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Psicologia e Fé

Irmã Maria Ângela Ferreira Rocha, mc

PSICOLOGIA E FÉ

ELEMENTOS DA PSICOLOGIA QUE SE APROXIMAM DA CARTA ENCÍCLICA


DE S. JOÃO PAULO II, FIDES ED RATIO

1. ELEMENTOS SIGNIFICATIVOS DA PSICOLOGIA QUE FACILITAM O ENCONTRO


COM A NOSSA VERDADE
A psicologia fornece alguns processos fundamentais que nos ajudam na
revisão contínua de nós mesmos, um meio eficaz para encontrar a nossa
verdade, como por exemplo: o conhecimento dos processos e das disposições
psíquicas necessárias no processo educativo, o conhecimento dos ritmos e do
processo de desenvolvimento de cada pessoa, conhecimento objetivo das
características psíquicas da pessoa, uma descrição fundada nos dinamismos da
interação educativa e dos fatores para torná-la mais eficaz, o conhecimento dos
possíveis distúrbios psíquicos na fase educativa e dos relativos fatores para
preveni-los e curá-los.
A psicologia também pode nos ajudar no processo da “revisão ampla e
aberta da vida”, enquanto nos oferece alguns temas e pesquisas específicas que
podem ser válidas e eficazes para ajudar-nos a conhecer e a nos valorizar como
pessoas humanas capacitadas de algumas potencialidades e limites. Diria que a
psicologia pode ajudar a nós mesmos e as pessoas a encontrar dentro de si o
lugar privilegiado de desenvolvimento integral, dando aos outros o espaço
necessário para o encontro consigo mesmo e com a própria verdade. Um
encontro que requer de cada um a capacidade de “rever-se e rever”
continuamente. Esse itinerário de “revisão ampla e aberta de vida” qualifica as
nossas prestações pessoais, comunitárias e sociais.
No encontro com a nossa verdade, a psicologia nos oferece, por exemplo, a
possibilidade de atingir e usufruir de alguns meios, entre os quais: a utilização de
alguns testes e a sua validade para medir os comportamentos; a percepção da
pessoa; os processos cognitivos na aprendizagem; a memória; o pensamento; a
atenção; a motivação na conexão com os problemas sociais e com a saúde
mental; a adaptação da pessoa em crescimento; os fatores de sua adaptação; o
comportamento social, como também temas da dinâmica dos grupos, dos
processos de encontro interpessoal; a percepção das próprias atitudes em

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direção ao outro; a problemática das influências culturais na relação com a


sensibilidade social, comunitária; os problemas relativos à comunicação e à
linguagem; o estudo sobre a personalidade; os distúrbios psíquicos e emotivos;
as consequências sobre a conduta da pessoa (dificuldade no aprendizado,
drogas, álcool, dependências etc); as teorias e práticas de tratamento e
prevenção; o exame dos fatores que facilitam e impedem o encontro educativo
em situações, tanto normais como patológicas; a orientação psicológica; a
satisfação no trabalho desenvolvido em um clima humano; a orientação em
direção aos diversos estilos de governo etc.

2. “CONHECE-TE A TI MESMO”
Com tudo isso, pode-se analisar e resumir alguns elementos, ou melhor,
algumas indicações da Carta Encíclica do Papa, muito próximos dos elementos
da psicologia, vista como meio para o nosso crescimento e amadurecimento na
fé. É bem oportuno a expressão do Santo João Paulo II, quando afirma que a “fé
e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se
eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do
homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a Ele,
para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena
sobre si próprio”. Na introdução do Documento, há o imperativo “Conhece-te a
ti mesmo” e é bem esse o percurso que um processo psicoterapêutico nos
conduz ao conhecimento de nós mesmos, que parte do início de nossa história,
de nossa vida, com as pessoas que nos educaram, nos formaram, com a relação
com essas pessoas, com o nosso ambiente, poderíamos dizer, um encontro
progressivo com a verdade e um confronto com ela, não para “condená-la”,
rejeitá-la, mas, sim, abraçá-la, acolhê-la e integrá-la em nossa vida.

3. A RAZÃO PERANTE O MISTÉRIO


Um outro tópico do Documento é bem este: a razão perante o mistério e,
neste caso, o que a psicologia pode nos oferecer?
Diz-se que a fé é uma resposta de obediência a Deus. Isso implica que Ele
seja reconhecido na sua divindade, transcendência e liberdade suprema. É por
isso que o ato pelo qual nos entregamos a Deus sempre foi considerado pela
Igreja como um momento de opção fundamental, que envolve a pessoa inteira.

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E para sermos pessoa inteira, precisamos nos conhecer, nos formar, nos educar.
Inteligência e vontade põem em ação o melhor da nossa natureza espiritual e
nos consente de realizar um ato, um comportamento no pleno exercício da
nossa liberdade. E bem sabemos que para a fé, não basta a nossa liberdade
estar presente, exige-se que saibamos entrar em ação, exige os nossos
comportamentos. A psicologia pode nos ajudar no processo de maturidade e de
coerência dos nossos comportamentos, nos ajuda a ser livres em nossas
escolhas.

4. CAMINHAR À PROCURA DA VERDADE


No mais fundo do coração do homem, foi semeado o desejo e a nostalgia
de Deus. Um caminho que o homem, se quiser, pode percorrer. O seu ponto de
partida está na capacidade de a razão superar o contingente para se estender
até o infinito.
De vários modos e em tempos diversos, o homem demonstrou que
conseguia dar voz a este seu desejo íntimo. Muitas realizações da inteligência
criadora tornaram-se canais que o homem se serviu para exprimir essa sua
ansiosa procura. Assim, a filosofia, no nosso caso, a psicologia também são
meios.
“Todos os homens desejam saber”, conhecer, se conhecer, buscar e o
objeto próprio desse desejo é a verdade. A própria vida cotidiana demonstra o
interesse que tem cada um em descobrir, para além do que ouve, a realidade
das coisas.
Mas como podemos nos conhecer profundamente, se somos, às vezes,
ofuscados pela nossa história, nossas feridas? Um processo intenso de
autoconhecimento pode nos facilitar o caminho em procura da verdade.
A verdade apresenta-se ao homem sob forma interrogativa: A vida tem um
sentido? Para onde se dirige? À primeira vista, a existência pessoal poderia
aparecer radicalmente sem sentido. A experiência cotidiana do sofrimento,
pessoal e alheio, e a observação de muitos fatos, que à luz da razão se revelam
inexplicáveis, todas são possibilidades para dar um sentido à nossa vida.
De fato, a nossa capacidade de acolher as fases da vida, integrar as
experiências, tudo pode nos ajudar a caminhar em busca da verdade. Perante
um dado tão desconcertante como a morte, a perda, a separação, impõe-se a

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busca de uma resposta exaustiva. Cada um quer, e deve, conhecer a verdade


sobre o seu fim. Quer saber se a morte será o termo definitivo da sua
existência, ou se algo permanece para além da morte; se pode esperar uma
vida posterior, ou não.

5. OS DIFERENTES ROSTOS DA VERDADE DO HOMEM


Vamos iniciar a nossa reflexão sobre os diferentes rostos da verdade do
homem com uma oração feita pelo Papa Francisco, invocando Maria na sua atitude
de escuta: “Maria, mulher da escuta, abre os nossos ouvidos, faz com que saibamos
ouvir a Palavra do teu filho Jesus, no meio das mil palavras deste mundo. Faz com
que saibamos ouvir a realidade em que vivemos, cada pessoa que encontramos,
especialmente quem é pobre e necessitado, quem se encontra em dificuldade”.
Falando dos diferentes rostos da verdade, o nosso santo papa João Paulo II
afirma que precisamos reconhecer que a busca da verdade nem sempre se realiza
com a transparência e coerência de raciocínio. Muitas vezes, as limitações naturais
da razão e a inconstância do coração ofuscam e desviam a nossa busca pela
verdade, assim como também outros interesses podem sobrepor-se à verdade.
Pode acontecer também, que, muitas vezes, nós evitamos, quando tememos as suas
exigências.
Contudo, mesmo quando evitamos, por causa desses diferentes motivos,
temos que afirmar que é sempre a verdade que preside a nossa existência. Com
efeito, nunca poderíamos fundar a nossa vida sobre a dúvida, a incerteza ou a
mentira; se assim fosse, a nossa existência estaria constantemente ameaçada pelo
medo e pela angústia. Assim, podemos dizer, definir o homem como aquele que
procura a verdade.
MAS, QUAIS SÃO OS DIFERENTES ROSTOS DA VERDADE? E POR QUE
ESCOLHEMOS ESSE ELEMENTO NESTA NOSSA LIÇÃO DE HOJE? QUAL É A SUA
PROXIMIDADE COM A PSICOLOGIA E O QUE ELA PODE FACILITAR A ENCONTRAR A
NOSSA VERDADE?
Indicando os rostos da verdade, nós encontramos precisamente três:

1) As mais numerosas são as verdades que assentam em evidências imediatas ou


recebem confirmação da experiência: esta é a ordem própria da vida
cotidiana e da pesquisa científica.

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2) As verdades de caráter filosófico, que o homem alcança através da


capacidade especulativa do seu intelecto.

3) As verdades religiosas, contidas nas respostas que as diversas religiões


oferecem, nas suas tradições, às questões últimas.

A psicologia nos oferece uma chave de leitura que nos ajuda a ver que atrás
destes rostos da verdade, existe um PROCESSO EVOLUTIVO de crescimento que nos
acompanha em toda a nossa vida.
De fato, o homem não foi criado para viver sozinho. Nasce e cresce em uma
família, para depois se inserir, pelo seu trabalho, na sociedade. Assim, a pessoa
aparece integrada, desde o seu nascimento, em várias tradições; delas recebe não
apenas a linguagem e a formação cultural, mas, também, muitas verdades nas quais
acredita quase instintivamente. Entretanto, o crescimento e a maturação pessoal
implicam que tais verdades possam ser postas em dúvida e avaliadas através da
atividade crítica própria do pensamento. HOJE, PODERÍAMOS FALAR DA
PURIFICAÇÃO, DA EVANGELIZAÇÃO DOS VALORES CULTURAIS E, PARA ISSO,
PRECISAMOS ESTAR ABERTOS, DISPONÍVEIS INTERIORMENTE, CRESCIDOS,
AMADURECIDOS.
Cada um, quando crê, confia nos conhecimentos adquiridos por outras
pessoas. Nesse ato, pode-se individuar uma significativa tensão: por um lado, o
conhecimento por crença apresenta-se como uma forma imperfeita de
conhecimento, que precisa de se aperfeiçoar progressivamente por meio da
evidência alcançada pela própria pessoa; por outro lado, a crença é muitas vezes
mais rica, porque inclui a relação interpessoal, pondo em jogo não apenas as
capacidades cognoscitivas do próprio sujeito, mas, também, a sua capacidade mais
radical de confiar em outras pessoas, iniciando com elas um relacionamento mais
estável e íntimo.
MUITAS VEZES, TEMOS DIFICULDADES DE CONFIAR NO OUTRO PORQUE NÃO
CONFIAMOS EM NÓS MESMOS E A PSICOLOGIA PODE NOS AJUDAR A TER MAIS
CONFIANÇA EM NÓS MESMOS E, CONSEQUENTEMENTE, NO OUTRO. ISSO NOS
AJUDA A COMPREENDER O PORQUE FALTAMOS COM CONFIANÇA NO OUTRO, NO
DIVERSO DE MIM.

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6. A PSICOLOGIA NAS ETAPAS SIGNIFICATIVAS DO ENCONTRO ENTRE A FÉ E A


RAZÃO
“Maria, Mulher da decisão, ilumina a nossa mente e o nosso coração, a fim de
que saibamos obedecer à Palavra do teu filho Jesus, sem hesitações.Concede-nos a
coragem da decisão, de não nos deixarmos arrastar para que outros orientem a
nossa vida”.
Vamos fazer mais uma tentativa de indicar a psicologia como um meio eficaz
para o nosso crescimento na fé, chave da leitura e aplicação de seus elementos nas
etapas significativas do encontro entre a fé e a razão.

1) Purificar de formas mitológicas a concepção que os homens tinham de Deus.


Embocou-se, assim, uma estrada que, saindo das antigas tradições
particulares, levava a um desenvolvimento que correspondia às exigências da
razão universal. O fim que tal desenvolvimento tinha em vista era a
verificação crítica daquilo em que se acreditava. O PROCESSO DE
PURIFICAÇÃO REQUER UMA PROFUNDA CAPACIDADE DE CONHECIMENTO.
2) Perceber as convergências sem ofuscar o reconhecimento das diferenças. A
psicologia nos oferece a capacidade de perceber, assimilar, acolher as
convergências sem negar, sem temer as diferenças.

3) Nas etapas significativas do encontro entre a fé e a razão, delineamos UM


ENCONTRO que não foi fácil, nem imediato. Encontramos nesse percurso,
como em todo processo de encontro, de autoconhecimento que a psicologia
nos propõe, alguns elementos em comum: o chamado a uma conversão do
coração, a uma mudança, transtorno, aprofundamento, compreensão da fé e
suas motivações. Antes, pelo contrário: a busca do sentido da vida; a busca da
igualdade de todos os homens diante de Deus. O acesso à verdade como um
bem que permite chegar a Deus e que todos devem estar em condições de
poder percorrer esta estrada.
4) Confirmar a harmonia fundamental entre o conhecimento filosófico e o
conhecimento da fé: a fé requer que o seu objeto seja compreendido com a
ajuda da razão; por sua vez, a razão admite como necessário aquilo que a fé
apresenta.

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