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Nos últimos vinte anos a ciência histórias. Nesse tempo, ainda no período da
brasileira passou por um crescimento ditadura militar, a relação com o exterior era
vertiginoso, estando agora num momento de bem menos intensa e, em várias áreas, nossa
queda profunda. Esse crescimento decorreu ciência tendia a permanecer mais voltada
de avaliação equivocada sobre nossa ciência para o cenário nacional. É evidente que
e a queda advém da explicitação desse erro. algumas áreas, por natureza (geralmente as
No texto abaixo dou o background que mais básicas), mantinham alguma interação
permeou o desenvolvimento de nossa ciência com a ciência internacional. Outras, mais
nas últimas décadas e nossos principais ligadas às “coisas brasileiras” (p.ex., agrárias
equívocos nessa jornada, culminando com e boa parte da saúde), se mantiveram focadas
sugestões para corrigirmos nossa ciência. no “nacional”, construindo o que chamamos
de “ciência nacional”. Foi a partir de meados
da década de 90 que a globalização,
1. Background intensificada pela internet, começa forçar a
ciência nacional a interagir com o mundo. A
A ciência brasileira se desenvolveu a presença de palestrantes nos congressos
partir da implantação da mentalidade nacionais se intensifica nas diversas áreas e
científica advinda de cientistas de certo as idas ao exterior são cada vez mais fáceis e
destaque, geralmente vindos do exterior. comuns.
Com eles algumas escolas de pensamento
formaram outros cientistas que constituíram Nesse cenário o Brasil começa a
grupos e derivações dessas escolas por meio crescer e a busca por uma ciência
das cátedras. Os catedráticos tinham todo o internacional chega no núcleo principal da
poder no seu setor (Departamento numa ciência brasileira, a pós-graduação. A Capes
Escola de Nível Superior), contratando e passa a ter participação fundamental na
descontratando, definindo linhas de pesquisa internacionalização da ciência brasileira por
e posturas. Quando o catedrático era um meio de suas exigências. O Qualis das
cientista de bom nível, a mentalidade revistas científicas já frisava o cenário
implantada era boa; quando não, instaurava- internacional (p.ex., Qualis A nacional,
se apenas o terror de um sistema ditatorial. Qualis A internacional; Qualis B nacional,
Com a eliminação formal da cátedra, os Quali B internacional etc.). E é nessa segunda
departamentos universitários seguiram seus metade da década de 90 que as revistas
caminhos de acordo com suas próprias brasileiras começam a ser mais
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equivaleriam hoje aos cursos 6 e 7). Mas eu “papo” aqui fosse sempre o contrário.
avaliei na Capes cursos A e ministrava cursos Visibilidade sem conteúdo foi nosso grande
de redação científica em várias áreas e via um erro. E acredito que esse erro pode ter
cenário equivocado, completamente diferente decorrido de duas possibilidades (não
do que os grandes gestores pressupunham. exclusivas): a) achar que éramos bons e
Envolvido com a coordenação de pós- precisávamos apenas de visibilidade e/ou b)
graduação desde 1991, eu via que achar que conteúdo não interessa quando
caminhávamos para a formação de um dominamos os recursos de visibilidade (o tal
profissional técnico, sem perfil científico jeitinho brasileiro: não precisa ser, basta
adequado, o qual recebia o título de Doutor. parecer).
Por isso esse “cientista” via na publicação um
Em 2011, éramos o 15º país em
drama. A mediocridade da pós-graduação era
número de publicações e o 20º em número de
evidente, mas nem todos viam. Estavam
citações, o que foi alardeado pelo Ministério
absorvidos pelo “crescimento”, assustados
da Ciência & Tecnologia como decorrente do
pelas avaliações e fascinados pela
investimento financeiro desse ministério no
globalização e facilidades da internet nesse
setor. Mas não falaram que tínhamos apenas
sistema. Falar contra esse sistema era ser
50% da eficiência do 20º colocado quando as
considerado retrógrado, pessimista ou
citações eram divididas pelo número de
antinacionalista.
artigos publicados, o que significava gasto
inapropriado em ciência (Volpato, 2013).
Este cenário voltou a ser arduamente atacado
3. A festa acabou em 2014, por dois artigos na revista Nature
O milagre do sucesso político e mostrando a pobreza e até irresponsabilidade
midiático do Brasil no mundo chega ao fim da organização e produção da ciência
por meio de críticas severas ao Brasil na brasileira. Desses, o último caso, publicado
mídia internacional, particularmente nos em novembro de 20141, mostrou que o Brasil
últimos 4 anos. Junto com isso, a ciência está jogando dinheiro fora na ciência.
brasileira começa a ser apedrejada, e não sem Gastamos cerca de 45 mil dólares para
motivos. Vejam os vexames que passamos conseguirmos colocar um artigo em revista
devido à ação de alguns poucos editores de alto prestígio internacional, ocupando a
(p.ex., os casos vexaminosos das revistas 50º posição entre 53 países, ultrapassando
Farmacognosia, Revista Brasileira de apenas Egito, Turquia e Malásia. E esse
Zootecnia e Clinics, o desta última resultado reflete que somos um país que não
merecendo grande destaque na revista respira ciência e que distribui as verbas para
Nature). Mas isso só significava a ponta de ciência de forma equivocada. E no início de
um iceberg de “jeitinhos” que buscávamos 2015 já vemos que os erros de diagnóstico
para enfrentar a concorrência científica continuam. Texto2 de eminente cientista
internacional. E o Brasil era mais enfatizado brasileiro, fala com razão sobre os desvios de
nesses casos do que outros países, pois ele verba da ciência para outros interesses do
havia ganhado mais visibilidade política e estado; mas avalia o crescimento de nossa
científica. Víamos com tristeza um prédio ciência em termos de número de publicações,
sem alicerce se desmoronando, embora o dizendo que estávamos bem e que agora a
1
Vejam notícia em http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/11/1549183-gasto-
brasileiro-com-ciencia-e-muito-pouco-eficiente-diz-nature.shtml
2
http://www.monitormercantil.com.br/index.php?pagina=Noticias&Noticia=164399&Cate
Boletim ABLimno, 41(1), 24-29, 2015
goria=OPINI%C3%83O
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falha de ciência e vale para todos os cursos assistem o curso). Ou seja, perdemos tempo.
de pós-graduação, de 3 a 7.