitalismo, da colonização e da linha abissal existente entre as civilizações ditas
como superiores.
Constata-se a problemática e complexas linhas abissais existentes e gritantes
das diferenças sociais de classe. O abismo existente entre o acesso à educação,
projeto esse pautado nas conjunturas neoliberais, atuando e influenciando os
trabalhos pedagógicos nas escolas e assim novos rumos a educação tem tomado.
Contudo, as micropolíticas locais têm potencial de construir “novos modos de
subjetividade” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 30), e esperançamos por uma virada
epistêmica.
É nesse contexto que o sistema neoliberal, gerencia a gestão de recursos de
trabalho e distribuição social, sua organização e as diversas manifestações dos
sujeitos, engrenando visões coaptadas na acumulação de riqueza, exploração de
trabalhos, apropriação individual de recursos. Para tanto a constituição é puramente
administrativa político-econômica. Nesse sentido, a reflexão que se faz, é como incluir
a gestão da educação nesse núcleo, em razão de a educação ser fundamental para
106

a formação da subjetividade quanto para a formação e a administração da


organização econômica e política da sociedade.
O protagonismo do sujeito em atuar no poder público faz parte dessa
desobediência epistêmica aqui discutida, e assim diminuir a linha abissal existente
entre os povos inferiorizados pela branquitude, pelo eurocentrismo, enfim pela
colonialidade. O desenvolvimento e promoção das atividades sociais por todos, sem
discriminação, sem racismo, efetuando a participação em discussões sociais é
primordial. Esse processo de governança social, vai deixando de ser exclusiva de
grandes corporações e pelas elites e assim, podemos pensar em construir um planeta
mais inclusivo e igualitário.
A perspectiva aqui tratada serve de referencial base para pensar um projeto de
sociedade e de contra hegemônica; uma educação libertadora, progressista, que tem
os sujeitos sociais na sua centralidade, tal como tão bem defendeu Freire, em suas
dezenas de obras voltadas para pensar uma pedagogia que contraponha à pedagogia
burguesa, neoliberal, tecnicista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARAÚJO, L. M. F. de. Colonização e racismo estrutural: notas sobre a relação entre
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107

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https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/negros-sao-dois-em-cada-tres-presos-no-
pais-mostra-anuario-de-seguranca-publica. Acesso em: 02 mar. 2023.
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TOLSTÓI, Liev N. Obras pedagógicas. Moscou: Edições Progresso, 1988.
108

DIMENSÕES PEDAGÓGICAS: REFLEXÕES À LUZ DA EPISTEME DOS


ESTUDOS CULTURAIS NO CURRÍCULO ESCOLAR

Géssica Souza Lacerda25


Jenilson de Aguiar Biano26
Rosane Duarte Rosa Seluchinesk27

RESUMO: O presente trabalho apresenta reflexões acerca das dimensões


pedagógicas à luz da episteme dos estudos culturais no currículo escolar. Foi
evidenciado que representam uma abordagem teórico-metodológica importante para
compreender as práticas em suas relações de poder. Além disso, foi ressaltada a
relevância dessa abordagem para a elaboração de um currículo mais diverso e aberto,
com uma perspectiva crítica e reflexiva sobre as demais questões. Os estudos
culturais apresentam-se como uma ferramenta para uma reflexão crítica sobre as
relações de poder no conhecimento, assim como possibilita a valorização e
reconhecimento da diversidade cultural. Ademais, a abordagem pode contribuir
significativamente para o processo de construção na educação básica até a pós-
graduação. Os educadores devem estar cientes das contribuições para a construção
de um currículo mais democrático e inclusivo, valorizando a pluralidade cultural e as
diferenças. Nesse sentido, é importante repensar a prática pedagógica e a construção
do conhecimento no âmbito educacional. Dessa forma, é possível afirmar que os
estudos culturais representam uma abordagem essencial para o processo de
construção do saber na educação, possibilitando a valorização da diversidade e das
diferenças, bem como promovendo uma reflexão crítica sobre as relações de poder
que permeiam o conhecimento.
Palavras-chave: Estudos Culturais. Currículo escolar. Diversidade Cultural.

INTRODUÇÃO

Os estudos culturais podem ser definidos como um meio para estudar as


práticas culturais de seu compromisso com e dentro das relações de poder (NELSON
et all. 1995). Nesse cenário, os estudos culturais aparecem em meio às manifestações
de determinados grupos sociais que desejavam uma cultura apoiada
democraticamente.
Os estudos culturais entendem os produtos culturais como agentes de
reprodução social, enfatizando seu caráter complexo, dinâmico e ativo na construção

25 Especialista em Física e Química (Faculdade Futura). Email: gessica.lacerda@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/5839600848481833.
26 Especialista em Políticas Públicas, Participação e Controle Social do Estado. Email:

jenilson.biano@unemat.br. Lattes: https://lattes.cnpq.br/8520217089796846.


27 Doutora em Desenvolvimento Sustentável (UnB). Email: rosane.seluchinesk@unemat.br. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4455576585988698.
109

da hegemonia, mas discordam da afirmação de que as ferramentas de comunicação


são simples ferramentas de manipulação e controle.
Os Estudos Culturais têm por objetivo apresentar uma proposta acadêmica da
crítica cultura, violando a antropologia e adotando uma compreensão política e
engajada (GUSMÃO, 2008). Isso ocorre quando observamos as relações de poder
como causas da monoculturalidade do currículo e a escola como lugar de produção
curricular, identidade e diferenças. Assim, um currículo aberto a novas informações
deve criar condições para discussão escolar história, epistemologia e relações de
poder, incluindo os diversos saberes (PERRELI, 2008).
Nesse cenário, aparecem em meio às manifestações de determinados grupos
sociais o desejo por uma cultura apoiada democraticamente. Segundo Perreli (2008),
o currículo e a escola passam a ser um lugar de produção curricular, identidade e
diferenças.
Com o objetivo compreender como a cultura é construída e moldada pela
sociedade em que está inserida, os estudos culturais enfatizam a importância das
identidades, bem como as relações de poder que existem dentro dessas identidades.
Conforme Hall (2003), "Os estudos culturais começaram a se desenvolver como uma
crítica às formas tradicionais de análise, especialmente ao estruturalismo e ao
marxismo" (p. 201).
Essa abordagem multidisciplinar permite uma reflexão crítica sobre os valores
e crenças que permeiam a cultura e a sociedade. Isso envolve a análise de mídias,
como a televisão e a internet, que exercem uma grande influência sobre a forma como
as pessoas pensam e se comportam. De acordo com Kellner (1995), "os estudos se
concentram na produção cultural e nas formas em que a cultura é relacionada com as
práticas sociais e ação política" (p. 7).
Ao trazer à tona as questões de poder e identidade na cultura, podem ajudar
a promover mudanças sociais e políticas, especialmente em relação à diversidade
cultural e à inclusão. Eles têm sido utilizados em diversos campos, incluindo
educação, sociologia, antropologia, comunicação e artes. Segundo Morley (1995), "os
estudos são agora um campo florescente, cuja força está na sua capacidade de
conectar teorias e práticas, intelectuais e ativistas" (p. 10). Os Estudos oferecem uma
abordagem crítica e interdisciplinar para entender a cultura, e sua influência na vida
das pessoas. Eles são uma ferramenta importante para promover a diversidade
cultural e a inclusão em diversas áreas da sociedade.
110

O presente estudo tem por objetivo contribuir significativamente para o


processo de construção do saber na educação básica até a pós-graduação,
contribuindo para elaboração de um currículo diversificado, buscando abordar a
importância dos Estudos Culturais. Para atendermos ao objetivo proposto nesta
pesquisa, partimos de uma abordagem bibliográfica.
Segundo Severino (2007), a pesquisa bibliográfica é um registro disponível
em documentos impressos como livros, artigos, teses, etc. de pesquisas anteriores.
São utilizados dados teóricos já processados e devidamente registrados por outros
pesquisadores. Dessa forma, buscamos abordar a importância dos Estudos Culturais
e como essa episteme influência na construção do currículo escolar.

ESTUDOS CULTURAIS

Os estudos culturais tiveram sua origem na Inglaterra no final do século XX,


logo após a segunda guerra mundial. Na visão de Wortmann et al. (2015), os estudos
culturais são referidos como um corpo de conhecimento nômade, que se expandiu
especialmente na década de 1990 devido à internacionalização dos aspectos
britânicos desses estudos, que ao serem propostos para outros países causaram uma
série de mudanças nas práticas e lugares de conhecimento.
Os Estudos Culturais tiveram sua origem no Centro de Estudos Culturais
Contemporâneos (CCCS), que surgiu em resposta às mudanças nos valores
tradicionais da classe trabalhadora após a Segunda Guerra Mundial na Inglaterra. O
Centro foi fundado em 1964 por Richard Hoggart, cujo estudo The Uses of Literacy
(1957) serviu de inspiração. O CCCS parece ter sido vinculado ao Departamento de
Inglês da Universidade de Birmingham e constituiu o Graduate Center do mesmo
departamento. A abordagem cultural adotada pelo CCCS foi difundida em todo o
mundo (ESCOSTEGUY, 2001).
As relações entre a cultura moderna e a sociedade, suas formas culturais suas
e práticas culturais, bem como as relações com a sociedade e as transformações
sociais constituem o principal eixo de observação do CCCS.
Os estudos culturais conferem à cultura um papel que não é explicado pelas
definições econômicas. A relação entre o marxismo e os estudos culturais começa e
se desenvolve com uma certa crítica ao reducionismo e sua perspectiva, o
111

economicismo, que leva à rejeição do modelo básico da superestrutura. A perspectiva


marxista influenciou o estudo da cultura no sentido de que entendia a cultura em sua
"autonomia relativa", ou seja, não depende das relações econômicas ou de seus
reflexos, mas é influenciada e sofre consequências político-econômicas, relacionando
várias forças determinantes - econômicas, políticas e culturais – que competem e
entram em conflito umas com as outras para formar a unidade complexa que é a
sociedade.
Neste sentido, verificamos a relação entre marxismo e estudos culturais, e
como as perspectivas desses dois campos influenciam a compreensão da cultura. Ele
argumenta que os estudos culturais dão à cultura um papel que não é totalmente
explicado pelas definições econômicas, e que a perspectiva marxista influenciou o
estudo da cultura em sua "autonomia relativa".
Wortmann et al. (2015) ainda destaca a crítica ao economicismo, que é uma
visão reducionista que enfatiza demais o papel das relações econômicas na
sociedade, e a rejeição do modelo básico da superestrutura, que sugere que a cultura
é determinada por fatores econômicos. Em vez disso, a perspectiva marxista entende
a cultura como influenciada por uma série de forças determinantes - econômicas,
políticas e culturais - que competem e entram em conflito umas com as outras para
formar a unidade complexa que é a sociedade.
Quando tentamos entender os Estudos Culturais, nos deparamos com uma
infinidade de definições e características, e quando se trata de educação, dobramos
nossas dificuldades e nuances.

ESTUDOS CULTURAIS E SEU CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Na Escola de Birmingham (Center for Contemporary Cultural Studies), iniciou-


se o desenvolvimento dos estudos culturais, sobretudo o posicionamento de nosso
lugar de discussão, observação e participação, de que a tradição latino-americana e
brasileira se baseava nos esforços teóricos e metodológicos da cultura. (LISBÔA
FILHO; MACHADO, 2015). Dessa forma, Hall et al. (1980, p. 7), complementa que,
"os Estudos Culturais não configuram uma “disciplina”, mas uma área onde diferentes
disciplinas interagem, visando o estudo de aspectos culturais da sociedade".
112

Na prática, muitos pesquisadores trabalham em estudos culturais com


formações muito diferentes (nem sempre compatíveis) com pontos de partida
acadêmicos e geográficos. Além disso, muitos estudiosos vêm para esta região por
várias razões intelectuais e até políticas.

Segundo Baptista (2009), o campo dos estudos culturais é essencialmente


paradoxal, ou seja, é um objeto de controvérsia e incerteza, caracterizado por uma
forte presença acadêmica nos debates intelectuais, revelando profundas
discordâncias internas sobre quase tudo: para que serve, para quem os seus
resultados, com que teorias produz e usa, quais métodos e objetos de pesquisa são
adequados para isso, quais são seus limites, etc.

Em Baptista (2009) observamos uma característica fundamental do campo


dos estudos culturais, que é a sua natureza paradoxal. De acordo com o autor citado,
o campo é objeto de controvérsia e incerteza, e apresenta uma forte presença
acadêmica nos debates intelectuais. Além disso, os estudos culturais são marcados
por profundas discordâncias internas em relação a diversos aspectos, como a
finalidade dos estudos, o público-alvo, as teorias utilizadas, os métodos e objetos de
pesquisa, e os limites da abordagem. Essa característica paradoxal dos estudos
culturais pode ser vista como uma vantagem, já que a diversidade de perspectivas
pode levar a uma maior riqueza e complexidade na compreensão dos fenômenos
culturais. No entanto, também pode tornar a área menos coesa e mais difícil de definir
e delimitar, o que pode ser um desafio para os pesquisadores e estudiosos que
buscam trabalhar nesse campo.

Ainda de acordo com Baptista (2009), se existe algum "método" nos estudos
culturais, é o questionamento de fronteiras socialmente construídas (como classe,
gênero, raça, etc.) nas mais distintas realidades humanas. A "naturalização" dessas
categorias foi exatamente objeto de grande discussão nos estudos culturais.
Não admira, pois, e tendo em conta a constante crítica de que nasceu e se alimenta,
que a disciplina seja tão difícil de manter.

Metodologicamente e em termos de pesquisa, segundo Baptista (2009), o


campo foi inicialmente organizado em torno de três áreas de interesse: pesquisa
etnográfica (que são procedimentos de observação ao participante sendo realizada
em escolas e cidades e também em diversas instituições sociais, levando em
113

consideração à vivencia dos participantes); abordagem textual (literatura, objetos


midiáticos, documentos governamentais, leis, etc. levando em consideração as
abordagens textuais, numa perspectiva semiótica); e estudos de recepção, aonde o
sentido do texto é ativado pelo leitor. Os estudos de recepção se desenvolvem em
duas linhas fundamentais: o modelo codificação/descodificação e o modelo clássico
da tradição hermenêutica e literária.

Com base nas leituras até aqui realizadas, podemos observar que os
comentários trazidos por Baptista (2009) se constituem como uma breve descrição
das áreas de interesse que inicialmente organizaram o campo dos estudos culturais
em termos metodológicos e de pesquisa. A primeira área é a pesquisa etnográfica,
que envolve procedimentos de observação participante em escolas, cidades e outras
instituições sociais, levando em consideração a vivência dos participantes. Essa
abordagem tem como objetivo entender como a cultura é vivenciada e interpretada
pelos indivíduos em seu cotidiano.

Ainda neste caminho, percebemos que a segunda área é a abordagem


textual, que se concentra na análise de diversos tipos de textos, como literatura,
objetos midiáticos, documentos governamentais, leis, entre outros, utilizando uma
perspectiva semiótica. Essa abordagem busca entender como os significados são
construídos e transmitidos através desses textos. E, por fim, temos os estudos de
recepção, que têm como foco a forma como o sentido dos textos é ativado pelo leitor.
Essa área se desenvolveu em duas linhas fundamentais: o modelo
codificação/descodificação, que busca entender como o receptor decodifica as
mensagens transmitidas pelos textos, e o modelo clássico da tradição hermenêutica
e literária, que se concentra na interpretação dos textos a partir de uma perspectiva
histórica e literária. Essas três áreas de interesse ilustram a abordagem interdisciplinar
dos estudos culturais, que se baseiam em uma variedade de métodos e perspectivas
teóricas para compreender a cultura em suas múltiplas dimensões.

Esses sistemas ou códigos de significado dão significado às nossas ações.


Eles nos permitem interpretar significativamente as ações dos outros. Juntos, eles
compõem nossa "cultura". Eles ajudam a garantir que toda atividade social seja
cultural, que todas as práticas sociais expressem ou transmitam significado e sejam,
nesse sentido, práticas de significado (HALL, 1997, p. 1).
114

ABORDAGENS DOS ESTUDOS CULTURAIS NO CURRÍCULO ESCOLAR

Estudos de ensino inspirados nos Estudos Culturais (EC) abordam seu


importante papel na formação da identidade. Acessar algumas informações, utilizar
algumas funções, coloca o aluno de certa forma diante das "coisas" do mundo,
influenciando fortemente as representações construídas.

Os Estudos Culturais inauguraram uma forma especial de olhar para a cultura


e, desde o início, incluíram tópicos de novos e já estabelecidos campos de estudo
relacionados aos principais movimentos sociais. Isso se aplica a estudos feministas,
de gênero, raça e etnia, cultura surda, sexualidade e muitos outros estudos (COSTA;
WORTMANN; BONIN, 2016).

Segundo Brasil et al. (2016), os ECs são, fundamentalmente políticos e


teóricos, pois se caracterizam através de um projeto político e um novo campo de
pesquisa, respectivamente. Estudos Culturais no campo da educação, se tornaram
um campo onde vários ramos da ciência se interagem e cujas questões mudaram sob
o poder manipulador da publicidade e da pobreza linguística da imprensa popular e o
ponto de interrogação das próprias disciplinas. O conhecimento entre diferentes
departamentos e áreas do conhecimento, muitas vezes expressa os limites na
compreensão das questões da vida humana nas cidades.

Para darmos continuidade as discussões, consideramos importante trazer à


baila o conceito de currículo escolar, e para tanto, nos apoiamos em Deleuze e
Guattari (2019), para compreendermos que o currículo escolar é um espaço de lutas
políticas e ideológicas, onde a cultura dominante é reproduzida e as diferenças são
silenciadas. Para os autores, o currículo escolar deve ser repensado para incluir uma
perspectiva mais ampla e pluralista, que leve em conta a diversidade cultural e social.
Eles propõem que o conhecimento seja organizado de forma a conectar diferentes
áreas de estudo e a promover a interdisciplinaridade, em vez de separá-las em
disciplinas estanques.

Além disso, Deleuze e Guattari (2019) destacam a importância de incluir as


perspectivas dos alunos na elaboração do currículo, de forma a torná-lo mais
relevante para suas vidas e interesses. Eles acreditam que isso pode ser alcançado
através de práticas pedagógicas mais democráticas e participativas, que permitam
115

aos alunos ter voz e poder de decisão em relação ao que é ensinado e como é
ensinado.

Desta forma, considerando a importância que o currículo possui no processo


formativo dos estudantes, e as relevantes contribuições que os estudos culturais tem
desempenhado nesse caminhar de construção do saber, é que passamos a discutir
no próximo subtítulo sobre esses pontos.

OS ESTUDOS CULTURAIS E AS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE


CONSTRUÇÃO DO SABER DA EDUCAÇÃO BÁSICA À PÓS-GRADUAÇÃO

Os Estudos Culturais na Educação Básica têm como objetivo principal analisar


como as práticas culturais afetam a construção de identidades e subjetividades dos
indivíduos, e como essas práticas são reproduzidas e transformadas no âmbito
educacional. Segundo Hall (2006), os Estudos Culturais surgiram como uma resposta
crítica à teoria tradicional de cultura, que enfatizava a existência de uma cultura
dominante, homogênea e estável. Os Estudos Culturais, por sua vez, propõem uma
abordagem mais pluralista e dinâmica, que reconhece a diversidade cultural e as
relações de poder presentes nas práticas culturais.
Na Educação Básica, os Estudos Culturais podem ser utilizados como uma
ferramenta pedagógica para estimular a reflexão crítica sobre as práticas culturais
presentes na sociedade e no ambiente escolar. Isso implica em questionar as formas
como as diferentes culturas são representadas e valorizadas, e como essas
representações afetam a autoestima e o desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
(COSTA, 2000).
Além disso, segundo Costa (2000), os Estudos Culturais podem contribuir para
a construção de uma educação mais democrática e inclusiva, ao reconhecer a
importância das diferenças culturais e promover a valorização da diversidade. Essa
abordagem pode ser aplicada em diferentes áreas do conhecimento, como literatura,
história, geografia, artes, entre outras. Outro aspecto importante dos Estudos Culturais
na Educação Básica é a compreensão de que as práticas culturais não são neutras,
mas carregam valores e ideologias que influenciam a construção das identidades e
subjetividades dos estudantes. Por isso, é importante que a escola desenvolva
práticas pedagógicas que estimulem a reflexão crítica e o diálogo sobre as diferentes
culturas presentes na sociedade.
116

Neste caminho, passamos a compreender quais as contribuições dos ECs para


o ensino superior, e de acordo com Bonin et al. (2020), uma das principais
contribuições é a sua capacidade de promover a reflexão crítica sobre a cultura e seus
significados. Ao analisar a cultura em suas diferentes manifestações, os estudantes
são desafiados a pensar sobre as estruturas de poder e as desigualdades presentes
na sociedade, bem como sobre os processos de produção e consumo cultural. Isso
permite que os estudantes ampliem suas visões de mundo e desenvolvam habilidades
críticas que são essenciais para a cidadania ativa.
Outra contribuição importante dos Estudos Culturais no ensino superior é a
sua capacidade de fomentar o diálogo entre diferentes perspectivas e disciplinas. Por
ser um campo interdisciplinar, os Estudos Culturais permitem que os estudantes se
aproximem de diferentes áreas do conhecimento e desenvolvam uma compreensão
mais abrangente sobre a cultura. Isso ajuda a romper com a compartimentalização do
conhecimento e a fomentar a interação entre as áreas, contribuindo para uma
formação mais integral dos estudantes (BONIN et al., 2020).
Os Estudos Culturais também têm sido importante para o desenvolvimento de
metodologias de ensino mais participativas e críticas. Através de estratégias como a
pesquisa-ação, os estudantes são incentivados a investigar as realidades culturais ao
seu redor e a desenvolver projetos que possam contribuir para a transformação social.
Isso ajuda a promover a relação entre a universidade e a sociedade, contribuindo para
a formação de profissionais mais engajados e comprometidos com a construção de
uma cultura mais justa e democrática.
Segundo Brasil et al. (2016), ainda existem poucos programas de pós-
graduação no Brasil que assumem obviamente que os Estudos Culturais e sua
associação com a educação é parte integrante de sua própria identidade como
programas educacionais. Apesar da expansão no campo da EC na América Latina e
principalmente na América do Norte, ainda pensamos que essa expressão, digamos
"prático" e "concreto", é uma pequena extensão dos programas educacionais na
educação moderna.

Na pós-graduação, os Estudos Culturais têm contribuído para a formação de


profissionais mais críticos e reflexivos, capazes de compreender a complexidade das
relações culturais e sua influência na educação.
117

Os programas de pós-graduação que incorporam os Estudos Culturais como


parte integrante de sua identidade têm promovido uma formação mais ampla e
interdisciplinar, que permite aos estudantes uma visão mais abrangente e crítica das
práticas educacionais. Como afirma Giroux (2002), a incorporação dos Estudos
Culturais na pós-graduação é uma forma de promover uma educação mais crítica e
democrática, que permita a compreensão das relações entre cultura, poder e
conhecimento.

A partir dessa perspectiva, os Estudos Culturais na pós-graduação têm se


mostrado fundamentais para a compreensão da relação entre cultura, poder e
educação. Esses estudos possibilitam uma reflexão mais profunda sobre as práticas
culturais e educacionais, bem como sobre os processos de exclusão e inclusão que
ocorrem nesses espaços.

Além disso, os Estudos Culturais têm contribuído para a formação de


pesquisadores mais sensíveis e críticos, capazes de analisar e compreender as
complexas relações entre cultura, identidade, subjetividade e educação. Esses
pesquisadores têm utilizado os Estudos Culturais como uma ferramenta para
desenvolver pesquisas mais inovadoras e interdisciplinares, que consideram a
diversidade cultural e as relações de poder presentes na sociedade.

Os Estudos Culturais têm sido uma contribuição fundamental no processo de


construção do saber da pós-graduação em educação, permitindo uma formação mais
ampla e crítica dos profissionais da área e promovendo uma compreensão mais
profunda das relações culturais e educacionais na sociedade contemporânea.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste ensaio foram abordadas reflexões importantes sobre as dimensões


pedagógicas à luz da episteme dos estudos culturais no currículo escolar. Foi possível
perceber a relevância como uma abordagem teórico-metodológica que busca
compreender as práticas culturais. Estes estudos têm ganhado espaço no âmbito da
educação, contribuindo para a construção de um currículo mais diverso. A partir das
abordagens no currículo escolar, foi possível perceber a importância de uma
perspectiva crítica e reflexiva sobre essas questões.
118

Pode-se perceber ainda que essa abordagem pode contribuir


significativamente para o processo de construção do saber na educação básica até a
pós-graduação. A perspectiva permite uma reflexão crítica sobre as relações que
permeiam o conhecimento, assim como possibilita a valorização e reconhecimento da
diversidade cultural.
Portanto, é importante que os educadores estejam cientes das contribuições
dos Estudos Culturais para a construção de um currículo mais democrático e inclusivo,
valorizando a pluralidade cultural e as diferenças. A partir dessas reflexões, é possível
repensar a prática pedagógica e a construção do conhecimento no âmbito
educacional, buscando sempre uma perspectiva crítica e reflexiva.

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Educação, Porto Alegre, v. 38, n. 1, p. 11-13, jan./abr. 2015.
120

PARTE III
PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
121

O JOGO À LUZ DA FENOMENOLOGIA

Michele de Arruda Vasconcelos Moura28


Marina da Costa Azevedo29
João Carlos Martins Bressan30

RESUMO: O presente artigo lança mão da concepção fenomenológica de Merleau-


Ponty à guisa de uma problematização epistemológica do jogo como substrato
ontológico da existência humana, que vêm sendo submetido contemporaneamente a
uma transgressão com vieses de uma perspectiva mercadológica. O cenário
impulsionador da escrita se dá partir da disciplina Teorias da Educação, ofertada pelo
programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Mato
Grosso — PPGEDU/UNEMAT. Partiu-se do pressuposto de analisar a concepção da
Fenomenologia da percepção e suas formas de expressões em que Merleau-Ponty
faz referências aos seus estudos e descobertas, trazendo reflexões sobre a possível
astúcia do homem com o mundo. Corolário a isso alicerçados nas ideias do autor, em
que o homem tem uma visão fenomenológica a partir do conhecimento sobre a
ideologia, a política e religião, explanar o conceito de jogo como elemento cultural,
repleto de sentidos e significados que vem sendo transgredidos conforme
determinados interesses, nesse caso, mercadológicos. Nessa esteira de reflexões
considerou-se a fenomenologia como um caminho heurístico para a problematização
propalada, enquanto possibilita um imbricamento entre a centralidade do ser e a
subjetividade, sendo estas duas dimensões pungentes, tanto na fenomenologia como
também nas elucubrações sobre o jogo.
Palavras-chave: Fenomenologia. Problematização. Jogo.

INTRODUÇÃO

Este manuscrito se propõe a abordar as possíveis implicações concernentes a


determinada concepção da fenomenologia com o fenômeno jogo enquanto elemento
cultural. No que lhe concerne, alvitra, em uma breve análise, problematizar
determinadas transgressões a que sofre o jogo, notadamente por interesses do
consumismo.
Nessa esteira de reflexões optou-se pelos caminhos heurísticos da
fenomenologia, cujo baldrame, em opção, se dá pela lente epistêmica de Merleau-

28 Especialista em Educação Especial. Email: michele.moura@unemat.br. Lattes:


https://lattes.cnpq.br/8256236278421428.
29 Especialista em Educação Física Escolar e Transtornos Globais do Desenvolvimento. Email:

marina.azevedo@unemat.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1349523826002551.


30 Doutor em Desenvolvimento Humano (UNESP). Email: bressan@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3086689843781690.
122

Ponty, especialmente no que se refere à forma do ser humano ler e entender o mundo
em sua subjetividade. Para situar a teoria do jogo lançamos mão primordialmente de
Johan Huizinga (2019), Roger Caillois (1990) e Colas Duflo (1999), que não
tergiversam acerca da subjetividade e centralidade do ser concernente ao jogo, por
isso se aproximando da visão fenomenológica explicitada.
Concernente ao jogo, um dos maiores precursores nos estudos referentes a
teoria foi Johan Huizinga que publicou a obra: “Homo Ludens: o jogo como elemento
da cultura” em 1938. Com ênfase na antropologia, possibilitou integrar a noção de
jogo a noção de cultura, desenvolvendo o conceito de homo ludens à cronologia
evolucionista, na perspectiva em que o jogo é uma terceira função humana e tão
importante quanto o raciocínio e o fabrico de objetos. Consoante ao referido autor,
Roger Caillois (1990), revolucionou a teoria, em um processo de abarcar mais
centralidade ao fenômeno, o que possibilitou avançar na proposição de tipologias para
o jogo e de maneiras de jogar e o fez em sua obra mais famosa sobre a temática: “Os
jogos e os homens: a máscara e a vertigem”. Por sua vez, Colas Duflo (1999), nos
convida a um passeio histórico pelas raízes do jogo, com ênfase na filosofia e história,
descreve minuciosamente o jogo entre expoentes da filosofia, iniciando pelos
pensamentos em Pascal e concluindo seu marco temporal em Schiller, o que
possibilitou profícua análise sobre o lugar do jogo em diferentes épocas.
Como método, optamos pela teorização, voltada a verificar as principais
concepções sobre os conceitos da Fenomenologia de Merleau-Ponty; Teoria do Jogo;
Corpo; Movimento Corporal. Utilizaram-se como ancoradouros bibliográficos as
reflexões de Merleau-Ponty, Johan Huizinga, Roger Callois e Colas Duflo, além de
outros que foram convidados ao debate ao longo da escrita.
Em síntese, os caminhos propostos para a consecução deste ensaio almejaram
contextualizar o fenômeno jogo como elemento da cultura. E por meio da
fenomenologia Merleau-Pontyana, situar o entendimento para as ações de
transgressão do conceito de jogo e seu elemento lúdico em prol de peculiares
objetivos, que neste manuscrito se configuram como a ideologização mercadológica
do consumismo.
123

A FENOMENOLOGIA EM MERLEAU-PONTY

A fenomenologia abordada pelo francês Maurice Merleau-Ponty (1908–1961)


permitiu que os estudos sobre a realidade passassem a ter, como ponto de partida, a
análise do que existe e a sua relação com o mundo anterior ao conhecimento. Para
tanto, Merleau-Ponty (1999) colocou em xeque a condição do sujeito de ser no mundo
a partir do corpo e da experiência perceptiva, que é mediada por ele (o corpo), fazendo
emergir um projeto de existência filosófica voltada a compreender as variedades de
qualidade da existência humana.
Nesse sentido, Merleau-Ponty (1999) afirma que o sujeito, por meio do seu
corpo, está no mundo antes de qualquer ideia preconcebida, de forma que a
percepção originária do homem se dá com o mundo quando ele (o homem) se insere
nele. Assim, a percepção passa a ser notada a partir do momento em que o corpo se
encontra situado no mundo, de forma que, ao se propor a voltar o olhar para
efetivamente ver alguma coisa e, o outro, a visão que emerge desse momento será
sempre a partir do lugar em que se está situado (MERLEAU-PONTY, 1999).
Diante dessa concepção, a fenomenologia se apresenta como uma espécie
profícua de análise que tem em vista entender como se formam as estruturas centrais
da experiência e da intencionalidade do ser humano e, por conseguinte, explicar como
a mente do indivíduo direciona o pensamento a determinados objetos ou à realidade.
Trata-se da experiência perceptiva que, ao tempo que acessa a presença concreta de
algo, também perpassa por uma experiência sensível, inerente ao indivíduo que a
vivência. Essa experiência envolve o todo do ser humano, ou seja, aspectos como
motricidade, espacialidade, expressividade, alteridade, sentimentos, comportamento,
subjetividade, linguagem e pensamento, vivenciados pelo corpo próprio, que forma
um sistema com o mundo (MERLEAU-PONTY, 1999).
Para Merleau-Ponty (1999), o corpo é assim percebido como uma unidade
dinâmica que se abre ao mundo por meio da percepção, fazendo com que a
fenomenologia seja contrária a qualquer verdade estabelecida, uma vez que permite
que o sujeito descreva e defina o fenômeno imediatamente percebido do modo como
aparece para ele, inexistindo, pois, o saber cristalizado. “A verdadeira filosofia consiste
em reaprender a ver o mundo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 19), ou seja, o corpo não
pode mais ser compreendido na particularidade de suas manifestações, mas, sim,
124

como “um nó de significações vivas e não a lei de um certo número de termos


covariantes” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 210).

O FENÔMENO JOGO

Para este tópico objetivamos situar o fenômeno jogo a partir das contribuições
de Huizinga (2019), Caillois (1990) e Colas Duflo (1999) como baldrames. Além disso,
propiciar problematizações que desvelem determinados imbróglios epistemológicos
do conceito, bem como seus paradoxais usos em prol de determinados interesses,
mais especificamente os mercadológicos, que têm desfigurado o jogo em prol do
consumo, como veremos ao longo da exposição.
Destarte, salienta-se que ao longo da história da humanidade, diferentes
autores, oriundos dos mais distintos campos do conhecimento, aventuraram-se na
empreitada de estudar o jogo, desta feita se produziu considerável acúmulo de
conhecimento sobre o tema, conforme assinala Carneiro (2012, p. 34) “o fenômeno
jogo tem sido alvo de investigações em áreas diferentes do conhecimento (...)”.
Sendo, portanto, “(...) consenso entre pesquisadores e estudiosos as dificuldades que
cerceiam a compreensão deste fenômeno (...)” (CARNEIRO, 2012, p. 34).
Não serão expressas, obviamente neste tópico, as tentativas de abarcar essas
diferentes áreas do conhecimento que já se pronunciaram em relação à teoria, tanto
pelo objetivo do presente ensaio, como também pelos limites existentes em tal
compilação. Assim, o que aqui se apresenta, corresponde a uma singela introdução
acerca do tema, com vistas a possibilitar caminhos para pensar o mote que orientará
as reflexões expressas, não perdendo de vista a direção dos holofotes que tanto na
fenomenologia como no jogo é o ser, nas palavras de Freire (2002) ao interpretar
Sartre: “Ora, se aquele pensador comenta o jogo em oposição a seriedade do real,
ele acaba por afirmar que o ambiente do jogo tende mais para o sujeito que para o
mundo objetivo” (p. 61).
No ano de 1938 Johan Huizinga inaugurou o estudo sobre o jogo, a um nível
de aprofundamento ainda não realizado. Sua ponderação situava-se em não o
posicionar apenas como elemento cultural, mas como substrato da cultura, apesar de
delimitar que a expressão lúdica, poderia estar presente em todos os animais. Além
disso, promoveu a perspectiva de que o jogo é autotélico, tendo fim nele mesmo, não
servindo, portanto, como meio para outras atividades humanas. O referido autor,
125

também propôs características essenciais para legitimidade do jogo, o observando


como:

Uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não – séria’ e exterior à


vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira
intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse
material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de
limites espaciais e temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras
(HUIZINGA, 2019, p. 16).

Huizinga (2019) delimitou ainda polos antagônicos referentes a experiência de


jogar, sendo de frivolidade e êxtase, que para o autor possibilitam o ambiente de jogo.
Logo, se o jogador extrapola o êxtase (prazer, a emoção, o deslumbre), deixa de jogar;
o mesmo acontece se encara o jogo com desprezo (frivolidade). Permanecer entre os
polos é indispensável para a permanência em estado de jogo, o que, por sua vez,
permite a conservação na experiência de jogar.
As ideias de Huizinga (2019) serviram de base para outros autores
desenvolverem suas teorias acerca do jogo. Entre eles Roger Caillois (1990), que
apesar de determinadas divergências, notadamente ao caráter fundador da cultura
atribuído ao jogo por Huizinga, o compreende como um dos elementos centrais das
relações humanas.
Sob essa perspectiva Caillois (1990) produziu importantes contribuições à
teoria do jogo. Entre as principais está a separação dos modos de jogar, em duas
dimensões, quais sejam, ludus que é um jogo controlado, repleto de regras e limites
e paídia um jogo anárquico, livre, repleto de espontaneidade. Apesar da definição
proposta, Caillois (1990) pondera que essa separação não deve ser entendida com
rigidez, pois em determinados jogos ela se torna imperceptível, servindo, portanto, em
linhas gerais, em jogos que se encontram nas extremidades da definição, como alguns
jogos de tabuleiro (ludus) e construir/manipular com massas de modelação (paídia).
Em outra referencial contribuição, Caillois (1990) produziu uma categorização
do jogo, e o fez em quatro dimensões, a saber: agon (jogos de competição), alea
(jogos de azar), mimicry (jogos de simulação) e ilinx (jogos de vertigem). Essas
tipologias têm se consolidado ao longo do tempo, servindo de base para produções
científicas que se apropriam do jogo como mote principal.
Mais recentemente, Colas Duflo (1999) publicou primordial referencial sobre o
tema intitulado O jogo: de Pascal a Schiller. Com uma leitura crítica de manuscritos
da época fez uma contundente análise sobre os des(caminhos) trilhados e
126

substanciados pelas paradoxais concepções de jogo. Esse caminho heurístico


apresentado pelo autor possibilitou uma releitura histórica sobre o fenômeno jogo e
sua relação com a sociedade em diferentes épocas, demarcando a alteração na
percepção sobre o jogo ao longo dos séculos. Desde sua demonização e obliteração
em períodos anteriores ao século XVIII à sua gloriosa ascensão e indispensabilidade
para a formação humana e para a educação nos séculos posteriores. Desta forma, o
autor o evidenciou como fenômeno presente nas relações humanas, compreendido e
problematizado conforme os paradigmas vigentes nos diferentes períodos históricos.
Podemos definir o jogo explicando suas principais particularidades, a fim de
diferenciá-lo de qualquer outro componente da cultura humana. O jogo é atividade 1.
Livre: no sentido da não obrigatoriedade do sujeito que joga participar; 2. Delimitada:
ou seja, com um espaço-tempo próprio para que ocorra; 3. Incerta: não é possível
prever seus resultados previamente; 4. Improdutiva: não tem objetivo de produzir bens
e/ou valores financeiros; 5. Regulamentada: através de regras próprias definidas
coletivamente; e 6. Fictícia: por contemplar uma “realidade outra” distinta da vida
cotidiana (CAILLOIS, 1990).
Já a essência da fenomenologia, encontrada na expressão husserliana:
“retornar às coisas mesmas” para Merleau-Ponty significa considerar o homem
enquanto ser-para-o-mundo, numa relação indestrutível do sujeito com o mundo
exterior, que lhe é transcendente (FRAGATA, 1963 apud LIMA, 2014, p. 87). Esta volta
as coisas mesmas, é encontrada na filosofia da teoria do jogo. Autores desta teoria
defendem a ideia de que o jogo é a origem da cultura.
Não há humanidade sem cultura, de tal forma que podemos afirmar que os
primórdios do homem se confundem com os primórdios da cultura, sendo incerto como
afiança Geertz (1989) distinguir o que na totalidade é natureza e o que é cultural.
Huizinga (2019) afirma que a cultura provém do jogo. Por certo defende que o jogo é
uma manifestação tipicamente humana, assim como entendemos a cultura.
Ao considerarmos o ser humano como fenômeno, consequentemente
consideraremos o jogo. Onde, portanto, estaria a essência do ser humano? Seria em
sua cultura? E ao considerarmos que o jogo é cocriador da cultura, o que podemos
elucidar? Merleau-Ponty concorda que “a fenomenologia é o estudo das essências, e
todos os problemas, segundo ela, resumem se em definir essências”. Porém,
complementa o sentido da definição afirmando que é também “[...] uma filosofia que
repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem
127

e o mundo de outra maneira senão a partir de sua facticidade”, isto é, enquanto ser-
no-mundo, pois a essência do homem é existir (Merleau Ponty, 1999 apud LIMA, 2014,
p. 82-83).
Roger Caillois (1990) afirma que “o espírito do jogo está na origem de fecundas
convenções que permitem o desenvolvimento das culturas” (p. 80). Dessa maneira
explica que devido à fuga que o jogo proporciona ao sujeito evita-se a monotonia, o
determinismo, a ignorância e a impetuosidade natural. Consequentemente, aprende-
se a produzir uma ordem, a formar uma economia, a estabelecer uma equidade. Aqui
não estamos nos referindo ao jogo no sentido dos jogos de crianças, mas a essência
dos jogos (CAILLOIS, 1990).
A Fenomenologia da percepção, está centrada na experiência e na noção de
corpo próprio. Esses estudos procuram mostrar que é na percepção que ocorre a
relação principal do sujeito com o mundo. Ou seja, enfatiza a percepção experimental
do sujeito no mundo e sua situação de existência através do corpo. Isto contribui para
consolidar a noção do espírito entranhado no corpo e da consciência atada a
corporeidade, que por sua vez se encontra imbricada no mundo (LIMA, 2014).
Embasados nessas explanações introdutórias inferimos pontos de reflexão que
servirão de embasamento para o capítulo vindouro, conforme seguem, a) houve
historicamente determinado esforço para compreensão do fenômeno jogo o que não
o tornou imune frente aos diferentes entendimentos e conotações atribuídas a ele ao
longo do tempo; b) O jogo apesar de ser autotélico, foi e é potente para constituição
das sociedades antigas e contemporâneas sempre transitando no entremeio dos
limiares face a sua descaracterização e obliteração, quando de seus usos com
intencionalidades, outras, que não de sua vivência plena, seja no âmbito da
sacralização, excesso de pedagogização ou ainda na potencialização do
consumismo.
Nessa premissa se introduz o próximo tópico, que consubstanciará
determinada reflexão sobre o jogo em uma análise fenomenológica, pontuando a
problematização sobre como as sociedades contemporâneas tem se apropriado do
campo epistemológico do jogo para transformá-lo em mercadoria ou mesmo em
ferramenta impulsionadora do consumo, por meio de uma espécie de ditadura do
lúdico.
128

O JOGO NA SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA

Nos últimos 20 anos a utilização da estrutura do jogo se expandiu


consideravelmente para cenários outros, graças ao avanço da tecnologia e da era
digital. Mas desde o início do século XX ela já era utilizada profissionalmente “devido
à similaridade do jogo com o modus operandi do comércio, tendo em vista a presença
de elementos como competição, regras, código de conduta, meta definida e resultados
na forma de estatísticas” (NAVARRO, 2013, p. 08).
A gamificação compreende a aplicação das características e técnicas do jogo
fora de seu contexto, com isso, alguns autores defendem que no pós-modernismo as
características do jogo são ressignificadas e assumem papel de agente motivador na
realidade (NAVARRO, 2013).
Nesse sentido, a autora afirma que;

[...] com a evolução dos meios de comunicação, o jogo também se adequou


ao surgimento de diferentes mídias. Entre elas a televisão, responsável por
uma grande mudança na relação entre o indivíduo e a informação, uma vez
que aumentou o grau de envolvimento entre espectador e conteúdo, ao
combinar a transmissão simultânea de imagem e som, e transportar o
telespectador para o contexto apresentado na tela (NAVARRO, 2013, p. 13).

Em consonância a influência que a mídia pode exercer nos indivíduos, Silva


(2005) nos alerta para o que pode ser aprendido pelo que observamos (mídia). Assim
afirma que “do ponto de vista pedagógico e cultural, não se trata simplesmente de
informação ou entretenimento: trata-se, em ambos os casos, de formas de
conhecimento que influenciarão o comportamento de pessoas de maneiras cruciais e
até vitais” (SILVA, 2005, p. 140).
Nesta relação assinalada pelo autor, podemos compreender a indústria cultural
como sinônimo de pedagogia cultural, apontando não para relações traçadas ao
acaso, mas para fusões de mecanismos que foram e são propositalmente moldados
para atingir a massa populacional. Neste quesito, ingressamos na questão econômica,
no esforço de moldar o estilo de vida a partir da ludopolítica sustentada pelo modo de
regulação, típicos da sociedade capitalista neoliberal na qual vivemos, conceitos que
trataremos a seguir.
Em nossa sociedade pós-moderna tudo vira mercadoria! Nesse sentido, o
lúdico (liberdade de expressão), ganhou espaço no cenário mercadológico. Como
exemplo utilizamos o texto de Gabriele Navarro (2013), em que o aplicativo Nike
129

Plus®, permite que o consumidor adquira um tênis com um dispositivo que conta
passos, velocidade, distância e cruza informações para criar um avatar pessoal dos
consumidores no mundo game, e assim estão aptos a conquistar troféus, terem um
“tipo” físico virtual de acordo com sua performance.
Trata-se de um exemplo da ressignificação e mercantilização do jogo nos
tempos atuais. Nessa esteira de reflexões concordamos que “o lúdico mediante um
discurso neoliberal é transmutado em uma mercadoria, um chavão para se vender
uma ideia de sentimento de liberdade, diversão, criatividade e prazer” (GRILLO;
GRANDO, 2021, p. 151).
A indústria do lazer nos serve como exemplo que abarca, entre outras
questões, a comercialização da liberdade de expressão nos tempos pós-modernos. A
verdade é que o lúdico tem sido utilizado apenas como o rótulo para os “produtos”,
que são literalmente vendidos. Os autores Rogério Grillo e Regina Grando (2021),
chamam atenção para as facetas mais perversas do neoliberalismo neste cenário, que
na verdade não se preocupam com o lúdico — tampouco com o lazer ou o jogo —
mas com os interesses consumistas. Dessa forma, afirmam que “subsidiadas pelas
práticas de ludicização, empresas, corporações e instituições de distintas esferas,
fomentam um processo de dissociação do potencial emancipatório das pessoas.”
(GRILLO; GRANDO, 2021, p. 147).
Ou seja, o apelo lúdico (estado de jogo) é utilizado como mecanismo para
controle ontológico dos seres, para modificar pensamentos, códigos sociais, signos, a
fim de servir aos interesses político-econômicos do mercado. A esse mecanismo de
controle se dá o nome ludopolítica, em que o lúdico,

(...) mediante a Ludopolítica e as práticas de ludicização, tem sido


constantemente explorado por empresas, escolas, coachs, Youtubers,
Podcasters, influencers em redes sociais, corporações que administram as
mídias sociais, jogos digitais e/ou apps, enfim, mecanismos e instituições que
desempenham a função de monitoramento e vigilância intensiva da liberdade
em prol da produtividade (GRILLO; GRANDO, 2021, p. 158).

Aqui vale trazer outra passagem dos autores sobre o que de fato é ser lúdico:

O lúdico não seria um apanágio para objetos ou discursos propagandísticos,


ou seja, o lúdico não é algo fora da pessoa, mas se faz na relação subjetiva
da pessoa com um comportamento lúdico. Em outras palavras, o lúdico é um
estado interno da pessoa (forma de vivência), que tão-unicamente pode ser
vivenciado (experiência singular) e, por esta razão, percebido e exposto pela
própria pessoa (GRILLO; GRANDO, 2021, p. 147).
130

Vivemos em uma sociedade capitalista neoliberal, que por razões


prioritariamente econômicas tem um modo de regulamentação que garante sua
perpetuação enquanto sociedade de classes. Esse modo de regulamentação — que
engloba a Ludopolítica — age nos corpos dos indivíduos, educando-os a serem,
pensarem e agirem em favor da manutenção do status quo.
Manter a ordem social vigente significa assegurar o caráter econômico atual,
os interesses do mercado capitalista e da política neoliberal, e para que ocorra
perpassa pelas questões identitárias dos sujeitos. Assim, o modo de regulação
ultrapassa os interesses de mercado, segue a ganância das elites que
ideologicamente perpetuam o processo de dominação epistêmica, para buscar
homogeneizar a sociedade.
Sabemos que o sistema-mundo moderno e a economia-mundo capitalista
apresentam-se pela dominação do ser, do saber e do poder (QUIJANO, 2005). O
modo de regulamentação age nos seres, em suas ideologias, comportamentos,
crenças, ou seja, diz respeito “a consistência apropriada entre comportamentos
individuais e o esquema de reprodução (...) um corpo de regras e processos
interiorizados” (LIPIETZ, 1986, p. 19).
De acordo com Navarro (2013), o indivíduo pós-moderno, por viver em uma era
de incertezas, demanda esse tipo de controle da sociedade, para promover sensação
de segurança; “dessa forma, assim como o jogo moldou-se à sociedade, fazendo da
gamificação um agente transformador da cultura, agora será a vez da sociedade se
moldar a esse contexto, no qual o jogo atua como elemento presente na vida real”
(NAVARRO, 2013, p. 23).
Relembremos a fenomenologia de Merleau Ponty, e a sua busca por entender
a intencionalidade humana, a importância do ser no mundo, e nos debrucemos ao
lúdico que “surge da experiência significativa da pessoa, isto é, uma experiência que
só pode ser vivenciada e, com isso, sentida por ela [pessoa] própria” (GRILLO;
GRANDO, 2021, p. 150). Assim conseguimos estabelecer outra importante conexão
entre o método fenomenológico Merleaupontyano e o jogo, aqui mais especificamente
o lúdico, sua potência criadora/liberdade de expressão, sendo o lúdico (...) algo
subjetivo, logo, exige da pessoa envolvimento, atitude, vontade em querer fazer e
estar, sentido e é algo desafiador a ponto de incitar a pessoa a querer permanecer
numa dada atividade” (GRILLO; GRANDO, 2021, p. 149).
131

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A afirmação “somos do começo ao fim relação ao mundo” (LIMA, 2014, p. 87),


sintetiza o método fenomenológico da percepção de Maurice Merleau-Ponty, o qual
buscou-se compreender e relacionar ao fenômeno jogo. Essa relação é traçada
visando elucidar uma visão de mundo, de ser humano, de sujeito e dos fenômenos
que apontam para a centralidade de sermos corpo. Nessa perspectiva concordamos
que “(...) o corpo não é coisa, nem ideia, mas movimento, sensibilidade e expressão
criadora. Opondo-se à perspectiva mecanicista da Filosofia e da Ciência tradicionais
(...)” (LIMA, 2014, p. 113). Nessa nova compreensão se atenta para a completude das
relações entre corpo e mente em detrimento a fragmentação proposta pela integração
de partes distintas.
Ao analisar o método filosófico de Merleau-Ponty, pudemos estabelecer
conexões com o jogo. Primeiramente, vale ressaltar que Merleau-Ponty traz a
experiência vivida para a fenomenologia, ou seja, provoca uma ruptura com a ideia de
apreendermos o mundo pelos vieses da consciência e do pensamento. Ao concretizar
isto a corporeidade se torna central, pois se entende que é através dela que se atua
no mundo.
Entretanto, mesmo que nos esforcemos em explicar esta “atuação” arriscamos
limitar ou neutralizar a complexidade que o corpo carrega em nossa existência. De
antemão vale salientar que explicá-lo (corpo) sem que nos separemos dele, sem que
o transformemos em um objeto que está “fora”, ou seja, algo que observamos ao
nosso exterior é realmente desafiador.
É principalmente esse o sentido que as ponderações de Merleau-Ponty muito
contribuem para nosso estudo, para entendermos o corpo como o que somos, e não
como algo que possuímos. Superar essa dicotomia (corpo versus mente) é
fundamental para compreendermos o jogo entendido como uma categoria maior e em
sua abstração pode ser materializado nas práticas corporais, autêntico como um
fenômeno tipicamente experienciado por nós humanos, e no corpo é possibilitada sua
mediação. Assim, sujeito, corpo e mundo formam o sistema da experiência.
Traçar uma linha entre a filosofia de Merleau-Ponty e o jogo, nos permitiu
sustentação para afirmarmos que não existe prevalência da mente sobre o corpo, do
pensamento sobre a ação, deste modo o “(...) corpo-próprio como a realidade
intencional do sujeito, em contraponto à noção cartesiana de corpo-máquina, ou
132

corpo-objeto, buscando superar a perspectiva do discurso que privilegia a causalidade


e que coloca o corpo como inferior à consciência ou aos procedimentos racionais”
(LIMA, 2014, p. 115).
Dessa maneira, as ideias de Merleau-Ponty também procuram ultrapassar a
dicotomia sujeito/objeto, ao tecer críticas as análises tradicionais acerca da
corporeidade, do movimento e da percepção, chegando-se à ideia de experiência
corporal fundada na perspectiva sensível do corpo: o corpo que experimenta! E a partir
da experiência conhece, aprende e essencialmente se configura (LIMA, 2014).
À medida que identificamos ser o nosso corpo, compreendemos que o homem,
por intermédio dele, “vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e
costumes sociais, num processo de “inCORPOração” (DAOLIO, 1995, p. 39). Neste
mesmo sentido afirma Lima (2014): “O ser humano define-se pelo corpo, isto significa
que a subjetividade coincide com os processos corporais” (LIMA, 2014, p. 116).
Vale assinalar que a fenomenologia como forma de percepção do mundo e das
relações e, o jogo enquanto manifestação tipicamente humana, tem o sujeito como
ator de suas realizações, como centralidade. Em ambos, a intencionalidade do ser
humano é maximizada. O sujeito está no centro do processo, mas é importante
destacar que não é qualquer sujeito, e sim o corpo sujeito que vive a experiência.
Ora, se o jogo em sua experiencia lúdica pressupõe liberdade, nada mais
plausível que oferecer a paradoxal percepção ao sujeito contemporâneo que ele é
livre na medida em que “a autoexploração é muito mais eficiente do que a exploração
alheia, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade” (HAN, 2017, p.
21). Dessa forma, certo de sua plena capacidade em escolher somos instigados a
consumir, e o pseudo estado de jogo caminha de mãos dadas ao consumo que “(...)
não se reprime, só se maximiza. É gerada não uma escassez, mas uma abundância,
um excesso de positividade. Somos todos compelidos a comunicar e consumir” (HAN,
2018, p. 57).
Toda forma de vida, de pensamento, de ações são substancialmente
direcionados pelas perspectivas individuais e coletivas oriundas de sujeitos
pertencentes a sociedade, em suas identidades. Vivemos em um mundo repleto de
ideais sócio-políticos distintos e mesmo antagônicos — inclusive interdependentes —
que se revelam em posicionamentos/formas de olhar para si e para o outro, e se
materializam na forma de agir em relação ao mundo. Somos bombardeados por
versões plurais, contraditórias, que nos sugerem o trânsito por constantes (re)análises
133

epistêmicas. Diferentes posicionamentos ontológicos coexistem em nossa sociedade


– também dentro de cada sujeito – criam lugares de tensões e lutas ideológicas, geram
relações de poder, mecanismos de dominação e controle filosófico que, sobretudo,
atuam educando nossos corpos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRACHT, V. Educação Física e Aprendizagem Social. 2 ed. Porto Alegre: Magister,


1997.
CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Portugal, 1990.
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DAÓLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.
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FREIRE, J. B. Jogo: entre o riso e o choro. Campinas: Autores Associados, 2002.
GEERTZ, C. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GRILLO, R. M.; GRANDO, R. C. Ludopolítica: a ditadura da ludicização. Brazilian
Journal of Policy and Development, v. 3, n. 3, p. 145-163, 2021.
HAN, B. C. Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo
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HAN, B. C. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. Rio de janeiro: Editora
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HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 9 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2019.
LIMA, A. B. M. Ensaios sobre fenomenologia: Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty.
Ilhéus: Editus, 2014.
LIPIETZ, A. O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel, 1986.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2 ed. São Paulo: Martins
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NAVARRO, Gabrielle. Gamificação: a transformação do conceito do termo jogo no
contexto da pós-modernidade. 2013. 26 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Especialização em Mídia, Informação e Cultura) - Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: QUIJANO,
Anibal. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-
americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. pp. 117-142.
134

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução as teorias do


currículo. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
135

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS MARXISTAS NA EDUCAÇÃO: A CONEXÃO


ENTRE TRABALHO, EDUCAÇÃO E PRÁXIS POLÍTICO-EDUCATIVA E A
PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Addison Ricardo Fischer Corrêa31


Aireno de Souza Silva32
Beatriz Ferraz Bühler33

RESUMO: A perspectiva marxista de educação defende que o processo educacional


deve contribuir para a formação do homem omnilateral, ou seja, um ser humano
completo, com capacidade de desenvolver todas as suas potencialidades em todas
as dimensões da vida. Essa formação só é possível por meio da junção do trabalho,
da educação e da práxis político-pedagógica, que implica na práxis social, entendida
como a relação entre teoria e prática, fonte de toda transformação da realidade social.
O trabalho é fundamental nesse processo, pois é por meio dessa relação que o
homem transforma a natureza ao seu redor. A educação, nesse sentido, deve estar a
serviço da emancipação humana, contribuindo para a formação de indivíduos críticos
e capazes de participar ativamente na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária. Nessa perspectiva, entendemos que a avaliação participativa torna
possível a aplicação da teoria marxista de educação na prática do cotidiano escolar.
Palavras-chave: Homem omnilateral. Trabalho. Educação. Práxis político-
pedagógica. Avaliação participativa.

INTRODUÇÃO

Este texto tem por objetivo apresentar algumas considerações sobre o método
em Marx, bem como sua aplicação no campo educacional. Para isso, será feita uma
breve discussão acerca da formação do homem omnilateral, que na perspectiva
marxista se dá por meio da interação entre trabalho, educação e práxis político-
pedagógica.
Apresentaremos um tópico com uma breve discussão sobre o processo de
transformação histórica da categoria trabalho, destacando a perspectiva do trabalho
livre como princípio democrático na antiguidade clássica, e posteriormente analisando
a concepção capitalista de trabalho e suas implicações para a democracia na
modernidade.

31 Mestrando em Educação (UNEMAT). Email: addison.correa@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/3028525474141891.
32 Especialista em Saúde da Família (ESPEMT). Email: aireno.silva@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3376672192214087.
33 Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCar). Email: bfbuhler@gmail.com. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4989365701215549.
136

Além disso, será abordada a importância da avaliação participativa como uma


possibilidade de colocar em prática a teoria marxista nas relações educacionais. A
partir dessa análise, será possível compreender como a perspectiva marxista pode
contribuir para a formação de indivíduos críticos e capazes de transformar a realidade
social em que vivem.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO EM MARX

A abordagem dialética, na sua concepção de ciência, não nega a origem do


conhecimento empírico e objetiva do conhecimento, nem a distinção entre fenômeno
e essência como na fenomenologia (GAMBOA, 2012), o autor continua dizendo:

[...] o processo de conhecimento parte do real objetivo percebido por meio de


categorias abstratas para chegar à construção do concreto no pensamento.
A própria ciência é uma construção histórica, e a investigação científica é um
processo contínuo incluído no movimento das formações sociais, uma forma
desenvolvida da relação ativa entre o homem e a natureza, na qual o homem
como sujeito constrói a teoria e a prática, o pensar e o atuar, num processo
cognitivo-transformador da natureza (GAMBOA, 2012. p. 98).

Nesse sentido, como podemos observar no trecho citado acima, o conceito de


ciência na abordagem dialética é um processo de construção histórica, em constante
movimento, só é construído através da relação dos homens com a natureza, pensada
de maneira a promover a ação, ação essa que transforma a natureza, e a partir dessas
mudanças, geram novas reflexões acerca do conhecimento fazendo com que siga seu
curso dialético.
O problema central da pesquisa de Marx é a sociedade burguesa, fundada no
meio de produção capitalista, sua gênese, consolidação e desenvolvimento,
contradições e crise (NETTO, 2011). A teoria social faz a crítica ao conhecimento
acumulado (herança cultural). Marx não recusa esse conhecimento, nem distingue
como bom ou mal. A crítica vem de maneira a traze-los ao exame racional tornando
conscientes seus fundamentos, seus condicionamentos e seus limites, ao mesmo
tempo que verifica os conteúdos do conhecimento a partir dos processos históricos
reais. Segundo Netto (2011, p. 19), “[...]o método de Marx não resulta de descobertas
abruptas ou de intuições geniais – ao contrário, resulta de uma demorada investigação
[...]”.
Marx reconhece vários tipos de conhecimento, o conhecimento religioso
(mágico), o conhecimento prático mental (imediato), porém só a partir do
137

conhecimento teórico, que advém da relação sujeito/objeto, podemos chegar à


reprodução ideal do movimento real do objeto, ou seja, a teoria (NETTO, 2016).
A aparência pode ser considerada o ponto de partida para o conhecimento
teórico, tem que partir do empírico, do resultado da experiência sensível. Para Netto
(2011, p. 22), “[...] o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo
da aparência, visa alcançar a essência do objeto [...]”. Para Marx, se a aparência dos
fenômenos coincidisse com a sua essência, toda ciência se tornaria desnecessária,
pois bastaria olhar para compreender o objeto (NETTO, 2016).
Um conceito importante para compreende o método de Marx é o de categoria.
As categorias são de natureza ontológica, investigam a natureza da realidade e da
existência. Abordam questões relacionadas ao ser. É importante dizer que criamos as
categorias a partir da análise do objeto, ou seja, elas emanam da realidade, do trato
teórico do objeto elas vão se desvelando, pois, o mundo material é primário e o mundo
das ideias secundário. A partir da apropriação das categorias podemos explicar o
movimento de constituição dos fenômenos, quanto mais determinações
encontrarmos, mais chegamos perto da realidade, que por ser histórica é passível de
alteração (NETTO, 2011).
É importante registrar que para essa teoria, o critério da verdade é a práxis
social. Um conceito importante para discutir é a elevação do abstrato (percepção
empírica e enganosa do fato) ao concreto (é dado pelo pensamento). Essa elevação
acontece pela abstração (operação intelectual em que um objeto de reflexão é isolado
de fatores que comumente lhe estão relacionados na realidade), quando deixamos de
considerar o imediato, o estudo do objeto nos traz seus traços pertinentes, suas
determinações. A abstração retira do objeto as determinações mais concretas, até
atingir um nível mais simples (nesse nível o objeto se torna abstrato). Só o movimento
inverso permite a reprodução ideal, do movimento ideal do objeto (concreto), essa
reconstrução é o método em Marx (NETTO, 2016).
Segundo o autor citado acima, a perspectiva do materialismo histórico e
dialético é ver os fenômenos como movimento permanente, processo e
provisoriedade, é superar a visão estagnada na medida em que se conhece o devir,
que será negado novamente, de maneira a seguir seu curso (negação da negação).
A expressão do real se manifesta e se constitui por elementos quantitativos e
qualitativos, objetivos e subjetivos, particular e universal, que são interconectados
para contemplar o fenômeno como unidade dialética (NETTO, 2016).
138

A partir da visão de NETTO (2011), o método pode ser considerado a


consciência da forma, do movimento interno do conteúdo, a capacitação das
transições, do desenvolvimento, da ligação interna e necessária das partes no todo
(movimento indutivo e dedutivo).
Para Bittar e Ferreira Jr. (2009, p. 501) na perspectiva do método de Marx “[...]
toda e qualquer formação social historicamente dada pode ser investigada com base
em três categorias fundamentais: o singular, o particular e o universal [...]”. Segundo
os autores, a particularidade do objeto tem a finalidade de ligar a singularidade à
universalidade.

A PERSPECTIVA MARXISTA NA EDUCAÇÃO

Ao abordar a perspectiva humanística de educação, é importante destacar que


a visão marxista é composta por dois momentos distintos, mas dialeticamente
interligados. Por um lado, critica os modelos educacionais criados pela sociedade
capitalista, que se baseiam na propriedade privada dos meios de produção, tornando
o homem unilateral, alienado ao processo produtivo. Por outro lado, propõe um
modelo revolucionário que se baseia nos pressupostos econômicos, sociais, políticos
e culturais defendidos pelo socialismo, com o objetivo de formar o homem completo,
o homem omnilateral (FERREIRA JR; BITTAR, 2008).
Nesta perspectiva, Ferreira Jr. e Bittar complementam dizendo que a
concepção marxista de mundo:

[...] parte da premissa de que a educação tem, como um dos seus corolários,
o processo de produção e reprodução de conhecimentos inerentes às
mediações necessárias à práxis que resulta na humanização dos homens; e,
por consequência, o conhecimento clássico acumulado historicamente pela
humanidade é tomado como meio essencial e predominante da ação
educativa (FERREIRA JR; BITTAR, 2008, p. 636).

Portanto, a teoria marxista parte da premissa que a ação educativa sofre


influência do conhecimento clássico acumulado historicamente, entretanto é
necessário que tenhamos um olhar crítico, uma vez que, “[...] o conhecimento
acumulado historicamente pelo processo de desenvolvimento da humanidade sofre
um crivo seletivo por parte das agências societárias de caráter ideológico. [...]”
(FERREIRA JR; BITTAR, 2008, p. 636). Em síntese, o conhecimento histórico é
139

necessário para que possamos compreender profundamente as estruturas sociais e


históricas que moldam a vida em sociedade, porém, não podemos esquecer a
influência que as elites econômicas exercem sobre tal conhecimento.
Na perspectiva de Sousa Junior (2009), a base do programa marxiano de
educação tem seu caráter educativo relacionado a três elementos importantes do
cotidiano da classe trabalhadora, o trabalho e suas relações contraditórias, a
educação escolar quando relacionada ao trabalho e a práxis político-educativa que
acontece nos momentos associativos dos trabalhadores, em sua atuação/formação
política potencialmente revolucionária na defesa dos interesses da classe. Para o
autor “[...] o processo histórico que cria a massa de trabalhadores como classe social
potencialmente revolucionária, é em si mesmo um processo histórico com forte caráter
educativo, dentro do qual aparece com força o trabalho como categoria central”
(SOUSA JUNIOR, 2009. p. 53).
O autor chama a atenção para a importância da práxis político-educativa, ou
seja, a auto-educação dos trabalhadores, como parte chave do processo educativo.
Para ele os elementos/categorias educação e trabalho por si não revolucionariam a
classe trabalhadora, entretanto destaca que a chave da mudança está na junção do
trabalho, educação e da práxis político-educativa. Segundo Sousa Junior (2009, p. 56)
“[...] a práxis político-educativa, revolucionária, é a condição da superação da ordem
burguesa [...]”.
A educação, na perspectiva das escolas tradicionais, desempenha papel
fundamental na formação e na perpetuação da sociedade capitalista. Nessa
perspectiva a escola pode ser considerada uma instituição ideológica que reforça as
desigualdades e as injustiças sociais, transmitindo aos indivíduos as normas e valores
da classe dominante. Souza Junior (2009), mostra-se preocupado e destaca que se o
processo educativo fosse considerado apenas a partir da relação trabalho e educação,
não seria possível romper com a lógica do capital.
Ferreira Jr. e Bittar (2008) nos remetem a antiguidade clássica onde Homero,
Platão e Aristóteles, em um contexto de escravidão, defendiam a importância do ócio
produtivo como processo de materialização histórica do homem completo, para eles,
a realização pedagógica se relacionava à junção da arte do fazer (arte da guerra) e a
arte do falar (retórica para a política) como expressões fundamentais na atividade
cotidiana do homem. Segundo os autores, o fim da antiguidade clássica e a ascensão
do cristianismo culminou em uma ruptura da concepção de homem omnilateral,
140

principalmente por decorrência da negativa da igreja em relação a cultura do corpo,


que era vista como pecaminosa. Encerrava-se assim, a concepção harmoniosa de
homem plenamente desenvolvido que perdurou durante séculos.
Na modernidade, no contexto do capitalismo mercantil e do humanismo
renascentista, houve um movimento ideológico a fim de resgatar ambas as artes como
princípios pedagógicos para a formação do homem completo, porém a arte do fazer,
agora vinculada aos preceitos da burguesia, havia mudado de característica, não
sendo mais a preparação do corpo para a guerra, mas para o trabalho. A partir dessa
concepção de arte do fazer que o marxismo reconfigurou a concepção de formação
do homem omnilateral (FEREIRA JR; BITTAR, 2008).
No tópico seguinte faremos um breve apanhado histórico da categoria trabalho,
perpassando pela perspectiva do trabalho livre como princípio democrático na
antiguidade clássica, bem como da concepção capitalista de trabalho e suas
implicações para a democracia na modernidade.

CATEGORIA TRABALHO: DEMOCRACIA X CAPITALISMO

O trabalho é uma das principais categorias para que possamos compreender a


democracia, é a partir de suas relações que acontecem grande parte da estruturação
social e cultural de um povo. Wood (2003) constrói uma discussão acerca da
importância da categoria trabalho para a democracia na Grécia antiga, segundo a
autora “[...] o trabalho livre era a espinha dorsal da democracia ateniense [...]” (WOOD,
2003, p. 159).
Na Grécia antiga, mais especificamente em Atenas, os trabalhadores livres, em
sua grande maioria camponeses, tinham sua liberdade política e jurídica garantidas,
o status de cidadão trabalhador os protegia da exploração em que os trabalhadores
não-livres eram submetidos. A medida em que o campesinato conquistava o direito à
liberdade política e jurídica, intensificava-se a prática pelo trabalho escravo, que era
uma das categorias do trabalho não-livre. Fato esse que contribuiu para a associação
do trabalho a escravidão, tornando essa atividade desprezível na cultura grega antiga
(WOOD, 2003).
Ainda sobre o exposto acima, Wood nos mostra que:

[...] os historiadores geralmente concordam que a maioria dos cidadãos


atenienses trabalhava para viver. Ainda assim, depois de colocar o cidadão
141

trabalhador ao lado do escravo na vida produtiva da democracia, eles não se


interessaram pelas consequências dessa formação única, desse trabalhador
livre e desse status político sem precedentes. Onde existe a tentativa de
estabelecer ligações entre fundações materiais da sociedade ateniense e sua
política ou cultura (e a tendência dominante é ainda a de separar a história
política e cultural grega de toda raiz social), é a escravidão que fica no centro
do palco como o grande fato determinante (WOOD, 2003, p. 162).

A autora supracitada tece uma crítica aos historiadores que, segundo ela, não
deram a devida importância em discutir a real formação social grega, principalmente
no que tange a vida produtiva da democracia que naquele dado momento era única
da sociedade grega, onde trabalhador livre e escravo coexistiam lado a lado. O fato
de a escravidão ficar em evidência talvez seja uma tentativa de excluir da cultura o
status político sem precedentes adquirido pelo trabalhador livre.

A polis grega quebrou o padrão geral das sociedades estratificadas de divisão


entre governantes e produtores, especialmente a oposição entre Estados
apropriadores e comunidade camponesa subjugadas. Na comunidade cívica,
a participação do produtor – especialmente na democracia ateniense –
significava um grau sem paralelos de liberdade dos modos tradicionais de
exploração, tanto na forma de obrigação por dívidas ou de servidão quanto
na de impostos (WOOD, 2003, p. 163).

Como podemos observar, a afirmação da autora que trago no primeiro


parágrafo deste ensaio nos é apresentada novamente nessa citação. A importância
do trabalho livre para a democracia ateniense é um fator que deve ser pensada e
analisada cautelosamente, pois é a partir dessa categoria de trabalho que acontece o
rompimento com os padrões democráticos tradicionais. Acredito que a autora não
queira minimizar a questão da escravidão, nem mesmo inverter o discurso dos
historiadores alvo de sua crítica, que colocam a escravidão no centro do discurso
como fator determinante, porém pensar as relações produtivas e democráticas a partir
de ambos os atores.
Dando um salto histórico, para que possamos compreender qual a relação da
democracia com o conceito de trabalho na modernidade, também utilizaremos o texto
de Wood (2003) pois a autora nos traz essa transição, inclusive nos mostra que a
categoria trabalho é ressignificada na modernidade com objetivo de atender as
demandas do capitalismo.
Alguns historiadores liberais começaram a criticar a democracia grega
destacando alguns pontos que Wood traz em seu texto:
142

Nenhum desses escritores desconhecia que os cidadãos atenienses


trabalhavam como agricultores ou artesãos. A questão não era o fato de eles
não trabalharem, mas o de eles não trabalharem o suficiente e, acima de
tudo, o fato de não servirem. Sua independência e o lazer de que desfrutavam
para poder participar da política foram a causa da condenação da democracia
grega. Para Mitford e Böckh, a participação da multidão era um mal em si
mesma. Para o mais liberal Fustel, o mal era que, na ausência das formas
tradicionais de controle político, se fazia necessária uma espécie de disciplina
econômica tornada possível pela sociedade moderna pela necessidade
material que força os trabalhadores sem propriedade a vender sua força de
trabalho por um salário. Em outras palavras, faltava o Estado e a economia
burguesa modernos. Mas, em todos esses exemplos, a independência do
cidadão trabalhador foi conscientemente traduzida como indolência da ralé
ociosa, e com ela veio a predominância da escravidão (WOOD, 2003, p. 170).

Observe que dentro dessa discussão, os teóricos liberais citados faziam


referência a uma “inadequação” dos padrões sociais estabelecidos na democracia
grega antiga com o modelo capitalista de produção, principalmente em relação ao
conceito tradicional de senhor e servo. A liberdade de participar das questões políticas
que os trabalhadores livres tinham é colocada como um dos motivos da condenação
da democracia grega. Em outras palavras, há um movimento por parte das elites
econômicas de separar a livre manifestação política das questões econômicas. Para
a democracia moderna, essa liberdade política deveria ser “apartada” da discussão
econômica. Os trabalhadores livres começaram a ser vistos como uma “rale ociosa” e
a predominância do discurso de uma ordenação econômica entra em cena. Seguindo
nesse ponto de vista, os trabalhadores livres, não se encaixavam nos padrões liberais
de produção, uma vez que desfrutavam da liberdade política e jurídica às custas do
trabalho escravo.
Quando colocamos a importância da categoria trabalho como base dos
modelos democrático, precisamos compreender como se deu a estruturação e a
reestruturação desses modelos a partir da ressignificação do termo.

O mito da ralé ociosa ateniense é, portanto, uma queixa antiga de senhor


contra servo, mas acrescida da urgência de uma nova ordem social na qual
o trabalho assalariado e sem propriedade se tornava, pela primeira vez na
história, o modo dominante de trabalho. No mesmo processo de
desenvolvimento capitalista, o conceito de trabalho passava também por
outras transformações. Frequentemente, se diz que o mundo moderno
testemunhou a elevação do trabalho a um status cultural sem precedentes
que deve muito à “Ética Protestante”, e à ideia calvinista do “Chamamento”,
E, com ou sem a “Ética Protestante”, de Max Weber, a associação do “espírito
do capitalismo” com a glorificação do trabalho tornou-se parte do saber
convencional (WOOD, 2003, p. 171).

No trecho supramencionado de Wood podemos observar o esforço por parte


do sistema capitalista de produção na reestruturação da categoria trabalho, se na
143

Grécia antiga o trabalho por ser associado a escravidão era visto pelos cidadãos
(trabalhadores livres) como indigno, na modernidade o termo trabalho passa por um
processo de ressignificação que muda toda a estrutura social. Em um modelo de
produção em que predomina o trabalho assalariado, passa a ser visto como parte
glorificante da vida social, intrinsicamente ligado aos saberes convencionais, ou seja,
a cultura popular.
Além da ressignificação moderna do termo trabalho, outra questão importante
para contribuir com a discussão está pautada nas relações sociais de propriedade.

As relações sociais de propriedade que acionam esse mecanismo colocaram


o trabalho numa posição histórica única. Submetendo a imperativos
econômicos que não dependem diretamente do status jurídico ou político, o
trabalhador assalariado sem propriedade só pode desfrutar no capitalismo da
liberdade e da igualdade jurídicas, e até mesmo de todos os direitos políticos
de um sistema de sufrágio universal, desde que não retire do capital o seu
poder de apropriação. É aqui que encontramos a maior diferença entre a
condição do trabalho na antiga democracia ateniense e no capitalismo
moderno (WOOD, 2003, p. 173).

A reestruturação do sistema democrático moderno propõe que os direitos a


liberdade política e jurídica dos cidadãos não interfiram na questão econômica.
Diferente da liberdade democrática na antiguidade grega, onde os trabalhadores livres
não sofriam pressão por parte do Estado ou senhores, os trabalhadores, agora
assalariados, sem propriedade só podem usufruir dos direitos democráticos se
atenderem aos mecanismos de exploração do capitalismo moderno. Nesse sentido,
com a reestruturação das relações de trabalho, o trabalhador livre, que predominante
na sociedade moderna, perdeu parte do status político e social que tinha no modelo
democrático da antiguidade grega.

A ABORDAGEM DA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA NA PERSPECTIVA DA PRÁXIS


POLÍTICO-EDUCATIVA

A avaliação participativa é uma abordagem que se baseia na participação ativa


dos envolvidos no processo avaliativo, incluindo os próprios avaliados, no
planejamento, execução e análise dos resultados da avaliação. Essa abordagem tem
sido utilizada em diversas áreas, incluindo a educação.
Diante do exposto nos tópicos anteriores, se relacionarmos a teoria marxista
com a abordagem da avaliação participativa, nos arriscamos a dizer que nos
aproximamos à práxis político-educativa, uma vez que ela busca incluir todos os
144

envolvidos no processo educacional, lhes conferindo maior participação e controle


sobre o processo avaliativo. Essa abordagem pode ser considerada uma forma de
luta contra as desigualdades e injustiças sociais, ao permitir que os avaliados tenham
voz e possam influenciar as decisões que os afetam.
Além disso, a avaliação participativa pode ser vista como uma forma de
conscientização, já que permite que os envolvidos no processo avaliativo reflitam
criticamente sobre sua própria realidade e sobre o papel que cada um desempenha
na produção e reprodução das relações sociais dentro do processo educacional. Essa
reflexão pode levar a uma maior compreensão da dinâmica do capitalismo e do papel
que a educação desempenha na reprodução das desigualdades sociais.
Assim, a avaliação participativa pode ser vista como uma forma de aplicar os
princípios da teoria marxista na prática, ao permitir que as pessoas envolvidas na
avaliação possam se tornar sujeitos ativos na transformação da sociedade, ao invés
de serem meros objetos passivos da avaliação.
Lima (2011, p. 119) entende que “A avaliação institucional participativa está
fundamentada na abordagem de um enfoque de avaliação sustentado na democracia
participativa em que há participação direta dos sujeitos nas tomadas de decisão”. Além
disso, essa perspectiva promove a inclusão e a equidade, garantindo que todas as
vozes sejam ouvidas e que todos os estudantes tenham a oportunidade de serem
avaliados de forma justa e equitativa. Isso também pode levar a mudanças positivas
na educação, pois permitiria que as necessidades e preocupação dos estudantes e
da comunidade fossem levadas em consideração ao planejar e implementar
mudanças na educação.
Faz-se necessário discutirmos alguns desafios que precisam ser levados em
consideração para que o espaço escolar seja de fato esse lugar de inclusão e
equidade. Freitas (2010) citando uma fala de Miguel Arroyo proferida em uma palestra
no II Seminário de Educação Brasileira, nos traz uma importante reflexão sobre a
maneira que as pedagogias contemporâneas, inclusive as mais progressistas
enxergam o outro quando se trata da inclusão, segundo o autor:

[...] ao definirmos o outro como “excluído a ser incluído por nós”,


terminávamos vendo ao futuro incluído como um ser caracterizado pela
“negatividade”, desprovido de cultura, história, personalidade e de território.
Insistia: as pedagogias contemporâneas, inclusive as progressistas, estão
marcadas por esta forma de ver o outro e isso afeta sua própria constituição.
Ao vermos os que deverão ser incluídos como “marginalizados” os vemos
145

como estando “na outra margem” os quais para serem incluídos precisam
cruzar “uma ponte” para vir ao nosso território e, então, serem considerados
incluídos, não marginalizados. Alertava ainda, para os mecanismos de
avaliação neste contexto – uma espécie de pedágio para transitar pela ponte
da inclusão (FREITAS, 2010, p. 90).

Nesta perspectiva “a inclusão se caracteriza como uma “aculturação” do


excluído sob a ótica daquele que inclui – é preciso disciplinar os bárbaros” (FREITAS,
2010, p. 90). Quando a avaliação é pensada no viés relacionado acima ao invés de
incluir acaba por excluir os sujeitos, que por se sentirem subalternizados, precisam
aceitar o conjunto de “regras” estipulado por outrem, ou seja, tomar como seu o
discurso do outro para que esse outro o enxergue como incluído.
Apple (2020) chama atenção para as relações de dominação e subordinação
que existem em relação a qual conhecimento é o de maior valia, segundo o autor isso
implica diretamente na escolha do que nós vamos ensinar, como vamos ensinar e
quais valores e identidades sustentam essas escolhas. Apple (2020, p.231) entende
como necessário a problematização do sentido da palavra nós, questionando quem é
esse nós, que se coloca no centro e vê os outros grupos como o outro, para ele “Essa
palavra – ‘nós’ – muitas vezes simboliza a maneira como forças e suposições
ideológicas operam dentro e fora da Educação. Especialmente quando empregadas
por grupos dominantes, ‘nós’ funciona como um mecanismo não apenas de inclusão,
mas também – e poderosamente – de exclusão”.
Lima (2011, p. 100) utiliza o conceito de espaço social de Bourdieu para pensar
a avaliação, segundo a autora “Esse conceito representa contribuições importantes
desse autor para o campo da avaliação na medida em que concebe o sujeito em
movimento”. Para a autora, o movimento explica-se pelo habitus, uma vez que as
estruturas adquiridas a partir do convívio familiar sofrem alterações na medida em que
os sujeitos, que são considerados seres ativos no espaço social, se relacionam entre
si em sociedade. Neste sentido:

[...] o espaço social é o local de discussão e, portanto, de lutas, com forças


diferentes interagindo. Essas forças que se interagem geram conflitos que
possibilitam a reflexão. Acreditamos ser esse o caminho para a construção
de mudanças significativas. Nesse contexto, a avaliação participativa será
analisada como um campo tensionante de lutas e disputas (LIMA, 2011,
p.90).

Na concepção capitalista de escola, que é o modelo do qual fazemos parte, a


avaliação participativa ficaria comprometida, uma vez que:
146

as questões relativas à educação e formação de cidadãos nas agora


comummente designadas sociedades da aprendizagem e do conhecimento
revelam, contraditoriamente, uma grande banalização e desproblematização,
transformando-se em tópicos despolitizados e relativamente vazios de
significado (LIMA, 2005, p. 71).

O que nos leva a compreender que:

É este modelo voltado para a submissão e a ocultação da realidade da vida


social que torna imperativo a existência da avaliação na forma atual como a
conhecemos em nossa escola. Ela surge como uma forma de tomar o lugar
do trabalho socialmente útil, o qual poderia ser uma “avaliação natural” feita
pelo contato do estudante com a vida. Nossa avaliação, entretanto, substitui
este processo por uma avaliação formal, escolar, sujeita a regras impessoais,
como um mecanismo de motivar artificialmente o aluno a aprender e a
subordinar-se, já que a vida (motivador natural) ficou do lado de fora da escola
(FREITAS, 2010, p. 93-94).

Como podemos observar, o modelo educacional atual – capitalista - cria um


ambiente no qual não existe a possibilidade do contraditório ou da construção a partir
do coletivo. As questões sociais, culturais, políticas entre outras, ficam de fora da
discussão do campo educacional.
Já “na Avaliação Participativa, os atores da participação colocam experiências
e conhecimentos individuais no coletivo das decisões e na construção do
conhecimento avaliativo sobre a instituição e sobre suas potencialidades e
debilidades” (LEITE, 2005, p. 114). Isso significa que todos os sujeitos,
independentemente de sua origem socioeconômica, raça, gênero ou outros fatores,
podem participar das decisões no ambiente escolar.
Neste sentido “A contribuição de uma educação crítica para a cidadania
democrática será relevante no sentido em que vier também a contribuir para a
ampliação dos actores participantes na deliberação democrática e esta ampliação
acarretará, por sua vez, uma ainda maior diversidade cultural” (LIMA, 2005, p 75).
Porém, democratizar o espaço escolar perpassa por uma mudança estrutural não só
nos modelos de avaliação, mas também no que tange a cultura, uma vez que estamos
“condicionados” a reproduzir o discurso do outro para que sejamos incluídos. Essa
tarefa não é fácil, pois além da pressão que sofremos das perspectivas democráticas
do grupo dominante, precisamos sair do comodismo e colocar em prática nossos
ideais coletivos por uma escola mais democrática, e isso exige um esforço coletivo.
A avaliação participativa, na perspectiva abordada por Freitas, é um mecanismo
importante para criar mecanismos de transformação social, pois somente a correlação
147

entre o discurso já existente, que está pautado na concepção tradicional de escola, e


a práxis político-pedagógico, que traz as experiências do cotidiano dos estudantes,
criaria um ambiente potencializado para a (re)construção do processo educativo, de
maneira a promover a inclusão, a equidade e de respeito às diversidades culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir, que a concepção marxista de educação visa a criação do


homem omnilateral, um ser completo que desenvolve todas as potencialidades
humanas de maneira integral e harmoniosa. O cerne dessa ideia está relacionada com
a visão de Marx sobre a natureza humana e as possibilidades de realizações
individuais e coletivas. As potencialidades humanas são moldadas pelas condições
sociais, culturais e históricas em que os indivíduos vivem. Na sociedade capitalista, a
realização das potencialidades humanas é limitada pela divisão do trabalho, pela
exploração do trabalho e pela alienação do processo de trabalho.
Destacamos a preocupação de Sousa Junior (2009) de colocar a práxis político-
pedagógico como chave do processo educativo, pois segundo ele, apenas a relação
trabalho e escola, apesar de serem importantíssimas na construção da perspectiva
marxista de educação, sozinhas, não potencializam o movimento revolucionário capaz
de romper com a lógica do capital.
Por fim, a avaliação participativa pode ser vista como uma forma de aplicar os
princípios da teoria marxista na prática, ao permitir que as pessoas envolvidas na
avaliação possam se tornar sujeitos ativos na transformação da sociedade, ao invés
de serem meros objetos passivos da avaliação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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sociais. Petrópolis: Vozes, 2020.
BITTAR, Marisa; FERREIRA JR, Amarilio. História, epistemologia marxista e pesquisa
educacional brasileira. Educação & Sociedade, v. 30, p. 489-511, 2009.
FERREIRA JR, Amarilio; BITTAR, Marisa. A educação na perspectiva marxista: uma
abordagem baseada em Marx e Gramsci. Interface-Comunicação, Saúde, Educação,
v. 12, p. 635-646, 2008.
148

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e Prática, v. 20, n. 35, p. 89-99, jul./dez.2010.
GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. 2 ed.
Chapecó: Argos, 2012.
LEITE, Denise. Reformas universitárias: avaliação institucional participativa.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
LIMA, Elizeth G. S. Avaliação participativa: uma das alternativas de reconstrução da
emancipação nos espaços educacionais. In: GENTIL, Heloisa Salles; MICHELS,
Maria Helena. Práticas pedagógicas: política, currículo e espaço escolar. Araraquara:
Junqueira&Marin Editores, 2011.
LIMA, Licínio C. Cidadania e educação: adaptação ao mercado competitivo ou
participação na democratização da democracia? Educação, Sociedade & Culturas, n.
23, p. 71-90, 2005.
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
NETTO, José Paulo. Introdução ao Método de Marx com José Paulo Neto (primeira
parte) - PPGPS/SER/UnB. Canal Ivanete Boschetti. 19/04/2016. Youtube, 18/05/2016.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2WndNoqRiq88. Acesso em: 18
mai. de 2022.
SOUSA JUNIOR, Justino de. O programa marxiano de educação e o fundamento da
práxis. Trabalho, Educação e Saúde, v. 7, p. 51-66, 2009.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o capitalismo. A renovação do
materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.
149

PRESSUPOSTOS RELACIONADOS À TRAJETÓRIA DA PESQUISA


EDUCACIONAL NO BRASIL

Jane Amorim da Silva34


José Carlos Arantes35
Judite Barreira de Macedo36
Ângela Rita Christofolo Mello37

RESUMO: O texto apresenta um breve histórico da Pesquisa Educacional no Brasil,


sua trajetória desde a década de 1930 até a contemporaneidade e pressupostos
relacionados ao desenvolvimento da Pesquisa Educacional. Denota uma reflexão, a
partir da literatura, sobre problemas relacionados à pesquisa educacional, oriundos
de períodos anteriores, que se refletem e se manifestam atualmente. Nesta
perspectiva, o que seria possível fazer para que a qualidade da pesquisa educacional
melhorasse? Esses questionamentos refletem nas muitas mudanças, nos temas,
enfoques, metodologias e contextos das pesquisas. Parte-se de uma revisão de
literatura que foi organizada de modo a apresentar concepções de pesquisa em
educação, com vistas a entender como se configuram historicamente. Conclui-se, que
ainda há muitos desafios para que a pesquisa tenha uma melhor qualidade e rigor,
levando em consideração a política de governo que está mais interessada na ciência
aplicável na geração de tecnologia que nas perspectivas neoliberais, está associada
ao poder, a geração de lucro e por último o desenvolvimento social.
Palavras-chave: Pesquisa educacional-Brasil. Pressupostos. Contemporaneidade.

INTRODUÇÃO

A construção deste texto não se refere evidentemente a uma apuração, se trata


de observações, leituras e encontros remotos para levantar dados sobre a pesquisa
no campo educacional, orientado metodologicamente pela pesquisa bibliográfica. O
levantamento teve como expectativa elencar os pressupostos da pesquisa
educacional a fim de analisar suas implicações e tendências observadas na trajetória
da pesquisa em educação no Brasil.

34 Especialista em Licenciamento Ambiental (FAC). Email: janeamorim@unemat.br. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/1901367114679261.
35 Mestrando em Educação (UNEMAT). Email: carlos.arantes_roma@hotmail.com. Lattes:
https://lattes.cnpq.br/8289661137290699.
36 Especialista em Educação Especial e Inclusão. Email: judite.macedo@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8322696168813368.
37 Doutora em Educação (UNIMEP). Email: angela.mello@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0344219024113745.
150

No primeiro momento, levantou-se a evolução histórica da pesquisa


educacional no Brasil desde a década de 1930 até a contemporaneidade. Para tanto,
apropriou-se de alguns autores que fizeram história nessa temática, apresentando de
maneira geral, os principais enfoques temáticos e metodológicos assumidos pela
pesquisa educacional desde a década de 1930, quando passou a existir de forma
mais sistemática e institucionalizada. A partir desta década, ampliaram-se as
preocupações científicas com a área educacional, com a institucionalização de
Centros Regionais de Pesquisas, com o objetivo de desenvolver a construção do
pensamento científico educacional brasileiro.
Com base na trajetória da pesquisa educacional, apropriando-se dos autores:
Georgen (1986), Gatti (2001), Carvalho (2004) e André (2006), o presente texto,
apresenta os pressupostos relacionados às dificuldades, o desempenho, o
desenvolvimento, as tendências, os erros, a má interpretação e uso das ferramentas
metodológicas, o imediatismo, entre outras implicações que desfavoreceram o
processo da pesquisa em educação. Contudo, registraram-se avanços com a
aprovação e implementação de inúmeros programas de pós-graduação em educação,
a nível de mestrado e de doutorado. Com a dedicação das instituições de educação
superior à pesquisa educacional, foi superada a fase da crítica reprodutivista que
dominou o cenário educacional até os anos de 1970.
A partir dos anos de 1970 a pesquisa empírica foi recuperada e deixou de ser
execrada como uma mera descrição positivista de fatos e contagem de números que
em nada contribuía para a análise mais profunda e para além das aparências da
realidade educacional. Compreendeu-se que, era necessário debruçar sobre a
realidade educacional brasileira para, a partir do conhecimento inclusive empírico
desta realidade, elaborar esquemas interpretativos adequados e propor formas de
ação apropriadas e eficientes para a transformação desta realidade, entre outros
avanços e benefícios.
Mesmo assim, o desenvolvimento da pesquisa educacional enfrentou inúmeras
dificuldades no decorrer das últimas décadas e ainda hoje, pode-se considerar que a
sua prática é generalizada e em algumas situações, banalizada, apesar do
reconhecimento de que é possível se fazer pesquisa no campo das ciências humanas.
Diante deste panorama, questiona-se: como os problemas relacionados à
trajetória da pesquisa educacional, refletem e manifestam atualmente e de qual
151

forma? Eles se repetem ou se apresentam sobre outras perspectivas? O que seria


possível fazer para que a qualidade da pesquisa educacional melhorasse?
Com a pretensão de responder a estes questionamentos, apresenta-se na
sequência, um breve histórico da construção da pesquisa educacional no país e do
seu retrato na contemporaneidade.

O INÍCIO DA PESQUISA EDUCACIONAL BRASILEIRA

A trajetória da pesquisa educacional no Brasil deu-se com a criação do Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) em 1937. O Instituto iniciou suas atividades
em 1938, tornando-se, um dos maiores e mais especializados Institutos de avaliação
educacional mundial, sendo também o primeiro órgão brasileiro estabelecido como
fonte de documentação, e assistência técnica (ANDRÉ, 2006).
Em 1952 Anísio Teixeira assumiu a instituição e a partir de então a ênfase
passou a ser em pesquisas. No ano de 1972, o Inep tornou-se autônomo,
denominando-se de Instituto Educacional de Estudos e Pesquisas Educacionais com
objetivo de obter dados sobre a situação educacional do país, os quais serviriam de
subsídio para a criação de cursos de pós-graduação com foco principal na realização
de pesquisas educacionais, as quais poderiam propor e promover melhorias
significativas mediante o cenário educacional da época (ANDRÉ, 2006).
As primeiras pesquisas em educação datam do período de 1940 e 1955, tendo
forte influência da psicologia, as quais se direcionavam para área psicológica e
pedagógica do ambiente escolar, com centralidade na aprendizagem do estudante
(ANDRÉ, 2006).
Entre 1956 a 1964, ocorreu a criação do Centro Brasileiro de Pesquisa
Educacional (CBPE), no Rio de Janeiro e mais cinco Centros Regionais de Pesquisa
vinculados ao Inep, em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife.
Segundo Angelucci e outros (2004), o objetivo era realizar o mapeamento da
sociedade brasileira, para posteriormente, promoverem políticas educacionais que
atrelassem as diferenças regionais ao progresso econômico do país.
Uma terceira etapa ocorreu entre os anos de 1965 e 1975, onde os estudos se
debruçaram sobre as questões econômicas ligadas à educação: custos,
investimentos, ou seja, pesquisas que destacavam o desenvolvimento econômico
152

centrado na teoria do capital humano; eficácia e eficiência se tornaram as palavras


chaves nas escolas nesse período. Joly Gouveia (1971), afirma que até nesse
período, as universidades ainda não se constituíam como lócus de pesquisa, não
havia o interesse dessas instituições e nem estímulos aos professores por
considerarem secundário ou desnecessário unir professor e pesquisa.
Durante o governo militar, ocorreu a dissociação total entre medidas do governo
e as pesquisas em educação, o que de certa forma constituiu-se positivamente numa
independência dos pesquisadores, os quais puderam então decidir sobre temas,
teorias e metodologias de estudo que considerassem mais adequadas a constituição
da pesquisa. Ainda nesse ínterim, criaram-se 16 cursos de pós-graduação strictu
sensu, sendo que o número de pesquisadores qualificados aumentou e as pesquisas
ganharam força. Concomitante a isso, em 1971 o Departamento de Pesquisas
Educacionais da Fundação Carlos Chagas em São Paulo foi criado e coordenado por
Bernadete Gatti, com o intuito de qualificar um maior número de pesquisadores e a
própria pesquisa brasileira, sobretudo enviando-os à Europa, onde obtiveram 100%
de sua formação.
Após isso, as universidades assumem a produção científica nacional, Gatti
(1983), relata que a partir desse momento mudanças teórico-metodológicas começam
a ocorrer sistematicamente, houve uma ampliação das temáticas, as quais saíram das
abordagens estritamente psicológica e econômica para abranger currículo, programas
e avaliação, aprendizagem, estratégias de ensino, políticas institucionais e outras
questões ausentes nas pesquisas das décadas anteriores. Neste período o referencial
teórico apresentou-se mais crítico e pela primeira vez os pesquisadores utilizaram
“instrumentos mais sofisticados de análise”.
Contudo, um ponto de fragilidade da época a ser destacado, se refere a
importação de modelos de pesquisas prontos de outros países, os quais não
representavam a necessidade da pesquisa brasileira, reflexo da formação que os
professores receberam nas universidades europeias. Todavia, mesmo após os
estudos fora do país, Gatti (2001) afirma que as questões sobre teoria e método
permaneciam sendo criticamente inconsistentes, produzindo estudos com
desigualdade e instabilidade, destacando a força que os modelos prontos
continuavam a ter entre os professores e essa característica manteve-se com
tamanha força e resistência que mesmo após a virada do século os sociologismos e
psicopedagogismos, característicos dessa época, se mantiveram e, junto deles, os
153

modelos americano e inglês de investigação que tinham como receita quase que única
a pesquisa qualitativa e o estudo de caso, valendo para toda e qualquer pesquisa que
evolvesse um ente social.
Com essa característica fortemente destacada, Gatti (2001) e André (2006),
observam um outro fenômeno presente na época, o imediatismo das pesquisas,
refletindo uma ânsia completa pela aplicabilidade instantânea dos resultados. Esta
característica pode camuflar a reflexão da realidade e empobrecimento teórico da
investigação. Contudo, tão grave quanto o imediatismo é a irrelevância social da
quase totalidade dessas investigações. Sobre esses e outros vícios que acompanham
a pesquisa educacional brasileira desde sua gênese, Georgen (1986) analisa que
desde 1952, o imediatismo segue paralelo, bem como a descontinuidade das
pesquisas, a falta de propósito social, a nociva divisão em blocos teórico ou empírico,
pesquisas sobre temas instantâneos ou ditadas pelo assunto do momento, as quais
normalmente segundo o autor apenas servem ao interesse de um determinado
método ou ideologia com o intuito de torná-las visíveis. Com relação aos
pesquisadores, segundo os mesmos autores, uma parcela significativa visava e
buscava desde o princípio a obtenção dos títulos e o aumento de seus próprios
salários, no percentual daqueles que utilizam a pós graduação para atingirem metas
pessoais e objetivos puramente individuais descompromissados com a ciência que
propõe e trabalha pela melhoria de vida do coletivo.
Estas pesquisas junto a tantas outras foram engavetadas e não cumpriram o
papel a elas destinado que é o de transformar a realidade educacional, cabendo
portanto a superação da ideia ilusória de que as transformações ocorrem por si só a
cada nova pesquisa concluída.
Em 1950, Florestan Fernandes já discorria em seus discursos o fato de que as
pesquisas educacionais deveriam ter como enfoque prioritário, a realidade
educacional concreta, identificando onde estão os espaços vazios, os quais carecem
de aprofundamento e estudo a partir dos quais poderiam ocorrer transformações
progressivas. No sentido de uma educação que seja benéfica a todos os cidadãos e
tal prática evitaria a repetição dos temas nos moldes vistos pelo próprio autor já em
sua época.
Alves e Mazzotti (2001) evidenciaram em seus escritos a quase ausência de
grupos de estudo e pesquisa contínuos e consistentes no Brasil, desde a década de
1940, os quais seriam aferidores de perfis de conhecimentos sólidos com
154

aprofundamento contínuo dentro dos programas de pós-graduação das


universidades. Ela verificou que os programas aumentaram consideravelmente em
número a partir de 1965, mas os grupos de pesquisa ficaram muito aquém da
demanda dos estudantes. A referida autora ressalta também a fragmentação dos
temas, a descontinuidade dos estudos e pesquisas e o imediatismo que continuava a
insurgir-se contra a relevância social das investigações.
Carvalho (2004), elencou 334 documentos, uma espécie de amostra das
pesquisas realizadas no Brasil entre 1985 e 2003, concluindo que as tendências
metodológicas foram ampliadas consideravelmente para pesquisa documental,
bibliográfica, qualitativa – quantitativa, etnográfica, estudos culturais e novidades
como os relatos de experiências, histórias de vida, pesquisas experimentais e
interacionistas apareceram em inúmeros estudos pela primeira vez. Os instrumentos
de coleta de dados também se ampliaram em suas categorias, saindo de estudos de
caso para entrevistas, documentos, observação, questionário, testes, relatos
autobiográficos e outros em menor escala, sendo reuniões, vídeos, jornais e revistas,
fotografia e os grupos focais. Contudo, contrariando a variada gama de metodologia
e instrumentos encontrados, a autora relata que a fragilidade dos objetos de estudo,
a formação dos professores e a fundamentação das abordagens qualitativas
permaneceram frágeis.
Sobretudo, observado por Carvalho (2004), foi a ruptura da matriz teórica das
pesquisas brasileiras nesse período, seu estudo demonstrou que a matriz psicológica
vigente desde 1940 foi quase que totalmente substituída pela matriz sociológica e
sócio–histórica que surgiu como um novo modelo de pensamento da educação
brasileira. Dada essa virada, a fundamentação teórica das pesquisas ganhou
abrangência, ampliando de um único referencial teórico para cinco ou mais em cada
estudo. Ademais disso, quase a totalidade dos trabalhos analisados traziam em seus
referenciais 80% de autores estrangeiros, sem, contudo, deixar nítido qual o eixo
condutor do trabalho ou conhecimento produzido. A autora aponta ainda que os cursos
de pós-graduação strictu sensu no ano 2000 já somavam 60 com centenas de
trabalhos finalizados e publicados. Deste total, apenas 1/3 apresentavam
conhecimento de fato relevante ou proposta de aplicação e transformação, o restante
se configurava apenas como “mais do mesmo”.
Um dos teóricos brasileiros bastante citados nas pesquisas do período é Paulo
Freire (1921 – 1997), o qual acreditava que a educação não devia tornar o homem e
155

a mulher um objeto, pelo contrário, se a educação coisificá-los, os mesmos perdem a


liberdade de agir (FREIRE, 1975). Ele via a educação como uma relação dialética
capaz de provocar reflexão e consequentemente transformação; devido ao seu modo
de pensar, acabou por influenciar muitos professores pesquisadores.
O período de 1940 a 2000 se refere ao início da pesquisa educacional
brasileira, de acordo com Georgen (1986), Gatti (2001), Gatti (2002), Carvalho (2004)
e André (2006), aconteceu a expansão dos cursos de pós-graduações entre 1952 e
2000, com aumento do número de pesquisadores e pesquisas, crescimento do uso
de metodologias e instrumentos diversificados, ampliação do referencial teórico,
sobretudo de nomes internacionais. Observou-se, ainda a centralidade dos programas
e pesquisas na região sudeste, a invisibilidade da maioria das pesquisas produzidas,
o escasso investimento nos estudantes matriculados nesses programas que não
permitiam que se dedicassem às pesquisas, também os docentes formadores
constituíam número insuficiente para a demanda, sendo que acumulavam desde o
princípio muitas funções, comprometendo a qualidade das pesquisas.

RETRATO DA PESQUISA EDUCACIONAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A história educacional no Brasil contemporâneo mostra mudanças nas


pesquisas em educação, elas foram ampliadas e os pesquisadores passaram a
compartilhar os resultados das pesquisas desenvolvidas no Brasil em outros países.
Apesar desses avanços ainda há muito a melhorar, sobretudo no que se refere ao
financiamento, à qualidade da produção e à divulgação dos seus resultados
(FERREIRA, 2009).
Também o Estado investe cada vez menos na educação e o ensino superior é
tratado com descaso e mesmo com o surgimento de instituições de pesquisa,
expansão do CNPq, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e das fundações,
da explosão de publicações, a qualidade das pesquisas ainda não corresponderam
aos recursos disponibilizados. Sendo assim, é comum encontrar trabalhos
universitários com técnica e metodologia bem elaborados, mas que pouco
acrescentam à produção do científica (FERREIRA, 2009).
Nesse sentido, pensar em realizar pesquisa educacional requer reflexão e
ação, com aprofundamento dos fundamentos teóricos baseados nas mudanças
156

sociais e políticas, em contextos multiculturais que promovam a transformação da


realidade social, através do processo de aprendizagem, fundamentais para que o
sujeito conquiste o fim proposto na construção de conhecimento (SILVA; KAYSER,
2015).
Contudo, isso só será possível se houver maiores investimentos na educação
no Brasil, que passa necessariamente pela monitoração dos gastos por meio dos
investimentos na gestão das redes de pesquisa. Além disso, é necessário atenção
para as lacunas observadas nas redes de pesquisas contemporâneas como
infraestrutura física, adequação metodológica e a formação do pesquisador em
educação.
A discussão sobre a pesquisa na educação e os seus pressupostos na
contemporaneidade ganhou ainda mais ênfase, quando a educação passou a atender,
de modo ainda mais explícito, aos interesses da economia. Neste sentido, os
pressupostos educacionais, defendem a humanização e o pensamento crítico, porém
nunca se desvinculou dos interesses economicistas, os quais implicam diretamente
nos resultados das pesquisas realizadas no campo educacional (REGERT et al,
2017).
É importante abordar que no campo educacional a pesquisa possibilita
reflexões e tomadas de decisões sobre os desafios impostos que podem comprometer
o processo de ensino e aprendizagem, nos fazendo perceber que discutir sobre
pesquisa em educação não é tão simples e não se restringe somente aos espaços da
academia. Pois é importante que o pesquisador se empenhe na realização da
investigação, se aproxime dos problemas levantados com vistas a propor alternativas
para os desafios impostos à educação (COSTA et al, 2021).
O movimento histórico dos estudos e investigações produzidas até aqui nos
dão uma boa imagem da construção da pesquisa em educação hoje, admitindo o
pressuposto de que um campo de conhecimento temático não se configura apenas
por delimitações de teorias, métodos e objetos definidos em consideração aos
desafios da pesquisa em educação. Nas últimas décadas os pesquisadores
assistiram à recolocação dos problemas socioculturais no mundo em que o papel da
educação e os modos de formação humana possuem uma disposição para
compreender processos e situações que para o pesquisador atento e crítico, estão à
margem ou além do usual modelo de explicações (GATTI, 2012).
157

Nos últimos anos a produção dos trabalhos no campo da educação tem dado
origens a novas aproximações problematizadora, abrindo a diversidade de enfoques
que impõe a necessidade de intensificação do diálogo para o entendimento das
contradições entre as diferentes perspectivas dos pesquisadores, balizando os limites
dos conhecimentos elaborados e suas intersecções (GATTI, 2012).
Contudo, as pesquisas desenvolvem novos saberes, sendo essa atividade
científica uma tecnologia intelectual e o conhecimento é um desafio cada vez maior
nos pós modernidade, confirmando que ciência para o governo é sempre ciência
aplicável na geração de tecnologia que nas perspectivas neoliberais, está associada
ao poder, a geração de lucro e por último ao desenvolvimento social. Por isso, é
importante pensar o campo da pesquisa educacional como autônomo e não
ideológico, que pode contribuir para a efetivação das mudanças necessárias no
sistema educacional no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Educar faz parte da evolução humana, por isso, o enfoque atual é para a
coletividade, a partir, de reflexões que contribuam de forma direta para compreender
a educação e os pressupostos nos quais ela se estruturou ao longo de toda sua
história.
A pesquisa em Educação, não pode estar a serviço de solucionar apenas
problemas emergentes do cotidiano, mesmo porque, o tempo de investigação
científica não coaduna com necessidades de decisões rápidas, pois é primordial
entender e analisar a evolução do pensamento racional e científico para, então,
entender o papel que a educação desde sua gênese (ANDRÉ, 2001).
Nesse viés, é necessário olhar atento aos pressupostos teóricos,
metodológicos e aos contextos formadores das necessidades humanas, onde se
observa, registra e analisa o que se considera importante para formação do
pesquisador, pois isso torna mais fácil a rotina e organização da pesquisa educacional
e das suas condições de produção do conhecimento científico.
Muitos são os desafios da pesquisa em educação, mas se houver autonomia,
desprendimento de fórmulas e ideologias dominantes, é possível elucidar as relações
entre conhecimento e interesses, assim os resultados das pesquisas poderão ter
158

maior aceitação e aplicabilidade educacional e social, com menor distinção de classe


social e poder.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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n.19, p.11-24, set./dez. 2006.
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https://www.scielo.br/j/cp/a/TwVDtwynCDrc5VHvGG9hzDw/?lang=pt&format=pdf.
Acesso em: 30 jan. 2022.
CARVALHO, M. S. A pesquisa educacional sobre a escola pública de ensino
fundamental, nos projetos e relatórios de pesquisa elaborados por docentes das
Universidades brasileiras. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do
rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
COSTA, Daniele De Jesus Moreira et al. Pesquisa em educação: desafios e
perspectivas docentes na configuração de pesquisa na educação básica: E-book VII
CONEDU. v. 1. Campina Grande: Realize Editora, 2021. pp. 1363-1377. Disponível
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FERNANDES, Florestan. Ensaios da sociologia geral e aplicada. São Paulo: Livraria
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FERREIRA, Liliana Soares. A pesquisa educacional no Brasil: tendências e
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http://educa.fcc.org.br/pdf/ctp/v09n01/v09n01a05.pdf. Acesso em: 31 jan. 2023.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 5 ed. São Paulo: Paz e Terra,
1975.
GATTI, Bernadete Angelina. A construção metodológica da pesquisa em educação:
desafios. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 28, n. 1, p.
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https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/36066/23315. Acesso em: 01 fev.
2023.
GATTI, Bernadete Angelina. A construção da pesquisa em Educação no Brasil. v. 1.
Brasília: Plano Editora, 2002.
GATTI, Bernadete Angelina. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no
Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, n. 113, jul. 2001.
GOERGEN, Pedro. A pesquisa educacional no Brasil: dificuldades, avanços e
perspectivas. Em aberto, Brasília, v. 5, n. 31, jul./set.1986.
159

MARQUES, Waldemar. Pesquisa Educacional no Brasil: para quê e para quem: Um


olhar a partir de uma universidade comunitária. Quaestio, Sorocaba, v. 14, n. 2, p. 429-
441, nov. 2012.
REGERT, Rodrigo. et al. Pressupostos teóricos da educação: algumas reflexões
históricas. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 12, n. 3, p. 1756-
1773, jul./set. 2017. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/8542. Acesso em: 30 jan.
2023.
SILVA, Marco Aurélio da; KAYSER, Aristéia Mariane. O papel da educação
contemporânea, uma reflexão a partir da pedagogia da autonomia de Paulo Freire.
Revista Dynamis, Blumenau, v. 21, n. 2, p. 3-15, 2015. Disponível em:
https://proxy.furb.br/ojs/index.php/dynamis/article/view/3560. Acesso em: 31 jan.
2023.
160

ATRAVÉS DO OLHAR DA REPRESENTAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE A


CULTURA E A REPRESENTAÇÃO SEGUNDO STUART HALL

Jucileide Alves Ribeiro38


Kamila Abril de Azevedo39
Sebastiana Almeida Souza40

RESUMO: O presente artigo compõe parte dos requisitos de conclusão da disciplina


de Teorias da Educação ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado de Mato Grosso. Este trabalho busca discutir a teoria de
Stuart Hall sobre representação e cultura, que de acordo com Hall (2016), a
representação é um processo que envolve a produção de significado a partir de
símbolos e imagens que são mediadas pela cultura e pelas práticas sociais. Para ele,
a cultura é um campo de lutas e negociações em que diferentes grupos sociais
competem pelo poder de produzir e controlar significados e representações. Ele afirma
que as representações culturais não são meras reflexões da realidade, mas são
construídas por meio de códigos e convenções que são influenciados por questões
de poder, ideologia e interesse. Neste sentido, para atendermos ao objetivo proposto
realizamos uma revisão bibliográfica tomando como base os trabalhos de Hall (2006;
2016) conforme observaremos ao longo da discussão.
Palavras-chave: Cultura. Representação. Práticas sociais.

INTRODUÇÃO

Instigados a observar através do olhar da representação segundo a perspectiva


do teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano Stuart Hall, elaboramos o presente
artigo no âmbito da disciplina de Teorias da Educação, ministrada no curso de pós-
graduação Stricto sensu em Educação ofertado pela Universidade do Estado de Mato
Grosso “Carlos Alberto Reyes Maldonado”, como forma de trazer ao conhecimento da
comunidade acadêmica alguns dos principais elementos que compõem a obra
“Cultura e Representação”, escrita pelo referido pesquisador. Para além da reflexão
estimulada através da leitura da obra, buscamos suporte em outras pesquisas para o
desenvolvimento deste trabalho.

38 Especialista em História de Mato Grosso (UNIC). Email: alvesribeiro.jucileide@gmail.com. Lattes:


http://lattes.cnpq.br/3173150372772237.
39 Especialista em Neuroaprendizagem. Email: kamila.abril@unemat.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8953266053563575.
40 Doutora em Estudos de Linguagem (UFMT). Email: sebastiana.souza@ufmt.br. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/3069273468035462.
161

Ganhando notoriedade acadêmica a partir da década de 1960, Stuart Hall


buscava compreender por meio de alguns questionamentos, como as imagens que
estão presentes em nosso cotidiano nos auxiliam na compreensão do funcionamento
do mundo. Para isso, questionava-se sobre: Como essas imagens apresentam e
representam as realidades, valores e identidades? Quem ganha e quem perde com
elas? Quem ascende e quem descende? Quem é incluído e quem é excluído? E
principalmente, como fica a situação dos negros diante desse processo de reflexão?
Esses questionamentos buscavam evidenciar como se produz cultura e como
ela se apresenta como representação da sociedade. Indagava-se, por exemplo, qual
conexão existente entre a cultura e a representação? Em Hall (2016, p. 17),
identificamos que “cultura diz respeito a ‘significados compartilhados’. Ora, a
linguagem nada mais é do que o meio privilegiado pelo qual ‘damos sentido’ às coisas,
onde o significado é produzido e intercambiado”.
Com base nesse excerto, podemos compreender que a conexão estabelecida
entre os pontos norteadores dessa reflexão se convergem a partir do momento em
que os elementos culturais passam a serem compartilhados através de um acesso
comum à linguagem, tornando-se fundamental para a representação dos valores e
significados culturais presentes em determinados grupos sociais.
Desta forma, buscaremos através das elocubrações presentes neste trabalho,
apresentar alguns dos principais pontos presentes na obra por meio dos seguintes
subtítulos: a) Onde está o “sujeito” da/na representação? b) O racismo como bem
comercial: o império e o mundo doméstico, c) através do olhar da representação: a
inversão dos estereótipos. Importa destacar que a presente produção é baseada em
uma revisão bibliográfica em que se tem como objeto central das análises a obra
anteriormente mencionada, e que a partir de consultas complementares buscou-se
trazer à baila as ponderações sobre a cultura e a representação, conforme
observaremos no decorrer deste trabalho.

ONDE ESTÁ O “SUJEITO” DA/NA REPRESENTAÇÃO?

A centralidade da cultura na teoria de Stuart Hall é o meio pelo qual as pessoas


se relacionam com o mundo e produzem suas próprias identidades. Ele acredita que
a cultura não é apenas um meio de comunicação, mas também um meio de
construção e transformação da sociedade. No entanto, a cultura não é um fenômeno
162

estático, e sim um processo contínuo de mudança e desenvolvimento, que é


influenciado pelos meios de comunicação, tais como a mídia, a educação, a
tecnologia, entre outros. Uma cultura dinâmica e em constante mudança, reflete as
mudanças sociais em curso e, portanto, é um meio importante de compreender o
mundo em que vivemos (HALL, 2006).
Para Hall (2016), a representação é considerada como um processo de
significação que nos permite interpretar e interagir com o mundo, criando significados
e interpretações. O processo de representação é contínuo, pois é necessário
compreender a forma como as representações produzem, afetam e circulam nos
meios culturais para que possamos entender como os significados são criados,
construídos e interpretados. Ele argumenta que a representação é importante para a
compreensão do significado, pois é o meio pelo qual a cultura é transmitida e
compartilhada, é através deste processo que os significados culturais são construídos,
interpretados e compartilhados.
Por meio dessa abordagem, o autor procura identificar onde as verdadeiras
manifestações do significado se dão, partindo do princípio de que a linguagem é um
dos principais meios por meio dos quais a representação se efetua. Assim, Hall (2016)
destaca a importância de se analisar cada elemento da linguagem na construção de
sentido, considerando a influência de contextos sociais e culturais que constituem a
base de nosso sistema de representação. Desse modo, a partir do estudo da
linguagem visual, o autor aponta que não basta apenas entender o que essas formas
significam, mas também como elas são usadas para construir um determinado tipo de
sentido.
Compreendidos estes pontos, buscamos evidenciar “onde está o ‘sujeito’ da e
na representação”, para isso identificamos que Hall (2016) apresenta uma crítica a
Foucault em relação a forma que aborda a posição do sujeito em seus pensamentos.
Neste caminho, Hall critica a noção de que os indivíduos são criados por discursos
dominantes, pois na realidade a relação entre poder e discurso é muito mais
complexa. Assim, ele argumenta que os indivíduos não devem ser considerados
meros receptores de ideias impostas – mas sim como atores que, ao mesmo tempo,
são construídos e constituídos por essas ideias, de modo que suas próprias ações
são influenciadas por elas. Isso nos leva a concluir que o sujeito é um produto do
discurso, mas não apenas do discurso dominante e sim de todos aqueles discursos
que o indivíduo vivencia.
163

Segundo Hall (2016, p. 99) “é o discurso, não os sujeitos que o falam, que
produz o conhecimento. Sujeitos podem produzir textos particulares, mas eles estão
operando dentro dos limites da episteme, da formação discursiva, do regime da
verdade, de uma cultura e período particulares”. Para o autor, essa é uma das
proposições mais radicais presentes no pensamento foucaultiano em que se
considera o “sujeito” como uma produção do discurso.

O ‘sujeito’ de Foucault parece ser produzido por meio do discurso em dois


sentidos ou lugares diferentes. Primeiro, o próprio discurso produz ‘sujeitos’
– figuras que personificam formas particulares de conhecimento que o
discurso produz. Esses sujeitos têm os atributos que poderíamos esperar,
como definidos pelo discurso: o homem louco, a mulher histérica, o
homossexual, o criminoso individualizado, e assim por diante. Essas figuras
são específicas para regimes discursivos e períodos históricos determinados.
O discurso também produz um lugar para o sujeito (ou seja, o leitor ou
espectador, que também está ‘sujeito ao’ discurso), onde seus significados e
entendimentos específicos fazem sentido. Não é inevitável, nesse sentido,
que todos os indivíduos em um dado período se tornem sujeitos de um
discurso em especial, portadores de seu poder/conhecimento. Mas para que
eles – nós – assim façam/façamos, é preciso se/nos colocar na posição da
qual o discurso faz mais sentido, virando então seus ‘sujeitos’ ao ‘sujeitar’ nós
mesmos aos seus significados, poder e regulação. Todos os discursos, assim,
constroem posições de sujeito, das quais, sozinhos, eles fazem sentido
(HALL, 2016, p. 100, grifos nossos).

Para resumir o pensamento foucaultiano, Hall (2016) apresenta a obra de Diego


Velázquez intitulada Las meninas de 1656. Portanto, a representação na pintura
ocorre a partir destes três pontos de vista: o espectador, o pintor e a figura da corte.
Estes três pontos de vista nasceram o sentido geral da pintura e nos permitem também
ver os elementos e relações parciais entre eles.
Dessa forma, a complexidade do sujeito no pensamento de Foucault está
relacionada à sua capacidade de se posicionar diante do discurso, ou seja, de ler o
texto e, a partir dele, construir novas significações. Embora a história possa nos dar
um sentido determinado, sempre há a possibilidade de o sujeito se posicionar diante
dela e criar novas formas de interpretação. É assim que a complexidade do sujeito se
manifesta, pois ele é capaz de se posicionar diferentemente diante das mesmas
palavras e das mesmas imagens.
164

O RACISMO COMO BEM COMERCIAL: O IMPÉRIO E O MUNDO DOMÉSTICO

A partir dos apontamentos realizados sobre cultura e representação


anteriormente, passaremos a apresentar e compreender – com base em Stuart Hall
como as representações foram utilizadas como uma forma de evidenciar as diferenças
raciais e “significar o ‘outro’ racializado na cultura popular ocidental. De acordo com
Hall (2016) houve três momentos em que o “ocidente” teve contato com a cultura e as
representações da população negra, o que passou a causar uma série de
representações populares que tinham como base a marcação da diferença racial.
O primeiro momento ocorre em meados do século XVI, quando a África
Ocidental se torna “fonte” de escravos, em que comerciantes europeus estabelecem
contato com reinos africanos, em que seus efeitos perpassaram a escravidão e a
sociedade pós-escravista. O segundo momento é marcado pela corrida imperialista
realizada por potências europeias, não apenas de colonizar, mas também de controlar
o território, matérias-primas, e o comércio. Por fim, o terceiro momento ocorre a partir
das migrações pós-Segunda Guerra mundial para destinos como a Europa e a
América do Norte. A partir desses momentos históricos é que vimos despontar
algumas ideias ocidentais em relação a “raça”, de modo que as diferenças raciais
passaram a ser moldadas com base nesses três momentos (HALL, 2016).
Neste sentido, os estereótipos raciais são encontrados em muitos desses
encontros, e mais tarde se tornaram parte do inconsciente coletivo ocidental.
Estereótipos raciais podem ser identificados em representações de práticas culturais
como a música, a arte, a língua e os costumes, e são frequentemente associados ao
“Outro” racializado. Por exemplo, a música e a dança africanas estão intimamente
associadas às imagens do homem negro como uma personificação do exotismo. Além
disso, o legado de escravidão trouxe à cultura ocidental a figura do escravo negro,
que foi frequentemente retratado como um objeto de desejo e de dominação. No
século XX, a imigração de populações racializadas para a Europa e América do Norte
contribuiu para a criação de novas representações de outros racializados.
(ESCOSTEGUY, 2003).
Essas representações frequentemente se baseiam em estereótipos sobre as
culturas e costumes dos imigrantes, assim como sobre os seus hábitos de vestuário
e locais de residência. Esses estereótipos são usados para reforçar a ideia de que os
“outros” racializados são visivelmente diferentes dos “nós” ocidentais, e que eles não
165

se encaixam nas normas culturais da sociedade em que vivem. Em suma, as práticas


e representações da diferença racial foram moldadas pela história dos encontros entre
o Ocidente e os “outros” racializados. Estereótipos raciais são frequentemente usados
para criar uma identidade diferenciada para esses outros e reforçar a percepção de
que eles não se encaixam na cultura ocidental (ESCOSTEGUY, 2003).
Em complemento, Hall (2016) aponta que os encontros ocorridos entre o
Ocidente e a África acabaram criando formas de naturalizar a dominação de povos
brancos em relação aos negros, que supostamente encontravam fundamentos em
uma nova forma de racismo científico e na teoria da poligênese. Tais formas foram
utilizados como justificativas para legitimar a escravidão e a desigualdade racial. O
racismo científico negou a humanidade dos negros, tratando-os como seres inferiores
que deveriam ser subjugados e mantidos em sua posição. Ao passo que a teoria da
poligênese afirmava que os negros eram criados em um estado selvagem e, portanto,
careciam de algum tipo de tutela para se tornarem civilizados. Essas ideias foram
usadas de forma recorrente para se tentar justificar a escravidão, visto que defendiam
que os negros eram sujeitos incapazes de serem autossuficientes e, portanto,
necessitavam de um mestre branco para guiá-los e ensiná-los a serem civilizados.
Neste caminho, Stuart Hall apresenta uma crítica em relação a tentativa de
legitimar os ataques ao povo negro, de modo que em suas palavras ele aponta que:

A prática de reduzir as culturas do povo negro à natureza, ou naturalizar a


“diferença” foi típica dessas políticas racializadas da representação. A lógica
por trás da naturalização é simples. Se as diferenças entre negros e brancos
são “culturais”, então elas podem ser modificadas e alteradas. No entanto, se
elas são “naturais” – como acreditavam os proprietários de escravos –, estão
além da história, são fixas e permanentes. A “naturalização” é, portanto, uma
estratégia representacional que visa fixar a “diferença” e, assim, ancorá-la
para sempre. É uma tentativa de deter o inevitável “deslizar” do significado
para assegurar o “fechamento” discursivo ou ideológico. [...] Para os negros,
“primitivismo” (cultura) e “negritude” (natureza) tornaram-se intercambiáveis.
Esta era sua “natureza” e eles não poderiam escapar. Como tantas vezes
aconteceu na representação das mulheres, sua biologia era seu “destino”. Os
negros não eram apenas representados em termos de suas características
essenciais. Eles foram reduzidos à sua essência. A preguiça, a fidelidade
simples, o entretenimento tolo protagonizado por negros (cooning), a
malandragem e a infantilidade pertenciam aos negros como raça, como
espécie (HALL, 2016, p. 171-173, grifos do autor).

A partir deste excerto, recorremos a crítica realizada por Hall (2016) em que o
pesquisador destaca que para muitos, negritude significa reivindicar a existência de
uma cultura e de uma identidade negra como uma alternativa a esta natureza e
estereótipo fixado. Negritude é a afirmação de que a raça negra é tão diversa e rica
166

quanto qualquer outra raça, e que não pode ser reduzida a uma única característica
simplificada. É importante ter em mente que a negritude não é uma noção de
“superioridade” racial, mas sim uma reivindicação da igualdade. É uma reivindicação
de que a raça negra é tão válida, tão única e tão rica quanto qualquer outra. É a
reivindicação de que os negros devem ser vistos como indivíduos, não como um grupo
homogêneo.

ATRAVÉS DO OLHAR DA REPRESENTAÇÃO: A INVERSÃO DOS


ESTEREÓTIPOS

Iniciamos nosso diálogo sobre o olhar através das representações, nos


fundamentando em Hall (2000) de destaca que as identidades sociais são construídas
a partir de uma variedade de fatores culturais, como a religião, o gênero, a classe
social, a etnia, a raça, a sexualidade, entre outros. Estes fatores são fundamentais
para a formação de identidades, pois são eles que definem o lugar que o indivíduo
ocupa na sociedade, e como tal, influenciam as relações que estabelece com os
outros. Por conseguinte, as identidades sociais são resultantes de um processo de
interação entre os indivíduos e os fatores culturais, sendo compostas por elementos
que lhes são peculiares e que contribuem para a formação de um todo único e distinto.
Assim, passamos a observar a inversão dos estereótipos negros fortalecidos
ao longo dos tempos e que, neste momento, passa a serem invertidos com um grande
apoio da indústria cinematográfica, conforme podemos observar o excerto abaixo.

O primeiro fruto dessa contrarrevolução foi uma série de filmes, começando


com Sweet Sweetback’s Baadasss Song [A canção durona do doce
Sweetback], de Melvin van Peebles, 1971, e com o sucesso de bilheteria de
Gordon Parks, Shaft. Em Sweet Sweetback’s, Van Peebles valoriza
positivamente todas as características que normalmente seriam vistas como
estereótipos negativos. Seu herói negro é um garanhão profissional, que
escapa com sucesso da polícia com a ajuda de vários negros imorais do
gueto, ateia fogo a um carro de polícia, ataca outro com um taco de sinuca,
escapa para a fronteira mexicana, fazendo pleno uso de suas proezas
sexuais em todas as oportunidades. Finalmente, livra-se de tudo e o filme
acama com uma mensagem rabiscada na tela: “Um negro Baadasss [durão]
está voltando para cobrar algumas dívidas (HALL, 2016, p. 212).

Além deste exemplo, o autor ainda traz outros filmes como Shaft e Superfly
dirigidos por Parks e que traziam em seu enredo atores negros que figuravam como
protagonistas em papéis heroicos. Além destes, o autor também cita o filme New Jack
167

City: a gangue brutal, que apresentava como enredo personagens “negros durões”
(badass) e com atitude (HALL, 2016).
Diante desse avanço no processo de inversão do estereótipo negro, Stuart Hall
aponta que:

Notamos rapidamente o apelo desses filmes, em especial, embora não


exclusivamente, para o público negro. Na maneira como seus heróis lidam
com os brancos, há uma notável ausência, realmente uma reversão
consciente, da velha deferência ou dependência infantil. Em muitos aspectos,
são filmes de “vingança” – as audiências saboreavam os triunfos dos heróis
negros sobre os “branquelos” e adoravam o fato de eles se darem bem no
final! O que podemos chamar de campo moral era, assim, nivelado (HALL,
2016, p. 213).

Em complemento, o autor afirma que:

Em um nível mais complexo, eles colocaram, pela primeira vez, os negros no


centro dos gêneros cinematográficos populares – filmes de crime e ação – e
assim os tornaram essenciais àquilo que podemos chamar de vida e cultura
“míticas” do cinema norte-americano – talvez mais importante, por fim, do que
seu “realismo”. Pois é ali que as fantasias coletivas da vida popular são
elaboradas, e a exclusão dos negros de seus limites os tornaram
precisamente peculiares, diferentes, descolados “do quadro”. Isso os privou
do status de celebridade, do carisma heroico, do glamour e do prazer da
identificação concedida aos heróis brancos de filmes noir, velhos suspenses
de detetives particulares, crimes e polícia, “romances” de delinquência urbana
e do gueto. Com esses filmes, os negros chegaram ao mainstream cultural –
com vingança! Esses filmes conseguiram realizar uma contraestratégia com
um único objetivo – inverter a avaliação dos estereótipos populares – e
provaram que tal estratégia era capaz de oferecer sucesso de bilheteria e
identificação da audiência (HALL, 2016, p. 213-214).

Portanto, para transformar um estereótipo, não é preciso necessariamente


invertê-lo ou subvertê-lo, mas sim reconhecer que é possível fazer parte de uma
identidade estereotipada e ao mesmo tempo escapar de seus extremos. Isso pode ser
feito por meio de uma narrativa que mostre a diversidade da cultura negra, que inclua
personagens negros representados de forma realista, que sejam heróis, que tenham
motivações diferentes, que tenham acesso a glamour, prazer e recompensa, que
tenham acesso às mesmas oportunidades que os brancos.
Uma outra alternativa para mudar um estereótipo é encontrar narrativas
alternativas para os personagens ou situações estereotipadas. O narrador pode contar
histórias de personagens negras que têm lutado por igualdade e justiça nos Estados
Unidos, que são independentes, que têm desempenho acadêmico e profissional
excepcional, que estão bem relacionados com outras minorias, que têm sucesso
168

financeiro e sexual, que são heroínas femininas, que têm famílias unidas, que estão
conectados com a natureza e que contribuem para a comunidade. A busca por
narrativas que desafiam as percepções limitadas e as estereotipias ajuda a construir
um novo tipo de identidade para os personagens negros, tornando-os mais
tridimensionais, humanos e autênticos.
Para Hall (2016) existe uma outra estratégia que pode contribuir para contestar
o regime racializado de representação, em que baseia-se na tentativa de substituir
imagens “negativas”. É uma estratégia que tem o mérito de se manifestar em várias
áreas da mídia, incluindo cinema, televisão, música, arte e literatura. Em seu melhor,
desafia os modelos de representação estereotipados que não apenas reificam as
categorias raciais, mas também congeminam essas categorias com outras categorias,
como classe, gênero e sexualidade. O resultado final é que, ao apresentar imagens
positivas, esta abordagem contribui para a construção de uma nova narrativa de
representação racial, na qual as pessoas negras são vistas como humanas, capazes
de ter um destino comum e merecedoras do mesmo direito ao respeito que todos os
outros grupos recebem.
Esta abordagem tem seus méritos, mas pode também ser problemática. Se não
lida com outras formas de representação racial, como representações estereotipadas,
pode reconstituí-las em formas mais “positivas”. Este é o risco de uma abordagem que
se baseia em “ver o lado bom das coisas”. A abordagem positiva pode também não
lutar contra as estruturas mais profundas que produzem a desigualdade racial, como
a discriminação institucional. É importante que a abordagem positiva seja
complementada com outras estratégias que lide com outras formas de representação
racial.
Por fim, Stuart Hall apresenta uma terceira contraestratégia, conforme
observamos abaixo.

A terceira contraestratégia está dentro das complexidades e ambivalências


da representação em si e tenta contestar a partir dessa esfera. Está mais
preocupada com as formas de representação racial do que com a introdução
de um novo conteúdo. Ela aceita e funciona juntamente com o caráter instável
e mutável do significado e entra, por assim dizer, em uma luta pela
representação, embora reconheça que não haverá vitória final, pois não
existe possibilidade de fixar o significado. Assim, em vez de evitar o corpo do
negro, por estar ele tão absorvido pelas complexidades de poder e
subordinação dentro da representação, essa estratégia o toma
positivamente, como o principal local de suas estratégias representacionais,
tentando fazer com que os estereótipos oporem contra eles próprios (HALL,
2016, p. 219).
169

Esta estratégia se baseia na criação de formas de representação que desafiem


e subvertam as estruturas convencionais de significado racial e que procurem criar
novos significados em torno da identidade negra. Estes novos significados podem
incluir, por exemplo, a ressignificação de símbolos e imagens tradicionalmente
associadas ao racismo e ao estereótipo. Outros elementos que podem ser explorados
são a criação de narrativas alternativas e a inclusão de camadas de leitura que
possam apresentar uma narrativa mais complexa e diferenciada.
Um exemplo desta estratégia é a prática do olhar no hip hop. O hip hop é uma
forma de expressão cultural criada por jovens negros e latinos nos Estados Unidos na
década de 1970, cujos elementos principais são o rap, o graffiti, o DJing e o b-boying.
O olhar tem sido um elemento importante desta cultura, desde o início. Os artistas de
hip hop têm utilizado o olhar como forma de resistência e autoexpressão, rejeitando a
visão racializada de seus corpos e apresentando-se de maneiras que desafiam os
estereótipos e as narrativas dominantes sobre o que significa ser negro. O olhar é,
portanto, utilizado como forma de autoafirmação, como expressão de sua
individualidade e como estratégia para desafiar o status quo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos no decorrer dos estudos, que Hall (2006; 2016) defende que o
conceito de representação tem duas dimensões: a simbólica e a material. A dimensão
simbólica refere-se aos significados que são atribuídos às representações, enquanto
a dimensão material refere-se à forma como esses significados são produzidos e
compartilhados. Assim, a forma como as coisas são representadas pode ser
considerada como material e simbólica. Para ele, a representação é um processo
dinâmico e desempenha um papel fundamental na produção e reprodução da cultura.
O que a constitui como um elemento importante para a produção de conhecimento,
pois é a forma como a cultura é transmitida. Desse modo, os significados são
transferidos de um contexto para outro através da representação, o que ajuda a
estabelecer e manter a ligação entre o passado e o presente.
Neste caminho, verificamos que Hall (2000) destaca a necessidade de
considerar a cultura como conjunto de valores e significados compartilhados, que se
170

manifestam através de práticas e manifestações culturais variadas. Para o autor, a


cultura é, portanto, um fenômeno complexo e dinâmico, que deve ser estudado à luz
de um contexto histórico-social específico. Neste caminho, o debate sobre o conceito
de cultura deve abranger diversas perspectivas, entendendo-se que a cultura não é
uma entidade fixa e imutável, mas sim, algo em constante mudança, pois é o resultado
de relações sociais complexas.
Desta maneira, observamos em Stuart Hall que a forma estereotipada do negro,
originária do período escravagista, pós-escravista e pós-segunda guerra mundial,
macularam a imagem do negro por muito tempo. Em que eram vistos como pessoas
preguiçosas, infantilizadas, subalternas, subordinadas, entre outras formas que
pudessem – segundo os pensamentos daquela época – justificar a naturalização da
escravidão e da subordinação dos negros aos brancos.
Em combate a essa visão distorcida e corrompida da humanidade, vimos a
população negra se levantar em meio a protestos e reivindicações para que pudessem
alcançar aquilo que deveria ser natural: a igualdade. Em apoio a esse processo, vimos
a indústria cinematográfica despontar no final da década de 1960 e início de 1970 com
produções, dos gêneros de ação e aventura, que traziam como protagonistas atores
negros que vivenciavam papéis de heroísmos sempre se baseando em histórias de
vingança contra a opressão/dominação branca.
Estes, foram alguns dos principais elementos que contribuíram para que a
sociedade passasse a experienciar uma visão a partir da representação e da cultura
negra, possibilitando assim uma inversão dos estereótipos que marcaram a história
de negros e negras durante longos e atrozes anos, conforme vimos no decorrer deste
trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Stuart Hall: esboço de um itinerário biointelectual.


Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 21, p. 61-74, ago. 2003.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Apicuri, 2016.
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ORGANIZADORES

Aparecida Mendes Barbalho

Possui graduação em Letras pela Universidade do Estado de


Mato Grosso (2009). Pós-graduada em Linguística com ênfase
em Letramento pelo Instituto Cuiabano de Educação.
Atualmente é Técnico Administrativo Educacional, na Escola
Estadual "Boa Esperança". Mestranda em Educação pelo
Programa PPGEdu (UNEMAT), Mato Grosso.
Email: aparecida.barbalho@unemat.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0833202499730790

Nattan Ricardo de Campos

Graduado em História pela Faculdades Integradas de


Fernandópolis, especialista em Atendimento Educacional
Especializado e História do Brasil é professor efetivo da rede
pública estadual de Ensino de Mato Grosso. Mestrando em
Educação pela Universidade do Estado de Mato Grosso,
desenvolve estudos sobre Escola, Educação e Religiosidade.
Email: nattan.campos@unemat.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8267039107831834
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Ualter dos Santos Rojas


Mestrando em Educação pelo PPGEdu/UNEMAT, com
graduação em Licenciatura em Matemática pelo IFMT, Brasil.
Técnico Administrativo Educacional da Secretaria de Estado de
Educação de Mato Grosso. Integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Estado, Política e Gestão Educacional - GEPEPE.
Email: ualter.rojas@unemat.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3790442489633244

CAPA/ILUSTRAÇÃO

José Carlos Arantes


Mestrando em Educação (UNEMAT)
E-mail: carlos.arantes_roma@hotmail.com
Lattes: https://lattes.cnpq.br/8289661137290699
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COORDENADOR

Paulo Alberto dos Santos Vieira


Professor adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso.
Vice coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação
(2022/2024). Coordenador da Rede MT Ubuntu/Polo Sinop
(2022/2024). Gestor do Acordo de Cooperação Internacional
Unemat/Unipúnguè-Moçambique (2022/2025). Interessado em
temas como: Sociologia da Educação, Educação para as
Relações Étnico-raciais, Educação, Saúde Mental, Doenças
Negligenciadas e Populações Negras.
Email: vieira.paulo@unemat.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1723860927289572

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