De acordo com Marcelo Giordan, a experimentação ocupou um papel essencial
na consolidação das ciências naturais a partir do século XVII, na medida em que as leis formuladas deveriam passar pela averiguação das situações empíricas propostas, dentro de uma lógica sequencial de formulação de hipóteses e verificação de consistência. Ela alcançou lugar privilegiado na proposição de uma metodologia científica, que se pautava pela racionalização de procedimentos, tendo assimilado formas de pensamento características, como indução e dedução. As atividades experimentais foram inseridas nas escolas, devido à forte influência de trabalhos desenvolvidos nas universidades cujo objetivo era o de melhorar a aprendizagem do conhecimento científico através da aplicação do que foi aprendido. Muito já foi pesquisado sobre a utilização de atividades experimentais no ensino de ciências e de química, entretanto a temática não se esgota, visto que ainda há professores que desconhecem, muitas vezes, as novas perspectivas que conduzem o processo de ensino e aprendizagem a partir da experimentação. Nesse sentido, esse texto apresenta um breve relato sobre a inserção da experimentação no ensino de química; as concepções que a nortearam e norteiam atualmente, e ainda, uma reflexão sobre a importância de discutir a experimentação na formação inicial de docentes de química. Segundo Marr, ao se tratar do uso do laboratório voltado ao ensino, pode haver discordâncias sobre como se deu o desenvolvimento das concepções sobre experimentação, uma vez que, atividades laboratoriais já eram utilizadas em cursos de química europeus no século XVII e XVIII, mas estes eram voltados à Medicina ou mais especificamente ao preparo de fármacos. Somente no século XIX surgiram os laboratórios de ensino, com objetivos pedagógicos específicos, o laboratório de Justus von Liebig na Universidade de Giessen (1827) é tido como modelo do moderno laboratório universitário de química, e como o primeiro de seu tipo. Seu método inovador ficou conhecido por “Modelo de Giessen”, e caracterizava-se por ensinar os alunos a pesquisar em Química, e a estes, comunicarem suas pesquisas a seus colegas de trabalho, surgindo, então, uma equipe de pesquisadores novatos nos cursos de química. O bom resultado das atividades propostas por Liebig contribuiu para que seu método de ensino laboratorial se tornasse amplamente conhecido, já que, ao obter a posição acadêmica, seus ex-alunos tentavam recriar o sistema em suas instituições de ensino. Entretanto, não se notaram reflexos do modelo de Liebig na química brasileira, pois seguiam, ainda, o tradicional modelo francês, baseado em ideias positivistas. Conforme Sicca, a experimentação foi introduzida no ensino secundário de Química no período de 1930 a 1945, como fator de motivação para os alunos e estas eram realizadas por demonstrações pelos próprios professores. Já, no período de 1945 a 1964, com as lutas para a criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira e a Campanha de Defesa da Escola Pública, o ensino de química deveria cumprir suas finalidades educativas para a formação do espírito científico do aluno. Contudo, a proposta que surgiria para privilegiar o raciocínio científico do aluno através de atividades experimentais, terminava por confirmar conceitos já estudados com experimentos estritamente demonstrativos, devido as dificuldades de implementação efetiva da ideia, dificuldades vistas ainda hoje. Percebe-se assim que a história do ensino experimental em química evidencia que esta estratégia foi norteada por princípios empiristas e indutivistas por um longo período, mesmo tentando-se desenvolver novas abordagens, essas raízes ainda parecem predominar. As concepções que nortearam a experimentação no ensino de química podem se resumir em quatro, sendo elas: demonstrativa, empírico-indutivista, dedutivista- racionalista e construtivista. A demonstrativa apresenta como propósito a comprovação de algo já estabelecido, impossibilitando assim a construção do conhecimento científico, o resultado final é entregue de forma acabada, apresentando assim uma ciência como sendo imutável e com verdades absolutas. A empírico-indutivista consiste na obtenção do conhecimento científico por meio de observações e do uso do método científico. Nesta concepção, semelhante à demonstrativa, o conhecimento científico é composto por verdades fixas e que não podem ser questionadas. Já a dedutivista-racionalista são as hipóteses que direcionam as experimentações. Temos uma valorização da construção do conhecimento científico, sendo este mutável e, assim sendo, passível de reformulações. E por fim, a construtivista, que toma como ponto de partida o conhecimento prévio dos alunos. O conhecimento científico é oriundo desses conceitos já presentes, seja ele pelo aprimoramento de ideias mais simples, ou até mesmo a total mudança de determinado conceito, sendo o mais importante fator a considerar a realidade do aluno no processo. Apesar de pesquisas comprovarem que já existem métodos mais eficazes para uma aprendizagem significativa, as concepções tradicionais ainda são encontradas em salas de aulas de química no ensino médio. É importante salientar que a atividade experimental desenvolvida em uma perspectiva tradicional pode contribuir para uma visão empobrecida da ciência, podendo desestimular ou desencorajar o aprendizado das ciências pelos alunos, levando-os a entender o conhecimento científico como um corpo de verdades inquestionáveis, distanciando-os da ideia da ciência como construção e evolução de conceitos, teorias e demais saberes e valores envolvidos, como ética, política e moral. Para evitar o reducionismo da prática pedagógica orienta- se repensar sobre a importância da experimentação, para que ela tenha como objetivo contribuir para o desenvolvimento de conceitos científicos e de habilidades cognitivas e argumentativas, para que possa refletir sobre alguns aspectos que deveriam contemplar as atividades experimentais, de forma a contribuir para a formação do indivíduo cidadão. As atividades experimentais que mais se aproximam desses objetivos são aquelas denominadas investigativas, em que o processo é mais importante que o produto. Não se desconsidera a importância da resposta à situação problema, mas os processos cognitivos, argumentativos, e as interações entre professores e alunos, são, sem dúvida, os principais ganhos para o grupo envolvido. Nesta perspectiva, privilegia- se a participação dos alunos na construção do conhecimento, ou seja, eles não são mais meros receptores de conceitos, teorias e soluções prontas. O professor se torna mediador dos saberes evocados pelos alunos, de forma a organizá-los, criando e recriando situações de reflexão sobre o assunto, conduzindo perguntas e propondo desafios para que os alunos possam elaborar suas próprias hipóteses e possíveis soluções para o problema. A respeito da adoção de concepções tradicionais, alguns pesquisadores consideram que muitos professores ainda têm a ideia de que a experimentação tem a finalidade de comprovar a teoria, no entanto, também pode-se levar em consideração a insegurança por parte dos professores para utilizar outras metodologias de ensino. Para Maldaner, as dificuldades para a elaboração de aulas experimentais são um reflexo da formação inicial de professores, em que há um despreparo pedagógico dos professores universitários, que acaba por afetar a formação em Química. O pouco comprometimento com a formação didático-pedagógica dos licenciandos acaba por leva-los a reproduzir tal atitude. Dessa forma, Rita Suart afirma que é necessário que os cursos de formação de professores de Química ofereçam condições para que os acadêmicos aprendam e discutam, não apenas os conteúdos específicos da disciplina, mas também a relação destes com a prática pedagógica. Além disso, tenham acesso a novas metodologias de ensino e aprendizagem e que possam refletir criticamente durante a sua formação e, em exercício docente, sobre qual a abordagem mais adequada a ser utilizada em sala de aula. Assim, para as atividades experimentais serem significativas no processo de aprendizagem devem conter ação e reflexão. Não basta apenas que os alunos realizem o experimento, é necessário integrar prática com discussão, análise dos dados obtidos e interpretação dos resultados, fazendo com que o aluno investigue o problema. Para tanto, é de suma importância que discussões e reflexões sobre a utilização de experimentos e sua potencialidades e dificuldades sejam realizadas desde o início da formação docente, nos cursos de formação inicial de professores.