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Os desafios

de um mundo em mudança
Este capítulo descreve o contexto onde a
actual renovação dos cuidados de saúde
primários se está a desenrolar. O capítulo faz uma
revisão dos actuais desafios para a saúde e para
os sistemas de saúde e descreve
um conjunto de expectativas Capítulo 1
sociais amplamente partilhadas, Crescimento desigual,
resultados desiguais 2
que determinam a agenda da
Adaptação a novos desafios
8
mudança dos sistemas de saúde em saúde

Tendências que
do mundo de hoje. comprometem a resposta dos 12
sistemas de saúde
Mostra como muito países Valores em mudança e
15
registaram um progresso expectativas crescentes

Reformas dos CSP:


significativo em saúde em impulsionadas pela procura 20

épocas recentes e como os ganhos


foram partilhados de forma desequilibrada. O
fosso entre países, e entre grupos sociais dentro dos
próprios países, tornou-se maior. As transformações
epidemiológicas, demográficas e sociais, alimentadas
pela globalização, urbanização e populações enve-
lhecidas, colocam desafios de uma magnitude que
não estava prevista há três décadas atrás.

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Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

O capítulo defende que, em geral, a resposta os 2,2 milhões de pessoas que vivem em Omã,
a estes desafios por parte do sector da saúde e com uma cobertura agora extensível a residentes
das sociedades tem sido lenta e inadequada. Isto estrangeiros2. Mais de 98% dos nascimentos em
tanto reflecte uma incapacidade de mobilização Omã são agora atendidos por pessoal qualificado
dos recursos e instituições necessários para e mais de 98% dos bébés estão totalmente imu-
transformar a saúde em torno dos valores dos nizados. A esperança de vida à nascença, que era
cuidados de saúde primários, como um falhanço menos de 60 anos, em finais dos anos 70, ultra-
em fazer frente ou modificar substancialmente passa agora os 74 anos. A taxa de mortalidade
as forças que empurram o sector da saúde para em menores de 5 anos desceu vertiginosamente
outras direcções, nomeadamente: uma atenção em 94%3.
desproporcional sobre os cuidados hospitalares Em cada região (excepto na região de África)
especializados; a fragmentação dos sistemas de existem alguns países onde as taxas de mortali-
saúde; e a proliferação de cuidados comerciais dade se situam agora em menos de um quinto do
não regulamentados. Ironicamente, estas fortes que estavam há 30 anos. Os principais exemplos
tendências desviam os sistemas de saúde daquilo
que as pessoas esperam da saúde e dos cuida- Figura 1.1 Países seleccionados como os que tiveram uma melhor
dos de saúde. Quando a Declaração de Alma-Ata performance na redução da mortalidade em crianças com menos
de 5 anos de idade em, pelo menos, 80%, por regiões, 1975-2006a,*
enalteceu os princípios de equidade em saúde,
cuidados centrados nas pessoas e um papel cen- Mortes por 1 000 crianças com menos de 5 anos 1975 2006

tral para as comunidades de saúde em acção,


150
foram considerados radicais. A investigação
social sugere, no entanto, que estes valores se
estão a tornar preponderantes em sociedades 100

modernizadas: eles correspondem à forma como


as pessoas olham para a saúde e ao que elas 50
esperam dos seus sistemas de saúde. Por esta
razão, aumentar as expectativas sociais no que 0
Omã Portugal Chile Malásia Tailândia
respeita a saúde e cuidados de saúde deve, então, (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006:
ser encarado como o grande impulsionador das I$ 382)b I$ 2 080)b I$ 697)b I$ 500)b I$ 346)b
a Nenhum país da Região Africana alcançou uma redução de 80%
reformas dos CSP. b Despesa total em saúde (DTS) per capita em 2006, dólar internacional (I$)
* Os dólares internacionais derivam da divisão das unidades de moeda local por uma
estimativa da paridade do seu poder de compra, comparando com o dólar americano.
Crescimento desigual,
resultados desiguais são o Chile4, a Malásia5, Portugal6 e a Tailândia7
(Figura 1.1). Estes resultados estavam associados
Vidas mais longas e melhor saúde, ao acesso melhorado a redes ampliadas de cui-
mas não em todo o lado dados de saúde, tornado possível através de um
Nos finais dos anos 70, o Sultanato de Omã tinha compromisso político sustentável e do crescimento
apenas uma mão cheia de profissionais. As pessoas económico, que lhes permitiram apoiar o seu com-
tinham de viajar até quatro dias só para chegar a promisso ao manterem o investimento no sector
um hospital, onde centenas de doentes já estariam da saúde (Caixa 1.1)
à espera na fila para ver um dos poucos médicos Em geral, o progresso no mundo tem sido con-
(expatriados). Tudo isto mudou em menos que siderável. Se as crianças ainda estivessem a morrer
uma geração1. Omã investiu consistentemente às taxas de 1978, teriam ocorrido, globalmente,
num serviço nacional de saúde e manteve esse 16,2 milhões de mortes em 2006. De facto, ocor-
investimento, ao longo do tempo. Existe agora reram apenas 9,5 milhões dessas mortes12. Esta
uma densa rede de 180 instalações de saúde diferença de 6,7 milhões é equivalente a salvar
regionais, distritais e locais apoiadas por mais 18 329 vidas de crianças todos os dias.
de 5 000 trabalhadores de saúde, que facultam o Mas estes números escondem variações signifi-
acesso quase universal a cuidados de saúde para cativas entre países. Desde 1975, a taxa de declínio

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Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

Caixa 1.1 Desenvolvimento económico e opções de investimento nos cuidados de saúde:


a melhoria dos indicadores de saúde em Portugal

Portugal reconheceu o direito à saúde na Constituição de 1976 no seguimento da sua revolução democrática. A pressão social para
reduzir a enorme falta de equidade na saúde da população do País conduziu à criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS), financiado
por impostos e complementado por esquemas de seguros públicos e privados e pagamentos directos8,9 . O SNS foi implementado a partir
de 1979, implementação essa que ficou completa em 1983 e foi organizado explicitamente com base nos princípios dos Cuidados de
Saúde Primários: uma rede de centros de saúde, com médicos de família e enfermeiros, que progressivamente abrangeu todo o país.
Para aceder aos serviços do SNS, os utentes têm de se registar
num centro de saúde, na lista de um médico de família, que é Figura 1.2 Factores explicativos da redução da mortalidade em Portugal
1960-1991
o primeiro ponto de contacto com o Serviço. Portugal considera
esta rede o maior sucesso em termos de melhoria no acesso a Peso relativo dos factores (%)
cuidados e de ganhos em saúde6 . Crescimento do PIB per capita (preços constantes)
Desenvolvimento das redes de CSP (médicos e enfermeiros
A esperança de vida ao nascer é agora 9,2 anos mais elevada do dos CSP por habitante)
que há 30 anos, enquanto o produto interno bruto (PIB) duplicou. Desenvolvimento das redes hospitalares (médicos e
enfermeiros dos hospitais por habitante)
O desempenho de Portugal na redução da mortalidade nos vários 100
grupos etários é dos mais consistentemente bem sucedidos no
mundo, nos últimos 30 anos, por exemplo, reduzindo para metade a
mortalidade infantil, a cada 8 anos. Este desempenho levou a uma 80
marcada convergência dos indicadores de saúde da população
portuguesa com os dos outros países na região10.
60
A análise multivariada das séries temporais de vários indica-
dores de mortalidade, desde 1960, revelou que a decisão de
basear a política de saúde portuguesa nos princípios dos CSP, 40
com o desenvolvimento de uma rede abrangente de cuidados
de saúde primários11, teve um papel importante na redução da
mortalidade materna, infantil e das crianças 1-4 anos, enquanto 20
a redução da mortalidade perinatal esteve associada a um maior
desenvolvimento da rede hospitalar. Os contributos relativos do
0
desenvolvimento da rede dos CSP e hospitalar assim como do Redução de 71% Redução de 86% Redução de 89% Redução de 96%
crescimento económico na melhoria dos indicadores de mortali- na mortalidade na mortalidade na mortalidade na mortalidade
perinatal infantil das crianças materna
dade, desde 1960, estão evidenciados na Fig 1.2. 1-4 anos

das taxas de mortalidade em crianças menores em países mais ricos13. Para além da Eritreia e da
de 5 anos de idade tem sido muito mais lenta em Mongólia, nenhum dos países de rendimento baixo
países de rendimento baixo, como um todo, do que hoje em dia, reduziu a mortalidade em menores
de 5 anos, em 70%. O desempenho dos países
Figura 1.3 Progresso variável na redução da mortalidade em crianças com considerados hoje como de rendimento médio já
menos de 5 anos de idade, 1975 e 2006, em países seleccionados foi melhor mas, tal como a figura 1.3 ilustra, o
com taxas semelhantes em 1975a progresso tem sido bastante desigual.
Mortes por 1 000 crianças menores de 5 anos de idade Alguns países têm feito grandes melhorias e
estão no caminho certo para alcançar os ODM rela-
cionados com a saúde. Outros, particularmente na
região de África, estagnaram ou perderam mesmo
terreno14. Globalmente, 20 dos 25 países onde a
mortalidade, abaixo dos 5 anos de idade, é ainda
dois terços ou superior ao nível de 1975, encon-
tram-se na África Subsariana. O lento progresso
tem estado associado a uma falta de progresso
Omã Mongólia Marrocos Tajiquistão Índia Madagáscar Zâmbia frustrante, no acesso aos cuidados de saúde. Ape-
(DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006: (DTS 2006:
I$ 382)a I$ 149) a I$ 273)a I$ 71)a I$ 109) a I$ 35)a I$ 62)a sar da recente mudança para melhor, a cobertura
a Despesa total em saúde (DTS) per capita em 2006, dólar internacional (I$)

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Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

de vacinação na África subsariana é ainda sig- rapidamente em países de rendimento elevado do


nificativamente mais baixa do que no resto do que em países de rendimento baixo) reflecte-se nas
mundo14. A actual prevalência contraceptiva está crescentes disparidades entre os mais e os menos
ainda nos 21%, enquanto que noutras regiões em saudáveis19. Relativamente à esperança de vida,
desenvolvimento, os aumentos têm sido substanci- entre meados de 1970 até 2005, a diferença entre
ais, ao longo dos últimos 30 anos, atingindo agora países de rendimento elevado e países da África
os 61%15,16. Onde se observa o aumento no uso subsariana, ou estados frágeis, aumentou em 3,8
de contraceptivos, este tem sido acompanhado e 2,1 anos, respectivamente.
por uma redução nas taxas de aborto. Na África A relação inequívoca entre saúde e riqueza,
subsariana, no entanto, os números absolutos de resumida na clássica curva de Preston (Figura
abortos têm aumentado, e quase todos estão a ser 1.4), precisa de ser qualificada20.
executados em condições pouco seguras17. Os cui- Primeiramente, a curva de Preston continua
dados à nascença para as mães e recém-nascidos a subir12. Um rendimento per capita de I$1 000
também continuam a enfrentar problemas: em 33 em 1975, estava associado a uma esperança de
países, menos de metade de todos os nascimentos vida de 48,8 anos. Em 2005, o mesmo rendimento
em cada ano são assistidos por pessoal de saúde correspondia a uma esperança de vida de quase
devidamente habilitado, com uma cobertura, num mais quatro anos. Isto sugere que as melhorias
dos países, tão baixa quanto 6%14. A África sub- em nutrição, educação23, tecnologias da saúde22, a
sariana é também a única região do mundo onde capacidade institucional em obter e utilizar a infor-
o acesso dos profissionais qualificados no trabalho mação e a forma como a sociedade traduz esse
de parto não está a progredir18. conhecimento em acção eficaz23, quer em termos
Reflectindo as actuais tendências globais de sociais quer em termos de saúde, permitem uma
sobrevivência das crianças, as tendências globais maior produção de saúde para um mesmo nível
na esperança de vida apontam para um cresci- de rendimento.
mento em todo o mundo de quase 8 anos, entre Em segundo lugar, existe uma variação conside-
1950 e 1978, e de mais sete anos desde então: rável em termos de resultados em países com um
um reflexo do crescimento no rendimento médio mesmo nível de rendimento, particularmente entre
per capita. Tal como acontece com a sobrevivên- países pobres. Por exemplo, a esperança de vida
cia das crianças, o aumento nas desigualdades na Costa do Marfim (PIB I$1 465) é quase 17 anos
de rendimento (os rendimentos aumentam mais mais baixa do que no Nepal (PIB I$ 1 379), e entre
Madagáscar e a Zâmbia, a diferença é de 18 anos.
Figura 1.4 PIB per capita e esperança de vida à nascença, em 169 paísesa, A presença de valores elevados, em cada banda
1975 e 2005 de rendimento, demonstra que o real nível de
Esperança de vida à nascença (anos) rendimento per capita num dado momento não
85 2005 é o factor absoluto, limitador da taxa, que a curva
média parece dar a entender.
1975
75
Crescimento e estagnação
Nos últimos 30 anos, a relação entre crescimento
65 económico e esperança de vida à nascença tem
revelado três padrões distintos (Figura 1.5).
Em 1978, cerca de dois terços da população
55
Namíbia mundial vivia em países que tiveram aumentos na
África do Sul esperança de vida à nascença e um crescimento
45 económico considerável. Os ganhos relativos mais
Bostsuana
impressionantes aconteceram num número de
Suazilândia
35
países de rendimento baixo na Ásia (incluindo
0 5 000 10 000 15 000 20 000 25 000 30 000 35 000 40 000 a Índia), América Latina e norte de África, totali-
PIB per capita, em dólares internacionais, a valores constantes de 2000
zando 1,1 bilhões de habitantes, há 30 anos, e
a são apenas identificados os países periféricos

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Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

Figura 1.5 Tendências do PIB per capita e esperança de vida à nascença em 133 países, agrupados pelo PIB de 1975, 1975-2005*
Esperança de vida (anos)
80

75
Países de rendimento
Chinah Países de elevadoa
70 rendimento médiob
Países de rendimentos
baixosd
65
Federação Russa
Índiac e Novos Estados
60
Independentes g

55

Estados frágeise
50
Países africanos de rendimentos baixosf
45
0 1 000 2 000 3 000 4 000 5 000 6 000 7 000 8 000 9 000 10 000 20 000 25 000 30 000

a 27 países, 766 milhões (M) de habitantes em 1975, 953 M em 2005.


b 43 países, 587 M habitantes em 1975, 986 M em 2005 .
c Índia, 621 M habitantes em 1975, 1 103 M em 2005 .
d 17 Países de rendimentos baixos, não-Africanos, excluindo os estados frágeis, 471 M habitantes em 1975, 872 M em 2005 .
e 20 Estados frágeis, 169 M habitantes em 1975, 374 M em 2005.
f 13 Países Africanos de rendimentos baixos, excluindo os estados frágeis, 71 M habitantes em 1975, 872 M em 2005.
g Federação Russa e 10 Novos Estados Independentes (NIS), 186 M habitantes em 1985, 204 M em 2005.
h China, 928 M habitantes em 1975, 1 316 M em 2005.
* Não há dados para 1975 relativamente aos Novos Estados Independentes. Não há dados históricos para os restantes países.
Fontes: Life expectancy, 1975, 1985: UN World Population Prospects 2006; 1995, 2005: WHO, 9 November 2008 (draft); China: 3rd, 4th and 5th National Population censuses, 1981, 1990 and 2000. GPD: 200737.

quase 2 bilhões, hoje em dia. Estes países aumen- combinados com a eliminação de redes de segu-
taram a esperança de vida à nascença, em 12 anos, rança, todos estes factores contrabalançaram os
enquanto que o PIB per capita se multiplicou ganhos do aumento do PIB médio26. A China já
por um factor de 2,6. Os países de rendimento tinha aumentado substancialmente a sua espe-
elevado e países com um PIB entre os I$3 000 e os rança de vida num período anterior a 1980 para
I$10 000 em 1975, também tiveram um cresci- níveis bastante acima da de outros países de ren-
mento económico substancial e um aumento na dimento baixo nos anos 70, apesar da fome de
esperança de vida. 1961-1963 e da Revolução Cultural de 1966-1976.
Noutras partes do mundo, o crescimento do O contributo dos cuidados primários rurais e do
PIB não se fez acompanhar por ganhos seme- seguro de saúde urbano para estes sucessos foi
lhantes em termos de esperança de vida. A Fede- bem documentado27,28. No entanto, com as refor-
ração Russa e os Novos Estados Independentes mas económicas do início dos anos 80, o PIB médio
aumentaram substancialmente o PIB médio per per capita aumentou de forma espectacular, mas o
capita mas, com o alastrar da pobreza que acom- acesso a cuidados e a protecção social deteriorou-
panhou a transição da antiga União Soviética, a -se, particularmente nas zonas rurais. Isto diminuiu
esperança de vida das mulheres estagnou desde a taxa de aumento na esperança de vida para uma
finais de 1980 e a dos homens caiu vertiginosa- taxa moderada, sugerindo que apenas a melhoria
mente, sobretudo para os não qualificados ou sem das condições de vida associada ao espectacular
segurança no emprego24,25. Após um período de crescimento económico evitaram a regressão da
estagnação organizacional e tecnológica, o sistema esperança média de vida29.
de saúde colapsou12. As despesas públicas com a Finalmente, existe um conjunto de países de
saúde foram reduzidas em 1990 para níveis que rendimento baixo, representando cerca de 10%
fizeram com que, em vários países, fosse virtu- da população mundial, onde, tanto o PIB como
almente impossível gerir um sistema básico. a esperança de vida, estagnaram 30. Estes são os
Estilos de vida não saudáveis, juntamente com a países que são considerados “estados frágeis”
desintegração de programas de saúde pública e a de acordo com os critérios dos “países de rendi-
comercialização desregulada de serviços clínicos, mento baixo sob stress” (LICUS)* , de 2003-200631.

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Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

Quase 66% da população desses países encon- que tinham a menor esperança de vida à nascença
tra-se em África. Fraca governação e conflitos em 1975 e conseguiram aumentos mínimos desde
internos prolongados são comuns nestes países, então. Os outros países africanos de rendimento
que enfrentam obstáculos semelhantes: fraca baixo partilham muitas das características e das
segurança, relações sociais fracturadas, corrup- circunstâncias dos estados frágeis – de facto, mui-
ção, colapso do estado de direito e ausência tos deles sofreram longos períodos de conflito,
de mecanismos para impor um poder e uma nos últimos 30 anos que os teriam classificado
autoridade legítimos 32. Têm muito por fazer como estados frágeis, se a classificação de LICUS
em termos de necessidades de investimentos e tivesse existido nessa época. O seu crescimento
muito poucos recursos governamentais para os económico tem sido muito limitado, tal como o
pôr em prática. Metade deles testemunhou um aumento da sua esperança de vida, sobretudo
crescimento negativo do PIB, durante o período devido à presença, neste grupo, de um número
de 1995-2004 (todos os outros ficaram abaixo de países da África Austral, que são confrontados
do crescimento médio dos países de rendimento com um peso desproporcional da pandemia do
baixo), enquanto que a sua dívida externa estava VIH/SIDA. Em média, estes países têm tido algum
acima da média33. Estes países estavam entre os

Caixa 1.2 Maior despesa em saúde está associada a melhores resultados, mas com
grande diferenças entre países

Em muitos países, a quantia total gasta em saúde é insuficiente Em contrapartida, as diferenças em HALE entre os países com
para financiar o acesso para todos, nem que seja a um pacote melhores resultados em cada banda de gastos, são comparati-
mínimo de cuidados de saúde39. Este facto faz toda a diferença vamente pequenas. O Tajiquistão, por exemplo, tem um HALE
para a saúde e para a sobrevivência. A figura 1.6 mostra que o que é 4,3 anos menor do que o da Suécia – inferior à diferença
Quénia tem uma esperança de vida ajustada à saúde (HALE ) de entre a Suécia e os Estados Unidos da América. Estas diferenças
44,4 anos, a mediana para os países que actualmente gastam sugerem que o Como, Para Quê e Para Quem é gasto o dinheiro,
menos do que I$ 100 per capita em saúde. Isto representa 27 tem uma importância considerável. Particularmente, em países
anos a menos do que na Alemanha, a mediana para os países onde o pacote para a saúde é muito pequeno, cada dólar que
que gastam mais de I$ 2 500 per capita. Cada I$ 100 per capita é atribuído a outro nível que não o óptimo, parece fazer uma
gastos em saúde, corresponde a um ganho de 1,1 em HALE. diferença considerável.
No entanto, isto esconde grandes diferenças
de resultados a níveis de gastos comparáveis. Figura 1.6 Países agrupados de acordo com as suas despesas totais
Existe uma diferença de até 5 anos em HALE em saúde, em 2005 (em dólares internacionais I$)38,40
entre países que gastam mais do que I$ 2 500 HALE (anos)
per capita, por ano em saúde. As diferenças 80
Japão Suécia
são maiores em níveis mais baixos de gastos, Finlândia Reino Unido / Alemanha
70 Tajiquistão Nova Zelândia
mesmo dentro de bandas de gastos relativa- Moldávia Panamá
Hungria
EUA
S. Vicente Colômbia
mente estreitas. Os habitantes da Moldávia, 60 Filipinas e Granadinas Irão
por exemplo, gozam de mais 24 anos HALE Gabão
50
do que os do Haiti; contudo, ambos os países Mais elevado
Quénia Haiti
estão entre os 28 que gastam 250-500 I$ per 40
Médio
Mais baixo
capita em saúde. Estas diferenças podem ser Suazilândia Botsuana Periféricos
Lesoto
ainda maiores se também forem considera- 30 Serra Leoa
dos os países fortemente afectados pelo VIH/
20
SIDA. O Lesoto gasta mais em saúde do que DTS < I$ 100 DTS I$ 100–250 DTS I$ 250–500 DTS I$ 500–1 000 DTS I$ 1 000 – DTS > I$ 2 500
(30) (28) (30) (23) – 2 500 (16) (15)
a Jamaica e, no entanto, a sua população
Despesa Total em Saúde (DTS) (nº de países)
tem um HALE que é 34 anos mais baixa.

* Nota dos tradutores: LICUS é a sigla para “low-income countries under stress”.
† Nota dos tradutores: HALE é a sigla para “health adjusted life expectancy”.

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Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

crescimento económico desde 1975, mas com um nos anos que se seguiram a Alma-Ata, exemplifica
forte retrocesso em termos de esperança de vida. esta ideia.
O que tem sido espantosamente comum aos Depois de se adaptar à inflacção, o PIB per
estados frágeis e aos países da África subsari- capita na África subsariana caíu em quase todos os
ana nas últimas três décadas, e que os diferen- anos, entre 1980 e 199436, deixando pouco espaço
cia de outros que começaram com menos do que para ampliar o acesso ao sistema de saúde ou para
I$ 3 000 per capita em 1975, é a combinação transformar os sistemas de saúde. Por volta de
da estagnação do crescimento económico e da 1980, por exemplo, o orçamento para medicamen-
instabilidade política, com a ausência de melho- tos na República Democrática do Congo, depois
rias na esperança de vida. Estes países concen- Zaire, foi reduzido a zero e os gastos do governo
tram características que impedem melhorias na com os distritos de saúde baixou para menos de
saúde. A educação, particularmente das mulhe- I$ 0,1 por habitante: o orçamento de saúde para
res, desenvolve-se mais lentamente, tal como o o sector público da Zâmbia foi reduzido em dois
acesso a meios de comunicação modernos e ao terços; e os fundos disponíveis para fazer face às
trabalho de recurso intensivo ao conhecimento, despesas e salários do grupo de trabalhadores
que aumenta os recursos intelectuais das pessoas governamentais em expansão, caíu até 70%
em qualquer outra parte do mundo. As pessoas em países como os Camarões, Gana, Sudão e a
estão mais expostas e mais vulneráveis a amea- República Unida da Tanzânia 36. Para as autori-
ças de saúde, ambientais e outras que, no mundo dades de saúde desta parte do mundo, os anos 80
globalizado de hoje, incluem estilos de vida e 90, foram uma época de gestão de orçamentos
perigosos, tais como o tabagismo, a obesidade cada vez mais reduzidos e de desinvestimento.
e a violência urbana. Falta-lhes a segurança mate- Para o povo, este período de contracção fiscal
rial necessária para investirem na sua própria foi uma época em que a utilização de serviços
saúde e, aos seus governos, falta-lhes os recursos de saúde, desadequados e sub-financiados, era
necessários e/ou compromisso para investimento financiada por pagamentos directos dos utentes,
público. Estas pessoas encontram-se em muito com impactos catastróficos.
maior risco de guerra e de conflito civil do que Em grande parte do mundo, o sector da saúde
as dos países mais ricos 30. Sem crescimento, a é, muitas vezes, brutalmente sub-financiado. Em
paz é consideravelmente mais difícil e, sem paz, 2005, 45 países gastaram menos do que I$ 100 per
o crescimento estagna: em média, uma guerra capita, em saúde, incluindo a assistência exerna 38.
civil reduz o crescimento de um país em cerca Em contrapartida, 16 países de rendimentos
de 2,3% ao ano para uma duração típica de sete elevados gastaram mais de I$ 3 000 per capita.
anos, deixando o país 15% mais pobre34. Os países de rendimentos baixos destinam geral-
Não é possível exagerar o impacto da com- mente uma proporção mais pequena do seu PIB
binação da estagnação com os conf litos. Os para a saúde do que os países de rendimento
conflitos são uma fonte directa de sofrimento, elevado, enquanto que o PIB dos primeiros é mais
doença e mortalidade, consideráveis e excessivos. pequeno à partida e com cargas de doença mais
Na República Democrática do Congo, por exemplo, elevadas.
em 1998-2004, o conflito provocou um excesso Uma maior despesa em saúde está associada
de mortalidade de 450 000 mortes por ano35. a melhores resultados de saúde, embora sensível
Qualquer estratégia para ultrapassar as grandes a escolhas políticas e ao contexto (Caixa 1.2):
diferenças, em termos de saúde, entre os países onde o dinheiro é escasso, os efeitos dos erros,
– e mesmo para corrigir as desigualdades dentro por omissão ou por comissão, são ampliados.
dos países – tem de considerar a criação de um No entanto, onde a despesa aumenta rapida-
ambiente de paz, estabilidade e prosperidade que mente, abrem-se novas perspectivas de transfor-
permita o investimento no sector da saúde. mar e adaptar os sistemas de saúde, perspectivas
Uma história de crescimento económico lento essas que são muito mais limitadas num contexto
é também uma história de recursos estagnados de estagnação.
para a saúde. O que se passou na África subsariana

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Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

Adaptação a novos desafios em mais geral de que, entre os países em desenvolvi-


mento, uma melhoria na governação local pode
saúde ajudar a produzir 75 anos, ou mais, de esperança
Um mundo globalizado, urbanizado e em de vida; com uma governação local fraca, a espe-
envelhecimento rança de vida pode ser tão baixa como 35 anos.
O mundo mudou nos últimos 30 anos: poucos Um terço da população urbana mundial, hoje em
teriam imaginado que as crianças em África dia – mais de mil milhões de pessoas – vive em
estariam agora em muito maior risco de morte bairros pobres: em locais onde faltam construções
devido a acidentes de viação, do que as crianças sólidas, área suficiente para se viver, acesso a água
em países de rendimento tanto elevado como baixo potável e saneamento, bem como segurança40.
ou médio, da região Europeia (Figura 1.7). Os bairros de lata são propícios ao fogo, inunda-
Muitas das mudanças que afectam a saúde já ções e desabamentos de terras; os seus habitan-
eram visíveis em 1978, mas aceleraram e con- tes estão expostos, de forma desproporcionada,
tinuarão a fazê-lo. à poluição, a acidentes, aos riscos no local de
Há trinta anos, cerca de 38% da população trabalho e à violência urbana. A perda de coesão
mundial vivia em cidades; em 2008, esta propor- social e a globalização de estilos de vida não
ção é superior a 50%, o equivalente a 3,3 mil saudáveis, contribuem para um ambiente que é,
milhões de pessoas. Em 2030, quase 5 mil mi- definitivamente, desfavorável à saúde.
lhões de pessoas irão viver em áreas urbanas. É nestas cidades que se encontram muitos dos
A maior parte do crescimento acontecerá nas quase 200 milhões de migrantes internacionais50.
cidades mais pequenas dos países em desenvolvi- Eles constituem pelo menos 20% da população em
mento e em metrópoles de tamanho e complexidade 41 países, 31% dos quais têm menos de um milhão
sem precendentes, no sudeste asiático42. Apesar de, de habitantes. Excluir os migrantes do acesso a
em média, os indicadores de saúde em cidades cuidados é o equivalente a negar a todos os habi-
serem melhores do que em áreas rurais, a imensa tantes de um país semelhante ao Brasil os seus
estratificação social e económica dentro das áreas direitos à saúde. Alguns dos países que fizeram
urbanas resulta em iniquidades em saúde bastante vários progressos significativos, em termos de
significativas43,44,45,46. Na área de rendimentos garantir aos seus cidadãos o acesso a cuidados,
elevados de Nairobi, a taxa de mortalidade abaixo não garantem os mesmos direitos aos outros resi-
dos cinco anos está em menos de 15 em cada mil, dentes. Uma vez que a migração continua numa
mas no bairro periférico de Emabakasi, da mesma expansão imparável, os direitos dos residentes
cidade, a taxa é de 254 por mil47. Estes e outros não-cidadãos e a capacidade do sistema de ser-
exemplos semelhantes levam a uma observação viços de saúde em dar resposta à crescente diver-
sidade linguística e cultural de forma equitativa
Figura 1.7 As crianças de África estão em maior risco de morte devido a
acidentes de trânsito do que as crianças europeias: mortes de e eficaz, já não constituem questões marginais.
crianças em acidentes na estrada, em 100 000 pessoas41 Este mundo móvel e urbanizado está a envelhe-
África Europa, países de rendimento médio e Europa, países de rendimento cer rapidamente e assim vai continuar. Em 2050,
baixo elevado
50 o mundo irá contar com 2 mil milhões de pessoas
acima dos 60 anos de idade, das quais cerca de
85% estarão a viver nos países hoje considerados
40
como em desenvolvimento, sobretudo nas suas
área urbanas. Ao contrário dos países ricos de
30
hoje, os países de rendimento médio ou baixo estão
a envelhecer, e rapidamente, antes de se terem
20 tornado ricos, o que redobra o desafio.
Urbanização, envelhecimento e mudanças
10 globalizadas nos estilos de vida combinam-se
entre si para tornar as doenças crónicas e não
0 transmissíveis – incluindo a depressão, diabetes,
0–4 5–9 10–14 15–19

8
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

doença cardiovascular e cancros – e os trauma- jovens adultos têm tendência para serem afecta-
tismos, causas cada vez mais importantes de dos 53,54,55. A frequência da multi-morbilidade em
morbilidade e de mortalidade (Figura 1.8)51. Há países de rendimento baixo não está tão bem
uma mudança notória na distribuição das mortes descrita – com excepção do contexto da epidemia
e doenças, dos mais novos para os mais velhos, do VIH/SIDA, má nutrição ou malária – mas é
e de causas infecciosas, perinatais e maternas, provavelmente bastante subestimada 56,57. Uma
para doenças não-transmissíveis. O número de vez que as doenças da pobreza estão inter-rela-
acidentes de viação vai aumentar; as mortes rela- cionadas, a partilha das causas, que são múlti-
cionadas com o tabaco irão ultrapassar as mortes plas e actuam em conjunto para produzir mais
relacionadas com o VIH/SIDA. Mesmo em África, deficiência e mais doença, a multi-morbilidade
onde a população continua jovem, o tabagismo, a é provavelmente mais, e não menos, frequente
tensão arterial elevada e o colestrol encontram-se nos países pobres. Considerar a co-morbilidade
entre os 10 maiores factores de risco em termos – incluindo problemas de saúde mental, vícios e
de peso global da doença 52. Nas últimas décadas, violência – reforça a importância de abordar a
muita da falta de progresso e praticamente todos pessoa como um todo. E isso é tão importante
os retrocessos em termos de esperança de vida, em países em desenvolvimento como no mundo
estiveram associados a crises de saúde em idade industrializado58.
adulta, tal como aconteceu na Federação Russa É insuficientemente apreciado o facto de que
ou África Austral. No futuro, a melhoria em saúde esta transição para uma agenda de doenças cróni-
será cada vez mais uma questão de melhor saúde cas ou de problemas de saúde dos adultos tem
nos adultos. de conviver com uma agenda, ainda inacabada,
O envelhecimento chamou a atenção para relacionada com doenças transmissíveis e com a
uma questão que é de particular relevância saúde materna, do recém-nascido e da criança.
para a organização da prestação de serviços: Os esforços dirigidos a esta última, agenda,
a frequência cada vez maior da multi-morbili- especialmente nos países mais pobres, onde
dade. No mundo industrializado, 25% de pessoas a cobertura é ainda insuficiente, terão de ser
entre os 65-69 anos e 50% entre os 80-84 anos reforçados12. Mas todos os sistemas de saúde,
estão afectadas por duas ou mais enfermidades incluindo os dos países pobres, também terão
crónicas, em simultâneo. Em populações social- de dar resposta às necessidades e procura cres-
mente carenciadas, também as crianças e os centes de cuidados para as doenças crónicas e

Figura 1.8 Aumento das doenças não-transmissíveis e dos acidentes como causas de morte*
Mortes (milhões) Acidentes de viação
Doenças cerebrovasculares
35
Doenças isquémicas do coração

30 Cancros
Causas perinatais
25 Infecções respiratórias agudas
Doenças diarreicas
20 Malária
VIH/SIDA
15 Tuberculose

10

0 * Causas seleccionadas
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2018 2020 2022 2024 2026 2028 2030

9
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

Caixa 1.3 À medida que a informação melhora, as múltiplas dimensões da crescente


iniquidade em saúde vão-se tornando mais óbvias

Nos anos mais recentes, a dimensão das disparidades, no país, em vulnerabilidade, no acesso a cuidados e nos resultados em saúde
têm vindo a ser descritos cada vez com maior detalhe (Figura 1.9) 59 . Informação melhorada mostra que as iniquidades em saúde têm
tendência para aumentar, acentuando a forma inadequada e desigual como os sistemas de saúde têm respondido às necessidades de
saúde das pessoas. Apesar da recente ênfase na redução da pobreza, os sistemas de saúde continuam a ter dificuldade em chegar
aos pobres – tantos urbanos como rurais – e, ainda mais, em abordar as múltiplas causas e consequências da iniquidade em saúde.

Figura 1.9 Iniquidades, nos países, em saúde e em cuidados de saúde


Despesa familiar em saúde, per capita, como Tempo médio (minutos) gasto para
percentagem da despesa familiar total, por grupo chegar a um posto de saúde
de rendimento ambulatório, por grupo de rendimento
6 50

5
40

4
30
3
20
2

1 10

0 0
Costa do Marfim Gana Madagáscar Bósnia-Herzegovina Comoros Equador
1988 1992 1993–4 2003–4 2003–4 2003–4
Quintil inferior Quintil 2 Quintil 3 Quintil 4 Quintil superior
Mulheres que utilizam a profilaxia da malária (%), Cobertura total de imunização básica (%),
por grupo de rendimento por grupo de rendimento
100 100

80 80

60 60

40 40

20 20

0 0
Guiné Maláui Níger Tanzânia Bangladesh Colômbia Indonésia Moçambique
2005 2004 2006 2004 2004 2005 2002–3 2003
Quintil inferior Quintil 2 Quintil 3 Quintil 4 Quintil superior

Taxa de mortalidade neonatal, Nascimentos assistidos por profissional de saúde (%),


consoante o grau de educação da mãe consoante grau de educação da mãe
100 100

80 80

60 60

40 40

20 20

0 0
Bolívia Colômbia Lesoto Nepal Filipinas Benin Bolívia Botsuana Camboja Perú
2003 2005 2003 2006 2003 2001 2003 1998 2005 2000
Fontes: (60, 61, 62, 63). Sem educação Educação Primária Educação Secundária ou Superior

10
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

não-transmissíveis: isto não é possível sem, com- quando são particularmente eficazes em termos
parativamente ao que acontece hoje, se prestar de custos: têm o potencial de reduzir as mortes
muito mais atenção ao estabelecimento de um prematuras em 47% e de aumentar a esperança de
contínuo de cuidados compreensivos. É igualmente vida saudável global em 9,3 anos64,66. Por exemplo,
impossível se não se prestar muito mais atenção à espera-se que as mortes prematuras, atribuíveis
forma como se tratam as grandes desigualdades ao tabaco, por doença coronária, doença cérebro-
em saúde em cada país (Caixa 1.3). vascular, doença pulmonar obstructiva crónica e
outras doenças, venham a aumentar de 5,4 mi-
Pouca antecipação e reacções lentas lhões em 2004 para 8,3 milhões em 2030, quase
Ao longo das últimas décadas, as autoridades de 10% de todas as mortes em todo o mundo67, com
saúde têm demonstrado pouca capacidade em mais de 80% em países em desenvolvimento12.
anteciparem as referidas mudanças, prepararem- No entanto, dois em cada três países ainda se
se para ela, ou mesmo de se lhes adaptarem uma encontram sem, ou têm apenas um mínimo de
vez estabelecidas. Isto é preocupante, uma vez políticas de controlo do tabaco12.
que o ritmo da mudança está a acelerar. A globa- Com algumas excepções – a epidemia da Sín-
lização, a urbanização e o envelhecimento serão drome Respiratória Aguda Grave, por exemplo
acompanhados pelos efeitos na saúde de outros – o sector da saúde tem sido muitas vezes lento
fenómenos globais, tais como alterações climáticas, na resposta aos desafios de saúde quer sejam
cujo impacto se prevê ser maior junto das comu- novos ou anteriormente subestimados. Por exem-
nidades mais vulneráveis, que vivem nos países plo, a percepção das ameaças emergentes para
mais pobres. É mais difícil prever, de uma forma a saúde, associadas às alterações climáticas e
precisa, como é que isto irá afectar a saúde nos aos desastres ambientais, já vem desde, pelo
próximos anos, mas são esperadas mudanças rápi- menos, a Cimeira da Terra em 199068, mas só em
das no peso da doença, desigualdades crescentes anos recentes é que se viu traduzida em planos
em saúde, ruptura da coesão social e no poder e estratégias 69,70.
de recuperação do sector da saúde. A actual crise As autoridades de saúde também falharam na
alimentar tem revelado que as autoridades de avaliação atempada do significado das mudanças,
saúde estão, muitas vezes, mal preparadas para no seu contexto político, que afectam a capacida-
lidar com a mudança no ambiente mais global, de de resposta do sector. Os contextos de política
mesmo depois de outros sectores virem a soar nacional e global consideraram inúmeras vezes
o alarme há já algum tempo. A maior parte das as questões da saúde, dando início a intervenções
vezes, o ritmo acelerado e a escala global das precipitadas e desconexas, tais como o ajustamento
mudanças nos desafios para a saúde contrastam estrutural, a descentralização, as estratégias de
com a lentidão das respostas dos sistemas nacio- redução da pobreza, as políticas de mercado insen-
nais de saúde. síveis, os novos regimes de impostos, as políticas
Mesmo para tendências bem conhecidas e fiscais e o abandono do sector pelo Estado. As auto-
documentadas, tais como as que resultam de tran- ridades de saúde têm um fraco historial em termos
sições epidemiológicas e demográficas, o nível de da sua capacidade de influenciar os desenvolvi-
resposta mantém-se muitas vezes inadequado64. mentos observados e têm sido ineficazes em realça-
Dados dos Inquéritos de Saúde Mundial da OMS, rem a importância económica do sector da saúde.
abrangendo 18 países de rendimento baixo, Muitas das questões sistémicas, críticas, que
revelam baixos níveis de cobertura no tratamento afectam a saúde, requerem capacidades e compe-
da asma, artrite, angina, diabetes e depressão, tências que não se encontram na área médica ou
e do rastreio dos cancros da mama e do colo do da saúde pública. A incapacidade em reconhecer
útero: menos de 15% no quintil de rendimento a necessidade de competências para além das
mais baixo e menos de 25% no mais elevado65. associadas às disciplinas tradicionais da saúde,
As intervenções de saúde pública para remover tem condenado o sector a níveis invulgarmente
os mais importantes factores de risco de doença elevados de incompetência e ineficácia dos siste-
são frequentemente negligenciados, mesmo mas, que a sociedade mal pode suportar.

11
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

Tendências que comprometem Figura 1.10 Como os sistemas de saúde são desviados dos valores essenciais
aos CSP
a resposta dos sistemas de saúde Equidade em Saúde
Sem políticas ou lideranças fortes, os sistemas
de saúde não evoluem espontaneamente para os Acesso universal ao
cuidados orientados
valores que orientam os CSP, nem respondem efi- Sistemas para as pessoas
de Saúde
cazmente aos crescentes desafios de saúde. Como Comunidades
saudáveis
é do conhecimento da maioria dos líderes na área
da saúde, os sistemas de saúde estão sujeitos a

Reforma dos CSP

Reforma dos CSP


poderosas forças e influências que, muitas vezes, Tendências actuais
se sobrepõem ao estabelecimento racional de
Hospitalo-centrismo
prioridades nacionais ou à formação de políticas,
desviando os sistemas de saúde das finalidades
previamente estabelecidas71. As tendências que, Comercialização
tipicamente, formatam os sistemas de saúde
actuais, incluem (Figura 1.10):
Fragmentação
■■ um enfoque desproporcionado em cuidados ter-
ciários especializados, frequentemente referido
como “hospitalo-centrismo”;
■■ fragmentação, como resultado da multipli- Por exemplo, em Países Membros da Organização
cação de programas e projectos; para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
■■ comercialização generalizada dos cuida- (OCDE), o crescimento de 35% no número de
dos de saúde, em sistemas de saúde não médicos nos últimos 15 anos, foi impulsionado
regulamentados. pelo número crescente de especialistas (com um
Com o objectivo centrado na contenção de aumento de 50% entre 1990 e 2005 – comparando
despesas e na desregulamentação, muitas das com um aumento de apenas 20% para os médicos
reformas do sector da saúde dos anos 80 e 90 de clínica geral)75. Na Tailândia, há 30 anos, menos
reforçaram estas tendências. Os países de rendi- de 20% dos médicos eram especialistas; em 2003,
mento elevado têm, geralmente, sido capazes de os especialistas representavam 70% do total de
regulamentar no sentido de conter algumas das médicos76.
consequências adversas destas tendências. No As forças que impulsionam este crescimento
entanto, em países onde o sub-financiamento se incluem tradições e interesses profissionais bem
combina com uma capacidade reguladora limi- como o considerável peso económico da indústria
tada, estas tendências têm tido enormes efeitos da saúde – tecnologia e empresas farmacêuticas
prejudiciais. (Caixa 1.4). Obviamente, os cuidados terciários
especializados e que funcionam bem, dão respos-
Hospitalo-centrismo: sistemas de saúde ta a uma procura real (ainda que, pelo menos
construídos em torno de hospitais e em parte, induzida): são necessários, no mínimo,
especialistas para a credibilidade política do sistema de saúde.
Durante grande parte do século XX, os hospitais, No entanto, a experiência dos países industriali-
com a sua tecnologia e sub-especialidades, ganha- zados mostra que uma concentração despropor-
ram um papel central na maioria dos sistemas cionada em cuidados terciários especializados
de saúde em todo o mundo72,73. Hoje em dia, valoriza pouco o dinheiro gasto72. A centralização-
o enfoque desproporcional nos hospitais e na sub- hospitalar implica custos consideráveis em ter-
-especialização tornou-se a maior fonte de ineficá- mos de medicação e iatrogénese desnecessárias77,
cia e desigualdade, que já provou ser extraordi- e compromete as dimensões humana e social da
nariamente resistente à mudança. As autoridades saúde73,78. Também implica um custo de oportuni-
de saúde podem dar voz à sua preocupação de dade: o Líbano, por exemplo, tem mais unidades
forma mais insistente do que costumavam fazer, de cirurgia cardíaca por habitante do que a Ale-
mas a sub-especialização continua a prevalecer74. manha, mas não tem programas direccionados

12
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

à redução de factores de risco da doença cardio-


vascular79. As maneiras mais ineficientes de abor- Caixa 1.4 O equipamento médico e as
dar os problemas da saúde estão, desta forma,
indústrias farmacêuticas constituem
a substituir formas mais efectivas, eficientes – e
equitativas80 – de organizar os cuidados de saúde importantes forças económicas
e de melhorar a saúde81.
Desde os anos 80, a maioria dos países da OCDE A despesa global em equipamento médico e aparelhos cresceu
tem estado a tentar diminuir a sua dependência de 145 mil milhões de dólares americanos em 1998 para 220
nos especialistas e tecnologias hospitalares e man- mil milhões em 2006: Os Estados Unidos da América são
responsáveis por 39% do total, a União Europeia por 27% e
ter os custos sob controlo. Fizeram-no intervindo
o Japão por 16% 90 . A indústria emprega mais de 411 400
na oferta disponível, incluindo a diminuição de trabalhadores só nos Estados Unidos, ocupando quase um
camas hospitalares, substituindo a hospitali- terço de todos os empregos do país na área da biociência91.
zação por cuidados domiciliários, racionalização Em 2006, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão
de equipamentos médicos e um grande número gastaram, respectivamente,$287, $250 e $273 per capita
em equipamento médico. No resto do mundo, a média dessa
de incentivos e desincentivos financeiros para
despesa é na ordem dos $6 per capita e na África subsariana
promover a eficiência ao nível micro. Os resultados – um mercado com bastante potencial para expansão, é de
destes esforços têm sido dos mais diversos, mas a $2,5 per capita. A taxa de crescimento anual do mercado de
constante evolução da tecnologia está a acelerar equipamento é de mais de 10% ao ano92 .
a mudança dos cuidados prestados no hospital A indústria farmacêutica pesa ainda mais do que a economia
especializado para os cuidados primários. Em global, com as vendas farmacêuticas globais com uma expan-
muitos países de rendimento elevado (mas não são prevista de 735-745 mil milhões de dólares americanos,
com uma taxa de crescimento na ordem dos 6-7% 93 . Aqui,
todos), a aposta nos CSP nos anos 80 e 90 conse- também, os Estados Unidos são o maior mercado mundial,
guiram um melhor equilíbrio entre cuidados sendo responsáveis por cerca de 48% do total do mundo: a
curativos especializados, cuidados de primeiro despesa per capita em medicamentos foi de $1 141 em 2005,
contacto e promoção da saúde 81. Nos últimos 30 duas vezes maior do que o nível do Canadá, Alemanha ou do
anos, isto contribuiu para melhorias significati- Reino Unido, e 10 vezes mais do que o México94 .
vas nos resultados em saúde 81,82. Mais recente- Os cuidados hospitalares e especializados são vitais para
estas indústrias, que dependem do pré-pagamento e da
mente, países de rendimentos médios, tais como
assunção de riscos para o financiamento sustentado da sua
o Chile com a sua Atención Primaria de Salud expansão. Enquanto este mercado cresce, em todo o lado,
(Cuidados de Saúde Primários)83, o Brasil com a existem grandes diferenças de país para país. Por exemplo, o
sua iniciativa de saúde familiar e a Tailândia com Japão e os EUA têm 5-8 vezes mais unidades de ressonância
o seu sistema de cobertura universal 84, altera- magnética por milhão de habitantes do que o Canadá ou os
Países Baixos. Para os scanners de tomografia computorizada,
ram, de forma muito semelhante, o equilíbrio
as diferenças ainda são mais pronunciadas: o Japão tinha 92,6
entre os cuidados hospitalares especializados por milhão em 2002, os Países Baixos 5,8 em 200595 . Estas
e os cuidados primários 85. Os resultados iniciais diferenças mostram que o mercado pode ser influenciado,
são encorajadores: melhoria dos indicadores de principalmente através do recurso a incentivos de pagamento
resultados86 combinada com um progresso signi- e reembolso apropriados e através da consideração cuidada
da organização de controlo regulamentar96 .
ficativo na satisfação por parte dos doentes 87. Em
cada um destes casos, a mudança ocorreu como
parte de um movimento em direcção à cober- hospitais, tendo compreendido o custo de opor-
tura universal, com mais direitos dos cidadãos tunidade do hospitalo-centrismo em termos de
ao acesso e à protecção social. Estes processos eficácia e equidade. No entanto, muitos países
são muito semelhantes ao que ocorreu na Malásia de rendimento baixo e médio estão a criar as
e em Portugal: direito ao acesso, protecção social, mesmas distorções. A pressão da procura por
e melhor equilíbrio entre a dependência nos hos- parte do consumidor, as profissões médicas
pitais e nos cuidados primários generalistas, e o complexo médico-industrial 88 é tal, que os
incluindo a prevenção e a promoção da saúde 6. recursos de saúde, públicos e privados, fluem
Os países industrializados estão, 50 anos mais desproporcionadamente para os cuidados hospi-
tarde, a tentar reduzir a sua dependência nos talares especializados à custa do investimento

13
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

nos cuidados primários. Às autoridades nacio- a construir sistemas de saúde onde estes não
nais de saúde faltaram-lhes, muitas vezes, os existissem. Muitas vezes, o que se observou foi o
apoios financeiro e político para contrariar esta oposto do esperado. A sustentabilidade limitada
tendência e alcançar um melhor equilíbrio. de uma abordagem limitada ao controlo de um
Os doadores usaram também a sua influência número limitado de doenças, bem como as distor-
mais em apoio de protocolos de controlo da ções causadas nos sistemas de saúde mais fracos
doença do que em direcção às reformas que fa- e sub-financiados, têm sido bastante criticadas
riam com que os cuidados primários se tornas- nos últimos anos 98. Ganhos imediatistas têm
sem na charneira do sistema de saúde89. sido de vida curta e têm fragmentado os serviços
de saúde a tal ponto que esta fragmentação é,
Fragmentação: sistemas de saúde centrados agora, a principal preocupação das autoridades
em programas prioritários de saúde. Com cadeias de comando e mecanis-
Enquanto que a saúde urbana gira, fortemente, em mos de financiamento paralelos, esquemas de
torno dos hospitais, os pobres rurais são cada vez supervisão e de formação duplicados, e custos
mais confrontados com a fragmentação progres- de transacção avultados, levaram a situações em
siva dos seus serviços de saúde, uma vez que as que os programas competem entre si por parcos
abordagens “selectiva” ou “vertical” se centram em recursos e pessoal e pela atenção dos doadores,
programas e projectos de controlo da doença indi- enquanto os problemas estruturais dos sistemas
vidual. Originalmente considerados como estraté- de saúde – financiamento, pagamento e recursos
gias interinas para atingir resultados equitativos humanos – continuam a receber pouca atenção.
em saúde, eles emergiram da preocupação com a A discrepância salarial entre os empregos nor-
expansão lenta do acesso aos cuidados de saúde, mais no sector público e os programas e projectos
num contexto de mortalidade e morbilidade, com melhor financiamento, exacerbou a crise de
persistentes e excessivas, para as quais existem recursos humanos nos sistemas de saúde mais
intervenções com um elevado rácio de custo-efec- frágeis. Na Etiópia, o pessoal a contrato admitido
tividade97. Uma concentração especial em pro- para ajudar a implementar programas, era pago
gramas e projectos é particularmente atractiva três vezes mais do que os funcionários públicos99,
para uma comunidade internacional preocupada enquanto que no Maláui, um hospital assistiu
em obter um retorno visível do seu investimento. à saída de 88 enfermeiras que foram trabalhar
Os programas e projectos adaptam-se bem a uma para uma organização não governamental (ONG),
gestão tipo comando-e-controlo: uma forma de por um período de 18 meses100.
trabalhar que também agrada aos Ministérios Em última análise, a prestação de serviços
da Saúde mais tradicionais. Com pouca tradição, acabará por abordar apenas as doenças para as
em termos de colaboração com outros líderes de quais exista um programa (financiado) – ignorando
opinião ou com a opinião pública, e com uma as pessoas que tiverem a infelicidade de não se
fraca capacidade de regulamentação, as abor- enquadrarem nas prioridades dos actuais pro-
dagens programáticas têm sido o veículo natu- gramas. É difícil manter a confiança das pessoas
ral de desenvolvimento da acção governativa em se elas forem consideradas como meros alvos de
países dependentes de donativos e com sérias programas: assim sendo, os serviços revelam falta
limitações de recursos. Tiveram o mérito de se de sustentabilidade social. E isto não é apenas
centrar nos cuidados de saúde em circunstâncias um problema para a população. Coloca os traba-
de grave escassez de recursos, com a preocupa- lhadores de saúde na posição, nada invejável,
ção de chegar aos mais pobres e aos que estão de ter de recusar pessoas com “o tipo errado de
mais privados dos serviços. Muitos tiveram a problema” – o que cai mal na imagem de pro-
esperança de que as iniciativas de controlo de fissionalismo e solicitude que muitos fomentam.
doenças específicas iriam maximizar o retorno As autoridades de saúde podem, inicialmente, ser
do investimento e, de alguma forma, fortalecer os seduzidas pela aparente simplicidade da gestão
sistemas de saúde, à medida que as intervenções e financiamento dos programas; contudo, assim
cobrissem um número cada vez maior de pessoas, que os programas se multiplicam e a fragmen-
ou que seriam o ponto de partida para começar tação se torna ingovernável e insustentável,

14
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

os méritos de abordagens mais integradas tor- comprada ou vendida com base numa “taxa-por-
nam-se muito mais evidentes. A re-integração de -serviço”, sem regulamentação ou protecção do
programas já estabelecidos, não é, no entanto, consumidor108.
tarefa fácil. A comercialização tem consequências, tanto ao
nível da qualidade como do acesso aos cuidados.
Sistemas de saúde à deriva em direcção As razões são claras: o prestador tem o conhe-
à comercialização desregulamentada cimento; o doente tem pouco ou nenhum.
Em muitos países, senão na maioria dos países de O prestador tem interesse em vender o que é mais
rendimento médio e baixo, a falta de recursos e a lucrativo, mas não necessariamente o que é melhor
fragmentação dos sistemas de saúde aceleraram para o doente. Sem sistemas eficazes de controlo,
o desenvolvimento de cuidados de saúde comer- os resultados podem ser lidos nos relatórios das
cializados, aqui definidos como a venda desregu- organizações de protecção aos consumidores ou
lamentada de cuidados de saúde, a troco de um em artigos de jornais que expressam a afronta sen-
pagamento pelo serviço prestado, independente- tida perante a quebra do contrato implícito entre
mente de ser ou não do Estado, privado ou não o prestador de cuidados e o seu cliente109. Aqueles
governamental. que não podem pagar pelos cuidados de que pre-
A comercialização dos cuidados de saúde cisam, são excluídos; os que podem, poderão não
atingiu proporções nunca antes vistas em países receber os cuidados de que necessitam e muitas
que, por escolha ou por falta de capacidade, vezes recebem cuidados de que não precisam e,
falharam em regulamentar o sector. Originalmente invariavelmente, pagam demais. Os sistemas de
limitados ao fenómeno urbano, os cuidados de saúde comercializados e não regulamentados são
saúde tipo taxa-por-serviço, desregulamentados altamente ineficazes e dispendiosos110: agravam a
e em pequena escala, oferecidos por uma multi- iniquidade111, e prestam cuidados de fraca quali-
tude de diferentes fornecedores, dominam agora dade e, por vezes, perigosos, o que é mau para
a paisagem de cuidados de saúde desde a África a saúde (na República Democrática do Congo, por
subsariana às economias em mudança da Ásia ou exemplo, la chirurgie safari – cirurgia de safari
da Europa. – refere-se a uma prática comum entre os traba-
A comercialização atravessa, muitas vezes, a lhadores de saúde, a de realizarem apendicecto-
divisão público-privado101. A prestação de cuida- mias, ou outras intervenções cirúrgicas, em casa
dos médicos em muitas instalações governamen- dos doentes, muitas vezes a troco de pagamentos
tais e mesmo em ONG sem fins lucrativos, tem sido exorbitantes).
efectivamente comercializada através de sistemas Assim, a comercialização dos cuidados de saúde
informais de pagamento, e os sistemas de recupera- é um importante contributo para a erosão da con-
ção de custos colocam o peso do financiamento dos fiança nos serviços de saúde e na capacidade das
serviços nos utentes, numa tentativa de se compen- autoridades de saúde em proteger o público111.
sar o sub-financiamento crónico do sector público É este facto que torna o assunto numa questão de
da saúde e a rigidez fiscal resultante da imposição preocupação para os políticos e, muito mais do
do ajustamento estrutural102,103. Nesses mesmos que acontecia há 30 anos, numa das principais
países, funcionários públicos com múltiplos razões para aumentar o apoio a reformas para
empregos, constituem uma grande parte do sector alinhar mais os sistemas de saúde, não só com os
comercial desregulamentado104, enquanto que ou- desafios de saúde de hoje, mas também com as
tros recorrem a pagamentos ilícitos105,106,107. Assim, expectativas das pessoas.
o debate público-privado das últimas décadas tem
passado muito ao lado da verdadeira questão: para
as pessoas, esta questão não é se o seu presta- Valores em mudança e expectativas
dor de serviços é um funcionário público ou um crescentes
empresário privado, nem mesmo se as instala- A razão para os sistemas de saúde se organizarem
ções de saúde são públicas ou privadas. A verda- em torno dos hospitais ou serem comercializados
deira questão é se os serviços de saúde estão ou é, em grande parte, porque são guiados pela oferta
não reduzidos a uma mercadoria que pode ser e também correspondem à procura: genuína ou

15
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

que são guiados por interesses e objectivos que


Caixa 1.5 A saúde está entre as estão desligados das expectativas das pessoas. À
principais preocupações pessoais medida que as sociedades se modernizam e se
tornam mais afluentes e conhecedoras, obser-
vam-se mudanças no que as pessoas consideram
Quando as pessoas são questionadas sobre quais são os
ser formas desejáveis de viver como indivíduos
problemas mais importantes que elas ou as suas famílias
têm de enfrentar na actualidade, as questões financeiras são e membros de sociedades, isto é, no que as pesso-
geralmente as que se encontram no topo da lista, seguidas as valorizam 112. Hoje em dia, as pessoas tendem
de muito perto pelas preocupações com a saúde118 . Num em a considerar os serviços de saúde como uma
cada dois países, a doença pessoal, os custos associados a mercadoria, mas também têm outras expectativas
cuidados médicos, a fraca qualidade dos cuidados ou outras
crescentes em relação à saúde e aos cuidados de
questões associadas à saúde encontram-se nos primeiros
lugares das principais preocupações de um terço da popu- saúde. Ao contrário do que vulgarmente se pensa,
lação inquirida (Figura 1.11). Assim, não é surpreendente que as pessoas preocupam-se cada vez mais com a
o colapso do sistema de cuidados de saúde – ou mesmo a saúde como parte integral da forma como elas e as
ameaça de colapso – possa levar a um nível de descontenta- suas famílias vivem o seu dia-a-dia (Caixa 1.5)113.
mento popular que ameace as ambições de qualquer político
Esperam que as suas famílias e as suas comuni-
considerado responsável119 .
dades sejam protegidas dos riscos e perigos para
Figura 1.11 Percentagem da população que cita a saúde como a sua maior a saúde. Querem cuidados de saúde que tratem as
preocupação, mais que outros temas, como problemas financeiros,
habitação ou criminalidade118. pessoas como indivíduos com direitos e não como
Polónia simples objectivos de programas ou beneficiários
Ucrânia
Federação Russa de caridade. Têm todas as intenções de respeitar
Bulgária
Alemanha
Itália
os profissionais de saúde, mas também querem
Suécia
Israel ser respeitados, num clima de confiança mútua114.
Turquia
Espanha
República Checa
As pessoas também têm expectativas sobre
França
Eslováquia a forma como a sua sociedade aborda a saúde e
Reino Unido
México
os cuidados de saúde. Aspiram a mais solidarie-
Canadá
Chile
dade e equidade em saúde e são cada vez mais
Perú
Argentina intolerantes para com a exclusão social – mesmo
Brasil
Estados Unidos
Venezuela se, individualmente, mostrarem relutância em
Bolívia
assumirem estes valores115. Esperam que as auto-
República da Coreia
Japão
China ridades de saúde – quer sejam públicas ou de
Malásia
outros organismos – façam mais para proteger
Bangladesh
Indonésia
Índia o seu direito à saúde. Os inquéritos sobre valores
Marrocos sociais, que têm vindo a ser conduzidos desde
Paquistão
Egipto
Líbano
os anos 80, revelam uma convergência crescente
Kwait
Jordânia sobre os valores mais apreciados nos países em
Território Palestiniano Ocupado
Uganda
desenvolvimento e nas sociedades mais afluentes,
Mali
República Unida da Tanzânia
onde a protecção social e o acesso aos cuida-
Costa do Marfim
Senegal dos são muitas vezes tidos como certos112,115,116.
Nigéria
Gana
África do Sul
A prosperidade crescente, o acesso ao conheci-
Quénia
Etiópia mento e à conectividade social estão associados
0 10 20 30 40 50 60 70
a expectativas crescentes. As pessoas querem ter
o direito a decidir mais sobre o que acontece
induzida pela oferta. Os sistemas de saúde são, nos seus locais de trabalho, nas comunidades
muitas vezes, um reflexo duma cultura de consu- em que vivem, e também de se pronunciarem
mo globalizada. Contudo, ao mesmo tempo, há sobre as importantes decisões governamentais
indicações de que as pessoas têm a noção de que afectam as suas vidas117. O desejo de melho-
que esses sistemas de saúde não lhes dão uma res cuidados e de mais protecção da saúde, de
resposta adequada às necessidades e procura, e menos iniquidades em saúde e de participação

16
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

em decisões que afectam a saúde, está mais disse- sólido. Inquéritos sociais revelam que, na região
minado e intenso, agora, do que há 30 anos. Por da Europa, 93% das populações apoiam uma
isso, espera-se, no momento actual, muito mais cobertura de saúde compreensiva117. Nos Estados
das autoridades sanitárias. Unidos, há muito reputado pela sua reluctância
em adoptar um sistema de seguro de saúde nacio-
Equidade em saúde nal, mais de 80% da população é a favor dele115,
A equidade, tanto em saúde, riqueza ou poder, é enquanto que o acesso a cuidados básicos para
raramente, se alguma vez, totalmente alcançada. todos continua a ser um objectivo social ampla-
Algumas sociedades são mais igualitárias do mente partilhado e intensamente esperado128.
que outras, mas, no geral, o mundo é “desigual”. As atitudes em países de rendimentos baixos não
Os inquéritos sobre valores, no entanto, demons- são tão bem conhecidas, mas extrapolando das
tram claramente que as pessoas se preocupam com opiniões conhecidas sobre a iniquidade de rendi-
estas iniquidades – considerando, uma proporção mento, é razoável depreender que uma prosperi-
substancial, que as “desigualdades” são injustas dade crescente está associada a uma preocupação
e que podem e devem ser evitadas. Dados que cada vez maior para com a equidade em saúde
remontam aos inícios dos anos 80, mostram que – mesmo que o consenso sobre a forma como deve-
as pessoas discordam cada vez mais da forma ria ser alcançada possa ser tão controverso como
como o rendimento é distribuído, e acreditam nos países mais ricos.
que uma “sociedade justa” deveria tentar corri-
gir estes desequilíbrios120,121,122,123. Isto dá, agora, Cuidados que colocam as pessoas em primeiro
aos legisladores, uma menor margem para igno- lugar
rar as dimensões sociais das suas políticas, do Como é óbvio, as pessoas querem cuidados de
que alguma vez tiveram anteriormente120,124. As saúde eficazes quando estão doentes ou trauma-
pessoas estão, muitas vezes, pouco cientes da tizadas. Querem que eles venham de prestado-
amplitude das iniquidades em saúde. A maio- res com integridade para agir nos seus melho-
ria dos cidadãos suecos, por exemplo, não tinha res interesses, equitativa e honestamente, com
provavelmente a noção de que a diferença, em conhecimento e competência. A procura da com-
termos de esperança de vida, entre homens de 20 petência não é trivial: alimenta a economia da
anos dos grupos socioeconómicos mais elevados saúde com a procura constante e cada vez maior
e mais baixos era de 3,97 anos em 1997: uma de cuidados profissionais (médicos, enfermeiros e
diferença que tinha aumentado em 88% quando outros clínicos não médicos que desempenham um
comparada com 1980125. Porém, enquanto que o papel cada vez maior, tanto nos países industriali-
conhecimento sobre estes temas pode ser parcial, zados como nos países em desenvolvimento)129.
a investigação mostra que as pessoas encaram os Por exemplo, em todo o mundo, as mulheres estão
gradientes sociais na saúde como sendo profun- a alterar a sua escolha de pessoas que as ajudam a
damente injustos126. A intolerância em relação dar à luz, das parteiras tradicionais para parteiras
à iniquidade em saúde e à exclusão de grupos profissionais, médicos e obstetras (Figura 1.12)130.
populacionais dos benefícios de saúde e pro- O movimento dos CSP subestimou a velocidade
tecção social, espelha ou excede a intolerância com que a transição da procura de prestadores
à iniquidade dos rendimentos. Na maioria das tradicionais para cuidados profissionais, iria
sociedades, existe um amplo consenso de que ultrapassar as tentativas iniciais de expandir
toda a gente deveria ser capaz de tomar conta da rapidamente o acesso aos cuidados de saúde
sua saúde e de receber tratamento quando está com base em “agentes de saúde comunitária”, não
doente ou traumatizado – sem ter de ir à falência profissionais, mas com um valor acrescentado
ou de cair na pobreza127. associado à sua “competência cultural”. Onde
À medida que as sociedades se tornam mais as estratégias de aumentar a cobertura de CSP
ricas, o apoio popular para o acesso equitativo se basearam em trabalhadores leigos como uma
aos cuidados de saúde e à protecção social, para alternativa, e não como um complemento aos
ir ao encontro das necessidades básicas de saúde profssionais, os cuidados prestados foram, fre-
e de apoio social, ganha um terreno cada vez mais quentemente, vistos como de baixa qualidade131.

17
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

Figura 1.12 A profissionalização dos cuidados à nascença: percentagem de


partos assistidos por profissionais e outros prestadores de cuidados
a
em áreas seleccionadas, 2000 e 2005 com projecções para 2015
Percentagem de nascimentos
100 Pessoa Leiga
Parteira
tradicional
80 Outros
profissionais
de saúde
Médico
60

40

20

0
2000 2005 2015 2000 2005 2015 2000 2005 2015 2000 2005 2015
África Ásia do Sul Médio Oriente, América Latina
Subsariana e Sudeste África do Norte e Caraíbas
e Ásia Central
a
Fonte: dados retirados de 88 inquéritos demográficos e de saúde 1995-2006, projecção linear para 2015

Isto empurrou as pessoas para os cuidados comer- pessoas querem mais dos cuidados de saúde do
ciais que, de forma errada ou acertada, eram vistos que intervenções. Cada vez mais, há um reco-
como sendo mais competentes, desviando a aten- nhecimento de que a resolução dos problemas
ção do desafio de incorporar mais eficazmente os de saúde deveria ter em consideração o contexto
profissionais sob a alçada dos CSP. sócio-cultural das famílias e das comunidades
Os proponentes dos CSP tinham razão sobre em que eles ocorrem 133.
a importância da competência cultural e rela- Hoje em dia, muitos dos cuidados de saúde,
cional, que se tornou na principal vantagem quer públicos quer privados, são organizados
comparativa dos agentes de saúde comunitária. em torno daquilo que os prestadores conside-
Os cidadãos do mundo em desenvolvimento, ram ser eficaz e conveniente, frequentemente
como os dos países ricos, não estão apenas à com pouca atenção ou compreensão sobre o que
procura de competência técnica: também querem é importante para os seus clientes134. As coisas
que os prestadores de cuidados de saúde sejam não têm de ser assim. Como a experiência tem
compreensivos, respeitadores e dignos de confi- demonstrado – particularmente, a dos países
ança132. Querem cuidados de saúde organizados industrializados – os serviços de saúde podem
em torno das suas necessidades, que respeitem ser mais orientados para as pessoas. Isto torna-
as suas crenças e que sejam sensíveis à situação -os mais eficazes e também cria um ambiente
particular da sua vida. Não querem ser levados de trabalho mais recompensador135. Lamentavel-
por prestadores pouco escrupulosos, nem ser mente, os países em desenvolvimento têm, muitas
considerados como meros alvos de programas vezes colocado menos ênfase em tornar os ser-
de controlo de doenças (provavelmente, nunca viços mais orientados para as pessoas, como se
gostaram muito desta situação, mas agora estão isso fosse menos relevante em circunstâncias de
certamente a manifestar-se mais assertivamente recursos limitados. No entanto, negligenciar as
sobre o tema). Em países ricos e pobres, as necessidades e expectativas das pessoas é uma

18
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

receita certa para separar os serviços de saúde com preocupações crescentes sobre os riscos
das comunidades que eles servem. Orientar-se para a segurança dos doentes139.
para as pessoas não é um luxo, é uma necessidade
também para os serviços que cuidam dos mais Autoridades de saúde atentas e de confiança
pobres. Só os serviços orientados para pessoas é Durante o século 20, a saúde foi sendo progressi-
que irão minimizar a exclusão social e evitar deixar vamente incorporada como um bem público garan-
as pessoas à mercê de cuidados de saúde comer- tido por direito governamental. Pode haver desa-
cializados de forma desregulamentada, onde a cordo sobre os limites da segurança social estatal
ilusão de um ambiente mais acolhedor acarreta e dos respectivos bens que a acompanham140,141,
um preço pesado em termos de despesa financeira mas, em estados modernizados, a responsabili-
e iatrogenia. dade política e social confiada às autoridades de
saúde – não apenas aos ministros da saúde, mas
Garantir a saúde das comunidades também às estruturas governamentais locais, orga-
As pessoas não pensam na saúde apenas em nizações profissionais e organizações da sociedade
termos de doenças ou traumatismos, mas tam- civil com um papel quási-governamental – está em
bém em termos daquilo que apreendem como franca expansão.
sendo perigoso para a sua saúde ou para a saúde As circunstâncias ou a conveniência política
da sua comunidade118. Enquanto que as explica- poderão, por vezes, tentar os governos no sen-
ções políticas e culturais sobre riscos em saúde tido de fugirem às suas responsabilidades sociais
são muito variáveis, existe uma tendência geral de financiamento e regulamentação do sector da
e cada vez maior para responsabilizar as autori- saúde, ou da prestação de serviços e das funções
dades pela protecção contra ou por uma resposta essenciais de saúde pública. Como seria previsível,
rápida a esses perigos136. Esta é uma parte essen- isso cria mais problemas do que soluções. Quer
cial do contrato social que legitimiza o Estado. Os tenha sido por escolha ou devido a pressões exter-
políticos dos países ricos, tal como os dos pobres, nas, a retirada do Estado que ocorreu nos anos 80
correm riscos cada vez maiores se ignorarem o e 90 na China e na antiga União Soviética, bem
seu dever de protecção das populações perante como num considerável número de países de ren-
os perigos que se lhes apresentam: testemunhem dimentos baixos, teve consequências preocupantes
as reprecussões negativas, em termos políticos, e visíveis para a saúde e para o funcionamento
da má gestão do desastre associado ao furacão dos serviços de saúde. Criou tensões sociais que
Katrina, nos Estados Unidos, em 2005, ou da afectaram significativamente a legitimidade da
crise de recolha de lixo, em Nápoles, Itália, em liderança política119.
2008. Em muitas partes do mundo, existe um cepti-
O acesso à informação sobre riscos para a cismo considerável sobre a forma e os limites
saúde no nosso mundo globalizador, é cada vez com que as autoridades de saúde definem as suas
maior. O conhecimento está a expandir-se para responsabilidades. Inquéritos demonstram uma
além da comunidade dos profissionais de saúde tendência para uma confiança cada vez menor
e especialistas científicos. As preocupações sobre nas instituições públicas como garantes da
os riscos para a saúde já não estão limitadas à equidade, honestidade e integridade do sector
agenda tradicional da saúde pública em melhorar da saúde123,142,143. Contudo, em geral, as pessoas
a qualidade da água que se bebe e o saneamento esperam que as suas autoridades de saúde traba-
para prevenir e controlar doenças infecciosas. lhem para o bem comum, que o façam bem e
No despertar da Carta de Otava para a Promo- com prudência144. Existe uma multiplicação de
ção da Saúde, em 1986137, existe um leque muito scores, rankings* e outras tabelas de resultados
mais amplo de temas que constituem a agenda da acção pública utilizadas tanto a nível nacional
da promoção para a saúde, incluindo a segurança
alimentar e os riscos ambientais bem como os
estilos de vida colectivos e o ambiente social * Nota dos tradutores: estrangeirismos ou neologismos externos já integrados no Dicionário
da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo
que afectam a saúde e a qualidade de vida 138. (2001) são mantidos no original sem procurar um vocábulo equivalente em português
Recentemente, esta agenda foi complementada “clássico”.

19
Relatório Mundial de Saúde 2008 Cuidados de Saúde Primários – Agora Mais Que Nunca

como a nível global 141, por organizações de consu- muitas das sociedades do mundo – apesar da
midores111, e outras da sociedade civil, nacional linguagem que as pessoas utilizam para expres-
e global, que estão a emergir146,147,148,149. Estas sar estas expectativas possa diferir da utilizada
tendências recentes testemunham as dúvidas em Alma-Ata.
que persistem sobre a capacidade das autoridades Esta evolução de princípios éticos formais
de saúde em dirigir o sistema de saúde de forma para expectativas sociais generalizadas, altera
responsável, bem como de dar resposta às expec- fundamentalmente as dinâmicas políticas em
tativas de o virem a fazer ainda melhor. torno da mudança dos sistemas de saúde. Abre
oportunidades frescas para gerar um movimento
Participação social e político para orientar os sistemas de
Porém, ao mesmo tempo, os inquéritos revelam saúde em direcções desejadas pelas pessoas,
que à medida que as sociedades se modernizam, e que estão resumidas na figura 1.13 . Altera
as pessoas querem cada vez mais “ter uma pala- o debate de uma discussão meramente técnica
vra a dizer” sobre as “decisões importantes que sobre a eficiência relativa das várias formas de
afectam as suas vidas”123,112, o que incluiria temas “tratar” problemas de saúde, para a inclusão de
como distribuição de recursos e a organização considerações políticas nos objectivos sociais que
e regulamentação dos cuidados. A experiência definem a direcção a dar aos sistemas de saúde.
de países tão diversos como o Chile, a Suécia e a Os capítulos que se seguem apresentam um con-
Tailândia revela, no entanto, que as pessoas estão junto de reformas com a finalidade de alinhar
mais preocupadas com a garantia de processos jus- com estas expectativas sociais, sistemas de saúde
tos e transparentes do que com as tecnicidades da comercializados, fragmentados e baseados em
definição de prioridades150,151. Por outras palavras, especialistas. Estas reformas dos CSP têm por
uma resposta óptima às aspirações de uma maior objectivo canalizar os recursos da sociedade para
participação em matérias de política de saúde, uma maior equidade e para o fim da exclusão;
constituiria evidência de um sistema estruturado em direcção a serviços de saúde que se orientam
e funcional de controlo. Isto incluiria líderes de para as necessidades e expectativas das pessoas;
opinião relevantes e iria garantir que a agenda e em políticas públicas que garantam a saúde das
legislativa não poderia ser desviada por alguns
grupos de interesses152.
Figura 1.13 Os valores sociais que orientam os
Reformas dos CSP: CSP e os correspondentes grupos de reformas
impulsionadas pela procura Equidade em Cuidados orientados
Os valores articuladores do movimento dos CSP Saúde para as pessoas
de há três décadas continuam, portanto, pre- Solidariedade
sentes em muitos contextos de uma forma mais Inclusão Social Reformas na prestação
poderosa do que no tempo de Alma-Ata. Não de serviços
Reformas da cobertura
estão lá apenas na forma de convicções morais universal Capítulo 3
associadas a uma vanguarda intelectual. Eles
Capítulo 2
existem, cada vez mais, como expectativas soci-
ais concretas, sentidas e pugnadas por grupos
de cidadãos em sociedades em modernização.
Há trinta anos, os valores da equidade, orienta- Comunidades onde
Autoridades de Saúde
ção para as pessoas, participação da comunidade a saúde é promovida
em que se pode confiar
e auto-determinação, abraçados pelo movimento e protegida
dos CSP eram considerados como radicais por Reformas nas políticas
Reformas na Liderança públicas
muitos. Hoje em dia, este valores tornaram-se em
expectativas sociais para a saúde, amplamente Capítulo 5 Capítulo 4
partilhadas que, cada vez mais, impregnam

20
Capítulo 1. Os desafios de um mundo em mudança

comunidades. Ao longo destas reformas encontra- tendem a arrastar os sistemas de saúde em dife-
se, como denominador comum, o imperativo de rentes direcções, aumenta a importância da lide-
comprometer os cidadãos e outros parceiros: rança, duma visão orientadora e da aprendizagem
o reconhecimento de que interesses particulares sustentada, de como fazer melhor.

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