Hiperglobulinemia associada à anemia hemolítica

auto-imune secundária a ehrlichiose - relato de caso

Marília de Albuquerque Bonelli1, Telga Lucena Alves Craveiro de Almeida2, Ernani Méro Campos2, Bruno Martins
Araújo2, Nathalia Ianatoni Camargo2, Angélica Neves dos Santos Rocha2, Maria Isabel Rocha Sampaio3 e Glória Maria
de Andrade Potier4

Introdução trombocitopenia podem incluir petéquias (principal), que

denotam sangramento capilar ou de vênulas e ocorrem
Ehrlichiose canina é uma doença transmitida por
geralmente em locais de pressão intravascular aumentada
carrapato causada por parasitas intracelulares
(e.g. abdômen, mucosa oral ou genital, locais de fricção
obrigatórios (espécies do gênero Ehrlichia spp.),
inguinal ou axilar); e pode ocorrer também púrpura,
riquétsias que formam agrupamentos intracelulares
equimoses ou hematomas [5].
chamados mórulas [1]. Recentemente a nomenclatura
No caso das alterações protéicas em cães com
de organismos desta ordem foi revisada [2], de modo
ehrlichiose, a hipoalbuminemia pode ser conseqüência de
que, por exemplo, E. platys passou a ser Anaplasma
anorexia e diminuição da ingestão de proteína, perda
platys [3].
periférica devido a edema causado pela vasculite, podendo
Os sinais clínicos mais frequentes de ehrlichiose são
ainda resultar da redução de proteína devido a nefropatia
depressão, letargia, anorexia, febre, linfadenopatia,
ou hepatopatia [6, 7], hemorragias e também uma
esplenomegalia e hemorragias (petéquias, equimoses e
compensação para manter a pressão osmótica devido ao
epistaxe). Manifestações oculares incluem uveíte
aumento das globulinas [7]. Já a hiperglobulinemia pode
anterior, ceratoconjuntivite, hifema, glaucoma,
advir do estímulo antigênico promovido pela bactéria, onde
corioretinite e descolamento da retina. Poliartrite e
há uma resposta humoral com produção excessiva de
polimiosite têm sido descritas. As anormalidades
globulinas que pode levar a um quadro de hiperviscosidade
neurológicas estão associadas com vasculite,
sangüínea. Este é o quadro que pode desencadear a
meningoencefalite, infiltração linfocítica do sistema
eliminação da albumina pela urina como mecanismo
nervoso central e periférico ou hemorragias. Pode
compensatório para manutenção da pressão, sendo
ocorrer ainda glomerulonefrite devido à formação de
considerado como o responsável pela associação da
imunocomplexos. Quanto às alterações laboratoriais,
ehrlichiose com hipoproteinemia por hipoalbuminemia,
geralmente há trombocitopenia, anemia arregenerativa
hiperglobulinemia e redução da relação A/G [6]. Embora a
normocítica, normocrômica, e uma leucopenia leve a
maioria dos animais apresente hipoalbuminemia, a análise
severa. Hiperglobulinemia e hipoalbuminemia têm sido
das proteínas séricas totais (PT) pode se apresentar dentro
relatadas[2].
da normalidade provavelmente devido ao aumento
Na anemia hemolítica imunomediada (AHIM) há
compensatório das globulinas em decorrência da infecção
uma redução do número de eritrócitos devido a
[7]. O diagnóstico inclui histórico de exposição a carrapato,
destruição por imunoglobulinas ou pelo sistema
sinais clínicos ou anormalidades laboratoriais, identificação
complemento. Dentre as alterações laboratoriais estão
das mórulas citoplasmáticas, e testes sorológicos para
anemia moderada a intensa de características
identificar anticorpos para ehrlichia [8].
regenerativas; no entanto, casos de AHIM sem sinais
O sucesso do tratamento depende de um diagnóstico
de eritrorregeneração são freqüentes, podendo ser
precoce, apesar de que é difícil determinar a fase da doença
observados em cães com crises agudas nos quais ainda
em que o animal se encontra, devido à apresentação clínica
não houvera tempo para a liberação de hemácias jovens
e os achados laboratoriais serem similares e a duração e
na circulação. A aplasia eritróide adquirida é
severidade dos sinais clínicos variáveis [6]. Como ela é
decorrente de doença imunomediada em que há
geralmente inaparente nos estágios iniciais ou sub-clínicos
destruição de eritrócitos circulantes e formação de
da infecção, quando diagnosticada na fase crônica, o
anticorpos contra os precursores eritróides na medula
tratamento pode não ajudar a reverter a pancitopenia severa
óssea [4]. A ehrlichiose tanto pode levar a
e fenômenos imuno-mediados associados a essa doença [2].
trombocitopenia por produção plaquetária anormal e/ou
O objetivo do presente trabalho foi descrever o caso de
por aumento na remoção de plaquetas (trombocitopenia
um animal com ehrlichiose crônica com hiperglobulinemia
secundária imunomediada). Além disso, a ehrlichiose
secundária.
pode afetar a função plaquetária, levando a resposta
plaquetária diminuída. Os sinais clínicos de Material e métodos

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1. MV Residente R2 de Clínica Cirúrgica do Hospital Veterinário, Universidade Federal Rural de Pernambuco. R. Dom Manoel de Medeiros s/n.
CEP 52171-900. Recife, PE. E-mail: mariliabonelli@yahoo.com
2. MV Residentes do Hospital Veterinário, Universidade Federal Rural de Pernambuco. R. Dom Manoel de Medeiros s/n. CEP 52171-900 Recife,
PE.
3. Aluna de Graduação em Medicina Veterinária, UFRPE. R. Dom Manoel de Medeiros s/n. CEP 52171-900 Recife, PE.
4. Professora Orientadora, DMV – UFRPE. R. Dom Manoel de Medeiros s/n, CEP 52171-900 Recife - PE.
 Foi atendido no Hospital Veterinário da
Universidade Federal Rural de Pernambuco, um
canino, macho, SRD, 10 anos de idade apresentando
lesão necrótica ao redor da extremidade distal do
membro anterior direito com sangramento de difícil
controle. O animal já havia realizado tratamento prévio
para ehrlichiose. O exame radiográfico demonstrou
ausência da falange distal do quinto dedo. O
hemograma realizado apresentou as seguintes
alterações: anemia normocítica hipocrômica,
linfopenia, monocitopenia e trombocitopenia (94.290).
O animal foi então encaminhado para o serviço de
cirurgia no dia 06/05/09. Foi realizada a amputação do
dedo acometido e retirada do aumento de volume
circunvizinho. O material excisado foi enviado para
exame histopatológico, onde foi classificado como
processo inflamatório. Após a cirurgia foi realizado
outro hemograma, onde se observou anemia
microcítica hipocrômica, neutropenia, eosinopenia,
monocitopenia e trombocitopenia (88.250). Foi
prescrito doxiciclina por 21 dias. O animal retornou
para retirada dos pontos após 10 dias, a lesão
apresentava-se cicatrizada e a proprietária não relatava
nenhum outro problema. O animal retornou novamente
após 12 dias, onde a proprietária relatou que ele
reclamava de dores, embora ela não soubesse afirmar
com certeza onde doía. No exame físico, o paciente
apresentou respostas inconstantes à palpação de
articulações, coluna e abdômen, e foi observado
paraparesia, edema no membro posterior esquerdo,
edema de córnea no olho direito, mucosas pálidas. Foi
solicitado novo hemograma com contagem de
plaquetas, que demonstrou anemia normocítica
hipocrômica, neutropenia, eosinopenia, monocitopena e
trombocitopenia (66.000) com plaquetas ativadas e
macroplaquetas, e a dosagem de proteínas totais
(12g/dl). Foram prescritos meloxicam e prednisolona.
Resultados e Discussão
Para este trabalho, consideramos como ehrlichiose a
doença causada pelos organismos mencionados por
Mendonça et al.[1], Baneth [2] e New [3].
Os sinais e sintomas clínicos apresentados pelo
animal abrangeram toda a sintomatologia descrita por
Baneth [2].
O diagnóstico baseou-se nos achados clínicos e dos
exames laboratoriais, pois não foi possível por
limitações financeiras a realização dos outros exames
mencionados por Storti [8], não sendo também possível
determinar a fase da doença, pelos motivos citados por
Baneth [2] e Santarém et al. [6].
Quanto à manifestação clínica, o paciente apresentou
petéquias, equimoses e hemorragias condizentes com
as consequências de trombocitopenia como citadas por
Rebar et al.[5].
Neste caso, a trombocitopenia foi a primeira
alteração laboratorial significativa, e foi verificada a
presença de anemia, dificultando elaborar quanto a
origem desta anemia (anemia microcítica
normocrômica), se seria por perdas por sangramento ou
por comprometimento da medula.
Observou-se uma hipoalbuminemia, provavelmente por
uma combinação dos fatores citados por Kanavamal et al.
[7]. A hiperglobulinemia apresentada sugere uma reação
exacerbada do organismo, e a reação no teste de
compatibilidade suporta que seja um problema de cunho
auto-imune. Como disse Brandão et al. [8], a anemia auto-
imune é geralmente regenerativa, podendo se apresentar
como arregenerativa (microcítica normocrômica), como
neste caso, onde o aumento da globulina suporta que se
trate de uma alteração auto-imune, já que a g-globulina é
composta por anticorpos.
Não é possível determinar se o estresse de um
procedimento cirúrgico afetou ou até que ponto influenciou
no desenrolar da doença e da sintomatologia clínica, ou se
tudo isso seria uma progressão do seu estado antes de ser
submetido à cirurgia.
Na realização do último hemograma o animal já
apresentava uma melhora significativa no que diz respeito à
dosagem de PT, porém nas alterações hematológicas foram
observados sinais de anemia imunomediada devido à
presença de esferócitos e macrocitose e hipocromia.
Infelizmente o paciente não pôde receber a transfusão de
sangue necessária, pois o único motivo de não se poder
realizar transfusão sanguínea é devido a um teste de
compatibilidade incompatível, já que o teste de
compatibilidade visa encontrar no plasma do receptor
anticorpos contra hemácias do doador. Sendo assim, o
animal veio a óbito por não resistir ao tratamento sem
transfusão sanguínea.
Referências
[1] MENDONÇA, C. de S.; MUNDIM, A.V.; COSTA, A.S.; MORO,
T.V. 2005. Erliquiose canina: alterações hematológicas em cães
domésticos naturalmente infectados. Biosci. J., v. 21, n. 1, p. 167-
174.
[2] BANETH, G. 2006. [Online] Canine ehrlichiosis – a silent killer
Homepage:http://www.ivis.org/proceedings/wsava/2006/lecture16/B
aneth1.pdf?LA=1
[3] NEW Taxonomy of the Family Anaplasmataceae. [Online]
Homepage: http://riki-lb1.vet.ohio-
state.edu/ehrlichia/background/ehrlichiaspp.php
[4] BRANDAO, L. P.; IKESAKI, J.H.; MIYASHIRO, S.I.;
FRANCHINI, M.L.; HAGIWARA, M. 2004 [Online] Anemia
hemolítica imunomediada não regenerativa em um cão. Homepage:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
84782004000200034&lng=en&nrm=iso
[5] REBAR, A.H.; MACWILLIAMS, P.S.; FELDMAN, B.F.;
METZGER, F.L., POLLOCKS, R.V.H.; ROCHE, J. 2005 [Online].
Platelets: Overview, Morphology, Quantity, Platelet Function
Disorders. Homepage:
http://www.ivis.org/advances/Rebar/Chap10/chapter.asp?LA=1
[6] SANTARÉM, V.A.; JOSÉ, M. D.; LAPOSY, C. B. 2008.
Alterações bioquímicas em cães citopênicos e não citopênicos com
ehrlichiose. Semina: Ciências Agrárias, v. 29, n. 4, p. 845-852.
[7] KANAVAMAL, M.S.; CABRAL, D.D.; MUNDIM, A.V. 2002
[Online]. Achados hematológicos e bioquímicos em cães com
erliquiose canina atendidos no hospital veterinário da Universidade
Federal de Uberlândia – MG. Homepage:
http://www.propp.ufu.br/revistaeletronica/edicao2002/E/ACHADO
S%20.PDF
[8] STORTI, G.R. 2006. Erliquiose canina. Trabalho monográfico de
conclusão do curso de clínica médica de pequenos animais,
Universidade Castelo Branco-Quallitas, Ribeirão Preto.