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SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

Padre António Vieira

O Sermão de Santo António foi pregado no dia 13 de Junho de 1654, na cidade de S.


Luís do Maranhão, três dias antes de Padre António Vieira partir ocultamente para Portugal,
para denunciar o modo como os índios estavam a ser tratados pelos colonos portugueses.
Este sermão recebeu este nome por ter sido pregado no dia em que se celebra Santo
António. Outra razão prende-se com o facto de Padre António Vieira tomar Santo António
como modelo e, fazendo referência ao milagre dos peixes, tomar a decisão de imitar o santo
português e, também ele, ir pregar aos peixes. Estes peixes são alegóricos, simbolizando as
qualidades e os defeitos dos homens. Padre António Vieira aproveita ainda o sermão para
tecer um enorme panegírico (elogio rasgado) a Santo António. A par e passo, é apresentado o
exemplo de santo António, ora em paralelo com os peixes elogiados, ultrapassando ele as
virtudes desses peixes, ora numa posição antitética com os peixes criticados, por o santo
apresentar as qualidades opostas aos defeitos desses peixes.

Ao escrever os seus sermões, Padre Vieira fazia-o com as seguintes intencionalidades:

1- «docere» - educar/ensinar: o que ele pretendia era transmitir ensinamentos ao


seu auditório; para isso utilizou citações do foro do sagrado e fundamentou-se na
História do Natural ;
2- «delectare» - agradar: Vieira queria que os seus ouvintes ouvissem o seu sermão
com prazer; para isso utilizou exclamações, interjeições, gradações, alegorias,
apóstrofes e muitos outros recursos estilísticos que serviram para embelezar o seu
texto;
3- «movere» - persuadir: Vieira queria que os seus ouvintes modificassem a sua
maneira de pensar e agir, para isso utilizou verbos no imperativo, o vocativo, as
interrogações retóricas e os argumentos de autoridade (do domínio do sagrado).

INTRODUÇÃO – EXÓRDIO (Capítulo I)

O exórdio é uma parte do discurso que se reveste de grande importância na medida


em que é o primeiro passo para captar a atenção e benevolência dos ouvintes. O orador
deverá ser sensível ao auditório que tem à sua frente e desenvolver o seu discurso tendo em
conta as suas características. Não deverá começar num tom muito monótono, mas também
não o pode fazer em tom muito elevado, senão poderá correr o risco de “espantar a caça”.
No exórdio é proposto um tema dicotómico. Partindo do conceito predicável Vos estis
sal terrae, retirando da Sagrada Escritura, o orador dá início ao sermão. Em muitos casos, o
exórdio pode funcionar como um “mini-sermão”, que é o que acontece neste caso. O tema é
apresentado, desenvolvido e é dada uma possível solução.
Assim, sob a forma de esquema, temos:

«Vós sois o sal da terra»


| | |
V V V
Pregadores Mensagem Ouvintes
Evangélica

Estabelecendo um paralelismo entre o sal e os pregadores, verifica-se que estes


deverão ter as mesmas propriedades:

Propriedades
| |
V V
do sal dos pregadores
| |
V V
- conservar o bom - louvar o bem
- evitar a corrupção - impedir o mal

«Não é tudo isto verdade? Ainda mal.»


Vieira sabe que o mal não está só do lado dos pregadores; os leigos (ouvintes) também
têm as suas culpas e todos juntos concorrem para a destruição do índio.
Religiosos ou não, tornaram-se traficantes de índios e iam, a pouco e pouco, dizimando
este povo. Apesar de haver muitos pregadores, a terra continua a estar corrompida, pelo que
se torna imperativo descobrir a causa de haver tanta corrupção. No esquema que se segue,
verifica-se que Vieira ora coloca a culpa nos pregadores, ora considera que os ouvintes são os
responsáveis, não desculpabilizando ninguém:

A terra está corrompida


| |
V V
Porque o sal não salga porque a terra se não deixa salgar
(a culpa é dos pregadores) (a culpa é dos ouvintes)
| |
V V
- os pregadores não pregam - os ouvintes não querem receber
A verdadeira doutrina; a verdadeira doutrina;
- os pregadores dizem uma coisa - os ouvintes querem imitar o que os
mas fazem outra; pregadores fazem e não o que eles
dizem;
- os pregadores pregam-se a si - os ouvintes querem servir os seus
mesmos e não a Cristo. apetites em vez de servir Cristo.

O primeiro parágrafo é todo constituído através de uma engenhosa rede de jogos de


palavras, onde domina o emprego da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” e da conjunção
subordinada causal “porque” sobre a procura das causas que impedem que a terra se deixe
salgar. Só aparecendo uma vez a conjunção coordenativa adversativa “mas”, introduz uma
clarificação acerca do que foi anteriormente dito.
Possível solução:
O que se há-de fazer quando não cumprem as suas funções?
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Ao sal Aos pregadores
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Resposta de Cristo resposta de Santo António
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- lançá-lo fora como inútil - mudou de púlpito
- pisado por todos - mudou de auditório

Com vista á captação da atenção, o orador socorre-se de vários artifícios. Para atingir a
inteligência dos ouvintes, utiliza argumentos lógicos e sucessivas interrogações retóricas («…
qual pode ser a causa desta corrupção?» e «Não é tudo isto verdade?»). Para atingir o coração
do auditório, as interjeições e exclamações são a forma que ele encontrou mais adequada.
No segundo parágrafo, a citação evangélica funciona como forma de legitimar os
argumentos apresentados.
Nas palavras de Cristo consegue o orador solução para os maus pregadores.
Tal como a citação anterior referida, a figura de Santo António também funciona como
autoridade, assim como os «outros Santos Doutores da Igreja».
É de notar a pouca presença de palavras neste parágrafo e a insistência sistemática da
repetição de algumas, com a intenção de vincar determinadas ideias, no que se refere às
culpas que os pregadores têm do facto da terra não se deixar salgar.
No terceiro parágrafo, tal como acontece ao longo do sermão, Vieira assume o
estatuto de narrador, legando para segundo plano o de pregador.
Santo António ocupa um lugar especial. Todo o texto é um panegírico em torno da sua
figura. Aproveitando o facto de ter dificuldade em comunicar com os homens, ele decide,
como fizera Santo António, pregar aos peixes.
Segundo se constam na cidade de Arimino, ou Rimini, existiam muitos hereges. Certo
dia, na foz do rio Marecchia, Santo António resolveu pregar aos peixes já que os homens não
lhe davam atenção. Atente-se no seguinte excerto:
«Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar.»
Verifica-se que ele é pautado do sistema binário contendo, ao mesmo tempo,
paralelismos lexicais e fónicos e jogos antitéticos: deixa/vai-se e praças/praias.
Outros recursos presentes ao longo do exórdio são a enumeração e o polissíndeto,
dando a ideia de continuidade à acção: «nesta igreja e noutras, de manhã e de tarde, de dia e
de noite».
É com convicção de que «nas festas dos Santos, é melhor pregar como eles que pregar
deles» que Vieira veste a roupagem de Santo António e, à semelhança deste, se dirige aos
peixes, uma vez que os homens do Maranhão fechavam os ouvidos à doutrina.
A crítica é bem forte, o mal não só está do lado dos homens que não ouvem como, e
sobretudo, dos pregadores que não pregam a verdadeira doutrina.
De uma forma irónica incita todos aqueles que não querem ouvir a verdade a
abandonar o senão «pois não é para eles».
Termina o exórdio com uma invocação a Maria - «Domina Maris» - Senhora do mar.
DESENVOLVIMENTO (Cap.s II, III, IV e V)

PROPOSIÇÃO
(início do Cap. II até «E onde há bons e maus, há que louvar e que repreender»)

A partir do capítulo II até ao final do sermão, todo o texto é uma alegoria, uma vez que
o auditório são os peixes-gente.
A proposição corresponde a uma apresentação do tema e tem início com uma
pergunta retórica: «Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes?»
Este auditório muito específico tem qualidades, mas também tem um grande defeito:

Peixes
| |
qualidades defeitos
| |
- ouvem e não falam - não se convertem

É triste, para um pregador, dirigir-se a quem nunca se há-de converter, mas como ele
mesmo afirma: «… esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase não se sente».
Apesar de não se converterem, para Santo António os peixes são símbolo da fé.
Quando refere «… não falarei hoje em Céu, nem em Inferno…», estamos perante uma
preterição pois, como podemos verificar no capítulo seguinte, vai mesmo falar deste tema.
Falando com os «irmãos peixes», indica as funções do sal e do sermão.
Existe um paralelismo entre o sal e o sermão e é através deste paralelismo metafórico
que irá desenvolver todo o sermão, num sistema binário:

Função
| |
do sal do sermão
| |
- conservar o são - louvar o bem
- preservar a corrupção - repreender o mal

Em todo o lado há bons e maus; o mesmo acontece com os peixes. Já São Basílio dizia:
«Não só há que notar… e que repreender nos peixes, senão também que imitar e louvar». Do
mesmo modo, Cristo refere: «E onde há bons e maus, há que louvar e que repreender.»
É novamente a figura de Santo António que aparece, não só para legitimar, como para
engrandecer o texto.

Finalidade do sermão de Padre António Vieira:


- louvar as virtudes dos peixes;
- repreender os vícios dos peixes.

A partir daqui todo o sermão é uma alegoria. Os peixes são a metáfora dos homens; as
suas virtudes são a metáfora, por contraste, dos defeitos dos homens e os vícios são
directamente a metáfora dos vícios destes. O pregador fala dos peixes, mas quem o escuta são
os homens, os colonos do Maranhão.
O sermão parece organizado com base em dois contrastes: o Bem e o Mal. O pregador
argumenta de forma muito lógica. Partindo de duas propriedades do sal, divide o sermão em
duas partes:

1ª parte 2ª parte
- o sal conserva o são - o sal preserva a corrupção
| |
- o pregador louva as virtudes - o pregador repreende os vícios dos peixes
dos peixes

O sermão em estudo contém dentro da proposição uma divisão. O orador anuncia, de


forma clara, o assunto que vai tratar, bem como a sua divisão: «Suposto isto, para que
procedamos com clareza, dividirei, peixes, o vosso sermão em dois pontos: no primeiro louvar-
vos-ei as vossas virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios». Desta forma, o
auditório está na posse do esquema do sermão e poderá segui-lo com mais atenção e
interesse.
O pregador vai partir sempre do geral para o particular. Assim, começará por falar das
virtudes dos peixes, em geral, e a seguir irá particularizar alguns casos. O mesmo acontecerá
com as repreensões.

Louvores naturais aos peixes


|
- «Vós fostes as primeiras criaturas que Deus criou»
- «os primeiros nomeados foram os peixes»
- «são os mais… e os maiores»

Virtudes naturais dos peixes


|
- Obediência
- Ordem
- Quietação
- Atenção
(com que ouvem a palavra de Deus)

Tomando novamente o estatuto de narrador, conta outro episódio da vida de Santo


António, no qual os homens o queriam expulsar daquela terra, enquanto os peixes se
mantinham atentos ao seu sermão. Existe uma antítese entre a atitude dos homens e a dos
peixes, por isso conclui de forma sarcástica: «Quem olhasse neste passo para o mar, e para a
terra… poderia cuidar que os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens
não em peixes, mas em feras».
Uma outra narrativa é a de Jonas, quando ia num navio e, durante uma tempestade,
foi atirado ao mar pelos homens para ser comido pelos peixes, mas um deles engoliu-o e foi
colocá-lo em Ninive, onde continuou a pregar. E numa apóstrofe conclui: «Vede, peixes, e não
vos venha vanglória, quando melhores sois que os homens.»
Cita outra grande autoridade, Aristóteles, filósofo grego, que refere que os peixes «…
só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam».
ANIMAIAS QUE SE DOMAM OU
DOMESTICAM
terrestres Do ar
«o cão é tão doméstico»
«o cavalo tão sujeito»
«o boi tão serviçal»
«o bugio tão amigo e lisonjeiro»
«até os leões e tigres…

Existe uma gradação na enumeração dos animais que vivem próximo dos homens,
mais presos. Vieira começa por referir os animais e as aves que vivem mais perto do homem e,
de seguida, vai referindo os que vivem, progressivamente, mais longe.
Contrariamente aos animais e às aves, encontramos os peixes que:
- «lá se vivem nos seus mares e rios»
- «lá se mergulham nos seus pegos»
- «l á se escondem nas suas grutas».

A diferença entre os peixes e os outros animais é aqui marcada pelo advérbio de lugar
«lá» e pelos pronomes possessivos «seus», «seu» e «sua». Não só vivem longe como num
espaço que lhes pertence. Toda a liberdade de que usufruem os peixes é contraposta à prisão
em que vivem os restantes animais pela conjunção coordenativa adversativa «mas»:

«cante-lhe… o rouxinol» MAS «na sua gaiola»


«diga-lhe ditos o papagaio» MAS «na sua cadeia»
«vá com ele… o açor» MAS «nas suas piozes»
«faça-lhe bofonerias o bugio» MAS «no seu cepo»
«contente-se p cão… roer o MAS «levado pela trela»
osso»
«preze-se o boi… formoso e MAS «com o jugo sobre a cerviz
fidalgo» puxando pelo arado e
espora»
«glorie-se o cavalo mastigar MAS «debaixo da vara e espora»
freios dourados»
«tigres e leões comem MAS «presos e encerrados»
carne»

Por extensão, os animais que convivem com os homens foram castigados, pois estão
domados, domesticados, sem liberdade.
Depois de uma comparação entre peixes e homens conclui: «… quanto melhor sois que
os homens» e apresenta ironicamente uma crítica.
Esta é uma das muitas passagens marcadas por uma certa ambiguidade; dirige-se aos
peixes para se dirigir aos homens. Os destinatários do discurso, ora são os homens, ora são os
peixes. O discurso torna-se inesperadamente variado na medida em que umas vezes se dirige
aos peixes na segunda pessoa («Vós peixes»), como na terceira pessoa («Os peixes… lá se
vivem»). Esta troca repentina de destinatários não obscurece, de forma alguma, a mensagem;
aumenta sim a sua capacidade de denúncia. É bem clara a intencionalidade presente em
«Vede, peixes, quão bem é estar longe dos homens». Toda a argumentação alegórica pretende
demonstrar a maldade e vaidade dos homens que funciona como um espelho para os
ouvintes, «… quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles,
Deus nos livre!» Neste, como noutros exemplos, nota-se a capacidade de se dirigir aos homens
e aos peixes, de uma forma ambígua.
Só os peixes não foram castigados aquando do dilúvio, nem ficaram limitados a um
macho e uma fêmea. Isso deveria servir de exemplo para os homens, que pouco ouvem, falam
muito, e não respeitam a palavra de Deus.
De tudo o que ficou dito se conclui que os homens não são amigos de ninguém pois,
por isso, um grande filósofo respondeu que a melhor terra do mundo era a mais deserta,
«porque tinha os homens muito longe».
Termina o capítulo com o exemplo de Santo António, que deixou Lisboa, Coimbra e
Porto para se afastar dos homens e, consequentemente, aproximar-se de Deus.

CAPÍTULO III

No Capítulo III, vai particularizar as virtudes de alguns peixes, representativos de


determinado tipo de homens.
Tomando novamente o estatuto de narrador, vai contando histórias sucessivas. A
primeira é a história de Tobias e de um peixe que parecia querer comê-lo. O anjo S. Gabriel,
que o acompanhava, disse-lhe para não temer e arrastar o peixe para terra, pois as suas
entranhas (fel) serviam para curar a cegueira e coração era bom para afastar os espíritos maus
(demónios). Tobias assim fez, Com o fel curou a cegueira do pai. Queimou parte do coração em
casa de Sara, a quem um demónio chamado Asmodeu havia morto sete maridos; o demónio
desapareceu e Tobias casou com Sara.
Na sequência desta história, refere-se Santo António que, comparado com este peixe,
também tinha o poder de curar a cegueira dos hereges e afastar os maus espíritos.
Encadeada nestas duas narrativas (Tobias e Santo António), aparece uma narrativa um
pouco diferente, pois Vieira fala de si. À semelhança dos anteriores (peixe de Tobias e Santo
António), também ele (Vieira) possui esse poder e os homens também fogem dele com medo
de serem «comidos» pela verdade.
Num perfeito encadeamento, Vieira chega ao ponto que pretende, que é a crítica aos
homens do Maranhão e à sua malvadez contra a índio, que é a razão do seu sal não salgar.
Veja-se, em esquema, como estas três narrativas estão encadeadas:

PERSONAGENS PODERES DESTINATÁRIOS DA


MENSAGEM
Peixe de Tobias «… o fel era bom para sarar a Peixes
cegueira, e o coração para Homens
lançar fora os Demónios»
Santo António «… qual é o coração desse «Ah homens…»
homem, e esse fel, que tanto
vos amarga, quão proveitoso,
e quão necessário vos é»
Padre António Vieira «AH moradores do «Ah moradores do
Maranhão, quanto eu vos Maranhão…»
pudera dizer neste caso!
Abri, abri estas entranhas;
vede, vede este coração»

E de repente, de uma forma irónica, retoma a alegoria dizendo: «Mas ah, que me não
lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes».
Note-se, no caso de Vieira, no pronome pessoa «eu», no imperativo «abri» e nos
pronomes demonstrativos «este/s».
CONFIRMAÇÃO
(cap. III, desde «Ah moradores do Maranhão» até ao final do cap. V)

Recorrendo a uma argumentação implacável, numa apóstrofe aos «Moradores do


Maranhão», Vieira concretiza a intenção do sermão; dá início à confirmação, mas retoma
rapidamente a alegoria.
Vieira vai agora falar de peixes, não da Escritura, como foi o caso de Tobias, mas sim da
história natural.
O peixe que se segue é a Rémora, na qual podemos notar uma antítese entre o seu
pequeno corpo e a enorme força que possui e que impede uma nau de seguir o seu caminho, e
exclama: «Oh se houvera uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que
menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!»
O terceiro peixe é o Torpedo que, através de um aparelho que possui, gera
electricidade e faz tremer a mão de quem o está a pescar.
É interessante a forma como o fenómeno

Pescador----------- cana na mão---------- anzol no fundo ------------ bóias sobre a água


|
V
O peixe pica a isca
|
V
treme o pescador - treme o braço- treme a cana- treme o anzol- treme a boca

Verifica-se uma gradação descendente, do pescador para o peixe, e depois


ascendente, do peixe para o pescador.
Passando imediatamente à crítica, Vieira refere: «Quem me dera aos pescadores do
nosso elemento, ou quem lhe pusera esta qualidade tremente em tudo que pescam na terra!»
Note-se na antítese em «Tanto pescar em tão pouco tremer.»
Descontente com a situação introduz uma pergunta retórica: «…onde há mais
pescadores, e mais modos, e traças de pescar, se no mar, ou na terra?» E é certo que na terra

OBJECTOS DE PESCA NO MAR OBJECTOS DE PESCA NA TERRA


- cana - varas
- ginetes
- bengalas
- bastões
- ceptros

De notar que nos objectos de pesca na terra existe uma gradação que vai da simples
vara aos bastões e ceptros (símbolos da alta nobreza) e todos pescam.
Nova narrativa de Santo António que, quando pregava um sermão fez tremer vinte e
dois pescadores (da terra) e «… todos tremendo se lançaram a seus pés, todos tremendo
confessaram seus furtos, todos tremendo restituíram o que podiam». Atente-se na repetição
do verbo “tremer”, que intensifica o arrependimento daqueles homens, e no paralelismo
anafórico “todos tremendo”, que volta a intensificar a ideia.
O último peixe a ser louvado é o Quatro-Olhos. Vieira não pode deixar de lamentar a
antítese que existe entre um peixe que possui tantos instrumentos de visão e, na terra,
existirem tantos homens que sofrem de cegueira. É uma cegueira metafórica, pois ele refere-
se àqueles que não querem ver os erros que cometem.
Este pequeno peixe, que possui um par de olhos virados directamente para cima e
outro directamente para baixo, acabou por se tornar um pregador de Vieira. Por isso refere:
«…ensinando-me que se tenho Fé, e uso da razão, devo olhar directamente para cima, e
directamente para baixo; para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me
que há Inferno». Ora aqui se cumpre a preterição que Vieira referiu no capítulo II, ao dizer: «…
não falarei hoje em Céu, nem Inferno».
De notar que, em todos os exemplos apresentados, os peixes são sempre mais
valorizados do que os homens.
Para finalizar, agradece o facto deles ajudarem os homens a ir para o Céu, durante o
período do jejum, na Quaresma, e por serem «sustento de pobres», como as sardinhas.

VIRTUDES EFEITOS COMPARAÇÃO RAZÕES


Peixe de Tobias - o fel sara a - sarou a - Santo António - abria a boca
cegueira; cegueira do pai contra os
- o coração de Tobias; hereges;
afasta os - lançou fora os - alumiava e
demónios demónios da curava a
casa de Sara cegueira;
- lançava os fora
demónios
Rémora - pequena no - pega-se ao - Santo António - a língua de
corpo; leme de uma Santo António
Grande na força nau; domou as
e no poder - impede que a paixões
nau avance humanas
Torpedo - produz energia - faz tremer o - Santo António - 22 homens
braço do tremeram
pescador; quando ouviram
- impede que o as palavras de
pesquem Santo António e
se converteram
Quatro-Olhos - dois olhos para - defende-se das - Pregador - o peixe ensinou
cima; aves; o pregador a
- dois olhos para - defende-se dos olhar para cima
baixo peixes (céu) e para
baixo (inferno)

CAPÍTULO IV

A primeira grave condenação que tem a fazer aos peixes é o facto de se comerem uns
aos outros e, sobretudo, os maiores comerem os mais pequenos.
Surge, mais uma vez, a autoridade bíblica: Santo Agostinho. Através dele, Vieira
constrói um paralelismo invertido, que se pode ver através do seguinte esquema:
Santo Agostinho Santo António
| |
V V
pregava pregava
| |
aos homens aos peixes
| |
V V
exemplificava nos peixes exemplificava nos homens
Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador usa uma
lógica implacável, apelando para os conhecimentos dos ouvintes e dando exemplos concretos.
Os seus ouvintes sabiam a verdade do que ele afirmava, conheciam que os peixes se comem
uns aos outros, os maiores os mais pequenos. Além disso, cita frequentemente a Sagrada
Escritura, em que se apoia. Numa apóstrofe aos peixes, refere:

«Olhai peixes, lá do mar para a terra»


| |
V V
matos e sertão cidade
| |
V V
«… cuidais que só os Tapuias «… muito mais açougue é o de cá,
Se comem uns aos outros…» muito mais se comem os brancos…»

VEDES
|
V
- todo aquele bulir;
- todo aquele andar;
- aquele concorrer;
- aquele correr e cruzar;
- aquele subir e descer;
- aquele entrar e sair
|
V
«… pois tudo aquilo é…»
|
V
«… andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer…»

Dá dois exemplos:
Uma pessoa que morreu Um réu no julgamento
- comem-no os herdeiros; - come-o o meirinho;
- comem-no os testamenteiros; - come-o o carcereiro;
- comem-no os legatários; - come-o o escrivão;
- comem-no os credores; - come-o o solicitador;
- comem-no os oficiais dos defuntos e dos - come-o o inquiridor;
ausentes; - come-o o médico;
- come-o o advogado; - come-o a testemunha;
- come-o o sangrador; - come-o o julgador
- come-o a mulher; |
- come-o o coveiro; |
- come-o o tocador dos sinos; |
-comem-no os padres |
CONCLUSÃO CONCLUSÃO
| |
V V
«… enfim, ainda o pobre defunto o não «… ainda não está executado nem
comeu a terra, e já o tem comido a terra sentenciado e já está comido…»
toda…»
Nota: Note-se o trocadilho que faz com a
palavra terra.
Socorrendo-se da Sagrada Escritura, dá o
exemplo de Job, homem rico que, tendo
perdido todos os bens materiais, era
desprezado e humilhando por todos. Mas
nunca perdeu a Fé, dizendo: «Deus mo
deu, Deus mo tirou.» E Deus devolveu-lhe
os seus bens a dobrar.

Em qualquer dos casos, é evidente o paralelismo anafórico a nível lexical e que nos dá
a imagem de um grande banquete em torno de uma pobre vítima.
No primeiro caso, existe uma forte crítica à exploração dos negócios que envolvem os
mortos e, no segundo, ao sistema judicial.
Deus também se havia queixado de todos aqueles que «comam, traguem e devorem»
todo o seu povo. É nítida a gradação que culmina com «devoram». E comem pessoas como se
comessem um simples pedaço de pão.
Também Santo António refere o pão como um alimento que se come a todo o
momento: «Chama-se pão por se comer com todo o alimento.» Interpela o auditório de uma
forma violenta:
«Parece-vos bem isto, peixes?... Pois isto mesmo é o que vós fazeis.»
Neste passo, Vieira adivinha e admira o espanto do auditório.
Reitera o facto dos maiores comerem os mais pequenos e, mais do que isso,
«cardumes inteiros». Está, sem dúvida, a referir-se às tribos índias, que eram devoradas pelos
colonos, desde as mais altas figuras até ao mais reles funcionário.
Faz uma crítica directa àqueles que iam de Portugal para o Brasil para enriquecerem,
por isso “comiam” sucessivamente os índios e, quando voltavam ao Reino, era a sua vez de
serem comidos pelos seus superiores.
Santo Ambrósio faz uma advertência nesse sentido: «Guarde-se o peixe, que persegue
o mais fraco para o comer, não se acha na boca do mais forte, que o engula a ele».
Exemplifica:

TUBARÃO-XARÉUBRAGUE

Vieira adverte para o facto de serem já tantos os perigos que espreitam e os


inimigos que se têm que, se se continuar com esta antropofagia, onde iremos parar?
Tenta adverti-los: «se emalham e entralham as redes;
«se tecem as nassas»
«trocem as linhas»
«dobram e farpam os anzóis»
«as fisgas e os arpões»
«Não vedes que contra
vós…»

Torna-se exortativo: «Cesse, cesse, já, irmãos peixes, e tenha fim algum dia esta tão
perniciosa discórdia; e pois vos chamei e sois irmãos, lembrai-vos das obrigações deste nome:
Não estáveis vós muito quietos, muito pacíficos e muito amigos todos, grandes e pequenos,
quando vos pregava Santo António? Pois continuai assim e sereis feliz».
Em forma de síntese, temos a amplificação do raciocínio. Os homens são como os
peixes, que se comem uns aos outros, devoram e engolem todo um povo.
Neste momento, é claro e directo o ataque feito aos colonos que exploram, os índios,
de uma forma completamente desumana: «… mas como os grandes comem os pequenos, não
bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande».
A segunda crítica que tem a fazer no geral é a «tão notável ignorância e cegueira que
em todas as viagens experimentam os que navegam para estas partes». Interpela o auditório:
«Dir-me-eis que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego».
Em Portugal, os homens são iscados por um pedaço de pano pertencente à sua ordem
e aí encontram a morte. No Maranhão, não há ambição dos hábitos, mas também aí os
homens se deixam pescar facilmente. Coloca uma questão ao auditório:

«Quem pesca a vida a todos os homens do Maranhão e com quê?»


|
V
Resposta:
!
V
«Vem um Mestre de Navio de Portugal com quatro varreduras das lógeas, com quatro panos, e
quatro sedas, que já se lhe passou a era…?»
|
V
«Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.»
|
V
Consequência
|
V
«este trabalho de toda a vida…
|
V
na roca/ na cana/ no engenho/ no tabacal
|
V
Quem o leva?»
!
V
Não compram «coches, nem liteiras, nem escudeiros, nem pajens, nem lacaios, nem
tapeçarias, nem as po9nturas, nem as baixelas, nem as jóias.»
Gastam esse dinheiro «no triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o
ano… e lá se vai a vida.»

Não usam o dinheiro do seu trabalho para o seu bem, a sua segurança, mas sim em
prol da vaidade.
Lança nova questão ao auditório:
«Não é isto, meus peixes, grande loucura dos homens, com que vos escusais?» E
responde para eles: «Claro está que sim: nem vós o podeis negar.»
O orador expõe a repreensão e depois comprova-o Dá o exemplo dos peixes que caem
facilmente no engodo da isca; passa, em seguida, para o exemplo dos homens que enganam os
indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. Acrítica à exploração dos
negros é cerrada e implacável. Conclui, respondendo á interrogação que fez, afirmando que os
peixes são muito cegos e ignorantes e apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António,
que não se deixou enganar pela vaidade; abdicou dela, fazendo-se pobre e simples e, desta
forma, pescou muitos homens para a salvação.

Homens Peixes
| |
V V
vaidade ignorância/cegueira
| |
--------> enganados < ---------
|
V
perdem a vida

De notar a violência da metáfora «dá-lhe uma sacadela e dá-lhe outra, com que cada
vez lhe sobe mais o preço».
Temos, ainda, toda a série de anáforas, «de um ano para outro, e de uma safra para
outra safra», que nos mostram a monotonia e pobreza em que levam a vida por uma simples
«trapo». E a enumeração «não levam coches, nem liteiras, nem cavalos, nem…»
O fascínio do homem pela vaidade é fortemente criticado por Vieira.

CAPÍTULO V

Dos peixes, em geral, repudiam-no a ictiofagia e a ignorância e cegueira, mas, tal como
fizera com os louvores, prossegue apresentando os defeitos de alguns peixes.
Assim, os roncadores, os pegadores, os voadores e os polvos vão desfilando e
mostrando os seus defeitos. Por fim, contrapõe-nos a Santo António, através de um
paralelismo antitético.
O primeiro peixe a ser repreendido é o roncador, cuja voz imponente contrasta com o
seu pequeno tamanho.
Deus também tem um repúdio especial pelos roncadores.
Tomando o estatuto de narrador, Vieira exemplifica com dois excertos bíblicos:
O que diziam O que faziam Conclusão
SÃO PEDRO «Tinha roncado e «…bastou a voz de «… O muito roncar
barbateado… que se uma mulherzinha antes da ocasião é
todos fracassassem, para o fazer tremer e sinal de dormir
só ele havia de ser negar…» nela…»
constante até
morrer….»
GOLIAS «… era a ronda dos «…Bastou um «… Os arrogantes e
Filisteus…» pastorzinho com um soberbos tomam-se
cajado, e uma funda, por Deus e quem se
para dar com ele em toma por Deus
Terra…» sempre fica
debaixo…»

Saber
O que torna os homens roncadores? <
Poder

Vieira exemplifica:
«Caifás roncava de saber: Vós não sabeis nada.» e «Pilatos roncava de poder:
Desconheceis que tenho poder?»
A aplicação da metáfora «roncar» mostra bem o quão soberba era a sua atitude.
Contrariamente a Caifás e Pilatos, Santo António detinha poder e sabedoria e, calado,
deu muito que falar. Estamos perante um paralelismo antitético.
Para nos apresentar o segundo peixe, Vieira reconhece os conhecimentos que tem do
homem e constata que o parasitismo também reina entre os peixes. Temos pois o pegador,
aquele que vive colado aos outros fazendo disso o seu modo de vida.
Vieira não tem dúvidas que os peixes aprenderam isto com os portugueses «porque
não parte Vice-Rei ou governador para as conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os
quais se arrimam a eles, para que calhe matem a fome, de que lá não tinham remédio…»
Podemos chegar sempre perto dos maiores mas ter a astúcia suficiente para despegar
a tempo, senão «morre o tubarão e morrem com eles os pegadores». Não é honesto viver às
custas dos outros.
Da Sagrada Escritura tira o exemplo de Herodes que, ao morrer, com ele morreram os
que queriam tirar a vida ao Menino.
Num tom mais agressivo diz «Eis aqui peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e
enganoso é este modo de vida que escolhestes». De notar que o diminutivo aparece com
sentido pejorativo e os dois adjectivos que o qualificam também têm o mesmo sentido.
David e Santo António são considerados pegadores de Deus, no entanto, este fez-se
homem e morreu «para que não morressem todos os que se apegassem a ele…»
Os voadores também são alvo de crítica. O primeiro parágrafo é quase todo composto
por interjeições aos voadores e sucessivas questões para os chamar à realidade. Senão
vejamos:

DESCRIÇÃO ENTÃO… CONCLUSÃO


Espinhas
Escamas … são peixes… … o seu elemento é a água…
Barbatana
O facto de terem barbatanas maiores leva-os a utilizá-las como asas, o que lhe traz
perigos dobrados:

- a fisga
- Outros peixes -- matam-nos- os perigos do mar <
- o anzol

- a fisga
- do mar – o anzol
- Os voadores  matam-nos- > os perigos<
- do ar – presunção
- capricho
- vaidade

Note-se a aliteração presente em grande parte deste parágrafo, como por exemplo
«vai o navio navegando, e o marinheiro dormindo e o voador… ao voador mata-o a vaidade de
voar e a sua isca é o vento». Estas aliterações em V remetem-nos para o campo semântico do
voar, do vento, da vaidade.
No segundo parágrafo, p pregador já não ataca tão bruscamente o auditório. Vai sim
demonstrar como é engenhosa a ambição deste peixe, que o pode levar à morte.
O seu elemento natural é a água (segundo), ele quis o ar (terceiro) e, se tentar, corre o
risco de acabar cozinhado no fogo (quarto). Assim, em vez de correr os riscos de um peixe,
corre igualmente os riscos dos outros elementos e, supostamente, terá uma vida mais curta.
Vieira retoma o seu estatuto de narrador e exemplifica tudo o que dissera
anteriormente, com a história de Simão Mago, retirado dos Apócrifos.
Através de poderes mágicos, Simão Mago disse ser filho de Deus e marcou um dia em
que subiria aos Céus para se encontrar com o Pai. Bastou uma oração de São Pedro para que a
magia desaparecesse e Simão se visse privado, não só de asas para voar, como de pés para
andar.
Antes de terminar, dá o exemplo de Santo António e, numa apóstrofe ao santo exorta
os peixes a imitarem o santo pregador.
O polvo vai ser alvo de uma crítica cerrada e implacável. As queixas que Vieira tem do
polvo não são coisa recente. Já São Basílio e Santo Ambrósio se haviam referido a elas. Os seus
defeitos são mais graves, como se pode verificar através do esquema seguinte:

DESCRIÇÃO DO POLVO COMPARAÇÃO


- capelo - monge
- raios - estrela
- ausência de ossos - brandura/ mansidão
(realidade) (ilusão)
|_______________> CONCLUSÃO<______________|
|
«o maior traidor do mar»
|
V
PORQUÊ?
|
V
Muda de cor--- - limos= verde
| - areia= branco
| - lodo» pardo
| - pedra: cor de pedra
V
CONSEQUÊNCIAS
|
V
Engana
| |
V V
Inocentes distraídos

No excerto do polvo surgem várias figuras de estilo. São de salientar a adjectivação


oxímora (hipocrisia santa), a apóstrofe e a comparação, por contraste entre o polvo e Judas.

AMPLIAÇÃO DO RACIOCÍNIO
JUDAS POLVO
| |
V V
«abraçou a Cristo, mas outros o prenderam» «é o que abraça e mais o que prende»
| |
V V
«com os braços fez o sinal» «o polvo dos braços faz as cordas»
|_________________________________________|
|
V
CONCLUSÃO
«vê peixe aleivoso e vil qual a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor»

Apresentado que foi o grande traidor do mar, Vieira vai virar-se para os traidores da
terra, visando atingir os moradores do Maranhão e os colonos. São grandes as atrocidades
cometidas contra os índios. Os colonos, disfarçados de Bons Samaritanos, enganam-nos e
tiram-lhes tudo o que podem, inclusive a própria vida.
Como não podia deixar de ser, Santo António aparece como antítese do polvo.
Sintetizando as características dos peixes criticados, obtemos o seguinte quadro:

PEIXES SIMBOLIZAM Características de Santo


António
Roncadores Soberba; Arrogância; Era detentor do saber e do
Vaidade; Famfarronice; poder, mas não se
Orgulho vangloriava disso
Pegadores Parasitismo; Pegou-se a Cristo
Adulação
Voadores Ambição desmedida; Cobiça Tinha asas (sabedoria), mas
Presunção não as usou para exibir o seu
valor
Polvos Falsidade; Mentira; Esteve afastado da traição;
Hipocrisia; Dissimulação; sempre houve verdade e
Traição sinceridade
Para finalizar as repreensões, o pregador deseja fazer outra advertência. Uma vez que
ocorrem tantos naufrágios por aquelas paragens, não se podem apoderar dos bens dos
náufragos. É evidente que a advertência vai direitinha para os colonos, que roubam tudo o que
podem. Tomando um exemplo da Sagrada Escritura e passando para o estatuto de narrador,
conta a história de São Pedro, que pescou um peixe que trazia uma moeda na boca: todos os
que se apoderam dos bens alheios têm morte certa; foi o que aconteceu com este peixe.
Aquela moeda não lhe pertencia, provinha de algum naufrágio, como tal, o peixe nunca a
deveria ter apanhado. A advertência vai para os homens que tentam enriquecer à custa de
naufrágios. Isso pode custar-lhes não só a morte física, como a morte espiritual, porque nem
sempre São Pedro, nem o Sumo Pontífice os podem absolver.

PERORAÇÃO
(Capítulo VI)

ANIMAIS TERRESTRES PEIXES


| |
V V
sacrificam sacrificam
| |
V V
- sangue - respeito
- vida - reverência

Tendo a perfeita noção de que estas últimas palavras são aquelas que ficam mais
presentes no espírito dos ouvintes, o orador pretende com elas mover o auditório. Os dois
aspectos que ele pretende salientar são os seguintes:

- Os peixes estão acima dos outros animais. O Levítico exclui-os como objecto de
sacrifício. Os homens chegam mortos ao altar, porque vão em pecado mortal.
- Os peixes estão acima do pregador e este sente um pouco de inveja, pois acrescenta
um retrato dele próprio como pecador:

«eu falo» «as palavras»


«eu lembro-me» «mas vós não ofendeis a «a memória»
«eu discorro» Deus com» «o entendimento»
«eu quero» «a vontade»

As repetições põem em realce o paralelismo entre o orador e os peixes. As gradações


intensificam o sentido.
Vieira nunca se apresenta como o modelo de um pregador. Ele tenta sê-lo, mas sente
que ainda tem muito a aprender para alcançar mérito.
Antes de terminar, pede aos peixes para louvarem a Deus.
Termina com o hino Benedite, que dá por encerrado o sermão, com um tom festivo à
comemoração de Santo António, cuja festa se celebrava.

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