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O Up!

Por Regina Vieira

Sumário: I)Introdução, II) Histórico, III)


Tentativa conceitual de “up”, III-a) Conceito
de F.M.Alexander III-b) Conceito de Walter
Carrington, III-c) Conceito de Peter Payne,
III-d) Conceito de Marjory Barlow, III-e)
Conceito de John Nicholls, III-f) Conceito de
Frank Pierce Jones, III-g) Conceito de
Goddard Binkley, IV) O meu conceito de
“up”, V) Trabalhando o “up”, VI) Conclusão

I)INTRODUÇÃO

Sentar-se numa cadeira durante muito tempo, ficar em pé numa fila, ou


mesmo caminhar, tarefas antes tão simples, e agora sentimos dores, o corpo
duro, pesado; porque ficou tudo tão difícil? Como fazer para livrar-se do
desconforto e recuperar o antigo bem estar? Essa situação é mais comum do
que se pensa, e acontece como conseqüência de nossos hábitos de
movimento - a repetição vai tornando aquela maneira de sentar, de abaixar
para abrir uma gaveta ou pegar alguma coisa no chão, um padrão e, sem
perceber, vamos forçando um pouquinho a coluna, comprimindo uma
articulação, o nervo ciático, e só notamos que há algo de errado quando o
nosso sistema nervoso dá o alarme e começamos a sentir... dor! Esse foi
também o caso de Alexander, criador da técnica, que no auge da carreira
começou a perder a voz sem causa clínica. A sua técnica, que trabalha
hábitos posturais, surgiu como resposta a esse problema.

Entre os conceitos que compõem a técnica de Alexander, o “up” é um


conceito fundamental. “Up” na língua inglesa significa para cima, e “to go
up”, ir para cima. Na técnica de Alexander, refere-se a uma qualidade de
movimento. Alexander identificou o “up” como indicador de boa coordenação
e de bom funcionamento. Ele faz parte do aprendizado da técnica, pois é
essencial para a melhora, uma constante da boa postura. Como observou
Alexander, quando o “up” está presente em nossos movimentos, seja sentado
numa cadeira, seja caminhando, correndo ou jogando bola na praia, é sinal
de que nosso padrão postural está num nível bom.

Assim sendo, o “up” é tema central no treinamento do profissional da


técnica, é ensinado em todas as escolas de formação. Como comenta Walter
Carrington sobre a preparação do professor: “É uma habilidade que leva
tempo para adquirir. E, como eu digo, é uma habilidade que tem que ser
consistente com alguns requisitos mecânicos básicos como alongar em
estatura - ir para cima - ao invés de encurtar e puxar para baixo. [...] Pondo
a questão em outras palavras, se um professor põe a mão em alguém sem
estar “indo para cima” o aluno não vai aprender a Técnica e o professor não
está ensinando a técnica.”1

Dada a importância do tema, este artigo busca trazer ao leitor a sua


inserção histórica e conceituação.

II) HISTÓRICO

Alexander observou em si mesmo que a maneira como coordenava os


movimentos durante o ato de falar estava associada à compressão da laringe
e passou a fazer experiências tentando mudar isso. Ele se movimentava em
frente ao espelho repetindo movimentos que fazia em cena e observava o
efeito dos seus movimentos sobre as funções da voz e da respiração. Foi
nesse contexto que ele analisou a questão e identificou uma variável que
fazia diferença: o alinhamento da cabeça e da coluna. Ele percebeu que podia
ficar mais ereto ou menos ereto, mais alto ou mais baixo, mais alongado ou
encolhido. Ele já estava percebendo os primeiros indícios do que, num
primeiro momento, descreveu como “alongamento da estatura” e que mais
tarde convencionou-se chamar o “up”.

1
Carey, Sean; Carrington, Walter. Explaining the Alexander Technique in conversation with Walter
Carrington & Sean Carey. London: Sheildrake Press, 1992, p.95.
Alexander percebeu que quando a coluna alongava, quando ele ficava
literalmente mais alto, a compressão da laringe diminuía e a voz e a
respiração melhoravam. Ele prosseguiu em seu estudo prático tentando
entender qual era a regra para aumentar ou diminuir a estatura. Notou que
a redução da estatura era causada por tensão excessiva e que fazer força
para ganhar altura não dava certo - quanto mais fazia força, mais encurtava!
Então, tentou trabalhar preventivamente, evitando o excesso de tensão.
Percebendo que o pensamento organizava os movimentos, desenvolveu uma
maneira de pensar, que chamou de não fazer, que desfaz a tensão excessiva
e resulta em descompressão e alongamento (qualidades do “up”). É essa
maneira de pensar, denominada na técnica inibição ou não fazer, que, de
forma indireta, abre o caminho para o “up”.

III) TENTATIVA CONCEITUAL DE “UP”

No jargão popular, dizemos que uma pessoa está “para cima” quando está
animada, otimista, positiva, e que está “para baixo” quando está
desanimada, pessimista, chateada. Dizemos também que a pessoa “tem a
cabeça no lugar” quando achamos que a pessoa leva a vida com equilíbrio, e
que “perdeu a cabeça” quando age de forma que nos parece descontrolada.
São, todas essas, expressões que associam a imagem corporal a um estado
mental. De fato, entre os muitos fatores que influem na postura, está o fator
mental/emocional. Emoções como tristeza e ansiedade desfavorecem o “up”;
bom humor e pensamentos positivos o favorecem. Leveza de movimentos,
respiração livre, equilíbrio, harmonia e bem estar são bons indicadores do
“up”.

A idéia da postura ereta está presente tanto em artes corporais tradicionais


quanto em técnicas modernas de alongamento. Embora muitas vezes a
descrição do movimento apresente semelhanças, é a experiência de
movimento que fica registrada em nosso sistema nervoso que determina a
nossa postura, e a experiência acontece conforme o nosso sistema nervoso
interpreta a instrução. Cacciatore nos explica, em seu artigo “Science and
Alexander”, a sofisticação da questão:

“É bem estabelecido que nossa experiência sensória não é absoluta. [...]


Nossas percepções também dependem de nosso conhecimento. É
particularmente relevante para a técnica (de Alexander) que a nossa
representação interna é usada para interpretar a informação sensória.
Inexatidões aprendidas podem causar percepções ilusórias ou “defeituosas”;
o homem que representou inexatamente sua junta atlanto-occipital em sua
representação interna não interpretará com exatidão a informação sensorial
e não entenderá que (a sua cabeça) está “para trás e para baixo”.
Adicionalmente, experimentos recentes sugerem que o cérebro forma uma
representação interna de vertical que pode estar sujeita a inexatidões.”2

O “up” de Alexander não se resume a uma postura ereta ou a um estado


emocional, há mais que isso na sua compreensão. O ”up” faz parte de um
corpo de conhecimento, abrange esses e outros fatores como a questão do
hábito, da interpretação da informação, a atenção ao conjunto, o equilíbrio
em movimento, a transmissão direta da experiência, a percepção do
ambiente em relação ao espaço interno, e outros. Isso faz da sua definição
uma questão mais complexa e torna necessário avaliar o posicionamento de
professores que fizeram grande contribuição para a construção, a
compreensão e a continuidade da Técnica de Alexander. Vejamos, portanto,
alguns exemplos de conceituação:

III-a) O conceito de “up” por Alexander:

Alexander conceitua o “up” com muita clareza em seu livro “O Uso de Si


Mesmo”, livro em que ele descreve as experiências de movimento que
serviram de base para a elaboração da técnica. Vejamos em que ponto de
suas experiências ele percebeu o up:

“Minha experiência até então havia mostrado:

1)que a tendência a inclinar a cabeça para trás estava associada


ao problema da garganta e

2)que eu podia aliviar esse problema até certo ponto


simplesmente evitando a inclinação da cabeça para trás.

[...] Continuei fazendo experiências na esperança de encontrar


algum uso da cabeça e do pescoço que não estivesse associado
à compressão da laringe. [...] Durante esses experimentos
ocorreu-me notar que qualquer uso da cabeça e do pescoço que
estivesse associado à compressão da laringe também estava
associado a uma tendência para erguer o tórax e reduzir a
estatura.

[...] Isso me levou a realizar uma longa série de experimentos,


em alguns dos quais eu tentava prevenir a redução da estatura
e em outros alongá-la de fato, observando os resultados em
cada caso. [...] Depois de notar o efeito de cada uma sobre a
minha voz, descobri que as melhores condições da laringe e dos
mecanismos vocais e a menor tendência à rouquidão estavam

2
Cacciatore, T.W. “Science and Alexander: Towards a Common Understanding” in Direction. London:
STAT-Books, 2002, 2:10, 24-33.
associadas ao alongamento da estatura. Infelizmente, descobri
que, na prática, eu reduzia a estatura muito mais que alongava
e, ao procurar uma explicação, vi que isso se devia à minha
tendência de inclinar a cabeça para baixo quando tentava levá-
la para frente a fim de alongar a estatura. Depois de fazer mais
experimentos, descobri, finalmente, que, para manter o
alongamento da estatura, era necessário que minha cabeça
fosse dirigida para cima e não para baixo, quando eu a levava
para a frente; em resumo, para alongar eu devia manter a
cabeça dirigida para a frente e para cima. Como se verá a
seguir, ficou provado que esse era o fator de controle
primordial3 do meu uso em todas as atividades.” 4

III-b) O “up” segundo Walter Carrington5:

Walter Carrington formou-se na técnica em 1936 pelas mãos do próprio


Alexander e acompanhou seu trabalho e assumiu o curso de formação após a
sua morte em 1955. Dirigiu curso de formação de 1955 a 2005, ano em que
faleceu. Sua escola, The Constructive Teaching Centre, situada em Londres,
tornou-se um centro de referência mundial e foi fundamental para a
preservação dos ensinamentos de Alexander. Vejamos alguns comentários de
Carrington a respeito do “up”:

Citando uma conversa informal com Alexander:

“Eu mencionei que o “up” era o resultado da atividade total do


corpo e ele me disse que ( o exposto) estava correto.”6

Afirmando a importância do “up” na ótica do profissional:

“Você toca o aluno para saber como ele está. Em termos muito
simples, você precisa ser capaz de dizer se eles estão indo para
cima ou para baixo, se eles estão fixados ou livres.”7

Descrevendo o caminho do pensamento ( o não fazer) para construir o “up”:

3
Por fator primordial Alexander quer dizer que essa condição está na base de todos os nossos
movimentos.
4
Alexander, Frederick Matthias. O Uso de Si Mesmo. São Paulo: Martins Fontes, 2010, PP.19,20,21.
6
Carey, Sean; Carrington, Walter. Explaining the Alexander Technique in conversation with Walter
Carrington &Sean Carey. London:Sheildrake Press, 1992, p. 54.
7
Carrington, Walter. Thinking Aloud edited by Jerry Sontag. San Francisco: Mornum Time Press, 1994,
pp.77-78.
“Se você parar de enrijecer o seu pescoço, o seu pescoço ficará
livre. Se você parar de puxar a sua cabeça para trás, a sua
cabeça irá para frente e para cima. Se você parar de puxar você
mesmo para baixo, você alongará e alargará. Se você parar de
puxar os seus joelhos para dentro, eles irão para frente e para
fora.” 8

III-c) O “up” por Peter Payne:

Peter Payne formou-se na técnica de Alexander pelas mãos de Walter


Carrington e dedicou-se ao estudo das artes corporais tradicionais. Em um
livro dedicado a esse estudo ele traça um lindo paralelo entre os conceitos da
técnica de Alexander e alguns princípios encontrados nas artes orientais:

“A fonte de energia, como explicada na seção precedente, é a


terra; mas, sem uma direção para fluir, essa energia permanece
inerte. A direção básica do fluxo da energia é para cima, uma
força que anima e dá leveza, em oposição ao arrastar para baixo
da gravidade. Esse fluxo é o movimento do crescimento, da
evolução em direção a estados mais altos de consciência. Está
associado com escolha e vontade; a direção é dada pela cabeça.

A espinha vertical, gentilmente curvada, esticada


elàsticamente entre o céu e a terra, é indispensável para a boa
saúde, física e espiritual. [...]

A técnica de Alexander, aqui demonstrada por seu fundador,


(imagem acima à esquerda) ensina diretamente o “uso de si
mesmo” correto. Em outras palavras, guia a pessoa em direção

8
Carrington, Walter. Thinking Aloud edited by Jerry Sontag. San Francisco: Mornum Time Press, 1994,
pp.75-76.
a um estado de liberdade e equilíbrio de corpo e mente que é a
base da performance efetiva em todas as atividades.9

A cabeça equilibrada e leve, desenhada aqui pelo professor e


poeta Zen Paul Reps, é sinônimo de claridade da mente e
abertura de espírito. O pescoço livre é a chave para a espinha
naturalmente vertical.

Em todos os animais a direção do movimento é mediada pela


cabeça; e a espinha, nunca contraída ou encurtada, alonga na
linha da movimentação”.

IIId) O “up” por Marjory Barlow:

Marjory Barlow, sobrinha de Alexander, formou-se na técnica com o


próprio Alexander. Dedicou-se ao ensino da técnica e dirigiu, junto com o
marido, um curso de formação por 30 anos. Numa palestra dedicada à
memória de Alexander, ela comenta o aspecto liberador do “up”, bem como o
princípio do não fazer, que abre o caminho para que esse movimento
aconteça. Citando Cyril Connoly no livro “The Unquiet Grave”, “Dentro de
todo homem gordo existe um magro tentando sair”, ela parafraseia, à luz da
técnica:

“Dentro de todo homem tenso existe um livre que não sabe como
sair.”

E mais adiante, aponta a saída:


“Geralmente, quando há algo errado, costumamos pensar que
precisamos fazer alguma coisa para que fique certo. Este novo
9
Payne, Peter. Martial Arts The spiritual dimension. London: Thames and Hudson Ltd., 1981, pp.84-
85..
princípio (o não fazer) diz que se alguma coisa está errada,
precisamos descobrir o que é e parar de fazê-lo. Não podemos
fazer um desfazer.” 10
E, em outro trecho, reflete sobre o significado maior do “up”:
“A visão que Alexander tinha da possibilidade da evolução
individual no desenvolvimento da consciência e conhecimento
foi o veio principal do trabalho de sua vida. É esse aspecto de
seu ensinamento que o coloca na tradição direta dos grandes
professores da humanidade. É esse aspecto do seu ensinamento
que pode facilmente se perder. È bem razoável supor que
muitos daqueles cujos relatos de ensinamentos chegaram até
nós deram às pessoas do seu tempo técnicas práticas para
realizarem o ensinamento. Se foi assim, muito disso foi perdido
e esquecido, e agora nos restam relatos e escritos que hoje
frequentemente significam pouco para nós. É interessante - a
propósito disso - que um aluno meu, um médico, certa vez
comentou que Alexander tinha redescoberto o segredo do Zen
para o nosso tempo”.11

IIIe) O “up” por John Nicholls:

John Nicholls formou-se na técnica de Alexander pelas mãos de Walter


Carrington. Dirigiu por muitos anos um curso de formação em Brighton,
Inglaterra, e atualmente dirige um curso de formação em Nova York. Ele
comenta porque a consciência do “up” faz a diferença no quesito
relaxamento:
“A técnica de Alexander é uma ferramenta tremenda para
relaxar em atividade. Ao centrar a sua consciência no eixo do
seu corpo (coluna) e cabeça, você usa sua consciência para
monitorar e inibir interferências com o equilíbrio enquanto lida
com a situação.12
Nicholls esclarece mais adiante:
“O movimento é secundário. Ter a experiência de expansão e
permitir que o controle primordial funcione na atividade de ir
para cima (movimento primordial) contra a gravidade é a
consideração principal. [...] O professor está lá para destravar os

10
Barlow, Marjory Alexander. “ The Teaching of F. Matthias Alexander” in More Talk of Alexander
edited by Dr. Wilfred Barlow. London: Mouritz, 1978, p. 8.
11
Ibid., p.14.
12
Ele prossegue: [...] “ Inevitavelmente, não é sempre que as pessoas conseguirão enfrentar situações
de estresse sem tensões musculares. Para todos sempre haverá situações em que a carga é demasiada
para lidar. Nesses casos você tem que fazer o melhor que puder e continuar se trabalhando.” Carey,
Sean; Nicholls, John. The Alexander Technique in Conversation with John Nicholls and Sean Carey.
Great Britain: private edition, 1991, pp.51-52.
padrões de tensão crônicos construídos no que é popularmente
designado como “postura”, destravar esses padrões crônicos de
tensão e assim liberar os mecanismos naturais de postura e
equilíbrio.13

IIIf) O “up” por Frank Pierce Jones:

Frank Pierce Jones formou-se na técnica pelas mãos do próprio Alexander


e dedicou-se desde então ao ensino e estudo da técnica. Em seus artigos
comentou extensamente sobre as possibilidades que a consciência do “up”
abre no sentido do auto-conhecimento e liberdade de escolha. Um de seus
artigos sobre a técnica, intitulado “A method for changing stereotyped
response patterns by the inhibition of certain postural sets”, publicado no
Psychological Review (uma das publicações mais importantes na área) em
meados dos anos 60, mereceu o seguinte comentário de um dos consultores
do jornal: “Em alguns aspectos a técnica de Alexander é tão revolucionária
quanto a psicanálise, acrescida da vantagem de ser mensurável
objetivamente e baseada em mecanismos fisiológicos fundamentais que
podem ser gravados.”14
Jones explica o valor da percepção do “up” como referência interna:
“O que distingue a técnica de Alexander de outros
métodos de aperfeiçoamento é o tipo de pensamento envolvido.
Outras pessoas falam em consciência e pensamento, mas
operacionalmente elas se referem a algo muito diferente da
experiência de Alexander. Para mim é uma expansão do campo
da consciência (ou da atenção) no tempo e no espaço, de forma
que você está apreendendo você e o seu meio ambiente, o
momento presente e o próximo. É um campo unificado
organizado em torno de si mesmo como um centro. [...] A
expansão da consciência no tempo restabelece a vontade livre
como um dado de experiência.”15

IIIg) O “up” por Goddard Binkley:

13
Ibid., p.68.
14
Brown, Richard A. “The Research Contribution of Frank Pierce Jones” in The Scientific and
Humanistic Contributions of Frank Pierce Jones on the F. Matthias Alexander Technique. California:
Centerline Press, 1988, p.7.
15
Jones, Frank Pierce. “Learning How to Learn”. London: Sheildrake Press, 1974, p.9.
Goddard Binkley, químico, artista plástico, formado na técnica pelas mãos
de Alexander e de Walter Carrington. Em seu diário ele registra o primeiro
encontro com Alexander:
“Eu estive com ele nesta primeira visita por pouco mais de um
quarto de hora. Ele falou pouco enquanto usava suas mãos em
mim, fazendo algumas perguntas de vez em quando. O toque de
suas mãos era algo de que eu sempre lembrarei, gentil,
pressionando gradual e levemente aqui e ali. Em pé à minha
esquerda, ele pôs sua mão esquerda no topo de minha cabeça
enquanto sua mão direita explorava minhas costas
(cabeça/coluna). Eu senti como se ele percebesse todo o meu
ser. Ele me fez brilhar!”16

Em outro trecho, Binkley faz uma bonita reflexão filosófica interpretando o


movimento do “up”:
“A vida não é nunca uma questão de encolher! A vida é uma
questão de expandir, de abarcar. Vida é crescimento, por todo
lado. Viver é crescer e crescer aumentando a consciência de
crescer. Não ficar com medo de uma idéia nova. Contrair,
encolher, estabelecer e depois parar de estabelecer, é
equivalente a morrer.
O que o homem precisa é mudar sua direção. O trabalho de
Alexander é um meio de trazer essa mudança de direção. 17
Em outro trecho ainda, ele considera a naturalidade do “up” no sentido
evolucionário:
“É bom lembrar que você é um homem ou uma mulher no
sentido biológico-evolucionário pleno; que você não é
meramente uma parte da natureza, você é natureza. Quando
você está acordado, alerta e consciente de si mesmo no sentido
Alexandriano pleno, você é natureza sendo consciente de si
mesma. Quando você fala, a natureza está falando.”18

IV) O MEU CONCEITO DE “UP”

Fìsicamente, o “up” pode ser percebido como um movimento ascendente da


coluna vertebral que acompanha a linha de movimentação da cabeça. Esse
movimento ascendente organiza a sustentação da coluna mantendo as
vértebras descomprimidas e respeitando, ao mesmo tempo, as suas curvas
naturais. Sendo a cabeça/coluna o eixo da estrutura corporal, o “up” integra

16
Binkley, Goddard. The Expanding Self. London: STAT-Books, 1993, p.38.
17
Ibid., p. 71.
18
Ibid., p. 128.
e direciona toda a estrutura. Ele é o movimento fundamental, é a chave para
entendermos a organização da nossa coordenação motora e do nosso
equilíbrio. Nas palavras de Alexander, o movimento primordial.19

Esse movimento físico é também um movimento mental e a técnica nos


torna conscientes dessa integração em nível muito sutil. Embora a
construção do “up” ao modo de Alexander seja um processo racional, temos
que estar, nesse momento, querendo ir para cima - é o nosso desejo que nos
move. O aprendizado do “up” envolve autoconhecimento e abre a
possibilidade do equilíbrio baseado em referências concretas internas.

Alexander observou o “up” comparando-o com o seu contrário, que na


técnica convencionou-se chamar o colapso. A imagem abaixo à direita
ilustra a projeção do movimento que chamamos de” up” e a sua influência na
organização do equilíbrio da estrutura corporal. A imagem ao lado, à
esquerda, mostra o movimento contrário ao up (ou a ausência do “up”), que
denominamos colapso. Esse movimento para baixo, o colapso, demanda
compensações por todo o corpo para que a estrutura corporal se mantenha
em pé. Essas compensações são geradas por mecanismos de equilíbrio
pertencentes ao nosso sistema nervoso e, embora elas cumpram a função de
manter o equilíbrio da estrutura e a sua sustentação, não impedem a
compressão da coluna e os ajustes posturais que essa compressão acarreta.
Em termos de gasto de energia, a naturalidade do “up” é comparável ao
navegar num rio a favor da correnteza. O colapso, por outro lado, requer uma
energia extra, assim como quando navegamos num rio contra a correnteza.

“colapso” X “up”

Tanto no “up” como no “colapso”, a projeção da cabeça é


determinante. Marjory Barlow comenta o colapso:

19
Tradução do inglês “primary movement”.
“Invariavelmente, os músculos do pescoço estão super
contraídos, causando perda do equilíbrio livre da cabeça no
topo da espinha. Isso leva à super contração de alguns
músculos do tronco e falta de tono apropriado em outros. Isso
resulta em exagero das curvas naturais da espinha e pressão
nociva nas vértebras da coluna e nas articulações, acarretando
sobrecarga e desajuste dos membros com o tronco.”20

Como mostra a ilustração acima, ambos os movimentos envolvem o


conjunto. Como comentou Sir Charles Sherrington, prêmio Nobel por
Fisiologia e Medicina em 1946:

“Sr. Alexander prestou um serviço ao assunto ao tratar


insistentemente cada ato como algo que envolve o indivíduo
todo, integrado, o homem como um todo psicofísico. Dar um
passo é uma tarefa que envolve não somente este ou aquele
membro, mas a atividade neuromuscular total do momento -
não menos da cabeça e do pescoço.21

V) TRABALHANDO O “UP”

O trabalho com a técnica de Alexander vê as questões sob a ótica do “up” e


do colapso e sempre abrange o conjunto. Como nos explica Alexander,

“É importante lembrar que há um equilíbrio funcional no uso de


todas as partes do organismo e que, por essa razão, o uso de
determinada parte (ou partes), em qualquer atividade, pode
influenciar o uso das outras e vice-versa.”22

Alexander resolveu suas dificuldades quando conseguiu o controle do


processo e a estabilização do “up” em seus movimentos. Da mesma forma,
seja qual for a motivação inicial para o trabalho com a técnica, seja uma
queixa de dor muscular, a compressão de um nervo ou o interesse no auto-
aperfeiçoamento, a pessoa que canta, o músico, o esportista, o profissional
liberal, a dona de casa, o estudante, obtém melhora na medida em que
conseguem estabilizar o “up”.

Alexander transmitia seu conhecimento aos alunos através do toque. Ele


guiava os movimentos deles com as mãos com o objetivo de transmitir a sua
experiência e essa forma, a transmissão direta, foi desde sempre a base do
ensino da técnica, tradição que se mantém até hoje. Assim, o profissional
formado na técnica guia os movimentos do aluno e o ajuda a ter a
experiência e, segundo os princípios observados por Alexander, construir

20
Barlow, Marjory Alexander. “ The Teaching of F. Matthias Alexander” in More Talk of Alexander
edited by Dr. Wilfred Barlow. London: Mouritz, 1978, p.5.
21
Sherrington, Sir Charles. The Endeavour of Jean Fernel (1946).Cambridge University Press, p. 89.
22
Alexander, Frederick Matthias. O Uso de Si Mesmo. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 75.
uma referência que servirá como base de comparação. Esse processo é
essencial, pois os nossos hábitos, uma vez adquiridos, nos parecem naturais,
não conseguimos perceber o que precisa mudar e nem como mudar. Uma vez
conhecendo, pelas mãos do profissional, o “up”, a pessoa passa a ter
condições de lidar com suas tensões, digo, entender se está “up” ou em
colapso.

Para ilustrar esse processo, transcrevo a seguir trechos de depoimentos de


alguns de meus alunos relatando a experiência de aprendizagem com a
técnica.

Fernando Vilela nos conta como a técnica mudou o seu entendimento do


problema:

“Fui percebendo o processo de compensações das tensões do meu corpo. E


o problema que parecia ser do joelho na verdade começava com uma forte
tensão no peito. O processo de consciência dessas compensações do pescoço,
que entorta o peito, que entorta o quadril, fez com que aos poucos eu
percebesse que quem segurava o peso de todas essas compensações, já tão
incorporadas à minha postura, era o pobre do joelho.”23

Inaê Coutinho, fotógrafa e artista plástica, fala sobre os benefícios do “up”:

“Em vez de me esforçar para ficar ereta, sentindo o desconforto dessa


preocupação, posso ser tomada por uma enorme sensação de bem estar e
leveza e então perceber que eu estou retinha! Ter as formas do corpo
arredondadas sem ginástica, sentir as roupas mais largas sem dieta, crescer
três centímetros já na fase adulta... Isso porque, sem a presença constante
das tensões, meu corpo se reestruturou, redistribuiu os tecidos em cima
dessa nova configuração.”24

Yuri Sonoda, engenheiro eletrônico, comenta o efeito das aulas nas


atividades do dia a dia:

“A técnica me deu uma espécie de força anti-gravitacional para o corpo com


um equilíbrio psicofísico. Provocou melhorias em diversas atividades: no
trabalho, mente e emoções equilibradas, eliminação de dores nas costas e
nos ombros, estresse sob controle, voz firme e espontaneidade nas
apresentações; na música: lucidez no palco, velocidade e precisão na guitarra
e na bateria, eliminação de dores e cansaço prematuros, voz clara e dicção
sem esforços; nas baladas: facilidade para dançar, andar no meio da
multidão e ficar em pé sem cansaço; nas corridas de carro: pulsos flexíveis
com precisão e controle do medo; na bike: eliminação de tensões nas costas e

23
Vieira, Regina Camargo. Técnica de Alexander: Postura, equilíbrio e movimento. São Paulo: Terceiro
Nome, 2009, p. 46.
24
Vieira, Regina Camargo. Técnica de Alexander: Postura, equilíbrio e movimento. São Paulo: Terceiro
Nome, 2009, p. 88.
dores nos joelhos; na yoga: maior amplitude nos alongamentos, sem forçar as
articulações.”25

VI) CONCLUSÃO

Enquanto escrevia este artigo, lembrei-me de algo que uma vez li, de
Sófocles:

No original em inglês:

The ideal condition would be, I admit,

That man should be right by instinct;

But since we are all too likely to go astray

The reasonable thing is to learn from those who can teach.”

Tradução livre desta autora:

A condição ideal seria, eu admito,

Que o homem fosse direito por instinto;

Mas já que temos todos grande tendência a perder o caminho

A coisa razoável é aprender com aqueles que podem ensinar.26

E qual é a importância do legado de Alexander? A importância do legado de


Alexander, entre outros, é que a sua técnica nos reporta ao cotidiano, e por
esse motivo nos possibilita enxergar em que contexto está o problema e como
resolver. Tim Cacciatore, neurofisiologista e profissional da técnica, vem
realizando estudos científicos sobre a técnica e comenta:

“Mover-se mundo afora é muito complicado. Não só existem


numerosas interdependências entre o movimento de partes do
corpo (para um braço somente, as equações relacionando as
forças em cada junta para mover o braço ocupam muitas

25
Ibid., p. 64.
26
Dudley Fitts and Robert Fitzgerald, The Antigone of Sophocles. New York: Harcourt, Brace & Co.,
1939, p.48.
páginas), mas para ser bem sucedida nossa coordenação
precisa levar em conta o conhecimento sobre cada situação
específica. [...] Porque nós nos equilibramos e nos movemos
pelo mundo tão eficientemente (nosso uso pode ser terrível
mas nós não caímos com freqüência), nós não temos
consciência da sofisticação do que fazemos.”27

A técnica de Alexander se utiliza, como apoio para o trabalho, de


movimentos básicos que fazem parte do nosso dia a dia: sentar-se ou
levantar-se de uma cadeira, caminhar, abaixar-se para abrir uma gaveta,
deitar-se em semi-supina para relaxar e alongar a coluna, ou simplesmente
estar em pé. É essa maneira de trabalhar que nos ajuda a integrar a técnica
à nossa realidade atual, à nossa vida moderna. A técnica de Alexander nos
ensina, através da experiência, que, em todos esses movimentos, podemos
estar “up” ou não. Ela nos ensina que o “up” pode fazer a diferença em nosso
equilíbrio, saúde e bem estar. O “up” pode nos trazer de volta o prazer de
caminhar livremente, a possibilidade de ficar sentado numa cadeira por mais
tempo, ficar em pé numa fila, sem sentir dor. A experiência do “up” pode nos
trazer de volta qualidade de vida.

BIBLIOGRAFIA

Alexander, Frederick Matthias. Man’s Supreme Inheritance. New York:


Menuhen, and D. R. Reynolds, 1910.

Alexander, Frederick Matthias. Constructive Conscious Control of the


Individual. London: menuhen,1923.

Alexander, Frederick Mathias. O Uso de Si Mesmo. São Paulo: Martins


Fontes, 2010.

Alexander, Frederick Matthias. The Universal Constant in Living. New York:


Dutton, 1941.

Barlow, Wilfred . More Talk of Alexander. London: Mouritz, 1978.

Barlow, Wilfred. The Alexander Principle. Great Britain: Victor Gollancz,


1973.

Binkley, Goddard. The Expanding Self. London: STAT- Books, 1993.

27
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São Paulo, 16 de janeiro de 2014.

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