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Susana Soares
FCDEF-UP
Introdução
A natação é, dentro da expressão e educação físico-motora, uma das modalidades de mais difícil
abordagem na escola, o que se deve, principalmente, à ausência de espaços próprios para o seu ensino.
Dotar os alunos de competências natatórias significa, na maioria dos casos, deslocações até piscinas
municipais ou privadas, situadas em espaços geográficos de acessibilidade nem sempre fácil. Estas
dificuldades conduziram, tradicionalmente, a um abandono, não só da natação, como das modalidades afins
(polo aquático, natação sincronizada,…). Apesar de, actualmente, ser ainda difícil a deslocação dos alunos,
as novas políticas autárquicas de construção de vários tanques, equitativamente distribuídos pelos espaços
urbanos e vocacionados para o ensino da natação, abre a porta ao estabelecimento de protocolos de
prestação de serviços entre as autarquias e as escolas, destacando-se as do primeiro ciclo.
Assim, a maioria dos professores que há muito se haviam esquecido desta modalidade vêm-se agora
confrontados com a necessidade de ensinar os seus alunos a nadar.
E que natação?
Uma natação moderna, cujos padrões técnicos, regulamento técnico e metodologias de ensino sofreram
algumas alterações importantes, as quais é necessário dominar para promover um ensino de sucesso. A
todos os professores do primeiro ciclo, há muito formados ou ainda em formação, coloca-se o desafio desta
actividade nova e foi a pensar neles que nasceu este documento.
O trabalho aqui apresentado pretende ser uma proposta metodológica para o ensino da natação,
considerando que o aluno parte da inadaptação total à água e vai adquirindo um conjunto de competências
que o levam ao domínio das quatro técnicas de nado, respectivas partidas e viragens. Pretende-se, ainda,
que professor seja capaz de identificar o nível de evolução de cada um dos seus alunos, resolver possíveis
inadaptações respeitantes a fases do ensino anteriores e desenvolver um trabalho variado e criativo,
seguindo o fio condutor que aqui se apresenta.
Ao primeiro grupo de adaptações motoras básicas, no âmbito da natação, chamamos adaptação ao meio
aquático (AMA) e nela englobamos todos os sujeitos que apresentam um grau de inadaptação tal que não
conseguem sustentar-se dentro de água.
O objectivo será, pois, dotar os alunos de um conjunto de competências que lhes permitam deslocar-se
autonomamente no meio aquático, mas sem que para isso necessitem, ainda, de usar um padrão de nado
estilizado (crol, costas, bruços ou mariposa).
Nesta fase, a água, face ao comportamento humano, é um elemento hostil, criando diversas dificuldades
(Mota, 1990), as quais podem ser agrupadas em três grandes domínios: a respiração, o equilíbrio e a
propulsão (deslocar-se dentro de água). Partindo do pressuposto que o aluno tem uma inadaptação total à
água, algo similar a uma ausência total de contacto com este meio, há uma progressão de objectivos destes
três domínios a cumprir, antes de passar ao ensino das técnicas propriamente ditas. No quadro 1
apresentamos a proposta metodológica de abordagem desta primeira etapa da aprendizagem da natação.
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Saltar para a água em pé, partindo do bordo da
piscina, mantendo os segmentos corporais
alinhados.
Um dos principais erros no trabalho de adaptação ao meio aquático está na ânsia que o professor tem de
ver os seus alunos a propulsionarem-se na água (bater pernas com e sem placa, nadar crol...), esquecendo
as adaptações respiratórias (abrir os olhos, suster a respiração nas imersões, ...) e de equilíbrio (deslizar,
...) anteriores. De acordo com a progressão que apresentamos, isto equivaleria a começar pelo penúltimo
objectivo do domínio da respiração, esquecendo todos os objectivos anteriores. É importante ter paciência,
não ter pressa (não queimar etapas de aprendizagem), deixando objectivos importantes por cumprir. Por
exemplo, um aluno que não consegue imergir a cara na água nunca vai conseguir adoptar uma posição
horizontal suficientemente estável para adquirir um padrão de batimento correcto das pernas, isto porque
vai ter a cabeça muito elevada, para a água não chegar à boca e aos olhos. A posição alta da cabeça, com
o pescoço muito esticado, vai ter como consequência o afundamento das pernas. O corpo fica oblíquo, em
relação ao fundo da piscina, e, nesta posição, o nado torna-se penoso, obrigando o aluno a fazer grandes
esforços.
Dois aspectos importantes que costumam ser relegados para segundo plano, durante a fase de adaptação
ao meio aquático, são o ensino da posição hidrodinâmica (fig. 1), quando se abordam os deslizes, e o
ensino da forma correcta de pega da placa (ver 3.1).
A posição hidrodinâmica é a posição corporal de maior alinhamento segmentar, revestindo-se de extrema
importância na fase de deslize subsequente à realização das partidas e viragens. É muito importante que os
alunos se habituem a adoptá-la logo nos primeiros deslizes. É mais fácil o aluno adquirir este
comportamento durante a fase de adaptação ao meio do que, mais tarde, durante o ensino das técnicas de
partida e viragem.
Posição hidrodinâmica
Alinhamento total dos segmentos corporais. O corpo está
completamente esticado, as mãos sobrepostas e a cabeça sob os
braços.
Design: Paulo
Ferreira
2. Técnicas de nado
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Depois das questões essenciais da adaptação ao meio aquático estarem totalmente resolvidas, os alunos
estão prontos a iniciar a aprendizagem das quatro técnicas de nado. Sugerimos que se inicie este processo
pelo ensino simultâneo das técnicas de crol e de costas, passando, seguidamente, ao bruços e, por fim, à
mariposa.
No quadro 2 encontra-se uma proposta metodológica para o ensino das técnicas de crol e de costas.
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Conteúdo Objectivos Exercícios
s
Pernada Realizar a pernada de crol, com e sem placa,
de crol após saída da parede em deslize.
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Mergulhar de cabeça, a partir da posição de
cócoras, mantendo o corpo em posição
engrupada.
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2.2. Técnica de bruços
No ensino do bruços, o aspecto mais importante a considerar está relacionado com a evolução do padrão
técnico do movimento da pernada.
Tradicionalmente, a pernada de bruços era ensinada tendo como imagem o movimento das patas da rã, o
que originava um movimento de flexão das pernas com grande afastamento dos joelhos. Actualmente, esta
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pernada já não tem qualquer expressão, uma vez que vários estudos científicos provaram que aquele
afastamento exagerado dos joelhos era pouco eficaz. Assim, hoje, devemos ensinar a pernada pedindo aos
alunos para, no momento da flexão das pernas, manterem os pés mais afastados que os joelhos. Uma boa
maneira de ensinar esta acção é colocar os alunos de costas para a parede, agarrados ao bordo da piscina,
e realizar impulsões (empurrar a parede com os pés) partindo exactamente da posição de joelhos quase
juntos e pés afastados (posição da avózinha a fazer tricot).
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Conteúd Objectivos Exercícios
os
Moviment Realizar saltos de golfinho*, partindo da
o posição de pé, colocando o acento tónico do
ondulatório movimento na acção da cabeça.
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deixar respirar quando dá jeito, mesmo nas fases iniciais do ensino. O ciclo respiratório correcto é: emersão
(saída) da cabeça para respirar durante a quarta pernada e imersão (entrada) da cabeça, para expiração
subaquática, na primeira pernada (sai à quatro e entra à um!). Na figura 2 tentamos expôr, de forma mais
clara, a mecânica desta técnica.
Uma última referência importante é a de que a mariposa é das técnicas mais fáceis de ensinar e é muito
fácil de nadar, desde que os professores consigam perceber e transmitir, muito bem, aos seus alunos o
padrão de coordenação respiração/pernada/braçada correcto.
Depois do ensino das quatro técnicas de nado, o aluno está apto a aprender a articular os quatro estilos
entre si, nadando percursos individuais (100 metros estilos) ou estafetas (4x25 metros estilos). No primeiro
caso, a ordem dos estilos é mariposa, costas, bruços, crol. Nas estafetas, o primeiro aluno nada costas,
realizando a partida dentro de água, e os alunos seguintes nadam bruços, mariposa e crol, por esta ordem,
realizando a partida do bloco.
Nesta fase, o que há a aprender de novo são as viragens de estilos: mariposa/costas, costas/bruços e
bruços/crol (quadro 5).
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Conteúdos Objectivos Exercícios
Viragem de Após nado de mariposa, realizar
mariposa/cost a viragem de mariposa para
as costas*.
A forma como o aluno pega na placa está, logicamente relacionada com o objectivo do exercício que o
professor propõe. Não deve, pois, ser deixada ao livre arbítrio do aluno. No quadro 6 encontra-se uma
análise de vários tipos de pega da placa, em função de diferentes tipos de exercícios, tadicionalmente
aplicados no ensino da natação.
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Com a placa no sentido longitudinal, Bruços e Mariposa: realização
colocar ambas as mãos no bordo de pernada com respiração.
posterior.
Nado dorsal
Com a placa no sentido longitudinal, Realização de pernadas com a
colocar as mãos, com o dorso voltado bacia elevada.
para o fundo da piscina, no bordo
posterior.
Com a placa no sentido transversal, Realização de pernadas,
colocada sob a cabeça, colocar as privilegiando a posição elevada
mãos com o dorso voltado para o da bacia e a colocação correcta
fundo da piscina, nos bordos laterais. da cabeça.
Com a placa no sentido transversal, Realização de pernadas.
posicionada ao nível da cintura,
*
colocar as mãos no bordo posterior. Este tipo de pegas requer
algum cuidado, uma vez que a
Agarrar a placa, no sentido bacia tem tendência a afundar,
longitudinal, com as mãos cruzadas, perdendo-se a horizontalidade
ao nível do peito. corporal desejada na técnica de
costas.
Design: Paulo Ferreira
3.2. Fases subaquáticas das braçadas das técnicas de crol, costas e mariposa
A execução técnica correcta e apurada das fases subaquáticas (parte da braçada que se realiza dentro de
água) das braçadas das técnicas de crol, costas e mariposa é uma preocupação que só pode surgir depois
do aluno mostrar uma técnica global bem coordenada, um nado harmonioso e sem grandes defeitos.
Inicialmente, deixamos que os alunos realizem, dentro de água movimentos circulares ou rectilíneos e
focalizamos a nossa atenção nos batimentos dos membros inferiores, na horizontalidade (corpo paralelo ao
fundo da piscina) , na linearidade corporal (segmentos alinhados) e na coordenação entre as braçadas,
pernadas e respiração. Contudo, apesar de permitirmos que os alunos realizem braçadas circulares ou
rectilíneas, quando mostramos um determinado gesto técnico devemos fazê-lo sempre de forma correcta,
para que eles se vão apercebendo que os movimentos dentro de água também obedecem a um
determinado padrão, também têm uma técnica própria de execução.
A utilização de material didáctico no ensino da natação tem de ser devidamente ponderada. Os materiais
de uso mais comum nas nossas piscinas são as placas (ver 3.1.), os pull-buoys, as braçadeiras e os cintos
flutuadores.
Os pull-buoys são flutuadores próprios para colocar entre as coxas. Bloqueiam a acção dos membros
inferiores por forma a isolar a acção dos membros superiores. Uma vez que durante o ensino das técnicas
de nado devemos começar sempre pela pernada e ir acrescentando, progressivamente, a respiração e as
braçadas, este material não parece ser de grande utilidade. Pode parecer interessante e proveitoso colocar
um pull-buoy nos membros inferiores, para o aluno perceber melhor o movimento dos membros superiores,
mas não podemos esquecer que, ao fazê-lo, tiramos-lhe capacidade de propulsão (capacidade de se
deslocar) e, principalmente, de equilíbrio (sem bater as pernas a bacia afunda e o corpo fica oblíquo em
relação ao fundo da piscina), o que vai ter consequências negativas do ponto de vista do alinhamento
corporal (arqueamento do corpo). Sem um bom alinhamento é impossível realizar braçadas correctas e
eficazes.
O uso das braçadeiras e dos flutuadores na fase de AMA induz falsas adaptações, dado que só com eles
é que os alunos se conseguem sustentar no meio aquático, sem eles afundam!. Com este tipo de materiais
os alunos não consegue aprender a equilibrar-se, não conseguem sentir a força de impulsão da água.
Ganham, também, uma falsa autonomia. É frequente ouvir histórias de crianças que foram para férias com
os pais e saltaram, com confiança, para piscinas de águas profundas (piscinas sem pé), descobrindo, da
pior forma, que, sem as braçadeiras ou os cintos flutuadores, não conseguem manter-se à superfície. É
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mais vantajoso, perder um pouco mais de tempo a ensinar os alunos a equilibrarem-se (perceber que
conseguem flutuar) sem materiais auxiliares, do que deixá-los ganhar uma autonomia dependente e depois
ter de voltar atrás e repetir o trabalho todo de novo.
Durante uma aula de natação não podemos saturar os alunos com exercícios técnicos muito formais, que
solicitem muita atenção e elevado nível de concentração, uma vez que esta vai diminuindo à medida que o
cansaço se instala, levando o aluno ao desinteresse e ao aborrecimento. Isto é tanto mais verdadeiro
quanto mais longo for o tempo de aula. O professor tem, então, que ser capaz de introduzir alguns
momentos de lazer na aula, podendo fazê-lo de duas formas: deixar que os alunos explorem o meio
livremente (momentos para brincar na água), ou usar jogos em que os alunos se divertem e, sem se
aperceberem, também realizam movimentos conducentes à concretização do objectivo da aula. A segunda
estratégia é, sem dúvida, mais adequada, nomeadamente em aulas de curta duração.
É muito importante que o professor saiba distinguir, muito bem, estes dois tipos de exercitação, porque só
a actividade orientada leva à aprendizagem do aluno. Apesar de não podermos esquecer que brincar
livremente motiva os alunos e aumenta o seu empenhamento nas aulas, temos de estar conscientes de que
essa brincadeira não é sinónimo de aprendizagem.
Um bom exemplo de actividades que, apesar de saírem do âmbito da natação, propriamente dita,
permitem a aplicação dos conteúdos nela aprendidos, são a natação sincronizada e o polo aquático,
aplicadas formalmente (respeitando integralmente o seu regulamento técnico) ou de forma adaptada.
A partir do momento em que os alunos têm um domínio básico das diferentes técnicas de nado é possível
realizar algumas competições formais, à imagem da natação de competição federada. Utilizando o
regulamento técnico da natação de forma flexível, é possível organizar competições interescolas, com
provas de 25 a 50 metros de nado e estafetas de 4x25 ou 4x50 metros. Estas competições são fonte de
alegria e grande excitação, motivando as crianças, levando-as a querer aprender sempre mais.
Outro tipo de encontros que podem ser promovidos são os festivais de natação, os quais podem, ou não,
conter provas formais. Nestes festivais, o lugar de destaque está nos jogos que os professores criam e que
podem ir de uma simples gincana à realização de jogos tradicionais na água, jogos pais e filhos, jogos
interclasses, etc.
Esperamos, com este documento, ter conseguido solucionar algumas das dificuldades mais importantes
relacionadas com o ensino da natação. Se subsistirem dúvidas, nomeadamente no que respeita à mecânica
gestual de cada uma das técnicas de nado, aconselhamos, a título de exemplo, a leitura das obras de
Navarro (1990), Schmitt (1997), Pelayo et al. (s.d.) e Chollet (1997).
Bibliografia
Counsilman, J. E. (1980). A Natação. Ciência e Técnica para a Preparação de Campeões. Livro Ibero-
Americano, Ltda, Rio de Janeiro.
Pelayo, P.; Maillard, D.; Rozier, D. e Chollrt, D. (s.d.). Natation au Collège et au Lycée. De L’École…aux
Associations. Éditions Revue EPS, Paris.
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Thomas, D. G. (1990). Advanced Swimming. Steps to Success. Leisure Press, Champaign, Illinois.
Design: Paulo Ferreira, aluno do 4º ano da Licenciatura em Desporto e Educação Física da Faculdade de
Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.
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