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A TENTAÇÃO E O MAL

– Jesus Cristo quis ser tentado; nós também sofreremos tentações e provas. Através da
tentação mostramos o nosso amor a Deus e a fidelidade aos compromissos que temos com
Ele.

– O que é a tentação. Os bens que ela pode produzir.

– Meios para vencer.

I. NÃO NOS DEIXEIS cair em tentação, mas livrai-nos do mal, rogamos aos
Senhor na última petição do Pai-Nosso.

Depois de termos pedido a Deus o perdão dos nossos pecados, suplicamos-


lhe que nos dê as graças necessárias para não voltarmos a ofendê-lo e que
não permita que sejamos vencidos nas provas que nos venham a atingir, pois
“no mundo, a própria vida é uma prova [...]. Peçamos, pois, que não nos
abandone ao nosso arbítrio, mas nos guie em todo o momento com piedade
paterna e nos confirme no caminho da vida com moderação celestial. Mas
livrai-nos do mal. De que mal? Do demónio, de quem procede todo o mal” 1. O
demónio não cessa de rondar as criaturas para semear a inquietação, a
ineficácia, a separação de Deus.

“Há épocas em que a existência do mal entre os homens se torna


singularmente evidente no mundo. Percebe-se então com mais clareza como
os poderes das trevas, que actuam no homem e por meio dele, são maiores do
que o próprio homem. Cercam-no, assaltam-no de fora.

“Tem-se a impressão de que o homem actual não quer ver esse problema.
Faz tudo o que pode para eliminar da consciência geral a existência desses
dominadores deste mundo tenebroso, desses astutos ataques do diabo de que
fala a Epístola aos Efésios. Contudo, há épocas históricas em que essa
verdade da Revelação e da fé cristã, que tanto custa aceitar, se expressa com
grande força e se deixa ver de forma quase palpável”2.

Jesus, nosso Modelo, quis ser tentado para nos ensinar a vencer todas as
provas e a crescer em confiança no meio delas. Não temos nele um pontífice
que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi tentado em
tudo à nossa semelhança, fora o pecado3. Seremos tentados de uma forma ou
de outra ao longo da vida, talvez tanto mais quanto maiores forem os nossos
desejos de seguir o Senhor de perto. A graça que recebemos no Baptismo e
aumentou pela nossa correspondência ver-se-á ameaçada até o último
momento desta vida. Devemos permanecer vigilantes, com a vigilância do
soldado que está de guarda.

Por outro lado, sempre devemos ter presente que nunca seremos tentados
além das nossas forças4. Poderemos vencer em todas as circunstâncias se
soubermos fugir das ocasiões e pedir os auxílios oportunos. E, “se alguém
argumenta que a debilidade da natureza o impede de amar a Deus, é
necessário ensinar-lhe que o Senhor, que requer o nosso afecto, derramou nos
nossos corações a virtude da caridade por meio do Espírito Santo (Rom 5, 5), e
que o nosso Pai celestial dá esse bom espírito aos que lho pedem (cfr. Lc 9,
13). Por isso, Santo Agostinho suplicava com razão: Dá o que mandas e
manda o que queiras. O auxílio divino está à nossa disposição [...], não há
motivo para assustar-se com a dificuldade da obra; porque nada é difícil a
quem ama”5.

A tentação em si mesma não é má; é até uma ocasião de mostrarmos ao


Senhor que o amamos, que o preferimos a qualquer outra coisa, e é meio para
crescermos nas virtudes e na graça santificante. Bem-aventurado o homem
que sofre tentação, porque, depois que tiver sido provado, receberá a coroa da
vida que Deus prometeu aos que o amam6. Mas, ainda que a prova não seja
um mal, seria uma presunção desejá-la ou provocá-la de algum modo. E em
sentido contrário, seria um grande erro temê-la excessivamente, como se não
confiássemos nas graças que o Senhor nos preparou para vencê-la, se
recorremos a Ele na nossa fraqueza. “Não te perturbes se, ao considerar as
maravilhas do mundo sobrenatural, sentes a outra voz – íntima, insinuante – do
«homem velho». – É «o corpo de morte» que clama por seus foros perdidos...
Basta-te a graça; sê fiel e vencerás”7.

II. TENTAR NÃO É senão tactear, pôr à prova. Tentar o homem é pôr à
prova a sua virtude8. Tentação é tudo aquilo – bom ou mau em si mesmo – que
num momento determinado tende a afastar-nos do cumprimento amoroso da
vontade de Deus. Podemos sofrer tentações que procedem da própria
natureza, ferida pelo pecado original e inclinada ao pecado: nascemos com a
desordem da concupiscência e dos sentidos. Ora, o demónio incita ao mal
aproveitando-se dessa fraqueza, prometendo uma felicidade que não tem nem
pode dar. Sede sóbrios e vigiai, adverte-nos São Pedro, pois o vosso
adversário, o demónio, anda ao redor de vós como um leão que ruge,
buscando a quem devorar9. Só “quem confia em Deus não teme o demónio”10.

O demónio, por sua vez, alia-se ao mundo e às nossas paixões, que nunca
deixarão de acompanhar-nos. Quando dizemos mundo, temos em vista tudo o
que afasta de Deus: as pessoas que parecem viver exclusivamente para o seu
amor próprio, para a sua vaidade e sensualidade; as que têm os olhos postos
apenas nas coisas da terra: o dinheiro e um desejo desordenado de bem-estar
material. Para essas pessoas, o necessário desprendimento das coisas da
terra, a amável austeridade cristã, a castidade... são loucura e coisa própria de
outros séculos. A mortificação voluntária, sem a qual não é possível dar um
passo na vida cristã, é encarada como um disparate. Estão incapacitadas para
entender as coisas de Deus e gostariam de inculcar nos outros os critérios
pelos quais se regem: um sentido da vida em que Deus não tem lugar ou
ocupa um posto muito afastado e secundário. Por meio de palavras, e
sobretudo pelo seu exemplo, empenham-se em levar os outros pelo largo
caminho que elas percorrem. Não raras vezes tentam desanimar os que
querem ser consequentes com os princípios cristãos, e zombam deles, da vida
e das ideias que professam.

A tentação é, frequentemente, como um fogo-de-bengala que ilumina as


profundezas da alma. É na tentação e na dificuldade que podemos verificar a
nossa real capacidade de espírito de sacrifício, de generosidade, de rectidão
de intenção..., como também a inveja oculta, a avareza mascarada sob a
fachada de falsas necessidades, a sensualidade, a soberba..., a capacidade de
praticar o mal que há em cada um de nós. Nesses momentos, podemos
crescer no conhecimento próprio e, consequentemente, na humildade: vemos
como somos fracos e quão perto estaríamos do pecado se o Senhor não nos
ajudasse.

As provas ensinam-nos a desculpar com mais facilidade os defeitos dos


outros e a perceber que, ao fim e ao cabo, tudo isso que nos incomoda neles
não passa de um cisco nos seus olhos, em comparação com a viga que
podemos ver nos nossos. Por isso as tentações ajudam-nos a viver melhor a
caridade com todos, a compreendê-los mais e a estar dispostos a rezar por
eles e a prestar-lhes a cooperação e o auxílio que estiverem ao nosso alcance.

Se sabemos lutar contra elas, as tentações são ainda um estímulo para


crescermos nas virtudes. Rejeitar uma dúvida contra a fé desperta um ato de
fé; cortar uma murmuração incipiente é crescer no respeito aos outros; afastar
com prontidão um mau pensamento contra a castidade é crescer em finura no
trato com o Senhor. Uma época que seja especialmente difícil pelas tentações,
e que pode apresentar-se em qualquer idade e em qualquer momento da vida
interior, será uma ocasião excelente para aumentarmos a devoção a Nossa
Senhora – Virgem fiel –, para crescermos em humildade, para sermos mais
sinceros e dóceis nas nossas conversas com quem orienta a nossa alma... Não
devemos assustar-nos nem desanimar com o assédio das tentações. Nada nos
pode separar de Deus se a vontade não o permite. Ninguém peca se não quer.
Esses tempos difíceis, se o Senhor os vem a permitir, são tempos para purificar
o coração e para adiantar muito na vida interior.

A tentação pode ser uma fonte inesgotável de graças e de méritos para a


vida eterna. Porque eras agradável a Deus, foi preciso que a tentação te
provasse11. Foi com essas palavras que o Anjo consolou Tobias no meio da
sua prova. Também têm sido úteis a muitos cristãos à hora das suas
tribulações.

III. PARA VENCER, temos de pedir ajuda a Nosso Senhor, que está sempre
do nosso lado na hora da luta. Ele é omnipotente: Tende confiança, eu venci o
mundo12. E, junto de Cristo, podemos dizer: Tudo posso naquele que me
conforta13. O Senhor é a minha luz e a minha salvação: a quem temerei?14

Nas tentações, contamos com o auxílio poderoso dos Anjos da Guarda,


postos junto de cada um de nós pelo nosso Pai-Deus para que nos
protejam: Ele mandou aos seus anjos que te guardem em todos os teus
caminhos. Sustentar-te-ão nas suas mãos para que não tropeces em pedra
alguma15. Pedir-lhes-emos ajuda com muita frequência, especialmente nas
tentações. O Anjo da Guarda é um formidável amigo, pronto a ajudar-nos nos
momentos de maior perigo e necessidade.

Estamos vigilantes contra as tentações quando perseveramos na oração


pessoal, que evita a tibieza, quando não abandonamos a mortificação, que nos
mantém disponíveis para as coisas de Deus. Somos fortes na tentação quando
fugimos das ocasiões de pecado, por pequenas que possam parecer, pois
sabemos quequem ama o perigo perecerá nele16, quando temos o dia cheio de
trabalho intenso, evitando o ócio e a preguiça.

Além disso, devemos ter em conta que é mais fácil resistir no princípio,
quando a tentação começa a insinuar-se, do que se permitimos que vá
ganhando corpo, “porque nos será mais fácil vencer o inimigo quando não o
deixamos entrar na alma, enfrentando-o logo que bater à porta. Por isso
costuma-se dizer: «Resiste no princípio; o remédio chega tarde quando a
chaga é velha»”17. Se bem que, mesmo quando “a chaga é velha”, se pode,
com humildade, encontrar o remédio oportuno.

Se recorrermos à Virgem, Nossa Senhora, sempre sairemos vencedores,


mesmo das provas em que possamos sentir-nos absolutamente perdidos.

(1) São Pedro Crisólogo, Sermão 67; (2) João Paulo II, Homilia, 3.05.87; (3) Hebr 4, 15; (4) cfr.
1 Cor 10, 13; (5) Catecismo Romano, III, 1, n. 7; (6) Ti 1, 12; (7) São Josemaría Escrivá,
Caminho, n. 707; (8) cfr. São Tomás de Aquino, Sobre o Pai-Nosso; (9) 1 Pe 5, 8; (10)
Tertuliano, Tratado sobre a oração, 8; (11) Tob 12, 13; (12) Jo 16, 23; (13) Fil 4, 13; (14) Sl 26,
1; (15) Sl 90, 11; (16) Eclo 3, 27; (17) Tomás de Kempis, Imitação de Cristo, I, 13, 5.

Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI

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