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Como curar um fanático - Autor: Amós OZ

[...] O fanático é uma criatura bastante generosa. É um grande altruísta. Frequentemente, o fanático está mais
interessado em você do que nele próprio. Ele quer salvar sua alma, quer redimi-lo, quer libertá-lo do pecado, do
erro, do fumo, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares ou curá-lo de seus hábitos
de bebida ou de voto. O fanático importa-se muito com você, ele está sempre ou se atirando no seu pescoço,
porque o ama de verdade, ou apertando sua garganta, caso você prove ser irrecuperável. E, de qualquer modo,
falando topograficamente, atirar-se no pescoço de alguém ou apertar sua garganta é quase o mesmo gesto. De
qualquer jeito, o fanático está mais interessado em você do que nele próprio, pela razão muito simples de que ele
tem um si próprio muito pequeno, ou nenhum si próprio, em absoluto.[...]

Numa pequena medida, de um modo cauteloso, creio que a imaginação talvez possa servir como uma imunidade
parcial e limitada ao fanatismo. [...] Neste ponto a literatura é sempre a resposta, porque a literatura contém um
antídoto ao fanatismo ao injetar imaginação em seus leitores. Gostaria de poder simplesmente prescrever: leiam
literatura e estarão curados de seu fanatismo. Infelizmente as coisas não são tão simples. Infelizmente muitos
poemas, muitas história e peças de teatro ao longo da história foram utilizados para aumentar o ódio e a
superioridade moral nacionalista. No entanto, acredito que existem certas obras literária que podem ajudar até
um certo ponto. Não podem produzir milagres, mas podem ajudar. Shakespeare pode ajudar muito. Todo
extremista, toda cruzada que não aceita compromissos, toda forma de fanatismo em Shakespeare acabam em
tragédia ou em comédia. O fanático nunca está mais feliz ou mais satisfeito no final, ou ele está morto ou torna-se
uma piada. Isso é uma boa vacina. E Gogol pode ajudar. Ele torna seus leitores grotescamente conscientes de
quão pouco sabemos, mesmo quando estamos convencidos de estar cem por cento certos. Gogol nos ensina que
nosso próprio nariz pode tornar-se um inimigo terrível. Pode tornar-se, inclusive, um inimigo fanático. E você pode
descobrir-se perseguindo fanaticamente o próprio nariz. Esta não é uma lição ruim Kafka é um bom educador a
esse respeito, embora eu tenha certeza de que ele nunca teve a intenção de ser usado como uma educação contra
o fanatismo. Mas ele Kafka, está nos mostrando que há escuridão, enigma e zombaria, mesmo quando achamos
que não fizemos nada de errado, em absoluto. Isso ajuda. Acho que William Falkner pode ajudar. O poeta
israelense Yehuda Amichai expressa tudo isso melhor do que eu jamais esperaria fazê-lo, quando diz: " onde
temos razão não podem crescer flores". [...] Acho que inventei o remédio para o fanatismo. Senso de humor é
uma grande cura. Nunca vi na minha vida um fanático com senso de humor, nem vi uma pessoa com senso de
humor tornar-se fanática, a menos que tenha perdido o senso de humor. Os fanáticos são, frequentemente,
muito sarcásticos. Alguns deles tem um senso de sarcasmo muito mordaz, mas não tem humor. O humor inclui a
capacidade de rir de nós mesmos. O humor é relativismo, é a aptidão de vermo-nos como os outros podem nos
ver, é a capacidade de entender que, por mais cheios de razão que estejamos e por mais terrivelmente
equivocados que estejam os outros sobre nós, há sempre um certo aspecto disso tudo que é um pouco engraçado.
Quanto mais você tem razão, mais engraçado fica. E, por este motivo, você pode ser um israelense cheio de razão,
ou um palestino cheio de razão, ou qualquer coisa cheia de razão, mas, enquanto você tiver senso de humor, pode
ficar parcialmente imune ao fanatismo.

[...] Muitos anos atrás, quando eu ainda era criança, minha sábia avó explicou-me em palavras muito simples a
diferença entre judeu e cristão: "veja só", disse ela, "os cristãos acreditam que os Messias já esteve aqui e que
certamente voltará algum dia. Os judeus sustentam que o Messias ainda está por vir". "Já houve" disse minha
avó, "tanta raiva, perseguição, derramamento de sangue, ódio a respeito disso,,, por quê? Por que as pessoas não
podem simplesmente esperar e ver? Se o Messias vier e disser 'oi, é muito bom revê-los' os judeus vão ter que
reconhecer seu engano. Se, de outro modo, o Messias chegar dizendo 'muito prazer, é um prazer conhecê-los',
todo o mundo cristão terá que pedir desculpas aos judeus. Entre o dia de hoje e esse momento", disse minha
sábia avó, "apenas viva e dixe viver". Ela era definitivamente imune ao fanatismo. Conhecia o segredo de conviver
com situações em aberto, com conflitos não resolvidos, com a diferença do outro. [...]

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