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– Corpo orgânico e
corpo expressivo
Equipe Acervo Claudio Ulpiano on 22 de Março de 2010
(…)
A singularidade não é nem individual nem mental – ela é real, mas aqui
aparece… apareceram… Vamos voltar ao Guilherme de Ockham:
O que o Guilherme de Ockham fez de mais magnífico? Foi ter
constituído um campo ontológico – que é o campo do indivíduo; e um
campo semiótico – que é o campo do universal. Foi isso que ele fez.
Agora, quando nós chegamos aqui nós temos
a singularidade. A singularidade não é um campo mental; ela é uma
realidade tão real quanto o individual. Só que as estruturas do
individual não são semelhantes às estruturas do
singular, sobretudo porque o singular não tem estrutura. Eu disse pra
vocês que a forma empírica, ou melhor, que o mundo empírico é
constituído de indivíduos; e os indivíduos e os sujeitos são duas formas.
Então, no universo, no que eu chamo de campo transcendental, – onde
estão as singularidades -, não existem formas. Se o Nietzsche, por
exemplo, estivesse aqui, como é que ele chamaria essas singularidades?
Ele as chamaria de FORÇAS. (Posso usar diversos pensadores que vão
pensar dessa maneira). Então, essas singularidades…
(Eu vou repetir, pra vocês compreenderem melhor).
Há um pintor do século XX, que morreu há pouco tempo, chamado
Francis Bacon. Vocês conhecem o Francis Bacon?
Francis Bacon… eu vou trazer na próxima aula. Ah! Nós temos aqui?
Pronto, está aqui, vejam o Francis Bacon…
Evidentemente, que aqui vocês não têm o Francis Bacon inteiro, isto
aqui é apenas um rosto. (Certo?) E o Francis Bacon pinta telas, onde
aparece o corpo inteiro, e ele pinta inclusive trípticos… que são
três painéis que ele faz. Agora, eu vou usar o Francis Bacon da seguinte
maneira: o mundo, a natureza é constituída de dois campos reais: um
chamado empírico – que é o lugar das formas; e outro,
chamado singularidade – que não tem formas; e eu chamei de forças. O
Francis Bacon é um pintor que só tem uma questão – pintar
as forças. Toda a questão dele é pintar as forças. (Não vou dar aula de
Francis Bacon hoje…) Toda a questão dele é pintar as forças.
Você nota que só isso aqui já dá para notar que ele está fazendo uma
destruição absoluta do rosto. O objetivo dele é desfazer a forma, é
desfazer a forma do rosto. Claro que isso não fica muito evidente nesse
momento, mas na frente vai ficar! Eu vou colocar o Francis Bacon como
sendo um pintor a partir de duas realidades. Quais são as realidades?
A empírica e a transcendental. Empírica, forma; o transcendental,
singularidades ou forças (Tá?).
Vamos ver, por exemplo, o Dalí. O Dalí é pintor de quê? Ele é pintor de
objetos mentais.
E ele dá aos objetos mentais a forma que o objeto mental tem enquanto
objeto mental: relógios desmilinguidos, campos imensos… tudo
aquilo que aparece nos sonhos.
Então, eu posso dizer tranquilamente que o Dalí é um pintor dos objetos
mentais, mas o Francis Bacon, não. O Francis Bacon é um pintor das
forças – ele quer pintar as forças. Então, estou chamando as forças de
singularidades. E essas singularidades, eu disse que elas são a gênese do
indivíduo. A GÊNESE! Nós temos um prejuízo muito grande (atenção, é
um momento muito forte!), nós temos um prejuízo muito grande ao
pensar gênese! E a nossa dificuldade em pensar gênese é por causa das
velhas teogonias: as teogonias orientais, mesmo as teogonias gregas –
Hesíodo, por exemplo, em que a gênese era separada do objeto que ela
produzia. Então, nós achávamos que a gênese se dava num determinado
tempo: num determinado momento, apareciam as forças genéticas; essas
forças genéticas produziam o que tinham que produzir, e desapareciam;
e aquilo que estava produzido passaria a existir. O que eu estou dizendo
não é isso.
Eu estou dizendo que a singularidade… que eu chamei de campo
transcendental (O indivíduo… indivíduo e sujeito eu chamei
de formas.), essa singularidade, o campo transcendental, é genética –
mas, só que a gênese nunca abandona o indivíduo: estão sempre juntos!
Quer dizer, o velho corte teogônico… (Vocês entenderam o que eu falei
da Teogonia?). A teogonia –estou dizendo, aqui, Hesíodo… As
teogonias explicam a formação do mundo através de processos
genéticos, mas elas separam a gênese: o criador do criado. É muito
semelhante, muito semelhante ao Deus cristão: é um processo de criação
em que o criador e o criado ficam separados. Aqui, nesse processo que
estou dizendo pra vocês, não há a separação do criador e do criado. O
criador e o criado estão juntos. Então, a singularidade está o tempo
inteiro presente no indivíduo. As singularidades (Atenção, já vai ficar
mais fácil!) são os fluxos intensivos de um corpo. Ou seja, todo corpo
tem um organismo: são o organismo e as funções dos órgãos
que individuam um corpo vivo e fazem dele um sujeito; mas nesse
corpo atravessam o que se chama fluxos intensivos. São esses fluxos
intensivos que eu estou chamando de… campo transcendental ou de
singularidade.
Alª: Não é a força elástica?…
Cl: Não seria a força elástica. Vocês notem que, quando eu toquei
na força elástica, eu a chamei de in-orgânica. Disse que a força
plástica era orgânica. Mas eu apontei para a alma e disse que ela
era an orgânica. A alma são essas forças!…
Alº: Esses conceitos, eu talvez confunda um pouco… é a força
inorgânica e a anorgânica..
Cl: Eu botaria em questão… Mas eu prefiro não fazer isso já. Mas está
bem colocado! Porque a arte orgânica é a arte da representação. (Mas eu
ainda não vou colocar nesta aula… Eu ainda não vou passar essa questão
nesta aula. Acho que na aula que vem a gente entra nisso.)
Alª: Eu não entendi, eu estava pensando nisso de hoje, mas no que você
disse na última aula, sobre a questão do orgânico, dos órgãos, que o
organismo… aprisiona a vida…
Cl: É. Ainda é difícil… Você vai entender! Vai passar a fazer parte da
sua vida. Pode ficar certa de que você vai entender. Porque essa questão
que estou dizendo… (Só para responder a ela). Quando eu disse que o
organismo aprisiona a vida, isso é o Artaud. O organismo prende a vida.
(Mais tarde eu voltarei a isso para colocar pra você… Na hora em que eu
tiver o campo teórico suficientemente exposto, para que você possa
compreender. Eu acho que o estudante compreende, quando eu
compreendo. Eu sou uma espécie de imagem modelo da aula. (Viu?).
Por exemplo, se eu dissesse agora, para você: Ah! Ah! Ah! O organismo
não se equivale à vida, há alguma coisa a mais, eu não compreenderia!
Seria um enunciado solto. (Entendeu?) A aula é
um processo que expressa o pensamento daquele que a está dando.
Então, quando eu obtenho a compreensão de alguma coisa, eu acredito
de imediato que vocês compreenderam. Entendeu? Então, eu não posso
precipitar alguma coisa descontextualizada. Se eu descontextualizo, se
eu jogo aquilo, vira mera palavra, flatus vocis.
Al: Claudio, eu acho que o que está me dificultando é que eu estou
procurando associar com o canto territorial, e ele é associado com a
força elástica…
Cl: Nada… Não tem canto nenhum. A força elástica não canta, a força
elástica é mola. São molas… Depois eu vou explicar melhor a questão
do que é exatamente a força elástica, do que é a força plástica…
Parte II
(…) o MUNDO EMPÍRICO [que] é constituído por indivíduos; e os
indivíduos têm uma forma. Se eles mudam de forma, isso se
chama trans – formação – aí eles passam para outra forma. Por exemplo,
vocês vão encontrar… eu acho que eu posso até dizer que, em seus
relógios líquidos, o Dalí trabalharia com transformações. Ele trabalharia
com transformações. Agora, quando você pega esse pintor chamado
Francis Bacon, e eu disse que Francis Bacon objetivava pintar as
singularidades… (Foi isso que eu disse?) Pintar as forças… as
singularidades. Mas eu vou apresentar outro pintor, ou outraescola, que
visaria a pintar essas singularidades. E com essa outra escola a questão
vai ficar mais clara: é o expressionismo abstrato ou a pintura informal. E
eu acho que o melhor exemplo é o Pollock… Todo mundo conhece o
Pollock? O Pollock… é o seguinte (eu vou explicar pra vocês:)
Você pega um tecido, o tecido é constituído de dois elementos
entrelaçados: a trama, que é o elemento horizontal do tecido; e o urdume
– que é o elemento vertical do tecido. O tecido vai fazendo assim… o fio
da trama se entrelaçando ao urdume. (Não é?) Uma trama e um urdume:
chama-se urdidura, a trama e o urdume… e isso é um tecido. Para
produzir o tecido, o tecelão vai trabalhar com fios, que podem ser de
origem animal, vegetal, artificial, plástico… não importa, ele pega esse
fios e faz a urdidura – tramamais urdume.
Mas existe outro tipo de prática, utilizada pelos nômades, que é pegar
um emaranhado de fibras, sem distinção de fios, ou fios emaranhados,
tudo misturado, colocá-los sobre uma superfície e socá-los: pá!pá!pá!pá!
– ou prensá-los. É assim que se produz uma coisa chamada feltro. O
feltro não é um tecido, não é constituído por… trama e urdume. O feltro
é socado e, sendo socado, os fios do feltro são um emaranhado. A
pintura do Pollock são fios emaranhados. (Entenderam?)
Leibniz…
Cl: Me dá o Caravaggio.
Olha lá! Olha o fundo… olha o fundo sombrio: eles trabalham muito
com marrom e vermelho. Então, desse fundo sombrio é que vão ser
extraídos os clarões, a percepção clara. (Não sei que tela era essa… Nem
vi direito. É um rosto que está ali?). Então, nessa tela, o que é claro é
aquele rosto. Aquele fundo que está ali é o infinito do mundo
inteiro. Esse infinito do mundo inteiro, cada ser vivo – e o nome do ser
vivo é… mônada (m-o-n-a-d-a, proparoxítona) – cada ser vivo carrega
consigo o infinito do mundo inteiro. O infinito do mundo inteiro
está dentro dele. Então, acontece uma das coisas… Somente uma razão
barroca pode construir alguma coisa desse tipo… As mônadas são
finitas, porque cada ser vivo é finito, mas carregam dentro de si o
infinito do mundo inteiro. Por isso, é muito simples compreender isso…
necessariamente, cada mônada tem como fundo o sombrio. Porque tem
como fundo tudo que existe no mundo inteiro (está bem assim?).
Al: Eu não entendi… essa questão dos dois elementos que se chocam…
Cl: Ah! O que eu quis dizer é o seguinte: por exemplo, você quer ver?
Olha aqui: [Claudio bate numa superfície:] pá…pá..pá… Você ouviu,
não ouviu? Agora, nesse instante, lá, no infinitesimal, há uma porção de
objetos se chocando e tais objetos se chocando fazem parte do nosso
fundo sombrio. Fazem parte do nosso fundo sombrio. (Não sei se está
claro isso daqui…). Nós temos uma pequenina porção de claro… muito
pequena… Eu não dei o exemplo do carrapato? Quais são os clarões do
carrapato? Sangue quente, luz e… sangue quente, luz e suor. São os três
clarões dele. Agora, nós estamos mergulhados num fundo sombrio onde
tem infinitos elementos que nós poderíamos apreender e não
apreendemos. Então, nós estamos ameaçados, o tempo inteiro, de cair no
caos. Nós estamos o tempo todo ameaçados de mergulhar no caos.
(Vocês entenderam aqui? Não? O fundo sombrio exatamente o que é?) O
fundo sombrio é o infinito da natureza que está dentro de nós. Está
dentro de uma pulga, está dentro de um cachorro… Está dentro de
qualquer ser vivo. Qualquer mônada.
Al: Então, ao mesmo tempo em que ela equilibra, ela também reduz…
Cl: Claro! Não pode ter… não pode ter! O Leibniz é muito definitivo: só
uma mônada pode ter infinito – Deus. Para ele, então, cada ser vivo,
cada mônada tem um clarão. Mas, prestem atenção, se vocês quiserem
observar com presteza o que Leibniz está dizendo, na hora em que vocês
produzem um pensamento ou uma imagem, seja o que for, vocês vão
verificar claramente que aquele pensamento e aquela imagem estão
subindo de um fundo sombrio.
(Vou mudar a linguagem)…
Cl: Está no fundo sombrio. Está lá… está lá, no fundo sombrio. Porque o
que a gente tem que compreender é que… (aqui vai ser uma
coisa muito forte, a sua pergunta foi linda, eu vou forçar por aqui). O
Leibniz diz que não existe o mundo fora da gente. O mundo
está dentro da gente. Cada um de nós carregao infinito do mundo
inteiro. Cada um de nós carrega o infinito do mundo inteiro. Então, o
mundo que nos aparece não é nada mais que uma pequena alucinação –
cada um de nós tem uma alucinação. Nós temos uma alucinação… e
aparece o meu mundo, aparece o mundo dela, aparece o mundo dele…
Nós estamos mergulhados em alucinações! Por isso – aí eu estou te
dando essa resposta por causa disso – a diferença do homem comum
para o artista é que o homem comum não pode jamais se comunicar com
outro homem. Não há como um homem se comunicar com outro. Porque
nós estamos fechados na nossa mônada. Não há como nós entrarmos em
comunicação com ninguém. Nós vivemos numa supostailusão
comunicativa nos processos do amor e da amizade. São dois processos
ilusórios! Nós só podemos entrar em comunicação pela arte. Que é o
momento em que você bota para fora, você revela alguma coisa, você
traz pra fora alguma coisa em que todos podem conviver. O que estou
dizendo é que cada mônada carrega consigo o mundo inteiro. Isso se
chama SOLIPSISMO: cada mônada carrega consigo o infinito do mundo
inteiro. Então, quando eu expresso o meu mundo, a expressão do meu
mundo é a minha subjetividade. Ninguém conhece essa subjetividade,
ninguém conhece! Nós vivemos mergulhados na mais completa
confusão, no mais completo atordoamento – os homens, ou os seres
vivos são quase que totalmente atordoados: eles vivem naquele clima de
atordoamento! O esforço da arte e da filosofia é vencer o atordoamento.
Al: O canto do pássaro estaria no caos?
Cl: Ela tenta se abrir para o infinito, ela tenta se abrir para o infinito.
Tenta ir além dos seus limites – a arte e a filosofia… seriam
a quebra dos limites. Como eu chamei o pensamento do Deleuze
de neo -barroco e falei numa crise da razão humanista… Porque a razão
humanista é aquela que quer nos deter nos nossos clarões; e a razão
barroca é aquela que quer ir além dos nossos clarões: mergulhar no
infinito. Por isso que o mundo barroco – por exemplo Jorge Luiz Borges
– é um mundo cheio espelhos, cheio de labirintos,cheio de corredores...
porque é um mundo que não tem limites. É um mergulho no que se
chama labirinto, um labirinto sem linhas para você poder se conduzir ali
dentro.
Hoje, a razão barroca tem que dar conta disso daqui, inclusive em termos
de lógica – e aí se inventou a lógica combinatória. A lógica combinatória
é exatamente para dar conta, em termos de lógica, desse infinito que está
aí.
(Bom…)
(fim de fita)