Você está na página 1de 7

O EMPREGO DE ALGEMAS POR POLICIAIS MILITARES: Aspectos

legais, doutrinários e jurisprudenciais.

Zethe Viana Machado*

Resumo: O emprego de algemas ainda não está disciplinado por decreto federal como fora
previsto no art. 199 da Lei de Execução Penal. Entretanto, as algemas são empregadas no
cotidiano policial e por vezes sem nenhum critério. Dessa forma, o presente artigo visa
fornecer subsídios legais, doutrinários e jurisprudenciais para o correto emprego de
algemas.

Palavras-chave: Algemas - policiais militares - legalidade - doutrina - jurisprudência.

1. Introdução

Atualmente, observamos pela televisão, operações policiais nas quais


pessoas foram presas e, na maioria das vezes, algemadas. Políticos, magistrados,
advogados, portadores de diploma superior e mesmo policiais presos nessas
operações, foram algemados. A maior parte dessas pessoas mesmo demonstrando,
no momento da prisão, serem pacatas e não oferecerem nenhum risco à integridade
dos policiais autores das prisões, ainda assim, provaram o amargo sabor das
algemas.

Em virtude dessas atitudes, o assunto veio à baila entre os operadores do


Direito. Entretanto, mesmo em voga, existem poucos estudos sobre emprego de
algemas. Com efeito, o tema em comento, dada a sua importância, merece
atenção. Todavia, não merece exposição ou exibicionismo televisivos. Não
concordamos com o emprego banal e sem critérios plausíveis para o emprego desse
instrumento.

Qual a finalidade de se algemar uma pessoa que não esboça nenhuma


reação e nenhum perigo? Como se pretende combater a ilegalidade cometendo
um abuso de poder?

*__________________________________________________________________
Oficial da Polícia Militar do Estado do Piauí. Realizou o Curso Superior de Formação de
Oficiais na Academia de Polícia Militar do Paudalho no Estado de Pernambuco. Acadêmico
do 9º período de Direito da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
2. Aspectos doutrinários

A palavra algema vem do árabe (al-jama´a) e significa pulseira. Donaldo J.


Felippe, assim as define:

“Algemas são braceletes de ferro, ligados por pequenas correntes, com os


quais se prendem, pelos pulsos, prisioneiros perigosos”. (grifo nosso)

Todas essas pessoas que foram algemadas eram prisioneiros perigosos?


O uso de algemas abusivo e sem critérios causa preocupação não só aos
estudiosos do Direito, mas, aos demais membros da sociedade, pois qualquer um
pode ser vítima dessa ilegalidade degradante.

O advogado Moisés Reis posicionou-se dessa forma:

“Algemar, sem uma real e sensata motivação, é violação que jamais


deverá ser tolerada. Além de constituir transgressão à lei, fere de morte o
consagrado princípio constitucional da presunção de inocência”.
(grifamos)
Certamente, a sociedade ao visualizar alguém algemado, deduz logo: é o
“culpado”. No entanto, existem situações nas quais não justificam o uso de algemas;
outras, sim. Então quais os critérios para o emprego de algemas? Qual a orientação
legal? E a jurisprudência como se posiciona?

3. Aspectos legais

A maioria dos policiais padece de dúvidas quanto ao emprego de algemas,


pois, não existe legislação nacional específica sobre o assunto e nem a maior parte
dos Estados legislou sobre tal. Pelo menos no Estado de São Paulo, está
normatizado por meio do Decreto Estadual nº 19.903, de 30 de outubro de 1950.
Ademais, as normas existentes são vagas e imprecisas.

É o caso, por exemplo, do artigo 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210,
de 11 de julho de 1984), in verbis:

“Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”.


Até hoje, esse decreto não virou realidade, tornando o emprego de algemas
um verdadeiro tormento para os responsáveis pela segurança pública.

Vejamos os artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a


indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso”.
“Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à
prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o
executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios
necessários para defender-se ou para vencer resistência, do que tudo se
lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. (grifamos)

Os artigos acima não disciplinam, especificamente, o uso de algemas. Eles


impõem limites ao uso da força pelo policial. Entretanto, amparam o policial em caso
de resistência ou de tentativa de fuga do preso, e ainda, permitem o uso dos meios
necessários (não arbitrários) para a defesa ou para vencer a resistência.

Entretanto, o que são meios necessários?

Bem, a lei não define com precisão o que são meios necessários. Então,
busca-se na doutrina um balizamento para nossa fundamentação. Mirabete refere-
se aos meios necessários quando discorre sobre a legítima defesa, inserida no
artigo 23, inciso II, e regulada pelo artigo 25 também do Código Penal, nos seguintes
termos:

“(...) são os que causam o menor dano indispensável à defesa do


direito, já que, em princípio, a necessidade se determina de acordo com a
força real da agressão. É evidente, porém, que ‘meio necessário’ é aquele
de que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo
ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o
único à sua disposição no momento. Deve o sujeito ser moderado na
reação, ou seja, não ultrapassar o necessário para repeli-la (...)”.

Entendemos que as algemas configuram um meio necessário, desde que


utilizadas de acordo com as orientações legais, doutrinárias e jurisprudenciais
existentes.

Menos tormentosa é a situação dos policiais militares, o que não quer dizer
sem tormentos. O Código de Processo Penal Militar em seu artigo 234, parágrafo 1º,
aborda especificamente o assunto, mas não elimina todas as dúvidas sobre o
emprego de algemas. Assim dispõe, ipsis litteris:
“Art. 234, §1º. O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não
haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será
permitido, nos presos a que se refere o art. 242”. (grifamos)

Vejamos o artigo 242 do Código de Processo Penal Militar, in verbis:

“Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à


disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes da
condenação irrecorrível”:
a) os ministros de Estado;
b) os governadores ou interventores de Estado, ou Territórios, o prefeito do
Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de polícia;
c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das
Assembléias Legislativas dos Estados;
d) os cidadãos inscritos no Livros de Mérito das ordens militares ou civis
reconhecidas em lei;
e) os magistrados;
f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros
Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os ministros de confissão religiosa.”

O membro do Parquet militar federal Jorge Cesar de Assis, aduz que “no
Código de Processo Penal Castrense, apesar de não vir de forma expressa, o
código preocupa-se com a integridade física do preso, pois evita colocá-lo em
situação vexatória e proíbe o emprego das grilhetas opressoras em algumas
categorias de pessoas”.

Não se pode olvidar do mandamento contido no art. 40 da Lei de Execução


Penal:

Art.40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e


moral dos condenados e dos presos provisórios.

Quanto ao emprego de algemas em crianças e/ou adolescentes, é


necessário, preliminarmente, fazer-se uma leitura atenta do art. 178 da Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), in verbis:

“Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato


infracional não poderá ser conduzido ou transportado em
compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias
à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou
mental, sob pena de responsabilidade”. (grifamos)

Em conseqüência, tratando-se de crianças e/ou adolescentes sugerimos que


sejam adotados os procedimentos previstos na Cartilha da Polícia Militar de
Pernambuco. Transcrevemos uma parte:

“(...) o uso de algemas deve ser evitado. Será admitido em caso de extrema
necessidade. Exemplo: nas hipóteses em que se configure como meio indispensável
à contenção de sua agressividade (...)”.

Sendo assim, o policial não pode abusar do seu poder. A violação ao seu
dever legal poderá resultar em ações por danos morais, além de implicar
responsabilização por abuso de autoridade, como nos ensina Luiz Flávio Gomes, em
artigo sobre o tema em estudo:

“Todas as vezes que o uso de algemas exorbitar desse limite


constitui abuso, nos termos dos arts. 3º, “i” (atentado contra a incolumidade
do indivíduo) e 4º, “b” (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a
vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898/65 (lei de
abuso de autoridade)”.

4. Aspectos jurisprudenciais

Luiz Otávio de Oliveira Amaral, em sua obra sobre a juridicidade operacional


da polícia, nos brinda com importante jurisprudência sobre o tema em comento:

INFORMATIVO JURISPRUDÊNCIAL Nº 9 – STJ


EMENTA: PENAL. USO DE ALGEMAS. AVALIAÇÃO DA
NECESSIDADE. A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir
afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão,
deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que
demonstrem a periculosidade do acusado. Recurso provido. (STJ, Recurso
em Habeas Corpus nº 5.663/SP (96/0036209-2), rel. Min. Willian Paterson,
DJ. 23.9.96).

O STJ sinaliza no sentido de que o uso de algemas deve ser feito de modo
prudente, analisando-se cada caso concreto, para que não seja violado o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Também, corroborando com nosso entendimento, esse é o posicionamento
da Primeira Turma do STF em recente julgado:

INFORMATIVO JURISPRUDÊNCIAL Nº 437 – STF


EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO
MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA
CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de
natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com a finalidade de
impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que
haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e
para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros
ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas
corpus concedido. (STF, 1ª Turma, Habeas Corpus nº 89429/RO
(HC-89429), Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJ. 02.02.2007).

5. Conclusão

Dessa forma, enquanto não surgir legislação nacional sobre o assunto em


tela, o policial militar deve fazer o emprego de algemas observando os
ensinamentos expendidos neste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Direito e Segurança Pública: a


juridicidade operacional da polícia. Brasília: Consulex, 2003.
ASSIS, Jorge Cesar de. Lições de direito para a atividade policial. 4ª ed.,
Curitiba: Juruá, 1999.
BRASIL. Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965. Regula o direito de
representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal,
nos casos de abuso de autoridade.
BRASIL. Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução
Penal.
BRASIL. Código penal. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
BRASIL. Código de processo penal. 5ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
BRASIL. Código de processo penal militar. 5ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35ª ed. atual. e
ampl., São Paulo: Saraiva, 2005.
FELIPPE, Donaldo J. Dicionário do Advogado. Campinas: Julex Livros,
1992.
GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente
disciplinado? Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em:
< http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2921>. Acesso em: 22 jul.
2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 21ª ed. rev. e atual.,
São Paulo: Atlas, 2004.
POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO. Cartilha de procedimentos do
policial militar com crianças e adolescentes. Portaria do Comando Geral nº
159, de 18 de fevereiro de 1997.
REIS, Moisés. Humilhantes algemas. Jornal Meio Norte, 10.04.2005, p. A02.

Você também pode gostar