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Luís Rubira
Universidade Federal de Pelotas
Abstract: Although Dionysus occupies a central place in The birth of tragedy from the spirit of
music, he only appears again as a nucleus of Nietzsche’s reflections in the period of the
conclusion of Thus spoke Zarathustra. In his latest books, Nietzsche declared to be a
Dionysus’ disciple, put “Dionysus versus the Crucified”, and the philosophy of the will to
power and the eternal recurrence had found in Dionysus its mirror. However, the
intensification of the reflection about Dionysus since 1884 is exactly what leads the
philosopher to modify the title of his book’s second edition for The birth of tragedy or
Hellenism and Pessimism. This modification means that Nietzsche passes, then, from the
tragedy Greek as an aesthetic problem, to a conception that was being developed along the
years in his thought: the tragic philosophy.
Keywords: greek tragedy, Dionysus, values, existence, tragic philosophy.
∗
Palestra proferida em 21 de agosto de 2008, por ocasião da II Semana Acadêmica do Curso de
Filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
É com este texto pronunciado por um guarda que espera há dez anos
o sinal de fogo anunciador da vitória dos gregos sobre os troianos, que
Ésquilo inicia sua trilogia trágica intitulada Orestéia. É nesta mesma noite
que terminará o sofrimento deste guardião quando ele, por fim, avistar na
noite o fogo luminoso, o archote trazido por um arauto das hostes gregas - o
qual também viveu por dez anos um destino incerto e agora retorna,
finalmente, ao seu solo natal.
Paralelo à alegria que tomará conta destes soldados, iniciará um novo
período de sofrimento no palácio dos Atridas. Os velhos que formam o coro
trazem à memória que, para obter a vitória sobre os troianos, o Rei
Agamêmnon sacrificara sua filha Efigênia. Diante ainda da imagem do
horrível sacrifício, o coro lembra o presságio de Calchas, o adivinho, que
dissera: “uma pérfida vigilante cuidará do Palácio, a Cólera, que não esquece
e vingará uma criança”. O presságio ditado dez anos atrás, de fato, irá se
cumprir. A sabedoria popular dos gregos reza, há tempo, que “é necessário
sofrer para compreender”. Agamêmnon cometera a desmedida sacrificando
sua filha para que a frota grega pudesse partir e ser vitoriosa em Tróia. Ao
vencer os troianos, cometera uma segunda desmedida pois, não se
contentando somente com a vitória, fizera os troianos “pagarem em dobro”
pelo rapto de Helena, permitindo a destruição de seus templos divinos e a
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morte de inocentes. Ao voltar para seu palácio a Cólera, que o aguarda para
vingar Efigênia, está encarnada em sua esposa Clitemnestra. Contra sua
vontade ela vira a filha sacrificada, e durante dez anos ruminara o assassinato
de Agamêmnon caso um dia ele voltasse a Argos. Chegada a hora e com o
auxílio de Egisto, seu amante, ela assassina Agamêmnon e depois justifica-se
diante do coro mostrando que seu esposo expiara pelos próprios crimes.
É depois da morte de seu pai que Orestes, o protagonista da
tragédia, surgirá em cena. O Oráculo de Apólo havia lhe previsto os piores
sofrimentos caso ele não fizesse justiça à morte de seu pai. Orestes, então, por
ordem de Apólo, vê-se obrigado a matar não somente o amante de sua mãe,
Egisto, mas também sua própria progenitora. Orestes sabe que a antiga lei
vigente entre os gregos, e que fora imposta por Apólo, reza que crimes de
sangue devem ser pagos com o próprio sangue. É por esta razão que oráculo
dissera que, após o matricídio, ele deveria encaminhar-se rapidamente ao
santuário de Apólo para aí ser purificado pelo deus. Todavia, Orestes não
terá tempo de chegar em paz ao santuário, pois, em face da vigência da antiga
lei (semelhante a do “olho por olho, dente por dente”2), as Eríneas (ou
Fúrias), divindades vingadoras do sangue derramado, surgem para fazer com
que ele pague pelo matricídio cometido.
É completamente atormentado que Orestes chega, por fim, ao templo
de Apólo – momento que vai ocupar a terceira parte da trilogia de Ésquilo.
Buscando defender o ato de Orestes, Apólo justifica-se trazendo como
argumento central que esta era a vontade de Zeus. O argumento não é
suficiente para convencer as Eríneas, para as quais o matricídio é um crime
inexpiável. Diante de uma balança cujos pratos não pendem nem para um
lado nem para outro, em face do equilíbrio dos argumentos, intervém Atena,
filha de Zeus, deusa da sabedoria, expressão da justiça entre os helenos.
Impassível, ela diz que somente um tribunal, que pese tanto os argumentos
dos deuses quanto aqueles dos homens, poderá encontrar a justa medida e
fazer justiça ao ato cometido. Pesados todos os argumentos, Orestes acaba
por ser liberto pois, segundo a sentença, agira não segundo sua própria
vontade, mas para cumprir o vaticínio de Apólo. O fato, todavia, gera uma
nova consequência: as Eríneas sentem-se absolutamente lesadas em face do
resultado que permitira Orestes purificar-se de um crime de sangue.
Buscando evitar que a cólera das potentes Eríneas desabe sobre os gregos,
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Atena intervém uma segunda vez, e lhes garante uma posição de honra: elas
não precisam mais vingar os crimes de sangue, atormentar os mortais, e
deixarão de ser conhecidas como Erínias para passarem a se chamar
Eumênides (as Benevolentes), tendo como tarefa velar pela prosperidade de
Atenas para que entre os gregos reine a justiça.
O coro, então, ressurge ao final da terceira e última parte para elevar à
glória mais alta os feitos de Atena e reconhecer que, apesar dos sofrimentos, a
vontade de Zeus, cujo “olho tudo vê”, impera e reina entre os gregos, para
sua felicidade.
A trilogia Orestéia, de Ésquilo, bem como Prometeu Acorrentado e
outros de seus textos que sobreviveram ao tempo, e ainda as obras trágicas de
Sófocles, estão no centro do primeiro livro de Nietzsche intitulado O
nascimento da tragédia. Aos vinte e sete anos de idade, Nietzsche sustentara
uma tese estética no mínimo polêmica, mas também inovadora: a tragédia teria
nascido entre os gregos a partir do espírito da música. Diagnóstico disto seria a
função do coro na tragédia. Em primeiro lugar, tal como na trilogia Orestéia, o
coro é sempre o único elemento fixo em qualquer uma das três partes. De fato,
primeiramente aparecem como personagens principais o rei Agamêmnon e sua
esposa Clitemnestra, e ainda Cassandra e Egisto; na segunda parte, os
protagonistas são Orestes e sua irmã Electra, Clitemnestra e seu amante Egisto;
e, na terceira e última parte, toda a ação gira em torno de Orestes, de Apólo e
de diversos deuses. Mas se os protagonistas mudam ao longo da tragédia, em
qualquer uma das partes há sempre este elemento fixo: o coro. Todavia, em que
sentido o coro seria o elemento fixo se, na primeira parte da trilogia, ele é
composto pelos anciãos de Argos; na segunda é um coro constituído por
cativos; e na terceira é formado pelas próprias Erínias ou Eumênides? O jovem
Nietzsche tem, então, uma tese precisa: o coro trágico, no fundo, é um coro
sempre constituído pelos servidores do deus Dioniso.
É com base nesta tese que ele pode afirmar em O Nascimento da
tragédia: “a tragédia surgiu do coro trágico e (...) originariamente ela era só
coro e nada mais que coro” (GT/NT § 7). Para explicar que a tragédia nasce
do coro, e que o coro é constituído pelos servidores de Dioniso, Nietzsche
recorre a uma outra tese: a de que no fundo da natureza existem dois
impulsos, os quais podem ser chamados de apolíneo e dionisíaco; impulsos
que estariam presentes no homem na medida em que ele é filho da natureza.
Por meio de uma analogia com o sonho e a embriaguez, o jovem professor
da Basiléia vem, então, explicar o que compreende por apolíneo e dionisíaco.
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3 Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Livro IV, L 417, p. 451.
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aniquilamento. De fato, uma das versões da lenda conta que o deus Dioniso,
filho de Zeus e Perséfone, foi esquartejado e devorado pelos Titãs após nascer,
mas que Atena salvou seu coração e o levou até Zeus, que o engoliu e deu
origem ao novo Dioniso (Zagreu: desfeito em pedaços). E é justamente a
simbologia deste renascimento de Dioniso, segundo a qual ele renasce da
destruição, que os gregos souberam carregar para dentro da tragédia. É assim
que, para Nietzsche, a tragédia nos deixa com um “consolo metafísico (...) de
que a vida, no fundo das coisas, apesar de toda a mudança das aparências
fenomenais, é indescritivelmente poderosa, e cheia de alegria; esse consolo
aparece com nitidez corpórea como coro satírico, como coro de seres
naturais, que vivem, por assim dizer indestrutíveis, por trás de toda
civilização, e que, a despeito de toda mudança de gerações e das vicissitudes
da história dos povos, permanecem perenemente os mesmos” (GT/NT § 7).
A partir destes elementos, a tese nietzschina de que, inicialmente, a
“tragédia era só coro, e nada mais que coro”, ganha em clareza. O poeta
trágico, o qual para Nietzsche “é ao mesmo tempo um pensador religioso”
(GT/NT § 9) aproveitou o coro dionísíaco que entoa todos os seus cantos em
homenagem ao seu deus, e a partir dele desenvolveu a tragédia. Na verdade,
segundo Nietzsche, os antigos gregos compreendiam a cena e o desenrolar da
ação trágica não como algo existente em si, mas como visão do coro trágico.
É o coro trágico quem produziria, em imagens apolíneas, todo o desenrolar
da cena. No caso, portanto, da trilogia Orestéia, a única realidade em si é o
coro trágico, e toda ação trágica, com o assassinato de Agamêmnon, e depois
com o matricídio que Orestes vem a cometer, é apenas visão do coro trágico
para mostrar que os indivíduos, e entre eles os heróis, nada são
individualmente diante do vir-a-ser do mundo, mas que apesar do destino
trágico ao qual estão submetidos, a vida sempre renasce a partir da
destruição. Deixemos a palavra com o próprio Nietzsche:
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5 Nietzsche Persönliche Bibliothek, herausgegeben von Giuliano Campioni, Paolo D’Iorio, Maria Cristina
Fornari, Francesco Fronterotta und Andrea Orsucci. Walter de Gruyter, Berlin-New York: 2003.
6 CREUZER, F. Symbolik und Mythologie der Alten Völker; Besonders der Griechen von Friedrich
Dernières Lettres. Préface de Jean-Michel Rey. Traduit de l’allemand par Catherine Perret. Editions
Rivages, Paris, 1989.
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Referências Bibliográficas
CREUZER, F. Symbolik und Mythologie der Alten Völker; Besonders der Griechen
von Friedrich Creuzer. Leipzig & Darmstadt: Leske, 1843.
________. Ecce homo. Trad. de Andrés Sánchez Pascual. Madrid: Alianza Editorial,
1997.
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E-mail: luiseduardorubira@gmail.com
Recebido: 04/2009
Aprovado:julho/2009
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