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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA I


2º SEMESTRE 2017 / TURMA: 4º período de Letras Português Noturno
PROFESSOR: Luiz Henrique Carvalho Penido
ACADÊMICO: Hugo Simão França da Costa

ATIVIDADE AVALIATIVA II

1. Leia o trecho a seguir de Gregório de Matos: do barroco à antropofagia:

“Nada no Barroco é comedido, mas sim reticente, num jogo que


reincide a cada volta, bem à imagem da Ouroboros, a serpente que
morde a própria cauda, representando o movimento cíclico do
conhecimento. O símbolo dessa serpente traduz, de forma
magnânima, o perfil da estética do Barroco, que evoca a roda da
existência, num eterno retorno. O Barroco está também nas duas
pontas da lança da existência humana, quais sejam, o nascimento
e a morte – destruição e reconstrução –, como a espiral que não
tem início nem fim. Por isso, o Barroco é visto como uma
constante, já que a Ouroboros também representa a eternidade,
entendida aqui como um eterno retorno. Mas também se pauta na
ideia da criação contínua, do perecível, razão pela qual o jogo
barroco está cheio de arabescos, frestas, eixos hiperbólicos, atos
triunfais, bacanais, simulações e dissimulações, travestis, volutas,
luxo, ostentação.” (LIMA, 2006, p. 145)

Com base no trecho acima e na bibliografia apresentada em sala de aula, desenvolva um


breve ensaio relacionando, primeiro, a imagem do Ouroboros ao momento histórico-
social seiscentista de crise e, segundo, essa mesma imagem com a concepção de
linguagem ou o “jogo barroco” que subjaz a estética dos autores.
Utilize trechos de poemas de Gregório de Matos para justificar/sustentar a análise
empreendida.

O barroco, ou seiscentismo, é um estilo artístico que predominou no século


XVII e que, portanto, se refletiu na pintura, na arquitetura e na literatura. Marca um
período de crise espiritual, em que o homem se envolveu no universo da busca pelo
sentido da vida e pela razão de sua existência.
Todo o rebuscamento presente na arte e literatura barroca é reflexo dos
conflitos dualistas entre o terreno e o celestial, o homem e Deus, o pecado e o perdão, a
religiosidade medieval e o paganismo presente no período renascentista. Destarte, o
barroco configura-se como uma arte circular, espiralada, assim como o significado do
retorno, do início e do fim, da morte e do nascimento.
O maior retrato desse pensamento é a Ouroboros, representada pela serpente
que morde a própria calda e que, em sua figura circular, carrega a filosofia do eterno
retorno, assim como o barroco. A vogal O, duplamente disposta na palavra “barroco”
representa a referida serpente, de modo que a circularidade visível na impressão da vogal
fechada traduz a expressão do eterno retorno, da volta.
Gregório de Matos, na sua poética barroca, constrói, arquitetonicamente,
estruturas que mantêm relações de reciprocidade, a fim de manter a substância do diálogo
e da redescoberta entre os termos, como se vê no trecho do poema “Ao braço do menino
Jesus quando apareceu”:

O todo sem a parte não é todo,


A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.

Nesse sentido, afere-se que, diferentemente do seu antecessor histórico, o


renascimento, o barroco não mais delimita as formas, mas sim busca o improviso, o
dinâmico e o tumultuoso.

2. Leia o trecho a seguir de O discurso engenhoso:

(SARAIVA, 1980, p. 119)

Atendo-nos apenas aos sermões, podemos acreditar haver uma concepção de linguagem
em tudo destoante do discurso clássico a que os autores deram o nome de discurso
engenhoso ou de agudeza. Partindo dessa afirmação, dos textos apresentados em sala de
aula e do trecho acima, examine em um breve ensaio as características do discurso
engenhoso, principalmente, qual a concepção da língua/linguagem implícita na
produção dos sermões e na efetivação de seus resultados práticos nos ouvintes.
Utilize trechos de sermões, em especial o Sermão da Sexagésima e o Sermão de Santo
Antônio do Padre Antônio Vieira para apoiar sua análise.
O discurso engenhoso é um elemento considerado importante da expressão
barroca. Diz respeito à habilidade do artista e ao domínio das convenções poéticas. De
acordo com Saraiva (1999), ao discurso engenhoso: “Interessava menos a representação
do real do que a arte criada pelo puro engenho. A agudeza, mãe do engenho, não se
confunde com juízo, que serve para discriminar o verdadeiro do falso.” (p. 73).
É possível inferir, a partir da fala de Saraiva, o afastamento proposital da
realidade no discurso engenhoso. Ao poeta engenhoso cabe ter agudeza, ou seja, engenho.
A agudeza é demonstrada pelo domínio da linguagem e pelo diálogo com os códigos
artísticos estabelecidos, como, por exemplo, a criação de cadeias de imagens
correspondentes, o paralelismo, a correspondência entre dois elementos diferentes, por
imagens simétricas ou contrastes, o emprego da hipérbole, o preciosismo das imagens e
o falar com propriedade, usando as palavras mais adequadas possíveis para o que se deseja
exprimir.
No discurso engenhoso, o emissor aumenta suas possibilidades de
convencimento e sua capacidade de persuasão, operando uma influência sobre o receptor.
O emissor torna-se detentor de uma autoridade somente conferida pela suposta
ascendência que ele adquire ao dominar um discurso que o outro não é capaz de contestar.
Os sermões do Padre Antônio Vieira foram instrumentos expressivos de sua
reflexão sobre questões de seu tempo e demonstram o exercício do discurso engenhoso,
como pode ser vislumbrado neste trecho do Sermão da Sexagésima:

Será porventura o não fazer fruto hoje da palavra de Deus, pela circunstância
da pessoa? Será porque antigamente os pregadores eram santos, eram varões
apostólicos e exemplares, e hoje os pregadores são eu e outros como eu? Boa
razão é esta. A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no
Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não
diz Cristo: Saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia. Entre
o semeador e o que semeia há muita diferença: uma cousa é o soldado, e outra
cousa o que peleja; uma cousa é o governador, e outra o que governa. Da
mesma maneira, uma cousa é o semeador, e outra o que semeia; uma cousa é
o pregador, e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia
e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter nome de
pregador, ou ser pregador de nome não importa nada; as ações, a vida, o
exemplo, as obras são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o
pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm
os ouvintes. Antigamente convertia-se o mundo, hoje por que se não converte
ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente
pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obras são tiro sem bala; atroam,
mas não ferem. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não o derrubou com
o estalo, senão com a pedra. As vozes da harpa de Davi lançavam fora os
demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca,
eram vozes formadas com a mão. Por isso Cristo comparou o pregador ao
semeador. O pregar, que é falar, faz-se com a boca; o pregar, que é semear,
faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração,
são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento
por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram cem
palavras? Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. Pois
palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras! (p. 19).

O texto constrói uma imagem emblemática: o pregador, comparado ao


semeador, só colhe frutos se suas palavras estiverem amparadas na força das ações. Essas,
por sua vez, são resultado de palavras eficazes, palavras que levam não somente à
reflexão, mas, principalmente, à ação. Enfim, o autor prega a coerência entre palavras e
ações, mas deixa claro que a força da palavra é capaz de gerar ações que mudam o modo
de viver das pessoas. Por isso diz “de poucas palavras nasceram muitas obras” e termina
enfatizando que “palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras!”.
O sermonista não nos diz senão que a palavra é uma fonte de persuasão, de
convencimento, logo uma forma de poder que o indivíduo pode exercer sobre outro,
assim, opera sua influência incontestável sobre o receptor, que se transparece em
característica intrínseca do discurso engenhoso.

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