Você está na página 1de 8

158 J. Bras. Nefrol.

1998; 20(2): 158-165

Aspectos renais no idoso


Patrícia Ferreira Abreu, Ricardo de Castro Cintra Sesso, Luiz Roberto Ramos

A geriatria tem emergido recentemente como uma disciplina distinta na prática médica. Com o
aumento da expectativa de vida em todo mundo, a população de idosos vem crescendo
gradativamente, tornando mais relevante o entendimento do processo de envelhecimento que é
complexo e individual. Do ponto de vista renal, têm sido descritas na literatura alterações anatômicas
e fisiológicas com o avançar da idade, entretanto, tais mudanças não são universais, podendo estar
associadas ou não à presença de patologias ou injúrias sub-clínicas. Descreveremos as principais
alterações renais e comentaremos sobre algumas patologias que influenciam diretamente o
comportamento da função renal nesta população.

Disciplina de Nefrologia e Setor de Geriatria De acordo com o censo de 1991 do Instituto Brasi-
Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São
Paulo
leiro de Geografia e Estatística, a população de idosos
Endereço para correspondência: Patrícia Ferreira Abreu no Brasil vem crescendo em termos proporcionais mais
Rua Botucatu, 740 do que qualquer outra faixa etária, representando no
CEP 04023-900 - São Paulo, SP
Tel.: (011) 574-6300 - Fax: (011) 573-9652
momento quase 9 milhões de indivíduos. Isto é fruto
E-mail: rsesso@nefro.epm.br da queda significativa dos coeficientes de fecundidade
neste final de século, aliada ao aumento crescente da
expectativa de vida média do brasileiro. Em 2025, qua-
se 14% da nossa população terá 60 anos ou mais, re-
Idoso, Rim, Envelhecimento
presentando, em números absolutos, uma das maiores
Elderly, Kidney, Aging
populações de idosos do mundo, cerca de 32 milhões
de indivíduos. 2
Nos últimos 30 anos vários estudos transversais e
longitudinais têm demonstrado o efeito da idade no
Introdução sistema respiratório e cardiovascular. Alterações renais
anatômicas e fisiológicas vêm sendo relatadas com o
avançar da idade, entretanto, não está claro se tais mu-
Com o aumento da expectativa de vida em todo
danças são universais. É importante que o clínico co-
mundo, a população de idosos vem crescendo gradati-
nheça estas alterações porque elas predispõem a anor-
vamente. Segundo a Organização Mundial da Saúde
malidades de fluidos e eletrólitos, além de implicarem
(OMS), a população global cresceu em uma taxa anual
no diagnóstico e tratamento do indivíduo idoso. 3, 4
de 1,7%, enquanto que a população de indivíduos com
mais de 65 anos de idade cresceu 2,7%, durante o perí-
odo de 1990-1995. Do total de 355 milhões de pessoas
acima de 64 anos em 1993, 200 milhões se concentra-
Mudanças Anatômicas Renais
vam em países em desenvolvimento, representando
4,6% de sua população e 150 milhões em países de- Histologicamente, a lesão característica do rim se-
senvolvidos, onde esta porcentagem foi de 12,6%. 1 nil é a esclerose glomerular e, apesar de ser há muito
J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2) 158-165 159

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

tempo conhecida, sua patogênese ainda é pobremen- com alguma doença renal, -0,92 ml/min/ano para os
te entendida. 5, 6 O peso e volume renal diminuem em hipertensos e -0,75 ml/min/ano para os normais. Entre
20% a 30% entre as idades de 30 a 90 anos, de 250-270 todos os 446 indivíduos, 65% apresentavam “slopes”
g no adulto não idoso para 180-200 g no idoso. 7 O negativos e 35% positivos. Assim, 1/3 dos indivíduos
número de glomérulos diminui em 30 a 50%, havendo não evoluíram com declínio da função renal por um
um aumento da relação entre os esclerosados e os nor- período de 24 anos. 16
mais: 1 em 10 glomérulos na idade de 80 anos compa- Clinicamente, a creatinina sérica é o marcador de
rados com 1 em 100 no adulto não idoso. 8 O mesân- função renal mais freqüentemente utilizado; entretan-
gio mostra graus variados de expansão, bem como de to, no idoso, é objeto de várias influências especiais. A
fibrose intersticial. 9 Os túbulos se mostram diminuí- diminuição da massa e da atividade muscular e o me-
dos em número, volume e extensão. Atrofia tubular nor consumo de proteínas fazem com que o idoso te-
focal, fibrose intersticial e inflamação crônica são acha- nha uma creatinina sérica “aparentemente normal” as-
dos freqüentes e, em algumas situações, podem estar sociada a graus variados de função renal. 17 Assim, a
associados a áreas de esclerose glomerular. 10 As arte- relação creatinina/depuração de creatinina se altera com
ríolas desenvolvem espessamento da íntima, duplica- a idade. A creatinina permanece constante enquanto a
ção da lâmina elástica interna, hialinização com graus depuração tende a diminuir; a creatinina de 1,0 mg/dl
variados de estenose do lúmen. Estudos em autópsias pode representar depuração de 120 ml/min em um
mostram que na ausência de hipertensão arterial, so- indivíduo de 20 anos e 60 ml/min em um idoso de 80
mente 15% dos indivíduos com mais de 50 anos de- anos. 18
senvolvem mudanças morfológicas vasculares, enquan- A depuração de inulina ainda é o método ideal
to que em hipertensos estas alterações aparecem em para se medir RFG. No entanto, devido ao alto custo e
95% dos casos. 11 Embora estejam bem definidas na a dificuldade técnica, a depuração de creatinina tem
literatura, estas alterações variam em intensidade pro- sido aceita como substituto para quantificação clínica
porcionando graus variados de deterioração da função
da função renal. 19 O maior problema se refere à con-
renal. Acredita-se que outros fatores de risco, como
fiabilidade da coleta de urina de 24 horas, especial-
doenças sistêmicas, dieta, meio ambiente e hábitos
mente em idosos. Sendo assim, vários investigadores
pessoais quando superimpostos no idoso, acelerem este
têm desenvolvido fórmulas a partir da creatinina séri-
processo de deterioração. 12
ca, a fim de predizer a depuração renal. A mais utiliza-
da tem sido a de Cockcroft & Gault. 15 (Depuração de
creatinina ml/min = [(140 - idade em anos) x peso em
Mudanças Fisiológicas Renais kg / 72 x creatinina sérica mg/dl. Se mulher, multipli-
car a equação por 0.85]. Esta fórmula se originou de
Gradualmente, o fluxo plasmático renal diminui de dados de 249 indivíduos, dos quais 137 com menos de
600 ml/min na 3ª década para 300 ml/min na 8ª déca- 60 anos, basicamente do sexo masculino e que se en-
da, sendo que um importante fator para se levar em contravam em condições físicas estáveis. Ela se baseia
consideração quando este parâmetro for avaliado é o no princípio que a excreção urinária de creatinina é
declínio do débito cardíaco associado à idade. 13 O constante e igual à produção, que por sua vez é pro-
ritmo de filtração glomerular (RFG), estimado pela de- porcional à massa muscular, podendo ser estimada a
puração de EDTA, inulina ou creatinina, tem sido mos- partir da idade, sexo e peso. Muitos trabalhos vêm tes-
trado em estudos longitudinais e retrospectivos decli- tando a validade desta fórmula com resultados confli-
nar com a idade. É relatada uma diminuição de 1 ml/ tantes. Tem sido demonstrado que a equação tende a
min/1,73 m 2 por ano após a 3ª década, sendo espera- superestimar depurações mais altas e a subestimar as
da uma depuração de 50 ml/min na maioria dos indi- mais baixas, sendo um pobre índice em níveis extre-
víduos com 90 anos de idade. 14, 15 mos de função renal. 19 O seu valor em idosos, na
No “Baltimore Longitudinal Study on Aging” 446 correção de drogas potencialmente nefrotóxicas ou de
indivíduos, entre 22 e 97 anos, foram seguidos por 24 eliminação exclusivamente renal, ainda é discutível,
anos com o objetivo de se determinar o coeficiente de especialmente em situações de perda de massa mus-
regressão da depuração de creatinina com o avançar cular, obesidade, edema. A dosagem sérica da droga
da idade. Este foi de -1,10 ml/min/ano em indivíduos seria o método mais indicado.
160 J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2): 158-165

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

Do ponto de vista de função tubular renal, Miller Anormalidades do Sedimento Urinário


et al. 20 demonstraram uma progressiva diminuição com
a idade da taxa de reabsorção tubular renal de glicose
de 358,7 mg/min/1,73m2 na 3ª década para 219,2 mg/ Bacteriúria Assintomática e Leucocitúria
min/1,73m2 na 9ª década, sendo linear com a queda Bacteriúria assintomática (definida como o cresci-
do RFG. Experimentos em animais têm demonstrado mento de 100.000 unidades formadoras de colônias ou
diminuição da produção de energia pelas mitocôn- mais por ml) tem sido descrita com o avançar da ida-
drias, baixa atividade enzimática da ATPase, queda de. Na maioria das vezes ela é recorrente, assintomáti-
no consumo de oxigênio e na capacidade de trans- ca e confinada ao trato urinário baixo. No mínimo 20%
porte através dos túbulos. 7 Gambaro et al. 21 demons- das mulheres e 10% dos homens com mais de 65 anos
traram em idosos um aumento na excreção urinária apresentam bacteriúria assintomática. No adulto é en-
de enzimas, como gama glutamil transpeptidase, en- contrada em menos de 5% em mulheres e 0,1% em
zima conversora de angiotensina e N, acetil beta, D, homens. 28, 29
glucosaminidase sem relação com proteinúria, suge- Alguns autores advogam que há um aumento da
rindo, assim, a existência de dano tubular indepen- mortalidade e morbidade nos idosos com bacteriúria
dente de lesão glomerular. assintomática, embora as suas causas não tenham sido
Alterações na habilidade de concentração e di- explicadas. 30, 31 Talvez, com a maior sobrevida, haja
luição também são fenômenos documentados em ido- um maior número de achados urinários, bem como de
sos. 22 A depuração de água livre mostrou-se diminuí- outras patologias associadas, devendo a bacteriúria ser
da para 5,9 ml/min no idoso comparado a 16,2 ml/min mais um epifenômeno do que um fator causal de mor-
no adulto; e este prejuízo se manteve mesmo após talidade. 32 Tratar ou não a bacteriúria assintomática
correção pelo RFG. Mecanismos que expliquem esta ainda é assunto controverso. A questão é se o trata-
deficiência têm sido pouco estudados. 23 O rim apre- mento afeta a expectativa e a qualidade de vida. Al-
senta anormalidade na conservação do sódio, talvez guns autores sugerem que idosos portadores de bacte-
relacionada à perda de néfrons, à carga de filtração riúria assintomática e provenientes da comunidade não
por néfron ou à diminuição da atividade do sistema devam ser tratados, exceto antes de procedimentos
renina-angiotensina-aldosterona. A atividade plasmáti- gênito-urinários invasivos. 33, 34
ca de renina está diminuída em 30-50% nos indivíduos
Em relação à leucocitúria (número de leucócitos
idosos, havendo uma redução similar nos níveis plas-
maior que 10 por campo/400x), Rosen 35 encontrou pre-
máticos da aldosterona. 24 Além disso, um prejuízo na
valência de 25% em idosos e Friedman 36 de 37%. Piúria
secreção de vasopressina e na responsividade das cé-
sem bacteriúria sugere a presença de calculose renal,
lulas do ducto coletor para o efeito hidro-osmótico desta
necrose de papila, diabetes, uso de analgésicos, prosta-
têm sido descritos. 25 Os idosos apresentam defeito na
tite crônica e tuberculose renal, principalmente. 37
acidificação, que pode ser inaparente em condições
basais, mas que em situações que produzam acidose
metabólica como diarréia, vômito, obstrução do trato
Hematúria
urinário, graus leves de insuficiência renal, o distúrbio
ácido-básico poderá ser notado. Este defeito se deve a A prevalência de hematúria no adulto não idoso
uma alteração na capacidade de excreção de ácidos, varia de 3-13%, 38, 39 mas no idoso os dados são contro-
fazendo com que o bicarbonato sérico se encontre no versos. O diagnóstico diferencial é complexo, mas pode
limite inferior da normalidade. 26 O metabolismo do ser simplificado em glomerular e não glomerular, ba-
cálcio também se mostra alterado, sendo a osteopenia seado no dismorfismo eritrocitário avaliado pelo mi-
um achado freqüente. É visto nestes indivíduos uma croscópio de contraste de fase. Assim, dismorfismo ne-
menor excreção urinária de cálcio, níveis diminuí- gativo sugere a necessidade de orientar a investigação
dos de calcitriol e aumento da concentração de pa- principalmente para carcinoma de bexiga, rim e prós-
ratormônio. Acredita-se que a redução da atividade tata, litíase, infecção urinária, malformações vascula-
da 1-alpha hidroxilase renal, hormônio fundamental res, rins policísticos ou cistos simples. Se o dismorfis-
na geração de calcitriol, possa ser um fator causal da mo for positivo deverá ser realizada investigação para
osteoporose senil. 27 glomerulopatias. 40
J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2) 158-165 161

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

Proteinúria de inclusão nos diversos estudos são variados e a prá-


Embora exista uma tendência de aumento na ex- tica da biópsia renal desencorajada. Dentre as causas
creção de proteína urinária com a idade, excreção maior mais comuns de doença renal primária destacam-se:
que 150 mg por dia deverá ser considerada anormal. 41 glomerulonefrite membranosa - 45% 48, 49, 50 e glomeru-
Em idosos, a prevalência de proteinúria é de 37% em lonefrite de lesões mínimas - 16%, com resposta tera-
homens e 31% nas mulheres em comparação com 3% pêutica similar à do adulto. 7, 51 Dentre as causas se-
e 6% no adulto não idoso, respectivamente. Este au- cundárias, diabetes, vasculite e amiloidose são as mais
mento pode estar relacionado com a presença de bac- freqüentes. 52
teriúria, hipertensão arterial, diabetes, paraproteine- O espectro das glomerulopatias no idoso é similar
mias, glomerulopatias primárias e outras patologias. 42 àquele que ocorre em crianças e adultos. Somente pou-
O prognóstico da proteinúria descoberto incidental- cas diferenças clínicas e patológicas têm sido observa-
mente em exame de rotina de adultos assintomáticos das. Glomerulonefrite rapidamente progressiva parece
não está claro. Os dados do estudo de Framingham ser mais prevalente nesta população. Furci et al. 53 de-
sugerem que proteinúrias pequenas estão longe de monstraram uma prevalência de 10% deste tipo de
serem inócuas, merecendo investigação periódica para glomerulonefrite em pacientes biopsiados (4 vezes mais
avaliação de função renal, hipertensão, diabetes e do- que no adulto), sendo que em mais da metade dos
ença cardiovascular. O principal componente da pro- casos não houve detecção de imune complexos no
teinúria do idoso é a albumina e níveis elevados são rim.
designados de microalbuminúria, que correspondem a Lupus eritematoso sistêmico com envolvimento re-
valores entre 20 - 200 ug/ml. 43, 44 Indivíduos assinto- nal é relativamente incomum nesta faixa etária, preva-
máticos com microalbuminúria são freqüentemente lecendo atividade cutânea, hematológica e artrite. No
portadores de diabetes ou nefroesclerose secundária à entanto, nos casos de nefrite o prognóstico é pior, com
hipertensão e apresentam uma associação positiva en- alta taxa de glomerulonefrite proliferativa difusa e in-
tre morbidade e excreção de albumina. suficiência renal. 54 Glomerulonefrite pós-infecciosa,
apesar de apresentar prevalência baixa, freqüentemente
se acompanha de insuficiência renal aguda. 55 Alguns
Patologias Associadas ao Envelhecimento autores advogam que se o acometimento for em um
idoso saudável, o prognóstico será semelhante ao do
Infecção do trato urinário adulto. 56
Conforme já mencionamos, bacteriúria assintomá- Em relação à insuficiência renal crônica terminal,
tica e também sintomática apresentam alta frequên- observamos que grande parte dos pacientes aceitos
cia na população geriátrica. Possíveis razões para isto para diálise atualmente no Brasil são idosos. Em estu-
incluem: uropatia obstrutiva, perda de atividade bac- do realizado pela Comissão Regional de Nefrologia do
tericida da secreção prostática, prolapsos, incontinên- Estado de São Paulo, 57 observou-se que cerca de 30%
cia fecal, demência, doença neuro-muscular, cateteri- dos novos pacientes em diálise, em 1991, tinha idade
zação vesical e menor produção de proteína de Tamm igual ou maior que 60 anos. Nestes indivíduos diabe-
Horsfall. 45 tes mellitus e hipertensão arterial foram os diagnósti-
A incidência de pielonefrite aguda é difícil de se cos de doenças de base mais freqüentes.
estimar, no entanto, estudos em mulheres idosas ad-
mitidas em hospitais têm demonstrado que o trato uri-
Diabetes Mellitus
nário é a fonte mais comum de bacteremia adquirida
na comunidade, sendo a E. coli o germe mais freqüen- A prevalência desta patologia entre os idosos pode
te. Sabe-se que a prevalência de infecção urinária pode variar entre 20 a 30%. 58 Com o avançar da idade, 50%
alcançar cerca de 50% dos idosos debilitados ou hos- dos indivíduos na nona década poderão apresentar to-
pitalizados. 46, 47 lerância anormal à glicose, inclusive necessitando do
uso de insulina. Proteinúria é usualmente um bom
marcador de doença glomerular e se torna mais proe-
Glomerulopatias minente naqueles pacientes com hipertensão arterial
A verdadeira prevalência de doença renal primária aumentando a taxa de morbidade e mortalidade neste
e secundária no idoso não é sabida, já que os critérios grupo. 59 Atualmente, diabetes é a causa mais freqüen-
162 J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2): 158-165

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

te de insuficiência renal crônica nos Estados Unidos, leira. O número de trabalhos com indivíduos idosos em
tanto na população geral como na geriátrica. 60 nosso meio ainda é limitado, especialmente no que se
refere à função renal. Mesmo na literatura mundial, vá-
rios aspectos clínicos e fisiopatológicos renais no idoso
Hipertensão Arterial Sistêmica
não estão completamente esclarecidos. Estes incluem o
Mais da metade dos idosos em todo mundo são comportamento da função renal tubular, a prevalência
hipertensos. 61 Nos Estados Unidos, cerca de 50% dos e as conseqüências de anormalidades assintomáticas
indivíduos com mais de 65 anos de idade apresentam do sedimento urinário, os fatores de risco associados à
elevação da pressão arterial sistólica (PAS) e/ou dias- perda da função renal, a identificação de indivíduos
tólica (PAD), com graves conseqüências sistêmicas que apresentam redução progressiva do ritmo de fil-
como infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, do- tração glomerular e possíveis intervenções que pos-
ença vascular periférica e insuficiência renal. 62 sam retardar a esclerose glomerular, etc. Mais traba-
No Brasil, em 2025, cerca de 7% da população lhos necessitam ser realizados nesta área no sentido
total (16 milhões) será composta de idosos hiperten- de orientar não só os nefrologistas, mas também o clí-
sos, o que constituirá um dos grandes problemas de nico geral para que seja possível prevenir a morbidade
saúde pública a serem enfrentados. 63, 64 Em nosso e a mortalidade dos indivíduos idosos, bem como para
meio, Lólio 65 detectou prevalência de hipertensão em tratá-los de forma mais efetiva.
54% dos idosos residentes na cidade de Araraquara
(SP), considerando o critério da OMS (PAS > 160 e ou
PAD > 95 mmHg).
Dentre a principais alterações fisiopatológicas res- Summary
ponsáveis pela presença de hipertensão no idoso des-
tacam-se: diminuição de elasticidade dos vasos, au-
The geriatrics has been emerging recently as a dif-
mento de aterosclerose com consequente aumento
ferent discipline in the medical practice. With the in-
da resistência vascular periférica, diminuição da fun-
crease of the life expectation, the seniors’ population
ção β-adrenérgica, permanecendo normal a função
comes growing gradually, turning more important the
α-adrenérgica. 61
understanding of the aging process that is complex
Dados do estudo de Framingham indicam que em
and individual. On the renal point of view, they have
indivíduos acima de 65 anos tanto a pressão arterial
been described in the literature anatomical and physi-
sistólica como a diastólica deverão ser tratadas. 66, 67
ologic alterations with moving forward of the age, how-
Vários trabalhos até o momento foram publicados deli-
ever, such changes are not universal, could be associ-
neando o valor do tratamento anti-hipertensivo no ido-
ated or not the presence of pathologies or offenses
so. Todos os estudos, entre eles, EWPHE, 68 SHEP, 69
sub-clinics. We will describe the main renal alterations
STOP - hypertension 70 e MRC, 71 mostraram que o
and we will comment on some pathologies that influ-
tratamento reduz o risco de acidentes cardiovasculares
ence the behavior of the renal function directly in this
e reduzem a taxa de mortalidade em até 43%. Várias
population.
combinações de tratamento para HAS têm sido pro-
postas. 72, 73, 74 Para o clínico, o mais importante é ava-
liar efeitos colaterais, mecanismos de absorção, distri-
buição, metabolismo e excreção das drogas
anti-hipertensivas, 75 além de fatores de risco como
Referências
presença de hipertrofia ventricular. 76 Somente assim o
médico poderá individualizar e propor um tratamento
adequado para cada paciente. 1. World Health Organization. The World Health Report. 1995;
Apesar da dificuldade em selecionar uma popula- 37-39
ção apropriada e definir o que seja normalidade, inú- 2. Ramos LR, Almada Fo CM, Neto JT, Santos RG, Sustovich
meros trabalhos referentes à população geriátrica vêm DR. Hipertensão arterial no idoso. RSCESP. 1992; 2 (4): 75-
se desenvolvendo. Em nosso meio estes estudos são 79
limitados, entretanto, nos últimos anos, a geriatria vêm 3. Rowe JW, Kahn RL. Human aging: usual and successful.
despertando crescente interesse da classe médica brasi- Science. 1987; 237: 143-149
J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2) 158-165 163

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

4. Epstein M. Aging and the kidney. J Am Soc Nephrol. 1996; 22. Dontas AS, Marketos SG, Papanayiotou P. Mechanisms of
7: 1106-1122 renal defects in old age. Postgrad Med J. 1972; 48: 295-303
5. Tauchi H, Tsuboi K, Okutomi J. Age changes in the human 23. Crowe MJ, Forsling ML, Rolls BJ. Altered water excretion in
kidney of the different races. Gerontol. 1971; 17: 87-97 healthy elderly man. Age Aging. 1987; 16: 285-293
6. Anderson S, Rennke HG, Zats R. Glomerular adaptations 24. Crane MG, Harris JJ. Effect of aging on renin activity and
with normal aging and with long-term converting enzyme aldosterone excretion. J Lab Clin Med. 1976; 87: 947
inhibition in rats. Am J Physiol. 1994; 267: F35-F43
25. Muether RO, Schuessler WP, Sommer AJ. Laboratory Studies
7. Frocht A, Fillit H. Renal Disease in the geriatric patient. J on the Aging Kidney. J Am Ger Soc. 1967; 15(3): 260-275
Am Ger Soc. 1984; 32: 28-43
26. Norris SH, Kurtzman NA. Renal acidification and metabolic
8. Brown WW, Davis BB, Spry LA, Wongsurawat N, Malone acidosis in the elderly. In Martinez-Maldonado M, ed.
JD, Domoto DT. Aging and the kidney. Arch Intern Med. Hypertension and Renal disease in the Elderly. Boston,
1986; 146: 1790-1796 Blackweel Scientific Publications, 1992, 185-199
9. Rancic G, Petrovic S, Mihajlovic D. Age related changes in 27. Fliser D, Franek E, Joest M, Block S, Mutschler E, Ritz E.
human renal interstitium. Abstracts of the Xlll th International Renal function in the elderly: Impact of hypertension and
Congress of Nephrology. Madrid, 1995, 238 cardiac function. Kidney Int. 1997; 51: 1196-1204
10. Bruijn JA, Cotran RS. The aging kidney pathologic 28. Abrutyn E, Kaye D. Asymptomatic bacteriuria in elderly
alterations. In Martinez-Maldonado, M ed. Hypertension and persons: Treat or do not treat? Ann Intern Med. 1987; 106(5):
Renal disease in the Elderly. Boston, Blackweel Scientific 764-765
Publications, 1992, 1-9
29. Boscia JA, Kobasa WD, Knight RA, Abrutyn E, Levinson
11. Williams H, Harrison TR. A study of the renal arteries in ME, Kaye D. Epidemiology of bacteriuria in an elderly
relation to age and to hypertension. Am Heart J. 1937; 14: ambulatory population. Am J Med. 1986; 80: 208-214
645-658
30. Dontas AS, Kasviki-Charvati P, Chem L, Papanayiotou PC,
12. Hollenberg NK, Moore TJ. Age and the renal blood supply: Marketos, SG. Bacteriuria and survival in old age. N Engl J
renal vascular responses to angiotensin coverting enzyme Med. 1981; 304: 939-943
inhibition in healthy humans. J Am Ger Soc. 1994; 42: 805-
808 31. Boscia JA, Kobasa WD, Knight RA, Abrutyn E, Levison ME,
Kaye D. Therapy vs no therapy for bacteriuria in elderly
13. Fliser D, Franek E, Joest M, Block S, Ritz E. What ambulatory nonhospitalized women. J Am Ger Soc. 1987;
determinates the decline of renal hemodynamics in elderly 257(8): 1067-1071
subjects? Abstracts of the Xlll th International Congress of
Nephrology, Madrid, 1995, 234 32. Johnson CW, Smythe CM. Renal function in patients with
chronic bacteriuria: A longitudinal study. Southern Med J.
14. Davies DF, Shock NW. Age changes in glomerular filtration 1969; 62: 81-89
rate, effective renal plasma flow, and tubular excretory
capacity in adult males. J Clin Invest. 1950; 29: 496-550 33. Baldassare JS, Kaye D. Special problem of urinary tract
infection in the elderly. Med Clin North Am. 1991; 75:
15. Cockcroft DW, Gault MR. Prediction of creatinine clearance 375-390
from serum creatinine. Nephron. 1976; 16: 31-41
34. McClure CL. Common infection in the elderly. Am Farm
16. Lindeman RD, Tobin JD, Shock NW. Longitudinal studies
Physician. 1992; 45: 2691-2698
on the rate of decline in renal function with age. J Am Ger
Soc. 1985; 33: 278-285 35. Rosen H. Renal diseases in the elderly. Symposium on
geriatric medicine. Med Clin North Am. 1976; 60: 1105-1119
17. Levin ML. The elderly patient with advanced renal failure.
Hosp Prat. 1989; 30: 35-44 36. Friedman SA, Raizner AE, Rosen H, Salomon N, Sy W.
Functional defects in the aging kidney. Ann Inter Med. 1972;
18. Anderson S, Brenner BM. Effects of aging on the renal
76: 41-45
glomerulus. Am J Med. 1986; 80: 435-442
19. Goldberg TH, Finkelstein MS. Difficulties in estimating 37. Zweig S. Urinary tract infections in the elderly. A F P. 1987;
glomerular filtration rate in the elderly. Arch Intern Med. 35: 123-130
1987; 147: 1430-1433 38. Thompson IM. The evaluation of microscopic haematuria:
20. Miller JH, McDonald RK, Shock NW. Age changes in the a population based study. J Urol. 1987; 138: 1189-1190
maximal rate of renal tubular reabsorption of glucose. J 39. Corwin HL. Silverstein MD. The diagnosis of neoplasia in
Gerontol. 1952; 7: 196-200 patients with asymptomatic microscopic haematuria: a
21. Gambaro G, Bertaglia G, Brunello A, Vincenti M, Baggio B. decison analysis. J Urol. 1988; 139: 1002-1006
Renal tubular function in the elderly. In Sessa A, Meroni M, 40. Fairley KF, Birch DF. Hematuria: a simple method for
Battini G. Glomerulonephritis in the elderly. Contrib identifying glomerular bleeding. Kidney Int. 1982; 21:
Nephrol., Basel, Karger, 1993, v. 105, 81-84 105-109
164 J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2): 158-165

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

41. Anderson S, Brenner BM. The aging kidney: Structure, 56. Abrass CK. Glomerulonephritis in the elderly. Am J Nephrol.
function, mechanisms, and therapeutic implications. J Am 1985; 5: 409-8
Ger Soc. 1987; 3: 590-593 57. Comissão Regional de Nefrologia SP e Centro de Informática
42. Kincaid-Smith, P. Renal disease in the elderly. In Martinez- da EPM. Idade, sexo e diagnóstico dos pacientes em diálise
Maldonado M, ed. Hypertension and Renal Disease in the na Grande São Paulo. J Bras Nefrol. 1994; 16(2): 83-86
Elderly. Boston, Blackweel Scientific Publications, 1992, 200- 58. Llera FG, Gregório PG. Incidencia de renal disease in a
210 geriatric unit. In Nunes, JFM, Cameron JS eds. Renal function
43. Kannel WB, Stampfer MJ, Castelli WP, Verter J. The and disease in the elderly. London, Butterworths, 1987,
prognostic significance of proteinuria: The Framingham 208-236
Study. Am Heart J. 1984; 108(5): 1347-1351 59. Hostetter TH. Diabetic nephrpathy. In Brenner B, Rector F
44. Kobayashi Y, Tateno S. Iga nephropaty: prognostic eds. The Kidney, 3th ed., Philadelphia, WB Saunders Co.,
significance of proteinuria and histological alterations. 1986
Nephron. 1983; 34: 146-153 60. Teutsch S, Neuman J, Eggers P. The problem of diabetic
45. Sobel JD, Kaye D. The role of bacterial adherence in urinary renal failure in the United States. Am J Kidney Dis. 1989;
tract infections in elderly adults. J Gerontol. 1987; 42(1): 13: 11-13
29-32 61. Applegate WB. Hypertension in elderly patients. Ann Intern
46. Esposito AL, Gleckman RA, Cram S. Community - acquired Med. 1989; 110: 901-915
bacteremia in the elderly: analysis of one hundred 62. Elnicki M, Kotchen TA. Hypertension: patient evaluation,
consecutive episodes. J Am Ger Soc. 1980; 28: 315-319 indications for treatment. Geriatrics. 1993; 48(4): 47-62
47. McCue JD. Urinary tract infections in the elderly. 63. Ribeiro AB, Kohlman Jr O, Marson O, Zanella MT, Ramos
Pharmacotherapy. 1993; 13: S15-S35 OL. Hypertension: A major public health problem in Brazil.
Drugs. 1988; 35(6): 1-5
48. Simon P, Charasse C, Autuly V, Ang KS, Cam G.
Epidemiology of primary glomerular disease in the elderly. 64. Ribeiro MBD, Ribeiro AB, Neto CS, Chaves CC, Kater CE,
In Sessa A, Meroni M, Battini G, eds. Glomerulonephritis Magid I, Saragoça MS, Zanella MT, Anção MS, Marson O,
in the elderly. Contrib Nephrol. Basel, Karger, 1993, v. Kohlman Jr O, Franco RJS, Nunes SF, Ramos OL.
105, 161-166 Hypertension and economic activities in São Paulo, Brazil.
Hypertension. 1981; 3(Sll): 233-237
49. Moran D, Korzets Z, Bernheim J, Yaretzky A. Is renal biopsy
justified for the diagnosis and management of the nephrotic 65. Lolio CA. Prevalência de hipertensão arterial no município
syndrome in the elderly? Gerontol. 1993; 39: 49-54 de Araraquara, SP, Brasil. Tese de Mestrado, Universidade
de São Paulo, 1987
50. Zech P, Colon S, Pointet PH, Deteix P. Labeeuw M. The
66. Staessen J, Fagard R, Hoof RV, Amery A. Mortality in various
nephrotic syndrome in adults aged over 60: etiology,
intervention trials in elderly hypertensive patients: A review
evolution and treatment of 76 cases. Clin Nephrol. 1982;
Eur Heart J. 1988; 9: 215-222
18(5): 232-236
67. Guzik HJ, Ooi WL, Frishman WH, Greenberg S, Aronson
51. Sesso R, Monte-Neto JT, Monteiro MC, Moura LA, Silva LC,
MK. Hypertension: Cardiovascular implications in a cohort
Pereira AB, Ramos OL, AJzen H. Renal disease in the elderly:
of old. J Am Ger Soc. 1992; 40: 348-353
etiology and evolution of 24 cases. Rev HSP Esc Paul Med.
1990; 2: 23-27 68. Amery A, Brixko P, Clement D, Schaepdryver A, Fagard R,
Foret J, Henry JF, Leonetti G, O ,Malley K, Strasser T,
52. Kingswood JC, Banks RA, Tribe CR, Owen-Jones J, Mackenzie Birkenhager W, Bulpitt C, Deruyttere M, Dollery C, Forette
JC. Renal biopsy in the elderly: clinicopathological correlations F, Handy R, Joossens JV, Lund-Johansen P, Petrie J,
in 143 patients. Clin Nephrol. 1984; 22(4): 183-187 Tuomilehto J. Mortality and morbidity results from the
53. Furci L, Baraldi A, Medici G, Maccari D, Lusvarghi E. european working party on high blood pressure the elderly
Nephropathies in the elderly. In Sessa A, Meroni M, Battini trial. Lancet. 1985; i: 1349-1354
G eds. Glomerulonephritis in the elderly. Contrib Nephrol, 69. SHEP Cooperative Research Group. Prevention of stroke
Basel, Karger, 1993, vol 105, 157-160 by antihypertensive drug treatment in older persons with
54. Glassock RJ. Glomerular disease in the elderly. In Martinez- isolated systolic hypertension. JAMA. 1991; 265(24): 3255-
Maldonado M ed. Hypertension and Renal disease in the 3263
Elderly. Boston, Blackweel Scientific Publications, 1992, 70. Dahlofb B, Lindholm LH, Hansson L, et al. Morbidity and
211-224 mortality in the Swedish trial in old patients with hypertension
55. Glassock RJ, Adler S, Waed H. et al. Primary glomerular (STOP-Hypertension). Lancet. 1991; 338: 1281-1285
disease; Secondary glomerular disease. In Brenner B, Rector 71. MRC Working Party. Medical Research Council trial of
F eds. The Kidney, 4th ed., Philadelphia, WB Saunders Co., treatment of hypertension in older adults: principal results.
1990, 1182-1368 BMJ. 1992; 304: 405-412
J. Bras. Nefrol. 1998; 20(2) 158-165 165

P. F. Abreu et al - Aspectos renais no idoso

72. Hansson L. Future goals for the treatment of hypertension 75. Ouslander JG. Drug therapy in the elderly. Ann Intern Med.
in the elderly with reference to STOP-Hypertension, SHEP, 1981; 95: 711-722
and the MRC Trial in older adults. Am J Hypertens. 1993; 6:
40S-43S 76. Bikkina M, Levy D, Evans JC, Larson MG, Benjamin EJ,
Wolf PA, Castelli WP. Left ventricular mass and risk of stroke
73. Beard K, Bulpitt C, Mascie-Taylor H, O,Malley K, Sever P,
in a elderly cohort (The Framingham Heart Study). JAMA.
Webb S. Management of elderly patients with sustained
1994; 272: 33-36
hypertension. BMJ. 1992; 304: 412-416
74. Cushman WC, Khatri I, Materson BJ, Reda DJ, Freis ED,
Goldstein G, Ramirez EA, Talmers FN, White TJ, Nunn S,
Schnaper H, Thomas JR, Henderson WG, Fye C. Treatment
of hypertension in the elderly (lll. Response of isolated
systolic hypertension to various doses of
hydrochlorothiazide: results of a department of Veterans
Artigo recebido em 3 de setembro de 1997 e aceito para
Affairs Cooperative Study). Arch Intern Med. 1991; 151:
1954-1960 publicação em 21 de abril de 1998.

Você também pode gostar