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ORAÇÃO
Supervisão editorial
Marcos Simas
Capa
Oliverartelucas
Revisão
Carlos Buczynski
Alzeli Simas
Diagramação
Clara Simas
Teresa de Ávila
Brasília
2007
Título original
Life of prayer
Impressão
Imprensa da Fé, SP
1ª Edição brasileira
Abril de 2007
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem o consentimento prévio,
por escrito, dos editores, exceto para breves citações, com indicação da fonte.
ISBN
CDD: 230
CDU: 274.1/07
Prefácio ..................................................................................... 7
Introdução .............................................................................. 21
Capítulo I ................................................................................ 27
Os primeiros anos de Teresa, de fracasso, e os últimos, de dificuldades
na oração
Capítulo II .............................................................................. 55
Princípios básicos para uma vida de oração
Editando os clássicos
James M. Houston
Os escritos de Teresa
Notas
É
com grande alegria, mas também com temor, que faço
a apresentação deste livro.
Alegria por este espaço de convívio literário e espiritual
com Tereza de Ávila e James Houston. Temor pelas minhas pró-
prias limitações face à profundidade e alcance da obra.
James Houston já é conhecido pelos leitores brasileiros
pelos seus livros, por suas conferências e retiros em Curitiba,
São Paulo e Brasília, e também por aqueles que tiveram a feli-
cidade de estudar na Regent College, em Vancouver, Canadá.
Ele é respeitado e admirado no mundo todo pela sua erudição
e piedade.
Tereza de Ávila, por outro lado, embora conhecida de
nome, tem sua vida e obra em grande parte desconhecidas no
meio evangélico. Ela faz parte da Monástica, um movimento de
homens e mulheres que consagraram suas vidas a Deus através
de votos perpétuos de castidade, pobreza e obediência, para vi-
ver em uma comunidade estável.
A Monástica surge cerca de 300 d.C., depois que Cons-
tantino conquista a vitória sobre seus adversários e assume o
poder no império romano. Ele atribui sua inesperada vitória ao
Deus dos cristãos, pois havia tido um sonho no qual recebera a
I. Introdução
dades para pecar. Devo ainda acrescentar que meus líderes espi-
rituais me auxiliaram muito pouco naquele tempo. Se tivessem
apenas me dito que aquela estrada em que eu viajava era muito
perigosa e que eu precisava desprezar todas as oportunidades
que davam lugar ao pecado, eu acredito, sem qualquer dúvida,
que o problema teria sido remediado mais rapidamente.
Contudo, posso identificar claramente a misericórdia de
Deus para comigo. Durante todo aquele tempo, eu ainda tinha
a coragem de orar. Digo coragem, porque não conheço nada
no mundo inteiro que demande maior coragem do que tramar
traição contra o Rei, ciente de que Ele sabe, e, ainda assim,
continuar a freqüentar Sua presença em oração.
Passei mais de dezoito anos naquela condição miserável,
tentando reconciliar Deus com a minha vida de pecado.
Conto e repito isso com freqüência com o intuito de que
todos os que lêem meus escritos possam compreender quão
grande é essa graça de Deus que atua no filho inconstante. Ele
concede à alma errante o desejo de orar, mesmo quando ela
ainda não abandonou o pecado por completo.
Se a alma perseverar, a despeito do pecado, da tentação e
das muitas negligências, nosso Senhor por fim a conduzirá ao por-
to da salvação para o qual Ele, por certo, está me conduzindo.
Digo isso por experiência própria: que aquele que come-
çou a orar jamais pare, mesmo que sua vida piore constante-
mente. A oração é a única maneira de corrigir uma vida, e sem
a oração ela jamais será corrigida. Que essa pessoa não se deixe
ser tentada pelo Diabo como eu fui, a fim de desistir da oração
por se achar indigna. Que ela possa crer que, se tão-somente se
arrepender e orar, nosso Senhor ainda a ouvirá e responderá.
Eu era, por muitas vezes, tomada pelo desejo de que o
tempo separado para a oração terminasse logo. Costumava, na
verdade, ficar com os olhos fitos na ampulheta. E a tristeza que
às vezes sentia ao entrar em minha capela de oração era tão
grande que era preciso reunir toda a minha coragem para pra-
Eu tinha uma irmã que era muito mais velha do que eu.
Sua modéstia e bondade eram grandes, mas nada aprendi com
elas. Infelizmente, aprendi todo o mal de nossa prima, que es-
tava sempre em casa. Ela era tão superficial e frívola que minha
mãe fazia grande esforço para mantê-la fora de nosso lar. Minha
mãe previu a má influência que minha prima poderia exercer
sobre mim.
Mas minha mãe não foi bem sucedida em impedir que mi-
nha prima nos visitasse; havia muitas razões para as suas visitas.
Eu gostava muito de sua companhia; nós conversávamos e fofo-
cávamos juntas. Ela me ajudava em todos os divertimentos que
eu gostava de ter; e, mais importante, encontrava alguns deles
para mim e me comunicava suas próprias vaidades. Eu não a co-
nhecia, quero dizer, ela não havia sido simpática ou conversado
comigo até aproximadamente meus catorze anos.
Àquela altura eu não havia desejado afastar-me de Deus
de maneira deliberada e pecaminosa ou deixar de temê-lo. Por
essa razão, nunca perdi minha reputação (no que diz respeito à
virgindade). Quanto a isso, não havia nada no mundo pelo qual
eu a trocasse, e ninguém no mundo que eu gostasse o bastante a
tudo muito triste, pois ele havia estado quase sete anos em uma
situação de grande perigo no terreno moral, devido à sua paixão
e ao seu contato com uma mulher do lugar. Ele, no entanto,
continuava exercendo suas funções de sacerdote.
O problema se tornou público de modo que sua honra e
seu bom nome foram perdidos, e ninguém se arriscava a falar
com ele sobre isso. Lamentei muito, porque gostava muito dele.
Eu era àquela época muito tola e cega por pensar que ser grata e
leal a quem gostasse de mim era uma virtude. Maldita seja essa
lealdade que chega a tal extremo de se opor à Lei de Deus. Tra-
ta-se de uma loucura comum no mundo e que agora me deixa
furiosa por percebê-la.
Comecei a ter mais informações sobre o caso através de
membros de sua própria família. Fiquei sabendo mais sobre essa
condição desastrosa, e vi que a falha do pobre homem não foi
tão séria, porque a mulher miserável havia tentado seduzi-lo.
Quando soube disso, comecei a demonstrar mais afeição
por ele. Minhas intenções eram boas, mas o ato foi errado. Pois
eu não deveria cometer um erro, por menor que fosse, em nome
de qualquer bem, por maior que esse bem pudesse parecer para
mim. Falei com ele muitas vezes sobre Deus. Isso lhe deve ter
feito algum bem, embora eu creia que aquilo que mais o tocou
tenha sido sua grande afeição por mim.
Em suma, ele rompeu todas as relações com aquela mu-
lher por completo e jamais se cansou de dar graças a Deus pela
luz que Ele lhe havia concedido. Ao final do ano em que o en-
contrei pela primeira vez, ele morreu.
Como disse antes, eu não havia feito nada de errado. Pen-
so que a sua percepção acerca de minha determinação o aju-
dou a ter afeição por mim. Pois creio que todos os homens têm
maior afeição por mulheres nas quais eles vêem disposição para
ser virtuosas (Vida, V).
Até aquela altura, minha vida era minha. Mas, uma vez
que comecei a explicar esses métodos de oração, minha vida
tem sido tal que Deus passou a habitar em mim, ou, ao menos,
foi o que me pareceu.
Quando comecei a evitar o pecado e me dedicar mais à
oração, nosso Senhor começou a derramar Suas graças sobre
mim, na condição de alguém que desejava recebê-las. Sua Ma-
jestade começou a me dar muito freqüentemente a graça da
Oração de Quietude, e muitas vezes também a da União, que
permaneceu por algum tempo. Mas como, naqueles dias, as mu-
lheres haviam caído nas ilusões e enganos cada vez maiores de
Satanás (por exemplo, Madalena da Cruz), comecei a ficar com
medo; temia, porque a alegria e a doçura que eu sentia eram tão
grandes e quase sempre iam além do meu poder de evitá-las. Por
outro lado, senti uma profunda convicção de que Deus estava
comigo, especialmente quando orava. Notei, também, que eu
melhorava e me fortalecia a cada dia.
Mas, após algumas distrações, comecei a temer e a ima-
ginar que talvez fosse Satanás quem estivesse interrompendo
minha compreensão acerca de minha experiência de oração. Eu
cria que ele estava me fazendo pensar que minha experiência
era boa demais a ponto de me privar da oração mental. Eu cria
que Satanás estava também comprometendo minha meditação
sobre a Paixão e me impedindo de usar meu próprio entendi-
mento.
Como eu não entendia o que estava se passando, me senti
totalmente perdida. Uma vez que a última coisa que eu desejava
era ofendê-lO e expressar o quanto eu Lhe devia, esse medo me
deixou obcecada. Ele fez com que eu diligentemente buscasse
pessoas espirituais com quem pudesse discutir meu estado de
espírito. Eu já havia ouvido de falar algumas delas.
Os Padres da Sociedade de Jesus haviam visitado a loca-
lidade, e embora eu não conhecesse nenhum, fui grandemente
atraída por eles. Eu havia ouvido acerca de seu estilo de vida e
de sua prática de oração. Mas não me senti digna de conver-
sar com eles ou forte o suficiente para obedecer-lhes. Isso me
deixou ainda mais temerosa. Seria algo muito difícil para mim
conversar com eles e ainda continuar a ser aquilo que eu era.
Passei mais um tempo nessa condição e, depois de muita
angústia interior e muitas lágrimas, decidi que deveria me con-
fessar a uma pessoa espiritual. Precisava perguntar-lhe qual era
a natureza do tipo de oração que eu estava experimentando, e
pedir que me mostrasse se havia algo de errado nisso. Estava
determinada a não ofender a Deus. Por falta de coragem, no en-
tanto, eu era muito tímida. Que erro terrível de se cometer, em-
bora querendo fazer o bem, eu me afastar dele! Deus me ajude!
Uma vez que não conseguia superar esse dilema, creio que
o Diabo deve ter colocado muita ênfase sobre isso no começo
do caminho da devoção. Ele sabe que o alívio completo da alma
depende da troca de idéias com os amigos de Deus. Eu não tinha
força para fazer isso. Estava esperando endireitar meus cami-
nhos primeiro, e quando abandonei a oração – o que eu jamais
deveria ter feito – comecei a cair no pecado dos pequenos hábi-
tos que me cegavam até mesmo acerca do mal. Eu necessitava
muito da ajuda de outros, e eles poderiam ter me dado a mão
para me erguer. Bendito seja o Senhor! A primeira mão que se
estendeu a mim foi a Tua.
Falaram-me de um clérigo instruído, que morava em Ávi-
la, e cuja bondade e vida piedosa nosso Senhor estava come-
çando a revelar ao mundo. Planejei encontrá-lo por meio de
um nobre consagrado [Francisco de Salcedo se tornou um dos
amigos mais próximos de Teresa. Ele era primo da esposa de um
tio dela.]
Esse nobre era casado, mas sua vida era tão exemplar e
virtuosa, tão repleta de oração e de atos de caridade, que a bon-
dade e a perfeição de sua vida brilhavam em tudo que fazia. Sua
reputação era sólida por causa do grande bem e da bênção que
ele vinha sendo para muitos. Embora se considerasse deficien-
te por ser um leigo, sua vida, no entanto, esteve sempre visi-
velmente relacionada à benemerência. Era muito sábio, sensí-
I. Introdução
III. Desprendimento
uma hora, pois era apegada ao seu próprio bem-estar. Ela come-
çou a passar de largo por suas ações e a dar desculpas a si por
seu pecado. Conforme as razões que deu, pensei que as pessoas a
haviam interpretado mal em algumas coisas. Ela me convenceu
sobremaneira, e quase todos a consideravam uma santa.
Depois de conhecê-la, tive uma visão diferente acerca das
perseguições que dizia ter sofrido. Ela não deveria se apresentar
como sendo livre de toda a responsabilidade. Eu não poderia
invejar seu modo de vida nem a sua santidade. Ela e duas outras
pessoas que eu havia visto em minha vida – que eram santas aos
seus próprios olhos – haviam me aterrorizado mais que todos
os pecadores que conheci. Que nosso Senhor possa, portanto,
nos iluminar para que, seja qual for a maneira como trabalha
o Demônio, ele não as engane do mesmo modo que engana os
que vivem em suas próprias casas (Concepções do Amor Divino,
XI, 242, 243).
V. Tentação e humildade
cá-la ou se aquilo que disse não fizer sentido, essa pessoa, com a
experiência, compreenderá.
Na teologia mística, a compreensão cessa suas ações, por-
que Deus as suspende. Mas não podemos imaginar que sejamos
capazes de promover essa suspensão. Isso não deve ser feito.
Nem podemos permitir que a compreensão cesse suas ações.
Neste caso, seremos tolos e frios, e o resultado não será nem um
nem outro. Mas, quando nosso Senhor suspende a compreensão
e faz com que ela cesse suas ações, Ele coloca diante dela aquilo
que a espanta e a ocupa. Sem fazer qualquer reflexão, a mente
então é capaz de compreender, em um momento, mais do que
compreenderíamos em todos os nossos anos, e com todos os es-
forços do mundo.
Eu repito meu conselho. É muito importante que não ten-
temos elevar nossos espíritos por nós mesmos, se Deus não os
elevar por nós. Se ele assim o fizer, não haverá nenhum equí-
voco.
Para as mulheres isso é particularmente errado, porque o
Demônio pode iludi-las. Eu estou certa, no entanto, que nos-
so Senhor nunca permitirá que magoemos ninguém enquanto
nos esforçarmos em nos aproximar de Deus com humildade. Ao
contrário, tiraremos mais benefícios e vantagens a partir da ten-
tativa de Satanás de nos ferir por meio da humilhação. Tenho
me dedicado a este assunto há um bom tempo por causa de sua
importância (Vida, XII).
A visão de Deus
A Oração do Senhor
implora a Ele agora que perdoe nossas dívidas, assim como per-
doamos aos nossos devedores. Continuando em Sua oração, Ele
usa estas palavras: “e perdoa as nossas dívidas, assim como per-
doamos aos nossos devedores”. Notem que Ele não diz, “assim
como perdoaremos”. Ao contrário, já tendo renunciado em prol
da vontade de Deus e tendo recebido o grande dom da petição
anterior, essa pessoa já perdoou às outras.
Quem quer que já tenha dito, “seja feita a Tua vontade”,
já deve ter sido perdoado também. Mas quem quer que esteja
decidido em oração a perdoar e se levanta dela sem ter perdoado,
não pensa muito sobre a oração. De fato, o mais autêntico teste
de nossa oração é se fazemos ou não a vontade de Deus, incluindo
o espírito de perdão (Caminho de Perfeição, XXXVII).
Aqueles, no entanto, que se elevam aos mais altos pa-
tamares espirituais necessitam mais que nunca vigiar para não
cair. Para que não sejam enganados sem que percebam, Ele
acrescenta esta petição aos que estão vivendo nesta terra de
exílio: “e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do
mal.” O Diabo pode nos causar muito dano, sem que perceba-
mos, ao fazer-nos crer que temos virtudes que não possuímos.
Este engano é uma terrível moléstia, pois passamos a não ad-
quirir a virtude que pensamos já possuir. E assim prosseguimos,
embalados por uma falsa segurança, e caímos na vala da qual
não conseguimos sair. Trata-se de uma tentação muito perigosa.
O melhor remédio contra ela é a oração, a súplica a nosso Pai
Eterno, para que não nos deixe cair em tentação (Caminho de
Perfeição, XXXIX).
[Teresa então fala de outras tentações, tais como pensar
que somos realmente pobres, ou muito humildes, quando esta-
mos nos enganando a nós mesmos].
Não deixe que a sua alma se esconda em um canto, pois,
ao invés de adquirir mais santidade, ela contrairá muitas imper-
feições, através das quais o Diabo a possuirá em todos os seus
caminhos. Aqui, portanto, vocês observam como essas duas vir-
I. Introdução
V. Água da fonte
Pode ser que tudo que digo soe confuso. Temo por isso.
Penso que estava falando sobre consolações espirituais e ten-
tando explicar como às vezes elas estão amarradas a nossas pai-
xões [assim como a água de um canal pode ser suja]. Elas fre-
qüentemente causam acessos de soluço. Ouvi de algumas pes-
soas portadoras de contrações causadoras de dores no peito que
não podem controlar, ou outras que têm sangramentos nasais
extremos ou produzem sintomas similares desconcertantes.
Sobre tudo isso nada posso dizer, pois não tenho experiên-
cia. Mas deve haver alguma causa de conforto nessas coisas.
Tudo isso leva a um intenso desejo de agradar a Deus e desfrutar
de Sua Majestade.
Aquilo que chamo de “consolações de Deus” e que em
outro lugar denominei de “Oração de Quietude” é algo de na-
tureza muito diferente. Aquelas dentre vocês que, pela graça de
Deus, têm experimentado isso, saberão.
Para entender melhor, suponham que estamos olhando
para duas fontes, cujas bacias podem ser cheias de água [Aqui
Teresa está pensando em duas bacias grandes de mármore orna-
mental que eram muito comuns nos quintais de estilo mouris-
co das casas espaçosas na Espanha de seus dias]. Não encontro
comparação mais apropriada para explicar realidades espirituais
que esta da água. Registro isto porque tenho muito pouco co-
nhecimento e minha habilidade é de pouca utilidade. No en-
tanto, por amar muito esse elemento que tenho considerado
mais profundamente que outros, usemos a analogia. Eu a tenho
observado com mais atenção que qualquer outra.
Essas duas cisternas são supridas por água de modos dife-
rentes. Uma recebe água à distância, por meio de vários canos e
com habilidade humana. Mas a outra foi construída na fonte de
água, ou seja, sobre uma nascente, que enche o recipiente sem
qualquer ruído. Se a nascente é abundante, como é a de que
Carta VII: ao ilustríssimo Dom Alonso Velasquez,
bispo de osuna
meios. Embora seja por muito pouco tempo, penso que será mais
benéfico que desfrutar da glória eterna.
Vossa serva e filha indigna de Vossa Senhoria.
Teresa de Jesus
alma possa ter nEle. Isto, embora a alma seja capaz de desfrutá-
lo, assim como o cristal reflete a luz do sol.
Quando a alma está em uma situação como essa, não se
beneficia de coisa alguma. Por conseguinte, quando cai em pe-
cado, nenhuma das boas obras que ela possa fazer terá qualquer
utilidade para conceder-lhe glória, pois o pecado não tem sua
origem no princípio da graça, que é o de que Deus somente, que
é a causa de nossa virtude, é Ele mesmo virtuoso. Estar separado
dEle significa que não podemos agradá-lO de modo algum. Na
verdade, o propósito de qualquer um que cometa pecado é agra-
dar o Demônio, que é a escuridão encarnada, e não Deus. Desse
modo, a pobre alma se torna ela mesma escuridão.
Conheço alguém a quem nosso Senhor quis mostrar como
é para uma alma estar em pecado [novamente, a própria Teresa].
Esse alguém diz que se as pessoas realmente compreendessem
o estado pecaminoso, não cogitariam a possibilidade de pecar.
Seria ao menos impossível pecar deliberadamente, por mais que
a alma fosse testada da maneira mais severa. O Senhor deu a
ela um forte desejo de que todos pudessem perceber isso. Que
Deus possa dar a vocês, filhas, o desejo de implorar a Ele fervo-
rosamente por todos os que estão nesse estado, que se tornaram
escuridão total, e cujas obras também se tornaram escuridão.
Assim como todos os riachos que brotam de uma nascente
limpa são limpos, assim é uma alma em estado de graça. Porque
os riachos que têm origem nessa fonte de vida, uma fonte na
qual a alma é plantada como uma árvore (Salmo 1.3), são mais
agradáveis aos olhos de Deus e do homem. Mas não haveria
nenhum refrigério, nenhuma frutificação, se não fosse por essa
fonte que sustenta a árvore do homem justo. Ela impede que a
alma seque, e a ajuda a produzir bons frutos.
Em contraste, a alma que deliberadamente se separa dessa
fonte só pode estar plantada em uma poça de água suja e estag-
nada, de onde brotam igualmente riachos imundos e fétidos.
Mas, devemos entender de maneira clara que essa fonte e esse
A Importância da Perseverança
Consideremos agora os tipos de alma que entram nas Se-
gundas Mansões e o que elas fazem ali.
Esta seção tem a ver com as que já começaram a praticar
a oração e que percebem a importância de não permanecer nas
disse, “ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (João 14.6).
Não sei se são exatamente estas as palavras, mas penso que são.
Ele também acrescenta, “quem me vê, vê o Pai” (João 14.9).
Agora, se nunca olharmos para Cristo, nem considerar-
mos o quanto devemos a Ele, não vejo como poderemos co-
nhecê-lO ou realizar obras em Seu nome, pois que valor pode
ter a fé sem essas coisas, e que valor podem ter essas coisas, se
não estão unidas aos méritos de Cristo? Nem podemos saber
quem pode nos estimular a amar esse Senhor. Que Sua Majes-
tade nos faça saber como custamos a Ele um alto preço, e que
“o discípulo não está acima do seu mestre” (Mateus 10.24).
Devemos trabalhar a fim de desfrutar de Sua glória, e por esta
razão devemos também orar, para que não caiamos em tenta-
ção (Mateus 26.41).
O castelo interior –
parte 2
As quartas mansões: a oração de quietude e o princípio
de um encontro pessoal com o Deus vivo
Sou tentada a pensar que seria melhor não dizer nada sobre es-
sas Mansões que restam, pois não há nenhuma maneira de des-
crevê-las. O intelecto é incapaz de compreendê-las, e nenhuma
comparação pode ajudar a explicá-las. As coisas terrenas são
muito grosseiras para um propósito como esse.
Ó meu Senhor! Envia luz do Céu para que eu possa es-
clarecê-las, Tuas servas, uma vez que a Ti aprouve que algumas
delas desfrutem desses deleites. Ilumina algumas delas para que
não sejam enganadas pelo Demônio, que se transforma em anjo
de luz, pois o único desejo delas é agradar a Ti.
Embora eu tenha dito “algumas”, há somente poucas que
entram dentro das Mansões sobre as quais não irei falar. Há
vários degraus, e, por essa razão, digo que a maioria entrará nas
Mansões anteriores, mas creio que somente poucas irão adiante
e experimentarão as Quintas Mansões. No entanto, mesmo que
alcancem somente o lado externo do portão, Deus estará ainda
lhes mostrando um grande favor. Embora muitos sejam chama-
dos, poucos são os escolhidos (Mateus 22.14).
E então eu digo agora que, embora todas usemos este há-
bito sagrado do Carmelo e sejamos todas chamadas à oração e à
contemplação (porque esta era a nossa Regra no princípio, que
aqueles santos padres do Monte Carmelo escreveram; eles adqui-
riram este tesouro e esta jóia preciosa sobre a qual agora falamos
por meio de grande solidão e de desprezo ao mundo), no entanto,
poucas dentre nós se dispõem a ponto de o Senhor descobrir que
essa jóia de contemplação é nossa característica. Externamente
podemos nos apresentar com tudo que é necessário. Mas, na prá-
tica das virtudes que são necessárias para se chegar a esse estado,
carecemos de muitas coisas. Assim, não podemos nos dar o luxo
de ser negligentes em nenhum detalhe.
Desse modo, minhas irmãs, imploremos com sinceridade
a nosso Senhor que possamos de algum modo desfrutar do Céu
na Terra; que Ele nos conceda Sua graça e nos mostre o cami-
nho, para que não o percamos por causa de nossa transgressão.
Que Ele dê força à nossa alma para capacitar-nos a cavar até que
encontremos o tesouro escondido que está, certamente, dentro
de nós. Gostaria de explicar isso, se o Senhor me permitir. Eu
disse “força à alma” a fim de que saibam que, com respeito à
força física, não há nenhum obstáculo para aquele a quem o
Senhor não a concede. Ninguém está impedido de adquirir Sua
riqueza. Se alguém dá aquilo que tem, Deus fica satisfeito. Ben-
dito seja um Deus assim tão grande!
Reflitam, no entanto, minhas filhas, que, a fim de obte-
rem esse objeto do qual estamos falando, Ele não deseja que
vocês retenham nada, quer pequeno, quer grande. Ele quer o
nosso tudo, e, na proporção com que sabem que têm dado, Ele
lhes concede benefícios maiores ou menores. Não há prova
maior que esta para descobrir se chegamos à oração que alcança
a união. Não pensem nela como um estado, como o último,
no qual sonhamos. Digo “sonhamos” porque a alma parece es-
tar como que prostrada, nem adormecida, nem acordada. No
entanto, nesse sonho, está completamente desperta para Deus,
embora dormindo para as coisas mundanas e para nós mesmas,
pois, na verdade, durante o pouco tempo que dura, a alma está
quase desmaiada e incapaz de pensar em qualquer coisa, mesmo
que desejasse.
Ó segredos maravilhosos de Deus! Nunca irei me can-
sar de tentar explicá-los, mas sei que nunca conseguirei. Direi
então milhares de tolices, conquanto me ocorra tocar em um
ponto importante. Mas eu disse que não era um sonho, pois, nas
Mansões anteriores, até que a experiência da alma seja grande,
fica a dúvida acerca daquilo que realmente aconteceu, se ela
teve um desejo, se estava adormecida, se a experiência veio de
Deus ou se o Demônio se transformou em um anjo de luz. Em
resumo, a alma tem milhares de suspeitas; e é bom que tenha,
uma vez que a nossa natureza pode por vezes nos enganar.
Nessas Mansões não há muito espaço para que entrem
coisas venenosas, embora os lagartos mais finos talvez consigam.
que permanecem dentro dela e dos quais irei falar mais adiante.
O que importa agora é a convicção.
Como a alma vê essa verdade ou a compreende? Minha
resposta é que a alma não a viu no momento, mas depois, e
de maneira bem clara, pois ela não foi tanto uma visão, mas
mais uma convicção que permanece na alma e que somente
Deus pode plantar dentro dela. Conheci alguém que não sabia
que Deus estava em todas as coisas por meio de Sua presença,
poder e essência. Por meio de uma experiência desse tipo, que
foi recebida da parte de Deus, no entanto, ela passou a crer
firmemente, e um dos homens pouco instruídos sobre quem eu
já falei respondeu que Deus estava ali apenas pela Sua graça.
Contudo, a verdade estava tão fixada no seu interior, que ela
não acreditou nele. Posteriormente, ela perguntou a outros que
lhe disseram que a verdade que a confortou excedia!
Mas não se enganem pensando que essa convicção tenha
qualquer coisa a ver com uma forma corpórea. Deus não está
presente dessa maneira, mas somente por meio de Sua divinda-
de. Você pode perguntar novamente, no entanto, como posso
ter certeza se não a vejo? Não sei, porque isso é obra dEle. Mas
sei que aquilo que digo é verdadeiro. A todo aquele que não tem
essa convicção, tudo o que posso dizer é que não experimentou
essa união da alma com Deus.
Em todas essas questões não devemos buscar as razões
como elas são feitas, uma vez que o nosso entendimento não
pode compreendê-las. Por que então deveríamos trabalhar em
vão e nos inquietar sobre isso? É, por certo, suficiente saber que
Ele, que é Todo-Poderoso, fez isso. Com relação àquilo que eu
estava dizendo sobre a nossa inabilidade de fazer qualquer coisa,
lembro o que ouvi a noiva dizer em Cântico dos Cânticos: O
Rei “levou-me à sala do banquete” (Cântico dos Cânticos 1.4;
2.4). O texto não diz que ela foi. Ele também nos diz que ela
estava vagando em todas as direções, procurando por seu Ama-
do (Cântico dos Cânticos 3.2). Por “sala do banquete” entendo
Deus. Ela vem de uma semente que não é maior que pequenos
grãos de pimenta. Nunca vi isso, só ouvi a respeito, assim, se a
informação estiver incorreta em qualquer aspecto, a culpa não
é minha. Quando chega o verão e as folhas começam a apa-
recer na amoreira, as sementes começam a brotar. Até então,
estavam mortas. As larvas da seda se alimentam das folhas da
amoreira até que estejam totalmente desenvolvidas, e é então
que ramos são colocados de modo que, com suas bocas minús-
culas, as larvas podem começar a girar a seda, fazendo pequenos
casulos compactos nos quais elas se alojam. A larva da seda, que
está gorda e feia, então morre, e em seu lugar uma bela borbole-
ta branca sai do casulo.
No entanto, quem creria nisso, uma vez que não vimos o
que aconteceu? Isso nos foi contado como tendo ocorrido em
muitas ocasiões e em diferentes países. Sem essa evidência, a
nossa razão poderia compreender que uma criatura tão vazia de
raciocínio como um bicho da seda ou uma abelha fossem tão
diligentes e aplicados no trabalho pesado em nosso benefício?
Na verdade, a pequena e pobre larva perde a sua vida nesse tra-
balho. Por ora, que isso lhes possa servir, irmãs, como uma me-
ditação por um período de tempo, sem eu ter de dizer nada mais
sobre isso, pois é por meio dessa ilustração que vocês podem ter
alguma idéia das maravilhas e da sabedoria do nosso Deus.
O que então deveríamos fazer se fôssemos entender a pro-
priedade de todas as coisas criadas? É muito proveitoso para nós
estarmos ocupadas em meditar nessas maravilhas, e em nos ale-
grarmos em ser as esposas de um Rei tão sábio e poderoso.
Mas retornemos agora àquilo que estava dizendo e apli-
quemos a nós a comparação que mencionei. Essa larva passa
a ter vida quando, aquecida pelo Espírito Santo, começa a fa-
zer uso dessa ajuda geral que nosso Senhor dá a todos e a tirar
vantagem dos remédios que Deus deixou em Sua igreja. Esses
remédios incluem os sacramentos, a leitura de bons livros e a
apreciação de bons sermões, pois eles são poderosos para uma
por nós a fim de que essa alma possa saber que é dEle. Ele lhe
dá a mesma imagem que Seu Filho teve nesta vida, o que é um
favor extremamente grande.
Quem mais desejaria deixar esta vida do que Ele? Assim,
ele declarou na ceia: “desejei ansiosamente...” (Lucas 22.15).
A morte dolorosa que Tu estavas prestes a morrer apresentou-
se a Ti, ó Senhor, como algo tão atroz e terrível? “Não, porque
Meu grande amor e Meu desejo de que as almas fossem salvas
transcendeu todas as dores acima de qualquer comparação. Na
verdade, as muitas coisas terríveis que sofri desde o tempo em
que vivi no mundo e que ainda continuo sofrendo são tão gran-
des que, comparadas a elas, não são nada.”
Sempre pensei sobre isso, sabendo quais os grandes tor-
mentos que uma certa alma que conheço suportou e ainda su-
porta por ver Deus sendo ofendido. Na verdade, essa alma pre-
feriria morrer a continuar suportando isso. Se essa alma, quando
comparada a Cristo, tem tão pouco amor e, no entanto, suporta
uma dor intolerável pelo pecado, o quanto Cristo, nosso Se-
nhor, deve ter sofrido? E que vida deve ter vivido, tendo todos
os Seus sofrimentos postos diante dEle, sempre contemplando
os terríveis crimes que seriam cometidos contra Seu Pai? Creio
piamente que eles foram muito maiores do que aqueles que Ele
suportou em Sua mais sagrada paixão, pois nela Ele viu o fim
deles.
A alegria de Cristo ao ver a nossa redenção adquirida por
meio de Sua morte e ao testificar o amor que tinha por Seu Pai
ao sofrer tanto por Ele, sem dúvida diminuiu a Sua dor. É o mes-
mo que acontece aos homens neste mundo que, através da força
do amor, podem fazer grandes penitências e quase não as sentir.
Na verdade, gostariam de fazer mais e mais, porque tudo parece
pequeno para eles. O que então teria sentido Sua Majestade
quando se viu capaz de provar a Seu Pai Sua perfeita obediência
ao viver o amor ao Seu próximo? Oh, o grande prazer de sofrer
por fazer a vontade de Deus!
ço. Não! Sua Majestade deseja tão profundamente que ela não
deve ser perdida que, de muitas maneiras, dará à alma centenas
de advertências interiores a fim de que evite o perigo.
A conclusão de todo este discurso é que devemos sem-
pre nos esforçar para seguir adiante e temer ao extremo quando
não seguimos, pois não há dúvida de que se a alma cessar de
ir adiante, o Demônio tentará apanhá-la. Isto porque o amor
não pode nunca ficar ocioso. Portanto, não progredir é um mau
sinal, porque uma alma que tenha decidido se tornar esposa de
Deus, que já tenha conversado intimamente com Sua Majesta-
de, e agora chegou ao ponto mencionado anteriormente, não
pode se deitar e dormir novamente.
A fim de que possam ver, filhas, aquilo que o Senhor faz
por essas almas a quem escolheu por Suas esposas, comecemos
agora a pensar sobre as Sextas Mansões. Vocês verão como é
realmente leve todo o serviço que Lhe podemos prestar, ou todo
o sofrimento que podemos suportar por Ele, e toda a prepara-
ção que podemos fazer por esses grandes favores. Talvez tenha
sido a vontade de nosso Senhor que eu tenha sido incumbida
de escrever esta obra a fim de que esqueçamos nossos prazeres
terrenos triviais e fixemos os nossos olhos na recompensa. Con-
siderem quão infinita é a misericórdia que O faz tão desejoso
de se comunicar com larvas que somos. Assim, incendiadas por
esse Seu amor, correremos a prova com os nossos olhos fixos em
Sua grandeza.
Que Ele me ajude a explicar algo dessas coisas difíceis,
pois, a menos que Sua Majestade guie a minha pena, sei muito
bem que é impossível escrever. Se aquilo que eu disser não as
ajudar, imploro a nosso Senhor que não me permita dizer coisa
alguma, pois Sua Majestade está ciente de que, até onde eu sei,
não tenho nenhum outro objetivo senão que Seu nome seja
louvado.
Esforcemo-nos, então, para servir a um Senhor que nos
recompensa abundantemente ainda nesta vida. Que Ele nos
ajude a formar alguma idéia daquilo que Ele nos dará no Céu,
onde todos os perigos e trabalhos entediantes que hoje nos cer-
cam e nos afligem não mais nos perturbarão. Que prazer seria
para nós continuar trabalhando para um Deus, Senhor e Esposo
tão grande sem o medo do perigo de perdê-lO ou ofendê-lO.
Que Sua Majestade permita que possamos merecer prestar a Ele
um serviço sem tantas imperfeições, as quais estamos sempre
repetindo, mesmo em nossas boas obras. Amém.
O castelo interior –
parte 3
F
alemos agora com a ajuda do Espírito Santo, sobre as
“Sextas Mansões”, as Mansões nas quais a alma foi feri-
da pelo Esposo. Buscando mais que nunca a solidão, a alma tenta
renunciar a tudo que a possa perturbar em seu isolamento. Essa
visão dEle (mencionada nas Mansões anteriores) impressionou
tanto a alma que todo o seu desejo é desfrutar dela de novo. In-
sisto que nada que é visto nessa oração pode propriamente ser
chamado de “visionário”, pois ela não é algo que se imagine. Eu a
chamo de visão por conta da comparação que uso.
A alma está agora determinada a não escolher outro Es-
poso. Parece, no entanto, que o Esposo está desconsiderando
seus anseios pela consumação das núpcias. Isso porque o Noivo
anseia que a alma deseje o noivado mais intensa e profunda-
mente, pois quer que essa bênção ultrapasse todas as coisas em
sua riqueza. Tudo o mais possui pouca importância se compara-
do à grandeza dessa bênção, filhas. A prova e a segurança que ela
tem de possuir esse ganho são mais que suficientes para capacitá-
la a suportar o seu adiamento.
Ó meu Deus, que sofrimento no interior e no exterior da
vida deve ser suportado antes que possamos entrar nas Sétimas
Mansões! Quando realmente penso nelas, às vezes temo que, se
tivéssemos antecipado sua intensidade, teria sido extremamente
difícil para nós, fracas que somos, ter a determinação suficiente
que nos capacitasse a suportá-las ou a firmeza suficiente para
sofrê-las. E isso é verdade, mesmo quando temos a vantagem de
saber que, quando alcançarmos as Sétimas Mansões, não haverá
mais nada a temer. Mas penso ser correto e apropriado men-
cionar-lhes algumas dessas preocupações que, por certo, sei que
serão enfrentadas. Talvez nem todas as almas sejam conduzidas
dessa maneira, embora eu duvide muito que aquelas que às ve-
zes desfrutem tão verdadeiramente de coisas celestiais possam
viver livres das provações terrenas de um tipo ou de outro.
Percebo que, ao falar sobre essas provações, posso dar con-
solo a alguma alma em situação semelhante se ela for capaz de
compreender aquilo que está acontecendo àqueles a quem Deus
concede esses favores. Caso contrário, alguém poderia pensar
que tudo estava perdido. Não irei narrar essas dificuldades na
ordem em que ocorrem, mas conforme vêm à minha memória.
Começarei com a menor delas. Isso surge do clamor que
algumas pessoas fazem quando uma alma tem de enfrentar aqui-
lo que essas pessoas pensam dela e o seu julgamento sobre ela,
embora ela não as conheça ou tenha se comunicado com elas.
Elas dizem, “ela pensa que está se tornando uma santa!” ou “ela
só está chegando a esses extremos a fim de fazer com que to-
dos pareçam menos espirituais que ela, quando, na verdade,
são cristãos melhores sem essas extravagâncias”. O que elas não
percebem é que isso é requerido de quem busca a Deus com
sinceridade.
As pessoas que ela pensou serem suas amigas se afastaram
dela, e assim, as que a afligem mais são aquelas que pensam e
carne, não habite nenhum bem”, o bem que pode ser achado é
verdadeiramente dom de Sua Majestade. Assim, a alma irrompe
em louvor como que contemplando o bem em uma terceira pes-
soa que não ela mesma. A terceira razão é que, tendo visto como
outros têm sido auxiliados ao reconhecer os favores que Deus
lhes tem concedido, a alma pode mudar de postura e assumir que
são as suas virtudes que devem ser valorizadas. Na realidade, é
claro, as coisas não são assim. A quarta razão é que, ao continuar
apreciando a honra e a glória de Deus mais que a sua própria
glória, a alma não é mais tentada a pensar que essas frases que
causaram mal a outros causarão mal a ela. A alma fica então li-
vre da preocupação relacionada à sua reputação, conquanto isso
seja para o louvor da glória de Deus, venha como vier.
Essas e outras razões diminuem o constrangimento que
é estimulado por esses louvores falsos, embora sempre alguma
angústia seja ainda sentida. Somente quando a alma não dá
atenção nenhuma a eles é que está livre. Na verdade, ter a alma
publicamente valorizada sem razão é uma provação bem maior
que qualquer daquelas já mencionadas. Uma vez que a alma te-
nha aprendido a cuidar pouco de sua reputação, ela se importa-
rá muito menos com a outra provação. Na verdade, ela se alegra
e vê essa provação como a mais agradável das músicas. Isso é
realmente verdade, pois a alma é fortificada e não desanimada,
uma vez que a experiência tem agora lhe ensinado o grande
benefício que ela obtém nesse processo.
Parece à alma que essas pessoas não estão ofendendo a
Deus em sua perseguição, mas que realmente Sua Majestade
está permitindo essas provações para o seu maior benefício. Ela
observa isso claramente, e, portanto, pode ter um amor terno,
especial e profundo por elas de modo a considerá-las como suas
melhores amigas. Elas são, de fato, mais benfeitoras que aqueles
que falam bem da alma.
Nosso Senhor está também acostumado a enviar à alma
doenças dolorosas. Essa é uma provação muito mais severa, es-
servido, pois é através desses favores sublimes que Ele lhe comu-
nica que ela descobre muito mais da grandeza de Deus. Ela fica
impressionada diante de Sua ousadia. Lamenta seu desrespeito.
Sua conduta parece tão tola que ela nunca cessa de lamentá-la,
pois se lembra das coisas tão vis que a fizeram desertar de tão
grande Majestade.
A alma pensa mais nessas coisas do que nas bênçãos que
tem recebido, as quais, embora sejam tão grandes, parecem
como o volume central de água em um riacho que corre rápido,
removendo-as o tempo todo. Seus pecados, no entanto, tam-
bém se assemelham ao fundo enlameado que permanece em sua
memória, que é uma cruz pesada para ela.
Não considero seguro para a alma, por mais que ela pos-
sa ser favorecida por Deus, esquecer como esteve por vezes em
uma condição miserável. Embora seja um pensamento doloro-
so, ele, no entanto, em muitos sentidos é de grande vantagem.
Porque tenho sido tão pecaminosa, talvez seja essa a razão pela
qual isso esteja sempre diante de mim e a lembrança desse fato
esteja sempre em minha mente. Aqueles que têm sido bons não
têm nada que lamentar, embora sempre há de haver imperfei-
ções enquanto vivermos nesse corpo mortal.
A dor não é aliviada ao considerarmos que nosso Senhor
já perdoou nossos pecados e os esqueceu. Ela, ao contrário, au-
menta, pois contempla a grande bondade e misericórdia dis-
pensada a alguém que não merece outra coisa senão o inferno.
Penso que esse tenha sido o grande sofrimento que Pedro e Ma-
ria Madalena suportaram, pois, como possuíam um amor muito
intenso, haviam recebido muitos favores e conheciam a gran-
deza e a majestade de Deus, a lembrança de seus pecados deve
ter sido uma grande aflição para eles. Eles devem tê-la sentido
muito dolorosamente.
Vocês podem igualmente imaginar que alguém que desfrute
de favores tão elevados não precise meditar sobre os mistérios da
mais sagrada humanidade de Cristo, nosso Senhor. Não estaria a
mesmo modo. Mas essa apresentação foi tão diferente que a dei-
xou totalmente desarmada e assombrada, pois essa visão veio com
grande força e com palavras que Ele mesmo falou. No interior de
sua alma, onde Ele se revelou a ela, ela nunca antes havia experi-
mentado visões assim como essas, pois vocês devem entender que
há uma enorme diferença entre esta e as Mansões anteriores. A
diferença é tão grande como a que existe entre aqueles que estão
noivos e os que estão verdadeiramente casados.
Já mencionei que, embora essas analogias sejam usadas
porque nenhuma outra mais apropriada pode ser encontrada, é
preciso que se entenda que aqui o corpo não é mais lembrado
senão pelo fato de que a alma estava fora dele. Entre o casa-
mento espiritual e o corpo há ainda menos conexão, pois essa
união secreta é realizada no interior central do castelo da alma,
que deve certamente ser onde o próprio Deus reside. Nenhuma
porta é necessária para se entrar.
Em tudo o que disse até aqui, os efeitos parecem ser causa-
dos por meio dos sentidos e das faculdades, e as representações
da humanidade de nosso Senhor devem, por certo, ser dessa
natureza. Mas o que ocorre na união do casamento espiritual é
muito diferente, pois aqui nosso Senhor aparece no centro da
alma, não por meio de imagens, mas na convicção da fé. Essa
aparição é mais sutil que aquelas que mencionei anteriormente.
Ele aparece, assim como fez aos apóstolos, sem entrar pela porta,
quando disse a eles: “Paz esteja com vocês” (João 20.19-22).
O que Deus comunica aqui à alma em um instante é um
segredo tão íntimo, uma graça tão sublime, que a alma sente
enorme alegria que não se compara a nada que eu conheça.
Tudo o que posso dizer é que nosso Senhor Se agrada, naquele
momento, de revelar à alma a glória que há no Céu. E isso Ele
faz de um modo mais sublime do que aconteceria por meio de
qualquer visão ou outro deleite espiritual.
Mais não pode ser dito ou compreendido do que o fato de
que essa alma se torna uma com Deus. Sendo Ele mesmo um
Conclusão
1. Por mais fértil que um solo duro possa ser, ele só produ-
zirá cardos e espinhos; assim é com a mente do homem.
2. Sempre fale bem das coisas espirituais.
3. Quando estiver no meio de uma multidão, fale pouco.
4. Seja modesto em tudo o que fizer e disser.
5. Nunca contenda vigorosamente, especialmente em as-
suntos que são de pouca importância.
6. Fale a todos com alegria comedida.
7. Nunca tenha desprezo por ninguém.
8. Nunca reprove ninguém, exceto, discreta e humilde-
mente e com senso de nossa própria inadequação.
9. Acomode-se ao humor da pessoa com quem está fa-
lando. Alegre-se com os que se alegram e chore com os que
choram. Em resumo, faça-se de tudo para com todos os homens
a fim de ganhar a todos (I Coríntios 9.22).
10. Nunca fale sem pesar cuidadosamente suas palavras,
e recomende-as zelosamente a nosso Senhor no caso de dizer
alguma coisa que O desagrade.
11. Nunca peça desculpas por você, exceto quando for
muito provável que esteja certo.
12. Nunca mencione coisa alguma sobre si com respeito
àquilo que mereça elogio como formação escolar, suas virtudes
ou sua posição social, a menos que espere que algum benefício
possa advir disso. Assim, se você falar sobre essas coisas, faça-o
com humildade, e sempre lembre que esses dons vêm das mãos
de Deus.
13. Nunca exagere, mas expresse suas opiniões com mo-
deração.
14. Em todas as suas conversas e diálogos, tente sempre
introduzir temas espirituais. Desse modo você evitará palavras
fúteis e caluniadoras.
15. Nunca seja dogmático, a menos que esteja certo de
que é verdade.
16. Nunca se ofereça para dar sua opinião sobre nada a
menos que alguém a peça, ou exija que a dê.
17. Quando alguém falar com você sobre questões espiri-
tuais, ouça humildemente, como um discípulo, e aplique à sua
vida todas as coisas boas que ouvir.
18. Revele a seu diretor espiritual todas as suas tentações
e imperfeições bem como suas dificuldades, para que ele possa
aconselhá-lo e ajudá-lo a encontrar remédio para vencê-las.
19. Não permaneça fora de si mesmo. Saia somente por
alguma boa razão. Quando sair, peça graça a Deus para não
ofendê-lO.
20. Não coma ou beba, exceto em ocasiões apropriadas, e
então sempre dê graças a Deus de coração.
21. Faça tudo como se realmente estivesse na presença
de Sua Majestade, pois desse modo grande será o seu benefício.
22. Não escute coisas ruins ou fale mal de ninguém, exce-
to para a avaliar apropriadamente a si mesmo. Quando começar
a agir assim, estará fazendo progresso espiritual.
23. Toda ação que fizer, ofereça a Deus. Ore também para
que ela promova Sua honra e glória.
24. Quando estiver contente, não expresse sua alegria rindo
em excesso. Que ela seja humilde, modesta, afável e edificante.
25. Imagine-se como sendo servo de todos. Considere
Cristo nosso Senhor em tudo o que fizer. Assim, mostrará aos
outros respeito e reverência.
Nada te turbe.
Nada te espante.
Tudo passa.
Deus é imutável.
A paciência tudo alcança.
Quem tem a Deus nada lhe falta.
Só Deus é o bastante.
Cartas de Teresa
sações tão tolas contra as freiras que eu riria delas, não estivesse
tão profundamente preocupada que o Demônio pudesse criar
estrago a partir delas. Tais acusações, se fossem verdadeiras, se-
riam monstruosas, considerando o hábito que trajamos.
Eu imploro a Vossa Majestade, por amor de Deus, que
não permita que essas acusações escandalosas sejam feitas dian-
te de um tribunal de justiça. Se elas ocorrerem, o mundo pode
ser levado a crer que tenhamos feito algum mal, embora nossa
inocência seja estabelecida.
A reforma da Ordem que até aqui tem sido tão abençoada
pela bondade divina poderia ser seriamente prejudicada por uma
suspeita, por mínima que fosse. Vossa Majestade poderá chegar
a uma conclusão sobre o assunto se ler esse atestado que padre
Gracian pensou ser apropriado escrever com relação a esses mo-
nastérios. Ele inclui um testemunho daqueles que têm contato
com as freiras, que são pessoas de muita reputação e santidade.
Além disso, uma vez que o motivo daqueles que escre-
veram esse relatório pode ser facilmente descoberto, imploro
a Vossa Majestade que examine o assunto, porque a honra e a
glória de Deus estão sendo questionadas, pois, se os nossos ini-
migos virem que alguma atenção é dada às suas acusações, não
hesitarão em evitar uma visitação, para acusar de herege todo
aquele que decidir fazê-la. Isso não seria difícil de acontecer
onde não há temor de Deus.
Eu me solidarizo totalmente com os sofrimentos desse
servo de Deus que os suporta com paciência e coragem. Isso me
leva a implorar a Vossa Majestade que o coloque sob sua prote-
ção ou que remova a origem desses perigos, pois ele pertence a
uma família que é muito leal a Vossa Majestade. Apesar dessa
consideração, ele possui grandes méritos próprios. Eu o conside-
ro um homem enviado por Deus.
Eu permaneço uma serva e súdita indigna de Vossa Ma-
jestade.
Teresa de Jesus
Não consigo lembrar mais. Eu lhe digo que devo ter sido
muito inteligente quando escrevi essas linhas! Deus lhe perdoe,
pois foi você que me fez gastar meus parcos recursos desse modo;
e, no entanto, essas estrofes podem suavizar seu coração e esti-
mular nele alguma devoção. Não fale deles a ninguém. Dona
Guiomar e eu estávamos juntas na ocasião. Dê-lhe as minhas
saudações.
Teresa de Jesus
especialmente quando foi para Oxford pela primeira vez como es-
tudante. Ele achou os estudos ali “uma interrupção ociosa e inútil
de estudos proveitosos, horrível e intensamente superficial.”9
Mas Wesley ficou encantado com o Discurso sobre a Simpli-
cidade, do Cardeal Fenélon; a obra deu a ele a percepção de que
a simplicidade é “aquela graça que força a alma a deixar todas as
reflexões desnecessárias e voltar-se para si mesma.”10 Em férias, sua
amiga e guia espiritual, Sally, deu a ele uma cópia do livro de Jere-
my Taylor, Regra e Exercício do Santo Viver e Morrer. Ele admite que
essa obra “selou definitivamente minha prática diária de registrar
minhas ações (que eu tenho fielmente continuado até o presente
momento), e que me levou, mais tarde, a prefaciar aquele primeiro
Diário com as regras e resoluções de Taylor. Isso me ajudou a desen-
volver um estilo de introspecção que me manteria em constante
contato com a maioria de meus sentimentos.”11 É de se questionar
o quanto teriam Fenélon e Jeremy Taylor contestado as convic-
ções de um jovem confuso.
Aproximadamente naquela mesma ocasião, Sally também
encorajou Wesley a ler a obra de Thomas à Kempis, Imitação de
Cristo. Essa obra também deixou sua marca nele, de modo a fazê-
lo decidir-se por pertencer a Deus ou perecer. Essas obras, no en-
tanto, em certo sentido, somente prolongaram por treze anos a
necessidade de John Wesley de reconhecer que deveria “nascer de
novo” e aceitar Deus como seu próprio Salvador. Elas, ao mesmo
tempo, deixaram marcas indeléveis em seu caráter e ministério.
Finalmente, pensamos em C. H. Spurgeon e na profunda
influência que os autores puritanos tiveram sobre toda a sua vida
e ministério. Ele tinha uma coleção de 12.000 livros, aproximada-
mente 7.000 deles de escritores puritanos. Spurgeon leu por vezes
incontáveis Maçãs de Ouro, de Thomas Brooks. Ele também de-
dicou muito tempo à obra de Brooks, Remédios Preciosos Contra
os Artifícios de Satanás. Ele tinha enorme prazer em todas as doces
obras devocionais de Brooks.
Mas livros de Thomas Goodwin, John Owen, Richard Char-
nock, William Gurnall, Richard Baxter, John Flavell, Thomas
Watson, e, é claro, John Bunyan, também eram companheiros
de Spurgeon.12 Ele então confessa em seu Conversa sobre Comen-
tários que a obra Comentário de Matthew Henry sobre as Escrituras
portanto, lê-la de tal modo que ela nos ajude a estarmos inspirados
e afinados com Deus no “homem interior”. Pois é a escrita que nos
coloca em sintonia com o céu e molda o nosso caráter em Cristo.
James M. Houston
NOTAS
1. Eclesiastes 3:11.
2. C. S. Lewis, Peso de Glória (São Paulo, SP: Edições Vida
Nova, 1993).
3. C. S. Lewis, God in the Dock, Walter Hooper, ed. (Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1970), 200-207.
4. Citado em G. F. Barbour, The Life of Alexander White
(New York: George H. Doran Co., 1925), 117-118.
5. Citado em Richard L. Greeves, John Bunyan (Grand Ra-
pids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1969), 16.
6. F. J. Sheed, ed., The Confessions of St. Augustine (New
York: Sheed & Ward, 1949), 164.
7. Ibid.
8. Steven Ozment, The Age of Reform, 1250-1550 (New Ha-
ven, CT: Yale University Press, 1980), 239.
9. Robert G. Tuttle, John Wesley: His Life and Theology
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 1978), 58.
10. Ibid., 100.
11. Ibid., 65.
12. Earnes W. Bacon, Spurgeon: Heir of the Puritans (Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1968), 108.