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O QUE ESCREVER QUER DIZER NA POLÍTICA?

dossiê
Carreiras políticas e gêneros de
produção escrita

Igor Gastal Grill


Eliana Tavares dos Reis

Resumo Abstract
Neste artigo são examinados investimentos This article examines the “intellectual”
“intelectuais” de políticos profissionaliza- investments of professionalized politi-
dos no exercício de mandatos eletivos, a cians during their terms, by analyzing
partir da análise das relações entre os gê- the relation between the genres of writ-
neros de escrita e as modalidades de atua- ing and their political focus. For this, we
ção que privilegiam. Para tanto, procedeu- carried out a survey in the Brazilian His-
-se a um levantamento no Dicionário His- toric-Biographical Dictionary (DHBB/
tórico-Biográfico Brasileiro (DHBB/FGV) FGV) for those agents who were elected
dos agentes que exerceram cargos eletivos for a public political run and are authors
e que são autores de livros. Foram então of books. 1,181 cases were gathered, iden-
reunidos 1.181 casos, identificando regula- tifying regularities in terms of geograph-
ridades em termos de origem geográfica, ical origin, their terms and the kinds of
período em que exerceram os cargos e os ti- texts they worked with. Subsequently, we
pos de textos aos quais se dedicaram. Pos- observed correspondences between the
teriormente, foram observadas correspon- genre of writing and historical periods in
dências entre o gênero de escrita e os perí- which they occupied political positions,
odos históricos em que ocuparam cargos the regions of operation; social position
políticos; as regiões de atuação; a posição (through indicators such as academic de-
social (mediante indicadores como títulos grees, institutions in which they were ob-
escolares, instituições em que foram obti- tained and occupations), and the position
dos e profissões exercidas); e a posição al- reached in the political hierarchy (higher
cançada na hierarquia política (postos mais positions on elective terms and bureau-
altos ocupados na carreira eletiva e de car- cratic positions).
gos administrativos).

Palavras-chave Keywords
Elites. Intelectuais. Especialização Política. Elites. Intellectuals. Political specializa-
Gêneros de Escrita. tion. Genres of Writing.

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1 Introdução poesias, artigos, etc.) entre profissionais da
política no Brasil, desenvolvida no âmbito
Os estudos sobre as relações entre inte- do Laboratório de Estudos sobre Elites Polí-
lectuais e a política têm se debruçado so- ticas e Culturais (LEEPOC), vinculado ao De-
bre períodos de menor ou maior (in) distin- partamento de Sociologia e Antropologia e
ção entre esses domínios, sobretudo no que ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
tange às atividades e ao recrutamento social da Universidade Federal do Maranhão.
dos agentes. A ênfase geralmente recai sobre Propõe-se no presente artigo indicar al-
os processos históricos e os condicionantes gumas pistas sobre o peso de determinados
sociais de diversificação e autonomização tipos de investimentos “intelectuais”, nota-
(sempre relativa) das esferas culturais e po- damente no tocante à produção de livros,
líticas. O que não significa um entrave para na carreira de agentes profissionalizados no
que elas sejam constantemente interseccio- exercício de mandatos políticos. Mais espe-
nadas (na prática militante ou nas formula- cificamente, são apreendidas as relações en-
ções acadêmicas, por exemplo) e que se tra- tre a diversidade de gêneros de escrita e as
duzam na definição de papéis e problemáti- modalidades de atuação privilegiadas por
cas legítimas, mobilizando agentes com atri- profissionais da política. Esse recorte foi re-
butos específicos, responsáveis pela produ- alizado com base no desdobramento de es-
ção e manipulação de bens simbólicos. tudos anteriores ou em andamento, nos
No Brasil, há muitas discussões sobre as quais as “obras” de autoria de “políticos”
interferências da “política” no trabalho in- integram corpus discursivos reveladores, no
telectual, no entanto poucas são as pesqui- mínimo, de quatro aspectos imprescindíveis
sas que têm aportado sobre a importância do trabalho de constituição e disputas em
da produção intelectual no trabalho polí- torno do nomos do espaço político.
tico. Isso não somente como estratégia de O primeiro se refere à verificação de um
apropriação de produtos concebidos nos duplo e indissociável reconhecimento con-
mundos culturais (literatura, ciência, filoso- quistado por agentes que se afirmam como
fia, religião, etc.), mas também como uma porta-vozes de “causas” legítimas, contan-
dimensão significativa da própria atividade do com a notoriedade enquanto “intelec-
política ou como trunfo contundente para tual” e a reputação de “comprometimento
a conquista de posições relativamente bem político”, aplicados em produções escritas
alocadas neste espaço de concorrência. mais generalistas sobre “projetos de socie-
Qual o lugar, os significados e os usos da dade”, ou de cunho mais técnico que com-
produção escrita entre os agentes que se es- patibilizam saberes profissionais e questões
pecializaram na ocupação de cargos eleti- sociais/políticas (REIS, 2007, 2008a e b;). O
vos? O que ela informa sobre os vínculos, segundo diz respeito ao caráter consagrador
trânsitos, critérios e registros duplos, enfim, ou detrator da construção de “etiquetas po-
amálgamas que se estabelecem entre pro- líticas” ou “ismos” para o qual contribuíram
dução intelectual e atividade política pro- o gênero de escrita biográfica ou histórica
fissional? Tais indagações vêm orientan- (GRILL, 2010). O terceiro concerne ao tra-
do uma reflexão mais ampla sobre o traba- balho simbólico de auto-apresentação e de
lho de escrita (memórias, ensaios, romances, administração de identidades estratégicas,

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bem como de teorizações nativas forneci- 2 As difusas e móveis fronteiras entre o
das por parlamentares acerca de regras, pa- trabalho político e o intelectual
péis e definições concorrentes relativos ao
jogo político, presentes em relatos autobio- Sabe-se que personalidades públicas são
gráficos ou memorialísticos (GRILL, 2011). eternizadas em monumentos erguidos, do-
E, por último aspecto, se destaca a politi- cumentos armazenados e interpretações
zação de bens culturais como poemas, ro- oferecidas sobre seus feitos e as conjuntu-
mances, peças de teatro, letras de música, ras das quais participaram. Tais interpreta-
entre outros, orquestrada por agentes empe- ções, retrospectivas ou não, oferecidas por
nhados tanto nos domínios culturais como historiadores, jornalistas, cientistas sociais,
nas suas carreiras políticas, sinalizando pa- entre outros, alinham-se no trabalho social
ra as fronteiras fluidas, os terrenos incertos, de invenção das posições e papéis políticos.
as intersecções de lógicas que imbricam ati- Ou seja, em que diferentes categorias de
vidades consideradas “intelectuais” e a mili- agentes, com distintos e múltiplos créditos
tância política (REIS e GRILL, 2008). e rendimentos, empenham-se em dizer o
As investigações têm sido realizadas to- que é (ou deveria ser) “a política” ou “o po-
mando-se duas configurações regionais lítico” em determinadas condições sociais e
contrastantes (Rio Grande do Sul e Mara- históricas. No entanto, para o momento, a
nhão), em diferentes momentos históricos e questão que se coloca é quando o papel de
dinâmicas de concorrência. Visando apro- descrição, registro ou análise é operado por
fundar alguns dos elementos identificados agentes que procuram sair daquele “esta-
no exame dos processos de especialização do” de “objeto” de apreciação para preten-
política e das interdependências entre lógi- der ao de “sujeito”. Lançando mão de dife-
cas e princípios políticos e intelectuais, o es- rentes recursos sociais, culturais e ideoló-
copo de investigação foi ampliado em ter- gicos que dispõem (ou que estão disponi-
mos geográficos e o foco de análise foi res- bilizados) podem pontuar temáticas consi-
tringido à produção de obras por políticos deradas relevantes e adentrar em universos
profissionais que alcançaram o cume da da produção de bens simbólicos considera-
hierarquia de postos políticos. Em face da dos mais legítimos como a escrita. Fala-se,
necessidade de recorte e da disponibilidade então, de uma circunstância em que as li-
de fontes biográficas, são abarcados agentes deranças políticas apresentam definições de
que ocuparam cargos como Senador e como si e dos demais, apropriam-se de meios não
Deputado Federal, independentemente de necessariamente monopolizados por ou-
terem ou não passado por posições mais pe- tros domínios de competências, e ainda po-
riféricas (como vereança) ou centrais (como dem atestar a sua capacidade de reflexão e
ministérios). Parte-se da ideia de que a pro- distanciamento do posto (LE BART, 2005,
pensão para escrever livros aumenta corre- 1998; NEVEU, 2003, 1992).
lativamente à ocupação de posições situa- De modo geral, pode-se apostar em cin-
das no topo da pirâmide política, estando, co aspectos (conectados) fundamentais que
portanto, nesse universo delimitado para a explicitam, ao menos em parte, as lógicas
investigação, o grosso dos escritos forneci- subjacentes aos empreendimentos de escrita
dos por esta categoria de agentes. dos agentes ora investigados.

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O elemento mais geral diz respeito à pos- o potencial distintivo de representação (po-
sibilidade de entender a dinâmica política lítica) pleiteado.
nas suas relações de interdependência com A ideia de submissão visa enfatizar que
outros domínios sociais. As intersecções le- os especialistas que disputam entre si a im-
gítimas e valorizadas entre esses domínios posição de representações e categorizações
(particularmente os políticos e os intelectu- (que beneficiariam as posições que eles pró-
ais) são produzidas e sustentadas justamente prios assumem), estão também subordina-
pela circulação dos agentes e acarretam em dos a valores e práticas dominantes. As-
efeitos de hierarquização em diferentes ní- sim, escrever não é somente uma escolha,
veis. O que vai ao encontro da importância, um ensejo para demonstrar a capacidade de
acentuada por Le Bart (1998, p. 76), de se reflexão ou uma ocasião de estabelecer ver-
“analisar as interações entre campo ‘literá- sões autorizadas. Tal prática pode significar
rio’ e campo político para perceber comple- uma injunção, um “dever”, ou refletir uma
mentaridades, superposições, eventualmen- forma de constrangimento (do meio de ins-
te deslocamentos distintivos entre métier (s) crição, das origens, dos oponentes, dos pro-
político (s) e métier (s) da escrita, entre defi- fanos, etc.), enfim, apresentar-se como uma
nições dominantes do ‘homem político’ e de- exigência (afirmada, por exemplo, nas oca-
finições dominantes do ‘homem de letras’”. siões em que não são os próprios políticos
De par com a aceitação da existência que escrevem, mas que assinam a autoria de
de amálgamas e intercruzamentos de lógi- certas publicações).
cas e domínios, derivando em um espaço Todavia, a mesma injunção constitui-se
social marcado pela plasticidade e fluidez como expediente de luta importante na or-
das fronteiras que poderiam delimitar as su- denação de batalhas, mediante a composi-
as esferas específicas, propõe-se aqui que a ção das estratégias de concorrência (e afi-
dedicação em oferecer escritos (análises téc- nidades) com outros domínios sociais co-
nicas, posicionamentos ideológicos, narra- mo os universitários, os religiosos, os jurídi-
tivas históricas, textos literários, memórias, cos e os midiáticos. Se os porta-vozes desses
etc.) pode significar: a) uma forma de sub- espaços autorizam-se todo o tempo a posi-
missão à lógica do jogo social em geral e ao cionar-se sobre e no universo da “represen-
político especialmente, haja vista que escre- tação” política e muitas vezes a concorrer
ver ocupa uma posição de excelência fren- com os profissionais da política pelo papel
te a outras formas de produção de bens sim- de representante da opinião pública (NE-
bólicos (como teatro, música, dança, orató- VEU, 2006; MARQUETTI, 2001; GARRAUD,
ria...); b) um trunfo contundente na concor- 2001; CHAMPAGNE, 1998; CHARLE, 1990;
rência política de homens e mulheres com entre outros), o trabalho intelectual das li-
carreiras políticas eletivas entre si e com deranças políticas coloca-se como uma for-
outros agentes pela imposição de sentidos ma de intervenção na definição e tomada de
sobre o mundo social; c) uma oportunida- posição acerca de problemas sociais consi-
de de ativação de estratégias de subversão derados legítimos. O que, como foi dito, fa-
do jogo ou simplesmente de “saída” da roti- vorece a multidimensionalidade de lógicas e
na mais pragmática das atividades políticas; tráfegos de agentes ou tráficos de produtos,
d) e, finalmente, a chance de demarcação de sem grandes interdições ou a necessidade de
uma singularidade que justifica e maximiza expressivas re-traduções.

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A produção escrita desponta, então, não tição, tanto a chance de tentar modificar os
somente como recurso de distinção e crité- critérios que pautam o jogo social e políti-
rio de hierarquização endógeno, mas tam- co como apenas um desvio do cotidiano das
bém coadunado a dinâmicas de concorrên- responsabilidades políticas. Neste caso, en-
cia e complementaridade mais amplas com quanto ato de criação, esta prática é enten-
outros domínios e agentes em interdepen- dida como possibilidade de mediação entre
dência. Isto é, os textos produzidos não ne- princípios da responsabilidade e da convic-
cessariamente se inscrevem apenas na dis- ção, nos termos weberianos (1993), e permi-
puta interna aos domínios políticos, mas te pensar o espaço político como um trans-
podem igualmente participar do processo cendental histórico, isto é, ao mesmo tem-
concorrencial de redefinição das posturas po como um “campo de censura” e “meio
intelectuais, assim como de lugares no es- de expressão”, que circunscreve o espaço
paço de poder mais amplo1. dos possíveis e dá brechas à inventividade
Conjuga-se ao processo que delineia um (BOURDIEU, 1996, p. 266).
campo de disputa e de hierarquização in- Portanto, a produção escrita aparece co-
ternos e externos, aquele em que a profis- mo uma forma de não subordinar-se à roti-
sionalização da atividade política é acom- na do papel; de conjugar as urgências do jo-
panhada pelo afloramento do seu descré- go político à capacidade de reflexão e dis-
dito (muito devido à expansão e diversifi- tanciamento em relação às mesmas; de ex-
cação dos espaços e repertórios de mobili- plorar a margem para as transmutações pos-
zação política; à competição com outros síveis. Trata-se, assim, de entender que, por
porta-vozes, mencionados acima; às con- um lado, a atividade escrita traz à tona uma
siderações cínicas do cinismo político, en- dimensão relacionada à racionalização do
tre outros). Em uma configuração caracteri- trabalho político, que requer compromis-
zada pela conjunção de referências que de- sos com os resultados, o exercício de papéis
preciam ou desqualificam a posse de cargos prescritos, de aquiescência às regras, etc. E
eletivos, adicionada à escalada do conhe- que, por outro lado, ela admite as invenções
cimento técnico e à persistente valorização razoáveis; os usos possíveis dos possíveis
de uma condição de intelectual, a conquista dados; a externalização de convicções, “pro-
de altas posições no ranking político pare- jetos”, posições dissonantes ou desviantes,
ce depender das aptidões para se apresentar expressos, sobretudo, nos gêneros de escrita.
como um profissional híbrido (político, in- O último aspecto que se deseja salien-
telectual, especialista, militante...). tar (articulado com o que vem sendo dito)
Afora as imposições de um determinado refere-se à consideração de que, instituin-
perfil que corresponderia aos códigos do su- do representações através dos escritos, as li-
cesso político, a produção escrita pode sig- deranças políticas podem se re-estabelecer
nificar também, para os agentes em compe- como “representantes” legítimos, balizando

1. Grèzes-Rueff (1994, p. 19-20), analisando o caso francês, já alertara: “A interrogação sobre a cultura
ou incultura dos deputados aparece frequentemente (...). Para o homem político é um meio retórico de des-
valorizar o adversário, opondo-lhe a legitimidade de uma cultura acadêmica e consagrada pelos diplomas
adversários. Para o intelectual e o jornalista é a ocasião de meditar sobre os perigos de confiar o poder do
Estado à assembleia de eleitos cujos membros seriam, com frequência, pouco dignos de exercê-la, por fal-
ta de formação, de conhecimento e de capacidades intelectuais”.

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sua singularidade. Com efeito, a “arte de re- Em termos de distribuição geográfica,
presentar” e a “arte de escrever” encontram- há uma correspondência com a importância
-se imbricadas e, possivelmente, compõem política, econômica e numérica (no interior
um princípio organizador das práticas que da Câmara dos Deputados) por regiões e es-
se impõe gerando efeitos, mesmo que frá- tados. Percebe-se uma nítida densidade na
geis, de refração para o espaço político. região sudeste (quase 40% do total), seguida
Perceber como esses agentes, com car- da região nordeste (em torno de 30%) que
reiras eletivas e voltados para posicionar-se reúne o maior número de estados, da região
sobre “questões políticas” ou politizáveis, e sul (15%) e norte/centro-oeste que comple-
que se dedicam a engendrar bens simbólicos tam o universo (com 15% somadas). Nota-
permite entender as bases da construção de -se, igualmente, uma correspondência com
representações sobre o mundo social com- a importância econômica, cultural, de ta-
patível com as representações que forjam manho de bancadas e demográfica dos es-
sobre eles mesmos e, inclusive, fundamen- tados, prevalecendo parlamentares de São
tando seu potencial como “representante”. Paulo (15,7%), Minas Gerais (12,1%), Rio de
Janeiro (8,9%), Rio Grande do Sul (7,7%),
3 Duplo investimento e seleção social Pernambuco (6,1%) e Bahia (6,0%). Não é
por acaso que nessas configurações regio-
Para a operacionalização da pesquisa, o nais, em primeiro lugar, concentraram-se,
ponto de partida foi um levantamento pré- durante o século XX, além das elites polí-
vio nos verbetes do Dicionário Histórico- ticas, intelectuais e econômicas do país, as
-Biográfico Brasileiro (DHBB) da Fundação grandes instituições educacionais, as redes
Getúlio Vargas (2011), que permitiu detec- de políticos e intelectuais, os círculos de so-
tar e reagrupar os personagens que exerce- ciabilidades que contribuíram para a for-
ram cargos eletivos (de deputados e senado- mulação de concepções de estado e projetos
res) e para os quais foram elencadas obras de nação. E nelas, em segundo lugar, nasce-
publicadas. Foram então reunidos 1.181 ca- ram as primeiras editoras, jornais e revistas
sos que satisfazem os critérios menciona- que fomentaram a gênese e desenvolvimen-
dos e que expressam regularidades (frequ- to do mercado editorial brasileiro.
ências) em termos de origem geográfica (es- Considerando que a fonte utilizada regis-
tados em que atuaram), conjunturas (perío- tra verbetes biográficos da elite pós-30 (sem
do em que exerceram os cargos) e os tipos deixar de considerar o trajeto anterior dos
de textos aos quais se dedicaram como: tra- agentes), que o mercado político esteve fe-
balhos mais setorializados que explicitam chado entre 1937 e 1945 e que houve uma
o uso de competências específicas (profis- significativa expansão do mercado editorial
sionais, militantes, escolares...); discussões e dos índices de escolarização ocorridos en-
de cunho mais generalista (edificadores de tre os anos 1930 e 1960 (SORÁ, 2010; GAR-
projetos de sociedade, ideologias, identida- CIA JR, 1993a), são particularmente eluci-
des...); produções literárias (romances, no- dativos os dados condizentes com a distri-
velas, contos, crônicas e poesias); narrati- buição dos políticos que assinaram publica-
vas, descrições ou análises históricas sobre ções conforme as décadas em que atuaram.
personagens e/ou eventos; e confissões po- Percebe-se a forte incidência de políticos
líticas (memórias e autobiografias). que escreveram/publicaram nos anos 1950 e

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1960, como atesta o quadro abaixo. Vale es- Finalmente, observa-se que 413 parlamenta-
clarecer que isso não significa que eles exer- res exerceram funções políticas em períodos
ceram cargos durante 10 anos ou mais, mas que atravessam três décadas, destacando-se:
somente informa a década em que o agente 1930/1940/1950 (41 casos); 1940/1950/1960
esteve, em algum momento preciso, atuante. (46); e 1970/1980/1990 (60)3.
Assim, as ocorrências indicam a conjuntura Com base nesses números é possível,
política e intelectual das inserções. grosso modo, propor a configuração de três
gerações de profissionais da política que se
Quadro 1 dedicaram às atividades de escrita, notada-
Distribuição por décadas em que os agentes atuaram mente à publicação de livros. Na primeira,
DÉCADAS Quantidade lideranças que ingressaram na arena política
no decorrer da chamada “república velha”
1910 31
ou já no “período varguista” e saíram de ce-
1920 38
na na década de 1950. Na segunda, aque-
1930 236
las que apareceram no pós-estado-novo (se-
1940 253
gunda metade de 1940) e protagonizaram os
1950 475
embates das décadas de 1950 e 1960. E, na
1960 407
terceira geração, agentes que dividem o es-
1970 378
paço político desde o período conhecido co-
1980 395
mo de “redemocratização” do país.
1990 302
Duas tendências devem ser grifadas.
Fonte: DHBB-FGV Por um lado, observa-se a propensão pa-
ra a existência de mais casos de parlamen-
Pode-se avançar nessas pistas aliando a tares que escreveram nas décadas de 1950
identificação acerca da longevidade ou brevi- e 1960. Por outro lado, verifica-se a ocor-
dade das carreiras políticas à cronologia das rência de um movimento que tende a maior
simbioses entre atividade política e atividade profissionalização política nas últimas dé-
de escrita. Sendo assim, chega-se a 352 casos cadas. Assim, em uma extremidade, locali-
cuja atuação dos agentes está restrita a de- zam-se os notáveis que se dedicam tanto à
terminada década, sendo as mais preponde- política quanto às atividades de escrita co-
rantes: 1930 (83 casos) e 1950 (87)2. Nota-se mo hobby. E, em outra extremidade, estão os
que essas carreiras mais curtas relacionam-se profissionais da representação que escrevem
ao período do Estado Novo em que o “fecha- sobre temáticas esteadas por suas “compe-
mento” do mercado eleitoral incidiu em blo- tências” e especialidades. Esta constatação é
queios e adiamentos de percursos possíveis. mais adequadamente fundamentada com a
Há ainda aqueles que atuaram politicamente exposição das informações subsequentes.
durante duas décadas, somam 416 políticos, A ordenação por gêneros do conjunto de
sendo os intervalos mais significativos: 1950- publicações disponíveis trouxe à superfície
60 (82 casos); 1970-80 (88); e 1980-90 (127). uma variedade de usos da escrita e de reper-

2. Não foram considerados os casos que ingressaram nos anos 2000.


3. Para essa contagem foi descartada a década de 2000, uma vez que contempla políticos cujas carreiras
estão em transcurso e, portanto, não se pode mensurar o tempo de duração.

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tórios ativados como mecanismo de legiti- telectual” e o “mundo dos especialistas da
mação. A classificação mostra que 44% das representação política”, a partir do quadro
produções enquadram-se nos escritos gene- geral procedeu-se a uma segunda delimita-
ralistas, 25% portam sobre temáticas espe- ção selecionando agentes com forte, cons-
cializadas ou setoriais, 13% são de biogra- tante e equilibrada dedicação tanto à carrei-
fias históricas, 9,9 % referem-se à literatura ra política quanto à produção escrita. Por-
e apenas 2,8% dedicam-se às confissões po- tanto, um dos procedimentos adotados foi o
líticas (autobiografias e/ou memórias). de desconsiderar aqueles que constam com
Essas frequências são somente um dos uma participação fugaz no espaço políti-
indicadores que encaminham para a apre- co institucional, ainda que apresentem um
ensão de aspectos como: o processo de con- vasto repertório de produtos culturais. En-
solidação do gênero setorial e de progressi- tende-se que isso indica que são outras as
vo uso de conhecimentos técnicos ou espe- atividades principais por eles exercidas (co-
cializados (voltados para a gestão e repre- mo jornalistas, literatos, juristas, historia-
sentação política); a persistência ao longo dores...), podendo pesar no seu reconheci-
do tempo da relevância em escrever sobre mento como “intelectuais” mais do que co-
as questões da atualidade (generalistas); e mo “políticos”. O mesmo aplicando-se para
o declínio de gêneros como o literário e o o inverso, ou seja, foram dispensados aque-
investimento em biografias históricas, que les com carreira política com alguma longe-
paulatinamente são monopolizados por vidade em contraste com uma exígua pro-
profissionais da literatura, história ou ciên- dução escrita.
cias humanas. Desse modo, chegou-se a 299 casos de
Com efeito, para uma melhor apuração agentes cujas propriedades sociais eviden-
dessas considerações, propõe-se o teste de ciam correlações entre princípios de hierar-
correspondências entre os gêneros de escri- quização social e de hierarquização/legiti-
ta e variáveis referentes: aos períodos his- mação vigentes em domínios políticos. Ma-
tóricos (décadas de entrada na política dos joritariamente são profissionais da política
autores); à posição social (mediante indica- homens (apenas seis são mulheres4) que atu-
dores como títulos escolares, instituições em am nos principais estados do país em ter-
que foram obtidos e profissões exercidas); e mos do chamado “peso político na federa-
à posição alcançada na hierarquia política ção”; pertencentes a “famílias de políticos”;
(cargos eletivos e administrativos mais al- advindos de alta extração social; com títu-
tos ocupados). los escolares e profissionais tidos como de
Considerando que o foco privilegiado no prestígio e considerados compatíveis com o
estudo são as cadeias de interdependências exercício de funções políticas e atividades
(intersecções, contrabandos, concorrências, intelectuais; portadores de diplomas con-
influências recíprocas, coações mútuas, in- quistados em reputadas instituições de en-
venções de papéis, etc.) entre o “mundo in- sino superior do país. O que denota a con-

4. O que pode justificar o momentâneo descaso em relação a essas personagens. Entretanto, o fato de ha-
ver uma residual presença de mulheres em um universo predominantemente masculino, antes que sim-
plesmente ignorá-las, deve aguçar a indagação sobre quem são elas e como ou em que condições conse-
guem participar deste quadro. Por isso, um estudo específico sobre esses casos está sendo iniciado.

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formação de uma “elite letrada e votada” no e coesa que vai se empenhar, notadamen-
interior da “elite política”. te a partir dos anos 1920, na concepção da
Destarte, é possível identificar a conjun- “identidade nacional” sob a égide de um Es-
ção entre o recrutamento em segmentos es- tado precocemente centralizado e com for-
tabelecidos social e politicamente aos quais te poder de penetração em um meio social
historicamente foi atribuído o papel de pen- com fraco poder de mobilização (BADIE e
sar, refletir, interpretar, decifrar “realida- HERMET, 1993; PÉCAUT, 1990; TRINDADE,
des”; o exercício de ocupações ligadas a sa- 1985). Nota-se, então, um deslocamento nas
beres, competências e condições de trabalho posturas intelectuais e políticas com a ate-
que ao mesmo tempo predispõem e impõe nuação da ideologia cosmopolita e a ascen-
a prática da escrita; a posse de títulos que são da atitude nacionalista, condicionado
certificam a simbiose direito/dever de escre- por estratégias de reconversão dos herdeiros
ver; o pertencimento a “rodas” de letrados e de famílias dirigentes em declínio econômi-
personalidades públicas que facilitam a pu- co (GARCIA JR., 1993b; MICELI, 1979).
blicação e divulgação de obras, entre outras O desenrolar desse processo foi a urgên-
características. cia de reconstrução do Estado nacional nos
Antes de prosseguir expondo proprieda- anos 1930 e, no bojo, o avigoramento do
des e correlações que, acredita-se, descorti- mercado editorial cujas publicações, de for-
nam o universo investigado, muito sucinta- ma não negligenciável, vinham imbuídas da
mente cabe acentuar alguns elementos ge- temática nacionalista (GARCIA JR., 1993;
rais sobre as diferentes configurações de in- PÉCAUT, 1990; MICELI, 1979). Destaca-se a
terdependência entre posições e papéis tidos série de reconfigurações pontuais que pau-
como intelectuais e políticos tramados na latinamente ocorriam como a transferência
dinâmica histórica brasileira. Sublinhando do eixo dominante das transações culturais
que os arranjos que os entrelaçaram podem da Europa para os E.U.A e as modificações
ser apreendidos em via dupla, ou seja, tanto no espaço de possibilidades das carreiras in-
a partir das relações entre os “intelectuais” e telectuais, graças à diversificação e expan-
o “mundo político” como daquelas entre os são do mercado de diplomas universitários.
“políticos” e o “mundo intelectual”. O “estamento burocrático” da era Vargas,
Inicialmente, sobressai na gênese da como frisou Miceli (1979), foi delineado a
constituição do Estado nacional o contraste partir das posições ocupadas por agentes re-
entre, de um lado, um efeito de sobreposi- crutados e hierarquizados segundo seus re-
ção entre atividades de ensino e parlamen- cursos sociais, culturais e políticos; distri-
tares ou de unificação das elites educadas, buídos em postos políticos, administrativos,
cosmopolitas (fortemente definidas pela im- técnicos e culturais; pautados pela agenda
portação do repertório europeu) e com “vo- dos “problemas nacionais”.
cação política” (ALONSO, 2002; CARVA- De dentro do Estado − seja ou não por
LHO, 1996). Do outro lado, estaria localiza- cooptação, atrelando o trabalho burocráti-
da a massa daqueles sem as mesmas con- co ou político ao intelectual, estabelecendo
dições de acesso ou aproximação com tais distinções entre o “homem político” e o “ho-
oportunidades de poder. mem de letras”, etc. − o período que vai até
O século XX trouxe como espólio do pe- os anos 60 deflagra o processo de especia-
ríodo imperial o peso da elite homogênea lização das atividades políticas e das ativi-

O que escrever quer dizer na política? 109


dades intelectuais. O que não significa dizer durante a Primeira República”; enquanto os
que há um descolamento contundentemen- “pessedistas” eram majoritariamente sele-
te umas das outras, haja vista que a base do cionados entre lideranças do empresariado
prestígio social conquistado no desempenho industrial, entre o pessoal político das inter-
dessas atividades é construída com a ates- ventorias e entre alguns elementos das cor-
tação de alguma forma de reconhecimento porações burocráticas, como os militares. A
acumulado nas inscrições em ambos os do- maior ou menor proximidade com o poder
mínios (CORADINI, 2003). central no Estado Novo constitui força de
Os arranjos operados durante o Esta- atração a uma ou outra sigla (MICELI, 1981,
do Novo (1930-1945) também tiveram im- p. 563).
pactos sobre a configuração política subse- Conjuga-se a isso, o ingresso maciço de
quente (1945-1964), em especial sobre o sis- distintos segmentos no espaço de concor-
tema partidário da denominada “democra- rência eleitoral a partir de 1945, ligados es-
cia populista” − em grande parte composto pecialmente à imigração (descendentes de
por forças mobilizadas no “regime varguis- alemães, italianos, sírios, libaneses, japone-
ta” ou por setores da “oligarquia” margina- ses...). A afirmação na arena política, nesses
lizados no mesmo período. casos, estaria vinculada ao processo ascen-
É preciso grifar desses processos, nota- sional de mobilidade social e de reconver-
damente desencadeados nos anos 1930, fa- são de bases econômicas em bases de exer-
tores como: a aglutinação temporária de cício do poder político-eleitoral. As estraté-
correntes políticas opostas e de agentes que gias escolares de obtenção de títulos em ins-
são oriundos de um espaço político tradicio- tituições semelhantes àquelas frequentadas
nal (descendentes de grandes proprietários) pelas “famílias tradicionais”, assim como a
e são outsiders em relação às forças provin- especialização em atividades comerciais e/
ciais hegemônicas (São Paulo e Minas Ge- ou empresariais, somaram-se ao capital de
rais). Além disso, eles são marcados pelos relações sociais acumulados e à condição de
bloqueios nas carreiras militares, jurídicas e mediadores que determinados “grupos fa-
políticas, que contribuíram para a ativação miliares” adquiriram nas “colônias” ou “co-
de estratégias de reconversão ao poder cen- munidades” as quais estavam ligados (CO-
tral das elites agrárias (GARCIA JR, 1993b). RADINI, 1998a; SEYFERTH, 1999; FAUSTO,
Em outra direção, complementar e não 1995; TRUZI, 1995; GRILL, 2008).
contraditória, percebe-se que as composi- No universo intelectual, Pécaut (1990)
ções sociais dos partidos concorrentes na caracterizou a intervenção da geração cul-
década de 40, União Democrática Nacional ta constituída nos anos 1925 a 1945 como
(UDN) e Partido Social Democrático (PSD), de construção e decifração da “nação”; ao
são diversas em termos econômicos e so- passo que aquela atuante nos anos 1950 aos
ciais. Sendo a base privilegiada do recruta- 1960 teria se voltado para a formulação de
mento dos “udenistas” os “círculos de maior projetos de desenvolvimento econômico,
prestígio das profissões liberais e intelectu- para a promoção da emancipação das clas-
ais, junto às elites de grandes proprietários ses populares e para a garantia da indepen-
rurais em alguns estados nordestinos e nos dência nacional.
remanescentes do pessoal político a servi- Os conteúdos atribuídos aos papéis e
ço de antigos clãs oligárquicos já atuantes gramáticas intelectuais e políticas, assim

110 R. Pós Ci. Soc. v.9, n.17, jan/jun. 2012


como as formas de intervenção na “reali- tes e em funções públicas (GRILL, 2008; CA-
dade”, alteraram-se durante as lutas de re- NEDO, 2011). Do outro lado, localizam-se,
sistência ao regime militar e pela democra- em proporções cada vez maiores, os agentes
tização do país. Entram em cena lideran- que acionam capital associativo (militância
ças oposicionistas orientadas por versões de em associações, sindicatos, movimentos es-
marxismo, que inauguram seus engajamen- tudantil, igreja católica, guerrilha) em traje-
tos em movimentos estudantis, religiosos e tos ascendentes de ocupação de cargos ele-
organizações clandestinas; em que a uni- tivos − afirmando-se como novos segmen-
versidade e os professores universitários ga- tos na esfera política (REIS, 2008b; GRILL,
nham proeminência; as ciências sociais se 2008; CANEDO, 2008; CORADINI, 2007,
afirmam como disciplina e como fonte pa- SANTOS e SERNA, 2007; RODRIGUES,
ra a aquisição de saberes para engajamen- 2002 e 2006). Com efeito, novos repertórios
tos múltiplos; agências internacionais, so- de atuação e formas de legitimação da es-
bretudo americanas, investem no financia- pecialização na política se fixaram. Sobre-
mento de instituições e de “competências” tudo emergem clivagens entre concepções
compatíveis com os ideais da “democracia”; e modalidades de intervenção apresentadas
novos partidos políticos são formados, entre como mais “técnicas” e outras consideradas
outros. Na proliferação de causas, espaços como mais “militantes”, segundo os perfis,
e porta-vozes legítimos da gramática de- as posições e os objetos disputados pelos
mocrática, os debates em torno das políti- agentes (relacionalmente) em dado site de
cas públicas apropriadas ocupam lugar cen- luta. Sem deixar de mencionar os múltiplos
tral, mobilizando agentes que, numa pers- intercruzamentos entre elas e apropriações
pectiva diacrônica e/ou sincrônica, podem multifacetadas dos seus significados (CO-
exercer os papéis ou ativar lógicas híbridas RADINI, 2002; REIS, 2008b).
como militantes, intelectuais, experts e polí- As informações expostas a seguir permi-
ticos profissionais, dependendo das trajetó- tem visualizar em detalhe parte dos proces-
rias e carreiras profissionais e políticas se- sos de reconfiguração dos espaços políticos
guidas (REIS, 2012). e intelectuais, assim como das imbricações
Deste modo, não é exagero afirmar que que promovem. Os dados relativos à extra-
nas últimas décadas houve uma progressiva ção social e as correlações com registros de
diversificação da composição social da cha- escrita em forma de livros são elucidativos
mada “elite política brasileira”. Tal consta- da interligação entre seleção social, hierar-
tação se ampara na identificação de uma di- quização política e recursos intelectuais.
versidade de extrações sociais que convi- Assinala-se que, em termos de esta-
vem em diferentes âmbitos e posições nas dos de atuação, os casos analisados con-
hierarquias do universo político e polarizam centram-se em São Paulo (39), Minas Ge-
entre si. De um lado, encontram-se os her- rais (37), Rio de Janeiro (35), Bahia (28), Rio
deiros de “grandes famílias” que combinam Grande do Sul (27), Pernambuco (24), Ceará
saberes e recursos advindos do espaço do- (18) e Paraná (14). Somados, os parlamen-
méstico (socialização, patrimônio simbólico, tares desses 7 estados chegam a 222 casos
redes de relações, etc.) com conhecimentos e representam aproximadamente 75% (3/4)
técnicos acumulados em escolas que se no- do total analisado. Os demais estados (20)
tabilizaram na formação de grupos dirigen- contribuem com algo em torno de 25% (1/4)

O que escrever quer dizer na política? 111


da amostra e não ultrapassam 9 casos por sos), a UFPE (36), a USP (36), a UFBA (30),
unidade da federação. a UFMG (25), a UFRGS (12), a UFCE (12), a
Foi possível identificar, ainda, entre os UFPR (9), a UFAM (7), a UFPA (6). Essas ins-
299 parlamentares considerados, a existência tituições de ensino somam 223 locais de ob-
de 154 casos de agentes como pertencentes às tenção de títulos superiores. E mais: 75 (1/4)
chamadas “famílias de políticos” nos seus es- dos casos têm pós-graduação, 289 (96%)
tados de atuação. Trata-se de descendentes e/ dos casos têm graduação e 120 (40%) são
ou ascendentes e/ou ligados por alianças ma- membros de panteões de letrados como aca-
trimoniais a outros ocupantes de cargos eleti- demias de letras e institutos históricos e ge-
vos (sem levar em conta os casos de parentes ográficos dos seus estados.
que ocupam cargos administrativos e buro- Reforçando a prevalência de um seg-
cráticos no espaço político mais amplo). mento marcado pelo “aristocratismo ilustra-
Além disso, entre as profissões dos pais do”, como definiu Coradini (1998b) para a
detectadas, observou-se que esses últimos “elite médica”, a prática da escrita associa-
são: fazendeiros (47), militares de alta pa- da ao engajamento político ao longo do sé-
tente (24), empresários (17), comerciantes culo XX no Brasil, foi predominantemente
(20), advogados (13), magistrados (13), pro- monopolizada por agentes com perfil con-
fessores (7), altos ou médios funcionários siderado mais “conservador”. Inicialmen-
públicos (8), médicos (7), engenheiros (3), te, os “políticos-bacharéis” de famílias “tra-
dentistas, agricultores (2), historiador, ta- dicionais” nos seus estados, posteriormente
belião, jornalista, embaixador, alfaiate, bar- os “técnicos-políticos”5 possuidores de di-
beiro, metalúrgico, pedreiro (1 de cada). Não plomas universitários, com saber especiali-
há a informação para 131 casos. zado em áreas do conhecimento e passagem
No que tange às ocupações prévias, por cargos político-administrativos via li-
atenta-se para a concentração nas seguin- gações com políticos estabelecidos há déca-
tes atividades: advogados/promotores (116), das. Apenas mais recentemente, o ingresso
funcionários públicos (60), professores/pro- de novos segmentos egressos do movimento
fessores universitários (42), médicos (25), sindical, estudantil, da “luta contra a ditadu-
empresários (21), jornalistas (20), militares ra”, etc. produziu a diversificação do espaço
(6), religiosos (5) e outras (4). político relativamente à composição social
Há relativa correspondência com os títu- e às clivagens ideológicas. Logo, no tocan-
los obtidos, a saber: Direito (170), Medicina te ao posicionamento ideológico, analisan-
(30), Economia (28), Ciências Humanas (24), do as filiações partidárias e o trajeto político
Engenharias (21) e outras (14), e uma pre- em termos de adesões e compromissos nos
valência dos títulos obtidos em universida- embates que participaram, é possível, gros-
des federais e estaduais do país ou em esco- so modo, localizá-los em um espectro que
las, faculdades e instituições que lhe deram vai da “direita”, com 178 casos (ou aproxi-
origem, contabilizando 256 diplomas de ní- madamente 60% do total); passa por posi-
vel superior obtidos. Entre as instituições de ções passíveis de serem classificadas como
ensino superior destacam-se: a UFRJ (50 ca- de “centro”, com 90 casos (ou em torno 30

5. “Políticos-bacharéis” e “técnicos-políticos” são termos que foram inspirados nas análises de Dezalay e
Garth (2000).

112 R. Pós Ci. Soc. v.9, n.17, jan/jun. 2012


%); e chega na “esquerda”, com apenas 31 dalidades de produção. Isso revela que há a
casos (ou algo que gira próximo aos 10%). prevalência de gêneros ligados diretamen-
Isso se traduz nos gêneros de escrita pri- te à prática da representação política, isto é,
vilegiados e nas transformações relativas que oportunizam a manifestação do políti-
à incidência que podem ser observadas ao co sobre temas especializados e “relevantes”
longo do tempo. Quando se toma o princi- para a administração pública, para a elabo-
pal gênero de escrita praticado por cada um ração de tomadas de posição sobre grandes
dos parlamentares analisados, chega-se a questões da atualidade ou, ainda, para a in-
seguinte distribuição: 124 (41,5%) dedicam- tervenção sobre a memória política (nacio-
-se prioritariamente à escrita sobre assuntos nal ou regional).
ligados a determinado setor que exige al- Esses dados apontam também para as
gum conhecimento especializado (setoriais); fronteiras melhor guardadas e para o cará-
98 (32,5%) oferecem escritos sobre grandes ter mais exigente em termos de capacida-
temáticas ou generalidades (generalistas); des e tempo de dedicação no domínio da li-
52 (17,5%) redigem sobre personalidades, teratura, logo menos compatível e acessí-
movimentos, grupos, etc. (biografias histó- vel aos políticos profissionais, que renun-
ricas); apenas 23 (7,5%) investem especial- ciam ou que exercitam tal gênero de escri-
mente na literatura ou produção de roman- ta esporadicamente, como hobby. Já no que
ces, contos, poesias, novelas, etc.; e somente concerne às confissões, dois aspectos pare-
2 (0,7%) são marcados por terem produzido cem interligados, quais sejam: a raridade
fundamentalmente confissões políticas co- do gênero como principal modalidade entre
mo memórias, autobiografias, etc. políticos que se dedicam à escrita; e a sua
Contudo, a ampla maioria dos agentes concentração entre profissionais da política
não se restringe a um tipo de gênero. Pelo com carreiras exitosas e que chegaram ao
contrário, mais frequentemente eles transi- topo da hierarquia política, na maior parte
tam por diferentes modalidades de escrita. dos casos com a produção de outros gêne-
Contabilizando os outros gêneros de escri- ros ao longo da vida6.
ta praticados pelos parlamentares (afora o A forte presença dos gêneros mais se-
mais frequente para cada caso mencionado torializados ou especializados e generalis-
acima), foi possível identificar que 110 (37 tas não deve ser tomada como homogênea
% do total) escrevem sobre temas gerais; 99 e constante. Variações diacrônicas e cor-
(33%) produzem livros de biografias históri- respondências entre perfis e modalidades
cas; 81 (27%) desenvolvem temas mais es- de escrita permitem desvelar continuidades
pecializados; 80 (27%) se dedicam às con- e descontinuidades nas vinculações entre o
fissões; e 42 (14%) aos textos literários. métier do político e a prática da escrita. Por
Chama a atenção que os gêneros “con- exemplo, entre os parlamentares que priori-
fissões” e “literatura”, que trazem baixos ín- zam publicações setoriais há a seguinte dis-
dices quando se busca o principal tipo de tribuição por áreas de conhecimento: Direi-
produção, aparecem com maior contundên- to = 40 (32,5%); Economia = 40 (32,5 %);
cia quando o olhar recai sobre as outras mo- Medicina = 16 (13%); Engenharia = 9 (7%;);

6. Para uma análise sobre um subgênero dentro das confissões, isto é, a produção de memórias ou auto-
biografias, ver Grill (2011).

O que escrever quer dizer na política? 113


Educação = 12 (9%); Administração Pública titulação escolar, as concepções de profis-
= 4 (3 %); e Questões Rurais = 3 (2,5%). Ob- são, e os padrões de carreiras políticas.
serva-se uma polarização entre produções Há um aumento proporcional dos gêne-
escritas ligadas ao Direito, em um extre- ros próprios a domínios específicos ao lon-
mo, e à Economia7, no outro extremo. En- go do tempo (em sentido inverso às biogra-
tre elas a Educação, mais próxima do po- fias históricas e à literatura), com uma am-
lo de conhecimento “humanista”, e a Medi- pliação de temas ligados à Economia, à Ad-
cina e a Engenharia, mais próximas de um ministração Pública e à Educação, em detri-
polo “técnico”. Num eixo intermediário, en- mento do Direito. Sendo assim, observa-se,
contram-se escritos ligados à administração por um lado, o incremento do investimento
pública e às questões rurais. em conhecimentos especializados, mormen-
Tal clivagem adquire maior nitidez te em cursos de Direito, Economia e Ciên-
quando são testadas algumas associações. cias Humanas; e, por outro lado, a combi-
Neste caso, afiguram-se correlações signifi- nação da atividade política com a do litera-
cativas entre os gêneros e as décadas de in- to ou a do historiador autodidata se mostra
gresso dos políticos nas carreiras eletivas, a cada vez menos frequente8.

Quadro 2
Gêneros x Década de Ingresso na Carreira Eletiva
Pré-30 30 40 50 60 70 80 Total
Setorial 18 17 14 20 18 18 19 124
Generalista 9 11 11 18 24 15 10 98
Biografias
Históricas 14 13 7 12 3 3 - 52
Literatura 5 6 1 5 2 3 1 23
Confissões 1 1 - - - - - 2
Totais 47 48 33 55 47 39 30 299

Fonte: DHBB-FGV

7. A consolidação de uma competência política associada às qualidades técnico-profissionais dos econo-


mistas é analisada por Loureiro (1992). A autora estuda as origens e os processos de valorização de habi-
lidades como o uso de modelos matemáticos, a previsão de cenários, a elaboração de projetos de investi-
mento e desenvolvimento e, principalmente, “a capacidade de pensar a economia em termos globais e a
disposição para intervir em seus processos” (p. 49). É importante reter que tal valorização é resultado de
um trabalho coletivo e histórico de grupos e instituições pertencentes aos meios acadêmicos e governa-
mentais, expressando interesses e ideologias e as disputas internas existentes no campo econômico.
8. Algo que se assemelha (talvez até como uma forma de ressonância) ao que foi demonstrado por Grèzes-
-Rueff, para a França, sobre a passagem de um cenário em que havia a forte associação entre poder e pa-
lavra para outra situação sintetizada no binômio poder-ação. Segundo ele, isso revela a “transformação
da cultura da elite ou, pelo menos, a mutação do que os dirigentes, a opinião e os próprios deputados es-
timam ser a bagagem mínima que se deve exigir de um homem de estado” (1994, p. 176-178). Passam a
prevalecer conhecimentos mais “utilizáveis” e ligados a “soluções concretas” em detrimento de uma cul-
tura mais literária, erudita, retórica e aparentemente desinteressada.

114 R. Pós Ci. Soc. v.9, n.17, jan/jun. 2012


A constituição de um polo dito mais contextos, a modalidade de escrita genera-
“humanista” e outro considerado mais “téc- lista parece orientada pelo aprendizado de
nico” guarda relação com os tipos de di- línguas, transmissão/recepção de retóricas e
plomas de nível superior obtidos. Mais do gosto pela história. No tocante, em particu-
que isso, é possível apostar na influência de lar, aos elementos que caracterizam a for-
discrepantes matrizes de formação cultu- mação jurídica, tem-se a defesa de causas, a
ral, abastecedoras de quadros de pensamen- análise de textos e o contato com clientelas
to, ideias, vocabulários, referências, enfim, de múltiplas proveniências e, em muitos ca-
parâmetros para o empenho dos agentes na sos, a aquisição de conhecimentos “extras”
busca de fundamentos das decisões políti- advindos da Ciência Política ou mesmo do
cas e alicerces das transformações do pró- Direito em nível de Pós-Graduação9.
prio Estado. Em linhas gerais e em distintos

Quadro 3
Gêneros x Titulação Escolar
Direito Econo- Ciências Medi- Enge- Adminis- Escola Agrono- NSA Total
mia Humanas cina nharia tração Militar mia
Setorial 59 24 4 17 11 2 4 2 1 124
Generalista
51 4 15 9 9 1 3 2 4 98
Biografias
Históricas 41 - 2 3 1 - 1 1 3 52
Literatura 18 - 2 1 - - - - 2 23
Confissões 1 - - - - - - - 1 2
Totais 170 28 23 30 21 3 8 5 11 299

Fonte: DHBB-FGV

Na mesma direção, apura-se a existência zam a produção sobre questões mais gerais
de uma forte correlação entre a formação (distanciando-se da especialização escolar)
em Economia e o gênero mais técnico ou e outros acionam exatamente tais conheci-
especializado, bem como entre a formação mentos para legitimar seus escritos.
em Ciências Humanas e a produção gene- Do mesmo modo, quando são coteja-
ralista. As chamadas formações tradicionais das as frequências das vinculações entre a
da “elite política” (Direito, Medicina e En- principal ocupação prévia à carreira políti-
genharia), por sua vez, apresentam relativo ca e os gêneros de escrita preferidos, é vi-
equilíbrio entre os parlamentares que pos- ável apostar em padrões opostos de exce-
suem tais titulações e se dedicam seja à es- lência profissional e de legitimação do tí-
crita especializada, seja à generalista. Quer tulo e dos produtos escritos (livros) advin-
dizer, é possível identificar uma divisão en- dos desses conhecimentos. Isso com exce-
tre os titulados em Direito, em Medicina e ção dos professores, que estão mais associa-
em Engenharia, uma vez que alguns priori- dos ao polo “técnico” (setorial), e dos jorna-

9. Pistas que se inspiram no trabalho de Grèzes-Rueff (1994) sobre a cultura dos deputados franceses.

O que escrever quer dizer na política? 115


listas mais ligados à literatura e generalida- deixar de reivindicarem relevância política)
des. Profissionais do mundo jurídico, médi- e aqueles que tomam posição sobre as gran-
cos, empresários e funcionários públicos se des questões da agenda política (democra-
bifurcam entre aqueles que escrevem sobre cia, justiça social, etc.).
temas relacionados às suas profissões (sem
Quadro 4
Gênero x Ocupação Prévia
Advogado/ Profes- Médico Empre- Funcionário Jorna- Militar Reli- Outros Total
Promotor sor sário Público lista gioso
Setorial 48 23 12 11 24 1 4 1 - 124
Generalista 35 11 9 7 23 7 1 1 4 98
Biografias 26 5 3 2 8 5 1 1 1 52
Históricas
Literatura 7 3 1 1 4 6 - 1 - 23
Confissões - - - - 1 1 - - - 2
Totais 116 42 25 21 60 20 6 4 5 299

Fonte: DHBB-FGV

Além da posição social, a posição políti- chegaram ao Senado da República, estes se


ca alcançada e os tipos de carreiras percor- distribuem em proporções bastante seme-
ridas sinalizam para determinadas condições lhantes àquelas encontradas para o conjun-
que predispõem e/ou autorizam para os dife- to dos casos. É possível identificar, portanto,
rentes empreendimentos de escrita. Toman- dois modelos de atuação parlamentar e de
do os cargos mais altos conquistados na hie- uso da escrita entre deputados federais, um
rarquia de postos políticos dos seus estados, tido como mais técnico ou setorializado que
verifica-se que os casos que chegaram so- predomina e se fortalece ao longo do tempo
mente à deputação federal tendem mais aos e outro mais generalista em leve declínio. Já
temas especializados, e os políticos que al- entre os governadores, prevalece a figura do
cançaram o governo do estado apresentam político preocupado com as grandes temáti-
maior propensão a escrever sobre generali- cas sociais e políticas e com a memória polí-
dades e biografias históricas. Já aqueles que tica, seus vultos e ícones.

Quadro 5
Gênero x Cargo Eletivo Mais Alto Ocupado
Deputado Federal Senador Governador Total
Setorial 88 31 5 124
Generalista 49 25 24 98
Biografias Históricas 31 12 9 52
Literatura 16 4 3 23
Confissões 2 - - 2
Totais 186 72 41 299

Fonte: DHBB-FGV

116 R. Pós Ci. Soc. v.9, n.17, jan/jun. 2012


Se a ocupação de determinados cargos ce a disposição para tal gênero entre aque-
eletivos, bem como a dinâmica de concor- les que somente ocuparam cargos eletivos
rência política e suas transformações ao e aqueles que ocuparam assessorias, che-
longo do tempo prescreve papéis e predis- fias de gabinete, cargos de confiança, entre
põe a gêneros de escrita, a ocupação de car- outros, aumentando agora a frequência das
gos administrativos não é menos importan- biografias históricas, das generalidades e da
te para a constituição da notoriedade e do literatura (essa última apenas entre políti-
prestígio social que autorizam a escrever e cos que ocuparam unicamente cargos ele-
publicar (e o inverso possivelmente tam- tivos). O que permite depreender que entre
bém ocorra)10. Examinado os cargos admi- os deputados federais e senadores há uma
nistrativos mais altos ocupados, percebe-se maior atração por questões especializadas
a maior propensão a escrever sobre temas (exigente em termos de detenção de com-
relacionados a competências especializadas, petências específicas e certificadas), e a le-
na seguinte ordem de postos: em presidên- gitimidade para publicar sobre tais assuntos
cias e diretorias de estatais; ministérios; e é fundada à primeira vista na posse de títu-
secretarias de estado. Em outra via, decres- los escolares e ocupação de cargos técnicos.

Quadro 6
Gênero x Cargo Administrativo Mais Alto Ocupado

Ministro Presidente/Diretor Estatal Secretário Outros Somente Eletiva Total

Setorial 36 18 30 6 34 124
Generalista 21 5 23 9 40 98
Biografias
Históricas 15 3 8 5 21 52
Literatura 1 3 5 1 13 23
Confissões - - 1 1 - 2
Totais 73 29 67 22 108 299

Fonte: DHBB-FGV

Fator que pode ser corroborado pela cor- carreiras que mesclam atuações semelhantes
relação entre padrões de carreira (construí- (medidas em tempo) em cargos eletivos e ad-
dos com base no tempo dedicado a mandatos ministrativos tendem a escrever, proporcio-
eletivos e a cargos político-administrativos) nalmente, mais sobre temas especializados e
e gêneros de escrita. Parlamentares com car- menos sobre literatura e generalidades. Por
reiras predominantemente eletivas escrevem, fim, senadores e deputados que passaram a
proporcionalmente, menos livros alicerçados maior parte da carreira política em cargos ad-
em competências especializadas e mais livros ministrativos dedicam-se prioritariamente à
sobre generalidades e literatura. Políticos com produção setorializada.

10. O reconhecimento da posse de certa “competência” pode estar relacionado ao acúmulo prévio tanto de
créditos objetivados em títulos e publicações voltados, por exemplo, para a “agenda de estado”, “causas”
e “problemas sociais” valorizados em algum momento, como e indissociavelmente de laços (afetivos, ide-

O que escrever quer dizer na política? 117


Quadro 7
Gêneros x Padrões de Carreiras Políticas
Eletiva Equilibrada Administrativa Total
Setorial 60 57 7 124
Generalista 68 30 - 98
Biografias Históricas 32 19 1 52
Literatura 20 3 - 23
Confissões 1 1 - 2
Totais 181 110 8 299

Fonte: DHBB-FGV

4 Considerações Finais magistério em universidades em um período


mais profissionalizado) e/ou públicas ates-
Como foi demonstrado ao longo do tex- tadoras desses saberes; e que investiram pri-
to, há uma nítida distinção entre dois mo- mordialmente em temas setoriais voltados
delos. Sobressai, de um lado, um padrão di- para as suas áreas de conhecimento em in-
to mais “tradicional”: com formação “hu- terface com a relevância política e adminis-
manista”; ligação com “grandes famílias trativa. Nos dois polos há a predominância
de políticos” estabelecidas social e politica- de políticos que articulam o conjunto de gê-
mente desde o século XIX e início do sécu- neros de escrita em proporções e temporali-
lo XX; passagem por cursos de direito, en- dades compatíveis com seus perfis sociais,
genharia e medicina nas principais institui- suas carreiras políticas e suas sequências de
ções de ensino superior do país (hoje uni- eventos, movimentos, experiências, concor-
versidades federais situadas em estados que rências e interações aos quais se submetem.
contam decisivamente no “mapa político”); A pretensão deste texto foi apresentar os
exercício da advocacia, promotorias, profis- encaminhamentos iniciais da investigação de
sões liberais e/ou altos cargos no funciona- um universo diversificado na sua composição
lismo público; e a dedicação principalmen- e intrincado nas suas lógicas, princípios e di-
te à escrita de temas generalistas, biogra- nâmicas. O aprofundamento do estudo exige
fias históricas ou setoriais apoiados no sa- empreendimentos mais refinados de pesquisa
ber e na atividade jurídica. E, do outro lado, que permitam aperfeiçoar a apreensão do lu-
um padrão tido como mais “moderno”: com gar (de embates e de consagrações) da produ-
formação “técnica”, constituído de egressos ção escrita dentre os condicionantes de car-
de segmentos que ascenderam social e po- reiras e de concepções políticas. Sendo assim,
liticamente mais recentemente; afiançados as considerações que seguem esboçam inves-
pela conjugação da posse de diplomas (no- timentos que sucederão esta primeira etapa
tadamente economia e outras especialida- de caráter mais exploratório.
des consideradas e exercidas como “técni- Visando ponderar sobre as condições
cas”) e atividades profissionais (entre elas o encontradas para a produção escrita entre

ológicos, instrumentais, etc.) e aprendizados adquiridos ao longo de biografias militantes, socializações e


sociabilidades comuns. Ver Reis (2007).

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“homens públicos”, tendo em vista as con- Referências
dições de expansão dos domínios “intelec-
tuais”, é preciso explorar aspectos como: as ABREU, A. et. al. (orgs.). Dicionário Histórico-
fases de desenvolvimento do mercado edi- -Biográfico Brasileiro pós-30. Rio de Janeiro:
torial; as questões legítimas nos cenários FGV, CPDOC, 2011.
nacional e regional nos quais estão inseri-
ALONSO, A. Ideias em movimento. A geração
dos; o lugar (editoras) por onde publicam;
de 1870 na crise do Brasil-Império. Rio de Ja-
as estratégias de etiquetagem dos produtos;
neiro: Paz e Terra, 2002.
e as condições de recepção dos escritos (im-
plicando o público leitor mais ou menos es- BADIE, B.; HERMET, G. Política Comparada.
México: Fondo de Cultura Económica, 1993.
pecializado ou intérpretes que podem ser
outros políticos, intelectuais, acadêmicos, BOURDIEU, P. As Regras da Arte. São Paulo:
jornalistas, etc., e as conjunturas mais ou Companhia das Letras,1996.
menos propícias a determinadas versões). CANEDO, L. B. O capital político multiplicado
Acrescenta-se a isso a importância do no trabalho genealógico. Revista Pós Ciências
investimento em uma análise acurada dos Sociais. V. 8, n. 15, 2011.
textos produzidos. Ou seja, constituir um
CANEDO, L. B. Continuidade e descontinuida-
corpus discursivo cuja sistematização, orga- de na ordem política brasileira: o caso de Mi-
nização e exame permitirão observar a po- nas Gerais. Colóquio saber e poder, 2008.
lifonia germinada das narrativas, articulan-
CARVALHO, J. M. de. A Construção da Or-
do-a às múltiplas lógicas, ao mesmo tem-
dem. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 1996.
po condensadas e vulneráveis a novas equi-
valências. Sem descuidar de situá-las relati- CHAMPAGNE, P. Formar a opinião: o novo jo-
vamente às condições e aos condicionantes go político. Petrópolis: Vozes, 1998.
específicos da produção; às diferentes con- CHARLE, C. Naissance des ‘intellectuels’
junturas e consumidores, submetidos aos (1880-1900). Paris: éditions de minuit, 1990.
seus próprios condicionantes de recepção e
CORADINI, O. L. Engajamento associativo/sin-
divulgação; aos condicionantes que inter- dical e recrutamento de elites políticas: “em-
vém no trabalho sociológico de tratamento presários” e “trabalhadores” no período recente
do conjunto de mecanismos que, a cada cir- no Brasil. Antropolítica, v. 19, 2007.
cunstância, fazem da produção o que ela é;
CORADINI, O. L. As missões da ‘cultura’ e da
aos deslocamentos possíveis entre registros
‘política’: confrontos e reconversões de elites
e gêneros no âmbito do texto, porém infor-
culturais e políticas no Rio Grande do Sul
mados por trocas, conflitos, debates, relei- (1920-1960). Estudos Históricos, Rio de Janei-
turas, reconfigurações de saberes, etc. ro, n. 32, 2003.
Em síntese, como sugere Le Bart (1998),
CORADINI, O. L. Escolarização, militantismo e
a verificação quantitativa do maior ou me-
mecanismos de “participação” política. In: He-
nor investimento na produção e publicação
redia, B. et AL. (Orgs.) Como se fazem eleições
por políticos não deve desconsiderar as ca- no Brasil. Rio de Janeiro: Relumé Dumará,
racterísticas e os efeitos qualitativos desses 2002.
investimentos, mormente no que diz respei-
CORADINI, O. L. Em nome de quem? Recursos
to às possibilidades de apreensão das defini-
sociais no recrutamento de elites políticas. Rio
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O que escrever quer dizer na política? 119


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