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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


CURSO DE LETRAS – PORTUGUÊS

JOSÉ DE ALENCAR: O ROMANCE URBANO COMO UMA VERTENTE DE


APROXIMAÇÃO DO LEITOR.

DISCENTES:
- ANDERSON SOARES E SILVA CÂNDIDO

DOCENTE: PROFA. DRA. SOCORRO DE FATIMA PACIFICO BARBOSA

OUT
2018
INTRODUÇÃO

BIOGRAFIA

Organizar a vida de José Alencar foi um trabalho bastante complexo, por muitas
fontes terem divergência de datas, por isso recorremos ao site da Academia Brasileira de
letras disponível na internet, ao livro “O inimigo do rei: uma biografia de José de Alencar”,
publicado em 2005, escrito pelo escritor e jornalista Lira neto, baseado em documentos
inéditos da época, e o próprio depoimento do autor no texto ”Como e por que Sou
Romancista” publicado em 1893.

Para falar sobre José de Alencar, é necessário retroceder historicamente e


contextualizar a sua descendência, pelo grau de importância e relevância que a família
Alencar tem em sua trajetória de vida. A família Alencar é de origem Portuguesa, da família
Pereira na freguesia de Alenquer, vila Portuguesa pertencente ao Distrito de Lisboa. Um dos
nomes importantes antecedentes a José de Alencar foi o de Bárbara de Alencar, mãe de José
Martiniano, revolucionar e pai do escritor José de Alencar.

Bárbara Pereira de Alencar nasceu no Sítio Caiçara, cidade de Exu, em Pernambuco,


em 11 de fevereiro de 1760 e faleceu no Sítio Touro, Piauí, em 18 de agosto de 1832. Era
filha de Joaquim Pereira de Alencar e de Teodósia Rodrigues da Conceição. Ainda
adolescente, mudou-se para a do Crato, e casou com o comerciante português, José
Gonçalves do Santos e teve quatro filhos: João Gonçalves de Alencar, Carlos José dos
Santos, Joaquina Maria de São José, Tristão Gonçalves Pereira de Alencar. Separando-se
deste, foi companheira de Miguel Carlos da Silva Saldanha, Vigário do Crato com quem
teve seu quinto filho, José Martiniano de Alencar.

Bárbara e seus filhos se envolveram na revolução de 1817 e após o fracasso da


tentativa de independência, fugiu do Crato para Paraíba, mas foi presa no Rio do Peixe, pelos
seguidores do Governador Sampaio. Foi enviada para Icó e depois para Fortaleza, onde ficou
presa em uma das celas do Forte de Nossa Senhora as Assunção e depois transferida para a
Bahia. A primeira presa política do Brasil, foi torturada impiedosamente e libertada três anos
depois, em 17 de novembro de 1821, após receber anistia do Imperador. Em 1824, seus três
filhos entram na luta chamada “Confederação do Equador”. Nesta luta, Bárbara perdeu dois
de seus filhos, Carlos José dos Santos e Tristão Gonçalves.
O Sobrenome que Alencar sempre esteve ligado diretamente a política, com José de
Alencar não seria diferente. Ele estudou nas melhores escolas de sua época, por ser herdeiro
da elite imperial, e filho do importante senador vitalício pela província do Ceará José
Martiniano Pereira de Alencar.

José de Alencar nasceu no sítio Alagadiço Novo, perto de Fortaleza, no dia 1 de maio
de 1829, o primogênito da família, seu apelido era Cazuza. Nascido de uma relação ilegítima
por conta do seu pai que era sacerdote da igreja católica, teve sua paternidade concedida por
meio da "Escritura de Reconhecimento e Perfilhação de Filhos Espúrios" em 1859, que
registrava que o padre já sendo clérigo de Ordens Sacras, contraiu uma amizade ilícita e
particular com dona Ana Josefina de Alencar sua prima no primeiro grau. Em 1838 um fato
que despertou o interesse de José de Alencar pela identidade indígena foi a sua longa viagem
aos nove anos de idade com o Antônio Goncalves Dias (que futuramente se tornaria o grande
poeta expoente do romantismo brasileiro e da tradição literária indianista), que cruzaram o
sertão em uma carroça de boi, chegando em Salvador tomam um navio e seguem para a
capital do Império, naquela época era o Rio de Janeiro. José de Alencar relata toda essa
experiência e revela que grande parte do seu amor pela natureza brasileira surgiu nessa
época, em meio a esse deslumbramento ao ver um grupo de índios, com penas coloridas,
arcos e flechas.

Como as crianças da elite daquela época José de Alencar foi alfabetizado em casa.
Desde muito cedo já revelava o seu espirito de leitor cativado pela mãe, era ele que lia as
traduções dos romances europeus para a sua mãe e irmã, porque naquela época as mulheres
não eram alfabetizadas. Com dez anos, José de Alencar ingressa no Colégio de Instrução
Elementar.

O recente império Brasileiro enfrenta mais uma crise após D. Pedro I abdicar o trono
em 7 de abril de 1831. Nesse cenário o sobrenome Alencar se destaca na história, o golpe da
maior idade no ano de 1840 é tramado pelo pai de José de Alencar o senador José Martiniano
Pereira de Alencar em sua casa, que garantirá a vida nova ao império, sob a justificativa da
necessidade da figura imperial para a pacificação da nação.

Com quatorze anos José de Alencar foi para São Paulo onde concluiu os estudos
secundários e entrou na faculdade de direito do Largo de São Francisco. Foi nessa faculdade
por excelência da elite imperial que José de Alencar começou a ler os franceses, sobretudo
Honoré de Balzac, Gustave Flaubert e Victor Hugo.
Um acontecimento marcante para José de Alencar começar a escrever romances foi
presenciar o sucesso de “A moreninha” de Joaquim Manoel de Macedo em 1844. Em 1847
José de Alencar escreve seu primeiro romance “Os contrabandistas” que não foi concluída.
Ele faz um ano de direito em Olinda, Pernambuco e posteriormente regressa a São Paulo,
levando o esboço de dois romances históricos: “Alma de Lazaro” e “O Ermitão da Glória”,
cujo a publicação só foi feita no final de sua vida. Em 1851 concluiu o curso de Direito.

Essa passagem de Alencar por Olinda é de enorme relevância para a sua produção
escrita, foi lá que ele se começa a ler muitos cronistas brasileiros da época colonial, e por
meio dessas leituras histórias Alencar enriquece o seu olhar para a ideia de enxergar o Brasil
como uma nação.

José de Alencar contrai a tuberculose aos 19 anos de idade, em sua visita ao seu tio
em Recife, doença essa que vai afligir toda a sua trajetória de vida. Em 1851, José de Alencar
retorna ao Rio de Janeiro iniciando sua carreira como advogado. Alencar só tinha escrito
para uma revista infantil criada por colegas da faculdade de direito, em São Paulo. Até
publicar a resenha de 1851, do Livro Zaluar, numa seção de artigos pagos do Correio
Mercantil.

Em 1854 participa do importante jornal do Rio de Janeiro Correio Mercantil, na seção


“Ao correr da Pena”, enviando crônicas como também escrevendo comentários de fato
sociais cotidianos, recomendações de livros, principalmente os de temática política e as
estreias de peças teatrais da época.

Em 1855 assume as funções de gerente e redator chefe do “Diário do Rio” foi o local
onde ele publicou o seu primeiro romance chamado “cinco minutos”. Em 1856 é escrito a
epopeia a Confederação dos Tamoios por Domingos José Gonçalves de Magalhães, esse
livro pretendia ser a grande epopeia brasileira, foi uma edição financiada pelo imperador D.
Pedro II. José de Alencar nada satisfeito com a epopeia, escreve uma série de cartas
publicadas no jornal, o Diário do Rio de Janeiro, criticando veementemente a obra de
Gonçalves Magalhães, o protegido do imperador. Nas suas críticas, é possível destacar uma
"mini-poética" sobre a temática indígena, que servirá futuramente para a construção de
Iracema. Esse acontecimento foi bastante polêmico e criou um mal-estar entre José de
Alencar e o imperador D. Pedro II.

No dia 1 de janeiro de 1857 é publicado "O Guarany – Romance Brasileiro" no Jornal


"O Diário do Rio de Janeiro", o romance escrito por José de Alencar foi desenvolvido em
principio em folhetim, no fim do ano foi publicado como livro, com algumas alterações
mínimas em relação ao que fora publicado em folhetim. "O Guarany" foi mais do que um
simples livro, constrói a expressão de nacionalidade romântica e à consolidação da figura do
herói tipicamente brasileiro, mesclando todas as qualidades contidas no cavaleiro medieval
e apresentando a originalidade da ligação com a terra selvagem brasileira.

Em 1858 abandonou o jornalismo para ser Chefe da Secretaria do Ministério da


Justiça, chegando a Consultor com o título de Conselheiro, ao mesmo tempo em que lecionar
Direito Mercantil. José de Alencar não estando satisfeito com o seu cargo de Ministro, tenta
ocupar o cargo de senador vitalício, mas é impedido por D. Pedro II. Em 1859, tornou-se
chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, sendo depois consultor do mesmo. Em 1860,
com a morte do pai, se candidata a deputado pelo Ceará, militante do partido Conservador,
sendo reeleito em quatro legislaturas. Na visita a sua terra Natal se encanta com a lenda de
"Iracema" e a transforma em livro.

Em 1862, José de Alencar publica Lucíola, o quinto romance do escritor. Com a


publicação Alencar inicia a sua série de "Perfis de Mulher", romances em que estuda
caracteres femininos, torturados por contradições e antagonismo psicológicos; fazem parte
da série também Diva em 1864 e Senhora em 1875.

Em 1864, casa-se com Georgina, com quem teve quatro filhos, entre eles, Mário
Alencar, que seguiria a carreira de letras do pai. Viu suas obras atacadas por jornalista e
críticos que faziam campanha sistemática contra o romancista. Triste e desiludido publica
sob o pseudônimo de “Sênio”. Em 1870 é eleito senador pelo Ceará, porém, com os conflitos
com o Ministro da Marinha não foi o escolhido. Voltou para a Câmara, onde permaneceu até
1877, rompido com o partido Conservador. Em 1870 “O Guarany" ganha uma versão
adaptada a ópera por Carlos Gomes.

Em 1865, sob um pseudônimo, publicou “Ao Povo, Cartas Políticas de Erasmo”,


dirigidas ao imperador onde pintava a situação do país. Defendia um governo forte e
propunha uma abolição gradativa da escravatura. “Cartas de Erasmo” é uma série de nove
cartas, que José de Alencar publica sob o pseudônimo de “Erasmo”.

José de Alencar acreditava que a nossa sociedade era dividida entre branco e índios.
O negro não ocupava um espaço de identidade nacional na obra de Alencar, ignorando a sua
importância para contribuição e para formação do povo brasileiro. José de Alencar foi um
oposicionista ferrenho contra todas as leis que garantia a liberdade aos escravos.
Ele tinha uma leitura de que a escravidão deveria ser abolida gradativamente, era
uma visão racista ligado diretamente aos interesses econômicos dele, por pertencer a um
ambiente de aristocracia e burguesia cafeeira. O nosso imaginário atual é construído a partir
dessa ótica distorcida construída nessa época por José de Alencar.

Em 1872, se tornou pai de Mário de Alencar, o qual, segundo uma história nunca
confirmada, poderia ser, na verdade, filho de Machado de Assis, o que, para alguns, daria
respaldo para o enredo principal do romance Dom Casmurro. Produziu também romances
urbanos como A senhora em 1875; regionalistas: O Gaúcho em 1870, O Sertanejo em 1875
e históricos Guerra dos Mascates em 1873), além de inúmeras peças para teatro. Sua última
obra foi Encarnação, escrito em 1877, ano de sua morte e divulgado somente em 1893.

Em toda sua trajetória de vida tentou resgatar as tradições históricas na literatura, da


vida rural e urbana no Brasil. Foi um homem importante, ao ponto de ser aclamado por
Machado de Assis, como "o chefe da literatura nacional". José de Alencar faleceu no Rio
de Janeiro, no dia 12 de dezembro de 1877, vítima da tuberculose. Interessante ressaltar que
José de Alencar foi escolhido por Machado de Assis para representar na Academia Brasileira
de Letras a cadeira nº 23.

José de Alencar teve papel fundamental na consolidação do romance brasileiro, ao


escrever movido por enorme sentimento de construção da identidade onde se evidencia uma
maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. O regionalismo presente em suas obras
abriu caminho para tantos outros sertanistas preocupados em relatar o Brasil rural. Por ter
um grande conhecimento histórico do país, teve grande preocupação em retratar sua terra e
seu povo que muitas das páginas de seus romances relatam mitos, lenda, tradições, festas
religiosas, usos e costumes indígenas. Outra temática utilizada pelo autor é o Romance
Urbano, a qual é o tema que trataremos na nossa pesquisa, através de obras como: Senhora,
Lucíola e Diva.
CONTEXTUALIZANDO O ROMANCE URBANO E CARACTERIZANDO DAS
OBRAS COM TEMA URBANO A PARTIR DA VISÃO DE ANTONIO CANDIDO.

O Romance Urbano conhecido como romance de costume ou romance de


cidade, ficou marcado por evidenciar os aspectos negativos da sociedade burguesa,
excepcionalmente a carioca. Tal denominação não é por acaso, o romance urbano trata dos
costumes da cidade. Nesse contexto histórico o romance apresenta-se a partir do século XIX
incorporado ao realismo. Existe o rompimento tradicionalista na literatura de personagens
nobres (a corte) ausentando-se do protagonismo nas obras, dando lugar a classe social da
época em foco, a burguesia.

Com histórias centradas em paixões improváveis, desencontros e


desentendimentos dos personagens, conquistando um público fiel e ambicioso pelo romance
urbana, seguindo os costumes e hábitos europeus, eram representados pela elite daquela
época, visto que no início do século XIX, o número de analfabetos no significava parcela
maioritária no Brasil. O palco escolhido era sempre o Rio de Janeiro não por acaso, nessa
época era a capital do Brasil, e concentrava grande parte da população burguesa. Os leitores
se deliciavam com os retratos estereotipados e bem-humorados sobre o valores e costumes
daquela época, povoando sua imaginação com os enredos e histórias da corte brasileira. No
ano de 1844, com a publicação do romance “A moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo.
O personagem principal “Leonardo”, é um homem desocupado, cheio de defeitos, vivendo
à margem da sociedade, fazendo assim de Manuel Antônio de Almeida um dos precursores
do realismo no Brasil. O romance que ganhou maior visibilidade na época foi “Memórias de
um Sargento de Milícia”, em 1854, romance de Manuel Antônio de Almeida, foi publicado
originalmente em folhetim, em anonimato, como boa parte das produções dessa época, que
circulavam por meio dos jornais.

Esse perfil literário teve início na década de 1830, quando os moradores da capital
do Império começaram a ter outras formas de entretenimento, como a leitura dos romances
estrangeiros, sobretudo os franceses, os quais passaram a ser publicados nos jornais na forma
de folhetim. Ao observarmos a realidade trazida por essas obras associadas ao pensamento
do povo ao próprio interesse das classes, tem um profundo impacto no público leitor que
passa a se enxergar nas obras.
E Hansen resume perfeitamente o que fizeram e fazem até hoje com o poeta:

“Hoje, a poesia atribuída a Gregório é pouco lida. Mas as versões


românticas, positivistas, modernistas e neovanguardistas da vida do
homem circulam, fazendo dele um poeta barroco protonacionalista, rebelde
anarco-tropicalista, revolucionário, defensor dos direitos humanos e
vanguarda de um suposto proletariado colonial.” (HANSEN, 2014, p. 96).

Marcelo Lachat também opta por não considerar a poesia do século XVII como “barroca”
considerando que, “Até o começo do século XVIII, a palavra “barroco” não designava
qualquer “estilo”, “período” ou “movimento” artístico ou literário” (LACHAT, 2013, p. 9),
assim como trata como inadequada a utilização da palavra “literatura” “para designar a
produção retórico-poética do século XVII” (LACHAT, 2013, p. 10). Para Lachat, a poesia
seiscentista tem procedimentos e características muito bem definidos e replicados. Essa
construção retórica e poética “[...] segue preceitos, que atendem à verossimilhança e ao
decoro, que não é expressão subjetiva e original de indivíduo algum, mas que aparecem em
poemas cujos efeitos são racionalmente construídos.” (LACHAT, 2013, p. 10).

Hansen traz, e deixa claro, também que os conceitos de publicação, obras e público
são distintos dos que utilizamos hoje. Os manuscritos eram considerados publicações e só
passavam ao status de obras quando “oralizadas em circunstâncias cerimoniais e
polêmicas”. Percebe-se daí a força da oralidade e como não podemos encaixar nestas obras
as inferências contemporâneas de autoria. Marcelo Lachat corrobora deste pensamento e diz
que:

“[...] a compreensão do gênero lírico deve passar pelas autoridades que o


compõem, mas no caso da poesia seiscentista essas autoridades não devem
ser confundidas com “autorias”... não se pautam pelos mesmos critérios
autorais de originalidade nossos contemporâneos” (LACHAT, 2013, p.
47).

O século XVII tinha um fluxo próprio e singular de invenção, comunicação e consumo de


poesia que se tentou romantizar produzindo uma fragmentação que quebrou um
encadeamento hierárquico que existia na sua disposição (substituição da pontuação retórica
pela pontuação gramatical). A publicação impressa traz a organização dos poemas por
gênero e, nas compilações dos códices não era raro se agregar textos sabidamente não
pertencentes a Gregório sob sua classificação autoral. Diz Hansen: “O nome não indicava
necessariamente a autoria individualizada e detentora da propriedade autoral dos poemas...
ao contrário, o nome era usado como dispositivo discursivo que classificava estilos e gêneros
[...]” (2014, p. 98).

Outra reflexão que precisamos fazer é quanto ao estilo e originalidade das poesias
atribuídas a Gregório de Matos. A escrita de cada tempo está sempre subordinada às suas
contingências, logo nos anos de 1600 não seria diferente. Os textos identificados como de
Gregório são representações carregadas da “[...] forma cultural específica da política católica
portuguesa que, nesse tempo, estrutura as práticas discursivas e não discursivas da Bahia
[...]” (HANSEN, 2014, p.100). Os escritos são como poderiam e deveriam ser, são textos
como se fazia na época, quem escrevia, escrevia assim, seja pela influência da Igreja, seja
pela imitação do que se fazia na Europa.

Estas mobilizações paradigmáticas nos fazem pensar sobre a questão da autoria e do


plágio em Gregório de Matos. Quanto a isso João Adolfo Hansen nos incita à
questionamentos como: Se todos faziam a mesma coisa, escreviam do mesmo jeito, como
apontar o que era ou não Gregório de Matos? Se a mimese era uma prática comum e
legitimada, como se caracterizava a autoria? E talvez a pergunta mais importante: a forma
como as poesias atribuídas a Gregório eram sucessivamente oralizadas, copiadas e transcritas
não descaracterizariam a identificação do autor? Talvez o grande problema tenha sido buscar
o homem, ou o que se construiu sobre ele, na obra que lhe foi outorgada. E ao mesmo tempo
em que nos suscita ponderações, Hansen esclarece-nos brilhantemente:
“A função autor classifica gêneros poéticos, antes de ser confirmação da
origem individual das obras... Gregório de Matos é o nome da autoridade
de um ou mais gêneros, mais que o nome de um autor empírico... a etiqueta
Gregório de Matos e Guerra, constitui uma autoridade lírica e uma
autoridade cômica.” (HANSEN, 2014, p. 104).

Quanto à variação das transcrições, o estudioso de Gregório, defende que o destinatário das
poesias era o grande responsável pelas ditas “deformações”, considerando que um mesmo
tema era adequado à apresentação para públicos diferentes, decretando que “A variação faz
parte do produto poético designado pelo nome de Gregório de Matos e Guerra [...]”
(HANSEN, 2014, p. 108).

É necessário nesta altura inclinarmo-nos mais detidamente sobre uma questão


recorrente quando falamos de Gregório de Matos: o plágio. Ao mesmo tempo em que a
autoria das poesias atribuídas a Gregório é questionada, também há os que o criticam
acusando o poeta de falta de originalidade e até de “imitação”. Estas críticas estão calcadas
na crença do ideal romântico, no qual Gregório não pode nem deve ser encaixado, visto que
a produção que lhe é atribuída é anterior a esta categoria anacrônica. O que estas pessoas não
sabem quando o acusam de emular obras de outros poetas é que ele realmente o fazia, mas
como procedimento retórico-poético da poesia lírica seiscentista. Isso mesmo, imitar era o
que se esperava dos poetas da época. Embora o que entendemos por gênero lírico hoje, não
deva se confundir com o que se produzia no século XVII e apesar das normas que facilitariam
a definição da poesia lírica daquele período serem escassas, precisamos ter em mente
algumas noções fundamentais deste gênero seiscentista como: “a imitação, a autoridade, a
agudeza e a finalidade principal da poesia (delectare ou docere).” (LACHAT, 2013, p. 11).
A imitação é um preceito, uma postura, um modo de agir do poeta do século XVII, uma
prática que remonta da definição de Aristóteles que a identifica a mimesis como causa
primeira da poesia. Porém, esta imitação não era, nem poderia ser, confundida com a noção
atual de plágio, pois, conforme nos ensina Lachat:

“[...] imitar as auctoritates para se fazer auctoritas, no século XVII, não


era apenas copiar servilmente; os poetas seiscentistas emulavam seus
modelos, elaborando composições engenhosas e agudas mais adequadas ao
decoro dos tempos. Desse modo, a agudeza é noção central na preceptiva
retórico-poética seiscentista [...]”(LACHAT, 2013, p. 7).

Os poetas seiscentistas atuavam evocando outros poetas (ou outras poesias) segundo a
verossimilhança (um fazer como) que se pautava na importância dos modelos, mas não se
restringia à pura e simples reprodução.
“[...] imitar as auctoritates para se fazer auctoritas, no século XVII, não
era apenas copiar servilmente; os poetas seiscentistas emulavam seus
modelos, elaborando composições engenhosas e agudas mais adequadas ao
decoro dos tempos. Desse modo, a agudeza é noção central na preceptiva
retórico-poética seiscentista [...]”(LACHAT, 2013, p. 7).

Ou seja, não podemos falar em plágio por que a prática mimética era compartilhada social e
procedimentalmente, onde os poetas buscavam se igualar e até superar seus modelos de
autoridade.

Por fim, nos resta concluir que ao mesmo tempo em que Gregório de Matos não é
nada do que nos tinham feito acreditar, ele é muito mais do que imaginávamos quando
iniciamos a feitura deste trabalho. Mesmo não sendo o autor empírico de tudo que lhe
imputam, é no mínimo, um estandarte que traz sob sua insígnia um marco estético de
engenho e agudeza, condensado nas palavras do maior de seus estudiosos: “Sua arma é a sua
capacidade de produzir retoricamente a afetação da indignação.” (HANSEN, 2014, p. 108).

PLANO DE AULA

Literatura Brasileira: Gregório de Matos Guerra

Objetivos:

 Apresentar o poeta Gregório de Matos e sua obra lírica;


 Mostrar uma nova forma de “leitura” dos escritos do autor a partir da entrevista de
João Adolfo Hansen;
 Desmistificar informações sobre vida e obra do autor;
 Fazer com que os alunos se interessem pela leitura das obras que vão além do
recorte satírico;
 Tornar conhecidos os poemas líricos a partir do estudo de obras selecionadas.

Conteúdo:

 Biografia;
 Produção das obras, disseminação e autenticidade delas;
 Breve explanação da crítica pública (historiadores e estudiosos) em relação as obras
e identificação do público leitor;
 Classificação quanto à escola literária;
 Apresentação de algumas obras líricas;
 Breve comentário do vocabulário usado por Gregório de Matos;
 Tratar das frases feitas – provérbios, arcaísmo mórfico, semântico e de formações
pessoais curiosas presentes nas obras;
 Exercício baseado no soneto Aos Vícios.

Ano:

 8º Ano

Duração/Tempo estimado:

 2 aulas de 50 minutos

Material necessário:

 Datashow;
 Computador;
 Internet ou vídeo salvo em pendrive;

Desenvolvimento:

Os alunos serão dispostos em cadeiras no formato de ‘U’ a fim de que todos tenham
visão total do quadro. O professor também poderá se aproximar mais daquele que quiser
comentar algo sobre a aula.

Os slides serão preparados com linguagem informal e ícones que fazem parte do
cotidiano dos alunos.

1º etapa

Antes da exposição será feita uma roda de conversa onde cada um poderá dizer o
que sabe sobre o autor. O professor fará duas perguntas-chave:

1- Já ouviram falar de Gregório de Matos?


2- O que vocês sabem sobre o autor?

Encerradas as respostas apresentar a biografia do autor.

Gregório de Matos Guerra


Organizar datas referentes à vida e obra de Gregório de Matos é um trabalho penoso
e repleto de divergências. Dois estudiosos contemporâneos se propuseram a tal tarefa e nos
apresentam dados que por vezes não são homogêneos. Segismundo Spina¹ e João Aldolfo
Hansen² sugerem o ano de 1623 como de seu nascimento e 1696 como de sua morte. O ano
de 1633 também é cogitado pelos dois autores, mas prontamente refutado nas Obras Poéticas
de Gregório de Matos Guerra (1882) que diz:

A cópia pertencente a Sua Magestade apresenta uma grande


divergencia na data do nascimento de Gregorio de Mattos, porque na
que ora sahe publicada o faz Rebello nascido a 7 de Abril de 1623 e
na que ainda está inédita diz o mesmo biographo que o poeta nascêra
a 20 de Dezembro de 1633. Entretanto, nas duas cópias vê-se que
Gregorio de Mattos faleceu em 1696, na edade de 73 annos, o que
não se conforma com a data de 1633, pois neste caso teria o poeta
morrido com 63 annos, como já por sua vez ponderou Innocencio da
Silva. (CABRAL, 1882, pág. XII-XIII).
A compilação de obras de Gregório citada acima é de Alfredo do Vale Cabral, que
foi chefe da seção de manuscritos da Biblioteca Imperial e Pública, (hoje Biblioteca
Nacional). Cabral, além de ter apensado à sua compilação “A Vida do Doutor Gregorio de
Matos Guerra”, escrita pelo Licenciado Manoel Pereyra Rabello (primeiro compilador do
poeta), no seu prefácio, trouxe informações relevantes da vida do autor.

Filho de pais abastados o baiano Gregório de Matos estudou no Colégio dos Jesuítas
na Bahia e se mudou aos 19 anos para Portugal a fim de cursar Direito na cidade de Coimbra.
Supõe-se que durante sua vida universitária Gregório tenha tido contato com Camões,
Gôngora bem como Francisco de Quevedo e estes tenham incitado o aprimoramento dos
seus dotes de poeta lírico e satírico. Casa-se com Micaela de Andrade integrante de uma
família de magistrados. Foi curador de órfãos e juiz criminal em Portugal e retornou viúvo
ao Brasil aos 47 anos de idade por não se adaptar bem ao local. Na Bahia, destino do regresso,
exerceu a função de vigário-geral e tesoureiro-mor. Casou- se novamente, agora com uma
mulher de poucas posses, Maria dos Povos. Enveredou na vida boêmia e de tanto satirizar
tudo e todos foi expatriado em 1679³ pelo então governador Dr. João De Alencastre. Pôde
voltar ao Brasil em 1693 e estabeleceu-se em solo recifense. Conforme já citado acima,
Alfredo do Vale Cabral, baseado no códice de Rabello diz que: “Gregorio de Mattos falleceu
em 1696, na edade de 73 annos... Agora cumpre dizer que a data da morte de Gregório de
Mattos ainda carece de averiguação.” (1882, p. XIII).
O conteúdo dos seus escritos provocou estudiosos que o criticaram por um recorte
psicológico e comportamental bem como por uma perspectiva poética. O historiador
Francisco Adolfo Varnhagen o classificou em 1850 como “personalidade doentia, cujas taras
são causas da obscenidade de sua obra” (Hansen, p. 94). O historiador José Veríssimo, 40
anos mais tarde, o identificou como nevropata e nervoso. Chegando num período mais
contemporâneo temos o julgamento da ditadura militar que o declara como “subversivo,
anticlerical e pornográfico”.

Uma curiosidade pouco sabida é a de que o poeta é patrono da cadeira nº 16 na


Academia Brasileira de Letras.

Ao terminar a explanação a professora informa o link de um filme sobre a vida e obra


do autor produzido em 2002. A intenção é que os alunos tenham acesso à declamação das
obras e rememorem o que foi aprendido em sala de aula.

https://www.youtube.com/watch?v=o4f06EBKjpI&t=476s

Explica-se aos alunos que os dados biográficos de alguns autores servem apenas
como complemento, mas que as informações dadas sobre Gregório de Matos neste aspecto
são de grande valia porque o lugar de nascimento, data das produções e personalidade quase
que determinam que ele foi como homem e autor literário.

Pergunta-se se alguém tem alguma dúvida, alguma pontuação a fazer.

Para fechar a primeira etapa apresenta-se a primeira obra. Conta-se a história de que
o Frei Francisco de Lima se encarregou da extrema unção de Gregório de Matos e que este
poeta morreu como cristão.

Ler o soneto que foi encontrado na hora da sua morte.

PEQUEI, SENHOR....

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,


de vossa alta clemência me despido;
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma orelha perdida e já cobrada,


glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,

eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,


cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.

Explicar aos alunos que a vida toda ele foi considerado como alguém que tinha boca
do inferno, por isso morrer como cristão era algo louvável e admirável.

Pedir que eles tentem identificar alguma característica satírica, que justifique o
apelido de boca do inferno. Como vão afirmar que não há nenhum termo correspondente, o
professor deve relembrar que ele era versátil e que, como eles podem ver, há sim obras com
palavras leves e de grande significação.

2º etapa

Dizer aos alunos que antes de entrar na parte teórica do poeta será apresentada uma
lista de particularidades, curiosidades dele.

 A letra de Gregório de Matos é quase desconhecida (só se conhece a


assinatura);
 Nada editou em vida;
 Era um excelente poeta lírico;
 Seus poemas ficaram conhecidos no boca a boca;
 Nem todas as obras atribuídas a ele são autorais;
 Não se enquadra em nenhuma categoria estilística (Romantismo,
Barroco...);
 Escreveu inserido em vocabulário rico, variado, cheio de termos tropicais.
Presença de vocábulos africanos e tupis;
 Considerava que tudo que não “era” branco era inferior;
 Criticava negros e índios. Presença do racismo;

Novamente o professor abrirá espaço de 5 minutos para alguma pergunta ou


consideração. Entre cada etapa lembrar de questionar a classe sobre se está sendo fácil,
moderado ou difícil a aprendizagem do tema.

Após isto introduzirá a entrevista de João Adolfo Hansen a Saraiva e de circulação


pública no Youtube. O professor dirá que Hansen é um dos grandes estudiosos da obra de
Gregório no Brasil e que foi responsável por juntar várias de suas obras em 5 volumes
lançados em 2014. Pede que prestem atenção na parte que ele trata da forma com que
devemos estudar o autor. É importante pontuar que o vídeo tem 4 minutos e 8 segundos.

No término do vídeo a professora deverá pontuar que conforme fala Hansen “O leitor
tem que ser um pouco arqueólogo como esses que ficam cavando osso... aí ele vai achar
pedaços e ficar pensando: como será que esses ossos eram quando eles constituíam um corpo
que estava vivo?. O leitor então tem que fazer uma hipótese sobre a significação provável.”.

Será informado que o vídeo apresentado está transcrito em Word e poderá enviar aos
alunos caso desejem.

Informação complementar

Como os alunos já são maiores é possível apresentar uma definição de literatura. O


professor dirá a frase de Ezra Pound: “Literatura é novidade que permanece novidade” e
complementará com a explicação de que a frase quer dizer também que cada um tem sua
visão sobre o que está escrito. Aluno x pode interpretar uma obra de Matos como ofensiva,
o aluno y pode julgar como sendo natural e assim por diante.

Feita essa explanação perguntar se os alunos estão prontos para conhecerem a teoria,
as obras.

3º etapa
É hora de apresentar aos alunos a forma de produção das obras, disseminação e
autenticidade delas. Será mostrado o slide com as informações resumidas.

Deverá ser explicado:

- Gregório de Matos gritava aos quatro cantos a sua obra para quem quisesse ouvir;

- Pessoas leigas escutavam e iam contando umas para as outras;

- As pessoas alfabetizadas / letradas transcreviam as obras em papel já que livros


eram um artigo caríssimo na época;

- Alguns ouvintes usavam as palavras de Gregório para insultar outras pessoas e até
pregavam cartazes pela cidade;

- Como muita gente foi usando o que ele falou, criaram-se obras e por se
assemelharem a forma do autor falar, os escritos foram atribuídos a ele;

- O governador João de Lencastre ordenara abrir no palácio um livro em branco para


que as pessoas conhecedoras de poemas de G. M pudessem copiá-los ou ditá- los a
um escrivão.
A poesia atribuída a ele nunca foi editada em vida, são manuscritos não assinados
reunidos em códices por compiladores. Manuel Pereira Rabelo, primeiro compilador,
“afirma que coletou poemas deformados pelo tempo da boca de pessoas antigas que haviam
conhecido o poeta ou possuíam folhas volantes com poemas manuscritos que lhe eram
atribuídos.” (HANSEN, 2014, p. 92).

Dinâmica rápida

Ao término da explicação a professora propõe uma dinâmica rápida. Como os alunos


estão em semicírculo ela dá um pedaço de papel para cada e recita a obra abaixo. Alguns
alunos terão que escrever o que escutaram para depois juntar todos os fragmentos e formar
o soneto. A intenção é mostrar na prática como as obras eram catalogadas e dar suporte para
uma explicação posterior sobre as mudanças no que Gregório de Matos tinha declamado
pelas ruas da Bahia, por exemplo. Soneto recitado será:

1º soneto a Maria dos povos

Discreta e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca o Sol e o dia,

Enquanto com gentil descortesia


O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora
Quando vem passear-te pela fria,

Goza, goza da flor da mocidade,


Que o tempo trata a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade,


Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
Fecha esta etapa para dar início as explicações sobre o recorte de escola literária do
autor.

4º etapa

A professora inicia o diálogo perguntando se os alunos sabem a qual escola literária


Gregório de Matos pertence. Caso algum aluno afirme que é o barroco ela vai iniciar a
desmistificação da classificação.

Será dito:

Gregório de Matos não se enquadra em nenhuma escola literária e/ou categoria


estilística. As obras do autor foram sendo estudadas sob um olhar ANACRÔNICO e
enquadradas deliberadamente no barroco, romantismo, concretismo...

O conceito de anacronismo será explicado de forma simples:

- É como se nós usássemos os conceitos de 2018 para analisar algum fato ocorrido
nos anos 80, por exemplo.

Para facilitar o entendimento será perguntado aos alunos:

- Vocês lembram do vídeo o Youtube quando Hansen falou que não podemos
analisar Gregório de Matos com a visão de hoje?

A professora mostrará o slide com dois conceitos sobre o assunto, um de Segismundo


Spina e outro de João Alberto Hansen.

- Numa busca inocente e despretensiosa pela internet é fácil e certo encontrar


Gregório de Matos como exemplo de Barroco, Romantismo e até Concretismo. Contudo vou
mostrar para vocês duas explicações sobre o não pertencimento de Gregório de Matos ao
Barroco. Esses dois estudiosos inclusive lançaram livros sobre o autor e tem propriedade
para falar do assunto.

“Com linguagem caracteristicamente barroca (culteranista e conceptista) a


contribuição de Gregório de Matos é DISCUTÍVEL; não apelou para as
imagens e metáforas mitológicas, se o quiasmo é de uso frequente,
raramente o poeta violentou a estrutura sintática da frase como fizeram os
poetas gongóricos.” (SPINA, 1995, p. 73).
Não tenho interesse em classificá-lo dedutivamente, ou neokantianamente, com a
categoria estilística “barroco”, INEXISTENTE NO SÉC XVII. (HANSEN, 2014, p. 91-
92)

Finalizada a explicação sobre, a professora perguntará se pode dar continuidade ao


assunto.

É hora de apresentar dois sonetos:


A uma saudade Vidinha: Por que chorais?

Vidinha: Por que chorais?


Parti, coração, parti, porque padeço, meu bem.
navegai sem vos deter, Mui grande dúvida tem a
ide-vos, minhas saudades, resposta, que me dais:
a meu amor socorrer. se lágrimas são sinais
dos que dantes padeciam,
alívio já sentiram
Pelo mar do meu tormento, das lágrimas ao verter;
em que padecer me vejo, logo implica o padecer
já que amante me desejo Se lágrimas aliviam
navegue meu pensamento:
meus suspiros formem vento,
com que me faças ir ter, Dúvida não pode haver,
onde me desejo ver, que enquanto os olhos me
e diga minha alma assi, choram
Parti, coração parti, suposto a pena melhoram
navegai sem vos deter. se está rindo o padecer;
alívio deve de ter,
quem já meus males melhora,
Ide onde meu amor mas se nele a pena mora
apesar desta distância até o choro acabar,
nem há perdido a constância, fácil é de se mostrar,
nem há admitido rigor: Como padece quem chora.
antes mais superior
assim se quer exceder,
porém se desfalecer

Dois alunos serão convocados para ler os sonetos e a professora lerá novamente
para todos ouvirem. Serão feitas perguntas:

1º Mesmo que vocês tenham ouvido os sonetos pela primeira vez, foi difícil entender o que
as palavras querem dizer?

2º Conseguem identificar alguma palavra desconhecida, frase retorcida, ou vocábulo


esdrúxulo?
Se a resposta for não se introduz a explicação das características de escrita de Gregório
de Matos.

Será dito:

- Na época que começou a escrever Gregório de Matos supõe-se que tenha recebido bastante
influência dos escritores como Camões e Quevedo, escritores portugueses de destaque. Estes
tinham uma escrita mais gongórica que significa rebuscado, palavras mais difíceis,
trabalhadas. Contudo percebemos que ele escreve de maneira simples. Podemos ver isto nos
sonetos que acabamos de ler. Ele não apela para imagens, metáforas, não usa descrições
alegóricas, palavras esdrúxulas.

Aproveitar o momento para apresentar um quadro com vocábulos gregorianos.

Será dito:

- Vocês conhecerão agora algumas palavras que são usadas nas obras de Gregório de Matos.
Existem várias outras, mas escolhi essas porque até se aproximam do nosso cotidiano.
Lembrando que arcaísmo nos lembra palavras que estão em desuso, são antigas. A parte
mórfica e semântica se relaciona com a escrita errada das palavras.

Vocabulário Outras palavras


Gregoriano Arcaísmos mórficos Arcaísmos semânticos Uso do diminutivo e
expressões conhecidas
Fruita Remangar (arregaçar as Asnia (por asneira)
Mangaz mangas)
Mangará Pertender Emprego (por cuidados) Hereticar (tornar hereje)
Embicado Borcado (por brocado) Mentir (por fingir) Mesmíssima
Jimbo Lenterna Manducar (por comer) Boquinha
Soga Porçolana Empascar (fazer Páscoa) Vidinha
Titela Lenterna Considerar (por olhar) Da vossa potência
“custar os olhos da cara” /
Patola Corriger (por corrigir) Chorar lambas (por “ pagar o pato” / “amor com
choramingar) amor se paga”
Fechada a explanação é aberto espaço para os comentários e perguntas. 5 minutos no
máximo.

5º etapa

Inicia-se uma análise sobre o que foi falado desde o início: o fato do autor não ser apenas
um satírico, a desmistificação de informações como a escola literária que pertence, as
palavras e termos utilizados e que estão próximos do nosso cotidiano.

É feita a pergunta:

- Pelo que foi apresentado vocês conseguem perceber quão interessante é o autor?

Fecha-se esta fase dando uma breve explicação sobre como se procederam as críticas
sobre os escritos de Gregório de Matos. O texto será:

O conteúdo dos seus escritos provocou estudiosos que o criticaram por um recorte
psicológico e comportamental bem como por uma perspectiva poética. O historiador
Francisco Adolfo Varnhagen o classificou em 1850 como “personalidade doentia, cujas taras
são causas da obscenidade de sua obra” (Hansen, p. 94). O historiador José Veríssimo, 40
anos mais tarde, o identificou como nevropata e nervoso. Chegando num período mais
contemporâneo temos o julgamento da ditadura militar que o declara como “subversivo,
anticlerical e pornográfico”.
Uma curiosidade pouco sabida é a de que o poeta é patrono da cadeira nº 16 na
Academia Brasileira de Letras.
No fim da 5º etapa pede-se que os alunos ouçam o soneto Aos Vícios e tentem
encontrar algo atual nas estrofes.

AOS VÍCIOS

Eu sou aquele que os passados anos


Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em plectro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira
Talia, que anjo é da minha guarda
Dês que Apolo mandou que me assistira.
Arda Baiana e todo o mundo arda
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade.
A narração há de igualar ao caso
E se talvez acaso o não iguala
Não tenho por poeta o que é Pegaso.
De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fa1a.
Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia
Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto
Que não elege o bom, nem mau reprova
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem e o mal vituperado
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
— Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco.
Se souberas falar, também falaras
Também satirizaras, se souberas
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não — por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos
Quem maior a tiver do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais chitom, e haja saúde.

Atividade final – em sala (sobra de tempo) ou em casa

- Fazer um breve relato do que foi aprendido sobre Gregório de Matos e analisar o soneto
Aos Vícios trazendo a temática do escrito para os dias atuais. Caso desejem também podem
reescrever o soneto trocando palavras e criando um sentido atribuído ao ano de 2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, Alfredo do Vale. Obras Poéticas de Gregório de Matos Guerra. Rio de


Janeiro: Typographia Nacional, 1882. Disponível em:
<https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/3884/1/009589_COMPLETO.pdf>. Acesso em: 16
mar. 2018.
ENCARNAÇÃO, José de. Introdução ao Estudo da Epigrafia Latina. Coimbra, Instituto
de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1997. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Prosopografia#cite_note-1>. Acesso em: 17 mar. 2018.

HANSEN, João Adolfo. Autoria, obra e público na poesia colonial luso-brasileira atribuída
a Gregório de Matos e Guerra. Ellipsis:.Journal of Lusophone Studies, v. 12. 2014.
Disponível em: <https://jls.apsa.us/index.php/jls/article/view/62/83>. Acesso em: 17 mar.
2018.

LACHAT, Marcelo. A lírica amorosa seiscentista: poesia de amor agudo. 2013. 298f. Tese
(Doutorado em Literatura Portuguesa) – Faculdade de Fiolosofia, Letras e Ciências
Humanas, USP, São Paulo, 2014. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-01102014-170241/en.php>. Acesso
em: 16 mar. 2018.

LACHAT, Marcelo. Estílo lírico e conceito no século XVII: considerações acerca de


preceptivas retórico poéticas. Letras Escreve, v. 4, n. 1, p. 27-44, 1º semestre, 2014.
Disponível em: <https://periodicos.unifap.br/index.php/letras/article/view/1379/pdf_231>.
Acesso em: 16 mar. 2018.

PAVAM, Rosane. O poeta é um fingidor. Carta Capital. 2014. Disponível em:


<https://www.cartacapital.com.br/revista/825/o-poeta-e-um-fingidor-2239.html>. Acesso
em: 15 mar. 2018.

SPINA, Segismundo. A língua literária no período colonial: O padrão Português. Gregório


de Matos. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo. n. 22. p. 61-75, 1980.
Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/69603/72223>. Acesso em:
17 mar. 2018.

OUTRAS REFERÊNCIAS AUXILIARES:

Revista Nova Escola: Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/6746/blog-


alfabetizacao-como-fazer-plano-de-aula>. Acesso em: 16 mar. 2018.

Sonetos de Góngora: Disponível em:


https://www.upf.edu/todogongora/poesia/sonetos/024/. Acesso em: 19 mar. 2018.
Biografia de Alfredo do Vale Cabral: Disponível em:
<http://bndigital.bn.gov.br/projetos/200anos/alfredoVale.html>. Acesso em: 17 mar. 2018.

Perfil Gregório de Matos Academia Brasileira de Letras: Disponível em:


<http://www.academia.org.br/academicos/gregorio-de-matos>. Acesso em: 16 mar. 2018.

Resenha Códice Asensio-Cunha: Disponível em:


<http://literaturabrasileira.fflch.usp.br/node/31>. Acesso em: 15 mar. 2018.

Censo comum sobre Gregório de Matos: Disponível em:


<http://www.procampus.com.br/vestibular/resumos/gregorio_lirica.pdf>. Acesso em: 15
mar. 2018.

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