Você está na página 1de 3

Respeite o meu direito de não querer te ouvir ou ver

Por Equipe Flávio Gikovate em 29/08/2016

O fato de alguém querer muito a nossa atenção não nos obriga a aceitar sua
aproximação. Ao insistir em seu objetivo, mesmo que nos ame, ela estará sendo
prepotente e egoísta.

Um senhor me acusou de desrespeitoso e mal-educado. Motivo? Não quis falar com


ele ao telefone. Não o conheço, sabia que ele queria fazer críticas — “construtivas” —
ao meu trabalho. Não me interessei em saber quais eram.

Uma colega me conta que sua mãe lhe diz: “Sua amiga de infância esteve aqui e está
louca para revê-la. Quando posso marcar o encontro?” Minha colega não tem
interesse em saber como está essa pessoa, nem deseja reencontrá-la.

Uma filha atende o telefone e diz ao pai: “Fulano quer falar com você”. O pai
responde: “Diga que não estou”. “Mas ele diz que quer muito falar com você.” O pai:
“Sim, mas eu não quero falar com ele!”

Afinal de contas, quem está com a razão? Aquele que se sente ofendido por não ser
ouvido ou recebido? Ou quem se acha com o direito de só receber as pessoas que
lhe interessam?

Quem faz questão de colocar sua opinião tem direito a isso ou é prepotente por achar
que o outro tem que ouvi-lo, apenas porque ele está com vontade de falar? Ou é
egoísta e desrespeitoso aquele que só fala e recebe as pessoas que lhe interessam
ou quando está com vontade?

Acho fundamental tentarmos entender essas questões aparentemente banais, uma


vez que elas são parte das complicadas relações no cotidiano de todos nós. Elas
envolvem questões morais e dos direitos de cada um. Tratam do que é justo e do que
é injusto.
Acredito que é direito legítimo de cada um falar ou não com qualquer outra pessoa. O
fato de ela querer muito nossa atenção não nos obriga a aceitar sua aproximação. E
isso independe das intenções de quem deseja o convívio.

Posso, se quiser, recusar a aproximação de uma pessoa, mesmo que ela venha me
oferecer o melhor negócio do mundo. E o fato de uma pessoa me amar também não
a autoriza a nada! Não pode, apenas por me amar, desejar que eu a queira por perto.
Ao forçar a aproximação com alguém que não esteja interessado nisso, a pessoa
estará agindo de modo agressivo, autoritário e prepotente.

As belas intenções não alteram o caráter prepotente da ação. Na verdade, egoísta é


quem quer ver sua vontade satisfeita, mesmo se isto for unilateral. Ele não está
ligando a mínima para o outro.

O mesmo raciocínio vale para as pessoas amigas. Não tem o menor sentido eu ir à
casa de um amigo para dizer-lhe o que penso de uma determinada atitude sua que
não me diz respeito, mesmo que eu não tenha gostado ou aprovado. Ele não me
perguntou nada! Ainda que goste muito de mim, talvez não queira saber minha
opinião. Talvez não deseje saber a opinião de ninguém! É direito dele.

Pode também acontecer o contrário: a pessoa desejar a minha opinião e eu me


recusar a dar. Aí é o outro quem tem de respeitar o meu direito de omissão. Não cabe
a frase do tipo: “Mas nós somos tão amigos e temos que dizer tudo um ao outro”. É
assim que, com frequência, se perdem bons amigos. É preciso ter cautela com o
outro, com o direito do outro. Não basta ter vontade de falar. É preciso que o outro
esteja com vontade de ouvir.

Nós nos tornamos inconvenientes e agressivos quando falamos coisas que os outros
não estão a fim de ouvir. Raciocínio idêntico vale também para as relações íntimas —
entre parentes, em geral, e marido e mulher, em particular. Nesses casos, o
desrespeito costuma ser ainda maior. As pessoas dizem e fazem tudo o que lhes
passa pela cabeça. É um perigo. Elas não param de se ofender e de se magoar.
Acreditam que, só porque são parentes, têm o direito de falar tudo o que pensam,
sem se preocupar como o outro irá receber aquelas palavras.
Toda relação humana de respeito implica a necessidade de se imaginar o que pode
magoar gratuitamente o outro. É necessário prestar atenção no outro, para evitar
agressões, mesmo involuntárias.

Quando as pessoas falam e fazem o que querem, sem se preocupar com a


repercussão sobre o outro, é porque nelas predomina o egoísmo ou o desejo de
magoar.

Você também pode gostar