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I

Graciliano Ramos e Walter Benjamin: memória e esquecimento.


Thiago Tavares Reis1

Sabemos que Proust não descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, e sim uma
vida lembrada por quem a viveu. Porém esse comentário ainda é difuso, e demasiadamente
grosseiro. Pois o importante, para o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido
de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência. Ou seria preferível falar o
trabalho de Penélope do Esquecimento?

Walter Benjamin, A imagem de Proust

Quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras
duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é
feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze

Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere

RESUMO Nesta pesquisa pretendemos refletir sobre os significados da memória e do


esquecimento dentro das narrativas de Graciliano Ramos. Além disso, o objetivo deste artigo
é interpretar Graciliano Ramos, especificamente Memórias do Cárcere e Infância – à luz do
método de Benjamin.

PALAVRAS CHAVE: Graciliano Ramos; Walter Benjamin; Teoria da Literatura; memória


e esquecimento.

ABSTRACT: Graciliano Ramos; Walter Benjamin; Theory of Literature; memory and


oblivion.

KEYWORDS In this research we have intend to reflect about the meanings of memory and
oblivion insides of the Ramos’s narratives. Moreover, the aim of this research is to interpret
Graciliano Ramos, specifically Jail Memoirs and Childhood - in the light of Benjamin’s
method.

1
Discente 8° período – Departamento de Ciências Sociais (UFU). Rua: Viena, 537. Bairro Tibery – Uberlândia
MG. CEP 38400-086. E-mail: thiagotavaresr@yahoo.com.br. O presente trabalho teve orientação da Profª Drª
Joana Luíza Muylaert Araújo, do Instituto de Letras e Lingüística (UFU). Agradeço à FAPEMIG pela concessão
da bolsa de iniciação científica e a minha orientadora, pela acolhida prestimosa.
II

si, imaculada e congruente, sobre as


I. INTRODUÇÃO desventuras e acertos de um indivíduo.
Ademais, para além de surrupiar tal
noção, as confissões levam-nos,
No início de 2008, tivemos
amiúde, à ficção. Portanto, enxergar na
nosso plano de trabalho, “Experiência e
escrita de si uma reprodução fidedigna
Pobreza nas Memórias de Graciliano
– e linear – da vida daquele que escreve
Ramos”, contemplado com uma bolsa
seria, para Ramos, uma pilhéria.
de iniciação científica FAPEMIG. O
Enquanto alguns se jactavam de usar a
mencionado plano esteve vinculado ao
primeira pessoa, Ramos tinha ojeriza ao
projeto da Profª Drª Joana Luíza
“pronomezinho irritante”. Testemunhar
Muylaert de Araújo, intitulado “Da
sobre a condição humana urgia mais do
impropriedade da literatura brasileira e
que trazer à tona veleidades individuais.
de suas histórias: os modernistas e seus
Portanto, tanto em Infância quanto em
precursores”. Neste último há o esforço
Memórias do Cárcere, pulsou mais uma
de se vislumbrar nas cartas, diários e
memória coletiva do que reminiscências
memórias de autores modernistas,
individuais.
outras possibilidades de escritas da
Assim, mais judicioso
história literária brasileira.
ver no escritor uma “ficção
O mote seria, pois, o de
autobiográfica”. Se o passado esmorece,
escarafunchar anotações à margem, não
apraz ao romancista-memorialista
tão benquistas – até o momento – pelos
revivê-lo, embora saiba que não raro o
holofotes da crítica especializada;
que findou jamais voltará. A memória é
perscrutando nas escritas que ora são
central na narrativa de Ramos. No
tratadas com vilipêndio, páginas nas
posfácio do professor Wander Melo
quais avultam ricas possibilidades.
Miranda, presente na edição de
Cientes destas
Memórias do Cárcere, em volume
observações, fomos às confissões do
único, tivemos uma pista:
nosso escritor alagoano – em especial,
A recriação da memória não se
Memórias do Cárcere e Infância -, prende, pois, a métodos
concatenadas por um ardil que apriorísticos de investigação,
dependentes da experiência
desmonta a ingênua noção do discurso vivida e que visem satisfazer
expectativas previsíveis de
autobiográfico enquanto uma grafia de configuração textual. Recordar
III

é, para Graciliano, esquecer-se poderia ser lido à luz da sensibilidade


como sujeito-objeto da
lembrança, esgueirar-se para os benjaminiana.
cantos, colocar-se à margem do Walter Benjamin apegou-se
texto – ser escrito por ele, ao
invés de escrevê-lo -, para que ao que a cultura traz de, aparentemente,
a linguagem, em processo
intermitente de produção, possa fossilizado, anacrônico e encarquilhado
cumprir seu papel efetivo de – não é por acaso que ele quis salvar o
instrumento socializador da
memória. (apud RAMOS, drama barroco alemão (do século XVII)
2008, p.686). 2
para o início do século XX. Emaranhou-
se pelos meandros da memória e do
Na memória como antídoto
esquecimento, lendo e traduzindo
contra o esquecimento atroz, o escritor
4
Proust . Extasiou-se pelos contos de
alagoano fez o seu ofício. Neste sentido,
fadas, colecionou, apaixonadamente,
tal como antevíamos no nosso plano de
brinquedos antigos – a aquisição de
trabalho – sintomático desta antevisão é
antigüidades tinha em vista a idéia de
o próprio título, inspirado no pequeno
rejuvenescê-las. Perscrutou a sua
texto do filósofo alemão Walter
3 infância em Berlim na aurora do século
Benjamin -, o escritor brasileiro
XX, no intuito, de buscar significados
no jazigo do esquecido. Além de tudo
2
MIRANDA, Wander Melo, Posfácio Em:
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere. isso, encantou-se por Baudelaire, numa
Rio de Janeiro: 2008, p.686.
3 mistura de lamentação e regozijo com a
Tal como Graciliano, Benjamin não se sentia
confortável ao lidar com o “discurso queda da auréola do poeta na lama. E
autobiográfico”. Infância em Berlim por volta
de 1900, noutro artigo, foi comparada, por nós, em Kafka, vislumbrou uma “doença da
com a Infância de Graciliano.
“A Mão, esse Don Juan juvenil, em pouco tradição”, cuja narração ancorava-se,
tempo, invadira todos os cantos e recantos,
deixando atrás de si camadas e porções justamente, na dificuldade do narrar.
escorrendo a virgindade que, sem protestos, de
No seu pequeno e
renovava” (BENJAMIN, 2000, p. 89). Infância
em Berlim por volta de 1900 adquire sua emblemático texto Experiência e
virtuose no exercício filosófico de Benjamin de
captar o peso da sensibilidade de uma época na
4
leveza dos mistérios de sua meninice. A cidade Benjamin nutria verdadeira admiração pela
cindida é confrontada com os brinquedos, o obra de Proust. O que o encantava era a
aspecto cinzento da urbe berlinense entra em grandeza das lembranças proustianas ao mostrar
colisão com as tonalidades vibrantes das fábulas as linhas tênues entre o passado e o presente.
pueris e a memória é evocada não como uma Portanto, a grandeza não vinha do “conteúdo”
musa a serviço da remontagem fidedigna daquelas lembranças – a vida burguesa não é
daquilo que está morto, mas sim como uma tão interessante, funda-se mais na tagarelice do
aliada da inventividade do crítico. Benjamin - a que no frescor – mas de sua “forma”. Não é por
sombra de Nietzsche – dinamitou, pois, a noção acaso que Benjamin – também tradutor do autor
da “escrita de si”, jogando para os ares a francês – renunciou à leitura de Proust, pois,
pretensa castidade – que esconde veleidades temia que ela se tornasse um sedativo, tolhendo
demoníacas de exibições dissimuladas e a sua própria produção filosófica.
projeções narcísicas – da autobiografia.
IV

Pobreza (1993), o filósofo registra-nos conceito novo e positivo da barbárie, na


que as ações da experiência estavam em qual a honradez está na confissão de
declínio numa geração que, entre 1914 e que estamos pobres, porém precisamos
1918, viveu a truculência da Primeira nos arriscar. A pobreza da experiência
Guerra Mundial. O “frágil e minúsculo compele o bárbaro a ir adiante, a
corpo humano” se viu no campo minado contentar-se com pouco. Na desilusão e
da experiência das trincheiras, no corpo na fidelidade do bárbaro ao século que
maltrapilho torturado pela fome, nas se inicia, Benjamin percebe certas
esperanças frustradas em face da manifestações artísticas nas quais a
frialdade da inflação econômica e no linguagem está a serviço da
pessimismo diante do cinismo dos transformação da realidade e não de
governantes. Destas experiências sua mera descrição.
indeléveis, o frágil corpo humano ficou Como se percebe, o
privado das experiências comunicáveis, filósofo tem uma sensibilidade acurada
os homens que retornavam do front ao conseguir ver beleza naquilo que se
viam no silêncio o virtuosismo – esvai – captando potencialidades nas
porquanto a sofreguidão interna era tão ruínas históricas. Noutros ensaios, a
profunda que o comunicar-se era inútil. despeito das nuanças entre eles,
Longe se iam, por Benjamin persiste na sua faina de
conseguinte, os tempos nos quais os colocar a nu as contradições de certos
loquazes provérbios ensinavam-nos fenômenos estéticos – da extinção de
valores duradouros. Nos tempos maneiras tradicionais de narrar -, os
sombrios que marcaram o início do quais carregam consigo outras
século XX, um velho moribundo – tendências. Tanto no seu ensaio sobre A
outrora ancião sapiente – não ousaria crise no romance (1930) quanto em O
comunicar aos jovens alguma narrador (1936, o filósofo sente-se
experiência. O desenvolvimento da “extasiado” (e nostálgico, embora de
técnica, somado com a experiência uma maneira bem peculiar) em face da
sórdida da guerra, emudecera os corrosão da narrativa tradicional.
homens. Noutro momento, trabalharemos, com
Todavia, o pensamento mais vagar, estes textos.
de Benjamin, geralmente, aferra-se às De Walter Benjamin,
ambivalências, isto é, o declínio das absorvemos a percepção da força
experiências comunicáveis trouxe um salvadora da memória. O implacável
V

trajeto da morte não consegue a tudo Subsolo de Dostoievski, ao lado de


ceifar, pois, os píncaros da memória figuras tais como Nietzsche, Weber,
são, de certa forma, inalcançáveis. Marx e Marcuse. A maneira mais
Graciliano Ramos sabia disso, não é à intempestiva de se começar um curso de
toa que buscou testemunhar a verdade Ciências Sociais foi colocada à
humana, gravada nele desde menino. O disposição. Restou-me o deleite destes
testemunho fia-se na memória, primeiros anos de graduação, pois,
esculpido na pedra dura da realidade sensaborias viriam com o tempo, desde
exterior. Cônscios destas considerações, uma moribunda licenciatura até
envolvemo-nos com um Graciliano casmurros professores.
Ramos que, não obstante declare não Passado o êxtase inicial,
conservar notas, elege a confissão como argüi o mencionado professor acerca da
missão de sua arte. possibilidade de juntos, trabalharmos
possíveis interfaces entre as Ciências
Sociais e a Literatura. A acolhida foi à
II. FORTUNA CRÍTICA E altura dos meus anseios – tanto é que a
MÉTODO
parceria alçou vôos maiores, como o
trabalho de conclusão do curso –
A vida é um emaranhado
embora se tenha revelado parcial, tendo
de encontros e desencontros, e não raro
em vista as “necessárias” aspirações
os desencontros trazem-nos belas
acadêmicas. O encontrou tornou-se
surpresas. No começo da minha
desencontro.
graduação – Ciências Sociais (UFU) –
Entretanto, um novo
encantei-me com o frescor espiritual de
encontro estava à espreita. O meu
certo professor que iniciou o nosso
Professor acabou por me apresentar a
curso com o magistral estudo de
uma Professora de Literatura. A
Marshall Berman, Tudo que é Sólido
acolhida foi generosa e prestimosa –
Desmancha no Ar.
acionando o aguilhão da crítica quando
Naquele livro houve o
necessário. A Professora logo notou que
meu primeiro encontro; o turbilhão da
meu espírito assistemático precisava de
modernidade era vislumbrado nas
algumas lapidações. Até porque, nem
páginas de vultos artísticos dos mais
todo apaixonado por Literatura, está
sensíveis, Fausto de Goethe, Flores do
credenciado a fazer “crítica literária” –
Mal de Baudelaire, Memórias do
mesmo que às vezes a sensibilidade do
VI

amador seja mais fina do que a do Honório, de São Bernardo. Às vezes


profissional. Daí uma nova parceria se queríamos uma leitura mais sutil, então
instalou na minha formação acadêmica, apelávamos para Vidas Secas. Ora ou
e a Professora tornou-se minha outra, a leitura “sistemática”, isto é,
orientadora, com todo o peso e leveza com vistas a pesquisar, a estudar uma
que esta transformação implica. obra até a sua aparente exaustão, torna-
Doravante, a Orientadora se enfadonha. Nestes momentos,
montou um grupo de estudos com os refrescávamos no humor sutil e áspero
seus orientandos e interessados, cujas de Graciliano Ramos, presente nas suas
temáticas fossem congruentes com as glosas para jornais, reunidas nas Linhas
linhas de pesquisa adotadas. Neste Tortas. A título de curiosidade, líamos,
grupo de estudo, tentei contornar igualmente, Viagem, no intuito, de
minhas lacunas na teoria literária. Isto é, verificarmos as impressões de
estas digressões iniciais não são Graciliano Ramos acerca da antiga
fortuitas, se aqui estão, é por algum URSS e da extinta Tcheco-eslováquia.
motivo. A fortuna crítica e a O arrebatamento final
metodologia adotada têm estreita veio com a leitura de Infância e
relação com aqueles encontros. Memórias do Cárcere. Infância, “relato
De propedêutica, autobiográfico” publicado em 1945,
tivemos os romances e os “relatos caracteriza-se pelo clima pavoroso da
autobiográficos” de Graciliano Ramos. infância do menino alagoano miúdo.
Começamos com Caetés, seu livro de Numa prosa cortante, avessa às
estréia – por ironia, narrado em primeira pieguices e amenidades, os primeiros
pessoa – no qual a brevidade e a anos vividos no interior de Alagoas e
condensação traçam o perfil literário do Pernambuco vêm à baila junto com a
autor. As leituras vindouras se seca e a truculência dos coronéis. A
confundem - traçar, neste momento, um psicologia do pai é vislumbrada nos
esboço linear das nossas leituras é-nos seus ecos kafkianos, enquanto um crivo
impossível -, no entanto, sabemos que que a tudo abarca e submete. A
começamos com Caetés e terminamos experiência advinda dos tempos pueris é
com Memórias do Cárcere. a de que “foi o medo que me orientou
Quando a leitura de nos primeiros anos, pavor”. Nas
Angústia tornava-se asfixiante, íamos Memórias do Cárcere, outra situação
para a truculência digna de um Paulo kafkiana salta aos olhos, Graciliano é
VII

preso sem motivos, tampouco Borges, Paul de Man, Derrida e


esclarecimentos. Naquelas memórias Nietzsche. Visando aperfeiçoar a leitura
avulta um dos melhores testemunhos da de Benjamin, passamos a dialogar com
literatura brasileira, no qual a duas filósofas e um crítico literário,
promiscuidade do encarceramento é respectivamente: Jeanne Marie
vislumbrada sem arroubos líricos. Gagnebin, Olgária Matos e Willi Bolle.
A propedêutica findou- Ao lidar com Graciliano
se com as leituras que, na época, Ramos, listamos um rol de autores
tínhamos de Walter Benjamin. Neste fundamentais: Antonio Candido – no
momento, a admiração ainda não tinha seu clássico Ficção e Confissão -,
tanto rigor. Enfim, éramos ordinários no Wander Melo Miranda (UFMG), Rui
quesito teórico. Ao lidarmos com Mourão, Cláudio Leitão, Alfredo Bosi e
formas estéticas, víamos apenas Otto Maria Carpeaux.
epifenômenos do social, reproduzindo Desenvolveremos, com mais precisão,
uma “sociologia da literatura” trôpega. estes autores – direta e indiretamente –
E por fim, ao lermos Benjamin noutro momento.
acabávamos por tachá-lo única e Walter Benjamin
simplesmente de teórico do percebera em Kafka, uma “doença da
5
“desencantamento do mundo” – tradição”, visto que se a obra de Kafka
desconsiderando toda a sua filosofia da corrobora o fim de uma tradição, por
história. outro lado, ela não afirma a necessidade
Com vistas a incrementar de reencontrar qualquer baluarte. Em
a nossa rasa formação em teoria tons próximos, Graciliano Ramos não
literária, passamos a ler Luiz Costa esteve afeito ao conselho - a dimensão
Lima – sobretudo Teoria da Literatura utilitária da sabedoria épica na visão de
em suas fontes, organizado por ele -, Benjamin -, no entanto, elegeu como
Antonio Candido, Maurice Blanchot, ponto de partida da sua experiência
literária o dizer sem ornamentos, pois,
5
Tão logo percebemos que esta formulação era
imprecisa, passamos a encarar o filósofo não só é possível narrar o que é visto e
tão-somente um teórico do “desencantamento
sentido, mesmo que seja sobre a
do mundo” – lembremos que a dialética
benjaminiana, mesmo que fosse estupefaciente dificuldade do narrar. O mestre Graça
para o rígido Adorno, evocava, igualmente, por
(re) encantamentos -, este refinamento não nos ofereceu panacéias – não
devemo-lo a Jeanne Marie Gagnebin.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e estamos diante de um escritor repleto de
Narração em Walter Benjamin. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2007 empáfia, cioso de se tornar um mártir -,
VIII

mas sim um rico testemunho acerca da século XIX por meio de aforismos,
condição humana. inúmeras citações, anúncios de jornais e
A missão do escritor de meretrizes, na qual as passagens
alagoano foi a de nos contar alguma parisienses, o “mundo em miniatura” –
coisa, mesmo que, em tempos sombrios, refúgio de lojas resplandecentes nas
não haja (quase) nada a contar – quais o fetiche da mercadoria vicejava e
deduzimos este aparente paradoxo ao seduzia os passantes – revelariam o
incorporamos no trabalho a metodologia “cristal do acontecimento total” da
benjaminiana. Método do grego modernidade. A memória das passagens
methodos, de meta e odos, caminho. é atualizada, em pleno século XX, no
Isto é, método é o caminho que se intuito, de despertar a humanidade de
escolhe para alcançar certo fim. Fica certos sonhos embotados.
patente, pois, que o caminho que No final de sua vida,
escolhemos foi o de Walter Benjamin, ainda teve fôlego para confeccionar
no fito, de vislumbramos o vigor da suas famosas teses Sobre o conceito de
memória em Graciliano. história, teses nas quais a fé obtusa no
progresso – tão presente na social-
III. RESULTADOS E DISCUSSÕES democracia alemã – é dilacerada e que a
alegoria do anjo que sobrevoa as ruínas
III. I Walter Benjamin: a da história é evocada. Benjamin no
insustentável leveza da memória. contato sensível com os “objetos”

Não se trata de apresentar as obras BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo


literárias no contexto de seu tempo, mas Horizonte: Editora UFMG e Imprensa Oficial,
de apresentar, no tempo em que elas 2006. O crítico literário brasileiro (BOLLE,
2000, p.49) dá-nos um testemunho útil: “O texto
nasceram, o tempo que as revela e
de Benjamin publicado em 1982 com o título
conhece: o nosso. Das Passagen-Werk (A Obra das Passagens)
Walter Benjamin, 1931. coloca o leitor diante de sérias dificuldades para
se orientar nesse projeto – vasto, labiríntico,
difícil, fragmentário e inacabado – no qual o
autor trabalhou de 1927 até 1940, ano de sua
Walter Benjamin num
morte”. Ver: BOLLE, Willi. Fisiognomia da
projeto inacabado, Das Passagens-Werk Metrópole Moderna. São Paulo: Edusp, 2000, p.
49. Mas não lamentemos o caráter fragmentário
6
·, reuniu uma “história material” do da obra, tampouco a arte combinatória de
Benjamin, cujas veredas nos convidam para um
mosaico de citações iluminado pela
sensibilidade ímpar do crítico alemão, visto que
6
Utilizamos da magnífica edição brasileira o caráter inacabado da obra faz com que ela se
desta obra preparada aos cuidados de dois dos torne arejada, “obra aberta” a ser continuada por
maiores especialistas em Walter Benjamin no nós, leitores.
Brasil, Willi Bolle e Olgária Matos.
IX

sentia-se extasiado em face das ninguém, ele demanda por leitores


transformações modernas. Tocado pela desorientados, e não quer lhes inspirar
brisa da modernidade, o crítico sentia-se valores duradouros. A extinção da
comovido pelas ruínas históricas. A narração está envolvida com a
empresa crítica converge, assim, para a emergência da forma romanesca e da
questão da memória e do esquecimento, informação jornalística. Inicialmente, o
na luta para reativar esperanças romance difere da narrativa pelo seu
frustradas de outrora. Aquilo que próprio meio, o livro impresso –
sabemos que não teremos diante de nós, impossível pensá-lo antes da existência
se torna imagem e, Benjamin dá-nos histórica da imprensa. Portanto, se na
uma alegoria estonteante acerca da narrativa épica o relato era extraído da
fugacidade das coisas humanas: a de própria experiência do narrador, com
que embora possamos sonhar que no vistas a intercambiar valores com os
passado aprendemos a andar e de que seus ouvintes, no romance a tradição
reconheçamos que o saibamos, nunca oral não é alimentada, apraz ao
mais voltaremos a aprendê-lo. romancista escrever para leitores cujas
Todavia, não nos vidas gélidas precisam ser aquecidas.
arvoremos em interpretações ora A informação jornalística
nostálgicas ora ditirâmbicas do – que joga a derradeira pá de cal na
pensamento benjaminiano. narrativa e deixa em prantos o próprio
Reconheçamos que o filósofo mais romance – aspira a uma verificação
formula problemas do que os resolve. direta, compreensível “em si e para si”.
Tal como em Graciliano Ramos, não há Enquanto os relatos de antanho
em Benjamin verdades fáceis, panacéias apelavam para aspectos miraculosos, a
e idéias peremptórias. informação moderna apelaria para a
No ensaio O Narrador plausibilidade exata, mensurada, na qual
(1936) Benjamin dá-nos ótimas pistas. toda a riqueza da vida é reduzida a
Se o manancial da epopéia era a dados. Ou seja, conforme o próprio
tradição oral, o do romance seria a Benjamin, recebemos notícias de todos
solidão dos indivíduos, na sua os cantos do mundo, no entanto, somos
existência individual incomensurável. A carentes de histórias que nos tirem o
narrativa tem um senso prático, cujo fôlego.
esforço é o de aconselhar. Enquanto o No entanto, o fracasso da
romancista não quer aconselhar arte de contar – ligada a uma
X

experiência espontânea oriunda de uma um sentido primordial, portanto – é


organização social comunitária baseada colocada no primeiro plano. Não há,
no artesanato – precisa ser pois, o que se transmitir a não ser a
acompanhado de novas formas de própria dificuldade extenuante de lidar
narratividade. O leitor do romance com o mundo – as parábolas de Kafka
procura nos livros o que não mais são sintomáticas desta dificuldade.
encontra na sociedade moderna: um Platão tinha um alto
sentido explícito e reconhecido. O conceito do poder estupefaciente da
romance clássico, na direção de aquecer poesia – a mímesis 8 tinha uma força de
a vida gélida de seus leitores à deriva, arrebatamento a qual toda a sua filosofia
visa à conclusão. Porém, aqui Benjamin procurou resistir – não é à toa que ela a
envereda-se pelas ambivalências, pois, julgava prejudicial na comunidade
nalguns romances contemporâneos o perfeita dos filósofos governantes. Para
não-acabamento e a “obra aberta” são Benjamin a poesia e a literatura
características marcantes. Basta exprimem o que de outra forma não
lembramos, tal como lembra Benjamin, poderia ser dito. Elas nos arrebatam
Proust e Kafka. Mencionemos que como testemunhos históricos da nossa
Memórias do Cárcere seguiu o mesmo condição.
caminho. Entretanto, se na
Para Benjamin enquanto comunidade perfeita de Platão, a poesia
Proust personificava a força salvadora estaria banida por devassar o corpo, no
da memória, Kafka fazia-nos entrar no mundo moderno de Benjamin, ela
7
domínio do esquecimento . Este último entraria em crise pela dificuldade de se
domínio reverbera nos escritos pronunciar sobre alguma coisa. Há uma
kafkianos, à medida que a perda da parábola de Kafka sintomática desta
experiência de intercambiar crise, vejamo-la:
experiências – e o desaparecimento de

8
Há um belo texto da filósofa Jeanne Marie
7
A decifração deste domínio em Kafka é a Gagnebin acerca do conceito de mímesis em
decifração de um mundo desfigurado pela Benjamin e Adorno – no qual ela antes de
injustiça e pelo tormento, que se quer diferençar o conceito em ambos os autores,
esquecido: “Em Kafka, Odradek é o mais traça um breve resgate da depreciação do
estranho bastardo gerado pelo mundo pré- conceito por Platão e de sua respectiva
histórico com seu acasalamento com a culpa. reabilitação por Aristóteles. GAGNEBIN,
[...] Odradek é o aspecto assumido pelas coisas Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem,
em estado de esquecimento. Elas são memória e história. Rio de Janeiro, Imago,
deformadas” (BENJAMIN, 1996, p. 158). 2005.
XI

O imperador – assim dizem – centro do mundo, onde se


enviou a ti, súdito solitário e acumulava a prodigiosa
lastimável, sombra ínfima ante escória. Ninguém consegue
o sol imperial, refugiada na passar por aí, muito menos com
mais remota distância, a mensagem de um morto. Mas,
justamente a ti o imperador sentado à janela, tu a imaginas,
enviou, do leito da morte, uma enquanto a noite cai 9 (apud
mensagem. Fez ajoelhar-se o BENJAMIN, 1996, p.19).
mensageiro ao pé da cama e
sussurrou-lhe a mensagem no
ouvido; tão importante lhe
parecia, que mandou repeti-la Portanto, diante de um
em seu próprio ouvido.
Assentindo com a cabeça, mundo lamacento, no qual a palavra
confirmou a exatidão das
tem pouco valor, nada mais catalisador
palavras. E diante da turba
reunida para assistir à sua do que a memória, na sua insustentável
morte – haviam derrubado
todas as paredes impeditivas, e leveza. Tal leveza inspirou o nosso
na escadaria em curva ampla e escritor alagoano a observar que a
elevada, dispostos em círculo,
estavam os grandes do império retomada das cenas do passado só é
– diante de todos, despachou o
mensageiro. De pronto, este se possível a partir do momento em que se
pôs em marcha, homem reconhece que o passado, tal como ele
vigoroso, incansável.
Estendendo ora um braço, ora foi, está perdido para sempre. Tornar a
outro, abre passagem em meio
à multidão; quando encontra vivê-lo é mergulhar na sofreguidão,
obstáculo, aponta no peito a pois, o que foi não voltará mais. Porém,
insígnia do sol; avança
facilmente como ninguém. Mas ao que poderia ter sido e não o foi,
a multidão é enorme; suas
ainda resta uma chance – as linhas
moradas não têm fim. Fosse
livre o terreno, como voaria, tênues entre o presente e o passado se
breve ouvirias na porta o golpe
magnífico de seu punho. Mas, tornam risíveis. Em Infância e
ao contrário, esforça-se Memórias do Cárcere, o passado é
inutilmente; comprime-se nos
aposentos do palácio central; formado por nuvens, espectros, rastilhos
jamais conseguirá atravessá-
los; e se conseguisse, de nada imprecisos e impressões esmaecidas que
valeria, precisaria empenhar-se só voltaram a viver com a imaginação
em descer as escadas; e se as
vencesse, de nada valeria, teria 9
Esta parábola volta duas vezes na obra de
que percorrer os pátios, e Kafka, como conto independente (Uma história
depois dos pátios, o segundo imperial) e dentro do conto maior “Durante a
palácio circundante; e Construção da Muralha da China”. Benjamin
novamente escada e pátios; e capta em Kafka que não há mais nenhuma
mais outros palácios; e assim mensagem para se transmitir, exceto a de que
por milênios; e quando não existe mais uma totalidade de sentidos. É
finalmente escapasse pelo destas ruínas que nascerão novas sensibilidades,
último portão – mas isto nunca, outras narrativas e uma nova escritura da
história. BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica,
nunca poderia acontecer –
Arte e Política (V. I). São Paulo: Brasiliense,
chegaria apenas à capital, o 1996, p.19.
XII

do ficcionista. Como corolário, a leveza nenhum mortal, em sã consciência,


da memória – diante do peso do pode se gabar da perfeição de suas
esquecimento – acaba por dinamitar a lembranças -, e por conta desta
“ilusão autobiográfica”. Porquanto há imprecisão, ele precisa recorrer a um
no memorialista um quê de ficcionista – mundo que é incongruente. Diante das
insuspeito àqueles que acreditam, nuvens das lembranças, surge a letra de
credulamente, na veracidade das fôrma do ficcionista, por conseguinte.
autobiografias. A memória ordinária do
memorialista eleva-se por meio da
III. II Graciliano Ramos: o peso do
criação do ficcionista, visto que existem
testemunho.
coisas que só existem por derivação e
associação. Graciliano desfaz a “ilusão
A primeira sensação do
autobiográfica”, pois, seleciona e filtra
leitor de Infância de Graciliano Ramos
as lembranças a partir de um eu
é a vertigem. Há nesta “ficção
inquiridor. Quão pesadas seriam as
10
autobiográfica” lugares imprecisos,
páginas de Infância, caso o escritor
pontos nebulosos, estremecimentos da
ratificasse a possibilidade de relatar, de
memória em face de fragmentos de
maneira fiel e imaculada, a sua própria
pessoas e de coisas que, juntos,
infância.
configuram-se no pequeno mundo
Existe em Graciliano um
incongruente criado pelo ficcionista-
grito abafado que oscila entre as
memorialista. O enleio de fragmentos
cicatrizes da memória e o inventário do
sugeridos pela memória é a matéria- 11
ficcionista . O ficcionista evade-se de
prima do relato, matéria esta somada
um mundo que abomina a partir de seu
com o hábito do ficcionista de criar
registro. Há uma busca incessante pelo
ambientes, coisas e pessoas que
testemunho da verdade, seja qual for
ultrapassam os limites da suposta
esta verdade.
veracidade. Graciliano acentua que suas
memórias não são cabais – aliás,

10 11
Ver: LEITÃO, Cláudio. Líquido e incerto: O oscilar entre a ficção e a confissão foi um
memória e exílio em Graciliano Ramos. desdobramento necessário na arte de
Niterói: EdUFF, São João Del Rei: UFSJ, Graciliano Ramos. Para maiores detalhes,
2003. MIRANDA, Wander Melo. Corpos consultar: CANDIDO, Antonio. Ficção e
escritos: Graciliano Ramos e Silviano confissão: ensaio sobre Graciliano
Santiago. São Paulo: Edusp; Belo Ramos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul,
Horizonte, UFMG, 1992. 2006.
XIII

A atmosfera acre que a intensidade do testemunho. Em


paira nas páginas dos testemunhos de Infância há uma passagem sintomática
Graciliano não está orientada, única e da paixão firme que Ramos devotava ao
simplesmente, por um pessimismo testemunho:
mórbido. Na verdade, o que importa é o
testemunho da condição humana, nas Meu avô nunca aprendera
nenhum ofício. Conhecia,
suas veleidades e mediocridades. A porém, diversos, e a carência de
escrita está atrelada com o intenso mestre não lhe trouxe
desvantagem. Suou na
desejo de testemunhar – de salvaguardar composição de urupemas. Se
resolvesse desmanchar uma,
a memória do esquecimento. estudaria facilmente a fibra, o
As palavras não são aro, o tecido. Julgava isto um
plágio. Trabalhador caprichoso
adornos, não nasceram para o decoro, e honesto procurou os seus
caminhos e executou urupemas
mas para dizer, sem floreios. Não é por fortes, seguras. Provavelmente
acaso que Graciliano nutria uma louca não gostavam delas:
prefeririam vê-las tradicionais e
obsessão 12pela escolha de suas palavras corriqueiras, enfeitadas e
– o seu processo de criação notabilizou- frágeis. O autor, insensível à
crítica, perseverou nas
se pela lentidão. Ramos resguardou à urupemas rijas e sóbrias, não
porque as estimasse, mas
sua escrita o traço da “perfeição”, pois, porque eram o meio de
à maneira das lavadeiras de Alagoas, a expressão que lhe parecia mais
razoável. (Ramos, 1999, p.19).
13
couraça suja das palavras era lavada até
a limpidez total.
O escritor cria os seus
Todavia, não estamos
precursores, o menino, recriado pelo
diante de um Flaubert, visto que a
adulto, elege o avô e sua arte atenta às
fixação estilística não segue os mesmos
rijas fibras das urupemas como modelo
parâmetros, no caso do escritor
para o ofício do ficcionista-
brasileiro tudo é pensado tendo em vista
memorialista apegado com as palavras

12
sinceras. As palavras – rijas como as
Em Memórias do Cárcere freqüentes são as
passagens nas quais o romance Angústia é urupemas – devem estar esculpidas na
denegrido, vilipendiado. Para Graciliano,
Angústia estava mal escrito, gorduroso e experiência humana. Divagar, sem
medíocre. Numa carta a Antonio Candido,
Ramos alegou: “Angústia é um livro mal nenhum propósito digno, era para o
escrito. Foi isto que o desgraçou. Ao reeditá-lo ,
alagoano um descalabro.
fiz uma leitura atenta e percebi os defeitos
horríveis: muita repetição desnecessária, um
divagar maluco em torno de coisinhas bestas,
13
desequilíbrio, excessiva gordura enfim” (apud RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de
CANDIDO, 2006, p. 10-11. Janeiro: Record, 1999, p.19).
XIV

Memórias do Cárcere vivendo como rato, encarcerado,


tem um caráter experimental belíssimo, diminuído, mas em contato direto com
a sintaxe oprime tal como a lei, no outros párias. Reviver estes momentos
entanto, ainda há estreitos limites nos por meio das suas memórias, mas não
quais o escritor pode se mexer. Mas o revivê-los como, deveras, foram. O
que salta aos olhos é o tipo de corpo esteve encarcerado, mas o espírito
reminiscência que ali se desdobra. não. Fazer viver o que estaria morto
Acerca deste desdobramento, Wander para sempre: o elemento deflagrador
Melo Miranda registra-nos que: do processo da escrita do nosso escritor.
Sensível notar que
A possibilidade da Graciliano Ramos não visa expor-nos,
reminiscência descortina-se
onde a história triunfante dos minuciosamente, a sua condição de
“homens gordos do primado encarcerado. As sensações do corpo
espiritual” procede ao
cancelamento do que ficou para judiado são colocadas ao lado dos
trás, ou seja, no detalhe, no
pequeno, no insignificante, a contornos promíscuos da prisão. O
partir deles e com eles. Se a escritor se encarava como muito reles
perspectiva da morte, de fim de
caminho, autoriza o autor a para se tornar um mártir. Terminemos
levar adiante suas memórias, é
o desejo de fazer viver o que
com o próprio Ramos, numas das partes
estaria morto para sempre, mas mais sublimes de suas memórias:
que ainda persiste na sua
demanda, o elemento
deflagrador do processo da E aqui chego à última objeção
escrita. Reviver o passado, sim, que me impus. Não resguardei
porém enterrar de vez o que os apontamentos obtidos em
mantém o memorialista largos dias e meses de
encarcerado e o impede de observação: num momento de
tomar posse efetiva do aperto fui obrigado a atirá-los
presente. (apud RAMOS, 2008, na água. Certamente me irão
p.685). 14 fazer falta, mas terá sido uma
perda irreparável? Quase me
Graciliano esgueira-se inclino a supor que foi bom
privar-me desse material. Se ele
nos cantos obscuros, pouco importa as existisse, ver-me-ia propenso a
consultá-lo a cada instante,
suas mediocridades de pequeno- mortificar-me-ia por dizer com
burguês, porquanto o que está em realce rigor a hora exata de uma
partida, quantas demoradas
é a condição de pária social, do literato tristezas se aqueciam ao sol
pálido, em manhã de bruma, a
cor das folhas que tombavam
14
MIRANDA, Wander Melo, Posfácio Em: das árvores, num pátio branco,
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere. a forma dos montes verdes,
Rio de Janeiro: 2008 p.685. tintos de luz, frases autênticas,
XV

gestos, gritos, gemidos. Mas pelo presente. A leveza da memória


que significa isso? Essas coisas
verdadeiras podem não ser benjaminiana reforçou o peso do
verossímeis. E se esmoreceram, testemunho graciliânico. Como
deixá-las no esquecimento:
valiam pouco, pelo menos desdobramento, os “relatos
imagino que valiam pouco.
(RAMOS, 2008, p.14). 15 autobiográficos” tornaram-se,
igualmente, ficcionais. Memórias
V. Considerações Finais lineares da vida de um indivíduo
majestoso soam para Ramos uma
Walter Benjamin torpeza a ser evitada. A soberba não
mostrou-nos a força da memória diante consta no breviário das qualidades do
das ruínas históricas. A tempestade do escritor. O que fulgura é o esgueirar-se
progresso – para lembrarmos a famosa pelos cantos, haja vista que há algo mais
alegoria do anjo – faz com que o anjo interessante a ser contado. As memórias
da história vá adiante, melancólico ante de Graciliano arvoram-se na experiência
os detritos que se avultam abaixo dos do relatar, mesmo que os tempos sejam
seus olhos, mas confiante quanto ao dos mais pobres para as experiências
futuro. No entanto, ora ou outra, o anjo comunicáveis. É assim que nosso
precisa acordar os mortos de outrora. escritor faz suas urupemas artísticas,
Trazer à tona o passado é vivê-lo no com vistas a nos ajudar.
presente, cientes de que o que foi não
voltará mais, embora as esperanças
soterradas de antanho possam vir à luz
no agora.
Graciliano Ramos fiou-
se no testemunho como premissa de sua
arte. As angústias do presente seriam
aliviadas – não é-nos possível falar em
cura para Ramos – pelos desejos não
ouvidos do passado. Mas, como em
Benjamin, nada voltaria como, de fato,
foi. O passado retorna na forma de
“nevoeiros imprecisos”, iluminados

15
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere.
Rio de Janeiro: 2008 p.14.
XVI

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