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De volta ao básico
Para entender os motivos que levam aos desvios entre as medições, é preciso revisar dois
conceitos teóricos sobre o pH.
Definição de pH - o pH está associado diretamente à atividade dos íons H+ (a) em
solução, expresso pela equação de Sørensen, sendo "c" a concentração dos íons e γ o seu
coeficiente de atividade:
Em amostras diluídas (concentrações inferiores a 0,001 mol/L), o coeficiente de atividade
pode ser considerado igual a 1, ou seja, concentração e atividade se equivalem. Já a escala
de pH como conhecemos é definida pela constante de equilíbrio de autoprotólise da água
(Kw):
Como consequência, uma amostra aquosa neutra – onde as atividades dos íons H+ e OH-
se equivalem – à temperatura de 25°C terá pH 7, amostras com concentração igual a 0,001
mol/L terão pH 3,00, e assim por diante.
Estas duas relações físico-químicas servem para demonstrar que qualquer fator que
interfira na concentração, equilíbrio químico ou na atividade dos íons dissolvidos na
amostra resultará em alterações no seu pH. Isso inclui principalmente reações químicas e
efeitos termodinâmicos, que serão vistos na sequência.
Apesar da membrana ser seletiva, por se tratar de uma medida de potencial, qualquer
tensão percebida pelos eletrodos de referência ou de medição poderá ser relacionada a
alterações no pH, seja ela de natureza química (variações nas atividades dos íons na
solução ou eletrólito) ou elétrica (alterações na capacitância ou resistência do meio, por
exemplo).
Com estes fatores de influência identificados, pode-se entender melhor os três principais
motivos que explicam as diferenças entre as análises de laboratório e de processo.
A membrana de vidro, responsável pela seletividade aos íons H+, acumula cargas na sua
superfície. Estas cargas são neutralizadas na própria amostra por contra-íons dissolvidos,
formando-se uma dupla camada iônica sobre a superfície do vidro. Quando se impõe uma
vazão de amostra num fluxo laminar – comum na maioria dos sistemas de amostragem
de águas e condensados – tangencial à superfície de vidro gera-se um perfil de velocidade
em diferentes extratos ou camadas do fluido, sendo que próximo à superfície da
membrana (onde os íons H+ se encontram) a velocidade é nula. À medida que o fluido se
distancia da membrana, a velocidade vai aumentando, arrastando as demais camadas
iônicas, e atinge um máximo num plano equidistante r, entre a membrana e da parede
oposta a esta.
O movimento relativo entre as camadas de íons gera o potencial de fluxo (Es), que pode
ser modelado em função da velocidade da amostra e de sua condutividade, para um fluxo
imposto a uma amostra dentro de um capilar de vidro, conforme a figura acima, onde ν é
a velocidade da camada de líquido distante δ (cm) da superfície do capilar, L é o
comprimento do capilar, σ é a densidade superficial de carga (C/cm2) e κ é a
condutividade (S.cm). A equação que relaciona as variáveis mostradas na figura abaixo é
a seguinte:
Como pode-se observar pela equação, é mais relevante em amostras com baixas
condutividade, como condensados de vapor e águas ultrapuras. Daí a necessidade de se
reduzir a vazão nestas aplicações a níveis de 100 – 200 mL/min (ν < 0,01 m/s), e do uso
de eletrodos com escoamento abundante de eletrólito (aumento da condutividade da
amostra nas vizinhanças da membrana). De qualquer maneira, a amostra para o
laboratório é sempre estática, e diferente da amostra lida pelo instrumento de campo, não
sofre a interferência do potencial de fluxo. Este modelo ajuda a entender as situações que
ocorrem em medições de pH no processo, onde há fluxo de amostra contínuo sobre a
superfície da membrana de vidro, sendo que Es também acaba sendo percebido pelo
eletrodo de pH.
Na prática, observa-se normalmente valores de pH menores quando a amostra está em
movimento. É difícil calcular precisamente a magnitude do efeito, mas já tive
oportunidade de ver em prática diferenças da ordem de alguns décimos de pH ao variar-
se a vazão de 1000 mL/min para 200 mL/min em uma amostra de condensado de vapor,
por exemplo.
Por este e outros motivos, a instalação dos eletrodos de pH em campo deve ser feita em
câmaras de fluxo sempre que possível. Nestas condições é possível controlar a vazão,
minimizando e evitando oscilações no potencial de fluxo. E ao comparar-se as medições,
deve-se manter ambos eletrodos – processo e laboratório – nas mesmas condições de
vazão, seja ela nula ou igual à do processo.
No artigo anterior revisamos alguns conceitos e falamos sobre um dos efeitos que
contribui para as diferenças observadas entre as medições de pH do laboratório e do
processo. Neste artigo, vamos ver mais dois efeitos bastante significativos, e fazer uma
breve conclusão sobre os pontos vistos até aqui.
Interferência do ar
Fica claro pelos esquemas acima que a exposição ao ar pode levar à diminuição do pH.
Em amostras reais, o equilíbrio que determina o valor do pH é bastante complexo, pois
depende da concentração de todos os íons e gases dissolvidos, especialmente aqueles
associados a ácidos e bases fracas (ex: amônia, fosfato). Contudo, em amostras de águas
ultrapuras e condensados de vapor, onde a presença de gases e sais dissolvidos é
praticamente nula, a influência do CO2 é determinante.
Nestes casos, a tendência é a redução lenta e gradativa do seu pH até valores entre 5,50 e
6,00 no equilíbrio, enquanto a amostra estiver exposta à atmosfera. Obviamente a reação
não é tão rápida, mas mesmo alguns minutos de exposição podem levar a erros bastante
expressivos. A tabela abaixo, extraída da norma ASTM D 5128, ilustra bem a magnitude
destes erros para amostras de águas ultrapuras e condensados.
Efeito da temperatura
Assim, como a membrana de vidro é sensível somente aos íons H+, a contribuição da
água na medição de pH se tornará mais relevante em amostras alcalinas, onde as
concentrações de H+ são mais baixas. Esta diferença se torna bastante clara na tabela
abaixo, onde nota-se erros da ordem de 1,00 unidade de pH em matrizes alcalinas (2, 3 e
4), quando a diferença de temperatura é de 30°C (Fonte: ASTM D 5128):
Outros efeitos
Existem ainda outros efeitos que, juntos, podem acrescentar mais alguns centésimos nas
diferenças entre as medições de pH on-line e de laboratório. Eles estão associados
diferenças construtivas entre os eletrodos (principalmente a junção líquida), diferenças de
desgaste entre os eletrodos ao longo do tempo (obstrução parcial da junção, contaminação
e diluição da referência, etc.) e diferenças nos padrões de calibração usados (valor de pH,
contaminação, temperatura, etc.).
Conclusão
Antes de seguir com este último artigo, quero convidar os leitores para uma breve
reflexão.
Afinal de contas, PORQUÊ comparamos os resultados do analisador e do laboratório?
Nós realmente precisamos, ou é algo desnecessário?
O principal motivo para comparar resultados é porque existe algum valor ou faixa de
referência em torno da qual o processo deve ser mantido, normalmente constante da
legislação, de normas técnicas, manuais de operação, literatura técnica, ou outra fonte. E
estes valores, na maioria dos casos, foram obtidos em condições de laboratório, ou seja,
usando um analisador de pH de bancada, com a amostra estática e à temperatura ambiente.
Logo, é natural que se deseje que os resultados do analisador em linha e do laboratório
sejam semelhantes.
Afinal de contas, PORQUÊ comparamos os resultados do analisador e do
laboratório? Nós realmente precisamos, ou é algo desnecessário?
Na prática, contudo, tenho observado que estas comparações entre os resultados
acontecem na indústria de maneira casual, sem planejamento, e com pouca compreensão
das partes envolvidas - operação, laboratório e instrumentação - sobre os fatores
interferentes nas medições, expostos nos artigos anteriores (Parte 1 e Parte 2).
Ao se comparar as leituras em uma mesma amostra do processo, espera-se que os desvios
entre os resultados sejam baixos e aleatórios, já que ambos os métodos são geralmente
baseados no mesmo princípio de medição (eletrodo com membrana de vidro). Entretanto,
os fatores apresentados até aqui interferem tanto no valor medido pelo analisador on-line
quanto pelo instrumento de laboratório, em diferentes magnitudes, que podem trazer
desvios expressivos e sistemáticos aos resultados. Em algumas aplicações, inclusive, as
fontes dos desvios podem ser impossíveis de se eliminar – como no caso de medições
feitas diretamente em reatores, onde não é possível extrair a amostra e baixar sua
temperatura ou vazão.
Isto posto, segue uma sugestão de passos a serem seguidos antes, durante e depois da
comparação dos resultados, para evitar conflitos e tirar conclusões mais assertivas sobre
as diferenças encontradas.
Na prática, contudo, tenho observado que estas comparações entre os
resultados acontecem na indústria de maneira casual, sem planejamento e com
pouca compreensão das partes envolvidas - operação, laboratório e
instrumentação - sobre os fatores interferentes nas medições, expostos nos
artigos anteriores
1. Desconsiderar casos inviáveis – foi observado que certas aplicações não devem ser
objeto de análise em laboratório. Por exemplo, a norma ASTM D 1293 recomenda que
amostras com condutividade abaixo de 5 µs/cm – águas ultrapuras e condensados de
vapor – não devem ser medidas por amostragem e leitura estática. Ou seja, a comparação
de resultados nestes casos só trará confusão, e deve-se priorizar o analisador on-line
nestas aplicações.
Além desta aplicação já conhecida, situações onde a temperatura de referência para o
controle do pH seja diferente (por exemplo, o pH deve ser mantido entre 5 e 6 a uma
temperatura de 90ºC) também podem dificultar a comparação com amostras frias, a ponto
de inviabilizá-la. Isso é especialmente relevante em amostras com pH esperado acima de
7,00, devido não só às mudanças na atividades iônicas na amostra e no eletrólito de
referência em relação às condições de calibração (à temperatura ambiente), mas também
ao efeito da autoprotólise do solvente na amostra, relevante em pH alto.
2. Corrigir erros de amostragem – antes de comparar resultados, certificar-se que a
amostragem para o analisador on-line está adequada. Em instalações em tanques e
reatores, verificar o posicionamento de sensores, evitando zonas turbulentas, garantindo
que o sensor está sempre imerso na amostra e em uma região representativa do todo. No
caso de sistemas extrativos com câmara de fluxo, reduzir a vazão de amostra para 500 a
1000 mL/min em aplicações normais, e cerca de 150 a 200 mL/min em condensados e
águas ultrapuras. E sempre que possível – especialmente em amostras com pH acima de
7,00 – resfriar a amostra para a temperatura ambiente, já que o efeito da autoprotólise da
água pode ser relevante.
Outro fato importante de lembrar é que o ponto de amostragem para o laboratório deve
ser o mais próximo possível do analisador. Do contrário, há uma grande chance de que a
amostra para o laboratório e para o analisador sejam, de fato, diferentes entre si. Ou seja,
os desvios no processo acabam sendo contabilizados como erros na medição. Finalmente,
para casos em que estas mudanças são inviáveis, deve-se ter em mente que os resultados
de laboratório e processo poderão ter diferenças significativas!
3. Garantir a qualidade das medições – depois que a amostragem estiver adequada,
assegurar-se que ambos os sistemas estão conformes antes da medição. Isto inclui a
verificação de:
Eletrodos – ambos devem ser condizentes com a aplicação, construtivamente
semelhantes (para evitar dissimilaridades nos potenciais de junção e assimetria em
relação à amostra) e dentro dos parâmetros de performance adequados, conforme
indicado pelo fabricante (slope, velocidade de resposta, ponto isopotencial, etc.).
Atualmente existem fabricantes que fornecem analisadores de pH de laboratório e
processo capazes de usar o mesmo tipo e modelo de eletrodo, o que facilita bastante tanto
a gestão de estoques quanto a comparação dos resultados. Além disso, certos protocolos
digitais permitem que os mesmos sejam calibrados remotamente – ou seja, na oficina de
manutenção ou laboratório – sob condições controladas, evitando erros que podem
ocorrer quando esta calibração é feita na área operacional.
Padrões – as soluções-tampão devem ter o mesmo valor de pH para ambos os sistemas,
e devem ser conservadas adequadamente. Padrões contaminados com amostra, ou
expostos por longos períodos em contato com o ar podem trazer erros expressivos à
medição.
Procedimentos – o trato com o eletrodo e os padrões deve ser cuidadoso e sistemático.
Aqui vale a pena o laboratório compartilhar seu conhecimento, e nivelar “para cima” o
procedimento de calibração para ambos os métodos. Falhas comuns estão na limpeza e
secagem da membrana, no armazenamento do eletrodo e no acondicionamento da
solução-tampão (uso da mesma alíquota para várias calibrações, evaporação, frasco
aberto por longos períodos, etc.).
Finalmente, atentar-se para o fato que as leituras devem ser feitas sempre que possível
nas mesmas condições. Se a amostra para o analisador tiver uma baixa vazão, temperatura
ambiente ou próxima disto, e não se enquadrar nas aplicações cuja comparação é inviável,
a coleta de amostra para o laboratório pode ser feita. Entretanto, os menores desvios são
obtidos usando-se equipamentos portáteis diretamente no processo, inserindo o eletrodo
no mesmo ponto, próximo, ou na saída (dreno) do analisador, no caso de câmaras de
fluxo.
4. Conhecer e acompanhar os desvios – Depois de tudo o que foi feito quanto a
amostragem e a qualidade das medições, os erros terão sido totalmente eliminados?
Infelizmente, não. Na verdade, mesmo que dois eletrodos idênticos, de analisadores
idênticos sejam mergulhados na mesma amostra, existe uma grande chance de que os
resultados ainda difiram alguns centésimos. Uma maneira prática e rápida de se conhecer
estes desvios e remover a subjetividade da comparação dos resultados é criar cartas de
controle. A norma ASTM D 3864, no seu item 15, mostra um procedimento bem simples
para confecção de uma carta de controle, mas existem dezenas de outras referências no
assunto. Resumidamente, o procedimento consiste em tabular as diferenças entre as
leituras de várias amostras, e calcular o desvio médio e os respectivos limites de controle.
Uma vez tendo estes dados é possível monitorar o desempenho do analisador ao longo do
tempo, e descobrir antecipadamente quando o desvio se torna estatisticamente inaceitável.
5. Avaliar a criticidade da aplicação – Um erro de 0,3 unidades na medição de pH é
expressivo para a medição em efluentes, onde a legislação exige uma faixa de 5 a 9? E
para o controle do caldo clarificado para produção de açúcar, cuja faixa está entre 6,9 e
7,6? Estas perguntas tornam evidente o fato que, para algumas aplicações, o desvio
máximo admitido em relação a um método de referência é tão alto que dispensa a
comparação de resultados. Em outras aplicações, desvios tão baixos quanto 0,2 podem
prejudicar significativamente o controle de processo, e neste caso, pode-se considerar,
inclusive, a necessidade do infame “ajuste” em relação à referência (laboratório ou
portátil) que citei no começo do primeiro artigo, quando o erro for superior ao esperado
pela carta de controle.
Na verdade, a maioria dos analisadores possui esta opção (single-point adjustment,
reference sample adjustment, etc.), justamente para compensar estes efeitos sistemáticos
que atingem predominantemente a medição on-line, trazendo as leituras para mais
próximo da referência. Mas muito cuidado: este ajuste não deve, de modo algum, ser mais
importante que os parâmetros relacionados à linearidade (slope) ou às condições do
eletrodo (ponto isopotencial, velocidade de resposta, etc.) obtidos durante a calibração
com soluções-tampão: somente eletrodos “saudáveis” podem ser ajustados desta maneira.
É isto! Espero que estes passos ajudem a elucidar e corrigir a maioria dos problemas
referentes à comparação de resultados de pH encontrados nas unidades e indústrias em
que vocês trabalham.
E para concluir, também espero que tenha ficado claro que, quanto mais próximo for o
relacionamento entre a instrumentação, operação e o laboratório, menor será o desgaste
entre as gerências, e maiores serão os benefícios para o conhecimento e controle de
processo. Passei quase 10 anos da minha carreira me dedicando a estreitar estes laços, e
acredito que este é um dos principais fatores críticos de sucesso para o uso eficaz dos
analisadores on-line no controle de processo.
Referências
4. Skoog, D.A.; Holler, F.J.; et al. Principles of Instrumental analysis. 7th Edition.
Cengage Learning, 2017.