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3 Ver, especialmente, I. Düring, Aristotles: Darstellung und Interpretation seines Denkens, Heidelberg,
1966, e E. Berti, Profilo di Aristotle, Roma, 1979.
4 Met., 987b 3-4.
5 Ética a Nicômaco, 1096a 16-17.
que foi com Platão, mais do que qualquer outro, que Aristóteles aprendeu a
observar esses protocolos de prioridade acadêmica.
Os diálogos de Platão e os tratados de Aristóteles pertencem juntos, não
apenas nas prateleiras de nossas bibliotecas, mas também nas nossas
mentes. Sua separação hermética, tanto em escolas como em temperamentos,
assentou-se na raiz de, talvez, o maior número de incompreensões e
antagonismos que contaminou o pensamento ocidental em toda a sua história.
Desde os Acadêmicos e Peripatéticos aos estudantes de Plotino e Alexandre
de Afrodísia, aos Agostinianos e Averroistas, aos Tomistas e Scotistas, até à
moderna inflexão dessa mesma polarização: à Academia Florentina e os
Alexandristas de Pádua, e até - mutatis mutandis - aos racionalistas e
empiristas, até aos idealistas e positivistas e, em nosso próprio século, até os
fenomenologistas e filósofos analíticos - em todas essas oposições, observam-
se duas exigências racionais, frequentemente usando suas energias em uma
abençoada desconsideração de suas contrapartes, lados opostos, mas
potencialmente complementares.
Não foi assim com Aristóteles. Sua successão platônica foi um sucesso
platônico, e assim o fez sem negá-lo nem suplantá-lo. Se lermos bem
Aristóteles nos descobriremos voltando sempre para os diálogos em que as
grandes questões, para as quais tão frequentemente Aristóteles encontrava
respostas, foram primeiramente desveladas e - quase em êxtase -
perguntadas. A Ética a Nicômaco nos fará voltar à República e ao Mênon; a
Metafísica ao Sofista e ao Parmênides; a Política às Leis. E retornaremos a
esses trabalhos não por saudades, mas em busca de novo insight, porque os
diálogos platônicos são os grandes úteros nos quais a maioria das questões
seminais da filosofia foi primeiro gestada; muitas delas também daí nasceram.
Enquanto seguimos por sua adolescência e maturação em Aristóteles, a
continuidade do crescimento orgânico é evidente, mesmo quando a
adolescência se livra das despreocupações da primeira infância e a maturidade
corrige a precipitação juvenil. Existe algo de eternamente agradável e
provocativo a respeito da incubadora platônica de Ideias, e por serem, por
definição, inteligíveis, Aristóteles recusa-se a parar de pensar nelas com sua
inteligência. Entrementes, as Ideais começam a crescer, a se desenvolver e se
solidificar, enquanto se encontram, muitas vezes, com surpreendentes destinos
na sua mente.
Na medida em que olhamos mais de perto para a maneira particular pela
qual o polo aristotélico do pensamento ocidental foi magnetizado na era
escolástica, e como o “platonismo dos Padres” (uma expressão tornada famosa
por R. Arnou no Dictionnaire de Théologie Catholique) gerou o aristotelismo da
escolástica, eu penso que encontraremos uma significante exceção à
costumeira escolha de lados na grande divisão especulativa. Apesar de Alfred
North Whitehead ter sustentado que nascemos ou platônicos ou aristotélicos,
temo que essa caracterização falha a não levar em consideração aqueles
poucos que conseguiram tornar-se discípulos dos dois mestres. Existem,
portanto, uns poucos pensadores de certas épocas que foram além de seu
destino genético, e renasceram – ou melhor, foram batizados – no fogo das
mesmas intuições que uniram Platão e Aristóteles, que os uniu em uma
fraternidade bem mais poderosa do que qualquer uma de suas diferenças
pudesse comprometer.
Santo Agostinho de Hipona foi um desses pensadores; Santo Tomás de
Aquino foi outro. Que a mente mais destacada da patrística latina seja
considerada um (neo)platônico e o mais importante escolástico, um aristotélico,
somente enfatiza a inadequação dessas categorias para aqueles que leram
longa e profundamente nos livros de qualquer um deles. Para se ter certeza,
havia alguns poucos e preciosos escritos de Aristóteles disponíveis para o
bispo de Hipona, onde um médio-platonismo era mais fácil de se encontrar, e
sua própria admissão da influência neoplatônica é difícil de contradizer. 6
Realmente, é o próprio Santo Tomás que destaca:
16 Bernard Lakebrink¸ Hegels Dialektische Ontologie und die Thomistische Analektik, Colónia, 1955.
todas as coisas limitadas a partir do nada – essa noção era nova. É na
constante rearticulação de seus principais insights sobre a criação que
encontramos a nota mais característica do pensamento filosófico de Santo
Tomás de Aquino.
Ele não está simplesmente desenvolvendo o aristotelismo, nem
simplesmente refutando o agostinianismo. Ele está, ao contrário, olhando para
o real com dois olhos treinados nas mais profundas exigências primeiramente
demarcadas pelos dois inigualáveis mestres da razão ocidental. A
transcendência platônica e a imanência aristotélica, libertadas pelo cuidadoso
desdobrar, por um lado, dos conceitos de analogia e criação, e por outro, dos
conceitos de abstração e substância, traz a visão de Tomás para um foco
tridimensional que é o seu maior legado para todos nós: um exemplar de como
olhar longa e atentamente ao que está aí na nossa frente, e depois pensar
coerentemente a respeito.
Embora o ente substancial tenha encontrado seu caminho no
cosmos aristotélico, Deus teve menos sucesso; Ele era transcendente apenas
como movente, e nunca imanente como criador. E, embora os inteligíveis
platônicos fossem, sem dúvida, transcendentes, a Grande Inteligência que é
Deus, nunca se tornou suficientemente substancial para criar o universo. É o
exemplo mais revelador da dupla perspectiva de Tomás de Aquino, alimentada
simultaneamente pelo kósmos gnostós platônico e pelo kósmos physikós
aristotélico. Ele veio a perceber a primeira causa de todas as coisas, Deus,
como perfeitamente transcendente ao mundo que ele criou, justamente por ser
a causa totalmente imanente de sua própria substancialidade.
VERSÃO FINAL
Tradução de Bruno Paranhos (brunoparanhos615@gmail.com)