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Elena Calvo-Gonzalez

CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS: uma


etnografia sobre Hipertensão Arterial em Salvador, Bahia

DOSSIÊ
Elena Calvo-Gonzalez*

Através da análise etnográfica da aplicação da tecnologia de medição da pressão arterial nas


consultas médicas em um centro médico público na cidade de Salvador, proponho pensar a
articulação do processo de objetificação do corpo com o universo da experiência, tanto de
médicos quanto de pacientes. Atentarei para a maneira como os atores envolvidos aplicam no
encontro clínico conhecimentos provindos do cotidiano e do âmbito da Biomedicina, sinali-
zando como o controle da Hipertensão é produzido por, e por sua vez produz, corpos que
vivenciam o mundo através de matrizes diferenciadoras tais como classe, gênero ou raça. Estes
corpos e estas matrizes de significação não podem ser separados, no seu sentido real, material,
do seu sentido simbólico e figurado.
PALAVRAS-CHAVE: raça, corporificação, tecnologia, hipertensão, etnografia.

O paciente, a pedido do médico, senta na maca. aria encontros parecidos com o descrito acima em
O médico se aproxima, carregando em uma mão
o estetoscópio e na outra o esfigmomanômetro. todas as consultas médicas. A medição da pressão
Pendura o estetoscópio no pescoço, enquanto arterial, junto com os dados do histórico do paci-
pergunta ao paciente: “Tem tirado a pressão?” O
ente contidos no prontuário, é o que designa os
paciente olha para o médico, nega com a cabeça e
estende o braço direito, sem o médico pedir. O pacientes, na visão clínica, como hipertensos ou
médico coloca o manguito do esfigmomanômetro normotensos, controlados ou não. Já na classifica-
no braço estendido do paciente e o insufla, en-
quanto ajeita o estetoscópio nos ouvidos e no ção cotidiana e informal dos médicos, eles são
braço do paciente. O paciente começa a falar: “É marcados como aderentes (ao tratamento) ou re-
porque...”. O médico, com um gesto com a mão,
beldes, difíceis de tratar ou, retrospectivamente,

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pede silêncio ao paciente. Ele olha para o braço,
enquanto o médico olha para o ponteiro do da raça negra. Por outro lado, a medição da pres-
esfigmomanômetro. O medico esvazia o são, como explicarei neste artigo, se faz também
manguito e anuncia o valor da pressão: “18 por
10”. “Doutor, tá boa?” “Tá não, tá é alta! Tem que presente na experiência dos pacientes de serem
tomar seu remédio. Já tomou hoje?” (Diário de hipertensos, porém não necessariamente compar-
Campo, 28/07/08)
tilhando a centralidade que tem no encontro clíni-
co. A análise poderia se deter nesse processo de
Durante o meu trabalho de campo1 em
transformação, durante a aplicação da medição da
uma instituição pública de saúde que cuida de
pressão arterial, do corpo como objeto a ser medi-
pacientes com hipertensão em Salvador, presenci-
do, classificado, monitorado e controlado (Souza,
*Doutora em Antropologia Social. Professora Adjunta da
Universidade Federal da Bahia. 2005), e do lugar dessa objetificação na experiên-
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Estrada de
São Lázaro, 197. Cep: 40210-000. Federação - Salvador - cia relatada de viver com hipertensão (Peres et al.,
Bahia - Brasil. elenasemaga@gmail.com 2003; Machado; Car, 2007). No entanto, gostaria
1
Para manter o anonimato dos atores envolvidos na minha
pesquisa, não identificarei o posto de saúde onde fiz pesqui- de ampliar as possibilidades de análise do lugar
sa de campo, situado em uma região central da cidade, que a medição de pressão arterial tem para pensar a
tampouco os médicos (ambos na casa dos 50 anos, de classe
média e não-negros) e pacientes junto aos quais fiz pesquisa. articulação desse processo de objetificação do cor-

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po com o mundo da experiência, tanto de médicos CORPO OBJETO E CORPO SUJEITO: do


quanto de pacientes. Terei como pano de fundo da nascimento da clínica à hipertensão como
minha análise a abordagem de Mol & Law (2004) doença
sobre “produção” (enactment) de corpos, assim
como o conceito teórico de corporificação (ou A passagem para a doença ser considera-
corporeidade) de Csordas (1994), que incorpora ele- da resultado da expressão de lesões celulares no
mentos da fenomenologia e da análise de Bourdieu lugar de ser tida como fenômeno vital é resulta-
sobre a relação entre estrutura social e habitus dos do da consolidação do padrão analítico-
indivíduos. Essas duas abordagens teóricas per- mecanicista da biomedicina, processo cujo iní-
mitirão me focar na maneira como os atores envol- cio é datado do século XVIII, passando a conso-
vidos aplicam, no encontro clínico, conhecimen- lidar-se no século XIX (Camargo, 2005). O cor-
tos provindos tanto do cotidiano quanto do âmbi- po moderno, objeto de intervenções médicas, tem
to da biomedicina. Mostrarei como o processo de como característica se estender em dimensões
diagnóstico e controle da hipertensão é “produzi- de espaço e tempo: é um espaço anatômico, um
do” por, e por sua vez “produz”, corpos que conjunto de órgãos inter-relacionados, porém
vivenciam o mundo através de matrizes dissolvidos pela prática da patofisiologia. Por
diferenciadoras, tais como classe, gênero ou raça,2 outro lado, é estendido no tempo, pois a emer-
corpos e matrizes de significação da experiência gência desse novo corpo dependeu da emergên-
que não podem ser separados, no seu sentido real, cia de novas maneiras de conhecimento, de um
material, do seu sentido simbólico e figurado. novo “modo de olhar” (Foucault, 1976). Tal mu-
Para empreender essa tarefa, dividirei o arti- dança envolveu todo um “dispositivo”, ou apa-
go em três seções: em primeiro lugar, gostaria de relho sociomaterial, sem o qual esse novo modo
introduzir, de uma maneira muito abreviada, o de conhecer não seria possível. Dentro desse “dis-
surgimento do corpo moderno como objeto do olhar positivo” encontraríamos a reorganização da pro-
biomédico, localizando a hipertensão historicamente fissão e o treinamento médico, além da transfor-
como resultado do que Foucault denominou de mação da clínica em lugar de estudo, onde os paci-
“novo modo de conhecimento”. Na segunda seção, entes são posicionados e tidos como objeto desse
apresento etnograficamente como a hipertensão é novo modo de olhar. O surgimento de novas técni-
“produzida” no encontro clínico. Mostro o cas investigativas, tais como o estetoscópio, não é
envolvimento dos médicos e pacientes no proces- considerado por Foucault como consequência des-
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so de “objetificação” do corpo e a inserção desse sa mudança epistemológica, senão como elemen-


processo dentro duma experiência vivida, assim tos constitutivos dela. Central seria também a
como se apresento noções de diferença de classe passagem para uma concepção do corpo e da
na relação entre médico e paciente. Na terceira parte doença como processos e não como estruturas.
do artigo, focarei especificamente a maneira como Essa passagem pode ser identificada na crescen-
a categoria raça é envolvida nesse “fazer” hiperten- te importância da fisiologia, em que os eventos
são. Apresentarei dados etnográficos assim como são organizados através do tempo, em compara-
discursos mais amplos da literatura médica nacio- ção com a velha ênfase da anatomia na composi-
nal e internacional ou ideias circulantes sobre raça ção espacial dos corpos.3 Para Foucault, a aplica-
no Brasil, tendo como objetivo contribuir para a ção de tecnologias biomédicas, incluindo, dentre
análise do papel do cotidiano das instituições de 3
Assim, por exemplo, em exames post-mortem como a
autopsia, realizada no final do século XVII no cadáver
saúde nos processos de racialização. do médico fisiologista Marcello Malpighi, era identificada
tanto a hipertrofia do ventrículo esquerdo quanto a pre-
2
Essas matrizes de diferenciação, por sua vez, estão sença de hemorragia cerebral, dois fenômenos que, hoje
permeadas por relações de poder e resistência que, por em dia, são considerados como consequência de qua-
motivos de espaço, não serão objeto específico de análise dros hipertensivos, mas que, à época, não eram explicá-
neste artigo. veis pelo modelo anatômico (Fleming, 1997, p.180).

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elas, o acompanhamento da evolução do paciente mento de remédios toleráveis abriria uma nova
mediante prontuário médico, estaria inserida den- época de prática médica. Antes da chegada de re-
tro do processo de objetificação do corpo como fim médios anti-hipertensivos seguros e toleráveis, os
da análise e da intervenção da biomedicina. pacientes tomavam remédios somente quando ti-
Nesse sentido, podemos vincular o surgi- nham mal-estar. Os medicamentos anti-
mento da hipertensão como achado médico ao de- hipertensivos modificaram esse panorama, e in-
senvolvimento de tecnologias médicas como a divíduos sem sintomas passaram a ter prescritos
uroanálise e o uso do esfigmomanômetro. Esse últi- remédios para prevenir os efeitos da hiperten-
mo seria desenvolvido, quase em sua forma atual são nos seus órgãos. Essas pessoas incorporari-
– com manguito que infla e coluna de mercúrio –, am ao seu cotidiano um regime terapêutico de
no final do século XIX pelo italiano Scipione Riva- controle da pressão arterial.4 A ênfase mudou
Rocci (Roguin, 2005). A adição da técnica do tratamento de lesões à sua prevenção.
auscultatória para determinar a pressão sistólica e Por outro lado, a aplicação da tecnologia da
diastólica seria estabelecida por Korotkoff no co- medição da pressão arterial é dependente do uso
meço do século XX. Por outro lado, o desenvolvi- do equipamento adequado e do envolvimento do
mento do prontuário individual centrado no his- corpo do médico através dos seus sentidos.5 As-
tórico de cada paciente, também datado do come- sim, engaja-se a audição para detectar os sons de
ço do século XX (Berg; Harterink, 2004, p. 26), per- Korotkoff, que indicam pressão sistólica e diastólica,
mitiria traçar a trajetória das medições de pressão e a visão para confirmar no ponteiro do
arterial em cada indivíduo. Isso levaria a achados esfigmomanômetro a cifra de pressão medida em
patológicos, tanto individuais quanto populacionais, miligramas de mercúrio. Esse envolvimento do corpo
que elevariam a hipertensão à condição de “anor- do médico tem se tornado um ponto polêmico na
malidade”. Apesar de essa “anormalidade” ter sido literatura e na clínica da hipertensão (Hartland,
estabelecida, não era, porém, incorporada à rotina 1996; Mion Jr. et al., 1996). No primeiro dia do
das consultas médicas, pois não existiam medica- meu trabalho de campo, por exemplo, um dos
mentos anti-hipertensivos que controlassem os ní- médicos do posto de saúde onde fiz a pesquisa,
veis pressóricos de uma maneira satisfatória e (ou) ao saber o foco de meu estudo, fez a observação de
sem provocar sérios efeitos colaterais que levassem que: “50% das medições de pressão que temos
à cessação da terapia. A dieta Kempner, que restrin- não são confiáveis. Você vai ver, desde a posição
gia o tipo de alimento a ser ingerido a arroz fervido da pessoa que mede a pressão à posição do

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sem sal e frutas, popularizada no começo da déca- manguito, tem tanta coisa que não se faz como
da de 40 do século XX como tratamento da hiper- deveria ser!” (Diário de Campo, 04/07/08).
tensão, não conseguia reduzir os níveis de pressão Apesar de considerar a contribuição de
de maneira significante. Significante, porém, era o Foucault importante para a compreensão da
aborrecimento que essa restrição alimentar provo- objetificação do corpo pela biomedicina, locali-
cava nos pacientes. Esse quadro mudaria com a in- zando-a dentro de um processo discursivo mais
trodução, no ano de 1957, do diurético clorotiazida, 4
A medicina preventiva tem avançado crucialmente com o
ainda hoje em dia empregado na terapêutica anti- crescente desenvolvimento e aperfeiçoamento da tecnologia
médica, como as histórias dos exemplos da detecção de
hipertensiva (Esunge, 1991, p. 621). genes ou marcadores séricos ligados a doenças como o
câncer de mama ou de próstata nos mostram (Oliffe;
O sucesso da clorotiazida levou ao incre- Thorne, 2007; Gibbon, 2006).
mento da pesquisa por anti-hipertensivos eficazes 5
O aprendizado dessa técnica configura-se como experiên-
cia incorporada, dependente da apropriação do reconhe-
e toleráveis pelos pacientes, especialmente levan- cimento de certos sons e sua aplicação prática. As possi-
do em conta que a maioria dos indivíduos diag- bilidades corpóreas dos médicos, por exemplo, em rela-
ção ao seu sentido da audição, são, assim, “feitas” através
nosticados com hipertensão teriam essa como con- desse aprendizado e a cada aplicação da medição da pres-
são, que depende crucialmente do engajamento do corpo
dição “silenciosa” (assintomática). O desenvolvi- do médico (Rice; Coltart, 2006).

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amplo de normatização da existência humana e do “COISAS QUE NÃO SE FAZEM COMO DEVE-
controle e administração de certos grupos sociais, RIA SER”: hipertensão arterial
alinho-me com autores que atentam para a contri-
buição que uma abordagem etnográfica pode ter para Para um paciente adulto ser enquadrado
enriquecer a compreensão da biomedicina e de seu dentro da categoria “hipertenso”, seus níveis de
lugar no mundo contemporâneo. Acredito que a pressão arterial devem ter sido identificados no
análise do encontro clínico pode esclarecer não so- consultório como fora do padrão “normal”, defi-
mente os modos como os sujeitos se apropriam, nido pela Sociedade Brasileira de Hipertensão
negociam e transformam as práticas e discursos nas suas V Diretrizes Brasileiras sobre Hiperten-
hegemônicos da biomedicina (Lupton, 1997, p.95). são como “140/90 (sistólica e diastólica) mmHg”
Pode também resgatar a centralidade da experiência (Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2006).
corporificada, indo para além da divisão mecanicista Ao mesmo tempo em que essa definição
e bipolar entre sujeito e objeto. localiza a hipertensão no “corpo-objeto”, subme-
O corpo ocupa um lugar essencial no pro- tido à medição da pressão arterial, nas mesmas
cesso que Mol & Law chamam de “fazer” a do- diretrizes encontramos a presença do “corpo-
ença (Mol; Law, 2004). No caso da hipertensão, sujeito”, implícita na compreensão dos fatores
e como já indica a fala do médico acima citada de risco para o desenvolvimento de hipertensão
sobre a sua importância na aplicação da medi- arterial. Assim, fatores socioeconômicos, sal,
ção da pressão arterial, esse lugar é central, de obesidade, álcool e sedentarismo são menciona-
uma maneira tanto histórica quanto na prática dos como relacionados ao surgimento de hiper-
clínica. A hipertensão, como condição médica, tensão nos indivíduos. Na argumentação da So-
depende do estabelecimento de um elo entre um ciedade Brasileira de Hipertensão, na menção a
corpo ideal e um corpo desviante ou hipertenso. como os corpos tornam-se hipertensos através
Essa conexão é feita através da correlação esta- de certos comportamentos, esses fatores são re-
tística entre certas medidas de pressão arterial e lacionados tanto a uma escolha individual quan-
o surgimento de patologias, como acidente to a um fator populacional e social. Por um lado,
vascular cerebral ou falha renal. Por sua vez, o menciona-se a informação de que “indivíduos
processo de aplicação da tecnologia da medição sedentários apresentam risco aproximado 30%
da pressão, durante a consulta médica, feito maior de desenvolver hipertensão que os ativos”
“corretamente” ou “como não se deveria fazer”, (Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2006, p.
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depende também da relação entre dois corpos 31). Por outro lado, o consumo de sal é apresen-
presentes no encontro clínico. Por outro lado, a tado em relação a “... populações com alta
tecnologia da medição da pressão coloca o paci- ingestão de sal [...]. Entre os índios Yanomami,
ente em relação com outros corpos, tanto apre- que têm baixa ingestão de sal, não foram obser-
sentados na consulta como objetos a serem me- vados casos de hipertensão arterial”. Ao mesmo
didos ou sujeitos a habitar esses corpos-objetos. tempo, argumenta-se que, “... em população ur-
Esses corpos estão permeados por matrizes de sig- bana brasileira, foi identificada maior ingestão
nificação social da experiência, e são (re)criados de sal nos níveis socioeconômicos mais baixos”,
em cada encontro clínico. Dito isso, antes de pas- juntamente com a “ingestão de álcool, índice de
sar para a análise da (re)criação de corpos no en- massa corpórea aumentado, estresse psicossocial,
contro entre médico e paciente,vejamos primei- menor acesso aos cuidados de saúde e nível edu-
ro como é definida a hipertensão como categoria cacional”, tidos como fatores associados para a
da biomedicina. maior prevalência de hipertensão arterial em es-
tratos socioeconômicos mais baixos. As escolhas
dietéticas ou de hábitos de vida dos indivíduos

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são apresentadas como (parcialmente) relacio- quando a agulha faz uma breve parada assim como
nadas a situações estruturais, as quais, por sua o valor que marca. Nesse processo, o “corpo como
vez, se incorporam e se apresentam sob outras sujeito” dá lugar à centralidade do corpo como ob-
feições ou hábitos nos corpos pertencentes a es- jeto a ser medido, representado em duas cifras. Se
ses grupos. Essa concepção é muito parecida com focarmos somente o resultado dessas cifras, ofus-
a encontrada na literatura das ciências sociais ca-se tanto o processo vivido, através do qual o
sobre corporificação. médico incorpora durante seu treinamento a téc-
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Hi- nica de medição da pressão, para ser capaz de re-
pertensão, apesar de definirem o que é hipertensão alizar o procedimento posteriormente, quanto a ex-
e apontarem para fatores de risco para seu desen- periência e a vivência do paciente. A preeminên-
volvimento ou prevalência populacional, não nos cia do corpo-objeto na leitura feita pelo médico
ajudam a desvelar a maneira como se dá, na práti- através do esfigmomanômetro se reflete na argu-
ca, a articulação entre a noção de corpo como obje- mentação de a “pressão não se sentir”. Essa argu-
to mensurável e como sujeito (subjetividade). Para mentação pode ser encaixada dentro do processo
esse fim, passemos à análise dos dados de campo. de afirmação de autoridade do médico na relação
médico–paciente como possuidor da verdade so-
bre o corpo-objeto, à qual o médico apela no cita-
“CORPOS” EM PROCESSO: hipertensão na do trecho (Souza, 2007). Porém, o corpo
consulta médica experienciado não é completamente deixado de
lado. A experiência de sentir mal-estar ainda está
A paciente, uma mulher de média idade, argu- presente no discurso dessa paciente, por exem-
menta que, quando “sente a sua pressão”, sente plo, quando argumenta tomar remédio somente
uma “agonia”. “A pressão não se sente”, respon-
quando “sente” sua pressão alta, e não de uma
de o médico, enquanto realiza a medição da pres-
são arterial. “18 por 9, sua pressão é alta assim e maneira contínua, como indicado pelo médico. A
está tomando remédio? Tem quanto tempo que maneira de tomar remédio também pode se argu-
não está tomando remédio?”. A paciente olha para
o médico. “É que quando eu sinto a pressão alta mentar que esteja associada ao “estoque de conhe-
que tomo remédio, que sinto aquele negócio (faz cimento” dos pacientes da clínica – em sua quase
um gesto com as mãos levando-as para a nuca),
totalidade pertencentes às camadas populares –
que a pressão está alta eu tomo”. O médico retorna
à mesa e questiona a paciente: “E como a Sra. sabe sobre como lidar com doenças: toma-se remédio
(que a pressão está alta), é adivinha?”. Ela nega quando se está doente, parando quando se está

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com a cabeça e argumenta que “... várias vezes
que eu senti isso tirei a pressão e estava alta!”. O saudável. Por outro lado, há certa tentativa por
médico olha para o prontuário. “E a pressão da parte da paciente de aproximar a experiência do
Sra. está alta assim porque ela é alta, ou porque
corpo vivido ao corpo objetificado através da reali-
não toma remédio? Nunca vai poder responder,
se é alta porque não tomou o remédio ou é que o zação da medição arterial sempre que sentia a pres-
remédio não está controlando. Eu também não são alta. A experiência do próprio corpo é confir-
vou poder responder, e não vou poder modificar
sua medicação, entendeu?” (Diário de Campo, mada pelos valores da medição da pressão nessas
31/07/08). ocasiões. Dessa maneira, a hipertensão torna-se um
processo que modifica tanto a maneira de enten-
Somente é possível falar de uma pressão ar- der o próprio corpo quanto a significância atribuí-
terial de “18 por 9” se o esfigmomanômetro é colo- da às percepções sentidas em comparação com as
cado no braço do paciente, é insuflado, o corpo do medições “objetivas” da biomedicina, em processos
médico através do sentido da audição é engajado, que podem mudar durante a trajetória do indivíduo
conseguindo identificar quando as batidas do pul- como hipertenso. Alguns pacientes que já têm vári-
so surgem e somem, e o sentido da visão engajado os anos de tratamento, de fato, anunciam, durante a
no ponteiro do esfigmomanômetro, identificando consulta, antes da medição, uma estimativa de como

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estão os valores da pressão arterial, mostrando estra- ção ao tratamento também está presente na ideia
nheza quando as cifras anunciadas pelo médico não de os pacientes “não aceitarem” sua identificação
correspondem aos valores por eles esperados. como hipertensos:
As modificações dessas percepções e o que
elas significam para a rotina e os corpos dos A acompanhante do paciente, um homem idoso,
relata ser ele portador da doença de Chagas e ter
hipertensos têm sido amplamente discutidos pela tido um Acidente Vascular Cerebral bastante re-
literatura em relação à dificuldade de adesão ao cente. “Ele não acreditava que era doente, não
tomava o remédio... Tomava, mas não como toma
tratamento medicamentoso da hipertensão (Cade, agora”. O médico responde dizendo que “O que
1997; Nobre, 2001; Castro; Rolim, 2006). Ter de ele teve (AVC) não foi por causa da doença do
lidar com efeitos colaterais, com a necessidade de barbeiro, foi por causa da hipertensão. Colesterol
alto e pressão mal cuidada”. A acompanhante vira
procurar remédios no posto de saúde, ou, em cer- para o paciente e em voz baixa diz: “Agora você
tas ocasiões, conseguir o dinheiro para poder vai ter que comer sem sal!” (Diário de Campo,
14/08/08).
comprá-los na farmácia, ou ainda a dificuldade de
lembrar os diferentes horários nos quais há de se
No caso desses pacientes, a experiência
tomar as medicações são ajustes ao cotidiano que
de “se sentir bem”, do corpo experienciado, é
se apresentam normalmente relatados pelos paci-
negada pela leitura dos seus corpos através da
entes no contexto da consulta médica. A própria
medição da pressão arterial, criando um
consulta médica, por sua vez, implica um ajuste
descompasso entre corpo-objeto e corpo-vivido,
no cotidiano do paciente hipertenso:
o que leva a muitos deles a privilegiarem a expe-
Entra na consulta uma senhora de meia idade riência vivida de não ter mal-estar e a negar a
junto com outra mulher mais nova. As duas se sua condição de doentes, o que provavelmente
sentam. O médico olha o prontuário da pacien- influencia na rejeição ao tratamento.
te, a mulher mais velha, e pergunta pelos remé-
dios que está tomando. A acompanhante começa Por outro lado, aqueles pacientes que aceitam
a falar, mas o médico se dirige à paciente e per- se submeter à rotina de controle biomédico da hiper-
gunta se está sentindo alguma coisa. ”Doutor, eu
tensão terão seu cotidiano afetado pela necessidade
fico às vezes assim, com dor de cabeça”. O médi-
co pergunta se sente tosse, a paciente nega. O das visitas frequentes à clínica para o controle perió-
médico solicita à paciente se sentar na maca para dico dos níveis de pressão arterial. A necessidade de
proceder à medição da pressão arterial. A paci-
ente se dirige à maca, senta-se e imediatamente
manter essa rotina de visitas é enfatizada pelos pro-
estica o braço esquerdo. O médico mede a pres- fissionais médicos como parte do tratamento. As-
são arterial da paciente e anuncia em voz alta o sim, terão de comparecer para confirmar o diagnósti-
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valor “15 por 10. Tem certeza que está tomando


todos os remédios que estão na sua receita?”. A co de hipertensão, como nos casos em que é indicada
paciente olha para o chão e admite não ter toma- a Medição Residencial da Pressão Arterial (MRPA),
do um deles hoje de manhã “É que, Doutor, tenho
ou a Medição Ambulatória da Pressão Arterial
de pegar ônibus, na correria, para chegar aqui, e
se tomar esse aí, me urino toda e não dá para (MAPA) (Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2006),
acontecer isso no ônibus, né?”. O médico retira e (ou) para monitorar os efeitos da medicação anti-
o esfigmomanômetro do braço da paciente e
retorna à mesa, enquanto argumenta com a paci- hipertensiva. A inclusão de novos remédios no regi-
ente “E se não tomar e tiver um derrame no ôni- me medicamentoso dos pacientes precisa de um cui-
bus, como vão ficar as coisas?” (Diário de Cam-
dado maior no começo, pois é possível se apresenta-
po 12/08/08)
rem casos de hipotensão, acarretando possíveis pro-
No discurso do médico, o descumprimento blemas aos pacientes, como, por exemplo, desmai-
do regime medicamentoso pelo paciente é tido os. A pergunta “Tomou a pressão ultimamente?” ou
como mostra da não-adesão, nem que seja em uma “Tem tomado a pressão?” é rotineiramente feita du-
dose, às prescrições médicas. Essa não-adesão, rante as consultas, tanto daqueles pacientes que são
como veremos, está frequentemente relacionada pelo considerados como “controlados” quanto daqueles
médico à posição de classe dos pacientes. A rejei- cujos níveis pressóricos são tidos como “oscilantes”.

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A ida frequente ao posto de saúde para que seja O corpo-experienciado tem também um lu-
realizada a medição de pressão, ou, no caso dos gar central no controle dos efeitos colaterais da te-
pacientes com melhores condições econômicas, a rapia anti-hipertensiva, como tosse ou mal-estar
compra de monitores automáticos, é incentivada tan- geral, além de, em ocasiões, sentir os seus efeitos
to pelos médicos quanto pelas enfermeiras do pos- na forma de episódios de hipotensão, ou, no caso
to. Esse incentivo se apresenta, por exemplo, nos de alguns pacientes, de serem capazes de “sentir”
comentários positivos dirigidos aos pacientes que a subida de pressão através da associação de al-
chegam na consulta com o cartão para anotar as guns sintomas, como dores de cabeça ou pressão
medições de pressão arterial, fornecido pelo posto, na área posterior da cabeça, com a presença de
preenchido com anotações estruturadas e frequen- níveis de pressão arterial excepcionalmente altos.
tes. Os pacientes, com a aplicação repetida da me- A escolha do ajuste dos remédios prescri-
dição da pressão arterial e seu registro nesses car- tos aos pacientes une os corpos presentes na con-
tões, passam a incorporar a ideia de controle da sulta com outros corpos envolvidos no desen-
pressão através dessas tecnologias, dentro do pro- volvimento e testagem de medicações anti-
cesso de objetificação mencionado anteriormente. hipertensivas. No desenvolvimento e marketing
Ao mesmo tempo, esse corpo-objeto reve- de remédios para a hipertensão, os ensaios clíni-
la fronteiras permeáveis, sendo afetado também cos randomizados se tornaram o campo de bata-
pelo seu entorno. A permeabilidade desse corpo lha entre medicações desenvolvidas por diferen-
se apresenta de uma maneira clara na descrição tes laboratórios farmacêuticos. As diferenças es-
da chamada “hipertensão do avental branco”, em tatísticas entre os efeitos desses remédios, assim
que os valores da medição realizada pelo médico como os seus efeitos colaterais, traduzem-se em
são superiores aos realizados por outro profissio- um cenário no qual os discursos sobre as vanta-
nal (por exemplo enfermeiras) ou pelo próprio pa- gens de um remédio sobre outro, baseados em
ciente em casa, e são considerados efeito da presen- agregados estatísticos, se incorporam através da
ça do médico na medição da pressão, criando ansi- literatura científica à qual os médicos têm aces-
edade no paciente, o que leva a esse aumento (Mion so, assim como dos visitadores médicos envia-
Jr. et al., 1996). Alguns pacientes podem ter consci- dos pelos laboratórios farmacêuticos para promo-
ência dessa permeabilidade, da influência da pre- ver os produtos da companhia. Ao mesmo tempo,
sença do médico em outro corpo-vivido, incorpo- os discursos sobre a efetividade dos diferentes
rando, dentro de uma apropriação mais ampla dos fármacos se adicionam, na prática clínica da hiper-

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discursos e práticas da biomedicina, o discurso da tensão no sistema de saúde pública brasileira, aos
literatura médica sobre a “hipertensão do avental discursos sobre custos dos administradores desse
branco” às suas próprias explicações sobre o que se sistema, que financia a compra dos remédios anti-
passa com os seus corpos. hipertensivos a serem distribuídos na rede pública
de saúde (Mion Jr. et al., 2006).
O médico pergunta à paciente se ela é hipertensa,
o que é negado por ela. O médico questiona se, Por outro lado, a maneira como os pacien-
pelo fato da paciente ser obesa, “Vai que tem hi- tes lidam com os efeitos colaterais das medica-
pertensão e não sabe”. A paciente argumenta que, ções, ou, em geral, com a toma de medicação, por
sendo que seu marido é hipertenso, ela costuma
acompanhá-lo ao posto para medir a pressão dele vezes não cumprindo total ou parcialmente o regi-
e costuma medir a pressão dela também. O mé- me medicamentoso prescrito, é relacionada pelo
dico mede a pressão da paciente e anuncia o va-
lor: “13 por 9”. A paciente argumenta que “Está médico ao “problema social” que existe na Bahia:
assim por causa desse jaleco”. O médico a alerta:
“Pode ser, mas cuidado, pode subir mais do que Você viu: esse paciente, na idade dele, não tem
isso.” (Diário de Campo 27/08/2008). ninguém que o acompanhe, não consegue ler, é
analfabeto... Você acha que esse paciente conse-
gue tomar a medicação? Não consegue... Não con-

87
CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS ...

segue. Ninguém me convence de que consegue. No entanto, a esse mesmo corpo-sujeito, con-
Se você for ver, aqui na Bahia, o problema social
é muito maior do que o problema médico... Vem siderado pelo médico como lócus de costumes e
da cultura dos escravos, dos índios e dos portu- crenças ligadas à sua posição de classe que dificul-
gueses burros que vieram ao Brasil! (Diário de
tam o tratamento, é exigido, além do cumprimento
Campo 19/08/08).
das prescrições médicas de remédios e mudanças
Assim, o efeito que o social tem nos corpos de hábitos, a incorporação de (parte) do conheci-
não é somente, como apontado pelas Diretrizes mento técnico sobre essas prescrições:
da Sociedade Brasileira de Hipertensão, torná-los O médico reclama com o paciente que este não
“doentes”, passíveis de sofrer as consequências fi- sabe quais remédios toma. “Se for parar na emer-
gência, a primeira coisa que vão perguntar para
siológicas, a longo prazo, da presença consistente
você é o que toma, e aí não vai saber dizer, vai
de níveis de pressão arterial elevados. Para o mé- ficar difícil.” (Diário de Campo 22/07/08)
dico, problema médico são os níveis de pressão
apresentados pelos indivíduos, ou seja, a leitura Porém nem todos os pacientes que apre-
do corpo-objeto pela técnica da medição da pres- sentam problemas em aderir ao tratamento pro-
são arterial, e a sua subsequente redução através posto são lidos pelo médico como resultantes de
da adesão ao tratamento medicamentoso propos- “problemas sociais”:
to pela biomedicina.6 Já o “problema social” é o
Paciente, mulher, meia idade. Chega à consulta
efeito que as relações sociais, na sua forma de trajando roupas bastante elegantes e entra cum-
habitus de classe, tem nas pessoas, tornando-as primentando o médico de uma maneira muito
confiante. Durante o relato da paciente, que re-
inaptas (ou indispostas) a se submeterem às pres-
clama do alto custo das medicações prescritas
crições médicas. Esse efeito pode estar relaciona- para ela no médico do plano de saúde que costu-
do tanto a questões estruturais, que impossibili- mava frequentar, o médico a interrompe argumen-
tando: “Mas a sua pressão é difícil de controlar,
tariam o acesso a remédios que não sejam forne- precisa dessas medicações, vai fazer o quê? Eu
cidos pelo sistema público de saúde, quanto do co- posso passar esses remédios que tem aqui no
posto, mas não vai adiantar nada; se o outro mé-
nhecimento próprio às classes populares, as quais
dico passou os outros remédios é porque a se-
priorizam tratamentos alternativos ao prescrito pelo nhora precisa deles, vai ter que tomar eles”. A
médico: paciente pergunta ao médico se ele sabe quanto é
a aposentadoria de servidor público. O médico,
visivelmente irritado, responde afirmativamen-
Olhando para o prontuário do paciente, o médi- te, inclusive relembrando à paciente que ele mes-
co pergunta se a pressão está controlada. “É que... mo “... é servidor público, assim como a senhora
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011

De uns tempos para cá, deu isso, a pressão alta. já foi”. A paciente argumenta que, então, deve
Mas eu tomo remédio de berinjela, de maracujá, entender que, com a aposentadoria, não tem con-
de chuchu”. O médico pergunta se também toma dições de pagar 200 reais por mês em remédios.
a medicação. “Direto não, porque a pressão está O médico preenche uma nova receita, a paciente
controlada; tomo assim, umas duas vezes por agradece ao médico a emissão da receita e sai da
semana”. Após a medição da pressão, o médico consulta (Diário de Campo 16/09/2008).
anuncia o valor: “18 por 10. Sua pressão está alta,
está tomando o remédio desse jeito à toa. Vai ter
que tomar remédio. Tome sua berinjela e laranja A expectativa do médico – baseada na si-
como suco, e não como remédio. Não se engane milaridade do habitus de classe, de compartilhar
não, vou mandar engarrafar tudo e vou ficar rico!
Tem tanto paciente meu que quando morrer vai com a paciente a importância dada à aderência ao
ter um pé de berinjela na barriga, de tanto caroço tratamento proposto, e conseguir arcar com o custo
de tanta berinjela!” (Diário de Campo 21/08/08).
econômico – o leva a desestimar o apelo à falta de
condições econômicas para pagar os remédios
prescritos, e a enfatizar a necessidade individual
6
Sobre a preferência dos médicos pela terapia
medicamentosa em relação a outras terapias, tais como de tratamentos pautada pelo desenvolvimento da
prescrição de dieta e exercícios, e a relação dessa prefe- doença na paciente. A experiência incorporada
rência ao controle do conhecimento e estabelecimento da
autoridade médica, ver Camargo (2005). de classe, que influencia tanto médicos quanto

88
Elena Calvo-Gonzalez

pacientes, torna-se assim um dos eixos de signifi- podem diferir dos negros quanto às característi-
cas da hipertensão. Não há evidências de ação
cação do encontro clínico. No entanto, é impor- diferenciada das drogas anti-hipertensivas em
tante frisar que o isolamento e a identificação de nossa população. Entretanto, estudos recentes em
populações de indivíduos negros norte-america-
classe como categoria que influência a experiên-
nos, os usos de iECA se mostraram menos efica-
cia vivida dos atores envolvidos é um artifício zes, especialmente na prevenção de AVC, que
analítico. No mundo vivido, ela se dá em conjun- outras classes de anti-hipertensivos. Devendo,
portanto, não serem considerados de primeira
ção com outros eixos de significação, tais como escolha nesta população (Brasil. Ministério da
idade, aparência, beleza, origem, ou raça. Apesar Saúde, 2004, p.34).
desses e de outros possíveis fatores estarem pre-
sentes de uma forma ou outra na consulta, há A relação entre raça e hipertensão tem
algumas categorias, como raça, que se apresen- sido objeto de inúmeras pesquisas tanto
tam com mais relevância, seja pela importância epidemiológicas quanto clínicas. A prevalência
na biomedicina, de uma maneira histórica ou con- epidemiológica maior de hipertensão entre ne-
temporânea, ou no cotidiano, na configuração das gros norte-americanos, nos Estados Unidos, e
ideias sobre diferença no Brasil. negros e miscigenados, no Brasil, aludida no texto
Antes de entrar na discussão etnográfica acima citado, tem dado lugar a diversos mode-
sobre a presença da categoria raça no encontro clí- los explicatórios para essa ocorrência, que podem
nico, e sendo que dentro da literatura Biomédica ser classificados em três grupos:
há uma longa e polêmica história de associação 1. Ênfase na presença de taxas maiores de com-
entre raça e doença,7 torna-se necessário analisar portamentos de risco nessas populações. Essa
primeiro a produção discursiva sobre raça e Hi- ênfase pode ser mais centrada nos comporta-
pertensão. Avaliarei posteriormente a interação mentos individuais, ou acompanhada por uma
desses discursos provindos do âmbito Biomédico explicação social mais ampla do porquê desses
com outros discursos circulantes sobre raça. comportamentos.
2. Centrados na genética, tendo como base da
hipótese a origem africana comum dentre es-
RAÇA E HIPERTENSÃO: uma relação polêmica tes grupos e as condições históricas do sistema
colonial escravagista, que levariam a diferen-
Na publicação Cadernos de Atenção Bá- ças evolutivas (por exemplo, na hipótese de que
a maior retenção de sal seria vantajosa frente a
sica: Hipertensão Arterial Sistêmica, do Minis-

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011


uma situação adversa, como a escravidão, espe-
tério da Saúde, o apartado “Hipertensão em Po-
pulações Especiais” começa com o verbete “Ne- cialmente na travessia atlântica, dando lugar a uma
seleção natural desses indivíduos) (Barreto, 1993).
gros e miscigenados”, no qual se adverte que:
O grande questionamento em relação a essa hipó-
Nos negros, a prevalência e a gravidade da hi- tese se dá em estudos comparativos da prevalência
pertensão são maiores, o que pode estar relacio- de hipertensão arterial essencial em populações
nado a fatores étnicos e/ou socioeconômicos. Em
nosso país predominam os miscigenados, que do mundo. Esses estudos mostram que não há
uma correlação direta entre populações classifica-
7
A literatura sobre raça e doença é extensa e especializada, das como negras (como, por exemplo, em países
compreendendo áreas de estudo tão diversas quanto a
História, os Estudos Culturais, as Ciências Sociais, alem como a Nigéria) e altas taxas de hipertensão arteri-
de, é claro, da biomedicina e áreas afins, tais como a gené-
tica. De uma maneira geral, dentro dos textos da al, existindo, porém, uma correlação entre pro-
biomedicina que fazem menção a essa categoria, podemos cessos de urbanização e incremento das taxas de
dividi-los entre aqueles que fazem uso da categoria raça
de uma maneira não-refletida, e aqueles que se debruçam hipertensão arterial, o que desestabiliza a hipóte-
de forma crítica, seja para defender o abolir seu uso, sobre
essa categoria (ver Tishkoff; Kidd, 2004; Pena, 2005; se unicamente genética (Cooper et al., 2005).
Ossorio; Duster, 2005; Sinha et al., 2006; Frank, 2007;
Rosenberg et al., 2002; Risch, 2000). 3. Argumentos que combinam os fatores sociais

89
CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS ...

com biológicos, incluindo uma ideia mais sua disseminação (e.g. ATarde 26/4/2007).
abrangente de sociedade e cultura. As taxas de O epidemiologista Josué Laguardia critica
prevalência mais altas nessas populações são o uso de modelos explicatórios para a hiperten-
vistas como expressões biológicas de racismo, são apoiados nas descobertas da nova genética,
como, por exemplo, através do stress devido que baseiam suas análises em grupos raciais. Se-
às privações econômicas e à resistência à opres- gundo Laguardia, esses estudos se distanciam das
são racial, levando a hábitos nocivos, como abordagens holísticas do sujeito como socialmen-
dietas inadequadas e maiores taxas de consu- te contextualizado, e apontam para uma abor-
mo de álcool e tabaco (Krieger, 2000; Brondolo dagem instrumentalizada do indivíduo, aumen-
et al., 2004). Destaca-se também, ampliando tando, assim, o essencialismo e o determinismo
essa perspectiva para além das críticas lançadas, genético, a visão das raças como verdades bioló-
por considerar os grupos sociais como homo- gicas, e ocultando a variabilidade genética den-
gêneos (Almeida Filho, 2004, p.868), o estudo tro dos grupos ditos raciais, a-não rigidez das
de Dressler e Santos (2000), no qual os autores fronteiras entre grupos e os processos sócio-his-
testam a hipótese da relevância da “consonân- tóricos de criação de identidades raciais (2005).
cia cultural”, isto é, a maneira “como os indi- Por outro lado, essas críticas não têm sido
víduos são capazes de aproximar seus própri- freio para o desenvolvimento de discursos que,
os comportamentos aos modelos culturais de baseados na análise genômica de marcadores de
vida que são compartilhados pela comunida- ancestralidade, argumentam que a autoatribuição
de”. Quanto maior a consonância cultural do racial de um indivíduo é um bom marcador de
indivíduo, menor será sua pressão arterial. A ancestralidade genômica, e, portanto, o conceito
vantagem dessa abordagem é que combina os deveria ser mantido na medicina (Risch, 2000).
aspectos individuais com os societários, abrin- Nessa mesma linha de argumentação, foi aprova-
do espaço para a heterogeneidade dentro dos do em 2005, nos Estados Unidos – apesar de
grupos, assim como incorporando um concei- questionamentos sobre como isto fomentaria a cren-
to de “cultura” mais processual do que atrela- ça na existência de “raças” biologicamente diferen-
do a uma ideia fixa e reificada de cultura. tes, assim como dúvidas em relação aos interesses
É claro que esses modelos podem ser com- farmacêuticos envolvidos –, o fármaco Bi-Dil, o
binados e usados ao mesmo tempo. Assim, por primeiro tratamento para insuficiência cardíaca
exemplo, encontramos o estudo de Fonseca da específico para “afro-americanos” (Sankar; Kahn,
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011

Cruz e Lima (1999), no qual as autoras argumen- 2005). No Brasil, na bula do medicamento anti-
tam “a necessidade de estudar os fatores de risco hipertensivo Cozaar® (assim como de algumas ver-
cardiovasculares e a própria HAE enquanto um sões genéricas da Losartana potássica, substância
fenômeno cultural afro-brasileiro, identificando ativa desse medicamento), há uma referência aos
nesta parcela da população as formas de controle seus benefícios “na morbidade e mortalidade
ambiental, as variações biológicas quanto aos ou- cardiovascular comparados aos do atenolol, que
tros grupos étnicos […] variações genéticas e não se aplicam a pacientes negros com hipertensão
enzimáticas, susceptibilidade à doença, variações e hipertrofia ventricular esquerda”. O geneticista
nutricionais; organização social ([…] barreiras Sergio Pena questiona o uso da categoria raciais
sociais ao cuidado de saúde) […} espaço pessoal como fator relevante na escolha de remédio para
e territorialidade (lócus de controle) e orientação tratar cada paciente. Para Pena, esse uso
no tempo (adesão ao tratamento)” (Fonseca da desconsidera o fato de as raças estarem baseadas
Cruz e Lima, 1999 p.14, ênfase no original). Ao em diferenças externas icônicas que, mesmo
mesmo tempo, a imprensa generalista acolhe es- correlacionando-se com o continente de origem,
ses discursos racializados da doença, ajudando a não refletem variações genômicas generalizadas

90
Elena Calvo-Gonzalez

entre grupos. As categorias raciais estariam vincu- “FAZENDO” HIPERTENSÃO ATRAVÉS DE


ladas tanto a variações locais no uso de nomencla- CATEGORIAS RACIAIS; “FAZENDO” RAÇA
turas de classificação, quanto a processos históri- ATRAVÉS DA HIPERTENSÃO
cos ligados a essas variações locais (2005, p. 330).
No caso do Brasil, e devido à história de miscige- A representante comercial de um laboratório farma-
cêutico entra na consulta e oferece ao médico, além
nação, estudos genômicos sobre ancestralidade in- de várias caixas de amostras grátis de diversos re-
dicam que a aparência externa não é necessaria- médios, um exemplar da revista Pesquisa Médica,
que o médico subsequentemente me entrega enquan-
mente um bom indicador de ancestralidade
to conversa com ela. Folheio o exemplar e encontro
genômica individual (Pena et al., 2000; Parra et al., um artigo sobre “Farmacogenética: o futuro da pres-
2003). No entanto, é bom relembrar o já citado crição médica”. Ao lado da discussão sobre a polê-
mica em torno da aprovação do BiDil® nos Estados
Caderno de Atenção Básica do Ministério da Saú- Unidos como medicamento “étnico”, o texto da re-
de, no qual, mesmo apontando para a prevalência vista menciona como a bula da Losartana indica que
esse medicamentote “não se aplica a pacientes ne-
dos miscigenados no país, e não estando ciente de
gros”. Quando a representante do laboratório vai
existir uma diferença entre eles e os negros em embora, pergunto ao médico sobre essa menção na
relação às características da HAS nem à resposta bula. “Na verdade, está escrito errado. Não é que não
deva se prescrever a negros. É que não adianta pres-
fisiológica a fármacos, não se hesita em crever, pois não vai fazer nada, não vai resolver... Mas
desaconselhar o uso de um fármaco para essa po- se usa em casos de hipertensão que não são graves;
agora, tem mais chance em negro de não controlar”.
pulação, com base em estudos com “negros norte-
Pergunto ao médico o porquê disso. ‘É porque a lite-
americanos”.8 Deixando de lado questionamentos ratura confirma, aqui no nordeste, que a população
em relação à origem e à validez ou não dessa abor- é de maioria negra... É mais difícil de controlar a
hipertensão. Eles tem bons dentes, bons corpos, mas
dagem médica racializada, a questão, apontada pelo a pressão é difícil de controlar”. (Diário de Campo
antropólogo Peter Wade é indagar de que maneira os 28/08/2008).
processos através dos quais as realidades sociais, que
são as raças, apesar de não constituírem uma reali- Após essa conversa com o médico, ele pas-
dade biológica têm um certo envolvimento com a sou a me apontar, no caso de alguns pacientes,
biologia pelo fato de serem realidades corporificadas. como a hipertensão era difícil de controlar “por
Ou seja, parte do apelo continuado do conceito de causa da raça”. Inevitavelmente, os pacientes que
raça é pelo fato de ser associado ao campo da bio- o médico apontava, que tinham a raça como fa-
logia e da natureza através, por exemplo, da per- tor dominante para a dificuldade do controle,
cepção das diferenças de fenótipos ou sua eram de pele muito escura, os chamados localmente

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011


hereditabilidade. Como realidade corporificada, a de pretos:
raça torna-se parte dos processos que “fazem” cor-
Aí é que a experiência conta: a raça. Toma três
pos (Wade, 2004, p.164-165). O encontro clínico
medicações e não controla a pressão. Aí não adi-
torna-se, como veremos na próxima seção, um dos anta incluir Losartana. Tem que aumentar a dose
lócus nos quais essa realidade corporificada surge, e adicionar outro remédio. (Diário de Campo 21/
08/2008).
junto a ideias circulantes tanto no meio médico
quanto na sociedade em geral, sobre a natureza da Perguntei ao médico em relação àqueles
raça no Brasil. que tinham a pele mais clara, mas que, mesmo
8
Para Chor Maio e Monteiro, textos como esse seriam exem- assim, não eram considerados brancos, os local-
plo da racialização crescente do campo da saúde no Brasil.
Para esses autores, a emergência do campo da “Saúde da mente chamados de morenos.9
População Negra” na formulação e implantação de políticas
públicas está relacionada, entre outros fatores, ao surgimento
de um feminismo negro brasileiro nos debates sobre saúde
reprodutiva, movimento influenciado pela militância negra
9
feminista norte-americana e apoiado economicamente por Apesar de o termo moreno também poder ser empregado
fundações filantrópicas norte-americanas, assim como à para denominar pessoas de cor escura, dentro de um uso
apropriação seletiva de uma literatura acadêmica produzi- do termo racial denominado pela antropóloga Robin Sheriff
da em países anglo-saxões (2005, p.423-424). de “pragmático” (Sheriff, 2001).

91
CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS ...

... pode ter, pode ter porque já carrega o gene... me apontava durante as consultas, mencionando
Mas quanto mais pretos mais difícil de contro-
lar, em termos de grupo, claro, em termos esta- somente a “raça” do paciente como fator influente
tísticos”. Pergunto em relação aos pacientes bran- no controle da hipertensão de certos (não todos)
cos. “Nos brancos não é tão grave, nos descen-
indivíduos que tinham a pele muito escura.
dentes de espanhol, de português, mas você vê
que aqui na Bahia não tem branco [...] já vem a Argumento, por conseguinte, que a maneira
mistura (Diário de Campo 21/08/2008) como a raça se apresenta no consultório em relação
aos corpos hipertensos é mais a criação de um elo
Assim, ao mesmo tempo em que o médi- (retórico) entre certos corpos presentes na consulta
co incorpora os discursos sobre hipertensão ar- (no caso, o de pacientes de pele muito escura) e
terial em negros, é influenciado pelas ideias tan- outros corpos do passado do Brasil, como a men-
to de pureza racial branca quanto discursos so- ção aos bantus e os nagôs reforça. Esse elo retórico
bre a natureza miscigenada da população brasi- é também feito a partir da equivalência entre catego-
leira. Há, em jogo, uma identificação dupla, na rias locais de classificação racial e de outros lugares
qual, mesmo deixando a dúvida da herança afri- presentes na literatura acadêmica médica. O termo
cana pairar na população brasileira como um negro, por exemplo, que, nos Estados Unidos, en-
todo, somente aqueles de aparência de pele mais globaria todos os descendentes de africanos, seguin-
escura são identificados como negros, leitura feita do a regra da hipodescendência, independentemen-
somente a partir da aparência externa. Apesar te da aparência externa, na Bahia (e, em geral, no
de admitir que aqueles com pele menos escura Brasil) não é necessariamente aplicado a todos aque-
(ou, inclusive, pele considerada branca) podem les que apresentam alguma marca fenotípica africa-
carregar os genes do controle difícil da hiperten- na, sendo possível encontrar indivíduos conside-
são, todos os exemplos que o médico se referiu rados brancos, na Bahia, que seriam classificados
como evidência durante as consultas eram indi- como negros nos Estados Unidos. Tal e como vi-
víduos muito escuros. Em uma ocasião, o médi- mos nas notas de campo, os pacientes identifica-
co se referiu a como dos como negros pelo médico eram aqueles que apre-
sentavam um fenótipo tido como mais africano, mais
... os portugueses trouxeram dois tipos de escra-
vos ao Brasil: os bantus e os nagôs. Os nagôs eram negro, deixando fora desse grupo os pacientes com
mais altos, os bantus mais baixinhos, mais gor- aparência mais clara e mestiça.
dinhos. E você vê, quase todos os negros que têm
Os conceitos de pureza, tanto branca quan-
hipertensão difícil de controlar eram altos, já
percebeu? É isso... Só que depois houve toda essa to negra perpassam a maneira como o argumento
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011

mistura e aí a amostragem fica difícil de contro- sobre a relação entre raça e hipertensão é explica-
lar, né? (Diário de Campo 23/08/2008)
do pelo médico, apresentando-se mais como um
raciocínio a posteriori do que um fator tido como
O conceito de pureza negra, correlacionado
relevante no diagnóstico e prescrição de medica-
à presença de uma aparência tida como mais
ção de pacientes. Apesar de argumentar que “não
africana (pele muito escura, cabelo crespo) está
adianta prescrever Losartana a negros”, durante
presente nesses discursos que associam hiper-
minha pesquisa presenciaria esse mesmo médico
tensão e raça.10 Apesar de apontar que os morenos
prescrevendo esse remédio a pacientes que tinham
(oficialmente denominados de pardos pelo IBGE)
pele bastante escura. Da mesma maneira, presen-
poderiam ter o gene que faz a hipertensão difícil de
ciaria outros casos nos quais a “leitura” do corpo
controlar, não são esses os exemplos que o médico
do paciente por parte do médico privilegiava ou-
10
A descrição dos nagôs em termos físicos mais positivos
(note-se o diminutivo que o médico emprega para descre- tros indicadores que não a raça. Exemplo disso foi
ver as qualidades físicas dos bantus) pode ser associada a o caso de uma paciente jovem, de pele muito es-
um imaginário, já presente nos escritos do século XIX do
médico baiano Raymundo Nina Rodrigues, que situavam cura, que, apesar de apresentar níveis altos de pres-
culturalmente os nagôs enquanto superiores aos bantus
(Nina Rodrigues, 1933). são arterial, difíceis de controlar com a medicação

92
Elena Calvo-Gonzalez

prescrita, não levou o médico a usar o argumento noções sobre diferença, sejam elas conceitualizadas
racial para tentar entender o porquê desses altos nas categorias analíticas de classe ou cultura. Des-
valores de pressão arterial. Devido à idade da pa- sa maneira, devemos estar atentos ao modo como
ciente, suspeitou ser um caso de hipertensão arte- julgamentos sobre comportamento e costumes es-
rial como consequência de algum outro problema tão atrelados a concepções essencializadas da dife-
de saúde mais sério, respondendo negativamente rença, identificando a presença de discursos que
a minha pergunta sobre se a raça seria um fator ligam o âmbito da natureza ao âmbito dos compor-
relevante nesse caso. tamentos, ou, empregando o termo antropológico,
Ao mesmo tempo em que se poderia ar- à cultura (Wade, 2010).
gumentar que o conceito de raça invocado a
posteriori pelo médico mobiliza ideias sobre as
supostas características biológicas inatas de cer- CONCLUSÃO
tos indivíduos, em outras encontros clínicos, o
conceito de raça empregado está mais relaciona- A necessidade de refletir etnograficamente
do a processos que, ao mesmo tempo em que sobre as práticas da biomedicina como campo for-
“emergem” do corpo, têm-no como alvo final: mador de concepções sobre a existência humana
tem tido um espaço cada vez mais relevante nas
A paciente, de meia idade e obesa, senta na maca
Ciências Sociais contemporâneas. A análise do pa-
enquanto aguarda o médico fazer a medição da
pressão arterial. O médico se aproxima da maca, pel que a tecnologia médica11 tem nos processo de
olha para a paciente e comenta como, no caso de objetificação do corpo, assim como a resistência a
uma obesidade como a dela, é possível a indica-
ção de cirurgia bariátrica. O rosto da paciente esses processos, é um dos campos de análise frutífe-
mostra surpresa e medo: “Doutor, eu tenho é os- ros desses estudos. No entanto, como defendo neste
sos grandes, minha filha não é gorda, nem meu artigo, essas reflexões podem ser enriquecidas se aten-
filho”. O médico procede à medição da pressão:
“17 por 10”. ‘Doutor, tá boa?’ O médico nega com tarmos para a presença da experiência e do modo de
a cabeça, ao que a paciente responde “Mas tem vida cotidiano dos atores envolvidos nas interações
estado baixa! É porque o Senhor falou em cirur- que se dão por intermédio da biomedicina. Nas con-
gia, aí... Fiquei nervosa”. O médico aguarda uns
minutos para proceder à segunda medição da sultas médicas, podemos encontrar a presença dos
pressão, e conversa sobre a possibilidade de a discursos e práticas da biomedicina, assim como as
paciente se submeter à cirurgia. “É porque já é
experiências e trajetórias de vida de médicos e paci-
da constituição da Senhora, é da raça. Sua filha
ainda não é gorda porque essa nova geração tem entes. Ambos reconhecem no outro as marcas de

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011


muito mais esporte, a alimentação é outra... Mas diferenciação corporificadas, que estruturam as
se tem a tendência, vai eventualmente ficar, vai.
A Senhora é descendente de italianos e de espa- interações sociais tanto dentro do consultório quanto
nhóis, das duas raças da Europa que mais gos- fora. Por outro lado, no encontro clínico. não estão
tam de comer. Só faltou um pouco de português presentes somente os corpos dos médicos e dos
e de grego, essa galera gosta de comer!” (Diário
de Campo 21/08/2008). pacientes. Os discursos da biomedicina trazem ao
encontro clínico outros corpos não-presentes no con-
Vemos, assim, que as noções de raça mobi- sultório, por exemplo, a partir da própria definição
lizadas não se restringem a uma concepção 11
Em sua maioria, o foco nos estudos antropológicos
biogenética de herança de caracteres biológicos. A sobre o impacto da biotecnologia na criação de novas
formas de sociabilidade se centra em tecnologias mais
noção de raça – como grupo de herança tanto bio- novas, como, por exemplo, as tecnologias reprodutivas
(Laqueur, 2000; Franklin, 1995), da nova genética
lógica quanto comportamental – que notamos no (Nelkin, 1996; Finkler, 2000), ou tecnologias de imagem
(Simon, 1999; Taylor, 2000; Kaufman; Morgan, 2005;
trecho citado acima, quando o médico fala tanto Chazan, 2008). Porém não devemos perder de vista como
da “tendência” à obesidade quanto do gosto cultu- a popularização de certas tecnologias mais antigas, que
são aplicadas de maneira cada vez mais rotineira, tais
ral pela mesa farta, nos alerta para a maneira como como a medição da pressão arterial ou dos níveis de
glicose, também tem um impacto, pelo fato de serem
essa categoria se apresenta imbricada com outras tecnologias baratas e de aplicação em massa.

93
CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS ...

de algumas doenças, como a hipertensão, baseada BRONDOLO, Elizabeth et al. Perceived racism and blood
pressure: a review of the literature and conceptual and
numa possibilidade estatística. As expectativas em methodological critique. Annals of Behavioral Medicine,
Boston, v.25, p.1, p.55-65, 2005.
relação ao que pode se esperar do outro estão
CADE, Nágela Valadão. O cotidiano e a adesäo ao trata-
permeadas por experiências prévias que vão cons- mento da hipertensão arterial. Cogitare Enfermagem,
Florianópolis, UFPr, v.2, n.2, p.10-15, jul./dez., 1997.
tituindo os corpos como pertencentes a determina-
CAMARGO, Kenneth R. de. A biomedicina. PHYSIS: revista
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ma maneira, experiências prévias dos pacientes com lindo! A construção de ‘verdades’ na ultra-sonografia obsté-
instituições médicas levam a certa expectativa em trica. Historia, Ciência, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro,
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torno da consulta e quanto ao que pode se esperar DRESSLER, William W.; SANTOS, José Ernesto dos. Soci-
do médico. E, no entanto, apesar de a consulta al and cultural dimensions of hypertension in Brazil: a
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seguir um roteiro médico, nem o médico nem o v.16, n.2, abr./jun., p.310-315, 2000.
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segue um roteiro. Nessas interações durante os en- FINKLER, Kaja. Experiencing the new genetics: family and
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tendo seu corpo (re) construído, incorporando ex- FONSECA DA CRUZ, Isabel Cristina; LIMA, Robéria de.
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JORNAIS E REVISTAS:
Jornal ATarde (Salvador, Bahia)

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CONSTRUINDO CORPOS NAS CONSULTAS MÉDICAS ...

BUILDING BODIES IN MEDICAL LA CONSTRUCTION DES CORPS DANS LES


CONSULTATIONS: an ethnography of Arteri- CONSULTATIONS MÉDICALES: une
al Hypertension in Salvador, Bahia ethnographie de l’hypertension artérielle à
Salvador de Bahia
Elena Calvo-Gonzalez Elena Calvo-Gonzalez
Through ethnographic analysis of the Grâce à l’analyse ethnographique de
application of technology to measure blood l’application de la technologie des mesures de
pressure in medical consultations in a public tension artérielle au cours des consultations
medical center in Salvador, I am proposing to médicales, dans un centre de santé publique à
think of the articulation of a process of Salvador, nous nous proposons de faire le lien
objectification of the body with the universe of entre le processus d’objectivation du corps et
experience, both by doctors and by patients. I l’univers de l’expérience, autant pour les médecins
will look carefully at the way the actors involved que pour les patients. Nous serons attentifs à la
apply knowledge in the clinical encounter manière dont les acteurs impliqués utilisent leurs
stemmed from the daily life and scope of connaissances lors de la consultation,
Biomedicine, signaling how the control of connaissances issues de leur quotidien et du
hypertension is produced by and in turn domaine de la Biomédecine, afin de montrer
produces, bodies experiencing the world through comment le contrôle de l’Hypertension est produite
differentiating matrices such as class , gender or par, mais produit à son tour, des corps qui vivent
race. These bodies and these matrices of l’expérience du monde à travers des matrices qui
significance can not be separated in their real, établissent des critères de différenciation tels que
material, symbolic and figurative sense. classe sociale, sexe ou race. Ces corps et ces matrices
ne peuvent être séparés, dans leur sens réel,
matériel, de leur sens symbolique et figuré.
K EYWORDS : race, embodiment, technology, MOTS-CLÉS: race, corporification, technologie,
hypertension, ethnography. hypertension, ethnographie
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p. 81-96, Jan./Abr. 2011

Elena Calvo-Gonzalez - Doutora em Antropologia Social. Professora Adjunta da Universidade Federal da


Bahia. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Política, atuando principalmente
nos seguintes temas: comunidades e Estado, políticas públicas, identidade e raça. Publicações recentes:
CALVO-GONZALEZ, E.; ROCHA, Vera. Está no sangue: a articulação de idéias sobre raça e ancestralidade
entre famílias de portadores de doença falciforme em Salvador, Bahia. Revista de Antropologia (USP. Impresso),
v. 53, 2010, p. 277-320; CALVO-GONZALEZ, E.; DUCCINI, Luciana. In: Donald V.L. MacLeod; James G.
Carrier. (Org.). Tourism, power and culture: anthropological insights. Bristol: Channel View Publications,
2010, p. 134-152; CALVO-GONZALEZ, E. Construindo a comunidade: um assentamento do MST no Nordeste.
In: Miguel Carter. (Org.). Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo:
Editora UNESP, 2010, p. 353-372.

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