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Ijuí

2012
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Capa: Elias Ricardo Schüssler
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Conselho Editorial: Ângela Patrícia Grajales Spilimbergo


Arnildo Laurêncio Rockenbach
Fabiana Marion Spengler
José Antonio Gonzalez da Silva
Ligia Beatriz Bento Franz
Lurdes Marlene Seide Froemming
Otavio Aloisio Maldaner
Paulo Sérgio Sausen

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

N972 Didática e formação de professores / organizador Cláudio


Pinto Nunes. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2012. – 208 p.
ISBN 978-85-419-0014-0
1. Educação. 2. Ensino. 3. Ensino - Formação de professores.
4. Ensino – Docência. I. Nunes, Cláudio Pinto. II. Título.
CDU : 37
37.013
SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................................... 7
Márcia Maria Gurgel Ribeiro

CAPÍTULO 1
Proposiçoes e Orientaçoes na Formação
de Professores: contribuições para o debate . ....................................... 13
Claudio Pinto Nunes
Márcia Maria Gurgel Ribeiro
Teresa Pessoa

CAPÍTULO 2
Didática: a arte de ensinar na Educação de Jovens e Adultos ............ 29
Marinaide Queiróz de Freitas
Nadja Naira Aguiar Ribeiro
Tania Maria de Melo Moura

CAPÍTULO 3
De Volta ao Básico: definições e processos de avaliação...................... 51
Maddalena Taras

CAPÍTULO 4
Imagens que Educam: o discurso pedagógico
de gênero nos livros didáticos das décadas de 20 a 50.......................... 71
Adla Betsaida Martins Teixeira
Fernanda de Araújo Rocha
CAPÍTULO 5
Aprendizagem Criativa: desafios para a prática pedagógica................. 93
Albertina Mitjáns Martínez

CAPÍTULO 6
Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración
de la Práctica Profesional...................................................................... 125
Marta Anadón
Eduardo Lozano

CAPÍTULO 7
Entre las Demandas Sociales y el
Compromiso Personal: un docente profesional................................... 145
Marta Anadón
María Elena Ruiz

CAPÍTULO 8
Currículum, Competencias, Educación Inclusiva:
aproximación a tres conceptos clave en el sistema educativo............ 163
Ana Rodríguez Marcos
Mercedes Blanchard Gimenez
Rosa María Esteban Moreno
Claudia Messina Albarenque

SOBRE OS AUTORES....................................................................... 201


PREFÁCIO

A publicação de um livro é sempre motivo de alegria e realização


para quem o escreve e/ou organiza. Esta publicação, em forma de cole-
tânea, representa uma importante possibilidade de estabelecimento de
um diálogo profícuo em que diversas vozes, seja sobre o mesmo tema
ou sobre temas em interface, conduzem o debate em diferentes pers-
pectivas.

Assim, o presente livro, que tenho o privilégio de prefaciar, após


sua leitura prazerosa e enriquecedora, em primeira mão, traz como tema
central a Didática, em interface com questões sobre a formação de pro-
fessores, o docente profissional, a prática pedagógica, a educação de
jovens e adultos, a avaliação, o discurso pedagógico de gênero, o currí-
culo, as competências e a educação inclusiva. Esses são temas prepon-
derantes no debate educacional atual, convergindo em abordagens de
problemáticas ligadas ao professor, ao aluno, à escola e aos currículos
e desenvolvidas por autores de diversos países, como Brasil, Portugal,
Reino Unido, Canadá e Argentina, com enfoques em múltiplas realida-
des socioculturais, o que imprime as marcas da diversidade ao debate.

Organizado por Claudio Pinto Nunes, docente pesquisador da


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), vinculado ao
Grupo de Pesquisa Gestão, Políticas Públicas e Práxis Educacionais
(Gepráxis/Uesb), reúne oito capítulos entrelaçados em uma rica trama
conceitual e teórico-prática, privilegiando objetos, procedimentos e ins-
trumentos de pesquisa originais, promovendo interlocuções com autores
de renome no cenário da pesquisa educacional contemporânea.
8 Márcia Maria Gurgel Ribeiro

O primeiro capítulo, intitulado Proposições e Orientações na Forma-


ção de Professores: Contribuições para o Debate, elaborado por Claudio Pinto
Nunes (Uesb/BR); Márcia Maria Gurgel Ribeiro (UFRN/BR) e Teresa
Pessoa (UC/PT) resulta de um estudo exploratório acerca de algumas
orientações conceituais, modelos e princípios de formação docente, que
dão sustentação à prática pedagógica. Objetiva refletir sobre como essas
conceituações, princípios, orientações e modelos explicam a formação
e as práticas pedagógicas de professores na educação básica. Contribui,
portanto, para um repensar dessa formação como alternativa que não
se limita rigidamente a uma conceituação, modelo, princípio, mas que
assuma sua própria perspectiva como projeto de formação.
O segundo capítulo, denominado Didática: a Arte de ensinar na
Educação de Jovens e Adultos, das autoras Marinaide Queiróz de Frei-
tas (Ufal/BR); Nadja Naira Aguiar Ribeiro (Ufal/BR) e Tania Maria de
Melo Moura (Ufal/BR), nos revela uma retrospectiva histórica sobre a
organização da Didática, em sua luta pela constituição de uma identi-
dade no campo da Pedagogia e das Ciências da Educação, retomando
a contribuição do pensamento de Comenius, seu método e os ganhos
e perdas da Didática Magna. Analisa, também, as contribuições dos
Seminários denominados “Didática em Questão”, que simbolizam o
expressivo movimento de organização da Didática no Brasil, na década
de 90 do século 20, culminando com a contribuição imprescindível das
teorias críticas para a organização conceitual dessa área de investigação e
de formação para a docência. Assim, as autoras constroem um relevante
lastro teórico para refletir sobre a arte de ensinar na Educação de Jovens
e Adultos (EJA), tomando como ponto central a discussão sobre que
matriz epistemológica tem sustentado (ou não) a Didática nas salas de
aula dessa modalidade. As autoras evidenciam preocupações sobre as
práticas docentes, decorrentes da descontinuidade das políticas de for-
mação continuada de professores e concluem que os avanços estabele-
cidos no campo da Didática não provocaram um diálogo expressivo com
as ações de formação e, consequentemente, com as práticas pedagógicas
dos professores de jovens e adultos.
Prefácio
9

De volta ao básico: definições e processos de avaliação constitui o ter-


ceiro capítulo desta coletânea, produzido a partir de pesquisas desen-
volvidas pela autora Maddalena Taras (University of Sunderland/Reino
Unido). A autora aborda aspectos centrais no debate sobre a avaliação,
revelando preocupações com um contexto educacional guiado pelo
desempenho e pelos resultados. Neste texto são examinadas algumas
definições de avaliação, apresentando os conceitos de avaliação, avaliação
somativa, avaliação formativa, autoavaliação e feedback para, em seguida,
inter-relacioná-los na análise. Evidencia, portanto, que esses conceitos
são mais bem entendidos e têm mais eficácia quando considerados numa
estrutura mais abrangente e examinados segundo as suas relações, ou
seja, quando se observam as relações entre avaliação somativa, avaliação
formativa e autoavaliação.
Imagens que educam: o discurso pedagógico de gênero em livros didáticos
das décadas de 20 a 50 estão em discussão no quarto capítulo, produzido
pelas autoras Adla Betsaida Martins Teixeira (UFMG/BR) e Fernanda
de Araújo Rocha (UFMG/BR). As autoras analisam os objetos imagéticos
em livros didáticos, considerando que estes, quando não encapsulados
por uma concepção positivista, oferecem diversas interpretações dos
valores e das intenções educativas de uma época. Partindo do pressu-
posto de que a imagem é uma linguagem, uma ferramenta pedagógica,
dominada pela criança antes mesmo da escrita, as análises produzidas
deixam emergir contribuições sobre os aspectos religiosos, de gênero, de
corporeidade e de condutas masculinas e femininas, recomendando um
olhar crítico do docente na utilização desses materiais em sala de aula.
O texto produzido por Albertina Mitjáns Martínez (UNB/BR),
denominado Aprendizagem Criativa: desafios para a prática pedagógica,
constitui o quinto capítulo deste livro. A autora analisa, como preocu-
pação central, as formas complexas de aprendizagem, diante das neces-
sidades de, primeiro, considerar aprendizados que possam ser efetiva-
mente utilizados pelo aprendiz, em diferentes contextos e momentos e,
depois, investiga formas de aprendizagens que se constituam em fonte
10 Márcia Maria Gurgel Ribeiro

de desenvolvimento do aprendiz, contribuindo para o seu crescimento


integral, a partir de novas aprendizagens e, especialmente, para o desen-
volvimento de novos recursos subjetivos importantes à ação. Assim, a
aprendizagem adquire uma dimensão desenvolvimentista e não apenas
instrumental no espaço escolar. É destaque nas análises o conceito de
aprendizagem criativa, entendido como um tipo de aprendizagem em
que o sujeito é implicado, engajado numa direção, produzindo sentidos
subjetivos na indissolúvel unidade entre o cognitivo e o afetivo.
O sexto capítulo, denominado Un dispositivo de análisis y reelabo-
ración de la práctica profesional, foi elaborado por Marta Anadón (Univer-
sité du Québec à Chicoutimi/Canadá e Universidad Nacional de Río
Negro/Argentina) e Eduardo Lozano (Universidad Nacional de Río
Negro/Argentina). Os autores tratam do desenvolvimento profissional
de professores do Ensino Médio, nas áreas de Matemática e de Ciências
Naturais, que não possuem diploma de curso de formação inicial para o
desenvolvimento da profissão, mas que a estão exercendo.
O sétimo capítulo, denominado Entre las demandas sociales y el
compromiso personal: un docente profesional, foi escrito por Marta Anadón
(Université du Québec à Chicoutimi/Canadá e Universidad Nacional
de Río Negro/Argentina) e María Elena Ruiz (doutora em Educação,
professora da Universidad Nacional de Río Negro/Argentina e da Uni-
versidad Nacional del Comhaue/Argentina). As autoras dão continuidade
à abordagem do capítulo anterior, analisando, de modo semelhante e
enriquecedor, a situação de docentes que não possuem a formação espe-
cífica para atuarem como professores, mas que exercem a profissão no
Ensino Médio na Argentina. Nesse contexto, Anadón e Ruiz enfocam a
problemática da profissionalização docente, entendendo que a dimensão
profissional do ato de intervenção educativa diz respeito à construção da
identidade profissional do professor. Assim, a identidade profissional é
tomada como o resultado da interação das dimensões individual e social
da pessoa, como representação que o docente elabora de seu trabalho, de
suas responsabilidades e de suas relações tanto com seus alunos quanto
Prefácio
11

com seus colegas, processando um sentimento de pertencimento a um


grupo profissional. Desse modo, o leitor vai encontrar discussões sobre
o caráter profissional da docência e sobre a construção da identidade
docente pelo próprio professor.
O oitavo e último capítulo, intitulado Currículum, competencias, edu-
cación inclusiva: aproximación a tres conceptos clave em el sistema educativo,
é de autoria de Ana Rodríguez Marcos; Mercedes Blanchard Giménez;
Rosa María Esteban Moreno; Claudia Messina Albarenque (Universidad
Autónoma de Madrid/España). Nesse capítulo, as autoras tomam como
referência o contexto da educação primária de 6 a 12 anos do sistema
educativo espanhol (nível equivalente ao Ensino Fundamental brasi-
leiro) para apresentar uma aproximação entre os conceitos de currículo,
competência e educação inclusiva. O currículo é tomado como desenho
e como desenvolvimento do projeto formativo na escola, considerados
os distintos projetos educativos, orientados por diversas teorias, para-
digmas, concepções de ensino, posições epistemológicas, filosóficas e
políticas. Competência é entendida como a condição que a pessoa tem
para enfrentar, de modo eficiente, a complexidade das diversas situa-
ções e problemas que a realidade lhe apresenta. Competência, assim,
manifesta-se como comportamento eficiente para um contexto específi-
co que demanda a mobilização de saberes também específicos. Ou seja,
a competência é um misto de capacidade, conhecimento e atitudes. A
inclusão é tomada como direito legal do cidadão à educação de quali-
dade, respeitando-se a singularidade de cada estudante, uma vez que
a opção por uma escola inclusiva supõe a opção por uma sociedade que
se compromete com a formação das pessoas, com espírito de cidadania
e de respeito e atenção à diversidade humana.
Em todos os oito capítulos do presente livro, portanto, o leitor vai
encontrar contribuições que, além de apresentar análises pertinentes
sobre a Didática e a formação de professores, provocam também novas
reflexões sobre os temas abordados. Sua pertinência é inegável por se
tratar de uma obra que aborda aspectos sobre a Didática e a formação
12 Márcia Maria Gurgel Ribeiro

de professores, tendo em vista a urgência que se apresenta para a escola


contemporânea de (re)pensar, nas suas práticas cotidianas, objetivos,
conteúdos, formas de organização, metodologias que concorrem para a
efetivação da aprendizagem dos alunos, considerando suas diferenças
individuais e sociais. Para os professores os autores sugerem procedi-
mentos e condutas que contribuam para desenvolver no aluno um pen-
samento independente no processo de produção do conhecimento, um
raciocínio próprio, que atribua significados e sentidos ao mundo e aos
seres que nele habitam, que se aproprie do conhecimento e o aplique
em situações novas, de forma criativa e inovadora.
Assim, a presente obra, em seu conjunto, possibilita uma leitura
indispensável para estudantes e professores dos cursos de Licenciatura
nas instituições de ensino superior, para estudiosos sobre a Didática e
sobre a formação de professores, bem com para os docentes que con-
vivem diariamente na escola com a importante tarefa de educar e de
formar cidadãos de direito e sujeitos ativos na construção de uma socie-
dade mais digna, justa e igualitária.

Professora doutora Márcia Maria Gurgel Ribeiro


Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
capítulo 1

PROPOSIÇÕES E ORIENTAÇÕES
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Contribuições Para o Debate1

Cláudio Pinto Nunes


Márcia Maria Gurgel Ribeiro
Teresa Pessoa

A formação de professores tem sido tomada não só como um


objeto de investigações e estudos privilegiado no meio acadêmico e
científico, mas, também, como um amplo campo de elaboração de pro-
postas, programas e legislações que o regulamentam, normalmente asso-
ciados à expectativa de melhorar a qualidade da educação pela via da
formação docente. Nesse sentido, a formação docente tem sido analisada
sob diversas perspectivas e orientações e apresentada em proposições e
modelos elaborados a partir múltiplos referenciais que se articulam nos
projetos formativos dos cursos como fundamentos.
Abordamos, inicialmente, neste capítulo, o processo de formação
de professores com base nas contribuições de autores que se dedicaram
a discutir os elementos constitutivos desse processo, como as orientações

Texto produzido durante estágio de Doutoramento “sanduíche” realizado na Faculdade


1

de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, em convênio com


o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, com financiamento da Capes. Uma versão prelimiar deste texto foi apresentada
e publicada nos Anais do V Colóquio Nacional da Associação Francofone Internacional
de Educação (Afirse), realizado em João Pessoa-PB, de 18 a 21 de outubro de 2009.
14 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

conceituais desenvolvidas por Feiman-Nemser (1990), os modelos de


formação elaborados por Altet (1994) e os princípios de formação e a
conceituação desenvolvidos por Marcelo García (1995).
Apresentamos, na sequência, reflexões sobre os conceitos de prá-
tica e de prática pedagógica a partir dos estudos elaborados por Pimenta
(2005) e Vázquez (1977), estabelecendo interfaces entre autores que
trazem discussões e que consideramos pertinentes para refletir sobre a
formação de professores e suas práticas profissionais.

As contribuições de Feiman-Nemser (1990):


Orientações conceituais na formação de professores
Chamamos, inicialmente, a atenção para as orientações concei-
tuais na formação de professores desenvolvidas por Feiman-Nemser
(1990). Ressaltamos que, de sua perspectiva, Feiman-Nemser (1990)
reporta-se à formação do professor utilizando o termo educação do profes-
sor (teacher education), fazendo referência ao processo de educação per-
manente pelo qual se desenvolvem os saberes e habilidades essenciais
à profissão docente.
Ao tratar de orientações conceituais, abordagens ou paradigmas
para a formação de professores, Feiman-Nemser (1990) considera que
uma só orientação não é ampla o suficiente para explicar a complexi-
dade e diversidade que permeia o campo de estudo sobre a formação
de professores, nem são mutuamente excludentes nem uniformes. A
autora elabora cinco orientações conceituais acerca da educação do profes-
sor (teacher education), que apresentamos na mesma ordem em que elas
são dispostas por Feiman-Nemser .
A primeira orientação conceitual referida é a acadêmica, que
compreende o ato de ensinar como sinônimo de transmissão de conhe-
cimento. Segundo essa orientação, o professor é concebido como um
especialista em determinadas matérias ou conteúdos. Os futuros profes-
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
15

sores são formados, segundo essa orientação, para aprender os conteúdos


elaborados pelos diversos campos da ciência e seu papel é a transmissão
desses conhecimentos.

A segunda orientação conceitual a que se refere Feiman-Nemser


(1990) é a pessoal. Segundo essa orientação, muda o foco da formação do
ensino para a aprendizagem, entrando o processo formativo no desenvol-
vimento pessoal do sujeito, buscando a sua autorrealização e autocom-
preensão Assim, o sujeito que aprende deve ser encorajado e orientado
de acordo com os significados que o processo formativo tem para ele
próprio, para sua aprendizagem. Há, portanto, grande valorização das
subjetividades dos professores em formação, que são orientados em seus
processos formativos a desenvolver suas potencialidades pessoais.

A terceira orientação conceitual citada por Feiman-Nemser (1990)


é a crítica/social. De acordo com essa orientação, o professor deve ter uma
visão social progressista e ser capaz de elaborar uma crítica radical do
sistema educativo. Essa visão social-progressista e essa capacidade de
criticar radicalmente o sistema educativo são desenvolvidas, de acordo
com essa orientação, a partir de uma dinâmica participativa que envolve
o educador. Assim, o professor é entendido como um educador partici-
pante, ativo e crítico na vida social e na comunidade em que se insere,
de modo a contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e
democrática. Os futuros professores são orientados em seus processos
formativos a desenvolver o senso crítico em relação às problemáticas
sociais do âmbito de abrangência de sua atuação profissional.

A quarta orientação conceitual proposta por Feiman-Nemser


(1990) é a tecnológica. A formação dos futuros professores nessa orienta-
ção deve primar pelos princípios ou regras a serem ensinados e utiliza-
dos pelo professor nas tomadas de decisão diante da eficácia do ensino.
Nesse contexto, os futuros professores são orientados em seus processos
formativos a desenvolver suas potencialidades técnicas em relação ao ato
de ensinar, entendido como uma atividade meramente técnica
16 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

A quinta e última orientação conceitual desenvolvida por Feiman-


Nemser (1990) é a prática. Essa orientação defende como importante na
formação dos futuros professores o desenvolvimento de atividades de
observação e imitação de professores mais experientes, mas acrescenta
a importância da sensibilidade crítica. Assim, não apenas a capacidade
prática ou rotineira é entendida como relevante, mas também as habi-
lidades de flexibilidade e de invenção. Essas habilidades, segundo a
autora, só se obtém por meio da prática ou pelo diálogo com a prática,
considerada a principal fonte de conhecimento. Desse modo, os futuros
professores são orientados em seus processos formativos a desenvolver
a prática pedagógica, estabelecendo um diálogo crítico com as práticas
e as teorias já existentes.
Ao elencar essas orientações conceituais para educação do professor
(teacher education), Feiman-Nemser (1990) esclarece que cada uma delas
tem especificidades muito significativas para a formação de professo-
res. Ressalva, porém, que nenhuma delas reúne insoladamente todos os
requisitos para orientar o desenvolvimento de um programa formativo.
Consideramos, portanto, a necessidade de que os cursos de forma-
ção de professores, inicial ou continuada, procurem promover os proces-
sos formativos de modo a abranger a multiplicidade de perspectivas, de
abordagens, de paradigmas e de orientações sistematizados sobre esses
processos. Entendemos ser essencial que os professores em formação
se apropriem das bases necessárias para que possam desenvolver uma
prática pedagógica calcada na compreensão da educação como processo
de constituição humana e como espaço de diálogo constante entre a
prática desenvolvida e as discussões de natureza teórica, relacionadas
as bases conceituais das diversas Ciências da Educação.
Como entendemos que as querelas referentes à formação ini-
cial de professores não se esgotam com a observância das orientações
conceituais elencadas por Feiman-Nemser (1990), chamamos a aten-
ção também para os modelos de formação de professores propostos por
Altet (1994).
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
17

As contribuições de Altet:
Modelos de formação de professores
Na continuidade dessa discussão, passaremos a referir os modelos
de ensino e de formação, destacando a relação entre teoria e prática no
contexto desses modelos. Para tanto, recorremos e focalizamos as etapas
e profissionalizações elencadas por Altet (1994).
Assim, ao se tratar da formação inicial de professores precisamos
ter em vista a compreensão que se tem da prática e da teoria que funda-
menta essa prática. Nesse sentido, compreender a prática requer enten-
der também a teoria. Ao mesmo tempo, compreender a teoria implica
igualmente compreender a manifestação dessa teoria nas práticas peda-
gógicas dos futuros professores, seja nas situações de estágios curricu-
lares supervisionados, seja nas situações vividas na escola tomando a
prática como prática social. Recorremos a Altet (1994) para entender a
ideia de prática e a relação entre teoria e prática no contexto da formação
de professores.
Altet (1994) correlaciona e distingue, inicialmente, a compreensão
que se tem de profissão com a compreensão de ofício. Nesse sentido, a
autora destaca que a diferença básica entre profissão e ofício reside exa-
tamente na natureza e no sentido da formação para o exercício de cada
uma dessas atividades. Segundo ela, a formação – ou o preparo – para o
exercício de um determinado ofício ocorre de modo técnico mediante a
transmissão implícita do saber-fazer por meio da imitação e pela expe-
riência. Por outro lado, a formação profissional, segundo Altet (1994),
ocorre por um processo explícito e racional, além de ser uma formação
que se dá tendo em vista a construção de uma identidade profissional.
Nesse contexto, Altet (1994) coloca em paralelo a evolução dos
modelos de ensino e os modelos de formação analisados por ela no
âmbito da formação inicial de professores, ao mesmo tempo em que
considera, a partir de uma articulação da teoria e da prática, quatro etapas
de profissionalização. Assim, ela destaca como um primeiro modelo de
18 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

ensino e de formação o ensino intelectualista da Antiguidade, que con-


siderava o professor um mestre, um mago que por natureza era sábio e,
por isso mesmo, não tinha necessidade de passar por nenhum tipo de
formação. O entendimento que se tinha nessa época era o de que não
eram necessárias teorias para formar o professor, pois bastava o seu caris-
ma para tanto. Nessa concepção de modelo de “preparo do ensinante”
não há profissionalização, pois o sujeito que ensina, nessa perspectiva,
não é um profissional.

Na ótica de Altet (1994), o segundo modelo de ensino e de for-


mação surge com o advento das escolas normais, cuja formação se dava
no ofício por aprendizagem imitativa. O modelo de formação inicial do
professor, desse modo, apoiava-se na prática de um professor experiente
que transmitia seu saber-fazer, isto é, seus “truques”, seus métodos de
ensino, enfim, seu modus operandi de fazer aula. Esse professor experien-
te era, então, entendido como um modelo para ser imitado pelos estu-
dantes. A formação inicial do professor se dava pela imitação, observação
e experimentação imitativa da prática desse professor experiente.

O terceiro modelo de ensino e de formação referido por Altet


(1994) se apoia nas contribuições científicas das Ciências Humanas, que,
por sua vez, se baseavam na racionalização da prática entendida como
aplicação da teoria. Nesse sentido, a formação se dava por teóricos.

Por fim, o quarto modelo de ensino e de formação, segundo Altet


(1994), substitui o modelo da prática entendida como aplicação da teoria
pelo modelo da relação dialética que se dá mediante o movimento da
prática-teoria-prática. A formação do professor, nessa perspectiva, ocorria
por meio da reflexão na ação, entendida essa reflexão como um processo
de análise das próprias práticas, buscando identificar os problemas e
inventar estratégias de solução dos mesmos.

Posteriormente Altet (2000), focalizando apenas a formação e não


incluindo o ensino, apresenta uma classificação ainda mais esclarecedora
de sua compreensão dos modelos de formação de professores, embora
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
19

não perca de vista a classificação anterior (Altet, 1994). Dessa forma, ela
elenca cinco modelos de formação, os quais passaremos a apresentar. A
ordem em que as orientações são aqui expostas é a mesma em que elas
são dispostas no texto de Altet (2000).
O primeiro modelo de formação desenvolvido por Altet (2000)
refere-se ao modelo artesanal. Na perspectiva do modelo artesanal, basta
que o formando observe e imite o saber-fazer prático de um professor
experiente para se tornar um bom professor.
O segundo modelo de formação, de acordo com Altet (2000), é
o acadêmico. Segundo este modelo, o professor é entendido como um
mestre, um mago cuja formação essencialmente inicial, assenta-se na
aquisição de saberes e na reprodução de modelos e comportamentos.
O terceiro modelo de formação, de acordo com Altet (2000), é
o tecnológico. De acordo com o modelo tecnológico, o componente teó-
rico da formação é entendido como meio para atingir as competências
necessárias para ser um bom professor. A ênfase é colocada na aquisição
de competências e domínio de capacidades, entendidas como compor-
tamentos observáveis.
O quarto modelo de formação, segundo Altet (2000), é o persona-
lista. Na perspectiva do modelo personalista, para um bom desempenho
profissional é preciso que o professor tenha uma formação centrada no
seu desenvolvimento pessoal. Isto é, uma formação que focalize o desen-
volvimento do futuro professor como pessoa. Nesse sentido o processo
de formação do professor, notadamente a formação inicial, deve buscar a
maturidade psicológica do sujeito a fim de facilitar a compreensão de si.
O quinto modelo de formação, de acordo com Altet (2000), é o
modelo do ator social e crítico. Para o modelo do ator crítico e social, a
formação do professor deve focalizar, de forma crítica e reflexiva, a rea-
lidade social em que atuarão os futuros professores, entendendo que o
professor tem um papel importante enquanto agente de transformação
da sociedade.
20 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

Salvaguardadas as perspectivas de cada um, os dois autores (Fei-


man-Nemser, 1990; Altet, 2000) trazem, portanto, discussões que se
completam. A seguir passaremos a refletir sobre a conceituação e os
princípios da formação de professores desenvolvidos por Marcelo García
(l995).

As contribuições de Marcelo García:


Conceituação e princípios da formação de professores
Tendo em vista que este estudo focaliza a relação entre a teoria
e a prática no contexto da formação inicial de professores, entendemos
ser pertinente apresentar um conceito para o termo “formação”. Nesse
sentido, recorremos a Marcelo García (1995), que nos lembra que em
países como França e Itália para se referir à formação do professor o
termo utilizado é preparação ou mesmo ensino dos professores. Lembra-nos
também este autor que em países como os Estados Unidos e Inglaterra
a formação do professor é designada pelo termo educação do professor
(teacher education) ou até mesmo treino do professor (teacher training). Neste
estudo, concordando com Marcelo García, adotamos a expressão forma-
ção de professores. Compreendemos a abrangência do termo educação do
professor (teacher education), entretanto optamos pela expressão formação
de professores, como já mencionamos, especialmente por conta de que
a maioria dos autores com os quais estabelecemos diálogo (sobretudo
os autores brasileiros) a emprega em seus estudos e pesquisas. Assim,
seguiremos nossas discussões tomando como referência a seguinte inda-
gação: O que é, de fato, a formação e, mais especificamente, a formação
de professores?

A formação aqui é tomada na perspectiva de Marcelo García


(1995), que a compreende a partir de sua função social de transmissora
e construtora de saberes/conhecimentos, de saber-fazer e de saber-ser.
Nesse sentido, podemos entender o termo formação como um processo
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
21

de desenvolvimento e de estruturação de uma pessoa, que perpassa


tanto seus aspectos psicológicos, sociológicos, filosóficos quanto suas
possibilidades de aprendizagem.

No entendimento do termo é preciso considerar a perspectiva


em que esse termo é tomado, tendo em vista o lugar ocupado pelos
sujeitos. Assim, podemos nos referir à formação que se organiza tendo
em vista os sujeitos para os quais se dão os processos formativos, mas
podemos também incluir a formação que o próprio sujeito cognoscente
desenvolve a partir de suas iniciativas pessoais.

Entendemos, então, o termo formação como um processo que se


diferencia de treino e de preparação. Treino ou preparação ou mesmo
educação do professor referem-se a processos em que há alguém que
ensina e alguém que aprende tecnicamente. Formação diz respeito a
processos formativos que partem da possibilidade de reflexão tanto de
quem ensina como de quem aprende.

Sabemos, entretanto, que é preciso refletir um pouco mais sobre


o conceito de formação de professores com o intuito de melhor enten-
der os seus desdobramentos no âmbito do que se passa nas instituições
formadoras e nas escolas campo das práticas pedagógicas fruto dessa
formação. Para tanto, recorremos novamente a Marcelo García (1995).
Este autor afirma que para que ocorra o desenvolvimento da forma-
ção de professores é necessário especificar e compreender os princípios
subjacentes ao seu processo. Para tanto, ele apresenta oito princípios
subjacentes à formação de professores, que passaremos a analisar.

O primeiro princípio é o de conceber a formação de professo-


res como um processo contínuo. Isso significa a relação estreita entre a
formação inicial e a formação continuada, entendida esta última como
sequência ou os desdobramentos da primeira, numa perspectiva cumu-
lativa e interativa.
22 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

O segundo princípio da formação de professores, de acordo com


Marcelo García (1995), consiste na necessidade de integrar a formação
de professores aos processos de mudança, inovação e desenvolvimento
curricular.

O terceiro princípio diz respeito à necessidade de ligar ou rela-


cionar os processos de formação de professores com o desenvolvimento
organizacional da escola e com a prática pedagógica. Se pensarmos que
a escola está em constante mudança, a formação inicial de professores
(e, do mesmo modo, a formação continuada) deve refletir, naturalmente,
esses processos de mudanças.

O quarto princípio refere-se à necessidade de uma articulação


e integração entre a formação em relação aos conteúdos propriamente
acadêmicos e disciplinares e a formação pedagógica dos professores. A
partir da conceituação de formação desenvolvida por Marcelo García
(1995), podemos inferir que essa articulação entre conteúdos acadêmi-
cos e formação pedagógica seja um dos pontos que mais claramente
demarcam a distinção entre formação e treino ou preparação a que ele se
refere. A noção de formação está relacionada à atividade do professor, e
nessa perspectiva reúne a ideia de aprender os conteúdos acadêmicos e
disciplinares e aprender, também, as metodologias de ensino.

O quinto princípio chama a atenção para a necessidade de se pro-


mover uma integração teoria-prática na formação de professores. Isso
implica que as discussões de natureza mais teórica próprias das Ciências
da Educação devem constituir uma reflexão epistemológica da prática.

O sexto princípio destacado por este autor (1995) diz respeito à


necessidade de procurar o isomorfismo entre formação “recebida” pelo
professor e o tipo de educação que se espera dele quando ele desenvolve
posteriormente no exercício da profissão, ou mesmo nas experiências
dos estágios curriculares supervisionados.
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
23

O sétimo princípio dá ênfase à necessidade de conhecer as carac-


terísticas pessoais, cognitivas, contextuais, relacionais, dentre outras, de
cada estudante, futuro professor ou mesmo professor (quando se refere
à formação continuada) de modo a desenvolver as suas capacidades e
potencialidades. Em outras palavras, quer-se destacar que as classes de
formação de professores são compostas por sujeitos marcados por suas
especificidades e idiossincrasias, o que requer do professor formador
uma atenção para a heterogeneidade de cada turma.
Finalmente, o oitavo princípio elencado por Marcelo García (1995)
evidencia a necessidade de o professor formador de professores organizar
o processo formativo de modo a proporcionar a reflexão por parte dos
formandos, tanto no que se refere à própria prática pedagógica quanto
no que tange a suas crenças ou agregações teóricas.
Concordamos com este autor (1995) quanto à necessidade de se
compreender todos esses princípios subjacentes ao processo formativo,
entendidos como requisitos fundamentais para que ocorra o desenvol-
vimento da formação de professores. Compreendemos que outros prin-
cípios podem ser agregados a esses a partir da continuidade do debate
por outros estudos. Por isso, defendemos que os cursos de Licenciatura
precisam constituir equipes de trabalho com o objetivo de analisar e ava-
liar permanentemente os seus currículos, tendo em vista a qualidade da
formação que desenvolve junto a seus estudantes, em primeira instância,
e junto a sociedade, de forma mais ampla.
Entendidas as orientações conceituais na formação de professo-
res, desenvolvidas por Feiman-Nemser (1990), os modelos de formação,
elaborados por Altet (1994), os princípios de formação e a conceituação
desenvolvidos por Marcelo García (1995), é preciso trazer para a discus-
são as compreensões que se tem de prática pedagógica.
24 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

Conceitos de prática
e de prática pedagógica
Embora seja de domínio geral no contexto das escolas e dos
cursos de formação de professores que a noção de prática e de prática
pedagógica esteja relacionada à ideia representada pela ação ou pelo
fazer cotidiano na educação ou que essa prática seja o mesmo que o ato
de ensinar, parece ser ainda pertinente analisar o conceito de prática
presente nas produções teóricas de alguns autores que se destacam no
campo da educação.

Pimenta (2005), para chegar a apresentar um conceito para práti-


ca, acompanhando o desenrolar da história da formação de professores,
faz o exercício de pensar a prática em alguns momentos da história da
educação brasileira.

Nesse sentido, ela apresenta como primeiro entendimento do


conceito de prática revelado pelos cursos de formação de professores
no final dos anos 60 do século 20, entendido como aquisição de experiên-
cia. A autora, porém, ressalta que os cursos de formação de professores
proporcionavam aos futuros professores apenas uma noção sobre prática,
tomando-a como preocupação sistemática no currículo do curso e como
uma dimensão pragmática da ação docente.

Assim, pensar o conceito de prática até o final dos anos 60 impli-


cava partir de questões como: O que era a formação do professor? Qual
o estágio de desenvolvimento dessa profissão? Qual o contexto eco-
nômico-político-social e cultural? Qual a prática que era esperada dos
professores e qual a finalidade dessa prática? Uma vez pensadas essas
questões, cabia ao estudante dos cursos de formação de professores, no
desenvolvimento dos estágios curriculares supervisionados, observar e
imitar os professores no exercício da docência. A imitação era entendi-
da como condição necessária e possível para dar conta da demanda de
formação de professores naquele momento.
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
25

Pautados nessa primeira compreensão de prática, os cursos de


formação de professores utilizam como estratégias para que o estudante,
futuro professor, se prepare para uma boa prática, a observação de bons
modelos e a sua reprodução.

A respeito da primeira conceituação da prática imitativa descrita


por Pimenta (2005), podemos estabelecer uma relação com o modelo de
ensino e de formação referido por Altet (1994) e, do mesmo modo, com
a ideia de práxis na perspectiva de Vázquez (1977). Ao tratar de práxis,
Vázquez a distingue da práxis criadora e da práxis imitativa ou reiterativa.
Aqui chamamos a atenção para a práxis imitativa ou reiterativa a fim de
percebermos a proximidade entre o que afirma Vázquez (1977), o que
defende Altet (1994) e o que, posteriormente, assevera Pimenta (2005).

A práxis imitativa ou reiterativa, classificada por Vázquez como


inferior à práxis criadora, rejeita o imprevisível e, por isso mesmo, perma-
nece imutável, uma vez que, como destaca (1977, p. 258), já se sabe por
antecipação, antes da própria realização, o que quer fazer e como fazer,
enquanto que na práxis criadora, gera-se também o modo de criar.

A prática imitativa, tanto na análise feita por Pimenta (2005)


quanto na classificação feita por Altet (1994) e na conceituação de Váz-
quez (1977), é uma prática que parte de uma prática anterior que em
algum momento foi criada por alguém. Trata-se de uma prática que,
embora possa contribuir de algum modo com o presente, não o transfor-
ma ou o modifica, uma vez que como sinaliza Vázquez, não apresenta
modificações qualitativas para o presente.

O início de uma mudança de uma prática reiterativa para uma


prática criadora não se deu rápida e facilmente no âmbito da escolariza-
ção no Brasil. Basta que retomemos a análise feita por Pimenta (2005),
partindo da perspectiva histórica apresentada por essa autora, e veremos
que o entendimento de que precisava superar a prática reiterativa tendo
em vista o estabelecimento de uma prática criadora não fazia parte do
referencial teórico-metodológico nem dos professores formadores que
26 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

atuavam nos cursos de formação de professores; de modo que a prática


pedagógica, enquanto elemento da formação do futuro professor, não
era entendida como algo importante dentro da organização curricular
dos cursos de formação inicial de professores.
Nesse sentido, Pimenta (2005) ressalta que até os anos 60 a existên-
cia de um estágio como exigência para a formação dos futuros professores
não existia nos cursos, até porque o magistério não era considerado uma
profissão propriamente dita e sim, uma missão delegada preferencialmen-
te às mulheres. Pimenta (2005) destaca que a prática que se exigia era tão
somente aquela possibilitada por algumas disciplinas do currículo. Desse
modo, como sinaliza Pimenta (2005), cabia ao futuro professor reproduzir
por meio da imitação dos modelos de ensino considerados eficazes para
ensinar aquelas crianças que possuíam os requisitos considerados adequa-
dos para aprenderem. Esse entendimento de prática foi predominante no
Brasil até o final dos anos 70 e início dos anos 80 do século 20.
A partir do início dos anos 80 começou-se a perceber que a noção
de prática preponderante nos cursos de formação de professores até
então causava uma precarização do trabalho docente e da profissão de
professor, além de não dar conta das exigências de preparação de pro-
fessores para a realidade educacional daquele momento.
Assim, a partir dos anos 80 a discussão pautou-se na relação entre
as questões teóricas travadas no interior dos cursos de formação de pro-
fessores e as questões práticas relativas ao trabalho docente no exercício
de sua profissão.
A tônica sobre a noção de prática pedagógica, então, recai para a
ideia de que “a teoria na prática é outra”, uma vez que, segundo Pimen-
ta (2005), o curso nem fundamenta teoricamente a atuação do futuro
professor, nem toma a prática como referência para a fundamentação
teórica, carecendo, portanto, de teoria e de prática a um só tempo. A
realidade educacional da escola primária não fazia parte das discussões
nos cursos de formação de professores, além de não existir a experiência
do estágio nos currículos dos cursos.
Capítulo 1 – Proposições e Orientações na Formação de Professores
27

Considerações finais
Para refletir sobre a prática pedagógica no contexto dos cursos
de formação de professores é necessário considerar a relevância de uma
ampla formação de natureza teórica e epistemológica pautada nos fun-
damentos que dão sustentação a essa prática. Ao realizarmos este estudo
não podemos deixar de considerar que, de algum modo, essas orienta-
ções, modelos e princípios são insuficiente para dar conta de explicar a
complexidade da relação estabelecida entre a teoria e a prática pedagó-
gica na formação de professores. Do mesmo modo, temos de referir à
formação presente no contexto da prática pedagógica desenvolvida no
âmbito dos estágios curriculares supervisionados, destacando, inclusive,
que a prática se constitui um momento da formação de grande relevância
na formação inicial e também na formação continuada de professores.

Assim, ressaltamos a importância de se estudar as orientações con-


ceituais, os modelos e princípios referentes à formação de professores.
Chamamos a atenção, todavia, para a necessidade de criar novas estraté-
gias para uma efetiva formação inicial e continuada de professores. Além
disso, há que se analisar as diversas reflexões que têm sido propostas no
sentido de promover um entendimento mais profundo acerca da forma-
ção de professores, tanto por parte dos professores da educação básica,
quanto por parte dos estudantes das Licenciaturas, futuros professores, e
também por parte dos formadores dos cursos de formação de professores
nas diversas instituições de ensino superior do país.

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Universitaires de France, 1994.

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Porto, 2000.
28 C l á u d i o Pi n t o N u n e s – M á r c i a M a r i a G u r g e l R i b e i r o – Te r e s a Pe s s o a

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capítulo 2

DIDÁTICA
A Arte de Ensinar na Educação
de Jovens e Adultos

Marinaide Queiróz de Freitas


Nadja Naira Aguiar Ribeiro
Tania Maria de Melo Moura

Considerações Iniciais
A Didática, já no século 17, firma-se como um corpo de conhe-
cimentos a respeito do processo ensino-apredizagem, especificamente
como teoria de ensino. Ao longo de todo processo histórico, essa área
tem sido alvo de discussões acaloradas em torno da busca de uma iden-
tidade e de um “lugar” marcado no campo da Pedagogia e, por que não,
entre as ciências da educação. A Educação de Jovens e Adultos (EJA)
também tem sido objeto de discussão e de lutas políticas efervescen-
tes. Uma luta que se inicia na metade dos anos 80 pelos movimentos
da sociedade civil e que ainda não se considera vitoriosa. Muitas práti-
cas pedagógicas desenvolvidas na modalidade de EJA permanecem de
forma improvisada, aligeirada e repetidora de modelos infantilizados.
Apesar dos esforços acadêmicos de diversos estudiosos e pesquisadores,
há variáveis na modalidade de EJA que ainda são carentes de explica-
ções e análises. Nesse sentido, defende-se a necessidade de enlaces
mais efetivos entre as duas áreas, principalmente naquilo que a Didática,
enquanto referência para os educadores, pode operar na EJA para possi-
bilitar aprendizagens significativas e efetivas para os sujeitos.
30 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

A arte de ensinar:
pedra fundamental da Didática
Vários foram os estudiosos, na função de pedagogos, professores e
teólogos, a exemplo de Ratke (1571-1635); Lubin (1565-1621); Helwig
(1581-1617); Andreae (1580-1654); Bodin (1600-1650), que demonstra-
ram, à sua época, interesse em trazer mudanças para o modo de se ensi-
nar as línguas e as artes nas escolas. A maioria deles, inclusive, publicou
livros e ensaios de didática1 que influenciaram, sobretudo, o autor da
obra clássica em pedagogia – Didática Magna – Jan Amos Seges, mais
conhecido como Comenius.2
Pode-se dizer que Comenius3 é o expoente do espírito científico
no campo da Didática. Apesar de muitos tratados acerca da Didática já
terem sido publicados, no final do século 16, é ele que, autor de inú-
meras outras publicações,4 marca uma ruptura radical com o modelo
de escola que era praticado pela Igreja Católica. Até então, os ensina-

1
Dentre eles pode-se citar: Ratke, educador alemão, que Em Memoriale, de 1612, divul-
gou uma reforma escolar, com o objetivo de proporcionar para a Alemanha “uma língua
comum, um governo comum, uma religião comum”, seu método natural exerceu forte
influência em Comenius; Lubin, teólogo, matemático, filólogo alemão, a cujo ensaio
Clavis graecae linguae, sive vocabula latino-graeca e uma didática Comenius sempre fez
referência. Este ensaio serviu ao próprio Comenius, quando este escreveu Orbis pictus;
Bodin, pedagogo e gramático alemão, que em 1621 publicou Bericht von der Natur und
Vernunftmessigen Didática, servindo de inspiração para Comenius escrever Didática ceca.
2
Por pertencer à aldeia de Komna, Jan Amos passou a ser chamado de Komensky.
3
Ele nasceu em 1592, na cidade de Nivnitz, na Moravia, uma região da Europa Central,
que fazia parte do antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca).
4
Grammaticae faciliores praecepta (1616); Labyrint sveta a ráj srdce (1631 e depois em 1663);
Informatorium skoly materske (publicado em alemão em 1633 e em tcheco apenas em
1858); Janua Linguarum Reserata (um manual, publicado em 1638, que apresentava
fatos a respeito do mundo, tanto na língua Tcheca como na língua latina. A intenção de
Comenius é que os alunos, por meio deste manual, pudessem comparar as duas línguas
e identificar, assim, as palavras com as coisas); Haggaeus redivivus, Ratio disciplinae (1633);
Synopsis historica persecutionum ecclesiae Bohemicae (1647); Methodus Linguarum Novíssima
e de Vestibulum (1648); Schola Pansophica e Fortius redivivus sive de pellenda scholis ignavia
(1652); Schola Ludus (1656); ODO (Opera Didactica Omnia, financiada pelos burgomestres
de Amsterdã, publicada em 1957).
Capítulo 2 – Didática
31

mentos eram voltados apenas para a elite e dedicados especialmente


para estudos abstratos, baseados na Filosofia escolástica. Comenius é
o responsável pela reestruturação da escola de Leszno. Nesse período,
deu início aos trabalhos pansóficos e traduziu seus primeiros escritos da
didática tcheca para o latim.
Com o movimento humanista e também com a Reforma Protestan-
te, instituída na maioria dos países da Europa, a educação passa a ter um
lugar de destaque, pois por meio dela acredita-se que o ideal do “novo
tempo” poderia ser disseminado entre os homens. Comenius foi um
desses pensadores do século 17, que se fez determinado a desenvolver
teorias didáticas que pudessem estabelecer um modelo pedagógico para
uma educação inovadora. Daí que a Didática Magna é considerada sua
obra-prima e uma grande contribuição para o pensamento educacional.
Nesse sentido, Comenius é quem toma a decisão de sistematizar
conhecimentos pedagógicos que possam dar à ação de ensinar uma dis-
ciplina. Em consonância com a Reforma Protestante, instalada à época
nos países onde atuou como educador, ele tem a pretensão, baseada em
princípios ético-religiosos, de poder “ensinar tudo a todos”.
O pai da Didática Moderna estava decidido a ser personagem de
uma “nova era”. Comenius, de alguma forma, foi afetado pelos aconteci-
mentos políticos e sociais que iam colocando em declínio, desde os sécu-
los 15 e 16, o “mundo” medieval e anunciavam, assim, o “mundo moder-
no”. A tensão instalada, inclusive entre o racionalismo e o empirismo,5

5
Os empiristas britânicos negam a existência das ideias inatas e defendem que a mente
é uma tábula rasa, cuja impressão provém da experiência. A oposição tradicional entre
racionalismo e empirismo, no entanto, está longe de ser absoluta, pois filósofos empiris-
tas como John Locke e, com maior dose de ceticismo, David Hume, embora insistissem
em que todo conhecimento deve provir de uma “sensação”, não negaram o papel da
razão como organizadora dos dados dos sentidos. O próprio fato de haver toda esta con-
trovérsia em torno da problemática suscitada por Descartes revela a importância crucial
das teses racionalistas. O racionalismo cartesiano e o empirismo inglês desembocaram
no Iluminismo do século 18. A razão e a experiência de que resulta o conhecimento
científico do mundo e da sociedade bem como a possibilidade de transformá-los são ins-
tâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores do mundo medieval.
32 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

parece impulsionar a obstinação de Comenius na busca de um método


capaz de demarcar a arte de ensinar. Ou seja, é próprio desse século,
marcado pelo advento da razão, ir em busca de métodos que pudessem
compor o novo semblante do período moderno.

O método de Comenius
A preocupação de Comenius, conforme se apresenta na Didática
Magna, era mostrar o modo certo e excelente de proporcionar à juven-
tude, de ambos os sexos, uma formação abrangente, instruindo-os, sem
“enfados”, sobre as coisas da vida presente e futura. Apoiado no que
a natureza das coisas revela, ele lança em sua obra os princípios que
embasarão, de modo particular, o método de ensino das ciências, das
artes, das línguas, da moral e da piedade. Esses princípios

[...] são extraídos da própria natureza das coisas; a verdade é demons-


trada através de exemplos paralelos das artes mecânicas; a ordem
(dos estudos) é disposta segundo anos, meses, dias, horas; o caminho,
enfim, é fácil e seguro, é mostrado para pôr essas coisas em prática
com bom êxito (Comenius [1657], 2002, p. 11).

Conforme referido anteriormente, entretanto, o próprio Comenius


mostrava-se atravessado por um período de transição. Ao apresentar o
que define o corpo e alma do homem, ele traz para a sua definição os
termos que fundam o “mundo da mecânica”.

Tal qual o mundo que é semelhante a um enorme relógio, formado


artificialmente de rodas e engrenagens, de modo que uma governa
a outra, e o movimento e a harmonia são propagados perpetuamente
por todas as peças, assim é o homem. Quanto ao corpo, construído
com arte admirável, o primeiro móvel é o coração, fonte de vida e de
ações, do qual os outros membros recebem o movimento e a medida
do movimento. O peso que imprime o movimento é o cérebro: este,
servindo-se dos nervos como se fossem cordas, atrai e retrai as outras
Capítulo 2 – Didática
33

cordas, que são os membros. A variedade das operações internas


e externas é essa mesma proporção equilibrada dos movimentos
(Comenius [1657], 2002, p. 65-66).

E o educador ainda prossegue, esclarecendo:

Nos movimentos da alma, a roda principal é a vontade; os pesos, que


a fazem mover-se, são os desejos e os afetos, que a fazem pender
para um lado ou para outro. O escapo, que aumenta ou diminui o
movimento, é a razão que mede e determina o que deve escolher ou
do que deve fugir, onde e em que medida. Os outros movimentos da
alma são como rodas menores que seguem a principal. Se aos desejos
e aos afetos não for atribuído um peso excessivamente grande, e se
o escapo, que é a razão, aumentar ou diminuir os movimentos com
discernimento, só poderá seguir-se a harmonia e o acordo perfeito das
virtudes, ou seja, um equilíbrio conveniente entre paixões e ações
(idem, p. 66).

Percebe-se a preocupação do educador morávio de querer assegu-


rar o modelo científico de sua época. Ele quer dar garantias por meio do
seu novo método de ensino. Sendo assim, necessita convencer os seus
leitores de que a alma e o corpo do homem formam uma engrenagem
bem montada. Para um funcionamento adequado basta ter conhecimen-
to dessa engrenagem e saber “manipular” os seus equipamentos.
A dualidade entre corpo e alma também vai se expressando na
obra de Comenius. A necessidade de equilíbrio entre o corpo e a alma
é comparada com a harmonia que deve ser estabelecida entre a arte
de ensinar e a arte de aprender. Isso confirma que Comenius não teve
como escapar de toda a efervescência daquele contexto histórico que
termina por instalar um novo sentimento nos pensadores e filósofos.
Apoiado por este sentimento de proporcionar uma “educação democrá-
tica”, Comenius, como ele mesmo diz, ousa prometer um método eficaz
para ensinar tudo a todos.

Nós ousamos prometer uma Didática Magna, ou seja, uma arte uni-
versal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter
resultados; de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e
34 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

discentes se molestem ou enfadem [...]. Finalmente, demonstramos


essas coisas a priori, partindo da própria natureza imutável das coisas,
como se fizéssemos brotar de uma fonte viva regatos perenes, que
se unissem depois num único rio para constituir uma arte universal,
a fim de fundar escolas universais (Comenius [1657], 2002, p. 13-14,
grifos nossos).

A preocupação de Comenius é difundir, portanto, a eficácia de


um método que segue as leis da natureza. Quando se trata, porém, de
apontar para o comportamento do homem, Comenius lança mão dos
atributos da máquina, posto que ela é dotada de uma precisão. As com-
parações que o educador tcheco busca na natureza para mostrar o papel
da educação na formação da juventude revelam a sua crença numa natu-
reza humana que é passível de sofrer mudanças quando aqueles que se
ocupam da ação de ensinar conseguem fazê-lo de “modo correto”. De
acordo com Comenius, para se alcançar o pleno desenvolvimento dos
alunos é preciso estar atento aos “recados” da natureza, que sempre
determina o momento ideal para moldar o padrão que se deseja. Ou seja,
o cérebro humano é semelhante a uma cera, que uma vez endurecida
resiste a obedecer.

Didática Magna: ganhos e perdas


Apesar das controvertidas matrizes teóricas sobre as quais se
sustenta a Didática Magna, Comenius pode ser considerado um dos
precursores democráticos no campo do ensino. Embora sua máxima de
“ensinar tudo todos” receba críticas de estudiosos da Educação, sobre-
tudo daqueles que fizeram (e ainda fazem) um esforço de teorização
sobre o papel da Didática, não se pode negar que, do ponto de vista
histórico, é Comenius quem lança a pedra fundamental da Didática, pos-
sibilitando que ela seja reconhecida como uma ciência. Nesse sentido, o
mestre morávio é o fundador de uma didática progressista. Ele não nega
o que a escola ensina, mas exige que as mesmas coisas sejam ensinadas
Capítulo 2 – Didática
35

de maneira diferente. Sem dúvida, mais do que uma escola diferente,


Comenius reclama um ensino que possa incluir a todos. Há, inclusive,
premissas curiosas nos aconselhamentos didáticos que Comenius faz
aos educadores: “Não empreendas um ensino sem antes ter motivado
o desejo do aluno em aprender.[...] Ofereça sempre algo que seja ao
mesmo tempo compreensível e útil: os alunos serão dessa forma sedu-
zidos e estarão com a atenção sempre disponível” (Comenius [1657],
2002, p. 25).

Então, vale perguntar: se é isso que ainda hoje, em pleno século


21, é exigido das escolas, por que Comenius, ao contrário de outros teó-
ricos e estudiosos, tem seu nome repudiado na Didática, especialmente
naquelas que são definidas como uma Didática crítica ou emancipatória?
Onde estaria o anacronismo dos princípios de Comenius? Aqui arris-
camos lançar uma hipótese, a saber: o problema dos escritos do pai da
Didática não estaria em seus princípios, mas em suas matrizes epistemo-
lógicas. Matrizes, inclusive, que oscilam em sua obra. Em tese, há uma
tensão que parece silenciada nos escritos de Comenius em defesa de
sua Didática Magna. Não é por outra razão que o mestre, com todo o seu
intuito de uma escola democrática, se faz incoerente em suas palavras
quando diz que para se alcançar o pleno desenvolvimento dos alunos é
preciso estar atento aos “recados” da natureza, que sempre determina o
momento ideal para moldar o padrão que se deseja. Para ele, o cérebro
humano é semelhante a uma cera, que uma vez endurecida resiste a
obedecer.

Ao trazer esta afirmação comeniana para a contemporaneidade,


estaríamos, a rigor, negando o direito constitucional dos alunos de EJA
aos estudos. Comenius, que tanto lutou para que a juventude de seu
tempo (século 17), por meio da arte de ensinar, pudesse tudo aprender,
exclui, pelo seu dizer, os jovens, adultos e idosos da escola de nosso
tempo (século 21). É como se, a partir de uma certa idade, a Didática,
por mais laboriosa em seus empreendimentos pedagógicos, não pudesse
36 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

dar conta do aprendizado dos alunos que “expiraram” na idade de apren-


der. Isso, por certo, impregnou os discursos que ainda hoje se mantêm
acerca de uma idade própria para estudar/aprender.
É lamentável pensar que esta posição de Comenius é o pensa-
mento que persiste ainda hoje quando se trata da Educação de Jovens
e Adultos. Não foram, poucos os políticos que revelaram isso em seus
discursos durante os debates e embates com os que lutam em defesa de
políticas públicas para a EJA. Poucos também não foram (são) os educa-
dores que, embora veladamente, partilham desta “crença” em relação,
sobretudo, aos alunos adultos e idosos. E para maior indignação, nume-
rosos são os próprios alunos que, de alguma forma, foram convencidos
de sua impossibilidade de aprender, por mais que os docentes insistam
em ensinar. Ou seja, não há, de acordo com a Didática comeniana, arte
de ensinar que seja mais imperiosa que a natureza. De fato, muito se
ganhou com a Didática de Comenius. Muitos de seus princípios per-
maneceram como referência nas instituições de ensino, há quase dois
séculos, mas por certo as perdas também não podem ser negadas. Daí
que, a partir do século 20, coloca-se a Didática em questão.

Didática em questão:
uma preocupação a mais
Após um longo tempo de licenciamento do estatuto de uma Didá-
tica comeniana no campo da Pedagogia, a inquietação e a efervescência
teórico-metodológica das pesquisas na área da educação, já no início
da década de 80, anunciavam os indícios da manifestação de quebra
de paradigmas. Tal mobilização, resultante das tensões históricas e dos
embates entre as concepções conservadoras e as concepções emancipató-
rias, contribuiu para pôr abaixo toda a “edificação” da educação escolar.
É também nos anos 80 que os pedagogos anunciam uma crise no campo
da “arte de ensinar”. Ou seja, impunha-se a necessidade de repensar “a
arte universal de ensinar tudo a todos” (Comenius, 2002, p. 11).
Capítulo 2 – Didática
37

É importante lembrar que, na década de 80, dois marcos impor-


tantes ocorrem na história da Didática, obrigando um repensar sobre o
papel dos professores: I e II Seminários sobre “A Didática em Questão”.6
Eles foram considerados desafiantes para a revisão crítica e a reconstru-
ção da Didática no Brasil. Uma preocupação, inclusive, relacionada com
a formação docente.

Para Candau (1984), um dos grandes desafios, especialmente


naquele momento, foi a superação de uma Didática exclusivamente ins-
trumental para a construção de uma Didática fundamental. Ou seja, uma
Didática que tivesse o compromisso político com as “camadas popula-
res”; com transformação social e, sobretudo, com a relação orgânica entre
teoria e prática. A autora assim define sua posição:

A didática não poderá continuar sendo um apêndice de orientações


mecânicas e tecnológicas. Deverá ser, sim, um modo crítico de desen-
volver uma prática educativa, forjadora de um projeto histórico, que
não se fará tão-somente pelo educador, mas, conjuntamente, com
o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade
(Candau, 1984, p. 30).

Para que uma nova visão da Didática pudesse realmente vir a se


concretizar era necessário o movimento de busca do objeto e da iden-
tidade da Didática. A dimensão política do ato pedagógico passa a ser
objeto de discussão e análise. Não é por outra razão que a nomeação
“Didática em Questão” revela-se tão pertinente aos embates promovi-
dos por aqueles referidos eventos. Mais ainda, é a legitimação do início
da suspensão de uma Didática concebida apenas como um conjunto de
técnicas capaz de ensinar tudo a todos. Deflagra-se um sentido novo
para o processo ensino-aprendizagem, que demanda, fortemente, a pre-
sença de interesses e dos verdadeiros interessados pela mudança na
educação.

6
Realizados em novembro de 1982, cuja organização coube ao CNPq e à PUC/RJ.
38 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

Se da Didática passa a ser exigido um redimensionamento dos


aspectos que compunham a sua identidade e demarcavam o seu lugar
no campo científico, isso revela que todo aquele arcabouço teórico que,
até então, delegou para si a arte de ensinar, necessita ser ressignificado
com mais humildade epistemológica. O fato de Comenius tratar o ensino
como uma arte propiciou a crença de que ser um professor é um dom.
Numa outra vertente, mas também baseada numa Didática comeniana,
basta ter o domínio de técnicas de ensino para facilitar a aprendizagem
dos alunos.
Sabemos, entretanto, que a sala de aula, do ponto de vista peda-
gógico, é um espaço em que as cenas são feitas e desfeitas a cada dia.
Um espaço marcado por relações complexas, dada a sua implicação com
os diversos atores sociais e com as diferentes variáveis que movem os
interesses de uma determinada sociedade, na qual a escola está imersa.
Daí que pensar a Didática como mera instrumentalização técnica é silen-
ciar as vozes que estão em seu entorno. É insistir numa definição que se
baseia numa relação linear entre docentes e estudantes. Neste sentido,
Candau (1984) insiste em afirmar que:

Enquanto instrumentalização técnica a Didática não pode, por con-


seguinte, ser tratada como componente isolado, como algo em si
mesmo, sem levar em conta considerações da ordem dos valores e
dos fins, pois ela não se justifica a si mesma apesar da pretensão de
neutralidade que toda técnica arroga para si enquanto decorrente de
teorias científicas às quais serve inclusive de critério de validação
pela verificação e sua eficácia constatada nas observações dos resul-
tados obtidos (op. cit., p. 36).

O I Seminário teve, assim, por objetivo, enfatizar a necessidade


de formar professores críticos e conscientes do papel da educação e da
sociedade, isto é, identificados cada vez mais com as camadas populares.
O foco da formação passa a ser um professor politicamente comprome-
tido com a transformação social. Nesse sentido, uma das preocupações
maiores é com a dimensão da multidimensionalidade do processo ensi-
no-aprendizagem. Uma dimensão que implica a necessidade de articular
Capítulo 2 – Didática
39

os aspectos humano, técnico e sociopolítico do processo educativo. Para


tanto, a contextualização da prática pedagógica passa a ser fundamental.
Busca-se, assim, compreender a íntima relação entre a prática escolar e
a estrutura social mais ampla. Nesse sentido, começam a surgir as pes-
quisas sobre o cotidiano escolar.

No II Seminário de Didática, realizado também nos anos 80 do


século 20, os estudos apresentados ainda demonstram uma concepção
de Didática fortemente instrumental, isto é, os estudos de técnicas e
instrumentos sem qualquer vinculação com uma dada realidade, sem
referência aos fins a que se destinavam e às teorias que os fundamen-
tavam. Essas constatações desencadearam reações e ações nos diversos
programas de formação de professores no Brasil, variando desde uma
atitude de perplexidade até as medidas drásticas de negação da Didá-
tica, sendo uma delas abolir a disciplina nos programas dos cursos de
formação de professor.

Tais acontecimentos possibilitaram um movimento na busca de


alternativas que geraram uma série de tendências no final da década de
80 e nos anos 90. Uma das tendências consistiu em analisar os elemen-
tos específicos da Didática como: planejamento, objetivos, métodos,
disciplina e avaliação, relacionando-os com a visão crítica da Didática e
contextualizando-os diante da realidade da escola brasileira.

É importante registrar que os assuntos sobre a Didática domina-


ram as pautas de discussões em quase todos os encontros relacionados
à Educação, podendo-se afirmar que se chegou à década de 90 com a
clareza de que a Didática, enquanto área de estudo, assume como foco
o processo ensino-aprendizagem.

A Didática, influenciada pela Pedagogia Crítica, mostrou-se,


nos anos 90, comprometida com os interesses do homem da camada
socialmente mais vulnerável. A escola não deve ser encarada como um
40 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

aparelho ideológico do Estado,7 que reproduz a estrutura social vigen-


te. Ao contrário, ela deve ser organizada como espaço de negação da
dominação. Nesse sentido, agir no interior da escola é contribuir para a
transformação da própria realidade.

Deste modo, o enfoque da Didática, de acordo como os pressu-


postos da teoria crítica, é de trabalhar no sentido de ir além dos métodos
e técnicas, procurando associar teoria-prática;8 ensino-pesquisa; conte-
údo e forma; técnico e político; professor-aluno. A Didática, no âmbito
dessa Pedagogia, auxilia no processo da politização do futuro professor.
Para Libâneo (1994), essa Didática concebe o ensino como transmis-
são intencional e sistemática dos conteúdos culturais e científicos. Uma
Didática historicamente comprometida e contextualizada com a trans-
formação social.

De acordo com o que foi exposto, especialmente a partir da


década de 80, período em que são acirradas as discussões sobre uma edu-
cação para as camadas populares, podemos perceber que tais princípios
têm sua filiação nos movimentos sociais. Segundo Pimenta e Anastasiou
(2002), é deste lugar que se pode, de fato, pensar categorias fundamen-
tais que devem ser incorporadas nos estudos da Didática: o cotidiano
escolar, o saber docente e as relações entre escola e a(s) cultura(s).

Com esse olhar passamos a discutir sobre a Educação de Jovens


e Adultos, que reconhece a sua origem nos movimentos sociais, mas
vem, no contexto da escolarização, fazendo um silenciamento da sua
própria história.

7
Althusser, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Trad. Valter José Evangelista e Maria
Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
8
Teoria e prática concebidas como dimensões de um mesmo processo, em que a teoria
orienta a ação entendida com transformação da realidade, e esta por sua vez reorienta
a teoria.
Capítulo 2 – Didática
41

Os nós na/da arte de ensinar:


laços e desenlaces entre a Didática
e a formação dos educadores de EJA
Ao tratar do(s) enredo(s) da Didática, procurando demarcar sua
fundação e emancipação no campo pedagógico, é possível perceber que
ainda há um mal-estar que persiste naquilo que Comenius definiu como
a arte de ensinar. A determinação em “ensinar tudo a todos”, por meio
de sua Didática, que, sob a luz da modernidade, revelou-se avançada
e, ao mesmo tempo, pretensiosa, sucumbiu diante de um novo proje-
to político-pedagógico para a Educação. Apesar dos intensos debates,
entretanto, a Didática parece ainda em busca de seu lugar de identidade.
Um lugar, segundo Ghiraldelli (2000, p. 11), “ao qual cabe estudar as
principais teorias educacionais dos nossos tempos”.

De que modo, porém, estes desdobramentos se enlaçam e desen-


laçam na trajetória da Educação de Jovens e Adultos? De fato, nada disso
é estranho à modalidade, especialmente quando se trata de discutir que
matriz epistemológica tem sustentado (ou não) a didática nas salas de
aula de EJA.

Antes cabe destacar que a história de EJA sempre foi interpreta-


da pelas marcas de fracasso. Grande parte da literatura põe em relevo
os aspectos negativos que circundam a área. O segmento de Educação
de Jovens e Adultos é apresentado, historicamente, como um lugar de
carências, tanto na perspectiva das políticas de financiamento quanto na
perspectiva do seu alunado. No que se refere ao primeiro, por exemplo,
Di Pierro (2000, p. 12) observa:

[...] o financiamento público da educação de jovens e adultos man-


teve-se contido em patamares irrisórios, sempre inferiores a 1% da
despesa total com educação e cultura realizada pelas três esferas de
governo. [...]o investimento realizado na educação de jovens e adul-
tos é aproximadamente nove vezes menor que aquele realizado no
ensino básico regular.
42 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

Na perspectiva do alunado, inúmeros são os termos que resva-


lam para o lugar da falta: analfabeto; não capaz; sem conhecimento; não
letrado. Isso, na verdade, é

[...] a veiculação de um discurso sobre o analfabeto que o identifica,


de modo geral, à menoridade, à falta, à pobreza e à dependência
é recorrente em diversas instâncias da sociedade contemporânea.
Cotidianamente, esse tipo de representação é produzido e dissemi-
nado, às vezes, pelo próprio analfabeto que o incorpora e o legitima
(Galvão; Di Pierro, 2007, p. 31).

Se por um lado, contudo, poucos não foram os impasses que inter-


pelaram (e interpelam) essa modalidade; por outro, é preciso reconhecer
que a história da EJA, mais do que o anúncio de seu próprio fracasso,
também traz a denúncia de que a Didática, apesar de seus avanços e
mudanças de paradigmas, não vem cumprindo o seu papel numa pers-
pectiva emancipatória. Os sujeitos inscritos em EJA atestam que o sis-
tema escolar expulsa mais do que atrai. A demanda de uma população
cada vez mais jovem para as salas de aula da EJA, sobretudo a partir dos
anos 80, dá visibilidade aos sujeitos e saberes que estão sendo negados
no interior da escola. Mais ainda: o apagamento da cultura e das vozes
dos grupos minoritários.

Do ponto de vista da Pedagogia crítica, a Didática deve consi-


derar, sobretudo, que os saberes socialmente reconhecidos podem ser
reinventados a partir de novas produções de sentido. Dessa forma, é
preciso repudiar a insistência de se imputar aos sujeitos de EJA atribu-
tos marcadamente negativos que, possivelmente, têm consequências
na ação pedagógica dos professores em sala de aula. Assim, o alerta de
Freire (1975) ao alfabetizando adulto é para que ele tenha consciência do
seu lugar no mundo. Um cidadão que vive e produz numa determinada
sociedade. Freire não aceita que o analfabeto se veja como um “fora da
Capítulo 2 – Didática
43

lei”.9 Ao contrário, desafia-o a refletir a partir de sua posição de traba-


lhador. Ou seja, por meio de uma perspectiva antropológica, faz com
que este trabalhador se reconheça como um fazedor de cultura. Nega,
portanto, uma visão que advém de um campo discursivo religioso, no
qual o trabalho é concebido como uma sina. Freire convida os alunos a
ver o seu labor como uma determinação do contexto econômico-político-
ideológico da sociedade.

Ainda que no período da ditadura militar o “método”10 de Freire


tenha sido descaracterizado, é preciso ressaltar que a validade dele con-
siste em dar reconhecimento à realidade do alfabetizando, daquilo que
ele já se apropriou do seu próprio contexto, do valor de sua vida cotidia-
na, de suas situações existenciais. Respeitando o senso comum e dele
partindo, Freire propõe a sua superação.

Estas são as raízes de um trabalho de Educação Popular11 junto


aos adultos em processo de alfabetização que, ao longo do tempo, pare-
cem ter sido esquecidas para dar lugar à nova onda metodológica de
abordagem do processo de alfabetização. Uma onda que terminou por
derrubar os alicerces de uma perspectiva mais original para a EJA. A
rigor, isso tem levado a um constante questionamento sobre a pertinên-
cia da adequação das metodologias, tempos e espaços, do tipo de avalia-
ção e, sobretudo, da formação inicial e continuada dos professores.

9
A expressão “fora da lei” aqui é para fazer um trocadilho com o fato de os alunos de
EJA serem considerados e tratados como fora da idade própria/fora do ensino regular.
Expressões que, na verdade, são meramente preconceituosas, uma vez que EJA faz
parte do ensino regular, assim como qualquer cidadão, de acordo com a Constituição
Brasileira de 1988, a LDB 9394/96 e o parecer 11/2000, têm o direito de estudar em
qualquer idade.
10
O “Método” não se limita às normas metodológicas e linguísticas. Ao contrário, vai
além delas. Desafia o homem e a mulher que se alfabetizam a se apropriarem do código
escrito e a se politizarem, tendo uma visão de totalidade da linguagem e do mundo.
11
Educação popular compreendida, no entendimento de Brandão (2002), como aquela
que tem o sentido político no trabalho pedagógico, tendo como idealizador Paulo
Freire.
44 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

Para Soares (2003), a discussão sobre a formação do educador


de adultos data de muito tempo. Apesar de a Campanha de Educação
de Adultos–CEAA (1947) ser considerada um marco no acesso do tra-
balhador adulto ao saber letrado, ela foi bastante criticada. As críticas
eram baseadas no fato de ela não preparar o professor para atuar com
essa população. Nessa época não houve a preocupação de elaborar um
referencial metodológico próprio. O modelo de alfabetização era baseado
no trabalho pedagógico desenvolvido com as crianças, que também se
encontravam em processo de aprendizagem de leitura e escrita. Quando
da realização do I Congresso Nacional de Educação de Adultos (1947)
já se ressaltava, também, as especificidades de ações educativas, em
diferentes níveis, e se recomendava uma preparação para se trabalhar
com adultos.12

Essas críticas prosseguem e tornam-se mais explícitas, tomando


vulto nos debates ocorridos no II Congresso Nacional de Educação de
Adultos (1958) não só no que diz respeito à formação do professorado,
mas, também, à falta de métodos, conteúdos e material didático elabo-
rados, especificamente, para a educação de adultos. Segundo Beisiegel
(2004), o professor que atuava no ensino diurno, com o público infantil,
era o mesmo que atuava também nas classes noturnas.

Com o processo de redemocratização do Brasil, a profissionalização


do educador torna-se uma questão nuclear nas práticas educativas e nas
discussões teóricas, incluindo-se, também, os professores de EJA. Essa é
uma época em que ocorre muitas discussões sobre formação docente em
eventos realizados em vários pontos do país, tal como os debates sobre
a Didática. É também o momento em que há uma produção expressiva
de publicações nessa área.

12
Aquela já existia um índice alarmante de analfabetos, acima de 18 anos.
Capítulo 2 – Didática
45

No final dos anos 80 do século passado13 as adminstrações muni-


cipais do Sul e do Sudeste, consideradas populares,14 criam cursos na
modalidade de EJA, envolvendo o I e o II segmentos. A opção metodo-
lógica era de base freiriana, buscando nos movimentos sociais os educa-
dores identificados com essa prática. A partir desta opção evidencia-se a
necessidade da formação continuada. Ao mesmo tempo as universidades
públicas, nessas mesmas regiões, foram estabelecendo, nos cursos de
Graduação em Pedagogia,15 as habilitações voltadas para a Educação
de Jovens e Adultos. Além disso, estas instituições de ensino abriram
linhas de pesquisa nos cursos de Pós-Graduação strictu sensu, resultando,
na década de 90,16 em um número significativo de dissertações e teses,
cujo foco era a formação do professor.

Apesar das iniciativas na academia, os dados do Instituto Nacional


de Estudos e Pesquisas – Inep – (2000), revelaram, no Brasil, que nessa
época havia 190 mil professores atuando na educação básica de jovens
e adultos. Desse total, 40% não possuíam nível superior, aos quais se
somam alguns milhares de voluntários engajados nos projetos de alfa-
betização, no meio popular. Nos dois casos, esses educadores tinham a
formação complementada em serviço (Di Pierro, 2004).

A partir da Constituição Federal de 1988.


13

Eram consideradas populares, à época, as administrações cujos gestores eram filiados


14

aos partidos de esquerda.


Não sendo extensivo às demais Licenciaturas, como Letras, Química, Física, Matemá-
15

tica, dentre outras.


Os anos 90 também são marcados pelo acirramento das discussões sobre a formação do
16

educador de EJA que, bastante revigoradas, ganham espaço na Anped, no Grupo de


Trabalho nº. 18 de Educação de Pessoas Jovens e Adultos. Debate esse que vem sendo
complementado em Seminários, específicos das universidades. Esses Seminários sobre
a formação do educador de EJA foram sediados pela Universidade Federal de Minas
(2006), seguindo-se do II e III acontecidos nas Universidades Federais de Goiânia
(2007) e de Porto Alegre (2010), respectivamente.
46 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

Esta realidade, no final do século 20, é reflexo de uma formação


inicial incipiente conforme os dados apresentados por Di Pierro (2004):
dos 1306 cursos de Pedagogia existentes, apenas 16 deles ofereciam
habilitação em EJA. Já na pesquisa de Soares (2007), realizada nas uni-
versidades públicas: dos 1.608 cursos de Pedagogia, somente 15 apre-
sentaram habilitação em EJA, que estavam assim distribuídos: 7 cursos
na região Sul; 4 no Sudeste e 4 no Nordeste.17

Para Arroyo (2005), a formação do educador de EJA ainda se


mostra em construção, uma vez que o perfil desse educador não foi
definido. O pesquisador faz essa afirmação considerando que é margi-
nal a posição da Educação de Jovens e Adultos no interior das políticas
públicas. Isso faz com que não tenhamos diretrizes ou centros educati-
vos especialmente dedicados à formação. Ele destaca que a EJA deve
ser concebida como um campo plural de práticas educativas que não se
esgotam na escola18 e que se alimentam de um impulso emancipador.

Por essa razão, não há como discordar dessas colocações, especial-


mente quando se defende que a atuação do profissional na modalidade
de EJA tenha duas dimensões: uma prática, que é o fazer da intervenção
profissional em si; e outra teórica, que é a reflexão sobre a própria prática
(Giovanetti, 2005). Para a pesquisadora, é preciso se ter cuidado porque
é a ação-reflexão que deve compor o cenário profissional do educador,
alimentando-se mutuamente da prática. Caso contrário, o que teremos
será o ativismo, com uma prática que não avança e permanece somen-

17
Vale também ressaltar que há outras iniciativas nos cursos de Pedagogia, a exemplo de
oferta de disciplinas eletivas e no campo da extensão, cujas ações procuravam minimizar
as carências de formação inicial em EJA. Essas eram também formas alternativas de
aproximar os alunos das demais Licenciaturas.
18
Essas críticas de Arroyo não são poupadas nas Diretirzes Curriculares Nacionais de
EJA, parecer nº 11 de 2000, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE),
que recomenda as exigências formativas relativas à complexidade diferencial dessa
modalidade de ensino e em relação às Instituições Formadoras de Professores as Dire-
trizes enfocam a necessidade de um entendimento entre as Licenciaturas e o sistema
público Gioco no sentido de possibilitar a formação inicial e continuada.
Capítulo 2 – Didática
47

te no teoricismo, perdendo-se em divagações abstratas. Enfatiza ainda


Giovanetti (2005) que a explicitação da intencionalidade é o que orienta
ambas as dimensões.

Isso revela que a formação de educadores de jovens e adultos,


mesmo com toda ênfase que vem sendo dado à área nos últimos anos,
ainda se mostra aquém das necessidades dos professores e alunos desta
modalidade de ensino. Muito do que acontece nos espaços da sala de
aula de EJA é resultado da descontinuidade das políticas de formação
continuada de professores. Os avanços que foram sendo estabelecidos no
campo da Didática não chegaram a provocar um diálogo expressivo com
as ações de formação e, consequentemente, com as práticas pedagógicas
dos professores de jovens e adultos.

Considerações Finais
Como repensar neste século 21 as ações políticas e pedagógicas para
a Educação de Jovens e Adultos? Qual Didática pode, de fato, orientar a
modalidade de EJA que, ao longo do tempo, parece estar perdendo sua
identidade com os movimentos sociais? Esses questionamentos reforçam,
na verdade, que a área de EJA, predominadamente escolarizada, se fez
carente em diversos aspectos: proposições metodológicas, quadro de pro-
fessores, políticas públicas de formação e de financiamento. Como conse-
quência, há práticas pedagógicas que permanecem baseadas no improviso,
em que os docentes ainda reproduzem atividades desenvolvidas com crian-
ças, fundamentando-se na Didática instrumental. Uma prática pedagógica
em que os alunos costumam ser tratados como “pobrezinhos”, “cansados”,
“sofridos”, sem capacidade para dominar novos conhecimentos.

Nesse sentido, é preciso resgatar os princípios freirianos que


estabelecem a relação teoria-prática no processo ensino-aprendizagem
necessários à inserção dos trabalhadores-alunos no mundo da cultura e
do trabalho.
48 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

Diante do exposto anteriormente, não queremos negar ou deixar


de reconhecer que, historicamente, efetuaram-se experiências exitosas,
como também avanços legais. Tais feitos na modalidade de Educação
de Jovens e Adultos, todavia, não garantiram uma política de Estado
que a tornasse plena de ações continuadas. No que se refere à Didática,
por exemplo, não se pretendeu defender, aos moldes de determinadas
correntes, uma Didática especial para a Educação de Jovens e Adultos.
Isso seria, por certo, um retrocesso das conquistas no campo da Didática,
como também no próprio campo da EJA. Ressente-se, ainda, entretanto,
de enlaces mais efetivos para a EJA naquilo que a Didática, enquanto
referência para os educadores, pode operar buscando alternativas para a
ação de ensinar, a exemplo de metodologias mais adequadas que possi-
bilitem uma aprendizagem significativa para os sujeitos.

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50 M a r i n a i d e Q u e i r ó z d e Fr e i t a s – N a d j a N a i r a A g u i a r R i b e i r o – Ta n i a M a r i a d e M e l o M o u r a

SOARES, Leôncio. A formação inicial do educador de jovens e adultos:


um estudo da habilitação de EJA dos cursos de pedagogia. In: VINHAES,
Regina Gracindo et al. (Orgs.). Educação como exercício da diversidade:
estudos em campos de desigualdades sócio-econômicas. Brasília: Líber
Livros Editora, 2007.
VEIGA, Ilma Passos. Didática: uma retrospectiva histórica. In: Repen-
sando a didática. Campinas: Papirus, 1991.
capítulo 3

DE VOLTA AO BÁSICO
Definições e Processos de Avaliação1

Maddalena Taras

Considerações Iniciais
Ao explorar os princípios do processo de avaliação em qualquer
contexto ou função, sejam estes preestabelecidos ou não, o presente
texto sustenta e desenvolve o discurso e o argumento de que, em todos
os tipos de avaliação, entender o processo é mais importante do que
observar as funções da avaliação, particularmente no caso da avaliação
formativa (Taras, 2005). Este texto não apresenta uma linha histórica do
desenvolvimento das definições de avaliação formativa e avaliação soma-
tiva; tampouco constitui uma análise dos diferentes aspectos de avaliação
vistos à luz de uma teoria geral da Pedagogia (cf. Black; Wiliam, 2005;
Perrenoud, 1998), embora inevitavelmente considere a avaliação como
parte do triunvirato2 avaliação-ensino-aprendizagem. Na verdade, este
escrito defende a ideia de que não há desenvolvimento especializado
sem avaliação (Atkins; Beattie; Dockrell, 1993).

Texto publicado também na Revista Práxis Educativa, da Universidade Estadual de Ponta


1

Grossa. Tradução de Roberto Monteiro de Lima e revisão de Jefferson Mainardes.


2
Tradução literal do inglês triumvirate. Ambos os termos encontram sua origem na forma
latina triumviratus, que designava a associação de três magistrados responsáveis pelo
governo em Roma no período da República. Apesar de tríade nos ter parecido uma
solução mais lógica e mais ao alcance do leitor, mantivemos a esfera política sugerida
pela escolha da autora (N.T.).
52 M a d d a l e n a Ta r a s

Teorias de aprendizagem
De acordo com a teoria socioconstrutivista de aprendizagem, o
indivíduo relaciona o significado com o meio e o contexto e o assimila
reestruturando e reorganizando os conceitos e conhecimentos que possui
(Hager; Hodkinson, 2009; James, 2006). Assim, o indivíduo é a um só
tempo produto do contexto e um desafio direto ao mesmo, visto que reúne
interpretações específicas e singulares. Do mesmo modo, a avaliação e a
aprendizagem retomam a constante interação que o indivíduo desenvolve
com a experiência coletiva e com as informações fundamentais que tive-
ram impacto nele e no contexto. Todos nós avaliamos constantemente a
nossa situação, a nossa situação no coletivo e a situação do coletivo.
Cada indivíduo, portanto, embora aprenda e avalie num contexto
socialmente construído, se diferencia dos outros em situações similares.
Essa singularidade requer uma abordagem contínua dos significados,
conceitos e ideias. Mesmo quando se trabalha com idênticas definições,
critérios e processos, a ocorrência de diferentes resultados de aprendiza-
gem, avaliação e compreensão não pode ser considerada algo inusitado.
Aceitar a infinita diversidade na educação é o primeiro passo importante
rumo a uma relativa harmonização dos conceitos e definições, ideias,
ideais e entendimentos. Isso, contudo, não elimina a necessidade de
associações coerentes e lógicas no âmbito dessas experiências pessoais
das “realidades” educacionais individuais e coletivas.

Linguagem
A linguagem não é neutra; os significados associados a diferentes
palavras e termos não são neutros. A avaliação e os termos a ela relacio-
nados são marcados por valores e emoções, do que decorre que fatores
éticos e morais também estão envolvidos nas interpretações feitas pelo
indivíduo e pela coletividade (Fairclough, 1994; Lakoff; Johnson, 1980;
Taras, 2007a). Do ponto de vista social e político, a “avaliação” é uma
bomba em potencial, e nesses contextos a palavra é usada parcamente. A
avaliação de artigos para revistas acadêmicas é conhecida como “revisão
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
53

por pares”. No Reino Unido, em 2008, o RAE (Research Assessment


Exercise, ou Exercício de Avaliação da Pesquisa)3 causou polêmica pela
sua potencial falta de transparência quando o feedback dos pareceristas
foi destruído para proteger seus “julgamentos profissionais”. Todos os
anos há um furor quando os resultados dos exames nacionais são divul-
gados e dissecados pela mídia. No plano individual, histórias idiossincrá-
ticas e pessoais sempre acabam resultando em diferentes interpretações
(Coffield; Edwards, 2009; Hager; Hodkinson, 2009; Taras, 2007a).

Assessment ou evaluation?4
Em virtude da globalização da pesquisa, a distinção entre assess-
ment e evaluation no campo da Educação está se tornando cada vez mais
complexa. Na literatura francófona (por exemplo, Perrenoud, 1998) e
nas línguas de base latina, em que inexiste uma distinção, geralmente
se prefere usar evaluation.

No Reino Unido, o “Exercício de Avaliação da Pesquisa” (RAE – Research Assessment


3

Exercise) é um processo no qual cada universidade apresenta os melhores artigos de


seus pesquisadores para serem avaliados. Isso geralmente ocorre a cada quatro anos e
cada pesquisador apresenta, no máximo, quatro artigos. É com base nesses resultados
que o governo disponibiliza recursos para pesquisa, de forma que uma quantidade
relativamente grande de recursos e prestígio estão em jogo. Os pareceristas que fizeram
o julgamento da qualidade desses trabalhos no ano de 2008 ficaram tão preocupados
que a integridade de suas avaliações fosse questionada que destruíram as anotações
que explicavam as suas decisões. O Exercício de Avaliação de Pesquisa (RAE) passou
a ser chamado de “Referencial de Excelência em Pesquisa” (REF -Research Excellence
Framework), o que parece estar ligado a um certo medo do que está por trás da palavra
avaliação.
Mantivemos os termos ingleses assessment e evaluation nesta seção porque, como observa
4

a própria autora, as línguas latinas não possuem mais de uma palavra para expressar
satisfatoriamente a ideia contida em avaliação. Poderíamos, é verdade, tentar repro-
duzir a distinção do original substituindo evaluation por apreciação, por exemplo, mas
entendemos que esse recurso seria limitado a ponto de induzir o leitor a interpretações
equivocadas. Em contraponto à amplitude da palavra avaliação, as palavras apreciação e
valoração parecem demasiadamente ligadas ao fator numérico; estimativa, por sua vez,
está circunscrita à noção de valor aproximado (N.T.).
54 M a d d a l e n a Ta r a s

No Reino Unido e na maior parte do mundo anglófono, a dis-


tinção costuma se dar da seguinte forma: o termo evaluation refere-se à
macroesfera (por exemplo, universidade, curso, documentação de pro-
gramas de ensino), ao passo que assessment diz respeito à microesfera
(ou seja, às tarefas e trabalhos feitos pelos alunos). Essa distinção está
essencialmente ligada ao contexto.

Para o objetivo deste trabalho, essa distinção é talvez superficial


porque foca processos e princípios, almejando englobar contextos dís-
pares. Assim, quer o nosso foco seja a avaliação de programas de ensino,
como foi para Scriven (1967), quer tenhamos a nossa atenção voltada
para o produto da avaliação em contextos complexos e com múltiplos
critérios, como no caso de Sadler (1989), quer consideremos ainda a
interação na sala de aula, como faz o trabalho de Black e Wiliam sobre a
“avaliação para a aprendizagem”,5 o que este textyo deseja argumentar
e demonstrar é que um simples processo de avaliação pode ser usado
para representar cada um desses três contextos bastante diversificados.
Em outras palavras, o processo e os parâmetros básicos de avaliação
podem ser considerados universais e tecnicamente similares em todos
os contextos.

5
A autora refere-se ao clássico e seminal trabalho de Paul Black e Dylan Wiliam (1998),
intitulado “Inside the Black Box: Raising Standards Through Classroom Assessment” (Phi
Delta Kappan, October 1998). A partir do exame de uma vasta literatura, os autores ofe-
recem fortes evidências que a avaliação formativa, quando instituída adequadamente,
é um poderoso recurso para melhorar a aprendizagem dos estudantes. Por outro lado, a
avaliação somativa, tais como os exames padronizados, podem ter efeitos prejudiciais.
A avaliação formativa ocorre quando os professores utilizam as informações obtidas por
meio da avaliação para auxiliar os alunos a aprenderem mais e melhor. Assim, o propó-
sito principal da avaliação é apoiar uma aprendizagem de melhor qualidade. Por essas
razões, os autores utilizam a expressão “avaliação para a aprendizagem”. Os autores mos-
traram também que avaliação formativa de alta qualidade era rara nas salas de aula. Na
“avaliação para a aprendizagem”, tanto o professor quanto o aluno usam as informações
obtidas por meio da avaliação para modificar as atividades de ensino e aprendizagem.
Informações complementares a respeito do artigo “Inside the Black Box” e do Grupo
de Pesquisa sobre Avaliação liderado por Paul Black podem ser podem ser obtidas em:
<http://www.kcl.ac.uk/content/1/c4/73/57/formative.pdf> (Nota do revisor).
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
55

Outra distinção a ser considerada é aquela referente à avaliação


implícita e à avaliação explícita. A primeira tende a abranger áreas de
avaliação informal e ad hoc,6 isto é, refere-se à avaliação do trabalho em
curso ou na interação da sala de aula, ao passo que a segunda tende a ser
avaliação do produto, na qual os critérios e padrões são estabelecidos e
compartilhados.

Na literatura, entende-se que os termos evaluation e assessment


se sobrepõem e não são separados, o que torna a distinção difícil tanto
na teoria quanto na prática (Black, 1998; Cullingford, 1997; Scriven,
1997). A natureza onipresente da avaliação foi há muito reconhecida, e
as distinções destacadas nas linhas anteriores constituem essencialmente
uma diferença de escopo e contexto e talvez reduzam o caráter comum
do processo.

A fim de coordenar e entender os princípios fundamentais da


avaliação é útil incorporar todos os aspectos de “evaluation” e “assess-
ment” num argumento único e coerente; isso abrangeria tanto o processo
quanto o produto, tanto o informal quanto o formal.

A definição de avaliação (assessment)


O termo avaliação geralmente se refere a julgamento e constitui
um processo que permeia grande parte das nossas vidas. No âmbito
educacional, esse processo também se dá em todos os níveis e contex-
tos, e muitos nomes lhe têm sido conferidos. Talvez seja válido, porém,
lembrar que avaliação é avaliação e que tudo pode ser e é julgado.

6
O fato de a autora ter preterido mais de uma vez qualquer adjetivo da sua língua em
favor da expressão latina ad hoc deixa claro o quanto esta lhe é cara. Por esse motivo,
não traduzimos a expressão e esclarecemos que ela designa algo utilizado para um
fim específico. Nos âmbitos filosófico e científico, entende-se como elemento ad hoc
qualquer recurso utilizado de maneira circunstancial, carecendo, portanto, de aplicação
geral (N.T.).
56 M a d d a l e n a Ta r a s

A definição transcrita a seguir descreve e faz referência ao pro-


cesso de avaliação e explica como se chega ao julgamento. Conforme foi
observado, esse julgamento pode ser tanto do processo quanto do pro-
duto, explícito ou implícito, formal ou informal, ou de qualquer ponto
desse contínuo.

A avaliação é uma atividade metodológica essencialmente similar em


qualquer contexto: não importa se estamos avaliando máquinas de
café ou máquinas de ensinar,7 planos para uma casa ou planos para
um curso. Trata-se de uma atividade que consiste simplesmente na
junção e combinação de dados de desempenho com um conjunto
ponderado de escalas de objetivos para gerar listas comparativas ou
numéricas, com base (a) nos instrumentos de coleta de dados, (b) nas
ponderações e (c) na seleção dos objetivos (Scriven, 1967, p. 40).

Scriven observa que esses são princípios universais e esse artigo


ilustra esse fato com o exemplo da avaliação de programas.

Funções da avaliação somativa


e da avaliação formativa
Nos últimos 30 anos as avaliações somativa e formativa passaram
a ser definidas e caracterizadas cada vez mais pelas suas funções. As
funções ou papéis (termos usados intercambiavelmente neste texto)
são o uso ou propósito ao qual se destina a avaliação, e isso pode ser
decidido antes, durante ou após sua realização. No ensino superior, a
distinção parece ter sido tratada de modo pragmático, uma vez que todas
as avaliações encontram-se sob controle institucional e, portanto, não

7
As máquinas de ensinar (teaching machines) eram aparelhos destinados a apresentar de maneira
automática um conteúdo didático cuidadosamente planejado. Enquanto o aluno não encon-
trasse a solução da questão ou exercício proposto, ele não poderia seguir em frente. Skinner
foi um dos grandes propagadores desses aparelhos, e de fato é notório o conceito comporta-
mentalista por trás dos mesmos: a aprendizagem se daria por meio do reforço das respostas
corretas, propiciado pela significativa repetição de exercícios semelhantes (N.T.).
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
57

estão em conflito com agentes externos (Taras, 2008). Brown e Knight


(1994) representam essa tendência: “Há muitas misturas de propósitos, o
que reflete os múltiplos públicos da avaliação e a grande quantidade de
alternativas para se avaliar o ensino. ‘Formativa’ e ‘somativa’ são rótulos
úteis, mas não mais do que isso” (p. 15-16).
No ensino obrigatório, no qual os exames são controlados por
agências externas, o conflito é mais evidente (Black; Wiliam, 1998; Seba-
tane, 1998). O trabalho liderado por Black e William e grande parte
da pesquisa de Avaliação para a Aprendizagem no ensino obrigatório
baseiam-se nessa distinção entre avaliação somativa e avaliação formati-
va, em que a avaliação somativa refere-se à validação externa dos exames
e a avaliação formativa como sendo aquela que oferece elementos para
o feedback na sala de aula. A ênfase na distinção e separação desses dois
tipos de avaliação tem sido apontada por Biggs (1998) como uma deficiên-
cia do inspirador artigo de Black e William (1998).
Esse foco nas funções da avaliação foi iniciado em parte por
Bloom, Hastings e Madaus (1971), que investigaram as consequências
da avaliação e concluíram que elas são tão importantes quanto os pro-
cessos ou propósitos. Embora reconheça a importância fundamental das
consequências, este texto não foca esse aspecto, limitando-se aos pro-
cessos de avaliação.

Avaliação somativa
A avaliação somativa é em geral igualada às provas ou testes finais.
No ensino superior a prática de dar um feedback (ou retorno)8 sobre um
trabalho do aluno mostra que a avaliação somativa e a avaliação forma-

Apesar de não impor dificuldades de entendimento, a palavra feedback é de difícil tradu-


8

ção para o português. As variadas soluções, como retroalimentação, parecer, resposta e


retorno, entre outras, dependem, sobretudo do contexto. Por exemplo, retroalimentação
é aplicável a máquinas, mas jamais à relação professor-aluno (N.T.).
58 M a d d a l e n a Ta r a s

tiva foram utilizadas em conjunto e que se apoiaram para o mesmo fim,


qual seja, colaborar para a aprendizagem dos alunos. Isso é relatado na
literatura que em geral não tece considerações negativas a respeito da
avaliação somativa (Biggs, 1998; Brown; Knight, 1994). No discurso da
“avaliação para a aprendizagem”, esse tipo de avaliação é geralmente
depreciado e tomado como o propulsor dos aspectos negativos e destruti-
vos da educação não comprometida com o apoio à aprendizagem (Taras,
2007a, 2008). Nas palavras de Broadfoot (2002, 2007, 2008), a avaliação
somativa é “um monstro de Frankenstein”. Os subtítulos constantes do
seu artigo de 2008 não deixam dúvida quanto a sua visão cáustica sobre
as “funções” da avaliação somativa e quanto ao efeito desta na vida dos
aprendizes e da comunidade educacional.9 A avaliação somativa e os
exames externos, contudo, não são sempre negativos, pois tradicional-
mente o sucesso nas provas tem sido uma rota para um futuro melhor
para os alunos. O problema reside nas implicações e práticas distorcidas,
as quais datam de milênios (Broadfoot, 2007; Stobart, 2008).

Funções e processos de avaliação


Uma questão importante para o presente texto é: Como as fun-
ções da avaliação se ligam ao processo de avaliação? Uma dada função
altera ou influencia o processo de alguma maneira? A resposta é não: o
processo de avaliação não é afetado pelas potenciais funções desta. O
processo e as funções, portanto, são autônomos.

Por outro lado, o foco nas funções tem ofuscado a análise dos pro-
cessos, tornando difícil controlar o aspecto vital de entender o processo
e garantir que este seja transparente e ético. Scriven (1967) já havia aler-

9
A autora refere-se ao seguinte texto: Broadfoot, P. Assessment for learners: Assessment
literacy and the development of learning power. In: Havnes, A.; McDowell, L. (Eds.).
Balancing Dilemmas in Assessment and Learning in Contemporary Education. New York;
London: Routledge, 2008. p. 213-224.
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
59

tado sobre essa ocorrência. Desde então, um segundo problema parece


ter surgido: a separação entre processos de avaliação somativa e avalia-
ção formativa, um reflexo das recomendações da literatura em apoio ao
trabalho com funções da avaliação (Taras, 2008, 2009). Essa situação
requer a duplicação das avaliações somativa e formativa para que as
diferentes funções sejam observadas (Black, 2003; William, 2000). Taras
(2005, 2009) demonstra que essa duplicação é desnecessária, demorada
e confusa tanto para os professores quanto para os alunos.

Funções
As funções são consideradas um problema neste texto por dois
motivos: primeiro, dominam a literatura recente; segundo, são respon-
sáveis por fazer os especialistas em educação perderem a visão sobre
os processos de avaliação e sobre a neutralidade essencial da avaliação
em si.

O primeiro fato – o domínio na literatura – não é necessariamente


algo ruim, uma vez que pode contribuir para nos lembrar de que, ao
longo da História, a avaliação foi usada injustamente e chegou inclusive
a arruinar muitas vidas (Stobart, 2008). Então, a pergunta que cabe é:
Podemos controlar o modo como a avaliação é utilizada? A resposta é
não. Ainda que priorizássemos funções positivas e éticas, como o auxílio
à aprendizagem, não poderíamos assegurar que os resultados do processo
de avaliação seriam empregados como pretendido (Taras, 2005, 2007b).
Assim, focar as funções não irá contribuir para garantir que a avaliação
seja usada com ética. No que tange ao segundo fato, as consequências
da perda de visão sobre o processo de avaliação são muito sérias: o não
monitoramento dessa perda significa efetivamente que não estamos
garantindo nem que a avaliação seja realizada apropriadamente nem
que os resultados sejam relatados de modo transparente. Esse cenário,
por sua vez, contribui para tornar a neutralidade essencial da avaliação
60 M a d d a l e n a Ta r a s

(terceiro ponto) ainda menos neutra. Há ainda sérias implicações para a


confiabilidade e validade da avaliação, mas a discussão desse tópico está
além do objetivo deste artigo.
Seria possível argumentar que esse discurso está criando uma
tempestade em copo d’água, no entanto, se esse copo é a avaliação de
um indivíduo, pode ter sérias implicações para o seu futuro. Além disso,
pode-se argumentar que o foco nas funções formativas não irá infringir
a integridade, validade ou confiabilidade do trabalho formativo. Con-
forme foi mencionado, o problema é que em geral as avaliações têm
múltiplas funções e o que começa como um exercício de aprendizado
informal, implícito e provavelmente não rigoroso, pode ser usado para
decisões vitais. Como resultado, os julgamentos finais e importantes
podem decorrer de avaliações informais e ad hoc.
Para se evitar isso é preciso que as avaliações tenham o rigor e o
cuidado dispensados aos trabalhos somativos – mas com a intenção de
auxiliar o ensino-aprendizagem – e os atributos positivos geralmente
associados à avaliação formativa. Esse objetivo estará ao nosso alcance
se focarmos os processos de avaliação em lugar das suas funções.

O processo de avaliação
O processo de avaliação está implícito nesta definição, que é repe-
tida por conveniência:

Trata-se de uma atividade que consiste simplesmente na junção e


combinação de dados de desempenho com um conjunto ponderado
de escalas de objetivos para gerar listas comparativas ou numéricas,
com base (a) nos instrumentos de coleta de dados, (b) nas pondera-
ções e (c) na seleção dos objetivos (Scriven, 1967, p. 40).

Assim, os parâmetros escolhidos, com justificativas, são: os instru-


mentos de coleta de dados, (b) as ponderações e (c) a seleção de obje-
tivos. A avaliação é um processo complexo no qual todos os elementos
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
61

usados para o julgamento estão em constante interação. Consequente-


mente, o resultado pode ser comparado a um padrão ou a um número
de uma escala padronizada.

A avaliação somativa oferece informações que Sadler (1989) deno-


mina de “conhecimento dos resultados”. Essas informações podem estar
na forma de um boletim ou podem ser “comparativas”. Neste último
caso, o adjetivo comparativo alude ao deficit entre o desempenho perfeito
ou ideal e o desempenho que está sendo avaliado. Assim, a definição de
Scriven antecipa parte da definição de feedback de Ramaprasad, assina-
lando uma “lacuna” a ser preenchida (1983).

Feedback e avaliação formativa


A definição de avaliação formativa é talvez a mais controversa e
variada de todas as definições de avaliação já apresentadas, assim como
a sua relação com a avaliação somativa e a autoavaliação. Como conceito,
e à semelhança do seu parceiro próximo, o feedback, a avaliação formativa
não é novidade: foca significados, técnicas e procedimentos a fim de
auxiliar a aprendizagem por intermédio do feedback. Desse modo, o
feedback é um aspecto crucial da avaliação formativa. Enquanto a avalia-
ção somativa produz o feedback, a avaliação formativa precisa usá-lo.

Sadler adota a definição de Ramaprasad na sua teoria da avalia-


ção formativa. Essa definição demonstra que o feedback, ao contrário do
conhecimento dos resultados, é um processo complexo que exige a par-
ticipação ativa dos aprendizes para lhes estimular o desenvolvimento.
Exige também um entendimento do contexto de avaliação e dos parâ-
metros, bem como que os aprendizes compreendam a sua posição e a
sua própria base de conhecimento nesse contexto:
62 M a d d a l e n a Ta r a s

[O fedback] exige conhecimento do padrão ou do objetivo, habilidades


para fazer comparações com base em vários critérios e o desenvolvi-
mento de estratégias e significados para reduzir a discrepância entre
o que é produzido e o que é almejado (Sadler, 1989, p. 142).

Como, de acordo com essa definição, o feedback é o primeiro passo


necessário para a avaliação formativa, ele poderia ser denominado feedback
formativo. Se atentarmos para a definição de Ramaprasad, no entanto, enten-
deremos que se trata mais do que simplesmente um estímulo ao desenvol-
vimento: “O feedback é uma informação referente à lacuna entre o nível real
de um sistema de parâmetros e o seu nível de referência, a qual é usada para
alterar a lacuna de alguma forma” (Ramaprasad, 1983, p. 4, grifos nossos).
Na verdade, a definição de Sadler de avaliação formativa não é
muito diferente da definição de feedback apresentada por Ramaprasad
(ou feedback formativo).

A avaliação formativa está relacionada ao modo como os julgamentos


sobre a qualidade das respostas dos alunos (desempenho, trabalhos)
podem ser usados para moldar e aprimorar a competência destes por meio
de um rompimento com o caráter aleatório e a ineficiência da aprendiza-
gem baseada na tentativa e erro (Sadler, 1989, p. 120, grifos nossos).

Como observa Taras (2005), o verbo modal pode mostra que,


quando os julgamentos são usados, trata-se de avaliação formativa. Se,
ao contrário, não se faz nenhum julgamento, resta apenas o julgamento
representado pela avaliação somativa. Evidentemente isso nos leva a
examinar a relação entre avaliação somativa e avaliação formativa.

Relação entre avaliação somativa,


avaliação formativa e feedback
Do exposto até agora conclui-se que fazer um julgamento com
base em parâmetros específicos é uma avaliação, ou avaliação somati-
va, até então. Essa avaliação produz o feedback, que pode permanecer
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
63

um julgamento implícito na mente do indivíduo, do contrário qualquer


manifestação ou comunicação desse julgamento fornecerá informações.
Segundo as definições de avaliação propostas neste texto, os parâmetros
para se fazer um julgamento – os quais são os critérios, os modelos e os
objetivos – são adotados também para medir o deficit do ideal. As infor-
mações produzidas fornecem o feedback necessário para a melhoria do
trabalho. O uso do feedback formativo pelo aprendiz resulta na avaliação
formativa e aproxima o trabalho do ideal.

Taras (2005) representa essa relação na equação:

AS + feedback = AF (Avaliação Somativa + feedback = Avaliação Formativa).

Mais precisamente, uma avaliação somativa produz feedback cujos


resultados foram utilizados na avaliação formativa:

AS → feedback

Uso do feedback = Avaliação Formativa

Esse esquema, longe de apresentar a avaliação somativa e a ava-


liação formativa como itens separados, revela que os dois tipos de ava-
liação são inseparáveis e que a avaliação somativa é o ponto de partida
necessário para qualquer avaliação (Taras, 2009).

Assim sendo, a avaliação somativa precisa vir em primeiro lugar:


é necessário avaliar a qualidade do trabalho antes de dar o feedback ao
aluno. O feedback não vem do nada: é o exame do trabalho com critérios
e modelos implícitos e explícitos que produz julgamentos. A diferença
entre a avaliação somativa e a avaliação formativa reside no fato de que
a última é usada pelo aprendiz para atualizar e aperfeiçoar o trabalho
(ou, no mínimo, para entender o que precisaria ser feito e como). A
avaliação somativa, por sua vez, não exclui o feedback (ou “conhecimen-
to dos resultados”), e até mesmo uma nota ou reação física é capaz de
fornecer informações, ainda que mínimas. No ensino superior, via de
regra, os trabalhos que recebem nota são a principal fonte de feedback
(Taras, 2006).
64 M a d d a l e n a Ta r a s

Se, por um lado, o uso do feedback é avaliação formativa, por outro


a avaliação somativa também pode produzir – e em geral o faz – feedback
passível de ser utilizado. Na avaliação formativa o seu uso é obrigatório,
ao contrário do que ocorre na avaliação somativa. Por ser um processo
constante e universal e poder ser descrita por infinitos meios, grande
parte da avaliação é implícita, automática e dada como certa. Talvez nós
estejamos inclinados a esquecer a premissa básica e óbvia do processo.
Coffield e Edwards (2009) ilustram como a falta de comprometimento
com as premissas básicas dos “bons” princípios de avaliação leva a prá-
ticas e pesquisas inferiores – e eu incluiria “teoria”.

Relação entre avaliação somativa,


avaliação formativa e autoavaliação
Examinamos as relações entre os processos de avaliação somativa
e avaliação formativa. Nesta seção, vamos explorar como a autoavaliação
se relaciona a tais processos. A literatura sobre autoavaliação a consi-
dera como avaliação formativa, além de tomá-la como o aspecto mais
importante do auxílio à aprendizagem (Black et al., 2003; Boud, 1995;
Cowan, 2006). A literatura discutida neste texto parece apresentar as
mesmas convicções, contudo tanto Scriven (1967) quanto Sadler (1989)
demonstram implicitamente que a autoavaliação é na verdade um pro-
cesso somativo.

A menos que seja totalmente ignorante quanto às deficiências de


outrem ao julgar-lhe um trabalho, ele [sic] está supostamente empe-
nhado em comprovar a eficiência do trabalho enquanto este é desen-
volvido e, ao fazer isso, obtém um feedback a partir do qual produz
novas revisões; obviamente, isso é avaliação formativa (Scriven, 1967,
p. 43).

Segundo essa citação, a avaliação formativa usa feedback produzido


pela avaliação somativa, entretanto, como a mesma pessoa fornece o
feedback e o utiliza, o que se tem é uma autoavaliação. Com base nisso,
Capítulo 3 – De Volta ao Básico
65

podemos entender que a produção de feedback pelo próprio indivíduo é


um processo somativo, uma vez que o indivíduo não é obrigado a usar
esse feedback. De fato, todos nós devemos reconhecer que não extraímos
o melhor de nossas habilidades em vista de tempo e restrições logísticas
(Taras, 2003).
Por outro lado, seria possível argumentar que qualquer processo
de produção envolve feedback em curso e ad hoc pela pessoa em questão,
o qual é subsequentemente incorporado em nível cognitivo juntamen-
te com o trabalho. De fato, o uso obrigatório apregoado por Sadler da
autoavaliação como parte integral da avaliação formativa idealiza esse
processo. Taras (2009) argumenta que a autoavaliação é, do ponto de
vista técnico e teórico, um processo somativo e que qualquer feedback
produzido pelos aprendizes para si próprios precisaria ser utilizado para
que pudesse ser considerado formativo. A indagação quanto à possibili-
dade de esse uso ser demonstrável em contexto escolar negligenciaria o
processamento mental, que é onde acontece a verdadeira aprendizagem
e avaliação.

Implicações dos processos


e funções da avaliação
Este texto demonstrou que, para se entender e focar o processo
de avaliação é necessário favorecer e prover uma prática de qualidade. A
avaliação é demasiadamente importante e possui consequências muito
sérias para depender de processamento implícito e ad hoc. Todos temos
consciência dos aspectos inerentemente subjetivos de todo e qualquer
julgamento, mas tornar os parâmetros, processos e produtos explícitos e
transparentes é de grande valia para produzir avaliações justas e éticas
para todos os envolvidos. Ademais, como explicitado no início deste
trabalho, a avaliação é uma parte integral e necessária da aprendizagem.
Uma vez que a aprendizagem depende do contexto e é um produto
do mesmo, a avaliação está igualmente ligada ao contexto e é ainda
66 M a d d a l e n a Ta r a s

um entendimento do que precisa ser negociado entre os protagonistas.


Por fim, é essencial destacar que o feedback só se constitui como tal se
for compreendido, aceito e integrado pelos aprendizes aos seus futuros
trabalhos.

Considerações Finais
Os conceitos mencionados têm importantes implicações para a
aprendizagem, o ensino e a avaliação. Os três, aliás, são interdepen-
dentes e exigem cooperação entre todos os envolvidos. Em qualquer
contexto – seja na revisão de programas de ensino ou artigos por pares,
seja numa entrevista de emprego, seja numa sala de aula, na qual o
professor e os alunos avaliam o próprio trabalho e o trabalho do outro
ou as suas próprias ideias e ideais graças à interação propiciada pelo
ambiente –, o processo de avaliação é basicamente o mesmo. Compar-
tilhar parâmetros, práticas e contextos será fundamental para se chegar
a um entendimento justo, capaz de reduzir as injustiças que há muito
tem assolado os processos de avaliação (Broadfoot, 2008; Stobart, 2008).
Dada a grande importância de toda e qualquer avaliação, seja somati-
va, seja formativa, precisamos ter coragem e conhecimento para sermos
explícitos e transparentes. Este texto mostra que distinguir as funções
da avaliação somativa e da avaliação formativa não é necessariamente a
resposta se o processo é ofuscado e ignorado.

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capítulo 4

IMAGENS QUE EDUCAM


O Discurso Pedagógico de Gênero nos
Livros Didáticos das Décadas de 20 a 50

Adla Betsaida Martins Teixeira


Fernanda de Araújo Rocha

A análise de objetos imagéticos em livros didáticos, quando não


encapsulada por uma concepção positivista, oferece várias possibilida-
des de interpretação dos valores e intenções educativas de uma época.
Numa sociedade como a brasileira, ainda de forte tradição oral, portanto
visual, as imagens predominam como meio de comunicação eficiente,
exercendo um glamour, tornando-se verdades desejadas e, por vezes,
restauradas por um saudosismo de uma era da inocência. Nisto, versões
perversas de feminilidade e masculinidade retornam travestidas de
memórias queridas.

Na contemporaneidade só vimos aprofundar aquela preponderância


do visual na vida urbana detectada por Simmel e Benjamin, para
apenas considerarmos os olhares do fim do século XIX e XX. Só
vimos avançar cada vez mais essa preponderância, agora apoiada por
meios eletrônicos de produção e reprodução de imagens (Oliveira, 2010) .

Ainda para o estágio de desenvolvimento em que se encontram


crianças, a imagem exerce um fascínio especial, pois essas crianças ainda
não dominam o código da escrita. A imagem é para a criança um ele-
72 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

mento poderoso para a decodificação do mundo, para a compreensão


e aquisição de valores, hábitos e possibilidades. Imagens auxiliam na
construção de um repertório de imagens mentais.

A imagem, portanto, pode se tornar uma ferramenta pedagógica.


A imagem, o desenho, são linguagens que as crianças dominam antes
da escrita, possibilitando que comuniquem seus sentimentos (Rangel,
2007). Estudos (Navarro; Domingos, 2009) mostram o uso de imagens
para a construção e divulgação de conhecimento de conceitos científicos.
Nesses as crianças se apropriavam do modo de desenhar nos livros de
Ciências (de sua linguagem gráfica) como recursos para elaborar seus
próprios desenhos.

Não se pode apagar uma época ou queimar livros por mais dano-
sos que tenham sido para um povo ou indivíduo, pois se corre o risco de
se queimar uma cultura, apagar da memória lições importantes, ainda
que obtidas com sofrimento. Assim, ao invés de negar tais materiais, é
importante preparar os olhares (docente e discente) para lidar com ima-
gens antigas ou novas, repletas de valores, para assim empoderar esses
indivíduos com olhares críticos, hábeis em (re)significá-las, até mesmo
usando-as como contraexemplos.

Neste texto serão investigadas as construções diferenciadas de


imagens utilizadas em livros didáticos (décadas de 20 a 50) para repre-
sentar os universos de meninas/mulheres e meninos/homens, incluindo
suas posses (objetos e animais), lugares ocupados e posições de poder
(frequência e condição). Os materiais didáticos tendem a apresentar
versões “pasteurizadas” de mundo, de comportamentos e significados
em torno do ser homem ou ser mulher.

Este texto apresenta resultados de investigação do projeto Alfa-


betização no Brasil e Questões de Gênero: a ideologia presente nas orientações
e usos de materiais didáticos – décadas de 20 a 50. Objetivou-se analisar
a influência histórica das questões de gênero como estruturantes dos
projetos de alfabetização e, consequentemente, das práticas pedagógicas
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
73

orientadas pelas políticas educacionais entre as décadas de 20 e 50, no


Estado de Minas Gerais. A escolha desse período deveu-se ao fato de
essas décadas representarem um marco na educação devido aos ideais
do movimento escolanovista, com embates entre os métodos de ensino
analítico e sintético levando à grande produção de cartilhas de alfabeti-
zação (Frade; Maciel, 2006).
Os materiais didáticos e documentos governamentais pesquisados
são parte dos acervos do Centro de Referência do Professor em Belo
Horizonte1 e do Centro de Documentação do Ceale2 – Cedoc/UFMG.
Sabe-se que as Cartilhas, Manuais da Professora e Regulamentos Oficiais
exerceram importante influência na caracterização da ação docente e no
estabelecimento de referenciais de conduta para a sociedade da época
(Frade; Maciel, 2006, p. 106). Ainda hoje o livro didático serve como
referência para a prática docente (Casagrande; Carvalho, 2006).

O livro didático é uma ferramenta importante no processo de ensino-


aprendizagem (PCNs, 1998). Muitas vezes é o único livro que estu-
dantes e professores têm acesso. Ele assume o status de autoridade e
o conteúdo por ele transmitido pode ser adotado por professores/as e
alunos/as como a expressão da verdade. Ele acompanha a criança e o
adolescente por toda sua vida escolar e desta forma contribui para a
formação das alunas e dos alunos como cidadãs e cidadãos (p. 6).

Estudos anteriores descrevem os contextos histórico e pedagógico


dos materiais que aqui analisamos (Frade; Maciel, 2006; Veiga, 2007),
porém sem contemplar especificamente as questões de gênero. O pre-
sente estudo tem, portanto, caráter complementar a esses, à medida que

A partir de 2007, o Centro de Referência do Professor teve o seu arquivo distribuído


1

entre o Museu da Escola, localizado no Instituto de Educação, e a Biblioteca do Pro-


fessor, na Secretaria Regional de Ensino Metropolitana A (SREM-A), ambos em Belo
Horizonte – MG.
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) – órgão da Faculdade de Educação da
2

Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG), criado em 1990, com o objetivo


de integrar grupos de pesquisa, ação educacional e documentação na área da alfabeti-
zação e do ensino de Língua Portuguesa.
74 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

busca evidenciar as questões de gênero nestes contextos, procurando


compreender o papel dos materiais escolares no processo de legitimação
de comportamentos e valores de gênero.
As questões de gênero nas práticas de alfabetização no Brasil
ainda são pouco abordadas, em geral discutidas de maneira acidental
em estudos nos quais os focos são outros. Nesses, denuncia-se a repro-
dução da dicotomia masculino-feminino, idealizando lugares específicos
e complementares para homens e mulheres (Silva, 2006; Casagrande;
Carvalho, 2006; Martins; Hoffmann, 2007).
Este texto apresenta a construção histórica de preconceitos de
gênero nos livros e demais materiais escolares, em especial dos recursos
imagéticos, permitindo a formação de um olhar crítico para o uso destes
materiais e, portanto, um exercício de reflexão para a análise e elabora-
ção de futuros livros e materiais didáticos.

Metodologia
... pinturas e fotografias de arte são submetidas a um outro tipo de
análise, as questões da função da imagem são aplanadas por seu esta-
tuto imagético (Oliveira, 2010) .

A metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa con-


sistiu na localização, catalogação e análise de cartilhas e pré-livros das
décadas de 20 a 50 com circulação no Estado de Minas Gerais. A amos-
tra analisada conta com um número de 27 títulos e 47 exemplares de
cartilhas, além de Manuais da Professora e Regulamentos do Ensino
Normal (1930) e do Ensino Primário (1924). A partir desse levantamento
foi construído um banco de dados com acervo digital fotográfico. Nesta
fase foi feita uma primeira leitura e seleção do material, fotografando
apenas o repertório (imagens e textos das cartilhas e dos pré-livros) que
atendesse aos objetivos do estudo: questões de gênero em materiais
didáticos. Numa segunda triagem, com o banco de dados fotográfico
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
75

elaborado, foram realizadas leituras de textos e imagens objetivando


estabelecer temáticas e valores, associados nos textos e imagens, rela-
cionados à discriminação ou confirmação de padrões de comportamento
para os sexos.
À medida que a codificação do material ocorria, as 47 cartilhas e
pré-livros foram catalogados segundo as categorias: título, autoria, edito-
ra, número de edição e ano de publicação. A seguir, iniciamos a análise
das imagens e dos textos contidos nestes materiais, buscando compre-
ender quais os ideais de feminilidade e masculinidade e outras questões
de gênero neles validadas.
Cabe destacar a importância da análise das imagens contidas nos
livros didáticos, uma vez que as imagens também são um texto impor-
tante, que transmite valores, crenças, modos de ser e agir. As imagens
funcionam para incluir ou excluir significados, assegurar ou marginalizar
formas particulares de comportamentos (Souza, 1999, p. 11), bem como o
texto escrito. Como diriam Walty et al (2001) sobre a relação entre texto
e ilustrações: na verdade, trata-se de dois textos autônomos que se interpene-
tram, enriquecendo o jogo de significações da leitura (p. 68). Daí a importância
de dar a devida atenção aos dois textos, o verbal e o imagético, contidos
nos livros didáticos. As imagens são importantes como documentos histó-
ricos para a reconstrução geral da cultura de um período (Calabrese, 1987,
p. 27). Não obstante, as imagens não permitem o conhecimento fiel da
cultura de uma época, mas se complementadas com outros documentos
(oficiais e textos didáticos) pode oferecer informações importantes em
se tratando de valores desejados para um público.
Os textos e imagens têm sua historicidade, ou seja, representam
valores, desejos, comportamentos de uma época. Assim, durante o pro-
cesso de leitura das cartilhas, aquelas de mesmo título, porém de edição
ou ano diferentes, foram analisadas objetivando identificar a evolução ou
não dos seguintes aspectos: ocorrência de temas abordados, condições e
segregação de papéis de seus personagens, enfim, a ideologia de gênero
presente nas imagens e textos.
76 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

Uma vez feito o processo descrito anteriormente, os dados foram


triangulados com a análise de documentos oficiais da época (ideais pre-
sentes na legislação educacional, programas oficiais, currículos, mate-
riais didáticos, materiais de docente fornecidos pelos governos) e com a
literatura disponível sobre o contexto histórico do período (vide Frade;
Maciel, 2006; Veiga, 2007). Tal metodologia permitiu compreender a
inter-relação entre os contextos político, social e educacional da época.

Análise de resultados
Materiais didáticos não apresentam neutralidade pedagógica ou
política. Pelo contrário, estes carregam valores, desejos e expressam
as lutas por poder entre grupos de uma época, de uma sociedade. Da
mesma maneira, a aceitação (adoção, re-impressão) ou rejeição (poucas
edições) desses materiais, revela que representaram ou não desejos, valo-
res de uma comunidade numa época. Assim, as cartilhas e pré-livros loca-
lizados nos permitem traçar um breve panorama sobre os hábitos, valores
e comportamentos das décadas de 20 a 50, assim como entender como a
escola corroborou para que tais valores se eternizassem. Nestes materiais
encontram-se conceitos sobre as relações familiares, sobre a relação entre
adultos e infância, sobre as esferas do público e do privado.
Estas décadas foram marcadas pelos preceitos escolanovistas,
momento em que a infância ganha legitimidade, quando o aluno é visto
como o centro do processo educativo, isto é, os procedimentos didá-
ticos têm como foco a criança. Nesta concepção, a escola se configura
como uma extensão do lar. Ao mesmo tempo, porém, a escola se tornou
um laboratório de pedagogia prática, pregando o uso do método cien-
tífico (Veiga, 2007, p. 217-218), compelida pelas inovações científicas
da época. Neste plano se incluíam discussões sobre higienismo, eugenia,
biologia, psicologia, sociologia e metodologias de ensino (Veiga, 2007, p. 238).
O trecho a seguir, retirado do Regulamento do Ensino Primário (Minas
Gerais, 1924), exemplifica tais influências:
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
77

Art. 458. Uma vez encontrados defeitos ou anomalias em um alumno,


o professor dará aviso ao pae ou pessoa responsavel, pedindo sua
attenção para a irregularidade encontrada e solicitando seu auxilio
para a correção da mesma (p. 119).

Não obstante, no Brasil, os preceitos da Escola Nova misturam-se à


influência religiosa católica. Nas cartilhas analisadas, o sacro e os ideais
científicos coexistem quando se pensa o processo de ensino (ver Figuras
1 e 2).

Figuras 1 e 2

Fonte: Lisboa, 1947, 1954.

Ao todo, foram encontrados 27 títulos e 47 exemplares de carti-


lhas. A análise das cartilhas de mesmo título, porém de edições diferen-
tes, apresentam pouca ou nenhuma variação de conteúdos. As duas obras
que apresentavam modificações foram a Cartilha Analítica, de Arnaldo
Barreto, e O livro de Lili, de Anita Fonseca. Ambos mantêm o mesmo
texto nas edições encontradas, porém há alterações nas ilustrações. Estas
passam a expressar o cotidiano da população brasileira.
78 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

Nos exemplares localizados do O livro de Lili notou-se alterações


sobretudo no vestuário, agora menos europeizado e mais adequado ao
clima tropical brasileiro: Lili deixa de estar vestida com um capote, carac-
terístico de um inverno europeu [3ª, 19ª e 25ª edições], e reaparece colorida,
com seu vestido azul, mais adequado ao nosso clima tropical [33ª, 87ª e 136ª
edições] (Frade; Maciel, 2006, p. 105). Segundo Frade e Maciel (2006),
as alterações nas publicações do O livro de Lili decorrem principalmente
da mudança de editora: as primeiras edições são publicadas pela Editora
Francisco Alves e, a partir da 30ª edição são publicadas pela Editora do
Brasil em Minas Gerais S/A (p.103).

Na Cartilha Analítica nota-se, especificamente nas 22ª e 54ª


edições, que as imagens dos personagens retratam maior seriedade,
tendo crianças retratadas como “miniadultos”, com ilustrações que se
aproximam de imagens fotográficas e com um vestuário europeizado.
Nas 62ª e 63ª edições, entretanto, já se encontram imagens que apre-
sentam os personagens com expressões mais infantis, ou seja, as crian-
ças se parecem com crianças. Ainda, as ilustrações, embora utilizem
apenas uma cor (verde, azul, vermelho ou laranja) em contraste com
o preto e branco, são bastante vivas. A mudança também se expressa
no vestuário, que se torna mais adequado ao clima tropical brasileiro.
Estes achados podem ser observados nas ilustrações a seguir (Figuras
3 e 4):
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
79

Figuras 3 e 4

Fonte: Barreto, 1923. Fonte: Barreto, 1955.

Nestes textos e imagens as questões de gênero estão fortemente


traçadas, definindo lugares e comportamentos para os dois sexos. Estas,
aliadas a outras ordens sociais como classe social, raça, religião, constroem
os sujeitos e seus espaços.

Algumas cartilhas foram encontradas com várias edições, podendo


indicar uma maior aceitação social, como também uma comunhão com
os ideais educacionais e políticos da época. Estas cartilhas possuíam
em suas folhas de rosto inscrições governamentais comunicando a sua
aprovação. A produção editorial do início do século 20, especificamente
a produção didática, contou com grande controle do Estado. Os autores
destes materiais eram também ideólogos dos programas de ensino (Frade;
Maciel, 2006, p. 106).

Paralelamente ao mundo “perfeito”, harmônico retratado nas car-


tilhas e demais materiais didáticos, a sociedade vivencia um período de
várias conturbações políticas. O período das décadas de 20 a 50 é mar-
cado por várias agitações políticas, dentre as quais podemos destacar a
Revolução de 1930, que culminou na ascensão de Getúlio Vargas à Pre-
80 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

sidência, o recrudescimento do movimento operário, do movimento tenentista,


da fundação do Partido Comunista (1922), a Coluna Prestes (1924-1924),
a industrialização, a expansão urbana e o movimento modernista – Semana
de Arte Moderna (1922) (Veiga, 2007, p. 254). Enquanto isto, nas esco-
las, as crianças eram preservadas destas realidades, vivenciando um
nacionalismo exacerbado e a obediência (aos pais, aos bons costumes,
às autoridades, o valor do esforço e do trabalho como dignificantes do
homem).

O mesmo isolamento político e controle de valores e comporta-


mentos é expresso nos regulamentos e normas também para docentes
e escolas. Seguem exemplos de trechos retirados do Regulamento do
Ensino Primário de Minas Gerais, datados de 19 de agosto de 1924:

Art. 455. A educação hygienica dos alumnos e professores será feita


por meio de conferencias, palestras, conselhos e demonstrações
praticas, ensinando-se-lhes os preceitos concernentes aos cuidados
pessoaes, os meios de socorro em caso de accidentes, os de evitaem
molestias, deformações e defeitos (p. 119).

Cabe o cuidado de não generalizar quanto à ligação entre ideolo-


gia de Estado e cartilhas. Algumas cartilhas trazem pequenas inovações
quanto aos padrões de comportamento da época. Com estes novos
tempos aparecem as mulheres que passam a frequentar os espaços
públicos, apesar de ainda submetidas ao âmbito do doméstico. Na
Cartilha Brasileira para Adultos e Adolescentes (1947, 1954), da autora
Alaíde Lisboa, são apresentadas três personagens femininas, de classe
popular, sendo que duas que participam do mercado de trabalho. A
inovação se dá quando a autora identifica as atividades domésticas
(Figura 10) como uma forma de trabalho. A cartilha, todavia, ainda
preserva noções tradicionais de organização familiar, nas quais estas
mulheres, apesar de trabalhadoras, não se descuidam da vida domés-
tica e do matrimônio.
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
81

Figuras 5 Figuras 6

Fonte: Lisboa, 1947, 1954. Fonte: Lisboa, 1947, 1954.

Figuras 7 Figuras 8

Fonte: Lisboa, 1947, 1954. Fonte: Lisboa, 1947, 1954.


82 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

Figuras 9 Figuras 10

Fonte: Lisboa, 1947, 1954. Fonte: Lisboa, 1947, 1954.

As Figuras 5, 6, 7 e 10 são exemplos de três personagens femi-


ninas do livro de Alaíde Lisboa que são mulheres trabalhadoras, porém
a conquista deste espaço público (mercado de trabalho) não as exime
da função de cuidadoras do lar, esposas e mães. Não obstante, há uma
diferença substancial no tipo de trabalho executado pelas mulheres e
pelos homens nesses textos: as mulheres trabalham em uma fábrica de
balas, o que remete ao ambiente culinário-cozinha; os homens lidam
com carpintaria e construção (Figuras 8 e 9).
As Figuras a seguir (11, 12 e 13) ilustram as afirmações anteriores,
nas quais as personagens femininas estão ligadas ao âmbito privado. A
figura feminina é idealizada, sempre associada às atividades do cuidado,
do amor, docilidade, compreensão, dedicação, daquela que faz as per-
guntas, da contemplação, de uma atitude contida, ajuizadas (alertando
para os perigos, educando, fazendo o que é esperado), não infratoras.
Mesmo na infância, as meninas já se encontram em treinamento para
cumprir o “destino” de uma mulher adulta.
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
83

Figuras 11 Figuras 12

Fonte: Barreto, 1955. Fonte: Fonseca, 1961.


Figuras 13

Fonte: Rezende, 1957.

Da mesma forma, as imagens e textos reforçam e propagam versões


de uma natureza masculina, sempre gozando de maior liberdade e contro-
le do âmbito público (trabalho, aventuras, provedor, poder). Observa-se
sempre a complementaridade entre masculino/feminino, homem/mulher,
menino/menina, configurando-se uma heteronormatividade (Santos, 2007).3

Neste sentido, heteronormatividade significa a norma da heterossexualidade, ou seja,


3

a definição de um padrão, uma norma para condutas e comportamentos sexuais.


84 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

As imagens encontradas (vide Figuras 14, 15 e 16) retratam meninos


envolvidos ou tendo a posse de objetos de maior valor ou que envolviam novas
tecnologias para a época (carros, patins, máquinas fotográficas). Estes estão
praticando atividades que exigem vigor, coragem, esforço físico, circulando em
ambientes públicos, distantes dos arredores domésticos (casa ou jardim).
Figuras 14 Figuras 15

Fonte: Rezende, 1957. Fonte: Fonseca, 1961.


Figuras 16

Fonte: Grisi, 1957.


Capítulo 4 – Imagens Que Educam
85

O menino/homem é geralmente associado à coragem, à força, às


imagens do fazer, da conquista, da descoberta, aventura, daquele que
tem ou fornece as respostas (Teixeira; Silva, 2006, p. 2), enfim daquele
que se arisca, que domina o mundo e rompe com as regras.
As divergências nos textos entre as representações de meninas
e meninos não se atêm apenas à segregação de ações, mas também se
expressam fortemente nas imagens. Estas projetam meninas como uma
“promessa de mulher”, marcadamente femininas, com seus adornos
(fitas no cabelo, vestidos com babados e detalhes), frequentemente
cuidando de seus bebês (boneca) ou envolvidas em tarefas domésticas
(coser, cozinhar, cuidar), demonstrando certo recato (pernas cruzadas,
gestos contidos). Sua infância é atropelada por uma pressa para o prepa-
ro para uma vida adulta. Interessante observar que estas meninas têm
faces adultas num corpo infantil. Comumente, elas estão envolvidas em
atividades com pouco movimento físico e em ações de contemplação
(falta de ação, posição de aprendiz). Os meninos, diferentemente, são
retratados em situações que envolvem movimentos físicos (corridas,
caçadas, brincadeiras com seus cães, futebol) e são caracterizados como
crianças. Assim, os textos e imagens corroboram para a confirmação de
um agir e ser para meninos e meninas no mundo. Neste sentido, têm-se,
em teoria, meninas contidas, relegadas ao mundo privado (doméstico) e
meninos desbravadores, abertos para as descobertas e para os desafios
do mundo. As imagens (Figuras 17 e 18) a seguir representam estas
análises.
86 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

Figuras 17 Figuras 18

Fonte: Grisi, 1957. Fonte: Oliveira, 1953.

Esta lógica segregacionista atinge até mesmo os objetos e ani-


mais. Assim os animais, machos e fêmeas, são retratados com caracte-
rísticas humanas, mas também com um gênero. Da mesma forma, estes
animais são segregados segundo o sexo das crianças, ou seja, meninas
possuem gatinhas “fofinhas e limpas” (Figura 19) e meninos possuem
cachorros “brincalhões, valentes” (Figura 20).

Figuras 19 Figuras 20

Fonte: Barreto, 1955. Fonte: Barreto, 1955.


Capítulo 4 – Imagens Que Educam
87

A presença de personagens adultos, nestes textos, é reduzida, em


geral são pai e mãe, avô e avó, tio e tia, professora. Ou seja, o ambiente
da criança se restringe aos ambientes familiar e escolar. A figura mascu-
lina aparece como protetor (dos perigos externos), provedor, circulando
em ambientes públicos e, finalmente, detentor de posses materiais de
maior valor. Suas imagens sugerem fortaleza e segurança (Figura 21). Ao
contrário, as figuras femininas estão no papel de cuidadoras (autoridade
nas questões de higiene e saúde), protetoras (dos perigos do mundo
doméstico), dependentes da vontade masculina (do humor masculino,
tendo de ser mediadoras de conflitos, poupando os homens de contrarie-
dades). Estas mulheres são, geralmente, dependentes financeiramente
dos homens e, portanto, sem posses materiais. Suas imagens sugerem
fragilidade e cuidado estético (Figuras 21 e 22).

Figura 21 Figura 22

Fonte: Proença, 1947. Fonte: Proença, 1947.


88 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

Os materiais didáticos são recursos importantes na promoção de


pedagogia para o corpo, ou seja, indicando comportamentos diferencia-
dos e complementares para e entre os sexos, disciplinando os corpos e
desejos, produzindo ideais de masculinidade e feminilidade (Teixeira,
2010). Como afirma Louro (2003), tal pedagogia é muitas vezes sutil, dis-
creta, contínua, mas, quase sempre, eficiente e duradoura (p. 17). Não há,
portanto, necessidade de uma comunicação formal e explícita sobre o
que se espera de uma menina/mulher ou menino/homem. As mensagens
têm caráter subliminar.

Considerações finais
Imagens educam o olhar, saciam a curiosidade, respondem a dúvi-
das, dão receitas de como ser, como estar num grupo, no mundo. A
escola viu o potencial das imagens como um recurso educativo, eficiente
no processo de ensino e aprendizagem. Imagens, porém, trazem textos,
e, portanto, ideias que produzem alegrias, amores, gostos, mas também
tristezas, fobias e desgostos. A atenção às imagens nos livros didáticos
parece um tema importante. Como vimos, as imagens ditam a “moda”,
o estilo de ser e estar, o “certo”.

A construção de discursos pedagógicos montados na segregação


entre os sexos tem sido histórica. A escola, com suas rotinas, relações
interpessoais e, silenciosamente por meio de seus materiais didáticos,
tem influenciado a formação de comportamentos, enfim, de gostos e
desgostos nos/nas estudantes. Os textos não apresentam valores ou
expectativas divergentes da sociedade da época, pelo menos daquela
maioria que tinha acesso à escola. Aqui, imagens e textos não enfrenta-
vam estranhamentos ou significativa rejeição entre estudantes e docen-
tes, pois representavam valores de grupos dominantes nas escolas. Esta
história muda mais recentemente quando novos grupos sociais passam
a frequentar o sistema de ensino.
Capítulo 4 – Imagens Que Educam
89

O conhecimento e o entendimento histórico da alfabetização no


Brasil permitem visualizar novos caminhos para a superação de persistentes
dificuldades na instituição e transformação de projetos de alfabetização.
Além disso, conhecer esta história nos permite formar um olhar
pedagógico atento às discriminações e segregações de gênero propaga-
dos nos materiais escolares. Não raro encontrarmos crianças ainda bem
pequenas expostas a materiais didáticos com textos preconceituosos não
apenas com relação a gênero, raça, classe, dentre outros. Não havendo
pelos docentes uma contextualização do material, ou seja, como algo já
ultrapassado em nossa sociedade, de outros tempos, sem que se reconhe-
ça um avanço social e até mesmo jurídico para assegurar que tais discri-
minações não estejam presentes na escola, no processo de ensino ou nos
livros didáticos. Não se pede aqui que se faça uma grande fogueira e se
destrua os clássicos, mas é importante que docentes preparem o olhar crí-
tico de seus alunos durante a leitura destes materiais. Como mencionado
anteriormente, não há como evitar o contato de nossos/as estudantes com
materiais sexistas. Mesmo que esses materiais apresentem ideias equi-
vocadas, ultrapassadas, preconceituosas e até mesmo ilegais, podemos
reinterpretá-los e apresentá-los como contraexemplo, comparando com as
conquistas atuais dos grupos até então marginais em nossa sociedade.
Finalmente, a imagem e o texto configuram-se como importantes
veículos para a validação e propagação de condutas, constituindo fortes
referenciais na construção de uma masculinidade e feminilidade, influen-
ciando também suas autoimagens, gostos, desgostos, corroborando para
um estar no mundo limitado para meninos e meninas. Imagens e textos,
todavia, não determinam comportamentos e vontades, mas são instru-
mentos utilizados para legitimar realidades. Como em qualquer tempo, as
resistências existem. Certamente estes textos e orientações foram contes-
tados e, nestes casos as sanções e exclusões provavelmente ocorreram.
Há, portanto, a necessidade de análise criteriosa dos materiais
didáticos objetivando sensibilizar o/a docente para a seleção, mas
também para que façam o uso crítico dos textos (imagéticos e verbais).
90 A d l a B e t s a i d a M a r t i n s Te i x e i r a – F e r n a n d a d e A r a ú j o R o c h a

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capítulo 5

APRENDIZAGEM CRIATIVA
Desafios para a prática pedagógica

Albertina Mitjáns Martínez

A aprendizagem escolar é um dos temas que chama poderosa-


mente a atenção de diferentes grupos e que gera polêmica nos mais
diversos âmbitos. Psicólogos, pedagogos, gestores educacionais, pais e
outros diversos setores da sociedade se preocupam com o estado e a
evolução da aprendizagem escolar no Brasil e não poucos se esforçam
para que tenha a qualidade esperada. Isto é compreensível se levarmos
em conta, entre outros fatores, a importância da educação para o cresci-
mento socioeconômico do país e especialmente para o desenvolvimento
dos indivíduos. Os índices empregados internacionalmente para avaliar
o desempenho dos alunos em aprendizagens consideradas básicas, no
entanto, mostram o longo caminho que o país tem de percorrer para atin-
gir níveis de desempenho considerados razoáveis. Esta situação coincide
com a insatisfação de muitos sobre o que se aprende na escola.

Neste cenário, no qual aprendizagens básicas não estão garantidas


pelo sistema educativo, pode parecer paradoxal chamar a atenção para a
promoção de um tipo de aprendizagem, que pelas suas características e
processos constitutivos é de alta complexidade e resulta pouco comum
encontrá-lo na escola: a aprendizagem criativa. O esforço por promover
formas mais complexas de aprendizagem escolar, contudo, pode ser uma
via importante para contribuir com os aprendizados básicos e duradouros
94 Albertina Mitjáns Martínez

pretendidos, tendo em conta que as formas mais complexas de apren-


dizagem não se opõem a outras formas de aprendizagem que podem
parecer mais simples, porém as integram.

A preocupação em incentivar formas complexas de aprendizagem


se justifica por diversas razões. Entre elas, a necessidade de aprendiza-
dos que possam ser efetivamente utilizados pelo aprendiz em diferentes
contextos e momentos bem diferentes aos aprendizados passageiros que
geralmente são esquecidos, uma vez que se obtém a nota almejada. Por
outra parte, há necessidade de formas de aprendizagens que se cons-
tituam em fonte de desenvolvimento do aprendiz contribuindo para o
seu crescimento integral a partir da abertura para novas aprendizagens
e especialmente para o desenvolvimento de novos recursos subjetivos
importantes para a ação. Salienta-se, assim, a dimensão desenvolvimental
da aprendizagem e não apenas sua dimensão instrumental, infelizmente
a mais valorizada tradicionalmente no contexto escolar. Urge a promo-
ção de formas de aprender que promovam o caráter ativo do indivíduo
nos seus contextos de atuação, contribuindo para o desenvolvimento de
sujeitos com capacidade de transformação e, quando necessário, sejam
capazes de atuar como agentes de mudanças nos espaços em que se
desenvolvem.

A aprendizagem criativa é um tipo de aprendizagem que tem


correspondência com o anteriormente exposto e por isso consideramos
valer a pena refletir sobre ela e na medida do possível trabalhar no coti-
diano escolar visando a contribuir para sua constituição. Consequente-
mente o objetivo central deste capítulo é apresentar, a partir de uma
breve caracterização da aprendizagem criativa, um conjunto de desafios,
princípios e estratégias para favorecer este tipo de aprendizagem no
contexto escolar.
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
95

Aprendizagem criativa: O que é?


De que depende? Qual sua importância?
Quando nos referimos à aprendizagem criativa estamos nos reme-
tendo a um tipo de aprendizagem no qual a criatividade tem uma pre-
sença marcante. Constitui a forma em que a criatividade se expressa em
um processo: a aprendizagem.
A criatividade não é algo geral nem inerente à essência do indiví-
duo que se expressa nas diferentes atividades nas quais participa ou em
todas as formas como enfrenta os problemas. A criatividade como proces-
so de produção de novidade e de ir além do que está posto, manifesta-se
em esferas de ação e situações nas quais o indivíduo está profundamente
implicado e onde expressa e produz os recursos subjetivos que a fazem
possível.1 Neste sentido afirmamos:

A criatividade não é simplesmente uma ferramenta que se utiliza,


que se aplica em um determinado momento ou situação, mas, essen-
cialmente, a forma como o sujeito em contexto produz uma ação
singular, marcada pelos sentidos subjetivos gerados na situação em
que se encontra. Uma concepção complexa de criatividade supõe
compreendê-la como produção de um sujeito implicado, engajado
numa direção, que produz sentidos subjetivos no que faz, na indis-
solúvel unidade do cognitivo e do afetivo, seja professor no ensino,
seja aluno na aprendizagem, seja diretor ou coordenador no geren-
ciamento das ações educativas, quando nos referimos à criatividade
na escola (Mitjáns Martínez , 2008b, p. 121).

A aprendizagem criativa, ou aprender criativamente, significa


uma forma de aprender que se diferencia das formas de aprendizagem
comuns no meio escolar e se caracteriza pelo tipo de produção que o
aprendiz faz e pelos processos subjetivos nela implicados.

1
Para aprofundar a concepção de criatividade que assumimos podem ser consultados
os trabalhos Criatividade, Personalidade e Educação (Mitjáns Martínez, 1997), O outro e
sua significação para a criatividade: implicações educacionais (Mitjáns Martínez, 2004) e
Subjetividad, Complejidad y Educación (Mitjáns Martínez, 2008a).
96 Albertina Mitjáns Martínez

A aprendizagem criativa tem diferentes formas de expressão e


nela participa um conjunto de recursos subjetivos, que são os que pre-
cisamente definem sua qualidade. A partir da produção científica sobre
“alunos criativos”, das pesquisas realizadas sobre criatividade e aprendi-
zagem na perspectiva histórico-cultural da subjetividade (Amaral, 2006;
González Rey, 2009; Mitjáns Martínez, 2009; Oliveira, 2010) e conse-
quentemente das construções teóricas que temos elaborado sobre o que
conceituamos como aprendizagem criativa (Mitjáns Martínez, 2012)
podemos afirmar que a aprendizagem criativa se expressa, na configu-
ração, no mínimo, dos três processos seguintes:

1. A personalização da informação
A partir de pesquisas realizadas na década de 80, formulamos o
conceito de informação personalizada para nos referirmos àquela infor-
mação que passa fazer parte da configuração de recursos subjetivos do
indivíduo. Neste sentido afirmávamos:

O homem está imerso em um processo constante de recepção e


elaboração de informação em suas relações com o meio, mas nem
toda esta informação passará a formar parte do seu repertório de
ação como personalidade. A informação que resulta relevante para as
operações regulares da personalidade temos denominado informação
personalizada, a qual está estritamente associada com as motivações
do sujeito, o que determina que o próprio processo de sua recepção
seja essencialmente ativo, individualizando o sujeito a mesma para
os fins de suas operações pessoais (González Rey; Mitjáns Martínez,
1989, p. 35).

No caso da aprendizagem escolar o conceito de informação per-


sonalizada indica a informação que, pela significação que tem para o
aprendiz e pela forma como se relaciona com ela torna-se um recurso
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
97

subjetivo.2 A informação recebida é “transformada” a partir dos conhe-


cimentos que o aluno já possui, de sua relação com o conhecimento e
com suas fontes e dos recursos subjetivos com que conta. Ou seja, não se
trata de uma informação assimilada apenas de forma compreensiva, mas
de uma informação que se transforma, em alguma medida, ao articular-
se no sistema subjetivo da qual passa a fazer parte. A personalização da
informação resulta essencial para a elaboração de representações próprias
do objeto do conhecimento que permitem ao aprendiz operar com ele
em condições diferentes daquelas nas quais a informação foi aprendida
devido precisamente ao seu caráter subjetivado.

2. A confrontação com o dado


O questionamento, a problematização da informação, a não acei-
tação do dado como verdade ou como única alternativa, são formas nas
quais se expressa o caráter “transgressor” da aprendizagem criativa. Isto,
entre outros fatores, é o que permite ao aprendiz identificar falhas, lacu-
nas e contradições na informação que recebe, processos extremadamente
importantes para a produção e geração de novas ideias.

3. Produção, geração de ideias próprias e “novas”.


A aprendizagem criativa caracteriza-se essencialmente pela gera-
ção de ideias próprias sobre o estudado, ideias que ao transcender o dado
expressam a novidade como característica essencial da criatividade. É

Partimos da Teoria da Subjetividade desde a perspectiva histórico-cultural elaborada por


2

González Rey (1997, 2003, 2004b, 2005) na qual a subjetividade é entendida como as
formas complexas em que o psicológico se organiza e funciona nos indivíduos, cultural
e historicamente constituídos e nos espaços sociais da suas práticas e modos de vida.
Nesta perspectiva a aprendizagem não pode ser considerada apenas na sua dimensão
cognitivo-intelectual, como tem sido dominante, mas como um processo da subjetivi-
dade que tem sua base na união do simbólico e do emocional.
98 Albertina Mitjáns Martínez

um tipo de aprendizagem que vai além da apropriação compreensiva da


informação, que mesmo contendo esse processo de compreensão signifi-
cativa o transcende. Assim, novas alternativas e hipóteses são elaboradas,
novas ideias e imagens sobre o objeto do conhecimento aparecem.

É um tipo de aprendizagem que se diferencia da aprendizagem


memorística e da aprendizagem que denominamos de compreensiva
(Mitjáns Martínez, 2012), precisamente por ser um processo em que se
expressa o caráter produtivo, gerador e transgressor do aprendiz, em um
movimento em que aparecem interligados os três processos anterior-
mente mencionados. A novidade, característica distintiva da criatividade
está presente em cada um deles, resultando em uma aprendizagem de
“outro tipo”, que infelizmente não é dominante no contexto escolar, em
que a reprodução mais do que a produção criativa tem sido dominante.

A aprendizagem criativa como toda forma de aprendizagem


humana complexa, constitui um processo subjetivo (González Rey;
Mitjáns Martínez, 2003; González Rey, 2006; Mitjáns Martínez, 2006).
Este modo de aprender expressa uma forma de funcionamento subjetivo
particular no qual temos buscado caracterizar alguns de seus elementos
constitutivos (Mitjáns Martínez, 2012). São eles:

a) O exercício da condição de sujeito no processo de aprender, no senti-


do do seu caráter gerador, de ruptura e de subversão/transcendência
em relação ao dado

A categoria sujeito tal como desenvolvida por González Rey na


sua Teoria da Subjetividade refere-se ao indivíduo concreto que é capaz
de manter uma postura ativa, consciente, intencional e especialmente
singular nos espaços sociais em que se desenvolve. O autor salienta:

Na minha definição o sujeito é a pessoa ativamente envolvida na


delimitação e desenvolvimento de espaços pessoais dentro das ati-
vidades sociais que desenvolve. A pessoa como sujeito é capaz de
se posicionar e de se confrontar a partir de seus projetos, pontos de
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
99

vista e reflexões pessoais, sempre que esses processos representem


produções de sentido subjetivo. O sujeito existe na tensão com o
estabelecido (González Rey, 2010, p. 11).

O sujeito, no processo da aprendizagem criativa, se expressa na


elaboração personalizada das informações, na elaboração de ideias pró-
prias, na indagação e no questionamento do dado e especialmente em
ir além do que está posto.

b) A produção de sentidos subjetivos favorecedores de geração de


novidade que recursivamente “alimentam” essa forma de aprendi-
zagem

A aprendizagem criativa está sempre associada à produção de sen-


tidos subjetivos entendidos estes como “[...] a relação particular que se
produz entre os processos simbólicos e as emoções num espaço de ati-
vidade culturalmente delimitado do sujeito, no qual ambos os processos
se implicam de forma recíproca sem que um seja a causa de aparição do
outro” (González Rey, 2003, p.12).

Todas as formas de aprendizagem nas quais o sujeito está impli-


cado constituem processos de produção de sentidos subjetivos, ou seja,
processos simbólico-emocionais em cuja produção participa a configu-
ração subjetiva do aprendiz, processos que evidenciam a forma em que
se subjetiva a experiência educativa vivida. A aprendizagem criativa não
é uma exceção.

Na aprendizagem criativa o emocional se expressa em forma de


vivências muito diversas, inclusive não sempre em forma de vivências
emocionais positivas, porém a particularidade que temos encontrado em
relação aos sentidos subjetivos produzidos na aprendizagem criativa é
que estes alimentam de forma recursiva o próprio processo de aprender
criativamente, constituindo uma força motora da própria criatividade na
aprendizagem (Amaral, 2006; Amaral; Mitjáns Martínez, 2009; Mitjáns
Martínez, 2012).
100 Albertina Mitjáns Martínez

c) Atualização de configurações subjetivas diversas, entre as quais se


destaca a aprendizagem como configuração subjetiva
Na aprendizagem criativa participam configurações subjetivas
diversas, entendidas como formas em que se organizam e articulam, de
modo relativamente estável, diferentes sentidos subjetivos constituídos
no percurso da história de vida do sujeito (González Rey, 2003). As con-
figurações subjetivas junto aos sentidos subjetivos produzidos no próprio
processo de aprender dinamizam a aprendizagem no sentido criativo, tudo
isso articulado ao exercício da condição de sujeito da aprendizagem.
Cabe aqui esclarecer que considerar a relativa estabilidade das
configurações subjetivas, não significa desconhecer que os sentidos sub-
jetivos que as constituem podem se expressar de formas diferentes nos
diferentes momentos de ação do sujeito. Eles assumirão formas diver-
sas precisamente em dependência da situação na qual o sujeito esteja
inserido.
As configurações subjetivas que participam da aprendizagem cria-
tiva e as formas que tomam os sentidos subjetivos que as constituem são
muito diversas em virtude das diferentes histórias de vida dos indivíduos
e das situações concretas de aprendizagem. A autovalorização, o futuro,
uma pessoa concreta, a concepção do mundo, são exemplos de configu-
rações subjetivas constitutivas da aprendizagem criativa em alguns dos
sujeitos que temos estudado. É importante salientar, no entanto, que
as pesquisas realizadas (Amaral, 2006; Oliveira, 2010) sugerem que a
própria aprendizagem como configuração subjetiva é uma das que par-
ticipam da aprendizagem criativa com alta força motivacional.
A aprendizagem como configuração integra o conjunto de sen-
tidos subjetivos que representam formas de simbolização e vivências
emocionais associadas a esse processo. Por exemplo, em um dos alunos
criativos estudados sua representação da aprendizagem como produ-
ção de ideias próprias e como via de se diferenciar dos outros, unida a
vivências emocionais de orgulho pelos resultados dos esforços realizados,
eram constitutivas nele da aprendizagem como configuração subjeti-
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
101

va. Em outros alunos, na aprendizagem como configuração, participa-


vam sentidos subjetivos associados à identificação com um outro como
modelo, ao valor outorgado à aprendizagem como forma de realização,
à aprendizagem como espaço para desenvolver a fantasia, à satisfação
por encontrar respostas a curiosidades e inquietações, etc. O anterior
evidencia o caráter singular da aprendizagem como configuração sub-
jetiva em razão dos sentidos subjetivos diferentes que a integram em
cada um dos sujeitos .
Sem negar a importância conferida a outras formas de aprendiza-
gem, incluindo a aprendizagem memorística (poucos duvidam da neces-
sidade de memorizar a tabuada, uma vez compreendida a significação das
operações de multiplicação), consideramos que a aprendizagem criativa,
como já esboçávamos, é extremadamente importante no mínimo por duas
razões. A primeira delas é a força e estabilidade que adquire o aprendido
e suas possibilidades de utilização efetiva em novas situações.
Sabe-se que a estabilidade do aprendido e suas possibilidades de
transferência a novas situações têm sido um tema amplamente estudado
no campo da Psicologia da Aprendizagem. Essa questão também cons-
titui uma preocupação dos educadores, muitos dos quais observam com
inquietação e não poucas vezes com decepção, perderem-se seus esfor-
ços quando após um breve período de tempo os alunos pouco se lem-
bram do estudado. Mesmo que diversos elementos, condições e proces-
sos possam explicar a situação, a análise da constituição da aprendizagem
criativa nos permite afirmar ser ela um tipo de aprendizagem que mais
do que outros se pode expressar em estabilidade e “transferência” de
seus resultados. Isto porque a elaboração própria, o sistema de relações
estabelecido com conhecimentos e experiências anteriores, a reflexão
que supõe, a mobilização de processos como a fantasia e a imaginação
expressam uma posição ativa e geradora do aprendiz que contribui para
a organização e subjetivação dos conhecimentos em sistemas a partir dos
sentidos subjetivos que são gerados no processo e daqueles integrantes
das configurações subjetivas. Produz-se um conhecimento subjetivado,
102 Albertina Mitjáns Martínez

que funciona como recurso subjetivo a ser “atualizado” em situações


novas. Por exemplo, a construção de um modelo ou representação do
estudado caracterizado pela integração ativa, singular, “nova”, de aspec-
tos que têm sido estudados de forma fragmentada (González Rey, 2009)
constitui uma expressão de formas criativas de aprender com relativa
estabilidade e alto potencial de utilização perante situações que deman-
dam precisamente modelos que orientem a atuação.

Um segundo argumento para sustentar a importância deste tipo


de aprendizagem é o impacto que ela pode ter no desenvolvimento
do indivíduo, especialmente no desenvolvimento da subjetividade. Já
destacávamos a significação da personalização da informação, que, como
já explicamos, é constitutiva deste tipo de aprendizagem para o desen-
volvimento quando afirmamos:

O conhecimento instaurado como sistema de conteúdos personali-


zados constitui um sistema vivo e atuante em constante desenvol-
vimento, sobre cuja base crescem as potencialidades reguladoras da
personalidade, tanto na esfera motivacional como na de suas próprias
capacidades. Como sistema personalizado, o conhecimento é objeto
constante de reflexão, a qual atua como um instrumento permanente
de auto-organização e auto-desenvolvimento dos conteúdos da perso-
nalidade do sujeito (González Rey; Mitjáns Martínez, 1989, p. 38).

Também os resultados das pesquisas nas quais identificamos


formas claramente diferenciadas dos alunos de se colocarem perante o
processo de estudo, permitiram concluir que:

Os jovens com orientação ativo-transformadora se implicam no processo


de aprendizagem, convertendo-o em uma via para o desenvolvimento
de todas as suas potencialidades, entretanto, os jovens de orientação
passivo-descritiva não se implicam de forma necessária e produtiva
neste processo, conformando sua informação só para cumprir com uma
exigência externa, caminho pelo qual o ensino perde todo seu valor
educativo [...] (González Rey; Mitjáns Martínez, 1989, p. 104).
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
103

Tendo em conta que o que naquele momento identificamos como


orientação ativo-transformadora caracteriza a aprendizagem criativa,
revela-se a significação desta forma de aprender para o desenvolvimen-
to pessoal.

A constatação de que neste tipo de aprendizagem se produziam


sentidos subjetivos que alimentavam de forma recursiva o processo de
aprender, sugere que este tipo de aprendizagem pode funcionar como
força motriz do desenvolvimento de diferentes aspectos da subjetivida-
de, seja na consolidação da condição de sujeito expressa na atividade de
estudo ou em outras situações e áreas de atividade, seja no desenvol-
vimento de novas configurações subjetivas. Esta hipótese, mesmo que
fundamentada a partir do momento empírico das pesquisas realizadas,
demanda investigações especialmente delineadas com esse fim, as quais,
atualmente, estamos começando a realizar com alunos de ensino superior
e de Ensino Fundamental.

Até aqui temos caracterizado a aprendizagem criativa e sua impor-


tância, salientado os recursos da subjetividade individual que nela par-
ticipam, porém reconhece-se que a aprendizagem não é um processo
exclusivamente individual, é também um processo sociorrelacional. Na
aprendizagem, o outro participa de formas diversas, assim como também
participam elementos subjetivos dos espaços sociais em que a apren-
dizagem acontece. A aprendizagem criativa não constitui uma exceção
e é precisamente na dimensão sociorrelacional da aprendizagem que
a prática pedagógica e a subjetividade social dos espaços educativos
assumem potencial importância para o desenvolvimento deste tipo de
aprendizagem.
104 Albertina Mitjáns Martínez

Aprendizagem criativa:
desafios para a prática pedagógica
O desenvolvimento dos processos subjetivos é um processo com-
plexo, irredutível a relações de causa-efeito, questão que supõe impor-
tantes desafios para os processos educativos intencionais em geral e para
prática pedagógica em particular, uma vez que, como afirma González
Rey (1999a):

O caráter que uma influência possuirá para o desenvolvimento


humano dependerá muito de seu sentido subjetivo, o qual não está
contido na influência em si mesma, como seu atributo universal,
mas aparece como resultado da complexa interação entre uma expe-
riência concreta do sujeito e os recursos subjetivos de que dispõe no
momento de experimentá-la (p. 111).

A natureza subjetiva da aprendizagem e no caso que estamos ana-


lisando, da aprendizagem criativa, impede, então, conceber que ações
intencionais do professor possam provocar de forma direta os resultados
desejados.

Tendo em conta que o desenvolvimento dos recursos subjetivos


constitutivos deste tipo de aprendizagem passa, necessariamente, pelos
sentidos subjetivos gerados pelo aprendiz, não é possível garantir o efeito
de uma ação intencional vinda de fora, posto que esta poderá eliciar a
produção de sentidos subjetivos diversos em função da configuração
subjetiva do aprendiz, dos sentidos subjetivos gerados em relação ao
outro do qual proveem a intencionalidade educativa e da subjetividade
social dominante no espaço social.3

3
Utilizamos o conceito de subjetividade social para nos referirmos a “um sistema integra-
do de configurações subjetivas (grupais e individuais) que se articulam nos diferentes
níveis da vida social (González Rey, 1997, p. 133). E frisamos que “[...] A subjetividade
social não é uma abstração, é o resultado de processos de significação e sentido que
caracterizam todos os cenários de constituição da vida social [...]” (González Rey, 2003,
p. 205).
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
105

A complexidade do desenvolvimento da aprendizagem criativa


como processo subjetivo, no qual se expressam tanto a condição de
sujeito da aprendizagem quanto sentidos subjetivos e configurações
subjetivas diversas, não significa que, como professores, nada podemos
fazer e que nossas ações não vão ter nenhum efeito. Pelo contrário, a
concepção histórico-cultural da subjetividade da qual partimos para a
compreensão do funcionamento humano assume que a subjetividade
não é algo inerente aos indivíduos, mas que se vai constituindo a partir
dos espaços sociorrelacionais nos quais o indivíduo está inserido em
função do sistema de atividades-comunicação (González Rey; Mitjáns
Martínez, 1989) das quais o indivíduo participa.

O processo de desenvolvimento da subjetividade é um procedi-


mento complexo, não apenas porque o indivíduo está simultaneamente
imerso em diferentes e inclusive contraditórios sistemas de atividades-
comunicação (família, escola, amigos, etc.), mas porque na medida em
que a subjetividade se constitui e se desenvolve esta vai participando da
configuração dessas influências, constituindo-se em elemento ativo da
sua própria constituição e desenvolvimento. Desta forma, as experiên-
cias e influências que adquirem potencial valor para o desenvolvimento
subjetivo são aquelas que são subjetivadas, aquelas em relação às quais
se geram sentidos subjetivos.

Sendo a escola um dos espaços sociorrelacionais, em que grande


parte das crianças e jovens participa de forma sistemática, cabe a nós
como professores criar espaços de atividades-comunicação que poten-
cialmente possam ser geradores de sentidos subjetivos, favorecedores
do desenvolvimento da configuração de recursos subjetivos constitutivos
da aprendizagem criativa.

Desde nosso ponto de vista, contribuir para o desenvolvimento


de formas de aprendizagem complexas, em que a condição de sujeito
de aprendizagem é essencial como no caso da aprendizagem criativa,
apresenta no mínimo três grandes desafios. Constituem desafios preci-
106 Albertina Mitjáns Martínez

samente porque sua solução não se apresenta com clareza, eles deman-
dam reflexão, compromisso e criatividade caso sejam verdadeiramente
assumidos. São eles:

1. Mudar as representações e o sistema valorativo dominante sobre a


aprendizagem

A representação do ensino como “passar” informação e da apren-


dizagem como assimilação desta está fortemente estendida não apenas
no senso comum, mas também no contexto escolar. Mesmo com a refle-
xão crítica de Paulo Freire – reconhecido internacionalmente por suas
contribuições à Pedagogia – sobre o que denominou de “educação ban-
cária” (1984, 2005), na escola ainda são relativamente poucas as mudan-
ças substantivas na busca de uma educação de novo tipo. O legado
pedagógico de Freire mesmo que estudado nos cursos de formação de
professores, por muitos e diversos motivos têm tido pouca expressão,
tanto na educação básica quanto na educação superior no Brasil.

Contribuir para uma aprendizagem criativa requer em primeiro


lugar refletir sobre que tipo de aprendizagem se pretende e questio-
nar o domínio das suas formas mais simples e reprodutivas no contexto
escolar. O que pretendemos como professores? O que esperamos que o
aluno faça? O que valorizamos positivamente de sua ação? Quais são os
resultados que nos deixam satisfeitos? O que nos defrauda? A represen-
tação da aprendizagem como produção de ideias, e especialmente como
produção de novidade por parte do aprendiz, é essencial para poder
delinear as estratégias pedagógicas que contribuam para esse tipo de
aprendizagem.

Por outra parte, torna-se essencial valorar de forma positiva e


estimular por diversas vias não a reprodução dos conteúdos, mas sua
elaboração ativa por parte do aluno e a produção própria em relação ao
aprendido se, como parte de nosso sistema de valores, não ocupa um
lugar central um tipo de aprendizagem que longe de ficar no nível da
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
107

compreensão vai além, caracterizando-se por uma produção do aluno


que a transcende, dificilmente poderemos gerar estratégias educativas
que contribuam para isso.
Mudar representações e valores no sentido anteriormente apon-
tado é um processo difícil, uma vez que eles representam processos
subjetivos constituídos em uma historicidade impossível de ser descon-
siderada. Tais mudanças vão ao encontro das representações e sentidos
que caracterizam a subjetividade social dominante no contexto escolar
na qual participam não apenas os professores, mas também os pais e os
próprios alunos e ainda a subjetividade social de outros espaços sociais
mais amplos, por exemplo, a que caracteriza outros níveis do sistema
educativo.
Igualmente valorizar o aluno como sujeito de sua própria apren-
dizagem, valorizar positivamente sua capacidade de produzir ideias pró-
prias sobre o que estuda e inclusive sua possibilidade de transcender o
dado, pode ser entendido como uma ameaça ao nosso saber e especial-
mente ao nosso poder. Colocar-se no lugar do outro e priorizá-lo, em uma
real educação centrada no aluno, constitui um exercício difícil que impli-
ca um processo de “descentração” impossível sem mudanças da nossa
própria subjetividade. Essas mudanças, mesmo que difíceis, podem ser
possíveis a partir de nossa ação como sujeitos e dos sentidos subjetivos
que geremos ante uma situação nova e potencialmente estimulante:
estar contribuindo para uma aprendizagem de outro tipo.
A mudança nas representações e o sistema valorativo sobre o
aprender não se referem apenas aos professores, mas também aos alunos.
Quando fundamentamos a criatividade como princípio funcional da aula
(Mitjáns Martínez, 2008b) reconhecíamos a necessidade de uma postura
diferente por parte também dos alunos e afirmávamos:

Aprender criativamente supõe reflexão e produção própria, elabora-


ção permanente de hipóteses, personalização do aprendido, produção
de sentidos subjetivos no processo de aprender. A meu ver, promover
essa aprendizagem seria o objetivo maior, não apenas da ação do pro-
108 Albertina Mitjáns Martínez

fessor, mas também dos alunos, em uma aula em que a criatividade se


constitua como princípio funcional. Que os alunos aprendam não de
forma memorística e reprodutiva, mas de forma produtiva e criativa
não pode ser apenas um objetivo do trabalho pedagógico do pro-
fessor, deve ser um objetivo assumido de alguma maneira também
pelos alunos (Mitjáns Martínez, 1997). As formas concretas para sen-
sibilizar os alunos a assumir conscientemente uma aprendizagem de
novo tipo dependem de muitos fatores, entre eles podemos citar: os
seus diferenciados níveis de desenvolvimento, o nível de ensino em
que se está trabalhando e as experiências educativas pelas quais têm
transitado na sua história de escolarização. No entanto, em qualquer
caso, uma postura ativa do aluno em relação a seu próprio processo
de aprendizagem torna-se essencial (p. 133).

Que os alunos consigam enxergar a possibilidade de aprender de


forma produtiva e se interessarem por assumir intencionalmente uma
postura ativa no processo de aprender constitui também uma situação
desafiadora. Professores que tentam desenvolver um trabalho pedagó-
gico criativo muitas vezes constatam a resistência dos alunos a métodos
e técnicas didáticas que demandam deles reflexão, solução de desafios,
elaboração de ideias ou realização de atividades diversas. Se bem que
estas técnicas se mostrem mais efetivas para a aprendizagem, elas impli-
cam muito mais esforço, dedicação e energia do que os alunos estão
historicamente acostumados a dispensar. São atividades em que não
estão dispostos a investir, entre outros fatores pela falta de recursos sub-
jetivos que lhes poderiam permitir assumir uma aprendizagem diferente
e mais complexa. A representação da aprendizagem como assimilação
de conteúdos contribui para que muitos alunos percebam as exigências
docentes que seguem em uma direção diferente da habitual como des-
necessárias e excessivas.

Nas pesquisas que realizamos com pessoas de alto potencial de


criatividade evidenciou-se que a orientação consciente para a criação,
mesmo que expressa de diferentes formas era um dos elementos comuns
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
109

às configurações criativas4 dos sujeitos estudados (Mitjáns Martínez,


1997). Tais resultados mostraram a significação de uma postura inten-
cional para a criatividade, como parte da configuração de elementos
subjetivos que nela participam. Essa orientação intencional para produ-
zir algo novo se expressou também nas pesquisas realizadas por Amaral
(2006) e Oliveira (2010) com estudantes criativos de ensino superior, na
intenção por parte deles, expressa de diferentes formas, de realizar uma
aprendizagem “diferente”.

Sem dúvidas, mudanças nas posturas, nas representações e no


sistema de valores em relação à aprendizagem tanto por parte de profes-
sores quanto dos alunos constitui uma condição necessária para avançar
na promoção de uma aprendizagem criativa.

2. Colocar o foco da ação educativa no desenvolvimento de recursos


subjetivos e não apenas no processo de transmissão cultural

Um segundo desafio a ser enfrentado está relacionado com o foco


da ação pedagógica. Onde centrar nossa atenção e nosso esforço? Quais
nossos objetivos educativos? O que devemos ensinar? O foco essencial
da ação pedagógica tem sido os conteúdos curriculares, mesmo se reco-
nhecendo que a escola deve ser um espaço educativo muito mais abran-
gente. Na tentativa de ampliar a abrangência da escola como espaço edu-
cativo, inúmeras iniciativas têm sido desenvolvidas no contexto escolar
nos últimos anos. A educação de valores, a formação cidadã, projetos
diversos sobre desenvolvimento de habilidades relacionais, orientação
profissional, orientação sexual, cultura de paz, para mencionar apenas
alguns exemplos, são hoje comuns na Educação Básica. Esses esforços,
no entanto, muitas vezes desenvolvidos por meio de atividades que

Inicialmente a partir de nossas pesquisas com indivíduos reconhecidamente criativos


4

em diversos campos formulamos o conceito de configuração criativa para nos referirmos


às configurações personológicas específicas implicadas no comportamento criativo dos
sujeitos (Mitjáns Martínez, 1997). Assim, a configuração criativa não é mais que a con-
figuração das configurações subjetivas implicadas na criatividade.
110 Albertina Mitjáns Martínez

não constituem os conteúdos básicos das disciplinas escolares, são ainda


significados na subjetividade social da escola como aspectos necessários,
porém diferentes e complementares à essência da escola: a aprendiza-
gem – essencialmente reprodutiva, como já afirmamos – dos conteúdos
disciplinares.

Por outra parte, projetos e esforços explícitos direcionados a


aspectos centrais do desenvolvimento, pela significação na vida adulta
como a capacidade de reflexão, a aptidão para fazer escolhas e tomar
decisões fundamentadas, a assertividade, a criatividade, a capacidade de
elaborar hipóteses, a imaginação, etc., não abundam no contexto escolar.
Igualmente raro é encontrar projetos e esforços explícitos para que os
alunos aprendam de forma mais produtiva e criativa.

No caso da aprendizagem criativa o desafio que se impõe à ação


pedagógica é o de contribuir para o desenvolvimento dos recursos sub-
jetivos que a fazem possível.

As dificuldades para enxergar este desafio se têm expressado não


apenas de forma sutil, mas também explícita nas oficinas que temos
desenvolvido com professores interessados em aprimorar suas práticas
pedagógicas. De diferentes formas aparece uma pergunta, cuja essência
é: Como investir tempo e esforço em desenvolver recursos subjetivos se
nos falta o tempo para atingir o estabelecido no currículo? A contribuição
para o desenvolvimento de recursos subjetivos aparece assim distanciada
e em alguma medida “competindo” – às vezes ameaçadoramente – com
a aprendizagem dos conteúdos escolares, dada a tendência arraigada de
funcionar com disjuntivas dicotômicas.

Na nossa compreensão trata-se de uma falsa dicotomia. Pode-se


trabalhar com dois focos simultaneamente: contribuir com o desenvolvi-
mento dos recursos subjetivos necessários para a aprendizagem criativa
a partir, especialmente, da forma de ensinar os conteúdos escolares! De
nenhuma forma propomos negligenciar os conteúdos escolares essen-
ciais, mas chamamos fortemente a atenção de que estes não podem ser
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
111

o único nem o principal foco da ação pedagógica. Se assumimos o caráter


subjetivo das formas mais complexas de aprendizagem e as reconhece-
mos como desejáveis temos de admitir que contribuir para favorecer o
desenvolvimento dos recursos subjetivos que a fazem possível torna-se
uma tarefa de primeira ordem.

Tratando-se da aprendizagem criativa, consideramos que as ações


pedagógicas devem ser direcionadas para tentar favorecer a constitui-
ção do aprendiz como sujeito de sua própria aprendizagem, que esta
se constitua como uma configuração subjetiva e que se gerem sentidos
subjetivos no processo de aprender que contribuam para a criatividade
na aprendizagem. Todos esses são elementos subjetivos, que como ana-
lisamos no tópico anterior, estão na base da possibilidade de aprender
criativamente. Alguns princípios, estratégias e ações, se adotados no
ensino sistemático dos próprios conteúdos curriculares, podem ser uti-
lizados com esse fim.

3. A personalização do processo de ensino

Tendo em conta que qualquer influência educativa intencio-


nal passa necessariamente pela produção de sentidos subjetivos que o
aprendiz gera e que nessa produção de sentidos participa sua configu-
ração subjetiva, um terceiro desafio para a prática pedagógica é a neces-
sidade de conhecer os alunos, visando a realizar ações que possam con-
tribuir na direção desejada tendo em vista a singularidade constitutiva
dos mesmos. Insistimos na ideia de que as ações pedagógicas, por muito
bem delineadas que estejam, não seguem sempre na direção do efeito
desejado, elas podem ter desdobramentos diversos e inclusive efeitos
totalmente contrários aos desejados em função dos sentidos subjetivos
produzidos pelo aprendiz, por isso, o conhecimento dos alunos – como
vivem, seu sistema de relações, aspectos marcantes de sua subjetivida-
de etc. – pode ser útil para delinear estratégias de ações específicas ou
mudar aquelas que estamos realizando e que parecem não estar tendo
qualquer impacto no seu desenvolvimento.
112 Albertina Mitjáns Martínez

Tudo isto com uma ressalva: nunca vamos ter certeza de muitos
dos possíveis impactos das nossas ações, uma vez que o processo de
desenvolvimento da subjetividade não responde a processos lineares
nem imediatos. Os sentidos subjetivos que se produzem perante uma
ação ou situação atual podem se constituir em fontes de desenvolvi-
mento muito mais tarde, ao se articularem com outros e se configurarem
como unidades subjetivas do desenvolvimento.5 O fato de o aluno não
evidenciar hoje mudanças nas suas vivências, reflexões ou comporta-
mentos, não significa necessariamente que nossas ações não tiveram
“efeitos”. Esses podem aparecer muito tempo depois e inclusive podem
não ser facilmente relacionados com algumas das situações que lhes
deram origem.

A personalização do processo de ensino é difícil de encontrar na


instituição escolar. Nela a individualidade fica perdida na “turma”, que
tende a ser o objeto real da ação educativa. Aos processos de estan-
dardização, homogeneização e padronização, característicos da escola
como instituição, somam-se outros fatores que conspiram na direção de
um processo de ensino mais personalizado: o grande número de alunos
com os quais a maioria dos professores trabalha, o excesso de tarefas
que o docente tem de enfrentar, o pouco tempo de que muitas vezes
dispõe para um planejamento efetivo de seu trabalho, são apenas alguns
deles.

Existe, no entanto, também um poderoso fator, que não é “exter-


no” e que conspira contra o ensino personalizado: o próprio sistema de
crenças do professor e especialmente a ideia de que perante a difícil
situação que tem de enfrentar no cotidiano não lhe é possível fazê-lo.
De toda forma, que a personalização do ensino seja um dos desafios mais

5
Para González Rey as unidades subjetivas de desenvolvimento são configurações sub-
jetivas que teriam a “capacidade de integrar e estimular um conjunto de aquisições do
desenvolvimento em determinados momentos da vida da pessoa” (2004a, p. 18).
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
113

difíceis de serem assumidos, não pode limitar o reconhecimento da sua


importância para contribuir com o desenvolvimento de recursos que
possam se expressar em uma maior criatividade na aprendizagem.
Professores convictos da necessidade de personalizar seus proces-
sos de ensino nos têm mostrado que um olhar mais aguçado para seus
alunos no cotidiano escolar lhes permite planejar estratégias pedagógicas
diferenciadas. Observar com maior atenção nossos alunos no cotidiano da
sala de aula, aproveitar os horários de intervalo para falar com eles, revi-
sar suas tarefas procurando ver o que nelas há de produção própria, pode
não levar muito tempo e esforço adicional, mas sim fornecer informações
valiosas para o delineamento de estratégias pedagógicas diferenciadas
em prol de uma aprendizagem mais criativa.
O que observar? Sobre o que conversar? Na sua especificidade, isso
dependerá das idades dos alunos, do nível de ensino, das características
das disciplinas, dos objetivos que o professor decida priorizar, no entanto o
conhecimento sobre alguns dos aspetos a seguir pode ser realmente útil:
• principais gostos e interesses;
• planos, projetos;
• opinião que tem sobre si mesmo;
• opinião sobre a escola, as disciplinas, a aula, os professores, o que mais
gosta, o que menos gosta;
• emoções que expressa no processo de aprender e elementos às quais
estão associadas;
• sentido que o aprender tem para ele;
• formas como participa das atividades em sala de aula e na escola como
um todo;
• forma como se relaciona com os outros, principais relações afetivas;
• o que gostaria de mudar (na sala, na escola, na aprendizagem, nos
professores);
• principais características do contexto familiar e de outros contextos
sociorrelacionais nos quais participa.
114 Albertina Mitjáns Martínez

Muitas destas informações podem ser obtidas não apenas pela


observação ou por conversas individuais, mas também a partir de ati-
vidades em grupo e especialmente de atividades inerentes às próprias
disciplinas escolares: redações, desenhos, elaboração ou narração de
histórias, etc. Diversas atividades que fazem parte da estruturação
curricular das disciplinas podem ser utilizadas para que o aluno se
expresse na sua singularidade, mas pela forma rotineira em que são
delineadas e a falta de criatividade dos professores para utilizá-las na
direção de um maior conhecimento dos alunos, não são aproveitadas
para este fim.

Outra atitude presente em alguns professores que conspira contra


um conhecimento maior dos alunos como base para a personalização do
ensino é a de que, sendo impossível o conhecimento mais aprofundado
de todos, pelo grande número de alunos com os quais trabalham, não se
investe no conhecimento mais aprofundado de nenhum deles. É certo
que muitos professores trabalham com turmas numerosas, porém isso
não necessariamente tem de constituir um empecilho para investir no
conhecimento de parte deles. O grande número de alunos não deve
constituir-se em uma justificativa –, conscientizada ou não – para não
dedicar atenção especial a nenhum.

A personalização do ensino com foco no delineamento de espa-


ços de ação pedagógica diversificados não necessariamente implica
o delineamento de ações específicas diferenciadas para cada um dos
alunos. Diante da impossibilidade de um tipo de ensino tutorial, pos-
sível de acontecer praticamente apenas na Pós-Graduação, o deline-
amento de estratégias diferenciadas para grupos de alunos que apre-
sentem características comuns emerge como uma alternativa muitas
vezes viável. De qualquer modo, o pensar em agrupamentos para
ações pedagógicas diferenciadas supõe o conhecimento dos alunos,
aspecto básico para contribuir intencionalmente para seu desenvol-
vimento.
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
115

Trocas necessárias nas ações pedagógicas:


retomando o que denominamos
o Sistema Didático Integral
Os três desafios referidos anteriormente implicam mudanças
profundas na prática pedagógica tradicional e o que consideramos mais
importante: mudanças sistêmicas e permanentes de tais práticas. A com-
plexidade da constituição da aprendizagem criativa demanda coerência
e sistematicidade das ações pedagógicas que pretendem promovê-la.

Quando apresentamos e fundamentamos o que denominamos


o Sistema Didático Integral para o desenvolvimento da criatividade6
(Mitjáns Martínez, 1997), precisamente, estávamos salientando o neces-
sário caráter sistêmico das ações pedagógicas a serem realizadas junto a
seu caráter permanente, não esporádico e simultaneamente à fundamen-
tação da sua necessidade mostramos a possibilidade real de introduzir
mudanças em todos os aspectos principais da atividade do professor
tentando contribuir com uma forma de aprendizagem diferente.

Quando exemplificamos mudanças no trabalho pedagógico do


professor em todas as dimensões que o integram conferimos especial
destaque aos aspectos sociorrelacionais, sobretudo ao sistema de comu-
nicação que estabelece com os alunos e a seu lugar na constituição da
subjetividade social da sala de aula, aspectos que têm especial significa-
ção para a produção de sentidos subjetivos nos alunos na realização das
suas atividades de aprendizagem.

A significação das relações sociais em sala de aula para a aprendi-


zagem e para o desenvolvimento é salientada por González Rey (1998)
quando afirma:

6
O Sistema Didático Integral foi amplamente descrito e exemplificado no Capítulo 4
do livro Criatividade, Personalidade e Educação (Mitjáns Martínez, 1997) por isso, no
presente Capítulo nos referiremos a ele apenas nos seus aspectos essenciais.
116 Albertina Mitjáns Martínez

Quando o escolar está na aula, suas operações intelectuais são inse-


paráveis do tipo de relação que constitui com o seu professor e com
o resto dos alunos. O professor é parte essencial da disciplina, e as
relações com os alunos representa uma importante motivação para a
disciplina, por isso a socialização é um momento essencial de todos
os processos implicados no desenvolvimento humano (p. 23).

Ao estabelecer uma diferenciação entre a aprendizagem espon-


tânea em outros contextos e a aprendizagem escolar, o próprio autor
refere-se criticamente à subvaloração dos processos de relação no ensino
institucionalizado. Nesse sentido argumenta:

A aprendizagem deixa de ser um processo reprodutivo para conver-


ter-se em um processo produtivo de um sujeito ativo que se implica
nele através dos processos de relação que caracterizam o cenário do
aprender. O diálogo, a reflexão e a contradição são elementos essen-
ciais para implicar o sujeito em um clima de aprender. A aprendi-
zagem da criança dentro de suas atividades cotidianas reúne estas
características de forma espontânea, entretanto a aprendizagem ins-
titucionalizada com freqüência as omite, outorgando ao método e ao
professor, um lugar central que impede ao aluno encontrar-se em sua
condição de sujeito (González Rey, 1999b, p. 20).

O Sistema Didático Integral representa um conjunto de princípios


que indicam a direção na qual as ações pedagógicas em sentido geral
devem e podem ser delineadas. Na apresentação de tal Sistema utiliza-
mos exemplos tomados de nossas pesquisas em Cuba e do acompanha-
mento das práticas pedagógicas embasadas nele. O trabalho realizado
por outros professores inspirados nesse Sistema ao longo dos últimos
anos tem mostrado diferentes formas de concretizar os princípios que
ele propõe (Barreto, 2009; Mitjáns Martínez, 2008b, 2009). O nível de
ensino, as características das disciplinas, a idade e as características dos
alunos e especialmente a criatividade do próprio professor são os prin-
cipais elementos que vão condicionar as formas concretas que tomarão
os princípios expressados em tal Sistema.
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
117

Interessa-nos, aqui, apenas frisar mais uma vez em que direção


as ações pedagógicas devem ser delineadas para favorecer o caráter ativo
e criativo do aluno no processo de aprender, independentemente das
diversas formas que podem assumir:
• Na forma de trabalhar com os estudantes a formulação e seleção dos objeti-
vos de aprendizagem: Estimular que o aluno participe e se envolva na
definição e acompanhamento de seus objetivos da aprendizagem. Os
objetivos da aprendizagem são do aluno, não do professor.
• Na seleção e organização dos conteúdos de ensino e das habilidades e compe-
tências a serem desenvolvidas: O mínimo de conteúdos e o máximo de
profundidade, com foco na estimulação da imaginação, a curiosidade,
a capacidade de problematização, a assertividade e a geração de ideias
próprias.
• Nas estratégias e métodos de ensino: Estratégias e atividades diversificadas
e potencialmente desafiadoras, vinculadas com o cotidiano e com os
interesses dos alunos, direcionadas à produção e não à reprodução do
dado e nas quais o aluno e não o professor seja o protagonista. Utili-
zação dos princípios do ensino por meio de problemas, da aprendiza-
gem colaborativa, da pedagogia de projetos e outros métodos ativos
de ensino. Explorar a utilização das novas tecnologias (Tics) não como
um meio a mais para obter informação, mas como uma ferramenta
para novas aprendizagens e como espaço de produção de sentidos
subjetivos favoráveis a elas.
• Na natureza das tarefas a serem realizadas em classe ou extraclasse e as
orientações para sua realização: Caráter produtivo e não reprodutivo das
tarefas a serem realizadas, tarefas que impliquem sempre a produção
de ideias próprias por parte do aluno.
• Na natureza da bibliografia e do material didático e as orientações para sua
leitura: Textos potencialmente desafiadores, não lineares, inclusive
com posições opostas sobre um mesmo tema, cuja orientação tenha
como foco não a simples assimilação compreensiva do conteúdo, mas
118 Albertina Mitjáns Martínez

a leitura crítica e a leitura criativa, esta última caracterizada pela esti-


mulação para ir de alguma forma além das ideias do autor. Incentivar
e orientar como ir além do momento compreensivo reprodutivo da
leitura.

• No sistema de avaliação e autoavaliação da aprendizagem: Mudança na


ênfase da avaliação: da ênfase na reprodução dos conteúdos à ênfase na
produção, na elaboração e na assimilação reflexiva e individualizada do
objeto do conhecimento. Consequentemente o caráter produtivo e não
reprodutivo das atividades utilizadas com fins avaliativos. Trabalhar a
coavaliação (Ardoino, 2005) e orientar e estimular sistematicamente o
exercício da auto-avaliação da própria aprendizagem.

• Nas relações professor-aluno e o clima comunicativo-emocional que caracte-


riza a sala de aula: A comunicação centrada na estimulação e valori-
zação não apenas do momento compreensivo da aprendizagem, mas
essencialmente na sua expressão criativa. Incentivar a curiosidade,
o questionamento, a reflexão, a imaginação, a autorreflexão crítica
sobre aprendizagem e sobre si mesmo em uma relação simultânea de
confiança e de exigência. Valorizar o esforço e a produção própria dos
alunos, colocando o aluno em situações potencialmente desafiadoras,
dando feedback e orientações pertinentes. Trabalhar na direção de
contribuir para a sala de aula se converter em um espaço potencial de
produção de sentidos subjetivos mobilizadores da criatividade.

Insistimos, mais uma vez, que todos estes princípios gerais tomam
forma em estratégias e ações concretas em função da singularidade das
situações e dos alunos com os quais se trabalha.

Tendo em conta que se trata de modificações substantivas e sis-


têmicas a partir de princípios gerais, isso requer, em alguma medida,
que o professor expresse criatividade no seu trabalho pedagógico. Em
um trabalho anterior definimos inicialmente a criatividade neste tipo
de atividade como as “formas de realização do trabalho pedagógico que
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
119

representam algum tipo de novidade e que resultam valiosas de alguma


forma para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos” (Mitjáns
Martínez, 2006a, p. 70).

A criatividade no trabalho pedagógico do professor, por sua vez,


depende das configurações subjetivas constituídas no professor na sua
história de vida, da sua condição como sujeito, da configuração da subje-
tividade social que caracteriza o espaço escolar e dos sentidos subjetivos
que produz no desenvolvimento da atividade docente. Assim sendo,
trabalhar em prol do desenvolvimento da aprendizagem criativa coloca
um desafio adicional: o desenvolvimento da criatividade do próprio pro-
fessor.

Considerações Finais
O que podemos concluir do que foi discutido até aqui?

• Que a aprendizagem criativa representa uma forma de aprender carac-


terizada pela configuração dos processos de personalização da infor-
mação, de confrontação com o dado e de produção de ideias próprias
e “novas”.

• Que a aprendizagem criativa, como processo da subjetividade, expres-


sa-se em uma forma de funcionamento subjetivo particular caracteriza-
do pelo exercício da condição de sujeito da aprendizagem, no sentido
de seu caráter gerador, de ruptura e de subversão/transcendência em
relação ao dado; pela produção de sentidos subjetivos favorecedores da
geração de novidade que recursivamente o “alimentam” e pela atua-
lização de configurações subjetivas diversas, entre as quais se destaca
a aprendizagem como configuração subjetiva.

• Que a importância da aprendizagem criativa se fundamenta no mínimo


em duas razões: pela estabilidade que adquire o aprendido e suas
possibilidades de utilização em novas situações e pelo impacto que
120 Albertina Mitjáns Martínez

este tipo de aprendizagem tem para o desenvolvimento do aprendiz,


especialmente para o desenvolvimento de outros aspectos da sua sub-
jetividade.

• Que pela sua complexidade constitutiva, essa forma de aprender se cons-


titui no percurso da história de vida dos indivíduos em razão dos múlti-
plos e diversos sistemas sociorrelacionais nos quais está inserido, sendo
impossível sua constituição a partir de ações intencionais diretas.

• Que ainda não sendo possível sua constituição a partir de tais tipos
de ações, a escola como espaço sociorrelacional no qual participam
os indivíduos durante muitos anos de escolarização, pode contribuir
indiretamente para a constituição deste tipo de aprendizagem.

• Que a contribuição da escola para favorecer a constituição da apren-


dizagem criativa coloca múltiplos desafios para a prática pedagógica,
entre eles: 1) a necessidade de mudar as representações e os sistemas
valorativos dominantes sobre a aprendizagem no sentido de com-
preendê-la e valorizá-la como um processo de produção por parte do
aprendiz e não de reprodução do objeto do conhecimento; 2) a neces-
sidade de colocar o foco da ação educativa no desenvolvimento de
recursos subjetivos e não apenas no processo de transmissão cultural;
3) a necessidade da personalização do processo de ensino.

• Que os desafios apontados implicam trocas substantivas em todas as


dimensões da prática pedagógica, as quais devem ser permanentes e
sistêmicas com especial foco nos aspectos sociorrelacionais, entre eles
as formas de relação/comunicação que o professor estabelece com os
alunos e seu papel na constituição da subjetividade social em sala de
aula.

• Que o Sistema Didático Integral fundamentado em pesquisas e em


acompanhamento de práticas pedagógicas criativas representa um con-
junto de princípios que indicam a direção em que as ações pedagógicas
devem e podem ser delineadas.
Capítulo 5 – Aprendizagem Criativa
121

• Que tendo em vista que se trata de modificações substantivas e sistê-


micas a partir de princípios gerais, precisa-se em alguma medida que
o professor expresse criatividade no seu trabalho pedagógico, o que
representa um desafio adicional nos esforços de fazer da escola um
espaço favorecedor da aprendizagem criativa.
A complexidade da aprendizagem criativa e das formas pelas quais
se pode contribuir para favorecer sua constituição, não devem paralisar a
ação. Trabalhar nas direções apontadas fazendo o que for possível, dadas
as condições concretas nas quais se trabalha, constitui, no mínimo, uma
expressão da compreensão da importância da aprendizagem criativa e a
intenção de favorecê-la em um dos contextos no qual é mais desejável:
a escola.

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capítulo 6

UN DISPOSITIVO DE
ANÁLISIS Y REELABORACIÓN
DE LA PRÁCTICA PROFESIONAL

Marta Anadón
Eduardo Lozano

Presentación de la problemática

¿Quiénes somos el profesorado? ¿A qué sujeto colectivo pretendemos identi-


ficar con este nombre? (Jaume Martínez Bonafé, 2007).

El cuerpo docente en las instituciones educativas presenta una


notable complejidad sociológica en la conformación de su estructura
(Martínez Bonafé, 2007). Esta se expresa en la diversidad del origen
social y de los grupos de cultura de los cuales provienen sus agentes, en
la división de tareas por sexo según los diferentes niveles de enseñanza,
en la vinculación directa o indirecta con el Estado a partir del trabajo en
escuelas públicas, privadas o cooperativas. Esta complejidad se manifies-
ta igualmente en las diferencias salariales y las posibilidades de progreso
social y también en la multiplicidad de instituciones y diversidad de
planes de formación que acreditan a los agentes con títulos homólo-
gos, entre otros aspectos. A esta caracterización, y en particular para la
enseñanza en el nivel medio en provincias de la región patagónica de
126 Marta Anadón – Eduardo Lozano

la Argentina, debemos agregar un componente relevante: esa compleja


heterogeneidad incluye también a quiénes pueden no poseer el título de
profesor pero igual se desempeñan como agentes para la enseñanza.
Sabemos que la organización del trabajo docente en el nivel medio
de la provincia de Río Negro, no ha producido un cerrojo de colegiatura
como sí se ha logrado en el nivel inicial y primario,1 y ha permitido la
participación de diferentes actores que hoy pueden caracterizarse según
los criterios de valoración que las administraciones educativas les han
conferido. De aquí que, en el nivel medio y para la enseñanza de las dis-
ciplinas Matemática, Biología, Física y Química (Carranza, 2011) sobre
un total de 953 agentes, quienes poseen título de Profesor representan
sólo el 43% del total, y los denominados títulos Habilitantes ocupan el
35%, los que en su mayoría son profesionales liberales de la ingeniería,
la medicina, licenciados en diferentes disciplinas del conocimiento cien-
tífico y técnicos universitarios.2 Un análisis de las trayectorias profesio-
nales (Lozano; Ruiz; Carranza, 2011) de profesores “Habilitantes”, que
enseñan de manera estable Biología, Física, Química y Matemática en
el Nivel Medio de la provincia de Río Negro, ha sido realizado a partir
de los siguientes interrogantes: ¿Quiénes son esos sujetos? ¿Cuáles son
y qué significados les otorgan a las diferentes trayectorias que desde sus
titulaciones de origen los llevaron a trabajar en la enseñanza en el nivel
medio? Para el desarrollo de ese trabajo se adoptó una perspectiva que
vinculó la historia de los sujetos entrevistados, la historia de las caracte-
rísticas y de la dinámica del trabajo docente en el nivel medio y también
la del contexto social general (Cragnolino, 2006). El entrecruzamiento

1
En la provincia de Río Negro la totalidad de los docentes de esos Niveles, en los cargos
básicos de maestros frente al aula, tienen título de Profesor de Nivel Inicial y Profesor
de Nivel Primario.
2
Además, los títulos Supletorios, que incluyen a profesores de nivel primario que enseñan
en el nivel medio, representan el 11% del total y, por último, los títulos que acreditan
como Idóneos, básicamente de bachilleres, peritos mercantiles o técnicos con título de
nivel medio, constituyen el 7% de los agentes que se desempeñan en la enseñanza de
las ciencias naturales y la matemática en el nivel medio (Carranza, 2011)
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
127

de esos elementos permitió introducirnos en la complejidad del fenóme-


no relacionado con el trabajo de profesionales liberales en la enseñanza
secundaria, y así se pudo establecer que, a pesar de ciertas homogenei-
dades estructurales (como la histórica baja matriculación de profesores
de ciencias y matemática en centros de formación para el nivel medio y
las severas crisis económicas cíclicas que han producido desplazamientos
de profesionales liberales a la educación como ámbito de subsistencia
laboral básico) pueden reconocerse, en las historias que los entrevistados
narran, recorridos diferentes y también diferentes significaciones que,
como agentes orientados a la enseñanza, le han otorgado a las mismas
oportunidades disponibles. Lo cierto es que la presencia de profesiona-
les y técnicos que enseñan ciencias y matemática en el nivel medio no es
un hecho novedoso (fueron los primeros y naturales profesores desde la
creación de las escuelas secundarias a fines del siglo 19), (Iipe – Unesco,
2001) pero las reformas educativas centradas en los cambios curriculares
de la segunda mitad del siglo XX y particularmente los enfoques renova-
dores de las didácticas de la matemática y de las ciencias, de fuerte auge
en la región a partir de la década del 80, (Lozano; Ruiz; Carranza, 2011)
crearon un contexto de especialización para la enseñanza que pusieron
en contraste el trabajo de los profesionales liberales en las escuelas, y
también sirvieron de escenografía para una nueva versión de un tema
añejamente discutido, el de la profesión docente.
Cuando se hace necesario definir aspectos que diferencien la
profesión docente de otras ocupaciones, esto es, encontrar criterios a
partir de los cuales se pueda señalizar el terreno de la formación y de las
incumbencias, se puede acudir a los elementos propios de una visión
funcionalista de las profesiones liberales, los cuales, junto a valores como
la autonomía, la responsabilidad, la voluntad de servir a otros, etc., esta-
blecen el manejo de un saber específico, que en el caso de la enseñanza,
podría estipularse en términos de: poseer “conocimiento de la materia a
enseñar, conocimiento pedagógico general, conocimiento del programa, conoci-
miento pedagógico de la materia, conocimiento del alumno y su características,
conocimientos de los contextos, conocimiento de las finalidades, de los objetivos,
128 Marta Anadón – Eduardo Lozano

de los valores, de los fundamentos filosóficos e históricos de la educación” (Gau-


thier et al., 1997, p. 12, traducción libre del francés). Es desde este lugar
que se advierte en propuestas de “capacitación” docente destinadas a
profesionales liberales que ya enseñan en el nivel medio, una estructura
de complementación pedagógica didáctica a sus formaciones disciplina-
rias (ya que a priori se considera que sólo poseen el conocimiento de la
materia a enseñar). En ese tipo de propuestas, al finalizar el desarrollo de
un trayecto de materias teóricas pedagógico – didácticas y con el objeto
de socializarlos en la profesión, se implica a los sujetos en la realización
de un período de prácticas con observadores externos que den cuenta del
nivel de logro de los conocimientos específicos de la profesión docente.
Esto es lo que generalmente se conoce con la formación práctica, una
instancia pensada para ofrecer la posibilidad de incorporar aprendiza-
jes y saberes que permitirán el desarrollo de competencias pedagógicas
y didácticas. Esas experiencias de formación en la práctica pretenden
representar la oportunidad de desarrollar una serie muy diversificada de
aprendizajes ligados al “saber hacer”, “saber ser” y “saber estar” (Aristu,
1997). En general, se trata de aprendizajes casi iniciativos en la sociali-
zación y construcción de la propia identidad docente.
Ahora bien, en el caso que nos ocupa, el atributo “ya enseñan”,
esto es, que tienen experiencia en la enseñanza en el nivel medio, es un
aspecto insoslayable y a la vez un elemento perturbador en los análisis
propios de las visiones funcionalistas, y también de posibles consecuen-
cias prácticas en la implementación de acciones compensatorias que los
trayectos de complementación de la formación les ofrecen, los cuales no
consideran de manera explícita e integradora a los saberes reflexivos y
prácticos que esos sujetos ya han desarrollado en y sobre la enseñanza.
Ante esto, es posible situarse desde otros enfoques teóricos sobre
las profesiones, por ejemplo desde visiones interaccionistas (Anadón,
1999) que, en desacuerdo con las definiciones normativas, centradas en
atributos externos, consideran la profesionalización como un proceso
dinámico, y, desde allí, cambiar las preguntas típicas de una concepción
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
129

funcionalista: ¿Esta es una profesión?, o ¿Qué competencias definen su


cerco de cognición y de incumbencias?, por otras, como por ejemplo,
¿Desde qué orígenes y en qué condiciones los miembros de un mismo
oficio, en este caso de enseñar, se esfuerzan por transformarlo en pro-
fesión y llegar ellos mismos a ser profesionales? (Real Villareal, 2002).
Desde este lugar cobrarían relevancia aspectos como el antes mencio-
nado de las trayectorias y también el de los complejos procesos que
van definiendo, al interior de las escuelas, las identidades profesionales
docentes de quienes, la realidad muestra, pueden o no ser profesores
titulados. Respecto a esto último y complementario con el trabajo sobre
las trayectorias antes citado, se dispuso para el análisis de algunos de los
casos implicados, la utilización de un modelo de construcción de la iden-
tidad profesional docente (Anadón, 2011; Gohier et al., 1997)..A partir
de ese modelo, que pone en juego un estado dinámico de conjugación
de procesos de identificación e identización, se lograron develar ciertos
aspectos de interés en profesionales liberales, quienes han construido
rasgos de identidad profesional docente a lo largo de varios años de
experiencia, expresados por ejemplo, en el énfasis especial que ponen
en la relación que establecen con los alumnos, en el posicionamiento
que adoptan frente a los profesores en relación con el buen manejo de
los saberes disciplinarios de las materias que enseñan, etc.

Así, la densidad que aportan los elementos que provienen de las


diferentes investigaciones sobre la profesionalización docente, se con-
trasta con la simplicidad que propone el plan de socialización profesional
docente en la cultura escolar, de raigambre funcionalista. Esta vertiente
ha sido ampliamente investigada y se han cuestionado particularmente
los sentidos del modelo de práctica profesional que sostiene. En este
sentido Pérez Gómez, (1997, p. 130), afirma: “Sin el apoyo conceptual y
teórico de la investigación sistemática y rigurosa, el proceso de socialización del
profesor, a través de las prácticas, fácilmente reproduce los vicios, prejuicios,
mitos y obstáculos epistemológicos acumulados en la tradición empírica”.
130 Marta Anadón – Eduardo Lozano

La cultura escolar, caracterizada a partir del concepto de gramática


escolar3 ha permitido considerar la importancia de ese sustrato estable
en el tiempo que establece, entre otros aspectos, qué se entiende por
un buen docente, y ha posibilitado comprender la resistencia que las
escuelas oponen a los cambios educativos y también entender de qué
manera, quienes no poseen formación profesional para la enseñanza,
adquieren formas y contenidos que les permiten asimilarse eficazmente
a los contextos de enseñanza. Así, podemos imaginar que asistimos a
clases dictadas por un profesor de matemática y por un ingeniero, pero
no nos advierten de quién está a cargo en cada caso, sino que debemos
identificar nosotros, a partir de las observaciones, quién es el profesor
titulado y quién no. Las dificultades que probablemente encontrarí-
amos en algunos casos para determinar quién es quién en la tarea de
enseñanza, seguramente encuentren razones en los complejos procesos
de asimilación a la cultura escolar y de construcción de identidades pro-
fesionales que se llevan a cabo al interior de las instituciones educativas
y que parecen no dejar afuera a aquellos docentes no titulados como
profesores, que se han orientado o han sido derivados por las condiciones
socioeconómicas hacia la enseñanza (Lozano; Ruiz; Carranza, 2011).

Consideraciones sobre
la formulación de un trayecto
e formación para el análisis y la
reelaboración de la práctica profesional
Los aportes provenientes del desarrollo de los trabajos de
investigación mencionados4, permitieron, en el ámbito del Institu-
to de Investigación para la Enseñanza de las Ciencias Naturales y la

3
“entendida como conjunto de reglas que define las formas en que las escuelas dividen
el tiempo y el espacio, clasifican a los estudiantes y los asignan a clases, conforman el
saber que debe ser enseñado y estructuran las formas de promoción y acreditación”
(Dussel, I. , 2003, p.13).
4
Proyecto Profesionalización docente en matemática y ciencias naturales en el nivel medio de Río
Negro: trayectorias y prácticas (40/A-034), subsidiado por la UNRN.
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
131

Matemática5, reelaborar una propuesta estándar de complementación


pedagógico didáctica para profesionales liberales, que, en el año 2009,
había sido recientemente implementada por el Programa de Educación
Mediada por Tecnologías de las Información y la Comunicación de la
UNRN.

La propuesta de complementación estaba destinada a profe-


sionales y técnicos universitarios que tuvieran antigüedad acreditada
en la enseñanza en el nivel medio en las asignaturas Biología, Física,
Química y Matemática, y que contaran con títulos de grado univer-
sitario que garantizaran una formación disciplinar específica en las
materias que enseñaban. La cohorte se conformó con un grupo de casi
treinta profesionales: bioquímicos, veterinarios, químicos, licenciados
en sistemas, biólogos, ingenieros mecánicos, ingenieros agrónomos,
entre otros, que aspiraban luego de un proceso de formación de dos
años y medio, a obtener el título de Profesor de Nivel Medio en Mate-
mática, Química, Física o Biología, según la orientación seleccionada
a partir de su titulo de grado y de las materias que enseñaban en el
nivel medio.

Esa propuesta inicial disponía el desarrollo de materias de for-


mación pedagógica general y específica en el ámbito de la didáctica
durante dos años y al finalizar el cursado de esas materias, el desar-
rollo de un período de planificación y prácticas con observadores
externos. El dictado de las materias era concebido como un desar-
rollo lineal de instancias que los alumnos debían acreditar para luego
poder acceder a la etapa de formación para la práctica profesional
(Ver cuadro 1).

IIECNyMat, Universidad Nacional de Río Negro (UNRN).


5
132 Marta Anadón – Eduardo Lozano

Cuadro 1 – Propuesta Curricular Estándar para la


Complementación pedagógico didáctica de Profesionales

Tal cual se expresó antes, los aportes de las investigaciones lleva-


das a cabo en el IIECNyMat, fueron brindando elementos, durante el
primer año de cursado, que permitieron poner en discusión el sentido
de una etapa final de práctica profesional dispuesta para quienes, en
algunos casos, llevaban más de quince años enseñando disciplinas de las
ciencias naturales y las matemática. El significado que le otorgan a las
trayectorias que los encaminaron hacia la educación en el nivel medio,
los sentidos que brindan a su trabajo de enseñanza y los rasgos propios
de una identidad profesional docente construida por estos agentes orien-
taron un proceso de revisión crítica de los formatos clásicos de formación
docente. Así, se pensó en un trayecto que tuviera como propósitos: esti-
mular, afianzar y complejizar esos procesos identitarios profesionales, ya
desarrollados en la vida laboral de los “alumnos/docentes” mucho antes
de su ingreso al programa de complementación, y para ello, constituir un
dispositivo de análisis y reelaboración de la práctica profesional. Como
notas particulares, se propuso que el escenario de trabajo para el análisis
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
133

de sus producciones fueran las aulas habituales en las que estos docentes
desarrollan sus tareas de enseñanza y que estás prácticas no se ubicarían
al final de la carrera sino al promediar el segundo año en el marco de las
materias Didácticas I y II de cada disciplina. El trabajo de observación
quedó a cargo de compañeros de cursado, que operan a modo de parejas
pedagógicas, y el contenido general del análisis a cargo de los Talleres
de Análisis de la Práctica Profesional I y II (Ver cuadro 2).

Cuadro 2 – Propuesta Curricular Reformulada para la


Complementación pedagógico/didáctica de Profesionales con
antigüedad en la enseñanza en el Nivel Medio

Sobre los talleres de


análisis y reelaboración
Con el propósito de alejarnos de la tradición de formación docen-
te, dividida en formación teórica (aspectos culturales, sociales, filosófi-
cos, psicológicos, pedagógicos y didácticos) y formación en la práctica, y
de respetar la situación de los estudiantes del Ciclo de complementación
134 Marta Anadón – Eduardo Lozano

del Profesorado en Enseñanza de Nivel Medio y Superior en Biolo-


gía/Física/Química/Matemática, ya que ellos son docentes en ejercicio
profesional y con varios años de experiencia frente a alumnos, fueron
propuestos dos Talleres de Análisis y reelaboración de la práctica pro-
fesional.
Desde la perspectiva de profesionalización que sustentan nues-
tros trabajos de investigación, la profesión no se limita al uso de técnicas,
ella exige que el docente elija entre esas técnicas con el objetivo de rea-
lizar su intervención y de justificar la utilización de las mismas. A partir
de saberes y reglas, su intervención educativa debe tomar en cuenta no
sólo al alumno sino también la situación en la cual esa intervención se
lleva a cabo. Esas exigencias profesionales obligan al docente a tener
una mirada crítica sobre su propia acción con el objetivo de conocerla,
analizarla y mejorarla, no solamente en términos de saberes sino también
en términos de saber-hacer. El análisis de prácticas profesionales (APP)
permite alcanzar esos objetivos ya que se trata de un proceso meta-
cognitivo de formación profesional a partir de una mirada crítica sobre
el propio trabajo docente para evaluarlo, analizarlo y mejorarlo.
Según Blanchard-Laville y Fablet (2000) el APP hace referencia a
actividades que están organizadas en un marco de formación profesional,
inicial o continua, y conciernen fundamentalmente a los profesionales
que ejercen funciones con un alto componente de relaciones humanas
como es el caso de la docencia. En el caso que nos interesa, la práctica
docente, podemos afirmar que ella es siempre intencional, aunque la
intención no sea explícita, ayudando el análisis a reconstruir lógicas de
acción y a racionalizar las intencionalidades que subyacen. Sin embargo,
antes de presentar el dispositivo de análisis de prácticas profesionales
que caracterizan los Talleres, es necesario definir lo que nosotros consi-
deramos como práctica profesional.
La noción de práctica profesional sufre actualmente de polisemia,
a pesar que los investigadores se han preocupado por definirla con el
interés de rehabilitar la práctica y rebatir la primacía del saber teórico
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
135

(Barbier, 1996). Varios términos hacen referencia a esa noción (saber de


acción, saber de experiencia, saber práctico, saber hacer son sólo algunos
ejemplos); se trata de una noción rica, plural y heterogénea que ha sido
trabajada a partir de muchas orientaciones teóricas (Blanchard-Laville;
Fablet, 2002).

Altet (2003, p. 39), interesada en las prácticas profesionales docen-


tes, advierte a los investigadores que pretenden conceptualizar la noción:
"estamos lejos de poseer un cuerpo teórico lo suficientemente aceptado
y válido para enunciar teorías de la práctica docente y sus características"
(traducción libre del francés). Coherentes con esa advertencia, los plan-
teos teóricos presentados a continuación buscan solamente establecer
algunos elementos para delimitar la noción.

Sin embargo, podemos definir la práctica docente como una


manera singular de hacer, de ejecutar una actividad profesional: la
docencia. Ella no se limita a los comportamientos observables sino que
comporta procedimientos de su puesta en acción en una situación par-
ticular. Beillerot (1998) distingue esta doble dimensión: de un lado los
gestos, los comportamientos, los lenguajes y del otro, las reglas, objeti-
vos, finalidades que orientan la práctica profesional. De esta manera la
práctica profesional docente es una práctica situada, orientada por fines,
reglas y normas de un grupo profesional particular. Ella se traduce en
saberes, procedimientos, competencias y acciones de una persona en
situación profesional en la sala de clase.

El objetivo del análisis de la práctica profesional es comprender


para decidir y para actuar. Consiste antes que nada en un trabajo perso-
nal, un trabajo sobre sí mismo, un trabajo comprometido con el objetivo
de explicitar y comprender nuestra propia práctica, trabajo que puede
llevarse a cabo también en grupo para beneficiarse de la mirada del otro
y de la riqueza de la interacción y de la heterogeneidad.
136 Marta Anadón – Eduardo Lozano

El trabajo de análisis no es solamente racional, lo que exige del


docente una posición reflexiva, él debe explicitar sus puntos de vista y
debe hacerlo en todas las etapas del proceso de análisis, sino que además
señala una finalidad ligada a la movilización de cambios y transformacio-
nes tanto en el plano cognitivo como emocional y valorativo. El análisis
se constituye como en un espacio potencial de desarrollo personal y pro-
fesional, inscripto en la historia biográfica y personal de cada sujeto, en
las adscripciones de identidad que fue forjando durante su experiencia
docente y en el proyecto a futuro que cada uno va elaborando. Por eso
es importante enunciar los valores, intenciones, reglas y normas que
orientan las elecciones que se hacen y las decisiones que se toman tanto
en la selección de situaciones a analizar como en las interpretaciones que
se hagan de esas situaciones.

Esta reflexión permite analizar una experiencia, algo vivido en la


práctica concreta, para detallarlo e intentar comprender lo que ha sido
hecho, lo que ha pasado, lo que ha sido producido.

Entonces para que el docente analice su propia práctica profesio-


nal debe adoptar una postura reflexiva que le permita auto observarse,
cuestionar su práctica en contexto, a fin de buscar sistemáticamente su
comprensión y así mejorar la acción. Para ello debe tomar una actitud
de “meta mirada” que necesita una toma de distancia en relación a la
práctica para poder observarla, analizarla, criticarla siendo congruente
consigo mismo (Rogers, 1968) en el sentido de estar de acuerdo con la
experiencia, la conciencia y la comunicación.

Este proceso de reflexión contribuye al desarrollo profesional de


aquellos que se comprometen, ya que es el propio docente que dará un
sentido a la reflexividad sacando beneficios de cada etapa del proceso
para comprender su propia práctica profesional. La decisión de compro-
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
137

meterse en el análisis de su práctica se basa fundamentalmente en un


sentimiento de poder actuar sobre sus situaciones de trabajo (empode-
ramiento o empowerment). 6
En general, cuando practicamos la docencia, la reflexión está
mucho más orientada a la acción que a la especulación teórica. El análi-
sis propuesto por los Talleres permite comprender mejor las situaciones
de trabajo y de esa manera poder adaptar la acción. Esto exige que el
docente perciba la inadecuación de su acción y que decida trabajar para
su modificación. Esto supone que las situaciones de trabajo se pueden
cambiar, que no están determinadas por factores sobre los cuales el
docente no puede decidir sino que él tiene margen de maniobra para
cambiar, reelaborar su propia práctica profesional docente.
Lo dicho anteriormente nos permite afirmar que la práctica refle-
xiva consiste en el análisis de nuestra propia experiencia de docencia
pasada, presente y futura. Ella se acompaña de un proceso de estructu-
ración y de transformación de nuestras percepciones y saberes y desea
explicitar un saber tácito. Por eso la práctica reflexiva interpela la con-
ciencia, necesita la aplicación de un pensamiento racional y la responsa-
bilidad de asumir su propio desarrollo profesional (Schön, 1992, 1998)
Dentro de esta perspectiva, las prácticas de cada docente fueron
observadas, descriptas y relatadas por observadores exteriores (colegas
docentes, implicados en el los mismos talleres) en diálogo con los propios
actores comprometidos a analizar, criticar y reelaborar su propia práctica
docente. Es justamente a través de su conciencia, su comprensión de
las situaciones y fenómenos que cada docente ha podido acceder a una
posible transformación de su acción.

Proceso por el cual las personas fortalecen sus capacidades, confianza, visión y prota-
6

gonismo para impulsar cambios positivos de las situaciones que viven.


138 Marta Anadón – Eduardo Lozano

Los talleres de análisis


y reelaboración
A partir de nuestros antecedentes de investigación y de nuestra
experiencia profesional hemos elaborado un dispositivo para la realiza-
ción de los Talleres de análisis y reelaboración de la práctica profesional
con el objetivo de permitir a los participantes un análisis reflexivo de
su propia práctica y de esa manera, favorecer el desarrollo de procesos
de socialización y de construcción de una identidad profesional que
promuevan la individuación de estilos.

En efecto, el proceso de análisis al que hacemos referencia


incluye un trabajo de retorno sobre sí mismo (docentes en ejercicio) ya
que todo acto de trabajo es inseparable del sujeto que lo produce. Pero
¿Cómo analizar la práctica profesional? Esta pregunta puede respon-
derse de múltiples maneras, en función de los objetivos que se desean
alcanzar (aprender a analizar, mejorar la práctica, describirla…) de los
marcos teóricos que se utilizan (pedagógico, didáctico, ergonómico, inte-
raccionistas, etc.), de los tipos de participantes que se comprometen
(en formación inicial o continua), del tiempo dedicado al análisis, de la
modalidad que se utiliza (análisis individual o colectivo), etc. En este
trabajo presentaremos el dispositivo desarrollado para la Propuesta Cur-
ricular de Complementación pedagógico/didáctica de Profesionales con
antigüedad en la enseñanza en el Nivel Medio.

Como lo afirmamos anteriormente, llevar a cabo un análisis de la


práctica profesional requiere un compromiso en un proceso personal y
voluntario de participación, de reflexión y de posición crítica frente a su
propia práctica profesional docente.

La reflexión fue orientada en tres direcciones. Primeramente, se


solicitó ubicar el momento de la reflexión (antes, durante y después de
la acción). En segundo lugar, escoger el objeto sobre el cual se hace la
reflexión (la enseñanza en el aula o un aspecto de esa enseñanza) y el
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
139

contexto social e institucional de la actividad profesional y finalmente,


tener en cuenta que el contexto de la reflexión es individual y privado,
en el marco del aula.

Efectivamente, las prácticas se inscriben en situaciones concretas,


la mayoría de las veces complejas y tratándose de construir sentido a
partir del análisis, hay que elegir el material sobre el que se hará la refle-
xión e, inmediatamente después de esa elección, hay que identificar
por qué esa situación ha sido escogida. La situación elegida puede ser
una situación auténtica o en directo o una situación ya vivida y relatada,
lo importante es que sea significativa para el docente, de esa manera
podrá sacar beneficios para reelaborar su práctica y para desarrollarse
profesionalmente.

Una vez escogida la situación (práctica o aspecto de la práctica),


el colega o pareja pedagógica comienza a observar7 así como el propio
actor que puede auto-observarse y dialogar con su colega en la búsqueda
de una interpretación de la situación analizada. Hemos fuertemente
aconsejado llevar un diario ya que es un medio para consignar los ele-
mentos significativos de las experiencias vividas. De esta manera se
puede volver sobre momentos pasados para llevar a cabo una reflexión
sobre el antes, el durante y el después de la acción.

Las observaciones permiten describir la práctica al traducir en


lenguaje los hechos observados y los registros de las observaciones efec-
tuadas por los colegas, deben ser tomadas en cuenta, ya que contribui-
rán al análisis. Para que la observación sea rigurosa, y esto no quiere
decir “objetiva”, se pidió que algunos aspectos sean tomados en cuenta:

7
Los observadores y cada docente recibió una guía de observación que los orientaba
en las dimensiones a observar (conocimiento del contenido, estructuración de la clase,
formulas pedagógicas, relación profesor/alumno, intervenciones disciplinarias, gestión
de la clase, comunicación, etc.).
140 Marta Anadón – Eduardo Lozano

enunciar los objetivos de la descripción, contextualizar (descripción de


los aspectos físicos, organizacionales, espaciales, etc.), y explicitar las
interpretaciones.
Además, el rigor en la descripción está ligado a la explicitación
de intenciones, objetivos, finalidades y evidentemente del proyecto del
actor principal que es el propio docente. De esta manera, el docente
con su singularidad, su historia, su mirada personal y teórica, su propia
evolución va a “subjetivar” la situación. Esta descripción fue registra
por escrito, se trató de relatar la experiencia, de elucidar las intenciones
de cada uno, de retrazar y reconstruir las actividades de la clase. Varias
ventajas caracterizan ese registro escrito, primeramente, no es lineal y
por eso se puede elaborar, reelaborar y modificar. En segundo lugar, la
escritura deja huellas, ya que lo que ha sido escrito puede retomarse,
comentarse y ser confrontado con otras informaciones. Este escrito no
podía limitarse a una simple narración de un trabajo personal sin análisis
ni reflexión crítica, por eso la próxima etapa del Taller 1 propuso cons-
truir una interpretación del caso. Esta interpretación consistió en una
lectura personal con el objetivo de sistematizar y comunicar la situación
analizada. Con el objetivo de orientar el trabajo interpretativo, se dio la
consigna de no recurrir a lecturas teóricas, sino de establecer algunas
hipótesis interpretativas teniendo en cuenta el contexto y relacionando
la situación analizada con otras situaciones para establecer comparacio-
nes. Lo que se deseaba era traducir los hechos en un primer sistema de
significación, ponerle nombre a los hechos sucedidos, interpretarlos a
partir de “teorías personales” de acción y de comprensión.
Construir una interpretación del caso es también teorizar y apro-
piarse de un saber nuevo, esta etapa no es totalmente diferente y sepa-
rada de la etapa de teorización propiamente dicha.
Con este trabajo de sistematización y teorización personal se dio
por finalizado el primer Taller y en el siguiente cuatrimestre el mismo
grupo se implicó en el Taller 2: Taller de reelaboración teórica de la prác-
tica profesional. Producción trabajo final. Si en el primer taller, la práctica
pedagógica (o algunos aspectos significativos de ella) de los futuros pro-
fesores fue contextualizada, observada y analizada utilizando esquemas
Capítulo 6 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
141

analíticos elaborados por los mismos profesores, valorizando la subjeti-


vidad de cada uno en la descripción e interpretación, en el Taller 2, nos
propusimos teorizar las prácticas para crear un saber estandarizado. Para
ello se puso el acento en la comprensión de las relaciones que pueden
establecerse entre las actividades vividas y la teoría. Se trató de regis-
trar teóricamente el análisis y eso implicó utilizar un lenguaje teórico
para estructurar las situaciones, ayudar a comprenderlas y de esa manera
aumentar la inteligibilidad de prácticas profesionales.
De esta manera, teorizar la práctica quiere decir construir un saber
a compartir. Las hipótesis y lecturas personales debían ser documen-
tadas, apoyadas por saberes establecidos permitiendo que el docente
tome distancia de su propia interpretación. Las preguntas que orientaron
el Taller 2 fueron ¿Qué dicen los investigadores acerca de la situación
analizada? ¿En qué teorías o lecturas reconocidas por los investigadores
se apoya mi interpretación? El registro teórico permite no sólo la teori-
zación de situaciones de trabajo sino también la aplicación de teorías.
Por ejemplo, saber que el control de conocimientos anteriores por parte
del alumno puede tener una incidencia considerable en el aprendizaje,
puede enriquecer la percepción que tiene el docente de la situación de
enseñanza y llevarlo a desarrollar prácticas, como explorar las preconcep-
ciones de los alumnos antes de comenzar toda nueva enseñanza.
Con esta interpretación teórica se integrarán diferentes saberes
resultantes de teorías analizadas. Así, el proceso de teorización no se
reduce a una yuxtaposición simple de conceptos y categorías sino a un
trabajo de diálogo entre el saber práctico y el saber teórico. Este diálo-
go permitirá documentar la práctica, compartirla con los colegas y, de
esta manera, el saber resultante del análisis tendrá un gran valor para
comprender y para actuar y en ese sentido permitirá desarrollarse pro-
fesionalmente. Recurrir a una lectura teórica les permitió reelaborar su
práctica y de esta manera esas teorías (pedagógicas, didácticas, etc.) no
fueron comprendidas como normas o prescripciones sino como instru-
mentos para comprender, decidir y actuar.
142 Marta Anadón – Eduardo Lozano

En síntesis, cuatro grandes etapas caracterizan los Talleres 1)


Elegir la situación a analizar, 2) observar y describir la práctica, 3) cons-
truir una interpretación y 4) teorizar la práctica.

A modo de cierre podemos afirmar que el dispositivo, según los


trabajos presentados por los “alumnos/docentes” permitió la alternancia
entre el campo de la acción y el de la reflexión sobre la acción, es ese movi-
miento entre práctica y teoría que permitió “transformar” el conocimiento
experiencial desde una posición teórica que lo hace mas inteligible.

Afirmamos que cuanto más elementos de interpretación el docen-


te posee, más empowerment, ya que saber “mejor” lo que pasa o lo que
uno hace, puede alimentar el sentimiento de tener mayor control de la
actividad y de su práctica profesional.

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capítulo 7

ENTRE LAS DEMANDAS SOCIALES


Y EL COMPROMISO PERSONAL
Un Docente Profesional

Marta Anadón
María Elena Ruiz

Durante mucho tiempo considerada una vocación, la docencia es


actualmente una profesión estable y cada vez más compleja y especia-
lizada. Esta evolución responde a las grandes transformaciones sociales
y a las exigencias de la sociedad del conocimiento que imponen nuevos
desafíos a los docentes y exigen capacidad de adaptación. Así, la expansi-
ón de los conocimientos, la presencia de las TIC, el pluralismo cultural,
los cambios económicos y sociales constituyen algunas de esas nuevas
realidades a las cuales el docente debe responder.
En ese contexto, los países occidentales reconocen que el trabajo
docente es un trabajo profesional ya que exige variados saberes teóri-
cos y de acción como habilidades y actitudes particulares a esta profe-
sión centrada en las relaciones humanas. Esos requerimientos llevan a
considerar al docente como un profesional autónomo, comprometido y
responsable de su formación continua, elementos que responden a los
mandatos del proceso de profesionalización.
La situación que nos interesa abordar en este trabajo es la de
aquellos docentes que no poseen título de profesor y que se desem-
peñan como educadores en la escuela media de la provincia de Río
146 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Negro, Argentina. Consecuentemente, la enseñanza de la Matemática y


las Ciencias Naturales en el Nivel Medio en esta provincia, se encuentra
a cargo de educadores quienes, con diferentes formaciones, han asumido
responsabilidades en el sistema para la enseñanza de esas disciplinas. Es
decir, además de aquellos que poseen un título de profesor, la enseñanza
se encuentra a cargo de profesionales, técnicos, formados en diferentes
disciplinas, y de profesores de nivel primario.
En el marco del presente trabajo y partiendo de las diferentes
formaciones de los docentes, consideramos de interés y relevancia
enfocarnos en la problemática de la profesionalización docente de estos
“profesores”. A pesar que la dimensión profesional de la docencia no
es unánimemente reconocida, no podemos dejar de constatar que el
debate entorno de la profesionalización docente preocupa desde hace
varios años a los investigadores del campo de la educación. Ese debate
se ha simplificado en la oposición de dos modelos; por un lado aquellos
que reducen la profesión a un conjunto de criterios externos inspirados
de las profesiones liberales y por otro, aquellos que la consideran como
un proceso dinámico e interactivo de construcción y desarrollo constante
de las competencias profesionales. Consecuentemente, la dimensión
profesional del acto o de la intervención educativa hace referencia a la
problemática de la identidad profesional y de su construcción (Gohier
et al., 2001).
Es en esta perspectiva interaccionista (Anadón, 2011), que con-
sidera la identidad profesional como el resultado de la interacción entre
las dimensiones individuales y sociales de la persona, que el presente
trabajo ha sido realizado. La identidad profesional ha sido definida como
la representación (imagen) que el docente elabora de su trabajo, sus
responsabilidades, sus relaciones con los alumnos y colegas así como su
sentimiento de pertenecer a un grupo profesional. Esa representación
se alimenta de la imagen que cada uno tiene de la docencia como profe-
sión y según la visión dinámica e interaccionista de la profesionalización
que fundamenta esta concepción, esos elementos no son totalmente
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
147

impuestos o determinados por la sociedad sino que son también defini-


dos por cada docente en congruencia con su identidad personal y con las
elecciones que cada uno efectúa. Desde esta perspectiva, la identidad
docente se transforma de manera continua y, como lo mencionamos
anteriormente, tiene que ver con la definición que un docente elabora
de sí mismo e implica vínculos constantes con otros actores sociales, sin
los cuales no puede definirse, ni reconocerse. Además, la identificación
con el grupo social de docentes permite también definirse y reconocerse.
Es en este marco y preocupadas por conocer la imagen que el docente
elabore de él mismo como docente así como, la imagen que el docente
elabora de la docencia como profesión, que las siguientes preguntas
orientaron nuestro trabajo de análisis. ¿Qué imagen tienen los docentes
de la profesión? ¿Consideran la docencia como una profesión? ¿Qué
imagen tienen ellos de ellos mismos como docentes? ¿Se consideran un
docente profesional? ¿Se identifican con la profesión, con sus caracte-
rísticas y especificidades?

Para responder a esas preguntas e identificar diversos aspectos


o características del trabajo docente que hoy llevan a cabo quienes
enseñan Matemática y Ciencias Naturales en el nivel medio, se han
realizado entrevistas semi-dirigidas y en profundidad a 14 docentes que
tienen a su cargo las disciplinas de esas áreas, sean profesores titulados,
profesionales o profesores de nivel primario.1 Esas entrevistas intenta-
ron articular la historia personal y profesional de los participantes ya que
nuestra intención fue de conocer las dimensiones personales, intuitivas,
sociales de un grupo de docentes. Esta elección metodológica se justifica
porque contar la historia de cada uno implica un proceso reflexivo y de
autoconocimiento, instancias importantes en la construcción y recons-
trucción de la identidad docente.

Agradecemos a nuestros colegas, profesores de nivel medio de la provincia de Río


1

Negro, por su participación a esta investigación. Sin ellos este trabajo no se habría
realizado.
148 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Para este trabajo nos centramos en las entrevistas de nueve docen-


tes que corresponden a seis profesionales de nivel superior (ingenieros,
bioquímicos, licenciados) y a tres profesores de nivel primario. Estos
“profesores” han sido convocados sobre una base voluntaria y poseen
una experiencia de trabajo docente que varía entre diez y treinta y cinco
años.
Con el objetivo de hacer un análisis lo más riguroso posible, tres
codificadores han hecho lecturas y codificaciones en diferentes momen-
tos durante el análisis y han efectuado una síntesis de categorías para
cada tema de la investigación: la imagen que el docente tiene de la
docencia como profesión y la imagen que él tiene de él mismo como un
docente profesional. Los resultados del análisis serán presentados en
dos secciones. En la primera se identificarán las características que los
participantes adjudican a la docencia como profesión y la segunda se
centra en aquellos elementos que permiten a los participantes definirse
como un docente profesional. Los resultados sintetizan los puntos de
vista expresados por los docentes entrevistados.

La docencia: sus características


y su carácter profesional
La mayoría de los docentes entrevistados reconocen a la docencia
como una profesión ya que ellos reivindican el trabajo docente como una
labor que exige tomar decisiones tanto de orden disciplinario, didác-
tico, pedagógico como ético y político. Si bien hay consenso entre los
participantes sobre el hecho que la docencia es una profesión, no todos
tienen los mismos fundamentos que sostienen esta aseveración. Algunos
docentes afirman que la docencia es una profesión porque posee las
características que debe tener cualquier profesión, como la de médico o
abogado. Según las palabras de Viviana “una profesión implica formación,
formación continua, trabajo en el ejercicio y vocación, que son las cosas que
requiere cualquier profesión, si vas a ser médico se debe tener esas cosas, si vas a
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
149

ser abogado se debe tener esas cosas, si vas a ser docente se debe tener esas cosas”.
(V, 71).2 En el mismo sentido Dilma agrega que la docencia es una profe-
sión como lo es también su diploma de Química ya que las dos “requieren
de una capacitación específica” (D, 72) y Perla completa afirmando que es
una profesión “porque te pagan por este trabajo, porque permite desarrollarse,
porque tiene capacitación y porque se pueden ver los frutos de la dedicación
de uno en el concepto y en el reconocimiento de sus compañeros y alumnos”
(P, 71). Con toda evidencia estas palabras reflejan una concepción de la
docencia como profesión ya que ella responde a los atributos que caracteri-
zan las profesiones liberales y en el caso de Perla es claro porque además
de la formación de base es una tarea remunerada, reconocida y que da
posibilidades de desarrollo profesional.

Paula, por el contrario sostiene que ser un profesional es superar


la concepción que considera al trabajo docente como una técnica a ser
aplicada o como una vocación en el sentido de una disposición natural.
Sus palabras son elocuentes “No es una técnica que se repite ni tampoco es
una vocación, es una profesión en el sentido que no aplica recetas, tiene que
manejar muchos saberes” (Pa, 83). Ella agrega que no solo es necesario
contar con conocimientos de diversos órdenes sino también “poseer la
facultad de poder crear y generar propuestas que provoquen cambios en las
escuelas, en los alumnos, en los docentes y en la sociedad en general” (Pa, 83).
Sin duda, Paula es consciente de las exigencias de la tarea docente y
de la envergadura de la responsabilidad social que eso implica. En este
caso es evidente que lo que se coloca de manifiesto es la complejidad
de la tarea, complejidad que exige no solo saberes particulares sino una
gran capacidad de adaptación y de innovación. Esta concepción de la
profesión se opone como lo dice claramente Paula a una visión de la
docencia como ocupación mecánica y repetitiva.

2
La letra hace referencia a la inicial del nombre del participante y las cifras a las páginas
de referencia de la citación.
150 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Otros participantes ponen el acento en las características perso-


nales que todo docente debe poseer, por ejemplo María afirma que la
docencia es una profesión que exige una “muy buena formación profesional
además de poseer particulares características personales” (M, 83) como por
ejemplo la creatividad y la comunicación ya que como ella lo indica
“la docencia implica responsabilidad sobre todo porque se trabaja con seres
humanos, con personas” (M, 83). Lo interesante del discurso de María es
que ella pone en interacción las dimensiones sociales y personales en
la construcción de su identidad docente. También, Liliana considera
que lo profesional pasa por características personales, lo que lo define
es lo actitudinal, cómo cada uno encara su formación y el desarrollo de
su profesión. Ella asegura: “los docentes son profesionales pues la profesio-
nalidad pasa por uno, ya que uno puede ser bioquímico y no ser profesional”
(L, 82) y agrega “hay muchas maneras de hacer docencia, (…) se hace y en eso
la responsabilidad de la persona es central” (L, 82). Pareciera ser que para
ser profesional hay que tener cualidades personales particulares que no
pasan solo por la formación y en el caso de la docencia estas exigencias
son más fuertes ya que ellas están marcadas por la relación al otro y por
una fuerte responsabilidad social. Lo que se desprende de las palabras
de Liliana y que es compartido por otros colegas es la certeza que el
hecho de ser un profesional depende del compromiso de cada uno, de
la capacidad a evaluar su enseñanza y de cuestionarse constantemente.
De la misma manera, para Graciela y Ofelia la docencia es una profesión
porque es la elección que uno hace y además porque dar clases tiene que
ser gratificante. “Sí, es una profesión [la docencia] y uno la elige, elige esto
sino no estaría en la docencia, te tiene que gustar dar clases y llegar a los chicos”
(G, 113) y Ofelia añade “es lo que uno eligió para hacer en su vida (…) no
es lo mismo ser contador que ser docente, el primero trabaja con papeles y los
docentes con personas, entra [en juego] el afecto (…) en las otras profesiones
no hace falta establecer un vínculo” (O, 83).
De manera general, los “profesores” entrevistados señalan las
características personales como dimensiones importantes en la defini-
ción de una identidad profesional docente. Las que más se mencionan
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
151

hacen referencia a actitudes positivas frente a los alumnos y a la respon-


sabilidad social que ese trabajo involucra. Ser sensible frente al alumno,
saber establecer una relación de confianza, saber proponer actividades
motivadoras son algunas de las características personales que los entre-
vistados mencionan. Como lo revelan las palabras de María: “el profesor
es el que busca cómo llegar al alumno y cada personita es totalmente distinta a
la otra, no se pude trabajar para todos por igual” (M, 83). En el mismo sen-
tido Liliana expresa: “cuando uno logra esa comunicación con los alumnos,
creo que tiene más del 50% hecho, no siempre se puede, hay cursos que no puedo
(…) y se siente en las producciones de los chicos, porque esos son los temas en
los que mejor andan” (L, 31). También Ofelia, como lo mencionamos más
arriba comenta al respecto: “[la docencia] es una profesión muy especial,
(…) entra el afecto en esto, (…) aquí no se puede ejercer la profesión si no se
establece un vínculo afectivo con el chico” (O, 83). Finalmente, Paula dice
que “no solamente tiene que manejar saberes sino poder crear y poder leer muy
bien diferentes situaciones para generar propuestas que convoquen a los chicos”
(Pa, 82).
Como sabemos, la docencia no puede ser reducida sólo a un tarea
cognitiva, factores del orden de las relaciones humanas la caracterizan.
La importancia de la relación que el profesor establece con los alumnos
no se discute, ella es la base de la relación enseñanza/aprendizaje, sin
embargo, lo que sorprende en la lectura de los datos es que la capacidad
de establecer buenas relaciones se define a partir de elementos consti-
tutivos de la personalidad de cada uno. De esa manera, la capacidad de
establecer buenas relaciones es una calidad personal, una disposición de
la persona. Por ejemplo en el caso de Antonio, cuando el entrevistador le
pregunta qué es lo que lo satisface y qué es lo hace sentir un docente, él
habla de la relación con sus alumnos. Según sus palabras es muy impor-
tante establecer una buena relación con los alumnos antes de poner el
acento en los contenidos, es primordial una relación de confianza: “Soy
divertido, hago chistes porque para que un alumno aprenda tiene que estar a
gusto, confiar en el profesor, la clase tiene que ser amena” (A, 31). Él considera
que es esa su misión docente y estima que lo logra porque lo hace con
152 Marta Anadón – María Elena Ruiz

pasión. Podemos constatar no solo en las palabras de Antonio, sino en la


mayoría de los discursos, un gran compromiso y pasión por la enseñanza,
lo que Day (2006) llama la “autoeficiencia” o “eficacia personal” que es
la creencia que uno puede influir en el aprendizaje de los alumnos.

En general, los docentes entrevistados manifiestan sentir mucho


placer y gratificación con el trabajo y en relación a sus alumnos. Por
ejemplo, para Liliana enseñar en el nivel medio la gratifica porque dice
que recibe más afecto que el que recibe al enseñar en la universidad, por
otro lado, aclara que la enseñanza en la universidad es más sencilla en lo
que respecta a conducta de los alumnos. Su expectativa es enseñarles a
los alumnos lo que a ella le gusta. Graciela también tiene expectativas
como docente en relación a sus alumnos ya que desearía dejarles algo,
que la recuerden por lo que les dio.

En el caso de Paula, algo que le da mucho placer de la enseñanza


es hacer salidas de campo con sus alumnos, así como el trabajo en el
laboratorio. Cree que allí, en esas actividades se siente auténtica y final-
mente, Viviana dice que la enseñanza la realiza con mucho compromiso,
la emociona, le genera ansiedad, disfruta mucho su trabajo.

En síntesis, el docente será un profesional si es una persona impli-


cada, comprometida y responsable ya que ellos consideran a la docencia
como un trabajo socialmente importante a pesar que no siempre valo-
rizado.

Si bien los entrevistados, con las peculiaridades de cada uno, con-


sideran a la docencia una profesión, ellos, de manera unánime, sostienen
que la sociedad no reconoce el carácter profesional del trabajo docente,
no sólo en el caso de ellos que carecen de diploma de profesor sino de
toda la docencia que ha luchado continuamente para ser reconocida y
valorada económicamente. Ofelia es convincente cuando ella dice: “para
la sociedad la docencia no es una profesión, es un trabajo como cualquier otro.
(…) ya no se ve al docente como un formador de valores (…) además la lucha
por los sueldos ha desvalorizado más a los docentes” (O, 83). Ella completa
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
153

afirmando: “la docencia es una profesión, no estoy de acuerdo con lo que dice
el gremio: trabajador de la educación”. Viviana sostiene que el docente
“ha caído en un lugar muy manoseado, vejado, que es una cara visible donde
la gente pone todos sus comentarios: no hacen nada, tienen muchas vacaciones,
abusan de las licencias, etc.” (V, 71). En el mismo sentido Antonio dice “la
desvalorización viene por parte de los docentes y también del gobierno (…) hoy
se vive de esto ya no es la ocupación “noble” hoy es una ocupación casi insana”
(A, 72).

Frente a esta responsabilidad de los mismos docentes que Anto-


nio señala, Paula responde que “[los docentes] tenemos la responsabilidad
de generar cambios para modificar la visión que la sociedad tiene, sobre todo
de los profesores de nivel medio” (Pa, 83) ya que según la mayoría de los
entrevistados, esta desvalorización no existe en los niveles superiores
de educación.

Podemos pensar que entre los elementos que pueden haber


influido en la desvalorización social que los entrevistados constatan,
podrían ser las visiones gremiales y las reivindicaciones para considerar
al docente un “trabajador de la educación”, que han provocado en algu-
nos sectores sociales un discurso negativo frente a la tarea profesional,
poniendo el acento solo en las luchas por los sueldos. Esta lectura es
la que hace María cuando dice: “la sociedad en general considera que los
docentes son “vagos” y eso me duele porque no se valora el trabajo”, además
reconoce que son “muchas las actitudes de los mismos docentes que han cola-
borado en generar y sostener esta representación” (M, 83).

En el mismo orden de ideas, Dilma afirma que el Estado también


es responsable de esta desvalorización social ya que “él ha abandonado
la escuela” (D, 72).

Todos deploran esta desvalorización social que tiene efectos en


el “orgullo de ser un docente” y se esmeran para cambiar esta imagen
negativa que la sociedad hace circular tratando que el docente sea evalu-
ado por su tarea y por el éxito de sus alumnos y no sólo por sus luchas y
154 Marta Anadón – María Elena Ruiz

reivindicaciones gremiales. Podemos constatar que en general los parti-


cipantes hacen referencia al trabajo individual de cada uno de ellos para
revalorizar la profesión, es sorprendente la falta de referencia a los aspec-
tos colectivos, a una cierta colegialidad. Tal vez este silencio se pueda
comprender como una manera de alejarse de las luchas sindicales que
caracterizan el cuerpo docente no sólo en Argentina sino en toda Lati-
noamérica. En efecto, si la sociedad no valoriza la profesión, se puede
pensar que cada docente cuenta con su propio trabajo para valorizarse
y construir una identidad profesional. La mayoría es consciente de la
necesidad de ser responsable de su propio desarrollo profesional.

Yo, docente profesional


Si la construcción de una identidad profesional se hace a partir
de una representación de la docencia como profesión, ella se elabora en
relación a sí mismo, a las características y valores personales que hacen
un docente original y orgulloso de su trabajo. En efecto, la mayoría
de los entrevistados manifiestan un gran orgullo de ser docentes. Su
sentimiento de ser un profesional, esto es de poseer las cualidades y
las competencias requeridas, se fue construyendo con el tiempo, con la
experiencia y con la reflexión sobre la práctica evitando la repetición de
gestos mecánicos. En este sentido Graciela expresa “cuando uno empieza
es tan inexperto que quiere darle en un día todo, esa fue mi experiencia (…)
uno se tiene que ir modificando, los mismos chicos lo llevan a eso, (…) enton-
ces hay que cambiar, buscar otra forma (…) yo cambié en la forma de dar la
clase” (G, 31). Siguiendo con esta idea, Paula comenta que desde que
empezó a dar clase hasta ahora ha cambiado, según sus propias palabras:
“he cambiado en el sentido que uno se va soltando más, (…) después uno puede
hacer uso de eso que le enseñaron pero desde otro lado, le va encontrando otros
sentidos a eso que fue más teórico en la formación (Pa, 42). Así la frágil iden-
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
155

tidad profesional que caracteriza el momento del ingreso a la docencia


se afirma a lo largo de los años, y se apoya en la experiencia y en un
sentimiento de orgullo frente al trabajo efectuado.
A la lectura de los discursos analizados, podemos afirmar, que ese
sentimiento de orgullo se alimenta de un sentimiento de competencia
y de dirección de su propio desarrollo personal. Graciela, dice sentirse
orgullosa de trabajar como profesora, le gusta cada día más lo que hace,
valoriza mucho esta “profesión” y así lo expresa: “a mí me gusta cada
día más lo que hago, a mi me dicen no sé para que estudiás tanto, te lo pasas
estudiando, leés y estás todo el tiempo en eso y sentada en la compu, haciendo
ejercicios, sí, a mí me gusta, yo valorizo mucho esta profesión” (G, 41). Ella
agrega que hay personas que le dicen que por qué trabaja como docente
teniendo el título que tiene (Ingeniera agrónoma), donde ganaría más,
pero a ella no le importa ganar más. Si bien al principio eligió la docencia
por problemas familiares, ahora le gusta y no la dejaría. En este caso, es
evidente que lo que la persona desea y le gusta son elementos funda-
mentales de su identidad profesional.
Liliana dejó su profesión de Bioquímica para dedicarse a la docen-
cia, tomó esta decisión pensando en el futuro, no como algo circunstan-
cial y sólo por un período. Cuando le preguntamos si se siente profesor
para toda la vida o es un proyecto temporario, ella responde que antes
de iniciarse en la docencia pensaba que siempre trabajaría de bioquí-
mica, pero ahora que es docente desearía continuar siéndolo siempre,
en cualquier nivel de escolaridad, media o universitario, ella lo expresa
así: “Sí. Toda la vida pensé que me iba a morir, que me iba a jubilar siendo
bioquímica…creo que hay que permitirse los cambios, no sé si [seré docente]
en media o en la universidad” (L, 72).
En el caso de Paula, el deseo de ser profesora se manifestó duran-
te la formación en residencia, ella comenta que sintió mucho placer de
ser profesora cuando hacía la residencia para su formación como Profeso-
ra de nivel primario y también en sus trabajos en el nivel medio. Disfruta
dar clases, le gusta ver el avance que van teniendo los alumnos y en los
156 Marta Anadón – María Elena Ruiz

siete años que lleva enseñando dice, como lo comentamos anteriormen-


te, que ha cambiado y que le va encontrado otros sentidos a lo que vio
en la teoría (Pa, 42). En este caso, la experiencia es importante porque
ella modela y enriquece la imagen que ella tiene como docente. Siente
mucho placer de ser profesora, ya tenía esta sensación desde la residen-
cia en su formación como profesora de nivel primario, como ella lo afirma
al decir: “ (…) la satisfacción de verte y de ver en el otro y en los otros a los que
les estás enseñando, el cambio que hacen, el avance (…) ellos, [los alumnos]
sentirse protagonistas, sí, la verdad que sí, es muy gratificante esas experiencias
positivas que uno tiene, porque si realmente uno no las tiene, sostener esto que
uno piensa sería difícil” (Pa, 63). Aquí Paula hace referencia a que esas
experiencias positivas son las que le permiten mantener sus ideales en
relación a la enseñanza. Ofelia manifiesta sentirse muy orgullosa de ser
docente, sobre todo se siente reconocida por sus alumnos, cuando se
encuentra con ellos siempre se acercan a saludarla. Ella agrega que ha
entregado diplomas de 5º año a algunos que fueron sus alumnos en la
primaria (la tradición en esta región es que el alumno elige al profesor
que le entregará el título), así lo expresa: “Sí, [se siente muy orgullosa
de ser docente], porque, he entregado por ejemplo diplomas a chicos de quinto
año habiendo sido su maestra de primaria y el reconocimiento de los chicos,
porque yo me encuentro con todos los que han sido mis alumnos y es muy raro
que alguien no me venga a saludar” (O, 42). En el mismo sentido habla
Antonio acerca de las satisfacción que le ha dado y le da la docencia
cuando comenta: “el hecho que se junten los egresados de hace 20, 25 años y te
llamen a comer un asado, me parece que uno muy mal no ha hecho las cosas”
(A, 72). También María hace referencia a su orgullo de ser profesora,
porque hace lo que le gusta y es una tarea que no le pesa, no lo siente
como un trabajo, además expresa que no sabría hacer otra cosa. “Sí,
porque para mí no es un trabajo, no me pesa, es un placer, porque hago lo que
me gusta, (…) a mí me encanta lo que hago, es más, creo que no serviría para
hacer otra cosa” (M, 41). Estos testimonios muestran que las manifesta-
ciones de satisfacción recibidas de sus alumnos juegan un importante
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
157

papel en la representación que ellos elaboran de ellos mismos como


docentes. Esas manifestaciones son la prueba tangible del valor de sus
acciones profesionales.

En el mismo sentido, emocionada, con la voz entrecortada, Dilma


dice que la docencia le permite por una parte, desarrollar un instinto
maternal que posee, ya que no tiene hijos, y por otra, enseñar ciencias
puras, objeto de su formación. Agrega que siempre tuvo una relación
muy estrecha con los alumnos y habla con orgullo sobre un proyecto
que presentaron en una feria de ciencias donde tuvieron mucho éxito.
Ella lo expresa así “(...) preparamos un proyecto que era “la vaca nos da la
leche, ¿y la oveja?” y les fue [muy bien] (…) y los invitaron a Buenos Aires e
hicimos jabón con grasa de oveja” (D, 21).

Liliana considera que si uno logra una buena comunicación con


sus alumnos tiene más del 50% hecho y esto se percibe en las produc-
ciones que ellos realizan, porque son los temas en los que mejor andan.
Ella comenta que al enseñar pone mucho de ella, se desarma, según
sus propias palabras: “yo siento que me transformo, sí, sí, y cuando lo logro
yo me doy cuenta del otro, yo siento que me desarmo, así, tal cual, donde yo
voy dejando pedazos porque me voy abriendo, porque me encanta lo que estoy
explicando (L, 31).

Viviana expresa que la docencia la convoca, la divierte, puede


pasarse horas frente a la computadora buscando nuevos materiales,
armando nuevas propuestas y eso la hace sentirse muy orgullosa.

A partir de los elementos presentados anteriormente, podemos


decir que la construcción de la identidad profesional, de ese “yo, docente
profesional” tiene como punto de partida la persona, sus elecciones, sus
gustos, su propia experiencia y convicciones a pesar que todos conocen
las exigencias disciplinarias, pedagógicas y de relaciones interpersonales
que la docencia exige.
158 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Esta imagen de la docencia en relación a sí mismo permite al


entrevistado valorizar algunas características (competencias, actitudes)
que él posee, que lo hacen original y que lo enorgullecen. Ellos son
conscientes que el docente debe ser competente no sólo en el saber dis-
ciplinario que enseña, sino también en el plano psicológico, pedagógico
y que para eso se necesita compromiso y desarrollo profesional.
En ese sentido, la mayoría de los docentes sostienen que ser pro-
fesional implica un compromiso con su propio desarrollo profesional ya
que sienten la necesidad de perfeccionarse en el campo pedagógico,
pues en lo disciplinar ellos se siente competentes. Es el caso de Liliana
que asegura tener las competencias para enseñar Química en el secunda-
rio pues tiene los contenidos, pero dice que le falta la parte pedagógica,
cómo pararse frente al aula. Su inseguridad pasa por saber manejar cier-
tas situaciones, no por los contenidos, si algo no recuerda va a los libros.
Muchas veces se pregunta cómo hacer para que un alumno entienda
un contenido particular, “mi inseguridad no pasa por los contenidos, sino
por saber manejar ciertas situaciones, mis mayores miedos pasaban por allí,
(…) a veces me preguntaba cómo voy a hacer para que el chico entienda esto”
(L, 41).
También para Dilma el perfeccionamiento es de gran importan-
cia, además de docencia quiere hacer investigación porque le gustan los
problemas del aprendizaje, por eso había iniciado un estudio de maes-
tría en enseñanza. Le gusta la universidad para prepararse más porque,
asegura, exige mucho más del conocimiento científico, por eso le gus-
taría ser ayudante en alguna cátedra, no se siente aún capacitada para
ser profesora universitaria, estar frente a un curso. Al igual que Dilma,
Viviana también manifiesta su interés por la investigación, al respecto
ella expresa que desea hacer un doctorado, no sólo por la investigación
sino también por un gusto propio. Ella considera que ser bióloga y ser
docente es una muy buena combinación, porque en el aula hace toda la
biología que quiere, sostiene que aprendió más biología enseñando que
estudiando en la universidad, según sus propias palabras: “he aprendido
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
159

más biología enseñando que en toda la carrera, lejos, lo que yo aprendí… por
la interacción con el otro, porque me ha pasado infinita cantidad de veces que
los alumnos me digan ´ah, profe, entonces esto es así´, claro, jamás se me hubiera
ocurrido, con razón es así, es nutritivo para mí” (V, 91) , luego completa
que ser docente de biología la hizo más bióloga de lo que imaginó. Dice
que lo hace con mucho compromiso, la emociona, le genera ansiedad,
disfruta mucho su trabajo y completa su idea diciendo que siente que
puede hacer más aportes desde la docencia que desde la investigación
básica, según ella misma lo expresa: “lo que yo pueda aportar desde la
investigación básica no se compara con lo que yo creo que puedo aportar desde
la docencia” (V, 91).

Paula, también enseña Biología y sostiene que tiene las compe-


tencias para enseñar dicha disciplina en el nivel medio, pues tenía buena
base en lo disciplinar, siempre estudió, se mantiene siempre actualizada
tanto en lo disciplinar como en lo didáctico. Si tiene dificultades, si
reconoce que hay un obstáculo en alguna cuestión conceptual, rápida-
mente busca ayuda en especialistas Acaba de terminar una especiali-
zación en educación en ciencias en la Flacso3. Manifiesta que le falta
la comunicación con los alumnos, ese es su punto débil, siempre tuvo
buena relación, sobre todo con alumnos de sectores humildes, con los
de sectores más alto le resulta más difícil. Siente que a diferencia de los
obstáculos conceptuales, tratándose de problemas de la comunicación,
es más complejo, hace falta alguien que te observe y te ayude a mirar.
El hecho de no tener título de profesora lo siente como un peso, tiene
que estar demostrando que sabe (cuando ella sabe que sabe), porque los
que tienen algún título (Profesor de Biología o Licenciado en Biología)
les cuesta entender que quien tenga otra trayectoria pueda dominar
el conocimiento, esto lo percibió en escuelas tipo privadas, no en las
públicas (Pa, 51).

3
Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales.
160 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Antonio, ingeniero que enseña Física y Matemática, opina que a


los docentes con título de Profesor, habría que prepararlos mejor en los
aspectos disciplinares de las materias que enseñan, pero reconoce que es
muy importante la formación que tienen en pedagogía, didáctica y psi-
cología. Sus palabras al respecto son reveladoras: “por ahí lo que diga estoy
equivocado, por lo menos mi concepción particular, mis mejores docentes fueron
profesionales, a excepción de una profesora de historia que era fenomenal (…)
no lo tengo muy claro, por ahí es lo que me tocó vivir” (A, 42). Piensa que los
profesionales, enseñando, son más directos, él agrega “la matemática no
sé si tanto, pero la física, el que fue profesional de eso tiene una concepción más
clara hasta dónde hay que llegar, me parece que el matemático o el físico hacen
adoración a esas ciencias, siendo que son herramientas en definitiva” (A, 42).
Nunca se cuestionó el hecho de no estar titulado como profesor ya que
hizo muchos cursos. Le hubiera gustado hacer una complementación
para recibirse de profesor pero ahora piensa que ya no es el momento
(por problemas con las cuerdas vocales tiene que dejar la enseñanza) (A,
42). Perla, otra docente entrevistada, también ingeniera como Antonio,
considera que tiene las competencias necesarias para enseñar Matemá-
tica, al menos en primer año, esto lo afirma pues es en este año donde
tiene toda su experiencia.

En el caso de Graciela, ingeniera agrónoma, aunque se sienta


capacitada para enseñar matemática de primero a quinto año, porque
considera que posee todos los conocimientos que se piden en ese nivel,
está cursando un ciclo de complementación de profesorado en Matemá-
tica a distancia en la Universidad Nacional de Río Negro, ya que percibe
la falta de conocimientos pedagógicos y en este sentido, ha escuchado,
en numerosas ocasiones, críticas hacia los profesionales que enseñan,
como ella misma lo expresa: “siempre nos dicen a los profesionales: a ustedes
les falta la pedagogía, pero yo creo que hay profesores de matemática que aunque
hayan realizado la parte pedagógica, les falta también” (G, 52).
Capítulo 7 – Un Dispositivo de Análisis y Reelaboración de la Práctica Profesional
161

También María, que es profesora de nivel primario, se siente


totalmente competente para enseñar en el nivel medio, ya que cree
que si se poseen los saberes disciplinares de la matemática, un maestro
está mejor preparado que un profesor para enseñar. Ella expresa esta
idea afirmando: “el que es docente de primaria ve al alumno como alumno y
el profesor de media muchas veces lo ve como un número en el registro y saca el
promedio de la nota y se acabó y se ocupa por la mayoría, menos de decir cómo
llego a este chico, cómo hago para que entienda, mientras que el de primaria
está acostumbrado a que hay que pulir el diamante” (M, 52). Como se obser-
va, María entiende que el maestro de primaria tiene más posibilidades
de “ver” a los alumnos y en función de su comprensión, de modificar
estrategias, de favorecer los aprendizajes. Ella agrega que estudia cons-
tantemente, sin parar, que su mesa de luz está llena de libros.

Ofelia, como María, se siente competente para dar matemática en


el nivel medio, pero en el ciclo básico. Comenta que su título le permite
dar hasta 3º año y cree que no podría enseñar en 4º y 5º año porque los
contenidos de matemática para esos años no los ve desde que terminó
la secundaria. En relación a su inicio en la enseñanza en el nivel medio
comenta que, a raíz de la promulgación de la Ley Federal de educación4,
algunos directores y gestionarios consideraban que los maestros (profeso-
res de nivel primario) no estaban capacitados para dar clases en el último
cuclo de la EGB (7º, 8º ni en 9º grado), por lo que ella se quedó con los
cursos de 4º, 5º y 6º. Más tarde, un numéro considerable de maestros
de nivel primario accedieron a enseñar en el nivel medio por eso Ofelia
plantea que no es el título el que te habilita a dar clases o no. Ella dice:
“se puede ser doctor en matemática y no saber enseñar” (O, 52).

4
La Ley Federal de Educación, Ley N° 24.195, sancionada y promulgada en abril de
1993, modificó la estructura del sistema educativo nacional. Transformó la escolaridad
primaria, de 7 años y la secundaria (nivel medio) de 5 años, en EGB (Escolaridad
General Obligatoria) de 9 años y Polimodal que abarca los 3 últimos años.
162 Marta Anadón – María Elena Ruiz

Estos elementos nos confirman que la identidad profesional se


construye sobre las competencias, entre otras sobre el saber adquirido
en la experiencia, en la práctica docente y también en la capacidad para
establecer buenas relaciones con los otros, en primer lugar los alumnos
pero también los colegas, la dirección, y la sociedad en general. El desar-
rollo de la identidad, en el plano profesional no se puede dar sin un buen
conocimiento de sí mismo, de sus capacidades, sus límites y valores que
sustentan la acción de enseñar.

Tradicionalmente se ha concebido a los docentes como un cuerpo


profesional homogéneo sin embargo, como lo muestran los docentes
entrevistados, plantearse el tema de la identidad profesional supone
transitar por una complejidad que abarca no solo las dimensiones socia-
les e históricas sino también las dimensiones personales. En efecto, toda
elección profesional lleva implícita metas y motivaciones personales que
se cristalizan por un proceso subjetivo.

REFERENCIAS
ANADÓN, M. Un modelo de construcción de la identidad profesional
docente. In: JORNADAS DE INVESTIGACIÓN EN EDUCACIÓN.
ENCRUCIJADAS DE LA EDUCACIÓN: SABERES, DIVERSIDAD
Y DESIGUALDAD, 7., Centro de investigaciones María Saleme de
Bournichon; Facultad de Filosofía y Humanidades Universidad Nacio-
nal de Córdoba. 29, 30 de junio y 1 de julio 2011.

DAY, C. La identidad personal y profesional del docente y sus valores. Madrid:


Narcea; De Ediciones, 2006.

GOHIER, C. et al. La construction identitaire de l’enseignante sur le


plan professionnel: un processus dinamyque et interactif. Revue des Scien-
ces de l’éducation, XXVII (1), 3-32, 2001.
capítulo 8

CURRÍCULUM, COMPETENCIAS,
EDUCACIÓN INCLUSIVA
Aproximación a Tres Conceptos
Clave en el Sistema Educativo

Ana Rodríguez Marcos


Mercedes Blanchard Giménez
Rosa María Esteban Moreno
Claudia Messina Albarenque

En este capítulo, pretendemos hacer una introducción general a


los conceptos de currículum, competencias y educación inclusiva en el
sistema educativo español. Tomaremos como referencia la educación
primaria (se cursa entre los 6 y los 12 años de edad).

Conceptos y modelos de currículum


El término currículum es polisémico. No hay una definición de
currículum sino muchas (Gimeno; Sacristán, 1988, 2010). La razón es
que a la hora de definir este término se cruzan diversas facetas de la
educación y diferentes posiciones teóricas, ideológicas y políticas. Por
ejemplo, aparecen divergencias respecto a la función social de la escuela,
al tipo de ciudadanos que deseamos formar, a qué contenidos deben
enseñarse en la escuela, etc. Pero además, en años recientes, por un lado,
el foco de los estudios sobre el currículum ha evolucionado más allá de la
164 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

escolarización para extenderse a todas las formas culturales que educan;


y, por otro lado, muchos estudios dejan de tener en el punto de mira
la vertiente práctica de orientar el trabajo de los profesores en las aulas
y de otros agentes educativos y se centran únicamente en los aspectos
teóricos de problemas como cultura, poder e identidad.

En el ámbito de la realidad educativa escolar, algunos autores


entienden el currículo como proyecto formativo para la escuela y la
puesta en marcha de ese proyecto. El currículo comprende tanto el
diseño como el desarrollo.

Otros autores, al definir el currículo se fijan en su aspecto diná-


mico (procesual), en lo que ocurre realmente en el aula y en el centro
escolar. Por un lado, el proceso de enseñanza-aprendizaje en el aula es
currículum en acción. Pero no todas las experiencias educativas que
viven los alumnos en el aula y en el centro están planificadas de ante-
mano en un documento escrito, en una programación, por eso definen
el currículo como el conjunto de experiencias educativas, planificadas
o no, que viven los estudiantes en la escuela.

Considerado como proyecto formativo, el currículum tanto si es


elaborado por especialistas, como si es elaborado por una administración
educativa, por un grupo de profesores o por un profesor pretende servir
de guía de la práctica docente. Pero hay distintas maneras de entender
el proyecto y de diseñarlo, que tienen que ver:

• Con las distintas concepciones de la enseñanza y del profesor sostenidas por


los diferentes paradigmas (enseñanza como actividad técnica y profesor
como técnico aplicador, visión propia del paradigma positivista; ense-
ñanza como actividad práctica y profesor como profesional reflexivo
orientado a la indagación, propia del paradigma interpretativo; ense-
ñanza como actividad crítica y profesor como intelectual transformador,
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
165

propia del paradigma crítico; enseñanza y profesor desde la visión de la


realidad como sistema abierto, complejo y dinámico, con perspectiva
de holograma, propia del paradigma de la complejidad).1

• Con las diferentes teorías del desarrollo y del aprendizaje adoptadas.

• Con las distintas posiciones epistemológicas, filosóficas, políticas, etc.

Dentro del paradigma positivista, surge el modelo curricular


lineal, modelo tecnológico, de base conductista que gira en torno a los
aprendizajes de los alumnos expresados en forma de conductas obser-
vables (objetivos operativos o de ejecución). En el diseño o programa-
ción se comienza elaborando los objetivos de aprendizaje que se espera
conseguir de los alumnos, expresados en forma de comportamientos
observables; por ejemplo: “El alumno será capaz de realizar una suma
con llevadas sin error”. Una vez definidos los objetivos, en función de
ellos, se pasa ya a redactar: a) los contenidos de enseñanza (en el caso del
ejemplo de la suma, serían “el concepto de suma”, “el procedimiento
de la suma sin llevadas”, “el procedimiento de la suma con llevadas”,
“la actitud favorable a ser cuidadoso en la realización de los cálculos
matemáticos”); b) la metodología, materiales y recursos de enseñanza;

Abordar los problemas de la escuela desde el paradigma de la complejidad, como afirma


1

Boggino (2007, p. 55), “supone apelar a formas de conocer e intervenir que no mutilen
ni atomicen lo real… nos invita a percibir las múltiples relaciones entre las dimensio-
nes que producen los hechos”. Más adelante (p.57), continúa diciendo el autor, “El
concepto de problema de escolarización es más amplio que aquello que le ocurre a un
alumno que no alcanza una meta o no se comporta según los cánones “normales” y,
por lo tanto, consideramos relevante preguntarnos acerca de la trama de producción y
la lógica de construcción de los mismos. Y todo ello nos remite a indagar los múltiples
factores que intervienen en la producción de dicho problema… tienen que buscarse
tanto en la escuela (como organización y como institución) y en la práctica educativa, en
el marco jurídico-político y en la intencionalidad pedagógica que sustenta la práctica del
docente en el aula, como en la familia y en el contexto, en las peculiaridades del objeto
de conocimiento y en las condiciones de posibilidad de aprender de los alumnos.
E
xiste una multiplicidad de factores que llegan a configurar dicha trama, sólo a partir de
la cual puede comprenderse el aprendizaje, las conductas, y sus problemas y obstácu-
los”.
166 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

c) las actividades y la temporalización; y d) la evaluación. Se trata de un


modelo cerrado, con tres fases bien definidas: programación, puesta en
marcha de lo programado y evaluación.

Dentro del paradigma interpretativo, en el que la enseñanza


es considerada como praxis en el sentido aristotélico del término y el
profesor como agente de decisiones e investigador en la acción, surge
el modelo curricular de proceso. En este caso el currículo en cuanto
proyecto se concibe como una hipótesis de trabajo para llevar al aula;
es decir, no es un proyecto cerrado sino abierto y flexible, que en todo
momento está sujeto a posibles modificaciones en función de las necesi-
dades que van surgiendo en el aula y de la reflexión en y sobre la acción.
Pero además es abierto también en el sentido de que no se delimitan
objetivos concretos de aprendizaje, no se expresa hasta dónde deberán
llegar los alumnos.

A la hora de elaborar el proyecto, en el modelo de proceso no se


comienza redactando objetivos. No quiere decir esto que los profesores
vayan a actuar sin unas intenciones educativas claras, sino que las expre-
san de otra forma. En el modelo de proceso las intenciones educativas
se concretan por la vía de los contenidos (los profesores no redactan
objetivos concretos pero seleccionan para enseñar los contenidos que
consideran que poseen mayor valor formativo para los alumnos), las
actividades (se las selecciona por su valor educativo intrínseco) y los
principios de procedimiento que deben regir la acción educativa. Estos
principios a veces adoptan la modalidad de finalidades pedagógicas pero
no son objetivos como los del modelo lineal; son propósitos amplios,
que no indican resultados concretos de aprendizaje de los alumnos
sino por dónde debe ir la enseñanza del profesor. Entrarían aquí los
denominados “objetivos cognitivos”, que se refieren a la adquisición
de habilidades o destrezas cognitivas que los alumnos podrán aplicar
después a una gran diversidad de situaciones; por ejemplo: “ Animar
a los niños a reflexionar respecto a sus propias experiencias”; “Ayudar
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
167

a los niños a desarrollar la capacidad de utilizar diversas fuentes de


primera mano como datos a partir de los cuales puedan desarrollar hipó-
tesis y extraer conclusiones”; etc. (ejemplos tomados de Man: A course
of Study , cit. por Stenhouse, 2003, p. 136). Y también se incluirían en
este apartado los “objetivos expresivos” propuestos por Eisner, que
implican: “Identificar la situación en la que el alumno ha de trabajar, el
problema al que ha de enfrentarse, la tarea en la que se ha de implicar,
pero no especifica qué es lo que ha de aprender a partir de y como con-
secuencia de ese encuentro, situación, problema o tarea” (Eisner, 1985,
p. 54). Por ejemplo: “Interpretar el significado de una novela”; “Visitar
un museo”; “Construir una forma tridimensional utilizando madera y
alambre”; etc.
Cuando el modelo lineal abandona la base psicológica conductista
y adopta la psicología cognitiva renuncia también a la prescripción de
expresar los objetivos en forma de conductas observables. Aparecen
entonces modelos integradores que se sitúan entre el modelo lineal puro
y el modelo procesual puro. Últimamente podríamos incluir entre los
modelos integradores los modelos de currículum por competencias, uno
de cuyos pilares es el “aprendizaje situado” (Brown; Collins; Duguid,
1989).
A los modelos basados en competencias les interesan los resulta-
dos observables del aprendizaje, como a los modelos lineales; los
procesos cognitivos y afectivos desarrollados por los alumnos y que la
enseñanza genere las situaciones más adecuadas para que los estudiantes
desarrollen su potencial cognitivo, afectivo-social y psicomotor, como
a los modelos procesuales; pero, además, les interesa que los alumnos
aprendan y demuestren haber adquirido las competencias que les per-
mitirán afrontar de manera eficiente las situaciones y problemas que les
planteará la vida real.
168 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

Concepto y modelo de currículo en la LOE y


el Real Decreto de enseñanzas mínimas de la
educación primaria española
En España, en la LOE (Ley Orgánica de Educación, de 3 de
mayo de 2006) y en el Real Decreto de enseñanzas mínimas de la edu-
cación primaria (R. D. de 7 de diciembre de 2006), aparece recogida la
siguiente definición de currículo:

“Se entiende por currículo de la Educación Primaria el conjunto de


objetivos, competencias básicas, contenidos, métodos pedagógicos
y criterios de evaluación de esta etapa educativa” (Art. 5º del R.D.
de enseñanzas mínimas de la educación primaria, de 7 de diciembre
de 2006).

El modelo que tiene de base nuestro currículum oficial para todo


el territorio español en la enseñanza primaria (la que se cursa entre los
6 y los 12 años de edad), es un modelo que contempla la enseñanza de
competencias básicas; es un modelo semiabierto, en tanto que prescribe
mínimos y deja la tarea de completarlo y desarrollarlo a las Comunidades
Autónomas, los centros y los profesores en las aulas. De su estructura
básica se desprende una concepción del currículo que pretende respon-
der a las siguientes cuestiones:
• Para qué enseñar: objetivos y competencias básicas. Vamos a hacer algunas
aclaraciones para que pueda entenderse bien el sentido de los objeti-
vos y las competencias básicas.
La educación tiene como finalidad la formación integral de las
personas; es decir, el pleno desarrollo de todos los ámbitos de la persona-
lidad (cognitivo, afectivo-social y psicomotor). Para el individuo alcanzar
ese desarrollo integral es tarea de toda la vida y en ayudarle a conseguirlo
no sólo intervienen la escuela y las demás instituciones de la educación
formal (intencional, planificada y reglada), sino también la denominada
educación no formal (intencional y planificada, pero no reglada) y la
educación informal (ni intencional ni planificada). Pero la escuela, en
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
169

nuestro caso concreto la enseñanza primaria, tiene un papel esencial a


través de la instrucción y, en colaboración con la familia, también en
aspectos que rebasan lo meramente académico.

El currículum oficial de la enseñanza primaria para todo el ter-


ritorio español concreta esa contribución de la educación primaria a la
formación integral de la persona, de dos maneras complementarias:

- En forma de capacidades de la persona a desarrollar. Entre ellas, por ejem-


plo: “ …desarrollar en el alumnado las capacidades que les permitan
conocer y apreciar los valores y las normas de convivencia, aprender
a obrar de acuerdo con ellas, prepararse para el ejercicio activo de la
ciudadanía respetando y defendiendo los derechos humanos, así como
el pluralismo propio de una sociedad democrática”.

- En forma de competencias básicas. El sentido de las competencias básicas


es indicar que la escuela debe educar para la vida y desde la vida. Para
entender el significado de “competencias básicas”, veamos en primer
lugar qué significa ser una persona competente (Sarramona, 2004).

La vida real es compleja. Las situaciones y los problemas que


le plantea la realidad a las personas son complejos y están sometidos a
cambio continuo. La educación debe formar personas capaces de afron-
tar eficazmente esa complejidad y el cambio; la educación debe formar
personas competentes.

Una persona competente es aquella que afronta de modo eficien-


te las diversas situaciones y problemas que le presenta la realidad. La
persona competente, ante un determinado problema o situación movi-
liza de manera integrada sus capacidades, su saber (los hechos y con-
ceptos), su saber hacer (los procedimientos) y las actitudes pertinentes
a ese problema o a esa situación y la afronta eficientemente. Pero el ser
competente no es cuestión de todo o nada, uno puede ser competente
en diversos grados (la mejora en la propia competencia es tarea que
abarca toda la vida).
170 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

La persona competente ha adquirido competencias que pertene-


cen a diversos ámbitos. Unas competencias están directamente relacio-
nadas con determinadas disciplinas académicas, otras son transversales
a diversas disciplinas académicas y otras no se corresponden con las
disciplinas académicas.
Hay muchas definiciones de competencia (una amplia recopilaci-
ón puede verse, por ejemplo, en Zabala y Arnau, 2008). Para nosotros la
competencia es una integración de capacidades, conocimientos (declara-
tivos y procedimentales) y actitudes. En la competencia intervienen las
capacidades, el saber (hechos y conceptos), el saber hacer (procedimien-
tos) y las actitudes, pero es más que cada uno de esos elementos por
separado. La competencia se manifiesta como comportamiento eficiente
en un contexto complejo, lo que implica que la persona para resolver
un determinado problema ha movilizado de forma integrada sus capaci-
dades, el saber, el saber hacer y las actitudes pertinentes. Por ejemplo,
para tener competencia matemática no basta con saber resolver bien
los problemas que aparecen en el cuadernillo de Matemáticas; es preci-
so, además, mostrarse eficaz en movilizar el conocimiento matemático
que uno posee (conceptual y procedimental) y las actitudes pertinentes
para afrontar las situaciones de la vida real en las que intervienen las
Matemáticas (el mercado, el banco, la construcción de un gallinero, la
medición de un terreno, etc.). Otro ejemplo: para tener competencia
lingüística en una lengua extranjera es necesario mostrarse eficaz en
utilizarla en un contexto de vida real.
Dentro del sistema educativo se entiende por competencias bási-
cas o clave aquellas que se consideran esenciales y que, por tanto, deben
ser alcanzadas por todos los alumnos durante la escolaridad obligato-
ria. Las competencias básicas dan un nuevo sentido a los aprendizajes
escolares, vinculándolos a la vida real. No se trata ya de aprendizajes
que son meramente funcionales a nivel académico (para avanzar por las
diferentes etapas del sistema educativo) sino de capacitar a las personas
para resolver los problemas y situaciones de la vida real y asumir respon-
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
171

sablemente su papel de ciudadanos. Las competencias básicas no son,


por tanto, sólo tarea exclusiva de la escuela sino también de la familia y
de las otras instituciones que ejercen funciones educativas; pero el papel
de la escuela es fundamental y, sobre todo, como bien dice Sarramona
(2004, p. 16) “…para los alumnos que pertenezcan a medios familiares
y sociales deprivados”.

• Qué enseñar: contenidos. Los contenidos de enseñanza-aprendizaje son


de varios tipos:

– Contenidos conceptuales. Se refieren al saber declarativo: hechos, con-


ceptos y principios.

Los hechos son datos, por ejemplo: Colón descubrió América en


1492.

Reigeluth define los conceptos como “un conjunto de objetos,


sucesos, situaciones o símbolos que tienen ciertas características en
común” (citado por Román; Díez, 1994, p. 132). Por ejemplo, el con-
cepto de triángulo.

Los principios son conceptos estructurantes, “conceptos muy


generales, de un gran nivel de abstracción, que suelen subyacer a la
organización conceptual de un área” (Pozo, 1992, p. 27). Por ejemplo,
el concepto de tiempo histórico, etc.

– Contenidos procedimentales. Comprenden:

a) El saber hacer (procedimientos); por ejemplo, saber hacer una


suma. Se incluyen aquí las destrezas cognitivas.

b) El conocimiento condicional, saber cuándo y por qué aplicar el


conocimiento declarativo y los procedimientos; por ejemplo, saber
cuándo y por qué aplicar la multiplicación. Se incluyen aquí las
estrategias cognitivas.
172 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

c) Las disposiciones de pensamiento productivas. Son tendencias


continuas que guían nuestro comportamiento intelectual. Incluyen
las habilidades de pensamiento, pero van más allá. Suponen: 1)
habilidad; es decir, saber realizar un determinado procedimiento
cognitivo, por ejemplo ser capaz de realizar un mapa conceptual;
2) sensibilidad para darse cuenta de en qué situaciones resulta
adecuado ese procedimiento; y 3) tendencia, es decir, inclinación
a poner en práctica ese procedimiento.

– Contenidos actitudinales. Se refieren a la enseñanza de valores, actitu-


des y normas.

Los valores son principios éticos frente a los cuales las personas
tienen un fuerte compromiso emocional y utilizan para juzgar las con-
ductas.

Las actitudes pueden entenderse como predisposiciones relati-


vamente estables a valorar de una determinada forma un objeto, per-
sona, suceso o situación y actuar en consecuencia. Como afirma Sara-
bia (1992), las actitudes tienen tres componentes básicos: a) cognitivo
(conocimientos y creencias); b) afectivo (sentimientos y preferencias);
y c) comportamental (acciones manifiestas y declaraciones de inten-
ciones).

No es lo mismo contenidos que competencias. Los contenidos


aquí señalados son componentes de las competencias. Las competencias
se refieren a la capacidad del alumno de movilizar de forma integrada
sus aprendizajes de carácter conceptual, procedimental y actitudinal
y sus diversas capacidades para dar respuesta eficaz a las situaciones,
conflictos y problemas de la vida real. La competencia con relación a
la capacidad viene a ser algo así como capacidad de capacidades. Las
competencias van a servirle al profesor de guía para seleccionar los con-
tenidos de enseñanza-aprendizaje.
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
173

• Cuándo enseñar: secuenciación de contenidos

– Cómo enseñar: metodología, materiales y recursos. El enfoque de com-


petencias supone, sobre todo, un cambio en la metodología de
enseñanza. Las competencias son siempre funcionales; reiteramos
que comportan movilizar conocimientos, actitudes y capacidades
para afrontar situaciones, conflictos y problemas de la vida real. Por
eso cobran plena actualidad y relieve metodologías de enseñanza
que, aunque se conocen desde hace mucho tiempo, su uso todavía
no se ha generalizado. Son metodologías de enseñanza globalizado-
ras que, para el aprendizaje de los contenidos, ponen al estudiante
en un contexto de vida real (proyectos, problemas, tareas, etc.)
que exige integrar conocimientos de diversas áreas. Por ejemplo,
los niños de 5º de una escuela primaria están trabajando en un
proyecto titulado “La contaminación en nuestro pueblo: problemas y
soluciones”. Llevar a cabo este proyecto exige aprendizajes cor-
respondientes a diversas áreas (conocimiento del medio natural,
social y cultural, lengua, matemáticas, etc.) que van a compor-
tar también trabajar de manera integrada diversas competencias
(“Competencia en el conocimiento y la interacción con el mundo
físico”, “Competencia social y ciudadana”, “Competencia mate-
mática”, “Tratamiento de la información y competencia digital”,
“Competencia en comunicación lingüística”, “Competencia para
aprender a aprender”, “Competencia cultural y artística”, Autono-
mía e iniciativa personal”).

– Qué evaluar

– Cuándo evaluar

– Cómo evaluar

Las respuestas a todas estas cuestiones que venimos comentando


se especifican más a medida que nos vamos acercando a la realidad de
cada aula, de modo que surgen diversos niveles de currículo.
174 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

1 Niveles de currículum
1º. El currículum oficial nacional (para todo el Estado español), que para la
enseñanza primaria viene fijado en el Real Decreto de 7 de diciem-
bre de 2006, por el que se establecen las enseñanzas mínimas de la
educación primaria. La finalidad de este Decreto es “asegurar una
formación común a todos los alumnos y alumnas dentro del sistema
educativo español y garantizar la validez de los títulos correspon-
dientes…”.

El R.D. de enseñanzas mínimas para la educación primaria (7 de


diciembre de 2006) establece:

– Fines de la educación primaria

– Objetivos de la educación primaria

– Competencias básicas de la educación primaria: “Competencia en comuni-


cación lingüística”, “Competencia matemática”, “Competencia en el
conocimiento y la interacción con el mundo físico”, “Tratamiento de
la información y competencia digital”, “Competencia social y ciudada-
na”, “Competencia cultural y artística”, “Competencia para aprender
a aprender”, Autonomía e iniciativa personal”.

– Áreas de conocimiento de la educación primaria. La educación primaria


se estructura en tres ciclos de dos años cada uno; para todos los ciclos,
las áreas son las siguientes: “Conocimiento del medio natural, social y
cultural”, “Educación artística”, “Educación física”, “Lengua castella-
na y literatura y, si la hubiere, lengua cooficial y literatura”, “Lengua
extranjera” y “Matemáticas”. Además, en uno de los cursos del tercer
ciclo, “Educación para la ciudadanía y los derechos humanos”.

– Número de horas anuales que ha de dedicarse en cada ciclo a cada una de las
áreas.
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
175

– Tiempo asignado a las enseñanzas mínimas. En términos porcentuales


se indica que a las enseñanzas mínimas que fija este Decreto habrán
de destinar los centros el 55% del horario escolar en las Comunidades
Autónomas que tienen lengua cooficial y el 65% en las Comunidades
Autónomas que no la tienen.

– Evaluación de diagnóstico al finalizar el segundo ciclo de la educación pri-


maria. Respecto a ella, el art. 15 del R.D. dice que

…la realizará todo el alumnado al finalizar el segundo ciclo de la


Educación primaria, no tendrá efectos académicos, tendrá carácter
formativo y orientador para los centros e informativo para las familias
y para el conjunto de la comunidad educativa…Los centros utilizarán
los resultados de estas evaluaciones para, entre otros fines, organizar,
en el tercer ciclo de la Educación primaria, las medidas de refuerzo
para los alumnos y las alumnas que las requieran, dirigidas a garanti-
zar que todo el alumnado alcance las correspondientes competencias
básicas. Así mismo, estos resultados permitirán, junto con la evalua-
ción de los procesos de enseñanza y la práctica docente, analizar,
valorar y reorientar si procede, las actuaciones desarrolladas en los
dos primeros ciclos de la etapa.

2º. El currículum oficial de cada Comunidad Autónoma. Asume el currícu-


lum correspondiente a todo el estado español, pero lo amplía para un
45% del horario escolar en las Comunidades que tienen lengua coofi-
cial y para un 35% en las Comunidades que no la tienen. Por ejemplo,
el currículum oficial de la Comunidad de Madrid para la educación
primaria lo fija el Decreto del Consejo de Gobierno de la Comunidad
de Madrid de 10 de mayo de 2007 (B.O.C.M. de 27 de mayo). Su
estructura es la misma que la del R.D. de enseñanzas mínimas de 7
de diciembre de 2006, pero amplía las enseñanzas que dispone dicho
R.D. en lo correspondiente a un 35% del horario escolar.
176 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

El currículum oficial de cada Comunidad Autónoma deberá ser


respetado por todos los colegios públicos y privados de esa Comuni-
dad Autónoma, pero los centros tienen autonomía para desarrollar y
completar dicho currículo a fin de adaptarlo a las características de su
alumnado.

3º. El currículum recogido dentro del proyecto educativo de cada centro. Dentro
del proyecto educativo de centro hay un apartado que se refiere al cur-
rículo. En él se asume el currículum oficial de la Comunidad Autóno-
ma correspondiente, pero se adapta a las características del alumnado
del colegio.

Tal y como se indica en el art. 121 de la LOE (3 de mayo de 2006),


el proyecto educativo es un documento institucional que debe recoger
“los valores, los objetivos y las prioridades de actuación. Asimismo, incor-
porará la concreción de los currículos establecidos por la Administración
educativa que corresponde fijar y aprobar al Claustro, así como el trata-
miento transversal en las áreas, materias o módulos de la educación en
valores y otras enseñanzas…Dicho proyecto, que deberá tener en cuenta
las características del entorno social y cultural del centro, recogerá la
forma de atención a la diversidad del alumnado y la acción tutorial, así
como el plan de convivencia, y deberá respetar el principio de no discri-
minación y de inclusión educativa como valores fundamentales, así como
los principios y objetivos recogidos en esta Ley y en la Ley Orgánica
8/1995, de 3 de julio, Reguladora del Derecho a la Educación”.

Veamos, por ejemplo, cómo se refiere la legislación de la Comu-


nidad de Madrid a la concreción del currículo en cada centro.

En el art. 4º del Decreto de currículo de la educación primaria de


la Comunidad de Madrid, se dice:

Los centros docentes desarrollarán y completarán, en su caso, el cur-


rículo de la Educación Primaria establecido en el presente Decreto,
y en las normas que lo desarrollen. El resultado de esta concreción
formará parte del Proyecto Educativo del centro.
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
177

Esto mismo aparece recogido también en el preámbulo de dicho


Decreto:

Por último, corresponderá a los centros docentes, respondiendo al


principio de autonomía pedagógica, de organización y de gestión
que les otorga la LOE, desarrollar y completar el currículo estable-
cido en esta norma, adaptándolo a las características del alumnado,
para su incorporación al proyecto educativo, de modo que todos los
alumnos puedan satisfacer las expectativas que sus capacidades les
permitan. Conviene señalar, a este respecto, que las agrupaciones
en que se presentan los contenidos de las distintas áreas obedecen a
criterios epistemológicos y no han de ser interpretadas rígidamente
como unidades didácticas que hayan de ser impartidas necesaria-
mente en ese orden. En todo caso los equipos docentes adoptarán
las decisiones relativas a la distribución de los contenidos y de los
criterios de evaluación en cada ciclo, así como su secuenciación y
estructuración en unidades didácticas, que quedarán reflejadas en
las programaciones docentes.

4º. La programación de aula del maestro. En ella el maestro adapta el cur-


rículo de centro a la realidad de su aula, a sus alumnos concretos.

En el art. 121, apartado 3 de la LOE se afirma que “corresponde


a las Administraciones educativas contribuir al desarrollo del currículo
favoreciendo la elaboración de modelos abiertos de programación docen-
te y de materiales didácticos que atiendan a las distintas necesidades
de los alumnos y del profesorado”. Más adelante veremos qué significa
programación abierta, al referirnos al concepto de inclusión.

2 Otros términos y conceptos


relacionados con el currículum
Hemos visto ya el significado de currículum oficial, pero en la
bibliografía sobre currículum aparecen también otras expresiones cuyo
significado conviene clarificar:
178 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

• Currículum percibido. Es la percepción que el profesor tiene del currí-


culum oficial. El docente “filtra” el currículum oficial, reconstruye el
currículum oficial, en función de su “conocimiento práctico” y de sus
constructos personales (Bolívar, 2008).

• Currículum material. Se refiere al currículum “presente en los libros de


texto y materiales de apoyo al profesorado” (Bolívar, 2008, p.149).

• Currículum operativo. Viene a ser el currículum enseñado. Es el currí-


culum que se materializa en la enseñanza y evaluación que realiza el
profesor.

• Currículum vivido. Es el currículo que de hecho es vivido/aprendi-


do por los alumnos bajo la jurisdicción de la escuela. Aquí hay que
tener en cuenta que, como dice Bolívar (2008, p. 143) “una cosa es el
currículum intentado (es decir, que se espera sea aprendido), otra el
que es enseñado, y por último, el que de hecho es vivido/aprendido”.
Pero, además, en el currículum vivido hay elementos planificados y
no planificados.

• Currículum nulo. Con este término Eisner (1994) se refiere al currícu-


lum ausente, es decir, a aquellos contenidos que podrían haber sido
incluidos al planificar el currículum y fueron excluidos. Por otro lado,
Posner (1998) entiende que también caen bajo la rúbrica de currícu-
lum nulo los contenidos superfluos que se incluyen en el currículum
planificado.

• Currículum oculto. Seguiremos a Giroux (1998) para exponer el signi-


ficado de currículum oculto.

Giroux (1998, p. 72), tras revisar diversos trabajos acerca del cur-
rículum oculto, observa que los autores coinciden en caracterizar el
currículum oculto como “aquellas normas, creencias y valores no decla-
rados, implantados y transmitidos a los alumnos por medio de reglas
subyacentes que estructuran las rutinas y las relaciones sociales en la
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
179

escuela y en la vida en las aulas”. No declarados quiere decir que no


están explicitados en el currículum; sin embargo tienen consecuencias
educativas relevantes.

Giroux afirma la gran importancia que tiene hacer un análisis


crítico del currículum oculto y de sus consecuencias. Pero el análisis
va a estar condicionado por la perspectiva filosófica e ideológica en la
que nos situemos, porque las diferentes perspectivas comportan ideas
distintas acerca del mundo que conllevan formas diferentes de pensar,
sentir y actuar.

En la revisión que de los trabajos sobre currículum oculto hace


Giroux a principios de los años noventa, diferencia tres aproximaciones
básicas al análisis del currículum oculto: tradicional, liberal y radical. En
su opinión, cada uno de estos enfoques representa unos determinados
intereses y tiene limitaciones teóricas y prácticas.

Para el enfoque tradicional “la educación desempeña un papel


fundamental para la conservación de la sociedad existente”. Por eso,
“La transmisión y reproducción de los valores y creencias dominantes a
través del currículum oculto es reconocido y aceptado como una función
positiva del proceso de escolarización” (Giroux, 1998, p. 74). El enfoque
tradicional ha realizado una aportación teórica valiosa al aclarar cómo el
currículum oculto desempeña un papel muy importante en que los estu-
diantes adquieran los valores y creencias requeridos para funcionar en
la sociedad existente. Pero este enfoque no entra a discutir los intereses
políticos, ideológicos y económicos que legitiman los valores y creencias
transmitidos a través del currículum oculto.

Desde la perspectiva liberal, el análisis del currículum oculto no


entra en el estudio de cómo la escolarización contribuye a mantener
las estructuras sociales existentes. Por otro lado, como no concibe a los
alumnos como meros recipientes pasivos sino que afirma la construcción
180 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

social del conocimiento, lo que le preocupa es analizar las formas en que


el profesor y los alumnos producen y negocian los significados en el aula
y se influyen mutuamente.

Dentro de esta perspectiva de análisis del currículum oculto se


hicieron, por ejemplo, estudios de género que mostraban estereotipos
de género en las prácticas de la escuela. Descubrir y eliminar esos este-
reotipos es tarea de la escuela. No obstante, “Queda excluida de esta
perspectiva la idea de que la discriminación de género pueda tener una
base material de poder fuera de las escuelas y que la resolución de tal
discriminación puede ser más que un problema ideológico” (Giroux,
1998, p. 79).

Los estudios desde este enfoque no examinan los determinantes


políticos y económicos del currículum oculto; no analizan, por ejemplo,
cómo la ideología de las instituciones y los grupos que ostentan el poder
influye en el conocimiento, las relaciones sociales y las formas de eva-
luación en la vida escolar.

Las perspectivas radicales analizan el currículum oculto desde


el punto de vista de la función política de la escolarización. Intentan
explicar “cómo funciona el proceso de escolarización para reproducir y
sostener las relaciones de dominación, explotación y desigualdad entre
las clases” sociales (Giroux, 1998, p. 83).

Hay diferentes perspectivas radicales, pero coinciden en ver a las


escuelas como instituciones al servicio de los intereses del capitalismo.
En la revisión a la que nos venimos refiriendo, Giroux (1998) a algunos
de los trabajos sobre currículum oculto realizados con perspectiva radical
les objeta el papel meramente pasivo que atribuyen a los maestros y a los
alumnos, que da poca esperanza a que la escuela pueda ser un factor de
cambio social. En realidad en la escuela también funcionan mecanismos
de resistencia; uno de los mecanismos de resistencia primarios por parte
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
181

de los alumnos frente al mensaje único (cultura dominante) que se les


presenta es el rechazo de los contenidos y valores que allí se enseñan,
que traerá aparejado fracaso “académico”.

También les objeta el haber mostrado poco interés por formas


de dominación diferentes a las de la opresión de clase, tales como la
discriminación de género o la opresión racial.

De otros trabajos (incluido alguno suyo) dice que, aunque inten-


tan identificar los procesos sociales que suceden en las escuelas para
simultáneamente ayudar a los maestros y estudiantes a llevar a cabo en
el aula prácticas emancipadoras, sus aportaciones resultan insuficientes
para desarrollar una pedagogía crítica.

Tras examinar las aportaciones y debilidades de los tres tipos de


perspectivas, Giroux (1998) propone una redefinición del currículum
oculto colocándolo como una preocupación pedagógica fundamental
dentro de la teoría del currículum y elemento básico de una pedagogía
crítica. “…si la noción del currículum oculto ha de llegar a ser signifi-
cativa tendrá que ser usada para analizar no sólo las relaciones sociales
en el salón de clases y en las escuelas, sino también los “silencios”
estructurales y los mensajes ideológicos que dan forma y contenido al
conocimiento de la escuela” (Giroux, 1998, p. 89).

Pero no basta con utilizar el concepto de currículum oculto como


una herramienta que nos lleve a descubrir y examinar los supuestos e
intereses que “silenciosamente” van implícitos:

– en la cultura de la escuela (que, por ejemplo, a veces hace sentirse


humillados a los estudiantes procedentes de culturas distintas de la
cultura dominante);

– en la práctica pedagógica propia ( basada a veces en supuestos admi-


tidos sin cuestionamiento, por ejemplo respecto a las relaciones entre
maestros y alumnos; por ejemplo respecto a formas de enseñanza que
en realidad no promueven el espíritu crítico de los alumnos, etc.);
182 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

– en los materiales (por ejemplo, los mensajes ideológicos implícitos en


los libros de texto, vídeos, películas, etc.);

Todo eso es muy importante descubrirlo y analizarlo, pero no


basta. Es necesario, además, que el análisis del currículum oculto sirva
de base para el trabajo en la escuela a favor de la transformación de la
sociedad basada en la dignidad de las personas y en la justicia social.
Es ahí donde se sitúa la pedagogía crítica. Una pedagogía en la que los
maestros dejan de ser meros agentes de reproducción cultural para pasar
a ser agentes de cambio que en sus aulas proporcionan a los estudiantes
experiencias de aprendizaje que les dan la oportunidad de llegar a ser
capaces de examinar críticamente su propia realidad y desarrollar una
existencia autodirigida. Cuando hace opción expresa y comprometida
con la emancipación, se convierte en currículum como praxis.

• Currículum evaluado. Se refiere a los aprendizajes de los alumnos que


realmente evalúan los profesores. No siempre coinciden los objetivos
de aprendizaje que los profesores se proponen que alcancen sus alu-
mnos con lo que luego realmente evalúan.

La inclusión: fenómeno social y educativo


En los estados democráticos, que reconocen el derecho a la edu-
cación de calidad para todos los ciudadanos y aspiran a la equidad y
la cohesión social, cuando el currículo oficial se concreta en proyecto
formativo para un determinado centro y para una determinada aula,
parece evidente que debería estar presidido por el “principio de inclu-
sión”, porque debería contemplar a todos los estudiantes en su propia
singularidad; a todos los alumnos y alumnas con sus propias característi-
cas (cognitivas, culturales, etc.). Sin embargo, responder a la diversidad
de los alumnos, desde una perspectiva de escuela inclusiva, constituye
todavía hoy uno de los retos principales que deben afrontar los siste-
mas educativos de todo el mundo. La cuestión es compleja, porque, en
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
183

nuestras sociedades multiculturales, trabajar en la escuela desde y con la


diversidad va más allá de tomar en consideración las diferentes capaci-
dades de los estudiantes, implica también tener en cuenta la diversidad
cultural. Y esto último amplía el ángulo de la reflexión, sobre todo en
sociedades que, como la española, en muy pocos años han recibido un
fuerte contingente de inmigración. Nos lleva a reflexionar sobre qué
escuela inclusiva para qué sociedad. Por eso vamos a referirnos a la inclu-
sión como un fenómeno social y educativo.

La inclusión es un fenómeno social antes que educativo. Es una


manera de concebir la sociedad bajo el principio de equidad, donde
todos los seres humanos tienen igualdad de dignidad, derechos y debe-
res, con independencia del color de su piel, origen social, cultura, sexo
o capacidades. En esta convicción ética tiene sus raíces la educación
inclusiva. Se deriva de forma natural de este principio como su conse-
cuencia lógica.

La orientación inclusiva es un derecho de todos, no solo de los


niños con necesidades educativas especiales. Porque todos somos dife-
rentes en uno u otro sentido y ¿dónde está la frontera entre lo que
consideramos la normalidad y las necesidades educativas especiales? El
alumno medio (o el ciudadano medio) es una ficción inexistente. En la
enseñanza estamos acostumbrados a fabricar un molde que no cuadra
a nadie en realidad. Cambiar la mirada supone considerar la diversidad
como algo intrínseco a los seres humanos y además como una riqueza.
Todos los estudiantes son únicos (con sus aptitudes, intereses, expe-
riencias, contextos familiares culturales, aspiraciones, etc.) y su apren-
dizaje y crecimiento personal es, por tanto, también único. Por eso, la
educación inclusiva es un proceso sistémico que afecta a la educación
en su totalidad.

Optar por la escuela inclusiva supone optar por una sociedad que
se compromete con la formación de personas con espíritu ciudadano
que llegue a abordar con responsabilidad y creatividad las nuevas situa-
184 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

ciones con que nos encontramos en el mundo y en nuestro contexto


cercano. Una sociedad y una escuela en la que se afronten los retos que
entrañan:
• La llegada de inmigrantes en tanto que ciudadanos que llegan de otros
lugares con lo que son, con su diferencia y sus valores para enriquecer-
nos mutuamente. Y no por ser una forma de expresarnos políticamente
correcta, sino porque estamos convencidos de que es el único camino
para la inclusión y la cohesión social, y así nos lo dice la experiencia
de países que se negaron a ver la realidad.
• La igualdad entre hombres y mujeres, no por una concesión sino como
derecho.
• La atención al alumnado menos favorecido para ayudarle a que supere
su situación, que nos habla de hacer justicia con aquellos que han
tenido menos suerte.
• El alumnado con necesidades educativas especiales y el deber de
mirar a sus posibilidades, a sus capacidades para que ocupen el digno
lugar que les corresponde en la sociedad.
• La salud, el cuidado y conservación del medio ambiente para que otros
lejanos no sufran las consecuencias de nuestro consumismo y puedan
también disfrutar de la vida.
• El desarrollo sostenible y la sociabilidad y participación cívica de
manera que dejemos en herencia a quienes nos sucedan un planeta
en donde se pueda disfrutar de las riquezas y maravillas que hemos
disfrutado.
• Los derechos humanos, en la lucha contra la discriminación de todo
tipo, el diálogo y el respeto mutuo.
La escuela puede ayudar a seguir viendo como normal e imposi-
ble de desterrar la desigualdad existente o puede tener en su horizonte
la utopía de acabar con esa desigualdad y contribuir a ello. La Escuela
inclusiva nos hace apostar por la utopía de la igualdad y la equidad a
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
185

todos los niveles, igualdad respetando la diversidad, en orden a una


sociedad más justa y democrática e implica atrevernos a mirar todas
nuestras acciones desde esta óptica.

No existe una definición única de escuela inclusiva, porque el


movimiento por la educación inclusiva aglutina distintos enfoques,
escuelas y acciones, que asumen las aspiraciones mencionadas y las plas-
man en distintas propuestas. Puede servir para entendernos la siguiente
caracterización que hace Ainscow:

Una escuela inclusiva es aquella en la que importan la enseñanza


y el aprendizaje, los logros, las actitudes y el bienestar de todos los
niños y las niñas. Las escuelas eficaces son inclusivas (Ainscow, 2001,
p. 67)

La inclusión se sustenta en los principios complementarios (y


en tensión) de igualdad de oportunidades y de diversidad. El entender la
igualdad como lo contrario de la diversidad ha llevado a muchos malen-
tendidos y malas prácticas. La igualdad de oportunidades en educación
para los seres humanos diversos (es decir para todos) implica igualdad en
el acceso, la permanencia, los resultados y los beneficios educativos. Esto solo
puede conseguirse en una escuela inclusiva que no considere educables
solo a los que se adaptan a un determinado tipo cultural, intelectual,
social, etc. Y, por tanto, desarrolle prácticas diversas para adaptarse a
todas las situaciones.

Es interesante subrayar que las escuelas inclusivas son las real-


mente eficaces o que las escuelas eficaces lo son por ser inclusivas. Porque
a veces se ha considerado que una escuela que acoge a los alumnos con
más dificultades no puede alcanzar niveles de calidad. Esto supone un
concepto de calidad muy restringido a los resultados académicos, impor-
tantes siempre, pero que no cubren todo lo que el pleno concepto de
educación engloba. El cambio de perspectiva que nos propone adoptar
la escuela inclusiva ofrece un gran potencial trasformador.
186 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

En la escuela inclusiva no se clasifica y separa a los niños aten-


diendo a criterios clínicos o de cualquier otro tipo. Al contrario, todos se
educan juntos y se enriquecen mutuamente; el foco del trabajo en las
aulas es el propio alumno, no una programación estándar, rígida e inamo-
vible, que se cumple independientemente del contexto y del alumnado
al que se dirige.

La escuela inclusiva enfatiza el sentido de comunidad, para que


todos tengan la sensación de pertenencia, apoyen y sean apoyados por
sus pares y demás miembros de la comunidad escolar. En ella, las adap-
taciones curriculares y la revisión de los conceptos de evaluación, pro-
moción y acreditación son pilares fundamentales.

Estrategias de atención a la diversidad


La escuela inclusiva, como decíamos, acoge como riqueza la
diversidad. Para entender mejor lo que esto significa, en su sentido más
pleno, conviene que diferenciemos la inclusión de otros tratamientos de
la diversidad; por eso vamos a fijarnos en cuatro estrategias de gestión
de la diversidad:

• La especialización: No es una estrategia comprensiva. Parte del prin-


cipio de que las diferencias entre los alumnos implican diferencia en
objetivos, contenidos, metodologías y evaluación. A personas dife-
rentes, currículos diferentes. La clave de esta estrategia reside en el
hecho de separar a los alumnos en grupos homogéneos con respecto
a la variable que se toma en consideración: si es de origen cultural o
étnico, separación por origen del alumnado; si es por el nivel curricu-
lar, separación homogénea: alumnado que sigue el currículo ordinario
por un lado y alumnado que sigue un currículo especial por otro. No
pretende la segregación, pero la diferencia es considerada como algo
natural, de naturaleza esencial y no contingente, por lo que se hace
imprescindible tomar medidas de este tipo para hacer frente al riesgo
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
187

de la desigualdad. La investigación, sin embargo, nos ha dado datos


para saber que las agrupaciones homogéneas no favorecen el aprendi-
zaje de los alumnos tanto como las heterogéneas, que si educamos a los
alumnos por separado estamos restando oportunidades para fomentar
su competencia social para cooperar con otros alumnos diferentes, que
educarnos por separado para convivir juntos parece un sinsentido.
• La incorporación: es una estrategia bastante extendida para atender a
la diversidad, pero no responde a un enfoque comprensivo. Consiste
en la oferta de un currículo idéntico para todos los alumnos. Todo el
alumnado debe desarrollar los mismos objetivos, los mismos aprendi-
zajes a partir de los mismos contenidos, bajo unos mismos principios
metodológicos. El alumno debe adaptarse al currículo establecido, se
confía en la potencialidad de los individuos para hacer frente a pro-
puestas estandarizadas y construidas a partir de referentes comunes
que se corresponden con los de la sociedad mayoritaria. La educación
en valores, el aprendizaje de la sociabilidad tienen un valor secundario
y son responsabilidad de la familia, también de entidades educativas
que incluso pueden actuar dentro del ámbito de la escuela, pero cuyos
objetivos y finalidades están fuera del currículo.
La finalidad de la incorporación es conseguir la igualdad de los
alumnos con independencia de sus diferencias. Quien aplica la incor-
poración tiene muy claro que la separación de los alumnos tiene con-
secuencias muy significativas que pretende evitar. A diferencia de la
especialización, la incorporación parte de un principio ideológico que no
tiene en cuenta la diferencia. En su afán igualitario no tiene en cuenta
que, aun en el hipotético caso de que los alumnos llegaran en las mismas
condiciones (algo que no se da en la realidad), la construcción de sus
aprendizajes la realizarían desde parámetros diferenciados.
• La integración: Cuando, desde distintos ámbitos, se ha llegado a com-
prender que desigualdad y diferencia son las dos caras de una misma
moneda, ha emergido el concepto de integración, cuyos rasgos defi-
nitorios esenciales son los siguientes.
188 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

– Se trata de una estrategia comprensiva de gestión de la diversidad, que


se aplica a todo el conjunto de alumnos de la escuela y considera el
desarrollo de éstos desde una perspectiva global y no sólo cognitiva.

– Implica poner en marcha actividades educativas que enfatizan las


potencialidades y no los aspectos diferenciales de los alumnos.

– Considera que “diferentes” son cada uno de nuestros alumnos y alu-


mnas y, en consecuencia, se diseñan acciones socioeducativas dirigidas
a satisfacer las necesidades individuales que presente cada uno.

– Rechaza clasificar al alumnado según tipologías de diferencias, difi-


cultades, entendiendo que estas se producen en un continuo de nece-
sidades. Una perspectiva avanzada de integración contempla lo que
denominamos las “necesidades educativas especiales”, lo que supone:
a) integración espacial, se deben contemplar plazas escolares para alu-
mnos con necesidades educativas especiales en los mismos entornos
institucionales que sus iguales de edad; b) integración social, com-
partiendo los espacios sociales y de socialización, tales como terrenos
de juego o actividades extraescolares; y c) integración funcional, en el
sentido de que los iguales en edad son educados conjuntamente en
un mismo currículo y actividades educativas. La pertenencia al grupo
de iguales es un elemento esencial para fomentar una educación cons-
tructora de justicia social e igualdad.

Sin embargo, desde una perspectiva psicopedagógica, la integración


nace en un contexto pedagógico centrado en las discapacidades. Y ese
nacimiento ha condicionado negativamente esta estrategia. Pensemos,
por ejemplo, en la problemática de la diversidad cultural. El alumno con
necesidades educativas especiales por falta de ajuste entre la cultura
familiar y escolar no es “un ser discapacitado” ni con una necesidad
educativa especial crónica, sino una persona que, en un momento dado,
necesita apoyos específicos para resituarse en la dinámica compleja entre
su casa y el aula. Es un alumno que requiere de un posicionamiento
curricular menos etnocéntrico y eurocéntrico y más basado en un código
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
189

abierto en el que pueda sentirse reconocido y no asimilado o excluido.


La integración, sin embargo, hace propuestas homogéneas ante una
diversidad muy heterogénea. Los TAE (Talleres de Adaptación Escolar)
de Cataluña y las Aulas de Acogida entran en este planteamiento.

• La inclusión. Es un concepto estrechamente ligado a la integración,


pues nace como consecuencia lógica de los cambios en el discurso
sobre atención a la diversidad. Pero inclusión es más que integración.

INTEGRACIÓN INCLUSIÓN
• Integración hace referencia al • Hace referencia a todo el alumna-
proceso social y educativo que do y en todos los contextos.
hace falta promover con el alu-
• Exige un cambio de mirada, donde
mnado que presenta necesida-
la diferencia es contemplada con
des educativas especiales.
normalidad, no como un hecho
• Puede llegar a cronificar la dife- extraordinario y se aborda desde
rencia en términos de diver- la totalidad de variables que defi-
sidad cultural y por lo tanto nen la existencia de un alumno, no
provocar efectos contrarios a lo desde la académica solamente.
esperado.
• La inclusión engloba procesos
• Se propone mejorar esen- organizativos, y contextuales fun-
cialmente los procesos de damentales.
enseñanza-aprendizaje.
• Es una manera de entender la
• Es una manera de entender la igualdad.
diferencia.
• Introduce la dimensión socioco-
• El término hace referencia a munitaria al enfoque de la inte-
alguien: un grupo, una perso- gración de una forma estructural,
na… que estaba excluido. al planteamiento 1 , lo que está
pidiendo y favorece la transfor-
mación de las escuelas en comu-
nidades de aprendizaje2
190 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

La inclusión, de objetivo
a principio educativo
Desde el planteamiento que acabamos de exponer, la inclusión
no es vista como un objetivo sino como un principio educativo que debe
impregnar toda la actividad educativa en la escuela y en el aula. No se
trata de que tengamos que hacer algo extraordinario. Se trata de apro-
vechar los potenciales ya existentes para transformar el centro educativo
en un espacio para todos. Para ello, hemos de partir del principio (antes
objetivo) de que todos los alumnos de una clase pertenecen al grupo,
de que todos los alumnos que acuden a un centro pertenecen a él y de
que todos pueden aprender en la vida normal de la escuela y del barrio
o pueblo.

El modelo de inclusión al que nos adherimos no se mueve entre


la dicotomía de contenidos generales-contenidos específicos sino que
propone unos contenidos generales para todo el grupo de alumnos del
aula y unos contenidos específicos que respondan a las características
propias de cada individuo. Tampoco entra en el debate grupos homo-
géneos-grupos heterogéneos, puesto que reconoce la necesidad de fle-
xibilizar el tipo de agrupamiento en función de las necesidades de la
actividad, del alumnado, del centro… Se trata de promover contextos de
interacción social diversificados y potenciadores del aprendizaje. A dife-
rencia de la estrategia de especialización o de incorporación, la inclusión
no contempla un enfoque estructural del agrupamiento sino funcional.
Proporciona a todos experiencias individuales de aprendizaje, de trabajo
por parejas, de tutoría entre iguales (un alumno que sabe más ayuda a
otro que sabe menos), de trabajo cooperativo en pequeños grupos (a
veces homogéneos en cuanto al rendimiento, a veces heterogéneos) y
actividades de gran grupo.

El actual enfoque de comunidades de aprendizaje, al que hicimos


referencia anteriormente y en el que, más adelante, volveremos a fijar-
nos, promueve formas de conexión y colaboración de la escuela con las
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
191

familias, la comunidad y otros agentes educativos externos que consti-


tuyen una estrategia eficaz para erradicar la desigualdad de oportunida-
des en un determinado contexto, enriqueciendo la propuesta educativa
que la escuela ofrece a todos:

– Relaciones formales con los agentes educativos que trabajan conjuntamen-


te con la escuela: Con la administración pública, con los responsables
educativos de la administración local, los equipos de apoyo y asesora-
miento externo,

– Relaciones comunitarias: Incorporando también a las familias en el


proyecto educativo, facilitando el despliegue de la dimensión más
emocional y social.

– Relaciones de cooperación y alianzas: Con el despliegue de la colabora-


ción de antiguos alumnos, de voluntarios, de otros profesionales, a la
vez que se contemplan alianzas con pequeñas empresas del entorno,
con talleres…

– Redes de intercambio: La escuela no está aislada sino que intercambia


datos, experiencias, trabajos… con otras comunidades educativas

Todo esto, inmerso en una dinámica que permite innovar, evaluar,


colaborar e informar.

La atención a la diversidad
en el sistema educativo español
La inclusión, como hemos visto, Implica un importante cambio
de perspectiva. No se trata de integrar a los “diferentes” en una escue-
la “normal”, sino de crear una escuela para todos porque todos somos
diferentes. No es sumar “unos a otros” a la escuela de “los normales”,
sino de convertir el centro escolar en una comunidad de aprendizaje para
todos. Supone considerar a la diversidad como una riqueza intrínseca a
todos los seres humanos, y la inclusión como un proceso.
192 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

Significa asegurar que todos los alumnos tienen cabida en el espa-


cio común de la escuela.
En la legislación española, desde los años setenta hasta la actuali-
dad, se aprecian tres diferentes momentos en el proceso de avance hacia
la escuela inclusiva.
a) Primer momento: desde 1970 a 1989. La Ley General de Educación,
14/1970, con todas las limitaciones que conlleva hablar de justicia
en una dictadura, promovía un Sistema Educativo más justo que el
anterior, estableciendo la escolaridad obligatoria y gratuita para todos
hasta los 14 años. Contemplaba unidades específicas para atender
al alumnado con necesidades educativas especiales (“deficientes e
inadaptados”, en la terminología de la ley). Ya en la democracia, la
Ley 13/1982, de 7 de abril, de integración social de los minusválidos,
desarrolla el mandato contenido en el artículo 49 de la Constitución
de 1978, que dice: “Los poderes públicos realizarán una política de
previsión, tratamiento, rehabilitación e integración de los disminuidos
físicos, sensoriales y psíquicos, a los que prestarán la atención especia-
lizada que requieran y los ampararán especialmente para el disfrute
de los derechos que este Título otorga a todos los ciudadanos” . La
ley 13/1982, establece los cuatro principios fundamentales que han
de regir la educación de estas personas: normalización de servicios,
integración escolar, sectorización de la atención educativa e individu-
alización de la enseñanza. El “Programa de Integración del alumnado
en los centros ordinarios (Real Decreto 334/1985, de 6 de marzo), es
la plataforma de despegue para el logro de la igualdad de derechos
de un colectivo al que se le negaba un lugar en la escuela de todos y,
por tanto, la capacidad de desarrollar todo su potencial.
b) Segundo momento: desde 1990 a 2006. La Ley General del Sistema Edu-
cativo (LOGSE), de 3 de octubre de 1990, preocupada por hacer
efectivo el principio de igualdad de oportunidades, concibe una
escuela básica, común y gratuita para todo el alumnado hasta los 16
años, planteando una educación polivalente e integradora. Desde la
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
193

LOGSE se concibe la atención a la diversidad dentro del Proyecto


Educativo de Centro, es decir, da paso a que la diversidad sea aten-
dida desde dentro del centro y para todo el alumnado, siendo ésta la
clave de una escuela inclusiva.

• Tercer momento, desde 2006 a la actualidad: La Ley Orgánica de Edu-


cación (LOE), de 3 de mayo de 2006, constituye un avance: se
plantea el paso de la atención a la diversidad como objetivo, a con-
cebirla como principio fundamental que nuestro sistema educativo
debe garantizar. Supone concebir a la escuela como reflejo de la
sociedad en la que se encuentra inmersa y de educar al alumnado
para saber vivir en dicha sociedad, y puesto que esta sociedad en la
que vivimos es heterogénea, la escuela es heterogénea.

Progresar en el proceso de una educación inclusiva, requiere


desarrollar culturas inclusivas (construir comunidad); políticas inclusi-
vas (una escuela para todos) y prácticas inclusivas (orquestar el proceso
de aprendizaje) (Booth y Ainscow, 2004) y abordarlo desde tres niveles:
macro (el sistema educativo en su totalidad); meso (el centro escolar) y
micro (el aula). Ahora bien, el centro escolar es el núcleo del cambio, el
centro en su conjunto es el que educa y de ello se deriva, por tanto, que
el nivel “meso” es fundamental.

La escuela inclusiva en la práctica:


el modelo “comunidades de aprendizaje”
Si hacemos una apuesta por la educación inclusiva, las escuelas
entendidas como comunidades de aprendizaje se presentan como una
interesante experiencia. En España aparecen en Cataluña en 1995 y,
desde allí, se extendieron a otras Comunidades Autónomas de la nación;
en la actualidad, son más de setenta los centros (educación infantil, pri-
maria y secundaria) constituidos como comunidades de aprendizaje.
194 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

Las comunidades de aprendizaje surgen como escuelas trans-


formadas, que al abrir las puertas a la comunidad, incluyen a todos
sus miembros y provocan la inclusión de una forma real y no teórica,
rompiendo las barreras de lo que muchos pensarían como una utopía
imposible. Valls las define como “un proyecto de transformación social
y cultural de un centro educativo y de su entorno, para conseguir una
sociedad de la información para todas las personas, basado en el apren-
dizaje dialógico, mediante una educación participativa de la comunidad,
que se concreta en todos su espacios, incluida el aula” (Valls, 2000, p.
168).
Parten de la idea de que la comunidad puede ser transformadora
de la realidad y pretenden acabar con la imagen de una escuela que en
lugar de ser pionera en la sociedad, va a su remolque: “la comunidad
concreta supone un ámbito de limitada pero posible transformación
sociocultural que permite alejarse tanto de las concepciones totalitaria-
mente salvadoras de la humanidad a cualquier precio, como del pesi-
mismo que avala lo establecido” (Flecha, 1990, p. 87).
Los antecedentes de estas comunidades de aprendizaje los encon-
tramos en Paulo Freire y su pedagogía liberadora, cuando defiende la
educación de personas adultas en situación de precariedad; el School
Development Program, que se desarrolló en Estados Unidos, a partir
de los años 60, en escuelas con un elevado índice de fracaso escolar
y situación desfavorable (Elboj et al., 2002); las Accelerated Schools,
donde se priorizan una serie de proyectos para la aceleración del apren-
dizaje escolar (Levin, 1987) y Success for All, impulsado por Slavin en
Baltimore, en 1987, en escuelas con muy bajo rendimiento y conflictos
escolares (Barrio, 2005).
En las comunidades de aprendizaje, al igual que en sus antece-
dentes, aparece la idea de Freire de participación de toda la comuni-
dad en la educación y el diálogo igualitario entre todos los estamentos.
Desde esta acción comunicativa (Habermas, 1981), el diálogo se muestra
opuesto al corporativismo, la transformación hace frente a la adaptación,
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
195

ya que la escuela debe buscar las fórmulas adecuadas para contribuir a


cambiar la sociedad donde se encuentra, y la igualdad de diferencias
se sitúa frente a la diversidad. Todas nuestras diferencias nos igualan
como personas, porque no hay dos seres iguales no habrá dos respuestas
iguales; la riqueza viene avalada por las diferencias.
El aprendizaje dialógico se convierte en el principio regulador de
las comunidades de aprendizaje. Está basado en el diálogo igualitario
(donde ninguna persona tiene más importancia que otra y todos tienen
algo que aportar a la escuela) y la inteligencia cultural. En palabras de
Habermas (1981), ese tipo de diálogo y acuerdo intersubjetivo se basa
en el poder de los argumentos y no en los argumentos del poder, de
manera que se hace válido porque tiene intenciones de verdad y está
orientado al entendimiento; en él todas las personas tienen las mismas
posibilidades de intervenir y actuar como medio de acción común.
Junto con estos principios, preside también el funcionamiento de
las comunidades de aprendizaje: la ética y la justicia; el aprendizaje de
alta calidad para todos, no se conforman con aprendizaje de mínimos,
sino que buscan el máximo para todos; la aceleración del aprendizaje,
enriqueciendo el entorno de aprendizaje, la recuperación se sustituye
por recuperación con talento y de talento (Levin, 1987); la colaboración
y participación de todos los miembros de la comunidad escolar, lo que
elimina la exclusión; y el empoderamiento, cuando conscientes de su
realidad, se desarrolla la transformación e inteligencia cultural, puesta
en marcha cuando los grupos interactúan en un determinado contexto
(Barrio, 2005).
En las comunidades de aprendizaje todas las personas participan-
tes tienen el objetivo de entenderse y planificar acciones conjuntas, el
diálogo es democrático y horizontal, todas las personas tienen las mismas
posibilidades de intervenir y actuar. Las dificultades no se ignoran, pero
sí se parte de ellas para cambiar la escuela. La base del funcionamiento
no sólo está en la “felicidad” de sus miembros, sino en el aprendizaje,
todos los alumnos tienen que desarrollar al máximo sus capacidades sin
196 Ana R. Marcos – Mercedes B. Giménez – Rosa M. E. Moreno – Claudia M. Albarenque

que ningún elemento frene sus expectativas. No se proponen una adap-


tación del aprendizaje, sino acelerar el aprendizaje, porque en lugar de
desear que todos los niños lleguen a unos mínimos, se aspira a que todos
lleguen a sus máximos, dentro de la pedagogía de máximos. Se resume
en transformar todas las dificultades en posibilidades (Freire, 2007a).

A través de diferentes fases (Valls, 2000; Barrio, 2005), que


avanzan desde la sensibilización, la toma de decisiones, el “sueño de
la escuela que queremos todos los componentes de la comunidad”, la
selección de prioridades y planificación, la implementación del proyecto
y la evaluación, se va construyendo una nueva escuela, con la mirada
puesta en que “el excelente aprendizaje que deseamos para nuestros
hijos, es el que deseamos también para todos los demás”. Se trabaja en
desarrollar altas expectativas, con la convicción y el sentimiento de que
otra realidad es posible a partir de la transformación que puede ayudar
a generar la escuela. Se concibe la escuela como importante elemento
para construir una sociedad más justa, en la que todos tengan cabida y
encuentren un digno papel.

Cuando se observa el funcionamiento de estas escuelas trans-


formadas en comunidades de aprendizaje, se encuentran en la base de
su organización, tres elementos importantes: el trabajo por comisiones,
que supone la participación de todos los miembros en una estructura
horizontal, la participación y la toma de decisiones siempre a través del
consenso

Las comisiones son siempre mixtas, en ellas se encuentran repre-


sentados todos los miembros de la comunidad educativa y, a su vez,
todas tienen representación en la comisión gestora. Todas las acciones
de las comisiones deberán ser legitimadas a través de la asamblea, que
se reunirá unas tres veces al año, basada en la democracia directa y el
consenso.
Capítulo 8 – Currículum, Competencias, Educación Inclusiva
197

Todos los alumnos son protagonistas del aprendizaje que se pro-


duce en el aula. El aprendizaje se entiende como construcción social,
como sociocognición, y con frecuencia trabajan en grupos interactivos.
Estos grupos son hetereogéneos en cuestión de género, nivel de apren-
dizaje y origen cultural y están formados por 4 ó 5 niños. Las actividades
se preparan con una duración de 20 minutos para conseguir mantener el
nivel de atención y de motivación de todos los alumnos y, al frente de
cada grupo, está un adulto que supervisa el trabajo y que puede seguir,
mucho más de cerca que en las clases tradicionales, las dificultades que
vayan apareciendo por parte de cada uno de los alumnos. Esta estructura
cooperativa favorece la motivación, la autoestima y el área emocional y
social de las personas, al mismo tiempo que desarrolla en sus miembros
el liderazgo, la toma de decisiones, el aprendizaje de habilidades socia-
les y resolución de conflictos, la comunicación y el mismo proceso de
crecimiento del grupo, desarrollando, como se ha demostrado en alguna
investigación, diversas competencias, entre ellas, la competencia social
y ciudadana (López; Salmerón; Salmerón, 2010).

Contra los que opinan que no hay otra forma de hacer escuela,
Freire nos recuerda: “La afirmación de que las cosas son así porque no
pueden ser de otra forma es odiosamente fatalista, pues decreta que la
felicidad pertenece solamente a los que tienen poder” (Freire, 2007b,
p. 75).

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SOBRE OS AUTORES

Claudio Pinto Nunes: Doutor em Educação pela Universidade Federal


do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Educação pela Université
Du Québec à Chicoutimi (UQAC). Professor da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (Uesb). Integrante do Grupo de Pesquisa Gestão,
Políticas Públicas e Práxis Educacionais (Gepráxis – Uesb).

Albertina Mitjáns Martínez: Doutora em Ciências Psicológicas pela Uni-


versidad de La Havana. Pós-doutora pela Universidad Autónoma de
Madrid. Professora da Universidade de Brasília (UnB) e do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidad de San Carlos de Gua-
temala (Guatemala).

Adla Betsaida Martins Teixeira: Doutora em Culture Communication And


Societies, pela University of London. Pós-doutora pela University of
London (Inglaterra) e University de Lyon (França). Professora da Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ana Rodríguez Marcos: Professora da Universidad Autónoma de Madrid


(España).

Claudia Messina Albarenque: Professora da Universidad Autónoma de


Madrid (España).

Eduardo Lozano: Doutor em Educação. Professor da Universidad Nacio-


nal de Río Negro (Argentina).
202

Fernanda de Araújo Rocha: Mestranda em Educação pela Universidade


Federal de Minas Gerais (UFMG).

Maddalena Taras: Professora da University of Sunderland (Reino


Unido).

Mercedes Blanchard Giménez: Professora da Universidad Autónoma de


Madrid (España).

Márcia Maria Gurgel Ribeiro: Doutora em Educação pela Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Educação pela
mesma instituição. Professora da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Líder do Grupo de Pesquisa Currículo, Saberes e
Práticas Educativas (UFRN).

María Elena Ruiz: Doutora em Educação. Professora da Universidad


Nacional de Río Negro (Argentina) e da Universidad Nacional del
Comhaue (Argentina).

Marinaide Queiróz de Freitas: Doutora em Letras e Linguística pela Uni-


versidade Federal de Alagoas. Professora-adjunta da Graduação em
Pedagogia e da Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade
Federal de Alagoas (Ufal).

Marta Anadón: Pós-doutora pela Université Laval (Canadá). Professo-


ra da Université du Québec à Chicoutimi (Canadá) e da Universidad
Nacional de Río Negro (Argentina).

Nadja Naira Aguiar Ribeiro: Doutora em Letras e Linguística pela Uni-


versidade Federal de Alagoas. Professora-adjunta da Graduação em
Pedagogia e da Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade
Federal de Alagoas (Ufal).
Sobre os Autores
203

Rosa María Esteban Moreno: Professora da Universidad Autónoma de


Madrid (España).

Tania Maria de Melo Moura: Doutora em Educação (Currículo), pela


Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutora, pela Universidade
do Porto – Portugal. Professora aposentada da Ufal.

Teresa Pessoa: Doutora em Educação pela Universidade de Coimbra


(UC). Mestre em Educação pela Universidade de Lisboa (UL). Profes-
sora da Universidade de Coimbra (UC).
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