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Padre Antonio Vieira Sermao Aos Peixes
Padre Antonio Vieira Sermao Aos Peixes
Propriedades
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V V
do sal dos pregadores
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V V
- conservar o bom - louvar o bem
- evitar a corrupção - impedir o mal
Com vista á captação da atenção, o orador socorre-se de vários artifícios. Para atingir a
inteligência dos ouvintes, utiliza argumentos lógicos e sucessivas interrogações retóricas («…
qual pode ser a causa desta corrupção?» e «Não é tudo isto verdade?»). Para atingir o coração
do auditório, as interjeições e exclamações são a forma que ele encontrou mais adequada.
No segundo parágrafo, a citação evangélica funciona como forma de legitimar os
argumentos apresentados.
Nas palavras de Cristo consegue o orador solução para os maus pregadores.
Tal como a citação anterior referida, a figura de Santo António também funciona como
autoridade, assim como os «outros Santos Doutores da Igreja».
É de notar a pouca presença de palavras neste parágrafo e a insistência sistemática da
repetição de algumas, com a intenção de vincar determinadas ideias, no que se refere às
culpas que os pregadores têm do facto da terra não se deixar salgar.
No terceiro parágrafo, tal como acontece ao longo do sermão, Vieira assume o
estatuto de narrador, legando para segundo plano o de pregador.
Santo António ocupa um lugar especial. Todo o texto é um panegírico em torno da sua
figura. Aproveitando o facto de ter dificuldade em comunicar com os homens, ele decide,
como fizera Santo António, pregar aos peixes.
Segundo se constam na cidade de Arimino, ou Rimini, existiam muitos hereges. Certo
dia, na foz do rio Marecchia, Santo António resolveu pregar aos peixes já que os homens não
lhe davam atenção. Atente-se no seguinte excerto:
«Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar.»
Verifica-se que ele é pautado do sistema binário contendo, ao mesmo tempo,
paralelismos lexicais e fónicos e jogos antitéticos: deixa/vai-se e praças/praias.
Outros recursos presentes ao longo do exórdio são a enumeração e o polissíndeto,
dando a ideia de continuidade à acção: «nesta igreja e noutras, de manhã e de tarde, de dia e
de noite».
É com convicção de que «nas festas dos Santos, é melhor pregar como eles que pregar
deles» que Vieira veste a roupagem de Santo António e, à semelhança deste, se dirige aos
peixes, uma vez que os homens do Maranhão fechavam os ouvidos à doutrina.
A crítica é bem forte, o mal não só está do lado dos homens que não ouvem como, e
sobretudo, dos pregadores que não pregam a verdadeira doutrina.
De uma forma irónica incita todos aqueles que não querem ouvir a verdade a
abandonar o senão «pois não é para eles».
Termina o exórdio com uma invocação a Maria - «Domina Maris» - Senhora do mar.
DESENVOLVIMENTO (Cap.s II, III, IV e V)
PROPOSIÇÃO
(início do Cap. II até «E onde há bons e maus, há que louvar e que repreender»)
A partir do capítulo II até ao final do sermão, todo o texto é uma alegoria, uma vez que
o auditório são os peixes-gente.
A proposição corresponde a uma apresentação do tema e tem início com uma
pergunta retórica: «Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes?»
Este auditório muito específico tem qualidades, mas também tem um grande defeito:
Peixes
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qualidades defeitos
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- ouvem e não falam - não se convertem
É triste, para um pregador, dirigir-se a quem nunca se há-de converter, mas como ele
mesmo afirma: «… esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase não se sente».
Apesar de não se converterem, para Santo António os peixes são símbolo da fé.
Quando refere «… não falarei hoje em Céu, nem em Inferno…», estamos perante uma
preterição pois, como podemos verificar no capítulo seguinte, vai mesmo falar deste tema.
Falando com os «irmãos peixes», indica as funções do sal e do sermão.
Existe um paralelismo entre o sal e o sermão e é através deste paralelismo metafórico
que irá desenvolver todo o sermão, num sistema binário:
Função
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do sal do sermão
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- conservar o são - louvar o bem
- preservar a corrupção - repreender o mal
Em todo o lado há bons e maus; o mesmo acontece com os peixes. Já São Basílio dizia:
«Não só há que notar… e que repreender nos peixes, senão também que imitar e louvar». Do
mesmo modo, Cristo refere: «E onde há bons e maus, há que louvar e que repreender.»
É novamente a figura de Santo António que aparece, não só para legitimar, como para
engrandecer o texto.
A partir daqui todo o sermão é uma alegoria. Os peixes são a metáfora dos homens; as
suas virtudes são a metáfora, por contraste, dos defeitos dos homens e os vícios são
directamente a metáfora dos vícios destes. O pregador fala dos peixes, mas quem o escuta são
os homens, os colonos do Maranhão.
O sermão parece organizado com base em dois contrastes: o Bem e o Mal. O pregador
argumenta de forma muito lógica. Partindo de duas propriedades do sal, divide o sermão em
duas partes:
1ª parte 2ª parte
- o sal conserva o são - o sal preserva a corrupção
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- o pregador louva as virtudes - o pregador repreende os vícios dos peixes
dos peixes
Existe uma gradação na enumeração dos animais que vivem próximo dos homens,
mais presos. Vieira começa por referir os animais e as aves que vivem mais perto do homem e,
de seguida, vai referindo os que vivem, progressivamente, mais longe.
Contrariamente aos animais e às aves, encontramos os peixes que:
- «lá se vivem nos seus mares e rios»
- «lá se mergulham nos seus pegos»
- «l á se escondem nas suas grutas».
A diferença entre os peixes e os outros animais é aqui marcada pelo advérbio de lugar
«lá» e pelos pronomes possessivos «seus», «seu» e «sua». Não só vivem longe como num
espaço que lhes pertence. Toda a liberdade de que usufruem os peixes é contraposta à prisão
em que vivem os restantes animais pela conjunção coordenativa adversativa «mas»:
Por extensão, os animais que convivem com os homens foram castigados, pois estão
domados, domesticados, sem liberdade.
Depois de uma comparação entre peixes e homens conclui: «… quanto melhor sois que
os homens» e apresenta ironicamente uma crítica.
Esta é uma das muitas passagens marcadas por uma certa ambiguidade; dirige-se aos
peixes para se dirigir aos homens. Os destinatários do discurso, ora são os homens, ora são os
peixes. O discurso torna-se inesperadamente variado na medida em que umas vezes se dirige
aos peixes na segunda pessoa («Vós peixes»), como na terceira pessoa («Os peixes… lá se
vivem»). Esta troca repentina de destinatários não obscurece, de forma alguma, a mensagem;
aumenta sim a sua capacidade de denúncia. É bem clara a intencionalidade presente em
«Vede, peixes, quão bem é estar longe dos homens». Toda a argumentação alegórica pretende
demonstrar a maldade e vaidade dos homens que funciona como um espelho para os
ouvintes, «… quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles,
Deus nos livre!» Neste, como noutros exemplos, nota-se a capacidade de se dirigir aos homens
e aos peixes, de uma forma ambígua.
Só os peixes não foram castigados aquando do dilúvio, nem ficaram limitados a um
macho e uma fêmea. Isso deveria servir de exemplo para os homens, que pouco ouvem, falam
muito, e não respeitam a palavra de Deus.
De tudo o que ficou dito se conclui que os homens não são amigos de ninguém pois,
por isso, um grande filósofo respondeu que a melhor terra do mundo era a mais deserta,
«porque tinha os homens muito longe».
Termina o capítulo com o exemplo de Santo António, que deixou Lisboa, Coimbra e
Porto para se afastar dos homens e, consequentemente, aproximar-se de Deus.
CAPÍTULO III
E de repente, de uma forma irónica, retoma a alegoria dizendo: «Mas ah, que me não
lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes».
Note-se, no caso de Vieira, no pronome pessoa «eu», no imperativo «abri» e nos
pronomes demonstrativos «este/s».
CONFIRMAÇÃO
(cap. III, desde «Ah moradores do Maranhão» até ao final do cap. V)
De notar que nos objectos de pesca na terra existe uma gradação que vai da simples
vara aos bastões e ceptros (símbolos da alta nobreza) e todos pescam.
Nova narrativa de Santo António que, quando pregava um sermão fez tremer vinte e
dois pescadores (da terra) e «… todos tremendo se lançaram a seus pés, todos tremendo
confessaram seus furtos, todos tremendo restituíram o que podiam». Atente-se na repetição
do verbo “tremer”, que intensifica o arrependimento daqueles homens, e no paralelismo
anafórico “todos tremendo”, que volta a intensificar a ideia.
O último peixe a ser louvado é o Quatro-Olhos. Vieira não pode deixar de lamentar a
antítese que existe entre um peixe que possui tantos instrumentos de visão e, na terra,
existirem tantos homens que sofrem de cegueira. É uma cegueira metafórica, pois ele refere-
se àqueles que não querem ver os erros que cometem.
Este pequeno peixe, que possui um par de olhos virados directamente para cima e
outro directamente para baixo, acabou por se tornar um pregador de Vieira. Por isso refere:
«…ensinando-me que se tenho Fé, e uso da razão, devo olhar directamente para cima, e
directamente para baixo; para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me
que há Inferno». Ora aqui se cumpre a preterição que Vieira referiu no capítulo II, ao dizer: «…
não falarei hoje em Céu, nem Inferno».
De notar que, em todos os exemplos apresentados, os peixes são sempre mais
valorizados do que os homens.
Para finalizar, agradece o facto deles ajudarem os homens a ir para o Céu, durante o
período do jejum, na Quaresma, e por serem «sustento de pobres», como as sardinhas.
CAPÍTULO IV
A primeira grave condenação que tem a fazer aos peixes é o facto de se comerem uns
aos outros e, sobretudo, os maiores comerem os mais pequenos.
Surge, mais uma vez, a autoridade bíblica: Santo Agostinho. Através dele, Vieira
constrói um paralelismo invertido, que se pode ver através do seguinte esquema:
Santo Agostinho Santo António
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V V
pregava pregava
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aos homens aos peixes
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V V
exemplificava nos peixes exemplificava nos homens
Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador usa uma
lógica implacável, apelando para os conhecimentos dos ouvintes e dando exemplos concretos.
Os seus ouvintes sabiam a verdade do que ele afirmava, conheciam que os peixes se comem
uns aos outros, os maiores os mais pequenos. Além disso, cita frequentemente a Sagrada
Escritura, em que se apoia. Numa apóstrofe aos peixes, refere:
VEDES
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V
- todo aquele bulir;
- todo aquele andar;
- aquele concorrer;
- aquele correr e cruzar;
- aquele subir e descer;
- aquele entrar e sair
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V
«… pois tudo aquilo é…»
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V
«… andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer…»
Dá dois exemplos:
Uma pessoa que morreu Um réu no julgamento
- comem-no os herdeiros; - come-o o meirinho;
- comem-no os testamenteiros; - come-o o carcereiro;
- comem-no os legatários; - come-o o escrivão;
- comem-no os credores; - come-o o solicitador;
- comem-no os oficiais dos defuntos e dos - come-o o inquiridor;
ausentes; - come-o o médico;
- come-o o advogado; - come-o a testemunha;
- come-o o sangrador; - come-o o julgador
- come-o a mulher; |
- come-o o coveiro; |
- come-o o tocador dos sinos; |
-comem-no os padres |
CONCLUSÃO CONCLUSÃO
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V V
«… enfim, ainda o pobre defunto o não «… ainda não está executado nem
comeu a terra, e já o tem comido a terra sentenciado e já está comido…»
toda…»
Nota: Note-se o trocadilho que faz com a
palavra terra.
Socorrendo-se da Sagrada Escritura, dá o
exemplo de Job, homem rico que, tendo
perdido todos os bens materiais, era
desprezado e humilhando por todos. Mas
nunca perdeu a Fé, dizendo: «Deus mo
deu, Deus mo tirou.» E Deus devolveu-lhe
os seus bens a dobrar.
Em qualquer dos casos, é evidente o paralelismo anafórico a nível lexical e que nos dá
a imagem de um grande banquete em torno de uma pobre vítima.
No primeiro caso, existe uma forte crítica à exploração dos negócios que envolvem os
mortos e, no segundo, ao sistema judicial.
Deus também se havia queixado de todos aqueles que «comam, traguem e devorem»
todo o seu povo. É nítida a gradação que culmina com «devoram». E comem pessoas como se
comessem um simples pedaço de pão.
Também Santo António refere o pão como um alimento que se come a todo o
momento: «Chama-se pão por se comer com todo o alimento.» Interpela o auditório de uma
forma violenta:
«Parece-vos bem isto, peixes?... Pois isto mesmo é o que vós fazeis.»
Neste passo, Vieira adivinha e admira o espanto do auditório.
Reitera o facto dos maiores comerem os mais pequenos e, mais do que isso,
«cardumes inteiros». Está, sem dúvida, a referir-se às tribos índias, que eram devoradas pelos
colonos, desde as mais altas figuras até ao mais reles funcionário.
Faz uma crítica directa àqueles que iam de Portugal para o Brasil para enriquecerem,
por isso “comiam” sucessivamente os índios e, quando voltavam ao Reino, era a sua vez de
serem comidos pelos seus superiores.
Santo Ambrósio faz uma advertência nesse sentido: «Guarde-se o peixe, que persegue
o mais fraco para o comer, não se acha na boca do mais forte, que o engula a ele».
Exemplifica:
TUBARÃO-XARÉUBRAGUE
Torna-se exortativo: «Cesse, cesse, já, irmãos peixes, e tenha fim algum dia esta tão
perniciosa discórdia; e pois vos chamei e sois irmãos, lembrai-vos das obrigações deste nome:
Não estáveis vós muito quietos, muito pacíficos e muito amigos todos, grandes e pequenos,
quando vos pregava Santo António? Pois continuai assim e sereis feliz».
Em forma de síntese, temos a amplificação do raciocínio. Os homens são como os
peixes, que se comem uns aos outros, devoram e engolem todo um povo.
Neste momento, é claro e directo o ataque feito aos colonos que exploram, os índios,
de uma forma completamente desumana: «… mas como os grandes comem os pequenos, não
bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande».
A segunda crítica que tem a fazer no geral é a «tão notável ignorância e cegueira que
em todas as viagens experimentam os que navegam para estas partes». Interpela o auditório:
«Dir-me-eis que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego».
Em Portugal, os homens são iscados por um pedaço de pano pertencente à sua ordem
e aí encontram a morte. No Maranhão, não há ambição dos hábitos, mas também aí os
homens se deixam pescar facilmente. Coloca uma questão ao auditório:
Não usam o dinheiro do seu trabalho para o seu bem, a sua segurança, mas sim em
prol da vaidade.
Lança nova questão ao auditório:
«Não é isto, meus peixes, grande loucura dos homens, com que vos escusais?» E
responde para eles: «Claro está que sim: nem vós o podeis negar.»
O orador expõe a repreensão e depois comprova-o Dá o exemplo dos peixes que caem
facilmente no engodo da isca; passa, em seguida, para o exemplo dos homens que enganam os
indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. Acrítica à exploração dos
negros é cerrada e implacável. Conclui, respondendo á interrogação que fez, afirmando que os
peixes são muito cegos e ignorantes e apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António,
que não se deixou enganar pela vaidade; abdicou dela, fazendo-se pobre e simples e, desta
forma, pescou muitos homens para a salvação.
Homens Peixes
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V V
vaidade ignorância/cegueira
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--------> enganados < ---------
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V
perdem a vida
De notar a violência da metáfora «dá-lhe uma sacadela e dá-lhe outra, com que cada
vez lhe sobe mais o preço».
Temos, ainda, toda a série de anáforas, «de um ano para outro, e de uma safra para
outra safra», que nos mostram a monotonia e pobreza em que levam a vida por uma simples
«trapo». E a enumeração «não levam coches, nem liteiras, nem cavalos, nem…»
O fascínio do homem pela vaidade é fortemente criticado por Vieira.
CAPÍTULO V
Dos peixes, em geral, repudiam-no a ictiofagia e a ignorância e cegueira, mas, tal como
fizera com os louvores, prossegue apresentando os defeitos de alguns peixes.
Assim, os roncadores, os pegadores, os voadores e os polvos vão desfilando e
mostrando os seus defeitos. Por fim, contrapõe-nos a Santo António, através de um
paralelismo antitético.
O primeiro peixe a ser repreendido é o roncador, cuja voz imponente contrasta com o
seu pequeno tamanho.
Deus também tem um repúdio especial pelos roncadores.
Tomando o estatuto de narrador, Vieira exemplifica com dois excertos bíblicos:
O que diziam O que faziam Conclusão
SÃO PEDRO «Tinha roncado e «…bastou a voz de «… O muito roncar
barbateado… que se uma mulherzinha antes da ocasião é
todos fracassassem, para o fazer tremer e sinal de dormir
só ele havia de ser negar…» nela…»
constante até
morrer….»
GOLIAS «… era a ronda dos «…Bastou um «… Os arrogantes e
Filisteus…» pastorzinho com um soberbos tomam-se
cajado, e uma funda, por Deus e quem se
para dar com ele em toma por Deus
Terra…» sempre fica
debaixo…»
Saber
O que torna os homens roncadores? <
Poder
Vieira exemplifica:
«Caifás roncava de saber: Vós não sabeis nada.» e «Pilatos roncava de poder:
Desconheceis que tenho poder?»
A aplicação da metáfora «roncar» mostra bem o quão soberba era a sua atitude.
Contrariamente a Caifás e Pilatos, Santo António detinha poder e sabedoria e, calado,
deu muito que falar. Estamos perante um paralelismo antitético.
Para nos apresentar o segundo peixe, Vieira reconhece os conhecimentos que tem do
homem e constata que o parasitismo também reina entre os peixes. Temos pois o pegador,
aquele que vive colado aos outros fazendo disso o seu modo de vida.
Vieira não tem dúvidas que os peixes aprenderam isto com os portugueses «porque
não parte Vice-Rei ou governador para as conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os
quais se arrimam a eles, para que calhe matem a fome, de que lá não tinham remédio…»
Podemos chegar sempre perto dos maiores mas ter a astúcia suficiente para despegar
a tempo, senão «morre o tubarão e morrem com eles os pegadores». Não é honesto viver às
custas dos outros.
Da Sagrada Escritura tira o exemplo de Herodes que, ao morrer, com ele morreram os
que queriam tirar a vida ao Menino.
Num tom mais agressivo diz «Eis aqui peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e
enganoso é este modo de vida que escolhestes». De notar que o diminutivo aparece com
sentido pejorativo e os dois adjectivos que o qualificam também têm o mesmo sentido.
David e Santo António são considerados pegadores de Deus, no entanto, este fez-se
homem e morreu «para que não morressem todos os que se apegassem a ele…»
Os voadores também são alvo de crítica. O primeiro parágrafo é quase todo composto
por interjeições aos voadores e sucessivas questões para os chamar à realidade. Senão
vejamos:
- a fisga
- Outros peixes -- matam-nos- os perigos do mar <
- o anzol
- a fisga
- do mar – o anzol
- Os voadores matam-nos- > os perigos<
- do ar – presunção
- capricho
- vaidade
Note-se a aliteração presente em grande parte deste parágrafo, como por exemplo
«vai o navio navegando, e o marinheiro dormindo e o voador… ao voador mata-o a vaidade de
voar e a sua isca é o vento». Estas aliterações em V remetem-nos para o campo semântico do
voar, do vento, da vaidade.
No segundo parágrafo, p pregador já não ataca tão bruscamente o auditório. Vai sim
demonstrar como é engenhosa a ambição deste peixe, que o pode levar à morte.
O seu elemento natural é a água (segundo), ele quis o ar (terceiro) e, se tentar, corre o
risco de acabar cozinhado no fogo (quarto). Assim, em vez de correr os riscos de um peixe,
corre igualmente os riscos dos outros elementos e, supostamente, terá uma vida mais curta.
Vieira retoma o seu estatuto de narrador e exemplifica tudo o que dissera
anteriormente, com a história de Simão Mago, retirado dos Apócrifos.
Através de poderes mágicos, Simão Mago disse ser filho de Deus e marcou um dia em
que subiria aos Céus para se encontrar com o Pai. Bastou uma oração de São Pedro para que a
magia desaparecesse e Simão se visse privado, não só de asas para voar, como de pés para
andar.
Antes de terminar, dá o exemplo de Santo António e, numa apóstrofe ao santo exorta
os peixes a imitarem o santo pregador.
O polvo vai ser alvo de uma crítica cerrada e implacável. As queixas que Vieira tem do
polvo não são coisa recente. Já São Basílio e Santo Ambrósio se haviam referido a elas. Os seus
defeitos são mais graves, como se pode verificar através do esquema seguinte:
AMPLIAÇÃO DO RACIOCÍNIO
JUDAS POLVO
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V V
«abraçou a Cristo, mas outros o prenderam» «é o que abraça e mais o que prende»
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V V
«com os braços fez o sinal» «o polvo dos braços faz as cordas»
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V
CONCLUSÃO
«vê peixe aleivoso e vil qual a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor»
Apresentado que foi o grande traidor do mar, Vieira vai virar-se para os traidores da
terra, visando atingir os moradores do Maranhão e os colonos. São grandes as atrocidades
cometidas contra os índios. Os colonos, disfarçados de Bons Samaritanos, enganam-nos e
tiram-lhes tudo o que podem, inclusive a própria vida.
Como não podia deixar de ser, Santo António aparece como antítese do polvo.
Sintetizando as características dos peixes criticados, obtemos o seguinte quadro:
PERORAÇÃO
(Capítulo VI)
Tendo a perfeita noção de que estas últimas palavras são aquelas que ficam mais
presentes no espírito dos ouvintes, o orador pretende com elas mover o auditório. Os dois
aspectos que ele pretende salientar são os seguintes:
- Os peixes estão acima dos outros animais. O Levítico exclui-os como objecto de
sacrifício. Os homens chegam mortos ao altar, porque vão em pecado mortal.
- Os peixes estão acima do pregador e este sente um pouco de inveja, pois acrescenta
um retrato dele próprio como pecador: