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Perspectivas sobre o relacionamento

entre o Antigo e o Novo Testamentos

John S. Feinberg
[Editor e organizador]

hagnos
Copyright © 1988 by John S.
Feinberg Published by Crossway
Books a publishing ministry of
Good News Publishers
Wheaton, Illinois 60187, U.S.A.
This edition published by
arrangement with Good News
Publishers. All rights reserved.
Portuguese edition © 2013 by
Editora Hagnos Ltda

Tradução
Onofre Muniz

Revisão
Simone Granconato
Josemar de Souza Pinto

Capa
Souto Crescimento de Marca

Diagramação
Catia Soderi

Iaedição - janeiro de 2013

Editor
Juan Carlos Martinez

Consultor acadêmico
Luiz Sayão Todos os direitos desta edição reservados para:
Editora Hagnos
Coordenador de produção
Mauro W. Terrengui Av. Jacinto Júlio, 27
04815-160 - São Paulo - SP - Tel. (11) 5668-5668
Impressão e acabamento
Imprensa da Fé hagnos@hagnos.com.br - www.hagnos.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Continuidade e descontinuidade : perspectivas sobre o relacionamento entre o Antigo


e o Novo Testamentos : ensaios em homenagem a S. Lewis Johnson Jr. / John S.
Feinberg, editor ; [tradução Onofre Muniz] . — São Paulo : Hagnos, 2013.

Título original: Continuity and descontinuity : perspectives on the relationship


between the Old and New Testaments
Bibliografia.
ISBN 978-85-7742-115-2
1. Bíblia. N.T. - Relação com o Antigo Testamento I. Johnson, S. Lewis. II.
Feinberg, John S..

12-14607 CDD-220.6

índice para catálogo sistemático:


1. Bíblia : Teologia 220.6
2. Teologia bíblica 220.6
Sumário

Prefácio............................................................................................. 5

Parte I: Perspectiva histórica


1. Continuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história
da igrej a
Rodney Petersen, Webster University.................................................13

Parte II: Os sistemas teológicos e os Testamentos


2. Sistemas de continuidade
Willem VanCemeren, Reformed Theological S em in a ry................ 37
3. Sistemas de descontinuidade
John S. Feinberg, Trinity Evangelical Divinity S c h o o l.....................69

Parte III: A hermenêutica e os Testamentos


4. Hermenêutica da continuidade
O. PalmerRobertson,WallaceMemorialPresbyterian Church......... 103
5. Hermenêutica da descontinuidade
Paul D. Feinberg, Trinity Evangelical Divinity S ch o o l.....................127

Parte IV: A salvação e os Testamentos


6. O método bíblico de salvação: um caso para continuidade
Fred H. Klooster, Calvin Theological Sem inary............................. 155
7 .0 método bíblico de salvação: um caso para descontinuidade
Allen P. Ross, Dallas Theological Sem inary....................................193

Parte V: A lei e os Testamentos


8. A lei de Moisés e a lei de Cristo
Knox Chamblin, Reformed Theological Seminary .................... 219
9. A lei de Moisés ou a lei de Cristo
Douglas J. Moo, Trínity Evangelical Divinity School 247

Parte VI: O povo de Deus e os Testamentos


10. Israel e a igreja: um caso para continuidade
Marten H. Woudstra, Calvin Theological Sem inary.....................269
11. Israel e a igreja: um caso para descontinuidade
Robert L. Saucy, Talbot Theological Sem inary............................. 291

Parte VII: Promessas do reino e os Testamentos


12. Promessas espirituais do reino
Bruce K. Waltke, Westminster Theological Sem inary...................319
13. Promessas espirituais e nacionais do reino
Walter C. Kaiser Jr., Trínity Evangelical Divinity S ch o o l................. 351

Epílogo
John S. F ein b erg............................................................................. 373

Em homenagem a S. Levas Johnson Jr.


Uma homenagem a S. Lewis Johnson Jr.: teólogo e pregador
John A. Sproule, Capital Bible Sem inary......................................... 381
Uma homenagem a S. Levas Johnson Jr.
C. Samuel Storms, Pastor da Igreja Comunidade de C risto.............. 385

Notas..............................................................................................389
Sobre os autores............................................................................ 493
Prefácio

S
Lewis Johnson Jr. nasceu em 13 de setembro de 1915 em
Birmingham, Alabama. Tive o privilégio de trabalhar nos
■últimos anos com o dr. Johnson na faculdade da Trinity
Evangelical Divinity School, mas a ligação da minha família com a del
remonta há muitos anos, aos seus dias de estudante no Seminário de
Dallas. Ele foi aluno de meu pai e depois, seu colega na faculdade
r

em Dallas. E desnecessário dizer que o dr. Johnson sempre foi tido


em alta estima pelos membros de minha família.
Embora tenha um vasto e variado ministério, ele é mais conhe­
cido por seu ensino e pregação. É comum alunos terem estima por
seus ex-professores, mas os ex-alunos do dr. Johnson declaram que
existe mais do que mera estima. Existe admiração e reverência por
sua erudição e metodologia de ensino, bem como por sua vida.
Suponho que as palavras que mais vêm à mente quando se pensa no
dr. Johnson são: m odelo e exemplo. Em lPedro 5.2,3 o apóstolo exorta
os pastores a apascentar o rebanho que Deus lhes confiou, servindo
como exemplo para o rebanho. Isto o dr. Johnson tem verdadeira­
mente feito, seja o rebanho um grupo de estudantes ou uma igreja.
A vida e o ministério do dr. Johnson servem de m odelo de
várias formas. Primeiro, ele é um erudito e um professor exemplar.
Constantemente, estudantes e colegas observam quanto ele é
versado nos campos do NT, AT, na teologia e na análise criteriosa
do seu material. Por causa desse preparo, os estudantes acham suas
palestras muito completas e convincentes, independentemente
de compartilharem ou não de seus pontos de vista. Eles observam
também que seu cuidadoso preparo torna impossível irem às suas
aulas e parecerem preparados quando de fato não estão. Além disso,
fica sempre claro que o interesse dele é unicamente a erudição
em benefício da própria erudição. O dr. Johnson é um excelente
C ontinuidade e descontinuidade

exem plo de como é possível aplicar a sadia e rigorosa erudição aos


interesses do ministério prático.
Em segundo lugar, o dr. Johnson é um teólogo exemplar. Ele
domina por completo tanto o hebraico quanto o grego, requisito
essencial para quem quer fazer teologia. Qualquer pessoa ao ler
seus escritos ou ouvir suas palestras sabe que suas reflexões teoló­
gicas não são baseadas em citações sem profundidade; ao contrário,
baseiam-se em rigorosa exegese do texto da Escritura. Embora ele
produza reflexões de disciplinas como história da igreja, a preocu­
pação maior é sempre refletir exatamente o ensino da Escritura.
Ademais, o dr. Johnson é um pregador exemplar. Jamais
surge qualquer dúvida sobre a clareza do conteúdo e também não
surgirá da cuidadosa exposição da mensagem. Ele está plenamente
convicto de que Deus prometeu abençoar apenas a proclamação
de sua palavra. Portanto, a preocupação subjacente do dr. Johnson é
expor o significado do texto. E as pessoas que o têm ouvido pregar
e sido por ele abençoadas sabem que, embora suas mensagens
estejam repletas de rico conteúdo da palavra de Deus, assim como
suas palestras, com preendem bem a diferença entre uma coisa e
outra. Em tudo isso o dr. Johnson serve como excelente m odelo tanto
para pregadores principiantes quanto para experientes.
Finalmente, o dr. Johnson é um m odelo cativante do que
significa viver a verdade bíblica. Numa época em que muitos pregam
ou ensinam uma coisa e vivem outra, o dr. Johnson é um renovado
e encorajador exem plo do contrário. Em sua vida e em seus rela­
cionamentos está muito claro que ele ama profundamente o Senhor
e sua palavra. Enquanto outros com menor talento e habilidade se
mostram indevidamente convencidos de si mesmos, a bondade e a
humildade do dr. Johnson são as marcas que o distinguem. Sente-se
que ele vive dessa forma por estar plenamente convicto de que tudo
o que qualquer um de nós é ou realiza deve-se à soberana graça
de Deus. Além do mais, ao comparar o ser humano à majestade e
à grandeza de Deus, ele reconhece não haver comparação. Alguns
cristãos expressam tais sentimentos, mas não os vivem. O dr. Johnson
ensina essas verdades e também as exemplifica. Eu creio que essa
é a razão pela qual ele é tão reverenciado pelos alunos e colegas.
Grande erudição associada a uma grande humildade e a um coração
de servo não se encontra com frequência. Mas o dr. Johnson é um
exemplo, e todas essas qualidades estão presentes em sua vida e
em seu ministério.

6
Prefácio

Em razão de seulongo e frutífero ministério e de seupapel como


exem plo em todas as áreas mencionadas, é apropriado honrá-lo com
este livro. Como observa Sam Storms em sua homenagem pessoal, o
dr. Johnson fica provavelmente muito constrangido por essa atenção,
entretanto é adequado honrá-lo assim mesmo, porque ao homena­
geá-lo acreditamos estar, no final das contas, glorificando ao Deus a
quem ele ama e serve tão bem.
Nos primeiros estágios do planejamento deste volume, foram
considerados vários temas para um livro, mas o tema da continui­
dade e da descontinuidade da Escritura pareceu mais apropriado
por várias razões. Primeira, dificilmente existe um assunto que seja
mais fundamental à teologia e ao estudo do AT e do NT que este. Por
isso, este tema pareceu mais apropriado para um livro que pretende
honrar alguém que se dedicou por completo àqueles três campos.
Segunda, o tema em si é o principal interesse do dr. Johnson. Ele,
com frequência, profere palestras e publica importantes trabalhos
sobre o tema. Assim, ficou claro que ele se interessaria. Então, este
tema pareceu apropriado porque deu a cada um dos colaboradores
uma oportunidade de produzir alguma teologia. Ao pesquisar a lite­
ratura existente sobre essa temática, rapidamente percebe-se que
não existe muito material que trate do tema da forma abordada neste
volume. Consequentemente, com o objetivo de produzir os diversos
ensaios foi necessário que os autores se envolvessem em criativa
reflexão teológica. Muitos dos autores comentaram que o texto por
eles produzido foi uma das peças mais difíceis que escreveram, exa­
tamente porque envolveu muito mais do que mera compilação de
pesquisa. À medida que ler os ensaios neste volume penso que você
concordará que os esforços dos colaboradores valeram a pena. E é
apropriado produzir alguma teologia criativa num livro que honra
um teólogo.
Por fim, o tema foi escolhido porque é extremamente impor­
tante para o estudo bíblico e teológico. Os evangélicos concordam
que Deus falou e a Bíblia é a sua palavra. Mas Deus não revelou toda
a sua palavra imediatamente. Como vamos estabelecer a conexão
entre o que ele disse por intermédio de seus profetas de antigamente
e o que foi revelado por intermédio dos apóstolos? Sem uma resposta
a esta questão é difícil saber como usar ambos os Testamentos para
formular a doutrina ou a prática. Um exemplo de uma questão dou­
trinária que depende desse assunto é a compreensão que se tem da
igreja. Os cristãos devem formular seu conceito de igreja com base

7
C ontinuidade e descontinuidade

em ambos os Testamentos, reivindicando continuidade entre o povo


de Deus a ponto de ver a igreja no AT? Ou existe descontinuidade
entre Israel e a igreja, fazendo com que a compreensão de alguém
sobre a igreja seja formada unicamente com base no NT?
No que se refere ao costume, como os crentes de hoje se relacio­
nam com a lei do AT? Em virtude da continuidade da Escritura, estamos
ainda sob as imposições da lei mosaica? Poucos responderíam afirma­
tivamente. Por outro lado, se alguém afirma a descontinuidade entre
a lei do AT e o crente do NT, deve deslizar para o antinomismo? Os
poucos que sustentam a descontinuidade optam pelo antinomismo,
mas, então, qual a relevância para eles da lei do AT? O assunto da conti­
nuidade e descontinuidade da Escritura torna-se intensamente prático
quando se reconhece que discussões contemporâneas sobre assuntos
éticos como pena de morte e aborto apelam fortemente para textos
do AT. Pelo fato de alguém ver descontinuidade entre a lei do AT e o
NT, tais recursos são legítimos? Pelo fato de alguém ver continuidade
entre a lei do AT e a era do NT deve a pena de morte, por exemplo,
ser aplicada a todos os pecados considerados crimes de morte no AT?
Tais perguntas não podem ser respondidas adequadamente sem que
primeiro se enfoque a questão mais fundamental acerca de como os
Testamentos se relacionam.
O tema tratado neste livro é mais amplo do que uma discussão
entre a teologia da aliança e o dispensacionalismo. Esses pontos de
vista são os exemplos mais bem conhecidos de posições de continui­
dade e descontinuidade, respectivamente, mas não são os únicos. De
fato, como o leitor verá, existem até mesmo variedades de teologia
da aliança e de dispensacionalismo. As posições teológicas podem
ser colocadas numa série contínua que vai desde os pontos de vista
que sustentam a absoluta continuidade entre os Testamentos, até
os que sustentam a absoluta descontinuidade entre eles. Quanto mais
se move na direção da continuidade, mais federalista se torna; quanto
mais se move na direção da descontinuidade, mais dispensaciona-
lista se torna. Todos os que contribuíram para este volume sustentam
posições na direção da série contínua, e todos veem tanto continui­
dade quanto descontinuidade entre os Testamentos. Com este tema
em mente, foi solicitado aos colaboradores discutirem a relação dos
Testamentos do ponto de vista de um dos seis assuntos cobertos
no livro. Porta-vozes de cada lado do debate discutiram seus temas
a partir do ponto de vista da existência de mais ou menos continui­
dade ou descontinuidade entre os Testamentos. Os colaboradores

8
P refácio

tiveram permissão para abordar seus capítulos da forma que acharam


melhor, e não tiveram a oportunidade de ver o artigo oposto ao seu
assunto. Não obstante, penso que você ficará satisfeito em ver como
os ensaios interagem com o mesmo assunto e, em muitos casos, com
as mesmas passagens da Escritura. Nem todas as posições teológicas
foram representadas nestes ensaios, mas o leitor poderá certamente
captar o sabor da abordagem de continuidade e descontinuidade em
cada um dos temas.
Para organizar um livro como este, a ajuda e a cooperação
de muitas pessoas foram indispensáveis. Uma palavra de reco­
nhecimento a elas é oportuna. Cada um dos colaboradores fez
o trabalho de um escrevente, não somente para produzir o livro,
como também para cumprir o prazo final em m eio a compromissos
apertados. Tanto a qualidade quanto o tom pacífico do trabalho
deles é extremamente elogiável. Devo também acrescentar que
houve muitas outras pessoas que, devido ao tema e, especialm ente
pela afeição a Lewis Johnson, apreciaram contribuir com este livro.
Então, uma palavra de agradecim ento é definitivamente adequada
à Crossway Books e especialm ente a Lane e Jan Dennis e Charles
Phelps. Eles acreditaram neste projeto e reconheceram a im por­
tância deste assunto desde o início. Somos muito gratos pela ajuda,
encorajamento e entusiasmo deles. Finalmente, houve aqueles que
ajudaram com o “ feijão com arroz” (as coisas básicas) de compilar
este projeto. Em particular, uma palavra de reconhecimento se
deve a dois estudantes auxiliares. David W egen er foi muito útil nas
tarefas d e revisão de manuscritos e conferência de referências
bibliográficas. Robert Thiem e III ajudou nas primeiras provas de
impressão e a fazer os índices.
À medida que ler os ensaios neste livro, você descobrirá que
o debate sobre a continuidade e descontinuidade da Escritura não
foi resolvido definitivamente. Entretanto, penso que você concor­
dará que em muitas áreas existe maior reaproximação do que antes.
De qualquer modo, espera-se que este livro dê, entre outras coisas,
tanto percepção da relação entre os Testamentos como ênfase aos
assuntos de debate para futura discussão. Deus tem falado. Que ele
ilumine nosso coração e nossa mente à m edida que buscamos com­
preender o que ele disse!
John S. Feinberg
Julho de 1987

9
Parte I

Perspectiva histórica
1
Continuidade e
descontinuidade: o debate ao
longo da história da igrej a

Rodney Petersen

prim eira pergunta na interpretação da Escritura que o

A cristão, após reconhecer o senhorio de Jesus Cristo, faz,


é como relacionar as Escrituras hebraicas com o “ N ovo”
Testamento.1 Muitas divisões entre igrejas cristãs surgem das
diferentes maneiras de com preender esse relacionamento. Isso
foi o que aconteceu nos primeiros anos da igreja. Foi um assunto
tratado durante a Reforma, bem como em períodos posteriores e
recentes de reavivamento da igreja.
Nossa pergunta é a que foi feita por Filipe ao eunuco etíope:
Compreendes o que vens lendo? (At 8.30). Foi a dos dois discípulos
na estrada de Emaús (Lc 24.13-49). Precisaríamos reformulá-la hoje.
Por exemplo: A crise de saúde gerada pela aids é uma praga lançada
sobre a sociedade moderna por um Deus indignado? O clamor por
C ontinuidade e descontinuidade

liberdade e justiça feito pela população negra da África do Sul tem


semelhanças com o clamor dos hebreus sob a tirania egípcia? Tem
Israel o direito profético à Palestina que exclui total concessão à
população árabe?
A resposta de Filipe foi direcionar o etíop e para Cristo.
N esse ponto o enigm a do AT d eve ser com preendido. No final das
contas essa é a resposta da igreja à relação entre os Testamentos.
r

E muito mais do que isso, mas temos de com eçar aqui. A Escritura
registra Jesus tratando a tradição apontando para si mesmo (Jo
5.39). Ele e sua missão se ocuparam do cumprimento de conceitos
fundamentais das Escrituras hebraicas. A lém disso, não somente
algo se cumprira nele, com o um novo p eríod o da história havia
com eçado (Lc 4.16-21). Finalmente, Jesus traçou uma distinção
entre a vontade de Deus, em nome da qual e le pareceu falar dire-
tamente, e o que havia sido autorizado pela tradição (p. ex., Mc
10.2-12).Todavia, quase paradoxalmente, Jesus manteve um ponto
de vista rigoroso; toda a lei devia ser cumprida. Sua vigên cia
continuou (Mt 5.18; Lc 16.17), mas foi humanizada e aprofundada
p ela lealdade a e le .2
Esses três temas são encontrados nos Evangelhos. Eles
aparecem na primeira pregação cristã em Atos. Entretanto,
pode-se argumentar que a prim eira consideração m etodológica
dada a eles, quando abordam nossa questão, veio do apóstolo
Paulo. A resolução da revelação em duas dispensações, cada uma
com sua própria “ le i” relacionada a Cristo, vem prim eiro como um
dom de Deus (2Co 4.3,4). Isso foi sugerido por Jesus (Mc 4.9-12). É
um princípio seguido pela igreja, especialm ente em discernir os
significados mais profundos do texto à m edida que eles provêm da
inter-relação dos Testamentos. Em segundo lugar, Paulo argumenta
explicitamente em Gálatas e em Romanos que toda a Escritura
aponta para Cristo. Deus é seu autor formal; Cristo, a mensagem
material. Finalmente, a natureza do relacionamento entre a antiga
e a nova dispensações, frequentemente entendida como tipo ou
alegoria, é apresentada claramente por Paulo em referência aos
filhos de Abraão, Ismael e Isaque, nascidos de Hagar e Sara (G1
4.21-31).3
O argumento de Paulo em Gálatas, ampliado mais livremente
pelo autor do livro de Hebreus, traz duas considerações relevantes
em relação aos Testamentos. Em primeiro lugar, ele oferece uma
hermenêutica ou m etodologia para a interpretação da Escritura. Em

14
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

segundo lugar, algo é dito a respeito do movimento da história que


gera uma compreensão da inter-relação dos Testamentos. Ambas
as questões são de interesse direto quando indagamos como vários
pensadores da história da igreja procuraram com preender a relação
entre o AT e o NT.

O S PAIS APOSTÓLICOS E OS APOLOGISTAS

Os Testamentos começam a tomar sua forma canônica no


século I. Documentos provenientes da origem do cristianismo logo
apareceram juntos com e depois do estabelecimento da igreja. O
surgimento do cristianismo como religião distinta do judaísmo
e a destruição do segundo templo em 70 A.D. estimularam a for­
mulação do protótipo para o Texto Massorético. Isso, junto com a
Septuaginta e outras variantes, tornou-se o “ Antigo” Testamento
cristão. A Septuaginta, considerada a versão usada por Jesus e pela
igreja primitiva, foi a forma padrão do AT para quase todos os pais
da igreja até o século IV. Em seguida ao término da Vulgata Latina,
por Jerônimo, os cristãos foram supridos com uma versão padroni­
zada do AT baseada nos textos grego e hebraico, e isso se estendeu
pelos mil anos seguintes.4
Esses são os documentos com os quais os pais apostólicos
e os apologistas trabalharam. Inicialmente, a interpretação deles
ofereceu pouco senso de perspectiva histórica para a questão dos
Testamentos. Reconhecido como importante, o AT tornou-se um
manual para o comportamento moral, e suas imagens, um protótipo
para a igreja cristã ou um repositório de imagens proféticas e ale­
góricas. Para alguns não passou de um livro “ cristão” mal compre­
endido pelos judeus, por causa do excessivo literalismo ou car-
nalidade. Por exemplo, 1 Clemente usa o AT como uma fonte para
o comportamento cristão (XIX). Seu culto é um protótipo para o
ministério e o serviço religioso adequado (XLII-XLIII). A Epístola
de Barnabé encontra significado no AT num sistema de imagens ou
tipos (VII—XII) que são pano de fundo para o evangelho. Há pouco
senso de história como tal. Os judeus, também pegos no literalismo
histórico, fracassaram em ver Cristo. Uma satânica influência obscu-
receu a visão deles. De acordo com a polêm ica de Barnabé, a car-
nalidade deles tem um pouco do anticristo sobre ela (II-IV). Eles
perderam as promessas da aliança para uma melhor compreensão
dos cristãos (XIII).

15
C ontinuidade e descontinuidade

Existe algum senso de perspectiva histórica em Justino Mártir


(c. 100-c. 160). Em sua Primeira apologia ele oferece um esquema um
tanto completo de profecia e cumprimento (p. ex., XXXI, XLIX). Seu
Diálogo com Trifão apresenta um incipiente federalismo: os cristãos
são chamados da mesma forma que Abraão (CXIX). Entretanto, o AT
ainda parece mais um livro cristão do que judeu ( Trifão, X I-X IV ). Há
também uma percepção de que todas as testemunhas de Deus foram
cristãs, seja pelo judaísmo (VIII) ou pela cultura grega (no caso de
Platão, p. ex., LIX-LX). Justino tem uma percepção razoavelmente
bem definida de figuras e imagens que prenunciam a verdade cristã
mais completa, uma ideia propositadamente desenvolvida por um
contemporâneo, Mileto de Sardes. Entretanto, é Ireneu (c. 130-c.
200) que começa a oferecer reflexão histórica mais profunda sobre
a questão do inter-relacionamento dos Testamentos. Em Contra as
heresias, Ireneu argumenta que Deus vem a nós de duas maneiras:
na história e por meio de seu Filho. A Escritura esboça os caminhos
pelos quais a Trindade se manifesta gradativamente a nós (IV, 22).
A ordem e o contexto de eventos se relacionam com estágios do
desenvolvimento da humanidade (IV, 13-15). O AT, cheio de imagens
e tipos, aponta o caminho na direção da revelação mais completa de
Deus, que é Cristo (IV. 10.26). É também usado para dar orientação
em descrever a futura felicidade do milênio na terra (V ) subsequente
à segunda vinda de Cristo (de acordo com Justino Mártir, Hipólito e
Tertuliano). Ireneu rebateu a especulação gnóstica dizendo que foi
o mesmo Deus que veio até nós em Cristo, bem como em diferen­
tes períodos da história (IV, 5, 12), e posteriormente estabelecería
seu reino tangível. Os argumentos de Ireneu irão influenciar tanto
as questões hermenêuticas como as questões de evolução histórica,
à medida que estas surgirem das tentativas de inter-relacionar os
Testamentos.5
Nem todos no século II viram a relevância do AT em relação
ao NT. Os mestres que se opunham a Ireneu viram pouca neces­
sidade da antiga revelação. Marcião do Ponto ( f c. 160), um dos
mais famosos, desenvolveu um plano de salvação gnóstico que
argumentava sobre uma dicotomia radical entre a velha e a nova
dispensações. Seu sistema teológico, construído com base em
um dualismo sistemático, postulava dois deuses, o deus da lei
e da antiga revelação e o deus do evangelho, pai de Jesus Cristo.
Geralmente, estes eram opostos, ou seja, um deus bom e um deus
mau. A história e a materialidade foram denegridas. A salvação era

16
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

totalmente espiritual - e apenas para o intrinsecamente espiritual.


O “ cânon” de Marcião consistia em versões das epístolas paulinas e
do evangelho de Lucas. Seu centro se baseava numa leitura espiri­
tual de Romanos e Gálatas. Entretanto, até mesmo esses livros foram
editados em partes (p. ex.,Rm 9-11). Outros mestres gnósticos como
Valentino e Ptolomeu divulgaram sistemas de salvação semelhantes,
porém menos radicais. Uma frase utilizada por alguns estudiosos
para identificar esse período é: “ a verdadeira batalha no século II
centrou-se em torno da posição do Antigo Testamento” .6

O S TEÓLOGOS

Uma forma de lidar com os textos problemáticos levantados


pelos gnósticos ou oponentes filosóficos do cristianismo foi olhar
para um significado mais profundo da Escritura sem negar por
com pleto o texto literal. Essa é uma m etodologia que encontramos
nos escritos daqueles que são geralm ente chamados de teólogos
e que o trabalharam com nossa questão, no século III. Eles foram
geralm ente orientados por duas “ escolas” de teologia: uma loca­
lizada em Alexandria e a outra em Antioquia. Ambas entendiam
o AT como um documento histórico, a obra do mesmo Espírito
divino presente no NT. Ambas concordavam em certos eventos
fundamentais e na forma nas quais estes prenunciavam Cristo e
a igreja (Adão e Moisés eram tipos de Cristo, e a arca, um tipo da
igreja). Ambas acreditavam que o novo estava contido no antigo.
As diferenças apareceram na maneira pela qual a nova revelação
era detectada na antiga e no tipo de independência que a prim eira
tinha à luz da nova.
A “ escola” doutrinadora localizada em Alexandria encontrou
na exegese alegórica uma forma de tornar o AT um livro cristão.
O teólogo e exegeta Orígenes (c. 185-c. 254) foi o precursor. Os
princípios que orientaram o trabalho de Orígenes foram estabele­
cidos pelo exegeta judeu Filo de Alexandria (c. 20 a.C. - 54 A.D.). Na
tentativa de acomodar as Escrituras judaicas aos cânones helenís-
ticos de conhecimento, Filo defendeu a importância de uma inter­
pretação espiritual ou alegórica mais profunda por trás da história
ou da letra do texto. Um texto que não dizia nada de valor a respeito
de Deus, que apresentava dificuldades ou contradições, ou que era
evidentemente alegórico por natureza, tinha de receber essa com­
preensão espiritual aprofundada.7

17
C ontinuidade e descontinuidade

Esse método, usado por Clemente de Alexandria (155-c. 220),


foi melhor desenvolvido por Orígenes com respeito às Escrituras
cristãs. A interpretação histórica ou literal sempre foi fundamental.
Entretanto, o AT em particular estava cheio de enigmas. Era uma
alegoria ou símbolo espiritual. O significado - e de certo modo a
nova dispensação - estava oculto no antigo com discutível consi­
deração pela história. Foi trabalho do exegeta encontrar o signifi­
cado espiritual. A influência de Orígenes foi ampla. Ela não somente
aprofundou a perspectiva teológica de sua própria época, embora
com significativas im perfeições, como também se tornou a base
para muita exegese medieval, na m edida em que buscava encontrar
diferentes compreensões figurativas do texto construído sobre sua
superfície ou sentido literal. Esse sistema deu esperanças para uma
aprofundada apropriação teológica da Escritura. O AT e o NT foram
mostrados para apresentar os mesmos ensinos; somente o estilo de
conhecimento deles foi diferente. As im perfeições desse método
repousam na perda da realidade histórica e na abertura de brechas
para o desenvolvimento de um sistema espiritual imaginário de
salvação promovido posteriormente por pensadores gnósticos que
o estenderam ao N T.8
O alegorismo encontrou oposição nos teólogos associados à
“ escola” exegética encontrada em Antioquia da Síria. O formato desse
movimento é visto em pensadores como Luciano ( f 312), Diodoro
de Tarso (c. 330-C.390), e especialmente Teodoro de Mopsuéstia (c.
350-428). Diodoro oferece uma definição mais penetrante de alegoria
(G1 4.24), mais adequadamente denominada “ tipologia” , indicando
a direção de interesse entre esses comentaristas no sentido de
discernir uma relação mais forte entre os Testamentos. Esse relacio­
namento foi visto como correspondência, não simplesmente simbo­
lismo. Acreditava-se estar presente na própria Escritura (Is 51.9-16;
G1 4.24). Eventos e pessoas numa revelação anterior eram “ tipos”
das que apareceríam depois. Dessa forma, o significado espiritual
e o sentido histórico do texto estavam intimamente ligados. Pela
percepção (theoria) podia-se discernir tanto a realidade histórica
quanto o propósito espiritual de um texto colocado dentro de um
quadro mais claro da evolução gradual da revelação (verdade mais
completa sobre Cristo é encontrada nos Evangelhos, não numa inter­
pretação do AT). Isso teve a vantagem de oferecer uma compreensão
mais integral da unidade da Bíblia. A alegoria pareceu perder isso
por associações não confiáveis ou desautorizadas.9

18
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

Teodoro de Mopsuéstia fez mais para esclarecer o pensa­


mento antioqueno, separando textos da Escritura que se aplicavam
somente à história daqueles que continham um elemento preditivo.
Ele chegou a ponto de dizer que Cantares, normalmente entendido
como uma alegoria entre Cristo e a alma ou a igreja, foi escrito por
Salomão para celebrar seu casamento com uma princesa egípcia.
Embora Teodoro não negasse a interpretação alegórica, sua obra
sustentou claramente a sugestão e levantou a questão acerca da
possibilidade e do modo em que se deve separar na história a área
sagrada e a secular, um assunto que realçava a preocupação cristo-
lógica com o nestorianismo.10
Tanto Alexandria como Antioquia aprofundaram as perspec­
tivas teológicas sobre o inter-relacionamento dos Testamentos.
Entretanto, na primeira isso aconteceu às expensas da história, e na
segunda, às custas do mistério ou da espiritualidade. O alegorismo,
mostrado em teólogos tão eminentes como Cirilo de Alexandria
e os pais capadócios, no Oriente, e Hilário de Poitiers e Ambrósio
de Milão, no Ocidente, afetou a exegese medieval de uma forma
dominante. As idéias desenvolvidas em torno de Antioquia fornece­
ram a perspectiva para a pregação de João Crisóstomo (c. 347-407).
Elas influenciaram também Jerônimo e outros doutores da igreja,
que, não obstante, muito deveram ao alegorismo de Alexandria. Os
princípios articulados por Antioquia continuaram a testemunhar a
importância da história e se tornaram influentes, de uma forma mais
dominante, nos anos da Reforma Protestante.

O S DOUTORES DA IGREJA

De acordo com Tertuliano, os teólogos do século III ilustraram


a harmonia existente entre os Testamentos. Isso foi estabilizado e
fixado com autoridade por quatro teólogos no século seguinte que
deram liderança à igreja. Três - Jerônimo, Agostinho e Gregório, o
Grande - são de interesse para nós. Eles são também importantes
no sentido de que completam um processo de redefinição espiritual
do milênio, iniciado com Orígenes, segundo o qual as promessas de
Deus dadas a Israel serão aplicadas à igreja.
Encontramos o nome de Jerônimo (c.342-420) ligado ao traba­
lho de dar forma ao AT. Jerônimo se destacou mais do que Orígenes,
Atanásio ou Rufino na defesa da Bíblia hebraica e na divisão da

19
C ontinuidade e descontinuidade

literatura hebraica e da Septuaginta, disponível para a igreja, numa


dupla classificação: literatura canônica e apócrifa. Jerônimo sugeriu
a natureza secundária dos livros que formaram a literatura apócrifa,
recomendando que ficassem entre os Testamentos, mas que fossem
usados para a edificação moral, não como doutrina. Muitas de suas
sugestões, como a segregação do cânon dos apócrifos, não foram
colocadas em prática até o tempo da Reforma. Autor de numerosos
comentários bíblicos, Jerônimo recebeu influência de Orígenes. Ele
deu uma interpretação espiritual a muito do AT, buscando alinhá-lo
com o NT, e, por meio disso, tratou de aparentes antropomorfismos,
inconsistências e erros. Seus comentários sobre Oseias e Apocalipse
revelam certa dificuldade com o primeiro e temor do literalismo
judaico no último. No fim da vida, cresceram as dúvidas de Jerônimo
quanto a Orígenes e ao alegorismo em geral.11
Agostinho (354-430) domina o período. Sua compreensão da
Escritura e pèrspectiva da história darão forma à igreja medieval.
Vários estágios marcaram a passagem de Agostinho à fé em Cristo.
Cada um deles deixou sua marca sobre a interpretação do texto. No
começo, submetido pelos arcaísmos e infelicidades do texto, Agostinho
foi impelido para o dualismo maniqueísta com a denegação do AT.
Isso foi seguido por um período de ceticismo acadêmico anterior
ao seu despertar cristão (386), o qual foi estimulado pelo neoplato-
nismo de Ambrósio de Milão (c. 339-397). A interpretação alegórica
de Ambrósio ajudou Agostinho a aceitar a Escritura sem dificul­
dade. Em sua própria obra, Agostinho fazia uso frequente do ale­
gorismo. Esse tom sobre o valor espiritual do texto (2Co 3.6) enfati­
zava a verdade subjacente por trás dos símbolos de expressão. Essa
verdade podia ser vista por meio de múltiplos significados no texto,
dados pelo Espírito e discernidos pelo exegeta espiritual.
O neoplatonismo aparente na obra inicial de Agostinho seria
desafiado em suas premissas filosóficas em virtude do grande
respeito desse teólogo pela Escritura. As palavras da Escritura,
sinais que apontavam para a única coisa verdadeira (Deus), foram
necessárias desde a queda. Somente elas davam conhecimento ver­
dadeiro do caminho para Deus e, daí, à plenitude do amor. A impor­
tância do texto da Escritura, junto com o crescente corpo da igreja
de conclusões metafísicas, foi ordenada por Agostinho, que adotou
as regras de interpretação de Ticônio. Estas buscaram relacionar a
Bíblia toda a Cristo, à igreja ou a seus opostos. Agostinho resumiu
seu ponderado pensamento hermenêutico na obra Sobre a doutrina

20
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

cristã (427), um texto que se tornaria o guia hermenêutico padrão


para os mil anos seguintes. Como ele escreveria em outra parte: “ O
NT está escondido no AT, e no NT o AT está revelado” .12
Da experiência pessoal de Agostinho e da compreensão da inter-
relação dos Testamentos cresceu uma visão da história, esboçada em
A cidade de Deus (XV-XXII), que moldaria a vida da igreja. Agostinho
percebeu na Escritura uma linha progressiva da história divina e da
profecia movendo-se por meio de uma série de períodos históricos e
culminando no período de Cristo, o sexto período da igreja. A o longo
desse tempo existiram dois grupos de pessoas que formavam duas
cidades - uma dedicada ao amor deste mundo. A outra, a Deus. O
último período histórico, o da igreja, continuaria até o dia do jul­
gamento. Agostinho, ao lutar com o entendimento tradicional do
milênio (Ap 20.3), um tempo em que as promessas a Israel seriam
realizadas, rejeitou o que sentiu ser o literalismo crasso de muitos
de seus predecessores. Em vez disso, ele seguiu Orígenes, ofere­
cendo uma interpretação espiritual. Foi o tempo simbolizado pela
vida presente da igreja, experim entada por aqueles que, tendo
aceitado a Cristo, vivem sob sua influência geral. Esse milênio
espiritualizado diferiu em suas im plicações políticas das idéias
antes apresentadas por Eusébio de Cesareia (c.260-c. 340), no
Oriente cristão. Ali, as promessas dadas a Israel pareciam ser mais
imediata e diretamente aplicáveis à existência do im pério eclesial
já estabelecido.13
Agostinho argumentou que a Escritura é melhor compre­
endida dentro da igreja. A disposição impositiva aqui promovida
oferecia pouco espaço para mais exploração exegética, pelo menos
no futuro imediato. A atitude predominante foi resumida por Vicente
de Lérins ( f c. 450) em seu Commonitorium [O Comunitório]: “Quod
ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est” (O que é crido
em toda parte, sempre, e por todo mundo). A obra exegética de
Jerônimo, a teologia de Agostinho e o propósito moral encontrado
nos comentários de Gregório, o Grande (c. 540-604) conferiram
uma marca confiável para uma visão geralmente alegórica do AT
em relação ao NT e um senso suavemente progressivo da história.
O AT tornou-se frequentemente um repositório de instrução moral
e fonte de informações de textos comprobatórios, proféticos e ale­
góricos para a verdade do cristianismo. Esse estilo de interpretação
é particularmente evidente nos comentários de G regório sobre Jó,
Ezequiel, 1 e 2Reis e partes dos Evangelhos.14

21
C ontinuidade e descontinuidade

A I dade M é d ia

Uma exegese geralmente espiritual ou alegórica com propósi­


tos morais proveu, então, a forma aceitável pela qual os Testamentos
deveriam se relacionar. Quatro “ sentidos” da Escritura (literal,
alegórico, tropológico e anagógico), definidos primariamente por
Orígenes e Agostinho, foram separados da “ letra” e do “ espírito”
do texto e perceptíveis em João Cassiano ( f 435). Estes domina­
riam a exegese medieval, particularmente no que se refere ao AT
em relação ao NT. Isso p od e ser visto nas palavras de importantes
comentaristas medievais como Isidoro de Sevilha (c. 560-636), Beda,
o Venerável (c. 673-735), e Ambrósio Autperto (j* 781). Durante a
Idade M édia essa tradição tornou-se diferenciada e regularizada
em modos monásticos e escolásticos de reflexão teológica. Embora
frequentemente mescladas, a teologia monástica buscava na Bíblia
um texto para a vida litúrgica e devocional. A implicação disso é
que os vários níveis espirituais de significado na Bíblia foram res­
saltados como ajudas à vida moral. A teologia escolástica, impulsio­
nada pela curiosidade e pelo questionamento dialético, fez maiores
exigências filosóficas sobre o texto. Tal teologia se defrontaria mais
diretamente com o problema de outras fontes de conhecimento e
como essas fontes desafiariam um ou ambos os Testamentos.1S
O período carolíngio trouxe um despertamento aos estudos
bíblicos. Entretanto, somente no século XVII começamos a encontrar
coisas de interesse à nossa pergunta. Por exemplo, o desenvolvimento
da teologia monástica na obra de indivíduos como Rupert de Deutez
(c. 1075-1129/30), Bernardo de Clairvaux (1090-1153),Ricardo de São
Vítor ( t 1173), Joaquim de Fiore (1132-1202) e Boaventura (c. 1217-
1274) mostra uma aprofundada interpretação espiritual da Escritura,
que une os Testamentos por meio da elaborada figurae para ilustrar
o movimento de tempo em direção ao julgamento final concomitante
com as virtudes adequadas a cada período da história. Quando a
teologia escolástica atingiu certo ápice em Tomás de Aquino, o mesmo
aconteceu em relação à teologia monástica com referência a história
em Joaquim de Fiore e com respeito à alma, em Boaventura. Joaquim
é de particular interesse. Seu elaborado plano de tipos e figuras do
AT foi composto por uma grade semelhante, discernida no livro de
Apocalipse, para criar uma explosiva visão tripartida da história. Isso
aniquilou os grupos ortodoxos e dissidentes que criam na iminência
do milênio na Reforma e durante seu período.16

22
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

O desenvolvimento da teologia escolástica pode ser reconhe­


cido desde as leis carolíngias, de acordo com as quais as catedrais
tinham a incumbência de prover educação para o clero de sua
diocese. Seu aspecto é claramente discernível a partir do século XIV.
Sem investigar seu desenvolvimento, é suficiente notar que a partir
desse ponto as interpretações do texto da Escritura ficam reunidas
nos comentários da primeira sentença, ou teologias, das quais as
Sentenças de Pedro Lombardo (1100-1160) são notáveis. Além da
Bíblia, fontes de conhecimento cada vez mais crescentes ocasiona­
ram questionamento mais profundo do texto. A crítica dialética de
Pedro Abelardo (1079-1142) representa essa evolução. Um interesse
específico pelo AT, sua história e interpretação literal da Escritura
é perceptível entre os cânones de São Vítor, em Paris. Certo autor
argumentou que o período de tempo entre 1100 e 1350 é marcado
por um crescente estudo dos textos originais hebraicos da Escritura,
comparável apenas com a obra da Renascença, que focou os textos
originais gregos. Esse interesse é visível em Hugo de São Vítor (1096-
1141). Ele enfatizou as artes liberais como propedêutica à exegese
literal, o ambiente para o desenvolvimento da doutrina. A descoberta
correta da alegoria e da verdade divina veio em seguida, de forma
adequada. Um sentido histórico do texto foi promovido mais radi­
calmente por André de São Vítor ( f 1175). Orientado pela erudição
judaica contemporânea, sua pesquisa o levou a contestar profecias
tipicamente messiânicas como Isaías 7.14-16. Aqui, André seguiu a
interpretação judaica, acreditando não ser “ virgem ” , e sim “jovem ” ,
a tradução adequada. Embora muito criticado nesse ponto por seu
contemporâneo Ricardo de São Vítor ( f 1173), pode-se perceber um
interesse marcante numa leitura histórico-gramatical do AT.17
A chave para a interpretação foi a capacidade para com pre­
ender o adequado sentido de um texto. Uma term inologia instável,
diferenças no gênero de literatura encontrado e questões sobre
onde terminava a exegese literal e começava a alegórica, tudo
fazia parte do debate hermenêutico na Alta Idade Média. Além
disso, quando se juntava os dois Testamentos da Escritura, surgiam
questões sobre as passagens proféticas. O que constituía seu
sentido literal diante da interpretação espiritual? Se a interpretação
literal era básica, em que ponto poder-se-ia ler com legitim idade
uma mensagem profética ou cristológica num texto, uma questão
composta pela retórica antijudaica. Questões como essa levaram
mentes escolásticas a desenvolver abordagens convencionais do

23
C ontinuidade e descontinuidade

texto. Aqui, como em outra parte, a teologia de Tomás de Aquino


(c. 1225-1274) deu forma resumida. Aquino enfatizou o sentido
literal do texto (ST la.1.10), mostrando a tendência natural de sua
filosofia. Embora não temendo a alegoria, ele argumenta que o
sentido literal exib e o peso com pleto da intenção do autor. Podia
existir um sentido espiritual, mas seu lugar era de edificação, não
de prova. Era conhecido por Deus e podia ser discernido à luz
de revelação posterior. Aquino colocou em evidência um tríplice
argumento contra a alegoria: (1) ela é suscetível de engano; (2)
sem um m étodo claro ela leva à confusão; e (3) ela carece de um
senso de integração adequada da Escritura.18
Alguns, como Pedro Auriol e Nicolau de Lyra (c. 1270-1340),
continuaram a linha dos que ofereceram uma leitura mais aguçada
dos Testamentos. Nicolau de Lyra inspirou-se na obra de exegetas
judeus, particularmente o comentarista Rashi (1040-1105). Seu
comentário enfatizava uma compreensão “ literal dupla” do texto.
Tanto a intenção de Deus quanto a do autor humano podiam ser
designadas como sentido literal adequado do texto. Dir-se-ia mais
tarde a respeito de Lyra que ninguém, desde Jerônimo, havia contri­
buído tanto para a compreensão do AT quanto e le .19

A R enascença e a R efo rm a

A obra de Martinho Lutero (1483-1546) ficou em débito


com a obra de Lyra, como também com as correntes derivativas
mais amplas da Renascença. Sua crítica a Roma com eçou com o
sistema sacramental e a teologia escolástica; depois continuou a
questionar a exegese. Lutero insistiu na autoridade e suficiência
da Escritura em oposição à tradição da igreja. Entendidos pela
fé e pela iluminação do Espírito (Weimar, VII, 96-98), ambos os
Testamentos da Escritura estavam abertos a todos os cristãos. A
revelação, seja preparatória ou progressiva, teve uma história que
o Espírito possibilitou ser compreendida. Lutero rejeitou os signi­
ficados “ espirituais” tradicionais ou a quádrupla interpretação da
Escritura e foi na direção de um único significado do texto, exceto
onde uma interpretação espiritual tinha a clara intenção do autor.
Essa abordagem histórica do AT foi um fator central na teologia
da Reforma. Entretanto, a questão do seu sentido literal em relação
ao NT perm aneceu legítima. Lutero seguiu Lefèvre d ’Etaples e
argumentou que os escritores do AT estavam conscientes da vinda

24
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreia

de Cristo. A unidade da Escritura, encontrada em Cristo, signifi­


cava que Lutero se inclinava a ler o AT através do evangelho; seu
sentido histórico era obscurecido por prenúncios de Cristo e
sua igreja. Finalmente, a antítese que Lutero traçou entre a lei e o
evangelho promoveu a diferença que ele encontrou entre os dois
Testamentos, quando receou introduzir uma nova lei sob o pretexto
do evangelho, uma característica que ele encontrou tanto em Roma
quanto nos movimentos em ergentes radicais da Reforma.20
Mais dois pontos devem ser levantados quanto a Lutero.
Primeiro, Lutero foi também um tradutor da Escritura. A ordem
que ele deu ao AT tem sido seguida desde sua época. Em segundo
lugar, Lutero continuou, em geral, o sentido agostiniano da história
com implicações para a relação dos Testamentos. Entretanto, ele
tinha maior consciência de estar vivendo no fim do tempo, pouco
antes do juízo final. Esta crença foi predominante entre os primeiros
radicais espirituais e anabatistas, alguns dos que retornaram a uma
forma de milenismo visível na igreja primitiva. Outros, de forma
mais consciente, seguiram o precedente joaquino e dividiram niti­
damente a era agostiniana em termos de imagens tiradas do livro de
Apocalipse.21
A Reforma entre os reformados geralmente se deu com linhas
de ação esboçadas por Lutero. Entretanto, houve diferenças, que
podem ser vistas em Ulrico Zuínglio (1484-1531), João Calvino (1509-
1564) e (João) Henrique Bullinger (1504-1575). Quando chegamos à
questão da relação entre os Testamentos, podem os distinguir pelo
menos três diferenças. Primeira, a tendência para enfatizar a super­
fície ou sentido histórico do texto contra o alegorismo foi mais forte
entre os reformados do que entre os luteranos (Calvino, lnstitutas,
1.1.7,8). Não obstante, em contraste a alguns grupos anabatistas, cuja
tendência era ver o AT como um livro judaico com pouco a oferecer
à era da nova dispensação, os reformados, junto com a maioria dos
protestantes, preservaram alguma percepção do sentido espiritual
do texto pretendido pelo Espírito. Em segundo lugar, houve uma
tendência entre os reformados em enfatizar a identidade das duas
dispensações à custa de sua diversidade. Isso foi particularmente
visível em edições posteriores das lnstitutas de Calvino (II.9-11; cf.
Bullinger, Sobre o Testamento). Em terceiro lugar, a implicação disso
foi que as leis morais e os preceitos do AT receberam um peso maior
como orientações à vida cristã.22

25
C ontinuidade e descontinuidade

Uma perspectiva histórica agostiniana foi em geral dominante


entre os principais teólogos reformados por várias razões exegéticas
e sociais. Entretanto, podem os notar certa tensão escatológica em
Calvino e Bullinger, uma expectativa da glória visível de Deus entre
os cristãos e em comunidades e estados cristãos. Essa esperança
tornou-se o contexto para uma crescente tendência milenarista vista
entre alguns teólogos continentais posteriores (p. ex., Brocardo) e
outros anglo-americanos (p. ex., Brightman). Aqui o debate acerca
da identidade do verdadeiro Israel, há muito definido como sendo
a igreja, crescerá. Se igreja ou antigo Israel, a expectativa de uma
realidade visível e histórica de tudo o que foi prometido a Israel
nesta era ou na posterior ao iminente retorno de Cristo crescerá.23

U ma era de c o n f l it o

A crescente consciência histórica afetou a maneira pela


qual as origens da fé cristã foram compreendidas e usadas. Os
progressos filológicos e historiográficos da Renascença, repre­
sentados por Lorenzo Valia, João Reuchlin nos estudos hebraicos,
os discernimentos de Thomas Morus, João Colet e Erasmo (1469-
1536), favoreceram essas percepções. Outras tendências da
Renascença, parcialmente derivadas do neoplatonismo, seriam
assimiladas na exegese de Erasmo, acentuando as interpretações
espirituais do texto. Isso seria usado para acrescentar mais nuanças
à forma pela qual os Testamentos foram interpretados e inter-rela-
cionados, destacando uma compreensão não corpórea, até mesmo
racionalista da Escritura. Quando diferentes comunidades cristãs
procuraram defen der suas perspectivas teológicas, organizando
a história defensivamente, esses temas contribuíram para um
aprofundamento da perspectiva histórica.24
A época foi, em prim eiro lugar, de conflitos teológicos. Isso
esteve frequentemente relacionado à nossa questão dos Testa­
mentos. Muitos teólogos luteranos ortodoxos como João Gerhard
(1582-1637), J. B. Carpzov (1607-1657) e Abraão Calovius (1612-
1686) usaram o AT principalmente como uma coleção de textos
comprobatórios, uma m etodologia que refletia as próprias tendên­
cias de Lutero. Entre os reformados, o AT figurava junto com o NT
como parte de uma elaborada tentativa de determinar a natureza
da autoridade bíblica vista mais claramente na Confissão helvética
(1675) .2S

26
C ontinuidade e desconttnuidade: o debate ao longo da história da igreia

Outras características da fé reformada trazem o AT para a


presente vida dos cristãos. Os reformados se inclinaram a ser
politicamente sensíveis com respeito a visível idolatria religiosa e
nacional. João Knox (c. 1513-1572) pregou a necessidade de remover
as serpentes de bronze da vida e da adoração, baseando-se em
2Reis 18.3,4. Calvino, em suas Institutas, investiu em ataque contra
os governos que aconselhavam a idolatria (IV.20.1-32). A o fazer isso,
Calvino extraiu muito da história de Israel. Tal “ iconoclastia” uniu
interesses políticos de quase todas as nações europeias em ergen­
tes. O movimento puritano na Inglaterra, produzido desse relacio­
namento, a levaria a todas as terras tocadas pelos interesses britâni­
cos. Além disso, essa sensibilidade política aos Testamentos esteve
frequentemente ligada à escatologia reformada. Isso pode ser visto
em vários planos da revelação progressiva, principalmente a de
João Coceio (1603-1669), em que questões de natureza normativa
de revelação mais antiga são levantadas, exceto quando ela pode
ter alguma significação simbólica. Isso é evidentemente claro nos
teólogos apocalípticos anglo-americanos como John Foxe a Jonathan
Edwards.26
Dois movimentos emergiram no século XVII buscando a paz,
mas ambos, nos termos da nossa questão, na verdade introduziram
mais dimensões de debate. O primeiro, o racionalismo, pode ser
percebido entre certos reformadores no século XVI que se incli­
naram a questionar de forma mais radical e completa a teologia
tradicional. Tornou-se explícito em Hugo Grócio (1583-1645), que
procurou a unidade teológica, entre grupos em conflito, na pessoa de
Cristo e na teologia natural. Sua crítica de inspiração bíblica anteviu
mais movimentos radicais por parte de Thomas Hobbes (1588-1679)
e Benedito Spinoza (1632-1677). Através de um crescente histori-
cismo, o movimento como um todo começou a questionar o uso ante­
riormente assumido do AT pelo NT. O AT, antes atraído ao NT por
meio de um sentido “ espiritual” do texto, era agora por si só um
documento histórico.
Hobbes rejeitou a inspiração da Escritura. Em seu livro Leviatã,
preocupado com questões de poder e política, argumentou que
a Bíblia não devia ser tomada como revelação de Deus. Spinoza
ampliou sua crítica em Tractatus theologico-politicus, argumentando
que não somente a Bíblia é mera história, como o idioma que atribui
tudo a Deus refletia uma atitude hebraica e não devia ser confiável
como verdade. A razão devia guiar a mente em assuntos filosóficos,

27
C ontinuidade e descontinuidade

embora a teologia lidasse com questões de piedade e obediên­


cia. Argumentando dessa maneira, pareceu que Spinoza agiu como
Jerônimo, visto que este separou a literatura canônica da apócrifa,
e aquele, a razão da revelação. Só que agora toda a Escritura era
apócrifa. Richard Simon (1638-1712), Jean Astruc (1648-1766)
e outros deram continuidade a essa crítica com respeito ao AT,
lançando o fundamento para a moderna “ alta” crítica, termo depois
em pregado por J. G. Eichhorn (1752-1827).
Essa crítica recebeu matiz poético em G. E. Lessing (1729-1781),
de tal forma que a essência da religião não era adequadamente
encontrada na revelação histórica, mas na moralidade. Influenciado
por H. S. Reimarus (1694-1769), Lessing barateou a autoridade do
AT ao sugerir que Deus havia educado outros povos mais do que
os judeus. Sua peça Nathan the Wise [Natã, o sábio] (1779) sugeria
que o AT deveria ser resgatado numa forma poética, informando um
tipo de moralidade humanitária. Com Lessing, J. G. Herder (1744-
1803) continuou a postular esse valor poético do texto como parte
de uma visão progressiva da história das nações, no sentido de uma
expressão mais completa da humanidade.27
O pietismo se desenvolveu depois do racionalismo. De alguma
forma, foi também uma reação ao conflito teológico que se seguiu
como resultado da Reforma. O movimento visava enfatizar uma
leitura moral da Escritura por lições pessoais de amor e santidade.
Philip Spener (1635-1705), frequentemente visto como fundador
do movimento, em seu livro Pia Desidería (1675), tido como sua
“ constituição” , via a Bíblia como instrumento de Deus para a ver­
dadeira espiritualidade. O movimento também foi formulado por A.
H. Francke (1663-1727) e N. L. von Zinzendorf (1700-1760). Francke,
e especialmente J. A. Bengel (1687-1752), ofereceram uma com­
penetrada visão gramatical e filológica da Escritura ao enfatizar
a unidade dos Testamentos. Ainda, apesar desses avanços, o AT
foi, com frequência, alegorizado, num esforço para encontrar a
adequada verdade espiritual voltada para o fim devocional em vez
de interesses doutrinários ou exegéticos.28
A exegese racionalista e o interesse bíblico pietista se reúnem
na obra de alguns autores do fim do século XVIII, constituindo parte
do contexto para criativos desenvolvimentos exegéticos no século
XIX. Filólogos como J. A. Ernesti (1701-1781) insistiram na primazia
das considerações gramaticais sobre a dogmática na interpretação
do texto da Escritura, embora teólogos como J. S. Semler (1725-1791)

28
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

enfatizassem a abordagem m etodológica crítico-histórica de todo o


cânon. Entretanto, o que poderia ser um árido intelectualismo, estava
agora associado a novas visões avançadas da história, separadas
dos Testamentos e com mais valor poético.

O SÉCULO XIX

Immanuel Kant (1724-1804) leva-nos diretamente às perguntas


do século. Crítico de ceticismo cada vez maior (como em David
Hume), Kant esforçou-se para com preender os limites do conheci­
mento. Ele deixou pouco espaço para a metafísica, antevendo, assim,
o romantismo de Schleiermacher, o idealismo hegeliano, o reino
moral de Ritschl e o Deus distante de Kierkegaard. Nisso ele deu
continuidade ao padrão de crítica do século anterior, acrescentando
que os estímulos de consciência eram superiores no AT. Em lugar
de uma imposição de fora e de uma sujeição ao governo de Deus
por natureza, ele defendeu uma percepção interior e uma prática de
moralidade oriunda da vontade autônoma, não dependente, sobre a
lei heteronômica ou o poder submisso ao governo de Deus.29
O idealismo moral e o progressivismo histórico esboçado por
Kant ajudaram a completar o cenário para o desenvolvimento da
“ alta” crítica como foi desenvolvida originariamente na Alemanha.
Na obra de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) essa crítica rei­
vindicou oferecer orientação à igreja para uma fé mais esclare­
cida. Fundamentando a autoridade religiosa na “ percepção de
absoluta dependência de Deus” , ele rejeitou as partes de ambos
os Testamentos mais distantes de um profundo senso interior
de divindade. O AT era, de fato, de muito maior valor do que a
mitologia grega. Ambas as tradições constituíram caminhos de pre­
paração para o evangelho. A filosofia de G. W. F. H egel (1770-1831)
e a teologia de F. C. Baur (1792-1860) provavelmente melhor repre­
sentam o progressivismo histórico do período. Em ambas, a religião
dos judeus foi parte de uma contínua realização de uma verdade
mais completa da história. A crítica bíblica de Julius Wellhausen
(1844-1918) pode muito bem ser vista suportando estas e também
mais recentes premissas racionalistas, em sua articulação do desen­
volvimento gradual da religião hebraica desde uma forma animista
nômade até a criação de um sistema racional de leis. De formas
diferentes A dolf Harnack (1851-1930) conduziu seu progressismo
de volta à busca pelo autêntico passado de Jesus, pondo de lado

29
C ontinuidade e descontinuidade

muito do AT, e A. F. Loisy (1857-1940) transportou-o para a futura


plenitude das implicações de sua pessoa.30
O historicismo racional junto com o valor poético do texto
tornou-se a forma mais eloquente de tratar os Testamentos. Outras
formas de fazê-lo podem ser vistas na escola de pensamento
da história da salvação, articulada por J. C. K. von Hoffman (1810-
1877), de Erlangen. Ele tentou reafirmar a unidade dos Testamentos,
perdida pelos interesses racionalistas ou poético-liberais, ao
discernir um sistema de história da salvação enraizado numa visão
orgânica da Escritura. Os eventos do texto, enraizados na história,
deram significado para o presente e importância ao futuro. Toda a
Escritura foi unida desse modo integral. Até mesmo a era atual foi
vista cheia de significado ao apontar para outro período milenário
por vir. Ernst W. Hengstenberg (1802-1869) foi outro que postulou
a unidade dos Testamentos, nesse caso em torno de um duplo tes­
temunho de Jesus como o Messias. Outros métodos de discernir a
unidade dos Testamentos podem ser vistos em Patrick Fairbairn
(1805-1874), pela tipologia, e em John H. Newman (1801-1890), por
um renovado senso de objetivo espiritual do texto.31
Em todo o século o milenismo, em parte, esteve no ar por m eio
de um penetrante reavivamento e uma atmosfera materialmente
eufórica. A tradição anglo-americana, preocupada com a realização
do governo de Deus na história, prosperou e baseou-se em questões
da inter-relação dos Testamentos. Para alguns, a igreja, como o
novo Israel, era herdeira de todas as promessas de Deus. Agostinho
havia com preendido essas promessas para encontrar seu cumpri­
mento espiritual na era da igreja, uma posição agora denominada
de amilenarismo. Essa perspectiva havia sofrido mudanças, parti­
cularmente desde Thomas Brightman (1562-1607), de forma que
alguns com preenderam que essas promessas deveriam ocorrer
literalmente num novo período milenar, revelando-se no mundo
antes da volta de Cristo para julgar, uma posição agora chamada de
pós-milenarismo. Os pré-milenaristas, igualmente certos do cum­
primento literal dessas promessas, discordaram exegeticam ente
ou por m eio do pessimismo social, crendo que tal ocorreria depois
da volta de Cristo para de fato governar sobre a terra. Tanto os pós-
milenaristas quanto os pré-milenaristas realçaram o papel do povo
judeu na história: os prim eiros como sinais do reino, e os últimos
como sinais e adequados receptores dele. Quanto ao milênio, das
três posições citadas, os pré-milenaristas se inclinaram à direção

30
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

de uma abordagem dispensacionalista dos Testamentos, enquanto


os outros dois foram mais de orientação federalista.32

0 SÉCULO XX

Em certo sentido, todo o espectro de questões que tem


ocorrido em relação aos Testamentos apareceu no século XX.
Guerra, mudança social e tendência intelectual trabalharam na
direção do fim do progressivismo do período anterior. Os estudos
de Albert Schweitzer (1875-1965), que apareceram num momento
de mudança social, sugeriam a realidade de um Jesus apocalíptico,
desconhecido da teologia contemporânea, arraigado no passado de
Israel. Aquele mundo, aberto a todos por meio de estudos arqueo­
lógicos e filológicos, revolucionou as perspectivas sobre o AT e sua
relação com o NT. O AT não pode mais ser comparado com fábulas
gregas, mesmo sendo esse o conceito defendido por alguns no
século anterior.33
A reafirmação da veracidade histórica do AT, a identidade
radical de Jesus, o lugar do ser humano perante a “ diversidade” de
Deus e a maneira pela qual tais idéias foram canalizadas por uma
teologia de “ crise” (principalmente a obra de Karl Barth [1886-
1968]) ajudaram a criar uma nova consciência teológica para a
nossa questão. Além disso, a escatologia da neo-ortodoxia, de forma
tão diferente quanto foi articulada, aprofundou, sem negar explici-
tamente, posições milenaristas tradicionais através de uma compre­
ensão mais imediata do reino de Deus. Isso ofereceu possibilidade
para trazer o poder profético do AT para as preocupações sociais
presentes (p. ex., os Blumhardts, os Niebuhrs, Jürgen Moltmann).
Esse movimento tornar-se-ia mais claro quando estendido por
posteriores teólogos da libertação, frequentemente devedores
às premissas marxistas ou secularistas, todavia em muitos casos
ligados à maneira na qual os primeiros movimentos reformados ou
cristãos restauracionistas usaram os Testamentos como guia para a
santidade compartilhada.34
Hoje, o estudo da inter-relação dos Testamentos está chegando
ao fim do seu segundo milênio. Enquanto isso acontece, estamos
conscientes das formas pelas quais as considerações hermenêuticas
moldam nossa compreensão da fé. Tais assuntos incluem a impor­
tância da história em seu próprio direito. A primeira pergunta para

31
C ontinuidade e descontinuidade

com preender qualquer texto é o que ele significa em seu contexto


original como determinado pela filologia, análise cultural, questões
de forma literária, estilo, propósito e comunicação. O desenvolvi­
mento de uma ciência de documentos, em certo sentido sempre
presente na história da igreja, tem sido uma contribuição importante
dos últimos dois séculos. Ele representa tendências que no com eço
pareceram destrutivas da fé, mas tem, com mais desenvolvimento,
frequentemente dado um novo suporte principal.
A questão do contexto histórico requer reconhecimento da
maneira pela qual a interpretação molda e é moldada pela compre­
ensão. Períodos de reorientação cultural, como o nosso, estão muito
conscientes disso. Um dos modelos enfatizados pela atual teoria da
interpretação é o do diálogo com um texto. Embora muito mais esteja
envolvido, esse m odelo reconhece que tanto nossa pré-compreen-
são quanto a integridade do texto precisam ser levadas em consi­
deração para se chegar a uma honesta avaliação de um documento
histórico. Além disso, ao prestar atenção num texto, é preciso lidar
com as perguntas que ele levanta. Essa prática tem provocado uma
nova consideração pela teologia harmonizada, visto que esta dis­
ciplina trata das mais profundas premissas assumidas pelos textos
e por nós mesmos. Interpretações exclusivamente sagradas ou
seculares são indefensáveis se lidamos com todas as questões que
nos confrontam num documento histórico. Finalmente, a importância
de uma comunidade de compreensão, ou fé, em desenvolver mais as
formas nas quais os documentos são usados deve ser considerada,
particularmente no nosso caso. A existência de dois Testamentos
que têm orientado comunidades religiosas vitais durante milênios
desempenha um papel central na forma pela qual compreendemos
os Testamentos individualmente e em inter-relacionamento.35
Muitas dessas considerações estiveram por trás do esboço
do Loccum Report (1978). Este relatório argumentava que o AT é
“ parte integral e indispensável da Escritura autorizada[...] nem
obsoleto nem antiquado [desde Cristo], nem deve ser considerado
meramente uma preparação para Cristo” . O relatório oferece dire­
trizes para interpretação, registrando que, além de considerações
cristológicas, existe uma “ especificidade” no AT: ele p od e oferecer
verdade não encontrada no NT. Além disso, a ideia de cumprimento,
usada em relação à promessa, é mais complexa do que anteriormente
considerada. Ele inclui perspectivas como tempo, lei e promessas.
Mais controverso é o ponto que trata do processo interpretativo que

32
C ontinuidade e descontinuidade: o debate ao longo da história da igreja

começa nas partes mais primitivas da Bíblia e continua no NT, amal-


gamando-se em linhas de tradição desenvolvidas nas igrejas. Este
assunto é muito importante para a inter-relação dos Testamentos.
Entretanto, sem considerações cuidadosas, ele pode obscurecer a
distinção entre revelação e tradição. Finalmente, o relatório oferece
uma nova afirmação da unidade teológica da Escritura, discernida
não somente em Deus, seu autor formal, mas também em idéias
como aliança, esperança e sabedoria.36

C o nclu são

A maneira precisa pela qual os Testamentos se relacionam


é uma discussão que continuará até o dia do juízo final. Todavia,
várias questões são esclarecidas pela história da igreja. Primeiro,
é claro que a percepção de Jesus sobre o AT tem sido fator orien­
tador em quase todos os períodos. A igreja tem consciência do que
se percebeu ser o método de Jesus de abordar a nossa questão.
Em segundo lugar, quatro formas de avaliar o inter-relacionamento
entre os Testamentos podem ser isoladas em termos de sua impor­
tância teológica: o AT pode ser lido como mera história; ele é quase
sempre lido por meio do NT; ele pode ser compreendido como
completo, de certa forma, em sua própria integridade teológica; ele
pode simplesmente ser visto como símbolo alegórico em relação
ao NT.
A implicação teológica dessas formas de leitura dos Testa­
mentos pode ser esquematizada como segue.37 Primeiramente,
se o AT é mera história, então nenhuma orientação em particular
é oferecida aos cristãos para a vida pessoal ou social. Não existe
garantia profética particular para a vinda de Jesus. Não há lugar
especial para os judeus na história. Cada agrupamento étnico pode
ser visto como tendo sua própria organização de salvação.
Em segundo lugar, se o AT deve ser lido através dos evangelhos,
então qualquer orientação que ele possa oferecer para os cristãos é
filtrada pela ética de Jesus. O texto pode ser lido por seu possível
valor profético ou cristocêntrico. A nação judaica antes de Cristo pode
ser vista como intérprete de um papel privilegiado na preparação do
advento dele, e tal atuação deve ser harmonizada, do mesmo modo,
depois dele. Além disso, o NT fornece o paradigma necessário para
responder a pessoas de outros ambientes culturais ou religiosos.

33
C ontinuidade e descontinuidade

Em terceiro lugar, se o AT é de alguma forma completo em


sua própria integridade teológica, então ele pode ser de imenso
valor para orientação do atual costume social, limitado somente por
considerações de tempo ou dispensação que se possa conceber.
O texto não é somente de valor cristocêntrico, mas p od e também
oferecer outras bases de autoridade. O povo judeu antes de Cristo
foi de especial importância; perm anece da mesma forma hoje.
Finalmente, uma crítica maior é apresentada aos de outras crenças,
no que se refere a ambos os Testamentos serem considerados o
local da verdade religiosa normativa.
Em quarto lugar, se o AT é somente um símbolo alegórico, o
texto pode oferecer pouco mais do que mitos ou fábulas de outras
culturas às categorias apresentadas acima.
Três pontos de natureza teológica ainda mais fundamen­
tal devem ser notados para uma questão de conclusão. Primeiro, o
inter-relacionamento dos Testamentos aponta para o progresso da
revelação. Jesus Cristo representa o ápice da verdade religiosa (Hb
1.1-3). Ele é o meio da unidade com Deus. Como Deus, ele é também
nosso fim. Entretanto, se a revelação anterior é melhor compreen­
dida como sendo uma linha de desenvolvimento ou uma reunião de
momentos preditivos anterior à finalização da revelação em Jesus
Cristo, esse é um assunto de contínuo debate. Em segundo lugar,
as perspectivas escatológicas atuais são derivativas de como essa
questão é abordada. Pode-se dizer que na história da igreja são
conhecidos dois caminhos de Deus. Um enfatiza o movimento hori­
zontal ao longo do tempo. Quanto mais adiante estivermos na história,
mais perto estamos, em certo sentido, de Deus. O outro acentua o
movimento vertical. Qualquer um, em qualquer ponto da história, está
de igual modo perto de Deus por meio da visão mística ou espiritual.
Esses dois movimentos não precisam ser mutuamente exclusivos.
Finalmente, como ponderar a revelação anterior continua a
ser um tema de debate à medida que a igreja busca cumprir seu
mandato missiológico. O AT p od e ser visto como revelação fora
de uso, não mais aplicável ao desafio social profético, à santidade
pessoal ou para orientação em relação aos de outras crenças.
Poucos grupos são consistentes ao tratar desses assuntos. A
Bíblia, o livro que une a igreja, frequentemente a divide.38

34
Parte II

Os sistemas teológicos
e os Testamentos
2

Sistemas de continuidade

Willem VanGemeren

A NOÇÃO DA ALIANÇA NA TEOLOGIA REFORM ADA 1

urante quase quinhentos anos o conceito de aliança deu

D unidade à teologia reformada. A história do calvinismo


revela uma consciência de unidade entre o AT e o NT, entre
as várias partes da Escritura e os lo ci da teologia sistemática.
Essa afeição natural por unidade estimulou a teologia federal
ou teologia das alianças, mas não sem complicação. A ideia da
aliança tem recebido ataques de fora e de dentro, tem passado por
desenvolvimentos filosóficos além do reconhecimento bíblico, tem
sido a base para o progresso e o atraso da doutrina reformada,
e ainda está sendo usada como forma de diferenciar os sistemas
de teologia reformados dos não reformados. O que é a teologia
“ da aliança” ? Quais são seus pontos fortes e fracos? Como se
desenvolveu a teologia da aliança (federalism o)? Qual a relação
entre Calvino e a teologia da aliança?
C ontinuidade e descontinuidade

O TEMA DA ALIANÇA EM CALVINO

O princípio de “ aliança” como conceito unificador não é a


principal contribuição de Calvino à teologia. Calvino (1509-1564),
líder da Reforma em Genebra, é melhor lembrado por sua contribui­
ção à interpretação bíblica2e por sua contribuição à teologia escato-
lógica e cristologicamente orientada.3 O estudo dos comentários e
a revisão das Institutas mostram como Calvino esteve continuamente
ocupado em desenvolver seu pensamento teológico em correspon­
dência com suas conclusões exegéticas.4Para Calvino, o pensamento
teológico, a interpretação bíblica e o viver cristão eram expressões
completas do amor a Deus e da alegria de uma vida em Cristo cheia
do Espírito. Em toda a sua obra ele permaneceu como um pastor
de coração.5 Lamentavelmente, a teologia de Calvino tem sido
julgada pela de seus seguidores que, às vezes, bloqueiam a riqueza
da teologia de Calvino pela ênfase que dão aos cinco pontos do
calvinismo, pela prontidão em limitar a teologia reformada a uma
expressão confessional, por reduzir o envolvimento de Deus na
graça à parte da natureza, restringindo o calvinismo a uma expressão
cultural, ou por afastar a responsabilidade humana. Sobre afastamen­
tos como esses, Packer acertadamente comenta: “ Mas nem sempre
seria seguro julgar sua teologia pela dos outros” .6
O talento de Calvino está em seu amor ao Deus triúno,7 como
revelado na criação e na Escritura. A harmonia essencial entre os
dois Testamentos e a diversidade do ensino da palavra de Deus vêm
de Deus. Considerando que Deus é um, os muitos livros da Bíblia
contribuem para o conhecimento dele. Mas não existe conheci­
mento de Deus, exceto como revelado em Jesus Cristo. Esse aspecto
devocional de Calvino tem relação com sua preocupação com a
unidade da Bíblia.

O se n tim e n to d o m in a n te d e C a lv in o e r a q u e D e u s , a fon te,


p e r m a n e c e s s e , e, n o fim d e t o d a s as c o is a s , r e c e b e s s e a g l ó r i a
q u e lh e e r a d e v id a [...] o c e n tro d a p r e o c u p a ç ã o d e C a lv in o
[...] e r a s u a a n s ie d a d e e m v e r o s h o m e n s p e n s a n d o b i b l i c a -
m e n te a r e s p e it o d e C risto , e e s s a g r a ç a é o te m a d e c o e s ã o
q u e u n e o s d o is T e s ta m e n to s .8

A principal contribuição de Calvino não está no desenvol­


vimento do conceito da aliança como uma estrutura abrangente.

38
S istemas de continuidade

Em vez disso, ele sustentou a unidade da aliança como resultado


da preocupação pela honra de Deus e pela causa da clareza do
evangelho. Está claro nas Institutas que ele desenvolve a unidade da
aliança de forma mais consistente em seu confronto com os anabatis-
tas.9Estes, enfatizavam as diferenças entre a antiga e a nova. Contra
a bifurcação da Escritura, Calvino apresentou “ uma” aliança da
graça, administrada diferentemente antes da vinda de Jesus Cristo
e desde então. As administrações diferentes, também conhecidas
como dispensatios (dispensações) em latim, estão organicamente
relacionadas umas às outras. As administrações estão interconecta-
das, revelando pontos de continuidade e descontinuidade. Calvino
insiste que sempre houve continuidade entre Israel e a igreja em
termos de eleição para comunhão eterna com Deus e contentamento
dele; a participação nas bênçãos da comunhão com Deus e da vida
eterna era somente pela graça divina, não pela justiça das obras; e
o gozo temporal e eterno dos benefícios da salvação estava sempre
em Jesus Cristo. Pertinente à unidade da aliança é a promessa de
Deus em Gênesis 17.7 para ser o teu Deus e da tua descendência.10
O tema da aliança é plenamente desenvolvido nas Institutas
(Livro II, caps. ix-xi), em seus comentários e, especialmente, em
seu comentário sobre Gênesis; sobre este G. Schrenk observou que
Calvino atravessa todo o seu comentário como um fio condutor.11
Nas Institutas Calvino postula:

• A s u p e r io r i d a d e d a n o v a a lia n ç a e m Jesus C ris to (I l . i x . l );

• A p r e s e n t e r e le v â n c ia d a s p r o m e s s a s d a a n tig a (II.ix .3 );

• A p le n it u d e d a s p r o m e s s a s é g a r a n t id a e m Jesus C risto ,
p r e d it a s n a a n tig a e c u m p r id a s n a n o v a , “ o e v a n g e lh o a p o n ta
c o m o d e d o o q u e a le i p r e n u n c io u c o m f ig u r a s ” (II.ix .3 );

• E x iste u m c a m in h o d e s a lv a ç ã o s o b a a n tig a e a n o v a (II.ix .4 );

• A c o n tin u id a d e e n tre a a n tig a e a n o v a e s tá c e n t r a d a e m João


Batista (II.ix .5 );

• O p o v o d e D e u s é s e m p r e s a lv o p o r um m e d ia d o r , Jesus C ris to
(I I . x . l ). O S e n h o r n a d a e s p e r o u a n ã o s e r “f é ” n e le , i n d e p e n ­
d e n t e m e n t e d a s d ific u ld a d e s d a v i d a (I I .x .l 1,12);

• O p o v o d e D e u s a n tes d e C ris to fo i “ a d o t a d o n a e s p e r a n ç a
d a im o r t a lid a d e ” e tev e p le n a c e r t e z a d e s u a s a lv a ç ã o (II.x .2 ),
p o r q u e a g r a ç a d e D e u s e a e s p e r a n ç a d e le s e s ta v a m e m

39
C ontinuidade e descontinuidade

C r is t o , “ o M e d ia d o r , p o r m e io d e q u e m e le s fo r a m u n id o s a
D e u s e v ie r a m a c o m p a r t ilh a r d e s u a s p r o m e s s a s ” (II.x .2 );

• O s sa n to s s o b a a n tig a a lia n ç a a g u a rd a v a m a n s io s a m e n te a
v i d a e t e r n a e o c u m p rim e n t o d a s p r o m e s s a s (I I . x . 3 , 7 , 8 , 13-17);

• A a lia n ç a , p r o m e s s a s e b ê n ç ã o s fo r a m o u t o r g a d a s s o b a
a n tig a a lia n ç a “p e l a liv r e m is e r ic ó r d ia d e D e u s ” e c o n fir m a d a s
“p e l a in t e r c e s s ã o d e C r is t o ” (II.x .4 ); o S e n h o r fo i b o m p a r a o
s e u p o v o (II.x .9) e o d e v o to r e s p o n d e u à s u a g r a ç a p r o c u r a n d o
p e l a C i d a d e d e D e u s (II.x .1 0 );

• A a lia n ç a an tes d e C ris to p o s s u i s e m e lh a n t e s sin a is p a c tu a is ,


r e p r e s e n t a n d o a g r a ç a c o n c e d id a a o p o v o d e D e u s (II.x .5 );

• A f é é a r e s p o s t a e x t e r io r à g r a ç a d e D e u s , s u p o r t a n d o d ifi­
c u ld a d e e aflição. E sta p e r s e v e r a n ç a m a r c o u o s p a t r ia r c a s e o
d e v o to s o b a a n tig a a lia n ç a , c o m o s e e le s o lh a s s e m a lé m d a s
c a la m id a d e s p r e s e n t e s p a r a o futuro, d a s q u a is o S e n h o r h a v ia
fa la d o (II.x. 11-22);

• E x is te m d if e r e n ç a s d istin ta s e n tre a a n t ig a e a n o v a , m a s tu d o
d e v e s e r v isto d a p e r s p e c t i v a d a s o b e r a n ia d e D e u s (II.x i. 14):

- Ê n f a s e s o b r e o s b e n e fíc io s te r r e n o s (II.x i.1 -3 );

- U s o d e s o m b r a s , im a g e n s e figuras s o b a a n tig a (II.x i.4 -6 ),“ a


a lia n ç a q u e e le u m a v e z e s t a b e le c e u c o m o e te rn a e im p e r e -
c ív e l [...] s e u c u m p rim e n to [...] é C risto. E n q u a n to e s s a c o n ­
firm a ç ã o foi a g u a r d a d a , o S e n h o r d e s ig n o u [...] c e rim ô n ia s
q u e fo ra m [...] s ím b o lo s s o le n e s d a q u e la c o n fir m a ç ã o ” (II.
x i.5 ). S o b a an tiga, o p o v o d e D e u s d e s fru to u a p r e s e n ç a d o
reino, m a s e m C risto , “ o re in o d e D e u s s e a b r i u ” (II.x i.5 );

- N a a n tig a o S e n h o r tratou c o m Is ra e l c o m o filh os e lh e s


e n s in o u p e la “le tr a ” d a lei, m a s e m C ris to a im p o rtâ n c ia d o
“e sp iritu a l” é m ais a p a re n te (II.x i.7 ,8);

- Portanto, a p o s iç ã o d e p o v o d e D e u s s o b a an tiga p o d e s e r
c o m p a r a d a à “e s c r a v id ã o ” e a d a nova, à “l ib e r d a d e ” (II.xi.9).
Isto n ã o e x c lu i q u e o s santos s o b a an tiga c o m p a rtilh a ra m
d a m e s m a aliança, d e sfru ta ra m d o s m e s m o s b e n e fíc io s d a
alia n ç a p o r Cristo, o único m e d ia d o r, e p a rtic ip a m d a “n o v a
a lia n ç a ” q u e existe d e s d e q u e o m u n d o c o m e ç o u ! (II.xi.10);

- A a n tig a a lia n ç a re s trin g ia a m e m b r e s ia a Israel, e n q u a n to


a n o v a é a b e r t a a to d o s (Il.xi. 1 1 ,1 2 ).

40
S istemas de continuidade

Assim, as promessas, as bênçãos e os benefícios espirituais


desfrutados pelo povo de Deus antes de Cristo foram dados livre
e graciosamente a todos os que creram no Deus da promessa e
que, dessa forma, colocaram sua fé também no Messias de Deus, o
mediador da única aliança. A antiga e a nova alianças diferem em
termos de clareza e certeza; mas Deus tem um plano de salvação,
um m ediador e um propósito escatológico do qual todo o seu povo
compartilha. Isto é, em essência, “ a aliança da graça” . É uma admi­
nistração de graça, como o Senhor oferece livre e graciosamente
os benefícios da comunhão com ele. Os benefícios da aliança não
dependem da resposta humana, ou da ausência dela, porque é o
Senhor que promete, confirma a palavra empenhada e sela a aliança
por seu próprio nome.

A ALIANÇA NO SÉCULO XVI

Calvino não esteve sozinho em sua ênfase e busca por


unidade. Bullinger (1504-1575), líder da Reforma em Zurique,
também delineou a aliança como um princípio organizador.12Assim
como Calvino, Bullinger foi uma segunda geração de reformadores
e se opôs à ênfase anabatista sobre a descontinuidade. Ele também
projetou a ideia da aliança como uma das pontes entre a antiga e a
nova. Entretanto, a aliança ainda não é um tema abrangente.
As limitações impostas ao nosso estudo não permitem uma
abordagem mais ampla. Faremos uma breve consideração de alguns
exemplos no desenvolvimento da teologia da aliança. Os teólogos
reformados distinguiram de várias formas as alianças, mas em geral
eles sustentaram que Deus fez um “ contrato” com o homem e que
esse contrato é a garantia de nossos benefícios em Jesus Cristo.
Entretanto, a aliança não foi um tema abrangente até o século XVII.
A Confissão de fé belga (1561) se espelhou na Confissão das
igrejas reformadas, de Calvino (1559). Essa confissão desenvolve
as áreas da preocupação teológica, mas notadamente carece de
desenvolvimento sobre a aliança. A relação pactuai, assumida pela
confissão, chega a uma breve expressão no Artigo XXV. De acordo
com esse artigo de fé o período da “ le i” é caracterizado por “ ceri­
mônias e símbolos” que são sombras da “ verdade e substância” em
Jesus Cristo. Todavia, com o desaparecimento da sombra, “ usaremos
os testemunhos tomados da lei e dos profetas para confirmar-nos na

41
C ontinuidade e descontinuidade

doutrina do evangelho, e para regular nossa vida em toda dignidade


para a glória de Deus, de acordo com a vontade d e le ” . Com a vinda
de Cristo a inclusão pactuai de filhos ainda está vigente, como lemos
no Artigo XXXIV:

... e p o r c o n s e g u in t e e le s [o s filh o s ] d e v e m r e c e b e r o sin a l e


s a c ra m e n to d o q u e C ris to fe z p o r e le s ; c o m o o S e n h o r o r d e n o u
n a le i q u e e le s d e v e r ia m s e r c o p a r t ic ip a n t e s d o s a c ra m e n to
r e fe r e n te a o s o frim e n to e à m o rt e d e C risto , lo g o d e p o i s d e
te re m n a s c id o [...] A l é m d is so , o q u e a c irc u n c is ã o fo i p a r a o s
ju d e u s , o b a tis m o é p a r a n o s s o s filh os. E p o r e s s a ra z ã o S ã o
P a u lo c h a m a o b a t is m o d e c irc u n c is ã o d e C risto.

Os nomes de Gaspar Oleviano e Zacarias Ursino estão asso­


ciados ao Catecismo de Heidelberg. Ursino (1534-1583) estudou sob
a orientação de Melâncton e Calvino, mas foi criticado por aderir
às opiniões reformadas da Alemanha luterana. Frederico III, eleitor
do Palatinado, convidou-o para ensinar teologia em H eildelberg
(1561), capital do 'Eleitorado Germânico do Palatinado, e para
compor uma declaração confessional. Ursino, junto com Gaspar
Oleviano13 (1536-1587), pregador da corte, e outros esboçaram o
Catecismo de Heidelberg (1563). Sua imediata popularidade serviu
à causa do calvinismo, e seu uso como base para a pregação dou­
trinária no domingo favoreceu a compreensão popular da herança
reformada. Por exemplo, ele foi traduzido, incorporado na tradução
alemã do Saltério de Genebra (1566), e aceito como uma das Formas
de Unidade por um dos sínodos nacionais das igrejas reformadas
alemãs do século XVI. Seu ânimo pacífico, embora viesse fora do
contexto da controvérsia luterano-reformada,14 contribuiu para
sua grande popularidade. A Confissão de H eidelberg contém
notadamente pouco da natureza da aliança, mas respira o espírito
reformado da unidade pactuai. A salvação na Escritura é de natureza
pactuai, à medida que se apresenta mais explicitamente no comen­
tário de Ursino sobre o catecismo:

... a a lia n ç a [...] [é ] u m a p r o m e s s a e a c o r d o m ú tu o e n tre D e u s


e os h o m e n s , e m q u e D e u s d á s e g u r a n ç a a o s h o m e n s d e q u e
e le s e r á m is e r ic o r d io s o p a r a c o m e le s [...]. E, p o r ou tro la d o ,
o s h o m e n s s e c o m p r o m e t e m c o m D e u s [...] q u e e x e r c e r ã o o
a r r e p e n d im e n t o e a fé [...] e c o m e s s a o b e d i ê n c i a s e r ã o a c e i­
tá v e is a e l e . 15

42
S istemas de continuidade

Ele ajuda a delinear como as duas administrações pactuais se


parecem e se diferenciam:

ANTIGA: NOVA:
P erd ão Id e m

V id a ete rn a Id e m

Fé Id e m

O b e d iê n c ia Id e m

B ê n ç ã o s t e m p o r a is B ê n ç ã o s g e r a is

A d o r a ç ã o c e r im o n ia l A d o r a ç ã o e s p iritu a l

R e g im e m o s a ic o S e m c o m e n t á r io

G r a ç a d a d a n a e x p e c t a t iv a G ra ç a d a d a p o r causa
d a v in d a d o M e s s ia s d o M e s s ia s

M u ito s s a c ra m e n to s D o is s a c ra m e n to s :
b a t is m o e c e ia d o S e n h o r

T ip o s e s o m b r a s C u m p r im e n t o

O b s c u rid a d e P le n a c o m p r e e n s ã o

D e r r a m a m e n t o lim ita d o P le n o d e r r a m a m e n t o
d o E sp írito d o E s p írito Santo

D u r a ç ã o lim ita d a P a ra s e m p r e

S u b m is s ã o a to d a s a s le is S u b m is s ã o a p e n a s à le i m o ra l

L im ita d a a Is ra e l A b e r t a a to d a s a s n a ç õ e s 16

O batismo também é visto da perspectiva da aliança. Assim, o


Catecismo de Heidelberg afirma na resposta 74:

... d e s d e q u e e le s [o s filh o s ], b e m c o m o o s a d u lto s, e s tã o


in c lu íd o s n a a lia n ç a e n a I g r e ja d e D e u s , e d e s d e q u e tanto
a r e d e n ç ã o d o p e c a d o c o m o o E s p írito Santo, o a u to r d a fé,
sã o a e le s p r o m e t id o s p e l o s a n g u e d e C risto , n ã o m e n o s d o
q u e a o s a d u lto s, e le s d e v e m t a m b é m , p e l o b a tis m o , c o m o sin a l
d a a lia n ç a , s e r e n x e r t a d o s n a I g r e ja c ris tã [...] c o m o fo i fe ito
n a a n tig a a lia n ç a o u te sta m e n to p e l a c irc u n c isã o , e m lu g a r d o
q u a l o b a t is m o fo i in stitu ído n a n o v a a lia n ç a .

43
C ontinuidade e descontinuidade

A TEOLOGIA DA ALIANÇA NO SÉCULO XVII

O século XVII testemunhou uma importante cristalização e


endurecimento do pensamento calvinista.17 Aliança passou a ser
identificada com calvinismo. De fato, uma expressão particular de
teologia da aliança (ou teologia federal) identificada com Voetius e
Turretin projetou a estrutura de definição da ortodoxia reformada
durante séculos.
O desenvolvimento a partir de Calvino até a teologia federal
(do latim: foedus = aliança) não ocorreu sem críticas.18 Alguma
crítica é bem merecida, porque os teólogos federais operaram com
um conceito errôneo de aliança e separaram o tema da aliança cada
vez mais da Bíblia. Consideremos essas duas críticas.
Primeira, a ideia de pacto foi importante para o desenvolvi­
mento da teologia da aliança. Os teólogos da aliança do século XVII
definiram aliança como um contrato entre Deus e o homem. John
Murray tem, acertadamente, criticado a errônea compreensão deles
do costume bíblico.19 Murray argumenta de um jeito bíblico-teoló-
gico que a Bíblia apresenta Deus tomando a iniciativa da aliança.
Uma aliança é uma divina administração de graça e promessa e, dife­
rentemente de um pacto, ela não depende da resposta do homem.
O Senhor em sua graça pode perdoar o povo rebelde da aliança,
não tomar conhecimento de suas transgressões e, em sua soberania,
renovar a aliança com suas próprias condições.
Mais recentemente, James B. Torrance explicou como a
teologia federal confundiu aliança com contrato e substituiu o “ Deus
da aliança” por um “ Deus do contrato” .20 Isso resultou, de acordo
com James Torrance, numa inversão da lei sobre a graça, o que
explica o legalismo associado com a teologia da aliança e também a
bifurcação de natureza e graça.21
Em segundo lugar, a abstração da ideia de aliança. A “ aliança”
foi tirada do foco cristológico e escatológico - tão querido de Calvino.
Em vez disso, ela tornou-se um princípio abrangente pelo qual
pode-se explicar a eleição e a predestinação. Os teólogos falaram
da aliança eterna (a aliança da redenção ou de paz)22 como distinta
das alianças temporariamente administradas (aliança das obras,
aliança da graça) e da aliança dentro da Trindade contra a aliança
com o homem. A preocupação de James Torrance é bem expressa
quando ele demonstra como a teologia federal enfraqueceu a

44
S istemas de continuidade

doutrina reformada de Deus, de Jesus Cristo e do Espírito Santo. Em


resumo, ele argumenta, os teólogos de Westminster escolheram um
padrão legal em vez de um padrão trinitário:

A d o u trin a d o E sp írito te ria , s e m d ú v id a , r e c e b i d o u m lu g a r


m a is c o m p le t o se os t e ó lo g o s de W e s t m in s t e r tiv e s s e m
a d o t a d o u m p a d r ã o trin itário p a r a a c o n fis s ã o .23

Outro tipo de crítica tem sido apontado contra a teologia da


aliança. Alguns críticos têm argumentado contra a continuidade
entre Calvino e a teologia federal representada na Confissão de
Westminster. Assim escreve R. T. Kendall:

A t e o lo g ia d e W e stm in ste r, en tão , r e p r e s e n t a u m a fa sta m e n to


s u b s t a n c ia l d o p e n s a m e n t o d e João C a lv in o [...]. A t e o lo g ia d e
W e s t m in s t e r m a l m e r e c e s e r c h a m a d a d e c a lv in ista - e s p e ­
c ia lm e n te s e e s s e te rm o im p lic a r o p e n s a m e n t o d o p r ó p r io
C a lv in o .24

Paul Helm deu uma resposta a essa questão. Ele pergunta:


“ Será que a opinião de Calvino torna razoável afirmar [...] que a
teologia da aliança da Confissão de Westminster e outras confissões
semelhantes representam uma legítima evolução da teologia de
Calvino?” 25 Helm define a essência da teologia da aliança em torno
de quatro conceitos inter-relacionados: a aliança eterna de redenção
entre o Pai e o Filho, a liderança federal de Adão, a unidade do pacto
da graça e a justificação pela fé.26 Ele desenvolve um argumento
lógico para esses interesses começando com as Institutas de Calvino
e recorre aos contemporâneos de Calvino (01eviano,Tyndale, Pedro
Mártir, Bucer e Bullinger) no contexto histórico dos anabatistas e aos
arminianos.27 Helm conclui que a teologia da aliança foi de fato uma
evolução prática das posições teológicas de Calvino em resposta às
questões dos séculos XVI e XVII:

... o d e s e n v o lv im e n t o d a t e o lo g ia d a a lia n ç a n ã o fo i u m r a c io ­
cín io le n to e m e r a m e n t e a c a d ê m ic o c o n s tru íd o d e n tro d a
t e o lo g ia r e fo r m a d a , n e m u m d e s v io e s p e c u la tiv o , m a s sim u m a
ta re fa á r d u a e p rá tic a , o p r o d u t o d e m u ito s fa to re s [...] fo i o
d e s d o b r a m e n t o , e m d e ta lh e s , d o p r in c íp io r e fo r m a d o b á s ic o :
a g ló r i a d e D e u s n a s a lv a ç ã o d o s p e c a d o r e s . 28

45
C ontinuidade e descontinuidade

A Confissão de Fé de Westminster apresenta a teologia da


aliança de forma mais abrangente e sistemática. Ela faz distinção
entre a aliança das obras e a aliança da graça. A aliança das obras é a
aliança feita com Adão, na qual o Senhor prometeu vida a ele e a seus
descendentes “ sob a condição de obediência perfeita e pessoal” .29A
aliança da graça se estende da queda do homem até a nova criação e
é dividida em duas administrações: o AT e o NT.30As diferenças entre
as duas administrações dizem respeito à clareza da revelação e à
abrangência da salvação, não à maneira diferente de salvação. Sob
a antiga aliança o Senhor se revelou em promessas, tipos e ordenan­
ças a Israel. A experiência de Israel de salvação e a revelação de
Deus foram para eles “ suficiente e eficaz, pela operação do Espírito,
para instruir e edificar o eleito na fé no Messias prometido, por quem
tiveram plena remissão dos pecados e salvação eterna” .31 Desde a
vinda de Cristo, a salvação se estende aos gentios e aos judeus, e
essa salvação é desfrutada mais plenamente e com grande eficácia,
embora com menos aparente “ glória” .32 No entanto, as duas dis-
pensações são dispensações de “ uma só e da mesma” aliança da
graça.33
De acordo com a Confissão de Westminster, as duas adminis­
trações da aliança da graça são “ le i” e “ evangelho” .34 A “ le i” está
relacionada à era do AT, caracterizada por “ promessas, profecias,
sacrifícios, circuncisão, o cordeiro pascal e outros tipos de orde­
nanças [...] tudo prenunciando o Cristo que viria” .35 O “ evangelho”
remete à era introduzida pela encarnação de nosso Senhor, “ quando
Cristo, a essência, foi mostrado” .36 Essa distinção entre os dois
Testamentos é confirmada por Turretin (1623-1687), que distinguiu
entre a revelação de Deus antes e depois de Cristo como Vetus
Testamentum (AT) e Novum Testamentum (NT).37
Na Confissão de Westminster o lugar da aliança é significa­
tivamente colocado entre a doutrina de Deus38 e o capítulo sobre
o papel mediador de Cristo.39 Por conta da condição caída do
homem,40 o Senhor condescendeu voluntariamente à necessidade
do homem e fez uma “ aliança” com ele.41 Essa aliança é definida
como “ a aliança da graça; na qual Deus oferece gratuitamente aos
pecadores vida e salvação por Jesus Cristo; requerendo deles tão
somente fé nele, para que possam ser salvos, e prometendo dar seu
Espírito Santo a todos que estão ordenados para a vida eterna, para
torná-los dispostos e capazes de crer” .42

46
S istemas de continuidade

TURRETIN, O ESCOLASTICISMO
E O PRESBITERIANISMO DA ESCOLA ANTIGA

A teologia reform ada escolástica floresce nos escritos de


Voécio e Turretin. Eles forn ecem a estrutura essencial da teologia
reform ada durante vários séculos. G isberto Voécio (1588-1676)
desenvolveu a abordagem mais sistemática, inerente no pen ­
samento de Calvino. Lamentavelmente, sua insistência no fe d e ­
ralismo afetou a com preensão e a interpretação da Bíblia, que
tornou-se praticamente um servente da teologia, um livro de
recurso, um manual de textos com probatórios. Voécio é lem brado
por sua discordância da abordagem mais historicamente condi­
cionada de C oceio sobre a natureza da aliança.43 Com Voécio a
“ teologia da aliança” torna-se “ o sistema” ou estrutura da teologia
reformada.
Contra a abordagem de Voécio a respeito da teologia da
aliança coloca-se a abordagem bíblico-exegética, como argumen­
tada por Coceio (1603-1669), que estudou com Martini, um ardente
defensor da teologia da aliança, em Bremem. João C oceio44 ensinou
em Bremem (1630-1636), Franeker (1636-1650) e em Leiden (até
1669). Seu principal interesse era a teologia exegética. Esse desen­
volvimento da teologia da aliança, de orientação exegética, levou
a um confronto com Voécio, professor de teologia de Utrecht.
Coceio, como teólogo exegético da aliança,45 fez distinção entre
as várias administrações da aliança da graça antes e depois da
vinda de Cristo.46 Seus esforços se concentraram na atividade de
ouvir novamente a Palavra de Deus, ou seja, promover um retorno à
Palavra, e também se afastar da abordagem escolástica, filosófica e
dedutiva da Bíblia e da aliança.47 Ele promoveu princípios claros de
interpretação bíblica:48

• O e s t u d o d a B íb lia d e v e s e r c ris to c ê n tric o e e s p iritu a l;

• A in t e r p r e ta ç ã o d e u m texto e n v o lv e o c o n te x to “ to ta l” d e
t o d a a B íb lia , c o m o c o n c lu i E b r a r d ,

(C o c e io ) e s t a b e le c e u o p r in c íp io e x e g é t ic o de que to d a
p a s s a g e m d e v e s e r in t e r p r e t a d a d e a c o r d o c o m s e u co n te x to ,
e te m s o m e n te o s e n tid o a o q u a l o c o n te x to c o n d u z . E le e x tra iu
s u a t e o lo g ia d ire ta m e n te d a B íb lia , e d e la s o m e n te ; e a s s im s e
c o lo c o u e m o p o s iç ã o a o s e s c o lá s t ic o s e a o s c a r t e s ia n o s .49

47
C ontinuidade e descontinuidade

• A E sc ritu ra é m a is im p o rta n te q u e a tra d iç ã o , e a e x e g e s e é


re q u is ito p a r a a t e o lo g ia . M c C o y e s c r e v e :

C o c e i o n ã o d e v e s e r c o m p r e e n d id o r e je it a n d o a a u t o r id a d e
d o s c r e d o s [...]. T o d a v ia , o c a te c is m o e a c o n fis s ã o d e v e m s e r
in t e r p r e t a d o s à lu z d a B íb lia , n ã o o in v e rs o .50

• O S e n h o r d a C r ia ç ã o fa la ao h o m e m n a li n g u a g e m d o h o m e m ;

• A B íb lia c o m o liv ro d e D e u s e d o h o m e m r e v e la o r e la c io n a ­
m e n to d iv in o -h u m a n o n a m e t á fo ra d e “ a lia n ç a ” ;

• A E sc ritu ra r e v e la u m h a r m o n io s o p la n o d e D e u s , e o te m a d a
a lia n ç a s e r v e c o m o u m p r in c íp io o r g a n iz a d o r , e m b o r a le v e e m
c o n ta d ife r e n ç a s :

U n id a d e e c o n s is tê n c ia p e r c o r r e m s e u s v á r io s e s t á g io s , a in d a
q u e s e ja n o ta v e lm e n te distin ta q u a n d o a p lic a d a a d ife r e n t e s
c irc u n s tâ n c ia s .51

• A a lia n ç a é u m a e x p r e s s ã o g r a c io s a d o c o m p r o m is s o d e D e u s
c o m o h o m e m e c o m a r e v e la ç ã o d o p la n o d e s a lv a ç ã o , e d e
s e u g o v e r n o “ c o m o u m b o m e fie l m o n a r c a ” .52

Turretin (1623-1687), assim como Voécio, interessou-se por


uma abordagem sistemática da teologia.53 Ele fez mais do que
qualquer outro teólogo do século XVII, quando definiu “ o sistema”
da teologia da aliança, enfatizando os elementos soteriológicos
do calvinismo: os decretos de Deus, a predestinação, a reprovação
e a salvação. Ele deu pouca atenção à descontinuidade,54 à teologia
exegética ou às correlações da aliança com a encarnação feitas por
Calvino e com a gloriosa esperança do cumprimento das promessas
de Deus. Ele também definiu aliança como “ um contrato” que o
homem rompeu e que deve ser tratado de maneira legal, forense.55
Com base no conceito contratual, Turretin desenvolveu uma estrutura
racional para a salvação do homem. Mas, como observa Beardslee, “ a
teologia da aliança [...] é, se usada abstratamente, apenas tão ‘esco-
lástica5como qualquer outro esquema” .56Infelizmente,Turretin imitou
o subsequente desenvolvimento da teologia da aliança, inibindo a
criatividade e, dessa forma, o estudo da Bíblia.57
A abordagem de Turretin à teologia da aliança pode bem ter
preparado o caminho para a ortodoxia morta, o fracasso em capturar

48
S istemas de continuidade

a mente dos homens no período do Iluminismo e, também, da teologia


da Nova Inglaterra.58 Os presbiterianos da antiga escola se reuniram
em torno do sistema teológico de Turretin como a expressão do cal-
vinismo ortodoxo. Sua Institutio foi reimpressa na América em 1847.
O Seminário Teológico de Princeton59 teve um ardente defensor de
Turretin em seu fundador, Archibald Alexander. Ele adotou as formu­
lações teológicas de Turretin como o texto em teologia sistemática.
Charles Hodge, aluno e sucessor de Alexander, estimulou o estabe­
lecimento da abordagem de Turretin em solo americano durante o
mandato de 56 anos em Princeton. Hodge desenvolveu sua Teologia
sistemática em três volumes usando a lógica indutiva baseada nas cate­
gorias da filosofia do senso comum escocesa. Através da influência
de Alexander e Hodge, a síntese de Turretin da teologia reformada foi
entrincheirada em Princeton de 1812-1929.60A teologia de Princeton
contribuiu ricamente para a estrutura do cristianismo nos Estados
Unidos: de um lado a teologia de Turretin, os padrões de Westminster
(e o Breve catecismo e o maior), a defesa da Escritura, os apologetas
evidencialistas,61 a rejeição de um cristianismo anti-intelectual; por
outro lado, um cristianismo liberal e a promoção da espiritualidade
sem as armadilhas do emocionalismo ou triunfalismo.62

R um o a u m a n o v a s ín t e s e

A tradição da antiga teologia de Princeton progrediu no


Seminário Teológico de Westminster, mas não sem passar por
importantes mudanças. As mudanças já estavam acontecendo
em Princeton. Mas a abordagem racionalista da teologia impediu
Princeton de reagir rápida e totalmente à crítica da Bíblia e inocular
pastores e pessoas com ensino positivo resultante de melhores con­
clusões exegéticas e bíblico-teológicas. Durante o século XIX havia
surgido a alta crítica e o questionamento de importantes doutrinas.
O esforço da alta crítica estava em sua suposta preocupação com
a exegese da Bíblia sem as “ armadilhas” da teologia. A ênfase de
Princeton na clareza da formulação teológica não podia se ajustar
às novas ênfases. O foco na “ verdade” estática, imutável e a insen­
sibilidade da teologia de Princeton em se ajustar às novas questões
e ao “ condicionamento histórico” da Escritura colocaram Princeton
numa posição perigosa.63Por volta do final do século XIX mudanças
estavam se aproximando. As mudanças eram duplas e continua­
ram no Seminário Teológico de Westminster. Primeira, a nomeação

49
C ontinuidade e descontinuidade

de Geerhardus Vos (1862-1949)64 para a recém-criada Cadeira


de Teologia Bíblica (1893). Segunda, uma nova abertura à diver­
sidade na teologia reformada, como evidenciado pelos vínculos
entre os teólogos holandeses Kuyper e Bavinck com o Seminário de
Princeton. Esses acontecimentos ocuparão agora a nossa atenção.
Primeiro, a renovada atenção à teologia exegética e bíblica.
A nomeação de Geerhardus Vos para a Cadeira de Teologia
Bíblica no Seminário Teológico de Princeton, em 1893, impeliu
Vos a planejar uma resposta à crítica pela exegese e uma constru­
ção teológica derivada de materiais bíblicos em vez de somente
baseada em doutrinas indutivamente derivadas de categorias filo­
sóficas. Durante os quase quarenta anos que serviu em Princeton,
Vos definiu a teologia bíblica65 e mostrou uma notável sensibili­
dade ao desenvolvimento orgânico da teologia. Sua campanha
pela teologia bíblica garantiu-lhe o título de “ pai da teologia
bíblica reform ada” .66
O método para fazer teologia bíblica, esquematizado em sua
palestra inaugural (1894),67 foi subsequentemente desenvolvido
por meio de seu ensino, extensa obra escrita68 e interação em sua
clássica Teologia bíblica.*9

• A fin a lid a d e d a t e o lo g ia é o c o n h e c im e n to d e D e u s a tra v é s


d e s u a r e v e la ç ã o ;

• A r e v e la ç ã o d e D e u s é h istó ric a e, portan to, r e q u e r a te n ç ã o


à c o n tin u id a d e histórica. E le r e c o n h e c e a in d iv id u a lid a d e d o s
au to res e d o s livro s b íb lic o s , à m e d id a q u e a a n á lis e fo r n e c e
novas p e rc e p ç õ e s ;

• A r e v e la ç ã o de D eus na c o n t in u id a d e h is tó ric a r e v e la
p r o g r e s s o c o m e le m e n t o s d e c o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e ;

• A r e v e la ç ã o d e D e u s é m u ltifo r m e e v a r ia d a , e n q u a n to as
fo rm a s le g a l, histórica, profética, p o é tic a , e v a n g é lic a c o n trib u e m
p a r a e s s a m u ltifo rm id a d e. A m u ltifo rm id a d e au m en ta e n ão
d e p r e c ia “ o q u e P au lo c h a m a m u ltiform e s a b e d o r ia d e D e u s ” ;70

• A s id é ia s p rin c ip a is e os tem a s d a t e o lo g ia b íb lic a sã o


t a m b é m m u l t if o r m e s n a m e d i d a e m q u e c o n t r i b u e m p a r a a
m a n ife s t a ç ã o p r o g r e s s i v a d a r e v e la ç ã o d e D e u s e m C r is t o ;

• A “ e stru tu ra ” d a t e o lo g ia b í b li c a (r e v e la ç ã o r e d e n t o r a ) e s tá
cen tra d a e m C r is to e le m b r a “u m p r o c e s s o q u e s e d e s e n v o lv e
o rg a n ic a m e n t e , p r ó p r i o d e u m o r g a n is m o q u e a m a d u r e c e ” .71

50
S istemas de continuidade

• O o b je t iv o da h is tó ria da red en ção é e s c a t o ló g ic o . A


u n id a d e d e p e r s p e c t i v a e n tre o a u to r b íb lic o , o p o v o de
D e u s e o in t é r p r e t e m o d e r n o e s tá e m r e la ç ã o a o “ c o n te x to
h is t ó r ic o -r e d e n t o r ” p o r u m la d o e , p o r outro, à p e r s p e c t i v a
e s c a t o ló g i c a .72

Assim, Vós criou novamente um nicho para a teologia exegética


junto com a teologia sistemática. Sua intenção não foi substituir a
teologia sistemática com eu programa pela teologia exegética
e bíblica, porque ele era confessional e comprometido com sua
herança reformada.73 Isso resultou novamente num retorno à tensão
entre a teologia dogmática e a exegética (bíblica).
A contribuição de Vos é confirmada no pensamento de John
Murray, professor de teologia sistemática do Seminário Teológico
de Westminster. Os escritos teológicos de Murray revelam um
interesse exegético claramente definido.74A correlação da teologia
com a exegese é o assunto de dois artigos intitulados “ Teologia siste­
máticai” .75 O impulso desse argumento sustenta o estreito relaciona­
mento entre a teologia exegética e a sistemática, enquanto rejeita as
abordagens à teologia bíblica que negam a autoridade da palavra.

O fato é q u e a t e o lo g ia s iste m á tic a s o m e n te e x e m p lific a su a


v e r d a d e i r a fu n ç ã o e a tin g e s e u p r o p ó s it o q u a n d o e s tá fu n d a ­
m e n t a d a n a t e o lo g ia b í b l i c a . 76

O campo da teologia exegética, de acordo com Murray, é o


estudo do progresso da história da redenção, que ele, como Vos,
prefere chamar de “ história da revelação” . “ Isso quer dizer que se
deve estudar os dados da revelação fornecidos em cada período
conforme a progressão da autorrevelação de Deus nesse mesmo
p eríod o” .77 A teologia sistemática é enriquecida por meio das des­
cobertas da teologia exegética, à medida que ela salienta “ a unidade
e continuidade da revelação especial” .78
Segundo, o contato continental com os calvinistas holandeses
desobstruiu o isolamento da ortodoxia reformada. Abraham Kuyper,
o grande teólogo holandês, proferiu as Stone Lectures sobre o cal-
vinismo em Princeton em 1898.79 Seu envolvimento político reflete
uma preocupação com o mundo de Deus e uma paixão em relacio­
nar Cristo com todas as áreas da vida. A compreensão de Hoekema
a respeito de Kuyper é típica:

51
C ontinuidade e descontinuidade

S e r u m c i d a d ã o d o re in o , p o rta n to , s ig n ific a q u e d e v e m o s v e r
tu d o n a v i d a e t o d a a r e a l i d a d e à lu z d o o b je t iv o d a r e d e n ç ã o
d o u n iv e rs o . Is s o n o s le v a a c o n c lu ir, c o m o d is s e A b r a h a m
K u y p e r c e r t a v e z , q u e n ã o e x is t e n a d a n o u n iv e rs o , m esm o
q u e s e ja d o ta m a n h o d e u m a p o l e g a d a , q u e C r is t o n ã o d ig a :
“ é m e u ” . A s s im , t e m o s u m a filo s o fia c ris tã d a h is t ó r ia [...]
d a c u ltu ra [...] d a v o c a ç ã o : t o d a s a s o c u p a ç õ e s p r o v ê m d e
D e u s , e tu d o o q u e fa z e m o s n a v i d a d iá r ia d e v e s e r fe ito p a r a
o lo u v o r d e D e u s , s e ja e s tu d o , e n s in o , p r e g a ç ã o , n e g ó c io ,
in d ú s t r ia o u t r a b a lh o d o m é s t ic o .80

Embora essa obra sobre a “ graça comum” nunca tenha sido


traduzida, seu impacto foi sentido nos escritos de Cornelius Van
Til.81 Outras obras foram traduzidas82 e tiveram impacto sobre o
presbiterianismo e o evangelicalismo. Como observa Bernard
Ramm:

... m e u r e c o n h e c im e n t o a A b r a h a m K u y p e r [...] é e v id e n t e e m
c a d a p á g i n a [...]. E le e v ito u a in c ip ie n te b ib lio la t r ia p r e s e n t e
no fu n d a m e n ta lis m o ao se recu sar a sep arar E sc ritu ra
d e r e d e n ç ã o e Jesus C ris to ; e e le e v ito u a d e p r e c ia ç ã o d a
r e v e la ç ã o c o m o c o n h e c im e n to , c o m o e n c o n t r a d a n a n e o -o r t o -
d o x ia , a o e n fa tiz a r q u e a r e v e la ç ã o é tanto c o n h e c im e n t o c o m o
e x p e r iê n c ia d o D e u s v iv o .83

Bavinck também havia proferido as Stone Lectures (1908).84


Ele é mais bem lem brado por sua piedade e seu compromisso com
o conhecimento de Deus. Bavinck tem uma profunda compreensão
da teologia histórica, da Bíblia e um amor por Deus, como eviden­
ciado em A doutrina de Deus.85 Machen, fundador do Seminário de
Westminster, foi simpático à diversidade da teologia reformada:
Antiga teologia de Princeton, escocesa (John Murray) e holandesa
(Kuyper, Van Til, Stonehouse). Sob sua com petente liderança, o
Seminário Teológico de Westminster aliou a melhor da antiga
tradição de Princeton, a nova inter-relação da teologia exegética
e sistemática e a amplitude fornecida pelo calvinismo holandês.
Essa combinação encorajou uma defesa da fé, uma abertura aos
resultados da erudição bíblica e uma melhor exploração das fron­
teiras da teologia.

52
S istemas de continuidade

PERSPECTIVAS DA CONTINUIDADE

As mudanças na teologia da aliança solidificaram a tradição


calvinista como uma tradição teológica viável. Suas fraquezas são
muitas, e Boice nos favoreceu com um resumo: fragmentação, inte-
lectualismo, membresia elitizada e falta de amor.86 A isto ele acres­
centa que “ um calvinismo integral e equilibrado” pode dar liderança
novamente87 (1) pela renovação da fé na divina inspiração e inerrân-
cia da Escritura, (2) por um compromisso com a soberania de Deus,
(3) pela devoção ao senhorio de Jesus Cristo, (4) pela consciência
da depravação humana, (5) por amor à graça, (6) pela busca da
santidade pessoal, (7) pelo trabalho esforçado e perseverança e (8)
por um amor perceptível.88Nós oramos por essa renovação e acres­
centamos a isso uma oração pela renovação da obra do Espírito em
transformar a vida das pessoas e da igreja como comunidades de
pessoas de acordo com a palavra de Deus.
É possível ser bíblico e confessionalmente reformado? Sem
dúvida nenhuma! Os estudiosos bíblicos reformados concordarão
prontamente, mas e quanto aos teólogos reformados? Já vimos como
John Murray suplicou pela integração dos resultados da teologia
exegética/bíblica com a teologia dogmática ou sistemática. A
teologia reformada, exatamente por sua natureza, deve manter
uma tensão entre a teologia sistemática e a teologia bíblica. Se a
tensão for resolvida em favor de uma teologia sistemática que não
for exegeticam ente baseada, a teologia torna-se estática e propensa
a excentricidades filosóficas de sua época. O assunto do relaciona­
mento dinâmico tem sido revivido nos últimos vinte e cinco anos por
John Murray.
Outro teólogo escocês, T. F. Torrance, concorda plenamente
com a correlação harmoniosa entre a teologia exegética e a siste­
mática. Em seus escritos ele apela para renovação da interpretação
e transformação bíblica. Em seu The School o f Faith [A escola da fé]
ele tornou disponível os catecismos das igrejas reformadas,89 mas
na “ introdução” explicou a relação entre a confissão e a história da
redenção:

Q u a n d o o lh a m o s p a r a t o d o s e s s e s c a t e c is m o s à luz d o e n s in o
p r e d o m in a n t e d a S an ta E sc ritu ra , s o m o s f o r ç a d o s a a p r e s e n ­
tar a lg u m a s c rític a s r a d ic a is [...] m a s a d o u t rin a c ris tã n ã o
p o d e s e r a b s t r a íd a d e t o d o o c u r s o d a in t e r v e n ç ã o d e D e u s

53
C ontinuidade e descontinuidade

e m Is ra e l, e d e to d o o c u rs o d a v i d a e d a o b r a d e C risto , s e m
a lte r a ç ã o e e q u ív o c o . S e e m s u a infinita t o le r â n c ia e p a c iê n c ia
D e u s to m o u tal c u id a d o e t e m p o p a r a s e r e v e la r p o r m e io d e
Is r a e l e m p r e p a r a ç ã o p a r a a e n c a r n a ç ã o , a in s tru ç ã o c a t e q u é -
tica n ã o p o d e s e p e r m it ir to m a r u m d e s v io à “ e s c o la d e I s r a e l”
s e fo r p a r a c u m p r ir s u a fu n ç ã o d e m a n e ir a a d e q u a d a . 90

Tentaremos, nas páginas seguintes, resumir uma abordagem


na direção da interpretação que encoraja o apoio à perspectiva da
continuidade, integração dos resultados dos estudos bíblicos com a
teologia sistemática, o diálogo e a vida cristã.

Continuidade e interpretação
O estudo da Bíblia e da teologia está sempre “ na sombra da
eternidade” (sub specie aeternitas). Isso diferencia a atividade do
homem da de Deus. Deus é eterno e autoexistente. O homem é tem­
poralmente condicionado e dependente da revelação de Deus, dada
no tempo. A mensagem temporalmente condicionada não afeta a
veracidade ou autoridade da palavra de Deus, mas tem de fato uma
influência em nosso entendimento. Portanto, o m odelo exegético de
Calvino é uma correção ao racionalismo, à sistematização, à harmo­
nização ou a qualquer outra abordagem holística da Escritura. Para
ele, a Bíblia é a palavra escrita, testemunhando a Palavra encarnada.
r

E também a palavra pela qual o Espírito Santo continua a transfor­


mar pessoas - isto é, a palavra-poder.
A interpretação da Escritura requer humildade, abertura
ao Espírito de Deus, amor pelo Deus triúno e um intenso desejo
pela redenção deste mundo. A interpretação também envolve
humanidade, enquanto a palavra de Deus na forma escrita requer
toda a nossa atenção como humanos. Isso exige o uso de lingua­
gens bíblicas, avaliação artística de literatura e formas literárias,
ambiente do antigo Oriente Próximo, senso de evolução histórica,
incluindo a história da igreja, um senso de continuidade (tradição)
com intérpretes do passado. Além disso, deve haver uma abertura à
Bíblia, envolvimento criativo com a Bíblia como livro de Deus e do
homem, disposição para ser vulnerável, abertura à autocrítica,91 e
plena consciência de que Deus fala na linguagem do homem, em
termos humanos, na cultura do homem e por meio de instrumen­
tos humanos. Essa descrição do exegeta se ajusta a Calvino. Ele foi
um humanista com profunda consciência de que, como intérprete da

54
S istemas de continuidade

palavra de Deus, ele permaneceu no palácio de Deus, construído


por homens inspirados pelo Espírito de Deus. Em busca do seu
Salvador e da plenitude da história da redenção, Calvino apresen­
tou todos os seus dons e erudição para produzir o texto sagrado
como uma oferta suave ao seu Pai celestial e como um serviço à
comunidade cristã.
A teologia reformada começa com uma profunda avaliação
da “ forma” literária dos livros bíblicos. Não é exagero dizer que
Calvino abordou a Escritura com alegria, vendo a palavra de Deus
na linguagem do homem. Os autores da Escritura foram humanos,
que mostraram em oções humanas,92 escreveram para facilitar os
oráculos divinos em outras gerações e usaram imagens, figuras de
linguagem e metáforas para comunicar mais efetivamente a palavra
de Deus.93 Ele fala abertamente da linguagem de “ acomodação”
como uma forma de “ balbuciar” :

P o rq u e q u e m [...] n ã o c o m p r e e n d e q u e D e u s b a lb u c ia co n o sco ,
assim c o m o as p a je n s estão a c o stu m a d a s a fa la r c o m o s b e b ê s ? [. ..]
(E le ) a c o m o d a o s e u c o n h e c im e n to à n o s s a estreita c a p a c id a d e ;
p a r a atingir e s s e p ro p ó sito , a E scritura p r e c is a n e c e s s a ria m e n te
d e s c e r m uito a b a ix o d o n ív e l d e su a m a je s ta d e .94

Sua preocupação pela linguagem bíblica contendo figuras


de linguagem e formas literárias flui da hermenêutica de acomo­
dação.95 Entretanto, de forma alguma sua apreciação pelas formas
literárias de revelação bíblica, culturalmente condicionadas e divi­
namente acomodadas96, se afasta de sua forte convicção de que
a Bíblia mostra uma notável unidade em meio à diversidade de
temas, é a palavra de Deus ao homem e que a Escritura é totalmente
inspirada pelo Espírito de Deus.97
A teologia reformada sempre esteve interessada na continui­
dade, mas a continuidade deve refletir os resultados da ex egese.98
Consequentemente, não é desejável que a aliança seja o tema
abrangente.99 A interpretação opera mediante um senso de con­
tinuidade, mas não está restringida por qualquer definição de
unidade. Com o isso p od e ser feito? Para esse fim, propom os a
seguinte m etodologia exegética.
Primeiro, a interpretação toma seriamente o processo de
revelação. A revelação de Deus é sempre expressada na linguagem
de acomodação:

55
C ontinuidade e descontinuidade

( E l e ) s e r e v e la a o h o m e m n a e x is t ê n c ia c r i a d a , n a q u a l e l e
c o n d e s c e n d e e m s e a c o m o d a r à c r ia t u r a p o r m e io d e fo r m a s
h u m a n a s , m o s t r a n d o -lh e c o m o s in a is e in s t r u m e n t o s d e s u a
a u t o r r e v e la ç ã o , d is fa rç a n d o sua v erd ad e em fo rm a s de
m o d o s im p ló r i o a d a p t a d a s à c o m p r e e n s ã o h u m a n a . C o m o
C a l v i n o c o s t u m a v a d iz e r , D e u s s e e m b r u l h a v a e m s í m b o l o s
e r e p r e s e n t a ç õ e s t e r r e n o s c o m o m e io s p e l o s q u a is e m s u a
m i s e r i c ó r d i a e d e l i c a d e z a e l e s e a p r o x im a v a d o s h o m e n s ,
r e v e la v a sua p re s e n ç a e a d a p ta v a os h o m en s p a ra r e c e b e r
s u a v e r d a d e . 100

Segundo, a interpretação envolve todas as obras de Deus -


isto é, tanto a criação quanto a redenção, os atos de Deus antes e
desde a encarnação. A integração da criação e da redenção torna
acessível mais plenamente o propósito de Deus, porque a reflexão
sobre os muitos poderosos atos de Deus na criação, redenção e jul­
gamento dá testemunho do propósito especial de Deus em Cristo.
O interesse pela exposição bíblica não é um fim em si mesmo.
A história bíblica não é dada para a reconstrução da história de
r __ __

Israel. E a história do reino de Deus, do envolvimento de Deus com


o homem, e, por conseguinte, a revelação bíblica dá testemunho
de Deus. John Murray une aqui Geerhardus Vos e Coceio, quando
esclarece seu clássico tratado sobre The Covenant o f Crace [O
pacto da graça]:

Q uando u sam os o term o “ t e o lo g ia da a lia n ç a ” , e n tre ­


tanto, n ã o devem os re s trin g ir essa a v a lia ç ã o à t e o lo g ia
d a a lia n ç a m a is p le n a m e n t e d e s e n v o l v i d a d o s é c u lo X V II.
P o r q u e e m João C a l v i n o e x is t e u m a ê n f a s e d is tin ta s o b r e o
c a r á t e r h is t ó r ic o p r o g r e s s i v o e a c o n t in u id a d e d a r e v e l a ç ã o
r e d e n t o r a . 101

Aqui sentimos a emoção de Calvino.


Deus se preocupa com todas as suas obras. É lamentável que a
criação tenha sido separada da redenção na teologia reformada. Eu
aceito a explicação de Torrance quando ele propõe a concepção de
que essa distinção entre natureza e graça, criação e redenção está
refletida na terminologia de aliança das obras e aliança da graça e
que isso é o resultado de um amálgama de aristotelismo e teologia
reformada. A natureza antes da queda não foi sustentada pela graça?102

56
S istemas de continuidade

Terceiro, a interpretação da Bíblia envolve o contexto total


da Bíblia. Isso requer atenção mais séria ao AT do que de costume.
O lugar relativo do antigo e do novo é importante para a exegese,
para a teologia e, especialmente, para a teologia reformada. O lugar
concedido ao AT por Calvino é claro em seus comentários do A T 103
e na contínua relevância de seus comentários.104
Certo, Calvino propõe a superioridade da nova aliança e a
plena revelação d e Deus em Cristo, como contida na Escritura do
NT. Entretanto, essa convicção teológica de progresso da revelação
mantém a tensão viva entre o AT e o NT. Sua ex egese do AT é sóbria
e não prontamente influenciada p elo NT ou por conclusões sim­
plistas tiradas de sua exposição do NT. Ele ouve o AT e, para ele,
os dois Testamentos dão testemunho de um Deus em Jesus Cristo.
Em outra parte debatemos que a ênfase de Calvino na unidade da
aliança contém uma tensão adequada entre o antigo e o novo.I0S
Calvino se preocupou em investigar o “ progresso” da história da
redenção desde a criação até a nova criação.106R ecebo com prazer
o apoio de Kaiser a essa posição,107pela qual ele batalhou durante
anos, como escreve:

C o n c o r d a m o s c o m e s s e a p e lo p o r e q u ilíb r io e p o r u m a le itu ra
d o A T n o texto d o NT. T ira r “ c o n c lu s õ e s p r e c ip it a d a s ” d o N T
d e n tro d o A T é u m a “ e x e g e s e ” t e n d e n c io s a e m e r e c e a p e n a s a
n o s s a r e je iç ã o , n ã o im p o r t a q u ã o n o b r e s e ja o s e u o b je t iv o .108

Dessa forma, a interpretação acentua a variedade e a unidade,


mas não resolve a tensão entre o antigo e o novo em favor da
revelação do NT. A linguagem de finalidade, cumprimento ou rea­
lização que descreve a revelação do NT deixa escapar o ponto que
Calvino tentou criar. O NT não é a finalidade, o cumprimento ou a
realização do AT. Aqui eu discordo de uma possível implicação do
que o prof. Murray escreveu:

É a u n id a d e d e u m o r g a n is m o c a d a v e z m a io r q u e a lc a n ç a s u a
r e a liz a ç ã o n o N T e n a a lia n ç a e t e r n a r a tific a d a e s e la d a p e l o
s a n g u e d e C r is t o .109

A “ realização” pertence adequadamente à nova aliança e a


Jesus Cristo, mas isso não é o mesmo que os escritos do NT. Fico
surpreso com a insistência de Murray sobre a consumação final,
apoteótica, da aliança no NT, quando ele escreve:

57
C ontinuidade e descontinuidade

E ste p r o g r e s s iv o a p r im o r a m e n t o da graça da a lia n ç a


c o n c e d id a n ã o é, entretanto, u m a re tra ta ç ã o o u u m d e s v io d o
c o n c e ito q u e é constitutivo d e s d e o p r in c íp io , m a s, c o m o d e v e ­
r ia m o s e s p e r a r , u m a e x p a n s ã o e in te n s ific a ç ã o d e le . Portan to,
c h e g a m o s a o c lím a x e á p ic e d a a d m in is tra ç ã o d a a lia n ç a n o
p e r í o d o d o N o v o T e sta m e n to [...]. C o m o a r e v e la ç ã o d a a lia n ç a
p r o g r e d i u a o lo n g o d o te m p o , e la a tin g iu s u a c o n s u m a ç ã o n a
n o v a a lia n ç a [...] e la é e m si a c o m p le t a r e a liz a ç ã o e p e r s o n ifi­
c a ç ã o d a q u e l a g r a ç a s o b e r a n a . 110

Calvino fez a clara distinção entre o que Cristo cumpriu


e completou e o gozo presente do cristão.111 Assim, enquanto o
progresso da história redentora aguarda o estágio seguinte - o
eschaton - o crente acredita que o AT e o NT como Escritura testemu­
nham a glória, a vitória e a inteireza da era por vir, embora confesse
que ainda vê “ um reflexo obscuro, como em espelho” (IC o 13.12).
Calvino é um teólogo de “ esperança” , porque os santos do AT e do
NT estão juntos em “ esperança” .112
Quarto, a interpretação envolve atenção aos muitos temas da
Escritura. Não é insignificante que não exista um tema unificador nos
escritos de Calvino. Se existe uma preocupação que toca o coração
do reformador, essa preocupação é o amor por Deus e por expor e
relacionar as partes ao todo. Isso foi o que levou Forstman a chamar
Calvino de “ teólogo bíblico” :

... o p r in c ip a l q u e s e d e v e v e r e m C a lv in o é o p r in c íp io b í b li c o
p o s to e m p r á t ic a c o m d e c is iv a p e r s is t ê n c ia .113

Essa é também a avaliação de J. I. Packer, ao escrever:

E stá c la ro q u e o fo c o d a p r e o c u p a ç ã o d e C a lv in o c o m a estrutura
in telectu al d o c o n h e c im e n to de D eus era que os hom ens
p e n s a s s e m b ib lic a m e n t e a r e s p e ito d e C risto e d a g r a ç a .114

Quinto, a interpretação da totalidade dos atos de Deus na


criação e na redenção envolve o foco no propósito de Deus em Jesus
Cristo. Ele é a realização do propósito do Pai de comunhão com o
homem.115 A vinda de Jesus Cristo significa o divisor de águas na
história da redenção, porque ele é “ toda a essência dessa aliança da
graça [...].Tudo está direcionado para Cristo e nele e por ele, para o
vínculo e comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo” .116

58
S istemas de continuidade

A interpretação (teologia exegética) e a teologia bíblica


estão juntas. A teologia reformada fez uma séria tentativa de ver a
unidade da Bíblia, em bora mantendo um interesse no desenvolvi­
mento histórico. Essa ênfase na unidade da Escritura deu à teologia
reformada sua marca distintiva. Parker faz este elo g io a Calvino:

T ir e -o s [o s c o m e n t á r io s d e C a lv in o ], e fic a m o s n ã o a p e n a s
c o m u m C a lv in o m a is p o b r e e m a is fraco , m a s c o m a lg o q u e ,
d e n e n h u m a m a n e ira , é C a lv in o . P o d e m o s s e r m a is a tre v id o s e
d iz e r q u e C a lv in o s e viu , p r in c ip a lm e n t e , n ã o c o m o u m t e ó lo g o
sistem ático, m a s c o m o u m t e ó lo g o b í b l i c o . 117

Continuidade e a paternidade de Deus


A interpretação bíblica considera a paternidade de Deus sobre
toda a criação. Sua paternidade pode ser formulada com a analogia
de “ aliança” . Mas o compromisso de Deus com a criação é também
uma expressão de “ graça” .118 Essa visão substitui completamente
a concepção aristotélica-filosófica do universo sacramental.119Deus
entra no universo do homem, na criação e na história, e se relaciona
com ele de forma pactuai. A aliança é um convite gracioso para
entrar em

c o m u n h ã o e r e la ç ã o r e s p o n s á v e l c o m o p r ó p r i o D e u s [...].
A s s im , a a lia n ç a e s t a b e le c e , c o n firm a e p r e s e r v a a n a tu re z a
d i a ló g ic a d a t e o lo g ia , e é d e fato a fo r m a in te rio r n a q u a l a
c o n v e r s a e n tre D e u s e o s e u p o v o a c o n t e c e .120

A extensão da aliança envolve toda a criação de Deus:

A a lia n ç a a b r a n g e n ã o s o m e n te o h o m e m , m a s to d a a c ria ç ã o ,
p a r a q u e to d o o u n iv e rs o d a e x is t ê n c ia h u m a n a , v is ív e l e
in v isív e l, s e ja in tro d u z id o à r e la ç ã o c o m D e u s . 121

A interpretação mantém a tensão entre a criação e a redenção.


Visto então que a preocupação de Deus é com sua criação, as
promessas, o evangelho e a realidade da presença de Deus têm um
significado universal.122

A a lia n ç a a b r a n g e n ã o s o m e n te o h o m e m , m a s to d a a c ria ç ã o ,
p o r q u e D e u s fe z o m u n d o to d o c o m o u m a e s f e r a n a q u a l e le

59
C ontinuidade e descontinuidade

p o s s a te r c o m u n h ã o c o m o h o m e m , e e s te p o s s a c o m p a r t ilh a r
d e s u a g r a ç a e re fle tir s u a g l ó r i a . 123

Essa posição reafirma a revelação corolária de Deus na criação


e na Escritura: a revelação natural e especial. Toda a revelação de
Deus na criação e na redenção expressa a única vontade e propósito
do único Deus. Ele é o Deus que, livre e graciosamente, inicia e
mantém a comunhão. Como James B.Torrance disse em sua palestra
inaugural:124

... O e s q u e m a f e d e r a l in v e rte u a o r d e m b í b l i c a d a g r a ç a e d a
le i [...] M a s c o m m u ita fr e q u ê n c ia [...] n o c a lv in is m o e s c o lá s -
tico, v e m o s a in v e r s ã o d e s s a o r d e m - a d e c la r a ç ã o d a p r i o r i ­
d a d e d a le i s o b r e o e v a n g e lh o , a p r i o r i d a d e d a n a tu re z a s o b r e
é

a g r a ç a , c o m a re su lta n te lim ita ç ã o d a lid e r a n ç a d e C ris to


s o b r e a I g r e ja - [...] D e u s é a m o r e m s e u m a is p r o fu n d o ser,
o P a i d e n o s s o S e n h o r Jesus C risto , o P a i d e q u e m t o d a fa m ília
n o c é u e n a te rra r e c e b e o n o m e . A m o r e ju s tiç a s ã o u m e m
D e u s [...] N ã o e x is te lim ite p a r a a g r a ç a d e D e u s , n ã o e x is te m
c o n d iç õ e s p a r a a g r a ç a d e D e u s , m a s e le n o s c h a m a p a r a u m a
v i d a d e fé in c o n d ic io n a l, a m o r e o b e d i ê n c i a e m t o d a s a s á r e a s
d a v id a . E le é o D e u s d a a lia n ç a , n ã o u m D e u s d o c o n tra to .125

A união da criação com a redenção tem seu foco na doutrina


de Deus. Como verem os a seguir, o foco da Escritura é também
Jesus Cristo. Entretanto, o interesse focal na paternidade de Deus e
em Jesus Cristo é sem tensão, porque Jesus é o m ediador por quem
somos levados ao Pai. Para Calvino a unidade do antigo e do novo
está na doutrina da paternidade de Deus, como conclui Greef:

C a lv in o n o s le v a d e C ris to às p r o m e s s a s d e D e u s n o AT. A s s im ,
s o m o s le v a d o s a o Pai. A p r o m e s s a m a is im p o rta n te é , d e
q u a lq u e r m a n e ir a , a p r o m e s s a d e a c o r d o c o m a q u a l D e u s n o s
a d o t a c o m o filh o s .126

Continuidade e cristologia
O significativo lugar de Jesus Cristo na história da redenção
não tem sua devida relevância nas formulações escolásticas sobre
a aliança, sobre a soberania divina e sobre os decretos de Deus. A
abstração da aliança como um princípio na teologia federal estimulou

60
S istemas de continuidade

a minúcia teológica sobre o número e definição das alianças. Com


relação à teologia federal, Torrance observa:

N o s s a p r e o c u p a ç ã o c o m e la a q u i é s im p le s m e n t e n o ta r q u e
n e la a id e ia f e d e r a l v e io a s e r p o s ic io n a d a c o m o u m im p e r io s o
p r in c íp io siste m á tic o da fo r m a errad a, p o rq u e fo rn e c e u
o e s q u e m a fix o p o r m e io d o q u a l o e n s in o c ris tã o n a I g r e ja
R e fo r m a d a v e io a s e r c a t e g o r iz a d o e s is te m a tiz a d o p o r m a is
de d o is s é c u lo s [...]. M a s no “ c a lv in is m o ” h istó ric o , [...] a
p e s s o a d e C ris to fr e q u e n t e m e n t e s e in c lin o u a s e r s u p e r o b s -
c u r e c id a p e l a id e ia d a a lia n ç a .127

Jesus Cristo teve um lugar proeminente na abordagem de


Calvino sobre a revelação de Deus na antiga e na nova. Assim como
Lutero, Calvino mostrou Jesus Cristo aos homens como “ o propósito
da Escritura, o ‘alvo* para o qual tudo aponta, e que a graça é o tema
unificador que liga os dois Testamentos” .128 Mas, diferentemente,
Lutero não fez distinção de lei e evangelho, porque ele via o AT como
um com o NT ao revelar o plano de Deus em Cristo.129Embora alguns
tenham questionado se Calvino foi um teólogo da aliança, ninguém
discute sua posição como teólogo com um foco cristológico.
A combinação de “ aliança” e “ cristologia” deu à teologia
reformada uma abordagem singular da Escritura. Por um lado, a
interpretação da Bíblia deve ser verdadeiramente coloquial com os
atos e perfeições de Deus e não necessita impor uma leitura cristo-
lógica sobre qualquer texto dado. Calvino sustentou que Jesus é o
mediador que nos leva ao Pai e que as promessas do AT, confirma­
das em Cristo, são, no entanto, as promessas do Pai.130 Isto contribui
para a perspectiva histórico-redentora ou o que Torrance chama de
Heilsgeschichte [História da salvação].

... d e u t a m b é m à t e o lo g ia s u a g r a n d e p e r s p e c t iv a h istó ric a , n o


q u e s e r e fe r e a o p o v o d e D e u s e m r e la ç ã o d e a lia n ç a e c o n v e r s a
c o m e le a o lo n g o d e to d a s a s é p o c a s , d e s d e o p r in c íp io d o
m u n d o até o p r e s e n t e , e s t e n d e n d o -s e até a p a r ú s i a .131

Uma ênfase exclusiva na aliança causa prejuízos à revelação de


Deus em Cristo. O uso de aliança como um princípio ou um método
para categorizar a doutrina cristã ou como a base para os desenvolvi­
mentos teológicos indutivos produziu uma teologia que estava menos

61
C ontinuidade e descontinuidade

preocupada com as dimensões históricas da Escritura, e menos com


Jesus Cristo.

... a id e ia fe d e r a l fo i p o s ic io n a d a c o m o u m im p e r io s o p r in c íp io
siste m á tic o d e fo r m a e r r a d a , p o r q u e e la f o r n e c e u u m e s q u e m a
r í g i d o p o r m e io d o q u a l o e n s in o c ris tã o n a I g r e ja R e fo r m a d a
fo i c a t e g o r iz a d o e sis te m a tiz a d o p o r m a is d e d o is s é c u lo s .132

Continuidade e o Espírito de Cristo


A teologia reform ada é uma teologia do Espírito.133O Senhor
revelou sua palavra, dando seus oráculos a Israel e à igreja por
m eio dos profetas e dos apóstolos. A palavra é a palavra. Mas é
também uma “ palavra-poder” , porque o Espírito Santo dá vida à
palavra de Deus e produz vida na regeneração de pessoas por
m eio da palavra. Pela palavra e operação do Espírito, o Senhor
constrói seu reino na terra. O Espírito move, regenera, santifica
e edifica o reino de Deus por m eio da palavra. A separação do
Espírito da palavra leva ou à bibliolatria ou à ênfase exagerada
na pneum atologia.134
A unidade da Bíblia reflete a obra do único Espírito de Deus,
que é consistente consigo mesmo.135O mesmo Espírito que inspirou
os autores humanos e superintendeu todo o processo de redação
da palavra de Deus testemunha no coração dos crentes acerca da
veracidade e aplicabilidade136 da palavra de Deus ( “ o testemunho
interno do Espírito” ). 137Assim Calvino escreve:

... a q u e le s a q u e m o E s p írito Santo e n s in o u in tim am e n te, v e r d a ­


d e ir a m e n t e d e s c a n s a m n a E sc ritu ra , e e s s a E s c ritu ra é d e fato
a u te n tic a d a p o r si m e s m a [...]. N ã o b u s c a m o s p r o v a s , n e n h u m a
m a r c a d e a u te n tic id a d e s o b r e a q u a l n o s s o ju lg a m e n t o p o s s a
s e a p o ia r ; m a s s u b m e t e m o s n o s s o ju lg a m e n t o e b o m s e n s o a
e la , c o m o a lg o m uito a lé m d e q u a lq u e r c o n je c t u r a !138

Realmente, Warfield resumiu bem a posição de Calvino como


“ o teólogo do Espírito Santo” .139 O Espírito de Deus nem sempre
ocupou um lugar importante no desenvolvimento teológico de
Calvino, mas o caráter da teologia reformada repousa na obra e
no ministério do Espírito Santo.140 Isso significa que os sistemas de
teologia e as concepções escatológicas devem ser sustentados com

62
S istemas de continuidade

humildade e amor, uma vez que quem os propõe são pessoas que
andam no Espírito Santo.

Continuidade e escatologia
A teologia da aliança está, exatamente por sua definição, preo­
cupada com a escatologia. Com muita frequência o tema da aliança
está associado com o locus da soteriologia ou eclesiologia, mas,
como já vimos, seu foco é a cristologia, e não existe cristologia sem
uma escatologia. Os escritos de João Calvino tornam essa ênfase
na esperança futura muito clara, especialmente em seu comentário
sobre Hebreus.141
Essa preocupação é o que Torrance chama de meditado vitae
futurae ( “ meditação sobre a vida futura” ). 142 Ansiar pelo futuro
glorioso dá perspectiva sobre o presente e o passado. É obra do
Espírito Santo renovar o regenerado à imagem de Cristo e, exata­
mente no processo de renovação, ele eleva a mente do devoto ao
que Deus preparou para os seus em Jesus Cristo. A vida cristã é
escatológica por causa da obra do Espírito Santo e por causa da
nossa união com Cristo.143A completa essência da fé é escatológica.
Como escreveu Calvino:

Onde e x is te fé v e r d a d e i r a d e v e h a v e r e s p e r a n ç a d a v id a
e t e r n a c o m o s u a in s e p a r á v e l s e m e lh a n ç a , o u é p r e f e r ív e l q u e
d e si m e s m o g e r e e m a n ife s te e s p e r a n ç a .144

A Bíblia revela o desenvolvimento do reino de Deus desde a


criação até a nova criação. Ela nos convida a contemplar as impres­
sionantes obras de Deus para inspirar temor respeitoso pelo Deus
triúno. A história da redenção revela o plano de Deus, e o estudante
da Escritura ganha um senso de movimento na medida em que as
experiências renovam o poder da palavra de Deus, testemunhando
a promessa de que aquele que deu início à criação e à redenção
realizará tudo de acordo com seu propósito.
O condicionamento histórico da Bíblia torna acessível uma
perspectiva histórica sobre o progresso da redenção. Essa “ história
da redenção” se relaciona com o estudo do “ padrão da atividade
divina subsequente à queda até a vinda de Cristo, pela qual Deus
está exercendo seu senhorio sobre toda a história, no interesse
de realizar seus eternos propósitos para a criação toda” .145 Essa

63
C ontinuidade e descontinuidade

abordagem da Bíblia envolve a habilidade do intérprete em sinteti­


zar a parte no todo. Como escreve Gaffin:

... a e stru tu ra o u m o ld u r a h is t ó r ic o -r e d e n t o r a e s t a b e le c i d a
p e l a p r ó p r i a E sc ritu ra é o fa to r c o n te x tu a l q u e te m a m a is
a m p la in flu ê n c ia s o b r e d a d o te x to .146

A Bíblia revela o desenvolvimento do plano de salvação ao


longo do tempo em diversos estágios. A evolução da história da
redenção em épocas distintas (dispensações) confirma a variedade
das obras de Deus e a continuidade do seu amor e fidelidade ao
homem. Essas épocas estão organicamente relacionadas umas com
as outras, corroborando o fato do único plano de Deus, confirmado
no único mediador, Jesus Cristo.147
A avaliação da unidade na variedade surge de um profundo
reconhecimento da variedade, magnificência e mistério da revelação
divina. A revelação de Deus dá testemunho dos atos de Deus (a
criação, a história da redenção em Cristo), e os afos de Deus dão
testemunho de suas promessas, realeza, alianças, compromissos com
Israel e com as nações, comunhão com seu povo, graça e fidelidade,
e da plenitude da redenção do céu e da terra. Esses são alguns dos
muitos temas da Escritura, e em sua variedade eles encontram seu
foco em Jesus Cristo.
A tarefa da teologia bíblica diz respeito tanto ao estudo e
avaliação dos muitos temas da Escritura quanto a seus relacionamen­
tos internos. A tarefa da teologia reformada bíblica envolve mais um
sentido intensificador da unidade e continuidade do plano de Deus
na história da redenção, enquanto mantém a tensão de:

Material e espiritual
Tempo e eternidade
Lei e evangelho
Símbolo e realidade
Promessa e realização
Antigo e novo
Israel e a igreja
Este mundo e o mundo vindouro.

64
S istemas de continuidade

Cada uma dessas áreas revela um dinamismo interior, reque­


rendo cuidadosa atenção a todos os dados e temas bíblicos. Calvino
nunca deu uma resposta simples a esses assuntos complexos, e
seus herdeiros também admitem sua natureza humana em nem
sempre serem capazes de encontrar o equilíbrio. Às vezes, um
prevalece sobre o outro, afetando, assim, o equilíbrio do todo.148
A harmonia p od e ser intensificada pelo contínuo diálogo com a
Bíblia, com a história da igreja e nossos contemporâneos da comu­
nidade reformada e de outras comunidades. A teologia não tem a
chave para abrir a eternidade, mas fornece uma forma de diálogo
com Deus.

A t e o lo g ia d e v e s e e n v o lv e r e m e s t u d o s h is tó ric o s e x a ta m e n te
p o r c a u s a d e s e u d i á lo g o h is tó ric o c o m D e u s [...]. É s o m e n te
n e s s a c o m b in a ç ã o d e t e o lo g ia h is tó ric a e e x e g e s e q u e a I g r e ja
p o d e s e r li b e r t a d a d e p r e g a r su a s p r ó p r ia s c o n c e p ç õ e s p a r t i­
c u la r e s e p e r s is t ir n o o b je t iv o d a d is c ip lin a d a a u to c rític a q u e
e x i g e a s in c e r a e o b e d i e n t e c o n v e r s a c o m D e u s . 149

A teologia reformada aceita incondicionalmente a estrutura


pactuai de nosso relacionamento com Deus. Deus está em aliança
com a humanidade como está com toda a criação. A estrutura pactuai
é uma das estruturas, mas não a única. Como estrutura teológica, a
aliança relaciona cada pessoa da Trindade e dá uma perspectiva.

N a b a s e d e u m a r í g i d a in s is tê n c ia n a p le n a c o i g u a ld a d e d a s
trê s p e s s o a s d a T r in d a d e [...] C a lv in o m o stra a s a lv a ç ã o d o
p e c a d o r c o m o u m a ú n ic a e c o m p le x a o b r a d iv in a n a q u a l p a r ­
tic ip a m to d a s a s três p e s s o a s : o Pai, e s c o lh e n d o h o m e n s p a r a
sa lv a r, o F ilh o p a r a s a lv á -lo s , o F ilh o fa z e n d o a v o n t a d e d o
P a i e m r e d im i-lo s , o E s p írito e x e c u t a n d o a v o n t a d e d o P a i e m
r e d im i-lo s , e o E sp írito r e n o v a n d o -o s , fa z e n d o a ssim , tanto a
v o n t a d e d o P a i q u a n to a d o F ilh o .150

Como perspectiva teológica, a estrutura pactuai também nos


ajuda a descobrir nossa relação com Israel no passado, para com­
preendermos o lugar do homem na criação de Deus, desfrutar a
presença e orientação do Pai na história da redenção, a unificação
da salvação no mediador, Jesus Cristo, tanto para com Israel sob a
antiga aliança quanto para com a igreja na nova aliança, e o minis­
tério do Espírito de Deus em transformar nossa vida. A estrutura

65
C ontinuidade e descontinuidade

pactuai encoraja a sinceridade em relação a Deus e seu mundo e


encoraja a comunidade cristã a olhar para o fim desta era e para a
renovação do céu e da terra.151Os dois Testamentos juntos dão teste­
munho de Deus em Cristo, e esta mensagem é o foco da Escritura.152
A teologia reformada deve perm anecer em diálogo. O diálogo
evita que permaneçamos isolados, orgulhosos, independentes e com
uma visão e testemunho limitados. Uma preocupação ecumênica
estimula o diálogo com o passado e o presente.153 Por ecumênico
queremos dizer uma disposição para olhar e estar em diálogo com
outras comunidades diferentes da nossa, porque ao ouvir a palavra
de Deus a igreja confessa união com Israel, com outros membros do
corpo de Cristo e com nossos pais e irmãos espirituais ao longo da
história da igreja. O diálogo dentro dos ramos das denominações
evangélicas que representam perspectivas teológicas diferentes irá
somente beneficiar a comunidade reformada. Que a luz deles possa
brilhar sobre nós. Esse diálogo, como qualquer outro diálogo verda­
deiro, enriquece os participantes. Quanto mais diferente o diálogo,
mais rica será nossa experiência de salvação.154
O diálogo envolve também Israel.155 Tenho p e d id o 156 e
ainda peço que o caso exegético de Israel no plano de Deus seja
reaberto.157 As perspectivas escatológicas resolveram, às vezes, a
tensão entre tempo e eternidade, este mundo e o mundo vindouro,
Israel e as nações.158 Se tivéssemos de permitir o testemunho da
antiga ter influência sobre a nova e deixar textos “ problem áti­
cos” 159 como testemunhas de nossa humanidade, as estruturas
bíblicas de pensamento cultivariam continuamente um senso de
temor reverente e assombro ante a sabedoria de Deus. Por isso
Torrance observa:

E s s e d i á lo g o d e D e u s c o m Is ra e l p e r c o r r e t o d a a h is tó ria
d a q u e le p o v o até s e u c u m p rim e n to em C ris to que, com o
a P a la v r a d e D e u s fe ita c a r n e , é tanto a p e r s o n ific a ç ã o d a
P a la v r a d e D e u s a o h o m e m c o m o a p e r s o n ific a ç ã o o b e d i e n t e
d o h o m e m à P a la v r a d e D e u s . 160

A franqueza hermenêutica a Israel é uma expressão concreta


da franqueza à palavra de Deus e aos eventos escatológicos. A
franqueza ou um senso de ambiguidade para com o futuro não é
uma fraqueza exegética, mas um humilde reconhecimento de que
nós também, assim como Maria, João Batista, Zacarias e Simeão,

66
S istemas de continuidade

esperamos a salvação vindoura. Dessa salvação Moisés, os profetas,


nosso Senhor e os apóstolos testemunham e apelam por perseve­
rança, à luz do apoteótico cumprimento ou consumação gloriosa de
todas as coisas. Nosso coração se une ao mundo da criação, suspi­
rando por esse momento glorioso.
A escatologia é imensamente prática. É a revelação de Deus
para a vida cristã. Deus tem revelado o futuro em metáforas, visões
e na linguagem facilitada. Em resposta à revelação dada em formas
humanas, ele espera transformação, não especulação: (1) fé em olhar
para nosso Senhor como tendo a chave para o futuro; (2) humildade
em depender do nosso Pai do céu para desenvolver seu glorioso
plano em seu devido tempo; (3) esperança perseverante em manter
nossos olhos focados na gloriosa transformação de céus e terra, no
cumprimento da palavra prometida de Deus; e (4) a prática do amor
para com os que discordam de nós no que se refere a Cristo, a forma
de salvação e a bendita esperança. Maranata!161

C o nclusõ es

A vitalidade da teologia reformada repousa em suas raízes da


Reforma. A teologia reformada é uma expressão de um sistema de
continuidade. A diversidade da Escritura tem sua unidade interna no
Deus triúno: o plano do Pai de redenção, a obediência do Filho e seu
governo atual e, do Espírito, a contínua obra de restauração. Todas
as três pessoas da Trindade operam em conjunto para produzir a
plenitude da redenção. Essa posição une as testemunhas reunidas
da Escritura (AT e NT) aos atos de Deus no tempo e até os atos finais
de Deus em Cristo. O antigo e o novo permanecem juntos, não um
contra o outro (tota Scriptura).
Além disso, o antigo não deve ser relegado à categoria de
material secundário e inferior. Ele é a palavra de Deus, na qual este
ainda fala por meio de seus servos, os profetas. Ademais, a redenção
deve sempre estar correlacionada à criação. A Escritura revela a
fidelidade de Deus, que promete e mantém a aliança. Embora as
alianças de Deus com a criação, Abraão, Moisés, Fineias (sacerdó­
cio) e Davi sejam expressões transitórias, e renovadas de tempos em
tempos, seu foco está em Jesus Cristo. Ele é o mediador da aliança,
em quem todas as promessas de Deus e a consumação de todas as
alianças são verdade (2Co 1.20).

67
C ontinuidade e descontinuidade

As inferências para a Teologia Reformada como sistema de


continuidade são:Trindade e escatologia, criação e redenção, antigo
e novo. Isso significa que o caráter da teologia reformada está na dis­
posição de viver com tensões inerentes ao sistema e que a percep-
tibilidade de qualquer teólogo reformado está em como ele tenta
resolver essas tensões. O foco da teologia reformada é trinitariano
e escatológico. A teologia reformada também afirma que o mundo
da criação é também o mundo da redenção. Antes da consumação, o
material e o espiritual, o temporal e o escatológico (eterno), a lei e o
evangelho, o símbolo e a realidade, a promessa e o cumprimento, o
AT e o NT, Israel e a igreja, este mundo e o mundo vindouro existem
lado a lado.
O cristão vive entre os dois horizontes da criação e da nova
criação. Consequentemente, qualquer discussão escatológica
pressupõe a distinção Criador-criatura, além do fato de que Deus é
Deus e de que a revelação de si mesmo e do eschaton ao homem é
uma forma de facilitar nossa visão através de um vidro embaçado.
Permanecemos na presença de Deus com respeitoso temor, visto
que ele é soberano e livre. Em sua soberania e independência ele
revelou aspectos do seu plano eterno no tempo, na linguagem do
homem e em metáforas. Consequentemente, é impossível prender
Deus a qualquer sistema escatológico (milenário). Esse assunto foi
explicitamente levantado num recente relatório do Christianity Today
Institute como relatado num artigo da Christianity Today intitulado
“ Nossa futura esperança: A escatologia e seu papel na igreja” .162 O
moderador, Kenneth Kantzer, conclui que precisamos reconhecer
“ diferenças legítimas” , continuar nosso trabalho como estudantes
da palavra e permanecermos em diálogo.

68
3

Sistemas de descontinuidade

John S. Feinberg

relação dos Testamentos tem ocasionado muito debate ao

A longo da história da igreja. Se alguém vê mais continuidade


ou descontinuidade, tal visão se evidenciará em vários
pontos do seu sistema teológico. Pois nenhum sistema teológico pode
escapar de enfatizar esse assunto, seja explícita ou implicitamente.
Ao levantar a questão da continuidade ou descontinuidade,
levanta-se potencialmente uma série de assuntos pertinentes à for­
mulação de um completo sistema teológico. Por exemplo, alguns
argumentam que nenhum Testamento tem uma posição teológica
unificada. Existem teologias do AT e do NT, mas nenhuma teologia
separada para qualquer dos Testamentos. A conversa da continui­
dade entre os Testamentos parece mal orientada com tanta aparente
descontinuidade dentro de cada Testamento.1
Outras questões cruciais surgem desse assunto. Deve o AT
ser usado para formular a teologia cristã? Se deve, como? Qual é o
relacionamento entre o cristianismo e o judaísmo, e como a relação
dos Testamentos entre si afeta a relação dessas duas religiões? E,
C ontinuidade e descontinuidade

seja qual for a relação entre as religiões, isso permite um genuíno


diálogo entre judeus e cristãos? Se permite, em quais fundamentos
e de que forma? Finalmente, a base teológica do cristianismo é nada
mais do que a teologia do AT tendo Jesus como o Messias acrescen­
tado como algo secundário, ou existem diferenças radicais entre as
teologias dos dois Testamentos?
O assunto da continuidade e descontinuidade dos Testamentos
é enfocado tanto pelos teólogos não evangélicos quanto pelos evan­
gélicos. Hans W olff é representante dos não evangélicos no lado da
continuidade. Ele argumenta que os eventos, povos e alianças do
AT têm analogia com os do NT. Em virtude dessas analogias, ele
alega que “ no Novo Testamento encontra-se o contexto do Antigo,
o qual, como seu objetivo histórico, revela o significado total do
Antigo Testamento, e também a correspondência nos detalhes ajuda
a com preender a intenção de testemunhar dos contextos do Antigo
Testamento” .2
Provavelmente o mais famoso proponente contemporâneo não
evangélico da descontinuidade é Rudolf Bultmann.3Bultmann afirma
que a própria compreensão cristã está vinculada a Cristo. Mas o AT
em seus próprios termos não quer falar de Jesus. Isso p od e apenas
ser feito por alegoria. Assim, a relevância do AT para os cristãos é
um tanto limitada, embora importante. Ele p od e mostrar o caminho
para não ir - sua função negativa. Mas ele tem também uma função
positiva, pedagógica, para ajudar a com preender o NT.4 O ponto
principal, contudo, é ver com muita seriedade a descontinuidade
entre os Testamentos.
Os sistemas evangélicos são também distinguíveis nessa
questão da continuidade e descontinuidade. As posições evan­
gélicas podem ser colocadas numa série contínua da crença na
absoluta continuidade da Escritura à fé na absoluta descontinuidade
da Escritura. Geralmente, os sistemas que se movem na direção da
absoluta continuidade se encaixam mais no molde das teologias
reformadas ou pactuais. Os sistemas que vão na direção da absoluta
descontinuidade se encaixam mais no m olde das teologias dispen-
sacionalistas. Embora existam diversidades de ambos os tipos, é
improvável que quaisquer sistemas existentes estejam exatamente
no fim da série de um ou de outro.
Embora os sistemas evangélicos possam ser colocados nessa
série, isso não especifica automaticamente os elementos que unem

70
S istemas de descontinuidade

todos os sistemas de continuidade e descontinuidade. Nem espe­


cifica onde se encontra a continuidade e a descontinuidade. Neste
ensaio, após breve pesquisa de vários sistemas, vou especificar
elementos que parecem unir sistemas de descontinuidade. Quanto
ao meu sistema, ele é dispensacionalista, embora eu veja tanto a
continuidade quanto a descontinuidade entre os Testamentos. Minha
intenção é observar os elementos que são a essência de qualquer
sistema dispensacionalista.

P e s q u is a de s is t e m a s

Eugene Roop explica que ao longo da história da igreja o


relacionamento entre os Testamentos tem sido compreendido de
três formas principais: a alegórica ou tipológica, a doutrinária e a
histórica.s As duas primeiras enfatizam a continuidade, e a terceira,
a descontinuidade. A primeira seguiu a liderança da igreja primitiva
______ r

e assumiu a consistência interna da Escritura. Obvias discrepân-


cias foram tratadas pela busca de um significado espiritual “ mais
profundo” que, quando encontrado, demonstrou novamente a con­
sistência fundamental da Escritura. Como observa Roop, a rejeição
de Lutero da alegoria encerrou seu uso em grande parte.6
De acordo com Roop, a subjacente presunção da abordagem
doutrinária foi que a Bíblia toda adota a mesma visão sobre Deus,
o homem, o pecado etc. Os teólogos sistemáticos alegaram perma­
necer fiéis à Bíblia, mas, de acordo com Roop, não conseguiram. A
análise histórica expõe várias mudanças doutrinárias internas e
tradições doutrinárias conflitantes na Escritura.7
A abordagem histórica (especialmente importante depois
de meados do século XIX) enfatizou a história da religião de Israel.
Os proponentes argumentaram que a Escritura não foi escrita
como uma teologia sistemática. Em vez disso, as várias porções da
Escritura surgiram de contextos históricos particulares, tornando
especialmente difícil sua sistematização. O cuidadoso estudo
histórico permite que escritores individuais sejam ouvidos, mas
isso também ressalta os conflitos entre eles. Em geral, a abordagem
histórica enfatizou mais a descontinuidade da Escritura do que a
continuidade.8
Nas discussões não evangélicas contemporâneas, a ênfase
tem sido mais a abordagem histórica. Entretanto, alguns exem plos

71
C ontinuidade e descontinuidade

mostram que também tem havido abordagens que enfatizam a


continuidade.
Sem dúvida, o mais influente pensador contemporâneo no
lado da descontinuidade é Rudolf Bultmann. Como já foi observado,
Bultmann pensou que a principal função do AT para o cristão é
ajudá-lo a com preender a existência humana, porque ambos os
Testamentos compartilham o mesmo entendimento da existência.9
Com isso, o AT prepara o caminho para Cristo, que é a resposta final
às expectativas do AT. Mas o AT nunca pode significar para nós o
que significa para o judeu, visto que nunca teve a intenção de falar
de Jesus. Nesse sentido é irrelevante para o cristão.
Apesar de sua ênfase na descontinuidade, Bultmann nem
rejeita o AT declarando-o como inútil, nem v ê nele nenhum fun­
damento de continuidade com o NT.10 Bultmann investiga três
conceitos nos dois Testamentos: “ aliança” , “ o reino de Deus” e “ o
povo de Deus” . Todos os três estão em ambos os Testamentos (con­
tinuidade), todavia a compreensão deles do NT difere significati­
vamente da do AT. Bultmann v ê o AT como profecia e o NT como
cumprimento, mas não como os escritores do AT originariamente
entenderam as profecias.11 A perspectiva do AT é em pírica e
histórica. Por exemplo, o cumprimento do conceito do AT do reino
de Deus pensava-se estar intimamente ligado à teocracia judaica e
todos os itens políticos a ela relacionados. Mas o homem não pode
com preender adequadamente a vontade de Deus. Ele espera que
o cumprimento da profecia do AT seja histórico e empírico. Mas
Deus fez um novo com eço em Cristo. O seu cumprimento e a pers­
pectiva do NT são escatológicos e supramundanos.12 Portanto, não
existe mais uma teocracia, mas somente ‘“ o domínio d e Deus’ e a
ideia de uma comunidade na qual o nome de Deus é consagrado e
sua vontade operante” .13
Como, então, para o AT a história judaica representa profecia
que é cumprida na história da comunidade do NT? Para Bultmann
o cumprimento está em seu malogro. A compreensão de Israel de
si mesmo como povo de Deus levou à ideia de um Deus transcen­
dente, mas Israel recusou-se a pensar em termos escatológicos,
transcendentes ou supramundanos, e em termos em píricos e histó­
ricos. Não obstante, a profecia do AT é cumprida no NT no sentido
escatológico.14 Para Bultmann, então, existe continuidade entre os
Testamentos, mas não da forma que as pessoas do AT pensavam.

72
S istemas de descontinuidade

Friedrich Baumgàrtel oferece uma segunda abordagem à


descontinuidade. Ele viu o AT como uma testemunha a uma religião
inteiramente diferente do cristianismo. O “ cristão simples” aborda
o AT com uma compreensão prévia do NT. Mas isso não funcionará,
porque tal interpretação negligencia o fato de que o AT resulta de
uma religião vivida sob condições históricas, culturais e religiosas
diferentes do NT.15 Isso não nega a relevância do AT para o cristão.
Nos dois Testamentos o povo de Deus compartilha a experiência do
Deus vivo que é “ meu Deus” . Esse fato é a base da unidade entre os
Testamentos, mas ele pode apenas ser compreendido plenamente
depois de reconhecer a singularidade do AT. Como diz Baumgàrtel:

... e m p r im e ir o lu g a r d e v e m o s d e s p r e n d e r p o r c o m p le t o o AT,
isto é, c o m p r e e n d ê - lo e m s e u e n te n d im e n to p r ó p r io , c o m p le ­
ta m e n te s e p a r a d o d o N o v o T e sta m e n to e d e n e n h u m a fo r m a
“ju s t ific a d o ” a tra v é s d o e v a n g e lh o ! - p a r a r e c u p e r á -lo t o d o .16

Do ponto de vista da continuidade, Gerhard von Rad é uma


figura importante. Von Rad observa que na história de Israel Deus
esteve constantemente realizando novos atos poderosos, os quais,
de certa forma, eram um novo com eço entre Deus e seu povo. Como
resultado, Israel não teve um conceito uniforme de Deus.17Entretanto,
os escritores bíblicos não quiseram recusar as tradições anteriores,
pois isso daria a entender que não havia plena continuidade em
sua história com Deus. Eles mantiveram a continuidade “ adaptando
tradições mais antigas para satisfazer a nova situação” .18 Isso foi
feito registrando analogias ou correspondências entre situações
mais antigas e mais novas.19 Igualmente, os escritores do NT man­
tiveram a continuidade com o AT adaptando, absorvendo, transfor­
mando (reatualizando, para usar a palavra de Von Rad) as antigas
tradições.20Embora a continuidade tenha sido mantida pela reinter-
pretação tipológica dos eventos do AT, Von Rad também argumenta
que sem tal compreensão tipológica dos Testamentos não haveria
continuidade, porque o NT vai além e é descontínuo com o autoen-
tendimento histórico do AT.21
Apesar da posição de Von Rad ser ostensivamente de con­
tinuidade, ela envolve menos continuidade do que se poder ia
pensar.22 Em contrapartida, outros estudiosos têm sustentado
posições que parecem mais genuinamente enfatizar a continuidade.
Por exemplo, alguns têm declarado a continuidade com base em

73
C ontinuidade e descontinuidade

temas recorrentes. N. H. Snaith relaciona os Testamentos23 com base


em idéias características do AT como santidade de Deus, retidão,
salvação, amor pactuai e amor eletivo. Ele argumenta que enquanto
no NT a encarnação e a língua grega, até certo ponto, transformam
essas idéias, inquestionavelmente o AT é fundamental para a com­
preensão delas no NT.24 Outros, como Zimmerli, argumentam em
favor da continuidade com base em promessa e cumprimento. O AT
está repleto de promessas que são cumpridas ou durante a história
do AT ou na do NT com a vinda de Cristo. O cumprimento não é,
provavelmente, sempre o que o escritor do AT previu, não obstante
há um cumprimento genuíno.23
Ao voltar-se para os evangélicos, encontra-se grande dispa­
ridade no que se refere a esse assunto. Alguns enfatizam mais a
continuidade, outros a descontinuidade, mas até mesmo dentro dos
respectivos campos há diversidade. Por exemplo, os teólogos refor­
mados ou da aliança estão normalmente no campo da continuidade,
mas nem todos os seus pensadores mantêm posições idênticas.
Alguns teólogos, como O. T. Allis e Anthony Hoekema, são amilena-
ristas em sua visão do reino, enquanto outros claramente no campo
da aliança e da continuidade, como G. E. Ladd, são pré-milenaristas.
Além disso, O. T. Allis sustenta que as grandes alianças do AT feitas
com Israel (p. ex., abraâmica ou davídica) foram condicionais,26
enquanto O. Palmer Robertson as vê tanto como condicionais quanto
como incondicionais. Deus, unilateralmente, prometeu bênçãos a
Israel. Os judeus de fato, que tornam real o cumprimento, são os que
atendem às condições espirituais da aliança.27
Igual diversidade existe no lado da descontinuidade. Por
exemplo, o dispensacionalismo dificilmente representa uma
abordagem monolítica. Até mesmo críticos como Daniel Fuller
admitem que o dispensacionalismo da Scofield Reference Bible
[Bíblia de referência Scofield] difere da New Scofield Reference Bible
[Nova Bíblia de referência Scofield], pelo menos em como as duas
retratam a salvação nos Testamentos.28 Além disso, alguns dispen-
sacionalistas, embora com o reconhecimento do Dispensationalism
Today, de Ryrie, não pensam que suas mudanças ao sistema cheguem
suficientemente longe.
Finalmente, algumas posições não dispensacionalistas estão
mais no lado da descontinuidade do que da continuidade. Alguns
escritores deste volume se encaixam nesta categoria. Por exemplo,
a teologia da promessa de Kaiser dirige-se para uma posição entre

74
S istemas de descontinuidade

a teologia da aliança e o dispensacionalismo. Assim, ele reconhece


tanto a continuidade quanto a descontinuidade entre os Testamentos.
No entanto, de várias formas, Kaiser diferencia seus pontos de vista
daqueles mais tipicamente sustentados pelos participantes do
campo da continuidade. Embora ele veja importante ligação entre
os Testamentos como a continuidade das promessas de Deus e seus
cumprimentos, ele nota também que as promessas abrangem outros
assuntos além de apenas a redenção. Assim, como é mais caracterís­
tico do lado da descontinuidade, ele vê a necessidade de um reino
de Cristo terreno literal (social, político), bem como espiritual, isto
é, ele é pré-milenarista.29

F undam entos do d is p e n s a c io n a l is m o

Nem todas as posições da descontinuidade ou dispensacio-


nalistas são semelhantes. No entanto, parece possível delinear os
elementos essenciais a todos os sistemas dispensacionalistas.30
Entretanto, antes de voltar diretamente a essa questão, é impor­
tante fazer uma distinção inicial e então esclarecer itens que não
estão no centro do dispensacionalismo. Quanto à distinção, ao
avaliar qualquer sistema conceituai é sempre crucial fazer distinção
entre princípios fundamentais e conceitos, que são as aplicações
dos princípios fundamentais. O sistema é gerado dos primeiros, e
sem adesão a eles não se pode adequadamente declarar apoio ao
sistema. Rejeitar aplicações particulares dos princípios fundamen­
tais, entretanto, não desqualifica alguém como adepto do sistema.
Essa distinção é especialmente importante para o dispensa­
cionalismo, porque tanto os defensores quanto os críticos têm fre­
quentemente tratado as aplicações do sistema como princípios
fundamentais. Consequentemente, os dispensacionalistas têm erro­
neamente assumido que a rejeição de tais aplicações acarreta afas­
tamento da posição. Da mesma forma, os não dispensacionalistas
têm erroneamente entendido que a adesão ao dispensacionalismo
significa concordar com cada ponto aplicável. Invariavelmente, as
aplicações dos fundamentos dispensacionalistas são os conceitos
mais sujeitos a objeção. Permita-me ilustrar.
Todos os dispensacionalistas pensam que é importante
alguma forma de distinção entre Israel e a igreja. Eles pensam
também que se deve avaliar seriamente a incondicionalidade das

75
C ontinuidade e descontinuidade

alianças como a abraâmica e a davídica e as im plicações para o


futuro de Israel que as alianças aparentemente envolvem. Todos
esses itens, adequadamente com preendidos, são fundamentais
para as teologias dispensacionalistas. Por outro lado, muitos dis-
pensacionalistas têm sustentado que o Sermão do Monte é relevante
apenas para o reino milenar e, portanto, não é para os dias de hoje.
Outros têm alegado que deve haver duas novas alianças, uma para
a igreja (em razão dos comentários de Jesus nos Evangelhos e da
mensagem de Hebreus) e outra para Israel (dada a promessa incon­
dicional de Jeremias 31a Israel).31 As posições sobre o Sermão do
Monte e as duas novas alianças são aplicações dos princípios mais
fundamentais mencionados acima. E eu penso que são aplicações
inexatas. Quanto ao Sermão do Monte, não é necessário negar a
presença do reino em certo sentido nesta era para salvaguardar
uma expressão especial d ele para o Israel nacional. As dimensões
espirituais d ele podem ser operantes agora para todas as pessoas
(o que perm ite o Sermão do Monte ser relevante hoje) sem obstar
uma expressão social, política e espiritual terrena do reino de
mil anos com ênfase especial sobre Israel. Quanto à nova aliança,
por que ela não pode ter uma aplicação à igreja agora, mais uma
aplicação ao Israel nacional no futuro?
Minhas interpretações aqui são também aplicações de idéias
mais fundamentais. Elas não impõem nem amilenarismo, nem ignoram
as promessas da aliança do AT a Israel, nem obscurecem qualquer
distinção adequada entre Israel e a igreja. A lição abrangente, de
qualquer forma, é distinguir entre fundamentos e aplicações.
Quanto aos fundamentos do dispensacionalismo, tem havido
muita confusão. Por exemplo, tradicionalmente a visão dispensa-
cionalista define dispensacionalismo com base dispensação. Mais
especificamente, a abordagem oferece evidência bíblica de que
existem dispensações. Assim, os dispensacionalistas normalmente
notam que “ dispensação” (ol «oi^oiiía) é uma palavra bíblica com um
significado particular, um significado que supostamente não apenas
define uma dispensação, mas o próprio dispensacionalismo. John
Walvoord define dispensacionalismo dessa forma em seu artigo
de 1958 sobre o pré-milenarismo dispensacionalista.32 Da mesma
forma Willard Aldrich em seu artigo de 1963.33 Até mesmo em
Walvoord: A Tribute [Walvoord: uma homenagem] (1982) é adotada
a mesma metodologia. Elliott Johnson alega que a base exegética
para dispensacionalismo (não exatamente para dispensações) é a

76
S istemas de descontinuidade

palavra bíblica oí Kovo^iía.34 Stanley Toussaint afirma:“ é imperativo


para qualquer discussão de dispensacionalismo começar com um
mútuo entendimento do assunto. Talvez a mais famosa definição é
a dada na Scofield Reference Bible”.35Toussaint oferece a definição
de Scofield de uma “ dispensação” , observa que a definição da New
Scofield é essencialmente a mesma, e então oferece as definições
de Chafer e Ryrie de uma dispensação.36 Toussaint oferece todos
esses itens como uma definição de dispensacionalismo.
Embora oi kouojilci seja uma palavra bíblica, e uma dispen­
sação deva ser definida em geral como esses homens o fizeram,
nenhum deles define a essência do dispensacionalismo, um
sistema ou abordagem da Escritura. Pensar dessa forma incide
em erro em pelo menos duas formas importantes. O erro inicial
é pensar que a palavra “ dispensação” e o ensino sobre diferen­
tes ordens de administração divina aparecem somente no pen­
samento dispensacionalista. Qual teólogo da aliança duvida que
oi Koyo|iía seja uma palavra bíblica? A lém disso, os federalistas
falam com frequência, por exemplo, de dispensações divergentes
do pacto da graça.37 Visto que tanto os dispensacionalistas como
os não dispensacionalistas usam o termo e o conceito de uma dis­
pensação, só isso não é distintivo para o dispensacionalismo. Não
é mais distintivo para o dispensacionalismo do que o discurso de
federalistas é distintivo para a teologia da aliança. Os dispensacio­
nalistas falam sobre alianças o tempo todo.
O equívoco, entretanto, está num n ível ainda mais pro­
fundo. O term o e o conceito “ dispensação” não estão sequer
na essência do sistema. O engano fundamental de Johnson,
Toussaint e outros é pensar que eles p od em definir um esquem a
conceituai (dispensacionalism o) definindo um term o ( “ dispen ­
sação” ). D efinir uma palavra e definir um conceito não são a
mesma coisa. D efinir uma palavra en volve fazer uma análise das
formas pelas quais essa palavra é usada em vários contextos.
D efinir um conceito en volve delin ear as qualidades fundamen­
tais que fazem algo ser o que é. Os dispensacionalistas aparen­
tem ente não com preenderam a distinção e assim assumiram que
podiam definir um sistema d e pensam ento (um assunto co n cei­
tuai) definindo uma palavra. D efinir o termo “ dispensação” não
d efin e mais a essência de dispensacionalism o do que definir o
term o “ aliança” exp lica a essência da te o lo g ia da aliança.

77
C ontinuidade e descontinuidade

Uma segunda área de confusão envolve o que Deus está


fazendo com a história. Os dispensacionalistas frequentemente
alegam que cada dispensação envolve um teste para o homem,
um fracasso e um julgamento. Embora muitos aleguem que essa é
uma característica secundária de uma dispensação, muitos aceitam
essa ideia para sugerir que o que Deus está fazendo com a história
é tentar demonstrar que o homem é um fracasso em todas as cir­
cunstâncias e assim precisa de Deus.38 Por exemplo, após observar
que cada dispensação tem um teste e um fracasso, Norman Geisler
indaga o propósito de tudo isso. Ele responde:

O p r o p ó s i t o b e m p o d e s e r q u e D e u s e s t e ja t e n t a n d o r e a liz a r
v á r i a s c o is a s p o r m e io d e s e u p l a n o p a r a a s é p o c a s . P r im e ir o ,
e l e q u e r p r o v a r a o u n iv e r s o [ d e c r ia t u r a s r a c i o n a i s ] q u e as
c r ia t u r a s s e m p r e f r a c a s s a r ã o e c a u s a m o m a l [n ã o o b e m ]
e m si m e s m a s q u a n d o d e s o b e d e c e m a o s m a n d a m e n t o s d e
D e u s . E m s e g u n d o lu g a r , e a o c o n t r á r io , D e u s q u e r p r o v a r
q u e é s e m p re ce rto o b e d e c e r a se u s m an d a m en to s, p o rq u e ,
q u a n d o o s in d iv íd u o s o fa z e m , p r o d u z e m o b e m e b ê n ç ã o
s o b r e si m e s m o s . D e s s a f o r m a o c é u p o d e f ic a r c h e io d e
c r ia t u r a s liv r e s e c o r r e t a m e n t e d e s c a r t a r q u a l q u e r r e b e l i ã o
n o v a m e n t e .39

Apesar de qualquer plausibilidade dessas idéias, se é isso que


Deus está fazendo com a história, certamente é bizarro. Por que Deus
tem de provar alguma coisa a alguém? Se Deus diz que ninguém é
justo e que ninguém busca por si mesmo fazer a sua vontade (e Deus
certam ente o diz), isso não é prova suficiente? É Deus suspeito
de ser um potencial mentiroso até que administre a história p or
todas as dispensações para provar que e le estava certo o tempo
todo? A lém disso, se Deus está tentando provar isso, por que
sete vezes? Não bastariam duas ou três vezes? Ou talvez antes
que possam os concordar, Deus p recise provar isso em todas as
suas adm inistrações possíveis, e que certam ente seria mais do
que sete. Se isso parece estranho, e sugere que tal id eia é com ­
pletam ente desatinada. Talvez alguém responderá que Deus faz
isso não para demonstrar sua veracidade, mas para que com ­
preendam os a m ensagem . Mas o fato é que algumas pessoas
nunca entenderão a m ensagem independentem ente de quanto
ela seja repetida. A lém disso, com preendam os ou não, se Deus
diz uma vez, isso é verdade. Em suma, não penso que essa ideia

78
S istemas de descontinuidade

seja correta, mas, além disso, nada essencial ao dispensaciona-


lismo d ep en d e dela.
Em terceiro lugar, o número de dispensações que se afirma
não serem essenciais ao sistema. Muitos dispensacionalistas
pensam que existem sete, mas alguns veem o estado eterno como
um oitavo. Também, os não dispensacionalistas normalmente
alegam que Deus relacionou-se com o homem de forma diferente
antes e depois da queda e de forma diferente nos tempos do NT
e nos tempos do AT. Ninguém seriam ente pensa que reconhecer
aquelas três administrações torna dispensacionalistas os não dis­
pensacionalistas. O número de dispensações não está no centro
do sistema.
Quarto, nem o calvinismo nem o arminianismo está na essência
do dispensacionalismo. Alguns calvinistas são não dispensacionalis­
tas, e outros, como eu, são dispensacionalistas. O mesmo é verdade
quanto aos arminianos. Esse assunto não está na essência do dis­
pensacionalismo, porque o calvinismo e o arminianismo são muito
importantes com referência a conceitos de Deus, do homem, do
pecado e da salvação. O dispensacionalismo torna-se muito impor­
tante no que se refere à eclesiologia e à escatologia, mas realmente
não sobre aquelas outras áreas. Alguns pensam que a salvação está
no centro do dispensacionalismo por erroneamente acharem que o
dispensacionalismo ensina múltiplos métodos de salvação. Os que
adequadamente compreendem a posição percebem que sua ênfase
está em outra parte.
Finalmente, o entendimento dispensacionalista da lei não é
essencial ao sistema. Alguns argumentam que o dispensacionalismo
impõe o antinomismo, visto que os dispensacionalistas alegam que a
lei foi abolida, porque Cristo é o fim da lei (Rm 10.4). Embora alguns
possam sustentar esse ponto de vista, dificilmente ele é a norma ou
os dispensacionalistas precisem dele. Certamente, o código mosaico
terminou. Caso contrário viveriamos numa teocracia, ofereceriamos
sacrifícios animais pelo pecado e praticaríamos a morte por apedre-
jamento dos adúlteros e dos filhos que desobedecessem a seus pais.40
Até mesmo as históricas grandes Confissões de Fé (não dispensacio­
nalistas) declaram uniformemente que, com a vinda de Cristo, não
estamos mais sob a lei mosaica e, portanto, não nos é exigido viver
numa teocracia ou obedecer ao sistema sacrificial do AT.41Entretanto,
não estar sob a lei mosaica não significa estar sem lei, e os dispensa­
cionalistas não fazem tal afirmativa. Os dispensacionalistas afirmam

79
C ontinuidade e descontinuidade

que o crente está sob a lei de Cristo como descrita no NT. Como
no caso do código mosaico, a lei de Cristo personifica os princípios
morais de Deus eternamente verdadeiros, os quais são exemplifica­
dos em ambos os códigos. Mas, como um código separado, a lei de
Cristo exclui os aspectos cerimoniais e civis do código mosaico. O
dispensacionalismo não é nem antinomista nem o obriga.42
Se nenhum desses conceitos está na essência do dispensa­
cionalismo, o que está? Existem seis itens diferentes que parecem
ser tanto característicos ao dispensacionalismo quanto estão em
seu núcleo. Além disso, qualquer sistema que se incline na direção
de um sistema de descontinuidade tende nessa direção, e qualquer
sistema de continuidade se afasta desses pontos.

MÚLTIPLOS SENTIDOS DE TERMOS COMO


"JUDELTE "DESCENDÊNCIA DE ABRAÃO"

Ryrie afirma que dispensacionalista é aquele que faz persis­


tente distinção entre Israel e a igreja.43 Entretanto, esse não é bem
o ponto, porque muitos teólogos federalistas distinguem Israel da
igreja. Até mesmo os sistemas de continuidade que mais alegori-
zam o AT, a ponto de o lerem como um livro cristão, ainda reconhe­
cem que referências à história de Israel de fato dizem respeito ao
Israel nacional, mesmo que esses eventos prenunciem algo sobre a
igreja. Da mesma forma, ao lerem passagens do NT como Romanos
11 sobre os ramos naturais da oliveira sendo cortados, eles inter­
pretam isso como uma referência aos judeus étnicos. É duvidoso
que qualquer sistema de continuidade nunca faça distinção entre
os dois.
Mas Ryrie afirmou que o importante era a consistente distin­
ção. Entretanto, isso ainda não é o importante, e pode até estar de
certa forma equivocado. O que significa distinção “ consistente” ?
Há um ingênuo senso de consistência e, de acordo com ele, sempre
que alguém vê termos como “ descendência de Abraão” e “ raça
escolhida” , os entende como uma referência ao Israel nacional,
independentemente do contexto. Mas se é isso que significa con­
sistência, então até mesmo os dispensacionalistas não fazem uma
consistente distinção entre Israel e a igreja! Qual dispensaciona­
lista pensa que referências a uma “ nação santa” , “ povo escolhido” e
“ sacerdócio real” em lPedro 2.9 não são referências à igreja? Qual

80
S istemas de descontinuidade

dispensacionalista pensa que o discurso sobre a “ descendência


de Abraão” em Romanos 4 somente se refere aos judeus étnicos?
Outra forma de com preender consistência é que os usos dos termos
que são claramente nacionais são sempre interpretados como tais,
e usos que são espirituais são sempre interpretados dessa forma.
Embora isso seja melhor, ainda não é bem o ponto.
O ponto de fato é que os dispensacionalistas reconhecem múl­
tiplos sentidos de termos como “judeu” , “ descendência de Abraão”
e “ povo escolhido” e insistem que nenhum desses sentidos é reci­
procamente cancelado ou se torna sem importância ao voltar-se
para o NT.44 Especificamente, a Escritura usa esses termos em pelo
menos quatro sentidos distintos. O primeiro é o sentido biológico,
étnico, nacional. Nesse sentido eles se referem aos judeus b iológi­
cos, genéticos, isto é, os descendentes biológicos de Abraão. Esse
sentido vigora tanto no NT quanto no AT. Por exemplo, sem reconhe­
cer esse sentido em Romanos 9-11, muito dessa passagem torna-se
incompreensível.
Segundo, os termos são às vezes usados no sentido político.
Por exemplo, em certo ponto no AT “ Israel” é uma referência a todas
as doze tribos, a nação; sob o governo de Davi. Depois é uma refe­
rência somente ao Reino do Norte (p. ex., Jr 3.11). Nos Evangelhos,
quando Jesus é chamado de “ Rei dos judeus” , o título é usado no
sentido político. Esse sentido não é idêntico ao precedente, porque
por meio de conquistas militares ou conversões ao judaísmo, decor­
rendo disso o viver em Israel, a nação política de Israel podia às
vezes incluir judeus não étnicos.
Um terceiro sentido é o espiritual. Termos como “ descendên­
cia de Abraão” e “ raça escolhida” também se aplicam a qualquer
indivíduo ou grupo, independentemente da origem étnica, devi­
damente relacionado espiritualmente a Deus pela fé, isto é, ao
redimido.43 Os termos nesse sentido podem ser usados para os
gentios (p. ex., algumas ocorrências de “ descendência de Abraão”
em Romanos 4). Mas os termos em seu sentido espiritual são até
mesmo usados para distinguir judeus meramente biológicos de
judeus que são tanto biológica quanto espiritualmente relacionados
a Deus (p. ex., Rm 9.6ss).46
Um último uso dos termos pode ser chamado de tipológico.
Por exemplo, no AT há momentos em que Israel, embora sendo
Israel, pode também funcionar como um tipo de igreja. Algumas

81
C ontinuidade e descontinuidade

passagens do NT afirmam até que alguns eventos envolvendo Israel


são uma lição para a igreja (IC o 10.1-6, p. ex.).
O que é característico sobre os sistemas dispensacionalistas
com relação a esses múltiplos sentidos? Muitos sistemas de continui­
dade ou parecem inconscientes dos múltiplos sentidos dos termos
ou somente reconhecem sentidos diferentes dos espirituais e tipo-
lógicos em casos limitados como Romanos 11, em que a passagem
tem pouco nexo, sem o sentido étnico. Outros de fato reconhecem
a distinção nos sentidos, mas parecem enfatizar somente os usos
espirituais ou tipológicos.47 O que é característico do pensamento
dispensacionalista é o reconhecimento de todos os sentidos desses
termos que operam em ambos os Testamentos junto com a exigência
de que nenhum sentido (especialmente espiritual) é mais impor­
tante do que qualquer outro, e que nenhum sentido elimina o efeito
do significado e das implicações de outros sentidos. Quanto mais
se enfatizam a clareza e a importância dos vários sentidos, mais seu
sistema se torna dispensacionalista e orientado para a descontinui­
dade, porque os sentidos distintos tornam necessário falar de Israel
étnica, política e espiritualmente, bem como falar da igreja.

HERMENÊUTICA

A hermenêutica é também crucial ao dispensacionalismo.


Ryrie afirma ser fundamental o uso consistente da hermenêutica
literal,48 enquanto os não dispensacionalistas ou são não literalistas
ou literalistas inconsistentes. Outros dispensacionalistas concordam.
Por exemplo, Walvoord argumenta que os amilenaristas chegam
à posição deles em parte rejeitando a hermenêutica literal.49 Ele
argumenta até que os pré-milenaristas que defendem a pós-tribu-
lação chegam a essa conclusão por meio de uma compreensão não
literal da tribulação.30
Embora eu pense que a declaração como apresentada por
Ryrie seja muito simplista, esse não é um assunto fácil. E os não
dispensacionalistas aumentaram a confusão com o que disseram.
Em prim eiro lugar, os pensadores não dispensacionalistas não
assumem uma posição única sobre o assunto. Muitos pensado­
res não dispensacionalistas alegam tratar a profecia (profecia do
AT em particular) de forma não literal.SI Por exemplo, O. T. Allis
argumenta que muitas profecias do AT relativas ao futuro de Israel

82
S istemas de descontinuidade

devem ser interpretadas não literalmente porque, entre outras


razões, as promessas foram condicionadas à obediência. Quando
Israel desobedeceu, perdeu as promessas e agora elas devem
ser reinterpretadas para ser aplicadas à igreja de uma forma não
literal.52Allis declara que o dispensacionalismo erra ao ser exces­
sivamente literal. Ele escreve:

O o b je t iv o p r in c ip a l te m s id o m o s tra r q u e o d is p e n s a c io n a ­
lism o te m s u a o r i g e m n u m lite ra lis m o n ã o b í b li c o e e r r ô n e o
q u e , n o im p o rta n te c a m p o d a p r o fe c ia , ig n o r a o c a r á t e r típ ico
e p r e p a r a t ó r io d a d is p e n s a ç ã o d o A n t ig o T e sta m e n to .53

O comentário sobre tipologia é crucial, como veremos, mas o


ponto principal agora é o apoio de Allis à hermenêutica não literal
para interpretar a profecia.54
Embora alguns pensadores não dispensacionalistas aleguem
interpretar de forma não literal, outros alegam interpretar literal­
mente. Por exemplo, O. Palmer Robertson argumenta que a melhor
forma de com preender o cumprimento de profecias da nova
aliança (Jr 31; 33) é vê-las tendo um cumprimento em “ múltiplas
etapas” , baseadas no contraste típico/efetivo da Escritura” .55
Consequentemente, embora possa ter havido no AT algum sentido
de cumprimento das promessas da nova aliança nos setenta anos
da promessa (Jr 25.12; 29.10), vemos um cumprimento mais adiante
quando Jesus institui a nova aliança. Robertson chama isso de “ outro
tipo de cumprimento ‘literal’” .56 Além disso, Ladd argumenta que
reinterpretar o AT à luz do evento Cristo, simplesmente segue o
costume dos escritores do NT que fazem o mesmo (p. ex., Os 11.1/
Mt 2.15; J1 2/At 2; Am 9/At 15).57 Ao fazer isso, os escritores e os
intérpretes do AT simplesmente mostravam que viam mais clara­
mente a profecia do AT do que os santos do AT podiam ver. Mas
essa prática não era não literalismo, pois o AT não se cumpriu em
sua época, deixando em aberto como seria o seu cumprimento. Se
as profecias do AT foram cumpridas e então reinterpretadas para
serem aplicadas à igreja no NT, isso pareceria ser não literalismo,
mas a aplicação da passagem à igreja dificilmente é alegorismo se
a passagem está sem cumprimento no final do AT.
Para ilustrar melhor a confusão, precisamos somente apelar
para The Bible and the Future [A Bíblia e o futuro], de Hoekema.
Hoekema afirma que o cumprimento de Amós 9.11,12 em Atos

83
C ontinuidade e descontinuidade

15.14-18 é um claro exem plo bíblico de uma profecia sendo


cumprida de forma figurativa.58Outros, como Robertson se referiram
a esses exemplos como pelo menos um tipo de hermenêutica literal.
Na página seguinte Hoekema afirma que essas profecias sobre a
restauração de Israel podem ser cumpridas “ antitipicamente - isto é,
com o finalmente cumpridas na posse p o r todo o povo de Deus da nova
terra da qual Canaã foi um tipo.59 Mas Amós 9 não foi também uma
profecia sobre a restauração de Israel? E se foi, é Atos 15 o cumpri­
mento figurativo de Amós 9 ou o cumprimento antitípico? E o cum­
primento antitípico é literal ou figurativo? Hoekema não responde a
nenhuma dessas perguntas, mas o que ele chama de cumprimento
antitípico parece corresponder ao que Allis chama de não literal.
Com esse tipo de confusão, é compreensível que os dispensacio-
nalistas tenham muitas perguntas sobre a hermenêutica não dis-
pensacionalista. Meu ponto principal, contudo, é que a confusão (e
certamente existe também desorganização entre os pensadores dis-
pensacionalistas) sobre se essas práticas são literais ou não literais
(sem mencionar a confusão sobre quais práticas estão corretas)
ilustra a necessidade para um pensamento mais claro sobre o
assunto.
Levantar esses assuntos não os resolve, mas podem os fazer
algum avanço, embora notando diferenças hermenêuticas entre os
sistemas. Frequentemente os não dispensacionalistas respondem à
acusação de não literalismo em uma de duas formas. A primeira é
contrapor que os dispensacionalistas também interpretam de forma
não literal, porque interpretam figuras de linguagem. Como já argu­
mentei em outra parte,60 a objeção deixa de reconhecer a diferença
entre tipos de linguagem (figuras de linguagem, linguagem objetiva,
p. ex.) e métodos de interpretar a linguagem.
Uma segunda resposta não dispensacionalista é que eles inter­
pretam literalmente. Ambos os lados afirmam interpretar literal­
mente e, todavia, eles derivam de sistemas teológicos diferentes. Isso
sugere que a diferença não é literalismo versus não literalismo, mas
diferentes entendimentos do que constitui a hermenêutica literal. Eu
penso que o debate surge de três questões fundamentais, isto é, a
relação do progresso de revelação à prioridade de um Testamento
sobre o outro, da compreensão e das implicações do uso do NT e do
AT e da compreensão e das implicações da tipologia. As três estão
inter-relacionadas, mas vou falar de cada uma independentemente.

84
S istemas de descontinuidade

A característica do pensamento dispensacionalista é sua


ênfase no progresso da revelação. Deus dá diferentes ordens de
direcionamento para o mundo em tempos diferentes, e novas ordens
instituem uma nova dispensação. Do AT ao NT nem tudo muda, mas
muita coisa se torna mais clara.61 Os pensadores dispensacionalis-
tas e não dispensacionalistas concordam que o NT cumpre o AT e é
uma revelação mais completa de Deus; mas há discordância quanto
ao que isso significa para a prioridade de um Testamento sobre o
outro. Os não dispensacionalistas começam com o ensino do NT
tendo prioridade e depois voltam para o AT. Os dispensacionalistas
começam frequentemente com o AT, mas onde quer que com ecem
eles exigem que o AT seja tomado em seus próprios termos, não
reinterpretados à luz do NT.62 Como Ladd explica:

A q u i e s tá o d iv is o r d e á g u a s b á s ic o e n tre u m a t e o lo g ia d is p e n ­
s a c io n a lis ta e u m a n ã o d is p e n s a c io n a lis t a . O d is p e n s a c io n a -
lism o fo r m a s u a e s c a t o lo g ia p o r u m a in t e r p r e ta ç ã o lite ra l d o
A n t ig o T e sta m e n to e e n tã o aju sta o N o v o T e sta m e n to d e n tro
d e la . A e s c a t o lo g ia n ã o d is p e n s a c io n a lis t a fo r m a s u a t e o lo g ia
d o e n s in o e x p líc ito d o N o v o T e sta m e n to .63

O argumento básico de Ladd parece correto, mas por que


tal diferença? Penso que em parte a resposta vem dessa questão
do progresso da revelação. Bavinc alega, por exemplo, que desde
que a linguagem das profecias do AT é terrena, sensual, deve-se
procurar pela verdade espiritual e eterna, oculta nas formas
terrenas.64 Para encontrar o espiritual, vá para o NT, porque “ o
Novo Testamento se vê como o espiritual e, por conseguinte, como
verdadeiro e com pleto cumprimento do Antigo Testamento” .65 O
NT evidentem ente tem prioridade, porque enfatiza o espiritual e,
por conseguinte, tem uma forma mais alta de revelação.
Nem todos os não dispensacionalistas aceitam a separação de
Bavinck dos Testamentos como terreno versus espiritual, mas geral­
mente concordam que o NT como cumprimento deve ter prioridade.
O AT é visto como temporário, como uma sombra, enquanto o NT
é visto como a realidade. Uma razão importante para se fazer essa
afirmação é que muito do sistema do AT é removido como desne­
cessário com a vinda de Cristo.66 E. F. Kevan chama a atenção argu­
mentando que, quando uma ideia passa do AT para o NT, “ a interpre­
tação deve em ergir do caráter dispensacionalista de profecia com o

85
C ontinuidade e descontinuidade

determinado pelas alianças” .67‘ Ele quer dizer que a dispensação


durante a qual uma profecia é dada “ determina as formas externas
visíveis da profecia” .68O profeta deve falar em termos significativos
para o seu próprio tempo. Entretanto, isso não encerra o assunto,
porque com preender as circunstâncias históricas que cercam a
profecia não nos diz o seu cumprimento. Como Kevan explica:

Isso s ig n ific a q u e a c e ita m o s q u e o p r o fe t a q u e r d iz e r e x a t a ­


m e n te o q u e d iz - “lit e r a lm e n t e ” (e x c e t o e m c a s o s d e ó b v ia
e d e c la r a d a m e t á fo r a ) e m b o r a o c u m p r im e n t o d o q u e d iz
p o s s a t r a n s c e n d e r g r a n d e m e n t e tanto o q u e e le s a b e q u a n to
o s te rm o s q u e e le u s a .69

Mais um argumento deve ser apresentado antes de responder


a essa questão. A o discutir Bavinck e a linha de interpretação que
dele provém, VanGemeren observa que a regra básica tornou-se a
ideia de que “ o que o NT não afirmou explicitamente foi rejeitado
e a linguagem profética do AT foi tipologicamente interpretada” .70
Essa parece ser uma descrição adequada da abordagem geral não
dispensacionalista ao AT, não apenas tratamento de sua profecia.
Com base no que se expôs, parece razoável concluir que a
prioridade do NT, caracteristicamente enfatizada pelos não dispen-
sacionalistas, está pelo menos em parte na ideia da revelação pro­
gressiva que vê o NT como conclusão do AT. Mas o progresso da
revelação é crucial para o sistema dispensacionalista. Os dispensa-
cionalistas simplesmente se equivocam em não se dar conta de que
a revelação progressiva dá razões para a prioridade do NT? Penso
que não.
O ponto crucial é com o sabermos se algo no AT (especialmente
profecia sobre o futuro de Israel) ainda é compulsório no NT. Minha
resposta é dupla. Se uma profecia ou promessa do AT é feita incon­
dicionalmente para determinado povo e ainda não foi cumprida
mesmo na era do NT, então a profecia se cumprirá futuramente.
Embora uma profecia dada incondicionalmente a Israel tenha o seu
cumprimento na igreja, se o NT a aplicar à igreja, ela também deve
ser cumprida para com Israel. O progresso da revelação não pode
cancelar promessas incondicionais.
Minha segunda resposta está relacionada a se algo deve ser
repetido no NT para permanecer válido. Se o NT rejeita explicita­
mente uma instituição do AT etc., ela é cancelada. Mas, se Deus declara

86
S istemas de descontinuidade

algo uma vez (no AT), por que ele deve repeti-lo no NT para que seja
verdade e permaneça em vigor? Desde que o NT explícita ou impli­
citamente não rejeita o ensino do AT, por que assumir que o AT está
cancelado apenas porque o NT não o repete? Argumentar que o AT
está cancelado por não estar repetido é um caso clássico do argumento
do silêncio. Por outro lado, não é argumentar de acordo com o silêncio
para alegar que o AT ainda está em vigor, apesar do silêncio do NT,
porque Deus já quebrou no AT o silêncio e nos deu seu pensamento.
Alguns podem responder que a palavra chave aqui é “ im plí­
cito” . Embora Deus possa não negar explicitamente no NT as
promessas do AT a Israel, ele certamente o faz implicitamente
aplicando-as à igreja. Minha resposta é que as promessas não
podem ser canceladas mesmo implicitamente, se forem feitas
in con dicion alm en te!
Resumindo, a falta de repetição no NT não faz com que um
ensino do AT se torne sem efeito durante a era do NT, desde que
nada o cancele implícita ou explicitamente. A incondicionalidade
das promessas a Israel garante que o NT não as remove de Israel
nem mesmo implicitamente. As leis civis e cerimoniais e as institui­
ções do AT são sombras e são explicitamente removidas no NT. Mas
as promessas incondicionais não são sombras, nem o são os povos a
quem elas são dadas.
Apesar do precedente, os não dispensacionalistas podem
alegar que estão apenas seguindo o padrão do NT (p. ex., J1 2.28/
At 2.16,17; Am 9.11,12/At 15.16-18; Os 11.1/Mt 2.15) de lidar com
o AT.71 Portanto, a reinterpretação explícita das promessas do AT a
Israel indica claramente o seu cancelamento àquele povo.
Inicialmente, pode-se dizer que os sistemas de continuidade
tendem a apelar a esse padrão de tratamento do AT como funda­
mento para pensar que o significado do NT torna-se o significado
do AT, ou que o significado da passagem do AT em seu contexto
não é importante, ou ambos. Os sistemas que tendem à descontinui­
dade normalmente alegam que esse padrão não exige uma substi­
tuição do significado do NT pelo do AT; o significado de ambas as
passagens em seus contextos deve ser mantido.72
Mas, e quanto à opinião dos não dispensacionalistas? Essa
prática fornece o padrão e/ou a prescrição para lidar com as
profecias (especialmente as relacionadas ao futuro de Israel)? Isso
nega ou minimiza a importância do significado das passagens do AT

87
C ontinuidade e descontinuidade

em seu próprio contexto? Penso que não. Padrões e descrições não


são prescrições. O fato de algo ser feito de determinada maneira,
não significa que essa seja a única forma de se lidar com o assunto.73
Além disso, estudos como The Old Testament in the New [O Antigo
Testamento no Novo], de S. Lewis Johnson, mostram que não existe
coisa como o padrão do N T para uso do AT. Existem variedades de
usos do NT para o AT.74 Ademais, Palmer Robertson argumenta e
ilustra de forma convincente a maneira pela qual um escritor do NT
usa uma passagem do AT não controla como outros usarão a mesma
passagem.75 Isso evidencia que não existe um único padrão neotes-
tamentário para uso do AT. Além disso, se a reinterpretação torna-se
o significado da passagem do AT, como se pode determinar o que
a passagem do AT significa, visto que o NT pode reinterpretá-la de
várias maneiras diferentes? E o que permanece constante para o sig­
nificado de passagens do AT reaplicadas no NT?
Finalmente, a aplicação do NT de passagem do AT não neces­
sariamente elimina o significado original da passagem. Nenhum
escritor do NT alega que sua nova compreensão da passagem do AT
cancela o significado da passagem do AT em seu próprio contexto
ou que a nova aplicação seja o único significado da passagem do AT.
O escritor do NT simplesmente oferece uma aplicação diferente de
uma passagem do AT do que o AT pode ter esperado; ele não está
alegando que a compreensão do AT é agora irrelevante. Duplo cum­
primento, então, se faz necessário, dada a aplicação que o NT faz da
passagem à igreja e também para manter a integridade do signifi­
cado do AT, especialmente em vista na natureza incondicional das
promessas feitas a Israel.
Tendo ouvido o que foi dito, alguém pode rejeitá-lo por pensar
que o caráter de tipologia e de sombra do AT torna, afinal, o signifi­
cado do NT crucial. Essa objeção e o entendimento de tipologia por
trás dela estão razoavelmente bem estabelecidos no pensamento
não dispensacionalista.76 De fato, quanto mais se considera o AT
como uma sombra e tipo (um tipo que se esvai como sombra em
virtude do antítipo), mais seu sistema se concentra na continuidade.
Os dispensacionalistas também reconhecem tipos,mas diferem
em seu entendimento de tipologia e suas implicações para a relação
dos Testamentos. Os sistemas não dispensacionalistas enfatizam
que o tipo é sombra e o antítipo é realidade; consequentemente, o
significado do antítipo substitui e cancela o significado do tipo em
seu próprio contexto. Os dispensacionalistas não pensam que tipos

88
S istemas de descontinuidade

sejam necessariamente sombras, e exigem que sejam dados tanto


ao tipo como ao antítipo seus devidos significados em seus próprios
contextos, embora mantendo mútua relação tipológica.
A obra de Baker sobre tipologia esclarece esse debate. Baker
observa que a tipologia repousa na correspondência ou analogia
entre dois objetos, pessoas ou eventos. Existem dois tipos prin­
cipais de correspondência. Uma ele chama de vertical, um rela­
cionamento entre realidades celestiais e terrenas, e a outra, de
horizontal, um relacionamento entre um fato histórico anterior e
outro posterior. Os escritores bíblicos estão mais interessados no
tipo horizontal do que no vertical.77 Baker observa concepções
erradas importantes a respeito da tipologia e apresenta a correção.
Primeiro, a tipologia não é nem alegoria nem simbolismo. Tanto
na alegoria quanto no simbolismo pouca importância é colocada
na objetividade do símbolo ou da alegoria. Mas a tipologia está
preocupada com os relacionamentos entre os fatos históricos.78
Segundo, a tipologia não é exegese. Baker escreve:

O texto b íb lic o tem s o m e n te u m s ig n ific a d o , o literal e isso


d e v e s e r e n c o n tra d o p o r m e io d e e s tu d o g ra m á tic o -h istó ric o .
S e o au tor teve a in ten çã o d e u m s ig n ific a d o típico, isso fic a rá
c la ro no texto. E, se v e m o s u m s ig n ific a d o típico n ã o p e r c e b i d o
p e lo autor o rig in a l, isso d e v e e s ta r co n siste n te c o m o sig n ifi­
c a d o literal. A t ip o lo g ia n ã o é u m a e x e g e s e o u in te rp re ta ç ã o d e
u m texto, e sim u m e s tu d o d e re la c io n a m e n to s en tre ev en to s,
p e s s o a s e instituições r e g is t r a d o s e m textos b íb lic o s .79

Finalmente, muitos pensam que tipos prefiguram algo futuro.


Baker rejeita isso, não pelo fato de que tipos nunca apontem para
o futuro, mas no sentido de que, se os tipos somente prefigurem o
futuro, devem ter algum significado diferente do que é evidente à
época. Baker se opõe:

E s o m e n te e m re t r o s p e c t o q u e u m even to , p e s s o a o u institui­
ç ã o p o d e m s e r v isto s c o m o s im b ó lic o s . A e x is t ê n c ia d e tip o s
c a r e c e d a e x is t ê n c ia d e o u tro s e v e n to s, p e s s o a s o u in stitu içõ es
(a n t e r io r o u p o s t e r io r ) d o s q u a is e le s s ã o típ ic o s .80

As implicações para o nosso debate são muito importantes. Já


vimos que, embora um pouco do AT foi de fato temporário e uma
sombra, nem tudo o foi. A compreensão adequada da tipologia nos

89
C ontinuidade e descontinuidade

informa que mesmo que o NT interprete o AT simbolicamente e


mesmo que devamos fazê-lo, isso não nos permite ignorar ou cancelar
o significado do tipo ou substituir o significado do antítipo por ele.
Se os tipos fossem alegorias ou símbolos, isso poderia ser feito. Mas
não são. Eles são eventos históricos, pessoas e promessas reais. Eles
olham para o futuro, mas não de uma forma que torna o significado
deles equivalentes ao antítipo. Além disso, se o antítipo do NT cancela
o significado do tipo do AT, o NT precisa nos dizer isso. As reinterpre-
tações de passagens do NT não são nem cancelamentos explícitos
nem implícitos do significado do AT. Da mesma forma, os antítipos do
NT não cancelam nem explícita nem implicitamente o significado de
tipos do AT. Pensar como eles o fazem é interpretar mal a tipologia.
Resumindo, a hermenêutica dispensacionalista não ignora o
progresso da revelação, nem a natureza temporária de muito do AT,
nem a tipologia. Entretanto, esses itens são usados pelos sistemas
não dispensacionalistas para enfatizar a prioridade do NT sobre
o AT. Geralmente, quanto mais se enfatiza a continuidade, mais se
coloca prioridade sobre o NT como normativo para a compreensão
do AT. E geralmente, quanto mais se enfatiza a descontinuidade,
toma-se cada Testamento em separado e menor é a tendência de
ver a compreensão de um Testamento como normativo pelo outro.
Minha argumentação é que com preender tanto o tipo como o
antítipo deve ter seu próprio significado, até mesmo tendo uma
relação tipológica com o outro, com preender que as im plicações
da reinterpretação do AT pelo NT, e p erceb er que esse progresso
de revelação somente torna a verdade anterior sem efeito se Deus
o disser, leva a pessoa a ver que o significado de passagens tanto
do AT quanto do NT deve ser mantido.

P rom essas da a l ia n ç a a I srael

Da discussão precedente deve ficar claro que uma diferença


crucial entre os sistemas de continuidade e descontinuidade é
precisamente como ambos compreendem as alianças. Com frequ­
ência o assunto é colocado de forma simplista, ou seja, as alianças
do AT, como a abraâmica e a davídica, são vistas como condicio­
nais pelos não dispensacionalistas e incondicionais pelos dispen­
sacionalistas.81 Allis, por exemplo, pensa que a aliança abraâmica
é condicional, apesar da linguagem visivelmente incondicional em
Gênesis 12.1-3. Com frequência, existe uma condição implícita não

90
S istemas de descontinuidade

declarada numa aliança que parece explicitamente incondicional.


Por exemplo, Allis nos recorda que Jonas pregou um julgamento
incondicional sobre Nínive, mas, quando a cidade se arrependeu,
Deus a poupou. Portanto, deve ter havido uma condição implícita.
Allis alega que devemos geralmente com preender a linguagem
pactuai dessa maneira.82
Embora a interpretação condicional versus incondicional das
alianças possa acertadamente retratar alguns não dispensaciona-
listas opostos ao dispensacionalistas, isso não é verdade em todos
os casos. Alguns dispensacionalistas argumentam que, embora os
não dispensacionalistas normalmente interpretem as alianças como
condicionais, os dispensacionalistas veem tanto um elemento con­
dicional como um incondicional. O que é incondicional é que Deus
cumprirá a aliança com Israel. Por outro lado, nem um único judeu,
etnicamente falando, receberá os benefícios daquelas promessas.
A bênção individual sob as promessas está sempre condicionada à
obediência ao Deus que fez a aliança. Portanto, os judeus em parti­
cular que experimentam as bênçãos das promessas a Israel são os
que formam o remanescente crente de judeus ao longo da história. As
promessas incondicionais garantem que alguns judeus experimenta­
rão as bênçãos prometidas na aliança; por meio da obediência deles,
nós descobrimos quem pertence a esse remanescente crente.83
Embora alguém possa pensar que isso encerra o assunto, tal
não ocorre. Concordo que existe tanto um elemento condicional
como um incondicional nas promessas, como foi exposto, mas isso
não explica inteiramente a diferença entre os sistemas dispensa-
cionalista e não dispensacionalista. Em The Christ o í the Covenants
[O Cristo das alianças], Robertson adota basicamente o mesmo
ponto de vista,84 mas ele é não dispensacionalista. Isso sugere que
a diferença entre os sistemas deste assunto tem outra fonte. Por
meio de uma série de pontos a respeito das alianças, a verdadeira
diferença torna-se evidente.
Primeiro, observe os destinatários das promessas da aliança
do AT. Eles são judeus biológicos enfocados como nação. Isso não
significa que as alianças não possam se aplicar ou até mesmo falar
de gentios. Significa somente que são endereçadas ao, e principal­
mente, Israel nacional. Segundo, as promessas da aliança contêm um
elemento incondicional. Os israelitas em particular que as compre­
endem são o remanescente que crê, mas sua incondicionalidade em

91
C ontinuidade e descontinuidade

relação à nação necessita de um cumprimento para o remanescente


que crê como uma entidade unida.
Terceiro, as promessas envolvem não somente bênçãos espi­
rituais, mas também sociais, políticas e econômicas. Penso que a
diferença definitiva sobre as alianças entre os sistemas dispensa-
cionalista e não dispensacionalista não é apenas a condicionalidade
versus incondicionalidade, mas qual(is) aspecto(s) das promessas da
aliança se enfatiza. Robertson, após chamar a atenção para a mesma
opinião que eu tenho sobre os elementos condicionais e incondi­
cionais nas alianças, concentra-se, então, quase exclusivamente, no
aspecto espiritual das bênçãos da aliança.85 Os dispensacionalistas
exigem que se enfatize a variedade de elementos da bênção da
aliança, não apenas o espiritual.86 Em geral, quanto mais orientado
para a continuidade for o sistema de alguém, mais se enfatizará o
aspecto espiritual das bênçãos, como também a tendência em ver
as alianças como condicionais. Quanto mais orientado para a des­
continuidade for o sistema de alguém, maior será a ênfase sobre os
elementos da bênção da aliança e maior o enfoque sobre o elemento
incondicional nelas.
Alguns argumentam contra distinguir vários aspectos da
bênção pactuai, porque as alianças são um só conjunto. Mas até
mesmo concordar com esse ponto ajuda os dispensacionalistas.
Tudo o que se ped e é encarar seriamente a necessidade de que
todas as promessas da aliança se realizem em algum tempo na vida
da nação à qual elas foram dirigidas incondicionalmente.
Quarto, o exposto é irrelevante se as alianças já tiverem se
cumprido para Israel como nação. Um ou outro elemento da bênção
da aliança pode ter sido experimentado num momento ou noutro,
mas o conjunto total de promessas (espiritual e material), se estas
forem entendidas como de cumprimento simultâneo, nunca se
realizou na história dessa nação.87 Esse fato mais os outros três
mostram a necessidade de um futuro cumprimento das promessas
da aliança para o remanescente da nação de Israel que crê.
Os sistemas de continuidade e descontinuidade divergem
das alianças nas formas mencionadas. Devido à sua compreensão
das promessas da aliança, os dispensacionalistas argumentam que
muitas profecias do AT sobre bênção futura para Israel não somente
pod e ter duplo cumprimento (para Israel e para a igreja), como
deve. Da mesma forma, com base nesse entendimento, eles alegam

92
S istemas de descontinuidade

que múltiplos sentidos de termos como “judeu” deve ser mantido


em ambos os Testamentos.

FUTURO DIFERENTE PARA O ISRAEL ÉTNICO

É claro, com base no que se expôs, que afirmar um futuro


diferente para o Israel étnico é essencial ao dispensacionalismo.
Esse assunto envolve várias discussões: a igreja é uma continuação
e/ou substituição de Israel? Que tipo de futuro pode esperar o Israel
nacional? Como se deve entender a natureza do reino? Os comentá­
rios nesta seção e na próxima enfatizam esses três pontos.
Historicamente tem havido muitas posições sobre Israel,88
e muitas têm negado um futuro distinto para Israel como nação.
A distinção do dispensacionalismo pode ser vista através de uma
breve sinopse de posições sobre essa questão.
Uma visão amilenarista inicial entende as promessas terrenas
feitas a Israel como simbólicas e típicas. Como tais, elas se cumprem
em Cristo.89Além disso, muitos que defendem essa posição alegam que,
mesmo tendo relação literal com Israel, as promessas foram condicio­
nais, e Israel as perdeu pela desobediência. As promessas de Israel
devem ser cumpridas espiritualmente na era atual através do reino de
Cristo na igreja90e finalmente no estado eterno com novos céus e nova
terra.91Judeus individualmente podem ser salvos e incorporados à igreja,
mas não haverá reino material e nenhuma ênfase especial sobre Israel.
Uma segunda posição amilenarista concorda que as promessas
do AT são realizadas na igreja e que indivíduos judeus são incorpo­
rados à igreja pela fé em Cristo. Entretanto, devido a passagens como
Romanos 11.25-27, os proponentes esperam uma grande reunião de
judeus à igreja no fim dos tempos, antes da volta do Senhor e do
estabelecimento do estado eterno.92
WillemVanGemeren oferece uma terceira posição reformada.93
Sua opinião é que muito do pensamento reformado tradicional espi­
ritualizou as promessas do AT a Israel e as transferiu para a igreja,
o Israel espiritual.94Aquelas promessas a Israel devem ser tomadas
a sério. Confiando na concepção de Calvino, da realização progres­
siva das promessas, VanGemeren alega que a forma de tomá-las
seriamente é vê-las cumpridas historicamente mais do que uma vez.
Elas podem ter sido cumpridas durante os tempos do AT, durante a
era atual na igreja, e elas aguardam um futuro cumprimento quando

93
C ontinuidade e descontinuidade

Cristo voltar e restaurar todas as coisas.95 “ O cumprimento não é,


assim, um estado de perfeição. O cumprimento é um processo que
nos leva pelo AT, NT e pela história da igreja” .96
A abordagem de VanGemeren indica que Israel pode esperar
participar das bênçãos em cada geração.97 Isso significa que Israel
no final das contas concretizará de forma literal tudo o que lhe
foi prometido no AT? VanGemeren não o afirma, mas não exclui
essa possibilidade. A concretização da esperança é certa, mas a
esperança exclui a certeza do como. VanGemeren explica:

A e s p e r a n ç a e x c lu i a c e rte z a d o s e s q u e m a s m ile n a rista s (p r é ,


p ó s , a ). A e s p e r a n ç a está fo c a d a e m Jesus C risto c o m o autor e
c o n s u m a d o r d e n o s s a fé, o A lfa e o Ô m e g a [...]. A e s p e r a n ç a
ad m ite h u m ild e m e n te q u e n ã o s a b e o te m p o o u a fo rm a d o c u m ­
p rim e n to , d e v id o a n o s s o c o n h e c im e n to “p a r c ia l” e n o s s a v is ã o
lim ita d a ( I C o 13.12). P o r outro la d o , a e s p e r a n ç a n ã o e x c lu i
u m futuro p a r a Isra e l c o m o p a r t e d o p o v o d e D e u s , n e m u m a
c o n v e r s ã o futura e m la r g a e s c a la (R m 11.25-29). A e s p e r a n ç a
n ã o d e lim ita os b e n e fíc io s d a e x p ia ç ã o d e C ris to a o “ e s p iritu a l”
n e sta e r a e ao “ e s p iritu a l” e " m a t e r ia l” n a e r a v in d o u r a .98

Os pós-milenaristas veem as promessas veterotestamentárias


de um reino que se estabelecerá tanto material quanto espiritu­
almente. A difusão do evangelho e a resposta a ele acabarão con­
duzindo a história rumo a uma era de ouro, infinitamente longa, de
natureza material e espiritual. Não haverá uma ênfase especial sobre
Israel. Como outro povo, os judeus individualmente serão abençoa­
dos ao entrar para a igreja pela fé em Cristo.
Os pré-milenaristas não dispensacionalistas esperam que
Cristo reine durante um período de mil anos sobre a terra. Cristo
reina espiritualmente sobre sua igreja agora, mas algum dia ele
reinará sobre toda a terra. Os efeitos serão sociais, políticos, eco ­
nômicos e espirituais. Judeus individualmente se beneficiarão por
se tornarem membros da igreja. Alguns defensores dessa visão
esperam até mesmo uma grande adesão nacional de israelitas no
fim dos tempos. Entretanto, quando o reino em sua plenitude estiver
aqui, não haverá preferência ou ênfase ao judeu em particular.99
Finalmente, os dispensacionalistas geralmente defendem um
de dois pontos de vista. De acordo com ambos, as promessas do AT
para Israel mais Apocalipse 20.1-10 exigem um reino literal e terreno

94
S istemas de descontinuidade

de mil anos. Será um tempo de grandes bênçãos para todos os povos,


mas haverá ênfase especial sobre Israel. As promessas do reino
pertencem a todos os israelitas salvos de todas as épocas. Devido
a passagens como Zacarias 12.10ss, Mateus 24.29,30 e Romanos
11.25-27, os dispensacionalistas esperam uma grande adesão de
judeus a Cristo no fim da tribulação, quando eles Olharão para aquele
a quem traspassaram (Zc 12.10). Os judeus salvos durante a era da
igreja são membros dela e encontram sua identidade nela. Mas os
judeus santos do AT e os judeus santos da tribulação depois do arre-
batamento formarão o remanescente de israelitas crentes que veem
o cumprimento das promessas do AT a Israel num reino terreno de
mil anos.100A distinção básica aqui entre os dispensacionalistas é que
os mais antigos tendem a ver o reino relegado inteiramente ao futuro.
Os dispensacionalistas mais contemporâneos sustentam que a plena
realização do reino para Israel e para o mundo aguarda o futuro, mas
aspectos atualmente espirituais do reino estão em vigor na igreja.101
O que é evidente desse esboço de opiniões é que somente o
dispensacionalismo vê com clareza um futuro distinto para o Israel
étnico como uma nação. Essa é uma característica dispensaciona-
lista, e, quanto mais o sistema teológico de alguém enfatiza um futuro
distinto para Israel, mais o sistema será descontínuo. Ao contrário,
quanto menos existe essa ênfase, mais o sistema torna-se contínuo.
No meu modo de ver, a igreja nem substitui nem continua Israel.
Haverá um futuro distinto para o Israel étnico, apesar dos aspectos
espirituais do reino serem agora aplicados à igreja. Os argumen­
tos para esse ponto de vista são muitos, mas três serão suficientes.
Primeiro, essa posição é uma lógica concomitante da hermenêutica
e da posição sobre as alianças já delineadas.
Segundo, tanto o AT como o NT ensinam esse futuro. As
profecias do AT predizem um tempo de bênção espiritual, social,
política e econômica para Israel (p. ex., Zc 12-14; Is 60; Jr 31.27-40;
Sf 3.11-20). Essas profecias ainda não estão cumpridas. Portanto,
pode-se esperar de modo aceitável um futuro distinto para Israel.
No NT também, mesmo após Israel haver rejeitado a Cristo, um
futuro para Israel ainda é prom etido.102 Quando Cristo é indagado
(At 1.6-8) se o reino seria restaurado a Israel, ele não diz que Israel
havia perdido o reino. Ele responde que os discípulos não podiam
saber o tempo desses eventos e que enquanto isso deveriam fazer
outro trabalho. A resposta de Cristo não parece indicar que Israel

95
C ontinuidade e descontinuidade

perdeu o reino para sem pre.103 Além disso, Paulo parece esclare­
cer o assunto em Romanos 11.25-29. Não apenas ele prediz a futura
salvação de Israel como nação, mas conclui toda a sua discussão
sobre a posição de Israel ao dizer que os dons e a vocação de Deus
são irrevogáveis (Rm 11.29). O que isso significa, a não ser que Deus
cumprirá o que prometeu a Israel? E o AT esclarece as promessas.
Finalmente, um futuro distinto é o resultado lógico da eleição
de Israel por Deus. Berkouwer, um não dispensacionalista, acertada-
mente pergunta com relação a esse assunto:

P o d e u m p a s s a d o q u e fo i q u a lific a d o p e l a e le i ç ã o d a r e m
n a d a ? P o d e a “ e l e i ç ã o d e D e u s ” , c o m o n o r m a lm e n t e a e n t e n ­
d e m o s , t r a n s fo r m a r -s e e m “ r e j e i ç ã o ” ? P o d e a i g r e j a h e r d a r
o l u g a r d o p o v o e s c o lh id o d e Is ra e l, d e fo r m a q u e a e le i ç ã o
passe p ara a ig r e ja ? Não c o n s id e r a m o s n o r m a lm e n t e a
e le i ç ã o d e D e u s c o m o ir r e v o g á v e l, d e fin itiv a e o n ip o t e n te ; e
é c o n s e q u e n t e m e n t e s e m s e n t id o p r e s u m ir q u e a e l e i ç ã o d e
Is r a e l p o s s a s e r n e g a d a p e l a r e a ç ã o h u m a n a , até m e s m o p e l a
d e s c r e n ç a ? 104

A IGREJA COMO UM ORGANISMO DISTINTO

Uma quinta distinção do dispensacionalismo é a crença de


que a igreja é um organismo distinto. Com isso, os dispensaciona-
listas querem dizer que a igreja não começa até a era do NT (muitos
dizem em Pentecoste). Eles também querem dizer que a igreja
não existiu de forma alguma no AT.105 Na época do AT e do NT, as
pessoas sempre foram salvas pela graça mediante a fé na verdade
que Deus revelou; mas ser salva não é a única característica que
define a igreja. Um novo organismo começou no Pentecoste.106
Como dispensacionalista, creio que a igreja é um organismo
distinto do NT que começou no Pentecoste. Existem várias razões
para esse ponto de vista, mas algumas bastarão. Primeiro, de acordo
com ICoríntios 12.13, quando um crente da era atual crê em Cristo
como Salvador, ele é batizado pelo Espírito Santo no corpo de Cristo.
Mas essa atividade visivelmente começou no dia de Pentecoste.
Pessoas eram salvas, e o Espírito era operante nos tempos do AT.
Não vejo, porém, evidência que comprove que a salvação delas no

96
S istemas de descontinuidade

AT implicava trazê-las para o corpo de Cristo, um organismo no qual


os crentes são unidos a Cristo e uns aos outros.
Uma questão relacionada é que o NT fala do crente como ev
XpioTÜ. Essa expressão se refere à união do crente com Cristo e
à habitação do Espírito Santo. Como argumentou C. F. D. Moule,
a expressão tornou-se um termo técnico no NT.107 Mesmo que
o Espírito Santo no AT, em ocasiões especiais, tenha vindo sobre
pessoas com a função de capacitá-las para a realização de tarefas
extraordinárias, isso difere da habitação permanente do Espírito
Santo e da permanência com Cristo falada em João 15. Além disso,
a salvação está sempre fundamentada na obra expiatória de Cristo,
e nesse sentido todos os crentes estão em Cristo; mas, como já foi
explicado, a relação neotestamentária èv Xpiorã envolve mais do
que apenas ser salvo com base no sangue de Cristo.
Terceiro, de acordo com Efésios 4.15 e Colossenses 1.18, Cristo
é cabeça da igreja. Entretanto, Efésios 1.19-23 (esp. v. 22,23) diz que
Cristo tornou-se cabeça da igreja quando conquistou a morte pela
ressurreição e ascensão. É lógico que um Cristo não ressuscitado
não poderia servir como cabeça de um corpo que pecou e cujo
castigo é a morte. Mas, se Cristo tornou-se cabeça da igreja após
sua ressurreição e ascensão, a igreja deve ser um organismo do NT.
Finalmente, ICoríntios 12 e Efésios 4.11,12 ensinam que Cristo
deu à igreja, por meio do Espírito Santo, dons espirituais para a
obra do ministério. Todo crente recebe seu(s) dom(ns) no momento
em que é salvo e batizado no corpo de Cristo (IC o 12.11-13). Mas
Efésios 4.8 indica que Cristo não deu esses dons à igreja até ter
subido às alturas. Se a igreja é um organismo de pessoas espiritu­
almente dotadas, e se Cristo não começou dando aqueles dons até
depois da ascensão, conclui-se que a igreja não existiu até o NT.108
O que se expôs dá um pouco do sabor do pensamento dispen-
sacionalista. Em geral, quanto mais um sistema se move na direção
da descontinuidade, mais se vê a igreja como um organismo distinto.
Da mesma forma, quanto menos se vê distinção, mais seu sistema
tende à continuidade.

FILOSOFIA DA HISTÓRIA

Ryrie alega que o dispensacionalismo distingue-se pela


ideia de que Deus usa a história para gloriar-se.109 Eu discordo,

97
C ontinuidade e descontinuidade

porque não posso imaginar um calvinista não dispensacionalista,


por exemplo, que dissesse algo diferente. Entretanto, penso que
os sistemas dispensacionalistas e não dispensacionalistas de fato
diferem em suas ênfases em relação ao que Deus está fazendo com
a história. Sob vários aspectos, essa diferença fundamenta muitas
outras distinções já mencionadas.
Para os não dispensacionalistas a história é vista antes de
mais nada como história da salvação. Em outras palavras, a ênfase
está no plano de Deus em salvar os homens, e esse plano está em
andamento. Para os dispensacionalistas a história é uma im ple­
mentação gradual e uma conclusão do reino de Deus. Uma parte
importante dessa implementação envolve salvar pessoas, mas os
elementos soteriológicos e espirituais não são os únicos aspectos
do reino. Nada disso sugere que os não dispensacionalistas estão
desinteressados nas implicações sociais, políticas e econômicas das
obras de Deus na terra ou que os dispensacionalistas pensam que
esses outros itens são mais importantes do que a obra de Deus para
salvar homens e mulheres. O ponto é simplesmente uma questão
de ênfase. Por exemplo, o tratamento não dispensacionalista da
natureza das alianças e do futuro de Israel invariavelmente enfatiza
assuntos soteriológicos e espirituais, enquanto os tratamentos dis­
pensacionalistas enfatizam tanto os aspectos espiritual/soterioló-
gico como o social, econômico e político das coisas.110
Num sentido real, esse é o crítico divisor de águas para os
sistemas de continuidade e descontinuidade. Quanto mais se
enfatiza a história da redenção em contraposição às outras obras de
Deus no mundo, mais o sistema se torna de continuidade, porque
todos os lados concordam que soteriologicamente estão aconte­
cendo as mesmas coisas básicas de um Testamento a outro. Por outro
lado, quanto mais se enfatiza os aspectos multifacetados do agir de
Deus na história, mais o sistema se torna descontínuo, porque Deus
nem sempre opera com e através das mesmas pessoas, nem tem o
mesmo programa social e político para cada grupo.

R esum o e co nclusão

Historicamente, as teologias evangélicas têm enfatizado


mais a continuidade entre os Testamentos, mas isso não significa
que não tem havido sistemas de descontinuidade. A o comparar

98
S istemas de descontinuidade

meu sistema de descontinuidade/dispensacionalista com outros


mais tradicionais, pode-se provavelmente achar que ele está mais
próximo dos sistemas de continuidade do que os sistemas dispen-
sacionalistas normalmente estão, e eu concordo. Minha preocupa­
ção não é o rótulo colado às minhas opiniões, mas que certos
conceitos fundamentais sejam enfatizados. Uma vez que os seis
itens expostos (de alguma forma com nuances) são distintos e fun­
damentais a todos os sistemas dispensacionalistas, considero-me
um dispensacionalista.
Concluindo, existe maior continuidade ou descontinuidade
entre os Testamentos? Visto que vejo ambos em grande medida, e
desde que é difícil quantificar a quantidade de cada um, considero
a pergunta difícil de responder. Meu ponto de vista é que, embora
tanto os sistemas de descontinuidade quanto os de continuidade
reconheçam os dois elementos, os seis itens conceituais mencio­
nados são raramente mantidos pelos sistemas de continuidade na
forma apresentada, e cada item enfatiza importante descontinui­
dade entre os Testamentos. Dessa perspectiva vejo mais descontinui­
dade entre os Testamentos do que outros o fazem, e o meu sistema
se qualifica como sistema de descontinuidade. Minha esperança é
que, ao esclarecer os princípios fundamentais do dispensaciona-
lismo, tanto os defensores quanto os críticos do sistema se animem
a discutir questões centrais de nossas diferenças, não assuntos p eri­
féricos de aplicação. Se isso vier a ajudar, a discussão será enrique­
cida, e todos veremos que temos muito mais em comum do que em
desacordo.

99
Parte III

A hermenêutica e os
Testamentos
4

Hermenêutica da
continuidade

O. Palmer Robertson

mós 9.11-15 fornece uma base útil para a interação entre a


interpretação dispensacionalista e não dispensacionalista
da profecia, particularmente quando as perguntas sobre
continuidade e descontinuidade entre os dois Testamentos são
consideradas. Vários fatores apontam para o valor da passagem a
esse respeito.
Primeiro, Amós 9.11-15 prevê o futuro em dimensões físicas/
geográficas muito palpáveis. Ele revela o aspecto nacionalista das
esperanças escatológicas de Israel. Ele prevê a restauração de Israel
do cativeiro, reconstrução de suas cidades destruídas, o plantio de
vinhedos e o estabelecimento permanente da nação na terra. A
arruinada dinastia de Davi será restaurada, e a expansão geográ ­
fica do reino estabelecido incluirá Edom especificamente e, enfim,
todas as nações. Esses aspectos físicos/geográficos permeiam a
profecia de Amós 9.11-15 e inevitavelmente suscitam perguntas
C ontinuidade e descontinuidade

sobre a relação da expectativa da antiga aliança com a realização


da nova aliança.
Segundo, essa passagem em Amós tem a vantagem adicional
de ser citada, interpretada e aplicada no NT. Embora outras pas­
sagens proféticas do AT certamente sejam tão explícitas na
linguagem física/geográfica para predizer os propósitos de Deus
para o futuro, essa mensagem recebe extenso tratamento no NT.
Terceiro, os próprios dispensacionalistas consideram Amós
9.11-15 como interpretado no NT por ser extremamente importante
para a compreensão da profecia do AT. De acordo com a antiga
edição de referência da Bíblia Scofield, a citação do NT de Amós 9 é
singular em sua importância:

D o p o n to d e v ista d is p e n s a c io n a lis t a , e sta é a p a s s a g e m m a is


im p o rta n te d o NT. E la d á o p r o p ó s it o d iv in o p a r a e s ta é p o c a e
p a r a o in íc io d a p r ó x i m a .1

E adequado, portanto, analisar cuidadosamente os princí­


pios hermenêuticos envolvidos na interpretação dessa porção da
Escritura. Tanto o seu aparecimento original no AT como sua subse­
quente aplicação pelo NT merecem cuidadosa atenção. O presente
estudo irá considerar:

A im p o rt â n c ia o r ig in a l d a p a s s a g e m n o A T

A s u b s e q u e n t e in t e r p r e ta ç ã o p e l a a p lic a ç ã o n o N T

A IMPORTÂNCIA ORIGINAL DA PASSAGEM NO AT

Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi (Am 9.11).


Esse oráculo com eça com uma expressão em hebraico comum
na literatura profética. Quase sempre “ naquele dia” significa sim­
plesmente “ então” ou “ depois disso” , e serve como conectivo com
os versículos precedentes, como no trecho de Isaías 10.20.2
No contexto de Amós 9, a expressão “ naquele dia” não p od e
significar “ simultaneamente com o que acabou de ser descrito” .
Amós acabara de detalhar o julgamento vindouro de Israel nos
termos mais fortes possíveis. Deus destruirá o reino corrom ­
pido da face da terra (v. 8). Todos os pecadores morrerão (v. 10).
Dificilmente seria possível que a restauração gloriosa que os

104
H ermenêutica da continuidade

versículos subsequentes descrevem pudesse ocorrer simultanea­


mente com a destruição de Israel.
Nem é provável que Amós esteja usando a expressão num
sentido técnico, significando “ no dia do Senhor” . Porque, embora o
conceito do “ dia do Senhor” claramente existisse no tempo de Amós
(cf. Am 5.18-20), esse contexto não fornece evidência adequada de
que Amós esteja se referindo especificamente ao dia do Senhor
por meio dessa expressão.3 Como foi sugerido, falta evidência para
provar que a expressão “ naquele dia” funciona em si mesma como
um termo técnico equivalente a “ no dia do Senhor” .
Ao contrário, é “ depois disso” ou “ então” que o tabernáculo de
Davi será levantado. Após a experiência do julgamento de Israel, a
restauração ocorrerá.
Essa restauração do “ tabernáculo” de Davi deve ocorrer: para
que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas
pelo meu nomet diz o S e n h o r , que faz estas coisas (Am 9.12).
A restauração do tabernáculo ou tenda de Davi para possuir
outras nações sugere uma ordem tanto no propósito quanto no
tempo. Israel será restaurado para que outras nações possam ser
incluídas no reino de bênção de,Deus. Primeiro o tabernáculo de
Davi será restaurado; depois as nações serão incluídas.
Por que Amós especifica Edom como a propriedade da
dinastia de Davi? Uma história da relação dessas duas nações provê
um interessante quadro que fornece importante compreensão da
mensagem do profeta.
No útero de Rebeca, Esaú, ancestral de Edom, lutou com Jacó,
ancestral de Israel (Gn 25.23). De acordo com Malaquias 1.2-5, essa
luta teve origem na graça eletiva de Deus que fez distinção entre a
descendência da promessa e a descendência de Satanás.
Particularmente importante para a mensagem de Amós é a
antiga profecia pronunciada por Balaão com respeito à estrela de
Jacó. Essa figura real deverá golpear os chifres de Moabe. Mas além
disso: Edom será uma possessão; Seir; seus inimigos, também será
uma possessão; mas Israel fará proezas. De Jacó sairá o dominador e
exterminará os que restam das cidades (Nm 24.18,19).
A clara intenção de Amós foi fazer alusão a esta palavra mais
antiga de Balaão. Israel governará Edom, e Edom será posse de
Israel.4 Em clara repetição, Amós declara que a tenda real de Davi
“ possuirá” Edom.

105
C ontinuidade e descontinuidade

A posse do território de Edom permaneceu um persistente


desafio para Israel. Na época da conquista, a posse de Israel se
estendeu somente até as fronteiras de Edom (Nm 34.2ss; Js 15.1,
21). Os reis de Israel lutaram continuamente para manter a ameaça
edomita sob controle. Saul atormentou todos os inimigos ao seu
redor, incluindo Edom, mas não conseguiu ter a posse do territó­
rio deles (cf. ISm 14.47). Davi estabeleceu guarnições militares em
Edom - em todo o Edom, revela o texto bíblico (2Sm 8.14). A alusão
sugere uma submissão forçada que requereu constante vigilância.
Salomão manteve um estaleiro em Elate, na terra de Edom (lR s
9.26). Mas o território deles não foi totalmente incorporado ao reino
de Israel, como a história da rebelião, em parte de Edom, sugere.
Na verdade, a Escritura registra que o próprio Senhor levantou
em Edom contra Salomão um adversário por causa do seu pecado
(lR s 11.14). A Escritura se concentra na descendência real sobre­
vivente dos edomitas que representa o remanescente deles. Joabe,
comandante do exército de Davi, permaneceu em Edom por seis
meses tentando matar todos os sobreviventes do sexo masculino de
descendência edomita. Mas Hadade, da estirpe real, fugiu quando
jovem para o Egito, onde foi acolhido pela corte de Faraó e recebeu
o privilégio de se casar com a irmã da rainha. Seu filho foi criado
entre os filhos de Faraó. Com a morte de Davi, Hadade retornou a
Edom e tornou-se o instrumento de punição nas mãos do Senhor
contra Salomão devido a seus pecados (cf. lRs 11.14-25).
Essa narrativa da divina preservação da descendência de
Edom parece um arremedo ampliado da proteção de Deus à des­
cendência de Israel. O extermínio da descendência masculina, a
fuga para o Egito, a conquista do favor de Faraó e o retorno após a
morte do rei “ estrangeiro” , tudo imita os principais elementos da
história de José, no passado, e de Jesus, no futuro.
Essa narrativa da Escritura revela a liberdade de Deus em
favorecer a descendência de Esaú com sua graça da mesma forma
que ele livremente escolheu favorecer a descendência de Jacó.
Afinal, não é exatamente a força das palavras de Amós que imedia­
tamente precede sua profecia relativa à posse de Israel do remanes­
cente de Edom? O que é tão especial a respeito da direção provi­
dencial de Deus à nação de Israel, pergunta o profeta: Não sois vós
para mim, ó filhos de Israel, com o os filhos dos etíopes? - diz o Senhor .
Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, e de Caftor, os filisteus, e de
Quir, os siros? (Am 9.7).

106
H ermenêutica da continuidade

Qual é a diferença? Não é tudo o mesmo? Não designou o


mesmo Deus o lugar para cada uma dessas nações?
As palavras de Amós concernentes à posse de Edom devem
ser vistas nesse contexto. Uma perspectiva muito radical emerge.
A posse de Israel faz com que o nome de Deus seja invocado pelo
arqui-inimigo.
Davi havia posto sob controle a nação de Edom pela força de
guarnições militares mantidas noite e dia. Ele quase aniquilou toda a
descendência de Edom para garantir a permanência de seu controle.
Mas Amós v ê algo bem diferente. Ele v ê de todas as nações da
terra, mas particularmente de Edom, um povo que é chamado p e lo
meu nome (Am 9.12). Eles não serão apenas controlados. Um rema­
nescente de todas as nações se tornará escolhido, eleito, povo favo­
recido de Deus, exatamente como Israel no passado havia tido esse
privilégio. Eles serão chamados pelo nome de Deus. Serão povo
particular de Deus. Serão possuidores das promessas da aliança. Em
completo contraste com toda a história passada das relações entre
Israel e Edom, esses estrangeiros tornar-se-ão irmãos chamados
pelo mesmo nome, herdeiros das mesmas promessas.
Ter o nome de Deus “ chamado” ou “ posto” num objeto indica
que o objeto pertence particularmente a Deus. Ele é separado para
ser propriedade dele. O nome de Deus é chamado no templo, tor-
nando-o especial, como lugar santo de Deus (Dt 12.5; Jr 7.10, 11).
Israel foi escolhido como povo santo de Deus, para que todas as
nações pudessem ver que o nome de Javé havia sido chamado sobre
eles (v ^ tnp; mir do -a) (Dt 28.9,10).
Agora Amós diz que o remanescente de Edom e o de todas as
nações devem ser “ chamados” pelo nome de Deus ou “ usem” seu
nome. Eles devem desfrutar o privilégio que uma vez coube espe­
cialmente a Israel.
Essa linguagem indica que a “ posse” de Edom e de outras
nações pelo tabernáculo restaurado de Davi não pode ser conside­
rada submissão pela força. O remanescente de Edom e o das nações
devem ser o próprio povo de Deus, assim como os eleitos de Israel
haviam sido no passado. Eles devem compartilhar da posição favo­
recida de Israel.s
A esse respeito, a mensagem de Amós vai além do escopo da
bênção descrita em Deuteronômio 28.10. De acordo com a bênção
prometida a Moisés, todas as nações da terra veriam que Israel era

107
C ontinuidade e descontinuidade

chamado pelo nome do Senhor. Mas agora, dentre essas próprias


nações, haverá um povo que terá o nome de Deus chamado sobre
eles. Eles se unirão aos eleitos dentre todo o Israel e, com eles, serão
designados como povo escolhido.

RESUMO

A questão da continuidade versus descontinuidade é levantada


por esse texto antes mesmo que qualquer consideração seja feita
acerca da sua subsequente interpretação no NT. A continuidade obvia­
mente é apresentada na manutenção do princípio da salvação pela
graça. Abraão era um pagão idólatra antes de sua salvação mediante
a graça de Deus. Esse mesmo princípio de salvação pela graça obvia­
mente é revelado na inclusão de Esaú entre os eleitos de Deus.
A o mesmo tempo, a descontinuidade com o passado está cla­
ramente em evidência. Agora são os descendentes de Esaú(!) que
devem estar ao lado de Jacó como os escolhidos do Senhor. Não se
pode imaginar mais nenhum ponto de descontinuidade com os rela­
cionamentos anteriores de Deus. Esaú, a quem Deus ignorou, aparece
agora como o eleito de Deus.
Esse equilíbrio entre continuidade e descontinuidade encontra
mais desenvolvimento nos textos da nova aliança. Porque no livro de
Atos essa mesma passagem é aplicada à conversão dos gentios de
uma maneira que reforça o equilíbrio entre continuidade e descon­
tinuidade. Considere os traços dominantes de interpretação no NT
desse texto como é tratada na próxima seção desta discussão.

A SUBSEQUENTE INTERPRETAÇÃO PELA APLICAÇÃO NO NT

A o tentar determinar o cumprimento decisivo dessa palavra


de profecia, a principal ajuda deve ser obtida observando-se a
maneira na qual ela é interpretada e aplicada nos textos da nova
aliança. Uma grande parte dessa profecia é citada em Atos 15.14-20,
e comentários explicativos são incluídos.

O CONTEXTO EM ATOS

A questão em debate no Concilio de Jerusalém, em Atos 15, foi


bem específica. As duas partes em discussão concordavam que os

108
H ermenêutica da continuidade

gentios deviam ser incluídos na comunidade cristã recém-formada.


A questão era se os gentios deviam ser recebidos sem passar pelo
rito de iniciação da circuncisão.
Toda a questão em debate será perdida se a importância da
circuncisão for esquecida. A circuncisão era o rito de introdução
na comunidade do povo de Deus. Desde o tempo de sua instituição
por Deus a Abraão, ela representava a forma pela qual judeus e não
judeus eram formalmente agregados ao povo de Deus.
No início da proclamação do evangelho cristão, não surgiram
questões sobre a permanência e importância da circuncisão. Os
primeiros a ouvirem as boas-novas (i.e., o evangelho) foram os
judeus e prosélitos.
Mas então surgiu uma nova era. Nas multidões cada vez maiores,
grande quantidade de gentios estava aceitando as promessas anun­
ciadas pelo Deus de Israel. Como então eles deveriam ser incorpo­
rados ao povo de Deus? Deveriam passar pelo rito da circuncisão,
da antiga aliança, e também pelo rito do batismo, da nova aliança?
Paulo e Barnabé tiveram uma forte discussão com aqueles que
insistiam na circuncisão dos gentios (At 15.1,2). Mas alguns dentre
os fariseus que haviam crido argumentavam que os gentios conver­
tidos ao cristianismo deviam ser circuncidados (At 15.5). No debate
que se seguiu, Pedro chamou a atenção para o fato de que, pelo
derramamento do Espírito Santo sobre crentes gentios não circun­
cidados, Deus mesmo deu público testemunho de sua intenção. Ele
não fez distinção entre judeus circuncidados e crentes gentios não
circuncidados (At 15.7,8)). Então Paulo e Barnabé relataram todas
as coisas maravilhosas que Deus fizera entre os gentios por meio do
ministério deles (At 15.12).
Diante disso, Tiago defendeu que as “ palavras dos profetas”
concordavam com o testemunho de Paulo e Barnabé. Ele citou as
palavras de Amós para confirmar seu argumento (At 15.15-18) e
concluiu ponderando que os gentios não deveriam ser perturba­
dos. Mesmo não tendo sido feita nenhuma referência específica à
circuncisão, a observação de Tiago apoiou o parecer de que não
deveria ser exigida a circuncisão dos crentes gentios para que se
tornassem membros plenamente participantes da comunidade da
nova aliança.
Mas exatamente como Amós 9 resolve a questão da circunci­
são para os gentios? A passagem em nenhum lugar menciona o rito

109
C ontinuidade e descontinuidade

da circuncisão. Todavia, Tiago está seguro de que essa passagem


fala do assunto perante o Concilio, e seu argumento prevalece.
Essa questão deve ser considerada cuidadosamente. Por
precaução, é preciso comparar o texto de Amós 9.11,12 na forma
em que aparece no Texto Massorético, na Septuaginta e no NT.

AMÓS 9.11,12: COMPARAÇÃO ENTRE 0 TEXTO MASSORÉTICO,


A S E P T U A G IN T A E O NT

Colocados em colunas paralelas, os textos aparecem como


segue:

Texto Massorético Septuaginta Novo Testamento


(Amós 9.11,12) (Amós 9.11,12) (Atos 15.16,17)
sonn o i s2 n 11 € V TX] r i | l é p a 6 K € L ^ 16 M e r á TauTa

áy aaT iíaa) àyaaTpéiJJto

Kal a y o iK o 8 o p r)a a )
tt |1' (JKr|iT|y A a u i ô
"mt rDOTix t t \v TreTTTCüKuiay T T )y OKr|yT]y A a u l 8
nbsan T r ] T TTETTTüJKLliay,
K al àv o iK O Ô o p rjao j

'mi n - 1 *
rà ttêtttüjkota aÚ T fjç Kal t ò KaT€aKappéya

Kal t à KaTeaKappéya a u T fjc

a u T r]ç
vrionm ay o iK o S o p riato
T
àv aoT T ]0(x)
Kal dyop0tóao3 a u T q y ,
K a l àyoLK O Ô ofiT^aa)
=*?*
a u T r]y 17 õttüjç ay 6K C r|TTÍaü)aiy
rPJTOQ}
T Ka0(í)C a l rip d p ai toü 01 KaT aXO L TT OL

aiü iyoç Ttòy dy0pcÓ7T(i)y



TÒy K Ú pioy,

12 ôttcoç éK Cr|T7Ía(oaiy
12 K al T ídyT a t ò I0yr|
OL KaTCtXOLTTOL
y / -v / € Ò ’ O U Ç GT TL K6 KX riT at T O
T a jy ayBpwTTajy
jr-ix srn K õyopa pou

□ h k Kal TTCLvra r à e0yrp


èir' avT O vç,
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criarrbm * ôyopa pou X é y e i K Ú pioc

"na KnpriCK ctt’ avT o ijç, ttokLv T aijT a

cn 'bz X é y e i KLipioç ó
18 'y y u K r r à a u ’ a i a i y o c .
06ÒC
rnn^cw ó TToiáiy T a i ) T a .

:nK-T r i v v

110
H ermenêutica da continuidade

Essa citação representa um caso em que o NT segue a


Septuaginta, até mesmo quando esta se afasta radicalmente do Texto
Massorético.6
Os principais pontos de diferença entre o Texto Massorético, a
versão grega do AT e o NT são três:
“ Naquele dia” do Texto Massorético é traduzido literalmente
na Septuaginta, que também registra “ naquele dia” (év Tfj npépa
êKeíyr|). Mas o NT, ao contrário, registra “ depois destas coisas” ou
“ depois disto voltarei” (|i€Tcí T aÚ T a ciuacyrpc i|ki)).
Duas explicações podem ser oferecidas para esse registro em
Atos. Por um lado, poderia ser que “ depois disto voltarei” represente
uma citação de outra porção da Bíblia. Uma mistura de citações
ocorre com muita frequência no NT e não deve ser considerada um
fenômeno estranho ou inaceitável. Pode-se notar que a frase que
introduz essa citação refere-se às “ palavras dos profetas” que estão
“ de acordo” com o testemunho de Pedro (At 15.15). Essa fórmula
para a introdução de uma citação seria bem apropriada para uma
referência a muitas fontes.
Entretanto, é difícil detalhar exatamente uma passagem
específica dos profetas à qual Tiago podia estar aludindo. A mais
provável seria Jeremias 12.15, que fala do retorno de Deus após
haver expulsado Israel da terra. Contudo, a passagem de Jeremias
não registra “ depois disto” nem no hebraico, nem no grego. Além
disso, o grego de Jeremias usa um termo diferente para “ eu voltarei”
daquele que se encontra no NT ('eTnaTpétJ^w em vez de àyaaTpéijHjL)).
É mais provável que a expressão “ depois disto” ou até mesmo
“ depois disto voltarei” em Atos deva ser considerada o registro expli­
cativo de “ naquele dia” . Como observado anteriormente, “ naquele
dia” significa “ então” . No contexto de Amós 9, os versículos que
precedem a expressão “ naquele dia” falam da completa destrui­
ção da nação pecadora. Depois desse julgamento, Deus levantará
o tabernáculo caído de Davi. A expressão “ naquele dia” significa
“ então” , “ depois disto” ou “ depois destas coisas” . Por essa razão,
parecería bem adequado entender o “ depois disto” ou até mesmo
“ depois disto voltarei” , de Tiago, como uma tradução adequada de
“ naquele dia” , de Amós.7
O massorético “ para que possuam” aparece tanto na
Septuaginta quanto no NT como “ para que busquem” . Apresentar um
texto hebraico em apoio a essa tradução envolvería a modificação

111
C ontinuidade e descontinuidade

de apenas uma letra do texto existente: “ para que possuam” ( iot ’


$ 5 ^) torna-se facilmente “ para que busquem” (ienT
Pode ser tentador supor que a Septuaginta aqui representa
outra tradição textual que, nesse caso, poderia ser considerada mais
autêntica, desde que seja apoiada pelo registro do NT. Entretanto,
deve ser lembrado desde o com eço que a Septuaginta é um teste­
munho textual secundário, exatamente pela natureza de ser uma
tradução. Além disso, outros casos de citação no NT que seguem a
Septuaginta, apesar de desvios radicais do texto hebraico, militam
contra a prática de recorrer com muita rapidez às traduções do NT
para resolver o problema do texto original do AT.
Tem sido apropriadamente observado que a tradução da
Septuaginta de Amós 9.12 “ concorda com a esperança de muitos
judeus da dispersão, que os gentios buscariam e achariam o Deus
verdadeiro” .8 Outras passagens de Amós indicam que os tradu­
tores da Septuaginta foram bastante competentes na tradução do
texto, de uma forma que apoiaria sua própria visão profética. Um
exem plo é encontrado em Amós 7.1, que identifica um “ gafanhoto
líd e r” do enxame imaginário como “ G ogue o rei” . Como foi
observado, traduções divergentes na Septuaginta “ não devem ser
explicadas unicamente pelas causas comuns de alteração textual,
mas, às vezes, refletem novas formas de entender as profecias à
luz de mudança de eventos, mudança de atitudes e mudança de
métodos exegéticos” .9
O argumento mais conclusivo contra preferir “ para que
busquem” em vez de “ para que possuam” , como texto hebraico
original, aparece quando é considerada a terceira importante
distinção textual entre a Septuaginta e o Texto Massorético (TM).
Porque a mudança de “ possuam” (TM) para “ busquem” (LXX) ine­
vitavelmente leva a outro desvio mais radical do Texto Massorético
do AT.
O Texto Massorético trata o “ remanescente de Edom” como
o objeto de “ possuam” . Israel “ possuirá” o remanescente de Edom.
Mas a Septuaginta e o NT tratam o “ remanescente da humanidade”
como sujeito de “ busquem” . O remanescente da humanidade
“ buscará” (o Senhor).
Algumas dessas diferenças podem ser explicadas de forma
um tanto simples. “ Edom” p od e ser lido como “A d ão” (i.e., huma­
nidade) simplesmente pela omissão de uma letra e a mudança do

112
H ermenêutica da continuidade

ponto-vogal. Mas alteração mais ampla acaba sendo envolvida. Se


“ remanescente” deve funcionar como sujeito em vez de objeto do
verbo, o sinal hebraico do objeto direto (ns<) deve ser omitido. Essa
modificação, por sua vez, requer que um novo objeto direto que
não está presente no texto hebraico ou na Septuaginta seja introdu­
zido. O NT supre essa falta pela adição de “ o Senhor” ao texto como
representado na Septuaginta.
Assim, o massorético “ para que possuam o remanescente de
Edom” pode ser lido como o grego “ para que o remanescente da
humanidade busque o Senhor” somente pela presunção de várias
divergências textuais de conteúdo. A letra -t precisa ser substituída
pela letra 2 . A letra i em Edom precisa ser abandonada. A vocaliza­
ção de Edom precisa ser alterada. O sinal do objeto direto deve ser
omitido. “ O Senhor” precisa ser introduzido como novo objeto direto.
A disposição do NT em seguir a tradução da Septuaginta pode
ser explicada em termos de sua prontidão em se concentrar no
principal impulso da passagem. Qualquer das traduções transmite
com clareza a intenção da profecia de Amós. O tabernáculo de Davi
será restaurado como meio de bênção para os gentios. Como Pedro,
Paulo e Barnabé confirmam, Deus estava fazendo maravilhas entre
as nações não judaicas da terra. A profecia de Amós explica essa
bênção em termos dos propósitos de Deus.

INTERPRETAÇÃO DISPENSACIONALISTA

Os intérpretes dispensacionalistas consideram adequado o


entendimento de Amós 9 em Atos 15 como extremamente impor­
tante para equilibrar os elementos de continuidade e descontinui-
dade entre os dois Testamentos.
Já foi observado que a (antiga) Bíblia Scofield afirma que a
citação de Amós 9 em Atos 15 dispensacionalmente é “ a passagem
mais importante do Novo Testamento” ,10embora a edição mais nova
da Bíblia Scofield fale apenas de “ esta importante passagem” .11Uma
análise das distinções dispensacionalistas nesse caso pode servir
como um m odelo para a compreensão desse método particular de
interpretar a profecia.
De acordo com a interpretação dispensacionalista, essa
passagem (1) explica o que Deus está fazendo agora com a
população não judaica do mundo, (2) descreve o plano especial

113
C ontinuidade e descontinuidade

de Deus para o Israel étnico no futuro, e (3) mostra como esses


dois programas para as eras se relacionam um com o outro, tanto
temporal quanto essencialmente. Agora Deus está chamando um
povo gentio para si mesmo. No futuro ele cumprirá as promessas
geográfico-políticas que fez ao Israel étnico. Esses dois programas
não devem ser confundidos, visto que eles seguem um depois
do outro no tempo. Todavia, alguns dos mesmos princípios que
vigorarão na era futura do reino judaico estão em vigo r agora.
De acordo com a Nova Bíblia de Referência Scofield, as palavras
proféticas de Amós incluem várias características importantes: (1)
a restauração da dinastia davídica, (2) a conversão das nações, (3)
a garantida fertilidade da terra, (4) o retorno de Israel do cativeiro,
(5) a reconstrução de cidades destruídas da Palestina, e (6) o esta­
belecim ento definitivo do Israel étnico na terra.12Para o intérprete
dispensacionalista, o cumprimento de fato de todas essas profecias
pertence a uma data que ainda é futura. Até mesmo a referência de
Amós a uma conversão dos gentios como citada por Tiago em Atos
15 pertence ao futuro, sob o ponto de vista dispensacional. Embora
a questão sob debate no Concilio de Jerusalém tenha relação com
a inclusão de gentios convertidos que já estavam se voltando para
o cristianismo, Tiago desde o início entendeu a profecia de Amós
como referente a um dia que se tornaria realidade no futuro.
Portanto, de acordo com a perspectiva dispensacionalista, a inte­
gridade da profecia de Amós tem seu cumprimento numa data ainda
futura. Contudo, ela tem importante relevância para as deliberações
do Concilio de Atos 15. Deus tem em seu coração salvar gentios em
alguma data futura em conexão com a restauração de seu povo Israel.
Sendo assim, é bastante apropriado que a atividade salvadora entre
os gentios deva caracterizar a era atual.13 Uma sequência secular
separa esses dois propósitos de Deus. Mas alguma unidade principal
une os dois. O princípio para a salvação dos homens no futuro reino
judaico tem relevância para o momento atual.
De acordo com H. A. Ironside, os irmãos fariseus estavam
interpretando o AT deles, observando que viria um dia no futuro
em que os gentios se voltariam para Deus e seriam abençoados
por m eio de Israel no reino do Messias. “ Tiago explica que isso não
estava acontecendo no momento” ,14diz Ironside. Virá o dia em que
Deus abençoará o mundo gentio por m eio de Israel. Mas não é o
que Deus está fazendo agora. A gora Deus está reunindo sua igreja.
Quando a dispensação da graça se completar, o Senhor Jesus

114
H ermenêutica da continuidade

retornará e reconstruirá o tabernáculo de Davi, que está destruído.


Então, no futuro reino de Cristo em favor de Israel, todo o remanes­
cente dos gentios retornará para Deus.
Várias considerações exegéticas são apresentadas por diversos
intérpretes dispensacionalistas para apoiar essa interpretação da
profecia de Amós. Com relação à questão textual levantada pela
forma da citação no NT de Amós em Atos, a Nova Bíblia de Referência
Scofield apoia a tradução da Septuaginta como representando o texto
original de Amós. Os editores desse estudo bíblico comentam:

P o r m a is e s tra n h o q u e p o s s a p a r e c e r a o s q u e n ã o têm fa m i­
li a r i d a d e c o m a lín g u a h e b r a ic a , o texto h e b r a ic o p o d e s e r
tra d u z id o d e s t a fo rm a , c o m p o u c o m a is d o q u e a m u d a n ç a d e
u m a letra. A a lte r a ç ã o d e s t a le tra d e v e ter o c o r r id o d e p o is
d o t e m p o d o s a p ó s to lo s , p o r q u e T ia g o citou d e s s a fo r m a o
v e r s íc u lo n o C o n c ilio d e J e ru sa lé m , e b a s e o u n e le s u a d e c is ã o
(A t 15.14-17). H a v ia h o m e n s in s tru íd o s p r e s e n t e s , a lg u n s d e le s
h o stis a o s e u p o n t o d e vista, q u e c e r ta m e n t e o te ria m c a la d o
a o s b e r r o s s e e l e tiv e s s e b a s e a d o s u a d e c is ã o n u m a in te r­
p r e t a ç ã o d ife r e n t e d a q u e e x is tia n o s m a n u s c rito s h e b r a ic o s
c o n h e c id o s n a é p o c a . 15

Já foi observado que a interpretação da Septuaginta não exige


simplesmente a diferença de uma única letra. Ao contrário, pelo
menos cinco variações significativas seriam necessárias. Nem a
semelhança do texto da Septuaginta com a citação de Tiago nem
a ausência de protesto registrado por seus ouvintes podem final­
mente fundamentar o texto original da profecia de Amós.
Preferir a interpretação da Septuaginta como texto original de
Amós permite aos dispensacionalistas defender uma tese para um
duplo propósito de Deus com respeito a Israel e as nações. O “ rema­
nescente dos homens” que busca o Senhor eles atribuem a Israel,
em contraste com “ todos os gentios” . Interpretar “ o remanescente
de Edom” em Amós não permitiría essa compreensão.
Embora essa interpretação do “ remanescente dos homens”
atribuído a Israel deva ser rejeitada, o centro do problema quanto
à interpretação dessa passagem não está aqui. A restauração do
“ tabernáculo de Davi” implica que pela perspectiva de Amós a
nova obra de salvação de Deus de fato começaria com Israel, para
que como servos de Deus eles pudessem comunicar as bênçãos da

115
C ontinuidade e descontinuidade

aliança à população gentia do mundo. Essa sequência não está em


debate. Em vez disso, a questão crucial está ligada à relação dos
eventos sob discussão em Atos 15 para esse fim.
Alguma argumentação dispensacionalista depende dos comen­
tários de Tiago que introduzem a citação de Amós. A “ primeira” visita
de Deus às nações (At 15.14) precede o estabelecimento do taberná-
culo de Davi “ depois disto” (At 15.16). Primeiro Deus fará uma obra
de salvação entre os gentios da era atual. Depois, numa era subse­
quente, ele restaurará o tabernáculo caído de Davi, o que resultará
numa futura e massiva reunião de nações gentias. De acordo com o
artigo de Willard M. Aldrich sobre a interpretação de Atos 15.13ss:
‘“ Depois disto’ não teria sentido se não mantivesse uma relação
temporal com ‘primeiro’” .16
Mais uma prova é apresentada com relação à declaração de
Tiago de que as palavras dos profetas “ concordam” com a procura
da salvação pelos gentios, a respeito do que Pedro havia relatado (At
15.15). Não que a profecia de Amós, como citada por Tiago, de fato
estivesse sendo “ cumprida” pela inclusão dos gentios que estava
ocorrendo. O cumprimento da profecia de Amós deve aguardar o
restabelecimento do tabernáculo de Davi. As conversões que estão
ocorrendo “ concordam” em princípio com o fato de os gentios com­
partilharem das bênçãos do futuro reino judaico. Mas essas conver­
sões não “ cumprem” a profecia de Am ós.17
Alguns detalhes devem ser observados com respeito a
essas conclusões. Uma cuidadosa consideração do contexto e
da estrutura de Atos 15 não apoia a disputa de que a “ prim eira”
visitação de Deus sobre os gentios, como relatado por Pedro, deve
ter ocorrido num tempo anterior ao “ depois disto” da citação de
Tiago. Como o próprio Lewis Sperry Chafer sugere, “ prim eiro”
refere-se à conversão dos gentios “ na casa de Cornélio, como
Pedro acabara de afirmar” .18 O contraste de Tiago não é com o
“ depois disto” de Amós, mas com as conversões posteriores dos
gentios por Paulo e Barnabé.
O debate no Concilio de Jerusalém concentrou-se principal­
mente na conversão dos gentios por Paulo e Barnabé. Tiago começa
seu discurso com uma referência à “ primeira” obra de Deus entre
os gentios sob o ministério de Pedro. Essa atividade inicial de
Deus, na qual ele mostrou que seu propósito de eleg er pela graça
era entre os gentios não circuncidados, bem como entre os judeus

116
H ermenêutica da continuidade

circuncidados, provê a base para a compreensão da obra subse­


quente de Deus entre os gentios, o que então estava sob discussão.
A “ prim eira” obra de Deus entre os gentios não precede seu resta­
belecimento do tabernáculo de Davi “ depois disto” . Ao contrário,
Tiago compara a obra anterior de Deus com os gentios por meio de
Pedro com a obra que estava sendo feita pelo Espírito por intermé­
dio de Paulo e Barnabé.
Além disso, a estrutura gramatical de Atos 15.15ss indica que
“ depois disto” deve ser considerado como parte do material citado
por Tiago, em vez da observação esclarecedora, com a intenção de
distanciar-se do cumprimento da profecia de Amós, dos eventos em
vigor.19 Como foi indicado anteriormente, “ depois disto” pode ser
considerado uma tradução muito apropriada de Amós “ naquele dia” .
Vindo imediatamente depois de “ está escrito” , essa frase coloca a
citação de Tiago no contexto de Amós 9. Após o juízo devastador
pela desobediência de Israel como profetizado nos versículos ante­
riores de Amós 9, Deus levantará o tabernáculo de Davi, que está
caído. A restauração da descendência davídica não deve ocorrer
“ depois” da atual atividade de Deus em converter os gentios ser
completada. Em vez disso, é “ depois” do julgamento que Amós
previu que o tabernáculo de Davi será restaurado.
Os intérpretes dispensacionalistas também argumentam que a
expressão “ eu voltarei” , em Atos 15.16, é uma referência à segunda
vinda de Cristo.20Depois da presente obra de Deus entre os gentios,
Cristo retornará para estabelecer o tabernáculo de Davi.
Entretanto, essa interpretação de “ eu voltarei” depende total­
mente da força dada a “ depois disto” que a precede. Nenhum
argumento pode ser registrado contra o fato de Tiago perceber uma
situação na qual Deus “ voltará” ou “ retornará” . Mas a “ volta” visua­
lizada está ocorrendo depois do julgamento sobre Israel, descrito
em Amós 9, ou depois da conversão dos gentios, descrita em Atos
15? Desde que “ depois disto” ocorre depois da introdução formal
de Tiago de sua citação do AT por “ está escrito” , é depois do juízo
sobre Israel descrito em Amós 9 que Deus “ voltará” . Esse “ retorno”
de Deus não deve ser interpretado em termos da revelação espe­
cífica do NT relativa à segunda vinda de Cristo, mas sim em termos
do conceito que há no AT acerca da “ mudança” de Deus em sua
tratativa com os homens, mudanças que alteram as ações de julga­
mento para ações de bênção.

117
C ontinuidade e descontinuidade

Cada um dos pontos exegéticos acima tem alguma importân­


cia para o esforço de analisar a validade da interpretação dispen-
sacionalista dessa passagem. Entretanto, há mais importância em se
estabelecer uma alternativa à perspectiva dispensacionalista.

A PROPOSTA DE UMA INTERPRETAÇÃO ALTERNATIVA

O comentário introdutório de Tiago


A citação de Amós introduzida por Tiago tem relação direta
com a questão debatida no Concilio de Jerusalém. Ele usa a fórmula
“ está escrito” como apelo à autoridade divina, com a intenção de
resolver a questão em debate. Tiago preparou esse apelo à Escritura
ao observar especificamente que Pedro havia apresentado teste­
munho de que Deus já havia com eçado a obra de tomar dentre as
nações um povo para o seu nome, o que é uma alusão específica à
linguagem da profecia de Amós. Sugerir que Tiago introduziu essas
palavras para resolver a questão em debate, sabendo o tempo todo
que a profecia de Amós na verdade não estava diretamente relacio­
nada ao assunto perante o Concilio, tem o efeito de interromper o
único meio de contato do apelo à autoridade da Escritura.
D eve-se notar, ademais, que o apelo dispensacionalista
a uma analogia ou situação realm ente contradiz o núcleo da
perspectiva deles sobre a relação dos judeus com os gentios.
Exatamente no ponto onde a semelhança de situação é necessária,
a analogia não obtém êxito dentro do próprio sistema deles. Não
existe distinção entre judeus e gentios hoje, visto que Deus está
chamando para si um povo de ambos os grupos. Mas a genuína
essência do ensino dispensacionalista, concernente ao reino
futuro dos judeus, é que todas as antigas diferenças que caracte­
rizaram o p eríod o do AT prevalecerão mais uma vez. Com o pode,
então, o apelo ao padrão de relações judaicas/gentílicas, que
prevalecerá no futuro, resolver a questão da relação de ambos
os povos na era presente? Hoje os gentios têm a mesma posição
na igreja que a descendência de Abraão. Pode essa situação fora
do comum ser explicada p elo padrão que prevalecerá no futuro
reino dos judeus? Se pode, então a distinção do reino futuro dos
judeus com o prom ovido p elo dispensacionalismo será perdida.

118
H ermenêutica da continuidade

O próprio Tiago prepara o terreno para essa citação de Amós.


A importância destas palavras para a compreensão dessa citação
não deve ser negligenciada: expôs Simão com o Deus,primeiramente,
visitou os gentios, a fim de construir dentre eles um povo para o seu
nome (At 15.14).
Tiago faz alusão ao discurso anterior de Simão Pedro (At 15.7-11).
Pedro relembrou que “ há muito tempo” ele foi escolhido por Deus
para levar a mensagem de salvação pela graça aos gentios. O que
impressionou Pedro, mais que tudo, foi que o Espírito Santo desceu
sobre os gentios incircuncisos, da mesma forma que veio sobre os
apóstolos no dia de Pentecoste (At 15.8; cf. 10.47). Visto que Deus
não fez absolutamente nenhuma distinção entre judeus e gentios a
esse respeito, eles receberam o selo do rito do batismo sem passar
pela circuncisão. Esse evento é chamado por Tiago de “visitação” . A
escolha desse termo é particularmente significativa, porque no AT
existem muitas referências aos atos salvíficos de Deus em favor do
seu povo Israel, denominados “visitação” (Gn 50.24,25; Êx 3.6; 4.31;
13.19;Rt 1.6; lSm2.21;Sl 80.14; 106.4;Jr 29.10).No NT,Deus “visitar”
seu povo é usado três vezes no evangelho de Lucas com relação à
vinda de Cristo (Lc 1.68,78; 7.16). Na primeira e última dessas ocor­
rências, a passagem inclui uma referência à visitação de Deus ao seu
“ povo” (Xaóc), que quase se parece com a fraseologia de Atos 15.14:
Deus visitou [...] a fim de constituir [...] um povo (Xaóc) para o seu nome.
O centro do argumento de Tiago está na comparação da eficiente
pregação de Pedro perante os gentios com os atos salvíficos de Deus
em favor de Israel.
Tiago descreve especificamente a atividade salvadora de Deus
entre os gentios ao tomar “ dentre os gentios um p ovo” (è£ ê 0 iw Xaóv,
v. 14). Essa fraseologia é particularmente impressionante, porque os
paralelos do AT, que falam da formação de Israel como o povo de
Deus, usam exatamente a mesma terminologia.21
De acordo com Deuteronômio 14.2, Deus escolheu Israel de
todos os povos que há sobre a face da terra para lhes serdes seu povo
p róp rio ( X a ò v a v t o j T T e p L O Ú a i o v ò t t ò t t c í v t c o v t w v è B v w v ) . Basicamente, a
mesma fraseologia aparece em Deuteronômio 7.6: Porque tu és povo
santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe
fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra ( X a ò v
nepioúai TTapà TiávTa tò e 0 v r | õ a a ’ em upoatoTToa Trjc y r j ç ) . Êxodo
19.5 e (na Septuaginta) Êxodo 23.22 falam de Israel ser um povo
apreciado dentre todas as nações. De acordo com Deuteronômio

119
C ontinuidade e descontinuidade

26.18,19, o Senhor escolheu Israel para que lhe fosse o seu povo, um
tesouro pessoal para estar sobre todas as nações.
Esse conceito da extensão do princípio da eleição de Deus
para formar um povo dentre as nações torna-se especial no NT. De
acordo com o AT hebraico, o termo para “ p ovo” (cu) descreve tanto
“ Israel” como “ outras nações” em Deuteronômio 7.6 e 14.2. Mas
a versão grega do AT faz uma distinção entre essas duas catego­
rias de pessoas. Consequentemente, ela fala do “ p ovo” (Xaóç) que
Deus escolheu dentre as “ nações” (êGucòv).
r ___

E precisamente essa terminologia distinta que Tiago usa em


Atos 15.14 para explicar a chegada daqueles, dentre os gentios, à
fé em Cristo por meio da pregação de Pedro. Dentre as “ nações”
(é0ywy) Deus está escolhendo um “ povo” (Xaóc).
Uma variação de possível importância no NT precisa ser
notada. A Septuaginta de Deuteronômio 14.2 diz que Deus escolheu
Israel como seu povo “ dentre” todas as nações (cÍttò ttcívtüji/ t w v
è0vw ), o “ dentre” enfatizando a escolha divina da única nação de
Israel e sua consequente separação de outras nações do mundo.
Deus escolheu esta nação contra as outras nações da terra. Por causa
do uso de uma preposição diferente, o NT poderia ser traduzido
diferentemente. Deus escolheu um povo “ dentre” as nações (è£
èOvw), possivelmente enfatizando que dentre as várias nações do
mundo Deus escolheu seu povo. Desde a formação das nações da
terra, Deus selecionou um povo para ser propriedade sua.
Essa pequena diferença representa fielm ente a situação da
nova aliança contra a antiga. Num sentido especial, Deus estivera
tratando com uma nação de forma distinta de outras nações do
mundo, em bora ele nunca tivesse restringido suas obras da graça
puramente aos descendentes de Abraão. Essa eleição de Israel
serviu como m odelo para a atividade mais ampla da eleição de
Deus, enquanto ao mesmo tempo provia uma nação-serva para
funcionar como a ponte para todas as nações. Mas agora, na
plenitude dos tempos, todas as nações da terra abastecem a fonte
da qual Deus chama um povo para si.
A caracterização de Tiago desses gentios como um povo sobre
o qual “ tem sido invocado o meu [de Deus] nom e” (Xaòv t <5 òvó(ian
ciutoD) está profundamente impregnada na teologia do AT. Como
foi sugerido, Deuteronômio 28.9,10 relaciona essa frase a Israel no
contexto das bênçãos da aliança. Como resultado das bênçãos de

120
H ermenêutica da continuidade

Deus sobre Israel, todas as nações da terra verão que o nome de


Javé é “ chamado” sobre elas (õ tl t ò õyo^a Kupíou 6TTiK6KÀ.r|TaL aoi).
Posteriormente, na história de Israel, Jeremias baseia sua súplica
pelo livramento de Israel no fato do nome de Deus ser chamado
sobre ele (Jr 14.9). A frase também se aplica a Jeremias pessoal­
mente e ao templo do Senhor, indicando a posição especial como
escolhido de Deus (Jr 15.16; 7.10,11).
O em prego mais destacado da frase encontra-se em Isaías
63.17-19. Nesses versos, o profeta suplica p elo retorno da bênção
do Senhor. Seu povo santo havia tomado posse da terra da promessa
por um curto espaço de tempo, mas agora seus adversários piso­
teavam o lugar santo de Deus. Seus adversários viam Israel como
povo que nunca tinha sido chamado pelo nome de Deus (ouôè
éi<Xfí0r| tò õvop.a crou ècj>’ r]|J.âs) e, por essa razão, Israel não tinha
posição privilegiada perante o Senhor.
Mas Amós visualiza outro dia, um dia em que representantes de
todas as nações serão “ chamados” pelo nome do Senhor. De acordo
com Tiago, aquele dia chegara. Agora, Israel não é o único eleito de
Deus. De cada nação Deus escolheu indivíduos para formar um povo
sobre quem ele colocaria o seu nome.
Tiago assegura que os profetas concordam com sua análise da
situação. A reunião dos gentios no número do povo de Deus não teve
origem com os ministérios bem recentes de Paulo e Barnabé. Ela
retrocede a anos antes do ministério de Pedro. Todavia, ela chega
até muito antes, até a mensagem dos profetas. “ Desde os tempos
antigos” eles previram esse dia.
No fim dessa citação, Tiago fala sobre as origens desse evento
incomum, retroagindo mais um passo. Conhecidas desde séculos
ou “ conhecidas desde toda a eternidade” caracteriza a origem fun­
damental dessas ações que agora estão sendo feitas pelo Senhor.22
Esse clímax perfeito dos propósitos da eleição de Deus não é algo
que acaba de ser conhecido. A o contrário, sempre foi o propósito
dele desde a eternidade.

A consistência da citação de Tiago


Após tratar dos comentários introdutórios de Tiago, é apro­
priado olhar para a consistência de sua citação. Cumpridas estas
coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi [...] para

121
C ontinuidade e descontinuidade

que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios


sobre os quais tem sido invocado o meu nome (At 15.16a,17).
A pregação apostólica inicial, como registrada em Atos,
indica que o restabelecimento do trono de Davi, como descrito em
passagens como Salmos 110.1, deve estar associado à ressurreição
de Cristo e sua ascensão à mão direita do Pai (cf. At 2.29-36). Como
profeta, Davi falou a respeito de alguém de sua própria descendên­
cia, a quem Deus ressuscitaria e o elevaria à sua mão direita como o
prometido rei messiânico, o ungido. Sentado à mão direita de Deus,
ele ocupa agora o trono do Messias, que foi tipificado pelo trono
terreno de Davi.
A imagem da reconstrução do tabernáculo caído de Davi
se compara intimamente à imagem da era messiânica descrita
em Isaías 11.1. Um ramo brotará do tronco de Jessé. Ele será um
emblema para os povos. As nações buscarão esse sinal.
O tabernáculo de Davi deve ser restaurado para que o rema­
nescente dos homens procure o Senhor (]snb) no hebraico de Amós
9.12; ottüiç àv no grego de Atos 15.17). Inerente a essa frase há o
princípio que remonta à atividade original da eleição de Deus com
relação a Israel. O objetivo de Deus escolher Israel deve ser com­
preendido dessa perspectiva. Ele foi escolhido para ser uma bênção
às nações. De fato, a descendência de Abraão foi objeto particular
do amor eletivo de Deus. Mas, igualmente importante, é o fato de
ela ter sido escolhida para ser instrumento de Deus para abençoar
as nações.
De acordo com essa função divinamente designada para Israel,
a plena bênção divina sobre os gentios precisava aguardar a restau­
ração feita por Deus do tabernáculo de Davi. Somente depois do
trono de Davi ser restaurado é que as nações entrariam nas bênçãos
da aliança. Já que Israel era o vaso escolhido de Deus para transmi­
tir salvação às nações, esse vaso precisava primeiro ser restaurado,
antes que as nações fossem abençoadas.
O Concilio de Jerusalém se viu diante de uma evidência indis­
cutível. A bênção definitiva da aliança, entendida como a posse
do Espírito Santo, tinha vindo em plenitude sobre os gentios. Esse
ponto não estava em discussão. Nem estava sendo debatido se o
“ tabernáculo de Davi” havia sido ou não restaurado. A evidência da
bênção da aliança sobre o mundo gentio pressupunha esse fato. À
luz dessas realidades, a questão era como os gentios deveríam ser

122
H ermenêutica da continuidade

incorporados ao reino messiânico, agora que o dia profetizado havia


chegado.
Se a bênção de Deus sobre o mundo gentio supõe a restau­
ração da dinastia de Davi, a reconstrução do tabernáculo de Davi
não pode ser futura. A inclusão dos gentios pressupõe o estabeleci­
mento da prometida descendência davídica.
A referência aos gentios sobre os quais tem sido invocado o meu
nome tem principal importância para Tiago. Ele se refere somente a
essa porção da citação em seus comentários iniciais. O testemunho
de Pedro provou para Tiago que Deus havia visitado os gentios para
reunir dentre eles um povo para o seu nome (ARA) (èf èGvóh/ Xaòu tw
Òv o ^lciti . aiiToü) (At 15.14; cf. 15.17). A designação de um povo para
“ seu nome” o torna povo eleito de Deus. Uma vez trazidos a essa
posição, não resta privilégio maior.
Em determinado momento o próprio Abraão esteve entre os
gentios. Ele representou um indivíduo pagão entre muitos. Somente a
escolha de Deus de colocar o seu nome sobre ele o tornou separado.
Quando esse princípio é dirigido a outros gentios, eles se
tornam não menos eleitos de Deus do que o próprio Abraão. O
padrão histórico experimentado por Abraão e sua descendência
está se repetindo agora entre os gentios. As nações sempre tiveram
a possibilidade de participar dos privilégios de Israel sob a antiga
administração antes de Cristo. Mas agora as comportas dos bons
propósitos de Deus para com os gentios se abriram.
Essa perspectiva explica a importância da citação de Amós
para o debate relacionado à circuncisão. Por que os gentios
deveríam ser submetidos às exterioridades da antiga administração
como forma de se tornarem povo de Deus? Eles já possuem a mais
alta bênção da nova aliança. Pelo selo do batismo do Espírito Santo,
eles têm o nome de Deus colocado indelevelmente sobre eles. É
na qualidade de gentios que eles entraram nas bênçãos da aliança.
Eles não precisam tornar-se “judeus” no sentido da antiga aliança
para experimentar a bênção de ser povo de Deus. Já possuem o
pleno privilégio de ter o nome de Deus sobre eles. Uma introdução
de acordo com os padrões do antigo ritual nada lhes acrescentaria
e seria uma contradição à nova abertura dos propósitos de Deus aos
homens de todas as nações.
Tiago argumentou que aqueles gentios convertidos eram
eleitos de Deus tanto quanto os judeus. A circuncisão nada lhes

123
C ontinuidade e descontinuidade

acrescentaria. Como João Calvino sugere, a circuncisão e outras


cerimônias judaicas “ serviram ao propósito de distinguir o santo
povo de Deus dos gentios profanos. Visto que a distinção foi agora
removida, é adequado que as cerimônias sejam também abolidas” .23
A pureza sincera e exposta do coração substituiu a forma simbólica
da antiga aliança.
Assim, a citação de Tiago teve imediata relevância para a
situação em debate. A mesma situação prevalece hoje. O cumpri­
mento efetivo dessa profecia não deve ser adiada para um tempo
futuro de tratativa especial com os descendentes étnicos de Abraão.
Porque Deus está incluindo agora os gentios para que ele tenha
agora misericórdia dos judeus que agora se voltam para ele (cf. Rm
11.30.31).24

C o nclu são

A interpretação dispensacionalista da profecia continua a exercer


grande influência sobre os cristãos evangélicos hoje. Sua perspectiva
tem implicações importantes, particularmente para a forma na qual os
eventos atuais entre as nações são vistos pelo crente em Cristo.
A perspectiva dispensacionalista se baseia amplamente na
teoria do “ parêntesis” com respeito ao cumprimento da profecia do
AT. Em virtude da presente “ dispensação da igreja” ser vista basica­
mente como uma interrupção do programa de Deus para o seu povo
Israel, a profecia do AT não é entendida como se falasse diretamente
à vida da igreja hoje. Por outro lado, a profecia do AT, com respeito
a entidades nacionais judaicas e gentias, é cumprida à medida que
se aproxima o fim da era atual.
Assim, a existência de um “ grande parêntesis” no cumpri­
mento da profecia do AT caracteriza o período desde a rejeição de
Cristo pelos judeus até o acionar do cronômetro da profecia, mais
uma vez em conexão com os eventos relacionados ao arrebatamento
da igreja e a volta de Cristo.
Contudo, de acordo com Atos 15, Tiago analisa a inclusão de
gentios, além de judeus, no povo eleito de Deus na era presente,
como cumprimento da profecia de Amós. Esta profecia em particu­
lar inclui elementos como o restabelecimento do trono davídico, a
conquista de Edom, o retorno de Israel do cativeiro e a restauração
do paraíso.

124
H ermenêutica da continuidade

Ao notar a diferença entre a fraseologia de Amós e os eventos


de Atos, o intérprete poderia escolher entre várias opções. Ele
poderia insistir que o “ tabernáculo de Davi” ainda não foi restaurado
e que a reunião de gentios na presente era não foi o cumprimento
da profecia de Amós. Essa sugestão parece contradizer o propósito
principal de Tiago em recorrer à profecia de Amós. Os gentios têm,
agora, o nome de Deus colocado sobre eles, o que indica que o
“ tabernáculo de Davi” já deve ter sido restaurado.
Como outra opção, o intérprete pode propor que toda a
linguagem de Amós deve ser espiritualizada para que as bênçãos
da presente “ era da igreja” sejam equiparadas com a restauração
do paraíso.
Mas as angústias presentes dos redimidos em Cristo testifi­
cam contra essa posição. O paraíso em sua plena glória dificilmente
foi restaurado na era atual, e a Escritura não estimula um dualismo
platônico que se satisfaça com um cumprimento “ espiritualizado”
dos propósitos de perfeição de Deus.
Assim, pode ser sugerido outro entendimento possível para
o cumprimento da profecia de Amós. Um cumprimento genuíno
está acontecendo na presente era, em harmonia com o argumento
de Tiago. A escolha de gentios para ser povo de Deus em pé de
igualdade com os judeus pode ser vista como realização do plano
redentor de Deus desde eras passadas. O papel singular de Israel
pode ser reconhecido no fato de ele ser o “ servo” pelo qual o
evangelho é levado às nações. Israel continua a ter importância na
inclusão, feita por Deus, de judeus entre os redimidos. Todavia, o
presente cumprimento da profecia de Amós pode, ao mesmo tempo,
ser visto apenas como o “ primeiro estágio” da atividade realizadora
de Deus. A restauração do trono davídico assume a forma humilde de
uma “ cabana” ou “ tenda” .
Mas o primeiro capítulo da posse do Espírito pelos gentios
hoje garante a futura restauração de todas as coisas. Dotados de
corpos transformados p elo poder ressuscitador do mesmo Espírito
Santo, os crentes em Cristo participarão, no final, da restauração de
todas as coisas, na recriação do céu e da terra.

125
5

Hermenêutica da
descontinuidade

Paul D. Feinberg

ermita-me fazer uma observação pessoal no início deste

P ensaio acadêmico. Minha amizade e estima por S. Lewis


Johnson Jr. vem de longa data. O prof. Johnson foi aluno
do meu pai, Charles Lee Feinberg, no Seminário Teológico de
Dallas, onde se especializou em AT. Ele se tornou um homem que
demonstrava ter grande afinidade com o AT e depois foi professor
de NT, enquanto meu pai esteve em Dallas. Nessa época eu era
menino, assim como o filho do dr. Johnson, Samuel Johnson III.
Brincávamos juntos ao redor do alojamento para estudantes do
seminário. S. Lewis Johnson foi nomeado para a faculdade de Dallas,
onde trabalhou durante muitos anos com distinção. Eu cheguei a
Dallas para os estudos de doutorado em 1964. Tive o p rivilégio de
tê-lo como um de meus professores. Fiquei impressionado com sua
habilidade em combinar exegese rigorosa com reflexão teológica.
Muitas partes do seu trabalho, especialm ente as de natureza
C ontinuidade e descontinuidade

exegético-teológicas, serviram como m odelos para o meu próprio


trabalho. Em 1980 o prof. Johnson e eu nos tornamos colegas no
Trinity Evangelical Divinity School, servindo juntos na seção de
teologia bíblica e sistemática. Mais recentemente, estivemos
visitando professores no Tyndale Theological Seminary em
Amsterdã, Holanda. Assim, é uma honra e um p rivilégio participar
deste projeto. O tema tratado nesta monografia tem interessado e
envolvido o dr. Johnson ao longo de sua carreira acadêmica.

O PROBLEMA

E difícil pensar em qualquer problema mais importante ou


fundamental que o relacionamento entre os Testamentos. Existem
dois Testamentos; ninguém questiona isso. Como eles formam uma
só Bíblia? Nos círculos evangélicos fundamentalistas, duas respostas
têm dominado a cena: a teologia da aliança e o dispensaciona-
lismo. Independentemente do que se pensa dessas abordagens,
elas podem ser vistas como tentativas sérias de responder a essa
pergunta. Não é incomum o relacionamento entre os Testamentos se
resolver por si mesmo, com base no modo pelo qual se deve inter­
pretar o AT.1 Ele lida com história e instituições, e com predições
sobre o futuro da nação de Israel. Como esses assuntos se relacio­
nam com a igreja que é um corpo multinacional? A igreja é o Israel
espiritual e, assim, herdeira de suas promessas? Ou a igreja e Israel
são dessemelhantes, cada um com um futuro independente? Ou a
verdade está em alguma parte entre esses aparentes extremos?
Se a questão é como interpretar o AT, a resposta não é definitiva,
pois não se sabe se essa interpretação deve ser literal ou espiritual, e
se as promessas dadas no AT a Israel são vistas como cumpridas pela
igreja no NT. Obviamente, há grande discussão sobre o que se quer
dizer por interpretação literal e espiritual e como os escritores do NT
usam o AT. Existe até mesmo debate sobre como alguém cuida da
formulação de uma hermenêutica para o AT. Deve ser simplesmente
um caso de seguir as regras normais para interpretar qualquer texto,2
tornando-o um problema especial dentro da disciplina mais geral da
critica literária? Ou deve uma hermenêutica para o AT ser desenvol­
vida observando-se a forma pela qual os escritores do NT usam o AT?3
Embora essa formulação tradicional da questão e sua resultante
resposta levantem importantes assuntos, não obstante penso que a

128
H ermenêutica da descontinuidade

questão é mais complicada e, portanto, requer uma resposta mais


complexa do que tem sido dada. Isto é, a formulação tradicional da
questão mistura vários assuntos que necessitam ser separados e que
precisam de um exame e resposta individual. Como já mencionado, a
questão da interpretação do AT é normalmente colocada em termos
da maneira pela qual algumas de suas predições são ditas para serem
cumpridas no NT. Com base no que é concluído, generaliza-se que
o AT deve ser entendido em uma de duas formas: histórica e literal­
mente, ou de uma forma mais completa, semelhante à empregada
pelos escritores bíblicos. Penso que isso simplifica demais o proble­
ma, focando-o de maneira muito estreita. Embora seja verdade que a
profecia/predição/promessa e cumprimento do que é dito no AT se
cumpriu no NT, essa é somente uma parte importante da questão, mas
não tudo. Tem-se notado que os dois Testamentos estão unidos tipo-
lógica e analogicamente. Pelo primeiro entende-se que existem tipos
no AT que encontram seu antítipo no NT, e pelo último, que certas
coisas na vida de Jesus são análogas a eventos na história de Israel.
Se eu estiver certo a respeito da com plexidade do problema,
então é necessário examinar cada uma dessas áreas para ver quais
implicações elas têm, se é que existem, com a questão da conti­
nuidade e descontinuidade entre os Testamentos. Assim, começarei
discutindo predições/promessas/profecias no AT e seus declara­
dos cumprimentos no AT. Depois disso, examinarei as questões dos
tipos e analogias entre os Testamentos para ver quais abordagens
contribuem para a nossa compreensão da continuidade e desconti­
nuidade. Finalmente, tentarei dar minhas opiniões quanto à relevân­
cia disso tudo para a união do AT e NT em termos de continuidade
e descontinuidade.

P r e d i ç ã o / p r o m e s s a / p r o f e c i a E CUMPRIMENTO

De longe, o maior conjunto de dados relevantes para o meu


tema são passagens do AT que predisseram ou prometeram algo ou
alguém que se diz cumprido no NT. Quero fazer quatro comentários
preliminares; alguns podem parecer bastante óbvios. Primeiro, usei
predição, promessa e profecia para expressar o que se encontra no
AT. Vários autores defendem a superioridade de um desses termos
sobre os outros.4Neste capítulo, não entrarei nesse debate. Usarei o
termo predição para indicar a futura orientação do discurso sem dar
nenhuma resposta a essa discussão.

129
C ontinuidade e descontinuidade

Segundo, em algum sentido, todas as três classes mencionadas


são preditivas ou não apareceriam no AT e têm importância para o
NT. Também, algumas dessas passagens preditivas provêm de dife­
rentes gêneros de literatura - por exemplo, literatura apocalíptica ou
salmos proféticos. O que está sob discussão aqui são expressões, não
eventos ou instituições, que falam algo sobre o futuro. Desde que eu
limitei a discussão a declarações sobre o futuro, todo este assunto é
parte de um debate muito mais amplo sobre a teoria da linguagem.
Ou, colocando de maneira ligeiramente diferente, as predições são
um caso especial de uma teoria de linguagem mais geral.
Terceiro, pode-se procurar responder à questão de um
esquema predição/cumprimento de duas formas. Pode-se trabalhar
com predições feitas no AT que se dizem cumpridas no NT. Às vezes,
isso é chamado de exegese apostólica, e seria examinada (em alguns
casos típicos ou o mais exaustivamente possível) para ver se existe
um padrão para metodologia apostólica, e então poderia ser deter­
minado se essa metodologia é normativa para hoje. Os exegetas con­
temporâneos devem praticar a exegese apostólica? Outra abordagem
para lidar com esse assunto poderia ser chamada de metalinguística.
Isto é, colocar toda a discussão em termos de hermenêutica ou teoria
da linguagem. Quais são os princípios adequados de interpretação?
Agora, as conclusões dessas duas abordagens não devem se contra­
dizer. Por exemplo, se as conclusões forem corretas sobre a interpre­
tação literária, elas devem nos levar aos princípios adequados de
interpretação para qualquer texto em particular. De modo oposto, do
cuidadoso estudo de passagens individuais devem derivar regras
adequadas de interpretação. Devido à limitação de espaço, minha
discussão irá enfatizar a abordagem hermenêutica ou metalinguís­
tica. Entretanto, se o que digo é correto, então esses princípios devem
resultar na interpretação adequada quando aplicada a textos especí­
ficos. Num esforço para demonstrar isso, usarei um caso-teste, o cum­
primento de Joel 2.28-32 em Atos 2.16-21.
Quarto, embora existam muitas predições no AT, nem todos os
cumprimentos estão no NT. Na verdade, nem todas as predições foram
cumpridas. Entretanto, tem-se argumentado que a exegese interna da
Bíblia é um modelo para nossa interpretação de profecias preditivas
que não foram ainda cumpridas. Assim, onde existe exegese bíblica
interna ou apostólica de textos do AT, podemos obter alguma ajuda
hermenêutica. Digo podemos porque pode-se argumentar que há um
padrão bíblico que não é normativo para hoje.5

130
H ermenêutica da descontinuidade

0 SIGNIFICADO DO TEXTO

O assunto da nossa discussão é o significado de textos no


AT. Se não é possível determinar com precisão o significado da
predição do AT, então não dá para dizer como os escritores do
NT usaram esse texto. Darrell Bock alega que existem pelo menos
quatro abordagens distintas.6Alguns identificam o significado com
a intenção do autor humano, enquanto outros sustentam que o sig­
nificado é idêntico à intenção de Deus. Outros, ainda, alegam que o
significado é tão amplo quanto a interpretação canônica do texto.
E, finalmente, há um grupo de estudiosos do NT que identifica a
hermenêutica apostólica com a hermenêutica judaica do século I.
Permita-me agora voltar para uma série de abordagens possíveis
para determinar o significado da predição do AT.
Muitos gostariam de restringir o significado de qualquer
texto à intenção do autor.7 Historicamente, esse enfoque tem sido
extremamente importante. Tomás de Aquino dividiu os sentidos
da Escritura em literal e espiritual. O literal foi transmitido pelas
palavras (litterae ou verba), enquanto o sentido espiritual foi trans­
mitido pelas coisas (res) da Escritura. O sentido é literal8indepen­
dentemente do que Deus pretendeu com as palavras. Pio XII em
Divino Affante Spiritu apresenta uma definição semelhante e dá
prioridade ao sentido literal e à intenção do autor: “ Para discernir
e definir qual o sentido literal das palavras bíblicas [...] para que a
intenção do autor se torne clara” .9
Apesar dessa proposta ser, a princípio, atraente, muitos
críticos têm destacado que ela é muito mais complicada do que
inicialmente pode parecer àqueles que creem na inspiração.10Para
eles a Escritura é produto de dupla autoria. A intenção de qual autor,
o humano ou o divino, é determinante? Se é a intenção do autor
humano, então o intérprete lida com uma mente finita, num contexto
histórico e cultural. Nesse caso, a intenção do autor pode ser deter­
minada. Por outro lado, se é a intenção do autor divino, então, desde
que Deus é infinito e onisciente, o significado está além do entendi­
mento concreto e histórico do texto. Ele poderia querer dizer coisas
que os intérpretes humanos deixariam escapar. Parecería que quase
toda declaração, ainda que simples, teria nuanças que deixaríamos
passar. Em resumo, se for limitado o significado à intenção humana
do autor, então deparamos com sua ignorância e possível lapso. Por
outro lado, se o significado for expandido à intenção do autor divino,

131
C ontinuidade e descontinuidade

criamos um confronto entre nossa ignorância e a superioridade dos


caminhos de Deus em relação aos nossos.
Uma segunda sugestão, feita para determinar o significado
do texto, é identificá-lo com o entendimento do autor, normalmente
o autor humano." Pelo fato de o entendimento do autor estar
limitado ao contexto histórico e cultural, esse é frequentemente
o prim eiro passo na introdução de uma teoria de sensus plenior.12
Essa posição é como segue. Os autores humanos falaram, às vezes,
melhor do que sabiam. Isto é, eles nem sem pre com preenderam
o significado das coisas que falaram. Assim, quando os escritores
do NT encontram cumprimentos em textos do AT, quase sempre vão
além do que os autores do AT tiveram a intenção de dizer, embora
seus escritos fossem inspirados. Existem várias passagens bíblicas
que são usadas para apoiar essa posição. Permita-me apenas citar
as duas mais importantes apresentadas por aqueles que sustentam
esse ponto de vista. O texto de lPedro 1.10-12, de acordo com a
posição em questão, ensina que os profetas desejaram conhecer
o tempo, as circunstâncias ou as pessoas de suas profecias. Daniel
12.6-9 é igualmente usado por demonstrar que os profetas falaram
além de sua compreensão. Daniel, quando indagado se compreen­
dia o que ouvira, respondeu negativamente. Portanto, desde que
os escritores da Sagrada Escritura não compreenderam completa­
mente o que escreveram, estamos amparados para atribuir ao texto
um duplo significado, o do autor e um subsequente baseado no NT.
Uma terceira abordagem do significado do texto o associa
ao entendimento dos leitores nos dias do profeta.13 Novamente, este
pode ser o primeiro movimento na introdução de uma teoria de
sensus plenior. O que caracteriza esse ponto de vista é a alegação
de que os escritores do NT usam passagens do AT de maneira que
o significado que encontram não poderia derivar da hermenêutica
histórico-gramatical.14 O texto do AT teve um significado em seu
ambiente histórico e cultural que deve ser derivado da compre­
ensão dos leitores ou dos ouvintes nos dias do profeta. Entretanto,
assim se alega, existem casos nos quais o cumprimento no NT não
teria sido entendido pelos ouvintes ou leitores do AT.
Um quarto ponto de vista associa o significado à importância
do texto.15Aqui há uma grande dependência da obra de E. D. Hirsch,
Validity in Interpretation [Validade da interpretação]. No âmago
dessa teoria hermenêutica está a distinção entre “ significado” e
“ significância” . Para ele:

132
H ermenêutica da descontinuidade

S ig n ific a d o é o q u e é re p re s e n ta d o p o r u m texto; é o q u e o autor


q u is d iz e r c o m o u so d e u m a s e q u ê n c ia d e sin ais p a rticu la res; é
o q u e o s sinais re p re se n ta m . Sign ificân cia, p o r outro lad o , in d ic a
u m re la c io n a m e n to entre a q u e le s ig n ific a d o e u m a p e s s o a , o u um
conceito, o u u m a situação, o u efetiv am en te a lg o im a g in á v e l.16

Em termos que possam ser mais compreensíveis, “ significado”


tem a ver com a interpretação de um texto, enquanto “ significância”
está relacionada à sua aplicação.
Há os que ampliam a concepção de Hirsch de significado.
Para eles, o significado de um texto, no final das contas, deve incluir
a significância ou a aplicação da passagem. Assim, desde que a
significância ou a aplicação de qualquer texto estej a constantemente
aumentando e mudando, o significado ou interpretação dessa
passagem está também aumentando e mudando. O significado foi
um para os ouvintes e bem possivelm ente é outro para os leitores
do NT e para nós. Significância e cumprimento não são a mesma
coisa. Um exem plo p od e ser útil aqui. O cumprimento da promessa
do retorno de Israel à terra depois do cativeiro ocorreu com o
efetivo retorno à terra depois do cativeiro babilônico. Mas sua
significância inclui qualquer aplicação que esse evento possa ter
para o povo de Deus em qualquer tempo. Uma delas p od er ser, por
exemplo, que Deus é fiel e justo em seus relacionamentos.
Finalmente, há os que querem identificar o significado de uma
passagem do AT com seu uso no NT. Das abordagens menciona­
das, essa é a mais heterogênea. Ela é defendida por G. E. Ladd, que
pensa que o AT deve ser reinterpretado à luz do evento Cristo no
NT. Além disso, ele sustenta que os escritores do NT usaram o AT de
maneiras nunca pretendidas por seus autores humanos.17Também
E. J. Carnell defende o desenvolvimento de uma hermenêutica vete-
rotestamentária do NT baseada no progresso da revelação.18 Isto
é, a nova aliança precede a antiga. Existe progresso na história da
salvação ou na teologia bíblica. Essa abordagem inclui um grupo
de estudiosos do NT como Richard Longenecker, que pensa que o
m odelo para com preender o AT deve ser encontrado na exegese
apostólica do NT.19Ele defende que os apóstolos usaram uma forma
de exegese, muito comum na interpretação judaica do século I,
chamadapesher oupesher midrash. Isso explica o fato de certos usos
no NT não serem previstos no texto do AT. Também explica por que
os textos do AT têm um sensus plenior. Curiosamente, Longenecker

133
C ontinuidade e descontinuidade

pensa que a exegese apostólica não é um m odelo para a exegese


contemporânea.

O CUMPRIMENTO DO TEXTO

Embora não se conclua necessariamente que cada uma das


abordagens anteriormente mencionadas defende que o significado
do texto do AT leva a uma teoria de duplo significado ou intenção, na
verdade, a maioria o faz. Com isso quero dizer que o cumprimento
no NT pode não ter sido contemplado no significado da passagem
do AT. Portanto, o padrão do cumprimento, indo além do signifi­
cado original, deve ou pode ser aplicado a predições que ainda não
foram cumpridas.
O argumento para um cumprimento mais com pleto é, de certa
forma, assim: Embora não tenhamos o esquema predição/cumpri-
mento para toda predição do AT (desde que algumas aguardam
cumprimento futuro, e podem os até mesmo estar errados em
nossa compreensão de algumas profecias), podem os concluir,
certamente, com base na exegese apostólica, que pelo menos
algumas profecias do AT têm um cumprimento mais completo
do que o esperado. Acrescente a isso declarações explícitas no
NT sobre a natureza do futuro, que indicam mudanças sobre o AT.
Portanto, estamos justificados em dar por não cumpridos signi­
ficados de predições do AT diferentes do seu significado no AT.
Com o já foi mencionado, Longenecker é uma notável exceção a
essa última alegação. Embora defenda a existência dessa exegese
mais completa de passagens do AT feita pelos apóstolos, ele nega
que possamos praticar a exegese apostólica como norma hoje.20

AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS SIGNIFICADO/CUMPRIMENTO

Cada uma das propostas recebe críticas. A forma mais útil de


organizar essas críticas é colocá-las em dois grupos: os que se opõem
a um objetivo ou significado único, e os que se opõem ao duplo
propósito ou sensus plenior. O mais notável defensor do propósito ou
significado único dos textos bíblicos é Walter C. Kaiser.21Ele escreveu
não apenas para defender a posição, como também para mostrar que
ela funciona na prática. Ele argumenta que a exegese cuidadosa do
suposto duplo propósito das passagens, incluindo atenção a teologia

134
H ermenêutica da descontinuidade

antecedente, não requer um apelo a significados “ mais completos” . A


crítica dessa posição é dupla. Argumenta-se que o seu ponto de vista
não leva em conta o propósito autoral divino, e que sua posição não se
harmoniza com a prática da exegese apostólica no NT.22
Como já era previsto, a crítica mais persistente do duplo signifi­
cado, ou dos enfoques sensus plenior, vem de Kaiser. Contra aqueles
que alegam que os autores humanos da Escritura não compreende­
ram tudo o que escreveram, ele ataca a compreensão deles de 1Pedro
1.10-12 e de Daniel 12.6-9. Ele afirma que os profetas investigaram o
tempo que essas coisas aconteceriam. Tí va não deve ser separado
de Kcupóv para interpretar “ que pessoa ou tempo” , mas tivci e ttóíov
modificam Kaipóu para interpretar “ que tempo ou tipo de tempo” 23
Além disso, ele argumenta que a interpretação de Daniel 12.6-9
comete um lapso semelhante. Embora seja verdade que Daniel
diz que não entendeu, o que foi que ele não entendeu? Foram as
palavras que ele falou? Kaiser pensa que não. Foram as palavras
do anjo que ele não compreendeu. Ele não compreendeu o tempo
dessas coisas (v. 8). Foi uma pergunta feita por ele relacionada ao
tempo. Além disso, o texto deixa claro que Daniel de fato compreen­
deu o significado do que havia falado, pois ele ficou exausto e doente
(Dn 8.27) .24A inspiração não torna o autor bíblico onisciente. Sua com­
preensão é sempre parcial, nunca completa ou exaustiva. É adequada,
entretanto. Outras passagens podem suplementar o que foi anterior­
mente revelado. Pode haver ampliação de algum ponto. No entanto,
cada texto tem um significado específico, e não se deve achar mais do
que é pretendido em cada texto. Por isso, encontre outra passagem na
busca de significado adicional ou suplementar.25
Kaiser afirma que pode ser apresentada uma prova ainda
maior contra a necessidade de identificar o significado com base
no entendimento dos leitores da época do profeta. O autor estava
pelo menos sob a orientação do Espírito Santo na produção dos
escritos bíblicos. O mesmo não p od e ser dito dos leitores. Então,
não é absurdo pensar que a compreensão deles estaria mais cir­
cunscrita do que a dos autores bíblicos.26
Kaiser também tem severa crítica em relação aos que procuram
estender o significado de qualquer texto aos seus variados signifi­
cados ou aplicações. Esse foi o ponto de vista de Gadamer. Kaiser
rejeita a “ fusão de horizontes” , defendida por Gadamer, e pensa
que é melhor manter o processo de interpretação e aplicação como
dois atos separados.

135
C ontinuidade e descontinuidade

O ato a n t e r io r d e c o m p r e e n s ã o é c o n t r o la d o p e l o c o n ju n to d e
s ím b o lo s lin g u ís tic o s d o texto, e é fixo , ú n ic o e im u tá v e l. M a s
e s s e ato p r e c is a s e r s e g u i d o p e l o ato d e r e la c io n a r e s s e s i g ­
n ific a d o a o in té rp re te o u a u m c a s o p a r t ic u la r o u a o c o n ju n to
d e c a s o s p a r a in d ic a r a r e le v â n c ia o u a p a r t ic u la r id a d e d o
c o n c e ito o u p r in c íp io u n iv e r s a l d e s c o b e r t o .27

Além disso, há limitações para a aplicação ou significância


de um texto que lhe são impostas por seu significado. Quer dizer,
não se pode fazer nada, seja qual for a aplicação de uma passagem.
Haverá aplicações certas e erradas, adequadas e inadequadas, de
alguma parte da Escritura.28
Finalmente, a alegação de que a hermenêutica de alguém para
as predições do AT deve se desenvolver pelo uso que o NT faz do AT
é suficientemente ambígua, qualquer um pode afirmá-la, e com base
nela expressar o que escolher. Por exemplo, Kaiser pensa que os escri­
tores do NT usam o AT com um único significado ou propósito. Portanto,
para ele, tal hermenêutica exigiria o propósito único de predições do
AT. Ladd ou Longenecker assumem uma posição diferente do uso do AT
feito pelo NT. Se Ladd estiver certo na sua afirmação de que o NT rein-
terpreta o AT, sua hermenêutica de fato levanta algumas questões sérias.
Como pode ser mantida a integridade do AT? Em que sentido pode
o AT realmente ser chamado de revelação em seu sentido original?
Objeções semelhantes podem ser feitas a qualquer abordagem que
defenda um subsequente ou consequente significado atribuído pelo
NT. Kaiser pensa que o mais importante é que tal tratamento do AT
não é necessário. Se houver o cuidado na exegese da predição e seu
cumprimento, prestando particular atenção à Escritura antecedente e
à teologia, pesher e pesher midrash, ou qualquer abordagem herme­
nêutica semelhante, não serão necessárias.29

UM A PROPOSTA PARA O S IG N IF IC A D O DE UM A PREVISÃO DO AT

Eu gostaria de demonstrar que meu pensamento decorre,


até este ponto, do que é uma hermenêutica adequada para as
predições do AT. Primeiramente, algo precisa ser dito sobre a
intenção autoral. Isso pode parecer surpreendente, visto que muito
é dito em discussões sobre esse assunto. Não está claro, nas aborda­
gens de muitos escritos sobre esse tema, exatamente onde alguém
encontra a intenção do autor. Existem pelo menos dois lugares que

136
H ermenêutica da descontinuidade

imediatamente vêm à mente. Pode-se buscar ir “ além” do texto e,


por meio de algo como identificação solidária, tornar-se um com
o autor. Ao fazer isso poder-se-ia pensar que é possível encontrar
a intenção do autor. Isso é tão impossível quanto desnecessário. É
também um exem plo do que tem sido chamado de “ falácia intencio­
nal” .30 É impossível ir além de qualquer texto e entrar na mente de
qualquer pessoa. Mesmo que a identificação solidária fosse possível,
tudo o que resultaria seria especulação. Mas o que está mais a nosso
favor é que não há necessidade de ir além do texto para encontrar
intenção do autor, porque ela está no texto. A falácia intencional
baseia-se na falsa concepção de que os escritores são incapazes de
expressar suas intenções por meio dos textos que produzem. Isso
é simplesmente falso, e, se não é, então as intenções deles devem
perm anecer um mistério, e não há por que falar sobre elas.
Mas suponha que alguém aduzisse que tudo o que foi dito é apli­
cável a autores humanos, mas certamente não a Deus. Deus é onisciente;
seu conhecimento é grande demais para nós. Tudo isso tem uma atração
inicial, arraigada, como parece, em nossa piedade. Entretanto, no final
das contas, acho que deve ser rejeitado. Deus empenhou sua vontade
e verdade em um texto escrito, e o que é verdade para as intenções do
autor humano será verdade para a intenção de Deus. Se, como foi argu­
mentado, os autores humanos são capazes de expressar suas intenções
num texto, por que não esperar que o mesmo seja verdade também
a respeito de Deus? O insucesso somente pode ser atribuído à ina­
bilidade de Deus de se expressar ou à incapacidade da linguagem
humana. A primeira é excluída pela visão bíblica de Deus, mas a última
parece plausível. Entretanto, mediante cuidadosa reflexão, ela deve ser
rejeitada. Se a revelação proposta é possível, então Deus deveria ser
mais capaz, não menos, de expressar suas intenções na Escritura. Isso
não quer dizer que a nossa compreensão do significado da Escritura
seja exaustiva ou sempre completamente correta, mas somente que é
adequada e que a comunicação pode ocorrer. Penso que Wittgenstein
estava certo em não examinar as intenções do ponto de vista psicológico.
Se não devemos ir além do texto para encontrar a intenção do
autor, então aonde deveriamos ir? O outro item que vem à mente é
o texto. Tudo o que foi dito apoia isso e, em meu julgamento, está
correto. O significado está associado à intenção autoral (nesse caso
humana e divina), e isso deve ser encontrado na análise do texto.
Mas e quanto ao significado do texto? Penso que é útil apresen­
tar uma distinção de Gottlob Frege. Ele pensa que tanto as palavras

137
C ontinuidade e descontinuidade

quanto as sentenças têm um sentido e uma referência.31 O sentido


de uma sentença é, em linhas gerais, equivalente ao seu significado,
e a referência dessa sentença, ao objeto ou estado de coisas a que
se refere. É fácil mostrar, por meio de exemplos, que o sentido e a
referência são diferentes. Por exemplo, conhecemos o sentido de
cadeira como algo onde sentamos. Existem muitos objetos que são
referidos pelo termo cadeira. Temos aqui um termo que pode se
referir a muitas coisas. Por outro lado, sabemos o sentido das duas
locuções estrela da manhã e estrela vespertina, mas a coisa a que se
refere (o referente) é a mesma - o planeta Vênus. Nesse caso, um
único referente tem dois significados.
Como tudo isso se aplica às predições do AT?32 Penso que as
predições no AT tiveram um sentido, e que esse sentido foi determi­
nado. Ele foi conhecido do autor e dos que ouviram ou leram o que ele
tinha a dizer. Se faltasse o sentido ou fosse ininteligível, então seria difícil
ver como a declaração poderia ter sido uma revelação de qualquer
tipo em seu contexto original. Como esse sentido é determinado? A
resposta é: por meio da aplicação dos princípios da hermenêutica his-
tórico-gramatical. A linguagem vem dentro de um contexto histórico e
cultural. Ela tem regras sintáticas ou gramaticais que governam o uso.
Assim, qualquer usuário da linguagem na qual a revelação é dada pode,
a princípio, conhecer e compreender o sentido do que foi dado. Se não,
nenhuma revelação ocorreu; ao contrário, o que houve foi a declaração
de uma charada, um quebra-cabeça ou um mistério.
A questão da referência é mais complicada. Permita-me
começar com o caso mais comum de uma declaração a respeito do
presente. Geralmente o referente é conhecido ou pode ser conhecido.
Por exemplo, se eu falo sobre o prefeito atual de Chicago, sei tanto
o sentido quanto a referência dessa declaração. “Atual prefeito de
Chicago’ significa o executivo chefe atual da cidade de Chicago. O
referente dessa expressão na época em que esse artigo foi escrito é
Harold Washington. Se me falta conhecimento tanto do sentido como
da referência, facilmente eu poderia adquirir esse conhecimento.
Eu poderia perguntar a um amigo ou consultar um dicionário para o
sentido de “ prefeito de Chicago” . O referente poderia ser também
conhecido. Eu poderia ver Washington apresentado como prefeito no
noticiário vespertino.
O referente de uma profecia preditiva pode não ser facil­
mente conhecido. Acho que um bom exem plo é o que a Bíblia tem
a dizer sobre o anticristo. O significado ou sentido das predições é

138
H ermenêutica da descontinuidade

determinado e conhecido. Anticristo é uma atitude e uma pessoa.


A Bíblia ensina sobre sua carreira e derrota. Entretanto, a identi­
dade ou referente desse termo não é conhecido, a não ser por Deus.
Em vários momentos houve e há os que especulam sobre a identi­
dade dele, mas ninguém, a não ser Deus, conhece isso até o cum­
primento. Além disso, uma predição do AT pode ter um significado
único, determinante, com múltiplos cumprimentos. No AT, Jeremias
31.1,2,12,13 fala da restauração de Israel de volta à terra depois da
desobediência.33 O significado dessa profecia é claro. Haverá um
retorno à Palestina depois da desobediência. Entretanto, isso se
refere ao retorno depois do cativeiro babilônico e a uma restau­
ração futura e final, penso, na volta do Messias. Resumindo, tenho
debatido que as predições do AT têm um sentido, que esse sentido
foi conhecido pelos que ouviram a profecia pronunciada e por nós,
através da aplicação da hermenêutica histórico-gramatical, mas,
que o referente não está especificado até o cumprimento.
Kunjummen discorda: “Argumentar que o significado dessas
profecias é ‘com pleto’ sem conhecer suas ‘referências’ seria o
mesmo que insistir que o significado das profecias messiânicas é
‘com pleto’sem respeitar a identidade histórica e a obra realizada pelo
Messias” .34 O que ele diz é correto, até certo ponto. Se o significado
estiver sempre completo, terá de incluir os referentes das predições
veterotestamentárias. Mas isso não resulta na falta de conhecimento
do referente, não tenho ideia do sentido dessas profecias. Posso ter,
como Kaiser argumentou, conhecimento adequado do significado
do texto no AT.35 Isso depende não do referente, mas da adequação
da minha aptidão para interpretar o texto preditivo.
E quanto ao relacionamento entre as predições do AT e o
cumprimento no NT? Muita coisa pode ser dita. Primeiro, mais
do que um evento ou pessoa podem ser parte do referente que
cumpre a profecia. Já me referi a isso anteriormente. Segundo, pode
haver aspectos do cumprimento que não fazem parte de qualquer
predição em particular ou de todas as predições do AT sobre um
assunto. Isso se infere simplesmente do fato de que não se exige
que cada profecia ou a totalidade de profecias sobre uma pessoa
ou evento seja um relato completo do que irá acontecer. O que é
verdade para qualquer profecia em particular é verdade também
para o todo. Alguns exemplos podem ser instrutivos.
Daniel 7 prediz que uma terceira besta terá seu reinado
tirado. Não diz como. Pela história sabemos que esse governante foi

139
C ontinuidade e descontinuidade

Alexandre, o Grande, que morreu de doença com a idade de 33 anos.


Esses últimos fatos são todos parte do cumprimento, mas Daniel 7 não
diz nada a respeito deles. Possivelmente, a profecia messiânica como
uma totalidade não tenha de dar um quadro completo ou exaustivo do
Messias.Tudo o que se requer é que o predito seja adequado.36Terceiro,
pelo menos em alguns casos, antes do real cumprimento uma série
de referentes podem constituir cumprimentos. Isso pode ser visto de
duas formas. Uma profecia pode ter mais de um referente cumprindo-
a. Por exemplo, a profecia de que eles perfurariam as mãos e os pés
do Messias pode ter sido cumprida de várias formas. A perfuração
poderia ter sido feita com facas, flechas, projéteis ou cravos.
Isso nos leva às mais importantes e acaloradas questões
debatidas relativas à predição e ao cumprimento. Quando um cum­
primento inclui mais do que uma ou todas as predições do AT, esse
“ mais” torna-se parte do significado do texto no AT? Se é assim,
então penso que a ideia de um sensus plenior deve ser invocada.
Em resposta a essa questão, defendo ser útil ver que não há razão
necessária para acreditar que o “ mais” deve ser incluído no signifi­
cado original. Exigir isso obrigaria alguém à opinião de que alguma
ou todas as predições do AT dão um relato completo ou exaustivo
do evento futuro ou pessoa. Não vejo por que isso tem de ser assim.
Entretanto, isso não leva ao centro da questão. Os que advogam um
sensus plenior não o fazem apoiados na necessidade de cada evento,
ou pessoa, ser exaustivamente predito, e sim, na exegese de textos
do AT por escritores do NT. Isto é, eles usam um método idêntico ou
semelhante ao pesher e pesher midrash.
Embora esse ponto de vista seja amplamente defendido, não
estou convencido dele neste momento. Primeiro, pesher é definido
de maneira diferente por escritores diferentes. Antes que se possa
decidir esse assunto, deve haver maior exatidão na definição do
método.37 Segundo, quando Kaiser é corretamente compreendido,
penso que ele justifica de maneira impressionante sua posição contra
a necessidade do sensus plenior. Ele tem razão em afirmar que uma
cuidadosa exegese não tem sido praticada em muitos casos e que a
teologia e a Escritura antecedentes são frequentemente n egligen­
ciadas. Kaiser é também mal compreendido, pois ele não quer dizer
que todo o texto é uma predição completa de tudo o que ocorreu
no cumprimento, nem sequer que todos os textos o são. Mas ele de
fato afirma que aquelas coisas que não são parte da predição no AT
não devem ser lidas dentro do AT. O que está predito é uma função

140
H ermenêutica da descontinuidade

do significado do texto do AT adequadamente interpretado. Isso me


parece ser exigido, a princípio, para manter a integridade do AT, e
ser possível demonstrar na prática, o desenvolvimento da metodo­
logia da exegese apostólica.
Uma segunda importante e consideravelmente debatida
questão é se o NT pode mudar ou reinterpretar o significado do AT.
Tal posição é mais radical do que a anterior. A visão sensus plenior
somente requer que o significado da predição do AT seja expandido
além do que está contido no texto; mas, a abordagem em questão
advoga que o significado da predição do AT pode ser mudado
de forma a não mais significar o que significou no AT. Tudo o que
poderia ser dito sobre a proposta anterior se aplica aqui com força
igual ou maior. Além disso, desde que o significado original não
é parte do cumprimento na visão da reinterpretação, levanta-se a
questão adicional da integridade de Deus. Como pode Deus ser fiel
e mudar o significado de suas promessas? Tudo isso simplesmente
para dizer que o cumprimento deve estar em concordância com a
predição do AT. A predição não precisa ser exaustiva ou completa.
Ela pode ter símbolos como na literatura apocalíptica, mas o signi­
ficado do AT não deve ser mudado. Em minhas observações finais,
falarei sobre isso novamente.

T ip o s do AT e a n t ít ip o s do NT

Ao discutir o problema do relacionamento entre os Testamentos


observei que a questão tem sido simplificada ou fundida demais.
Não somente existem predições que encontram seu cumprimento
no NT, mas, com bastante clareza, existem também tipos no AT que
encontram seu antítipo no NT. Tipo/antítipo é um método muito
diferente de comunicar a verdade, mais do que predição/cumpri-
mento.38Há os que pensam que princípios hermenêuticos para inter­
pretar tipos justificam uma hermenêutica não literal para interpretar
textos de predição/cumprimento. Quando se compreende o relacio­
namento entre um tipo e seu antítipo, fica claro que esse não é o caso.39
Há diferença de opinião sobre o que constitui um tipo. Para
alguns um tipo existe pelo fato de um significado intrínseco do texto
ser lido dentro dele.40Não é um método de exegese. Outros pensam
que é um método de exegese, até mesmo o principal método de
exegese, ligando os dois Testamentos.41 É a busca por interligação

141
C ontinuidade e descontinuidade

entre os eventos, pessoas e coisas dentro da estrutura da revelação


histórica. Goppelt descreve a tipologia como uma “ perspectiva
espiritual” . Ele a distingue da alegoria. A alegoria procura dar à
Escritura um significado mais profundo. A tipologia, por outro lado,
interpreta eventos presentes na história da salvação à luz de eventos
passados do AT.42 Outros ainda veem tipos como pretendido pelos
escritores do AT e são discerníveis por princípios de hermenêu­
tica histórico-gramaticais. Outros fenômenos classificados como
tipos são realmente aplicações do texto ou ilustrações dele.43 Para
todos esses pontos de vista, um tipo pelo menos liga um evento,
uma pessoa ou uma coisa a outro evento, pessoa ou coisa dentro do
arcabouço da revelação histórica.
Se alguém concorda inteiramente com a última e mais severa
definição de um tipo, é bom observar algumas características mais
salientes de tipos. Deve haver correspondência histórica entre o tipo
e o antítipo.44 Até mesmo esse ponto tem sido contestado na herme­
nêutica recente.45Nem todos exigiríam a realidade fática tanto do tipo
quanto do antítipo. James Barr ressaltou a dificuldade em definir o
que se quer dizer por correspondência.46Além disso, deve haver um
agravamento ou aumento entre tipo e antítipo.47Por exemplo, Jesus (o
antítipo) é maior do que José (o tipo). O relacionamento tipo/antítipo
deve existir por propósito ou designação divina.48Finalmente, alguns
argumentam que um tipo prefigura seu antítipo. Isto é, algum evento,
pessoa ou coisa do AT prefigura evento, pessoa ou coisa no NT.49
Embora possa haver discordância a respeito de como definir
um tipo e sua natureza, está claro que os tipos de fato existem e
constituem uma importante ligação entre o AT e o NT. Vale a pena
repetir a conclusão de Kaiser:

N ã o s e p o d e fa z e r u m a e q u ip a r a ç ã o d ire ta e n tre o s o r á c u lo s
p re d itiv o s d o s p r o fe t a s e a n a tu re z a p r o s p e c t iv a d o s tip os.
O s tip o s e r a m m a is lig a d o s a o u so q u e o s p r o fe t a s fa z ia m d e
a ç õ e s s im b ó lic a s , n ã o a o s s e u s o r á c u lo s a r e s p e it o d o futuro.
N o entanto, q u a n d o D e u s e s p e c ia lm e n t e d e s i g n o u e v e n to s,
in stitu içõ es e p e s s o a s , e le o fe z p o r q u e e r a n e c e s s á r io q u e
e le s a p o n t a s s e m a lé m d o te m p o d e le s , p a r a outro t e m p o e
g e r a ç ã o futura. E m b o r a s u a futura r e a liz a ç ã o e x c e d e s s e o q u e
os d e s i g n a d o s h a v ia m e x p e r im e n t a d o , m uito a in d a s e r ia c o m ­
p a r t ilh a d o p o r g e r a ç õ e s p o s t e r io r e s , p a r a s a b e r q u e a situ a ç ã o

142
H ermenêutica da descontinuidade

r e p e t id a , o o fíc io o u o ritu a l r e p e t id o , o u a in d a o p r in c íp io
r e it e r a d o fo r a m o s m e s m o s .50

ANALOGIAS PRESENTES NO NT
ENTRE A VIDA DE JESUS E EVENTOS DO AT

Vários estudiosos do AT e do NT têm notado que existem


muitas analogias no NT entre a vida de Jesus e os eventos do AT.51
O evento bíblico do êxodo é um bom exem plo disso. Esse foi um
evento formativo na vida da nação de Israel. Foi lembrado como
um ato relativo à fundação do poder criativo de Javé, pelo qual ele
livrou seu povo e o criou como nação. Foi uma manifestação visível
da graça soberana de Deus que demonstrou o seu controle sobre
a história. No AT Isaías pôde usar esse evento e a linguagem a ele
associada para falar do livramento e retorno da nação da Babilônia,
anos mais tarde.
r

E Mateus quem faz a analogia entre o êxodo e a vida de nosso


Senhor Jesus Cristo. Ele viu na vida e no ministério de Jesus a lib er­
tação de uma tirania ainda maior. Assim, houve uma analogia entre a
vida de Jesus Cristo e a história da nação de Israel. Tal como a nação,
Jesus desce até o Egito e é libertado desse lugar por Deus. É nesse
contexto que Mateus, em 2.15, cita Oseias 11.1.
Para uma visão evangélica da Escritura, não é difícil aceitar
que tais analogias foram planejadas por Deus. O que seria um
assunto de debate é se a analogia extraída no NT é uma verda­
deira exegese do evento original. Será que essas últimas situações
e significados foram de alguma forma preditas no evento original
de forma que tivesse sido possível saber o futuro por m eio da
adequada compreensão ou exegese do AT? O que é importante,
entretanto, é que, mesmo se tal exegese revelasse esses signifi­
cados, essa exegese envolvería princípios bem diferentes aplicá­
veis a textos predição/cumprimento. Além disso, mesmo em sua
novidade, mostraria que houve dependência e continuidade em
relação ao que existiu antes.
Novamente, os princípios para com preender uma analogia são
diferentes dos princípios para interpretar predições. Não se infere
do fato de existirem analogias entre o AT e o NT que o método her­
menêutico apropriado para interpretar o AT é análogo.

143
C ontinuidade e descontinuidade

CONCLUSÕES DA DISCUSSÃO HERMENÊUTICA

Nossa discussão sugere várias conclusões. São as seguintes:


O relacionamento entre o AT e o N T é mais com plexo do que
a predição do AT e o cumprimento do NT. A relação hermenêutica
entre os dois Testamentos é quase sempre colocada em termos de
predição e cumprimento. Como vimos, essa é uma parte importante
desse relacionamento, mas não é o todo. Os dois Testamentos estão
relacionados tipológica e analogicamente. Isto é, no AT existem tipos
que encontram seus antítipos no NT. Existe também uma analogia
a ser encontrada entre certos eventos do AT e a vida de Jesus, no
NT. Esse fato é importante para determinar a hermenêutica da con­
tinuidade e descontinuidade. Argumenta-se com frequência que
o uso de uma passagem como Oseias 11.1 em Mateus 2.15 é base
para um sensus plenior para textos preditivos do AT. Existem duas
questões que essa alegação levanta. Esse uso é um caso genuíno
de sensus plenior? E mesmo que seja, desde que a passagem de
Oseias é usada num sentido analógico, ele autoriza o cumprimento
das predições de Oseias a respeito de Israel na igreja? Sobre esse
último ponto penso que a resposta é cláramente negativa. Predições
ou profecias não são idênticas a tipos e analogias.
Embora tipos e analogias sejam meios adequados de com pre­
ender o relacionamento entre os dois Testamentos, as hermenêuti­
cas típica e analógica não são. Tipos e analogias entre instituições,
pessoas e coisas são justificados pela fato de que tais relações
são feitas na própria Escritura. Pelo fato de alguns terem abusado
desse m étodo de relacionar os Testamentos, outros têm lançado
luz sobre ele. Não obstante, tipos e analogias são em pregados
pelos próprios escritores bíblicos. Além disso, tipos e analogias
não são proibidos pela assim chamada interpretação literal ou o
que prefiro chamar de hermenêutica histórico-gramatical. Estas
são formas apropriadas de comunicação dentro de tais hermenêu­
ticas. Elas requererão regras especiais de interpretação, mas não
são casos que permitam a prática de espiritualizar. A interpre­
tação histórico-gramatical perm ite símbolos, tipos e analogias. O
que se exigirá é a argumentação de que todo item específico é um
símbolo, um tipo ou uma analogia.
Tudo isso é um modo bem diferente de defender princípios
hermenêuticos tipológicos ou analógicos ao interpretar o AT. Isso

144
H ermenêutica da descontinuidade

se aproxima de espiritualizar o AT e pode parecer uma distinção


muito simples, mas é extremamente importante e fundamental.
O sentido de qualquer predição do A T deve ser determinado
pela aplicação da hermenêutica histórico-gramatical ao texto. O
sentido de qualquer texto do AT deve ser determinado do mesmo
modo que se busca o significado de qualquer outro texto, pela
aplicação dos princípios de interpretação literária àquele texto. A
interpretação da Escritura não é caso especial aqui. O propósito
autoral, humano e divino, pode somente ser determinado ao inter­
pretar o texto. Nem um único texto nem o todo reunido precisam
dar uma descrição completa do cumprimento. Tudo o que se requer
é que a predição seja verdadeira e adequada. Onde o texto do
AT é uma predição, o referente p od e não ser conhecido, em bora o
sentido seja determinável. Algumas predições, em bora tenham um
sentido determinável, podem ter mais de um referente.
O referente que age com o cum prim ento de uma predição do
A T deve atender aos requisitos do sentido daquela predição com o
determinado pela aplicação da hermenêutica histórico-gramatical.
Das conclusões apresentadas neste ensaio, esta é claramente a
mais controversa e m erece o máximo de discussão. Os que se
opõem a tal abordagem , o fazem em um de dois fundamentos. O
prim eiro é argumentar que os profetas do AT devem ser entendi­
dos à luz da e x e g e s e do NT e da teologia bíblica. Van G em eren é
um exem plo interessante dessa abordagem 52, visto que assume
uma postura mais m oderada se com parado a muitos que advogam
essa posição. Ele não alega que os escritores do NT viram um
cumprimento das p redições do AT num sentido não visto no AT.
Também não e x ig e que seja dado um novo sentido às profecias
do AT à luz do progresso da revelação. A o contrário, ele discute o
lugar de Israel na interpretação da profecia de uma perspectiva
reformada. Ele mostra que até o século XIX havia uma diversidade
de opiniões no pensamento reform ado que se revelavam contrá­
rias em relação ao futuro do Israel étnico. Ele segue advogando
sua opinião e chama essa concepção de aberta e pensa que não
se p od e assumir uma posição sobre o futuro de Israel até que
venha o cumprimento. Para ele essas profecias podem ter um
cumprimento que inclui um lugar especial para Israel, ou um que
somente o inclui como uma parte da igreja. Ele não quer se com ­
prom eter até que o fato aconteça.

145
C ontinuidade e descontinuidade

Há certos pontos interessantes nessa concepção. Ela advoga


cautela em uma área onde o dogmatismo quase sempre é a regra
e previne o excessivo particularismo (a capacidade de indicar
cada cumprimento por antecipação) que uma boa discussão esca-
tológica exemplifica. Entretanto, não posso aceitar essa posição
por duas razões. Se Deus deseja dar ao homem uma revelação
por intermédio dos profetas, tal ponto de vista opõe-se aparente­
mente a isso. Não se p od e realmente saber o sentido da predição,
a não ser depois do fato. Em um caso o sentido se harmonizaria
com os princípios da interpretação histórico-gramatical, enquanto
no outro, não vejo como isso seria possível, visto que tal cumpri­
mento requereria uma mudança de significado. Alguns sustentam
posição semelhante com respeito à prim eira vinda de Cristo, em
outras palavras, a profecia messiânica. Mas Jesus parece pensar
que os que estavam vivos naquela época deveriam tê-lo reconhe­
cido com base no que fora dito no AT. Não é propósito da predição
profética comunicar o que deve acontecer? Penso que sim. Além
disso, embora a interpretação histórico-gramatical leve em conta
símbolos, tipos e analogias, não vejo evidência de que Israel
seja um símbolo para a igreja, a Palestina para a nova Jerusalém,
e outros. Se esse é o caso, então não vejo como os requisitos da
interpretação histórico-gramatical foram atendidos por aqueles
que mudariam ou reinterpretariam as predições do AT.53
Uma segunda forma de se opor à conclusão de que o referente
deve ser adequado ao sentido da predição do AT é afirmar que, a
menos que uma predição ou promessa seja repetida no NT, não se
deve mais esperar por seu cumprimento.54 Porque Israel, a terra e
a descendência não têm proeminência semelhante à do AT, nossa
expectativa deve ser ajustada à do NT. Tenho duas respostas para
esse ponto de vista. Embora Israel não tenha no NT a mesma p roe­
minência que tem no AT, há razões adequadas para pensar que
Deus não o abandonou (At 1; Rm 11). O motivo de Israel não ter
uma posição mais central se deve ao fato de a igreja se tornar
central na história da salvação. Mas, além disso, por que algo que é
claramente um assunto da revelação no AT, para continuar válido,
deve ser repetido no NT? O oposto não deveria ser exatamente o
caso? As promessas do AT não deveriam ser consideradas ainda
vigentes, a menos que o N T afirme o contrário? Penso que sim.
Não vejo nada no NT que indique a invalidade das promessas não
cumpridas ou que elas foram reinterpretadas.

146
H ermenêutica da descontinuidade

Um c a s o - teste

Embora seja impossível colocar os princípios que foram apre­


sentados em um teste exaustivo, pelo menos um único caso-teste
seria útil. Escolhi o uso que Pedro faz em Atos 2.16-21 de Joel 2.28-32,
por ser uma predição do AT encontrada no NT, e porque tem sido o
ponto da discórdia entre dispensacionalistas e teólogos da aliança
ao longo de sua disputa.

O SENTIDO DE JOEL 2.28-32

Embora o livro de Joel resulte de um contexto histórico parti­


cular, os estudiosos não conseguem estabelecer a data precisa dos
eventos que precipitaram a profecia. Por isso discordam da data
provável do livro, se foi escrito no século IX ou no VI a.C.De qualquer
modo, a mensagem do livro não é afetada por sua data. Judá sofre
um ataque devastador de gafanhotos e uma grave estiagem. Joel diz
que são julgamentos de Deus por causa do pecado, e prenunciado­
res do julgamento que virá no grande e terrível Dia do Senhor (2.31).
O profeta convoca a nação ao arrependimento (1.13, 14; 2.12-17).
Joel 2.18 é um versículo crucial, porque anuncia o arrependi­
mento da nação e a mudança de atitude de Deus para com o seu povo.
Deus tem piedade e ciúme dele. Os versículos 2.19-32 apresentam
as consequências dessas mudanças. Haverá imediatos benefícios
materiais para o povo (2.19-27), bem como bênçãos espirituais futuras
(2.28-32). O tempo da bênção material é fixado no versículo 23 pela
expressão como outrora. No hebraico é literalmente “ no com eço” ,pos­
sivelmente uma referência a um primeiro ato de bênção. No primeiro
ato de bênção de Deus haverá chuvas de outono e de primavera,
tornando a terra produtiva novamente. O segundo ato de bênção é
apresentado por “ depois” ou “ depois disto” , mostrando que é subse­
quente ao primeiro ato de bênção, sem, entretanto, especificar quanto
tempo depois. No entanto, está claro que esse segundo ato de bênção
está associado a tempos escatológicos. Duplas frases (2.29,31) do dia
do Senhor são encontradas, e a passagem está intimamente ligada
à 3.1-8, em que Judá é novamente trazido à terra e Deus julgará as
nações por espalharem seu povo e dividirem sua terra.55
A mensagem do livro é dirigida aos líderes de Judá (1.2), aos
sacerdotes da nação (1.13) e a todos que habitam na terra de Judá

147
C ontinuidade e descontinuidade

e Jerusalém (2.1). Ela fala não apenas do julgamento presente, mas


também da restauração escatológica, dos destinos do povo de Deus.
O trecho de 2.28-32 está dividido em três segmentos: os versícu­
los 28,29; 30,31 e 32. Cada seção começa com um verbo hebraico
num tempo chamado perfeito profético. A primeira e a última seções
empregam um artifício literário chamado inclusio, no qual o segmento
começa e termina com a mesma frase. A primeira seção começa e
termina com a frase: derramarei o meu Espírito, enquanto a terceira
começa e termina com a semelhante: todo aquele que invocar o nome
do Senhor e aqueles que o Senhor chamar. A primeira seção promete um
extraordinário derramamento do Espírito de Deus no fim dos tempos,
de forma que profetizar, ter sonhos e visões será comum entre todas
as pessoas, não simplesmente entre os profetas. A segunda seção
fala das maravilhas divinas que acompanharão o derramamento do
Espírito. A terra, o sol e a lua serão afetados. Finalmente, a terceira
seção fala da resposta à atividade de Deus. Haverá arrependimento e
livramento a todos que invocarem o nome do Senhor.S6

O USO DE JOEL 2.28-32 FEITO POR PEDRO


NO DIA DE PENTECOSTE

No sermão de Pedro no dia de Pentecoste ele cita Joel 2.28-32


para apoiar a atuação de Deus naquele dia. É interessante e instrutivo
observar o debate entre o dispensacionalismo clássico e a teologia
da aliança sobre a citação de Pedro desse texto. Os dispensacionalis-
tas geralmente tentam evitar o cumprimento de Joel em Atos 2.16-21,
muito provavelmente por verem a profecia do AT dirigida a Israel e
porque o cumprimento no NT para a igreja ameaça a distinção entre os
dois. Os métodos usados para evitar tal cumprimento variam ampla­
mente. Joel 2.28-32 é chamado de uma “ ilustração” de Pentecoste37ou
“ muito semelhante” a Pentecoste;58 outros pensam que Pedro o citou
por motivos homiléticos.39Alguns postularam até uma implícita nova
aliança com a igreja que é a base desse derramamento do Espírito.
Alguém poderia perguntar por que os dispensacionalistas não com­
preenderam isso apenas como um dos referentes da profecia; afinal,
eles estão dispostos a ver o retorno do cativeiro babilônico como
um dos referentes para profecias que falam de um retorno à terra.
Pode-se apenas supor que eles foram hesitantes em fazê-lo, porque a
profecia no AT foi dada a Israel, e o cumprimento no NT teria a igreja
como pelo menos uma parte de seu referente.

148
H ermenêutica da descontinuidade

Os teólogos clássicos da aliança assumiram uma abordagem


diferente. Eles aceitaram a citação de Pedro como prova de que Joel
2.28-32 foi cumprido. Além disso, com base nesse texto e outros,
concluíram que não haveria cumprimento para a nação de Israel
enquanto nação.60 É interessante observar os extremos. O dispen-
sacionalismo, para manter o que diz quanto ao sentido da predição
do AT, recusa-se a aceitar que a profecia seja cumprida no dia de
Pentecoste, enquanto a teologia da aliança, tendo concedido o cum­
primento de Joel em Atos, assume que as profecias do AT dadas a
Israel devem agora ser cumpridas na igreja.
Permita-me defender uma interpretação de Atos 2.16-21 que
tanto concorda quanto discorda do dispensacionalismo clássico e da
teologia da aliança.61 Primeiro, usando a terminologia estabelecida
previamente, Atos 2.16-21, como um cumprimento de Joel 2.28-32, é
um referente de Joel 2.28-32. Isso é apoiado pela fórmula é o que foi
(At 2.16). Segundo, Atos 2.16-21 não é o referente com pleto (cumpri­
mento) de Joel 2.28-32. Isso pode ser visto no sentido da predição do
AT e no fato de a segunda seção da profecia não ter sido cumprida
no dia de Pentecoste. Terceiro, a ampliação ou expansão da profecia
de Joel para incluir a igreja é justificada em termos do próprio texto
do AT e da teologia antecedente. Em outras palavras, a aplicação do
texto à igreja não é simplesmente uma decisão ad hoc (proposital)
da matéria. Há indicação no texto de Joel 2.28-32 de que a aplicação
da promessa é se estender além dos limites étnicos da nação. Joel
2.28 diz: derramarei o meu Espírito sobre toda a carne (itoa bs ba).
Há os que afirmam que essa expressão refere-se exclusivamente à
nação de Israel. Entretanto, penso que a melhor evidência apoia o
uso mais amplo do que o Israel étnico, -m bs ocorre 32 vezes fora de
Joel no AT. Em 23 dessas ocasiões a referência é somente aos gentios
(p. ex., Dt 5.26; Is 49.26; 66.16; Zc 2.13). Na maioria de seus usos
serve como referência a todos, independentemente de raça, sexo
ou idade. Esse derramamento, então, até mesmo em sua promessa,
deve ser sobre alguns que não são judeus.62
Além disso, a promessa do derramamento do Espírito em Joel é
uma ampliação da promessa dada a Abraão (Gn 12.1-3). A promessa
de Deus a Abraão incluiu promessas a Abraão pessoalmente, a
seus descendentes e a todos os povos da terra. Assim, quando uma
parte do referente (cumprimento) dessas promessas é a igreja, não
devemos nos surpreender. Além disso, Paulo diz que essas promessas
foram ditas a Abraão e sua descendência, a saber, Cristo. Ou seja,

149
C ontinuidade e descontinuidade

as promessas abraâmicas encontram seu completo cumprimento


em Cristo. Desde que a igreja está relacionada com Cristo, não há
surpresa no fato de Paulo chamar seus membros de filhos de Abraão
(G1 3.7) e descendentes de Abraão (G1 3.29) e os fazer herdeiros
segundo a promessa (G1 3.29). Tendo estabelecido o relacionamento
da igreja com as promessas abraâmicas, seria errado pensar que isso,
de alguma forma, invalidou o direito daqueles que são descendentes
físicos de Abraão a essas promessas, ou pensar que tanto Israel como
a igreja têm a mesma relação com as promessas. A igreja tem acesso
direto às promessas da bênção espiritual porque as bênçãos espiritu­
ais são universais em sua aplicação, enquanto seu acesso às bênçãos
nacionais prometidas a Israel é apenas indireto, através do relaciona­
mento da igreja com o Messias de Israel, nosso Senhor Jesus Cristo.

HERMENÊUTICA DA DESCONTINUIDADE

Embora eu não seja tolo a ponto de pensar que todos os que


veem maior descontinuidade entre os Testamentos concordem
comigo, acho, de fato, que o que afirmei reflete certas concepções
a respeito da hermenêutica e da interpretação literária que levam
a sistemas teológicos de descontinuidade. Permita-me concluir
afirmando algumas delas:
O sentido do texto no AT deve ser determinado dentro do seu
ambiente histórico e cultural, e esse sentido é determinante para
o cumprimento no NT. Isso significa que a economia (o modo do
governo e da atividade de Deus no mundo) do AT não deve ser
imposta ao NT. Deve haver concessão para um genuíno progresso
na revelação divina e na história da salvação. Por outro lado, é um
erro igualmente grave impor o NT ao AT, como se houvesse alguma
necessidade de “ cristianizá-lo” . Se for concedida integridade a
ambos os Testamentos, a mensagem deles se harmonizará, visto que
há uma única mente divina por trás de ambos.
Onde uma promessa ou predição é ampliada ou desenvolvida,
a ampliação não impossibilita o enfoque original como parte do
referente (cumprimento) dessa promessa. O desenvolvimento não
requer exclusão. A exclusão de qualquer promessa deve se basear
em alguma declaração explícita ou implícita de Escritura subse­
quente. Portanto, um interesse por aqueles a quem a predição foi
dada sempre será necessário.

150
H ermenêutica da descontinuidade

Onde uma promessa ou predição é ampliada ou desenvolvida,


a ampliação é justificada no próprio texto ou na teologia antece­
dente ou em ambos. Isso brota da crença de que Deus tem um plano
unificado e esse plano é conhecido por ele, mesmo que ele o revele
para suas criaturas progressivamente.
O sentido de qualquer texto é adequado por seus referen­
tes cumprimentos. Isto é, saber o sentido de uma promessa deve
colocar alguém numa posição para reconhecer um cumprimento. O
relacionamento entre predição e cumprimento não é arbitrário. Isso
está consolidado na crença de que Deus concebeu sua palavra como
uma revelação, algo que não poderia ser verdade se não houvesse
relacionamento linguístico entre promessa e cumprimento.
Permita-me concluir destacando que a unidade dos dois
Testamentos não requer a uniformidade deles. Unidade não exclui
diversidade. Os dois Testamentos podem estar unificados tanto pela
descontinuidade como pela continuidade. Tanto a continuidade
como a descontinuidade são parte da unidade da revelação bíblica.
Existe tanto continuidade quanto descontinuidade entre Israel e a
igreja; e, se compreendo a Escritura corretamente, haverá tanto con­
tinuidade como descontinuidade entre a igreja e Israel no futuro.

151
Paxte IV

A salvação e os Testamentos
6

O método bíblico de salvação:


um caso para continuidade

Fred H. Klooster

inha tarefa neste capítulo é representar a teologia da

M aliança e apresentar um caso para continuidade no método


bíblico de salvação. Breve comentário sobre os três termos
em itálico esclarecerá minha abordagem nesta tarefa.
Em prim eiro lugar, aceito alegrem ente o rótulo de teologia
da aliança e há muito tem po considero-m e um teólogo da aliança.
Hoje, no entanto, prefiro pensar na teologia reform ada como uma
“ teologia do reino” , pois o reino de Deus é a categoria bíblica
mais abrangente e inclusiva. Com o este capítulo vai indicar,
entendo as alianças de Deus e a igreja do NT com o instrumen­
tos ou agências do reino de Deus. Este capítulo tem o intuito de
mostrar que as maiores diferenças relacionadas ao m étodo de
salvação, entre a teologia reform ada e o dispensacionalismo,
aparecem nessa perspectiva do reino, aliança e igreja.
C ontinuidade e descontinuidade

Em segundo lugar, em vez de me referir ao método da salvação,


prefiro falar do caminho bíblico da salvação. Uma concordância
mostra que a Escritura frequentemente se refere ao “ caminho” .
Jesus se identificou como o caminho (Jo 14.6), e Paulo perseguiu os
antigos cristãos que eram do Caminho (At 9.2).1A obra da redenção
especial de Deus abre o caminho da salvação, e crentes devem andar
no caminho do Senhor, não no caminho dos pecadores. M étodo é um
termo muito rígido e abstrato; caminho é um termo mais palpável e
bíblico para descrever o único caminho da salvação. A referência ao
“ caminho da salvação” facilita o reconhecimento de que seu início
é como uma mera “ picada” se comparado à grande estrada do seu
apogeu. A o longo desse caminho também existem vários estágios
intermediários e algumas paradas de descanso.
Em terceiro lugar, os termos continuidade e descontinuidade
na verdade exageram um contraste. Os teólogos que enfatizam
a continuidade entre o AT e o NT e entre os períodos sucessivos
dentro de cada Testamento, como eu, também reconhecem elemen­
tos de descontinuidade. E teólogos dispensacionalistas que enfatizam
a descontinuidade entre as várias dispensações e especialmente
entre Israel e a igreja também reconhecem continuidades básicas.
Por isso, o propósito primário deste capítulo será apontar, o mais
claramente possível, a continuidade que perm eia a Escritura, como
também observar os aspectos de descontinuidade que marcam
contrastes importantes entre promessa e cumprimento.

Um c a m in h o de s a l v a ç ã o

Na literatura anterior a 1965 o dispencionalismo foi frequen­


temente visto ensinando múltiplos caminhos de salvação. Charles
Ryrie se queixa de que “ a acusação que o dispensacionalismo ensina
múltiplos caminhos de salvação é repetida com a regularidade de
uma torneira gotejando” .2 Ele ilustra essa queixa com declarações
de John W ick Bowman, Daniel P. Fuller e Clarence B. Bass. Escrevendo
em 1981 John S. Feinberg se refere à mesma acusação e cita Charles
Hodge e J. Barton Payne como evidência.3
Tanto Ryrie como Feinberg negam energicamente que o
dispensacionalismo envolve múltiplos caminhos de salvação. No
entanto, ambos admitem que declarações “ descuidadas” ou “ desa­
tentas” , feitas por alguns dispensacionalistas, fornecem alguma

156
0 MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃOUM CASO PARA CONTINUIDADE

base para essa acusação. Ryrie sugere que “ sem dúvida, a principal
razão para a persistência da acusação está na existência de declara­
ções descuidadas, feitas pelos dispensacionalistas, que, se tivessem
sido feitas à luz do debate de hoje, seriam verbalizadas de forma
mais cuidadosa” .4 Feinberg também admite que “ declarações
feitas por certos dispensacionalistas no passado pareceram ensinar
múltiplos caminhos de salvação” .5 Ele acrescenta, no entanto, que
“ tais declarações descuidadas não refletem o pensamento inteiro
dos teólogos” e lamenta que isso “ pareça ter escapado a muitas
críticos do dispensacionalismo” .6
Uma dessas declarações embaraçosas veio da própria Bíblia
de Referência Scofield em seu comentário sobre João 1.17:

C o m o u m a d is p e n s a ç ã o , a g r a ç a c o m e ç a c o m a m o rte e a r e s ­
s u r r e iç ã o d e C r is t o (R m 3 .24-26; 4.24, 2 5 ). O b e d e c e r à s le is
n ã o é m a is a c o n d iç ã o p a r a a s a lv a ç ã o , m a s s im a a c e it a ç ã o o u
a r e je iç ã o d e C risto , e a v is ã o d a s b o a s o b r a s c o m o u m fru to
d a s a lv a ç ã o .7

Refletindo sobre esse comentário de Scofield, Ryrie sugere


que “ o que ele escrevería hoje se estivesse vivo e respondendo
a Bass ou Fuller seria expressado diferentemente” .8 Para apoiar
seu ponto de vista de que até os mais velhos dispensacionalistas
afirmavam “ o método de salvação” , Ryrie cita algumas outras decla­
rações de Scofield e também de L. S. Chafer e W. L. Pettingill. Ryrie
também nota que os não dispensacionalistas “ não podem reconci­
liar tais declarações com a distinção dos dispensacionalistas entre
lei e graça” .9
Este não é o lugar para tentar resolver as questões históricas.
A crítica anterior do dispensacionalismo estava errada? Havia uma
“ velha” visão dispensacionalista dos múltiplos métodos de salvação
e uma “ nova” visão de um único caminho de salvação? Os argu­
mentos de Ryrie e Feinberg têm agora o apoio da Nova Bíblia de
Referência Scofield, de 1967; seu comentário sobre João 1.17 agora é
lido da seguinte maneira:

E m s u a p le n it u d e , a g r a ç a c o m e ç o u c o m o m in is té rio d e C r is t o
e n v o lv e n d o s u a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o , p o r q u e e l e v e io m o r r e r
p e lo s p e c a d o r e s . S o b a a n tig a d is p e n s a ç ã o , a le i d e m o n s tro u
s e r im p o te n te p a r a a s s e g u r a r ju s tific a ç ã o e v i d a p a r a u m a

157
C ontinuidade e descontinuidade

r a ç a p e c a d o r a . A n t e s d a cru z, a s a lv a ç ã o d o h o m e m e r a p e l a
fé, s e n d o fu n d a m e n t a d a n a e x p ia ç ã o d o s a c rifíc io d e C ris to
visto a n t e c ip a d a m e n t e por D eus; ago ra e stá c la ra m e n te
r e v e la d o q u e a s a lv a ç ã o e a ju s tific a ç ã o s ã o r e c e b i d a s p e l a fé
n o S a lv a d o r c r u c ific a d o e re s s u rre to , c o m s a n t id a d e d e v i d a e
b o a s o b r a s c o m o fruto d a s a lv a ç ã o .10

À luz dessa importante revisão da Nova Bíblia de Referência


Scofield e dos argumentos de dispensacionalistas como Ryrie e
Feinberg, a velha acusação deve cair. Deve-se prosseguir do reco­
nhecimento que o dispensacionalismo fez por meio da Escritura,
ou seja, que há um único caminho de salvação. Salvação é agora e
sempre será somente pela graça - sola gratial Esse entendimento é
motivo de alegria; seu reconhecimento não deve ser feito com res­
sentimento. Como escreveu A. Hoekema em 1979: “ Reconhecemos
com gratidão a insistência deles [dos dispensacionalistas] que em
todas as épocas a salvação vem apenas pela graça, com base nos
méritos de Cristo” .11
Com base nisso o indivíduo é forçado a perguntar se o assunto
designado para este capítulo se evaporou. Não evaporou, mas um
foco diferente foi exigido. Apesar desse significativo acordo evan­
gélico entre dispensacionalistas e teólogos reformados de que há
apenas um caminho de salvação, as diferenças continuam em visões
divergentes da história da salvação. Os dispensacionalistas veem
essa história como uma série de sete dispensações, cada uma com
um teste específico que falhou. Um contraste radical é feito entre as
dispensações da lei e da graça, Israel e a igreja. A natureza e signi-
ficância das alianças são vistas diferentemente. E tudo isso produz
importantes diferenças na escatologia. Por isso minha atribuição
me com pele a apresentar uma visão abrangente de uma teologia
reformada reino-aliança, na medida em que se relaciona com o
caminho da salvação.

H is t ó r ia d a s a lv a ç ã o

Tanto nas antigas quanto nas novas edições, a Bíblia de Referên­


cia Scofield define “ dispensação” como “ um período de tempo
durante o qual o homem é testado com respeito a alguma revelação
específica da vontade de Deus” .12 A Bíblia Scofield distingue sete
dispensações na Escritura, mas nem todos os dispensacionalistas

158
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA CONTINUIDADE

concordam com esse número, nem com a definição de dispensação.


Observando que “ a definição de Scofield não distingue dispensação
por época” , Ryrie considera a crítica sobre esse ponto justificada,
desde que a convenção escriturística indique que “ uma dispensação
é primeiramente um arranjo de gerenciamento, não um período de
tempo (embora, obviamente, o arranjo existirá durante um período
de tem po)” .13 Consequentemente, Ryrie define uma dispensação
como “ uma economia distinguível na consumação do propósito de
Deus” .14 No “ mundo, como um arranjo doméstico controlado por
Deus,” há “ vários estágios” que “ marcam a capacidade de distinguir
economias diferentes na consumação do seu propósito total, e essas
economias são dispensações” .15 Ryrie argumenta que o teste em
cada dispensação é parte da descrição em vez da definição de
uma dispensação.16 Se for incluído o teste na definição de alguém
ou como explicação de uma dispensação, parece que a variedade
dos testes resultante da “ mudança no relacionamento de governo
de Deus com o homem” 17contribui significativamente para a ênfase
dispensacionalista sobre a descontinuidade na forma bíblica de
salvação. Algumas dessas diferenças aparecerão em minha pesquisa
dos principais períodos da história da salvação.
Após rever várias definições feitas por escritores dispensa-
cionalistas, Ryrie conclui que a dispensação tem três características
importantes: uma economia de governo divino, um tipo distinto de
responsabilidade humana e um estágio distinto de revelação pro­
gressiva. Então ele conclui:

A s c a ra c te rís tic a s q u e d is t in g u e m u m a d is p e n s a ç ã o d ife re n te


s ã o (1 ) u m a m u d a n ç a n o r e la c io n a m e n t o d o g o v e r n o d e D e u s
c o m o h o m e m (e m b o r a u m a d is p e n s a ç ã o n ã o te n h a d e s e r
co m p o sta in te ira m e n te por c a ra c te rís tic a s c o m p le t a m e n t e
n o v a s ), (2 ) u m a m u d a n ç a re su lta n te n a r e s p o n s a b i li d a d e d o
hom em e (3 ) a c o r r e s p o n d e n t e r e v e la ç ã o n e c e s s á r ia p a r a
e fe tu a r a m u d a n ç a (q u e a n o v a r e v e la ç ã o é u m e s t á g io n o
p r o g r e s s o d e r e v e la ç ã o a tra v é s d a B í b l i a ).18

Devido a essas três características, argumenta Ryrie, o dis-


pensacionalismo “ reconhece tanto a unidade do propósito de Deus
como a diversidade em sua revelação” .19 Portanto, ele debate,
“ somente o dispensacionalismo pode manter a unidade e a diver­
sidade ao mesmo tempo e oferecer um sistema consistente, coeso

159
C ontinuidade e descontinuidade

e complementar de interpretação” .20 Em contrapartida, de acordo


com Ryrie, a teologia da aliança “ enfatiza a unidade e com isso
força a interpretação injustificável, inconsistente e contraditória da
Escritura” .21
As diferenças são bem mais complexas e teológicas do que é
sugerido por Ryrie. Os teólogos da aliança reconhecem progresso
na história da salvação, mas diferem dos dispensacionalistas em
com preender esse progresso. Ao comentar João 1.17 Ryrie afirma
que “ os vários estágios de revelação mostram que Deus trabalhou
de diferentes maneiras em tempos diferentes” .22 Ele insiste que o
“ dispensacionalismo ajuda a promover a exatidão” em observar cui­
dadosamente “ essa progressividade da revelação” .23 Mas os “ intér­
pretes não dispensacionalistas [da escola da teologia da aliança]” ,
Ryrie continua, “ têm sido culpados de retroagir o estudo [e às vezes
forçar] o ensino do Novo Testamento dentro do Antigo, especial­
mente para tentar confirmar sua doutrina da salvação no Antigo
Testamento” .24 Devo admitir que alguns teólogos da aliança têm às
vezes interpretado textos do AT com dados demasiados do NT, mas
estou perplexo com as últimas palavras da declaração de Ryrie em
vista do seu declarado acordo sobre um caminho de salvação em
ambos os Testamentos.
Por outro lado, Ryrie de fato admite que os dispensacionalistas
“ têm sido culpados de fazer distinções difíceis e apressadas entre as
épocas envolvidas nas várias dispensações, que eles, por exemplo,
disseram muito pouco a respeito da graça no Antigo Testamento” .25
Declarando ambos os grupos “ censuráveis” , ele alega que “ a d efei­
tuosa interpretação dos teólogos da aliança é um resultado de uma
falha basicamente inerente ao seu sistema, enquanto a falta dos
dispensacionalistas não esteja no sistema, mas em expô-lo” .26 “A
teologia da aliança” , continua Ryrie, “ leva em conta e até mesmo
exige essa retroação do estudo do Novo Testamento no Antigo” , mas
“ a teologia dispensacionalista, embora reconhecendo distinções
claras e perceptíveis, reafirma a unidade básica da revelação do
plano de Deus nas Escrituras” .27 É preciso indagar se os represen­
tantes da continuidade e da descontinuidade inverteram os papéis.
Eu confio que as páginas seguintes demonstrarão a indefensabili-
dade das alegações de Ryrie.
Em contraste com as exageradas alegações de Ryrie,
o mais recente artigo de John Feinberg sobre “ a salvação no
Antigo Testamento” ajuda a avivar as questões em debate entre o

160
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO I UM CASO PARA CONTINUIDADE

dispensacionalismo e a teologia do reino-aliança. Após concluir


que “ um dispensacionalista, para ser coerente com seu princípio
fundamental, deveria afirmar que apenas um método de salvação
é ensinado na Escritura” , Feinberg indaga: “ Mas qual é esse único
método de salvação?” 28 Recorrendo especialmente a Hebreus 11,
ele responde: “ A fé, então, é reconhecida por todos como requisito
para salvação.” 29Isso leva a outra pergunta: “ Mas fé em que ou em
quem?” 30 Então o assunto vira “ o revelado conteúdo da fé ” .31 Nesse
ponto Feinberg discorda de Charles Hodge sobre quem ele entende
dizer que “ em todas as dispensações, Jesus Cristo é o redentor” .32
Se Hodge estava se referindo à obra de Cristo como “ a base da
redenção para todas as épocas” , Feinberg poderia concordar,
desde que “ Cristo é o redentor em todas as épocas” .33 Mas ele
“ tem problemas enormes” se Hodge quer dizer “ que Jesus foi lite­
ralmente o conteúdo revelado apresentado aos homens desde
o princípio” .34 Assim, Feinberg se concentra em dois assuntos: “ o
conteúdo revelado apresentado” e “ o quanto de compreensão” as
pessoas de dada dispensação tiveram.35
Feinberg pensa que Hodge vai longe demais ao se referir
ao conteúdo da fé. Ele não vê evidências para afirmar “ que os
homens acreditavam conscientemente em Jesus Cristo, porque não
encontramos, até o Novo Testamento, a revelação explicitamente
declarada que Jesus de Nazaré é o tão aguardado Cristo” .36 “ Dizer
que o conhecimento de Jesus foi universal ou até mesmo ampla­
mente conhecido nos tempos do Antigo Testamento” parece n egli­
genciar “ o progresso da revelação” .37 Embora exista um método de
salvação, há diferenças em sua implementação.

No p r in c íp io , p a r e c e r ia c ru c ia lm e n te im p o rta n te en ten d er
q u e e m b o r a D e u s s e m p r e u s e o m e s m o m é t o d o d e s a lv a ç ã o
d o s h o m e n s (o p o n to q u e p r e s e r v a a u n id a d e d a r e d e n ç ã o e
d o r e d im id o ), o q u e e l e r e v e la s o b r e o m é t o d o é p r o g r e s s i ­
v a m e n t e a m p lia d o e n e c e s s it a d e m u d a n ç a s n a fo r m a d e o
c re n te e x p r e s s a r o fato d e q u e e le s e a p r o p r io u d o m é t o d o d e
D e u s d e s a lv a ç ã o (o p o n t o q u e p e r m it e a d iv e r s id a d e e x i g i d a
p e l a r e v e la ç ã o p r o g r e s s i v a ).38

Isso leva Feinberg a perguntar: “ Como Deus expressa a


graça?” ou, “ em outras palavras, quais atos graciosos específicos
Deus fez para salvar os homens?” 39 À luz disso, Feinberg, muito

161
C ontinuidade e descontinuidade

oportunamente, distingue esses cinco fatores: (1) “ a base ou funda­


mento da salvação” , (2) “ o requisito para a salvação” , (3) “ o conteúdo
fundamental da salvação” , (4) “ o conteúdo específico revelado a
ser aceito” , e (5) “ a expressão do crente de sua salvação” .40 Os três
primeiros fatores são constantes em todas as sete dispensações,
mas os dois últimos mudam.
Os três fatores constantes me fornecem pouca ou nenhuma difi­
culdade como teólogo do reino-aliança. Nas palavras de Feinberg,
(1) “ a base da salvação não é nada mais que a provisão graciosa de
Deus na morte de Cristo” .41 (2) “ De acordo com a Escritura, o único
requisito para a salvação é que o homem exerça a fé na provisão que
Deus revelou” .42 (3) O próprio Deus é “ o objetivo último da fé ” , de
forma que a questão é “ se o homem irá aceitar Deus em sua palavra
e exercerá fé na provisão para salvação que ele revela” .43 Embora
eu expresse esses três fatores constantes de uma forma um tanto
diferente, posso aceitá-los como tais. Surgem algumas diferenças,
claro, à medida que a posição dispensacionalista é ampliada e quando
eu expuser minha própria compreensão nas páginas seguintes.
De acordo com Feinberg, os dois últimos fatores são as princi­
pais áreas de mudança, e é aqui que aparecem importantes diferen­
ças entre os teólogos dispensacionalistas e os da aliança.Novamente,
segundo Feinberg, (4) “ o conteúdo específico revelado a ser crido
muda em vários momentos na história” visto que “ em vários
momentos Deus deu mais informação do que previamente especi­
ficou a respeito do Cristo” .44 Aqui Feinberg cria dois subtextos: (a)
“ Desde que em cada economia o conteúdo é o que Deus revelou,
crer no conteúdo para aquela época é crer no definitivo objeto da fé,
Deus” , e (b) “ no conteúdo da fé cumulativo ao longo da Escritura” ,45
um conteúdo que está centrado no “ sacrifício e promessa” .46
Finalmente, (5) existem as características mutantes da expressão
da salvação de um crente. Feinberg distingue três: características
constantes como a lei moral, elementos que terminam com determi­
nada época, como sacrifícios de animais, e itens que começam em
determinada época, como o batismo e a ceia do Senhor.47 Todavia,
nenhuma dessas mudanças “ acarreta mudança no único método de
Deus para salvar os homens” .48
Creio que os cinco fatores delineados por Feinberg ajudam a
distinguir algumas das importantes diferenças existentes entre os
dispensacionalistas e os teólogos reformados da aliança. Embora
cada grupo possa expressar seu entendimento de forma um tanto

162
O MÉTODO BÍBLiCO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

diferente, ambos concordam basicamente em três fatores constan­


tes: (1) a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo é a única base ou
fundamento da salvação; (2) a fé no Deus vivo, como ele se revelou,
é o único requisito para a salvação em cada período da história
bíblica; e (3) o próprio Deus vivo é a finalidade última da fé. Surgem
diferenças importantes; entretanto, considerando-se os dois fatores
variáveis - a saber, (4) como entender o que é especificamente
revelado por Deus em cada período da história bíblica e (5) como o
crente deve expressar sua salvação naquele período em particular
da história da salvação.
Por achar difícil isolar as áreas de diferença entre os teólogos
dispensacionalistas e os da aliança sobre o único caminho da
salvação, especialmente quanto às diferenças relacionadas aos itens
4 e 5 acima enumerados, sou forçado a apresentar uma pesquisa
bíblico-teológica do único caminho da salvação, através de cada um
dos importantes períodos da história da salvação. É preciso extrema
concisão para tratar de um assunto tão vasto. Embora não seja
possível remeter especificamente a cada um dos cinco fatores em
conexão com cada período, as implicações seriam óbvias ao leitor
atento. Por outro lado, nem tudo mencionado nas páginas seguintes
tem relação direta com o único caminho da salvação; mas esses
detalhes são necessários para descrever cada período da perspec­
tiva da teologia reino-aliança.

U ma p e s q u is a b íb l ic o - t e o l ó g ic a s o b r e o ú n ic o c a m in h o

O único meio gracioso de salvação é revelado nos sucessi­


vos estágios da história da redenção. Os onze primeiros capítulos
de Gênesis descrevem a tratativa de Deus com toda a raça humana
desde a criação e a queda até o dilúvio e Babel. Desde que a obra
reveladora e redentora de Deus envolveu toda a raça humana, esse
foi um período de universalismo étnico.49Contra esse trágico cenário
de apostasia, no capítulo 12 de Gênesis começa o período de par-
ticularismo étnico, quando Deus operou seu programa de redenção
por meio de Abraão e da nação de Israel, dele descendente. Esse
período traspassa todo o restante do AT e entra no NT, indo até o
definitivo sacrifício de Jesus Cristo feito na cruz do Calvário. Então, à
luz da ressurreição e da ascensão, no Pentecoste começa o período
em que a bênção abraâmica alcança o mundo todo e o evangelho
chama judeus e gentios ao arrependimento e à fé no único Salvador.

163
C ontinuidade e descontinuidade

Com eço delineando o método de salvação no período do


universalismo étnico, desde a criação até Babel. Será proveitoso ao
leitor ter em mente os três elementos de mudança enunciados por
Ryrie, bem como as três constantes e as duas variáveis explicita­
das por Fainberg.50Visto que o meu espaço designado exige grande
concisão na análise de um assunto tão vasto, não vou fazer referên­
cias específicas aos pontos de vista deles. Todavia, em vários pontos
estarei opondo implicitamente minha posição à deles.
O quadro a seguir mostra as diferenças entre a minha
abordagem dos vários estágios da revelação progressiva e as sete
dispensações e oito alianças do dispensacionalismo.

ESTÁGIOS DA REVELAÇÃO PROGRESSIVA DE ACORDO


COM A TEOLOGIA DA ALIANÇA E O DISPENSACIONALISMO

T E O L O G IA D A A L IA N Ç A D IS P E N S A C IO N A L IS M O

A . U n iv e r s a lis m o étn ic o

1 .0 re in o d e D e u s a n te s d a 1. In o c ê n c ia ( L i b e r d a d e )
queda G n 1 .2 8 -3 .6
G n 1 .1 -2 .2 5 A lia n ç a e d ê n ic a

2. A q u e d a e os d o is re in o s 2. C o n s c iê n c ia

G n 3 .1 -5 .3 2 (R e s p o n s a b i li d a d e m o r a l)

P r o m e s s a p r im o r d ia l G n 3.15 G n 3 .7 -8 .1 4

A lia n ç a a d â m ic a

3. O d ilú v io e B a b e l 3. G o v e r n o h u m a n o

G n 6 .1 -1 1 .3 2 G n 8 .1 5 -1 1 .3 2

A lia n ç a n o é tic a A lia n ç a n o é tic a

B. P a rtic u la ris m o é tn ic o

4. A b r a ã o e o s p a t r ia r c a s 4. P r o m e s s a (G o v e r n o

G n 1 2 .1 -5 0 .2 6 p a t r ia r c a l)

A lia n ç a a b r a â m ic a G n 1 2 -Ê x 18.27

A lia n ç a a b r a â m ic a

164
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃOUM CASO PARA CONTINUIDADE

5. R e in o te o c rá tic o d e Is r a e l 5. L e i

Ê x o d o até o fim d o A T Ê x 1 9 .1 -A t 1.26

a. L id e r a n ç a d e M o is é s
A

E x o d o -D e u t e r o n ô m io

A lia n ç a sin aítica A lia n ç a m o s a ic a

A lia n ç a c o m F in e ia s

b . L id e r a n ç a d e Josué A lia n ç a p a le s t in a

c. P e r ío d o d o s ju iz e s Dt 30.3

d . M o n a r q u ia u n id a

A lia n ç a d a v íd ic a A lia n ç a d a v íd ic a

e. R e in o d iv id id o

R e in o d o N o r t e até 722 a .C .

Judá até o e x ílio e o re to rn o

N o v a a lia n ç a p r o m e t id a , N o v a A lia n ç a

J erem ias 31

P e r í o d o in te r te s ta m e n tá r io

6. In íc io d o r e in o m e s s iâ n ic o

a. N a s c im e n t o d e Jesus até a
c r u c ific a ç ã o

b. R e s s u r r e iç ã o e a s c e n s ã o

C . M is s ã o m u n d ia l d o r e in o m e s s iâ n ic o

7. P e n te c o s te até o fim d o N T 6. A ig r e ja , g r a ç a

(P a r ê n t e s is d o m is té rio )

A t 2 . 1 - A p 19.20

(F im d o N T até a s e g u n d a
v in d a d e C r is t o - P r o g r a m a d o 7. O re in o (m ilê n io )
r e in o m ile n a r d e C r is t o )
A p 20.4

8. A s e g u n d a v in d a d e Jesus
C r is t o e a c o n s u m a ç ã o d o
r e in o

165
C ontinuidade e descontinuidade

O REINO DE DEUS ANTES DA QUEDA

A Escritura começa com Deus criando os céus e a terra. Toda


a criação, incluindo Adão e Eva, era perfeita e sem pecado. Tudo o
que foi feito, evidentemente, estava no nível de criação, e dependia
constantemente do Criador para viver e continuar existindo. Nesse
estado de perfeição criada, palavras como “ salvação” , “ graça” e
“ consolo” não tinham relevância.
Deus abençoou Adão e Eva e lhes disse que enchessem a
terra, subjugassem-na e a governassem. O soberano Criador d e le ­
gou-lhes autoridade para governar a criação. O jardim foi a resi­
dência real deles, e eles tinham de “ cuidar d ele e cultivá-lo” (Gn
2.15). A o dar nome aos animais, Adão exerceu seu governo como
regente de Deus (2.19). Apesar do grande contraste entre o Criador
e a criatura, Deus viveu em comunhão com nossos primeiros pais
no paraíso.
A inocência pode descrever a condição original de Adão e
Eva se isso significar “ isenção de culpa ou do pecado, por não estar
familiarizado com o mal” .51 Desde o momento de sua criação, entre­
tanto, eles foram moralmente responsáveis. A lei de Deus foi escrita
no coração deles, e esperava-se que eles o amassem sinceramente e
que demonstrassem esse amor na forma de obediência. No sucinto
resumo do Catecismo de Heidelberg, “ Deus criou o homem bom
e à sua própria imagem, isto é, em verdadeira justiça e santidade,
para que ele pudesse conhecer verdadeiramente Deus, seu criador,
amá-lo de todo o coração e viver com ele em eterna felicidade para
o seu louvor e glória” .52
A lei de Deus tornou-se explícita na ordem probatória de
Gênesis 2.16,17. A árvore da vida indicava a meta de confirmação
da vida - isto é, promoção à “ vida eterna” por meio da obediência,53
enquanto o ato de desobediência, pelo com er da árvore proibida,
trouxe a morte. Deus colocou perante Adão a escolha consciente da
obediência e da vida ou da desobediência e da morte. Deus queria
que ele mostrasse amor obediente, uma obediência amorosa. Houve
de fato um teste no paraíso no início da história humana.
Assim, as páginas iniciais da Escritura apresentam um vis­
lumbre do reino de Deus, o reino da criação. Deus, o Criador, é
rei: céus e terra são o domínio do reino; o jardim foi a residência
real de seus leais súditos, que deveriam governar a criação sob a

166
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

autoridade de Deus, em nome dele e para sua glória. Havia apenas


um reino, o reino de Deus, o Criador.
Em contraste com o dispensacionalismo, não me refiro a esse
período antes da queda da história como uma “ dispensação” . Ao
contrário de uma “ família” ou “ economia” , considero mais bíblico
referir-me a ele como um estágio pré-queda do reino de Deus. Por
motivos indicados a seguir, não posso falar de uma “ aliança edênica”
como fazem os dispensacionalistas, nem de uma “ aliança das obras”
como muitos teólogos da aliança têm feito. Além dessas e de algumas
outras diferenças, há significativo acordo entre dispensacionalistas e
outros evangélicos sobre a perfeição da criação original, um acordo
crucial para a compreensão do método bíblico de salvação.

A QUEDA E OS DOIS REINOS

Deus chamou Adão e Eva a uma deliberada obediência


amorosa por meio da ordem probatória. Mas a tragédia da história
humana começou com a queda deles. Tentados pelo Diabo, Adão
e Eva comeram da árvore proibida e caíram em pecado; escolhe­
ram a morte, não a vida. A relação entre eles mudou imediatamente
(3.7), e a comunhão com Deus mudou, levando-os a se esconder
dele (3.8). Deus os expulsou do jardim porque eles não tinham mais
direito à árvore da vida (3.22,23). O teste específico terminou em
desobediência humana, mas Deus nunca retirou o requisito do amor
obediente. Sua lei sempre permanece em vigor, requerendo amor
a Deus e ao próximo. O castigo de Adão pela transgressão da lei
continua em vigor no restante da história.
Antes de serem expulsos do jardim, Adão e Eva ouviram a
primeira declaração da graça. Apesar de culpados e sob a sentença
de morte, Deus revelou sua graça absoluta na promessa primordial
de Gênesis 3.15. Ao amaldiçoar a serpente, Deus acrescentou estas
generosas palavras: Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua des­
cendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o
calcanhar. Essa promessa incondicional é o fio escarlate entrelaçado
em todo o tecido da revelação bíblica. Deus se comprometeu incon­
dicionalmente em graça com a descendência da mulher, prometendo
livramento da escravidão do Diabo e redenção da maldição da morte.
Essa foi a revelação inicial de Deus do método de salvação.
Comparado com a clareza desse cumprimento da promessa em Jesus

167
C ontinuidade e descontinuidade

Cristo, essa primeira revelação do método pode ser comparada com


um caminho. Estou certo de que Adão e Eva não compreenderam com
a mesma clareza que nós à luz do NT. Mas Deus sabia o que estava
prometendo; repetidas vezes ele agiu para cumprir essa promessa,
até que finalmente o paraíso perdido seja recuperado e os crentes se
libertem para comer da árvore da vida (Ap 22.14). Nas palavras de
Paulo: Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus
é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 6.23).

O que eles puderam compreender?


Quanto Adão e Eva realmente compreenderam da graciosa
promessa de Deus em Gênesis 3.15? Isso parece uma versão
alterada das atuais conhecidas perguntas: “ O que ele sabia? E
quando ele soube?” Esta é uma pergunta difícil de responder. Ryrie
e Feinberg argumentam que os teólogos da aliança superestimam
a compreensão pessoal de Adão e Eva. Poderíam eles compreen­
der a promessa primordial como uma clara indicação a Jesus de
Nazaré? Claro que não, e eu duvido que qualquer teólogo da aliança
em algum momento quis dizer isso. A Escritura é indubitavelmente
uma seleção inspirada de uma revelação mais completa, mas o
nosso conhecimento dessa história primitiva está limitado ao que
a Escritura revela. Quando Deus vestiu nossos primeiros pais com
trajes de p ele (3.21), ele pode ter introduzido o sacrifício animal,
mas realmente não sabemos. Quando, no nascimento de Caim, Eva
ao d izer:... Adquiri um varão com o auxílio do Senhor (4.1), pode ter
tido em mente a graciosa promessa de Deus em Gênesis 3.15, mas
não podemos ter certeza. Os detalhes do seu conhecimento pessoal
não nos são revelados.
A menos que a Escritura forneça indicações específicas,
jamais poderemos saber que compreensão teve um crente em parti­
cular de qualquer período. Entretanto, talvez a nossa tendência seja
subestimar o que os crentes do AT compreenderam. Fico surpreso,
por exemplo, com a obediência de Abraão em sacrificar Isaque;
Hebreus 11.19 fornece uma pista do que ele estava pensando inti­
mamente. Como pai e avô, fico maravilhado com Jó, que oferecia
sacrifício em favor de cada um de seus dez filhos pelos pecados
que eles pudessem ter cometido “ em seu coração” (1.5). Por outro
lado, fico chocado como Pedro entendeu muito pouco da reveladora
confissão de Jesus como o Cristo (Mt 16.13-28).

168
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

Precisamos, na verdade, nos concentrar na intenção e no


conteúdo da revelação apresentada, e isso sem sermos capazes de
discernir a medida exata da compreensão que as pessoas tiveram
dessa mesma revelação na época em que foi dada. A cuidadosa
exegese requer atenção ao que o texto bíblico realmente diz e
significa em seu exato contexto histórico. A revelação de Deus está
sempre ligada e, portanto, limitada ao estágio particular de sua obra
histórico-redentora. Podemos compreender o significado de estágios
anteriores de revelação mais plena e ricamente à luz de estágios sub­
sequentes da obra redentora de Deus e a mais ampla revelação que
a acompanhou. Mas Adão não teve esse privilégio. Ele podia saber
apenas o que lhe foi especificamente revelado no seu tempo; todavia
não sabemos com exatidão o que ele de fato compreendeu pessoal­
mente. Mesmo hoje, a nossa compreensão da Escritura é geralmente
menor do que é realmente revelado. Este livro é a evidência desse
fato, pois existe uma diversidade de entendimento nos círculos
evangélicos a respeito de alguns assuntos muito sérios. A Escritura
mostra claramente que a promessa primordial foi cumprida final­
mente em Jesus de Nazaré, o Cristo, mas isso ainda não estava
revelado no jardim do Eden. Adão e Eva não sabiam o nome de
Jesus Cristo, mas nós o sabemos à luz do cumprimento da promessa
inicial de Deus.
Vou examinar aqui, de forma mais completa, a questão da com­
preensão de Adão e Eva sobre o que Deus lhes revelou, para ganhar
tempo, se possível, com tais questões nos períodos seguintes da
história. Como observado acima, John Feinberg tem alguma dificul­
dade com a seguinte declaração de Charles Hodge:

O c e r to é q u e o R e d e n t o r é o m e s m o e m t o d a s a s d is p e n s a ç õ e s .
A q u e l e d e q u e m s e p r o fe t iz o u s e r o d e s c e n d e n t e d a m u lh e r,
a d e s c e n d ê n c i a d e A b r a ã o , o F ilh o d e D a v i, o R en o v o , o S e r v o
d o S e n h o r, o P r ín c ip e d a P az, é o n o s s o S e n h o r, Jesus C risto , o
F ilh o d e D e u s , D e u s m a n ife s t a d o e m c a r n e . E le , en tão , d e s d e
o p r in c íp io te m s id o m o s tra d o c o m o a e s p e r a n ç a d o m u n d o , o
S A L V A T O R H O M I N U M .54

Os problemas de Feinberg com essa declaração de Hodge


dizem respeito a dois pontos: o que foi revelado e o que poderia
ser conhecido nos vários períodos. Ele afirma: “ posso concordar em
parte com isso porque, em certo sentido, diria e, de fato, afirmo que

169
C ontinuidade e descontinuidade

Cristo é o Redentor em todas as épocas” .“ Por outro lado” , Feinberg


acrescenta imediatamente, “ outra coisa é dizer que Jesus Cristo é
aquele que desde o princípio ‘tem sido mostrado como a esperança
do mundo’” . Ele continua:

S e H o d g e q u e r d iz e r n a d a m a is q u e a o b r a d e C ris to é a b a s e
d a r e d e n ç ã o p a r a t o d a s as é p o c a s , n ã o te n h o p r o b le m a s . Se,
p o r ou tro la d o , a d e c la r a ç ã o s ig n ific a q u e Jesus C ris to te m s id o
lite ra lm e n te o c o n t e ú d o r e v e la d o a p r e s e n t a d o a o s h o m e n s
d e s d e o p r in c íp io , ten h o e n o r m e s p r o b le m a s . N a a p r e s e n t a ç ã o
d o e v a n g e lh o n o A n t ig o T estam en to , é d e fin itiv a m e n te d is c u ­
tível q u a n to d e c o m p r e e n s ã o h o u v e d o p le n o s ig n ific a d o d a s
p r o fe c ia s a r e s p e it o d o M e s s ia s o u q u a n to d e e n te n d im e n to
e x istiu a c e r c a d a v e r d a d e s o b r e a v in d a e a o b r a r e d e n t o r a d e
C risto . O q u e n ã o p a r e c e s e r o c a s o é q u e o s h o m e n s c r e r a m
c o n s c ie n t e m e n t e e m J esu s C risto , p o r q u e n ã o e n c o n tra m o s ,
até o N o v o T e stam e n to , a r e v e la ç ã o e x p lic it a m e n t e d e c la r a d a
d e q u e Jesus d e N a z a r é é o C ris to lo n g a m e n t e e s p e r a d o . 55

Feinberg então conclui que, na declaração seguinte, Hodge


exagera quando especifica “ o conteúdo da fé ” :

Q u a n d o a m e s m a p r o m e s s a fo i fe ita a o s q u e v iv e r a m a n te s d o
a d v e n to q u e a g o r a n o s c h e g a a tra v é s d o e v a n g e lh o , q u a n d o
o m e s m o R e d e n t o r fo i-lh e s r e v e la d o , e q u e n o s é a p r e s e n ­
ta d o c o m o o o b je t o d a fé, n e c e s s a r ia m e n t e s e c o n c lu i q u e a
c o n d iç ã o , o u te rm o s d a s a lv a ç ã o , fo i a m e s m a q u e é a g o ra .
N ã o fo i a s im p le s fé o u c o n fia n ç a e m D e u s , o u s im p le s m e n t e
p i e d a d e , q u e s e r e q u e r e u , m a s fé n o R e d e n t o r p r o m e t id o , o u fé
n a p r o m e s s a d e r e d e n ç ã o p o r m e io d o M e s s ia s .56

Feinberg responde:

E m b o ra eu não q u e ir a n e g a r que D e u s r e v e lo u l o g o em
G ê n e s is 3.15 q u e v ir ia a q u e le q u e c u id a r ia d o p r o b l e m a d o
p e c a d o , a c h o d ifíc il a c e ita r a i d e i a d e q u e a p r o m e s s a d e
r e d e n ç ã o p o r m e io d e Jesus C ris to fo i tão c la r a m e n t e c o m ­
p r e e n d i d a o u m a n tid a d e fo r m a tão e x c lu s iv a p a r a s e r o ú n ic o
c o n te ú d o r e v e la d o d o m é t o d o d e D e u s tratar o p e c a d o , c o m o
H o d g e p a r e c e p e n s a r .57

170
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO I UM CASO PARA CONTINUIDADE

Feinberg acrescenta: “ parece que os que sustentam este ponto


de vista estão tão preocupados em defender a unidade do programa
redentor de Deus que não fazem justiça completa à verdade do
progresso da revelação” .s8
Quando leio as duas citações de H odge no contexto delas,
elas não me parecem tão ambíguas como aparentemente o são
para Feinberg. Em outras palavras, não creio que H odge estava se
referindo à revelação do nome do Redentor a Adão e Eva, ou ao
conhecimento deles sobre a identidade do Redentor. Ao contrário,
entendo que ele diz que o Redentor, que desde o princípio “ tem
sido mostrado como a esperança do mundo” , sabemos agora
ser Jesus de Nazaré, Jesus o Cristo. Mas mesmo que seja assim,
se H odge pensou que Adão e Eva puderam ou de fato souberam
que o prometido foi especificam ente Jesus de Nazaré, eu também
discordaria.
Entretanto, Feinberg deu uma valiosa contribuição à
discussão, ajudando a evitar mal-entendidos, ao distinguir clara­
mente o que foi revelado e o que poderia ser conhecido em cada
período específico da revelação redentora. No entanto, H odge está
obviamente certo em dizer que “ o Redentor é o mesmo em todas
as dispensações” , e Feinberg concorda com isso, afirmando que
“ a base da salvação não é nada mais que a provisão graciosa de
Deus na morte de Cristo” .S9 À luz do NT, entretanto, parece-nos
perm issível dizer que em Gênesis 3.15 Deus estava nos indicando
Jesus Cristo. Sabemos o nome que Adão não podia (ainda) saber.
Somente um excessivo literalismo im pediría uma declaração tão
sumária hoje.
A revelação progressiva é um fato, e os teólogos da aliança
a levam muito a sério. Não podem os impor a clareza e a plenitude
dos estágios posteriores da revelação aos estágios anteriores -
certamente não sobre o entendimento de crentes daquele estágio
anterior. O que sabemos do cumprimento ainda não estava
claro àqueles que ouviram somente a promessa (Hb 11.39,40). O
Catecismo de H eidelberg de 1563, um exem plo clássico da teologia
reformada, reconhece claramente os estágios progressivos da
revelação de Deus, o reconhecimento que Ryrie afirma é incom­
patível com tal teologia. Em resposta à questão como chegar ao
conhecimento do caminho da salvação, o m eio de livramento, o
catecismo responde:

171
C ontinuidade e descontinuidade

O san to e v a n g e lh o m e diz.

D e u s m e s m o c o m e ç o u a r e v e la r o e v a n g e lh o já n o P a ra ís o ;
d e p o is , e le o p r o c la m o u p e l o s sa n to s p a t r ia r c a s e p r o fe t a s , e o
c a r a c te r iz o u p e l o s s a c rifíc io s e o u tra s c e r im ô n ia s d a le i; fin a l­
m e n te , e le o c u m p r iu p o r m e io d o s e u p r ó p r i o a m a d o F ilh o .60

Gênesis 3.15 não identifica o Redentor pelo nome, mas nos


diz algo a respeito do modo de salvação e apresenta o evangelho
em resumo. Seu caráter gracioso sobressai; o próprio Deus promete
intervir decisivamente e quebrar a opressão de Satanás sobre Adão
e Eva. Deus estabelece a antítese pela graça; coloca inimizade entre
a serpente e a mulher, seu descendente e o descendente dela.
Sabemos agora que esse é Jesus Cristo! Somente o início do caminho
dessa revelação pôde ser conhecido de Adão e Eva, quando eles
saíram do jardim, mas aquela pequena trilha conduziu o tempo todo
até a vitória do Calvário sobre Satanás. Gênesis 3.15 foi o primeiro
anúncio do único caminho gracioso de salvação, o caminho que leva
a ele que é o caminho, e a verdade, e a vida (Jo 14.6).

OS DOIS DESCENDENTES

A história dos descendentes de Adão e Eva e a divergên­


cia dos dois descendentes é sucintamente relatada em Gênesis
4 e 5. Assassinato, um fratricídio, ocorreu na segunda geração da
raça humana, um assassinato no contexto da adoração. Caim e
A b el trouxeram sacrifícios. Onde eles aprenderam a fazer isso?
Componente tão estratégico da adoração no AT dificilmente
podería ter sido uma invenção humana. Caim trouxe do fruto da
terra uma oferta, enquanto A b el trouxe asprimícias do seu rebanho e
da gordura deste (4.3,4). Agradou-se o Senhor de A bel e de sua oferta,
mas de Caim e de sua oferta não se agradou (4.4,5). A diferença
estava no que eles ofereceram? Gênesis faz referência a um duplo
contraste: “A b el e sua oferta” e “ Caim e sua oferta” . Uma explicação
mais provável é que A b el ofereceu um sacrifício escolhido em fé,
com sinceridade, enquanto o de Caim foi um sacrifício formal, que
não fluiu de um coração crente.61Em Hebreus 11 A b el é listado como
o primeiro herói da fé e é elogiado como “ um homem justo” (11.4).
Após rejeitar a oferta de Caim, Deus disse que ele seria aceito se
fizesse o bem (4.7). Evidentemente Caim não foi um homem de fé;
ele não fez o que era certo.

172
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO.' UM CASO PARA CONTINUIDADE

O relato continua com a descrição do contraste entre as sete


gerações da descendência crente da mulher e da descendência
descrente da serpente. Abel, o primeiro mártir, foi substituído por
Sete, pai de Enos, em cujo tempo se começou a invocar o nome do
Senhor (4.26), evidentemente o início do culto público. Enoque
andou com Deus (5.22); em sua referência a ele, o livro de Hebreus
observa que sem fé é impossível agradar a Deus (11.5,6). E Lameque
prediz que seu filho N oé nos consolará dos nossos trabalhos e das
fadigas de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou (5.29).
A linha contrastante da descendência da serpente é também
traçada até a sétima geração de Adão para mostrar a apostasia pro­
gressiva. A linha de Caim atingiu sua profundidade em Lameque, o
polígamo, que orgulhosamente declarou sua independência de Deus
e se vangloriou de haver matado por vingança (4.23,24; cf. Mt 18.22).
Um solene refrão percorre esses capítulos - “ e morreu” ; Enoque foi a
única exceção porque Deus o tomou para si (5.24). De fato, o salário do
pecado é a morte, e a queda de Adão afeta a todos nós.
A batalha dos dois reinos começou depois da queda de Adão
e da revelação da graciosa promessa primordial. As duas descen­
dências são os respectivos cidadãos desses dois reinos, o reino da
luz e o reino das trevas (C l 1.12-14). A descendência da mulher é
libertada das garras de Satanás pela mão graciosa de Deus; eles
andam com Deus, sacrificam em fé e chamam seu nome.
Deve-se observar que minha descrição de Gênesis 3- 5 cobre
somente uma parte da segunda dispensação da Bíblia Scofield (3.7
-8.14) e envolve também importantes diferenças de interpretação.
Eu não falo de uma “ aliança adâmica” em Gênesis 3, nem, como
já indicado acima, de uma aliança das obras em Gênesis 2.16,17.
Requer-se uma concepção mais exata de aliança, como vou indicar
posteriorm ente.62 Sem referência específica, também toquei em
algumas das cinco características de continuidade/descontinui-
dade acima enumeradas.

O DILÚVIO E BABEL

O desenvolvimento do pecado atingiu profundidades trágicas


quando os filhos de Deus casaram-se com as filhas dos homens (6.1 -5),
evidentemente uma mistura da descendência da mulher (setitas)
com a descendência da serpente (cainitas). A depravação total da

173
C ontinuidade e descontinuidade

humanidade tornou-se absoluta, porque era continuamente mau


todo desígnio do seu coração (6.5). Essa apostasia radical ameaçou o
cumprimento da promessa incondicional feita em Gênesis 3.15, por
isso Deus interveio em julgamento. O dilúvio foi o primeiro grande
evento redentor depois da queda de Adão.
Houve apenas uma exceção a essa apostasia: Noé era homem
justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus
(6.9) e achava graça aos seus olhos. Ele foi o primeiro a ouvir Deus
falar de uma aliança (6.17,18). Noé construiu a arca, creu em Deus e
fez consoante a tudo o que Deus lhe ordenara (6.22). O livro de Hebreus
nos fala que pela fé, Noé ... condenou o mundo e se tornou herdeiro da
justiça que vem da fé (Hb 11.7).
Quando N oé saiu da arca, depois do dilúvio, ele adorou e
ofereceu holocaustos sobre o altar (8.20). Os sete animais puros
de cada espécie, que estavam na arca, foram a provisão de Deus
para o sacrifício oferecido por Noé, bem como a nova porção de
sua dieta (9.3). Deus ficou satisfeito com a oferta de N oé e fez
certas promessas em seu coração (8.21,22). Depois, de acordo
com Gênesis 9.8-11, aquelas promessas foram transformadas em
aliança: Eis que estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa
descendência, e com todos os seres viventes que estão convosco...
(9.9,10; cf. 8.21,22). O arco-íris é o sinal da minha aliança que faço
entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco,
para perpétuas gerações (9.12). O arco-íris lem bra o próprio Deus
de sua eterna aliança que ele fez com todo ser vivo de todas as
espécies sobre a terra (9.16,17).
Quando a família de Noé (toda a raça humana) fez um novo
com eço depois do dilúvio, Deus repetiu as bênçãos e promessas
feitas a Adão na criação; agora eles estavam ajustados às condições
de um mundo caído (9.1-7; cf. 1.28-30). Embora a dieta humana
pudesse agora incluir carne e vegetais, a carne não devia ser
comida com sua vida, isto é, com seu sangue (9.4). Além disso, Deus
proíbe qualquer ser humano de tirar a vida de outro. Para lidar com
o m odelo de vingança criado por Lameque (4.23,24), Deus introdu­
ziu a pena capital como parte do governo humano sobre a criação e
agora, pela primeira vez, de alguém sobre outra pessoa. O governo
humano não introduziu um teste dispensacionalista; ao contrário, foi
um aprimoramento da tarefa de governar confiada a Adão, agora
ajustada à situação caída depois do dilúvio. É um instrumento de

174
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

governo do reino de Deus num mundo caído para proteger a vida e


promover a justiça (v. Rm 13.1-7).
O Senhor p r e s id e aos dilúvios; c o m o rei, o Senhor presidirá para
s e m p re(SI 29.10). Portanto, a aliança noética deveria ser vista como
instrumento do reino de Deus. Uma terra estável, com regularidade
das estações, é necessária para que o reino de Deus progrida e
aumente num mundo ameaçado pelas forças caóticas do pecado.
Embora Deus continue a reinar sobre o mundo caído e apóstata, seu
reino precisa de uma área, na qual cidadãos leais obedeçam ao seu
rei. A aliança noética e a instituição de uma autoridade subordinada
que governe com a pena de morte promovem essas necessidades
do reino.
A tábua das nações é o registro das gerações dos filhos de
Noé, Sem, Cam e Jafé. Por meio deles, foram disseminadas as nações
na terra, depois do dilúvio (10.1,32). A rebelião de Babel foi uma
apostasia ainda maior do que a que ocasionou o dilúvio; foi universal
e organizada. A cidade com sua torre alcançando os céus foi uma
tentativa da descendência da serpente de destronar o Deus vivo. O
reino de Deus estava em p erigo de extinção, porque o povo é um,
e todos têm a mesma linguagem (11.6). A promessa incondicional
de Deus em Gênesis 3.15 precisava ser mantida; a aliança noética
exclui outro dilúvio. O julgamento de Deus, outro grande evento
redentor, se revelou através da confusão da língua deles, de forma
que sua unidade funcional foi quebrada. Não podendo mais com­
preender uns aos outros, o diabólico projeto foi abandonado e as
pessoas, espalhadas por toda a terra.
Embora o pecado humano continuasse, o julgamento singular
de Deus fez com que uma rebelião organizada, uma ameaça radical
ao seu reino, se tornasse para sempre impossível. O Pentecoste
é a contraparte redentora de Babel; lá, em cumprimento das
promessas da aliança dadas a Abraão, surge uma nova unidade,
por m eio do Espírito Santo e com base na obra cabal de Jesus
Cristo, entre crentes de todas as nações da terra. Mas aquelas
graciosas dimensões do julgamento de Babel ainda não estavam
reveladas a Abraão ou até mesmo aos que prim eiro receberam o
livro de Gênesis. O julgamento de Babel encerrou o longo período
de revelação do universalismo étnico; agora, a obra da revelação
redentora de Deus se move através de Abraão à nação de Israel,
quando Deus preparou o caminho para o Messias que esmagaria a
cabeça da serpente.

175
C ontinuidade e descontinuidade

O reino redentor desde a queda até Babel


Ao descrever o caminho da salvação durante esse período é
necessário falar de dois reinos. O reino do mundo teve seu miste­
rioso com eço na queda de Satanás e seus anjos, antes da queda de
Adão. Esse reino é rebelde, usurpador, que ocupa de forma ilegítima
o mundo do verdadeiro rei. A descendência da serpente designa as
pessoas desse reino. Em sua submissão a Satanás, eles lutam por
independência e se rebelam contra o rei Criador-Redentor.
O reino de Deus, agora um reino de criação-redenção, envolve
o seu governo contínuo sobre toda a criação, a qual, apesar da
invasão e da ocupação do inimigo, é o domínio do seu reino. Seu
contínuo domínio, também sobre o reino de Satanás, ficou evidente
na maldição, no dilúvio e na confusão das línguas. O domínio de
Deus ficou também evidente na aliança noética, que determina o
território no qual a esfera do reino redentor de Deus pode progres­
sivamente aparecer. A descendência da mulher, que existe pela
graça, são os cidadãos do reino de Deus; eles foram salvos na arca.
Em Babel o reino das trevas ameaçou ter vitória completa
sobre o reino de Deus. Toda a raça humana se aliou contra o reino
de Deus na rebelião de Babel. Mas Deus frustrou aquela rebelião e
tomou novas medidas para garantir o avanço do seu reino e o cum­
primento de suas promessas. Assim terminou o período do univer­
salismo étnico, e um novo período da história redentora começou
com Abraão e progrediu para a nação de Israel, d ele descendente.
Essas medidas foram escolhidas por Deus para garantir o avanço
do seu reino e o futuro nascimento do Rei-Redentor, nosso Senhor
Jesus Cristo, como agora sabemos, com base na revelação do NT.
A diversidade das ações de Deus prom ove a continuidade do
programa redentor.

ABRAAO E OS PATRIARCAS

Contra o pano de fundo da trágica história desde a queda


de Adão até a organizada rebelião em Babel, o período de parti-
cularismo étnico com eçou com a escolha feita por Deus de Abrão,
da linhagem de Sem. Ele chamou Abrão para que deixasse seu
país, seu povo e sua família e, incondicionalmente, prometeu-lhe
uma terra, um filho, por m eio de quem ele se tornaria uma grande
nação, e que ele seria uma bênção para todas as nações (Gn 12.1 -3).

176
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

Por m eio dessa tripla promessa Deus anunciou a Abrão o que e le


ia fazer; a promessa não foi ainda confirmada por juramento nem
chamada de aliança.
Quando Abrão alcançou a terra prometida, adorou a Deus
invocando seu nome e sacrificando (12.6,9; 13.4,18). Uma fome na
terra prometida forçou Abrão a ir para o Egito. A promessa de um
filho a Abrão e Sarai, que já estavam velhos, teve de esperar quase
vinte e cinco anos, até que Isaque nascesse. No contexto da incerteza
de Abrão, que questionava e precisava de apoio, Deus reafirmou
suas promessas com um juramento; somente então Deus estabele­
ceu sua aliança com Abrão.
Após vários anos e muitas dificuldades Abrão sugeriu que
Eliézer se tornasse seu herdeiro (15.2). Deus então reafirmou a
promessa de que Abrão e Sarai teriam seu próprio filho e inúmeros
descendentes por meio dele. Somos informados que Abrão creu no
Senhor , e isso lhe foi im putado para justiça (15.6). Assim ele se tornou
o pai de todos os crentes, aquele cuja justiça foi-lhe creditada pela
fé, não pelas obras (G1 3.6-9; Rm 4).
No contexto acima Deus também repetiu sua promessa da
terra, mas Abrão questionou como ele poderia saber que ganharia
a posse dela (15.7,8). Diante da incerteza de Abrão, Deus reafirmou-
lhe na dramática cena dos animais cortados ao meio com o próprio
Deus simbolicamente passando entre os pedaços dos animais
«

abatidos (15.9-17). Somos informados que Naquele mesmo dia, fez


o Senhor aliança com Abrão (15.18), assegurando que seus descen­
dentes receberiam esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio
Eufrates (15.18). O cumprimento inicial dessa promessa da aliança
aguardou o período de Josué (Js 1.2-9; 21.43).
Em Gênesis 16 a incerteza e a impaciência de Abrão com
relação ao filho prometido o levaram ao relacionamento com Hagar
e ao nascimento de Ismael. Mais de uma década depois, quando
Abrão estava com 99 anos, o Deus todo-poderoso ordenou-lhe: ...
anda na minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança entre mim
e ti e te multiplicarei extraordinariamente (17.1,2). Os nomes deles
foram mudados para Abraão e Sara para refletir a promessa de que
ele se tornaria o pai de muitas nações (17.3-6). Deus acrescentou:
Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no
decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e
da tua descendência. Dar-te-ei e à tua descendência a terra das tuas

177
C ontinuidade e descontinuidade

peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei


o seu Deus (Gn 17.7,8).
O núcleo da promessa da aliança abraâmica foi ser o teu
Deus e da tua descendência. Foi requerido de Abraão “ cum prir” a
aliança e circuncidar todo varão em sua grande família patriarcal
como sinal de aliança entre mim e vós (17.9-11). A circuncisão não
trouxe Abraão para a aliança; e le já estava nela e, portanto, deveria
ser circuncidado; e todos do sexo masculino de sua casa também
deveríam ser, pois ao incircunciso Deus diz: ... quebrou a minha
aliança (17.14). Abraão riu ante a id eia de Sara e e le terem um
filho sendo tão velhos e sugeriu que Ismael receb esse a bênção
(17.17,18). Deus respondeu: A minha aliança, porém , estabelecê-
-la -e i com Isaque, o qual Sara te dará a luz, neste mesmo tempo,
daqui a um ano (17.21). Exatamente no dia quando a promessa de
Deus foi confirmada p or juramento da aliança, Abraão e Ismael,
um com 99 anos e outro com 13, junto com todos os do sexo
masculino que se adequavam, foram circuncidados em sua casa
(17.23-27; cf. 14.14).

A aliança como promessa firmada por juramento


As referências anteriores, bem como as do relato de Noé,
indicam a maneira exata pela qual a Escritura se refere às alianças.
Promessas são feitas sem se tornar alianças. Algumas promessas
são subsequentemente confirmadas por um juramento e então são
chamadas de alianças. Portanto, uma aliança é basicamente uma
relação de compromisso obrigado por juramento. Esse costume
bíblico se compara ao padrão dos tratados do antigo Oriente
Próximo.63 A característica de fazer aliança mediante juramento
é enfatizada na impressionante explicação relativa a Abraão
em Hebreus 6.13-18. Como resultado da queda ao pecado, as
alianças bíblicas sempre pressupõem o questionamento humano,
a incerteza e a necessidade de reafirmação. Com Abraão, o pai dos
crentes, não foi diferente, ele também expressou incerteza. Deus
fez um juramento por si mesmo por querer mostrar mais firm e­
mente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito
(Hb 6.17). E ele fez isso para que, mediante duas coisas imutáveis,
nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós
que já correm os para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança
proposta (Hb 6.18).

178
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA CONTINUIDADE

Por essas razões não considero válido falar de uma aliança


da criação, aliança edênica, aliança adâmica, aliança das obras ou
de uma aliança da redenção como foi feito por muitos no passado.
Estabelecer aliança envolveu um arranjo singular de prestação de
juramento, e o termo não pode ser imposto onde a própria Escritura
não o faz nem fornece os elementos exatos para tal.
A aliança abraâmica, frequentemente chamada de aliança da
graça, é uma aliança eterna. Ela continua pelo resto da história, foi
adaptada à situação pós-sinaítica da nação teocrática e foi final­
mente cumprida no sangue de Cristo, a nova aliança predita em
Jeremias 31. Esta é a aliança da graça, na qual Deus adota crentes e
seus filhos, como veremos neste capítulo. Não foi a introdução de um
novo teste dispensacionalista.
A tríplice promessa feita a Abraão em Gênesis 12 e depois
confirmada por juramento nos capítulos 15 e 17 foi incondicional. Na
aliança, foi requerida fidelidade de Abraão e de seus descendentes.
A manutenção da parte de Deus das promessas da aliança feita com
Abraão não foi condicionada à manutenção dessa aliança. Entretanto,
repetidas vezes, ante a infidelidade pactuai do ser humano, Deus
iniciou nova ação para manter as promessas graciosamente feitas a
Abraão. Quando Deus renovou sua aliança com Isaque, Jacó e seus
descendentes posteriores, a condição de obediência foi crucial para
a herança deles das bênçãos de Abraão. Apesar de uma história de
infidelidade pactuai por parte dos descendentes de Abraão, Deus
manteve suas promessas incondicionais a Abraão, como indicam
os relatos bíblicos subsequentes. Descrença e infidelidade pactuai
levaram à exclusão dessas pessoas da bênção da aliança, mas a
aliança abraâmica continuou sempre mantida e cumprida fielmente
pelo próprio Deus que a estabeleceu.
Igualmente importante é o papel dessa e de outras alianças no
interesse mais amplo do reino de Deus. Como nos tratados paralelos
do antigo Oriente Próximo, as alianças bíblicas são instrumentos
da realeza. As alianças não são um fim em si, mas instrumentos da
atividade mais ampla do reino de Deus. Como a aliança noética
estava relacionada à esfera de domínio do reino, da mesma forma a
aliança abraâmica proporcionou a terra prometida como a esfera de
domínio para o povo teocrático de Deus e para seus descendentes
como cidadãos do reino. O próprio Deus foi seu Rei-Redentor.

179
C ontinuidade e descontinuidade

O REINO TEOCRÁTICO DE ISRAEL

O que Deus pactuou séculos antes com os patriarcas, ele


começou a cumprir quando os israelitas foram libertados da escra­
vidão egípcia, em sua longa jornada à terra da promessa. Os descen­
dentes de Abraão se multiplicaram no Egito, onde foram escravos
como Deus havia predito (Gn 15.13). Não há indicação de que
apelaram à aliança, mas ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-se da
sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó (Ex 2.24). Ele chamou
Moisés como seu servo especial para libertá-los. Para os patriar­
cas Deus era conhecido como “ Deus Todo-poderoso” (El Shaddai);
agora ele deu a si mesmo um novo nome, “ o S enhor” (Javé), para
enfatizar sua fidelidade na aliança. Novamente ele promete dar-lhes
a terra de Canaã, terra onde viveram como estrangeiros (6.2-5; cf.
3.11-15).
A Páscoa, o segundo sacramento da aliança abraâmica, foi
introduzida como o prelúdio ao êxodo de Israel do Egito. Sua celebra­
ção, com er o cordeiro pascal e a unção nas laterais e nas vigas supe­
riores das portas foi prescrita em detalhes (12.1-29). Deus explicou
a importância redentora do evento do êxodo: Eu sou o S enhor, e vos
tirarei de debaixo das cargas do Egito, e vos livrarei da sua escravidão,
e vos resgatarei com braço estendido e com grandes manifestações de
julgamento. Tomar-vos-ei p o r meu povo e serei vosso Deus; e sabereis
que eu sou o Senhor, vosso Deus... (Gn 6.6,7) Depois de quatrocentos
e trinta anos no Egito, Javé os estava levando à terra que, com braço
estendido, havia jurado que daria a Abraão, a Isaque e a Jacó (6.6-8;
12.40-42; cf. Gn 14.22).
Eles chegaram ao monte Sinai após uma jornada de três
meses cheia de milagres e sinais. No Sinai Deus disse a Israel: Agora,
pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha
aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os
povos;porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes
e nação santa (19.5,6). Quando o povo respondeu por intermédio de
Moisés: Tudo o que o Senhor falou faremos (19.8), a aliança sinaítica
foi ratificada.
Os Dez Mandamentos, aliança da lei de Deus, foi prefaciada
pela lembrança de sua graciosa libertação: Eu sou o Senhor, teu
Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão (20.2). Desde
o com eço seu resumo foi: Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo
o teu coração... (Dt 6.5), e amarás o teu próxim o com o a ti mesmo.

180
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA CONTINUIDADE

Eu sou o Senhor (L v 19.18; cf. Mc 12.30,31). A aliança sinaítica, inti­


mamente ligada à abraâmica, foi adaptada à nação teocrática de
Israel. Os requisitos legais se destacam porque a aliança sinaítica
foi um tipo de aliança condicional, do tipo suserano/vassalo. Se os
descendentes de Abraão quisessem compartilhar das bênçãos da
aliança incondicional de Deus com Abraão, eles precisavam de total
dedicação e consagração a Javé. A aliança sinaítica não foi uma
aliança da lei no sentido de introduzir um novo teste de obediência.
A graça marcou a iniciativa de Deus no êxodo do Egito, e a graça
caracterizou todo o seu relacionamento com Israel no método de
salvação. No centro dos requisitos sinaíticos estava a resposta de
amor obediente e obediência amorosa. Todas as normas sinaíticas
tiveram um objetivo: Santos sereis, porque eu, o Senhor, vo sso Deus,
sou santo (Lv 19.2). Os escravos recém-libertos deviam se tornar um
reino de sacerdotes e nação santa (Êx 19.6). As ordenanças do Livro
da Aliança (20.22-23.33) mostraram a Israel a aplicação prática dos
princípios embutidos nos Dez Mandamentos.
Apesar da promessa de Israel de “ fazer tudo o que o Senhor
disse” , o processo de transformá-los numa nação santa foi difícil.
Enquanto Moisés ainda estava no monte recebendo aquelas instru­
ções, Israel voltou-se para a adoração idólatra. Ante a ira do Deus da
aliança, Moisés tornou-se mediador de Israel implorando misericór­
dia com base nas promessas da aliança feita com Abraão (Êx 32.11-
14). Ao passar na frente de Moisés, Deus proclamou: Senhor, Senhor
Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e
fidelidade; que guarda a misericórdia em m il gerações, que perdoa a
iniquidade, a transgressão e o pecado... (Ex 34.6,7). Aquelas palavras
bondosas expressam o evangelho do AT - não uma exceção à lei,
entretanto, mas um impressionante resumo de todo o relaciona­
mento de Deus com seu povo. Certamente houve, também, a adver-
/\

tência de punição ao culpado até à terceira e quarta geração (Ex


34.7). Depois da insensata adoração ao bezerro de ouro por Israel
e o perdão de Javé, a aliança foi renovada no Sinai, e a lei de Deus
A

foi escrita pela segunda vez. O livro de Exodo termina com a cons­
trução do tabernáculo, onde Deus ficou com seu povo como havia
bondosamente prometido (Êx 29.43-45; 40.34-38).
O livro de Levítico explica como o Israel da aliança deveria
adorar a Deus. Deus prescreveu os sacrifícios, as responsabilidades
dos sacerdotes, as festas religiosas. Israel deveria ser uma nação
santa; toda a vida deveria transcorrer na presença do Deus santo, seu

181
C ontinuidade e descontinuidade

grande rei. Deus proveu diretrizes para uma vida pessoal e comuni­
tária, social, econômica, política. As leis civis, cerimoniais e morais64
regulavam todas as facetas da vida, chamando Israel à santidade, à
obediência da aliança ao serviço do grande rei.
O livro de Números relata as peregrinações de Israel no
deserto. Esse foi também um tempo de infidelidade pactuai de
Israel, de julgamento e perdão de Deus e de renovação da aliança.
No contexto da idolatria de Israel, quando eles foram seduzidos por
Moabe, Deus bondosamente recompensou o zelo de Fineias, neto
de Arão, com uma aliança especial. Deus disse: Eis que lhe dou a
minha aliança de paz. E ele e a sua descendência depois dele terão a
aliança do sacerdócio perpétuo; porquanto teve zelo p elo seu Deus e
fez expiação pelos filhos de Israel (Nm 25.12,13).6S
A aliança foi novamente renovada em Moabe, quando Israel
estava finalmente pronto para entrar na terra da promessa e Moisés
estava prestes a morrer. Então, Moisés, o grande profeta com quem
Deus falava face a face, aquele por intermédio de quem Deus deu
todas as leis a Israel, fez seu discurso de despedida. Nesse discurso
ele apresentou a compreensão adequada de toda a aliança sinaítica.
Ele realçou o contraste entre o caminho de “ vida e prosperidade” e o
caminho de “ morte e destruição” nestas palavras: Vê que proponho,
hoje, a vida e o bem, a m orte e o mal;se guardares o mandamento que
hoje te ordeno, que ames o Senhor, teu Deus, andes nos seus caminhos,
e guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos,
então, viverás e te multiplicarás, e o Senhor, teu Deus, te abençoará
na terra à qual passas a possuí-la. Porém, se o teu coração se desviar,
e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido, e te inclinares a outros
deuses, e os servires, então, [...] perecerás [...] escolhe, pois a vida,
para que vivas, tu e a tua descendência, amando o Senhor, teu Deus,
dando ouvidos à sua voz e apegando-te a ele, pois disto depende a
tua vida e a tua longevidade; para que habites na terra que o Senhor,
sob juramento, prometeu dar a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó (Dt
30.15-20).66
Essas palavras de Moisés vêm do capítulo no qual a Bíblia
Scofield faz referência à aliança palestina como uma nova aliança.
Entretanto, em seu contexto, essa não é uma nova aliança, e sim
uma renovação da sinaítica no momento de transição da liderança
de Moisés para Josué, perto da entrada na terra prometida. Moisés
certamente compreendeu os requisitos teocráticos da aliança de
Deus melhor do que qualquer um de seus contemporâneos; seus

182
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA CONTINUIDADE

comentários de despedida mostram que o período de sua liderança


não deveria ser designado como uma dispensação da lei. As palavras
amor, coração, obediente estão inter-relacionadas à bondosa lei de
Deus. As palavras de Moisés estão repetidas no NT: Porque este é
o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos... (ljo 5.3).
Deus inaugurou seu reino terreno com Israel no Sinai e firmou uma
especial aliança nacional com eles.

E s s e re la to d e r e s g a t e d a e s c r a v id ã o q u e le v a à c o n s a g r a ç ã o
n a a lia n ç a e a o e s t a b e le c im e n t o d a te n d a r e a l d e D e u s n a te rra
[o t a b e r n á c u l o ], tu d o a tra v é s d o m in is té rio d e u m m e d i a d o r
e s c o lh id o [ M o i s é s ] , r e v e la o p r o p ó s it o d e D e u s n a h is tó ria - o
p r o p ó s it o q u e e le c u m p r ir ia p o r m e io d e Is r a e l e fin a lm e n te
a tra v é s d e Jesus C risto , o s u p r e m o M e d i a d o r .67

Israel não compreendeu isso plenamente, nem soube o nome


de Jesus Cristo. Todavia, os israelitas estavam sendo guiados ao
longo do único e bondoso caminho da salvação, e Deus estava
revelando seu propósito redentor na história por meio deles.
A aliança sinaítica com suas ordenanças, cerimônias e regu­
lamentos continuou pelo restante do AT e no NT até a crucificação
de Jesus Cristo. Assim, minha análise restante pode ser resumida
à medida que cobre a história complexa durante o restante do AT.
Somente as características novas ou mudadas requerem atenção
específica.
Logo após a morte de Moisés, Josué preparou Israel para
atravessar o Jordão e entrar na terra prometida. O reino teocrá-
tico tinha Deus como seu rei, e Israel como seu cidadão; agora, o
reino estava prestes a receber sua própria área geográfica. Deus
encorajou Josué a ser forte, corajoso, obediente, e ordenou-lhe: Não
cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para
que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito
[...] porque o Senhor, teu Deus, é contigo p o r onde quer que andares
Qs 1.8,9). A travessia milagrosa do Jordão envolveu o mesmo
poder bondoso manifestado no êxodo do Egito. Todos os do sexo
masculino, nascidos durante a jornada no deserto, foram circun-
cidados em Gilgal, e a Páscoa foi celebrada pela segunda vez na
história (5.1-10). Exatamente naquele dia eles comeram do alimento
da terra prometida e a provisão do maná cessou (5.11,12). Jericó
foi destruída pela graça; a procissão foi liderada pelos sacerdotes e

183
C ontinuidade e descontinuidade

pela arca da aliança! A aliança foi então renovada no monte Gilgal


com o público lendo todo o “ Livro da Lei” (8.34,35).
Após muitas batalhas e impressionantes vitórias sob a
liderança de Josué, houve descanso da guerra, e a terra prometida
foi distribuída às várias tribos. Assim, resumindo: Desta maneira, deu
o Senhor a Israel toda a terra que jurara dar a seus pais; e a possuíram
e habitaram nela. O Senhor lhes deu repouso em redor; segundo tudo
quanto jurara a seus pais; nenhum de todos os seus inimigos resistiu
diante deles; a todos eles o Senhor lhes entregou nas mãos. Nenhuma
promessa falhou de todas as boas palavras que o Senhor falara à casa
de Israel; tudo se cumpriu (Js 21.43-45).
O reino teocrático tinha agora sua própria área territorial, uma
terra da qual manava leite e mel, reminiscência do paraíso original
e um antegozo da nova terra. Na despedida de Josué, na renovação
da aliança em Siquém, ele reviu a história da redenção de Israel
e os desafiou à fidelidade à aliança (Js 23-24; cf. At 7.45). Quando
morreu, Josué foi enterrado no limite da sua herança (Jz 2.9).
O livro de Juizes descreve a vida de Israel na terra prometida
desde a morte de Josué até o surgimento da monarquia. Após a
morte de Josué surgiu uma geração que não conhecia o Senhor, nem
tampouco as obras que fizera a Israel [...] Deixaram o Senhor, Deus de
seus pais, que os tirara da terra do Egito... (2.10-12). O repetido refrão
de Israel violando a aliança (2.20) se compara a Deus mantendo sua
aliança; repetidas vezes ele bondosamente levantou um juiz para
remover a opressão estrangeira e restaurar a paz. O livro termina
com estas solenes palavras: Naqueles dias, não havia rei em Israel;
cada um fazia o que achava mais reto (21.25).
Finalmente, o pecaminoso pedido de Israel por um rei -
eles estavam rejeitando Javé como rei teocrático (ISm 8.19) - foi
concedido e a monarquia, estabelecida. Samuel, o profeta, ungiu Saul
como primeiro rei (8.19-11.14). Quando Saul excedeu os limites de
sua função real e usurpou o ofício de sacerdote para sacrificar, Javé
o rejeitou como rei sobre Israel. Nesse contexto Samuel também
revelou o núcleo da aliança de Deus: Tem, porventura, o Senhor tanto
prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua
palavra? Eis que o obedecer é m elhor do que o sacrificar... (15.22).
Sob o governo de Davi como rei sobre Israel, todo o territó­
rio foi reconquistado e a arca da aliança levada para Jerusalém, a
residência real (2Sm 2-6). Davi morava em um “ palácio de cedro” e

184
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA CONTINUIDADE

considerava inadequado que a arca de Deus permanecesse “ numa


tenda” (7.1,2). Quando Davi propôs construir um templo para subs­
tituir o tabernáculo, Deus fez uma aliança especial com ele para
estabelecer o seu reino para sempre (7.8-16). A aliança davídica (cf.
23.5; SI 89.28,29; 132.11,12) garante um filho de Davi no trono para
sempre, uma promessa inicialmente cumprida em Salomão e, no
final, no reino eterno de Jesus Cristo. Durante o reinado de Salomão
foi realizado o sonho de Davi; o templo substituiu o tabernáculo como
centro para o culto de Israel na presença de Deus (lR s 6-9.9). Após
a dedicação do templo, Deus disse a Salomão: Se andares perante
mim com o andou Davi, teu pai, com integridade de coração e com sin­
ceridade, para fazeres segundo tudo o que te mandei e guardares os
meus estatutos e os meus juízos, então, confirmarei o trono de teu reino
sobre Israel para sempre, com o falei acerca de Davi, teu pai, dizendo:
Não te faltará sucessor sobre o trono de Israel (9.4,5). Deus especi­
ficou a condição que Salomão tinha de atender para participar da
aliança davídica. Salomão não atendeu àquela condição, mas Deus
manteve sua aliança incondicional com Davi.
Roboão sucedeu a Salomão como rei, mas Israel se rebelou
contra ele (12.16), e o reino teocrático foi dividido. O Reino do Norte
foi governado por seus reis até o cativeiro assírio em 722 a.C.; como
castigo pela quebra da aliança, as dez tribos nunca retornaram à
terra prometida. Todas as promessas da aliança de Deus continua­
ram sobre Judá, que mesmo assim foi infiel, tendo como punição
o cativeiro babilônico, que durou setenta anos. O profeta Jeremias
advertiu Judá do iminente juízo de Deus, mas revelou também que
a misericórdia de Deus e a fidelidade à aliança trariam restaura­
ção e renovação. Um “ Renovo de justiça” brotaria “ da linhagem de
Davi” ,e seriam cumpridas todas as alianças com Abraão, Israel,
os levitas e Davi (Jr 33.14-26). Além disso, Deus estabelecería uma
nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, diferente
da aliança sinaítica porquanto eles anularam a minha aliança, não
obstante eu os haver desposado. Na nova aliança Deus prometeu: Na
mente, lhes im prim irei as minhas leis, também no coração lhas inscre­
verei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo [...] Pois perdoarei
as suas iniquidades [...] e dos seus pecados jamais m e lembrarei (Jr
31.31-34).
Deus moveu Ciro a encorajar o retorno de Judá do cativeiro
babilônico. Sob Zorobabel, Esdras e Neemias, o templo e Jerusalém
foram reconstruídos em cumprimento das bondosas promessas de

185
C ontinuidade e descontinuidade

Deus. Como confessou Neemias, Javé é Deus grande e temível, que


guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam e
guardam os teus mandamentos (N e 1.5; cf. 9.32).
Durante os seis séculos, de Davi até o fim do período do AT,
Deus mandou muitos profetas para repreender seu povo por sua
infidelidade, convocando-o à fidelidade à aliança. Eles condena­
ram regularmente a idolatria e a imoralidade de Israel, seus sacri­
fícios e o legalismo formal, sua injustiça e profanações. Os profetas,
repetidas vezes, lembraram Israel de que a lei os convocava a andar
com Deus, tendo uma vida santa e expressando um amor sincero.
Uma mistura dessas exortações proféticas mostra de maneira con­
vincente que o caminho da salvação foi pela graça mediante a fé.68
Todos os profetas proclamaram a mensagem básica, desde
Samuel durante a monarquia unida, Amós e Oseias, no Reino do
Norte, até Joel, Miqueias, Isaías, Jeremias e Malaquias, em Judá.
Oseias, por exemplo, lembrou a Israel o que Deus falou: Pois mise­
ricórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais
do que holocaustos (6.6; cf. Mt 9.13; 12.17). A queixa de Javé era
que Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende (Is 1.3).
Todavia, ele prometeu perdão ao arrependido: ... ainda que os
vossos pecados sejam com o a escarlata, eles se tornarão brancos
com o a neve... (1.18; cf. 40.1-5). O Deus que cumpre a aliança
cuidou do seu rebanho como um pastor, porque ele foi o Santo de
Israel, o teu Salvador (43.3, 14; cf. 40.1-11). E o que o Senhor p ed e
de ti? — pergunta Miqueias. Que pratiques a justiça, e ames a mise­
ricórdia, e andes humildemente com o teu Deus (6.8). O rei Davi
com preendeu a mensagem de Samuel (SI 51.16,17), mas o povo
de Israel repetidas vezes voltou-se ao legalism o e à violação da
aliança; não ouviram aos profetas de Deus.

INAUGURAÇÃO DO REINO MESSIÂNICO

O AT é rico em promessas — não somente as conhecidas


predições do Messias prometido,69mas também todas as promessas
da aliança. E, como Paulo nos lembra, porque quantas são as
promessas de Deus, tantas têm nele o sim (2Co 1.20). Vindo, porém, a
plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido
sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que re ce ­
béssemos a adoção de filhos (G1 4.4,5). O fio escarlate, que começou

186
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO'. UM CASO PARA CONTINUIDADE

com a promessa primordial, foi tecido pelos sacramentos da cir­


cuncisão e da Páscoa, passou pelo sangue dos sacrifícios sinaíticos
e teve sua conclusão no sacrifício definitivo de Cristo na cruz do
Calvário. Agora, o batismo e a ceia do Senhor, como sacramentos da
nova aliança, recordam aquele sacrifício.
Na verdade, o AT não é uma série de dispensações ou econo­
mias com uma variedade de testes mostrando mudanças nos rela­
cionamentos ministeriais de Deus. A o contrário, a Escritura, através
de vários estágios de revelação progressiva, revela um programa
unificado, pelo qual Deus executou o único método de salvação por
causa da queda de Adão, da apostasia dos contemporâneos de Noé,
da rebelião universal organizada em Babel e da repetida infideli­
dade (falta de fé) da nação da aliança, Israel. Todo o programa com
suas promessas e alianças atingiu seu clímax decisivo na pessoa e
na obra do encarnado Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. O
NT revela o cumprimento de promessas do AT, mas o cumprimento
não pode ser corretamente entendido sem as promessas, nem as
promessas sem o cumprimento. Pois tudo quanto, outrora, foi escrito
para o nosso ensino foi escrito... (Rm 15.4).
A vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo propiciam o sólido
fundamento para o evangelho do NT, as boas-novas de salvação pela
fé somente, por meio da graça somente. Cristo é também o funda­
mento para o evangelho do AT. Desde a queda de Adão, a graça e
o perdão de Deus se basearam no Messias que estava por vir; mas
agora vemos com clareza o que eles viram obscuramente. É possível
ser breve nesse centro crucial por causa de um amplo consenso
evangélico.
A iniciativa de Deus levou à encarnação da segunda pessoa
da Trindade, nascido da virgem Maria por interferência do Espírito
Santo. Porque Jesus Cristo teve uma vida perfeitamente obediente
como nosso representante e cumpriu todos os requisitos da lei de
Deus, os que creem nele estão livres das exigências da lei como
condição para vida. Por causa da morte expiatória de Cristo no
lugar do culpado, os crentes estão livres da morte, bem como da
maldição da lei, e são herdeiros da vida eterna. E porque o caminho
da salvação pela graça está na vitória conquistada por Jesus Cristo,
que derramou o Espírito Santo no Pentecoste como seu agente eficaz,
os crentes desfrutam hoje da riqueza e da abundância da graça por
meio do Espírito Santo que neles habita. Rogo-vos,pois, irmãos,pelas
misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos p o r sacrifício

187
C ontinuidade e descontinuidade

vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (Rm 12.1).
A vida agradecida deve ser padronizada pela norma de gratidão,
os Dez Mandamentos em seu terceiro uso como interpretado por
Jesus no Sermão do Monte (Mt 5.17-48). Este breve, mas abrangente
resumo deve bastar aqui para que eu possa me concentrar nas inter-
relações entre aliança, igreja e o reino.
A vinda de Jesus foi claramente relacionada às alianças
davídica e abraâmica. O anjo anunciou que ...Deus, o Senhor, lhe
dará o trono de Davi, seu pai, ele reinará para sempre sobre a casa de
Jacó, e o seu reinado não terá fim (Lc 1.32,33). O pai de João Batista,
Zacarias, reconheceu que o Deus de Israel [...] nos suscitou plena e
poderosa salvação na casa de Davi, seu servo [...] para usar de mise­
ricórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua santa aliança e do
juramento que fez a Abraão o nosso pai (Lc 1.68-73).
As exigências da aliança sinaítica permaneceram em vigor
durante o tempo de vida de Jesus. Ele foi circuncidado ao oitavo dia,
e José e Maria fizeram tudo o que estava prescrito na lei do Senhor
(Lc 2.23). Em toda a sua vida Jesus cumpriu a lei, foi obediente a
seu Pai e cumpriu a Escritura. Na noite de sua traição ele celebrou
a última Páscoa com seus discípulos e introduziu a ceia do Senhor
como sacramento da nova aliança em seu sangue (Mt 26.26-29). Ele
foi crucificado e morreu; naquele momento o véu do santuário se
rasgou em duas partes de alto a baixo (Mt 27.51). A cortina separava o
Lugar Santo do Lugar Santíssimo; a cortina rasgada indicou que Cristo
abriu o caminho para que os crentes do NT pudessem ir diretamente
à presença de Deus (cf. Hb 9.1-14; 10.14-22). A importância de um
tabernáculo ou templo terreno terminou. A oferta definitiva do único
sacrifício feita pelo eterno sacerdote também cumpriu a aliança
levítica (Fineias) e tornou “ obsoleta” a aliança sinaítica (Hb 8.13).
Após a vitória de sua ressurreição, Jesus anunciou: Toda auto­
ridade me foi dada no céu e na terra (Mt 28.18). Ele comissionou
os apóstolos a discipular as nações e as batizar em nome do Deus
triúno (28.19,20). Os dois sacramentos da nova aliança recordam a
obra completa de Jesus Cristo, cumprindo assim as promessas do
AT. Assim como Deus prometeu a Abraão, sua aliança deveria ser
agora uma bênção a todas as nações.
A aliança que o NT chama de “ antiga” ou “ prim eira” e contrasta
com a “ nova” não é a abraâmica; a “ antiga” aliança que se tornou
“ obsoleta” foi a sinaítica (Hb 7-10). A “ nova” e “ melhor” aliança é a

188
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO’. UM CASO PARA CONTINUIDADE

aliança abraâmica, agora cumprida em Jesus Cristo. Ela continua a


funcionar como um instrumento estratégico do reino. Na nova aliança
Deus inclui os crentes e os seus filhos; os sacramentos do batismo e
da ceia do Senhor anunciam e selam a promessa da aliança: Eu sou
teu Deus e o Deus de teus filhos. A nova aliança funciona agora princi­
palmente como a creche do reino de Cristo, protegendo os cidadãos
do reino de todas as nações - judeus e gentios. Todos os crentes
são, portanto, “ filhos de Abraão” , justificados pela fé somente, assim
como ele foi (G1 3.6-9).
A ascensão de Cristo aos céus marcou o término do seu minis­
tério terreno. O tema principal de sua pregação foi o reino de Deus/
céu. Existem mais de cem referências ao reino nos Evangelhos
Sinóticos. De fato, Cristo disse: E necessário que eu anuncie o
evangelho do reino de Deus [...] pois para isso é que fui enviado
(Lc 4.43). Sua declaração Toda autoridade me foi dada no céu e na
terra, na qual se deve confiar, foi uma declaração real. Apocalipse
5 descreve sua coroação celestial como “ o Leão da tribo de Judá, a
Raiz de Davi” ; o cordeiro que “ triunfou” pegou o rolo para governar
sobre o resto da história. O “ novo cântico” cantado no céu celebra
a nova aliança e o estágio messiânico do reino de Deus desde a
ascensão até a segunda vinda. Com o teu sangue compraste para
Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o
nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra
____ X

(5.9,10). Daí a doxologia: Aquele que está assentado no trono e ao


Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos
dos séculos (5.13).
Durante seu ministério terreno, Jesus também prometeu
edificar sua igreja e dar-lhe as chaves do reino. Essa promessa
aguardou o cumprimento no Pentecoste e no pós Pentecoste. Ela nos
conduz ao estágio final da história bíblica.

DO PENTECOSTE ATÉ O FIM DO NT

No contexto da pregação do seu reino, Jesus prometeu edificar


sua igreja. Quando Pedro o confessou como o Cristo, Jesus disse:
sobre esta pedra edificarei a minha igreja (Mt 16.18). Sua promessa foi
no tempo futuro (do verbo). Os doze aumentaram para 120 crentes
(At 1.15) e cresceram para 3.000 no Pentecoste (2.41). Esses crentes
aceitaram a mensagem de Pedro, foram batizados e continuaram a

189
C ontinuidade e descontinuidade

se reunir diariamente “ no pátio do tem plo” durante o período de


transição (2.41-47). Como mostra o livro de Atos, a igreja de Cristo
(.minha igreja) veio a existir gradualmente. A “ igreja” é primeiro
mencionada no contexto do primeiro uso decisivo das chaves do
reino, ocorrido na disciplina de Ananias e Safira (5.11). Desde então,
designa o conjunto de crentes batizados, organizados por indicação
de presbíteros e diáconos.70
A igreja, com Cristo como sua cabeça e oficiais devidamente
nomeados representando-o, é a exclusiva instituição de Cristo no
NT relacionada tanto à aliança quanto ao reino. A igreja de Cristo
administra os sacramentos da aliança e usa as chaves do reino
por meio da pregação e da disciplina cristã visando o arrependi­
mento. Portanto, a igreja de Cristo não é um parêntese de mistério
que substituiu o reino. É o instrumento especial do reino de Cristo
ajustado à situação pós-Pentecoste. E será pregado este evangelho do
reino p o r todo o mundo, para testemunho de todas as nações. Então,
virá o fim (Mt 24.14). A igreja como corpo de Cristo é composta de
crentes judeus e gentios e é o novo Israel, raça eleita, sacerdócio
real, nação santa (lP e 2.9; cf. Ef 2.19,20). A igreja de Cristo é uma
criação especial para promover a missão mundial do seu reino;
ela é a agência para reunir e educar os membros da aliança como
cidadãos desse reino. Quando a igreja reúne seus membros para
adoração, educação, missão e vida no reino, mostra-se como a mani­
festação central (embora não exclusiva) do domínio do reino. Tanto
no AT como no NT houve um povo de Deus salvo pela graça; a orga­
nização dele como igreja é um fenômeno unicamente instituído no
NT, por Cristo, em lugar da organização do templo teocrático da
aliança sinaítica. É introduzido, então, para atender à nova situação
surgida do cumprimento da aliança abraâmica que traz as bênçãos
de Cristo a todas as nações.

A VOLTA DE CRISTO E A FINALIZAÇAO DO REINO

O “já ” do reino de Cristo aguarda o “ ainda não” . A vitória


decisiva foi ganha durante sua primeira vinda. Os crentes foram res­
gatados do im pério das trevas e [Deus] nos transportou para o reino
do Filho do seu amor (C l 1.13). A presença do reino é evidente na
nova aliança, na igreja de Jesus Cristo, e em toda manifestação de
vida do reino em nome do Pai. Todos os crentes são cidadãos desse
reino. O domínio do reino de Cristo está presente nas famílias cristãs,

190
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA CONTINUIDADE

nas escolas cristãs, na igreja e onde quer que a vida seja vivida em
obediência ao rei, onde quer que se busque primeiro o seu reino e a
sua justiça (Mt 6.33). A vida toda, a sociedade como um todo, social,
econômica e política, deve ser considerada e redimida em nome de
Cristo, o rei. Esta é a nossa responsabilidade cristã e real, quando
olhamos para a volta de Cristo, para aperfeiçoar e finalizar seu reino.
Embora a vitória decisiva tenha sido garantida, a plena mani­
festação aguarda a volta de Cristo em glória. Porque convém que ele
reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés (1 Co 15.25);
quando houver destruído todo principado, bem com o toda potestade
e pod er (15.24), virá o fim e Cristo entregará o reino a Deus, o Pai.
Então, o p róp rio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas
lhe sujeitou,para que Deus seja tudo em todos (15.28b).
Portanto, todas as promessas de Deus, desde a criação e da
queda em diante, serão completamente cumpridas. Haverá apenas
um reino, o reino de Deus, restaurado, consumado. Deus será seu rei
por meio da vitória do seu Filho. Um novo céu e uma nova terra será
seu domínio. E todos os redimidos pelo sangue de Cristo serão seus
cidadãos. Todos eles percorreram o caminho da salvação do paraíso
perdido ao paraíso recuperado e comerão da árvore da vida (Ap
22.14). A aliança e a igreja terão executado sua função instrumental
e terão atingido seu objetivo. Até as diferenças evangélicas relativas
ao milênio serão resolvidas, e somente a verdade prevalecerá. Deus
será tudo em todos. Soli Deo Gloria!

191
7

O método bíblico de salvação:


um caso para descontinuidade

Allen P. Ross

I ntrodução

tema “ O método bíblico de salvação: um caso para

O descontinuidade” é particularmente difícil por duas razões.


Primeira, o título se tornará ilusório, pois este ensaio
afirmará que não existe descontinuidade entre os Testamentos
no método de salvação; isto é, a salvação sempre foi pela graça
por meio da fé. Qualquer descontinuidade que existe, ocorre em
vários aspectos da salvação - particularmente no conteúdo da fé,
na expressão da fé, na obra do Espírito Santo e na esperança do
salvo. Segunda, esse tema é preocupante por causa do limite e da
natureza da literatura sobre o assunto. A maioria das discussões
sobre a salvação trata do assunto da perspectiva do NT. Pode ser
que muitos estudiosos bíblicos, de alguma maneira interessados
C ontinuidade e descontinuidade

nesse tema, simplesmente presumiram que o método de salvação


não mudou do AT para o NT, mas isso frequentemente significa dizer
que a terminologia do NT é interpretada nos textos do AT. Pode ser
também que eles descobriram que a discussão da matéria envolve
necessariamente problemas complicados sobre o propósito da lei e
da natureza dos sacrifícios.
Uma quantidade considerável dessa literatura também atolou
no debate maior entre o dispensacionalismo e a teologia da aliança,
em parte, porque as idéias nem sempre foram colocadas de maneira
cuidadosa, precisa e também, porque os proponentes de cada ponto
de vista nem sempre ouviram ou se apresentaram ao outro lado
com cuidado. Por exemplo, a maioria dos estudiosos, sem dúvida,
está familiarizada com a declaração mal formulada da Bíblia de
Referência Scofield que diz: “ O ponto de verificação não é mais a
obediência legal como condição para salvação, e sim a aceitação
ou rejeição de Cristo...” .1 Esta declaração expôs todos os dispen-
sacionalistas à acusação de ensinarem dois métodos de salvação:
a salvação pelas obras sob a antiga aliança e a salvação pela graça
sob a nova. Embora o próprio Scofield e outros escritores dispensa-
cionalistas tenham afirmado, em outra parte, que a salvação no AT
foi pela graça, e que ninguém jamais foi justificado pelas obras, a
acusação de ensinar a salvação pelas obras permaneceu.2 Mesmo
assim, como observou Ryrie, os teólogos da aliança nem sempre
foram cuidadosos nas formas como expressaram o relacionamento
entre a lei e a aliança da redenção.3 Por exemplo, J. Barton Payne,
tentando explicar como o código sinaítico se ajusta à aliança da
redenção, escreve:

... D e u s c o lo c o u p e r a n t e o h o m e m o s te rm o s d o a c o r d o d e
r e d e n ç ã o p e l o q u a l e le é in t e r m e d iá r io - o s m e u s esta tu tos e
o s m e u s ju íz o s g u a r d a r e is ; c u m p r i n d o -o s . o h o m e m v iv e r á p o r
e l e s (L v 18.5; cf. I C o 6 .9 ,1 0 ). E ste s te rm o s , a lé m d isso , e stã o
r e s u m id o s n o “ te s ta m e n to ” , o in stru m e n to l e g a l fir m a d o p o r
D e u s , p e l o q u a l o s h o m e n s p o d e m s e r le v a d o s à r e c o n c ilia ç ã o
c o m o p r ó p r i o D e u s (G n 1 7 .7 ).4

Afirmações como essa tornam difícil com preender - para usar


as palavras de Fuller — como a aliança das obras pode funcionar
como parte da aliança da graça sem que haja mudança de método,
ou seja, sem que o método se torne de salvação através das obras.

194
0 MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA DESCONTINU1DADE

Todavia, estudiosos como O. T. Allis afirmam que a aliança sinaítica


pertence à aliança da graça, mas nem sempre explicam os detalhes.5
No com eço desta discussão é preciso admitir que tanto os
teólogos da aliança como os dispensacionalistas afirmam que
sempre houve um método de salvação, mas deve-se admitir também
que nenhum lado manifestou o relacionamento entre a lei e a graça
com exatidão suficiente para harmonizar com a afirmação.
Mas, além disso, existe a persistente acusação de que o dis-
pensacionalismo como sistema requer dois meios de salvação.6
Entretanto, se as características do dispensacionalismo listadas
por Ryrie estão corretas, então essa acusação não p od e se
sustentar. Ryrie lista três: (1) a distinção entre Israel e a igreja, (2)
o uso constante de uma hermenêutica literal e (3) a glória de Deus
como propósito subjacente do seu plano no mundo.7John Feinberg
discute essas características com detalhes, dando especial atenção à
questão da hermenêutica literal, e conclui que o dispensacionalismo
como um sistema não exige duas formas de salvação. Ele afirma: “A
soteriologia não é a área determinante para o dispensacionalismo” .8
Ele diz que em vista de Gálatas 3.11 e Hebreus 11o dispensaciona-
lista com uma hermenêutica literal não deve defender mais do que
um método de salvação na Bíblia, mas, ao contrário, reconhecer que
os santos do AT foram salvos pela fé, assim como os santos do NT.9
Todavia, o tema da salvação no AT não é simples e nos
estudos teológicos não se pode passar por cima desse tema tão
rapidamente. Há sempre o p erigo de aplicar a soteriologia do NT
ao passado e às passagens do AT que falam sobre a salvação.10 Os
teólogos bíblicos devem reconhecer que existem diferenças entre
os Testamentos na forma em que as palavras são usadas; as palavras
do AT para salvação ou livramento podem se referir a livramento
de opressores (Jz 2.16), vitórias em guerras (SI 20.6), livramento de
afogamento (Jn 2.9), cura de enfermidade (SI 6.4) ou salvação de
qualquer outro infortúnio da vida. E, finalmente, no AT a salvação ou
o livramento que Israel procurou ou desfrutou parece ser algo mais
ligado às promessas da aliança relacionadas com a vida do povo de
Deus neste mundo.
A terminologia é também usada para salvação no sentido
de expiação, embora quase sempre em contextos que incluem
também livramentos nacionais. Isaías 40.1,2 fala da iniquidade
sendo perdoada junto com o fim da guerra; Isaías 44.22 une a ideia

195
C ontinuidade e descontinuidade

de redenção com a de apagar transgressões; Salmos 130.7,8 prevê


como o Senhor resgatará Israel de suas iniquidades perdoando-
-lhe graciosamente os pecados (v. 2-4); e Salmos 49.15 se refere
à redenção do poder da morte. Estas e outras passagens iguais
ligam a renovação espiritual ao livramento nacional e ao descanso
escatológico.
Zink propõe três diferentes termos de referência para salvação
no AT: (1) salvação nacional, proteção de inimigos estrangeiros,
segurança ou bênçãos e restauração do povo exilado; (2) salvação
individual das consequências do pecado, livramento de inimigos, de
enfermidade e de preocupação; (3) salvação escatológica do pecado,
resultando numa vida mais rica em comunhão com Deus, no mundo
presente e na vida futura.11Embora esses três termos estejam inter-
relacionados e gradualmente se misturem nas passagens, é seguro
dizer que a salvação, no sentido em que está sendo discutida - isto é,
a salvação individual do pecado que estabelece um relacionamento
pessoal com Deus e traz esperança de bênção contínua nesta vida
e na futura -, é o sentido básico. Isso correspondería à salvação do
NT - a saber, que Jesus, através de sua morte e ressurreição, salvou
as pessoas do pecado, as restaurou à plena e livre relação com Deus,
relação essa planejada pelo próprio Deus, e lhes deu o poder de
terem uma vida nova e plena, na esperança da redenção completa
no mundo futuro.12
Embora possamos ver que a linguagem do AT corresponde à
ideia do NT de salvação pessoal do pecado, existe o fato da morte
de Jesus Cristo, a base dessa salvação, perm anecer ainda no futuro.
Ryrie resume a posição dispensacionalista, dizendo:

A b a s e d a s a lv a ç ã o e m to d a s a s é p o c a s é a m o rte d e C ris to ; o
r e q u is ito p a r a a s a lv a ç ã o e m to d a s as é p o c a s é a fé ; o o b je t o
d a fé e m t o d a s as é p o c a s é D e u s ; o c o n t e ú d o d a fé m u d a n a s
v á r ia s d is p e n s a ç õ e s . É e s s e ú ltim o p o n t o q u e d is t in g u e o d is -
p e n s a c io n a lis m o d a t e o lo g ia d a a lia n ç a , m a s n ã o ju s tific a a
a c u s a ç ã o d e e n s in a r d u a s fo r m a s d e s a lv a ç ã o . E s s e p o n to sim ­
p le s m e n t e r e c o n h e c e a r e v e la ç ã o p r o g r e s s i v a .13

Neste ensaio, portanto, reafirmarei a continuidade do método


de salvação entre os Testamentos; mas também discutirei os aspectos
da salvação que diferem de um estágio para outro no programa de
Deus.14

196
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

C o n t in u id a d e

A SALVAÇÃO É PELA GRAÇA

A afirmação do apóstolo de que a salvação é pela graça de Deus


- é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se orgulhe (Ef
2.8,9) - aplica-se igualmente à salvação no AT. Que este é o caso
pode-se sustentar teologicamente, à luz do fato de que nenhum ser
humano além de Jesus Cristo jamais foi capaz de ter uma vida justa
e, assim, m erecer a salvação. O AT declara que não há quem faça o
bem, não há nem um sequer (SI 14.1-3), e o NT afirma que isso ainda
é verdade (Rm 3.10-12). De fato, o AT explica que se Deus tratasse
os humanos pelos méritos deles - isto é, anotasse seus pecados -
ninguém permaneceria; mas há perdão (SI 130.3,4). O ensino do AT
é claro - a única forma de salvação é pela graça de Deus. Sua graça
p od e ser revelada de diferentes maneiras, de tempos em tempos,
mas perm anece a base da salvação.
Talvez não haja melhor confirmação para esse ponto do que a
referência a N oé em Gênesis 6.8, uma passagem que normalmente
é destacada como testemunho da revelação do pacto da graça.1S O
texto afirma que Noé achou graça diante do Senhor. Duas observa­
ções importantes devem ser feitas sobre esse texto. Primeira, um
estudo cuidadoso do uso de “ graça” (;n) e seu verbo, “ ser gracioso” ,
( p n ) mostra claramente que a ideia é de favor não merecido.16De fato,

quem recebe a graça normalmente m erece exatamente o contrário


do favor de Deus (v. SI 51.1). Um advérbio correlato qan ilustra o
assunto habilmente, porque significa “ graciosamente, sem causa” .17
Por exemplo, em Jó 2.3 o Senhor diz a Satanás: Observaste o meu servo
Jó? [...] homem íntegro e reto [...] embora me incitasses contra ele,
para o consumir sem causa (grifo do autor). O propósito da palavra
□T3n é dizer que Jó não merecia tal sofrimento; ao contrário, merecia o
oposto. Assim, podemos notar que a palavra graça e suas formas cor­
relatas significam: quem recebe a graça de Deus merece, na verdade,
julgamento, mas, ao contrário, encontra a livre graça de Deus.
A segunda observação é a divisão estrutural de Gênesis 6. A
afirmação a respeito de N oé encontrando graça, vem no final de
uma seção do livro, e a expressão usada ni-ibin - eis a história de
Noé - marca a divisão para a seção seguinte.18 Em outras palavras, a

197
C ontinuidade e descontinuidade

narrativa contrasta o encontro de N oé com a graça (6.8), com o juízo


determinado para o resto de sua geração (6.5-7). É na seção seguinte
que N oé é descrito como um homem justo e íntegro que andou com
o Senhor - isso, depois de receber a graça. Com muita frequência,
intérpretes explicam o favor que N oé recebeu amparados no fato
de Deus ter achado o homem mais justo da terra e lhe concedido
favor.19 Exegética e teologicamente isso não é válido, porque o
termo “justo” descreve uma pessoa que celebra uma aliança, e a
expressão “ andou com Deus” , uma pessoa que é fiel a uma aliança.
N oé tornou-se um servo justo do Senhor pela graça de Deus.
Certamente, esse grande evento, o dilúvio, é um arquétipo
que estabelece que a graça de Deus foi a base da salvação no AT.
Mas existem inúmeros outros exemplos. A vestimenta de Adão e
Eva com peles de animais depois da queda é um testemunho da
graça de Deus - apesar de a palavra “ graça” não ser usada - porque
sob a punição de morte, os pecadores confessos encontraram a
provisão de Deus para a vergonha deles. O chamado de Abraão e,
certamente, a escolha de Jacó em vez de Esaú são também demons­
trações da graça de Deus. E no que Deus os elegeu, elegeu seus
descendentes como povo da aliança. Para demonstrar que a graça
de Deus foi o fundamento para ele tratar com seu povo no AT, Ryrie
lista várias formas:20 a graça foi manifestada na eleição de Israel e
na disponibilização de uma grande quantidade de promessas rela­
cionadas à bênção (Lv 26.4-8; Dt 7.14-16); a graça foi mostrada na
frequente restauração do povo pecador (Jr 31.20; Os 2.19); a graça
foi mostrada em dar a nova aliança, anunciada no período da lei (Jr
31.32); a graça foi mostrada na capacitação que ele frequentemente
A

deu (Dn 4.8;Jz 3.10; Ex 28.3); a graça foi mostrada durante o período
da lei em que Deus se revelou, na experiência do seu povo, como
Javé (SI 143.11; Jr 14.21); e a graça foi mostrada em fazer a aliança
com Davi. Ryrie destaca também que o bondoso amor pactuai de
Deus (ton) está ligado à aliança abraâmica (M q 7.20), à lei mosaica
(Êx 34.6,7), à nova aliança (Jr 31.3) e àaliança davídica (Jr 31.3). Pela
graça Deus fez estas alianças e por seu bondoso amor ele garantiu
o cumprimento delas.
Não é seguro afirmar que o AT é um livro da lei e o NT um livro
da graça, porque a doutrina da graça está em todo o AT (e muitas leis
enchem as páginas do NT). O hebraico em prega uma ampla gama
de palavras para expressar os relacionamentos de Deus com o povo
- ]n ( “ favor não m erecido” ), r s n ( “ com paixão” ), ( “ p ied ad e” );

198
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

“ipn(“ amor leal” ) e nznx ( “ amor” ), só para mencionar as mais comuns.


T. F. Torrance conclui sua discussão das várias palavras para graça
no AT declarando:

O s u r p r e e n d e n t e a r e s p e it o d e s s a s g r a n d e s p a la v r a s h e b r a ic a s
é a f a c ilid a d e q u e a s p a la v r a s tê m d e s e m istu ra r c o m ou tras
o u d e s e s o b r e p o r u m a s à s ou tras. Isso é v e r d a d e tanto c o m
t s e d e q e ts e d a q a h q u a n to c o m h e s e d . T a m b é m é p a r t ic u la r ­
m e n te c la ro e m r e la ç ã o à ju s tiç a d e D e u s , p o r q u e é p r e r r o g a ­
tiva d a ju stiç a d e D e u s s a lv a r o s h o m e n s , e m b o r a o a m o r p o r
trás d o d iv in o t s e d e q o u ts e d a q a h s e ja tão d e fin itiv o e in c o n tá ­
v e l q u a n to o a m o r e x p r e s s a d o e m a h e b o u h e n o u h e s e d . P o r
s e e n v o lv e r e m d e s s a fo rm a , h e s e d p o r u m la d o e t s e d e q o u
ts e d a q a h p o r outro, a m b o s s e to rn a m p ra tic a m e n te e q u iv a ­
le n te s p a r a s a lv a ç ã o , ju s tific a ç ã o e p e r d ã o . E m ú ltim a a n á lise ,
o c e rto e co n sta n te a m o r d e D e u s e n c o n tra u m m o d o ju sto
d e p e r d o a r a o s p e c a d o r e s , a p e s a r d e s u a a p o s ta s ia , c o m u m
c o r a ç ã o n o v o e u m a n o v a ju s tiç a n o v ín c u lo d o a m o r d iv in o . O
m a is im p o rta n te a q u i, e tão d ifíc il d e e n t e n d e r e e x p r e s s a r e m
o u tra lín g u a d ife r e n t e d o h e b r a ic o , é q u e ju stiç a e am o r, g r a ç a
e ju stiça, s ã o m a n tid o s ju n to s c o m o d ife r e n c ia ç õ e s d e n tro d a
m e s m a u n id a d e e até m e s m o d e n tro d a u n id a d e d e u m a ú n ic a
id e ia o u p a la v r a .21

Como, então, essa ênfase na graça de Deus como base do seu


relacionamento com o povo tem relação com a entrega da lei? Está
claro com base no ponto fundamental do código sinaítico que a guarda
da lei por Israel não foi um meio de salvação, mas uma resposta ao
Senhor que o havia redimido, porque a lei começa: Eu sou o Senhor, o
teu Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão. Barker nos lembra:

... q u e a le i fo i d a d a p a r a o p o v o r e d im id o c o m o m e io d e
e x p r e s s a r o a m o r d e l e s a D e u s , b e m c o m o u m m e io d e a d m i­
n istrar o r e la c io n a m e n t o d e le s c o m D e u s e d e u n s p a r a c o m
o s ou tros. N ã o fo i u m m e io d e s a lv a ç ã o , m a s u m a fo r m a d e
d e s fr u t a r d e u m a v i d a o r d e ir a e d a m a is p le n a b ê n ç ã o d e D e u s
d e n tro d o a r r a n jo p a c tu a i te o c rá tic o .22

Mas precisamos ser cuidadosos em como expressar o rela­


cionamento entre a lei e a graça. Que a Bíblia contrasta os dois
está claro em João 1.17, Romanos 6.14 e Gálatas 3.23. Mas não é

199
C ontinuidade e descontinuidade

correto falar de uma dispensação da lei e de uma dispensação da


graça, se por dispensação as pessoas entendem (incorretam ente)
um m étodo d e salvação. N em ajuda esclarecer o assunto falar dos
princípios antitéticos d e lei e da graça no p eríod o mosaico, se
por isto as pessoas preveem uma situação restrita aos dois prin­
cípios.23 Devem os afirmar que a graça (]n) de Deus no AT é o
fundamento do seu relacionamento pactuai com Israel, que por
seu amor (nanx) soberano ele os escolheu em Abraão e por seu
bondoso amor (ion) pactuai e le preservou sua aliança - mesmo
quando eles provaram ser infiéis. A lei foi dada a Israel com o a
constituição da teocracia, para regular o relacionamento do povo
da aliança com Deus e d e uns com os outros.24 Ela foi o m eio p re­
dominante de administrar o program a de Deus ao longo da exis­
tência nacional de Israel; proveu a norma para os que estavam
sob a aliança.25 Para os fiéis, isto é, os verdadeiros crentes em
Israel - a lei foi agradável, boa e prazerosa - certam ente não foi
terrível e antitética à graça. Os Salmos 19, por exem plo, enaltece
a le i com o m eio de desfrutar da vida sob o govern o de Deus,
e também com o desfrutar da revelação das graciosas provisões
d e Deus. A le i basicam ente apresenta as condições da aliança,
que, se obedecida, traria bênçãos ao povo teocrático (Lv 26). A
desob ed iên cia à lei traria o confisco das bênçãos e, consequen­
temente, a disciplina divina.26 Todas as leis de Deus foram p ro je­
tadas para prover uma vida feliz e expressiva para Israel; se eles
obedecessem , desfrutariam vida com o povo de Deus (Lv 18.5).
Os que não creram, os que foram m eramente legalistas, foram
frequentem ente repreendidos pelos profetas p or sua hipocrisia
e advertidos acerca da rejeição de Deus. Assim, v iv e r sob a lei
era para o crente a resposta natural à graciosa aliança de Deus
e o m eio de desfrutar bênçãos regulares como povo teocrático.
Kaiser diz:

D e v e - s e c o n c lu ir e n tã o q u e fo i o a m o r d e Javé, s u a m is e r ic ó r d ia
e g r a ç a , n ã o a o b e d i ê n c ia d o p o v o , q u e in ic ia ra m até m e s m o a
a lia n ç a sin aítica (D t 4.37; 7.7-9; 10.15 e tc .). Q u a n d o v io lo u a le i
d e D e u s , Is ra e l n ã o p e r d e u s e u re la c io n a m e n to c o m o S e n h o r
D e u s ; ao con trário, fo i e x a ta m e n te a le i q u e a s s e g u r o u o p e r d ã o
e a r e m o ç ã o d e to d o s o s p e c a d o s (L v 16). A té m e s m o o e n v o l­
v im e n to d e Is ra e l no in c id e n te d o b e z e r r o d e o u ro n ã o e n c e r r a
a fid e lid a d e d e D e u s (Ê x 32). E s s e e p is ó d io s o m e n te re s s a lta a

200
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃOI UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

n e c e s s id a d e d e o b e d iê n c ia a o s q u e já e x p e r im e n t a r a m a g r a ç a
d o liv ram e n to d e D e u s , e e v id e n c ia q u e o S e n h o r D e u s é c o m ­
p a ssivo , c le m e n t e e lo n g â n im o e g r a n d e e m m is e r ic ó r d ia e fid eli­
d a d e (Ê x 34.6 e ou tras n o v e p a s s a g e n s d o A n tig o T e s ta m e n to ).27

Kaiser escreve novamente:

D a m e s m a fo rm a , e s s a s m e s m a s o b r i g a ç õ e s q u e e x p r e s s a m a
o b e d i ê n c i a p o r fé (R m 1.5; 16.26) d e v e m a in d a s e r e n c o n tra ­
d a s h o je , c o m b a s e n o e x e m p lo d e Is ra e l, c o m o n o s a d v e r t e
o e s c r it o r d e H e b r e u s e m 3.7,15; 4.7 a o c ita r o “ s e ” d o s a lm o
95.7ss. A t é m e s m o Jesus n ã o e s p e r o u q u e a o b e d i ê n c i a fo s s e
u m a c a ra c te rís tic a o p c io n a l d a v i d a cristã, m a s e le r e p e t iu e s te
m e s m o “ s e ” : S e m e a m a is , g u a r d a r e is o s m e u s m a n d a m e n t o s
e m João 14.15; 15.10 e e m M a te u s 19.17.28

A SALVAÇÃO É MEDIANTE A FÉ

A Escritura afirma também que o único requisito para a salvação


é a fé; e a fé em si não é uma obra meritória, mas um dom de Deus
(Ef 2.8). Que a salvação foi pela fé no AT está claramente afirmado
em Hebreus 11. E qualquer interpretação dos salmos e dos profetas
revelará como a fé foi fundamental no mundo do AT (SI 7.1; 11.1;
107.2,6,13,19,28; Is 7.9; J1 2.32; Hc 2.4). Mas a passagem principal
sobre o assunto certamente é Gênesis 15.6, porque a passagem é
citada por Paulo para mostrar que a salvação foi e é pela fé, não
pelas obras.
Gênesis 15.6 relata que Ele [Abraão] creu no Senhor , e isso lhe
foi imputado para justiça (lit., Deus atribuiu-lhe justiça). A linha de
raciocínio é rica em expressão teológica. O prim eiro verbo é
que no hiphil significa “ crer” . A ideia básica do verbo tem a ver
com confiabilidade, estabilidade ou confiança. Isso provavelmente
requerería um uso informativo do hiphil para derivar o significado
“ crer” - isto é, considerar ou declarar algo leal ou confiável.29
Assim, quando Abraão ouviu a palavra do Senhor, ele a consi­
derou confiável e, consequentemente, agiu de acordo com ela.
Resumindo, podem os dizer que fé é confiar na palavra de Deus.30
A segunda palavra teológica mais importante na passagem é
rtjris, “justiça” . Fundamental ao conceito desta palavra é a ideia de

201
C ontinuidade e descontinuidade

conformidade com o padrão, ao que é certo aos olhos de Deus.31


Justiça é a ação e a atitude correta perante Deus; essa qualidade
de justiça foi atribuída ou imputada a Abraão mediante a fé.
Consequentemente, ele e outros crentes como ele seriam chamados
de “ os justos” (v. Gn 18.22-33 e os salmos). Assim, o termo “ justo”
tornou-se a descrição dos participantes crentes da aliança, bem
como um lembrete de suas responsabilidades pactuais - um lema
pelo qual viver.
Não há dúvida de que o texto ensina que Deus concedeu justiça
a Abrão porque ele creu. Tampouco duvida-se que esse versículo
forma a declaração fundamental sobre o assunto para ambos os
Testamentos.
Entretanto, o fato de o versículo ser encontrado em Gênesis
15 em vez de em Gênesis 12 - onde poderia se esperar o comen­
tário editorial sobre a fé salvadora do patriarca - é desconcertante.
Aparentemente, dá a impressão de que esse relato sobre a fé de Abrão
foi o resultado da promessa anterior feita por Deus (15.1-6) - essa é
a conclusão que alguém poderia tirar de várias traduções que sim­
plesmente informam: Ele [Abrão] creu... A Nova Versão Internacional
deixa a conjunção “ e ” sem tradução para evitar a ideia de que o
versículo 6 aponta para o resultado do versículo 5 ou o segue cro­
nologicamente. Um estudo minucioso da construção hebraica pam,
“ e ele creu” , revela que o escritor não teve a intenção de fazer com
que esse verbo fosse entendido como resultado da ação precedente.
A construção não é a construção sequencial normal, porque pxm é
um passado perfeito com um prefixo í e assim o i não pode ser um
i consecutivo - caso contrário, a tradução teria de ser no futuro. Se o
escritor tivesse desejado mostrar que esse versículo seguiu o pre­
cedente em sequência, ele teria usado a estrutura normal para a
sequência narrativa yrçxjn, “ e [então] ele creu” - mas ele fez dentro da
sequência para mostrar que a consideração veio depois da fé
“ e [e então] lhe foi creditado” . Devemos concluir que o narrador não
quis mostrar sequência entre os versículos 5 e 6; ao contrário, ele quis
fazer uma pausa na narrativa para suprir essa informação sobre a
crença de Abrão.
Qual é a importância disso tudo? Existem várias explica­
ções possíveis sobre a importância dessa construção nesse lugar -
contra a ideia de que a fé salvadora de Abrão resultou da palavra de
promessa nos versículos precedentes. O versículo 6 pode ser uma
declaração resumida da crença de Abrão, formando uma observação

202
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO I UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

de transição entre as seções. A cláusula poderia ser traduzida paren-


teticamente, como as cláusulas disjuntivas, que frequentemente são:
“ Ora, Abrão creu...” . O verbo poderia ser categorizado com uma
característica perfeita - Abrão creu, no sentido de que ele era um
crente. Ou, como explica BDB: “ o hábito de crer em -1ele creditou a
Abrão como justiça” .32Mas pode ser melhor deixar 1 sem tradução e
classificar o verbo como um passado simples, referindo-se à crença
de Abrão em sair de Ur em busca da terra da promessa. Por mais
que sejam explicadas as mais delicadas nuanças da gramática, o
texto não quer dizer que Abrão veio a crer como resultado do que
aconteceu em 15.1-5. Portanto, o relato de Gênesis não conflita
com o livro de Hebreus que afirma que ele saiu de Ur pela fé (Hb
11.8) - que seria a fé salvadora. Esse ato de fé, ou esse tipo de fé,
é relatado em Gênesis 15.6 com a explicação de que por essa fé
Deus creditou justiça a Abrão. O comentário parece estar colocado
no capítulo 15 como uma introdução ao relato do estabelecimento
formal da aliança. Em Gênesis 12.1-3 Deus havia chamado Abrão;
Abrão creu no Senhor e saiu de Ur, uma fé que ocasionou justiça
creditada; agora o Senhor se compromete por aliança com Abrão, o
crente, garantindo que as promessas seriam cumpridas.
Assim, Gênesis 15.6 é de fato uma declaração sobre a fé
salvadora pela qual Deus credita justiça. O significado do versículo
se harmoniza completamente com o ensino do NT, como confirma o
uso feito por Paulo dos versículos.33

DESCONTINUIDADE

CONTEÚDO DA FE

Embora todos concordemos que a salvação no mundo do AT


foi pela graça mediante a fé, existe uma diferença de opinião no
contexto de fé anterior à encarnação de Jesus Cristo. No que exa­
tamente Abrão creu? O que os crentes do AT sabiam a respeito da
provisão da salvação?
Muitos estudiosos bíblicos têm enfatizado a uniformidade
do método de salvação a tal ponto que tornam a revelação do NT
o conteúdo necessário da fé para os crentes do AT. Por exemplo,
Karlberg escreve:

203
C ontinuidade e descontinuidade

E m b o r a a fo r m u la ç ã o s e g u in t e n ã o s e ja o r ig in a l d e le , João
C a lv in o a firm a q u e “ a a lia n ç a fe ita c o m t o d o s o s p a t r ia r c a s
é tão p a r e c i d a c o m a n o s s a e m c o n t e ú d o e r e a li d a d e q u e as
d u a s são, d e fato, a m e s m a c o is a . T o d a v ia , e la s d ife r e m n o
m o d o d e a d m in is t r a ç ã o ” . A o c o m p a r t ilh a r o m e s m o c o n t e ú d o
e r e a lid a d e , e x is te u m a g e n u ín a c o n t in u id a d e e n tre a s d u a s
a d m in is t r a ç õ e s d o p r o g r a m a r e d e n t o r d e D e u s - isto é, n o
q u e s e r e fe r e à e s s ê n c ia d a o r d e m o u e c o n o m ia m o s a ic a , a
s a lv a ç ã o e t e r n a é p e l a g r a ç a m e d ia n t e a fé e m Jesus C risto .
A s o b r a s , e m b o r a n e c e s s á r ia s c o m o e v id ê n c ia s d a ju s tific a ç ã o
p e l a fé, n ã o m e r e c e m a ju s tific a ç ã o o u a s a n tific a ç ã o .34

Com a mesma ênfase Charles Hodge afirma:

... O R e d e n t o r é o m e s m o e m to d a s a s d is p e n s a ç õ e s . A q u e l e
d e q u e m s e p r o fe tiz o u s e r o d e s c e n d e n t e d a m u lh e r, a d e s ­
c e n d ê n c ia d e A b r a ã o , o F ilh o d e D a v i, o R e n o v o , o S e rv o d o
S e n h o r, o P r ín c ip e d a Paz, é o n o s s o S e n h o r, Jesus C risto , o
F ilh o d e D e u s , D e u s m a n ife s t a d o n a c a r n e . E le , en tão , d e s d e
o p r in c íp io te m s id o m o s t r a d o c o m o a e s p e r a n ç a d o m u n d o , o
S A L V A T O R H O M I N U M .35

Da mesma forma Payne diz: “ Há apenas um, Testamento


unificado, único plano de salvação de Deus, pelo qual Cristo oferece
uma redenção que é igualmente eficiente para os santos de ambas
as dispensações” .36
Não está exatamente claro como essas declarações devem ser
recebidas. Se os escritores querem dizer com elas que a pessoa e a
obra de Jesus Cristo foram literalmente reveladas aos crentes do AT
como o conteúdo de fé salvadora, então a posição deles é indefensável.
O AT não mostra evidência de tal revelação, e o NT testemunha contra
essa revelação. A própria obra de Jesus Cristo mostra plenamente
(Hb 1.1,2) como todas as profecias e tipos do AT se reúnem no plano
redentor de Deus (lP e 1.10-12). Isso não quer dizer que os indivíduos
do AT não puderam discernir o significado completo de algumas
das passagens, porque isso é certamente possível, especialmente se
estamos falando de um Isaías.37Mas é muito improvável que todos que
creram para salvação creram conscientemente na morte substitutiva
de Jesus Cristo, o Filho de Deus.

204
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO I UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

Interpretar a revelação do NT retroagindo ao AT como conteúdo


de fé salvadora é ignorar duas considerações importantes. Primeira,
ignora-se o fato da revelação progressiva. Se for preferível falar
dos dois Testamentos como uma sequência contínua, como muitos
sugerem, então a revelação progressiva seria uma consideração
necessária, visto que ela tomaria o NT para completar a revelação.
O próprio Payne diz: “ Para deixar Deus satisfeito, era preciso que
Deus morresse, que os homens precisavam herdar Deus, para estar
com Deus, eram coisas incompreensíveis no Antigo Testamento com
seu conhecimento embrionário acerca da Trindade, da encarnação
e da crucificação seguida da ressurreição” .38 Freeman nos lembra
que o intérprete dos conceitos teológicos do AT

deve se le m b r a r c o n s ta n te m e n te de que os h ebreu s do


A n t ig o T e sta m e n to n ã o tiv e ra m à s u a d is p o s iç ã o a e p ís t o la a o s
R o m a n o s e a s u a r e v e la ç ã o d a ju s tiç a se m a le i J u s tiç a d e D e u s
m e d ia n t e a f é e m J e su s C risto ... (R m 3 .2 1 ,2 2 ), n e m tiv e ra m a
e p ís t o la a o s H e b r e u s e s e u te s te m u n h o d a n a tu re z a d o s a c r i­
fíc io n o A n t ig o T e sta m e n to c o m o s e n d o típ ic o e u m a s o m b r a
d a s b o a s c o is a s v in d o u r a s .39

Claro que as verdades sobre o plano de redenção estiveram


disponíveis aos crentes do AT, porque os escritores do NT as tiraram
do AT. Para nós que conhecemos o NT tão bem, as passagens são tão
claras que pensamos que os crentes do AT tiveram que dar apenas
um simples passo para chegar a um completo entendimento. Mas é
duvidoso que eles tenham dado esse simples passo. Não podemos
conceder aos crentes do AT mais entendimento do que a Escritura
indica que tiveram.
A segunda consideração é teológica: afirmar que a base da
salvação é a graciosa provisão de Deus na morte de Cristo não
significa que o povo sabia ou precisou saber disso o tempo todo
na história humana, mesmo antes da morte ser um fato histórico.
Está claro na Escritura que toda salvação é baseada na expiação de
Cristo, porque a Bíblia afirma que somente sua morte p od e remover
completamente o pecado (Hb 10.1-14; Rm 3.21-25), e que essa
expiação sacrificial foi determinada antes da fundação do mundo,
mas somente manifestada no fim dos tempos (lP e 1.20; Ap 13.8).
Feinberg explica que devemos distinguir entre a perspectiva de
Deus e a do homem; ele diz:

205
C ontinuidade e descontinuidade

D e u s s a b i a a r e s p e it o d a m o rte d e C r is t o d e s d e t o d a a e t e r n i­
d a d e . D e s d e q u e e le a d e c r e t o u , a m o rte fo i u m fato r e a liz a d o
e m s e u p e n s a m e n t o m uito an tes d e s e r u m fato r e a liz a d o n a
h istó ria. P o r q u e D e u s s a b e q u e a ç ã o s e r á fe ita ( d e s d e q u e e le
a d e c r e t o u ), e p o r q u e e le v ê t o d a a h is tó ria (in c lu in d o a o b r a
d e C ris to c o m p le t a d a ) a o m e s m o te m p o , e le p o d e c o n c e d e r
a o h o m e m s a lv a ç ã o , m e s m o a n te s d o s a c rifíc io s e r e fe t u a d o n a
h is tó ria [...]. O h o m e m , lim ita d o p o r s u a p e r s p e c t iv a h u m a n a ,
n ã o s a b ia a r e s p e it o d a o b r a e x p ia t ó r ia d e Jesus C ris to até
D e u s t ê -la r e v e la d o e d e p o is a r e a liz a d o n a h istó ria h u m a n a .40

Feinberg resume esta posição muito sucintamente:“ As pessoas


da era do Antigo Testamento não sabiam que Jesus era o Messias,
que Jesus iria morrer e que sua morte seria a base da salvação. Mas
isso não quer dizer que Deus não sabia” .41
Portanto, podemos afirmar que de acordo com o eterno
propósito de Deus a salvação na avaliação divina é sempre pela
graça, por meio da fé, e repousa no sangue derramado de Cristo;
mas devemos reconhecer ser historicamente impossível aos santos
do AT a possibilidade de terem tido como objeto consciente de
sua fé o Filho encarnado, crucificado, o Cordeiro de Deus, e que é
evidente que eles não compreendiam, como nós compreendemos,
que os sacrifícios descreviam a pessoa e a obra de Cristo.42
De fato, a natureza da revelação com seu em prego de tipologia
demonstra essa distinção entre os Testamentos. Ao ensinar que o
sangue devia ser derramado para haver expiação, Deus escolheu
estipular um sistema sacrificial detalhado para Israel que apontava
para Cristo tipologicamente. Somente quando o antítipo foi revelado,
houve o pleno entendimento do tipo disponível. Mas é falha herme­
nêutica ignorar ou minimizar o significado do tipo em seu ambiente,
ou interpretar a plena revelação do antítipo retroagindo ao tipo.43
Se houve diferença no conteúdo da fé - melhor chamar de
diferença do que de descontinuidade - entre os Testamentos, no que
então eles creram? Se concordamos que a revelação foi progressiva,
então o conteúdo da fé foi cumulativo ao longo da história bíblica. Em
última análise o conteúdo da fé salvadora em qualquer época deve ser
Deus e sua revelação concernente à participação em sua aliança (que
nós chamamos de salvação). Os crentes, em última análise, confiavam
na palavra de Deus44 quando respondiam à verdade na situação em
que ela era apresentada a eles. Mas, como a revelação continuou, o

206
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO I UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

conteúdo da fé aumentou. Feinberg destaca sucintamente que isso


significava crer nas promessas na época da promessa, e também crer
que Deus perdoaria e purificaria o pecado de quem, pela fé, ofe­
recesse sacrifício na era da lei, e então, no final, depositar a fé e a
confiança em Jesus como salvador na era da graça.45
Assim, se retornarmos ao caso de Abraão, podem os dizer
que ele creu em quê? A resposta a esta pergunta está essencial­
mente em Gênesis 12.1-3, nas promessas que Deus fez a Abraão,
promessas que se tornariam a aliança abraâmica. Dumbrell afirma
que o conceito dessa aliança coloca em evidência a doutrina bíblica
da redenção, que o chamado de Abraão “ é uma resposta redentora
ao dilema humano que a divulgação da narrativa do pecado de
Gênesis 3-11 havia proposto” .46Penso que isto é correto se falarmos
da perspectiva da composição do livro de Gênesis. Mas, se pergun­
tarmos no que Abraão creu, teremos de nos ater primeiramente às
expressões em Gênesis 12.1-3. As crenças básicas a seguir podem
ser extraídas do texto:

• D e u s está v iv o - e m c o n tra ste c o m o s d e u s e s d o s p a g ã o s . D e u s


fa lo u a A b r a ã o (1 2 .1 -4 ) e d e p o i s a p a r e c e u a e l e (12 .7 ; 15.1).

• D e u s é o S e n h o r s o b e r a n o . A b r a ã o c re u q u e D e u s e r a c a p a z
d e fa z e r u m a n o v a n a ç ã o p o r m e io d e le e d e lid a r c o m o p o v o
d e a c o r d o c o m o e le o tratou. E s s a a firm a ç ã o d e fé s e r ia s ig n i­
fic a tiv a m e n te m o s t r a d a n o s a n o s s e g u in te s , n o s q u a is A b r a ã o
a p r e n d e u c o m o D e u s c o n tro lo u n a ç õ e s (1 4 .2 2 ), le v a n to u p o v o s
e re is (1 7 .6 ), d e u te r r a a q u e m e le q u is (1 3 .1 5 ), c a u s o u p r a g a s
(1 2 .1 7 ), p r o t e g e u seu povo (1 5 .1 ) e ju lg o u nações (13.13;
15.14). M a s e s s a i d e i a d e c o n v ic ç ã o m o tiv o u t a m b é m a o b e d i ­
ê n c ia d e fé - A b r a ã o te v e d e ir até a t e r r a e s e r u m a b ê n ç ã o lá,
p o r q u e o S e n h o r a s s im o r d e n o u .

• D e u s é o ju s t o ju iz . A b r a ã o c r e u q u e D e u s g a r a n t ir ia o
sucesso do s e u p la n o , a b e n ç o a n d o os q u e aben çoassem
A braão e a m a ld i ç o a n d o q u a l q u e r q u e o tra ta s s e le v i a n a ­
m en te. E m o u tra s p a la v r a s , q u a n d o D eus se co m p ro m e­
te u c o m A b r a ã o p e l a p r o m e s s a e d e c l a r o u s e u p l a n o d e
a b e n ç o a r o m u n d o p o r m e io d e A b r a ã o , e l e s e p r e p a r o u
p a r a a d is t in ç ã o e n t re a c o n d u t a c o r r e t a e a e r r a d a , e n tre a
b ê n ç ã o e a m a ld iç ã o . C o n s e q u e n t e m e n t e , A b r a ã o p ô d e f a la r
d o ju s to ju iz d e t o d a a t e r r a q u e p o u p a r i a o ju s to q u a n d o
d e s t r u ís s e o ím p io (1 8 .2 5 ,2 6 ).

207
C ontinuidade e descontinuidade

• D e u s é g e n e r o s o . A b r a ã o c r e u q u e D e u s o e s c o lh e u d e n tre
to d a s as p e s s o a s d o m u n d o e q u e p r o m e t e u a b e n ç o á - lo e
t a m b é m a s e u s d e s c e n d e n t e s . E s s a e le iç ã o e e s s a s p r o m e s s a s
de bênção r e v e la r a m a graça d e D eus em s e u p la n o de
a b e n ç o a r o m u n d o p o r m e io d e A b r a ã o .

Mediante esse breve esboço pode-se observar que Abraão


teve um conhecimento geral da pessoa e do plano de Deus, mas isso
não é o evangelho do NT. Basicamente Abraão creu na promessa de
bênção que o Deus vivo generosamente lhe fez. O conteúdo de sua
fé e da fé de seus descendentes aumentaria; mas seu ato inicial de
fé significou simplesmente que ele confiou na palavra de Deus, na
palavra que Deus lhe tinha dado.
Um dos versículos frequentemente citados para afirmar que
Abraão “ ansiou pela cruz” (como é dito com frequência) é João 8.56,
em que se lê: Abraão, vosso pai, alegrou-se p o r ver o meu dia, viu-o e
regozijou-se. A princípio, devemos notar que a ocasião à qual Jesus
se referiu é incerta. Se a tradição judaica tem qualquer influência,
então essa visão de Abraão estaria ligada a Gênesis 15 (Bereshith
Rabba 44); e se esse foi o caso, a questão não seria relevante para
esta discussão, porque a visão teria ocorrido depois do ato inicial
de fé de Abraão que o tornou justo. Da mesma forma, se a visão está
ligada ao evento de Gênesis 22, isso estaria separado de sua saída
de Ur por pelo menos cinquenta anos. O sacrifício de Isaque seria
o ponto mais plausível de referência, porque esse incidente daria
ocasião à percepção do cumprimento da promessa.
Mas a redação do texto não é inteiramente clara, pelo menos
não tão clara como muitos podem pensar. Westcott parafraseia o
propósito do versículo, dizendo: “ Eu sou aquele por quem ele ansiou
como cumprimento de tudo o que lhe foi prom etido” .47 O regozijo
de Abraão em ver, Westcott explica, refere-se à alegria que Abraão
teve no esforço para ver o que foi predito; isto é, “ a visão parcial o
moveu com o desejo confiante de ganhar uma visão mais completa” .
A expressão “ meu dia” não precisa ser uma referência específica
ao sofrimento de Jesus, mas poderia ser em relação à manifestação
histórica do Messias. Finalmente, Westcott explica a expressão “ ele
viu” para indicar que no sacrifício de Isaque foi revelada a Abraão
uma visão mais profunda do pleno significado das promessas - isto
é, uma visão do dia do Messias. Outros sugerem que o relato pode
ser referente a uma visão presente no paraíso.48

208
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO'. UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

Assim, deve-se ter em mente os seguintes pontos: (1) o fato


de que Abraão teve tal visão não significou necessariamente que
esse entendimento foi normativo; (2) a redação do texto não espe­
cifica exatamente o que ele viu ou quando viu; (3) se foi no monte
Moriá, isso teria pouca influência em determinar no que Abraão
creu quando saiu de Ur m eio século antes.
Nesta discussão de salvação por meio da fé, me concentro
principalmente em Abraão, porque ele é muito importante para o
ponto que Paulo está discutindo em Romanos. O caso de Abraão
tem tudo que é preciso para mostrar que na era do AT a salvação
foi mediante a fé, mas que o conteúdo dessa fé foi limitado. Outros
exem plos também poderiam ser usados, mas o conteúdo da fé
variava d e p eríod o para período. Foi assim até o tempo d e Isaías,
quando a visão de um servo com eça a em ergir mostrando sofri­
mentos não apenas vicários ou substitutivos, mas também como
oferta p elo pecado (Is 53.10). Se a compreensão do cântico de
Isaías foi clara e ampla, é difícil dizer. As palavras do apóstolo
Pedro sugerem fortemente que até mesmo os profetas tiveram difi­
culdade em combinar as profecias. Mas até mesmo se o próprio
Isaías com preendesse isso como uma profecia messiânica sobre a
base da salvação, ainda assim seria preciso o NT para revelar que
Jesus Cristo, o Filho de Deus, foi aquele cujo sangue derramado
seria a base da salvação.
Quando os escritores dizem que os santos do AT estavam “ em
Cristo” , ou que Jesus Cristo desde o início “ foi mostrado como a
esperança do mundo” , ou que a salvação sempre foi “ pela graça
por meio da fé em Jesus Cristo” , se eles querem dizer que a obra
de Jesus Cristo sempre foi a base da salvação, então a retórica
deles é equivocada. Mas, se eles querem dizer que todos os que se
salvaram tinham Jesus Cristo como o conteúdo revelado de sua fé,
essa posição não tem apoio bíblico.

EXPRESSÃO DE FÉ

Um segundo aspecto da salvação que mostra com muita clareza


uma descontinuidade entre os Testamentos diz respeito às expres­
sões de fé. Embora não sejam exatamente uma parte do método da
salvação, as expressões de fé têm influência sobre o assunto, e não
devem ser confundidas com o método de salvação.

209
C ontinuidade e descontinuidade

A fé encontra expressão no AT em duas formas predominantes:


obediência à lei e adoração por meio dos sacrifícios. Usando Abraão
mais uma vez como ponto de partida da discussão, podem os ver em
Gênesis 12.4 que “ Abrão partiu” . Essa obediência ao chamado de
Deus ( “ Sai” ) foi a evidência de sua fé. Além disso, seu proselitismo
em Harã (e as pessoas que lhe acrescentaram em Harã [12.5]) e a
proclamação de sua fé por meio do sacrifício ( “ a/i edificou um altar
ao Senhor, e invocou o nome do Senhor [12.8]) demonstram que ele
foi uma bênção (12.2).
O tema da obediência como expressão da crença de Abraão
vem à tona com mais força em Gênesis 26.5, que afirma: Porque
Abraão obedeceu à minha palavra, e guardou os meus mandamentos,
os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis. A o usar toda
essa terminologia legal do código mosaico, o texto está apresen­
tando Abraão como o representante israelita, um padrão para outros
crentes israelitas sob a administração da lei. Já foi dito o suficiente
para mostrar que guardar a lei não foi o meio de salvação - foi a
evidência de fé e o meio de participar plenamente das bênçãos que
Deus prometeu ao seu povo teocrático.
Mas e quanto aos sacrifícios? Eles tiveram alguma participa­
ção no método de salvação? O tema do sacrifício é grande demais
para ser tratado neste ensaio;49 e, desde que a doutrina da salvação
no NT está essencialmente relacionada à expiação e ao perdão
dos pecados, vou restringir minha discussão à natureza eficaz dos
sacrifícios.
Devemos notar de início que o sistema sacrificial foi dado a
Israel como meio de manter seu relacionamento pactuai com seu Deus
santo e sua salvação.S0 Os sacrifícios capacitavam o povo a renovar
o relacionamento rompido pelo pecado; ao fazê-lo, os sacrifícios
focavam a atenção do adorador nos eventos passados e nas realida­
des presentes de salvação. Consequentemente, o sistema sacrificial
está mais intimamente relacionado à doutrina do NT de santificação
do que a qualquer outra categoria soteriológica. Mas mesmo assim
os sacrifícios de fato tiveram relação com expiação e perdão, e suas
características foram próprias de tipos da expiação e do perdão de
pecados por meio do sangue derramado de Jesus Cristo.sl
Entre os sacrifícios que deviam ser oferecidos, a oferta inteira
queimada, a oferta pelo pecado e a oferta pela reparação eram
expiatórias - cada uma delas faria expiação (Lv 1.4; 4.26-31; 5.16).

210
O MÉTODO BÍBUCO DE SALVAÇÃO! UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

E, claro, o grande Dia da Expiação (Lv 16) foi também expiatório. O


uso da palavra -ibs demonstra que o significado é “ expiar, pacificar,
reparar” , e não deve ser traduzido por “ cobrir” .52 Mesmo existindo
algum debate sobre o fato de enfatizar a propiciação ou a expiação,
o efeito desses sacrifícios é claro - ao oferecê-los, o adorador encon­
trava perdão. A ideia a ser extraída de Levítico, então, é que esses
sacrifícios eram eficazes.
Mas o livro de Levítico supõe que os sacrifícios eram oferecidos
com fé genuína? Uma resposta afirmativa pode ser extraída do estudo
de outras passagens que consideram a eficácia dos sacrifícios. Por
exemplo, em Salmos 40.6-8 fica claro que o sacrifício sem a entrega
de uma vontade obediente não é o que Deus requer; Salmos 51.14-17
afirma que os sacrifícios não podiam ser oferecidos por um pecador
que não tivesse um coração quebrantado e contrito - ou, em outras
palavras, o ponto de partida era a contrição, que levava à confissão
do pecado; e Salmos 50 declara que os sacrifícios em geral não
eram aceitáveis se vistos simplesmente como um ritual pela pessoa
que os oferecia. Além disso, os profetas repudiaram com frequên­
cia a adoração que vinha de pessoas hipócritas e descrentes (Am
4.4,5; Is 1.11-15; Jr 7.21-23; Ez 22). Os sacrifícios deveriam ser ofere­
cidos com fé, nunca como um ritual mecânico. Se a fé não estivesse
presente como motivação para o sacrifício, então a oferta do sacrifí­
cio resultaria em nada.53
Portanto, com isso em mente, podemos dizer que os sacrifícios
eram eficazes. O sistema sacrificial foi o meio escolhido por Deus
para a realização do perdão do pecado - a lei declara que os sacrifí­
cios expiatórios resultavam no perdão do pecado (cf. novamente Lv
1.4; 4.26-31; 5.16 e outros). Não é correto dizer que, já que o sangue
de animais não pode remover pecado, então o crente israelita não
teve pleno perdão ou um genuíno sentido de perdão. Os crentes isra­
elitas de fato desfrutaram do perdão do pecado, porque tinham a
palavra garantida de Deus de que seriam perdoados (ib nbon,ser-//ie-á
perdoado). Consequentemente, o perdão tornou-se um ponto funda­
mental da crença de Israel em seu Deus salvador: Contigo, porém, está
o perdão (nrrbon) para quete temam (SI 130.4). Somente o pleno perdão
podia inspirar estas palavras do salmista: Bem-aventurado aquele
cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o
homem a quem o Senhor não atribui iniquidade, e em cujo espírito não
há dolo (SI 32.1,2)

211
C ontinuidade e descontinuidade

No caso de Davi a palavra garantida de Deus veio diretamente


do profeta de Deus - ... o Senhor te p e r d o o u o teu p e c a d o ... (2Sm
12.13). Por isso teríamos de concluir que os crentes do AT de fato
tinham um claro sentido de perdão do pecado em seu relaciona­
mento com Deus (muitos hoje podem preferir uma palavra direta de
um profeta à palavra escrita garantida).
Mas, se a eficácia real da expiação estava relacionada aos
sacrifícios designados por Deus, como podem os explicar as decla­
rações em Hebreus que afirmam que os sacrifícios não podiam
remover pecados (Hb 9.9,13,14; 10.1,4,11)? A evidência no AT é
clara, pois os sacrifícios curavam a ruptura do relacionamento da
aliança e procuravam o verdadeiro perdão para o pecador, e isso
quando oferecido com penitência não dissimulada e fé humilde.54
Mas no eterno plano de Deus os sacrifícios eram tipológicos da
futura expiação de Jesus Cristo, e é a eficácia do sacrifício de Cristo
que Hebreus contrasta com os sacrifícios regulares dos israelitas.
Da perspectiva de Deus podem os observar que somente o sangue
de Jesus Cristo p od e pagar pelos pecados e removê-los em caráter
definitivo. O AT não diz que os sacrifícios de sangue pagavam pelos
pecados em caráter definitivo. A o contrário, o que Deus prometeu
por m eio deles foi o perdão dos pecados e a restauração à posição
da aliança. Freeman diz: “ Os sacrifícios verdadeiramente expiavam
os pecados do adorador; todavia, os sacrifícios no Antigo Testamento
eram validados na intenção de Deus, com base no sacrifício todo
suficiente e verdadeiramente eficaz do Cordeiro de Deus m orto
desde a fundação do mundo (lP e 1.20)” .ss Portanto, o israelita sabia
que era perdoado por causa da graciosa provisão de Deus - apenas
não tinha ideia de como ou quando os pecados seriam pagos em
caráter definitivo. Somente mais tarde Isaías começou a usar a
palavra para oferta pelo pecado om ao descrever o servo sofredor
(Is 53.10), fazendo com que os escritores do NT pudessem investigar
como o plano de Deus se revelou.
Embora os sacrifícios estejam mais ligados à doutrina da santi­
ficação, é apropriado incluí-los numa discussão sobre a obtenção da
salvação, porque os sacrifícios têm um significado geral de expiação
e perdão e também prenunciam especificamente a obra redentora
de Jesus Cristo. Podemos ler no NT sobre a eficácia da expiação de
Cristo realizada em caráter definitivo e podem os falar de salvação
como a ocasião em que um indivíduo se converte a Jesus Cristo e
encontra perdão. Mas o AT não fala de forma tão específica sobre

212
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO: UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

ser salvo, sobre conversão ou sobre regeneração. Devemos nos


contentar em dizer que, por sua graça, Deus possibilitou a entrada
do povo numa relação pessoal com ele (ele os elegeu, deu suas
promessas, proveu o ritual para expiação); e, assim, os indivíduos
entraram nesse relacionamento pela fé, crendo nas promessas de
perdão dos pecados e na bênção. A fé do povo se expressou através
da obediência à lei e da adoração sacrificial, para a manutenção e
desfrute do seu relacionamento espiritual.

A OBRA DO ESPÍRITO SANTO

Há duas diferenças entre os Testamentos que precisam ser


mencionadas. A primeira é a obra do Espírito Santo na salvação.
Diz-se que os que são salvos no NT estão “ em Cristo” (2Co 5.17), são
parte do corpo de Cristo (IC o 12.12,27). A aquisição dessa posição
é pelo batismo do Espírito Santo, como Paulo afirma: Pois, em um só
Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer
gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado b eb er de um
só Espírito (IC o 12.13). Essa terminologia não é usada pelos crentes
no AT. Além disso, João disse que depois dele Jesus viria e batizaria
com o Espírito Santo (Mt 3.11), e Jesus ensinou que ele enviaria o
Espírito depois que fosse embora (Jo 16.12; At 1.5, 8). O cumpri­
mento dessa promessa começou no Pentecoste (At 2). Assim, fica
claro que o batismo do Espírito Santo foi uma nova etapa no desen­
volvimento da administração de Deus, em sua forma de operar a
salvação.
Não é minha intenção discutir os maiores significados disso,
porque pertence a uma discussão sobre as distinções entre Israel
e a igreja. Para o propósito deste ensaio, basta notar que o método
de salvação, por parte de Deus, agora, envolve o batismo do
Espírito Santo, que coloca o crente em Cristo. E, quando alguém
está em Cristo, há também a contínua habitação do Espírito Santo.
Seria seguro dizer que depois de Atos 2 há uma clara revelação da
divina capacitação na salvação. No período do AT, o máximo que
pode ser dito é que existe uma capacitação seletiva por meio do
Espírito Santo.56 O Espírito “ veio sobre” indivíduos para capacitá-
los a profetizar, a fazer obras poderosas, a realizar trabalhos habi­
lidosos e a governar sobre o povo da aliança de Deus. Mas o AT
não fala do Espírito Santo batizando e habitando em todos os que
creem. A influência que conduzia as pessoas à fé no tempo do AT

213
C ontinuidade e descontinuidade

era decorrente do fato de elas nascerem na comunidade da aliança


(como descendência física de Abraão) tendo a revelação de Deus
como norma de vida e sua herança espiritual como testemunha da
vontade divina. Claro, o Espírito Santo esteve ativo em tudo isso para
capacitar pessoas a crer e servir ao Senhor. Além disso, o Espírito
Santo falou por intermédio dos profetas e sacerdotes para mediar a
aliança. Mas com o NT, a capacitação de Deus tornou-se direta, e o
Espírito Santo entra e opera na vida de cada indivíduo.

A EXPECTATIVA DO SALVO

O outro ponto que deve ser observado diz respeito à expectativa do


salvo. Esta matéria não é de fato parte do assunto do método de salvação
- ao contrário, pertence à escatologia. Mas podemos mencionar rapi­
damente que, em relação ao assunto em pauta, o conceito de salvação
no AT foi diferente. No AT a expectativa do salvo (se é que podemos
usar essa expressão) estava relacionada às promessas da aliança, mais
especificamente na sua ligação das promessas com esta vida e com
este mundo.57A esperança era de livramento de inimigos, descanso na
terra e contínua comunhão com Deus. O perdão do pecado capacitou
o crente a viver na comunidade da aliança e compartilhar das esperan­
ças dessa comunidade. Portanto, a extensão escatológica da esperança
deles encontra-se na expressão rabínica “ o mundo vindouro” . No NT
existe uma ênfase maior na vida pós-morte e na era vindoura como a
expectativa da salvação. Enquanto o crente do AT teve a expectativa do
cumprimento das promessas começando na experiência desta vida, a
expectativa do crente do NT, mais frequentemente, parece ter passado
disso para a glorificação.

C o nclusão

Lembro-me que certa vez S. Lewis Johnson explicou em classe


que, se ele pudesse definir seus próprios termos, diria que era um
teólogo da aliança com uma hermenêutica dispensacionalista. Não
sei se ele diria isso hoje, ou se até mesmo se lembra de tê-lo dito. Mas
me parece que o tema do método de salvação favorece melhor essa
descrição. Que existe um método de salvação para cada época está
claro, porque a salvação pela graça de Deus e por meio da fé é exigida
por causa do problema universal do pecado e está de acordo com a

214
O MÉTODO BÍBLICO DE SALVAÇÃO í UM CASO PARA DESCONTINUIDADE

imutável natureza de Deus. Mas uma análise clara da Escritura nos


indica que o conteúdo da fé foi revelado progressivamente, de forma
que os crentes do AT não tiveram a revelação específica a respeito
de Jesus Cristo. Eles creram que Deus havia revelado a si mesmo e
sua aliança, e a crença deles encontrou expressão na obediência à
lei e na adoração por meio dos sacrifícios. Na plenitude dos tempos,
o filho de Deus veio para fazer o sacrifício perfeito pelo pecado, em
cumprimento ao decreto eterno de Deus e como o antítipo dos sacri­
fícios de Israel. Consequentemente, a expressão da fé do NT toma
uma forma diferente, porque em Cristo os sacrifícios tiveram fim e a
lei israelita deixou de ser o modo de administrar a vida do povo de
Deus. Portanto, o conteúdo de fé para salvação é agora muito especí­
fico, e a capacitação pelo Espírito de Deus é direta.

215
Parte V

A lei e os Testamentos
8

A lei de Moisés e a lei de


Cristo 1

Knox Chamblin

^ ^ % e m -a v e n tu r a d o s os irre p re e n síve is no seu cam inho, que


Assim com eça o salmo 119. Mas
andam na le i d o Senhor .
J L J essa é uma bênção prometida ao povo de Deus h o je ? Se é,
que m anifestação particular da “ lei do Senhor” diz respeito ao
povo - a lei que Moisés ensinou, ou a que Jesus ensinou, ou uma
combinação de ambas? E com o os “ m odos” cristãos de obediência
se comparam aos prescritos para os antigos israelitas? Além disso,
como p od e um crente - esteja sob Moisés ou sob Jesus - aspirar ao
cumprimento “ irrepreensível” da lei sem violar as prerrogativas
da graça divina ou atribuir o respeito adequado à graça sem se
tornar antinomista?2Eis as questões que estão diante de nós.
C ontinuidade e descontinuidade

P rogram a

le i

Neste ensaio, le i denota a norma de vida que Deus dá ao seu


povo, o caminho no qual deve andar, os mandamentos que deve
obedecer.3

LEI E ALIANÇA

Desses termos, aliança é o mais fundamental. Implica “ uma


soberana administração de graça, divinamente iniciada, estabe­
lecida, confirmada e cumprida” .4 Independentemente da aliança
bíblica que esteja em vista, seja “ a aliança da criação” ou alguma
expressão da “ aliança da redenção” , a lei de Deus está presente
como uma obrigação pactuai para os parceiros humanos.s De modo
oposto, a lei bíblica, independentemente de sua expressão particu­
lar, p od e ser adequadamente entendida somente numa estrutura
pactuai, que sempre significa um contexto de graça divina.6

A LEI E DEUS

Se a lei serve ao propósito da aliança, cada aliança serve a um


propósito maior, a saber, a realização da mais profunda comunhão
entre Deus e seu povo - “ esse relacionamento do mais íntimo
entrosamento mútuo” que o AT chama de “ conhecimento” .7 Deus
sempre dá sua lei ao seu povo da aliança por causa de sua obrigação
pessoal - seja para estabelecê-la, aprofundá-la ou restaurá-la: veja,
por exemplo, Levítico 26.12; Jeremias 31.33,34.

A LEI DE MOISÉS E A LEI DE CRISTO

Não está em discussão a fonte das respectivas leis (cada uma


delas vem de Deus),8nem a necessidade da lei para o povo de Deus
(o apóstolo da liberdade convoca seus leitores a cumprir a le i de
Cristo (G16.2), mas o relacionamento que existe entre a lei de Deus e
como foi dada, por intermédio de Moisés, a Israel no AT e por meio
de Jesus e dos apóstolos à igreja no NT.9

220
A lei de M oisés e a lei de C risto

Neste ensaio, defendo que o relacionamento é fundamental­


mente de continuidade. Detalhando:
A lei de Cristo não é diferente da lei de Moisés; não é uma nova
lex. Toda lei vem de Deus; e cada uma é dada para o mesmo propósito
- ordenar o amor a Deus e o amor ao próximo (Mt 22.37-40).
Claro que a compreensão da lei e sua observância são radi­
calmente afetadas pela vinda de Cristo. Portanto, embora sua lei
seja uma expressão mais avançada da lei de Moisés, não é a mesma
expressão; é mais do que uma mera repetição da antiga lei. Por
causa do que Jesus é e do que ele veio fazer, a lei é administrada
novamente e exposta mais profundamente, agora mais do que nunca.
Portanto, de fato existe descontinuidade, mas a descontinui-
dade está relacionada à forma ou ao m odelo da lei, em vez de ao
seu ser ou essência, e ocorre muna estrutura de continuidade.10Em
suma, a lei de Moisés está relacionada à lei de Cristo não como A
para A, nem como A para B, mas como A l para A2 (cf. essas ilustra­
ções no final da próxima seção).
A teologia reformada tem tradicionalmente distinguido três
tipos de lei dentro da lei mosaica - a saber: a moral, a cerimonial e a
civil.11Tal distinção pode ser desorientadora, porque tanto o AT como
o NT normalmente usam o termo “ le i” para falar da lei mosaica
como um todo em vez de um aspecto particular da lei; e a lei moral,
cerimonial e civil estão inextricavelmente unidas no AT, cada tipo
sendo inteligível e aplicável somente em relação aos outros dois.
As distinções acima permanecem úteis, se não permitirmos que se
tornem divisões e àe estivermos falando de três dimensões da mesma
le i em vez de três tipos de lei.12Essa unidade tríplice está salvaguar­
dada pela transição que ocorre com a vinda de Cristo.
De acordo com o precedente, o relacionamento entre a lei de
Moisés e a lei de Cristo não é:

Nem:

►I

221
C ontinuidade e descontinuidade

A APLICAÇAO DA LEI

As duas seções anteriores levantam sérias questões. Com o


a exposição da lei mosaica feita por Jesus e p elos apóstolos afeta
a aplicação da lei? Se o que a lei requer perm anece fundamen­
talmente o mesmo, com o a presente forma de ob ed iên cia se
compara à dos tempos antigos? Como podem os determ inar se,
ou em que m edida, ou de que maneira os detalhes da lei mosaica
se aplicam aos cristãos? D evem os assumir que som ente aqueles
detalhes que o NT expressamente sanciona (seja em forma inal­
terada ou m odificada) perm anecem em v ig o r para os crentes
hoje? Ou, ao contrário, devem os assumir que os cristãos estão
obrigados a o b e d e c e r a todos aqueles detalhes que o NT não
aboliu expressam ente?13
Se precisamos fazer algum progresso ao responder a
essas questões extraordinariamente difíceis, devem os ser muito
sensíveis às pistas hermenêuticas fornecidas pela exposição do
NT e pela aplicação da lei. Consequentemente, o estudo a seguir
progredirá em quatro estágios: a lei antes da vinda de Cristo; a
base neotestamentária para exposição da lei; a exposição do NT,
em termos das três dimensões da lei; e os princípios hermenêu­
ticos refletidos na exposição. A o procurar detectar esses princí­
pios, consideraremos a transição do AT para o NT em relação a três
fatores: o relativo a épocas, o cultural e o pessoal.14Para ilustrar com
o uso da figura abaixo:

222
A lei de M oisés e a lei de C risto

A LEI ANTES DA VINDA DE CRISTO

A LEI E A PROMESSA

Existe uma relação mais estreita entre a aliança abraâmica


(ou “ a *aliança da promessa” ) e a aliança sinaítica (ou “ a aliança da
lei” ). E precisamente para honrar as promessas de Gênesis 12.2
(de ti farei uma grande nação) e 12.7 (Darei à tua descendência esta
terra ) que Javé realiza o êxodo (v. Êx 3.6-8; 6.6-8). O grande evento
que fornece o ambiente para a aliança sinaítica é uma expressão da
aliança abraâmica.15Longe de ser anulada ou substituída pela aliança
sinaítica, a aliança abraâmica permanece em vigor como fundamento
perpétuo para a aliança posterior.16Inversamente, longe de se opor à
promessa, a lei serve à promessa ao guiar e proteger o povo de Deus
até a promessa encontrar seu cumprimento na vinda de Cristo.17Em
outras palavras, no Sinai, Javé não substitui uma forma de salvação
(pela graça mediante a fé nas promessas de Deus) por outra (pela
recompensa da obediência aos mandamentos de Deus). A promessa
sempre reforça a lei; a lei sempre pressupõe a promessa.

LEI E GRAÇA

A lei está fundamentada na graça. Porque pela graça ele chamou


Abraão das trevas pagãs (Js 24.2,3), e, para cumprir sua promessa a
ele (Gn 12.1-3), Javé liberta os israelitas da escravidão egípcia. A lei é
revelada com base na redenção, não como a base; não como meio de
salvação, mas como guia para mostrar gratidão por uma salvação que
Javé já havia realizado.18Êxodo 20.2 não é apenas um prefácio, mas a
base teológica para o Decálogo (v. 3-17).
__ _^

A lei também expressa a graça de Deus. E com o legislador


que Javé se declara ser ... Deus compassivo, clemente e longànimo e
grande em misericórdia e fidelidade (Êx 34.6).19A lei “ foi uma dádiva
de Deus instituída para a alegria e a edificação do povo da aliança.
Ela não foi dada como uma carga, mas como o mais precioso tesouro
e um claro sinal do favor divino” .20
Além disso, a lei promete a graça de Deus. Javé declara em
Êxodo 19.4,5: Tbndes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre
asas de águia e vos cheguei a mim [graça salvadora]. Agora, pois, [...]
se guardardes a minha aliança [fidelidade à le i], então, sereis a minha

223
C ontinuidade e descontinuidade

propriedade peculiar dentre todòs os povos, porque toda a terra é minha


[mais graça].21

A LEI E DEUS

Como é evidente da relação entre a lei, a promessa e a graça,


Deus dá a lei para estabelecer e manter o mais profundo conheci­
mento entre ele e Israel.22 Pelo fato de Javé ser um Deus santo, seu
povo deve também ser santo (Lv 11.44,45; 19.2; 20.7). A lei, em todos
os seus detalhes, é o meio designado por Deus para fazer de Israel
uma nação santa (Êx 19.6).23A lei é o presente de casamento de Javé
à sua jovem esposa, para selar o vínculo entre eles. A o menospre­
zar o presente - principalmente os dois primeiros mandamentos do
Decálogo - Israel mostra desdém por seu marido (Oseias [em certos
trechos]; Jr 2.1-3.5). Mas, pelo mesmo símbolo, a fidelidade à lei revela
sua devoção ao legislador. Quem dera que eles tivessem tal coração,
que me temessem e guardassem em todo o tempo todos os meus man­
damentos, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos, para sempre!
(Dt 5.29; cf. SI 103.17,18). De todo o coração te busquei; não me deixes
fugir aos teus mandamentos (SI 119.10). Portanto, a única abordagem à
guarda da lei em que se pode confiar é a centrada em Deus. A pessoa
que obedece à lei pelo supremo propósito de expressar e aprofundar
seu amor e reverência a Deus guarda a lei na perspectiva correta. Há
"grande recompensa” em guardar a lei de Javé (SI 19.7-11). Mas a mais
alta recompensa é o próprio Javé (Gn 15.1).

LEI E OBEDIÊNCIA

A relação da lei com a promessa de Deus, com a graça de Deus


e com o próprio Deus provê fortes incentivos para a guarda da lei.
Por um lado, ob ed ecer à lei oferece uma forma de expressar amor
pelo legislador e gratidão por sua salvação (SI 119). Por outro lado,
precisamente porque a lei é da graça, os que violam seus manda­
mentos permanecem sob a ameaça da maldição de Javé.24 Quem
não pode ob ed ecer por amor, deve fazê-lo por medo.
A obediência aos mandamentos de Deus impõe a necessi­
dade de se considerar as três dimensões da lei (moral, cerimonial
e civil); a supremacia da dimensão moral e sua inseparabilidade
das dimensões cultuais e civis; a distinção entre as leis apodíticas e

224
A lei de M oisés e a lei de C risto

casuísticasfs as mudanças relativas a épocas e culturas abrangidas


no período do A T ;26 e, analogamente, a exposição e a suplementa-
ção da lei mosaica pelos profetas e pelos mestres de sabedoria, os
quais lembraram Israel da essência da lei - a saber: amar e honrar
tanto Javé como o semelhante de todo o coração.27
O b ed ecer à lei foi essencial, mas não meritório. A lega r que
um israelita era salvo essencialmente por conta de suas obras seria
esquecer a promessa que sempre fundamenta a lei, seria ignorar
a tríplice relação da lei com a graça e tornar trivial o supremo
propósito p elo qual Javé deu a lei.

LEI E PECADO

Paulo vê a lei tanto como dádiva de Deus ao seu povo redimido


para direção e proteção dele (G1 3) como o instrumento do pecado.
O pecado é um pod er que entrou no mundo pela desobediência de
Adão, trazendo morte em seu rastro (Rm 5.12). Assim como o manda­
mento de Deus torna-se instrumento do pecado no Éden (Gn 3.1-5;
Rm 5.14), da mesma forma acontece com a lei mosaica. Tão logo a lei
é dada, o pecado a controla para o seu próprio objetivo (Rm 7.7-13).28
Em todo o período de Moisés até Jesus, estar “ debaixo da lei” é estar
“ debaixo do pecado” (G13.22,23).
O objetivo básico do pecado com relação a quem ob ed ece à lei
é afastá-lo do legislador e dirigi-lo para a morte (Rm 6.23). Com esse
objetivo, o pecado encoraja suas vítimas a fazerem várias coisas: (1)
desobedecer à lei. Tal é a influência do pecado que conhecer a lei
induz a pessoa a desobedecê-la em vez de guardá-la (Rm 7.7-13).29
A culpa consequente faz com que a pessoa fuja, como fizeram Adão
e Eva, da presença de Deus (Gn 3.8). (2) Ver a le i com o um fim em si
mesma. O pecado encoraja a pessoa a ficar centrada na lei em vez de
em Deus. Em vez de Deus, agora é a lei que a pessoa adora e serve;
guardar a lei, em vez de conhecer a Deus, torna-se o maior objetivo
da pessoa.30 (3) Ver a guarda da le i com o m eio que leva a outro fim
que não Deus. Esse fim pode ser a aprovação dos homens (Mt 6.5;
Jo 12.43) ou uma recompensa de Deus (a recompensa é o mais alto
objetivo, e Deus, o meio necessário). (4) Esquecer a graça de Deus. O
pecado procura desviar a atenção de sua vítima da tríplice relação
da lei com a graça - a saber, da subjacente promessa de salvação
(d e forma que a guarda da lei torna-se uma forma substitutiva de

225
C ontinuidade e descontinuidade

salvação); dos dons que Deus concede aos que obedecem à sua lei
(de forma que o observador da lei espera compensação por ter
direito [julga] e por se vangloriar); e da graça inerente à própria
lei, incluindo a providência da lei ao infrator.

LEI E PERDÃO

É reconhecido que até mesmo o mais devoto observador


da lei cairá em pecado. Assim, o Deus gracioso provê, com o parte
integrante de sua le i, um sistema de sacrifícios e ofertas para fazer
expiação pelos pecados do seu povo e restaurá-lo à comunhão com
ele mesmo.31 Uma parte essencial do andar corretamente perante
Javé foi a participação no culto; negligenciar esses mandamentos
seria pecado do mais presunçoso.32 Paulo vai mais longe ainda:
Deus dá sua lei “ para que a transgressão se ressalte” , de forma que
sua graça possa ser engrandecida quando o pecado for vencido e
os pecados forem perdoados na morte e ressurreição de Jesus (Rm
5.20,21; cf. G1 3.19,22).33

A PROMESSA DA LEI

A dimensão cúltica da lei mosaica, com seus mesmos sacri­


fícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem (Hb 10.1),
aponta de forma vivida para a necessidade de algo maior do que ela
mesma. Entender corretamente a lei é dar-se conta de que é neces­
sário algo maior do que a lei. A “ nova aliança” de Jeremias 31.31-34
alcançará de fato o perdão dos pecados, implicará não em nova lei,
mas em nova e mais pessoal administração da antiga le i (mosaica),34,
e realizará, principalmente por esses dois meios, o propósito para o
qual a aliança sinaítica foi estabelecida e a lei mosaica foi dada - a
saber: o mais profundo conhecimento mútuo entre Javé e seu povo.35

A LEI DESDE A VINDA DE CRISTO

CRISTO É A FINALIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO

Cristo é o objetivo ao qual o AT se direciona e a realidade à


qual ele testemunha. Com João Batista e Jesus, a época dos “ profetas

226
A lei de M oisés e a lei de C risto

e da le i” termina e começam os últimos dias (Mt 11.11-13). Jesus


vem não para abolir a Lei ou os Profetas [...] mas cum prir (5.17), tanto
completando-os (pela inauguração do reino, ele traz o AT ao seu
objetivo designado) como realizando-os (por seus ensinos e suas
ações, ele expressa perfeitamente todos os aspectos do relaciona­
mento pactuai com o qual Deus reuniu seu povo por meio de Moisés
e dos profetas).36 Paulo ensina que o tempo do fim, anunciado tanto
pela promessa como pela lei do AT, começa com a encarnação do
Filho de Deus (G1 3.15-4.7).37 Mesmo já vindo, Jesus é aquele sobre
quem Moisés e todos os profetas continuam a dar testemunho (Lc
24.27,44; Rm 3.21). De acordo com João 5, o AT aponta para além de
si mesmo, ou seja, aponta para Cristo (v. 39-40); o leitor que crê em
Moisés está pronto para crer em Jesus (v. 46).

CRISTO E A LEI MOSAICA

O relacionamento entre Cristo e a lei mosaica é com plexo e


multifacetado. Ele é seu objetivo, seu Senhor e seu mestre.

Cristo, o objetivo da lei mosaica


Paulo descreve a lei como um guia que Deus nomeia para
orientar e proteger seu povo até a vinda do grande tutor (G13.24).38
Os adversários de Paulo em 2Coríntios fracassam em ver que a ver­
dadeira razão de ser da economia mosaica foi preparar uma nova
ordem, mais gloriosa. Ser mais fiel a Moisés é voltar-se, como ele
fez, ao Senhor (3.16), que agora significa voltar-se para Jesus Cristo
(3.14; 4.4-6). Resumindo, Cristo é o TeXoç, a meta, para quem a lei
apontou, e à parte dele a lei não pode ser completamente entendida
(Rm 10.4).39
Além disso, Cristo é o m odelo da lei. Por sua fidelidade à lei
em todas as suas dimensões, Jesus exemplifica e personifica a vida
santa e reta ordenada pela lei.40
Cristo é o objetivo da dimensão da lei cerimonial. A repeti-
tividade do cerimonial mosaico confirma seu caráter temporário
(Hb 10.1-3). Na morte de Jesus, é concedido o perdão prometido
em Jeremias 31 (Mt 26.28); foi somente com a visão da morte expia­
tória do seu Filho que Deus deixou impunes os pecados anterior­
mente cometidos (Rm 3.25,26). A cruz é o evento salvífico que os
sacrifícios do AT prenunciaram; reciprocamente, as interpretações

227
C ontinuidade e descontinuidade

ligadas àqueles sacrifícios no AT são agora invocadas para explicar


a morte de Jesus.41 Uma vez que o grande sumo sacerdote aniquilou
o pecado p o r m eio do sacrifício de si mesmo” (Hb 9.26; cf 10.12),
não há necessidade de que os sacrifícios preventivos continuem. O
cerimonial levítico é “ abolido” (Ef 2.15), precisamente porque seu
propósito foi plenamente atingido.42 A realidade expulsa a sombra
(Hb 8.5; 10.1), não pela substituição, mas dando-lhe conteúdo.43
Cristo é também a meta da dim ensão da le i civil. Em Jesus
o povo de Deus é reconstituído. Para que dos dois [judeus e
gentios] cria sse, em s i m e s m o , um novo hom em , fazendo a paz
(Ef 2.15) (g rifo do autor). Eie - o Cristo com partilhado - é o
novo “ Israel de Deus” .44 Em outras palavras, a contraparte do NT
para o Israel do AT, considerado com o “ um corp o p o lític o ” , é a
igreja cristã, não a socied ad e pluralista no m eio da qual ela está.
Somente Jesus é a “ C a b eça ” da igreja .45 Sobre a igreja e através
da igreja e le exerce sua m ajestade soberana - na expectativa do
dia quando seu reino será universal.46

Cristo, o Senhor da lei


O Cristo que declara a lei da montanha (Mt 5-7) não é somente
um novo Moisés (5.1; 23.2). Ele é Javé encarnado (1.23) e agora
vem expor sua própria lei.47 Não é de admirar que ele se declare
senhor do sábado (12.8) e se mostre Senhor do templo (21.12,13).
João 1.17 não menospreza a lei mosaica. A o contrário, João parte
de algo em que a graça e a verdade são expressas (i. e., a lei) para
chegar- àquele em quem essas coisas são inerentes, ou seja, parte
da lei para chegar ao legislador. A o encarnar e transmitir graça
e verdade (1.14,17), Jesus revela plenamente o caráter de Javé a
Israel no Sinai (Jo 1.1,18; 14.9).48 A declaração de Paulo de que os
cristãos não estão mais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Rm
6.14,15) não deve ser isolada do seu grande ensino sobre a vida
do crente (év XpiaTíS). Porque é exatamente aqui, em Cristo, que
eles experim entam a graça. Paulo não fala de se afastar da lei para
outra coisa, mas de se afastar da lei para uma união profundamente
pessoal com o legislador, em harmonia com o mais alto propósito
da lei mosaica.49
Como Senhor da lei, Cristo vence o pecado. No ensino de
Paulo o arqui-inimigo do povo de Deus não é a lei mosaica, mas
o pecado - um poder que os escraviza por meio da lei. Também

228
A lei de M oisés e a lei de C risto

arrolado a serviço do pecado, e ajudando seu propósito, estão


os poderes demoníacos.50 A o vencer o pecado, Cristo, o Senhor,
arrebata a lei das garras do pecado. O que antes foi uma ferramenta
de um senhor maligno, torna-se agora um m eio de graça nas mãos
do Senhor generoso. No processo, Cristo desarma os poderes hostis
que, como lacaios do pecado, tinham usado a lei (G1 4.5) e a nossa
culpa como transgressores da lei (Cl 2.14), como armas contra nós.51
Ele nos redime da maldição da lei (G1 3.13; 4.5) e crucifica a promis­
sória de nossa dívida (C l 2.14),52 assegurando dessa forma o nosso
perdão (v. 13). Nossa união com ele em sua morte e ressurreição nos
liberta da escravidão aos poderes e nos coloca sob o seu senhorio
(C l 2.11,12,20; cf.Rm 6.6).
Cristo, não a lei, é o Senhor do crente. O crente deve encontrar
descanso no p róp rio Jesus (Mt 11.28) antes de receber a lei como
ele a expõe (v. 29); caso contrário, quem guardar a lei ficará escra­
vizado. Mas sob Cristo, o Senhor, a guarda da lei é uma forma de
descanso (v. 28-30; 12.1-8). Como escravo ôoüXos de Cristo (Rm 1.1;
G11.10), Paulo não p od e ficar sob outro senhor - seja ele o pecado, a
lei ou qualquer outro poder.53 Isso não faz de Paulo um antinomista,
mas faz da escravidão a Cristo a realidade fundamental. O contexto
essencial para a submissão do crente à lei é a sua vida em Cristo.
A linguagem de ICoríntios 9.21 êvvop.os XpiGToí), debaixo da le i de
Cristo - lembra a expressão c-v X plcttw e coloca firmemente a obser­
vância da lei no contexto da união pessoal com Cristo. A pessoa está
ligada à lei de Cristo por estar primeiramente ligada ao próprio
Cristo.54 Entendida dessa forma, a observância da lei torna-se uma
expressão de escravidão a Cristo, não à lei.55
Divorciada da vida em Cristo, a observância da lei tornar-se-ia
novamente uma expressão de escravidão ao pecado. Mas quem está
ligado a Cristo entra numa vida de liberdade e amor precisamente
de um modo que o prende à sua lei (IC o 9.19-23).56 Colossenses
2.16-23 não defende a abolição de “ regras” e “ normas” ; ao contrário,
adverte os leitores de que, sob a influência dos rudim entosaToixeía57
não permitam que as tradições humanas suplantem a lei de Deus (v.
22,8), adorando a lei em vez de adorar a Deus (v. 17-19), obedeçam
leis por causa dos homens, não por causa de Deus (v. 16a), e assim
se tornem arrogantes (v. 18,23). A única esperança dos que guardam
a lei é se apegar a Cristo, a cabeça (v. 19). Ele é a realidade que
todas as regras mosaicas predisseram (v. 16,17). Ele triunfou sobre a
aToixeía (v. 8-15); os cristãos morreram não para a lei, mas para estes

229
C ontinuidade e descontinuidade

rudimentos do mundo (v. 20). O novo senhor deles é Deus encarnado


(v. 9) e a personificação da sabedoria (v. 3), que agora, como cabeça
da sua igreja, novamente expõe sua lei por m eio dos seus apóstolos,
convocando os crentes ao amor de Deus e ao próximo (3.5-4.6).

Cristo, o Mestre da lei


Durante seu ministério público, Jesus exerce seu senhorio ao
ensinar a lei aos seus seguidores por meio dos apóstolos. Ele faz isso
com base na tríplice tradição da lei, dos profetas e da sabedoria. O
que acontece à lei de Moisés nas mãos de Cristo, o Senhor?
Cristo é o profeta, o sábio, o novo Moisés e Javé encarnado.58
Além disso, Jesus exemplifica e personifica a lei que ele expõe: ele
mesmo é cheio de graça e de verdade (Jo 1.14, 17); ele mesmo é
manso e humilde de coração (Mt 11.29). Por todas essas razões, ele é o
“ melhor intérprete” 59 da lei.
Na imagem de Gálatas 3-4, a história de Israel sob Moisés foi
a infância do povo de Deus, enquanto agora, pela união com Cristo,
eles se tornaram filhos adultos. Dirigidos pela lei durante a infância,
eles avançam agora não além da lei para outra coisa, mas para uma
união profundamente pessoal com o legislador triúno (4.4-7). Eles
não se tornaram fora da lei (cf. 6.2), mas estão preparados para uma
compreensão mais profunda da lei antiga e para uma maior fideli­
dade a assuntos mais influentes do que foi anteriormente possível
(cf. 5.6,14). A lei da forma que foi dada por Moisés continha muitas
instruções detalhadas. Isso somente evidencia o fato de o povo de
Deus estar em sua infância. Os estudantes avançam agora para um
estágio no qual estão prontos para converter regras em princípios,
ou melhor, descobrir os princípios subjacentes às normas desde o
princípio.60
O texto para o ensino de Cristo é a própria lei mosaica. Como
Senhor da lei, Jesus a expõe e ordena seus súditos que a obedeçam.
Mateus 5.17-20 é fundamental para o todo de 5.21-7.12.61 “ A le i” de
5.18 é a lei mosaica, como está claro na referência imediatamente
precedente à le i ou os profetas (v. 17). No versículo 19 Jesus elogia
quem observa e ensina estes mandamentos - isto é, os mandamentos
do versículo 18. A “ justiça” à qual Jesus convoca seus discípulos (v.
20) é exatamente a qualidade de vida à qual a lei mosaica convocou
Israel. A antítese de 5.21-48 ( Ouvistes que foi dito aos antigos [...] Eu,
porém , vos digo) aponta não para uma diferença de assunto (Jesus

230
A lei de M oisés e a lei de C risto

não substitui, mas interpreta a lei), mas para uma mudança de tempo
(o eschaton havia chegado) e de mestre (Jesus havia chegado para
expor sua própria le i). A inauguração do reino e a chegada do rei
messiânico produzem o fim da era da lei, mas não da própria lei. Ao
contrário, o próprio rei declara que a lei mosaica será preservada
em sua integridade até que tudo se cumpra (v. 18b) - isto é,Até que
o céu e a terra passem (v. 18a) - ou seja, até que o reino de Deus
seja consumado e sua vontade seja feita na terra da mesma forma
que é feita no céu (6.10; cf. 24.34, 35).62 De acordo com 2Timóteo 3,
as sagradas letras não somente apontam para a salvação pela fé em
Cristo Jesus (v. 15), como também permanecem como um guia para o
crente: Toda a Escritura [incluindo a lei mosaica; cf. 1.8,9] é inspirada
p o r Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra (v. 16,17).63 De fato, por
causa das grandes realidades escatológicas, a lei é agora mais “ pro­
veitosa” do que nunca. De acordo com a tradição reformada, o uso
principal ou normativo da lei mosaica é fornecer uma regra de vida
aos cristãos.64
Está claro, com base na evidência acima, que a exigência por
“justiça” (Mt 5.20) é um apelo para redescobrir o AT e ob ed ecer a
certas exigências existentes na lei mosaica, ante a desobediência à lei
por seus adeptos mais escrupulosos (v. 20)65 e o repúdio à lei pelos
falsos profetas antinomistas (7.15-20).66 Descobre-se que a “justiça
que supera” não é o abandono da lei, e sim ir mais profundamente
nela.67 Então percebe-se seus assuntos mais importantes: a justiça, a
misericórdia e a fé (Mt 23.23). Também se descobre, bem no centro
da lei, o duplo mandamento para amar a Deus e ao próximo. Mateus
5.43-48 ensina que o amor dos discípulos, assim como o amor do Pai
celestial, não deve ter limites (v. 48; cf. v. 45-47; Lc 6.36; 10.25-37) -
como já ensinado em Levítico 19, que ordenou amar tanto os israeli­
tas compatriotas (v. 18) como os estrangeiros (v. 33,34).68Em Mateus
22.37-40, Jesus não declara uma nova lei, mas recorda os ouvintes
do âmago da lei existente e, no processo, explica todos os manda­
mentos separada e efetivamente, todo o AT.69 O que Jesus começa,
os apóstolos continuam (v.Rm 13.8-10; IC o 8.1-13; 13.1-13;G15.6,14,
22,23;T g 2.8; 1Jo 2-5).70
O ensino da lei por Jesus envolve um apelo à obediência
radical. Em Mateus 5-7 Jesus não expõe uma nova lei. O Sermão do
Monte não é um deuteronomium, não é mera repetição do ensino

231
C ontinuidade e descontinuidade

do AT. A lei mosaica perm anece totalmente no “ texto” de Jesus;


mas sua exposição é inédita, decisiva e conclusiva.71 O amanhecer
do eschaton e a presença de Javé encarnado são realidades de tal
magnitude que Jesus convoca seus seguidores à forma mais radical
de observância da lei. Mateus 5.20 tanto conclui 5.17-20 como
introduz 5.21-48 (efseg.). A “ justiça” dos discípulos se dá pela fideli­
dade à antiga lei (o assunto dos v. 17-19) como interpretada p o r Jesus
(v. 21-48). Essa justiça “ supera a dos escribas e fariseus” (v. 20) tanto
no fato de marcar a redescoberta de uma qualidade de obediên­
cia que os defensores da lei haviam perdido com o na intensificação
ou aumento de obediência relacionada à chegada do reino.72 Que
vos ameis uns aos outros é um novo mandamento (Jo 13.34), porque
pressupõe a suprema revelação do amor do próprio Deus na pessoa
e na obra de Jesus.73A graça radical apela para a obediência radical.
As palavras de Jesus para o jovem rico (Mt 19.21) são um apelo tanto
para a obediência renovada (o homem tem ainda de honrar o duplo
mandamento do centro da lei mosaica)74 como para a obediên­
cia radical (amar a Deus e ser TÉXeioç agora exige submissão ao
senhorio de Jesus, Deus conosco, Mt 1.23).75
O quadro a seguir ilustra a exposição de Jesus, singularmente
autorizada, da lei mosaica, pela qual ele convoca seus seguidores
tanto à obediência renovada como à radical.76

LEI DE MOISÉS LEI DE CRISTO

Dimensão civil

Dimensão cúltica

Dimensão m oral

Duplo mandamento
do amor

A LEI E O ESPIRITO

232
A lei de M oisés e a lei de C risto

Assim como os espíritos inimigos ajudam o pecado em seu


uso da lei, Cristo, o Senhor, administra a lei por seu Espírito Santo.
O Espírito Santo é o Espírito da verdade. A o testemunhar de
Jesus (Jo 15.26), o Espírito engrandece aquele que personifica a
“ graça e a verd a d e” da lei (Jo 1.17) e, assim, amplia e não substitui
o testemunho de Moisés (Jo 1.46; 3.14; 5.46). A “ carta” d e 2Coríntios
3.2,3 é escrita p o r Cristo (v. 3a) com o Espírito (v. 3c) em corações
humanos (v. 3b) p e lo ministério de Paulo (v. 3b). O que Cristo
escreve por ação do Espírito é, ou p elo menos contém, exatamente
a lei que Deus escreveu em tábuas de pedra. Paulo não fala que
o evangelho substitui a lei, nem fala de uma nova lei, mas de uma
administração nova e mais pessoal da antiga lei. Isso eu concluo
com base nas alusões no versículo 3 a Êxodo 31.18, Jeremias 31.33,
Ezequiel 36.26 e ao assunto de 2Coríntios 3.14-18.77É o véu - não a
lei - que é rem ovido pela obra do Espírito (2Co 3.13-18). Uma vez
rem ovido o véu, entende-se mais profundamente a lei e é possível
usá-la mais produtivamente do que nunca. Concebida sem o
Espírito, a lei mosaica (e a Escritura do AT em geral) é 'ypdii.iia,
“ letra” morta. Empregada p elo Espírito, sob o senhorio de Cristo,
a lei é •ypactiri, é a santa “ escrita” de Deus para nutrição e deleite
de seu povo.78 O Espírito internaliza a lei - isto é, ensina a lei da
forma mais profundamente pessoal. Assim, não é surpresa que a
qualidade mantida no mandamento fundamental da lei - ou seja, o
amor - é a suprema qualidade que o Espírito cultiva.79
O Espírito é também o Espírito de liberdade. A o nos libertar
de uma falsa compreensão da lei (ou seja, que alguém é justificado
pelas obras da lei), e levando-nos da época da lei para a época
do Messias, o Espírito nos liberta para a lei.80 Além disso, a forma
pela qual o Espírito promove a liberdade é transmitindo a lei do
amor. Paulo escreve em ICoríntios 9.19: Porque, sendo livre de
todos [pois sou servo de Cristo, G1 1.10], fiz-me escravo [êSoúXwaa]
de todos [porque Cristo, o Senhor, me ordena a amar meu sem e­
lhante, Rm 13.8-10] a fim de ganhar o m aior número possível. A escra­
vidão de Paulo a outra pessoa é um exercício de liberdade cristã:
fiz-me escravo. ‘“ O cristão é o mais livre senhor de todos, não sendo
submisso a ninguém. O cristão é também o servo mais d ó c il, sempre
submisso a todos. ‘Submisso a ninguém’ no tocante à sua liberdade;
‘submisso a todos’ no tocante à sua caridade” ’ .81 Assim, Paulo foi
livre para abdicar de seus direitos e expressar amor a seus compa­
nheiros cristãos (IC o 8-10).82 Sua expressa disposição de se abster

233
C ontinuidade e descontinuidade

de carne oferecida aos ídolos (IC o 8.7-13) concorda com a deter­


minação do Decreto Apostólico (At 15.20, 29). Todavia, a resolução
de Paulo não é uma reação forçada a uma diretriz externa, mas uma
livre resposta aos estímulos internos do Espírito esclarecedor. Ele
apela a outros à mesma resposta, quando escreve: Cada um contribua
segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou p o r neces­
sidade; porque Deus ama a quem dá com alegria (2Co 9.7). Com
isso, a essência da lei de Moisés chega ao seu mais profundo cum­
primento. Responder aos estímulos do Espírito não é incompatível
com as diretrizes externas, como está claro pela simples presença
de ensinos éticos nos próprios escritos de Paulo. Mas, ao contrário
dos ataques em Colossenses 2.16-23, as diretrizes externas de Paulo
surgem de uma fonte interna e confiável - em outras palavras, o
Cristo que habita por seu Espírito - e se concentra em princípios em
vez de em normas e regulamentos.
Finalmente, o Espírito é o Espírito de poder. Quem morreu
para o pecado (Rm 6) morreu também para a lei com o ferramenta do
pecado (7.4).Nas mãos do novo senhor e do Espírito que ele concede
(7.1-6; 8.1 -17), a lei torna-se um meio de graça. O propósito da união
do crente com Cristo é que o crente produza frutos para Deus (7.4)
- isto é, dar evidência daquela exata justiça e santidade às quais
a aliança sinaítica convocou Israel (Rm 6.13-23; 8.4; Lv 11.44,45).
Efetivamente, fazer isso requer conhecimento da lei de Deus e
obediência a ela.83 O escravo do pecado está preso à lei de forma
errada e oferece seus membros para a escravidão da impureza e da
maldade para a maldade (Rm 6.19), precisamente por m eio do seu
conhecimento da lei (7.7-13). Mas o escravo de Cristo agora é livre,
pois serve em novidade de espírito (7.6). O Espírito não somente
esclarece a lei aos crentes; ele provê o poder necessário para eles
fazerem o que a lei ordena. Enfraquecida como está pela “ natureza
pecam inosa” ou pela “ carne” (agente do pecado), a lei em si não
p od e nos capacitar a andar da forma que ela prescreve (8.3a).
Mas Cristo venceu o pecado por sua morte (8.3b) e mandou seu
Espírito para vencer a carne. O propósito dessa dupla conquista
é que o preceito da le i se cumprisse em nós (8.4).84 Os que andam
segundo o Espírito (8.4b) - isto é, no poder dele - estão tanto capa­
citados como dispostos a se submeter à lei de Deus (v. 7,8) - cuja
submissão é um meio pelo qual o Espírito vence a carne (v. 13).85
Portanto, a utilidade da lei para o cristão, longe de ser contrária
à graça do evangelho “ concorda suavemente com a graça: o Espírito

234
A lei de M oisés e a lei de C risto

de Cristo submete e capacita a vontade do homem para fazer livre


e alegremente o que a vontade de Deus, revelada na lei, requer que
seja feito” .86

LEI E GRAÇA

No NT, assim como no AT, a lei repousa sobre a graça. A base


tanto para o chamado como para o compromisso com a obediên­
cia radical (Mt 5.17-48) é a experiência da salvação pela soberana
graça de Deus (v. 3-12).87Para Paulo, o conceito de justificação pelas
obras da lei é ilegítimo, porque Deus ordenou que a justificação
ocorresse mediante a resposta da fé à promessa como cumprida em
Cristo, e que conseguir a justificação pelas obras da lei é impos­
sível, considerando a pecaminosidade fundamental do homem.88 É
precisamente como pecadores salvos pela graça, unidos a Cristo e
habitados pelo Espírito Santo, que os cristãos abordam a lei.89
Além disso, a lei é uma manifestação da graça. No NT (assim
como no AT) mover-se do evangelho para a lei é mover-se de uma
manifestação da graça de Deus para outra. Jesus dá descanso ao seu
povo transmitindo sua lei (Mt 11.28-30).90 Os mandamentos de Deus
não são penosos (ljo 5.3b), mas são diretrizes para mostrar o amor
a Deus e ao próximo (5. l-3a). Nas mãos de Cristo e do Espírito a lei
não mais escraviza as pessoas (G1 5.1b); ao contrário, capacita-as
a exercer responsavelmente sua liberdade recente (5.13,14). Tiago
fala da lei perfeita, a lei da liberdade (Tg 1.25; cf. 2.12),para mostrar
amor a todos os semelhantes (Tg 1.26-2.13, incluindo a citação de
Lv 19.18 e m T g 2.8).
A consciência do amor salvador de Deus inspira um amor
que a ele reage, que se expressa em obediência aos mandamentos
de Jesus, dos quais o principal é amar ao próximo (Jo 13.34; 14.15;
15.9-17; ljo 3-5). A o fazer “ boas obras” (Ef 2.10), judeus e gentios
redimidos expressam sua gratidão a Deus por sua graça salvadora
(2.5-8), e essa é a resposta deles de amor ao amor de Deus que os
elegeu (1.4,5; 2.4). O Catecismo deH eidelberg apresenta o Decálogo
sob o título “ Gratidão” .91 Além disso, a graça radical apela por o b e­
diência radical. Porque a pessoa e a obra de Cristo são a suprema
revelação da graça de Deus, o apelo à obediência deve ser recebido
com a máxima seriedade. O menosprezo a Cristo coloca a pessoa na
mais perigosa posição (Mt 11.20-24; Hb 2.1-4); tratar com leviandade

235
C ontinuidade e descontinuidade

seus mandamentos coloca a pessoa sob ameaça do mais severo jul­


gamento (Mt 7.13-27).92 Um importante incentivo para a obediên­
cia dos cristãos à lei de Deus é a esperança de serem julgados de
acordo com suas obras (IC o 3.10-15; 2Co 5.10;Rm 14.10-12).Porque
a lei “ dá liberdade” para ob ed ecer ao mandamento de Deus para
ser misericordioso, porque o juízo é sem misericórdia para com
aquele que não usou de misericórdia, quem não ob ed ece ao seu
mandamento (Tg 2.12, 13).93
Enquanto a obediência é a resposta à graça, a graça é a con­
sequência da observância da lei. A o m isericordioso será mostrada
m isericórdia (Mt 5.7). Em resposta à obediência de seus filhos,
o Pai dá ainda mais graça94 (cf. nota 21). A justiça pela qual os
crentes esperam (G1 5.5) é uma dádiva tão grande quanto aquela
que os incluiu no evangelho (Rm 1.17; 3.21). No juízo final, os que
o b ed ecem à lei serão de fato declarados justos (Rm 2.13), não
como base para o perdão, mas como alegre aceitação do Pai e
aprovação do que eles fizeram em resposta à graça (cf. IC o 4.5; Mt
25.21;Tg 2.14-26).93

AS TRÊS DIMENSÕES DA LEI

A supremacia da dimensão moral


Isso é especialmente evidente na declaração de Jesus sobre “ o
que há de mais importante na le i” (Mt 23.23). Vamos esclarecer esse
ponto ao examinar Marcos 7.1-23. Nesse texto Jesus não somente
repudia a tradição humana (v. 1-13) ao declarar “ limpos” todos os
alimentos, como também reverte a lei divina (Lv 11).
As leis relativas a animais impuros (Lv 11) ofereciam um duplo
lembrete. Primeiro, lembravam redenção. A distinção entre animais
“ puros” e “ impuros” lembrava Israel de que Deus o havia separado
de outras nações para ser sua nação santa (Êx 19.6). Segundo, essas
leis cerimoniais apontavam para uma ordem moral.

Somente os membros normais de cada esfera da criação, p.


ex., peixes com barbatanas, eram considerados puros. Essa
definição, que identificou os membros “perfeitos” do reino
animal com pureza, serviu para lembrar que Deus buscava
perfeição moral em seu povo. Pássaros comedores de carniça

236
A lei de M oisés e a lei de C risto

e animais carnívoros eram impuros porque também tipificavam


os instintos pecaminosos, destrutivos e assassinos do homem.96

Qual é a consequência da vinda de Jesus? Com relação à


moralidade, há continuidade. A verdadeira impureza não está na
comida que entra no corpo, mas nas propriedades que se alojam,
por assim dizer, no coração. Jesus não se opõe aos rituais com o tais.
A o contrário - como o próprio AT ele aponta o tríplice p erigo
de separar a lei cerimonial da lei moral (esvaziando, assim, o sig­
nificado da lei moral), de valorizar a pureza ritual mais que a
pureza moral e de permitir que a exatidão ritual dissimule grande
mal moral (Mc 7.9-13). Jesus se concentra no coração (v. 6,19,21) e
sobre o Decálogo - isto é, sobre o amor a Deus e ao próximo.97 Com
relação à redenção, há descontinuidade. Com a chegada do reino,
a distinção do AT entre Israel e outras nações torna-se obsoleta. O
povo de Deus, reconstituído em torno de Jesus, inclui os gentios e os
judeus. Portanto, as distinções em Levítico 11 não servem mais ao
propósito redentor. “A distinção entre alimentos puros e impuros é
tão obsoleta quanto a distinção entre judeu e gentio.” 98

A dimensão moral
Como deixa claro a passagem acima, o amor a Deus e ao
próximo encontra expressão na obediência ao Decálogo.99 A
discussão a seguir dos mandamentos em particular é ilustrativa, não
exaustiva.
O primeiro mandamento é mencionado em Mateus 22.18-22.
Como a m oeda contém a imagem e a inscrição de César, a moeda
pertence a César; por isso é correto que seja dada a ele (v. 21b). Méis
se alguém quer se submeter à autoridade civil sem se sujeitar ao
estatismo e a adoração ao imperador, deve ficar escravizado ao ver­
dadeiro Deus (cf. 6.24). A o colocar “ Deus” acima de “ César” , Jesus
condena tacitamente a blasfema inscrição da m oeda.100 Somente
pela adoração unicamente a Deus é que alguém pode ob ed ecer a
César sem se tornar seu escravo.
Quanto ao segundo mandamento, Paulo identifica a idolatria
como um pecado fundamental que dá ensejo a muitos outros (Rm
1.18-32).101
Mateus 12.1-14 está relacionado ao quarto mandamento. Que
a misericórdia é mais importante que o sacrifício (v. 7, citando

237
C ontinuidade e descontinuidade

Os 6.6a) já é evidente em Êxodo 20.8-11 (em que o mandamento


propicia descanso do trabalho, mas não diz nada sobre oferecer
sacrifícios)102 e confirmado em 1Samuel 21.1-6 (onde Davi, para
conseguir alimento para si e seus companheiros, preserva o sexto
mandamento). Como senhor do sábado (v. 8),103 Jesus anula o ceri­
monial do sábado (os discípulos são “ inocentes” , [v. 7], porque a
proibição da colheita deixa de ser aplicada com a chegada do fim) e
revela a supremacia - e a contínua validade - da dimensão moral da
lei. Ele cita Oseias 6.6; declara seus discípulos “ inocentes” (porque
eles, tais como Davi e seus homens, estavam com fome, v. 1); e ele
cura uma pessoa em aflição (v. 9-13).
Romanos 14.1-8 fala também do quarto mandamento. A pessoa
que faz diferença entre dia e dia (v. 5a) é um cristão judeu que observa
dias especiais (incluindo o sábado) como prescrito na lei mosaica. A
pessoa que julga iguais todos os dias (v. 5b) é um cristão gentio. Paulo
identifica essas pessoas como débeis (fracas)e fortes respectiva­
mente (14.1,2; 15.1).104Paulo reconhece que o cristão judeu guarda
o dia para o Senhor (v. 6a). Todavia, sua fé, embora genuína e sincera,
é débil (ou fraca) (v. 1). O “ forte” compreende mais plenamente do
que o “ fraco” que as normas relativas ao sábado no AT são uma
sombra apontando para a realidade, que é Cristo (Cl 2.16-23), e que
o reino iniciado por Jesus marca o com eço da grande era do sábado
para a qual toda a história anterior apontava.103Tal percepção torna
possível julgar iguais todos os dias (Rm 14.5). O caráter santificado
antigamente reservado para o sábado estende-se agora a todos os
dias da semana. Todavia, a era do sábado, embora verdadeiramente
inaugurada, é apenas inaugurada. Enquanto a presente ordem da
criação continua, e até que a tensão escatológica seja finalmente
resolvida, a ordenança da criação do sábado perm anece em vigor.
Pode-se respeitar todos os dias igualmente e, ao mesmo tempo,
honrar o princípio do sábado que os seres humanos com o criaturas
requerem para o seu bem-estar.106 Quanto ao dia, o descanso do
sábado não deve ficar preso a um dia em particular, como se a
eficácia do descanso dependesse da observância deste dia em vez
daquele.107
Finalmente, deve-se notar que a lei do amor (Rm 13.8-10) é
fundamental para 14.1-15.13 (observe 14.15b).Tanto o “ forte” como
o “ fraco” estão ligados pela lei do amor; esse não é um dos “ assuntos
discutíveis” (14.1). O “ forte” , embora livre de regulamentos que
prendem o “ fraco” , perm anece ligado ao “ fraco” . E que o “ fraco” se

238
A lei de M oisés e a lei de C risto

previna para que não coloque leis a respeito de dias especiais na


mesma base que a lei fundamental do amor.
No que se refere ao quinto mandamento, a tradição de C orbã
(Mc 7.10-13) honra ostensivamente o primeiro mandamento acima
do quinto, mas na verdade encoraj a o egoísmo humano. Essa tradição
“ coloca o casuísmo acima do amor” - amor tanto aos próximos mais
íntimos da pessoa (seus pais) como a Deus (cujos mandamentos
estão sendo rejeitados).108 O bserve também o uso que Paulo faz
desse mandamento em Efésios 6.1-3).
Quanto ao sexto mandamento, a proibição contra a ira e o
assassinato (Mt 5.21,22), as severas penas pela ofensa verbal (5.22),
a exigência de rápida reconciliação com um irmão desviado (5.23,
24) e o conselho a vítimas de abuso (5.38-42), tudo reflete a inten­
sidade da comunhão e a preponderância do mandamento do amor
(cf. 5.43-48) na comunidade cristã. Veja também lPedro 4.15 e Tiago
2.11. Este último sugere enfaticamente que a pessoa transgride esse
mandamento ao negligenciar o pobre e necessitado.109
Como no AT, a quebra do sétimo mandamento começa com a
quebra do décimo (Êx 20.17; Mt 5.27,28; cf. Rm 7.7). A severidade
de Mateus 5.29,30 ilustra a obediência radical que o Senhor exige
dos cidadãos do reino. Também pertinentes são as frequentes proi­
bições do NT contra as várias expressões de (TTopueíg).110
Em Mateus 5, Jesus considera o divórcio junto com o adultério
(v. 27-32). Nós focamos Mateus 19.3-12. Com base na revelação de
Deus “ no princípio” , o divórcio é sempre ilegal, porque ele desune
o vínculo conjugal que Deus estabeleceu (v. 3-6; Gn 2.24). É a queda
(Gn 3) que explica a “ dureza do coração” dos homens, o desejo do
divórcio e o veredicto de Deuteronômio 24. Agora, com a chegada
do reino, o paraíso deve ser restaurado. Jesus lembra os discípu­
los da unidade e da inviolabilidade do casamento de acordo com
Gênesis 2.24. A chegada do fim produz graça sem precedentes. A
“ infidelidade conjugal” (v. 9) era punível com a morte sob Moisés
(Lv 20.10-16).111 Agora, diz Jesus, há base legítima para o divórcio -
que por dedução exclui a pena de morte (cf. Jo 8.1-11).
Além disso, de acordo com o ensino de Jesus, a parte ofendida
não somente p od e abdicar do seu direito ao divórcio (isso não era
permitido sob Moisés), como também pode se reconciliar com sua
esposa depois do rompimento (no caso de nenhum deles haver
se casado), o que não era permitido sob Moisés (v. Dt 24.1-4). A

239
C ontinuidade e descontinuidade

imoralidade (Tlopveía) é efetivamente a causa da ruptura do vínculo


conjugal, mas Jesus mantém nossa esperança de cura do rompi­
mento por m eio dos poderes do reino.
Mas, se há uma nova misericórdia, há também um novo rigor.
Jesus exclui totalmente os motivos permitidos para o divórcio de
acordo com Deuteronômio; nopi^eía é agora a única base legal para
o divórcio e o novo casamento (Mt 19.9; cf. 5.32).112 Finalmente, há
um novo poder. A “ palavra” do versículo 11a não é a declaração do
versículo 10, mas o “ ensino” (NVI) dos versículos 4-9. O versículo
11b fala de discípulos a quem Jesus qualifica para o casamento nos
termos de Gênesis 1-2, a quem ele capacita para a tarefa e que
são, consequentemente, capazes (v. 12c) de aceitar a restrição do
versículo 9.113
Os mandamentos de oito a dez também continuam válidos.
Isso é evidente com base em textos como Mateus 15.19; 19.18;
Marcos 7.21,22; Lucas 12.15; Romanos 13.9; ICoríntios 6.9,10 e
Colossenses 3.5.

A dimensão cerimonial
No NT, como no AT, a dimensão moral da lei é inseparável da
cerimonial. Como ilustrado na figura no final da minha seção sobre
Cristo como mestre da lei, o NT testemunha não uma “ descerimonia-
lização” , mas uma “recerimonialização” da lei.
Com relação ao jejum, a vinda de Jesus requer celebração, não
com o intuito de lamentação (Mt 9.14,15a ). Mas dias virão [...] em que
lhes será tirado o noivo (v. 15b), e então o jejum será adequado.114
Apesar de sua presença até a consumação do século (28.20), somente
quanto ele estiver novamente presente por completo (16.27) o jejum
de lamentação e a saudade dos discípulos se tornarão desneces­
sários. Jesus não somente permite o jejum; ele o salvaguarda ativa­
mente (cada uma das ações geralmente evitadas - 9.16,17 - deve
terminar e não ser preservada), ao mesmo tempo que insiste que
os discípulos jejuem de forma inteligente e alegre - isto é, conside­
rando que os últimos dias chegaram (cf. 6.16-18).115
Além disso, as curas realizadas por Jesus e seus apóstolos
caracterizam e celebram a inauguração do reino do Messias (Mt
10.7,8; 11.2-6). São cerimônias de natureza profundamente pessoal,
suplantando as antigas e externas (Mt 12.2) e revelando a centra-
lidade do amor ao próximo (12.11-14). Quando Jesus anuncia na

240
A lei de M oisés e a lei de C risto

grande era do sábado, as curas no dia de sábado são especialmente


apropriadas (Lc 13.16).
Quanto ao batismo, esse ritual tem características em comum
com sua contraparte no AT, a circuncisão.116Mas a mudança no sinal
pactuai testemunha a chegada do dia da graça. Diferentemente da
circuncisão, o batismo sinaliza tanto o despojamento do antigo como
a aceitação do novo (C l 2.11-13; 3.10). Pessoas do sexo feminino e
masculino podem agora receber o sinal pactuai; e receber o novo
sinal não envolve dor.117
No cerimonial do AT, o templo era de importância crucial. O
tema do templo não é descartado, mas transformado. O novo templo
é formado por pessoas: seu fundamento é Cristo (ou Cristo junto
com “ os apóstolos e profetas” ); suas pedras são “ vivas” ; é sempre
“ crescente” ; tanto quanto o antigo templo, ele é a habitação do
Deus santo.118 De acordo com outra imagem, os crentes servem
como sacerdotes do templo de Deus, oferecendo seus louvores e, de
fato, a si mesmos.119 Seus “ sacrifícios espirituais” são na verdade as
qualidades que Javé desejou ver em seu povo sob M oisés.120 Como
redimidos, eles recordam permanentemente a morte de Cristo
- como Israel sob Moisés lembrava a Páscoa.121 Embora sem ser
repetida, a cruz possui eficácia expiatória que os crentes pecadores
devem invocar repetidamente.122
Finalmente, quanto ao dízimo, o NT não o suprime, mas
pressupõe sua prática.123 Jesus afirma sua correção; o que ele
lamenta é a preocupação em dizimar a ponto de negligenciar a
maior importância da lei (Mt 23.23).124 A carta de 2Coríntios 8-9
sugere que quem recebe as riquezas de Cristo estará pronto não
para deixar de dizimar, mas para excedê-lo.12S

A dimensão civil
Quanto às duas outras dimensões da lei mosaica, ocorre uma
transformação - que podem os chamar de uma re-humanização.
Novamente nossa discussão é meramente ilustrativa.
Em ICoríntios 5 o enfoque é o incesto. A contraparte do
tribunal israelita é a igreja cristã reunindo-se em assembléia
judicial pela autoridade de Cristo e de seus apóstolos (v. 3-4). A
lei mosaica exigia que as pessoas que cometessem incesto fossem
mortas (Lv 20.11). Em ICoríntios 5 a pena é a excomunhão (v. 13). O
princípio do julgamento apresentado em Levítico 20.11 é mantido

241
C ontinuidade e descontinuidade

(acentuadamente o v. 13b usa a linguagem de Dt 17.7; 19.19). Em


outras palavras, dentro da igreja, não há penalidade mais forte do
que a excomunhão, particularmente como descrita no versículo
5. Mas não há também misericórdia nas orientações de Paulo. O
fato da parte culpada ser sentenciada à excomunhão em vez da
morte aponta para a graça presente na escatologia. Além disso,
o propósito da sentença é que o homem se conscientize de sua
verdadeira condição e, arrependido, retorne à custódia protetora
da igreja.126
As ações judiciais entre os crentes são tratadas em ICoríntios
6. Aqui, como no capítulo 5, é a igreja que deve tratar de tais assuntos.
Paulo deplora recorrer a juizes de fora (v. 1-6). Orientações para
tratar de tais questões são encontradas (inter alia) no D ecálogo
(Rm 13.9-11) e na lei referente ao amor ao próxim o (Rm 13.7,8).127
Romanos 13.1-14 trata do cristão e a autoridade civil. Os
leitores de Paulo são cidadãos tanto de uma comunidade terrena
com o celestial (Fp 3.20), tendo obrigações reais - mas distintas -
para com ambas.128Além disso, “ embutidas na estrutura da criação”
estão as ordenanças do sábado, casamento e trabalho A aliança
, 129

de Deus com N oé salvaguarda a terra e a vida humana (Gn 8.21,


22; 9.1-6). A lei mosaica, do Decálogo em diante, confirma todas
estas leis.130 Analogamente, o magistrado civil é responsável por
preservar essas três ordenanças da criação.131 Também é respon­
sável por honrar a “ aliança da preservação” feita por Deus com
N o é.132 Até onde deve se esperar que o Estado honre o D ecálogo
(não vá além da lei mosaica) é difícil dizer. Porque o Decálogo é uma
expressão mais completa e mais simples da lei moral gravada no
coração de todos os seres humanos133 e também a lei de Deus para
o seu povo redimido especificamente (Êx 20.2). O espaço não nos
permite examinar essa difícil questão.134
E o que dizer da responsabilidade do cristão para com o
Estado? O magistrado é tanto um governante a ser respeitado e
obedecido como representante de Deus (Rm 13.1-7), como um
próxim o a ser amado (v. 8-10).135Assim sendo, e em consonância com
sua dupla cidadania, os cristãos podem tanto usar “ a espada” em
nome do governante (p. ex., para defender o país contra agressão
estrangeira) como empunhar “ a espada do Espírito” por amor a ele
(i. e., ao declarar o evangelho quando dada a oportunidade).136Além
disso, a obediência do cristão ao Decálogo (v. 9) promove paz e esta­
bilidade tanto na igreja como na sociedade. Finalmente, Romanos

242
A lei de M oisés e a lei de C risto

13.11-14 coloca a questão toda na perspectiva escatológica. Todas


as comunidades terrenas são transitórias. Quando chegar “ o dia” (v.
12), o governo de Cristo terá encoberto todos os outros.

SURGE UMA HERMENEUTICA

Como determinar como a lei do AT passa para o NT? Que prin­


cípios hermenêuticos em ergem de uma consideração da evidência
neotestamentária contra sua origem no AT? Procuraremos responder
a essas questões usando o procedimento esquematizado no fim da
seção Programa. Os pontos a seguir são apresentados de modo
muito experimental, como base para um estudo mais detalhado.
Devemos considerar inicialmente o fator relativo a épocas.
Embora existam mudanças temporais no período do AT (cf. nota 26),
nada se compara ao momento decisivo que ocorre com a vinda de
Jesus. Ele é Javé encarnado, vindo agora para inaugurar os últimos
dias, para redimir o seu povo e lhe explicar novamente sua lei - tudo
com o propósito de realizar plenamente a união pactuai. Quando o
ensino do NT sobre a lei é visto à luz desse fator relativo a épocas,
em ergem duas importantes conclusões. Primeira, assim como o AT,
o NT fala da lei toda em vez de uma dimensão particular da lei. O
NT não autoriza a conclusão precipitada de que a dimensão moral
da lei mosaica deve ser preservada enquanto as dimensões ceri­
moniais e civis são lançadas ao mar. Em certo sentido, a totalidade
da lei perm anece em vigor. Devemos, portanto, rejeitar a ideia de
que somente os detalhes da lei mosaica que o NT expressamente
sanciona (seja na forma inalterada ou modificada) se aplicam aos
crentes hoje.137 Segunda, o NT indica que a lei em sua totalidade e
em todas as suas dimensões é afetada por essa mudança temporal.
Embora toda a lei seja preservada, ela é da mesma forma transfor­
mada e reformatada nas mãos de Jesus e dos apóstolos.138
Há também um fator cultural. O fator temporal fornece a base
essencial para com preender o cultural. A o mesmo tempo, o fator
cultural é crucial para determinar exatamente com o a lei é refor­
matada durante sua passagem da época de Moisés para a época
do Messias. Que luz as considerações culturais lança sobre esse
processo? Primeiro, existe uma particularidade cultural da lei. A
lei bíblica sempre se dirige e sempre reflete situações específicas
sociais e culturais. Isso perm anece verdadeiro em relação às três

243
C ontinuidade e descontinuidade

dimensões da lei; tanto para as leis apodíticas como para as casuís-


ticas; e para a exposição da lei tanto sob Moisés como sob Jesus.139
Em segundo lugar, precisamos estar atentos às mudanças
culturais (ocasionadas por mudanças tanto temporais como geo grá ­
ficas) entre o AT e o NT (para não mencionar diferenças dentro do
AT), e entre o século I d.C. e o século XX. Tal precaução nos ajudará
muito a com preender por que o estilo de obediência para os crentes
do NT é quase sempre muito diferente do prescrito para os israelitas
sob Moisés; e isso nos dissuadirá de uma tentativa de imitar rigida­
mente as normas do Pentateuco. Existem duas mudanças culturais
efetuadas pela vinda de Cristo, das quais devemos estar particu­
larmente conscientes: a inclusão dos gentios na família da fé e a
posição da igreja na sociedade pluralista do Império Romano.140
Em terceiro lugar, existem graus de diferença na orienta­
ção cultural. Alguns cristãos do NT se identificaram mais intima­
mente com as particularidades culturais da lei do AT do que outros
- cristãos judeus o fizeram mais intimamente do que os cristãos
gentios; os cristãos agricultores mais intimamente do que os habi­
tantes urbanos.
Finalmente, deve-se passar do caso para o princípio do caso.
Se, por um lado, todos os detalhes da lei mosaica ainda são rele­
vantes para os crentes, e se, por outro lado, existem significativas
diferenças temporais e culturais entre a situação do antigo Israel
e a igreja do NT, exatamente como vamos cuidar de interpretar e
aplicar as leis do AT hoje? Um m eio útil é p elo em prego do que
Walter Kaiser chama de “ escada da abstração” na qual move-se de
um antigo “ nível de especificidade” por meio de um intermediário
“ nível de generalidade” .141 Tendo rejeitado uma suposição sobre a
lei (ou seja, que somente aqueles detalhes da lei mosaica que o NT
expressamente sanciona se aplicam aos crentes hoje), quero agora
rejeitar outra - a saber, que os cristãos estão obrigados a ob ed ecer
a todos os detalhes que o NT não anula expressamente.142 Rejeito
essa hipótese por duas razões: em primeiro lugar, porque em alguns
casos a fidelidade à lei em particular é frustrada por nossa incapaci­
dade de discernir o princípio transcultural subjacente; em segundo
lugar, porque falar de “ anulação explícita” tão facilmente obscurece
o processo pelo qual a lei é transformada e reformatada por Jesus e
os apóstolos.143

244
A lei de M oisés e a lei de C risto

Uma consideração final é o fator pessoal. Com base nos fatores


temporais e culturais, levantamos duas questões que são cruciais para
a compreensão da aplicação da lei no NT: Primeiramente, o receptor
da lei é um não cristão ou um cristão? O primeiro permanece sob
uma maldição por seu fracasso em obedecer à lei e adorar o legisla­
dor.144 Além disso, tentar viver “ debaixo da le i” , separado de Cristo,
o Senhor, e do Espírito de poder é inevitavelmente viver “ debaixo
do pecado” . Mas, para o crente, a observância da lei provê a maneira
de mostrar gratidão pela salvação pela graça e o meio essencial de
mostrar amor a Deus e ao próximo. Em segundo lugar, então, que
grau de maturidade espiritual conseguiu o crente? A quantidade de
normas e regulamentos que os crentes (considerados tanto em grupo
como individualmente) precisam está diretamente relacionada ao
seu nível de maturidade espiritual.145 O crescimento em santidade e
em fidelidade ao duplo mandamento do amor é marcado por uma
progressiva internalização da lei - como é evidente já nos textos dos
profetas do AT e mais profundamente expressada nas cartas de Paulo.

O OBJETIVO DA OBSERVÂNCIA DA LEI

O objetivo da observância da lei é conhecer Deus, que é o


bem supremo do homem.146 Na linguagem do Catecismo m aior de
Westminster, “ O fim principal do homem é glorificar a Deus e delei-
tar-se para sempre ” (ne 1). Essas são duas expressões de uma grande
realidade: “ deleitar-se para sempre é glorificar. A o nos ordenar
que o glorifiquemos, Deus está nos convidando a deleitarmo-nos
n ele” .147 Finalmente, os que buscam honrar a Deus ao ob ed ecer à
sua lei serão conduzidos ao pleno desfrute da comunhão pactuai
por causa de quem a lei foi dada - por meio de Moisés e de Jesus:
... Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles.
Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles (Ap 21.3).

245
9

A lei de Moisés ou a lei de


Cristo

Douglas J. Moo

I ntro d ução

relação entre os Testamentos é um dos poucos assuntos

A de maior importância para a teologia bíblica e, em última


análise, para a teologia sistemática. E uma questão crucial
para a definição correta dessa relação é o grau de continuidade dado
à lei mosaica no NT. A lei é tão central para a aliança sinaítica que a
própria lei se agiganta no AT. Então, se o NT revela uma abordagem
predominantemente descontínua da lei, um considerável suporte
para uma visão descontínua dos Testamentos é fornecido; mas, uma
atitude mais contínua nos encoraja a achar mais continuidade entre
os Testamentos. O estudo desse assunto demanda tanto habilidades
exegéticas como sensibilidade teológica. Um ensaio sobre essa
matéria é, portanto, apropriadamente dedicado a S. Lewis Johnson,
C ontinuidade e descontinuidade

cujos muitos textos se destacam como m odelos de exegese


teológica ou teologia exegética! Particularmente, lem bro-m e bem
da censura do dr. Johnson a exegetas que falharam em reconhecer
mudanças teológicas no estudo de Romanos 5.12.1E, com o risco
d e me expor a censuras semelhantes, ofereço esse estudo da lei
ao dr. Johnson.
O título deste trabalho sugere que será apresentada
uma ênfase geralm ente descontínua sobre a lei na história da
redenção. Na essência isso é verdade. Mas devem os tomar muito
cuidado ao apresentar soluções simplistas para uma questão
tão com plexa. As simples alternativas continuidade e desconti­
nuidade são esboçadas com muita ousadia. Na realidade, é uma
questão de ênfase, com posições que variam num amplo espectro
d e alternativas. Embora a minha visão, então, se incline para o
fim do espectro descontínuo, espero ser suficientemente sutil em
meu tratamento para que os claros elem entos d e continuidade
não sejam ignorados. Muitos leitores deste volum e recon h ece­
rão o tamanho da questão à nossa frente. Vários versículos-chave
tiveram monografias inteiras a eles dedicadas.2 A última década
testemunhou um número quase esm agador de estudos signifi­
cativos da visão de Paulo sobre a le i.3 Quando confrontado com
assunto tão vasto, e p or causa da limitação d e espaço para escrever
sobre ele, temos duas opções: p e g a r um minúsculo p edaço do
quebra-cabeça e encaixá-lo no quadro maior, ou sugerir algumas
idéias gerais sobre o formato do p róp rio quebra-cabeça, com
argumentação e escopo necessariam ente limitados. Eu escolho a
última direção. Muitos pedaços do quebra-cabeça são ignorados
no que se segue, e até os mencionados não são tratados com pro­
fundidade. Especificam ente, pretendem os focar três pontos que
são centrais para a questão do grau da continuidade da lei entre
o AT e o NT: o que Jesus quis dizer ao alegar cum prir (TTÀriPÓw) a
lei e os profetas em Mateus 5.17; a importância da afirmação de
Paulo em Romanos 10.4 de que Cristo é o ré Xos [fim, objetivo?] da
le i; e a importância da alegação de Paulo d e que os cristãos não
estão mais debaixo da lei, mas debaixo da le i de Cristo. Tomados
em conjunto, esses três pedaços do quebra-cabeça sugerem que
uma nota clara de descontinuidade deve soar como um tema
básico nesta discussão.

248
A lei de M oisés ou a lei de C risto

"Eu VIM PARA CUMPRIR A LEI E OS PRO FETAS" ( M t 5.17)

Começamos com o ensinamento de Jesus e seu anúncio pro-


gramático: Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim
para revogar, vim para cum prir (Mt 5.17). Decisivo aqui é o significado
a ser dado à palavra TíXripóto (cumprir). O uso da expressão a le i e os
profetas em Mateus, bem como o contexto da passagem em pauta
que foca o relacionamento entre o AT e o ensino (5.21-48) de Jesus,
demonstram que ele está falando acerca de como o seu ensino se
relaciona com as exigências da lei feitas por Deus no AT. Os defen­
sores de certo grau de continuidade entre os ensinos de Jesus e a lei
argumentam que ele a cumpriu ao “ estabelecê-la” ou “ defendê-la” ,
devolvendo-lhe o significado realmente pretendido em resposta
às tentativas dos judeus de se esquivarem do seu sentido pleno.4
Mas, ainda que TtXripóoj possa significar isso, ainda que represente
o contraste mais natural com o termo (grego p. 204) ( “ abolir” ), esse
entendimento incorre em duas dificuldades fundamentais.
Primeira, o contexto não o apoia. Na “ antítese” de Mateus
5.21-48 Jesus simplesmente não restabelece o verdadeiro signifi­
cado da lei, como se estivesse fazendo a exegese dos textos rele­
vantes do AT. Nenhuma exegese da lex talionis levaria à conclusão
que não se deve resistir ao Maligno (5.38-39); que amar o próximo
em Levítico 19.18 significa amar o companheiro israelita, não, como
Jesus manda, amar o inimigo (5.43-47); nem que o AT requer que
alguém, para manter os juramentos, entenda que não se deve fazer
juramentos (se aplicado no sentido geral ou mais restrito) (5.33-37).
Temos de admitir que alguns dos requisitos de Jesus parecem
ser diretamente contra a perversão do ensino da lei entre alguns
judeus do seu tempo; o ódio ao inimigo (5.43) certamente não é um
ensinamento do AT. Mas perm anece o fato de que as próprias exi­
gências de Jesus vão consideravelmente além de qualquer exegese
razoável da maioria dos textos que ele cita; nem a maioria de suas
exigências encontra apoio em qualquer lugar do AT. O eu vos digo
enfatiza o novo e surpreendente foco na autoridade desse Jesus de
Nazaré, uma autoridade que vai muito além de uma reafirmação da
lei do AT.
Esses pontos têm influenciado grande número de estudiosos a
sugerir que TrXripów significa algo como “ aprofundar” ou “ aumentar” .
Jesus leva a lei do AT mais adiante ao aumentar suas exigências do

249
C ontinuidade e descontinuidade

externo para o interno (assassino-ódio; adultério-luxúria) e por


“ radicalizar” a vontade de Deus.5 Essa visão se relaciona melhor
com o contexto, mas, junto com a primeira concepção, não faz justiça
para o uso em Mateus do TrX rip óco . Essa palavra é central para o voca­
bulário teológico de Mateus; além de 5.17 ele a usa quinze vezes em
comparação com duas de Marcos e com as nove de Lucas. Há dez
ocorrências nas introduções das “ citações de fórmula” distintivas
de Mateus (1.22; 2.15,17,23; 4.14; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4; 27.9), duas
em declarações mais gerais de Jesus em relação ao cumprimento
da Escritura (26.54,56), uma na razão dada para o batismo de Jesus
(3.15), e duas outras não têm importância teológica (13.48; 23.32).
O que em erge disso é que TiXripóoj é o termo-chave escolhido
por Mateus para descrever o impacto da vinda de Jesus no AT. É claro
que TíXripóüj é usado por Mateus de uma forma mais ampla, como
meio de designar a ocorrência das profecias do AT. A história de
Israel tem seu “ cumprimento” em Cristo (cf. 2.15); e, numa impres­
sionante e sugestiva declaração, em Mateus, Jesus diz que todos os
profetas e a le i profetizaram até João (11.13). Em outras palavras,
Mateus apresenta uma história da teologia da salvação que mostra
todo o AT aguardando ansiosamente por Jesus.6
Quando esse uso característico de Mateus de TíXripóaj é levado
em consideração, é provável que o “ cumprimento” de Mateus 5.17
signifique que as novas exigências escatológicas de Jesus não
constituam um abandono da lei, mas sim expressem aquilo que a
lei sempre pretendeu antecipar. A continuidade da lei com os ensi­
namentos de Jesus é, com isso, claramente enfatizada, mas é uma
continuidade no plano de um esquema histórico de salvação, de
“ expectativa-concretização” . É nesse sentido que Mateus 5.18,19
deve ser entendido, em que Jesus afirma a validade permanente da
lei e recomenda que ela continue a ser ensinada. Recorrer a esses
versículos para demonstrar a validade permanente da lei como
um código de conduta faz com que os versículos pareçam exigir a
oferta de sacrifícios e a observância da lei cerimonial na era cristã.
Embora alguns pensem que é justamente esse o significado desses
versículos (pelo menos em seu suposto ambiente original),7 esse
modo de pensar é plenamente incompatível com os ensinamen­
tos de Hebreus, para não mencionar Paulo. É geralmente discutido
que Jesus tem aqui apenas a visão da lei “ moral” . No entanto, não
somente essa é uma categoria não bem estabelecida nos dias de
Jesus, mas o i ou til do versículo 18 apresenta uma restrição muito

250
A lei de M oisés ou a lei de C risto

problemática.8 Se, no entanto, o versículo 17 é visto como progra-


mático, então é quase legítim o concluir que os versículos 18 e 19
devem ser entendidos como afirmação da validade e utilidade p er­
manente da lei, quando vistos à luz do seu cumprimento em Cristo.
A implicação dessa exegese de Mateus 5.17-19 é que o código
de conduta aplicável à vida no reino - e também, eu diria, à igreja -
deve ser encontrado no próprio ensinamento de Jesus. A lei do AT
não deve ser abandonada. De fato, deve continuar a ser ensinada
(Mt 5.19), mas interpretada e aplicada à luz de seu cumprimento
por Cristo. Em outras palavras, não se mantém mais como supremo
padrão de conduta para o povo de Deus, mas deve sempre ser vista
através das lentes do ministério e do ensino de Jesus. É comprovado
que essa conclusão está de acordo com a abordagem geral de Jesus
à lei do AT com base no número relativamente pequeno de vezes em
que ele cita o AT como prova de suas exigências (e a maioria ocorre
em contextos polêm icos9), e das claras implicações de declarações
como o Filho do homem é Senhor também do sábado (Mc 2.28), e do
fato que é o ensino de Jesus que os seus discípulos devem levar em
suas iniciativas missionárias (Mt 28.16-20).10
Conclusões de alcance profundo e dogmático com base nessas
evidências são inadequadas. De fato, o contexto e o ensino do minis­
tério de Jesus - que ocupam um tipo de salvação histórica numa
fase de transição, quando a antiga aliança estava ainda em vigor e
a nova aliança estava no processo de inauguração - explicam por
que mais pronunciamentos decisivos sobre esse assunto não são
encontrados nos Evangelhos. Mas, quando nos voltamos para Paulo,
deparamos com o problema oposto. Paulo fala tanto sobre a lei em
contextos diferentes e em resposta a tantos problemas diferentes
que muitos se desesperam em sistematizar seu pensamento sobre
a lei.11Mesmo se alguém pudesse decidir sobre a abordagem geral
de Paulo, é comum afirmar que a visão dele é diferente da visão de
Jesus.12Não podem os aqui tentar responder a esses problemas. Mas
eu gostaria de mostrar que um pouco, pelo menos, do que Paulo diz
sobre a lei é bem similar ao que encontramos no ensino de Jesus.

C r is t o , o t e a o z d a lei (R m 10.4)

Devemos começar com a que talvez seja a mais famosa decla­


ração de Paulo sobre a lei: Cristo é o tcXoç da lei (Rm 10.4). Esse

251
C ontinuidade e descontinuidade

versículo é frequentemente entendido como um slogan, resumindo


a convicção de Paulo de que Cristo é o “ fim” da lei. Mas temos
visto um forte ataque a essa visão nos últimos anos, por isso requer
alguma discussão. Três questões são cruciais.
Primeira, que significado devemos dar à palavra ucVoç nesse
versículo? Recentemente tornou-se popular discutir que muitas ocor­
rências dessa palavra em Paulo não se referem à lei como tal, mas
ao legalismo, um uso impróprio da lei que a vê como um meio de
salvação.13 Esse significado é fornecido em Romanos 10.4 por vários
estudiosos.14 Mas é duvidoso que Paulo sempre use vó|ios para sig­
nificar “ legalismo” ,1S e a sugestão é particularmente improvável para
Romanos 10.4 porque iria sugerir que a lei antes de Cristo foi um meio
de salvação. Isso é contraditório não apenas para o AT, como também
para a visão de Paulo. É provável, então, que vó|ioç em Romanos 10.4
se refira à lei mosaica. Esse é o significado que uó|i(>ç tem em tudo,
menos em algumas ocorrências em Paulo.16Uma segunda questão é
como a expressão justificação de todo aquele que crê se relaciona com
a primeira frase. Alguns a usam para qualificar a “ lei” , dizendo que o
texto trata dela apenas “ em sua conexão com a justiça” , sendo a isso
que Cristo pôs fim.17 Mas é bem claro que a expressão em questão
especifica o resultado da primeira cláusula: Cristo é o t ÓVos' da lei, para
a justificação de todo aquele que crê.18
O que, então, TeXoç significa nesse versículo? A palavra pode
ter vários significados; os dois mais citados são “ fim” 19e “ objetivo” .20
Parece claro, no entanto, que a palavra não deve significar “ fim ”
no sentido de término ou cessação.21 Mas isso não significa que a
tradução de “ objetivo” deva ser aceita, dando ênfase demasiada à
noção de continuidade. Isso aconteceu no passado quando os estu­
diosos permitiram que palavras em inglês (ou alemão ou francês)
determinassem o significado de uma palavra grega mesmo quando
esse crivo não representava adequadamente todas as possibilidades
de sentido. Elementos tanto de “ fim” como “ objetivo” , com nuanças
de outras palavras inglesas, estão envolvidos. Isso não significa
que estamos aceitando um “ duplo significado” para TéXoç, como
Badenas parece pensar ser o caso, se tal significado for adotado. Ao
contrário, é necessário usar várias palavras inglesas, ou uma frase,
para capturar o significado dessa palavra nesse tipo de contexto.
No contexto da teologia de Paulo, dizer que Cristo é o téXos da lei
é o mesmo que dizer que ele é o ponto culminante para a lei mosaica.
Ele é o seu “ objetivo” , no sentido de que a lei sempre previu e esperou

252
A lei de M oisés ou a lei de C risto

ansiosamente por Cristo. Mas ele é também o seu “ fim” , visto que nele
o cumprimento da lei encerra aquele período de tempo quando a lei
foi um elemento fundamental no plano de Deus. As duas idéias são
claramente apresentadas no contexto: Paulo censura os judeus por
falharem em ver que a lei teve outros propósitos além de um apelo
às obras (9.31,32) e também por não reconhecerem a justiça de Deus
(10.2,3), uma justiça que se manifestou sem lei (Rm 3.21).
Então, vemos nesse versículo-chave elementos tanto de conti­
nuidade como de descontinuidade. Cristo é aquele para o qual a lei
tem apontado; agora que ele veio, existe uma situação totalmente nova
com respeito ao lugar da lei na vida do povo de Deus. Curiosamente,
essa interpretação de Romanos 10.4 resulta numa explicação bem
semelhante às nossas conclusões sobre Mateus 5.17.

"A lei de C r is t o "


r

E apenas em Paulo que encontramos a verdadeira expressão


usada no título deste artigo, a lei de Cristo; e ele a usa apenas uma
vez, em Gálatas 6.2 (embora IC o 9.21, êwo^os, XpiaToO, debaixo da
lei de Cristo, seja semelhante). O significado da expressão é debatido.
Podemos encontrar três posições principais. Primeira é a visão de que
a lei de Cristo não difere, no que diz respeito ao conteúdo, da lei mosaica
sobre a qual Paulo fala em Gálatas. O que a torna a lei de Cristo é o fato
de Cristo interpretá-la, ou cumpri-la, ou providenciar as bases para a
sua obediência.22 Em segundo lugar, há aqueles que veem a palavra
lei “ formalmente” e acham que essa lei de Cristo é basicamente sem
conteúdo. Então, o que se quer dizer é que agora o próprio Cristo é
a raiz e o padrão de toda conduta cristã.23 Finalmente, a expressão
pode ser vista como uma forma de declarar o novo código de conduta
aplicável aos cristãos da nova aliança. Como o AT teve a lei de Moisés,
também o NT tem a lei de Cristo.
Duas subdivisões importantes dessa última abordagem devem
ser observadas. Alguns acham que esse novo código consiste unica­
mente na exigência do amor (cf. G15.14),24enquanto os outros veem
a expressão como uma forma de denotar toda a tradição da pessoa
e do ensino de Jesus (incluindo, talvez, a parênese apostólica).2S O
que se torna imediatamente óbvio é que somente o contexto mais
amplo p od e determinar qual dessas alternativas deve ser preferida.
Nesse contexto, duas questões chamam particularmente a atenção:

253
C ontinuidade e descontinuidade

o sentido preciso no qual o mandamento do amor cumpre a lei (5.14)


e o significado da declaração de que os cristãos que são conduzidos
pelo Espírito não estão sob a lei (5.18). Visto que esses dois pontos
são importantes para a tese deste artigo, vamos aproveitar a ocasião
para olhar para esses conceitos em outras cartas paulinas também.

0 AMOR E A LEI

Depois de estabelecer sua independência (e igualdade) em


relação aos apóstolos de Jerusalém em Gálatas 1.1-2.14, Paulo
desenvolve seu entendimento do lugar da lei na justificação e na
história da salvação, assim como em sua resposta teológica central
aos judaizantes em 2.15-5.12. Gálatas 5.12-6.10 é mais bem visto
como a resposta de Paulo à possível objeção contra sua ênfase “ le i-
liberdade” na segunda seção, sendo comum então a acusação de
que os cristãos, livres da lei, ficariam sem motivação ou orientação
ética. Se os cristãos não devem mais ser circuncidados, é claro que
a lei mosaica não é mais padrão absoluto de conduta; os cristãos,
então, são chamados para viver na liberdade (5.1). Mas como os
cristãos podem saber o que é certo ou errado? A liberdade não vai
trazer irresponsabilidade, rebeldia e imoralidade? É essa objeção
que Paulo confronta, começando em 5.13: Porque vós, irmãos, fostes
chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar
ocasião à carne (oáp£); sede, antes, servos uns dos outros, p elo amor.
O versículo 14 então explica por que o amor é tão importante: o
mandamento do amor (Lv 19.18) cumpre toda a lei.
Quais são as implicações dessa declaração para a validade
duradoura da lei na vida dos crentes? Nossa resposta depende
de determinar a exata importância da mesma palavra que ocupou
nossa atenção em Mateus 5.17, TrXrjpów. Alguns interpretam Paulo
com base em algumas discussões rabínicas bem conhecidas, como
aquela em que ele destaca o mandamento do amor que, em princípio,
contém todos os outros.26Mas essa circunstância, embora mais plau-
sivelmente avançada para o ensino de Jesus em Mateus 22.34-49
(onde mesmo assim, em minha opinião, está fora de lugar),27 é bem
estranha ao contexto e ao argumento de Gálatas.
Outra abordagem é ver Paulo descrever o amor como o resumo
e a essência da lei. O amor é o que determina aquilo que permanece
no centro da lei, e sem adesão às suas prescrições não há verdadeira

254
A lei de M oisés ou a lei de C risto

obediência ao seu espírito.28É dito que essa interpretação é particu­


larmente atrativa porque pode, em geral, ser comparada a Romanos
13.8-10, em que Paulo diz explicitamente que o amor “ resume” a lei.
No entanto, esse resumo da lei em Romanos 13 envolve também seu
“ cumprimento” (v. 8,10). Em Gálatas, o contexto torna difícil pensar
que Paulo quer apenas acrescentar amor como razão e princípio
subjacente à execução das prescrições da lei. Porque Paulo proibiu
claramente os convertidos gentios de obedecerem à lei da circunci­
são, por amor ou não. E Gálatas 5.3 sugere que Paulo vê a lei como
essencialmente completa e como um código que ele se recusa a
colocar sobre os cristãos da Galácia.
Portanto, a interpretação que em prega TiXripów para significar
que quem ob ed ece ao mandamento do amor automaticamente faz o
que a lei requer deve ser preferida. Isso se harmoniza perfeitamente
com a situação na Galácia, onde Paulo precisou mostrar como os
cristãos que não estão presos à lei podem e devem viver de acordo
com o padrão divino. Pode ser que a colocação não usual do artigo
na expressão ó nâç wp-oç (5.14) tenha o propósito de destacar essa
exigência unitária de Deus.29
A esse respeito, muitos falam de uma “ redução” da lei ao man­
damento do amor.30 Mas isso está indo longe demais. Embora cla­
ramente destacando o amor como uma atividade que, em si, realiza
o que a lei manda fazer, Paulo não rejeita os outros mandamentos
caracterizando-os como não mais relevantes. Pode ser também que a
linguagem de Paulo tanto em Gálatas 5.14 como em Romanos 13.8-10
sugira o tipo de cumprimento escatológico que encontramos em
Mateus 5.17. O mandamento do amor, ensinado pelo próprio Jesus,
representa a meta definitiva e o propósito da lei.31
Em suma, Paulo em 5.14 realça o amor como a atividade que
traz para o seu objetivo pretendido o que a lei almejou. Para Paulo,
ainda é necessário que os cristãos “ cumpram” a lei (cf. esp. Rm
8.4), mas ele jamais ex ige que os cristãos a “ façam” .32 A distinção
não é apenas semântica. “ Cumprimento” da lei em Paulo é ligado
não à obediência dos preceitos, mas à atitude de amor e à obra do
Espírito. Até mesmo em Romanos 8.4 o sentido não está no fato de
o Espírito nos capacitar a fazer a lei, mas, por sermos habitados
p elo Espírito, a lei se cumpriu em nós. Assim, a continuidade na
exigência de Deus (a lei deve ser cumprida) é atendida por uma
descontinuidade no m étodo (não em “ fazer” , mas em amor e pelo
Espírito). Resta ver se, claro, somos obrigados a agir de acordo com

255
C ontinuidade e descontinuidade

preceitos diferentes da lei mosaica. Porque é essencial lembrar


que estamos discutindo a lei mosaica, não toda a lei. Mas talvez
estejamos nos adiantando em nossa discussão. Devem os voltar à
“ lei de Cristo” e perguntar que im plicações podem os tirar desta
frase: pois não estais debaixo da lei.

"DEBAIXO DA LEI".

Além de Gálatas 5.18, Paulo usa a expressão uttò outras


nove vezes. Quatro delas estão em Gálatas (3.23; 4.4,5,21), três em
ICoríntios 9.20, e duas em Romanos 6.14,15. Vamos analisar rapi­
damente cada contexto para ver o que Paulo quer dizer com a
expressão. Romanos 6.14 - o pecado não terá domínio sobre vós - é
uma reafirmação triunfante do tema-chave do parágrafo: em união
com Cristo experimenta-se libertação definitiva do poder do pecado.
Paulo dá a base para essa promessa em 6.14b: pois (yáp) não estais
debaixo da lei ( úttò uópou), e sim da graça (úirò x.ópu'). Esse contraste
serve como uma transição para a próxima seção, na qual Paulo
responde às conclusões potencialmente antinomistas que poderiam
ser tiradas de tal declaração. Mas o que o contraste significa? A
exegese reformada tradicional enfatiza particularmente o conceito
de estar debaixo da graça, que é entendido como uma referência
à libertação da pena do pecado. ' T ttò uópou, o oposto, é entendido
como uma referência à condenação pronunciada pela lei.33 Então,
Romanos 7.4, um versículo intimamente relacionado com 6.14,15
na sequência do pensamento de Paulo, é entendido como referên­
cia à mesma libertação da condenação. Alguns que defendem essa
interpretação sugerem uma nuança adicional. Eles sugerem que não
estar debaixo da lei (6.14,15) e morto para a lei (7.4) pode signifi­
car também libertação da perversão da lei, típico da interpretação
legalista judaica da lei.34No entanto, a última sugestão é particular­
mente improvável. Mesmo sendo aceitável a explicação de algumas
das mais negativas declarações sobre a lei em Paulo, ao sugerir que
a “ le i” quase sempre significa não a lei como Deus a deu, mas a lei
na forma pervertida pelos homens que a transformaram em meio de
salvação,35 poucos, se é que existe algum, contextos apoiam tal sig­
nificado para a palavra. Às vezes, Paulo critica o “ legalism o” , mas,
quando o faz, usa expressões que se aplicam ao ato de alguém tentar
se justificar “ com base na” ( é i c ) lei (cf Rm 10.5; Fp 3.9) ou por meio
de “ obras da le i” (G1 2.16 etc.). Ou seja, não é a palavra vóp.os em si

256
A lei de M oisés ou a lei de C risto

que denota “ legalism o” em Paulo, mas sim as várias frases nas quais
a lei (como Deus a deu) é falsamente entendida como base para
salvação.36No contexto de Romanos 6-7, o significado de “ legalista”
é particularmente inapropriado. A condição de estar “ debaixo da
le i” e se libertar dessa situação pela incorporação na morte de
Cristo (7.4) claramente implica que estar debaixo da lei é uma
condição objetiva que é bem independente da atitude de alguém
para com a lei ou da compreensão dela. Como Ràisànen diz: “ ... é
difícil entender por que um método tão drástico como a morte, tanto
de Cristo como dos cristãos, teria sido necessário para se livrar de
um mero mal entendido a respeito da lei. Uma nova revelação sobre
seu verdadeiro significado teria bastado” .37
Certamente é possível que Paulo inclua condenação em sua
compreensão de estar debaixo da lei. Mas é questionável se isso é
tudo o que se entende disso. Em Romanos 6, sabemos que o principal
assunto não é a isenção da pena do pecado, mas a liberdade do
domínio do pecado. Se o pecado não deve dominar o crente (6.14a),
é necessário mais do que perdão. Afinal, a justificação em si poderia
simplesmente livrar o crente de pecar com impunidade - essa é pre­
cisamente a objeção levantada em 6.1. No contexto, então, há razão
para pensar que não estais debaixo da le i envolve mais do que ser
livre de condenação. Essa conclusão encontra apoio em dois outros
fatores contextuais. A última referência a i/ói-ios antes de 6.14 vem
em 5.20a, em que a lei é retratada como uma instigadora do pecado:
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa. Se a lei funcionou his­
toricamente para intensificar o pecado, poderiamos supor que não
estais debaixo da lei descreve a condição de liberdade da instigação
do pecado.
O argumento de Paulo em 6.15ss deve também ser notado.
Exatamente a questão sobre se alguém poderia pecar impunemente
pelo fato de não estar mais sob a lei sugere fortemente que não
estar debaixo da lei, para Paulo, implica não estar debaixo de seus
preceitos. E é interessante notar que Paulo não argumenta em 6.16ss
que a obediência à lei é ainda requerida, mas que a obediência a
Deus ou à justiça é necessária para o cristão. A última é reconheci­
damente um argumento de silêncio, mas, apesar disso, é sugestivo.
O que estamos sugerindo, então, é que estar debaixo da lei significa
viver sob o regim e ou domínio da lei.
Tal conceito se ajusta bem a Romanos 6-8, em que Paulo
em prega consistentemente a metáfora de escravidão, liberdade e

257
C ontinuidade e descontinuidade

a transferência de um domínio para outro para denotar o estado do


crente. Assim, e le fala do cristão m orrer para o pecado e unir-se
a Cristo (6.1-11), estar livre do pecado e escravizado a Deus e à
justiça (6.15-23), morrer para a lei (7.4), estar livre dela (7.3-5)
para estar unido a Cristo (7.4), e ser libertado da esfera da carne
(7.5; 8.9) e colocado na esfera do Espírito (7.6; 8.9). Paulo designa
a mudança de um regim e para outro ao falar dos cristãos não mais
sob a lei, e sim sob a graça, e isso se encaixa muito bem nesse
argumento. O propósito de Paulo, então, é dizer que o cristão vive
em uma nova liberdade do p od er do pecado, porque não vive mais
sob aquele regim e no qual a lei mosaica fortalecia o domínio do
pecado. Essa área da lei, em bora Paulo não diga especificam ente
isso aqui, obviamente inclui as ordenanças específicas da lei. Não
estar debaixo da lei, portanto, inclui não estar diretamente sujeito
às ordenanças da lei de Moisés.38
Essa análise é geralm ente coerente com o que encontramos
em Gálatas. Paulo usa prim eiro a expressão úttò yó|ioy em 3.23
em sua explanação do propósito da lei na história da salvação (a
referência à entrega dessa lei por m eio dos anjos [v. 19], 430 anos
depois de Abraão [v. 17], e a ênfase no propósito divino em todo
o texto dão a ideia de que Paulo está falando aqui da lei “ equi­
vocada” dos legalistas judeus39 que abrangia noções incríveis).
A lei, Paulo explicou, não é base para a justificação (3.10-14); ela
foi dada 430 anos depois da promessa de Deus a Abraão e não
p ôd e invalidar o caráter estritamente promissório daquele acordo
original (v. 15-18). Qual, pois, a razão de ser da lei? (v. 19a)? Ela foi
adicionada, diz Paulo: t <Lv Trapapáaew v x®PLV- Embora o significado
da expressão seja debatido, provavelmente p o d e ser entendida
como paralelo aproximado de Romanos 5.20. A le i tinha como um
de seus propósitos a “ intensificação” da “ transgressão” , no sentido
de que a lei deu mais incentivo ao pecado que havia com eçado
com Adão, e o tornou mais grave ao claramente marcá-lo como
rebelião contra a vontade de Deus.40
O uso do verbo TTpoüTL0r|p.i ( “ adicionar” ) reitera o propósito
dos versículos 15-18 de que a lei veio depois da promessa a Abraão.
Agora Paulo mostra que a lei teve, por outro lado, também um limite
temporário: ela foi até que viesse o descendente a quem se fez a
promessa (G1 3 . 19b). Os versículos 19b e 20 são tão difíceis quanto
qualquer outro em Paulo, mas o nosso presente propósito não requer
que decidamos sobre o significado deles.

258
A lei de M oisés ou a lei de C risto

Outra questão relacionada àquela levantada em 19a é trazida à


discussão: E, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? (v. 21).
A rejeição de Paulo dessa suposição é apoiada, primeiro, por um
ponto negativo: desde que a lei nunca teve a intenção de garantir a
vida eterna, seu propósito não conflita finalmente com o propósito
da promessa. Portanto, embora Paulo conceda claramente à lei um
potencial teoricamente vivificante (Rm 7.10: eis C(')Tíy )> ele nega que
seja uma possibilidade prática guardar a lei para garantir essa vida.
Porque ninguém depois da queda tem a capacidade de cumprir a
lei perfeitamente; e somente esse cumprimento perfeito levaria à
segurança da vida eterna.41 O apoio positivo para a compatibilidade
da lei e da promessa é encontrado no esboço de Paulo do propósito
e função da lei na história da salvação. Este é o tema de Gálatas
3.21-4.11.
Para entendermos o que uttò vó|iov significa em 3.23, devemos
olhar para os paralelos da expressão que ocorrem em todo o
contexto. Essas expressões são usadas para denotar a vida dos
judeus antes de Cristo e são contrastadas com outra série de expres­
sões que descrevem a situação dos cristãos. Parece claro que Paulo
está falando principalmente dos judeus sob a lei e na estrutura da
história da salvação, não de experiência individual. Os limites tem­
porários da situação “ debaixo da le i” que Paulo descreve são, como
vimos, Abraão por um lado e Cristo, por outro. Esse mesmo contexto
temporário continua em 3.22-4.11: a lei vigorou antes que viesse a fé
[em C risto]42 (v.23),“ até” Cristo (v .24,25-tom ando o eiç como tem­
porário, como sugere o contexto); e foi quando Deus enviou seu Filho,
na plenitude do tempo (4.4), que se efetuou a transição do período
de confinamento próprio da fase de menoridade para o tempo de
desfrute da herança. Não está claro se Paulo tem em mente os judeus.
Os verbos na primeira pessoa do plural e os pronomes usados de
3.23 a 4.5 poderiam apontar nessa direção, mas o uso que Paulo faz
dessa primeira pessoa é notoriamente difícil de especificar.
No entanto, embora seja verdade que Paulo descreve os
gentios como aqueles que têm algum tipo de relacionamento com
a lei (cf. Rm 2.14,15), é igualmente claro que ele pode designá-los
simplesmente como aqueles que não têm a lei (cf.Rm 2.12; IC o 9.20,
21), restringindo a lei principalmente aos judeus. Embora o dog-
matismo seja inadequado, pode ser o caso que o “ nós” de Gálatas
3.23-4.5 seja “ nós, os judeus” . A transição para os gentios seria

259
C ontinuidade e descontinuidade

então feita em 4.5; a redenção dos judeus sob a lei tem o propósito
de causar o “ envio do filho” a todos os cristãos.
Esse assunto é importante para a questão do status dos gentios
no AT. Estavam eles, de alguma forma, “ debaixo da le i” ? Paulo nos
fornece apenas pistas, mas argumenta que os gentios têm rela­
cionamento com a “ le i” , embora não seja a lei mosaica (Rm 2.14,
15). Talvez seja melhor ver a experiência de Israel com a lei como
paradigma de todas as nações. Embora os gentios não estivessem
“ debaixo da le i” no mesmo sentido que Israel estava, eles seriam
responsáveis pelos padrões morais que Deus havia imposto sobre
eles. Os profetas do AT podem condenar as “ nações” por causa
desse padrão. Além disso, as nações estariam sob a condenação
resultante do fato de terem fracassado em viver de acordo com
os padrões que Deus lhes havia imposto. A advertência de Paulo
em Gálatas 4.21 e 5.4 de que os cristãos gentios que se colocam
sob a le i estão desligados de Cristo sugere a contínua importância
dessa função da lei. Assim, o cumprimento da lei feito por Cristo é
aplicável somente aos que se tornam unidos a ele pela fé; para os
que estão fora de Cristo, tanto judeus como gentios, a “ le i” de Deus
continua a condenar.
Além de estar ü t t ò vó|iov, Paulo diz também que Israel era
ú t t ò TiaiSaytoyóv ( “ debaixo de um p e d a g o g o ", 3.24,25) como um

herdeiro menor (criança) yfjiTioi sob os cuidados de tutores e


curadores ( vttò é t t l t p ó it o u ç i<ai o Í koia p .o ç , [4.1-3]) esujeitos aos rudi­
5

mentos do mundo ( ú t t ò t ò aT oixéta t o ü KÓapou [4.3]). Essas descri­


ções estão inter-relacionadas e mutuamente se interpretam, e isso
é perceptível pela repetição da palavra-chave úttó e da fluência do
contexto. Linda Belleville, num ensaio bem debatido, demonstrou
isso e tem mostrado que o elemento de rigorosa supervisão e de
segurança é a im agem produzida por essa série de descrições.43
O TraiSayuyóç em erge da literatura antiga não como o “ tutor” que
conduz uma criança (uma função frequentemente atribuída à lei na
vida de um indivíduo, de acordo com o entendimento de Gálatas
3.24, 25), nem como uma personalidade excessivamente áspera,
mas como um servo que supervisiona de perto, monitora e protege
uma criancinha.44 Que estamos na direção certa em nossa inter­
pretação de TraiSayoyyóç é confirmado pelo contraste de “ menor/
criança” com “ plenos direitos” que domina 4.1-5. A expressão
t ò a T o ix e la t o O k ó g iio u (usada em 4.3 e em Cl 2.8, 20; cf. u t ío x ò

CTToixeia em 4.9 e t ú aToixeia Trjç àpxfjs em Hb 5.12) é uma das

260
A lei de M oisés ou a lei de C risto

mais debatidas em Paulo, mas, tomando-a no sentido de “ princí­


pios ou normas elementares ou básicas” , tem muito a ser dito em
relação a ela.45
O propósito de Paulo é, então, mostrar que a lei teve o
objetivo de regular a vida do povo de Deus por um período de
tempo. Ela impôs regras, comportamento cauteloso e serviu para
revelar, confinar e estimular o pecado. Tudo isso foi planejado por
Deus como preparação para a era do cumprimento que chegou
em Cristo, na qual os escravos se tornaram filhos por m eio da
redenção produzida por Cristo e p elo dom do Espírito. A sem e­
lhança com Romanos 6.14,15 é óbvia. Em ambos os contextos, um
estágio anterior da história da salvação, u t t ò vójiov é contrastado
com a era presente (denotada por u t t ò x ^ P Ll' em Romanos), com
particular ênfase na liberdade desfrutada no estado posterior. E,
como em Romanos, não estar u t t ò vó|iov parece claramente incluir
não estar obrigado à lei como um código de conduta. Porque,
quando alguém chega à maturidade, não precisa mais do “ tutor”
para ser dirigido, orientado e corrigido.
Dito tudo isso, não é possível afirmar que o crente não tem abso­
lutamente nada que ver com os preceitos da lei, mesmo porque tal
visão é provavelmente extrema demais. Longenecker, por exemplo,
sugere que façamos a clara distinção entre a “ lei como padrão e
julgamento de Deus” com a “ lei como obrigação contratual” . Pela
última, Longenecker quer dizer que a lei, sob a antiga aliança, foi
um componente necessário, embora secundário (à fé), de devoção
e justiça. É nesse sentido que os cristãos não estão mais “ debaixo
da le i” ; ela não perm anece mais como norma impositiva para que o
relacionamento de alguém com Deus sobreviva. Isso não significa,
entretanto, insiste Longenecker, que a lei em sua autoridade de
julgar e condenar é abolida.46 Há muito a ser dito em relação a essa
distinção particular, e nos protege de entender a linguagem de
Paulo além do que deve ser entendido. Mas não será feita justiça
ao argumento de Paulo em Gálatas 3-4, a menos que haja o reco­
nhecimento da liberação definida da força que prende e da tutela
imposta pelos preceitos da lei mosaica.
A expressão u t t ò vó|iov é usada por Paulo em outro contexto.
Em ICoríntios 9.20,21, Paulo a cita como exem plo de sua disposição
de se privar de seus “ direitos” apostólicos em favor dos interesses
do crescimento espiritual de outros, sua flexibilidade com respeito
ao seu hábito de vida:

261
C ontinuidade e descontinuidade

Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os


judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu
mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei,
embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu
mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo
da lei de Cristo [êvvojios XpiaToO], para ganhar os que vivem
fora do regime da lei.

Está claro que úttò vó|j.ov aqui não pode designar olhar para a
lei como meio de salvação ou até mesmo estar debaixo da conde­
nação da lei. Paulo certamente não faria o primeiro por qualquer
motivo e claramente não poderia, como cristão, fazer o último. O que
Paulo tem em mente é o seu estilo de vida, e deixa claro que não está
sob a obrigação de buscar um estilo de vida ditado pelos preceitos
da lei. A o evangelizar os judeus, ele pode proceder assim; mas, ao
evangelizar os gentios, ele exerce a liberdade de não o fazer. Não
há nada nesse contexto ou no uso de Paulo de yó|ios que justificaria
uma restrição aqui a lei cúltica ou a qualquer parte da lei.47

GÁLATAS 5-6

Agora vamos retornar a Gálatas 5-6. Em 5.13-15, Paulo dirigiu


o exercício da liberdade cristã de acordo com a exigência central
do amor; a partir do versículo 16, ele ressalta o Espírito como uma
segunda força diretriz. A guerra constante entre a força da era
antiga, caracterizada pela fragilidade e fraqueza humana - aóp£, a
carne - e o poder da nova era - o Espírito - faz com que o crente
tenha o cuidado de viver de acordo com o Espírito (v. 16,17).
Mas, se sois guiados p elo Espírito, não estais sob a lei (úttò vóp.ov)
(5.18). A cláusula condicional deve ser entendida como afirmação
da realidade da situação; “ o indicativo da salvação” , como afirma
Betz.48 Todos os que pertencem a Cristo são, de fato, guiados pelo
Espírito (cf. Rm 8 .1 4 )- embora isso não signifique que todos estejam
“ andando” pelo Espírito, mas que não estão debaixo da lei. Mais uma
vez vem os que sob a lei designa o status oposto ao status do crente.
Estar “ debaixo da graça” , como filhos livres de Deus, guiados p elo
Espírito, significa viver na nova era da redenção, não mais na antiga
era que foi caracterizada e dominada pela lei.
Mais uma vez, argumenta-se que não estar sob a lei envolve não
estar preso ao legalismo49 ou à força condenatória e constrangedora

262
A lei de M oisés ou a lei de C risto

da lei.50 Mas a discussão subsequente do “ fruto do Espírito” , com sua


óbvia ênfase comportamental, sugere o contrário. O cristão, vivendo
pelo Espírito, deve também andar no Espírito (crToixéoj) (5.25) e, com
isso, produzirá a.^ qualidades aprovadas por Deus. Então, é difícil
evitar a conclusão de que a vida no Espírito é proposta por Paulo
como fundamento da ética cristã, em contraste com a vida sob a lei.
Tendo examinado o contexto imediato da lei de Cristo (G16.2),
podem os agora sugerir uma provável interpretação da expressão. A
lei de Cristo é a forma de Paulo afirmar a exigência de Deus que está
vinculando os cristãos desde a vinda de Cristo.51 A lei certamente
retrata o mandamento do amor como um de seus componentes mais
fundamentais (5.13-15) e inclui o andar sob a direção do Espírito, que
é um princípio fundamental. Mas, com base no que vimos antes, está
claro que a referência não é essencialmente à lei mosaica, mesmo
“ interpretada” ou “ cumprida” . E outra evidência aponta na mesma
direção. Se Efésios 2.15 se refere somente aos aspectos cerimoniais
da lei que serviram para separar o judeu do gentio ou se refere à
lei como um todo, é assunto debatido, e é melhor esse texto não
ser usado aqui. Mas em ITimóteo 1.9 - “ a lei não é ‘imposta sobre5
(KÉirai) a pessoa justa (Siraico)” (tradução literal) - o que provavel­
mente significa que a lei não está atrelada aos cristãos.52
Mas dois assuntos não são tão claros. A lei de Cristo inclui
também ensinos e exigências específicas como estabelecidos por
Cristo e os apóstolos? Muitos dizem que não, mas as razões dadas fre­
quentemente denunciam uma propensão contra encontrar algumas
exigências específicas obrigando os cristãos. O trabalho de Schrage
e outros tem mostrado que Paulo e os demais apóstolos estavam
dispostos a impor mandamentos específicos sobre seus fardos,53 e
Paulo faz alusão e usa os ensinos de Jesus mais do que, às vezes,
tem sido reconhecido.54 Isso, claro, não prova que Paulo tem esses
componentes em mente quando fala da “ lei de Cristo” , mas a opção
deve, pelo menos, ficar em aberto. Em segundo lugar, a lei mosaica
desempenha algum papel na “ lei de Cristo” ? Do ponto de vista de
uma distinção pura e simples, é tentador dizer: “Absolutamente; a lei
de Moisés foi para a antiga aliança; a lei de Cristo foi para a nova” .
Mas há evidência de que isso é excessivamente simples.
A esse respeito frequentemente se recorre aos textos em que
Paulo parece usar a lei do AT como uma norma contínua de conduta.
Alguns fazem alusão a ICoríntios 7.19, em que Paulo enfatiza a
necessidade de guardar as ordenanças de Deus. Mas, num contexto

263
C ontinuidade e descontinuidade

no qual Paulo explicitamente nega a validade contínua da circunci­


são, está claro, pelo menos, que as ordenanças de Deus não podem
se referir à lei mosaica simpliciter.ss Alguns, então, entendem que
é uma referência à lei moral.36 Pode ser que estejam certos, mas
de certa forma isso é improvável, à luz do fato de Paulo não aplicar
as leis do AT aos coríntios, embora ele esteja profundamente
interessado em combater suas tendências libertinas. Até mesmo
ICoríntios 14.34, que faz referência à “ le i” , é uma alusão não à lei
mosaica, mas à narrativa bíblica da criação (ou talvez da queda).
Nem muito pode ser feito de ICoríntios 9.8-10. Embora Paulo cer­
tamente cite a lei de Moisés aqui, seu uso do texto deuteronômico
é notoriamente obscuro, e ele parece citá-lo não como autoridade
obrigatória, mas como princípio que resume. De fato, o único lugar
nas cartas de Paulo no qual ele parece inequivocamente citar a lei
mosaica como aplicável aos cristãos é Efésios 6.2, em que o manda­
mento do D ecálogo de honrar os pais é citado para mostrar o que
é “ certo” (Sík c u o v ) aos filhos cristãos. Alguns procuram minimizar
essa referência, mas é questionável se isso p od e ser feito.
Além disso, a evidência da epístola de Tiago deve também ser
considerada.Tiago é visto, às vezes, como conservador em sua atitude
para com a relevância da lei,57 mas isso é exagerado. Ele chama a lei
de lei da liberdade (1.25; 2.12) e a associa intimamente ao evangelho
(v. a sequência em 1.18-25). E seu uso de régia para descrever a lei
em 2.8 é provavelmente uma alusão ao próprio ensino de Jesus.58No
entanto, Tiago pode citar os mandamentos do Decálogo como parte
daquela lei que será o critério do julgamento (2.10-12).

C o nclu são

O que vimos, então, é que a ênfase paulina na descontinuidade


entre a lei de Moisés e a lei de Cristo não pode eliminar algum grau de
continuidade. Como isso deve ser entendido? Em primeiro lugar, cla­
ramente não se trata de um assunto de equilíbrio ou uma questão de
tensão entre dois pontos igualmente importantes. A descontinuidade
é simplesmente a “ linha principal” tanto em claros pronunciamentos
teológicos como na prática real do ensino de ética no NT. Devemos,
portanto, falar de uma “ continuidade dentro da descontinuidade” .
Herman Ridderbos oferece uma longa e perspicaz discussão dessa
matéria, concluindo não haver dúvida de que “ ... a categoria da lei
não foi revogada com a vinda de Cristo; ao contrário, foi mantida e

264
A lei de M oisés ou a lei de C risto

interpretada em seu sentido radical (cumprir; Mt 5.17); por outro lado,


a igreja não tem mais nada que ver com a lei de qualquer outra forma,
senão em Cristo, e, dessa forma, é ennomos Christou” .59
Embora eu não devesse colocar tanta ênfase na continui­
dade como faz Ridderbos em partes desta discussão, este resumo
captura admiravelmente o centro do assunto. O cristão não está mais
obrigado à lei mosaica; Cristo realizou seu cumprimento. Mas o
cristão está obrigado à “ lei de Deus” (IC o 9.20,2l;c f. ordenanças de
Deuse m lC o 7 .1 9 e lJo,passim).“ Lei de Deus” não é, entretanto, a lei
mosaica, mas a lei de Cristo (IC o 9.20,21; G1 6.2), porque é a Cristo,
o cumpridor, o réXoç da lei (Rm 10.4), que o cristão está obrigado.
Nesse “ cumprimento” da lei, entretanto, alguns dos mandamentos
mosaicos são aceitos e reaplicados ao povo de Deus na nova aliança.
Assim, embora a lei mosaica não se coloque como autoridade que
não se diferenciou para o cristão, alguns de seus mandamentos indi­
viduais permanecem respeitados como integrados à lei de Cristo.
Em termos práticos, isso significa que o cristão deve sempre
ver a lei toda somente sob a condição do seu cumprimento. Nenhum
mandamento, até mesmo os do Decálogo, é obrigatório apenas por
fazer parte da lei mosaica. Ao dizer isso, estou indo diretamente
contra uma tradição estimada e amplamente ensinada. A distinção
do Decálogo como básica e eterna “ lei moral” tem uma longa e
respeitada história, para ser diferenciado da lei cerimonial e civil
e, com isso, ser visto como autoridade ética eternamente válida.
Mesmo nessa tradição, entretanto, há considerável discussão sobre
o que fazer com o mandamento do sábado que, pelo menos para a
grande maioria dos que têm defendido essa abordagem, não tem
sido aplicado ou obedecido na forma em que foi dado no princípio
(p. ex., ao requerer o descanso no sétimo dia). Uma dificuldade
adicional é a questão de como determinar o que foi a lei “ moral” e
o que não foi. Mas a dificuldade básica, claro, é que o NT não trata o
assunto dessa forma. A lei toda, cada i ou til, é cumprida em Cristo
e somente pode ser compreendida e aplicada à luz desse cumpri­
mento. Na prática ética real, muito pouco se perdeu. Porque o NT
adota claramente todo o Decálogo, com exceção do sábado, como
parte da lei de Cristo e, dessa forma, como fidedigno para os crentes.
Mas considerável diferença no conceito teológico está envolvida, e
a diferença de abordagem é, consequentemente, insignificante.
Uma abordagem que elimina a lei mosaica como autoridade
compulsória para o cristão é às vezes acusada de ser “ antinomista” e

265
C ontinuidade e descontinuidade

de abrir a porta para a relatividade ética. Mas duas respostas a essa


acusação precisam ser dadas. Primeira, a posição aqui esboçada
afirma que os cristãos não estão sob a lei mosaica, não que estão
livres de toda lei. A distinção entre a lei mosaica, que é claramente o
que os escritores do NT querem dizer 95% das vezes quando usam
a palavra “ le i” , e o conceito teológico de “ le i” precisam ser cuida­
dosamente observados. Vimos que a distinção tem suas raízes no
NT, onde Paulo p od e distinguir entre a lei de Moisés e a lei de Cristo
(IC o 9.20,21). A falha em observar essa distinção tem resultado em
considerável confusão e mal-entendidos. Em segundo lugar, com
receio do falso niilismo ético, sente-se que há uma falha no reconhe­
cimento do poder do Espírito de Deus operante no crente. Quando
as implicações “ antinomistas” do ensino de Paulo foram levantadas
como objeção contra esse ensino, Paulo respondeu não apresen­
tando uma “ nova le i” , mas apontando para o Espírito (G1 5.16ss) e
para a união com Cristo (Rm 6). Temos de admitir a necessidade
de reconhecer o fato de os cristãos quase sempre fracassarem em
andar de acordo com esse Espírito e a necessidade da “ le i” para
corrigi-los e discipliná-los (Lutero é eloquente nesse ponto). Mas
qualquer abordagem que substitua o Espírito por mandamentos
externos como norma básica para a vida cristã encontra sérias difi­
culdades em Paulo.
Finalmente, resta ser visto o potencial desta abordagem geral
para unificar os vários ensinos do NT sobre a lei. Este ensaio somente
arranhou a superfície e deixou intacto muitos textos difíceis. Mas
podem os ver pontos de concordância com respeito à centralidade
do “ cumprimento” da lei por Jesus, com suas implicações em relação
à “ continuidade dentro da descontinuidade” e na nova autoridade
que age como força aglutinadora na conduta cristã. O paradigma
aqui sugerido pode, então, provar ser útil o estabelecimento da
unidade do NT sobre o assunto teológico fundamental.

266
Parte VI

O povo de Deus e os
Testamentos
10

Israel e a igreja: um caso para


continuidade

Marten H. Woudstra

tema da relação entre o Israel do AT e a igreja do NT

O pode ser abordado de duas formas distintas. Uma delas é


expressa em palavras de vários credos e confissões que
chegaram até nós procedentes da pós-Reforma. Essas confissões
veem o conceito da igreja em seu escopo mais abrangente. A igreja,
assim eles confessam, tem sido desde o início do mundo e será até o
fim.1A Primeira confissão escocesa, escrita em 1560, afirma: “ Cremos
com toda a perseverança que Deus preservou, instruiu, multiplicou,
decifrou e da morte chamou para a vida a sua igreja, em todas as
eras, desde Adão até a vinda de Jesus Cristo em carne” .2
A segunda forma de abordar o tema da relação entre o Israel
do AT e a igreja é olhar para os dois de modo um tanto distinto,
para ver o que o Israel do AT é quanto à sua essência, como ele é
escolhido e compreendido na Escritura do AT, para então perceber
a continuidade essencial entre esse Israel e a congregação do NT,
C ontinuidade e descontinuidade

reunida de forma nuclear pelo próprio Cristo e que chegou à plena


expressão no dia de Pentecoste.
Ambas as abordagens têm sua validade. Reconhecidamente, a
primeira pode parecer tomar a questão como provada. Ela postula
ousadamente a presença da “ igreja” no tempo entre Adão e Cristo.
Se essa hipótese pudesse ser provada biblicamente, não haveria
então necessidade de mais argumento concernente à continuidade
ou descontinuidade entre Israel e a igreja. A definição da igreja com
a qual as confissões trabalham leva em conta a inclusão do povo de
Deus no AT. Essas pessoas, embora salvas por um Cristo que ainda
viria e realizaria sua obra salvadora sobre a terra, foram salvas por
ele, apesar de tudo. Elas tiveram o perdão divino dos seus pecados
(SI 32.1; 130.4). Seus sacrifícios foram “ aceitáveis” ao Senhor (Lv
1.3). Elas sabiam que Deus era bom para com Israel, para com os
de coração limpo (SI 73.1). Essas pessoas, perdoadas e purificadas
de seus pecados, constituíram uma assembléia C?n?) que se reunia
em ocasiões determinadas, para festas solenes. A Septuaginta traduz
frequentemente a palavra por eK K \r|aía, exatamente a palavra
usada por Cristo e pelos escritores do NT para designar a igreja.3
Seria evidente, então, que não se está tomando a questão como
provada quando as confissões da Reforma veem a igreja sendo
reunida “ desde o princípio até o fim do mundo” , como declara o
Catecismo de Heidelberg.
No entanto, neste ensaio preferimos seguir a abordagem
mais indutiva. Esse método foi frequentemente em pregado por
nosso Senhor quando estava tentando provar aos seus contempo­
râneos quem ele era e por que eles deviam crer nele. Jesus fez a
abordagem partindo do AT para o NT. Ele censurou os dois viajantes
de Emaús por serem néscios e tardos de coração para crer tudo o
que os profetas disseram! (Lc 24.25). Ocultando deles o benefício de
sua própria identidade como Salvador ressurreto, ele começou p o r
Moisés, discorrendo p o r todos os Profetas [e assim] expunha-lhes o
que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lc 24.27). Esse
mesmo método indutivo pode ser achado no encontro de Jesus com
os habitantes de Nazaré e na resposta dada à pergunta de vida
e morte de João Batista sobre sua identidade messiânica (cf. Lc
4.16-30, em que Jesus se recusa a impor sua presença pessoal, mas
retrocede às páginas do AT para fazer as pessoas verem quem ele
é; e Lc 7.18-22, em que a resposta que João recebe é essencialmente
uma resposta do A T - v . Is 29.18,19; 35.5,6; 61.1).

270
I srael e a igreja : um caso para continuidade

Compartilhamos do desconforto daqueles que levantam


questões críticas com a afirmação de que o AT deve ser interpre­
tado e frequentemente reinterpretado pela nova revelação dada na
pessoa e na missão de Jesus Cristo.4Especialmente a palavra “ rein-
terpretar” poderia criar a falsa impressão de que o AT não foi o ver­
dadeiro ensino que o NT diz que ele é. Embora seja verdade que
uma passagem bíblica precisa ser compreendida à luz da Bíblia
toda - isto é, dos dois Testamentos - isso não significa que uma parte
dela deva de algum modo ser vista corrigindo a outra. Muitas partes
obscuras do AT recebem seu pleno e completo significado à luz da
revelação do NT, mas é também verdade que o verdadeiro signifi­
cado dos eventos da vida de Jesus, as verdades de sua morte expia­
tória, ressurreição e glória estão ancorados na revelação do AT. É
por isso que não devemos nos render à tendência de alguns que
preferem chamar a primeira parte da Bíblia de “ Bíblia hebraica”
ou “ as Escrituras judaicas” ou algo parecido. Isso evita enfrentar a
verdadeira identidade da primeira parte do Registro Sagrado, as
Escrituras da antiga aliança, para ser seguido pelos da nova.
Diante dessas considerações vamos nos esforçar para desen­
volver a ideia de Israel, antes de tudo, através das páginas do AT.
Essa é a maneira mais sistemática de proceder. A ideia veterotesta-
mentária de Israel conduz sistematicamente à ideia da igreja no NT.

I srael - " C o m e ç a n d o com M o is é s "

A MUDANÇA DE NOME DE JACÓ (GN 32.22-32)

No centro da ideia “ Israel” está a mudança de relacionamento


entre Jacó e o Deus da aliança que foi resumida na luta de Jacó com
um “ hom em ” a quem Oseias chama de Deus (Os 12.3). Antes da
história de Peniel, Jacó foi escolhido pelo Deus da aliança como
portador da promessa. No com eço de sua vida coloca-se o miste­
rioso oráculo concernente à preordenação divina, segundo a qual
o mais velho servirá ao mais m oço (Gn 25.23). A narrativa subse­
quente deixa muito claro, entretanto, que a soberana disposição de
Deus não exclui a atividade humana ou, nesse caso, a perspicácia,
a fraude e a trapaça humanas. Na história de Jacó, por um lado, ele é
retratado como portador legal da promessa da aliança (cf. Gn 27.33;
28.1-4,13-15), mas, por outro, como aquele que busca a promessa
por meios dissimulados. O episódio de Peniel é equivalente a uma

271
C ontinuidade e descontinuidade

experiência de conversão. Essa experiência e o novo relaciona­


mento que se estabelece a seguir recebem expressão concreta no
novo nome de Israel.
Por mais estranho que isso possa parecer à luz da crucial
importância da história de Peniel para a identidade de Israel na
história posterior, não há grande unanimidade quanto à exata
derivação e ao significado da palavra “ Israel” . Parte da dificuldade
está na raridade do verb o rnto, usado para descrever a atividade
de Jacó com respeito ao “ hom em ” . A Versão King James e outras
traduções mais antigas entendem que o nome deriva da palavra
hebraica para “ príncipe” . É por isso que a King James a traduz por
“ pois como príncipe lutaste com Deus” .5 Traduções mais novas,
começando já com a American Standard Version, veem a ideia de
“ esforço” como o significado básico do verbo.6
Não existe unanimidade no que se refere à conhecida explica­
ção do nome dada pelo escritor inspirado da Bíblia, e também não
há consenso entre os estudiosos sobre a possível origem linguística
do nome, diferente da etimologia popular que a Bíblia apresenta.7
E quanto à exata função do nome divino ba no nome Israel? E Deus
quem pratica ou recebe a ação?8
Não há necessidade de resolver todos os detalhes etimoló-
gicos e linguísticos. Basta dizer que o nome de Israel em erge do
contexto de uma narrativa que mostra seu significado profunda­
mente espiritual, onde acontece uma completa mudança no relacio­
namento entre Jacó e o Senhor da aliança, mudança proveniente da
sua luta com o - e o apego ao - Deus da promessa.9

"ISRAEL" ANTES DE ISRAEL (GN 1-11)

Embora o nome Israel não ocorra até Gênesis 32.28, esse


nome já está presente nas mais antigas narrativas de Gênesis,
incluindo Gênesis 1-11. William H. Green observa corretamente
que o Pentateuco tem um tema central: a adoção de Israel como
povo de Deus. Green segue dizendo que a história contida em
Gênesis 1-11 é “ puramente preliminar” , designada a preparar o
leitor para o surgimento posterior de Israel como povo peculiar de
Deus.10 Entretanto, a arrojada afirmação de Green sobre o “ único
tema” do Pentateuco e sobre a natureza “ puramente preliminar” dos
materiais contidos em Gênesis 1-11 deve ser usada com cautela, à

272
I srael e a igreja : um caso para continuidade

luz do atual uso inadequado de uma ênfase que é útil em si mesma.


No estilo de escrita da alta crítica contemporânea, os conteúdos de
Gênesis 1-11 são frequentemente tratados como nada mais do que
a reação de Israel ao fenômeno da natureza, a resposta d e Israel ao
problema das origens, como mera introdução à sua própria história
posterior.11 A o contrário, nós cremos ser Gênesis 1-11 a história
confiável de Israel do início da saga da humanidade, descrevendo
de maneira altamente resumida o relacionamento de Deus com o
mundo durante o período do “ universalismo” - isto é, o período
anterior ao que Deus empreendeu um novo com eço com uma família
em particular, a de Abraão e seus descendentes.
Todavia, e esse é o valor da percepção de Green, a forma em
que os materiais de Gênesis 1-11 são apresentados nos mostra um
Deus que está constantemente fazendo seleções e escolhas, condu­
zindo, assim, para o ponto onde Abraão, ancestral da aliança, surge
na cena da história. A b el é aceito - Caim, não. A descendência de
Caim ê descrita resumidamente; depois é interrompida. A descen­
dência de Sete é apresentada em Gênesis 5. Ela segue até Noé,
em cujo período de vida há a grande separação promovida pelo
dilúvio, que extermina a maioria da humanidade. Depois do dilúvio,
a chamada “ tábua das nações” em Gênesis 10 dá uma última olhada
nas nações em geral, e o faz com grande imparcialidade e sem o
menor sinal de superioridade racial - um fenômeno inigualado nos
tempos antigos. Mas a tábua das nações é organizada para preparar
o leitor para o surgimento da descendência de Sem e de Abraão
como os principais canais para o propósito redentor de Deus. É por
isso que G. Vos pode dizer que na verdade Gênesis 10 é “ um capítulo
que pertence à genealogia da redenção” .12 Observe, por exemplo,
como a descendência de Sem é apresentada por último, contrário a
ordem usual dos filhos de Noé, e como na linhagem de Sem os des­
cendentes de Pelegue não são mencionados até o capítulo seguinte.
Foi de Pelegue que Abrão descendeu.
Assim, essa parte de Gênesis é cuidadosamente estruturada
para incidir forte luz sobre o surgimento do povo escolhido por Deus,
Israel. Isso é também verdade com relação ao livro de Gênesis como
um todo. Há muito tempo se nota que o livro foi estruturado por meio
de uma repetida fórmula genealógica: “ Estas são a gerações de...” .13
A palavra hebraica traduzida por “ gerações” é nròin - isto é ,“ as coisas
geradas” . Nas versões bíblicas mais novas a palavra é, às vezes,
traduzida por “ registro” ou “ história” . A palavra pode introduzir o que

273
C ontinuidade e descontinuidade

chamaríamos hoje de genealogias, mas frequentemente ela inclui


mais do que isso. Os ni-òin são os pontos de suspensão para o avanço
da narrativa sagrada. Abandonam-se as descendências secundárias à
sequência da redenção, como as descendências de Caim, Cam e Jafé
e de Ismael e Esaú, enquanto a linhagem principal é seguida até Jacó
e os doze patriarcas. Nas palavras de Brevard S. Childs: “ ... o principal
interesse da estrutura é descrever tanto a criação como a história do
mundo à luz da vontade divina para um povo escolhido” .14
Desde o início da história sagrada, então, surgem duas linhagens
no relacionamento de Deus com o ser humano. Antes do chamado de
Abraão, Deus trata com a humanidade de uma maneira universal e
ainda não usa um povo em particular para promover seu plano redentor.
Mas a narrativa sagrada já nos prepara para o surgimento desse povo
num ponto posterior do tempo. Deus está selecionando e peneirando.
Quando Abraão é chamado da linhagem de Sem e Pelegue, Deus faz
um novo começo, embora isso não seja completamente novo. Nem se
deve pensar que naquele ponto da história da redenção Deus estava
abandonando todas as outras nações. Como diz Paulo mais tarde, Deus
permitiu que todas as nações andassem nos seus próprios caminhos (At
14.16). Todavia, Paulo sabia, bem como Israel soube desde os tempos
antigos, que Abraão foi chamado para que nele e por meio dele todos
os povos da terra fossem abençoados (Gn 12.3). Essa bênção, como
Pedro corretamente percebe (At 3.25), aconteceu por meio da vida e
do ministério de Jesus Cristo (cf. G13.8).
Assim, existem duas linhas de ação permeando o AT e entrando
no NT. Existe a linha da inclusão, do relacionamento universal de
Deus com o ser humano, e de uma bênção para todas as nações. E
existe também uma linha de exclusão: Deus tem seu próprio povo, a
quem ele defende e protege contra qualquer inimigo; e ele diz isso
a Abraão ao chamá-lo para ser uma bênção para todas as nações:...
amaldiçoarei os que te amaldiçoarem (Gn 12.3).
Dessas duas linhas pode-se encontrar ilustrações suficientes
tanto na vida do Israel do AT como na vida da igreja na dispensação
do NT.

Universalismo e particularismo na dispensação do AT


Por um lado, o AT contém repetidas passagens mostrando preo­
cupação com as nações e estendendo a esperança de que também
serão contadas entre os cidadãos de Sião (SI 87; Is 2.1-4; SI 22.27),

274
I srael e a igreja : um caso para continuidade

e o AT lembra Israel dos grandes estatutos e ordenanças que Deus


lhe deu e que são sabedoria e entendimento [...] perante os olhos dos
povos (Dt 4.6). A o mesmo tempo Israel ora para que Deus derrame
sua ira sobre as nações que não o reconhecem (SI 79.6), e orgulho­
samente (ainda com uma nota de verdadeira gratidão) reconhece
que a revelação que ele recebe não foi dada a qualquer outra nação
(SI 147.20).
Em certos pontos das profecias contra as nações, encontradas
em muitos dos livros proféticos, existe um indício de restauração
para as nações após um julgamento prévio (cf. Jr 48.47; 49.6,39; Ez
16.53), uma restauração da qual até mesmo a ímpia Sodoma parti­
cipará (Ez 16.53). Mas, junto com essa ênfase sobre inclusão, existe
a nota de exclusão. Jeremias diz a respeito da Babilônia: Assim será
afundada a Babilônia e não se levantará, p o r causa do mal que eu hei
de trazer sobre ela (Jr 51.64).
Há os que censuram o Israel do AT por não “ se voltar para
missão” .13 Diz-se que as calamidades que sobrevieram a Israel se
devem à sua alegada falta de zelo missionário. Este escritor acredita
que G. Vos está mais perto da verdade quando observa que “ a
teocracia nunca teve a intenção de ser uma instituição missionária
em seu estado veterotestamentário” .16 Antes, as várias instituições
de Israel: o tabernáculo, os sacrifícios por expiação, as leis sociais
e éticas que Deus deu significavam uma personificação temporária
do reino de Deus na terra. Assim, Israel tinha de exemplificar pas­
sivamente as virtudes do que significa ser um povo particular de
Deus e seu sacerdócio real (Êx 19.5). Mas isso não envolve atividade
evangelística ativa.
A antiga dispensação, com sua dupla ênfase na exclusão e na
inclusão, tendo seu particularismo lado a lado com seu universa­
lismo, prepara o terreno para o que também encontramos na nova
dispensação, prenunciada para quando chegasse a plenitude do
tempo.

Universalismo e particularismo na nova dispensação


O particularismo étnico do AT - isto é, o tempo entre Abraão
e Malaquias - chega ao fim quando o aparecimento e o ministério
de Jesus destruíram a parede da separação (Ef 2.14). Ao abolir em
sua carne a lei dos mandamentos e regulamentos, Jesus destrói a
barreira, o muro de inimizade entre judeus e gentios. Acredito com

275
C ontinuidade e descontinuidade

certeza que pode ser dito que “ esta é uma inegável referência à
anulação, feita por Cristo, da lei mosaica” e que então “ a formação
de um Israel messiânico, composto por todos os crentes em Cristo,
foi a missão de Jesus” .17 Paulo diz em Romanos 10.12: Pois não há
distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de
todos, rico para com todos os que o invocam (c f. Cl 3.11 e d 3.28).
Jesus mesmo se adianta em afirmar que a fé do centurião
romano é a maior que ele havia visto até então, até mesmo em
“ Israel” . Jesus continua a falar dos muitos que virão para o grande
banquete messiânico do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares
à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus (Mt 8.11). Jesus
diz também que seu irmão, irmã e mãe são aqueles que fazem a
vontade do seu Pai que está no céu (ou que ouvem e praticam a
palavra de Deus [Mt 12.49; cf. Lc 8.21]). Em outras palavras, Jesus
prefere relações espirituais acima de qualquer vínculo de sangue
ou relacionamento familiar. Sua verdadeira mãe e verdadeiros
irmãos não deviam ter precedência sobre os outros, nem qualquer
posição distintiva em seu reino somente com base em relaciona­
mento sanguíneo com o Senhor.18
r

E verdade que em certas ocasiões o NT usa linguagem que


poderia sugerir a continuação de uma ou de outra forma do parti-
cularismo étnico do AT. Em Mateus 19.28 Jesus assegura a seus dis­
cípulos que eles assentar-se-ão em doze tronos, julgando as doze
tribos de Israel. Lucas 21.24 afirma que Jerusalém será pisada pelos
gentios até que os tempos deles se cumpram. Ainda outra passagem
frequentemente citada com essa conexão é Atos 1.6, quando os dis­
cípulos de Jesus perguntam ao seu Senhor se ele naquele tempo iria
restaurar o reino a Israel.
- Entretanto, duas coisas devem ser mantidas em mente. A
primeira é que já na Escritura do AT podem os encontrar esboços
ocasionais de uma compreensão menos que literal de termos como
“ Sião” , “ Jerusalém” etc.19 Cremos que essa valiosa compreensão
pode ser ampliada para incluir todo o tema da dispensação do AT.
Mesmo sendo dada, no AT e na economia mosaica, uma ênfase rela­
tivamente maior aos benefícios materiais da aliança - como posse
da terra, abundância de colheita, paz externa e segurança desfru­
tada debaixo da vinha e da figueira -, esses benefícios exteriores
não formam o coração e o centro do relacionamento de Israel com o
Deus da aliança. Não somente existem várias passagens no AT que
nos mostram a incompatibilidade da maldade com a prosperidade

276
I srael e a igreja : um caso para continuidade

(SI 73; Jr 12.1,2; Hc 1) e da santidade combinada com o rigoroso teste


de fé (o livro de Jó; muitos salmos), mas todo o AT respira um espírito
essencialmente religioso e espiritual. Esse é o espírito do patriarca
Jacó, cujo nome foi mudado para Israel por haver se apegado ao
Deus da promessa e abdicado de todos os meios terrenos de jamais
obtê-la.
O inegável centro da religião do AT está na resposta do crente
às palavras do Deus da aliança de que ele seria o Deus de Abraão
e o Deus de seus descendentes (Gn 17.7; Êx 15.2; SI 63.1; 89.26; Js
24.18). Foi essa dominante centralidade em Deus da visão religiosa
do crente israelita que o fez irromper em palavras de fervente
confiança e vibrante alegria como se encontra em Salmos 16.5,6 -
O Senhor é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo
da minha sorte. Caem-me as divisas em lugares amenos, é mui linda
a minha herança. A força desse salmo é tal que alguém poderia não
com preender inteiramente as palavras precedentes se nelas visse
não mais que uma referência a um pedaço de terra em Canaã. Até
mesmo em contextos nos quais uma ligação um tanto estreita é feita
entre a desobediência e a penúria material (como em A geu 1), o
centro da promessa de Deus é este: Eu sou convosco (A g 1.13).
No início deste estudo foi feita a observação de que as linhas
que precisamos traçar devem correr do AT para o NT. Cremos que,
quando isso é feito de maneira adequada, nossa preocupação com
uma restauração terrena de Israel à terra dos seus pais diminuirá
até o ponto de extinção. Os verdadeiros crentes judeus dos dias de
Jesus, como Simeão e Ana, a profetisa, pertenciam a círculos que
estavam aguardando a consolação de Israel e esperavam a redenção
de Jerusalém (Lc 2.25,38). Pode-se ter certeza de que eles estavam
conscientes de que o rei, prestes a chegar em Jerusalém e em Sião,
deveria ser justo e salvador, humilde, montado em jumento... - um
animal associado ao reino teocrático em seu estágio primitivo (cf.
Zc 9.9 com lRs 1.33). Sim, eles sabiam do glorioso passado do reino
e das promessas de vitória futura, mas não estavam conscientes
da nota que Ana, mãe de Samuel, tinha dado, ao cantar: porque o
homem não prevalece pela força (ISm 2.9b). Não usou Maria o tema
do cântico de Ana e o elevou a níveis ainda mais altos de visão espi­
ritual do que sua predecessora do AT havia atingido?
À luz do que se disse, não é evidente que qualquer referên­
cia no NT aos doze apóstolos sentar-se em tronos para julgar as
doze tribos de Israel deve ser vista em termos de toda percepção

277
C ontinuidade e descontinuidade

espiritual contida no AT? Convenhamos, havia os zelotes dos dias de


Jesus. Havia também os saduceus, fariseus e os essênios. Cada um
deles tinha sua maneira singular de olhar para o passado da nação e
esperar por seu futuro. Não é preciso excluir a possibilidade de que
alguns dos verdadeiros discípulos de nosso Senhor foram influen­
ciados de uma ou de outra forma pelas tendências contemporâneas
de pensamento entre as quais eles passaram a vida toda.20 Mas não
é possível que todos percebam que o ministério e o ensino de Jesus
não lhes proporcionaram de imediato uma restauração puramente
terrena de um reino judaico? A recusa de Jesus de ser feito rei, o
fato de ele não ter liderado seus seguidores num conflito com as
forças de ocupação romana e o seu ensino de que o reino já estava
presente no mundo - tudo isso e outras coisas são indicações da nova
forma pela qual Jesus aplicou a antiga escatologia da Escritura do
AT. A o mesmo tempo, como Paulo D. Hanson corretamente observa:
“ a natureza de Jesus e a importância de sua mensagem e sua vida
foram desenvolvidas por referência constante à antiga Escritura” .
Embora visto como um novo capítulo no relacionamento salvador de
Deus com os humanos, foi um “ crescimento organicamente devido
ao longo antecedente histórico registrado na Torá e nos Profetas” .21
Em outras palavras, a segunda coisa que deveria ser dita sobre
as chamadas “ passagens de Israel” acima citadas é que os seguido­
res de Jesus, à luz tanto do próprio AT e da mensagem e ministério
do Mestre deles, não precisaram ser desenganados de possíveis
mal-entendidos que suas palavras pudessem ter causado.22 Embora
todas as implicações dessas palavras possam bem ter começado
vagarosamente na mente deles, já houve garantia suficiente para
ouvi-los de um modo menos que literal.
Patric Fairbairn destaca também que as referências de Jesus
a algum tipo de reino messiânico (Mt 19.28; Lc 21.24; At 1.6) não
existem neste contexto - que não dão “ qualquer pronunciamento
formal ou explícito da restauração nacional de Israel para a Palestina,
ou do restabelecimento lá, como num centro religioso, de um regim e
e adoração judaicos” .23 E ele acrescenta que essa falta é ainda mais
digna de nota, pois o natural seria que um pronunciamento assim
fosse feito exatamente no momento em que Jesus estivesse possivel­
mente falando a respeito do reino do Messias.
Cremos, consequentemente, que a ênfase tanto no universa­
lismo como no particularismo que perm eia o AT, perm eia também
o NT. Por universalismo queremos dizer que todas as nações,

278
Israel e a igreja : um caso para continuidade

independentemente de origem étnica, farão parte do reino do


Messias. Por particularismo queremos dizer que nem todos os
povos serão salvos indiscriminadamente. Alguns, no veredicto
final, ouvirão as palavras: Apartai-vos de mim, malditos (Mt 25.41).
A comunidade messiânica que Jesus reúne em torno de si recebe o
apelo para eliminar os pecadores persistentes do seu meio e ligar
e desligar na terra (Mt 18.15-18). A nova Jerusalém será uma cidade
onde certas pessoas não entrarão (Ap 21.8; 22.15). Assim, embora o
particularismo étnico tenha tido o seu tempo, o que é de valor p er­
manente no relacionamento de Deus com Israel sob a antiga dispen-
sação permanecerá. Jesus “ conhece” suas ovelhas, e suas ovelhas o
conhecem (Jo 10.14). Essa é a exclusividade do NT.24

ISRAEL NAS PARTES REMANESCENTES DO ANTIGO TESTAMENTO

Israel em Exodo ate Deuteronômio


Anteriormente já foi chamada a atenção para o uso da palavra
‘jrtj? para designar a comunidade da aliança do tempo do Sinai e daí
em diante. Isso marca Israel como uma assembléia solene, reunindo-
se periodicamente com o propósito cerimonial entre outros. Embora
Israel seja uma comunidade étnica - se bem que em Exodo 12.38 um
misto de gente acompanhou Israel em sua partida do Egito -, Israel foi
ao mesmo tempo uma assembléia - isto é, “ uma comunidade religiosa
que encontra sua unidade na palavra e na lei de Javé e, consequente­
mente, no próprio Javé” .25 Como tem sido destacado por outros, essa
noção de Israel como uma “ assembléia” é transportada para outras
partes do AT - por exemplo, Salmos.26

Israel em Josué-Reis (Crônicas)


Os livros “ históricos” do AT, chamados de “ Primeiros Profetas”
no cânon hebraico, nos apresentam um Israel que é tanto étnico
como uma comunidade religiosa.
A identidade étnica do povo ganha expressão nas guerras que
promove, nas incursões de opressores estrangeiros que sofre - às
vezes como meio de punição de Deus às transgressões de Israel -
e nos acordos civis e políticos. Todavia, o centro da existência do
povo nunca é suficientemente resumido apenas em termos de iden­
tidade nacional. As guerras que Israel travou sob a liderança de

279
C ontinuidade e descontinuidade

Josué foram tanto pelo Senhor da aliança como pelo povo da aliança.
Mais de uma vez a presença solene de Deus representada na arca
da aliança testemunha que é no estado de assembléia religiosa que
Israel possui a terra prometida.
Um destaque encontrado no livro de Josué é a repetida ênfase
no fato de que todo o Israel - isto é, todas as doze tribos - tomam
posse da terra (v., p. ex., Js 1.12ss e cp. os vários casos nos quais a
excepcional posição de Levi com respeito à posse da terra é men-
cionada:Js 13.14,33; 14.2).Isso estimulou G.J.Wenham a mencionar a
unidade de Israel como um dos leitmotiís (tema principal) do livro.27
Em outras palavras, Israel é sempre “ todo o Israel” . O período
de prova dos quarenta anos de jornada no deserto, durante o qual
uma grande parte do povo morreu, não diminui a posição dos que
entram na terra prometida; eles devem ser vistos como povo de
Deus em sua totalidade. Poderiamos dizer que o “ remanescente” , o
que os israelitas sob Josué na verdade eram, é de fato o povo todo,
somente purificado, reconstituído, novamente focado em sua verda­
deira identidade como o povo da aliança, em cujo meio o Senhor
habita com a santa presença do tabernáculo e da arca da aliança.
Voltaremos ao assunto do remanescente depois.
Um interesse fortemente “ religioso” do povo nos dias de Josué
p od e ser observado pela revolta que as tribos do Jordão ocidental
experimentam a respeito da construção do que parecia ser um altar
rival sobre as margens do Jordão feito pelas duas tribos e meia que
habitam no leste (Js 22).
Com exceção do livro de Josué, cujo tom marcante é de um
otimismo de fé, diante do qual inimigos implacáveis desaparecem
e muros amedrontadores caem, os livros restantes dos “ Últimos
Profetas” apresentam com frequência uma história de repetida
apostasia de Israel que se alterna com o livramento divino. O livro de
Juizes nos mostra como Deus constantemente liberta Israel. Samuel
fala-nos de um reino reclamado em desobediência, concedido em
graça, mas personificado por homens pecadores, um dos quais,
o primeiro, foi o oposto do que um rei de Israel deveria ser. Até
mesmo na vida do rei Davi, o homem segundo o coração de Deus, os
pontos negativos não são encobertos, mas expostos com implacável
franqueza. Crônicas serve a um propósito diferente e dá uma apre­
sentação mais uniformemente favorável. Além disso, já nos livros de
Reis, a lembrança da santidade exemplar de Davi é recordada em

280
I srael e a igreja : um caso para continuidade

séculos posteriores a fim de formar a base para o contínuo favor de


Deus oferecido ao povo instável (lR s 9.4; 11.38; 14.8; 15.11).
Mas o inevitável acontece. Primeiro, a parte norte de Israel
sofre a deportação. Em seguida, o Sul, que não aprendeu a lição com
sua “ irmã” desobediente (Ez 16; Jr 3), sofre o mesmo destino. Nem
o povo nem os reis ungidos aprenderam a lição do cântico de Ana,
mãe de Samuel:porque o homem não prevalece pela força (ISm 2.9).
O último rei de Judá que se assentou no trono de Davi, Zedequias,
é levado preso para a terra de seus captores, e tem seus dois olhos
furados depois de ver a morte de seus filhos (2Rs 25.7).
Uma pessoa deveria experimentar a profundidade da epopeia
intensamente pungente da história de Israel antes de abandonar de
uma vez por todas a ideia de que uma restauração física do reino
de Israel é ainda um dos principais elementos de nossa esperança
escatológica para o presente. Embora seja verdade que a restaura­
ção à terra dos pais de fato aconteceu depois dessa triste sequência
de eventos, é fato incontroverso que nenhum descendente pessoal
de Davi jamais se sentou no trono de Israel.
Vamos abrir parêntese aqui: a sugestão tão aceita pelos críticos
de que A geu e Zacarias de fato, mas erroneamente (!), esperavam
ser Zorobabel o Rei-Messias, não se sustenta sob uma análise mais
acurada. Tanto a comoção que esses dois profetas previram entre
as nações quanto a vasta expansão da cidade de Jerusalém como
cidade sem muros por causa de sua grande população, apontam
para eventos maiores do que qualquer outro que estava prestes a
acontecer ou havia acontecido durante a vida desses profetas (c f. Zc
2.3-5; A g 2.6,7,20-23).
Ao ler a emocionante história da realeza de Israel do AT como
consta nos Últimos Profetas, temos motivo para dizer que grande
composição sobre essa história foram estas palavras, posteriormente
f _______

expressadas num belo hino do Advento: “ O vem, ó vem, Emanuel” .


Como é verdade também a visão que o próprio Salvador tem
do significado do AT, quando ele diz: Porventura, não convinha que o
Cristo padecesse e entrasse na sua glória? (Lc 24.26). O propósito do
grego 8e tv eôe i não é expressar a obrigação interior que Jesus sentiu
ao ir para a cruz, embora, sem dúvida, ele se sentisse compungido a
isso.Tampouco se trata da noção de necessidade (àvctyicr)), presente
na mitologia grega Ao contrário, essa palavra - da qual Lucas, que
escreve principalmente para um público gentio, particularmente

281
C ontinuidade e descontinuidade

gosta - expressa a necessidade da revelada Escritura mosaica do


AT e dos Primeiros e dos Últimos Profetas, de quem Jesus usou os
materiais a ele pertinentes para convencer os viajantes de Emaús
que eles deveriam se alegrar no dia da ressurreição.28Esse material,
que ele vinha usando como sua sinalização ao longo do caminho, o
levaria do sofrimento à glória.
Cremos não ser demasiada ousadia estender esse pensa­
mento e aplicá-lo também ao assunto presente. Afinal, não deveria
Cristo cumprir (i.e., encher) tudo o que o AT havia dito a respeito da
verdadeira natureza de Israel e seu deplorável fracasso, sendo o que
havia sido chamado para ser, ao reunir em torno de si mesmo um
novo Israel, representativo de tudo o que se pretendia que o antigo
Israel fosse, estabelecendo-o sobre o fundamento dos apóstolos e
profetas, com ele mesmo como pedra angular?
Mas, antes de olharmos para alguma evidência do NT, algo
deve ainda ser dito sobre Israel nos Últimos Profetas e nos Escritos,
especialmente no livro de Salmos.

Israel nos Últimos Profetas e em Salmos


Cremos que a leitura adequada dos Últimos Profetas, de Isaías
a Malaquias, confirma o quadro que até agora foi vislumbrado pela
nossa análise anterior. O parâmetro pelo qual os profetas medem
tanto Israel como Judá e os encontram em falta não é o de um código
civil, mas sim o das exigências de um Deus santo. Essa avaliação
de Israel por meio do parâmetro da perfeita santidade de Deus nos
mostra a espiritualidade essencial do povo de Deus no AT. Embora
o povo tenha recebido durante um tempo uma terra para possuir
e um reino terreno para desfrutar, a verdadeira natureza do povo
não pode ser resumida nesses benefícios terrenos. Israel também é,
durante o período dos profetas, uma comunidade da aliança, solene­
mente obrigada por seus generosos estatutos que tinham a intenção
de ser a vida do povo perante Deus.
Novamente queremos chamar a atenção para o que M. J.
Wyngaarden chamou de “ espiritualização latente” de certos
conceitos do AT que já podem ser percebidos nos escritos proféti­
cos.29 Como procuramos demonstrar anterior mente, tal espirituali­
zação está de acordo com a natureza comodamente religiosa e espi­
ritual da religião no AT. Israel teve origem porque Deus o chamou
do meio de uma sociedade pagã. Um processo divino de seleção

282
I srael e a igreja : um caso para continuidade

fez Israel existir. Um de seus ancestrais, Jacó, aprendeu que só é


possível obter a bênção agarrando-se ao Deus da promessa. Esse
Deus graciosamente consentiu em habitar entre o seu povo sob os
símbolos do tabernáculo e do culto sacrificial. Os profetas preveem
que no futuro toda a cidade de Jerusalém será um grande santuário
(Is 4.5,6), protegida pelo emblema da presença de Deus (cf.Ez 37.27,
em que a preposição hebraica bv sugere a leitura “ Meu tabernáculo
permanecerá sobre eles” em vez de “ com ” eles; v. tb. Zc 14.20,21).30
Embora se conceda que as profecias relativas ao futuro de
Israel sejam amplamente expressas em linguagem que sugere uma
realização terrena de salvação, deve-se lembrar que os profetas,
para serem compreendidos pelo povo do seu tempo, naturalmente
personificavam seus pensamentos e revelações nessa linguagem.
Além disso, deveria prestar-se a devida atenção ao elemento carac­
terístico - isto é, que aponta para a frente - da terra, a cidade de
Deus e o pacífico reino em Canaã. Vários escritores salientaram a
curiosa inconsistência dos que admitem o significado tipológico de
muitas partes do AT enquanto se recusam a fazer o mesmo quando
se trata da interpretação da profecia.31
O que deve também ser notado é que os profetas em sua
descrição do grande futuro de Israel dão um proeminente lugar
aos benefícios espirituais: perdão do pecado, purificação, um novo
coração, a remoção de todo pecado e idolatria, tudo marcará esse
período (Jr 31.31; M q 5.10-14). Na nova Jerusalém não se achará
língua enganosa e nenhuma iniquidade (Sf 3.13). No grande futuro
que os profetas preveem, o Senhor terá mais uma vez misericórdia
do seu povo e habitará com ele (Zc 2.10; 8.8; Os 2.23). À luz do que
diz Sofonias de forma tão bonita sobre os mansos da terra que fazem
o que o Senhor manda (Sf 2.3; cf. 3.12), é de nos causar espanto que
Lucas tenha nos dito que quando Jesus olhou para os seus discípulos
disse-lhes: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino
de Deus? (Lc 6.20). De fato, não é! O AT preparou o caminho para a
nova comunidade de Israel que Jesus agora está reunindo em torno
de si.32
Os profetas, com sua constante censura à desobediência e
infidelidade do povo aos revelados caminhos de Deus, acentuam o
quebrantamento que ocorre quando a santidade da lei de Deus é
corrompida pela desobediência e pelo pecado humanos. Foi esse
quebrantamento que indicou a necessidade de uma nova resposta
por parte de Deus, uma nova comunidade de fé baseada não na

283
C ontinuidade e descontinuidade

criatividade humana, mas na justiça de Deus mediante a fé em Jesus


Cristo para todos[e sobre todos] os que creem (Rm 3.22).33
Talvez não seja necessário falar muito sobre a grande profun­
didade espiritual do livro de Salmos. Nele, Israel - e muito frequen­
temente Davi, o “ doce cantor de Israel” - derrama todos os seus
ricos sentimentos religiosos, suas esperanças e alegrias, seus sofri­
mentos e suas agonias, sua perplexidade com o trato de Deus com
seu povo e com o ser humano em geral, seus temores e suas queixas.
Dificilmente se encontrará outro livro no AT que melhor expresse
como o novo Israel, composto pelos que esperam e confiam no
Senhor, deveria ser. Não é de admirar que esse livro se tornou o
cancioneiro favorito da igreja cristã primitiva.34
Foi observado anteriormente que a ideia de Israel como uma
comunidade religiosa reunida em torno de um centro de culto vai do
Pentateuco ao livro de Salmos.
A breve análise dos materiais do AT nos mostra um Israel, de
todas as formas, adequado a se tornar o protótipo da comunidade
de crentes que Jesus e os apóstolos estabelecem na era do NT.

O u t r a s im a g e n s d a " ig r e j a " t r a n s f e r id a s

do AT para o NT

Não somente é o Israel do AT um precursor adequado da


igreja do NT, mas também o povo de Deus nos tempos do AT é fre­
quentemente designado por termos que indicam um cumprimento
posterior, na era da igreja. Um deles é a imagem de um rebanho de
ovelhas. Israel, durante a jornada no deserto, é dirigido por Deus
como rebanho (SI 77.20; 78.52; cf. 80.1). O grande consolador ali­
mentará seu rebanho como um pastor (Is 40.11). Para outras refe­
rências a Israel como um rebanho, veja Jeremias 13.17; 23.2,3; 31.10;
Ezequiel 34 passim e muitos outros. Jesus considera aqueles a quem
ele está reunindo como novo Israel um pequenino rebanho (Lc 12.32)
e aplica a mesma imagem à dispersão que sofrerão seus seguidores
(Mt 26.31). Paulo vê a congregação como um rebanho (At 20.28,29),
e Pedro faz o mesmo (lP e 5.2). Deve-se notar, de passagem, que a
ideia de um rebanho envolve um número definido (cf. Jo 10.14,26).
Alguns são ovelhas desse rebanho; outros, não. Isso dá continuidade
à linha particularista do AT, embora João 10 também deixe claro que

284
Israel e a igreja : um caso para continuidade

o rebanho pode ser aumentado com aqueles que, naquele momento,


não são membros dele (Jo 10.16). Esse é o universalismo do AT.
Um termo frequentemente aplicado tanto ao Israel do AT como
à igreja do NT é “ povo de Deus” . Não há necessidade de demonstrar
detalhadamente desde o AT que Israel é de fato o povo de Deus.
Alguns exemplos tirados de uma grande quantidade de passagens
serão suficientes (Is 1.3; 3.12; Jr 2.11,13; Os 2.23; 4.6). Israel foi o povo
de Deus em virtude de sua escolha e chamado. Essa é novamente
a ideia particularista que percorre todo o AT. Quando Israel perde
essa singularidade por causa do seu pecado, é garantido por Deus
que no futuro ele será novamente chamado de seu povo (Os 2.23).
Paulo, sentindo o pleno significado dessa passagem, o transfere para
incluir os gentios no povo de Deus. Quando Israel cessa de ser o povo
de Deus, segue-se a lógica subjacente: é, na prática, como qualquer
nação gentia. Então Paulo, sob a orientação do Espírito, pode, le g i­
timamente e sem qualquer reinterpretação, aplicar a passagem de
Oseias a uma igreja constituída tanto de judeus como de gentios.
Ambos, assim pretende Paulo dizer, precisavam de uma inclusão -
Israel por causa de sua prévia desobediência, e os gentios porque
também haviam sido desobedientes, embora durante os tempos da
ignorância (At 17.30).
Pedro, dirigindo-se aos forasteiros espalhados pelas várias
partes da Ásia Menor (lP e 1.1), aplica todos os esplêndidos títulos
do antigo Israel aos cristãos do NT (lP e 2.9,10). Aqueles destinatá­
rios são provavelmente um grupo misturado de judeus e cristãos
gentios. Mesmo se, como alguns supõem, eles fossem formados
inteiramente por cristãos judeus, o ponto a ser observado é que os
epítetos de Israel do AT (Is 43.10,20; 44.1,2; Dt 28.9; Êx 19.6) são
transmitidos para a igreja do NT.35
A “ igreja” do AT é às vezes comparada a uma noiva, especial­
mente na abrangente imagem de Oseias 1-2, e a apostasia de Israel
é vista repetidamente como prostituição ou adultério (Is 1.21;Jr2.20;
Ez 16.15). Da mesma forma, a igreja do NT é agora a noiva de Cristo
(Ap 21.2); Cristo ama a igreja como o marido ama sua esposa (Ef
5.25).
Deve-se também mencionar a aplicação da palavra “ tem plo”
à congregação do NT e ao crente individual (IC o 3.16; 2Co 6.16).
Ainda outro ponto de continuidade entre o povo de Deus no AT e a

285
C ontinuidade e descontinuidade

igreja é a extensa tipologia do êxodo que se encontra aplicada às


experiências da igreja no NT (v.,p. ex., IC o 10).

A IGREJA COMO O ISRAEL DE DEUS (Gl 6 .1 6 )

Muito tem sido escrito sobre Gálatas 6.16 e como compreendê-


lo. Tendo chegado ao fim de sua epístola, na qual ele se irrita com o
judaísmo que estava se infiltrando na igreja gálata, Paulo está agora
apontando os cristãos judeus como o Israel de Deus junto com outros
que andarem de conformidade com esta regra? Existem duas classes
de pessoas aqui - uma categoria geral de cristãos que seguem a
“ regra” e uma categoria de cristãos judeus? É significativo que até
mesmo um escritor pré-milenarista, J. Barton Payne, admite que ver
o Israel de Deus como um grupo distinto de cristãos hebreus “ seria
o oposto do propósito da epístola como um todo” .36Toda a tendência
da epístola é que nem a circuncisão nem a incircuncisão significam
qualquer coisa. O que se deve levar em conta, diz Paulo, é uma nova
criação. São essas palavras que imediatamente precedem as palavras
sobre o Israel de Deus. Tendo feito uma declaração abrangente no
versículo 15, não é inconcebível que Paulo repentinamente faça
distinção entre dois tipos de cristãos, um gentio e outro judeu?37
Ao contrário, cremos que H. A. W. M eyer está certo quando
chama a referência de Paulo a todos os cristãos como Israel de Deus
“gleichsam der Triumph des ganzen Briefes” ( “ como se fosse a triun­
fante conclusão de toda a epístola” ).38 Os judaizantes, contra quem
ele vem escrevendo com tanta veemência, devem cessar de uma
vez por todas de alegar que eles, como Israel de Deus, têm o direito
à salvação mais que outros cristãos. Todos os cristãos, sejam eles
judeus ou não, são o Israel de Deus.
Embora não defendamos que uma passagem tão fortemente
contestada como Gálatas 6.16 seja assim traduzida, cremos que
algumas versões bíblicas mais livres entenderam corretamente a
passagem ao omitir qualquer referência a “ Israel de Deus” , substi­
tuindo-a por “ todo o povo de Deus” .39

A SALVAÇÃO DE TODO ISRAEL (Rm 1 1 .2 5 ,2 6 a )

Até agora a nossa argumentação tem sido que a igreja no


NT reúne em si tanto o particularismo como o universalismo que

286
I srael e a igreja : um caso para continuidade

percorrem o AT. Romanos 9-11 nos ensina a mesma coisa. Paulo


está demonstrando que a palavra de Deus não falhou (Rm 9.6). O
grego usa aqui Èkttetttokev (do verbo ekttltttgj), que literalmente
significa “ cair” . Isso é semelhante a um verbo hebraico usado para as
promessas infalíveis de Deus a Israel desde Abraão até o tempo de
Josué (Js 21.45). Em outras palavras, Paulo argumenta com base em
fatos e palavras conhecidos da história da redenção, não com base
em algum decreto desconhecido e misterioso de Deus. Esses fatos e
promessas da história da redenção falam-nos claramente que existe
em Israel tanto uma ação de peneirar como uma escolha em anda­
mento (v. Rm 9.6-13). Nós abordamos isso numa parte anterior de
nossa discussão. Ismael, embora descendente de Abraão, é excluído
do desenvolvimento da linha da aliança e da “ descendência” através
da qual a bênção viria. Isaque seria aquele por meio de quem essa
“ descendência” seria chamada. Poder-se-ia dizer, portanto, que todos
os que descenderam de Isaque são verdadeiramente descendentes
de Abraão. Mas não; há mais um peneiramento na história da reden­
ção. Esse peneiramento é entre Jacó, o mais jovem, e Esaú, o mais
velho. Isso confirma o mesmo princípio, mas gera mais um degrau.
O que Paulo está falando aqui é praticamente a ideia do rema­
nescente, embora ele ainda não o mencione pelo nome, não até
Romanos 9.27 (v. tb. Rm 11.1-6). Todo o Israel, descendente como
é de Isaque (não de Ismael) e de Jacó (mas não de Esaú), é, de
certa forma, o remanescente. José refere-se dessa forma a ele em
Gênesis 45.7. Antes do tempo dos patriarcas, toda a humanidade
que descendeu de Noé depois do dilúvio, é remanescente.40 Assim,
parece que repetidas vezes a ideia de remanescente recebe nova
datação. Enquanto ela diz respeito a Israel, a ideia de remanescente
não é adequada a algum decreto misterioso de Deus, embora esse
decreto esteja por trás de tudo o que acontece a Israel. Ao contrário,
ela em erge numa prolongada história de desobediência à aliança e
ao fracasso por parte de Israel. Mesmo que em sua totalidade Israel
possa ser chamado de remanescente, gradualmente a verdadeira
natureza do remanescente começa a tomar forma. Existe, assim diz o
apóstolo, um ponto no qual todo o Israel cessa de ser o povo de Deus
(Os 1.9; 2.23; Rm 9.24,25). Os gentios agora preenchem as fileiras de
todo o Israel.
O chamado de Abraão e as promessas feitas a ele, por Deus,
que ocorrerem no contexto de particularismo e universalismo do AT,
estão de conformidade com as promessas de Deus (as promessas

287
C ontinuidade e descontinuidade

que não falharam) relacionadas a um endurecimento que em parte


desceria sobre Israel (Rm 11.25). À luz da história da redenção, isso
não deve vir como surpresa. Junto com o “ endurecimento em parte”
está a ideia do remanescente, embora essa ideia não seja explicita­
mente mencionada. Esse remanescente, ao mesmo tempo os que é
uma parte do todo, é também “ein zu ganz Israel hinweisender und hin-
zielender neuer Same”.41Paulo dá a ele exatamente o mesmo sentido
que é dado no AT: uma entidade em constante mudança e diversa.42
Paulo se refere à ideia de remanescente não tanto em seu
aspecto escatológico, mas sim como uma entidade que está presente
agora, revelando como Deus lida com a igreja, especificamente em
relação a seus membros judeus: Assim, pois, também agora, no tempo
de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça (Rm
11.5). Enquanto isso, a plenitude (TrXripwfia) dos gentios está sendo
produzida. O endurecimento em parte dos judeus continua até que
a plenitude dos gentios se com plete e, dessa forma ( oütcoç), todo o
Israel será salvo. L. A. De Caro ressaltou bem que o uso bíblico da
palavra “ até” nem sempre significa uma reversão posterior de dada
situação (v. SI 110.1; lC r 28.20; Is 6.9-13).43 Em outras palavras, a
ênfase do apóstolo não é sobre algum momento posterior no tempo,
quando haverá uma reversão no endurecimento em parte dos
judeus. A o contrário, a ênfase é sobre a palavra “ assim” ou “ dessa
forma” ,“ desse m odo” .Todo o Israel será salvo no que diz respeito a
causar a plenitude dos gentios.
A citação de Isaías 59 que continua em Romanos 11.26
refere-se a um libertador que virá de Sião. Ele é quem tira o pecado
de Israel. Esse libertador já viera quando Paulo escreveu essas
palavras. A retirada de pecados foi realizada por Cristo, e isso
tanto para os gentios como para os judeus. Quando a plenitude dos
gentios se realizar e até que isso termine, então, dessa maneira, todo
o Israel será salvo. Assim, a dupla ênfase do AT sobre o particula-
rismo e o universalismo terão se mesclado. Haverá um só corpo do
rebanho de Cristo, redimido, conhecido dele pelo nome e distinto
daqueles que não são suas ovelhas. Esse corpo de Cristo excluirá os
que não são verdadeiramente de Cristo; todavia, todos os homens
serão chamados ao arrependimento. A salvação de todo o Israel
ainda está em processo, porque a plenitude dos gentios ainda está
sendo produzida. Mas, em todo caso, alguns dos judeus que estão
agora endurecidos em parte serão enxertados na oliveira. Eles não
formarão um grupo separado ou uma entidade à parte junto à igreja.

288
Israel e a igreja : um caso para continuidade

A questão de se é mais adequado falar de uma substituição dos


judeus pela igreja cristã ou de uma extensão (continuação) do povo
de Deus do AT no da igreja do NT é respondida de várias maneiras.
Alguns preferem pensar em termos de um crescimento da igreja
como resultado do Israel do AT. Há justificativa bíblica para isso. Mas
é também verdade que Jesus diz que o proprietário da vinha (leia
“ Israel do AT” ) entregará a vinha a outros arrendatários (Mt 21.41).
Isso mostra que junto com a continuidade existe descontinuidade
entre o Israel do AT e a igreja de hoje.
Pode bem ser que a dupla ênfase no universalismo e no parti-
cularismo servirá também para lançar luz sobre essa aparente anor­
malidade. O que deve ser declarado com clareza, entretanto, é que
a ideia de a igreja substituindo Israel não deve ser entendida como
uma avançada forma de antissemitismo, como é feito por alguns.44
A o contrário, o verdadeiro antissemitismo está com aqueles que
por várias razões acreditam não haver necessidade de pregar o
evangelho de Jesus, o Messias, ao povo judeu. Não proceder assim é
negar-lhes o maior tesouro deste mundo.

O DESAFIO DE PREGAR O EVANGELHO AOS JUDEUS

A questão igreja e Israel apresenta a todos os evangélicos,


independentemente de onde eles se posicionam com respeito a
qualquer das questões acima, o desafio de pregar o evangelho aos
judeus. A necessidade de fazê-lo tem sido há muito tempo negada
por certos tipos de cristãos “ ecumênicos” .43 Os judeus, assim
afirmam esses cristãos, devem ser considerados parte da família
ecumênica. Alguns vão além e usam a palavra “ ecumênico” para
qualquer tipo de manifestação inter-religiosa, como, por exemplo,
na oração pela paz na Igreja de Assis, em outubro de 1986, em que
budistas, hindus, jainistas, animistas, nativos de religiões america­
nas, judeus, cristãos e outros participaram.
Estamos vivendo num mundo que mostra cada vez mais uma
homogeneidade de cultura. Mas isso não leva à conclusão de que
agora deve haver também um amálgama das religiões do mundo.
Existe, no que tange aos cristãos, apenas um nome pelo qual o homem
pode ser salvo: o nome de Jesus Cristo, o servo escolhido de Deus, a
esperança e o anelo de toda a Escritura do AT.
Embora os evangélicos devam se esforçar por resolver as
diferenças entre si com respeito à relação entre o Israel do AT e

289
C ontinuidade e descontinuidade

a igreja, o verdadeiro inimigo está fora dos portões evangélicos.


Esse inimigo é o inclusivismo religioso cada vez maior de nossos
dias, um inclusivismo que, se não for detido, ameaçará todos nós.
The Christian Century; um periódico liberal, afirmou algum tempo
atrás que, embora os evangélicos tenham produzido algumas obras
notáveis na área da história da igreja, não produziram até aqui nada
comparável na área da religião comparada. Pode bem ser que, à
luz da presente tendência a uma religião mundial, a produção de
um trabalho competente sobre religião comparada, escrito com
base em uma visão consistentemente bíblica e evangélica, seja a
exigência do momento.

C o nclusão

Quando Jesus, o Messias, veio, ele fundou a igreja (eKicXriaía)


sobre a rocha da confissão de Pedro. Além de *?nj?(assembleia) essa
igreja seria edificada sobre a confissão de seu próprio messia­
nismo, não sobre as ordenanças mosaicas. Mas a escolha dos doze
discípulos por Jesus mostra a preocupação em continuar com o que
precedeu. No Pentecoste, o núcleo da igreja fundada pelo Salvador
recebe seu próprio princípio vital no derramamento do Espírito.
Judeus e gentios são incluídos nesse novo “ Israel de Deus” . Embora
lutando e triunfando aqui na terra, a igreja tem sua cidadania no céu
(Fp 3.20). Ela sabe que a Jerusalém lá de cima é [...] nossa mãe (G1
4.26). A igreja também sabe, através do conhecimento que vem pela
fé, que a nova Jerusalém está descendo do céu, da parte de Deus
(Ap 21.10), e que nessa cidade estão escritos os nomes tanto das
doze tribos de Israel como dos doze apóstolos do Cordeiro - uma
revelação perfeita da continuidade entre o Israel do AT e a igreja do
N T (A p 21.12,13).

290
11

Israel e a igreja: um caso para


descontinuidade

Robert L. Saucy

ois eventos da história recente - o Holocausto judeu sob

D o nazismo e o estabelecim ento de um Estado político -


deram a Israel um novo lugar nos assuntos mundiais. Não
somente o povo judeu e sua nação assumiram uma posição de
proem inência, como também um novo interesse teológico na
questão d e Israel foi inaugurado. Esta última questão con cer­
nente ao lugar de Israel inevitavelm ente levanta a questão do
relacionamento desse povo com a igreja.
Durante a maior parte da história da igreja, a interpretação
cristã dominante viu a igreja como a substituição neotestamentá-
ria do Israel histórico no plano de Deus da história da salvação. A
singular perpetuação do povo judeu no decorrer de séculos e o res­
tabelecimento de sua antiga nação foram convites ao reexame dessa
opinião dominante vindos de uma ampla variedade de fontes.1Se,
como alguns sugerem, as igrejas se apressaram demais em assumir
C ontinuidade e descontinuidade

por si mesmas tudo o que a Escritura ensina com respeito a Israel,


e assim essa nação ainda tem um lugar no propósito de Deus, então
o relacionamento da igreja e Israel não p od e ser simplesmente de
continuidade.
A o sugerir que a doutrina da continuidade não é o quadro
bíblico total do relacionamento entre Israel e a igreja, não queremos
ser duros com o lado da descontinuidade radical. O primitivo ensino
dispensacionalista que dividiu o povo de Deus em pessoas terrenas
e celestiais (i.e., a igreja e Israel), essencialmente sem continuidade
no quadro de Deus no plano histórico, deve também ser rejeitado.2
Em nosso entendimento, o conceito bíblico do povo de Deus apoia
tanto certa continuidade como descontinuidade.

"O p o v o de D eus"

A ideia bíblica de “ povo de Deus” tem origem na aplicação


feita a Israel no AT. Nesse uso, significa um povo com quem Deus,
por seu amor eletivo, estabeleceu um relacionamento especial. O
A

povo se tornou sua “ propriedade exclusiva” (p. ex.,Ex 19.5; Dt 4.10).


Esse relacionamento é expresso e formalmente ratificado numa
aliança entre Deus e seu povo (i.e., a aliança mosaica ou sinaítica). O
elemento distintivo no conceito de “ povo de Deus” é, dessa forma,
religioso. Em sua aplicação à nação de Israel, Strathmann conclui
que “ ... expressa um sentido de distinção de todos os outros povos
com base na religião, uma percepção de que Israel perm anece
numa relação especial com Javé...” .3
Embora o uso da terminologia “ povo de Deus” com ece com
a nação de Israel e tenha seu significado predominante em todo
o AT, existe, já nos profetas, a expectativa daqueles que estão fora
de Israel serem caracterizados da mesma forma. Com referência
aos dias messiânicos, Zacarias declara: Naquele dia, muitas nações
se ajuntarão ao Senhor e serão o meu povo (Zc 2.11). Isaías também
espera ansiosamente o dia quando o Egito e a Assíria, inimigos his­
tóricos tradicionais, se tornarão “ parceiros” de Israel, e o Senhor
dos exércitos dirá: Bendito seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra
de minhas mãos, e Israel, minha herança (Is 19.24,25; cf. Zc 9.7 - os
filisteusserão com o chefes em Judá, ARA). Embora não usando expli­
citamente a expressão “ povo de Deus” , muitas outras opiniões con­
cernentes à salvação das nações e a participação delas na adoração

292
I srael e a igreja : um caso para descontinuidade

ao verdadeiro Deus tem relação com essa mesma verdade. A oração


de Salomão em 2Crônicas 6.33 de que ... todos os povos da terra
conheçam o teu nome,para te temerem com o o teu povo de Israel... é
profetizada como uma realidade vindoura (p. ex., Is 25.6,7; 45.18-25;
55.4-7; Jr 16.19; Sf 3.9; SI 148.11-13). De forma significativa, para os
nossos propósitos, a ampliação do conceito de “ povo de Deus” para
as nações gentias no AT é feita sem que elas se tornem parte de
Israel. Assim, mesmo antes dos tempos do NT o conceito de “ o povo
de Deus” é visto englobando tanto Israel como os de fora dele.
Quando chegamos ao NT, encontramos uma aplicação sem e­
lhante do “ povo de Deus” tanto para Israel como para os de fora de
Israel. Poderia se esperar naturalmente o transporte dessa termino­
logia ao povo histórico de Israel antes do chamado dos gentios para
a igreja. Isto é, de fato, o que acontece frequentemente no registro
dos Evangelhos. Mas esse uso não cessa com o início da igreja e a
inclusão dos gentios. Sem detalhar todos os usos neotestamentários
desse conceito, os escritos de Lucas, que contêm mais da metade das
ocorrências de “povo” [Àaóç] no NT, demonstram esse fato. Dos 36
usos no Evangelho e 44 em Atos, Flender observa que “ com poucas
exceções ele é usado exclusivamente para o povo judeu” .4 O uso
contínuo dessa designação para o povo natural de Israel durante a
era da igreja é visto da descrição dos israelitas por Paulo como seu
[de Deus] povo (Rm 11.1,2).
Mas o conceito é também aplicado aos de outras nações que
agora estão incluídos na igreja. Os tempos messiânicos, previstos no
AT, quando a salvação de Deus se estendería aos gentios, chegou, de
acordo com o ensino apostólico. Deus está tirando dentre os gentios
os que podem ser chamados um povo para o seu nome, como Israel
foi antes desse tempo (At 15.14; cf. 18.10). Especialmente impor­
tante a esse respeito são as referências usadas no AT para Israel
como povo de Deus e que são agora aplicadas à igreja, incluindo
tanto judeus como gentios. Os redimidos da igreja são um povo
exclusivamente seu [de Deus], até mesmo Israel (Tt 2.14; cf. Êx 19.5;
v. tb. Rm 9.25ss; 2Co 6.16; e esp. lP e 2.9,10). Como será discutido, a
aplicação à igreja dessas descrições anteriormente usadas exclu­
sivamente para Israel não faz com que a igreja assuma agora essa
posição exclusivamente para si. Entretanto, isso indica claramente
que o “ povo de Deus” foi ampliado para incluir pessoas de nações
além de Israel. Observando que a igreja, pela fé em Jesus Cristo,
tornou-se “ povo de Deus” , Bietenhard é cauteloso com a conclusão

293
C ontinuidade e descontinuidade

de uma simples continuidade que agora assume esse título exclusi­


vamente para a igreja:

N ã o q u e r d iz e r, c la ro , q u e n o N T a i g r e j a s im p le s m e n t e to m o u
o l u g a r d e I s r a e l c o m o p o v o d e D e u s , c o m o s e I s r a e l tiv e s s e
p e rd id o a p r i o r i d a d e q u e lh e fo i d a d a p o r D e u s . E s s e é,
ta lv e z , o m a io r p r o b l e m a c o m o q u a l P a u lo lu ta n a c a r t a a o s
R o m a n o s . S u a c o n c lu s ã o é q u e I s r a e l é e p e r m a n e c e p o v o d e
D e u s , e n ã o fo i r e je it a d o p o r e l e (c f. R m 9 -1 1 , e s p . R m 9.4s;
11.Is).5

Resta ser discutido o significado específico dessa terminolo­


gia em relação a Israel. Mas esse esboço do ensino bíblico sobre o
“ povo de Deus” fornece as linhas gerais fundamentais do relacio­
namento entre Israel e a igreja. No sentido final talvez seja melhor
dizer que “ o povo de Deus” é um povo, desde que todos se rela­
cionem com ele pela mesma aliança de salvação. Mas a afirmação
dessa unidade fundamental numa relação com Deus por meio
de Cristo não elimina a singularidade de Israel como uma nação
especial, chamada por Deus para um ministério singular no mundo,
como uma nação entre as nações. Essa posição será apresentada,
primeiro ao examinar a identidade bíblica de Israel e da igreja, e
então estabelecendo o propósito de Israel como nação especial, um
propósito que permanece.

A IDENTIDADE DE IS R AEL

Em qualquer discussão relativa ao relacionamento entre


Israel e a igreja, é preciso primeiramente procurar com preender
o significado bíblico destes dois nomes. Se eles são basicamente
sinônimos, então o caso para continuidade é fortalecido. Por outro
lado, se a Escritura revela uma consistente distinção entre esses
conceitos, então, algum sentido de descontinuidade deve ser
mantido.

O SIGNIFICADO DE ISRAEL NO AT

O termo “ Israel” (i.e., “ aquele que persiste com Deus” , ou


“ Deus persiste” ) prim eiro aparece na Escritura como um nome de
honra concedido divinamente a Jacó após sua luta com Deus em

294
Israel e a igreja : um caso para descontinuidade

Peniel (Gn 32.28). Esse termo continuou como um nome alterna­


tivo para Jacó ao longo de sua vida e depois de sua morte (p. ex.,
Gn 35.21; Ex 32.13). Da designação literal dos doze filhos de Jacó
como filhos de Israel (Gn 42.5), o termo “ Israel” veio a ser aplicado
a seus descendentes em geral (Ex 1.7) e depois à nação que eles
A

formaram (cf. Ex 19.5). Com a divisão do reino depois do reinado


de Salomão, Israel passou a ser o nome para o Reino do Norte com
as dez tribos centralizadas em Efraim, diferenciando-se do reino
de Judá (incluindo a tribo de Benjamim) no Sul (p. ex., ISm 11.8;
lRs 12.16). Entretanto, de vez em quando foi usado para todo o
povo da aliança, incluindo o Reino do Sul (Is 5.7) e somente para
o último depois da dissolução do Reino do Norte. Somente Judá
representa agora o povo de Israel (M q 3.1). Essa breve análise do
uso do AT demonstra, assim, uma aplicação consistente do termo
Israel para Jacó e seus descendentes, que se desenvolveram na
nação de Israel.
Uma aparente exceção a esse uso é a aplicação de Isaías de
“ Israel” ao servo do Senhor em Isaías 49.1-6. Embora o profeta tenha
aplicado com frequência o conceito de “ servo” ao povo de Israel,
nessa passagem o servo ministra a Israel, tornando difícil ver o
próprio Israel como o servo. Assim, os intérpretes têm corretamente
entendido essa referência ao servo “ Israel” como apontando para o
próprio Messias, que expressa em sua própria pessoa “ o ideal do
que deveria ser o servo de Javé” .6
Esse uso de “ Israel” para o Messias que haveria de vir, entre­
tanto, não pode ser feito com base no ensino de que todos os que
finalmente estão “ em Cristo” são consequentemente iguais a Israel.
Isaías está aplicando o título honorífico de “ Israel” ao Messias
porque ele é o verdadeiro servo que finalmente realizará a tarefa de
Israel. Mas isso não indica uma mudança no significado de Israel ou
da rejeição da nação como servo. A descrição é, ao contrário, a de
Israel como uma personalidade coletiva na qual a cabeça ministra
primeiro ao corpo para que este possa então cumprir sua missão
por meio da cabeça. Israel recebeu uma missão às nações, e é
somente por meio do seu Messias, o perfeito servo do Senhor, que
Israel p od e cumprir sua tarefa. Que esse uso de “ Israel” para Cristo
como a cabeça do povo de Israel não inclui os gentios é visto no fato
de Cristo nunca aplicar esse nome a si mesmo, nem a igreja em seu
ensino relacionado à identidade ou ao ministério de Jesus jamais o
chama de “ Israel” .

295
C ontinuidade e descontinuidade

Com base no ensino do AT, “ Israel” significa, assim, uma


comunidade de pessoas com um relacionamento especial com
Deus. Essa comunidade é diferenciada d e outros povos, prim eiro
por seu relacionam ento religioso com o verdadeiro Deus e também
por sua linhagem física. Embora existisse a possibilidade dos que
não fossem biologicam en te descendentes d e Abrão, por m eio de
Jacó, se tornarem parte da comunidade de Israel com o prosélitos,
o elem ento físico nunca é descartado em favor de uma definição
puramente religiosa de Israel. A “ visão judaica” declarada por
Jocz expressa perfeitam ente a evidência do AT: “ O que separa
Israel do restante da humanidade não é o aspecto inteiramente
físico, e também não é o inteiramente espiritual, mas uma com bi­
nação d e ambos. O físico e o espiritual são entidades que jamais
se separavam.” .7
De crucial importância para definir Israel de acordo com o AT
é o reconhecimento de que a comunidade de Israel constitui uma
“ nação” . Já a Abraão, Deus prometeu que seus descendentes se
tornariam uma grande nação (Gn 12.2; cf. 17.5; 18.18). Com referên­
cia ao tamanho numérico para formar uma nação, Deuteronômio 26.5
refere-se ao povo tornando-se uma nação grande, forte e numerosa
durante a escravidão egípcia. Mas é pela liberdade da dominação
política no êxodo e a subsequente aliança no Sinai que o seu status
de “ nação” é formalmente ratificado.8O relacionamento pactuai com
__

Deus os estabelece como um reino de sacerdotes e nação santa (Ex


19.6). Tanto os termos “ reino” como “ nação” têm clara importância
nacional e política. Embora não tão comum como o uso de “ povo” , o
termo “ nação” é aplicado em seguida à comunidade de Israel (cf. Êx
33.13 -... esta nação é o teu povo, Dt 4.34).
A diferença no uso aponta não somente para a distinção de
significados entre “ povo” e “ nação” , mas também para a dimensão
do termo “ Israel” , que, de acordo com seu significado fundamen­
tal no AT, o distingue do conceito de “ igreja” . A imponente palavra
“ povo” sendo uma palavra mais “ poética de forma arcaica e
solene” ,9 e transmitindo “ forte ênfase no elemento de consangui­
nidade como base de união” ,10 foi usada para expressar a relação
especial de Israel com Deus em distinção de todos os outros povos,
comumente chamados de “ nações” .11 Além disso, o termo “ povo”
era menos político e podia ser usado para Israel depois do fim do
reino davídico, em Jerusalém, quando ele não mais constituía uma
entidade política de fato.12

296
Israel e a igreja : um caso para descontinuidade

Apesar do uso menos frequente de “ nação” , Israel como “povo


de Deus” foi uma entidade nacional. Reconhecendo que o AT não
fornece uma definição precisa de uma nação, Clements nota três
importantes elementos que contribuem para essa compreensão - ou
seja: raça, governo e um território.13 Todos esses são evidentes na
descrição do Israel do AT. Embora, como observado anteriormente, a
origem racial comum foi mais expressa no conceito de “ povo” , Israel
remontou sua origem como uma “ nação” a Abraão (cf. Gn 12.2; 17.6;
18.18). Da mesma forma, Israel teve um governo desde sua origem
no Sinai. Na aliança mosaica, de acordo com Buber, “ YHVH une-se
a Israel numa unidade política, teopolítica...” .14 O pedido de um rei
como o têm todas as nações (ISm 8.5) demonstra não somente a forma
normal de governo para aquele tempo, como a conexão inerente
de governo com o conceito de uma nação.15 O terceiro principal
aspecto de uma nação envolve a posse de seu próprio território (cf.
Is 36.18-20; SI 105.44). As muitas promessas relativas a uma terra para
os descendentes de Abraão que constituiriam a nação prometida (cf.
Gn 12.7; 17.5) e a posse posterior daquela terra sob Josué demonstra
que Israel tem também essa marca de uma nação.
Portanto, além dessa importância espiritual como “ o povo
de Deus” , Israel no AT foi, de fato, uma nação entre as nações do
mundo. Foi um povo que habita só e não será reputado entre as nações
(Nm 23.9). Kline confirma a realidade de Israel como uma entidade
nacional, igual a outras nações, quando diz concernente a essa ação
que “ ... Javé tomou especial interesse nas necessidades geográficas
da numerosa descendência de Abraão em seu providencial governo
de todas as nações [...] porque Israel era seu povo eleito...” .16
Essa posição de uma nação pertencer exatamente ao conceito
de Israel na visão do AT não pode ser separada de seu significado
religioso como “ o povo de Deus” . A força dessa afirmativa é vista na
declaração de Clements sobre a perspectiva de Deuteronômio: “ A
concepção generalizada em todo o livro é que Israel é uma nação,
e dificilmente pode-se aprovar a possibilidade de Israel continuar
a viver como povo de Javé de alguma outra forma que não fosse
como uma nação” .17Essa mistura singular de dimensões religiosa e
nacional continua até o momento presente na compreensão judaica
de Israel. De acordo com o judaísmo, “ ... religião e nacionalidade
estão inseparavelmente ligados” .18“ É ser uma nação, mas, por causa
de sua conexão peculiar com a qualidade de ser uma comunidade
de fé, é mais do que isso” .19

297
C ontinuidade e descontinuidade

Sem absolutamente nenhuma intenção de minimizar o


elemento religioso central na identidade de Israel, é vital reconhe­
cer esse elemento nacional na questão do relacionamento entre
Israel e a igreja. De maneira muito clara esse elemento está faltando
na compreensão da igreja do NT. Resta agora ver se os escritores do
NT se livram dessa dimensão da compreensão de “ Israel” à luz do
novo trabalho da igreja.

O SIGNIFICADO DE ISRAEL NO NT

A evidência do NT revela que, com exceção de algumas refe­


rências debatidas que serão discutidas a seguir, o nome Israel está
relacionado ao povo da aliança “ nacional” do AT.20 O termo ocorre
68 vezes no NT, predominantemente nos escritos de Mateus, Lucas
e Paulo.21 No que se refere ao uso sinótico, Mayer diz: “ Israel repre­
senta o povo e também a terra [...] em geral [ele] mantém clara­
mente a ligação com a realidade e a esperança de Israel” . O uso
de João também corresponde a esse significado básico do AT.22
Já que a nova obra de Deus na igreja nem histórica ou teologica­
mente é o assunto principal dos registros nos Evangelhos, é nos
escritos com referência direta à igreja que poderiam os esperar
encontrar algum novo significado e aplicação do conceito de Israel.
Entretanto, as duas principais testemunhas desse período com, de
longe, o máximo de referências a Israel, não revelam mudanças.
Dos 27 usos no evangelho de Lucas e Atos, Jervell conclui: “ Nos
escritos de Lucas ‘Israel’ sempre é uma referência ao povo judeu.
Em nenhum momento ele serve para caracterizar a igreja, isto é,
nunca é usado como um termo técnico para a reunião cristã de
judeus e gentios” .23
E principalmente nos textos do apóstolo Paulo que algumas
pessoas têm tradicionalmente encontrado o uso de Israel com um
novo sentido, significando um “ novo Israel” formado por crentes
tanto judéus como gentios na igreja. Afirma-se que duas referências,
em particular, usam esse novo significado. Por si só, a declaração do
apóstolo Porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas (Rm 9.6)
pode parecer ampliar o significado de Israel para incluir crentes
gentios de fora do Israel judeu histórico. Mas a análise do contexto
torna muito mais plausível que Paulo faça referência a uma divisão
dentro de Israel. A o introduzir essa importante seção declarando sua
preocupação com meus irmãos, meus compatriotas [...] israelitas (9.3,

298
I srael e a igreja : uh caso para descontinuidade

4), o apóstolo elabora o propósito eletivo de Deus dentro dos des­


cendentes físicos de Abraão (cf. 9.7-13).24O propósito da seção toda
é que, embora as promessas de Deus a Israel possam parecer ter
falhado quando se olha para a totalidade de Israel, o que se constitui
numa visão predominantemente incrédula, existe um remanescente
dentro de Israel, “ um ‘Israel’ dentro do Israel étnico” .25Ligando essa
passagem à discussão de Paulo sobre a identidade de um judeu em
Romanos 2.28,29, em que um contexto judaico semelhante é fre­
quentemente despercebido, Gutbrod diz:

N ã o s o m o s in fo r m a d o s a q u i q u e o s c r is tã o s g e n t io s s ã o o v e r ­
d a d e i r o Is ra e l. A d is tin ç ã o e m R o m a n o s 9.6 n ã o v a i a lé m d o
q u e é p r e s s u p o s t o e m João 1.47, e c o r r e s p o n d e à d istin ç ã o
e n t r e ’ IouSatos èv tcí kputttú [u m ju d e u q u e o é in t e r io rm e n t e ]

e ’ IouSalos kv tu <j>aveptü [u m ju d e u q u e o é e x t e r io r m e n t e ] e m
R o m a n o s 2.28s., q u e n ã o im p lic a q u e P a u lo e s t e ja c h a m a n d o
o s g e n t io s d e v e r d a d e ir o s ju d e u s .26

O texto citado com mais frequência em relação à igreja como


“ novo Israel” é Gálatas 6.16. Após declarar que a circuncisão não tem
valor na nova criação em Cristo, Paulo diz: E, a todos quantos andarem
de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles
e sobre o Israel de Deus. Embora a palavra grega traduzida nessa
citação como “ e ” (ARA) ou “ também” (NVI) possa, nesse exemplo,
levar à interpretação de que os “ que andarem conforme esta regra”
são os equivalentes de “ o Israel de Deus” , vários fatores tornam isso
improvável. Primeiro, esse sentido explicativo não é comum, esp e­
cialmente nos textos de Paulo.27 Consequentemente, a menos que
existam fortes fundamentos contextuais, a usual conjunção copula-
tiva (i.e, “ e ” ) deveria ser mantida.28
Segundo, e talvez mais importante, se “ o Israel de Deus” é
uma referência à igreja, seria o único caso em que o apóstolo usa
Israel com esse significado. Burton acertadamente usa o fato de
que “ ... não existe [...] uma situação de ele usar IaparjX, exceto
para a nação judaica ou uma parte disso” como um argumento que
favoreça “ ... a interpretação da expressão sendo aplicada não à
comunidade cristã, mas aos judeus...” .29 Davies, da mesma forma,
reconhece que Paulo em nenhuma parte da epístola aos Gálatas
se refere a um “ novo Israel” , nem em qualquer outro lugar ele usa
“ Israel” para a igreja. Ele apropriadamente comenta que, se esse

299
C ontinuidade e descontinuidade

fosse o significado aqui em Gálatas 6.16, poder-se-ia esperar


achar apoio para ele em Romanos 9-11, em que Paulo trata exten­
sivamente com ‘Israel’ ” .30 Isso é especialm ente pertinente a luz do
fato de a carta aos Gálatas ser provavelmente o prim eiro dos textos
de Paulo que ainda existe.31 Se ele, de fato, acreditava que a igreja
era o “ Israel de Deus” na época em que escreveu aos gálatas, por
que não encontramos evidência desse significado em seus muitos
subsequentes usos desse nome?
Terceiro, a expressão em questão é mais bem entendida como
uma referência ao povo judeu, à luz do propósito e da mensagem
da epístola como um todo. De modo geral, há concordância que,
em contraste com suas outras cartas, Paulo escreveu Gálatas
com singeleza de propósito - ou seja, para defender a pureza do
evangelho, da salvação pela graça por m eio da fé independen­
temente de quaisquer obras legais.32 Embora esse seja o tema
teológico da epístola, na situação histórica ela serve especifica­
mente à defesa do ministério de Paulo. O livro todo está agrupado
entre o pronunciamento inicial de uma maldição sobre qualquer
um que pregasse uma mensagem contrária ao que Paulo pregou
(1.8,9) e uma bênção final sobre os que perm anecessem leais ao
seu evangelho (6.16). No corpo da carta Paulo deixa claro que tem
uma incumbência apostólica particular - ou seja, os gentios. Assim
como outros receberam a graça de ir aos circuncidados, da mesma
forma ele e seus companheiros foram equipados por Deus para
irem aos gentios (2.7-9; cf. 1.16). Seu evangelho é, consequente­
mente, o evangelho da incircuncisão[lit., dos incircuncisos] (2.7). O
evangelho foi eficiente sendo a pessoa circuncidada ou não (cf.
5.6; 6.15).
A doutrina de Paulo da justificação pela fé independente­
mente da circuncisão ou outras práticas judaicas (cf. 4.10) relacio­
nou-se não apenas com a soteriologia pessoal, como também ao
progresso da história da salvação. Com a vinda de Cristo, o caminho
foi aberto para a salvação chegar aos gentios sem a necessidade
de se tornarem judeus ou parte de Israel. Como argumentado pos­
teriormente em Romanos, a doutrina da justificação pela fé inde­
pendentemente das obras da lei indica que Deus não é o Deus dos
judeus somente, mas também o Deus dos gentios (3.29,30). Longe
de procurar mesclar os gentios em algum tipo de “ novo Israel” cha­
mando-os de “ o Israel de Deus” , Paulo está afirmando a igual parti­
cipação deles junto com os judeus numa nova salvação messiânica

300
I srael e a igreja : um caso para descontinuidade

em Cristo. O ministério dos apóstolos aos gentios foi na mente d ele o


cumprimento da promessa de Deus a Abraão: Em ti, serão abençoa­
dos todos os povos (G1 3.8 citando Gn 12.3). Essa mesma promessa
incluiu declarações concernentes a Israel (cf. Gn 12.2), mas Paulo
não se refere a elas. A salvação dos gentios não foi o cumprimento
das promessas à nação de Israel, de acordo com o argumento do
apóstolo em Gálatas.
A ideia de Paulo sobre unidade envolvia uma unidade espi­
ritual em Cristo na qual não havia diferença em relação a Deus (cf.
G1 3.29), mas não uma unidade que dissolvia todas as diferenças
históricas. Até mesmo em relação à prática da circuncisão, Paulo
não teve problema com os crentes judeus continuarem essa prática.
Ele até circuncidou Timóteo por causa do efetivo testemunho aos
judeus. Mas exigir essa prática dos gentios implicava que algo além
da fé era necessário para a salvação. Esse algo poderia sugerir
também que a salvação envolvia viver como os judeus (G1 2.14).
Paulo rejeitou inflexivelmente essas implicações, reconhecendo a
salvação somente pela fé tanto para o judeu como para o gentio.
Howard corretamente argumenta que a preocupação de Paulo foi
estabelecer um evangelho universal, não apenas para Israel. Ele
argumenta mais: que o conceito que Paulo tinha de unidade exigiu a
identidade regular tanto do gentio como do judeu.

A c r e n ç a e m Javé c o m o o D e u s u n iv e r s a l e x ig iu , a ssim , m ú tu o
r e c o n h e c im e n t o en tre ju d e u s e g e n t io s d e q u e o s d o is p e r ­
te n c ia m a o m e s m o D e u s . P o d e m o s até ir m a is a lé m e d iz e r
q u e q u a lq u e r ten tativa d e q u a lq u e r l a d o d e a p a g a r a n a tu re z a
é tn ic a e cu ltu ra l d o ou tro s e r ia d e s t r u ir o c o n c e ito p a r t ic u la r
d e P a u lo s o b r e a u n id a d e e n tre ju d e u s e g e n t io s .33

O evangelho de Paulo e seu ministério aos gentios, que ele


defende em Gálatas, estão de acordo com seu ensino posterior na
epístola aos Romanos. Lá, ele esboça os futuros planos de Deus que
envolvem tanto os gentios como Israel no serviço de Deus para a
salvação um do outro, para no final incluir ambos no reino de Deus
(11.11-36). Com base nesse ensino, Howard afirma que “ o objetivo
final, na mente de Paulo, foi o mútuo reconhecimento de cada um
sob o governo divino de Javé, o Deus de Abraão” .34
Essa compreensão da mensagem de Gálatas como uma
defesa não apenas da justificação somente pela fé, como também

301
C ontinuidade e descontinuidade

do ministério de Paulo da salvação aos gentios como tais, torna


extremamente improvável que ele concluísse seu argumento deno­
minando os gentios de “ o Israel de Deus” . É muito mais provável,
em razão de sua forte condenação a uma tendência judaizante que
buscava escravizar os convertidos gentios, que Paulo buscasse
reconhecer também a validade de um verdadeiro Israel. Como diz
Richardson: “ ...ao impedir os gálatas de se moverem [...] para uma
nova exclusividade e sectarismo cristãos, ele acrescenta sua oração
por misericórdia sobre o povo fiel de Deus” .35
Assim, se a referência é aos judeus que estavam no momento
andando de acordo com as normas de Paulo e assim na igreja, ou
a “ todo o Israel” destinado à salvação escatológica (Rm 11.26), está
mais de acordo com a linguagem do apóstolo, sua teologia geral e a
mensagem de Gálatas ver “ o Israel de Deus” como uma referência
ao povo judeu. Essa compreensão da expressão como uma referên­
cia ao Israel étnico parece estar ganhando adeptos entre os intérpre­
tes modernos, sem dúvida em relação ao aumento geral do interesse
teológico relacionado ao lugar de Israel no plano de Deus.36
O uso que Paulo faz de Israel, então, não apoia a ideia de uma
continuidade do Israel do AT com a igreja no sentido de que esta
assume o lugar de um “ novo Israel” no plano histórico de Deus da
salvação. Nas palavras de Robinson:

P a ra P a u lo e x is te a p e n a s u m Is ra e l. E le n ã o fa la - c o m o fa z e m
a lg u n s t e ó lo g o s m o d e r n o s - d e u m “ a n tig o I s r a e l” e d e u m
“ n o v o I s r a e l” . E m n e n h u m lu g a r e le s u g e r e q u e Is r a e l p e r d e u
o u m u d o u s e u c a r á t e r o r ig in a l. E m re s u m o , e le n ã o p r o p õ e
q u a lq u e r n o v a d e fin iç ã o . Is ra e l é o p o v o o u n a ç ã o d e Is ra e l, d e
c u ja id e n t id a d e n in g u é m te v e q u a lq u e r d ú v id a .37

Para Paulo, o Israel histórico, embora parcial e temporaria­


mente endurecido, ainda tinha um futuro e, portanto, não podia
ser substituído por um novo povo de Deus (cf. Rm 11.25,26). Beker
acertadamente vê, com base nesse ensino de Romanos 9-11, que a
presente missão de Paulo como apóstolo dos gentios (Rm 11.13; cf.
G1 1.15, 16) e líder da igreja

n ã o n e g a a m is s ã o h is tó ric a d e Is r a e l a o m u n d o [...] a p o s iç ã o
e s t r a t é g ic a d e Is ra e l n a h istó ria d a s a lv a ç ã o n ã o e stá c o n fin a d a
ao s e u p a s s a d o , c o m o s e a g o r a e s t iv e s s e a b s o r v id o p e l a ig r e ja .

302
Israel e a igre:a : um caso para descontinuidade

Is ra e l p e r m a n e c e u m a e n t id a d e distin ta n o futuro d o p r o p ó s it o
d e D e u s . A s s im [...] P a u lo s im p le s m e n t e s e r e c u s a a ig u a la r a
i g r e j a g e n t ia a o n o v o / v e r d a d e ir o Is r a e l.38

Apesar da ausência de qualquer declaração explícita


chamando a igreja de “ Israel” , afirma-se, no entanto, que essa
equação é feita na maneira pela qual os escritores do NT frequente­
mente aplicaram outra terminologia à igreja que no AT pertenceu a
Israel. Pedro apresenta um dos mais claros exemplos dessa prática
quando descreve os destinatários de sua primeira epístola, que
certamente incluiu gentios (cf. 4.3,4), com a expressa linguagem
aplicada a Israel em seu com eço como nação. Eles são raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus
(lP e 2.9). Não podem os negar que esses muitos aspectos de Israel
são aplicáveis ao “ povo de Deus” na igreja. O propósito da salvação
de Deus está presentemente sendo transmitido pela igreja. O tes­
temunho da igreja das “ excelências d e le ” pode, acertadamente,
ser visto como realização de um serviço sacerdotal ao mundo que
pertenceu originar iamente à nação de Israel.
Por causa da básica continuidade no futuro da salvação de
Deus e a consequente natureza do “ povo de Deus” , muitos aspectos
do povo da antiga aliança são da mesma forma aplicáveis ao povo
da aliança da igreja do NT. Na consideração dessa transferência de
terminologia, entretanto, deve-se ter em mente dois fatos que argu­
mentam contra o uso disso como evidência para provar que a igreja
é, de fato, o novo Israel. Primeiro, a Escritura revela com frequência
diferentes aplicações de linguagem semelhante sem implicar iden­
tidade dos assuntos. O fato de a mesma expressão referente ao filho
de Deus ser chamado do Egito ser usada para Israel e Cristo não
os torna idênticos (cf. Os 11.1; Mt 2.15). O agir de Deus de forma
análoga na história da salvação torna o uso de linguagem análoga
comum em toda a revelação bíblica.
Segundo, embora muito do que concerne a Israel seja aplicado
à igreja, como vimos, o uso do nome “ Israel” é cuidadosamente
evitado. Muitos aspectos da experiência do Israel da antiga aliança
foram típicos no sentido de esperar ansiosamente um cumprimento
final, mas o próprio Israel nunca é retratado como um tipo no estrito
sentido de ser substituído por seu antítipo. Esses fatos tornam pre­
ferível concluir com Richardson, quando diz:

303
C ontinuidade e descontinuidade

A pesar dos m u ito s a trib u to s , c a r a c t e r ís t ic a s , p r iv ilé g io s


e p r e r r o g a t iv a s do ú ltim o [I s r a e l] que são a p lic á v e is ao
p r im e ir o [i g r e j a ], a i g r e j a n ã o é c h a m a d a d e I s r a e l n o N T. A
c o n t in u id a d e e n tre Is r a e l e a i g r e j a é p a r c ia l; e a d e s c o n t in u i­
d a d e e n tre I s r a e l a .C . e s u a c o n t in u a ç ã o d .C . é p a r c i a l.39

Assim, os escritores do NT não dão apoio a uma mudança no


significado de “ Israel” com base em seu uso no AT em relação ao
povo de Israel nacional. Nem o uso de terminologia semelhante para
Israel e igreja argumenta a favor de uma continuidade do povo de
Deus que vê a igreja como o “ novo Israel” .

A IDENTIDADE DA IGREJA

Reconhecer a unidade fundamental do povo de Deus em Israel


e na igreja, o que difere de uma completa continuidade ou iden­
tidade, não faz com que a questão se dissolva; afinal, as questões
quanto à identidade da igreja distinta de Israel e de sua relação
com a identidade nacional permanecem. Em outras palavras, o que
constitui a descontinuidade entre a igreja e Israel e o que é continui­
dade? Sem tentar ser abrangente, será útil olhar para certos ensinos
cruciais que se relacionam com as duas questões.

A DESCONTINUIDADE DA IGREJA E ISRAEL

Tradicionalmente, considerável discussão concernente à des­


continuidade da igreja e Israel tem-se concentrado em certas rea­
lidades espirituais características da igreja que não foram verdade
no Israel histórico. Entre elas está o batismo com o Espírito Santo e
a habitação de Cristo com a resultante constituição da natureza da
igreja como corpo de Cristo.40
O reconhecimento do desenrolar da história bíblica da
salvação, especialm ente as mudanças postas em movimento desde
a antiga até a nova aliança, apoia a interpretação de que essas
realidades são novas para a igreja e diferentes da experiência
de Israel no AT ou de qualquer santo do AT, quanto a isso. Mas a
renovação com o início da igreja não estabelece uma descontinui­
dade da igreja em relação a Israel. As profecias falaram de novas
bênçãos escatológicas para Israel e todas as nações envolvendo

304
Israel e a igreja : um caso para descontinuidade

uma nova habitação do Espírito (p. ex., Ez 36.25-27; J1 2.28,29),


com uma consequente relação nova e íntima com Deus (p. ex.,
Ez 37.27; Jr 31.33,34). Então, perm anece a questão de se as novas
realidades espirituais são exclusivas da igreja da era presente ou
se são o com eço de novas bênçãos escatológicas prometidas à
era messiância que será compartilhada por todos os crentes. Em
nossa opinião, a Escritura é mais bem com preendida ao ensinar a
última interpretação. Está além do escopo deste estudo examinar
esse assunto completamente, mas várias indicações apoiando essa
posição podem ser resumidamente afirmadas.41
No dia de Pentecoste, Pedro citou a profecia de Joel sobre
o escatológico derramamento do Espírito como explicação do
batismo do Espírito, e isso indica claramente que a experiência da
igreja com relação ao Espírito não é exclusiva dela (cf. At 2.16ss). A
profecia de Joel foi referência direta a Israel, cujo povo deve ainda
desfrutar dessa bênção (cf. Rm 11.26). Além disso, quando a vinda
do Espírito é vista como o dom da salvação na nova aliança e se
reconhece que a mesma salvação foi prometida a todas as nações,
deve-se concluir que a relação com o Espírito desfrutada pela igreja
pertence à salvação messiânica destinada a todos os crentes. Nas
palavras de Stott, é “ ... uma bênção universal para os membros da
aliança. É parte integrante da nova era” .42
Tanto a união dos crentes com Cristo como a habitação de
Cristo com os crentes é também melhor compreendida como apri­
moramento da bênção que pertence a todos que compartilham da
salvação messiânica da nova aliança. Embora não existam referên­
cias explícitas à habitação do Messias com seu povo nas profecias
do AT, há conceitos apontando nessa direção. Após examinar os
ensinos da unidade corporativa do ser humano encontrados no AT
e no judaísmo primitivo, Shedd conclui que “ a doutrina do corpo
de Cristo é [...] uma aplicação explícita do conceito hebraico da
personalidade corporativa” . A singularidade hebraica do homem
na criação e no pecado não foi a realidade da união espiritual em
Cristo, mas proveu o tipo do qual “ ... a unidade da igreja é o antítipo,
a coisa real” .43Um exem plo desse relacionamento corporativo entre
o Redentor prometido com seu povo é visto na descrição de Daniel
da concessão do reino tanto à figura messiânica - um como o filho de
homem - como aos “ santos” (Dn 7.13,18,22).
No que concerne ao corpo de Cristo, encontra-se mais na
próxima seção sobre a continuidade da igreja e Israel, onde se

305
C ontinuidade e descontinuidade

argumenta que as verdades ensinadas por essa metáfora tratam


das realidades espirituais da prometida salvação messiânica e não
são, consequentemente, exclusivas da igreja. Quando acrescenta­
mos o ensino do NT de que a habitação de Cristo está inerente­
mente relacionada à habitação do Espírito prometido sob a nova
aliança (cf. Jo 14.16,18, 20; Rm 8.9,10; Ef 3.16-19), é difícil ver a
relação da igreja com o Espírito e Cristo tão distinta da que todos
os crentes acabarão desfrutando, incluindo o Israel redimido.
A distinção entre a igreja e Israel, em vez de ser encontrada nas
realidades espirituais relacionadas à soteriologia da nova aliança,
deve, sim, ser encontrada na identidade de Israel como nação, à
qual considerável atenção já foi dada.
Na discussão da salvação inicial dos gentios, ocorrida no
Concilio de Jerusalém, Tiago declara que Deus está formando um
novo povo no qual a nacionalidade não tem importância. [Deus]
visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu
nome (At 15.14). A igreja é agora um povo “ independente de todas
as precondições nacionais” .44 Que esse é o verdadeiro caráter da
igreja está claro no restante do NT. A igreja é uma comunidade
formada tanto por judeus como por gentios, na qual a raça ou iden­
tidade nacional dos indivíduos não tem qualquer influência, seja no
status ou na função. Em clara distinção do conceito de Israel, a igreja
não é uma nação. Essa diferença é evidente na declaração de Flight
de que “ não há no NT alusão à organização de um Estado cristão, ou
qualquer evidência de um sentido de nacionalidade por parte dos
cristãos como houve no judaísmo...” .4S
A presente obra de Deus na igreja é, portanto, distinta
da econom ia anterior da história da salvação na qual Israel
desfrutou de uma relação especial com Deus como uma nação
entre as nações (cf. SI 147.20). É também diferente daquele
quadro profético do reino messiânico no qual Israel tem uma pre-
em inente posição entre as nações. De acordo com os profetas, as
__

nações reconheceríam que Deus estava com Israel (c f. Is 45.14). A


luz desse reconhecimento, Jerusalém seria o centro da adoração
d eles e o lugar onde aprenderíam os caminhos d e Deus (cf. Is 2.3;
M q 4.2,3).46 A característica crucial para nossa discussão é que,
nesse quadro do reino no AT, as nações vêm a conhecer Deus sem
misturar-se ou tornar-se parte de Israel. Israel perm anece uma
nação entre as nações, em bora a salvação de Deus se estenda
além d ele para outros povos. Bright observa esse quadro na

306
ê

Israel e a igreja : um caso para descontinuidade

profecia de Isaías: “ E em bora os judeus não percam seu lugar


de preem inência, a adoração por estrangeiros será igualmente
aceitável (Is 56.6-8)” .47
A presente natureza da igreja na qual não existe tal distinção
entre membros de diferentes nações é obviamente descontínua
dessas profecias. A questão importante é se a última revelação do
NT muda esse quadro profético. Embora Tiago veja harmonia entre
a profecia de Amós 9 e o chamado de um povo dentre os gentios
sem distinções nacionais, é questionável se ele tem a intenção
de dizer que a obra presente é o com pleto cumprimento daquela
profecia e, com isso, também as outras precondições da era messi­
ânica. Com base no ensino de Cristo concernente aos “ mistérios”
do reino, essas promessas começaram de uma maneira que não foi
claramente revelada no quadro do AT referente ao estabelecim ento.
do reino. O reino veio em parte, mas não ainda completamente.
Assim, é razoável ver na salvação dos gentios na igreja um cum­
primento parcial da profecia de Amós. Mesmo Pedro não pretendeu
que seus ouvintes compreendessem que todo o conteúdo da profecia
de Joel tenha se cumprido em todos os fenômenos do Pentecoste,
mas somente o com eço do cumprimento (especialmente a vinda do
Espírito - cf. At 2.16-21), assim também como Tiago viu na presente
obra de Deus um cumprimento parcial de Amós. A salvação foi
então estendida aos gentios sem que eles se tornassem Israel, como
foi profetizado para a era messiânica.
A identidade da igreja como um “ p ovo” tirado “ de [lit.,
dentre] os gentios” , consequentemente, o torna distinto d e Israel,
que é uma nação entre nações. Uma com pleta continuidade
que vê a igreja como uma espécie de novo Israel, que agora se
apoderou das promessas de Israel, está, assim, eliminada. Não
somente o NT evita tal continuidade, como essa interpretação de
continuidade entra em conflito com sua aplicação das promessas
nacionais à igreja. Não somente as nações não estão vindo à igreja
para aprender os caminhos d e Deus, mas como com preender as
profecias tanto de Israel como das nações adorando o mesmo
Deus se, de fato, todos os crentes são “ Israel” e o “ povo de Deus”
todo é idêntico a “ Israel” ? Com o vamos procurar demonstrar, é
mais fácil harmonizar o ensino bíblico concernente tanto à igreja
como à nação de Israel se as distinções na identidade deles forem
mantidas.

307
C ontinuidade e descontinuidade

A CONTINUIDADE DA IGREJA E ISRAEL

Junto com elementos na identidade da igreja mostrando des­


continuidade com Israel existem também características mostrando
continuidade. A igreja é o corpo de Cristo, no qual judeus e gentios
são descritos como co-herdeiros [...] coparticipantes da promessa em
Cristo Jesus (Ef 3.6). O contexto anterior torna claro que “ a promessa”
foi de alguma forma relacionada a Israel (cf. 2.12), indicando, assim,
que a igreja foi envolvida no cumprimento da promessa a Israel.
Que as profecias do AT se cumpriram na realidade da igreja é um
tema comum do ensino do NT. A vinda de Cristo e sua obra foram de
acordo com a Escritura, e referências incluindo as descritivas do reino
messiânico foram citadas como evidência. Desde que a discussão do
apóstolo referente ao corpo de Cristo e sua relação com as promessas
de Israel (Ef 2.11-3.7) são centrais para a questão da continuidade
e descontinuidade no povo de Deus, será útil focar essa passagem
como um exemplo do ensino do NT sobre esse assunto.
A posição dos gentios antes do tempo da igreja é descrita pelo
apóstolo em cinco declarações indicando a falta de relacionamento
deles com Deus e suas promessas. Naquele tempo, estáveis sem
Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da
promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo (Ef. 2.12). Em
todas essas declarações os gentios são diferenciados de Israel, pois
careciam do que Israel já desfrutava. A declaração final sem Deus dá
um enfoque particular sobre a verdadeira questão em todas essas
diferenças. Embora Deus tivesse uma testemunha entre os gentios
o tempo todo (At 14.17), Israel teve um relacionamento favorecido e
desfrutou da verdadeira comunhão com ele. Os gentios, como tais,
não tiveram esse relacionamento. Não há dúvida [de que existe] um
esforço nessa comparação com Israel para ligar as novas bênçãos
dos gentios em Cristo com a anterior atividade redentora de Deus
em Israel. Mas a ênfase não é sobre Israel e a incorporação dos
gentios naquela nação. A o contrário, é na posição desvantajosa ou
de perda dos gentios em comparação aos privilégios de Israel.48
Tudo isso é para preparar o cenário para a nova posição dos
gentios, uma posição que eles compartilham com os judeus que
creem em Cristo. A declaração anterior sobre ser “ excluído da
cidadania de Israel” e a referência a agora ser concidadãos [...] da
família de Deus (Ef 2.19) têm levado alguns a concluir que Paulo
está ensinando que os gentios foram incorporados a um novo Israel

308
Israel e a igreja : um caso para descontinuidade

espiritual. O apóstolo, entretanto, não fala dos gentios serem incor­


porados a Israel, ou deles juntos formarem um “ novo Israel” . Ao
contrário, a ênfase da passagem é que através da obra de Cristo,
gentio e judeu, juntos, entraram em um novo relacionamento de pro­
ximidade com Deus.
A posição de Israel no AT já era de “ proximidade” com Deus
em comparação aos gentios (cf. SI 148.14). Mas a nova posição dos
crentes em Cristo transcende essa “ proxim idade” . Ele veio para
proclamar paz tanto para vós outros que estáveis longe [...] também
aos que estavam perto para que eles pudessem ganhar novo acesso
ao Pai em um Espírito (Ef 2.17,18). É depois dessas declarações que
Paulo traz à tona os novos privilégios dos gentios que correspon­
dem à sua antiga posição negativa. Eles não são mais estrangeiros e
peregrinos; agora eles são concidadãos dos santos, e sois da família
de Deus (2.19).
Em nenhum lugar nessa passagem o apóstolo identifica essa
nova cidadania como a condição de ser membro de Israel, nem,
como vimos anteriormente, algum escritor do NT descreve a comu­
nidade cristã ou o corpo de Cristo como um novo Israel. Ao contrário,
essa nova posição, envolvendo uma mudança tanto para o judeu
como para o gentio, é melhor descrita em conexão com a descrição
que Paulo faz da cidadania celestial do crente. Usando um termo
grego intimamente relacionado ao que é traduzido por “ comuni­
dade” em 2.12 e “ concidadãos” em 2.19, Paulo fala aos crentes fili-
penses: pois a nossa pátria está nos céus (Fp 3.20). Parece melhor,
então, concordar com Hoch, quando ele d iz:“ ...judeus e gentios em
Cristo se tornam concidadãos numa comunidade celestial que não é
chamada de Israel, todavia tem um íntimo relacionamento histórico-
redentor com Israel” .49
É, de fato, esse relacionamento redentor entre judeu e gentio
o foco da passagem, não a dissolução de cada distintivo que definiu
o Israel histórico como uma nação entre as nações. Essa verdade
é confirmada quando são considerados os meios da nova união.
A unidade foi produzida quando Cristo derrubou a parede de
separação, que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne, a lei
dos mandamentos na forma de ordenanças (Ef 2.14,15). A o ver a lei
como uma barreira e a causa da inimizade entre os dois grupos,50
Paulo, obviamente, não está pensando na lei na totalidade de sua
significância.51 A o contrário, está focando nos aspectos da lei que
permaneceram como “ parede de separação” entre gentios e Israel

309
C ontinuidade e descontinuidade

e, igualmente importante, o aspecto condenatório da lei como a


justa exigência de Deus que havia separado dele os dois grupos.
A ênfase está na obra salvadora de Cristo na cruz, que trouxe judeu
e gentio para uma nova união com Deus e, por conseguinte, de um
com o outro.
Embora o NT forneça mais compreensão relativa aos meios e
à natureza dessa nova salvação em Cristo, o AT já havia previsto que
judeu e gentio dela compartilhariam igualmente durante os tempos
messiânicos. O ensino do apóstolo nessa mensagem confirma a
continuidade da obra de Deus na igreja com essas promessas. Mas
em nenhum lugar o apóstolo, com isso, conclui que Israel perdeu o
seu significado do AT ou seu futuro por causa dessa obra. Um com­
partilhamento na salvação de Deus por Israel e pelas nações não
dissolveu as distinções funcionais históricas de Israel nas profecias
do AT. A menos que os escritores do NT explicitamente ensinem o
contrário, o início do cumprimento dessa verdade no NT deveria, da
mesma forma, não ser interpretado para dissolver a diferença.
Somente breve comentário pode ser feito no que se refere
à outra descrição de crentes como descendência de Abraão, fre­
quentemente entendida como indicando que a igreja é Israel (G1
3.29). Embora essa expressão possa soar judaica, é importante
lembrarmos que Abraão representa tanto os crentes gentios como
os crentes judeus. Pelo fato de ele ter sido considerado justo pela
fé mesmo antes de ter sido circuncidado, o apóstolo ensina cla­
ramente que ele é o pai dos incircuncisos, isto é, dos gentios, e
dos circuncisos, isto é, dos judeus (Rm 4.10-12). “ Descendência
de Abraão” , então, não é necessariamente o equivalente a um
judeu ou membro do povo de Israel. A promessa de Deus a Abraão
abrangeu tanto uma grande nação como todas as famílias da terra
(Gn 12.2,3). Am bos os grupos, portanto, compartilham do cumpri­
mento daquela promessa na salvação de Deus sem estar absor­
vidos mutuamente. É significativo que, quando o cumprimento
da promessa a Abraão está relacionado aos gentios, é especifica­
mente essa declaração sobre todos os povos, não qualquer referên ­
cia à “ grande nação” ou Israel, que o apóstolo usa como apoio do
AT (G1 3.8). Novamente há compartilhamento, mas não identidade
- ou, em termos de nossa discussão, certa continuidade entre Israel
e a igreja no cumprimento da promessa, mas sem negar distinções.
Esse mesmo princípio fundamenta a discussão de Paulo sobre
o relacionamento entre Israel e os gentios, ensinado na metáfora

310
I srael e a igreja : um caso para descontinuidade

da oliveira (Rm 11.16-24). Um lapso comum é com etido quando a


raiz santa da árvore, na qual os ramos da oliveira brava, que repre­
sentam os gentios, são enxertados, são interpretados como sendo
Israel. Mas o apóstolo identifica claramente Israel com os ramos
naturais da oliveira cultivada, alguns dos quais foram cortados no
tempo presente. Isso é claro de sua explicação de que um endure­
cimento em parte aconteceu a Israel (v. 25). A raiz, não Israel, deve
ser vista como algo que fornece vida e nutrição tanto aos ramos
naturais como aos silvestres - isto é, Israel e os gentios. Embora
Cristo seja o cumprimento definitivo dessa raiz, historicamente é a
promessa da aliança a Abraão que, sem dúvida, está na mente do
apóstolo. Israel foi o ramo natural, uma vez que já tivera os p rivilé­
gios da aliança desde o princípio. A gora os gentios estavam sendo
enxertados para compartilhar daquela promessa - não, entretanto,
como “ a grande nação” , mas como “ todas as famílias da terra” em
cumprimento à promessa original que abrangia ambos os povos.
Nesse sentido, o quadro da oliveira não é diferente do ensino do
apóstolo em Efésios 2-3.
A identidade da igreja e seu lugar no plano de Deus revelam,
assim, uma continuidade com Israel em sua participação no
programa da história da salvação de Deus que está, em última
análise, fundamentada na promessa a Abraão. Mas também revela
uma descontinuidade, no sentido de que a igreja não toma o lugar
da nação de Israel naquele plano.

D e s c o n t in u id a d e e um f u t u r o par a I sr a e l

O reconhecimento de uma descontinuidade entre a igreja e


Israel se harmoniza com o quadro bíblico de um futuro para Israel.S2
Hoje, muitos falam de um futuro para esse povo, mas o veem sim­
plesmente como a recepção da salvação e a incorporação na
igreja.53 Mas a escolha de Deus àquele povo incluiu serviço, bem
como salvação. Comentando a descrição de Deus daquela nação
como reino de sacerdotes (Ex 19.6), Noth diz:

Is r a e l d e v e te r o p a p e l d e u m m e m b r o s a c e r d o t a l n o n ú m e ro
d e e s t a d o s te rre n o s . Is ra e l d e v e fa z e r “ s e r v i ç o ” p a r a to d o o
m u n d o (c f. tb. Is 6 5 .5 ss); e s te é o p r o p ó s it o p a r a o q u a l Is ra e l
fo i e s c o lh id o ...54

311
C ontinuidade e descontinuidade

Não é mais razoável dizer que esse serviço é cumprido em


Cristo como o verdadeiro Israel ou como servo definitivo do Senhor
do que entender a missão da igreja como completada em Cristo
como cabeça da igreja. Bright observa acertadamente que Israel
como um povo está intimamente ligado à missão do servo na profecia
de Isaías.

... entretanto, o S e r v o é d e s c rito , a m is s ã o d o S e rv o é s e m p r e


c o lo c a d a p e r a n t e Is r a e l c o m o s e u d e s tin o n a h is tó ria (p . e x ., Is
5 0 .1 0 ). O S e r v o n ã o p o d e s e r s e p a r a d o d e Is ra e l, a s s im c o m o
C risto , d e s u a i g r e ja [...] Is r a e l d e v e s e r o p o v o d o S e r v o - e s s e
é o s e u d e s tin o n a h istó ria. E s e u d e s tin o s e r a g e n t e d o e s t a b e ­
le c im e n to d o r e in o d e D e u s n o m u n d o ...55

E óbvio, com base na história, que Israel até agora não realizou
essa missão. Mas até mesmo no AT, quando a nação miseravelmente
desapontou seu Deus, os profetas continuaram a estimular as espe­
ranças do povo com profecias de um tempo quando esse propósito
seria realidade. Essas predições forneceram evidência para a des­
continuidade entre Israel e a igreja, pois o cumprimento delas é
melhor compreendido em relação a Israel como uma entidade
nacional entre as nações, não por meio da igreja.

UM CANAL DE REVELAÇÃO

O ministério sacerdotal de Israel vinculou aquele povo


como o caminho da revelação salvadora de Deus ao mundo. Essa
revelação culminou com a vinda de Cristo, e maior revelação de
Deus não p od e ser feita (Hb 1.3). Mas esse fato não deve ser aceito
para defender que com o registro escrito concernente a Cristo
na Escritura "... a revelação de Deus à humanidade terminou [...]
com nada mais a ser acrescentado, não há mais necessidade de
um povo ou nação separados servir àquele propósito” .56 Deus cer­
tamente pretende revelar sua glória ao mundo por m eio de Cristo,
e isso acontecerá, de forma plena, no futuro. Além disso, o registro
oral é somente um dos meios da revelação de Deus; ele também
se torna conhecido através de ações históricas. Nessa última forma
de revelação, a nação de Israel desempenhou importante papel.
Jocz aponta para esse serviço, quando diz: “ A história judaica é o
ato de revelação visível, empírico. Esse ato demonstra a todos que

312
I srael e a igreja : um caso para descontinuidade

querem ver que o Deus de Israel não é um conceito filosófico, mas


o Deus v iv o ” .57
Um aspecto significativo do ministério revelador de Israel é o
seu lugar como uma lição prática de Deus relacionando-se com toda
a humanidade. Suas ações de julgamento e misericórdia ao tratar
com Israel são padrões para suas relações fundamentais com todas
as nações. Referindo-se às declarações de Ezequiel de julgamento,
Zimmerli diz: “A palavra profética anuncia que o que acontece a Israel
historicamente é, de fato, o relacionamento de Javé tanto com seu povo
como com as nações...” .58 Assim, encontramos declarações proféticas
que tratam tanto do julgamento de Deus sobre Israel (cf. Ez 5.13; 6.14;
7.9; 12.15ss; 15.7; 21.5; 39.21-24) como de sua restauração (cf. Ez 29.27;
SI 102.13-15) que indicam a intenção de Deus de se fazer conhecido por
meio dessas ações ao mundo todo. Não somente as nações veem Deus
em seu relacionamento com seu povo Israel, mas isso se torna padrão
para as ações divinas com todas as nações. De acordo com Van Leewen:
“ Israel [...] representa toda a humanidade, unidos e espalhados, em
orgulho e pecado e queda [...] Israel [...] é a vanguarda das nações;
sua história é o centro e o epítome de toda a história e da revelação dos
propósitos de Deus para toda a humanidade” .59
Embora se possa argumentar que a história passada de Israel
teve esse efeito revelatório, é difícil ver essas profecias relaciona­
das à sua restauração final, exercendo efeito sobre as nações. Nem é
possível interpretá-las como ações divinas com a igreja. Tampouco na
igreja, nem por meio de Israel, as nações vieram a “ conhecer” Deus.
O reconhecimento da identidade contínua de Israel em distinção da
igreja permite que esse serviço de revelação ainda aconteça.

UM AGENTE DA CONSUMAÇÃO DA SALVAÇÃO

Todos concordam que a Escritura contém promessas relativas


à salvação de Deus para o mundo que estão manifestamente
incompletas. Encontradas de forma geral nos profetas do AT, essas
promessas, nas quais Israel desempenha papel preponderante,
têm sido frequentemente aplicadas à igreja como o novo Israel de
Deus. A interpretação que a igreja dá às profecias precisa ser uma
interpretação espiritual que não apenas tem sido um obstáculo para
muitos judeus, mas é acertadamente questionado por muitos intér­
pretes cristãos. Van Ruler escreve:

313
C ontinuidade e descontinuidade

E m m in h a o p in iã o , M a rtin B u b e r e s tá c o m p le t a m e n t e c e rto e m
a p o n t a r c o n tra a ig r e ja c ris tã a o lo n g o d o s s é c u lo s a a c u s a ç ã o
d e q u e e la n u n c a r e a lm e n t e fo i fie l a e s s a c r e n ç a d o A T, a e s s a
g r a n d io s a v is ã o d o D e u s d e Is ra e l, a e s s a fé v is io n á r ia n a p o s ­
s ib i li d a d e d a s a n tific a ç ã o d a t e r r a .60

O foco das profecias não realizadas está na natureza social da


salvação prometida. Embora os crentes na igreja estejam presen­
temente desfrutando a salvação pessoal em Cristo, a Escritura fala
de “ ... uma sociedade justa, a irmandade de todos os homens, o rei,
ou autoridade, que é o verdadeiro pastor - não Deus na terra, mas o
servo de Deus” .61 Como argumenta Borowitz, é o problema da “ sua
coletividade” o verdadeiro assunto que resta a ser resolvido pelo
homem.
É no serviço da aplicação da salvação divina às estruturas da
sociedade que a nação de Israel foi destinada a desempenhar um
papel central, de acordo com os profetas. Não somente as nações
deviam aprender de Deus pela observação do relacionamento divino
com Israel e ver sua gloriosa restauração, como deviam também
vir até Israel, como centro do reino messiânico, para aprender os
caminhos de Deus e receber suas decisões críticas (Is 2.2-4; Mq
4.1-3). O ensino bíblico da nação de Israel como uma sociedade
na qual Deus deve ser glorificado e suas leis observadas sugere
que o papel de Israel é, de alguma forma, servir como um agente
dessa salvação social, atuando de m odelo para todas as nações. Este
tem sido o entendimento judaico do papel de sua nação na história
humana. Focando o fato de que somente uma “ nação” pode realizar
essa tarefa, Buber diz:

... s o m e n te u m a n a ç ã o in teira, q u e e n g l o b a p e s s o a s d e to d o s
os tip o s, p o d e d e m o n s t r a r u m a v i d a d e u n id a d e e p a z , o u
r e tid ã o e ju stiç a à r a ç a h u m a n a , c o m o fo r m a d e e x e m p lo [...].
S o m e n te n a ç õ e s , c a d a u m a d a s q u a is u m a v e r d a d e i r a n a ç ã o ,
v iv e n d o à luz d a re tid ã o e d a ju stiça, s ã o c a p a z e s d e e n tra r
e m r e la ç õ e s c o r r e t a s u m a s c o m a s outras. O p o v o d e Is ra e l fo i
in c u m b id o d e d a r o e x e m p lo d e s s a r e a liz a ç ã o .62

Pode-se querer expressar o ensino profético de forma lig ei­


ramente diferente, mas é difícil criticar o propósito dessa compre­
ensão judaica do lugar de Israel de acordo com o ensino do AT
referente ao chamado e à missão daquela nação entre as nações.

314
Israel e a igreja : um caso para descontiimuidade

Como procuramos indicar na discussão anterior, não parece haver


qualquer evidência que leve à negação desse quadro fundamen­
tal. Sem dúvida, a rejeição do seu Messias causou a fase inicial
( “ mistérios” ) do reino de uma maneira inesperada. Mas a confir­
mação da existência continuada e futura para Israel, mesmo à luz
da situação presente, sugere que esse quadro do AT não está intei­
ramente cumprido pela igreja, tampouco durante esta era ou no
estado eterno.63

C o nclusão

Com base na descrição bíblica de “ Israel” como “ povo de


Deus” envolvendo uma identidade nacional e a igreja como “povo
de Deus” de forma semelhante, mas formada por todas as nações,
buscamos mostrar que essas entidades não são totalmente contínuas.
Ao contrário, a Escritura indica que ambos têm um lugar no programa
de salvação de Deus. A falha da igreja em reconhecer essa descon-
tinuidade, especialmente na compreensão das promessas de Israel,
teve e continua a ter implicações importantes tanto prática como
teologicamente. Concluindo, podem os apenas sugerir algumas das
mais importantes delas.
Primeira, qualquer conversa pela igreja com o Israel atual
é essencialmente afetada pela atitude que se toma em relação às
declarações bíblicas relacionadas a Israel.64 O apóstolo Paulo com­
preendeu seu ministério na igreja, que foi principalmente entre os
gentios, como no serviço de Deus para a salvação de Israel (Rm
11.13,14). Mas uma teologia que diz “ ... a igreja, como o novo Israel,
é a herdeira de todas as promessas feitas antigamente a Israel
conforme a carne. Este é agora o único verdadeiro Israel, e não há
nenhum outro” 65. E é improvável que tenha influência nessa missão
apostólica. Alguém poderia até sugerir que esse entendimento con­
tribuiu para o antissemitismo que atormentou até mesmo as nações
influenciadas pelo cristianismo.66Uma interpretação que vê a igreja
entrando no primeiro estágio da prometida salvação, mas ao mesmo
tempo proclama a Israel a validade de suas promessas (c f. Rm 9.3-5)
pareceria ser mais eficiente nesse ministério.
Segunda, a desconcertante questão da relação entre igreja e
Estado - ou como é frequentemente declarado, entre a igreja e a
política - pode estar relacionada ao entendimento de alguém sobre

315
C ontinuidade e descontinuidade

as promessas a Israel. Uma teologia que vê a igreja cumprindo as


promessas veterotestamentárias do reino de Israel levanta conti­
nuamente a questão de quanto a igreja deve invadir o domínio do
governo de César. De acordo com Parkes, a igreja tem sido incapaz
de sobreviver consistentemente a uma teologia na qual reivindi­
que a posição de Israel. “ Sempre que faz distinção entre ‘secular’ e
‘religioso’ , ela repudia o Antigo Testamento. Sempre que condena
‘religião misturar-se com política’ , ela enfatiza não aceitar os valores
do judaísmo.” 67 Uma descontinuidade que v ê o cumprimento das
promessas teocráticas no futuro fornece uma melhor perspectiva
para o ministério da igreja distinguindo-a do governo humano na
presente era antes do estabelecimento do reino na volta de Cristo.
Finalmente, deve-se observar que qualquer interpretação
que sugira que as promessas à nação de Israel foram designadas
para a igreja devido ao fracasso dessa nação, levanta a questão
da segurança envolvida em todos os propósitos eletivos de Deus.
De acordo com Munck, Paulo reconhece essa conexão em sua
epístola aos Romanos; e assim, após confirmar a segurança dos
eleitos em Cristo no capítulo 8, ele é forçado a tratar nos capítulos
9-11 do futuro de Israel à luz de sua visível queda. Munck acerta-
damente argumenta: “ Se Deus não cumpriu suas promessas feitas
a Israel, então que base tem a igreja judaico-gentia para crer que
as promessas serão cumpridas em relação a eles?” 68 Se a eleição
original de Israel feita por Deus foi uma “ nação” , e isso parece ser o
ensino do AT, então uma teologia que afirma o cumprimento desse
propósito eletivo na nação de Israel parece dar mais apoio à nossa
própria eleição como seu povo na igreja.
O apóstolo sugere que os relacionamentos de Deus com Israel
r

e todos os povos são admiravelmente ricos (cf. Rm 11.33-36). E sem


dúvida impossível detalhar todos os seus propósitos e planos. Mas
o amplo esboço retratado na Escritura sugere não haver base para
uma interpretação reducionista que nivela Israel e a igreja a uma
total continuidade. A o contrário, o quadro é o de uma unidade básica
do povo de Deus, todavia com distinção funcional na plenitude
histórica da salvação do reino de Deus.

316
Parte VII

Promessas do reino e os
Testamentos
12

Promessas espirituais do reino

Bruce K. Waltke

I ntro d ução

or “ promessas espirituais do reino” entendem-se as promessas

P de Deus no AT presentes nas alianças, tipos e profecias a vir ao


mundo na pessoa do seu rei para estabelecer o seu reino justo,
universal, eterno e beneficente, de acordo com o testemunho do NT,
no advento do Senhor Jesus Cristo. Seu advento ocorreu em duas
fases: primeiro na carne, e então, depois de sua ascensão ao trono
celestial, no Espírito Santo, por meio de quem ele forma no mundo
o seu corpo, a igreja.
Este ensaio objetiva interpretar as promessas pactuais à luz da
história da salvação e, com base nessa interpretação, traçar regras
credenciadas para a interpretação de tipos e profecia. Concluir-se-á
que as promessas do reino são cumpridas de modo abrangente na
igreja, não no Israel nacional restaurado.
C ontinuidade e descontinuidade

Antes de esboçar a história da salvação com um foco nas


alianças de Deus, eis algumas regras para a interpretação da
Escritura que o escritor mantém como óbvias além da abordagem
gramático-histórica amplamente credenciada.1
Este ensaio é dedicado em honra ao prof. S. Lewis Johnson,
por meio de quem - mais do que qualquer outra pessoa - Deus me
influenciou a pensar e a viver biblicamente.

PRIORIDADE DA BÍBLIA SOBRE OUTROS DADOS

A regra sola Scriptura (somente a Bíblia é a regra de fé e prática),


em oposição à autoridade da tradição, é conhecida demais para ser
comentada aqui. Os teólogos contemporâneos de diversas convic­
ções, entretanto, olham para o Estado de Israel à procura de sua
interpretação da Escritura. Alguns ecumênicos estão reafirmando
um elo contínuo entre o povo judeu, a Bíblia e a terra da Palestina,
e reivindicam que o Israel nacional conserva no propósito da graça
de Deus um papel essencial na mediação da reconciliação.2Alguns
teólogos holandeses estão preconizando uma nova compreensão do
lugar do povo judeu e do seu Estado no programa de Deus para a
história e para uma reavaliação da teologia e da hermenêutica refor­
madas.3 Os pré-milenaristas plausivelmente apelam para a restau­
ração do Israel nacional como confirmação de sua estimada crença
de que a glória de Cristo, consumada em Israel, será mostrada em
seu reinado junto com a igreja sobre o Israel nacional restaurado.4
O antigo Israel cometeu erro semelhante durante seu último
século de existência quando, em vez de olhar somente para a Escritura
para compreender sua história, a comunidade religiosa olhou para o
extraordinário livramento de Jerusalém em 701 a.C. como confirma­
ção de sua trágica ilusão de que o templo não podia cair.® Julgamentos
superficiais levam a frequentes conclusões erradas.6

PRIORIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO


SOBRE A INTERPRETAÇÃO DOS TEÓLOGOS

Em segundo lugar, a clássica regra sacra scriptura sui ipsius


interpres (a Bíblia é sua própria intérprete) - mais especificamente,
o Novo interpreta o Antigo - deveria ser aceita por todos os teólogos
cristãos. Não é óbvio que o autor da Escritura é o defensor final de

320
P romessas espirituais do reino

suas próprias idéias? Não deveria a regra ser usada com frequência
pelos dispensacionalistas, que tradicionalmente não viram conexão
entre as promessas do AT e a igreja, que o NT não pode contradi­
zer o AT, ser revertido para dizer que o AT não pode contradizer o
NT? Não deveriam temer os teólogos que colocam visões enigmáti­
cas de profetas no mesmo nível da mais direta revelação em Cristo?
Lembre-se de como Deus julgou o profeta e a profetisa, Arão e Miriã,
por se colocarem no mesmo nível de Moisés, a quem ele deu revelação
mais direta (c f. Nm 12). A postura que começa primeiro com a inter­
pretação dos teólogos do AT em vez dos do NT não é fugir da questão
ao presumir uma hermenêutica para interpretar as promessas antes
de olhar para a própria Escritura? Não são os dispensacionalistas
incoerentes com sua própria teologia, que olha para os ensinos de
nosso Senhor após sua rejeição moral por Israel e para os apóstolos
como regra de fé e prática da igreja, quando começam não exata­
mente com a literatura que acham normativa, mas com suas próprias
regras autônomas para interpretar o AT? Lewis Johnson Jr. escreveu:

O u s o d o A n t ig o T e sta m e n to n o N o v o é a c h a v e p a r a a s o lu ç ã o
d o p r o b l e m a d a h e r m e n ê u t ic a . In fe liz m e n te iss o te m s id o
n e g lig e n c ia d o , m a s c e rta m e n te , s e o s a p ó s t o lo s s ã o m e s tre s
c o n fiá v e is d e d o u trin a b íb lic a , e n tã o e le s s ã o in stru to re s c o n ­
fiá v e is n a c iê n c ia d a h e r m e n ê u t ic a .7

Se alguém apresenta a objeção de que a regra é ampla demais


porque os escritores do NT usam o AT de várias formas, muitos pelo
menos concordarão com C. H. Dodd:

O e m p r e g o d e s s a s e s c ritu ra s [p r o fe c ia s d o A n t ig o T e s ta m e n to ]
c o m o te ste m u n h o s d o k e r y g m a in d ic a q u e a c r is e d e v id o à
q u a l s u r g iu o m o v im e n to c ris tã o é c o n s id e r a d a c o m o a r e a liz a ­
ç ã o d a v is ã o p r o fé t ic a d e ju lg a m e n t o e r e d e n ç ã o .8

PRIORIDADE DOS TEXTOS MAIS CLAROS


SOBRE OS MAIS OBSCUROS

Os clérigos de Westminster reconheceram que “nem todas as


coisas são da mesma forma simples em si mesmas, nem da mesma
forma claras para todos...” .9Não é óbvio que os textos obscuros devem

321
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

ser interpretados à luz dos evidentes, não o contrário? Assim como a lei
de Moisés é mais clara do que os sonhos e as visões dos profetas (Nm
12.6-8), também as cartas e epístolas apostólicas em discurso claro,
embora reconhecidamente contendo certas coisas difíceis de entender
(2Pe 3.16), são mais claras do que as visões proféticas e as visões sim­
bólicas da literatura apocalíptica que precisam de anjos para inter­
pretá-las. Devem os teólogos cristãos formular seu modelo teológico
com base em textos simbólicos e distorcer e cortar os que são claros
para adequar seu molde duvidoso? Os modelos teológicos deveríam
ser construídos com base nos claros ensinos de nosso Senhor e seus
apóstolos e então, e somente então, enfeitados com textos simbólicos.

A PRIORIDADE DA ILUMINAÇÃO ESPIRITUAL


SOBRE A EXEGESE CIENTÍFICA

Quando o crente absorve a presença espiritual de Cristo ao


com er o pão e b eb er do cálice na ceia do Senhor, assim também na
leitura da Escritura ele participa da vida e do pensamento de Deus
por meio de Cristo Jesus, no Espírito (Ef 2.18).
Além disso, o Espírito Santo, divino autor da Escritura, tanto
a autentica ao crente por seu testemunho interior como abre sua
mente para com preender seu significado.10 Sem o esclarecimento
sobrenatural de Deus, somente concedido a quem se torna como
uma criança, suas verdades sobre Cristo e seu reino estão ocultos
aos sábios e entendidos (Mt 11.25-27). Até mesmo os apóstolos,
cujos olhos viram e cujas mãos tocaram o bendito Filho de Deus
(ljo 1.1), precisaram de esclarecimento espiritual para conhecer
sua verdadeira identidade (Mt 16.17). Os judeus ortodoxos, que
confessavam a autoridade infalível da Escritura, não o conheceram
(Jo 5.45-47), porque Deus havia colocado um véu sobre o coração
incrédulo deles (2Co 3).
A regra que deve, em primeiro lugar, ser estabelecida a respeito
do que a revelação significou para a audiência original é problemá­
tica, porque para os descrentes ela significou uma coisa e, para os
crentes, outra. Muitas vezes os evangélicos têm interpretado o texto
em que Deus se escondeu de acordo com seu significado para mentes
não esclarecidas. Deve-se olhar para a interpretação dos pensamen­
tos de Deus pelo Espírito (IC o 2.9-16). Além disso, os professores
evangélicos de todas as confissões, incluindo este escritor, precisam

322
P r o m e s s a s e s p ir it u a is d o r e in o

se arrepender de suas precipitadas tentativas de encontrar Deus, que


na Escritura se oculta do orgulho, por meio da simples exegese cien­
tífica que eles controlam. Ademais, ele ilude qualquer evangélico,
incluindo este escritor, que se aproxime da Escritura com uma mente
fechada, fingindo ouvir sua palavra, assim como iludiu Balaão (cp. Nm
22.20 com 22) e Acabe (cf. lRs 22.15-17).
Consideremos agora as promessas pactuais na estrutura da
história da salvação.

A HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Por “ história da salvação” tem-se em vista a particular e


especial história do reino m ediado de Deus, em contraste com seu
reino universal, como é revelado e interpretado na Escritura e por
meio da qual ele está realizando sua vontade moral na terra. Aqui,
o termo não significa, como os teólogos alemães o usam, que essa
história é o dado final da revelação, tampouco ele é usado como jus­
tificativa para aplicar uma dose de crítica sobre a Escritura ou para
colocá-la contra a história real.
Ao longo da história sagrada Deus elegeu santos para
desfrutar o que Jeremias mais tarde proclamou como as provisões
da “ nova aliança” - a saber, a regeneração, o perdão do pecado e
um íntimo conhecimento e comunhão com Deus (Jr 31.31-34). Mais
especificamente, Deus forma e mantém esse reino mediado por sua
palavra de promessa a respeito do Cristo no AT e pela proclamação
do evangelho, o kerygma de Jesus Cristo, no NT. Usando a declara­
ção clássica de Gerhard von Rad: “ Cristo nos é dado somente pelo
duplo testemunho do coro dos que aguardam e dos que lembram” .11
Ele, que é o único autor da virtude, dá ao seu eleito o dom da fé,
preocupa-se em escrever sua lei em seu coração, purificando-o do
pecado por meio do sangue de Cristo (Rm 3.21-26).
Esse reino mediado começou com Adão e Eva no jardim do
Eden, onde Deus, em soberana graça, colocou inimizade no coração
deles contra Satanás (Gn 3.16), uma inimizade que está em contra­
posição ao amor devido a Deus (cf. Dt 6.5; Mt 22.37ss; Mc 9.40). Ao
casal anteriormente desgraçado ele prometeu um “ descendente”
que destruiria a serpente. Nenhum leitor provido de bom senso
pode interpretar a história como uma etiologia que explique o
antagonismo entre humanos e cobras, como o professor, assistente

323
C o n t in u id a d e e c e s c o n t in u id a d e

de Lewis Johnson, muito influente no desenvolvimento do aprendi­


zado deste escritor, que insistiu que esse era o “ sentido simples”
da passagem. A serpente, uma personalidade diabólica, mais inteli­
gente que os humanos, cheia de um espírito de descrença, e maldo-
samente oposta a Deus e ao homem, obviamente teve origem fora da
criação descrita em Gênesis 1-2. João o desmascara como Satanás
em Apocalipse 20.2, o único símbolo interpretado nesse discutido
texto, e nosso Senhor considera os fariseus incrédulos entre sua
descendência (Jo 8.44).
Assim como a descendência de Satanás é “ espiritual” , a da
mulher também o é. Essa descendência, de acordo com a cristologia
normativa, é Cristo e a igreja nele (Rm 16.20). Adão, apropriando-
se pela fé dessa promessa em meio a maldições, deu o nome de
Eva, “ V ida” , à sua esposa, e ela se tornou a mãe da descendência
viva, presumivelmente da descendência espiritual. Deus proveu
um sacrifício para o casal, antes espiritualmente divorciado, res­
taurando-os em amor um ao outro. O reino m ediador que destrói
o Diabo é também soteriológico, tendo sido salvo do seu domínio.
Noé profetizou que o Senhor se comprometeu (e implicita­
mente seu reino soteriológico) com Sem e que Jafé viria “ habitar
em sua tenda” . Isto é, de acordo com Vos,12os jafetitas invadiríam as
terras semitas, conferindo uma bênção religiosa futura a Jafé.
Deus se agradou tanto do seu amigo, o semita Abraão, que
se propôs concentrar seu domínio mediado em sua descendência
física e cuidadosamente a marcou pela circuncisão. Deus prometeu
a Abraão e a seus descendentes (G1 3.16): Abençoarei os que te
abençoarem [...] em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn
12.3). O bserve primeiro “ descendentes” , e depois as “ famílias” [ou
“ povos” ].
Pedro identifica em Atos 3.25,26 a descendência de Abraão
como mediadora de bênção, não a nação de Israel, que precisava
ser abençoada, mas com o Servo, Jesus Cristo. Comentando esse
texto, McComiskey escreveu:

P e d r o c o m p r e e n d e u s e r C r is t o o m e d i a d o r d a s b ê n ç ã o s d a
p r o m e s s a . Isso e s t á c la ro e m s u a a t r ib u iç ã o d a b ê n ç ã o c it a d a
e m A t o s 3.25 à o b r a d o S e r v o (v. 2 6 ).13

324
P r o m e s s a s e s p ir it u a is d o r e in o

Paulo equiparou enfaticamente a prometida descendência


mediada com C risto:... a Abraão e ao seu descendente [...] que é
Cristo (G1 3.16).
Pelo batismo do Espírito (IC o 12.13) a igreja toda, tanto
judeus como gentios, torna-se corpo de Cristo, de modo que
ele também é a descendência d e Abraão (G1 3.29) e p od e ser
designado como “ reino espiritual” . Em outra parte Paulo diz: E,
se sois de Cristo, também sois descendência de Abraão e herdeiros
segundo a promessa (G1 3.29; cf. Ef 2.19). Além disso, Cristo, que
nunca se casou, gera sua “ descendência” após sua morte (Is 53.10).
O Cristo exaltado, o cabeça do reino m ediado chamado “ igreja” no
NT, de forma singular atua como m ediador de bênção por m eio de
sua morte e ressurreição, e seu corpo na terra agora com pleta seus
sofrimentos por m ediar fielm ente sua obra em palavra e vida a um
mundo hostil (C l 1.24). Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de
Abraão (G1 3.7).
As histórias sobre Abraão ressaltam que a descendência é
essencialmente espiritual, não carnal. Por um lado, nem toda a des­
cendência de Abraão participou desse papel m ediador de bênção.
Ismael e Agar e a meia dúzia de filhos de Quetura foram todos
excluídos da bênção mediada (i.e. vida e prosperidade e vitória
sobre seus inimigos), de modo que a descendência viria através
de Isaque, procedente do útero sem vida de Sara, em resposta à fé
piedosa do casal na promessa de Deus (Rm 4.18-21). Por outro lado,
o reino m ediado incluiu pessoas incircuncisas não descendentes de
Abraão (Gn 17.12).
A circuncisão, sinal dessa aliança eterna (Gn 17.13), simbolizava
a circuncisão do coração (Dt 10.16; 30.6). Com o advento de Cristo e
o estabelecimento da igreja, as portas do templo do Deus vivo foram
escancaradas aos gentios, e o sinal carnal, tão apropriado quando
Deus concentrou o reino mediado na descendência física de Abraão,
foi abolido e provavelmente substituído pelo batismo (C l 2.11,12).
Deus também prometeu que o reino soteriológico, agora
identificado com a descendência de Abraão, desfrutaria íntima
comunhão com Deus (Gn 17.7,8), uma condição essencial da nova
aliança. A promessa de conhecer o Deus santo confere redenção, o
perdão do pecado pelo, sangue de Cristo.
Assim com o a descendência m ediada é espiritual, também
as nações que Deus prom eteu abençoar são essencialm ente de

325
C o n t in u i d a d e e d e s c o n t in u id a d e

caráter espiritual, não político. Com relação às nações, ob serve


prim eiro o com entário inspirado de Paulo sobre o texto acima
citado: Ora, tendo a Escritura [...] preanunciou o evangelho aAbraão:
Em ti, serão abençoados todos os povos (G1 3.8). A promessa p o r
p a i de numerosas nações te constituí (Gn 17.5) não se refere aos
ismaelitas, edomitas, assuritas, letusitas e aos leumitas, em bora
gerados fisicamente por Abraão, mas às nações que creem em
Cristo - que fora de Cristo não p od em alegar ser descendentes
de Abraão (Rm 4.17).
Junto com essa promessa de fazer de Abraão pai de nações,
Deus também prometeu que reis procederíam de Abraão (Gn 17.6).
Novamente, os reis no sentido físico, exceto Jesus Cristo, não estão
sendo considerados, embora reis nesse sentido procederam de
Abraão. O que está sendo considerado são reis tanto israelitas como
gentios que foram batizados com o sangue de Cristo e que o adoram
como Senhor de todos (cf. Is 52.15).
As nações não são mais contadas como tais, mas como uma
só nação, porque a promessa disse: E farei de ti uma grande nação
[...] e todas as famílias da terra serão abençoadas p o r m eio de ti.14A
nação composta de famílias de toda a terra é a igreja (lP e 2.9,10).
Em suma, a descendência e as nações se tornaram uma.
Finalmente, observe que uma pessoa se torna membro dessa
justa nação pela fé (G1 3.9). Abraão, o pai de todos nós, viu o dia de
Cristo e se alegrou (Jo 8.56). Ele creu na promessa de um descen­
dente ressurreto, e isso lhe foi atribuído com o justiça (Rm 4.22ss);
e diz o apóstolo dos gentios: E não somente p o r causa dele está
escrito que lhe foi levado em conta, mas também p o r nossa causa...
(v. 23ss).
Os que leem o texto com ênfase nos judeus, que são normal­
mente identificados como não crentes em Cristo, não na igreja em
Cristo, têm mentes entorpecidas, de acordo com os apóstolos, e
precisam despertar do seu estupor espiritual. Muitos líderes evan­
gélicos bem-intencionados distorcem essas promessas a Abraão e
desonram Cristo e sua igreja ao classificar Abraão como “ judeu”
e ao relacionarem essas promessas aos descrentes que professam
ser descendência física de Abraão. Expressões oficiais do judaísmo
negam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Além disso, ao inter­
pretar a ameaça de Deus de amaldiçoar os que não abençoam a
descendência de Abraão (Gn 12.3a) relacionando-a à falta de apoio

326
P r o m e s s a s e s p ir it u a is d o r e in o

à sua descendência física, eles colocam a igreja sob falsa culpa e


obrigação se esta não apoiar o Estado de Israel. A causa do sionismo
deve ser defendida em outras bases, não nas promessas de Deus a
Abraão.
Deus também prometeu uma terra à descendência espiritual
de Abraão. Ele cumpriu essa promessa materialmente ao Israel
nacional para mostrar na história sua fidelidade às suas promessas,
mas esse cumprimento não exaure sua importância, como a
revelação posterior esclarece (p.ex.,Sl 95.1 l;H b 3.7-4.13; 11.39ss).
As manifestações materiais das promessas a Abraão - circunci­
são, o nascimento e o sacrifício de Isaque etc. - são todas tipos do
reino espiritual, cumpridas em Cristo, e, como será debatido, serão
consumadas na nova terra. Murray escreveu: “ É uma promessa
que receb e seu cumprimento definitivo na ordem consumada de
novos céus e nova terra” .1SO assunto de “ terra” será retomado sob
“ tipos” e “ profecia” .
O drama da história sagrada deu um giro complicado quando
Deus acrescentou séculos, depois da lei mosaica, à descendência
de Abraão. Enquanto Abraão foi o pai do “ verdadeiro Israel” (sua
descendência física que creu em Cristo), Moisés foi o fundador
do Israel nacional (descendência natural e espiritual de Abraão
enquanto administrada sob a lei). O reino soteriológico de Deus,
originariamente fundamentado no princípio de promessa-fé, agora
tornou-se unido num reino com o princípio contrário de lei-herança.
Deus revelou ao Israel nacional uma lei que lhes ensinou justiça,
governou seu comportamento civil e prescreveu como adorá-lo.
Deus lhes pediu que a aceitassem por gratidão em havê-los salvado
da escravidão no Egito e que confiassem nele, mas não colocou
nenhuma cláusula na lei que isso fosse escrito sobre o coração deles
(cp. Dt 10.16 com 30.6). Essa antiga aliança, que formou a nação,
prometeu bênçãos e vida por obediência, e ameaça de maldições
e morte por desobediência (Lv 26.3-45; Dt 28). Tanto a nova quanto
a antiga aliança foram justas e prometeram vida; mas, enquanto a
primeira foi incondicional, porque dependeu somente da graça
soberana de Deus, a última foi condicional, porque dependeu de
homens pecadores mantê-la (G1 3.10-14; Rm 10.5-13).
Mesmo quando Deus se aproximou para andar com essa nação,
acusada por Moisés de cega, surda, arrogante, ingrata, teimosa e
espiritualmente incircuncisa (Dt 1.26-43; 8.14ss; 9.7ss), ao mesmo
tempo ele colocou um véu separando-a dele. Embora os tivesse

327
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

tirado do Egito nas asas da águia, ele os aterrorizou com trovão e


fumaça no Sinai (Êx 19; Hb 12.18-21). Falta espaço para discutir a
relação do Israel crente com a lei, mas observa-se sua fé e costumes
nos salmos (p. ex.,Sl 1; 19; 119).
Quando o drama da salvação se revelou, Deus colocou Davi
sobre seu reino e lhe prometeu um descendente eterno, um trono
eterno e um reino eterno (2Sm 7.12-16). O descendente, como
muitos concordarão, é o mesmo descendente prometido a Adão e
Eva e a Abraão (cf. Gn 17.6) - isto é, Cristo. O reino também é o
prometido a Abraão, uma nação espiritual composta de famílias de
várias origens étnicas. A natureza eterna desse reino não pode ser
material, porque o trono e o domínio político de Davi acabaram, mas
seu reino espiritual é e sempre será na terra.
Da mesma forma que os aspectos materiais das promessas
a Abraão tipificam Cristo e sua igreja, assim também é com as
promessas a Davi; por exemplo, o monte Sião tipifica e encontra seu
cumprimento no monte Sião celestial (Hb 12.22). A própria Escritura
deve esclarecer o que é cumprido materialmente (p. ex., tanto a
descendência de Abraão quanto a de Davi têm um cumprimento
material na linhagem de nosso Senhor) e quais aspectos do tipo
tornaram-se obsoletos quando foram substituídos por seus antítipos
celestiais.
As invasões, conquistas e anexações assírias e babilônicas de
terra prometidas sob juramento a Abraão dispararam o movimento
profético em Israel, e sob inspiração do Espírito comprovaram
que Deus estava então cumprindo sua ameaça de destruir o Israel
nacional pelo fracasso em ob ed ecer à lei. Como será visto, os
profetas ameaçaram de perdição a nação incrédula, mas além desse
juízo eles previram, de acordo com as promessas pactuais de Deus,
que ele os restabelecería no reino mediatório, administrado exclusi­
vamente sob a nova aliança (Jr 31.31-35) e governado pelo Messias,
o rei ideal.
Como se sabe, João Batista e Cristo anunciaram que o reino de
Deus estava próximo - isto é, o reino previsto na literatura profética
e apocalíptica, no qual o Messias viria restaurar Israel e julgar as
nações. O bserve primeiro, no NT, ao contrário da expectativa do
judaísmo, que a natureza do reino é “ celestial” e “ espiritual” , não
“ terreno” e “ político” ; e segundo, em vez de vir em um estágio,
como o judaísmo esperava, ele é consumado em dois.16

328
P r o m e s s a s e s p ir it u a is d o r e in o

Cristo nunca se apresentou como um rei terreno governando


sobre um Estado restaurado, político. G eorge Ladd, corretamente
afirmou:

Jesus n ã o o f e r e c e u a o s j u d e u s o r e in o t e r r e n o m a is d o q u e s e
o f e r e c e u a e l e s c o m o s e u g l o r i o s o re i t e rre n o . A q u i p o d e m o s
to m a r n o s s a p o s i ç ã o e m t e r r e n o f ir m e .17

Philip Mauro validou o argumento:

O S e n h o r, d u r a n t e s e u m in is té r io t e r r e n o [...]. A l g u m a v e z s e
a p r e s e n t o u c o m o r e i t e r r e n o [...]? A l g u m a v e z e l e o f e r e c e u
à s p e s s o a s o p r im i d a s d a J u d e ia - p e s s o a lm e n t e o u p e l o s
lá b i o s d e s e u s d is c íp u lo s - o r e in o t e r r e n o q u e lh e s f o r a d ito
e s p e r a r ? A l g u m a v e z e le , p o r p a la v r a o u ato, p r o c u r o u in c ita r
in s u r r e iç ã o c o n tra o g o v e r n o de C é s a r, ou d e u q u a lq u e r
a p o io a a m b i ç õ e s p o lít ic a s d o s ju d e u s ? 18 [...] D e m o d o c la ro ,
se o S e n h o r tiv e s s e p r o n u n c ia d o u m a ú n ic a p a la v r a que
p u d e s s e te r s id o in t e r p r e t a d a c o m o u m a p r o c la m a ç ã o ou
s u g e s t ã o q u e e l e e s t a v a p r e s t e s a r e iv in d ic a r o trono, o u q u e
o a c e it a r ia , te r ia h a v id o m ilh a r e s d e te s t e m u n h a s p a r a p r o v a r
a a c u s a ç ã o . M a s n ã o h o u v e p r o v a d i s p o n í v e l . 19

Essa verdade nega tanto a “ teoria da escatologia consistente”


de Johannes Weiss20 e Albert Schweitzer21 (ou seja, que o reino de
Cristo não foi um reino espiritual, mas uma realidade apocalíptica
inteiramente futura) como a “ teoria da postergação” de Scofield22
e Chafer23 (ou seja, quando Israel rejeitou Cristo, retirGu o reino
terreno, postergando sua vinda para depois de seu segundo advento
e, nesse ínterim, intercalou um reino espiritual, a igreja, que não foi
prevista pelos profetas).
A chegada do reino messiânico com o advento de nosso Senhor
inaugurou um reino no fim dos tempos que tem um cumprimento
tanto presente como futuro. Esse “ reino sem iescatológico” (termo
de Vos) já está presente em sua pessoa, que redime os crentes de
seus pecados e julga Satanás; mas o livramento final e o julgamento
aguardam sua segunda e gloriosa aparição. Earle Ellis24 elabora
o diagrama dessa perspectiva em contraste com o platonismo e o
judaísmo apocalíptico a seguir:

329
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

E t e r n id a d e
P la to n ism o
e g n o s tic is m o Tem po p E ra p o r v ir
E sta e r a i
J u d aísm o |_

Novo P

T e sta m e n to 1

A crescente aceitação do entendimento do reino de Deus


como “já mas ainda não” tem a tendência tanto de consolidar o pré-
milenarismo no que Ladd chamou de “ pré-milenarismo histórico” 25
(i.e., as promessas veterotestamentárias estão sendo espiritual­
mente realizadas na era da igreja e serão materialmente cumpridas
num milênio quando o Israel nacional será restaurado) como de
preencher parcialmente a lacuna entre o pré-milenarismo e o amile-
narismo. Considerando que historicamente o pré-milenarismo dis-
pensacionalista separou-se radicalmente em interpretação, embora
não necessariamente em aplicação, das promessas do AT de um
Israel restaurado sob um Messias terreno com base no advento de
Cristo à sua igreja no Espírito Santo, “ dispensacionalistas modifi­
cados” estão concordando em variados graus que o NT considera
a igreja como um cumprimento parcial daquelas promessas.26 Ao
mesmo tempo, os amilenaristas estão acentuando cada vez mais o
aspecto futuro do reino, que eles identificam não com um suposto
milênio “ israelita” , mas com o novo Universo (Ap 21-22).
No entanto, existem profundas diferenças entre o pré-milena­
rismo e o amilenarismo em todas as suas formas: em sua hermenêu­
tica, em sua compreensão da história, em sua avaliação do Israel
nacional e da igreja e em seus sistemas escatológicos. Os amile­
naristas enfatizam que a presente era é o último trecho do tempo
histórico com as verdades naturalmente relacionadas de que não há
segunda oportunidade para ninguém, que a consumada glória de
Cristo está em sua igreja, que Cristo governa de modo autoritário as
nações hoje, e que a mudança social deve acontecer agora. Como a
doutrina liberal da salvação independentemente de Cristo deprecia

330
P r o m e s s a s e s p ir it u a is d o r e in o

o valor da obra de Cristo na cruz, como a doutrina católica romana


do purgatório deprecia o valor e a dignidade desta vida, assim
também o pré-milenarismo - sugere o autor - com sua doutrina de
que Cristo prevalecerá sobre o mal por meio do Israel restaurado
após o arrebatamento da igreja deprecia a dignidade, o valor e a
autoridade da igreja em sua missão mediada.
Os amilenaristas divergem dos pré-milenaristas dispensa-
cionalistas em sua hermenêutica ao apelar para uma interpretação
espiritual das promessas do reino contra uma interpretação “ lite-
ralista” (termo de J. I. Packer) deles.27 Os amilenaristas enfatizam
com Agostinho que “ O Novo está oculto no Antigo, e o Antigo está
revelado no N ovo” , enquanto os dispensacionalistas se queixam de
que no sistema amilenarista “ o Antigo está restrito pelo Novo, e o
Novo está no Antigo infligido” .28
O amilenarismo e o pré-milenarismo histórico reconhecem
que as promessas do reino devem ser interpretadas tanto material
como espiritualmente, mas discordam em sua aplicação dos princí­
pios. Eles divergem também em sua interpretação de tipos, porque
enquanto o primeiro os considera cumpridos de forma abrangente
na igreja, o último v ê os tipos sendo materialmente restaurados no
milênio, algo estranho, para dizer o mínimo.
Voltando à revelação progressiva e à história da salvação, des-
cobre-se que depois do Pentecoste, quando o Espírito foi dado para
conduzir [os apóstolos] em toda a verdade... e anunciar as coisas
que hão de vir (Jo 16.13) e me gloriar [a Cristo], recebendo do que
é meu [de Cristo] e vo-lo há de anunciar [aos apóstolos] (v. 14), nem
uma passagem clara do NT menciona a restauração de Israel como
uma nação política ou prediz um reino terreno de Cristo antes de
sua aparição final. Nenhuma descreve a glória consumada de Cristo
como um rei terreno governando sobre a nação restaurada de Israel.
O silêncio do Espírito é ensurdecedor.
Sem dúvida, antes do Pentecoste os apóstolos não esclare­
cidos ainda estavam perguntando quando o Senhor restauraria o
reino nacional a Israel (At 1.7). A igreja, entretanto, não deve ser
guiada pela ignorância. Se alguém argumenta que nosso Senhor
discordou da falsa suposição deles, como bom mestre ele os teria
corrigido, observe que ele não corrigiu a falsa suposição da igreja
primitiva de que o apóstolo João não morrería. Porque nosso Senhor
havia dito em resposta à pergunta de Pedro sobre a morte de João:

331
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te im porta?Tal


resposta disseminou o rumor entre a igreja primitiva de que João
não morreria. Assim como João precisou corrigir a errada inferência
deles baseada numa ambiguidade, dizendo: Ora, Jesus não dissera
que tal discípulo não morreria (Jo 21,22ss), da mesma forma em Atos
1.7,8 o teólogo deveria ensinar: “ Mas nosso Senhor não disse: ‘Eu
vou restaurar o reino a Israel’ ” . Que os cristãos não se concentrem
numa falsa inferência, mas na resposta explicita: sejam minhas tes­
temunhas confiáveis agora. A resposta de Cristo é coerente com a
ênfase dada por Lucas, ou seja, que Cristo em seu caminho deveria
passar pela Jerusalém terrena e pela cruz para herdar o trono de
Davi no céu, de onde ele edifica sua igreja por meio do Espírito,
enquanto desfaz a Jerusalém terrena.
Ladd, contrariando os pré-milenaristas dispensacionalistas,
adequadamente começou com o NT, mas incorretamente - sugere
este autor - construiu seu esquema quase exclusivamente em um
texto, Apocalipse 20.1-6. Sua abordagem é problemática por várias
razões.29 Primeira, em outra parte Ladd concordou que algumas
promessas e profecias devem ser interpretadas espiritualmente, mas
nessa passagem da literatura apocalíptica ele insistiu num literalismo
inflexível, fazendo de “ milenar” um adjetivo qualificador em muitos
textos relativos ao reino. Segunda, ele pensou que é possível interpre­
tar o texto de forma estritamente indutiva. Mas não é assim. Afinal, a
teologia de alguém influencia sua interpretação de passagens parti­
culares, especialmente no caso da literatura apocalíptica.30 Terceira,
note os vários símbolos no versículo 1: chave, abismo, corrente e
depois, no versículo 2, dragão, o único símbolo interpretado. Se
chave, corrente, dragão, abismo etc. são simbólicos, por que deveria
o número 1.000 ser literal, especialmente quando números são noto­
riamente simbólicos na literatura apocalíptica? O perigo potencial de
interpretar números na literatura apocalíptica de forma literal pode
ser visto na aberrante escatologia dos adventistas do sétimo dia e
das testemunhas de Jeová, que produzem sua teologia em parte por
aplicar esse método a Daniel 8.14 e Apocalipse 14.1-4.
Quarta, nenhuma das características desse “ m ilênio” - mártires
ressurretos julgando, vivendo e reinando com Cristo no céu - as liga
às promessas do reino no AT, uma ausência notável no livro do NT
que mostra mais ligações com o AT do que qualquer outro livro.
Quinta, esse milênio termina numa revolta contra Cristo, tornando-
se “ a mais perversa dispensação” . Todavia, as promessas do reino

332
Promessas espirituais do reino

do AT anteveem uma era dourada de paz infindável. Uma hipérbole


poética para a vida eterna marca sua única mancha: m orrer aos cem
anos é m orrer ainda jovem (Is 65.20). Sexta, o texto pode ser inter­
pretado satisfatoriamente dentro do sistema amilenarista.31
Os pré-milenaristas às vezes apelam para Romanos 11, espe­
cialmente os versículos 16-24, para validar sua crença de que o
Israel nacional será restaurado. Entretanto, a oliveira cultivada nesse
texto representa não o Israel nacional, mas o reino m ediado de Deus,
porque os ramos vivem nessa árvore pela fé, e os ramos mortos são
tirados por causa da descrença de acordo com a soberana graça e
o poder de Deus. Suas raízes representam os patriarcas; seus ramos
vivos representam o “verdadeiro Israel” , e os ramos mortos, que são
cortados, o Israel descrente. A oliveira silvestre representa os gentios
descrentes, e seus ramos enxertados na oliveira cultivada represen­
tam os gentios crentes, que participam das alianças do “ verdadeiro
Israel” (v. Ef 2.19; G13.13-29). Os ramos naturais que implicitamente
são enxertados de volta no fim da história - o todo Israel do versículo
26 - não representam o Israel nacional mais do que os ramos sil­
vestres ou qualquer outra parte das árvores representam estados
políticos. A o contrário, eles representam uma conversão de Israel,
descendência física de Abraão, à fé em Jesus Cristo, o descendente
prometido, no fim da história. F. F. Bruce observou que Paulo não está
dizendo “ nada sobre a restauração de um reino davídico terreno” . O
que ele visualizou para esse povo foi algo infinitamente melhor” .32
Em suma, o apóstolo dos gentios prediz que Israel será restaurado
ao reino mediado, não a um reino terreno restaurado a Israel.
Atos 3.19-21 é mais indefinido e não pode ser discutido ade­
quadamente aqui. F. F. Bruce escreveu:

O s ig n ific a d o e x a to dessas p a la v r a s de P ed ro te m s id o
d e b a t i d o s o b v á r io s p o n t o s d e v ista . Isto p e l o m e n o s p o d e s e r
d ito c o m s e g u r a n ç a : t o d a a c a s a d e Is ra e l, a g o r a c o m o n o d ia
d e P e n te c o s te , r e c e b e u u m c h a m a d o p a r a r e v e r t e r o v e r e d ic t o
d a v é s p e r a d a P á s c o a e a c e ita r Jesus, r e c o n h e c e n d o -o c o m o
M e s s ia s . T iv e s s e Is r a e l com o um to d o fe ito is s o d u ra n te
a q u e le s d ia s d o P e n te c o s te , c o m o t e r ia s id o d ife r e n t e o c u r s o
d a h is tó ria e d a e v a n g e liz a ç ã o m u n d ia l! C o m o te ria s id o m a is
r á p i d a (p o d e m o s im a g in a r ) a c o n s u m a ç ã o d o r e in o d e C ris to !
M a s é inútil in sistir n o s “p o d e r i a te r s i d o ” d a h is tó ria .33

333
C ontinuidade e descontinuidade

Como a face da moeda do NT traz o duro carimbo de que


nenhuma passagem ensina a restauração do Israel nacional, seu
lado reverso é impresso com o duro fato de que o Israel nacional e
sua lei foram permanentemente substituídos pela igreja e pela nova
aliança. Sem combater Mateus 15.13 e Marcos 12.1-9, nosso Senhor
anunciou nessas passagens que a nação judaica não tem mais lugar
como povo especial de Deus; esse lugar foi tomado pela comuni­
dade cristã que cumpre os propósitos de Deus para Israel. O escritor
de Hebreus, após estabelecer que a administração da nova aliança
substituiu a antiga, escreve: Quando ele diz Nova, torna antiquada
a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está
prestes a desaparecer (Hb 8.13). Outros textos do NT chamam a era
da igreja de “ os últimos dias” - isto é, o último período do tempo
histórico. “ As expressões” , diz Charles H odge,“ /ms dos séculos (IC o
10.11), últimos dias (Hb 1.2) , plenitude do tempo (G1 4.4) e plenitude
dos tempos (Ef 1.10), são todas usadas para designar o tempo do
advento de Cristo” .34
Mas quanto à outra expressão século vindouro (p. ex., Ef 1.21)
em oposição a presente século”? A limitação de espaço im pede apro­
fundar a pesquisa erudita e o argumento defendido por Geerhardus
Vos. Basta notar que ele define o termo quase como um equiva­
lente a “ reino de Deus” - isto é, uma expressão semiescatológica
incorporando o domínio celestial tanto no presente como no futuro.
Independentemente de Ellis, Vos faz um diagrama de sua conclusão
sobre o significado dessa expressão paulina da mesma forma que
Ellis diagramou o significado sinótico de “ reino de Deus” .35

I. O e s q u e m a o r ig in a l36

E sta e r a o u m u n d o A e r a o u m u n d o v in d o u r o

II. O e s q u e m a m o d ific a d o 37

O m u n d o p o r vir,
r e a liz a d o e m p r in c íp io
o
o [n o c é u ]
S 2 • E ra e m u n d o futuro
Ul
'3 p le n a m e n t e r e a liz a d o
^ Ih
rti e m s ó lid a e x is tê n c ia
Ph
d) 0
Pí T3 [n a t e r r a ]
E sta e r a o u m u n d o

334
P romessas espirituais do reino

Com relação à vinda do Senhor, Pedro, que concorda com


Paulo sobre esse assunto (2Pe 3.15), ao censurar os escarnecedores
quanto à promessa da vinda de Cristo (v. 3), afirma que o cumpri­
mento daquela promessa será catastrófica, simultânea com o Dia do
juízo e da criação de novos céus e nova terra (v. 7,13).
As interpretações da expressão então virá o fim em ICoríntios
15.24 são numerosas demais para serem debatidas aqui. A iden­
tificação mais comum e natural do fim é “ o fim do mundo” (i.e., a
conclusão da presente ordem das coisas, a consumação da obra da
redenção).38 Essa interpretação é adequadamente defendida por
Hodge.39

T ip o l o g ia

Embora os escritores do NT nunca usem o termo história da


salvação, o conceito é evidente no uso que eles fazem dos tipos.
Goppelt chegou à conclusão de que “ sob a influência de Paulo typos
tornou-se um termo hermenêutico em toda a igreja” .40“ Tipologia” ,
diz Lewis Johnson, “ é o estudo da correspondência espiritual entre
pessoas, eventos e coisas dentro da estrutura histórica da revelação
especial de Deus” .41 Outros restringem o termo às prefigurações
no AT de verdades plenamente reveladas no NT.42 Segue-se, neste
ensaio, a definição mais reduzida.
Em primeiro lugar, então, tanto o tipo como o antítipo são histó­
ricos. Diferentemente da alegoria, que ultrapassa o evento histórico
original, a tipologia considera o propósito histórico do tipo no drama
da história da salvação dentro de seu próprio horizonte histórico.
Segundo, a tipologia é analógica e progressiva. A “ tipologia” ,
diz David Baker, “ não é uma exegese ou interpretação de um texto,
mas o estudo da relação entre eventos, pessoas e instituições regis­
trados em textos bíblicos” .43 Observe, entretanto, que a tipologia é
analógica tanto em seu eixo vertical, cosmológico, como em seu eixo
horizontal, temporal. O contraste entre a sombra celestial original
e a terrena cria descontinuidades tão grandes quanto os céus são
mais altos que a terra. Quando a original ( “ verdade” ) celestial
irrompe na história, o antítipo suplanta o tipo. Se as analogias não
contivessem esse contraste, com o celestial substituindo o terreno,
a história seria cíclica, não progressiva. O ritual de Israel - seu local
sagrado (monte Sião), solenidades (sábados, dias santos e festas),

335
C ontinuidade e descontinuidade

pessoas (sacerdotes, levitas, rei), instituições (sacrifícios, purifica­


ções cerimoniais e toque de cornetas) - embora simbolizando os
modelos celestiais (Êx 25.9,40; 26.30; lC r 28.11,12; Hb 8.5), também
contém impurezas terrenas que foram abolidas. Hebreus 8.1-10.18
tem como objetivo mostrar que o presente reino de Cristo como rei-
sacerdote [sentado] à direita de Deus cumpre escatologicamente
os tipos inferiores da era antiga que estão se extinguindo como
estrelas que perdem a intensidade do brilho com o nascer do sol.
Comentando sobre Hebreus 7.19,20,Bruce escreveu:

Foi in e v itá v e l a b o lir, m a is c e d o o u m a is ta rd e , a le i p rim itiv a ;


p o r q u e , a tra v é s d e t o d a s o le n id a d e im p r e s s io n a n t e d o ritu al
d e s a c rifíc io s e d o m in is té rio s a c e r d o t a l, n e n h u m a p a z v e r d a ­
d e ir a d e c o n s c iê n c ia e r a p r o c u r a d a , n e n h u m a c e s s o im e d ia to
a D e u s [...]. T o d o o a p a ra to d e a d o r a ç ã o a s s o c ia d o à q u e le
ritu a l e s a c e r d ó c io fo i c a lc u la d o p a r a m a n te r o s h o m e n s lo n g e
d e D e u s , e m v e z d e a p r o x im á -lo s . M a s a “ e s p e r a n ç a c o lo c a d a
p e r a n t e n ó s ” n o e v a n g e lh o é m e lh o r p o r q u e e le re a liz a e x a ­
ta m e n te isso q u e fo i im p o s s ív e l s o b o a n tig o c e r im o n ia l; e le
p o s s ib ilit a q u e o s c ris tã o s “ s e a p r o x im e m d e D e u s ” [...]. O fato
d o e v a n g e lh o , d ife r e n t e m e n t e d a le i, te r a b e r t o u m c a m in h o
d e liv re a c e s s o a D e u s é o n o s s o fu n d a m e n to d e au to r p a r a
a firm a r q u e o e v a n g e lh o a tin g iu a p e r f e i ç ã o q u e a le i n u n c a
c o n s e g u iu p r o d u z ir .44

Em terceiro lugar, tanto o tipo, independentemente das


impurezas da antiga aliança, como o antítipo são espirituais. O
tipo, a primitiva realidade terrena, foi uma sombra, um símbolo, da
realidade espiritual, a verdade (Jo 1.17; cf. Cl 2.17) trazida à tona na
revelação de Jesus Cristo. Por definição não pode haver figura sem
uma realidade. O Senhor Jesus, embora tenha vindo ao mundo no
devido tempo, é o alfa e o ômega. Vos escreveu:

O m e s m o m u n d o d e r e a li d a d e s e s p iritu a is c e le s t e s , q u e a g o r a
v e io à luz n a p e s s o a e o b r a d e C risto , j á e x is tia d u ra n te o
t e m p o d a a n tig a a lia n ç a e, p o r m e io d a r e v e la ç ã o , s e re fle tiu d e
m a n e ir a t ip o ló g ic a n a e x p e r i ê n c i a r e lig io s a d o a n tig o p o v o d e
D e u s . T a m b é m p o r m e io d a r e d e n ç ã o e s s e m u n d o s e p r o je t o u
n e s s a m e s m a e x p e r iê n c ia . A s s im , p a r c ia lm e n t e e d e n tro d o s
s e u s p r ó p r i o s lim ites, a q u e le p o v o te v e a c e s s o à e d e s fru t o u

336
P romessas espirituais do reino

d a c o m u n h ã o d o m u n d o s u p e r io r q u e a g o r a d e s c e u e s e a b r iu
p a r a o n o s s o p le n o c o n h e c im e n to e p o s s e . 45

Israel, no deserto, por meio de símbolo e tipo, participou espi­


ritualmente de Cristo quando recebeu no maná o manjar espiritual
e na água a fonte espiritual da pedra espiritual e a pedra era Cristo
(IC o 10.1-5). Ao entrar na terra prometida sob juramento, o povo
olhou além daquela terra. Deus lhe deu a terra como uma dádiva de
vida, como Moisés enfatizou mais de trinta vezes em Deuteronômio,
uma dádiva que Israel aprendeu tanto em Cades-Barneia como em
Ai, e que só pôde ser obtida pela fé. Ao contrário do Egito, que sim­
bolizava o domínio de Satanás no pecado, tirania e morte, na terra
prometida Deus ofereceu as bênçãos de sua presença unicamente
aos seus eleitos.46
Essas intrigantes correspondências entre a terra e Cristo
sugerem que a terra prometida é um tipo do reino de Deus personi­
ficado em Cristo. W. D. Davies tirou a seguinte conclusão:

E m su m a , e m r e la ç ã o à s a n t id a d e d o lu g a r, o c ristia n ism o
fu n d a m e n ta lm e n te , e m b o r a n ã o siste m a tic a m e n te , su b stitu iu
[e m r e la ç ã o a o e n s in o d o A n t ig o T e sta m e n to s o b r e a t e r r a ] a
s a n t id a d e d a P e s s o a ; e le c ristia n iz o u o e s p a ç o sa n to .47

Em quarto lugar, a tipologia implica determinação divina.


Johnson assume esse elemento em sua definição, porque depois ele
comentou:

A base fu n d a m e n ta l d a t ip o lo g ia é t e o ló g ic a . A t ip o lo g ia
b í b l i c a é c o n s tru íd a d ire ta m e n te n a s o b e r a n ia d e D e u s . É e le
q u e m c o n tro la a h istó ria e, c o n s e q u e n t e m e n t e , g u ia o s e v e n to s
de m a n e ir a q u e o s tip o s e n c o n tra m s u a c o r r e s p o n d ê n c ia n o s
antí tip o s .48

Ellis validou ainda mais o argumento:

P a r a e s c r it o r e s n e o te s ta m e n tá rio s , u m tip o n ã o te m m e r a m e n t e
a p r o p r i e d a d e d e “ t ip ic a lid a d e ” o u d e s im ila r id a d e ; e le s v e e m
a h is tó ria d e Is r a e l c o m o H e ils g e s c h ic h t e , e a s ig n ific â n c ia d e
u m tip o v e te ro te s ta m e n tá rio e stá e m s e u lo c u s p a r t ic u la r n o
p la n o d iv in o d e r e d e n ç ã o . Q u a n d o P a u lo fa la d o s e v e n to s
de Ê x o d o a c o n t e c e n d o c o m o tip o s e e s c r it o s p a r a “ n o s s a

337
C ontinuidade e descontinuidade

a d m o e s t a ç ã o ” , n ã o p o d e h a v e r d ú v id a d e q u e , n a m e n te d o
a p ó s to lo , a in te n ç ã o d iv in a é a e s s ê n c ia , tanto n a o c o r r ê n ­
c ia c o m o e m s e u re g istro . A ló g i c a d a e x e g e s e t ip o ló g ic a n o
N T n ã o é s o m e n te “ a c o n t in u id a d e d o p r o p ó s it o d e D e u s n a
h istó ria d e s u a a lia n ç a ” , m a s t a m b é m s e u s e n h o r io e m m o ld a r
e u s a r a h istó ria p a r a r e v e la r e ilu m in a r s e u p ro p ó s ito . D e u s
e s c r e v e s u a s p a r á b o l a s n a s a re ia s d o t e m p o .49

Desde que Deus determinou divinamente o tipo, segue-se que


o tipo é uma profecia divina. Johnson censura France por negar o
elemento preditivo porque, de acordo com France, o autor humano
não pretendeu que ele fosse uma profecia. Johnson concorda com
seu argumento, mas dá prioridade à autoria divina do tipo. Ele
escreve:

M a s a E sc ritu ra é u m p r o d u t o tão d iv in o q u a n to h u m a n o ; D e u s
é a fon te, e o h o m e m , o a g e n t e d e s u a c o m u n ic a ç ã o . U m a v e z
q u e a E sc ritu ra , e m ú ltim a a n á lis e , v e m d e D e u s , a in te n ç ã o
d e le d e q u e a r e v e la ç ã o d o A n t ig o T e sta m e n to d e v e r i a a n s ia r
p e lo N o v o d e v e s e r r e c o n h e c id a [...]. N e s s e se n tid o , en tão,
a firm a m o s q u e a p o s s i b i l i d a d e d e p r o f e c ia é u m a c a r a c t e r ís ­
tica e s s e n c ia l d e u m tip o .50

Embora Johnson encontre firme fundamento no autor divino,


os autores humanos podem ter compreendido mais do que é
permitido. Abraão, somos assertivamente informados, aguardava a
cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador
(Hb 11.10), e Jesus disse: Abraão [...] alegrou-se p o r ver o meu dia
(Jo 8.56). A mensagem de Cristo não é algo preso ao AT; ela está em
seu coração, porque o Espírito de Cristo estava em seus profetas
profetizando os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que
os seguiríam (1 Pe 1.11).
Tendo estabelecido a natureza preditiva da tipologia em bases
teológicas, Johnson a valida textualmente:

F o ra d isso , a e x a ta n a tu re z a d o te rm o “ c u m p r i d o ” , tão c o m u m
n a in tro d u ç ã o d o antítipo n o N o v o T e stam en to , ju stific a n o s s a
c o n c lu s ã o s o b r e a p o s s i b i l i d a d e d e p r o f e c ia d o s tip o s .51

Finalmente, e correlativamente, a tipologia é abrangente.


Alguns tipos continuam até mesmo depois do seu cumprimento no NT.

338
P romessas espirituais do reino

Por exemplo, a narração histórica da esposa como presente de Deus


ao marido continua a existir após seu cumprimento em seu antítipo,
em que Cristo é o presente de Deus à igreja (Ef 5.22-32), porque a
instituição do casamento na criação continua ao longo das épocas
da história da salvação. Por outro lado, os apóstolos ensinaram que
o tipo do Israel nacional e sua lei como meio de governar a nação
foram abolidos cabal e permanentemente. A abordagem tipológica
do NT é baseada no entendimento de que a nova era inaugurada em
Cristo cumpre a salvação buscada pela antiga. O recuo do inigua­
lável antítipo para as sombras, no fim da história, teria feito Deus
retroceder e colocar um véu detestável sobre a glória de Cristo e
sua igreja, agora revelada.
Jesus ensinou em vários lugares que o verdadeiro povo de
Deus não deve ser encontrado no Israel nacional, mas na comuni­
dade cristã que o substituiu (cf. Mc 12.1-9; Mt 15.13). Seus apóstolos
continuaram seus ensinos. Eles ensinaram enfaticamente que a
antiga aliança com seus tipos foi abolida para sempre em favor da
superior e eterna nova aliança que rege a igreja (Jr 32.40; 50.5; Ez
16.60; 37.26; Hb 8.1-13). Assim, advertem a igreja de não retornar
a eles (Rm 10.4; G1 2.15-4.7; Ef 2.14-18; argumento de Hebreus).
Wilmot defende a tese com relação às alianças:

E n c o n tra m o s , n u m s e n tid o b e m a m p lo , e s s e e q u ilíb r io ou


r _

c o lo c a ç ã o d e o p o s to s , c o m o A P r im e ir a e a U ltim a, o C o m e ç o
e o F im [...] a A n t ig a e a N o v a A lia n ç a s ; tirar a p r im e ir a e e s t a ­
b e l e c e r a s e g u n d a ; g l ó r i a a b o l i d a e g l ó r i a q u e s o b r e p u ja ; a
le i d a s o b r a s e a le i d a fé ; a m a ld iç ã o in c o r r id a e a m a ld iç ã o
r e m o v id a ; a le i d a d a p o r M o is é s e g r a ç a e v e r d a d e p o r Jesus
C ris to ...52

France chama a atenção com relação à nação:

A d e d u ç ã o é q u e a n a ç ã o ju d a ic a n ã o tem m a is lu g a r c o m o
p o v o e s p e c ia l d e D e u s ; q u e o lu g a r fo i to m a d o p e l a c o m u n i­
d a d e cristã, e n e la o s p r o p ó s it o s d e D e u s p a r a Is ra e l d e v e m
s e r c u m p r id o s .53

Nas palavras de João, Cristo é a “videira verdadeira [i.e.,


superior e eterna realidade em contraste com a inferior e temporá­
ria ]” ^ sua igreja são seus ramos. A tipologia bíblica, como ensinada
pelos apóstolos de Cristo, invalida a ideia de que os tipos materiais

339
C ontinuidade e descontinuidade

da antiga aliança serão reintroduzidos nessa história após a igreja,


sobre a qual o fim dos tempos chegou (cf. Hb 7.18).
Finalmente, embora a natureza semiescatológica do reino de
Deus e do “ mundo vindouro” implique uma forma mais sólida do
reino na nova terra (cf. Hb 2.5; 11.10; 13.14), a tipologia no NT enfoca
seu cumprimento abrangente em Cristo e sua igreja.

P r o f e c ia

Lewis Johnson recomenda uma “ estrutura bem pensada e


formulada para a interpretação da profecia messiânica” .54 Seu
aluno tem como objetivo dar um passo inicial nessa direção. Para
interpretar os profetas corretamente, deve-se ter consciência das
formas de seus oráculos, suas necessidades de intensificar os tipos
do AT, a natureza genérica de alguns oráculos e seus esclarecimen­
tos ao longo da história progressiva como representada no cânon
ampliado, dando-lhes cada vez mais especificidade.

FORMAS DE ORÁCULOS

Lutero queixou-se dos profetas:

E le s tê m u m a m a n e ir a a t r a p a lh a d a d e fa la r, c o m o p e s s o a s q u e ,
e m v e z d e a g i r d e m a n e ir a o r d e n a d a , p a s s a m d e u m a c o is a
p a r a a s e g u in te , d e m o d o q u e n ã o s e p o d e c o m p r e e n d ê - lo s o u
v e r o q u e e s tã o in s in u a n d o .55

Essas transições abruptas que Lutero descreve refletem a


maneira na qual vários tipos de oráculos, originar iamente indepen­
dentes, foram editados.
Os críticos da forma analisaram oráculos proféticos em dois
tipos básicos, entre outros: oráculos de ameaça de julgam ento
( Unheilseschatologie) e oráculos prom etendo salvação além
do julgamento (.H eilseschatologie).56 Mais especificam ente, os
oráculos de desgraça foram lançados contra o Israel nacional, e
os oráculos de ventura se destinaram à restauração do rem anes­
cente de Israel que sobreviveu ao exílio babilônico (Ez 11.14-21;
cf. Jr 24.4-10; Os 5.15-6.3; Jr 3.12-14).M oisés olhou anteriormente
além do julgamento do exílio e profetizou a restauração de Israel

340
P romessas espirituais do reino

de volta à terra após a circuncisão espiritual dele, não vice-versa


(Dt 30.1-10).
Heils- e Unheilseschatologie são dois lados do esperado dia
do Senhor, quando ele vem primeiro em julgamento e depois em
bênção. Os profetas lançaram seus oráculos espiritualmente car­
regados (cf. Jr 1.9-10) contra o Israel nacional, porque ele havia
incorrido na maldição do princípio da lei-herança. Deus o desman­
telou primeiramente depondo os monarcas terrenos da casa de
Davi em 586 a.C. e, cabal e permanentemente, pela destruição de
Jerusalém em 70 d.C.
Os poderosos oráculos de salvação efetuaram um caleidoscó­
pio de bênção. Acessível a eles está a dinâmica entrada do próprio
Deus no mundo.57 O santo e reto governo do Senhor todo-poderoso
triunfa universalmente no tempo e no espaço sobre toda iniquidade
e injustiça. O próprio Deus não subirá ao trono de Israel, mas, em vez
de seus antigos reis sem valor, ele nomeará o rei ideal, o Messias,
em Sião. Ele decreta sua vontade por m eio da nova aliança efetuada
p elo Messias (Is 42.6; 49.8; 54.10; 55.3; 59.21; 61.8; Jr 31.31-33; 32.40;
Ez 34.25; 37.26). Essa administração leva a uma total transformação
da humanidade, da natureza e da terra prometida que foi devastada.
O reino é consumado na recuperação do próprio paraíso. Esse reino
previsto não pode falhar porque está baseado na graça soberana e,
portanto, é uma promessa recebida pela fé.
Edelkoort chamou o AT de “ o livro da expectativa” , compa-
rando-o à “ sinfonia inacabada, aguardando que a mão do maestro
acrescente-lhe a conclusão adequada” .58Para Cristo e seus apóstolos
a expectativa profética, baseada em antigas alianças e na direção
da qual o AT está insistindo, é cumprida nele e em seu corpo que
está vivendo nos últimos dias. Eles viram a revelação progressiva da
história unificada de Deus na descendência de Abraão (ele não diz
“ descendentes” ) e cumprida em Cristo e sua igreja.
Repetidas vezes Mateus usa “ cumprido” para mostrar a cor­
respondência entre a expectativa do AT e sua realização em Cristo.
Jesus disse: importava que se cumprisse tudo o que de mim está
escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então, lhes abriu
o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lucas 24.44,45).
Pedro escreveu à igreja, ou pelo menos ao verdadeiro Israel que se
tornou unido aos gentios na igreja unificada: os profetas... falaram
acerca da graça a vós outros destinada (lP e 1.10). Isso foi compatível

341
C ontinuidade e descontinuidade

com seu sermão anterior: £ todos os profetas, a com eçar com Samuel,
assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram
estes dias (At 3.24). Ele aplicou esse princípio hermenêutico a Joel
2.28-32, afirmando que na primeira interpretação pós-Pentecoste
do AT o que acontecera no Pentecoste fora o que Joel havia profe­
tizado (At 2.16). Tiago, dirigindo-se ao primeiro concilio da igreja,
convocou a assembléia para considerar o destino dos gentios na
igreja, chegando à conclusão, com aprovação apostólica, de que a
salvação dos gentios concordava com a expectativa profética (At
15.14ss). Paulo, com referência à alegria dos gentios em encontrar
essa salvação, cita Isaías 11.10- Naquele dia, recorrerão as nações à
raiz de Jessé que está posta p o r estandarte dos povos; a glória lhe será
a morada. O escritor de Hebreus interpreta a nova aliança, origina-
riamente endereçada à casa de Israel e Judá, como cumprida na era
da igreja (Hb 8.7-13).
A menos que se recorra ao desesperado argumento de que
existem duas novas alianças, uma para Israel e outra para a igreja,
chega-se à inevitável conclusão, com base em Hebreus 8.7ss, de que
a igreja em Cristo cumpre as promessas dadas a “ Israel” e “Judá” (Jr
31.31 e,p or dedução, as dezesseis outras referências à nova aliança
no A T ).

LINGUAGEM SIMBÓLICA

Com o essas referências sugerem, os profetas representa­


ram a nova sob a im agem da antiga. Para representar coisas invi­
síveis, os escritores e oradores devem usar figuras. Por exemplo,
para representar a molécula, que nenhum olho viu, os cientistas
usam bolas de bilhar; os escritores bíblicos usam antropomorfis-
mos para representar Deus. Da mesma forma, Deus usou o taber-
náculo e seus pertences para simbolizar a realidade espiritual (p.
^ __

ex., Ex 25.9). Da mesma forma, os profetas empregaram os mesmos


símbolos para representar o reino celestial que foi baixado do céu,
prim eiro na manjedoura de Belém e, depois, em reluzentes línguas
de fogo no templo a ponto de ficar desolado. Por outro lado, suas
profecias sobre eventos antes do Pentecoste encontram um cum­
primento material; por exemplo, no retorno de Israel do exílio e na
vida de nosso Senhor, seu nascimento, ministério, morte e ressur­
reição. Com a transformação do corpo de Cristo de um corpo físico
e terreno para um corpo espiritual e celeste, e com sua ascensão

342
P romessas espirituais do reino

do realismo terrestre para a Jerusalém celestial, os símbolos ter­


restres foram abandonados, e a realidade espiritual retratada
pelos símbolos substituiu as sombras. Consequentemente, as
profecias do AT sobre o futuro reino de Israel que diz respeito à
era da igreja que começou no Pentecoste encontram um cumpri­
mento espiritual.
Através dos símbolos da antiga dispensação (p. ex., dias de
festas, panelas de cozinhar, Jerusalém etc., cf.Zc 14.16ss), os profetas
representaram a dispensação final antes da nova terra. Mickelsen
escreveu com relação a Ezequiel 40-48:

S u p o r q u e o a n tig o ritu a l s e r á r e s t a u r a d o d e v e r i a s e r a b o m in á ­
v e l a q u a lq u e r u m q u e e n c a r e c o m s e r i e d a d e a m e n s a g e m d o
liv ro d e H e b r e u s [...]. C o m C ris to v in d o d a trib o d e Judá (n ã o
d e L e v i ), h á u m a m u d a n ç a tanto d o s a c e r d ó c io c o m o d a le i ( H b
7 .1 2 -1 4 ). E s s a m u d a n ç a é d ra m á tic a e d e lo n g o a lc a n c e .S9

Nosso Senhor contrasta seu uso de linguagem figurada antes


do Pentecoste com seu discurso direto depois d ele (cf. Jo 16.25).
Ele usou também a linguagem simbólica do antigo para descrever
o novo. Em contraste com sua platéia frequentemente ofendida,
que insistia num significado material para suas palavras, ele siste­
maticamente teve em vista um significado espiritual mais profundo
para que a platéia pudesse compreender. Por exemplo, o templo
não é o de Jerusalém, mas o seu corpo (Jo 2.21); o novo nascimento
não é da carne, mas do Espírito (3.6); a água do poço de Jacó mata
temporariamente a sede do corpo, mas a água que ele dá satisfaz
eternamente a sede do espírito do homem (4.13,14); ele é o v e r­
dadeiro pão do céu (6.41,42); do seu interior fluirão rios de água
viva é o Espírito que flui do templo humano (Jo 7.37-39), com o
diz a Escritura (cf. Ez 47.1ss). Com relação à última referência,
H odges argumentou persuasivamente que a Escritura em vista é
Ezequiel 47.lss, mas de m odo não convincente relatou que, devido
ao fato de Jesus ter proferido aquelas palavras no último dia da
Festa das Cabanas, o crente não se tornaria “ esta fonte de água
viva no mundo que Deus estava refazendo, o qual se enchería com
sua própria bênção sobrenatural” até a ressurreição e glorificação
deles.60 Se for feita uma ligação entre esse “ último dia” , parece
mais plausível supor que o crente que vive agora nos últimos dias
incorpore a visão de Ezequiel.

343
C ontinuidade e descontinuidade

Essa comparação do crente na nova dispensação com o templo


de Ezequiel e suas águas vivificantes, numa corrente que fica cada
vez mais profunda e larga até transformar a água repulsiva do mar
Morto em água fresca, cujas margens são repletas de árvores, e
onde criaturas vivas pululam, ilustra o argumento adicional de que
os profetas, para mostrar a inigualável grandeza da nova aliança
sobre a antiga, sobrecarregaram suas figuras. O monte Sião se
tornará a montanha mais alta (M q 4.1); Jerusalém será tão santa que
a inscrição no diadema do sumo sacerdote Santo ao Senhor , será
encontrada nos sinos dos arreios dos cavalos, e até as panelas serão
utilizadas para sacrifício nos limites sagrados do templo (Zc 14.20).
Após citar esses exemplos, entre outros, Edmond Clowney escreveu;
“ Na renovação escatológica da adoração ‘daquele dia’ , o cerimonial
é sublimado em glória absoluta” .61
Esses símbolos da antiga aliança não devem ser interpretados
como opostos à nova; mas a nova deve ser interpretada como uma
gradação desses símbolos intensificados.
Volte, se tiver vontade, à discussão anterior sobre o pronun­
ciamento de Cristo; o reino de Deus está p ró x im o . Os dispensa-
cionalistas acertadamente notam que Jesus nunca interpretou a
expressão, mas assumiu seu significado. Contudo, em vez de olhar
para o autor da nossa fé em busca de sua interpretação, eles,
incorretamente - este autor sugere - olham para a sua audiência
descrente, que amava o dinheiro, para quem a cruz era uma ofensa
(Mt 16.21-23; IC o 1.23) e cuja mente se havia embotado porque
um véu perm anece sobre eles quando é lida a antiga aliança (2Co
3.14). Discutiu-se, anteriormente, que Jesus nem uma vez sequer
ofereceu um reino material; na verdade, repreendeu o povo por
procurar pão material (Jo 6.26,27). Desde que ele estava o fere­
cendo um reino espiritual, ou seja, o celestial como cumprimento
da expectativa do AT, segue-se que as promessas daquele reino
na literatura profética e apocalíptica não devem ser interpretadas
literalmente com referência à terra, mas sim, espiritualmente, com
referência ao reino celestial.

PROFECIA GENÉRICA

De modo geral os estudiosos concordam que os profetas viam


o futuro num painel essencialmente plano, onde, na melhor das

344
P romessas espirituais do reino

hipóteses, avistavam as glórias de Cristo depois de seus sofrimentos


(lP e 1.10-12). O nascimento do Emanuel, por exemplo, é colocado em
relação à ameaça da invasão síria nos dias de Acabe (Is 7.1-14). Os
exegetas precisam distinguir cuidadosamente entre o Zeitgeschichtliche
( “presente histórico” ) e o Endgeschichliche (“ final histórico” ).
Além disso, entretanto, observe-se que o mesmo oráculo
às vezes tem certa “ densidade” , contendo em si mesmo tanto o
presente como o final. Um oráculo profético p od e retratar tanto
um evento final como vários eventos separados por intervalos de
tempo. Beecher descreveu esse fenômeno que lembra tipologia e
que também reúne o material e o espiritual em um evento como
“ profecia genérica” .62 Kaiser proveitosamente popularizou esse
princípio e o aplicou a diversas profecias.63 Odendaal, independen­
temente, chegou a uma conclusão semelhante na sua investigação
de Isaías 40—66. Concluiu que Isaías profetiza o retorno do exílio
como parte do eschaton. Ele escreveu:

E le s s ã o [...] re tra ta d o s e m tal e x t e n s ã o d e a c o r d o c o m s e u


c a r á t e r id e a l, d e v e n d o s e r c o n s id e r a d o s , d e fato, com o o
c o m e ç o d a s r e a li d a d e s fin a is d a c o n s u m a ç ã o .64

Antes ele escreveu:

T o d a c h e g a d a h is tó ric a d e s s e d ia [d o S e n h o r ] é s e m p r e tip o
e p r o m e s s a d e s u a v in d a fin a l e fo r m a u m a a n t e c ip a ç ã o d a
c o n s u m a ç ã o .65

Conclui-se que as profecias sobre a restauração, tanto no que


se refere à predição quanto ao cumprimento, contêm um aspecto
material.

PROCESSO CANONICO

Como, porém, essas partes serão isoladas e ajustadas no drama


da história da salvação? Em outro artigo este escritor defendeu uma
“ abordagem canônica do processo” na interpretação de Salmos. Ele
definiu sua abordagem como

... o r e c o n h e c im e n t o d e q u e a in te n ç ã o d o texto t o r n o u -s e m a is
p r o fu n d a e m a is c la r a q u a n d o o s p a r â m e t r o s d o c â n o n fo r a m

345
C ontinuidade e descontinuidade

a m p lia d o s . A s s im c o m o a r e d e n ç ã o e m si tem u m a h is tó ria p r o ­


g r e s s iv a , t a m b é m o s tex to s m a is a n tig o s d o c â n o n p a s s a r a m
p o r u m a p r o g r e s s iv a p e r c e p ç ã o n a tu ra lm e n te r e la c io n a d a d e
s ig n ific a d o , à m e d i d a q u e s e to rn a ra m p a r t e d e u m a lite ra tu ra
c a d a v e z m a is c a n ô n ic a .66

A mesma abordagem é aplicável à profecia. A intenção do


autor divino se envolve num foco cada vez mais distinto através
da lente de aumento da revelação progressiva até atingir um
ponto crítico na vinda de Jesus Cristo. Essa abordagem é sem e­
lhante ao sensus p le n io r em que ambos os m étodos depen dem de
mais revelação para encontrar o pleno significado de um texto
anterior. Mas a distinção da abordagem canônica do processo
está nisto: enquanto o sensus p le n io r d ep en d e exclusivam ente de
mais revelação e p od e perm itir uma reinterpretação da profecia,
o processo canônico combina a revelação com a concentra­
ção do foco da própria história e invalida a possibilidade de
reinterpretação.67
Para os profetas pré-exílicos e exílicos, a nova era começou
com a restauração do exílio. Tanto Miqueias como Isaías se referem
à nova era começando “ agora” 68- isto é, com o retorno da Babilônia.
Aqui, na interseção de duas eras, afirma-se: a antiga está se extin­
guindo, e a nova está entrando, progredindo para cumprimento e
realização. Com referência ao retorno do remanescente, a profecia
é cumprida materialmente.
Mas nesse retorno há um significado mais profundo, como
percebeu Zimmerli.69 A restauração exterior do remanescente do
Israel nacional também envolve de maneira muito clara a renovação
espiritual do povo. Odendaal escreveu:

M a s até m e s m o a r e s t a u r a ç ã o e x t e r i o r n ã o n o s le v a a u m tip o
d e e s c a t o l o g i a n a c io n a lis t a c e n t r a d a e m I s r a e l. A r e s t a u r a ­
ç ã o é t íp ic a e e n t r e t e c id a n a v i n d a fin a l d o r e in o d e Javé,
t r a z e n d o p l e n a e e t e r n a s a lv a ç ã o a o s e u p o v o . O r e t o r n o d o
e x ílio , o r e p o v o a m e n t o d o p a í s e a r e c o n s t r u ç ã o d o t e m p lo
s ã o v is t o s i d e a lm e n t e e m s e u r e la c io n a m e n t o c o m a i m p o r ­
tâ n c ia d o triu n fo fin a l d o r e in o d e D e u s ; e, a s s im , u m p o u c o
d e s s a e te rn a g ló r ia já p e r m e ia a d e s c r iç ã o d a s r e a lid a d e s
t e r r e n a s .70

346
P romessas espirituais do reino

Desses dados ele extraiu a regra hermenêutica:

E n tã o é e v id e n t e q u e n e m u m a e x p lic a ç ã o p u r a m e n t e e s p i r i ­
tual, n e m p u r a m e n t e literal, p o d e c o m p r e e n d e r a p le n it u d e d a
p r o c la m a ç ã o p r o fé t ic a .71

Essa renovação espiritual não foi realizada na comunidade


pós-exílica e, assim, foi projetada pelos profetas pós-exílicos num
futuro que ultrapassa o tempo do AT e aguarda a revelação do NT.
Finalmente, lembre-se que no ensino de nosso Senhor sobre
“ o reino de Deus” e no de Paulo sobre “ o tempo vindouro” perma­
neceu um aspecto de promessa além do cumprimento presente; um
tempo quando todas as coisas se tornarão novas, quando a igreja
não mais verá através de um reflexo insatisfatório, mas face a face
(IC o 13.12), quando Cristo mais uma vez beberá vinho com seus
discípulos ressuscitados (como ele, em seu corpo ressuscitado,
comeu peixe), quando a terra será regenerada (Rm 8.20), quando a
mortalidade se revestirá de imortalidade. Se o estudo da história da
salvação for persuasivo, então este elemento “ mais que” aguarda sua
consumada realização na nova terra, como argumentou Hoekema
tão persuasivamente.72
Os apóstolos ligaram a nova terra a esta terra, assim como
ligaram os corpos terrenos dos crentes com os ressurretos. Os céus
e a nova terra e os corpos dos crentes surgem do antigo, embora
purificados pelo julgamento de todos os resultados do pecado. Vos
escreveu:

E m b o r a p o s s a p a r e c e r p a r a d o x a l, a r e v e la ç ã o n ã o e v ito u a q u i
u n ir o e t e r n o e m p o n t o d e d u r a ç ã o c o m o t e m p o r á r io e m
p o n t o d e c o n stitu iç ã o .73

Assim, a abordagem é aplicada à promessa profética de que


Israel retornará à terra (p. ex., Jr 30.3). Jeremias teve tanta confiança de
que Israel retornaria, de conformidade com as promessas pactuais do
Senhor, que até mesmo comprou um campo, apesar de os babilônios
estarem destruindo Jerusalém (Jr 32.1-15). Ele liga então esse retorno
à restauração espiritual de Israel (v. 36-44). Essa restauração espiri­
tual, entretanto, não foi realizada quando o povo retornou da Babilônia,
e seu cumprimento ficou reservado para um futuro mais remoto. A
promessa se cumpre no Israel espiritual de hoje, naqueles que têm o

347
C ontinuidade e descontinuidade

coração circuncidado pelo Espírito de Cristo; mas aguardam o pleno


cumprimento na nova terra (Hb 11.39ss). A presente salvação no
Espírito é um anseio da redenção final do crente (Ef 1.13,14).

C o nclu são

Com relação à interpretação da profecia, Delbert Hillers,


professor de Estudos do Oriente Próximo na Universidade Johns
Hopkins, escreveu:

O s liv ro s d o s p r o fe t a s d e Is r a e l e s tã o e n tre o s m a is d ifíc e is


d o A n t ig o T e sta m e n to e, p r o v a v e lm e n t e , e n tre o s liv ro s m a is
d ifíc e is ja m a is e s c r it o s .74

A respeito do relacionamento da lei mosaica com a igreja,


Jonathan Edwards escreveu:

T a lv e z n ã o e x is ta u m a p a r t e d a t e o lo g ia tão c o m p le x a e e m q u e
o s t e ó lo g o s d iv ir ja m tanto c o m o o c a m p o d a s e x a t a s c o n c o r ­
d â n c ia s e d ife r e n ç a s en tre a s d u a s d is p e n s a ç õ e s , d e M o is é s e
d e C ris to .75

Lamentavelmente, homens bem-intencionados se consolida­


ram em confissões sacrossantas sobre assuntos complexos e difíceis
como o relacionamento entre a igreja e Israel e a interpretação da
profecia, com a tendência de forçar líderes recentes a se tornarem
guardiões dessas confissões dotadas de suprema autoridade e frus­
trando a pesquisa. Talvez um primeiro passo na direção da maturi­
dade poderia ser dado acrescentando um artigo a todas as confis­
sões semelhantes ao da Confissão de Westminster:

T o d o s o s s ín o d o s o u c o n c ílio s , d e s d e o s t e m p o s d o s a p ó s to lo s ,
g e r a is o u p a rt ic u la r e s , p o d e m e r r a r ; e m u ito s e r r a r a m . P o r
c o n s e g u in t e , e l e s n ã o s ã o fe ito s p a r a e s t a b e le c e r a r e g r a d e
fé e p r á t ic a ...76

Igualmente, Walvoord fez recentemente uma útil distinção em


graus de certeza dentro da fé cristã:

E stou firm e m e n te e m p e n h a d o c o m c e rto p o n to d e v ista e s c a -


to ló g ic o , m a s n ã o c o m a c e r t e z a q u e te n h o d a d iv in d a d e d e

348
P romessas espirituais do reino

C r is t o e d o n a s c im e n to v ir g in a l e o u tras d o u trin a s . P o r isso


p r e c is o c r e r n a p o s s i b i l i d a d e t e ó r ic a d e q u e e u p o d e r i a e s t a r
e r r a d o lá .77

Essas declarações de teólogos anteriores e mais recentes


abrem a porta para uma mudança cautelosa.
Enquanto esperamos pela forma mais sólida da igreja, quando
ela estiver unida com seu Senhor na nova terra, e seu reino for de
igual duração com a nova criação, que os crentes em fé e meditação
reflitam sobre o amado e em todas as coisas celestiais e sejam trans­
formados em sua semelhança.78 Este não é um comentário banal
para concluir um ensaio; é a exortação apostólica baseada em sua
escatologia.

349
13

Promessas espirituais e
nacionais do reino

Walter C. Kaiser Jr.

ois pensamentos tendem a dominar o AT: a esperança que

D Deus virá novamente no futuro como veio no passado e a


expectativa de que o dia da vinda de Deus é o dia do Senhor.
Estes dois temas são tão frequentemente unidos, especialm ente
nos profetas, que o dia do Senhor passou a ser o dia de teofania
por excelência.
Contudo, há mais. O propósito supremo dessa futura vinda
do Senhor e do dia do Senhor seriam para estabelecer o reino
de Deus na terra como é agora no céu. De fato, o evangelho de
Marcos com eça a narrativa do ministério de Jesus com ele dizendo:
O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próxim o; arrependei-
vos e crede no evangelho (Mc 1.15). Podemos concluir de modo
correto, então, que o encargo do ensino de Jesus foi anunciar o
reino de Deus.
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

O r e in o de D eus d e f in id o

Mas o que é esse reino de Deus? Como observou John Bright:

M a s d u ra n te t o d a s u a r e p e t id a m e n ç ã o d o re in o d e D e u s J e s u s
n u n c a p a r o u p a r a d e fin i-lo . N e m q u a lq u e r o u v in te ja m a is o
in t e r r o m p e u p a r a p e r g u n t a r : “M e s tre , o q u e s ig n ific a m e s s a s
p a la v r a s ‘R e in o d e D e u s ’ q u e u s a s c o m tanta fr e q u ê n c ia ? ” A o
c o n trá rio , Jesus u s o u o te rm o c o m o s e tiv e s s e c e r t e z a d e q u e
s e r ia c o m p r e e n d id o , e d e fato foi. O r e in o d e D e u s e s ta v a n o
v o c a b u lá r io d e q u a lq u e r ju d e u . E ra a lg o q u e e le s c o m p r e e n ­
d ia m e p e l o q u a l e s p e r a v a m m u ito .1

Entretanto, um fenôm eno um tanto embaraçoso surge se


tivéssemos de presumir a existência de numerosas referências ao
reino de Deus no AT. De fato, se fôssemos fazer dos fenômenos
linguísticos nosso único guia, o fato é que a expressão “ reino de
Deus” não aparece uma vez sequer no AT. Para sermos exatos,
existem 9 referências ao reino sobre o qual Javé governa2 e cerca
de 41 referências a Javé como “ Rei” .3 Quando chegamos ao NT,
entretanto, a frequência da expressão “ reino de Deus” ou “ reino
do céu” sobe dramaticamente. De acordo com a contagem de R.
T. France, existem cerca de 60 ocorrências (sem incluir os corres­
pondentes) no ensino de Jesus nos Evangelhos Sinóticos, em que
essa expressão aponta para o centro de sua missão.4 Mas, quando
nos voltamos para o ensino dos apóstolos na igreja primitiva,
somos novamente surpreendidos com a infrequência da termino­
logia “ reino” . Assim, o livro de Atos usa “ reino” ou “ reino de Deus”
somente 8 vezes.5
Esse mesmo uso conservador dos termos [relacionados ao]
reino continua de Romanos a Judas, em que “ reino” é encontrado
somente 18 vezes, e deste número, apenas 4 usos adicionais do
verbo cognato “ reinar” e 2 usos de “ rei” .
O fato é este: seria tão errado sugerir que o conceito de “ reino
de Deus” é quiescente ou é um tema um tanto sem importância no AT
quanto seria concluir o mesmo acerca da pregação apostólica em
Atos e nas epístolas do NT. Se Jesus pudesse resumir o encargo de
sua missão e toda revelação anterior nesse único conceito, também
os apóstolos resumiríam assim a missão deles. Eles pregaram:

352
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

. . . a r e s p e i t o d o r e in o d e D e u s e d o n o m e d e J e su s C r is to (A t
8. 12);
... d is s e r ta n d o e p e r s u a d i n d o c o m r e s p e i t o a o r e in o d e D e u s (A t
19.8);

...p a ra te s te m u n h a r o e v a n g e lh o da g ra ç a d e D e u s [...] p r e g a n d o
o r e in o [...] P o r q u e ja m a is d e ix e i d e v o s a n u n c ia r to d o o d e s íg n io
d e D e u s (A t 2 0 .2 4 -2 7 );

... lh e s fe z u m a e x p o s iç ã o e m te s te m u n h o d o r e in o d e D e u s ,
p r o c u r a n d o p e r s u a d i -l o s a r e s p e it o d e J e su s, tanto p e l a le i d e
M o i s é s c o m o p e l o s p r o fe t a s (A t 2 8 .2 3 );

...p r e g a n d o o r e in o d e D e u s , e, c o m tod a a in tre p id e z , s e m i m p e ­


d im e n t o a lg u m , en sin a va as c o is a s r e f e r e n t e s a o S e n h o r J e su s
C r is to (A t 2 8 .3 1 ).

O r e in o de D eu s e o p l a n o d a p r o m e s s a de D eus

Como, então, começou esse conceito de reino de Deus no


AT? Três temas especialmente chamam nossa atenção: primeiro, a
doutrina do reino é parte da doutrina da promessa do AT; segundo,
desde o tempo da grande promessa de Deus a Davi, esse reino teve
um lugar central em todo plano da promessa de Deus; terceiro, nos
profetas a doutrina do reino é marcada pela promessa de um rei
pessoal reinando em Sião sobre todos e pronto a distribuir bênçãos
e julgamento a todas as nações tanto agora como, especialmente, no
dia do Senhor.
A declaração mais simples e programática do plano da
promessa de Deus encontra-se em Gênesis 12.3: em ti serão benditas
todas as famílias da terra. Incluída na mesma promessa a Abraão
(uma palavra resumida e construída sobre as numerosas “ bênçãos”
já listadas em Gn 1-11) foi a palavra de Deus de que ele seria e
faria algo por Abraão e, com isso, Deus seria e faria algo por todas
as famílias da terra. Entre as primeiras coisas que ele prometeu
fazer estavam estas: ele produziria pela descendência de Abraão
o homem da promessa; concedería a Israel uma herança eterna na
terra de Canaã; e daria graciosamente o evangelho - isto é: em ti
serão abençoados todos os povos (G13.8).
Quase casualmente o registro patriarcal declara que “ reis”
descenderíam de Abraão, Sara e Jacó (Gn 17.6,16; 35.11).E aBalaão

353
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Deus acrescentou que ... uma estrela procederá de Jacó, de Israel


subirá um cetro [...] De Jacó sairá o dominador e exterminará os que
restam das cidades (Nm 24.17,19).
Com a introdução da questão de um rei em Israel, a conexão
especial de Israel com Javé como rei e seu reino começa a ocupar
o centro do divino plano da promessa. Foi dito a Samuel que Israel
havia rejeitado Javé como seu rei quando eles pediram um rei
a Samuel como outras nações (ISm 8.7). Eles disseram: Não! Mas
reinará sobre nós um rei; ao passo que o S e n h o r , v o s s o Deus, era o
vosso rei (ISm 12.12). Isso foi exatamente o oposto da posição
assumida anteriormente por Gideão, após sua triunfante conquista
dos midianitas. Quando os israelitas disseram: Domina sobre nós,
tanto tu com o teu filho e o filho de teu filho..., Gideão respondeu:Não
dominarei sobre vós, nem tampouco meu filho dominará sobre vós; o
S e n h o r v o s dominará (Jz 8.22,23).

Contudo, foi a promessa feita a Davi em 2Samuel 7 que deu um


lugar central e enfático ao reino. Lá, Deus prometeu a D avi:... esta­
belecerei o seu reino [...] estabelecerei para sempre o trono do seu
reino [...] teu trono será estabelecido para sempre (2Sm 7.12,13,16).
Dois salmos se dedicaram a esse tema e o ampliaram. Salmos 89.36
afirmou: A sua posteridade durará para sempre, e o seu trono, como
o sol perante mim. Igualmente, Salmos 72.1,8: Concede ao rei [...]
domine ele de mar a mar e desde o rio até aos confins da terra. De
fato, Todos os reis se prostrem perante ele; todas as nações o sirvam
(SI 72.11), nele sejam abençoados todos os homens (uma óbvia alusão
aG n 12.3 em SI 72.17).
A razão por que Davi junto com sua família teve tão grande
otimismo sobre o futuro de seu reino foi dada no testemunho
próprio de Davi em lCrônicas 28.5 -... escolheu ele a Salomão para
se assentar no trono do reino do S e n h o r , sobre Israel. O reino de Davi
e o trono não eram nada menos que o trono e o reino de Javé. Assim,
o salmista em Salmos 45.6 se entusiasma: O teu trono, ó Deus, é para
todo o sempre; cetro de equidade é o cetro do teu reino.
O trono de Davi a que se referiu o salmista não foi o trono de
Deus no céu, mas o trono de Deus na terra - o trono eterno, prometido
à descendência de Abraão, Isaque, Jacó e Davi. Aquele futuro rei não
foi ninguém menos que o Ungido de Deus (SI 2.2), Filho de Javé (SI
2.7), Rei de Javé (SI 2.6). As nações podiam tramar e se enfurecer tão
violentamente quanto quisessem contra Javé e seu Messias (SI 2.1,

354
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

2), mas essa revolta insignificante seria totalmente esmagada, feita


em pedaços como um vaso de barro. Em vez disso, as nações e os
confins da terra seriam dados ao prometido descendente de Davi
(SI 2.8). Seu reino seria eterno, e seu domínio duraria por todas as
gerações (SI 145.13).
Os profetas previram: para que se aumente o seu governo, e
venha paz sem fim... (Is 9.7a). Na profecia de Daniel o Ungido (Dn
9.26) é descrito como uma pedra que foi cortada sem auxílio de mãos
(Dn 2.34) e parecido com o Filho do Homem (Dn 7.13). O signifi­
cado das pedras esmagando os quatro reinos da terra foi: Mas, nos
dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais
destruído; este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá
todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre (Dn 2.44).
Igualmente, o significado de “parecido com filho de homem” foi:

E f o i -l h e d a d o [p e l o a n c iã o b e m id o s o ] d o m ín io , e g ló r ia , e o
re in o , p a ra q u e o s p o v o s , n a ç õ e s e h o m e n s d e to d a s a s lín g u a s o
s e r v is s e m ; o s e u d o m ín io é d o m ín io e te r n o , q u e n ã o p a ssa rá , e o
s e u r e in o ja m a is s e r á d e s t r u íd o (D n 7 .1 4 ).

O re in o , e o d o m ín io , e a m a je s t a d e d o s r e in o s d e b a i x o d e t o d o
o c é u s e r ã o d a d o s a o p o v o d o s s a n to s d o A ltís s im o ; o s e u r e in o
s e r á r e in o e te r n o , e t o d o s o s d o m ín io s o s e r v ir ã o e lh e o b e d e ­
c e r ã o (D n 7 .2 7 ).

Assim, somos levados a esperar uma futura teofania quando


esse Ungido receberá o reino eterno dado a ele pelo Pai, o Ancião.
Mas essa aparição do Prometido seria marcada por terrível julga­
mento, bem como de livramento que ocorrerá no dia de sua visita à
transgressão de Israel (Ex 32.34). O dia da minha visitação era caracte-
risticamente iminente; quatro profetas, em quatro séculos diferentes,
o declararam estar próximo (no século IX a.C.,Joel - 1.15; 2.1; 3.14; no
século VIII, Isaías - 12.6; no século VII, Sofonias - 1.7, 14; e no século
VI, Ezequiel - 30.3). Grande é o Dia do S e n h o r e mui terrível! (J1 2.11).
No entanto, para o restante crente, o Dia do Senhor seria o evento
que introduziría o reino vitorioso e o reinado universal de Javé (Is
2.2; M q 4.1; Ez 38.8,16). Israel seria reconduzido às suas casas (Os
11.10,11), e a paz do Éden descería sobre o mundo da natureza (Is
11.6). A alegria seria o constante deleite dos participantes crentes
no reino (Is 60.22), e a morte seria aniquilada para sempre (Is 25.8).

355
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Se a possibilidade de restauração de Israel à sua terra repre­


sentou o lado físico e material do reino de Deus para o remanescente
justo, houve também um lado espiritual. Israel seria sacudido entre
as nações (Am 9.9). O Espírito seria derramado do alto (Is 32.15;
J1 2.28,29), e a 7brá de Deus seria escrita no coração dos crentes
(Jr 31.33). E se o não judeu parecesse ter sido deixado de lado,
Amós reiterou o tema de que a dinastia de Davi (admitidamente, ela
passaria por um estágio de dormência, de um tabernáculo caído)
seria levantada naquele dia para que pudesse incluir todas as nações
que são chamadas p elo meu nome (Am 9.11,12).
Então, é sobre esse reino nacional e espiritual que o nosso
Senhor chegou pregando (M c 1.14,15). É esse mesmo reino que
Paulo proclamou e associou com o evangelho da graça de Deus
ou todo o desígnio [propósito, plano, conselho] de Deus (At 20.24-
27). Nisso consiste a declaração da própria Bíblia a sua linha de
continuidade.

O S ASPECTOS ESPIRITUAIS E MATERIAIS DO REINO

Quais são as áreas de controvérsia em torno do reino de Deus


se tantos concordam com o que já foi escrito sobe o reino de Deus no
plano da promessa no AT? As principais áreas de diferença são ainda
as mesmas que Erich Sauer escreveu há mais de trinta anos:

H á d ife r e n ç a n o g r a u d e e x te n s ã o . Q u e p e s s o a s e te rra s e s tã o
in c lu íd a s n e s te c o n c e ito d e r e in o d e D e u s ?

H á d ife r e n ç a s o b r e a fo r m a d o g o v e r n o d e D e u s . É in te rio r e
e s p iritu a l, o u é v is ív e l, m a te ria l, p o lític a , e x t e r n a o u a m b o s ?

H á d ife r e n ç a s o b r e o te m p o d o in ício d e s s e g o v e r n o e r e in a d o
de D e u s . E le com eçou na ascensão? No P e n te c o s te ? Ou
c o m e ç a r á s o m e n te n u m a futura p a r ú s ia e e p ifa n ia / te o fa n ia ? 6

O REINO ETERNO

O mais sensível dos movimentos teológicos é o que tenta integrar


o reino eterno ou universal (seu reino governa sobre tudo, SI 103.19)
com o que muitos gostam de chamar de seu reino mediado ou teocrá-
tico. Segundo J. Dwight Pentecost, que descreveu o dilema, foi isto:

356
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

E m t o d a a E sc ritu ra p a r e c e h a v e r u m a c o n tr a d iç ã o n a lin h a d e
r e v e la ç ã o c o n c e r n e n t e a o re in o s o b r e o q u a l D e u s g o v e r n a . P o r
u m la d o , o re in o é visto c o m o e t e r n o e, p o r outro, c o m o t e m p o ­
r á rio , c o m d e fin id o início, p r o g r e s s o e térm in o . N o v a m e n t e e le
é d e s c r it o tanto c o m o u n iv e rs a l c o m o lo c a l. H á d o is tip o s d e
a d m in is tra ç ã o : a a d m in is tra ç ã o d ire ta d a s o b e r a n ia d e D e u s
e a a d m in is tra ç ã o in d ire ta p o r m e io d e s o b e r a n o s n o m e a d o s .
T o r n a -s e , a ssim , n e c e s s á r io v e r q u e o r e in o s o b r e o q u a l D e u s
g o v e r n a te m d o is a s p e c t o s s e p a r a d o s , o e t e r n o e o t e m p o r á ­
rio , o u n iv e rs a l e o lo c a l, s e m in t e r m e d iá r io s e o r e g i d o p o r
in t e r m e d iá r io s .7

No passado, a forma usual de demarcar essa distinção era


designando o reino eterno como reino de Deus, e o programa
terreno, como o reino do céu. É um prazer notar que estamos agora
bem além desse estágio na discussão.
Por exemplo, John E Walvoord comentou:

E m b o r a o s d is p e n s a c io n a lis t a s te n h a m a t e n d ê n c ia d e e n fa tiz a r
a e x p r e s s ã o r e in o d o c é u r e la c io n a n d o -o a o futuro re in o m e s ­
siân ico , o te rm o t a m b é m s e a p lic a a o re in o n a p r e s e n t e e r a
[...]. É t a m b é m v e r d a d e q u e o r e in o d e D e u s é u s a d o tanto
p a r a a p r e s e n t e e r a c o m o p a r a o re in o m e s s iâ n ic o . E m o u tra s
p a la v r a s , n e m a e x p r e s s ã o r e in o d e D e u s n e m r e in o d o c é u s ã o
e m si m e s m a s te rm o s té c n ic o s q u e s e a p liq u e m a o re in o m e s ­
siâ n ico . N o c o n te x to d e c a d a v e r s íc u lo p o d e s e r d e t e r m in a d o
s e é u m a r e f e r ê n c ia à fo r m a p r e s e n t e d o r e in o o u d o futuro
r e in o m e s s iâ n ic o .8

J. Dwight Pentecost concordou:

O s p r é -m ile n a r is t a s e s tã o a c o s t u m a d o s a d e s i g n a r o re in o
e t e r n o c o m o o re in o d e D e u s e o p r o g r a m a te rre n o c o m o o
r e in o d o c é u . T al d is tin ç ã o c a t e g ó r ic a n ã o p a r e c e e s ta r a p o i a d a
p e l o u s o b íb lic o . A m b o s o s te rm o s s ã o u s a d o s c o m r e s p e it o a o
r e in o e t e r n o (M t 6.33 c o m 18.3-6; 7.21 e 19.14 c o m M c 10.14).
A m b o s o s te rm o s s ã o u s a d o s c o m r e f e r ê n c ia a o futuro re in o
m ile n a r (M t 4.17 e M c 1.14,15; cf. M t 3.2; 5.3,10; 6 .1 0 ;...). E os
d o is te rm o s s ã o u s a d o s c o m r e f e r ê n c ia à fo r m a p r e s e n t e d o
r e in o (M t 13.11; M c 4.11; Lc 8 .1 0 ). A d ife r e n ç a n ã o e stá n o s
te rm o s, m a s e m s e u u s o n o c o n te x to .9

357
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

A única nota discordante veio bem no início da citação de


Pentecost, e aqui se encontra a dificuldade deste capítulo. O uso
diferencia somente dois aspectos do único reino, ou temos duas
propostas separadas do reino? Qual é o nível de continuidade ou
de descontinuidade entre esses “ aspectos” duplos do reino de
Deus? Se as principais partes para discussão agora admitem (e
corretamente assim) que as expressões reino de Deus e reino do
céu sejam usadas de forma intercambiável, e além disso, se essas
expressões podem se referir tanto a um reino temporário como
a um reino eterno, a um reino presente como futuro, que necessi­
dade temos de mais discussão? Não podem os agora declarar que
existe um programa de Deus com vários aspectos: um temporário
e um eterno? Não podem os declarar que o reino de Deus é um e
que seu propósito nesse reino é um, em bora exista um propósito
mais amplo, tanto em determinação como em cumprimento, que
se relaciona com a restauração de Israel e com a salvação de todo
que crê?

O REINO MEDIADO OU TEOCRÁTICO SOB ANÁLISE

Ainda que acreditemos que o debate terminou e que lutemos


pelo m odelo apontado no final do parágrafo anterior como sendo a
norma bíblica, a discussão com nossos irmãos dispensacionalistas
perm anece desta forma: Deus ofereceu um reino mediado ou teo-
crático que estava limitado somente ao Israel nacional? Por outro
lado, nosso debate com nossos irmãos da aliança perm anece desta
forma: desde que o NT conhece apenas um reino, esse reino foi
prometido a Davi e Israel, cumprido na história ou transcendeu de
tal forma a se tornar a propriedade única da igreja? Além disso, seria
verdade que qualquer mescla dos aspectos temporários, materiais
ou políticos do antigo reino teocrático com o reino eterno de Deus
é uma fantasia enganosa de fanáticos quiliastas que reduziríam e
estreitariam a soberania de Deus a restrições mundanas e temporá­
rias em formas não aprovadas pela Escritura?
Se qualquer progresso precisa ser feito em discussões sobre
a magnitude da continuidade ou descontinuidade no reino de Deus,
dois assuntos separados precisarão ser enfrentados exegetica-
mente: o caso da teoria do reino postergado e o caso da restauração
de Israel. Somente então poderem os retornar ao m odelo do único
reino de Deus que já demos em forma programática.

358
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

Em que sentido, então, o reino estava “ próxim o” ? Ele foi


declarado estar iminente e pendente exatamente porque a Israel,
no século I d.C., foi feita a oferta de aceitar Jesus como seu rei e
verdadeiro Messias? Teria o Messias introduzido o reino imediata­
mente se o povo judeu o tivesse aceitado como rei? Este é o encargo
do pré-milenarismo dispensacionalista e da teoria do reino pos­
tergado. O argumento dos dispensacionalistas é que houve essa
oferta condicional do rei e seu reino aos judeus do século I.
Esse reino, porém, dependia da aceitação dos judeus? Deus
condicionou o imediato estabelecimento de seu reino no século I
d.C. à aceitação da nação de Israel, a quem ele havia anteriormente
feito as promessas do reino davídico? E, quando Israel deixou de
crer, ele então “ postergou” o reino político?
O caso dessa postergação se apoia em textos extremamente
difíceis, mas importantes. Por exemplo, Jesus respondeu à mulher
cananeia: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de
Israel (Mt 15.24). Poucas declarações de nosso Senhor têm deixado
tão perplexos os intérpretes quanto esta. Nosso Senhor pareceu
im piedoso demais com essa mulher gentia que suplicou: Senhor,
Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente
endemoninhada (v. 22). A resposta de Jesus foi: Não é bom tomar o
pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos (v. 26), ao que ela, b ri­
lhantemente, replicou: Sim, Senhor, porém os cachorrinhos com em
das migalhas que caem da mesa dos seus donos (v. 27).
Esse diálogo de nosso Senhor com a mulher cananeia revela o
fato de Jesus simplesmente manter a ordem e os direitos especiais
concedidos a Israel (o evangelho... é o p o d e r de Deus para a salvação
de todo aquele que crê; p rim e iro do judeu e também do grego
(Rm 1.16, destaque do autor). Esta ordem foi também a base da
pregação de Pedro no dia de Pentecoste. Israel deveria reconhe­
cer seu Messias, porque para vós outros é a promessa, para vossos
filhos e para todos os que ainda estão longe (= gentios; cf. Ef 2.13),
isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar (At 2.39). Note a
ordem novamente. Da mesma forma Pedro, pregando à porta do
templo chamada Formosa, proclamou: Tendo Deus ressuscitado seu
Servo, enviou-o p rim e ira m e n te a vós outros para vos abençoar, no
sentido de que cada um se aparte das suas perversidades (At 3.26,
destaque do autor).

359
C o n t in u i d a d e e d e s c o n t in u id a d e

O convite a Israel (mesmo depois da crucificação do Messias) foi


claro. A nação não devia agir em ignorância como seus líderes haviam
agido; Deus havia cumprido o que os profetas tinham profetizado: o
sofrimento do Messias. Agora era necessário que Israel se arrepen­
desse, convertendo-se para que seus pecados fossem apagados, de
modo que da presença do Senhor viessem tempos de refrigério e ele
enviasse o Cristo, já predeterminado, Jesus (At 3.19,20).
Outra passagem frequentemente citada para demonstrar que
as boas-novas do reino foi anunciada somente a Israel (!) é Mateus
10.5,6. Quando nosso Senhor enviou os Doze de dois em dois,
deu-lhes estas instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis
em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas
perdidas da casa de Israel (Mt 10.5,6). Mais dramática ainda é a
declaração de Albert Schweitzer que se tornou a chave fundamental
para interpretar o ministério de Jesus: ...porque em verdade vos digo
que não acabareis de p ercorrer as cidades de Israel, até que venha o
Filho do homem (Mt 10.23).
Schweitzer, claro, entendeu que essas palavras diziam que
Jesus pensou que no tempo do retorno dos Doze, toda uma nova
era havia começado; mas infelizmente Jesus estava enganado, e
uma nova era nunca chegou. Schweitzer disse: “ Deve-se notar que
o não cumprimento de Mateus 10.23 é a primeira postergação da
parúsia” .10
Schweitzer, entretanto, não está certo. Ele confundiu o envio
citado em Mateus com o de Marcos 6.7-13. O citado por último
incluiu somente Israel e é restrito a um curto período de tempo,
porque os discípulos retornaram depois de completar sua missão
(M c 6.30;cf.Lc 9.1-6,10).Mateus não menciona um retorno, porque
ele ampliou o escopo em Mateus 10 para incluir e ligar tudo à
tarefa missionária.11
De fato, o comissionamento dos Doze, como narrado em
Mateus 10.5-23, é melhor com preendido se dividido em duas partes:
a prim eira parte (v. 5-15) trata da situação imediata no contexto do
próprio ministério de Jesus na Galileia; a segunda parte (v. 16-23)
tem em vista um período posterior quando os apóstolos terão um
ministério mais amplo e serão levados perante governadores e
reis e darão testemunho de Jesus perante os gentios (esp. v. 17,18).
Quando F. F. Bruce resumiu o significado de Mateus 10.23
nesse contexto, entendido nessas duas partes, teve este significado:

360
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

S ig n ific a , s im p le s m e n t e , q u e a e v a n g e li z a ç ã o d e I s r a e l n ã o
s e r á c o m p le t a d a a n te s d o fim d a p r e s e n t e e r a , q u e v e m c o m o
a d v e n t o d o F ilh o d o h o m e m . A p a s s a g e m p a r a l e l a e m M a r c o s
te m u m a d e c l a r a ç ã o s e m e lh a n t e q u e , en tre tan to , le v a m a is
e x p lic it a m e n t e e m c o n s i d e r a ç ã o a e v a n g e li z a ç ã o d o g e n t io e
necessário que primeiro
d o ju d e u : a n te s d o fim d o s t e m p o s é
o evangelho seja pregado a todas as nações (M c 13.10... |cf.]
M t 2 4 .1 4 ).12

Outros dois textos parecem enfatizar uma iminência do reino


de Deus, pois era esperado que este viesse durante o período de
vida dos contemporâneos de Jesus. Eles são:

Em verdade vos afirmo que, dos que aqui se encontram, alguns


há que, de maneira nenhuma, passarão pela morte até que vejam
ter chegado com poder o reino de Deus (M c 9 .1 ).
Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que
tudo isto aconteça (M c 13.30).

O que Jesus tinha em mente - sua ressurreição, o esforço mis­


sionário, sua transfiguração, sua inauguração espiritual do reino de
Deus, a consumação, ou tudo o que foi citado?
Parece claro que os Sinóticos ligaram a prim eira declaração
com a transfiguração de Jesus no monte onde ele deu a “ alguns”
(três de seus discípulos) um vislumbre de sua glória, porque todos
os três evangelhos imediatamente colocam esse evento depois da
mesma declaração registrada em Marcos 9.1. Se a palavra “ alguns”
tem a nuança dos três discípulos, em oposição ao mundo, não está
totalmente claro, mas é certamente possível. A consistência da
conexão dessa afirmação com o episódio, entretanto, é extrema­
mente significativa e útil à nossa compreensão do que Jesus quis
dizer.
A solução para a segunda afirmação do Senhor (... não passará
esta geração sem que tudo isto aconteça) deve ser encontrada no
antecedente de tudo isto. Provavelmente tudo isto é uma referên­
cia aos sinais visíveis do reino mencionados nos dois versículos
imediatos (v. 28,29), não a expectativa que a igreja do século I veria
o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande p od er e glória (Mc
13 2RTJ m
l U a M V

361
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

OBJEÇÕES À OFERTA DO REINO MEDIADO OU TEOCRÁTICO

Concluímos que tais advertências de prioridade na oferta do


evangelho, que claramente anunciou que a salvação foi primeiro
para o judeu e depois para o gentio, não equivalem a uma oferta
condicional de um reino mediado e temporário a Israel no século I.
Não vemos evidência para tal oferta.
De fato, se esse tivesse sido o plano de nosso Senhor, ele
teria ficado indescritivelmente exultante com a reação da multidão
quando ele alimentou cinco mil pessoas. Em vez disso, João 6.15 nos
informa: Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de
arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente, sozinho,
para o monte. Essa seria certamente a reação mais peculiar de nosso
Senhor se estivesse esperando que eles o recebessem como “ rei”
sobre aquele prometido reino mediado. De fato, alguns de seus dis­
cípulos ficaram tão chocados que o abandonaram e já não andavam
com ele (Jo 6.66).
O fato de Jesus ter vindo a Israel como o Messias do AT está
claramente ligado ao reino profético sobre o qual o Messias foi divi­
namente ordenado para governar como rei. Mas não há restrição
lógica ou exegética colocada sobre nós para dividirmos o aspecto
político do papel sofredor que o Messias deve também realizar de
acordo com aquelas mesmas profecias do AT.
A objeção mais séria contra a teoria do reino postergado é ainda
o fato de que qualquer suposta oferta de um reino político aos judeus
no século I vai diretamente contra a necessidade da morte sacrificial
do Messias antes de ele desfrutar as glórias que viriam depois (lP e
1.10-12). A essa objeção, Pentecost dá uma fraca resposta:

E su fic ie n te d e s t a c a r q u e o s p r o fe t a s v ir a m o s e v e n to s à luz
d a r e je iç ã o , n a o r d e m r e a l e m q u e a c o n t e c e r a m , n ã o e m su a
o r d e m p o s s ív e l. E s s a o r d e m n ã o t r a n s g r id e a a u te n tic id a d e d a
o fe rta , m a s m o s tra q u e a r e je iç ã o d a o fe r t a fo i o m e io fix a d o d e
r e a liz a r o fim d e s e j a d o p o r D e u s . 13

Pentecost alega que “ isso não viola a autenticidade da oferta” !


Em minha opinião, isso mais do que viola a autenticidade da oferta;
pois leva nosso perfeito Senhor a um tipo de subterfúgio, ou pelo
menos a um jogo de charadas. Além disso, em nenhum lugar do AT ou
do NT existe uma cláusula feita para a oferta de um reino terreno que

362
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

seria hipoteticamente oferecido prim eiro a Israel (e as palavras em


itálico são os pontos) antes de nosso Senhor se mover de forma secun­
dária (dependente da firme rejeição por Israel de seu reino terreno e
messiânico!) para a cruz. De fato, “ o reino” pregado por João Batista,
nosso Senhor, seus discípulos e Paulo foi o mesmo reino que o AT
pregou. Entretanto, esse não é o problema; ao contrário, o problema
deve ser encontrado em dissociar o reino terreno do reino espiritual.
9

E nesse campo que as linhas de descontinuidade não somente sobre­


pujaram os temas residuais de continuidade, mas também fazem
surgir novos problemas, não de feições propriamente bíblicas.
Recorde durante um minuto o fato de que o tema do reino é
apenas um aspecto do abrangente plano da promessa de Deus.
Lembre-se também que essa promessa incluiu tanto a promessa
material da terra (que cresceu na teologia do reino terreno), bem
como os aspectos espirituais do evangelho (em ti serão benditas
todas as famílias da terra, Gn 12.3; G1 3.8) e o objeto espiritual da fé
para todos os que creem, o descendente de Abraão, o Messias.
A prova para essa última declaração pode ser vista no clássico
texto do AT sobre a justificação pela fé - Gn 15.6. Os exegetas
deixam de notar que essa discussão sobre a fé salvífica foi adiada na
narrativa abraâmica até a discussão de como Deus irá prover esse
prometido descendente, agora que Abraão tem 100 anos e Sara 90
anos de idade. Portanto, o objeto da fé de Abraão não foi meramente
“ Deus” , mas Abraão creu na promessa divina de que aquele descen­
dente não viria do seu servo sírio adotado, Eliezer, mas de sua própria
descendência.14
Nada exigiu o estabelecimento imediato do reino na terra,
exceto coisas como nosso moderno equívoco no que se refere a
como o reino podia estar “ próxim o” ou “ perto” (Mc 1.15) e nossa
confusão em como João Batista pôde ter sido a aparição de Elias
(Ml 4.5,6) -E ,s e o quereis reconhecer, ele [João] mesmo é Elias, que
estava para vir (Mt 11.14) - e o fato de que ele não foi Elias que havia
de vir, porque Elias virá e restaurará todas as coisas (Mt 17.11).
O problema da iminência deve ser resolvido tanto quanto o
próprio AT. Como já destacamos, “ o dia do Senhor” estava “ próxim o”
para quatro profetas diferentes em quatro séculos diferentes. Isso
não significa que eles não foram menos atentos ou esperançosos,
mas que o fato de permanecerem prontos para o aparecimento do
reino foi muito mais importante que o momento do evento. Cada nova

363
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

importante catástrofe ou livramento era apenas mais um prenuncio


ou sinal do grande final que viria no dia do Senhor. Da mesma forma,
o problema de João Batista e Elias pode ser resolvido neste sentido:

João en tão fo i E lias c o m o u m sinal, m a s a in d a a g u a r d a m o s o s


outros E lias e e s p e c ia lm e n t e a q u e le E lia s definitivo, o p ro fe ta ,
an tes d o g r a n d e e te rrív e l D ia d o S e n h o r [ta lv e z c o m o d e s c rito
e m A p o c a lip s e 11] [...]. S o m e n te a q u e le s e n tid o d a d o p o r
r e v e la ç ã o d e D e u s p o d e s e r norm ativo, c o n fiá v e l e a p o lo g e t i-
c a m e n te c o n v in c e n te p a r a u m a a n tig a g e r a ç ã o d e ju d e u s o u
p a r a a n o s s a p r ó p r i a g e r a ç ã o . Insistim os q u e a ig r e ja d e C risto
a d o te o ú n ico s ig n ific a d o d o texto e u m s ig n ific a d o g e r a l p a r a
p r o fe c ia s d o tipo e n c o n tra d o e m M a la q u ia s 3.1 e 4 .5 ,6 .15

E exatamente nesse ponto que tanto a presença como a futu-


ridade do reino podem ser vistas junto com o grau de descontinui­
dade ou continuidade entre os dois Testamentos. O tema do reino é
apenas uma visão microcósmica do assunto maior de continuidade
versus descontinuidade.
Se o argumento que estamos buscando até aqui concorda com
o ensino do texto bíblico, então aquele reino de Deus já irrompeu
na comunidade crente do AT e dos santos da Palestina do século I
d.C. No que concerne que Abraão, Isaque, Jacó, Davi e Jesus foram
tanto sinais como personificações parciais daquele reino de Deus
total e final que viria, naquele sentido o reino havia chegado e o
argumento para a continuidade entre os Testamentos estava plena­
mente justificado. Aquele reino estava principalmente “ dentro” dos
crentes daqueles tempos, no sentido espiritual, embora o ministério
que esses homens da promessa apoiavam aguardou muito mais.
Por outro lado, à medida que muito ainda restou sem cumpri­
mento (como a evidência com relação a um tempo de paz universal,
um tempo quando Israel foi restaurado à sua terra, um tempo de
adoração universal ao Deus vivo, e um tempo quando o Messias
esteve pessoalmente presente na terra entre seu povo), no que diz
respeito a isso houve um forte elemento de descontinuidade entre o
AT e o NT. Quanto a isso, também o reino de Deus permaneceu incom­
pleto e sem sua prevista conclusão como descrita no antigo plano da
promessa de Deus no AT.
O primeiro advento do Messias anunciou a chegada e o irrom-
pimento do aspecto espiritual, interno, do reino de Deus. Esse reino

364
P r o m e s s a s e s p ir it u a is e n a c io n a is d o r e in o

estava no processo de confronto com várias fortalezas e inimigos -


por exemplo, por meio da força missionária da igreja. Mas nem esse
reino nem a igreja haviam visto por enquanto o último dos inimigos
- a própria morte. Entretanto, com o segundo advento do Messias
podia-se ter certeza de que o reino de Deus seria plenamente
realizado em todos os aspectos, incluindo o da entidade geopolítica.
Quanto a esse aspecto, nós ainda aguardamos, trabalhamos e oramos.

O FUTURO REINO TERRENO E ISRAEL

Contudo, se alguém nega que Israel recebeu uma oferta de


um reino terreno, embora a ordem no programa de Deus tenha sido
primeiro para o judeu e depois para o gentio, que tal a reclamação
de muitos teólogos da aliança que falam sobre o cessar e a substitui­
ção do reino terreno, com uma realidade geopolítica restaurada de
Israel em sua terra, por um reino de Deus único, espiritual?
Nosso Senhor não tinha previsto a desobediência e a cegueira
de Israel? Por exemplo, nosso Senhor advertiu quando chorou sobre
Jerusalém: Eis que a vossa casa ficará deserta. Declaro-vos, pois, que
desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que
vem em nome do Senhor! (Mt 23.38,39). E desolada permanecería
a casa de Israel por algum tempo, porque ... até que os tempos dos
gentios se completem, Jerusalém será pisada p o r eles (Lc 21.24).
Embora a ênfase recaia no esperado julgamento (ficar deserta e ser
pisada), o que é aceito como realmente divino é que as promessas
do AT a Israel ainda estão em cena - Jerusalém pertencerá a Israel
quando terminar os tempos dos gentios e quando Israel receber o
que vem (um óbvio uso da terminologia do AT para o Messias) com
bênção em vez de maldições.
r __

E nesse contexto que a mais importante discussão de Paulo


sobre a plenitude ou inclusão total de Israel (Rm 11.12) se torna mais
relevante. De forma muito significativa, Paulo começa em Romanos
9.4,5 reafirmando o fato de que as promessas feitas a Israel não
falharam, pois sua palavra jamais p od e falhar. Temos de admitir:
Israel tropeçou na descrença; mas, se perguntarmos se o tropeço
está “ além da recuperação” (como Paulo fez numa súbita reviravolta
em sua discussão em Rm 11.1), somos informados de que Israel não
pode negar seu chamado no fim dos tempos, apesar de sua deso­
bediência. Mesmo assim, Israel perm anece como a ligação entre

365
C ontinuidade e descontinuidade

o Messias e as nações - pela sua transgressão, veio a salvação aos


gentios (Rm 11.11).
Ficamos ainda mais assustados com a continuação do argumento
de Paulo em Romanos 11.12. Ora, se a transgressão deles redundou
em riqueza para o mundo, e o seu abatimento, em riqueza para os
gentios, quanto mais a sua plenitude (uÀr|p(ü|ia)! Evidentemente Paulo
anseia pelo dia quando o remanescente crente aumentará para
incluir um grande número de judeus. Assim, os que foram rejeitados
por sua descrença deverão, todavia, após um período de fracasso e
rejeição, experimentar a graça de Deus em cumprimento das antigas
promessas feitas aos patriarcas (Rm 9.5,6).
Paulo está preocupado com o fato de a igreja gentia em Roma
não ter conhecimento desse “ mistério” e, assim, tornar-se arrogante
por sua nova posição de preeminência. Consequentemente, ele
afirma sem meias palavras este fato novamente:... que veio endureci­
mento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E
assim, todo o Israel será salvo (Rm 11.25,26a).
Os intérpretes da aliança normalmente se esquivam de rela­
cionar “ Israel” em Romanos 11.26 aos judeus, distinguido-os dos
gentios, embora nenhum deles tenha feito objeção a essa identificação
nacional, étnica, nas dez referências anteriores a “ Israel” em Romanos.
Além disso, Anthony A. Hoekema levanta duas objeções a uma futura
conversão em larga escala da nação de Israel logo antes ou na segunda
vinda de Cristo após a “ plenitude” dos gentios ter se completado.
Ele alega, primeiro, que Romanos 11.26 não diz: E então (indicando a
palavra grega tótc ou erre i to ) todo o Israel será salvo, mas sim emprega
Ka! outqjs - “ dessa forma, assim, desta maneira” , uma palavra que
descreve modo, não sucessão temporal. Hoekema preferiria traduzir:
“ O endurecimento veio em parte sobre Israel, até que chegue a
plenitude dos gentios; e desta forma todo o Israel será salvo” .
Hoekema apresenta objeção também, em segundo lugar, a
limitar essa salvação de Israel ao fim dos tempos, visto que isso não
faz justiça à palavra “ todo” em todo o Israel.16
Essas duas objeções apresentadas por Hoekema à nossa com­
preensão de Romanos 11 já foram satisfeitas por Hendrikus Berkhof
treze anos antes da contestação de Hoekema. Quanto à primeira,
Berkhof respondeu:

N ã o in terp re ta m o s “ e n tã o ” o u “d e p o is d isto ” . M a s n ã o h á ra z ã o
p a r a e x c lu ir a p o s s ib ilid a d e d e q u e e ste “ e a ssim ” s e ja u m evento

366
P romessas espirituais e nacionais do reino

futuro. P au lo está lid a n d o c o m a o r d e m h istórica d a s a tiv id a d e s


d e D e u s, e so m e n te u m p o u c o antes u so u a c o n ju n ç ã o “ a té ” .
Entretanto, é m e n o s claro o q u e o a n te c e d e n te d e “e a ssim ” é . 17

Berkhof continua para ligar o e assim com o raciocínio até que


haja entrado a plenitude dos gentios; e, assim, todo o Israel será salvo.
Um ponto que nem Hoekema nem Berkhof notaram é que esse
“ e assim” está ligado a Romanos 11.27 - Esta é a minha aliança com
eles, quando eu tirar os seus pecados. Isso é nada menos que uma
referência à nova aliança de Jeremias 31.33,34, que é em si mesma
uma expansão das exatas promessas que Deus fez a Abraão e Davi.
Assim, voltamos novamente à doutrina da promessa, que inclui
também a promessa da terra.
Nossa conclusão sobre esses versículos é apoiada pelo falecido
teólogo da aliança, John Murray. Após observar que Romanos 11.26,27
continha citações de Isaías 59.20,21 e Jeremias 31.34, Murray concluiu:

Não d e v e r ia h a v e r c o n tro v é rs ia s e n ã o q u e P a u lo c o n s id e r a
e s s a s p r o fe c ia s d o A T tão a p lic á v e is à re s ta u ra ç ã o d e Is ra e l
[...] E las e n g lo b a m o s e le m e n to s d e u m a e x p a n s ã o d a b ê n ç ã o
d o e v a n g e lh o c o m o P a u lo e n u n c ia n os v e rs íc u lo s 25 e 26. O s
e le m e n to s d e s s a s c ita ç õ e s e s p e c ific a m p a r a n ó s o q u e está
e n v o lv id o n a s a lv a ç ã o d e Is ra e l [...]. A ss im , a c o n s e q u ê n c ia
é q u e a futura re sta u ra ç ã o d e Is ra e l é c o n firm a d a p o r n a d a
m e n o s q u e a s e g u r a n ç a d e p e r t e n c e r à instituição d a a lia n ç a [a
p r o m e s s a p a tria rc a l e d a v íd ic a ].18

O e assim pode não ser temporal, dessa forma Hoekema está


certo nisso; mas é definitivamente sequencial em pensamento e
importância, pois ele liga as promessas das alianças abraâmica-
davídica-nova com a chegada da “ plenitude” ou “ plena inclusão”
(TT\rjpa)|ia) de Israel. Uma vez isso admitido, a unidade e concatena-
ção dos três elementos da promessa (Messias, evangelho e terra)
voltam a entrar em jogo, figurando aqui em todo o quadro.19
A segunda queixa de Hoekema é sobre restringir a “ plena
inclusão” de Israel ao final dos tempos. Porém, mais uma vez há uma
falha em ver como o remanescente de Israel forma o fundamento e é a
garantia daquela grande obra escatológica em seu ato culminante. Na
visão profética do futuro, o remanescente retornará à terra no futuro
(Is 10.20-23) e buscará o Senhor, seu Deus, e a Davi, seu rei (Os 3.5).

367
C ontinuidade e descontinuidade

Paulo também argumentou: Porque, se o fato de terem sido eles


rejeitados trouxe reconciliação ao mundo, que será o seu restabeleci­
mento, senão vida dentre os mortos? (Rm 11.15). A expressão “ vida
dentre os mortos” é mais do que um interesse passageiro. De fato, a
conversão de Israel é vista como “ o presságio imediato de um reino
de glória” .20 Mas esta “ vida dentre os mortos” aponta também para
o restabelecimento da nação de Israel tanto quanto foi apresentada
em Ezequiel 37. Como argumentou Berkhof, não foi isso que Ezequiel
ouviu o Senhor dizer - ... Eis que abrirei a vossa sepultura [...] e vos
trarei à terra de Israel. Porei em vós o meu Espírito, e vivereis; e vos
estabelecerei na vossa própria terra (Ez 37.12,14).
A promessa da terra foi tão eterna e duradoura quanto a
promessa do Messias ou do evangelho. Pode-se eliminar a terra de
ser concebida como uma promessa eterna tão facilmente quanto se
pode eliminar o evangelho de suas disposições eternas. Fazer uma
façanha deve ser tão fácil quanto a outra. Assim, mesmo depois do
último retorno de Israel do exílio babilônico, essa promessa da terra
está sendo reiterada ainda em 518 a.C. em Zacarias 10.6-10. Portanto,
esta antiga palavra continuava sendo entendida como viável, e Paulo
certamente a ela se refere em sua longa discussão em Romanos 9-11.

C o nclusão

O tema do reino de Deus é de fato vasto. Mas seria bom resu­


mirmos alguns de seus pontos salientes antes de tirarmos nossa
própria conclusão.
O reino tem aspecto tanto espiritual quanto material. Quanto
ao aspecto espiritual, o reino de Deus:

N ã o c o n s is te e m c o m e r o u b e b e r ; m a s e m ju s tiç a , p a z e a le g ria
n o E s p írito Santo (R m 14.17);

N ã o c o n s is te e m p a la vra s, m a s e m p o d e r ( I C o 4 .2 0 );

N ã o p o d e se r h e rd a d o p e la c a rn e e p e lo sa n g u e ; n e m o q u e é
p e r e c í v e l p o d e h e r d a r o i m p e r e c í v e l ( I C o 15.50);

Está e n tr e ( è v r ò ç ) v ó s (L c 17.21).

Quanto ao aspecto material, o reino de Deus fala também de


um domínio e de um reino, apesar de todos os argumentos contrá­
rios. Esse aspecto pode ser visto no seguinte:

368
P romessas espirituais e nacionais do reino

M a s , n o s d ia s d e s t e s reis, o D e u s d o c é u su scita rá u m r e in o q u e
n ã o s e r á ja m a is d e s t r u íd o ; e s t e r e in o n ã o p a s s a r á a o u tro p o v o ;
e s m iu ç a r á e c o n s u m ir á t o d o s e s s e s r e in o s , m a s e l e m e s m o s u b ­
sistirá p a ra s e m p r e (D n 2 .4 4 ).

... e e is q u e vinha c o m as n u v e n s d o c é u u m c o m o o F ilh o d o


H o m e m [...] F o i-lh e d a d o d o m ín io , e g ló ria , e o re in o , p a ra q u e
o s p o v o s , n a ç õ e s e h o m e n s d e to d a s as lín g u a s o s e r v is s e m ; o
s e u d o m ín io é d o m ín io e te r n o , q u e n ã o p a ssa rá , e o s e u r e in o
ja m a is s e r á d e s t r u íd o (D n 7 .1 3 ,1 4 ).

... e l e re in a rá p a ra s e m p r e s o b r e a casa d e Jacó, e s e u r e in a d o


n ã o terá fim (L c 1.33).

Esse reino, em certo sentido, é também presente, bem como


futuro. Esse é o caso para continuidade entre o Antigo e o Novo Testa­
mentos. Algumas evidências para sua presença atual neste tempo são:

E n o s lib e r t o u cppuaaTO [t e m p o a o ris to m a r c a n d o o t e m p o d a


c o n v e r s ã o ] d o i m p é r i o d a s trevas e n o s tra n sp o rto u p a ra o r e in o
d o F ilh o d o s e u a m o r ( C l 1.13).

P o r isso, r e c e b e n d o TTapaXappávovTcç [p a rtic íp io p r e s e n t e ativo,


nom inativo, m a sc u lin o p lu ra l r e la c io n a d o a o v e r b o p r in c ip a l
c x ^ iic i', u m v e r b o n o te m p o p r e s e n t e ] n ó s um r e in o in a b a ­
lá vel, r e te n h a m o s a graça, p e l a q u a l s ir v a m o s a D e u s d e m o d o
a g ra d á vel, c o m r e v e r ê n c ia e sa n to t e m o r (H b 12.28).

Eu, João, irm ã o v o s s o e c o m p a n h e ir o na tribulação, n o r e in o e na


p e rs e v e ra n ç a , e m Jesus, a c h e i-m e na ilha ch a m a d a Pa tm os (A p 1.9).

A t e n d e i v ó s , p o is , à p a r á b o l a d o s e m e a d o r . A to d o s o s q u e
o u v e m a p a la v ra d o r e in o [...] e a c o m p r e e n d e ; e s t e frutifica
e p r o d u z a c e m ; a s e s s e n t a ; e a trinta p o r u m (M t 1 3 .1 8 ,1 9 ,2 3 ).

S e ,p o r é m , e u e x p u ls o d e m ô n io s p e l o Espírito d e D e u s, c e r ta m e n te
é chegado [êc^Gacrcv, “c h e g a r a, c h e g a r s o b r e ” , n ã o èyyíCto, q u e
sig n ific a “c h e g a r p e r t o ”] o r e in o d e D e u s s o b r e v ó s (M t 12.28).

Contudo, certamente esse reino está no futuro. Aqui está o caso


para descontinuidade entre os Testamentos. As evidências são:

N e m to d o o q u e m e d iz: S en h or, S e n h o r ! en tra rá n o r e in o d o s


c é u s [...]. M u i t o s ,n a q u e l e d ia ,h ã o d e d iz e r -m e :S e n h o r , S e n h o r!...
(M t 7 .2 1 ,2 2 ).

369
C ontinuidade e descontinuidade

E, e n tã o , virá o fim, q u a n d o e l e e n t r e g a r o r e in o a o D e u s e Pai,


quando h o u v e r d e s t r u íd o to d o p r in c ip a d o , b e m com o toda
p o t e s t a d e e p o d e r ( I C o 15.24).

C o n ju r o -t e , p e r a n t e D e u s e C r is t o Jesus, q u e h á d e ju l g a r v iv o s
e m o r t o s , p e l a su a m a n ife s ta ç ã o e p e l o s e u r e i n o (2 T m 4 .1 ).

... A g o r a v e i o a sa lva çã o, o p o d e r , o r e in o d o n o s s o D e u s e a
a u to r id a d e d o s e u C r i s t o ;p o i s fo i e x p u ls o o a c u s a d o r d e n o s s o s
ir m ã o s ( A p 12.10).

Podem esses duplos aspectos do reino sendo tanto espiritual


como material, presente e futuro, relacionados com o Messias e a
restauração do povo de Israel à terra, bem como relacionados ao
ministério presente e à obra missionária da igreja, ser englobados no
conceito de um único reino de Deus? Nós cremos que sim e, de fato,
estão unidos nas descrições bíblicas que aqui analisamos.
Não podem os concordar que o reino davídico, mediado,
terreno e político foi oferecido aos judeus dos dias de Jesus até um
momento decisivo da história em Mateus 12.14,15.21
Deve ser lembrado que esse contraste foi originariamente
baseado na distinção agora e geralmente reconhecida como
obsoleta entre o reino do céu e o reino de Deus.22 Mas foi também
afirmado que “ os temas da salvação e do reino cobrem amplamente
diferentes campos da doutrina bíblica” ;23 muito incomum, de fato,
que “ duas revelações distintas foram dadas a Paulo” .24 E “ Cristo
ministrou somente aos judeus durante parte de sua vida” .25 Esses
dois aspectos do reino (i.e., espiritual e político)” , continuou Chafer,
“ não podiam existir lado a lado” .26
r

E, porém, verdade que Mateus 1-12 contém a mensagem de


Jesus de um reino terreno, político, mediado e davídico oferecido
exclusivamente aos judeus? O que diremos sobre a pregação de nosso
Senhor sobre as boas-novas do reino (Mt 4.23; 9.35) que, se está no
início do seu ministério na Judeia (e está), é contemporâneo com sua
definição desse evangelho dado a Nicodemos em João 3? As pessoas
entraram para aquele reino pelo novo nascimento e pela obra do
Espírito Santo. Nenhuma outra explicação é possível; assim, os temas
da salvação e do reino não são de todo “ amplamente diferentes” .
Se nosso Senhor ministrou somente aos judeus até Mateus 12,
então por que o episódio de sua conversa com o centurião romano
(não judeu) está colocado em Mateus 8.5-13? Até mesmo o encontro

370
P romessas espirituais e nacionais do reino

de nosso Senhor com a mulher samaritana em João 4.39-43 se ajusta


cronologicamente nesse período de tempo do ministério inicial de
Jesus na Judeia?
O reino de Deus é um conceito tanto soteriológico como esca-
tológico. Tanto ele é presente (em parte) como futuro (em sua totali­
dade). Recusa-se a abandonar as promessas dadas a Davi e à nação
de Israel ou a excluir os gentios e a presente inauguração daquele
governo e reino de Cristo em seus redimidos, ou seu corpo, a igreja.
Como, então, pode o único propósito de Deus estar rela­
cionado ao único reino de Deus, considerando tal dualidade de
aspectos como apoia o texto bíblico? Admitido que a declaração
mais ampla do propósito de Deus deve ser encontrada em seu plano
da promessa do qual o reino é apenas uma característica, pode esse
propósito no reino de Deus ser ilustrado por um modelo? Cremos
que pode, da seguinte forma:

O PROPOSITO DO REINO DE DEUS

II. B. C u m p r im e n t o final:

II. A . A s p e c t o m a is restrito d o
p r o p ó s it o d e D e u s :

I. B. C u m p r im e n t o final:

I. A . A s p e c t o m a is a m p lo d o
p r o p ó s it o d e D e u s :

Assim, o reino de Deus engloba tudo em um único plano,


governo, autoridade e domínio, embora possamos isolar, com os
propósitos de discussão, os aspectos político/espiritual, terreno/
celestial, salvífico/davídico, presente ou futuro desse reino.

371
C ontinuidade e descontinuidade

Se nosso Senhor amarrou o homem forte e anunciou que seu


reino já veio, ele pode apenas ser considerado como o primeiro
estágio de um processo em andamento e como um sinal do cum­
primento final que ainda está por vir. Nesse sentido, nem a igreja
nem as forças do mal de nossos dias já viram algo comparado ao
que veremos quando nosso Senhor finalmente aparecer em toda a
sua glória, poder e autoridade e estabelecer seu domínio universal
sobre tudo.
Temos de admitir que não se deve confundir a presença real
e o poder do reino em sua forma inicial, embrionária e simbólica
com o esplendor e plenitude da teofania naquele dia do Senhor,
quando o Messias estabelecer seu reino eterno. Fazer isso é contrair
a escatologia na soteriologia e crer que a justiça final, o poder sobre
todas as enfermidades e o novo êxodo do povo de Deus já foram
entregues à igreja para sua imediata implementação em nosso
tempo, sem sequer um indício de que restou algum trabalho para o
Messias naquele terrível, mas glorioso dia de sua aparição.
Não podem os abrir mão ou da nossa expectativa de um visível
reino de Deus com uma nação de Israel restaurada ou da nossa
segurança que, pela fé, judeus e gentios já começaram a experi­
mentar os poderes da era vindoura, embora possam ser em brio­
nários e rudimentares. Mas o reino de Cristo perm anece um único
reino em toda a sua história passada, presente e futura. É o governo,
o reino e o domínio de Deus sobre todos os seres, todas as nações e
toda a criação: atualmente em pequenas porções de realização, mas,
finalmente, sem nenhuma exceção em toda parte do Universo.

372
Epílogo

John S. Feinberg

ara os que estão familiarizados com os assuntos discutidos

P neste livro, é óbvio que os ensaios precedentes contêm


algumas novidades, assim como uma básica continuidade
com posições históricas tradicionais. Considero muito importante
observar quanto algumas posições teológicas fundamentais
foram modificadas. Por exemplo, as que, neste livro, representam
o dispensacionalismo certamente sustentam essa visão de uma
forma muito m oderada em comparação ao dispensacionalismo
da antiga Bíblia de Referência Scofield. Da mesma forma, uma
comparação dos artigos dentro do m olde reformado mostra
algumas m odificações genuínas daquela posição (cf., p. ex., artigo
de Van G em eren ).
Essas modificações me sugerem algo muito encoraja-
dor. É muito evidente que participantes de ambos os lados desta
discussão estão ouvindo seriamente o que os estudiosos do outro
lado do assunto estão dizendo. Embora os autores neste volume não
C ontinuidade e descontinuidade

tivessem o benefício de ver o artigo oposto ao deles antes de escre­


verem, os ensaios sugerem um diálogo genuíno entre dois lados.
Ao concluir este volume, eu não gostaria, de forma alguma,
tirar os ensaios do centro das atenções. Não obstante, creio que
várias conclusões podem ser tiradas dos ensaios e que, no conjunto,
eles levantam questões para mais estudo. Primeiro às conclusões.

C o nclusõ es

Com base em uma análise dos ensaios neste volume, fica claro
que em alguns assuntos os dois lados estão muito próximos e, em
outros, ainda há grande distância. Sem dúvida, a área de menor grau
de diversidade de opinião é o assunto da salvação. Am bos os lados
concordam que existe apenas um meio de salvação ensinado na
Escritura. Embora os representantes de ambos os lados apresentem
seus pontos de vista de uma forma ligeiramente diferente, há acordo
básico sobre assuntos centrais. Por outro lado, há grande diversi­
dade de opinião representada pelos ensaios relacionados à lei e às
promessas do reino. Isso não quer dizer que os ensaios neste volume
representam todas as posições possíveis sobre esses assuntos, mas
que as posições apresentadas estão em absoluto contraste.
Segundo, todos os autores concordam que a relação dos
Testamentos é tanto de continuidade como de descontinuidade.
Mesmo os que veem mais continuidade, veem descontinuidade e
vice-versa. E penso que o leitor acharia que nossos ensaístas têm
muitas características de outros escritores sobre esses temas. Seria
difícil encontrar exemplos de posições que sustentem absoluta con­
tinuidade ou absoluta descontinuidade entre os Testamentos.
Terceiro, além do conteúdo dos ensaios, este volume oferece
exemplos de diferentes métodos de fazer teologia. Alguns dos
ensaístas confiam de maneira expressiva na análise histórica, outros
usam o que poderia ser denominado de uma abordagem mais filo­
sófica, enquanto ainda outros assumem uma abordagem decisiva­
mente (quase exclusivamente) exegética. Embora o tema particular
da área designada (lei, povo de Deus, sistemas teológicos, p. ex.) de
certa forma determine a metodologia, os autores que trabalham no
mesmo tema nem sequer usam a mesma metodologia.
Talvez a diferença mais interessante metodologicamente
esteja nos dois ensaios sobre hermenêutica. A abordagem de

374
E pílogo

Robertson é quase inteiramente exegética, permitindo ao leitor


ver como uma porção-chave da Escritura é interpretada por um
integrante do campo da continuidade. Quando o leitor considera a
exegese de Robertson, pode ver vários princípios hermenêuticos
implícitos (algo característico da interpretação da continuidade)
em ação. Por outro lado, Paul Feinberg começa com uma declaração
explícita dos princípios hermenêuticos com os quais ele está com­
prometido e então os demonstra em ação em sua análise de uma
passagem específica. O resultado vai além de qualquer resposta
sobre o conteúdo dos princípios hermenêuticos em pregados pelos
dois lados na discussão. Vemos conclusões diferentes sobre herm e­
nêutica, assim como diferentes métodos de especulação teológica.
Considero o livro muito útil exatamente por fornecer diferentes
modelos para fazer teologia, e é claro, por tudo o que é dito sobre
o assunto da continuidade e descontinuidade entre os Testamentos.
Finalmente, penso que é possível ver, com base nos ensaios,
que a teologia evangélica dificilmente é monolítica. Os ensaios
demonstram grande diversidade de pontos de vista sobre esse
assunto central da relação entre os Testamentos e, todavia, todos os
autores são totalmente evangélicos em seus compromissos teológi­
cos. Tudo isso sugere que este assunto particular, embora impor­
tante, não precisa ser um teste de ortodoxia. Homens piedosos
defendendo as mesmas doutrinas fundamentais podem discordar
uns dos outros, em assuntos como este e ainda permanecerem
dentro do campo da ortodoxia. E os ensaios também ilustram, creio
eu, que podemos discordar de forma confortável sem quebrar rela­
cionamentos, embora os assuntos em jo go sejam cruciais para nossa
compreensão da palavra de Deus.

M a is a s s u n t o s p a r a um f u t u r o e s t u d o

Embora os ensaios neste volume avivem o foco do debate


sobre continuidade e descontinuidade e solucionem alguns assuntos
separando os dois lados, eles também sugerem mais áreas para
uma futura pesquisa. Poder-se-ia desejar que os autores tivessem a
oportunidade de escrever respostas e contrarrespostas aos ensaios
opostos sobre seus temas. Se isso fosse feito, estou certo de que
alguns dos itens que vou mencionar seriam tratados. Nessas cir­
cunstâncias, reconheço a maneira pela qual os ensaios preparam o
caminho para um estudo futuro.

375
C ontinuidade e descontinuidade

Um assunto inicial é sugerido pelos ensaios sobre o povo


de Deus. Os dois ensaios sobre esse tema fornecem uma análise
rigorosa de vários assuntos e passagens que entram em discussão.
Mas os ensaios sugerem que é preciso mais para chegar a uma
clara definição de igreja. Obviamente, pode-se definir o conceito
unicamente em termos soteriológicos (i.e., a igreja é o corpo dos
redim idos). Assim, uma vez que Deus sempre salvou os homens
- da mesma maneira, a questão de se a igreja está no AT torna-se
assunto morto. Por outro lado, pode-se acrescentar tantos requisitos
diferentes para a constituição de um organismo ou a organização
de uma igreja que não há m eio possível de defen der a existência
da igreja no AT. Novamente, o assunto da presença da igreja no AT
torna-se assunto morto. Para colocar a questão de forma um tanto
diferente, pode-se sempre encontrar diferenças entre o povo de
Deus no AT e no NT (a continuidade é prontamente admitida pelas
pessoas). A questão é se essas diferenças revelar-se-ão caracterís­
ticas que definem o que constitui a igreja.
A distinção filosófica entre a condição suficiente e necessária
é útil neste ponto. Uma condição necessária é uma circunstância
em cuja ausência um evento não poderia ocorrer, ou dado objeto
não poderia existir. Uma condição suficiente é uma circunstân­
cia que, sempre que ocorre, garante que um evento ocorra ou um
objeto exista.1Quando isso se relaciona à igreja, se perguntarmos
o que deve ser verdade a respeito de um organismo/organização
para torná-lo uma igreja, indagamos então pelas condições de uma
igreja. Se, por outro lado, dizemos que um organismo/organização
é uma igreja, então podem os perguntar quais características fazem
dela uma igreja. Fazendo essa indagação, pedim os as condições
necessárias de uma igreja. A o especificar tanto as condições
necessárias como as suficientes em relação a um objeto ou evento,
define-se esse evento ou objeto. Os ensaios neste volume sobre
o povo de Deus sugerem que há mais trabalho a ser feito para
estabelecer uma definição. Sem acordo sobre a exata definição,
suspeito não termos a probabilidade de chegar a um acordo sobre
a existência ou não da igreja no AT.
Um segundo assunto sugerido para mais discussão é a questão
do lugar de Israel no plano de Deus. Este assunto afeta nossa com­
preensão dos sistemas teológicos de continuidade e desconti­
nuidade, nossa compreensão da relação do povo de Israel com o
povo de Deus em ambos os Testamentos e nossa compreensão das

376
E pílogo

promessas do reino e a perspectiva do seu cumprimento. Igualmente,


a forma como se com preende o lugar de Israel no programa de
Deus tem implicações imediatas para os princípios hermenêuticos
usados na interpretação da profecia do AT. Neste volume você viu
várias perspectivas sobre o lugar de Israel no plano de Deus. Todo
esse assunto m erece mais estudo tanto em relação a si mesmo como
em relação à sua relevância com toda a questão da continuidade e
descontinuidade.
Finalmente, é difícil ler os artigos neste volume sem ficar
impressionado com a importância da hermenêutica de alguém.
Uma das marcas da teologia evangélica é o compromisso com a
hermenêutica literal, histórico-gramatical. É muito nítido que todos
os nossos ensaístas têm esse compromisso. Mas, da mesma forma
que está claro, esse fato não assegurou uniformidade de pontos de
vista sobre esse assunto da relação dos Testamentos. Essa diversi­
dade d e posições sugere a existência d e com preensões diferen­
tes da hermenêutica literal. Algumas questões que m erecem mais
estudo são: O que é a interpretação analógica e a tipológica, e,
quando elas existirem, serão exem plos de interpretação literal?
Adm itido que ambos os lados acreditam na revelação progres­
siva e creem que em certo sentido o AT contém a sombra e o NT
a realidade, com o aquelas convicções influenciariam nossa inter­
pretação dos Testamentos? O uso do AT pelo NT é prescritivo ou
somente sugere métodos d e interpretação ao exegeta bíblico? E
seja qual for o(s) m étodo(s) de interpretação que se use para os
dois Testamentos, pode-se demonstrar que eles mantêm a integri­
dade de cada Testamento? O leitor encontrará várias respostas a
estas questões no trabalho de nossos ensaístas, mas certamente o
tema da hermenêutica não foi esgotado.
A investigação desses e outros assuntos hermenêuticos
é uma tarefa meritória, mas contém uma ressalva. Se quisermos
chegar a uma compreensão uniforme do que são hermenêuticas
literais e como devem ser aplicadas, devem os aproximar mais
nossos pontos de vista sobre o assunto de continuidade/descon-
tinuidade. Mas duvido que o debate cesse. O ponto é que mesmo
para aqueles que sustentam princípios idênticos de interpretação,
a aplicação desses princípios não será necessariamente a mesma.
Teologizar e fazer ex egese são, afinal, empreendimentos concei­
tuais humanos, e às vezes as pessoas simplesmente não veem as
coisas da mesma forma, independentem ente de quanto concordem

377
C ontinuidade e descontinuidade

acerca da m etodologia adotada para investigar um problema.


Nada disso tem o propósito de evitar mais discussões; ao contrário,
o objetivo é lembrar que temos que ser realistas, enxergando até
onde o acordo p od e chegar.
Em suma, os ensaios neste volume abrem alguns caminhos
novos, esclarecem muitos assuntos e levantam outras questões
para mais discussão. Por nos ajudar nessas direções, os ensaístas
devem receb er os agradecimentos. Mas ainda há trabalho a fazer.
Devemos continuar nossa reflexão teológica sobre esses assuntos
e, acima de tudo, nesse processo está a necessidade de voltar ao
texto da própria Escritura. Isso não é de modo algum um mau lugar
para nos despedir da nossa discussão, e estou confiante de que
isso nos força a fazer exatamente o que o dr. Johnson faria e nos
diria para fazer.

378
Em homenagem a

S. Lewis Johnson Jr.


Uma homenagem
a S. Lewis Johnson Jr.:
teólogo e pregador

John A. Sproule

S
e fosse perguntado ao dr. Johnson como ele mais gostaria de
ser lembrado, creio que uma de suas respostas seria a que
está refletida no título acima - como um teólogo e pregador
da palavra de Deus. Claro, ele é muito mais. Entre seus colegas e
estudantes, ele é considerado um destacado professor de teologia,
estudos do NT e exegese bíblica. A todas essas disciplinas ele traz
uma rica experiência dos clássicos idiomas, especialmente latim e
grego. Além disso, ele é igualmente proficiente em hebraico bíblico
como em grego do NT.
Todo pregador digno de ser ouvido tem em seu coração a
grande paixão tanto em edificar os “ santos” com a sã doutrina, como
em levar os pecadores ao Salvador. Lewis Johnson faz isso de maneira
ímpar - mesmo hoje, numa época em que a atenção da igreja está
C ontinuidade e descontinuidade

centralizada em celebridades cristãs e personalidades da televisão


frequentemente acompanhadas de muita pregação superficial.
r

E exatamente nessa área que Lewis Johnson me influenciou dema­


siadamente, e eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para expres­
sar-lhe minha gratidão por essa contribuição especial à minha vida no
estudo de duas grandes epístolas do NT: Romanos e Hebreus. Aprendi
mais sobre a teologia e a pregação dessas duas grandes cartas com
o dr. Johnson do que com qualquer outra pessoa. Suas aulas no Dallas
Theological Seminary de exegese dessas duas epístolas eram o ponto alto
de todo estudante ao se especializar em estudos do NT. Frequentemente,
após uma palestra, nós, estudantes, saíamos boquiabertos. Que combi­
nação de cuidadosa exegese e pensamentos inspiradores [extraídos] do
texto! Durante aquele mesmo período de tempo, Lewis expunha sema­
nalmente aquelas mesmas epístolas na Believers Chapei, em Dallas. Seu
ensino tornou-se parte da estrutura do meu próprio pensamento. Se
é verdade que um estudante torna-se como seu professor, não posso
pensar num modelo melhor do que Lewis Johnson.

Jo h n s o n , o teó lo g o

Aqui está a “pulsação” de S. Lewis Johnson. Todo esforço


acadêmico despendido deve ser direcionado em última análise para
a disciplina da teologia, seja ela sistemática, bíblica ou não. Certa
vez me queixei com Lewis de que o seminário onde lecionava queria
que eu ensinasse teologia em vez de grego do NT. Ele respondeu que
havia estudado e ensinado grego durante vinte anos apenas para se
preparar para ensinar teologia! Fui adequadamente repreendido.
Seus esforços nunca cessam. Ele passou muito tempo no exterior
estudando teologia nas grandes universidades de Edimburgo e
Basiléia. Todavia, nunca perde seu senso prático. Para ele, teologia é
para ser pregada! E isso deve ser feito com todo o vigor e fervor da
alma. Embora seus interesses sejam amplos, nunca pensei em Lewis
sendo arrebatado pela teologia especulativa ou filosófica. Eu penso
que seu coração ainda está com a dogmática. A tragédia hoje, sentida
de forma penetrante pelo dr. Johnson, é o visível desinteresse na
pregação da doutrina na igreja. Às vezes ele deve sentir-se como um
homem “ ignorado” . Como uma presa na loucura da moda quanto ao
entretenimento e a psicologia “ cristã” , a igreja está pior justamente
por causa disso.

382
U ma homenagem

Fortalecendo toda a sua teologia, claro, está o forte fundamento


da exegese. Poucos homens o fazem melhor que ele. Isso também é
parte do grande legado que ele tem passado a seus alunos.

J ohnson, o preg ado r

Como se observou, para Lewis Johnson, teologia é para ser


pregada. Se a teologia é a sua pulsação, então a pregação exposi-
tiva é seu “ sangue da vida” . Não existe torre de marfim para ele. As
igrejas devem ser centros de instrução doutrinária - tanto teológica
quanto ética, com forte ênfase em cristologia e soteriologia.
Numa época em que muitos estão questionando ou minimi­
zando a importância da cristologia no AT, Lewis está fielmente pro-
clamando-a. Tive o privilégio de ouvi-lo ministrar a palavra de Deus
semanalmente na Believers Chapei, em Dallas, de 1965 a 1969, e, em
diferentes circunstâncias, muitas vezes desde então. Ele tem grande
talento para exaltar Cristo em tudo o que prega, tanto do AT como
do NT, e o faz com um manejo primoroso do texto bíblico. Embora
adequadamente cauteloso sobre a abordagem do sensus plenior,
Lewis nunca é tímido a respeito de ver Cristo no AT. Ele nunca terá
de ouvir de seu Senhor a censura de Lucas 24.25-27. O desejo de
exaltar Cristo em todas as suas pregações tem levado Lewis a gastar
muitos anos no estudo do uso do AT no NT. Embora tenha escrito
uma pequena obra sobre este tema, minha oração é que Deus lhe
conceda o tempo e a energia para produzir mais sobre este assunto.
A igreja precisa disso desesperadamente.
Sua posição teológica é decisivamente calvinista. Isso também
está refletido em muito do que ele prega, mas não à custa do
ímpeto evangelístico que p od e ser encontrado em cada um de seus
sermões. Cristo e a cruz estão bem no centro de sua pregação, e
nenhum descrente pode ouvir sua pregação sem conhecer a graça
maravilhosa do nosso Deus em salvar pecadores através da obra
de Cristo na cruz. Em seus anos de ministério na Believers Chapei
e em outros lugares, centenas vieram a Cristo por intermédio da
pregação e do ensino de Lewis Johnson.
Lewis traz ao evento da pregação um imenso acervo de
conhecimento de seu forte fundamento em literatura inglesa e nos
clássicos. Tendo-se convertido e educado sob a pregação de Donald
Grey Barnhouse, ele enriquece cada mensagem com poderosas

383
C ontinuidade e descontinuidade

ilustrações daquele acervo que possibilita ao ouvinte recordar-se dos


pontos-chave de sua mensagem mesmo depois de muito tempo. A
esse respeito, seus sermões e sua metodologia servem como exce­
lentes modelos ao ambicioso jovem pregador que se esforça em se
comunicar com sua audiência. Seu exemplo me levou pessoalmente
a ler mais da literatura clássica e tentar ampliar meus próprios hori­
zontes com uma nova visão para melhorar minha pregação, além do
benefício pessoal decorrente.
O impacto da pregação desse homem é evidente das cons­
tantes demandas por seus vídeos e manuscritos que surgem de
seu ministério na Chapei. Em minha opinião, os sermões de Lewis
Johnson continuarão a existir nas gerações futuras, semelhante­
mente aos de Spurgeon, Barnhouse, Tozer e outros.
Isso conclui esta breve homenagem. Nela foi pedido para com­
partilhar uma ou duas coisas importantes sobre S. Lewis Johnson Jr.
que tenham particularmente impactado minha vida. A estas poucas
observações poderia ser acrescentado sua constância na vida cristã,
sua dedicação ao estudo e à erudição bíblica, seu autêntico senso
de humor, sua humildade genuína (Lewis odeia “ aparecer” ), sua
amizade pessoal e, claro, aquele tom hospitaleiro e cordial do Sul.
Contudo, acima de tudo, para mim, ele é Lewis Johnson, teólogo
e pregador p o r excelência!

384
Uma homenagem a
S. Lewis Johnson Jr.

C. Samuel Storms

elo que conheço de S. Lewis Johnson, desconfio que ele

P esteja um tanto constrangido com esta Festschrift [publicação


comemorativa]. Embora excepcionalmente talentoso e
experiente nas coisas de Deus, Lewis Johnson nunca procurou fama
para si mesmo. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou (IC o 15.10) é
tanto a confissão do homem a quem este livro homenageia como é a
do apóstolo cuja teologia ele ama.
Foi em 1969 que ouvi pela primeira vez Lewis Johnson pregar.
Seu tema, adequadamente, foi a soberania da graça divina na
salvação de pecadores. Nos dezoito anos em que o conheço, amo
e admiro, ele nunca se cansou de proclamar essa verdade, nem eu
de ouvi-lo pregá-la. Durante esse tempo Deus me concedeu uma
oportunidade que poucos tiveram. Não apenas foi privilégio meu
ser aluno do dr. Johnson durante quatro anos no Dallas Theological
Seminary (um privilégio que centenas de seus ex-alunos guardam
C ontinuidade e descontinuidade

no coração até hoje), bem como Deus também graciosamente me


capacitou a servir no ministério pastoral com ele durante oito anos
na Believers Chapei. Não seria surpresa, portanto, que uma breve
declaração pessoal neste livro fosse, de forma alguma, suficiente
para expressar o afeto que tenho por ele ou a gratidão que sinto
pela contribuição que ele deu à minha vida e ao meu ministério.
Lemos com frequência no prefácio de um livro os nomes dos que
contribuíram de alguma forma para o produto final do autor. O
autor, entretanto, é sempre cuidadoso em isentá-los da responsabi­
lidade de quaisquer erros ou infelicidades em sua obra. É apenas
adequado que eu reconhecesse a profunda influência de S. Lewis
Johnson em minha vida, como estou certo que muitos outros alegre­
mente também o fariam. Mas, por favor, não o responsabilize por
minhas falhas.
O espaço me permite mencionar somente algumas coisas de
que mais gosto sobre esse homem. Talvez a amplitude e a profundi­
dade do seu conhecimento venham à mente em primeiro lugar. Não
existem muitos que poderíam ler à primeira vista o NT grego ou latim
antes de sua conversão a Cristo, ou que ensinam com discernimento
im pecável assuntos tão diversos, como a exegese de Apocalipse e a
teologia de Santo Anselmo! Sejam as nuances de um verbo grego ou
as implicações filosóficas da ontológica discussão da existência de
Deus, ele parece sempre falar com autoridade que desafia a norma­
lidade. Mas sejamos honestos e admitamos: S. Lewis Johnson não é
um homem comum. Afinal, quem consegue fazer proezas no campo
de g o lf enquanto fala habilmente sobre os pontos fortes e fracos do
supralapsarianismo?
Tenho certeza de que seus ex-alunos rirão quando eu
mencionar o aperto que a gente sentia na garganta quando nos
atrevíamos a entrar em sua aula despreparados. Com aquele incon­
fundível sotaque charlestoniano viriam as terríveis palavras: “ Sr.
Storms, queira, por favor, analisar a palavra a uaKtcjxiXaioíoaa0ui ” .
Entretanto, embora gramático consumado, Lewis Johnson nunca
olhou para os detalhes gramaticais como fins em si mesmos. Eles
servem, ao contrário, como material para fazer a boa teologia. Ele
não compartilha o desdém pela teologia sistemática tão predom i­
nante em alguns círculos evangélicos hoje. Lembro-me de várias
ocasiões nas quais o dr. Johnson foi acusado de ser “ lógico demais”
em sua compreensão e defesa de doutrinas especiais. Aquilo me
deixou perplexo. Como é possível ser lógico demais? Os métodos

386
Uma homenagem

de Deus, o dr. Johnson costumava me dizer, podem com frequência


ir além da lógica, mas nunca contrário a ela. Deus é frequentemente
incompreensível, mas nunca incoerente.
Suponho que algo devesse ser dito sobre a pregação do dr.
Johnson. A melhor forma de descrevê-la é “ exposição teológica” .
Ele se aflige profundamente com o fato de tão poucos hoje acredi­
tarem na necessidade de pregar sobre teologia. Se Lewis Johnson
deve receb er crédito por dar uma contribuição ao ministério do
púlpito contemporâneo, é no exem plo que ele com eçou tanto
na exposição como na aplicação da doutrina cristã. Milhares de
homens e mulheres cristãos, no mundo todo, se beneficiaram com
as fitas gravadas e com as cópias impressas de seus sermões. E
note-se que a consagrada política da Believers Chapei de distribuir
as mensagens do dr. Johnson gratuitamente é em si um reflexo de
sua profunda e permanente convicção concernente à suficiência
de Deus para todas as coisas. Foi Hudson Taylor que disse: “ A obra
de Deus feita do jeito de Deus nunca fica sem o suprimento de
Deus” . Isso poderia ser dito com facilidade por S. Lewis Johnson,
porque assim ele vive.
Finalmente, é apenas correto que eu deva concluir com o que
todos já sabem. S. Lewis Johnson é calvinista, é a quintessência do
calvinismo. E se lhe for dada a oportunidade de fazê-lo, ele ficará
contente de falar sobre isso a você! Tenho certeza de que, quando
outros pensarem no dr. Johnson, se lembrarão de sua inabalável
lealdade à inerrância e à autoridade da Escritura Sagrada, ou de
sua ênfase na supremacia da igreja local, ou talvez na sua insistên­
cia na excelência em todos os aspectos da vida e do ministério.
Mas eu penso principalmente em seu zelo pelas doutrinas da graça,
doutrinas que ele ama, vive e proclama apaixonadamente a todos
que o ouvem. No que concerne a Lewis Johnson, o calvinismo é
apenas outro nome para o evangelho bíblico, e é a esse evangelho
e ao seu soberano Senhor que ele está e sempre estará comprome­
tido. B. B. W arfield escreveu certa vez:

Q u a n d o a r e lig iã o s e a ju sta r c o m p le t a m e n t e a o n o s s o p e n s a r ,
se n tir e a g ir, e n tã o serem o s v e r d a d e ir a m e n t e c a lv in ista s.
P o r e s s e m otivo, o s q u e tiv e ra m u m v is lu m b r e d e s s a s c o is a s
a m a m a p a ix o n a d a m e n t e o q u e o s h o m e n s c h a m a m d e “ c a lv i­
n is m o ” , à s v e z e s c o m d e s d é m . É p o r is s o t a m b é m q u e e le s s e
a p e g a m ao c a lv in is m o c o m tanto e n tu sia sm o . E s s e m o d e lo n ã o

387
C ontinuidade e descontinuidade

é m e r a m e n t e a e s p e r a n ç a d a v e r d a d e i r a r e lig iã o n o m u n d o :
e le é a v e r d a d e i r a r e lig iã o n o m u n d o até o p o n to e m q u e a
v e r d a d e i r a r e lig iã o s e m a n ife s ta a q u i . 1

Tenho a sensação de que Lewis Johnson está aprovando.


Imagino que algumas pessoas estão pensando que escrevi
palavras por demais elogiosas. Talvez seja verdade. Mas, se tivessem
a oportunidade, teria Timóteo falado menos de Paulo, ou Beza
[Teodoro de] sobre Calvino? Tenho certeza de que nem Timóteo nem
Beza; mas, para mim e incontáveis outros, S. Lewis Johnson tem sido
um Paulo virtual, um Calvino do século XX. E por isso nós o amamos.

388
Notas

C a p ít u l o 1

1O assunto do pleno conhecim ento oferecid o p elo NT em


relação ao AT é levantado p or Douglas J. Moo, “ O problem a do
sensus p le n io r” , Hermeneutics, authority, and canon, Don Carson
e John W ood b rid ge, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1986), p.
175-211.
2J. W.Wenham, Chríst and the Bible (Wheaton: Tyndale, 1972);
R.T. France,/esus and the Old Testament (London: Tyndale, 1971).
3 R. N. Longenecker, Biblical criticism in the apostolic p eriod
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975); E. E. Ellis, PauVs use o f the Old
Testament (Edinburgh: Oliver e Boyd, 1957).
4Shemaryahn Talmon, “The Old Testament text” , The Cambridge
history o f the Bible. From the beginning to Jerome, I (Cambridqe: CUP,
1970), p. 159-99.
C ontinuidade e descontinuidade

s J. N. D. Kelly, Early christian doctrines (N ew York: Harper &


Row, 1958).
6F. C. Burkitt, Church and gnosis (1932), p. 132 (citado em Kelly,
p. 68); J. Knox, Marcion and his influence (London: SPCK, 1942); e E. C.
Blackman, Marcion and his influence (London: SPCK, 1948).
7 Karlfried Froehlich, ed. e trad., Biblical interpretation in the
early church (Philadelphia: Fortress, 1984); e Harry A. Wolfson, Philo,
foundations oírelig iou s philosophy in judaism, christianity, and islam,
2 vols. (Cam bridge: Harvard, 1947).
8M. F.Wiles, “ O rigen as a biblical scholar” , Cambridge history,
I, p. 454-89; sobre os “ sentidos” do texto: G. W. Olsen, “ Allegory,
typology, and the sensus spiritualis. Part 1: Definition and earliest
history” , Com 4 (1977): 161-79; Henri de Lubac, Exégèse mediévale.
Les quatre sens de lEcriture, 4 vols. (Paris: Aubier, 1959).
9 L. Goppelt, Typos (Grand Rapids: Eerdmans, 1982; trad.
do alemão. Orig., 1939); G. W. H. Lampe e W oollcom be, Essays on
typology (London: SCM, 1957).
10M. F. Wiles, “ Theodore of Mopsuestia as representative of the
Antiochene school” , Cambridge history I, p. 489-510.
11 H. F. D. Sparks, “Jerome as biblical scholar” , Cambridge
history, I, p. 510-41.
12 Gerald Bonner, “ Augustine as biblical scholar” , Cambridge
history, I, p. 541-63; R. L. Petersen, “ To behold and inhabit the blessed
country: revelation, inspiration, Scripture, and infallibility. An introduc-
tory guide to Augustine studies, 1945-1980” , TJ4 (Autumn 1983): 28-81.
13R. A. Markus, Saeculum: history and society in the theology o f
St.Augustine ofH ippo (Cam bridge, 1970).
14Jean Leclercq, “ From G regory the Great to St. Bernard” , in: G.
W. H. Lampe, ed., The Cambridge history o f the Bible. The west from
the fathers to the reformation, II (Cam bridge, 1969).
13G. R. Evans, The language and lo g ic o f the Bible (Cam bridge,
1984); Leclercq, “ From G regory the Great to St. Bernard” ; e Beryl
Smalley, “ The Bible in the m edieval schools” , Cam bridge history, II,
p. 197-220.
16 B. McGinn, The Calabrian abbot. Joachim ofFiore in the history
o f western thought (N ew York: Macmillan, 1985); Marjorie Reeves,
The influence o f prophecy in the later middle ages: a study o f joachi-
mism (Oxford: Clarendon, 1969).

390
N otas

17 Beryl Smalley, The study o f the Bible in the middle ages


(Oxford: Clarendon, 1952, ed. rev.)
18 E. R. Fairweather, ed., A scholastic miscellany: Anselm to
Ockham (Philadelphia: Westminster, 1956); Etienne Gilson, Reason
and revelation in the middle ages (New York, 1938); P. Synave, “ La
doctrine de St. Thomas d ’Aquin sur le sens litteral des Ecritures” ,
Rev Bib 35 (1926).
19A atribuição é de Richard Simon. On Lyra: Herman Hailperin,
Rashi and the christian scholar (Pittsburgh: University of Pittsburgh
Press, 1963).
20 Heinrich Bornkamn, Luther and the Old Testament (Philadel­
phia: Fortress, 1969); J. S. Preus,From shadow topromise: Old Testament
interpretation from Augustine to the young Luther (Cambridge:
Belknap, 1969); Roland Bainton, “ The Bible in the reformation” , in: S.
L. Greenslade, The Cambridge history o f the Bible, The west from the
reformation to the present day, III (Cambridge: CUP, 1963), p. 1-37; J. J.
Pelikan, Luther the expositor (St. Louis: Concordia, 1959).
21John Headley,Luther’s viewofchurch history (N ew Haven: Yale,
1963); G eorge H. Williams, The radical reformation (Philadelphia:
Westminster, 1962).
22 E. A. Dowey, The knowledge o f G o d in Calvin’s theology (New
York: Columbia, 1952); R. S. Wallace, Calvin’s doctrine o f word and
sacrament (Edinburgh, 1954); E. G. Rupp, “ Word and spirit in the first
years of the reformation” , ARG 49 (1959): 13-26.
23Heinrich Quistorp, Calvin ’s doctrine o f last things, trad. Harold
Knight (London: Lutterworth, 1955); Brian Bali, A great expectation.
Eschatological thought in english protestantism to 1660 (Leiden: Brill,
1975);R.L.Petersen,“ Preaching in the last days” (Tese de doutorado,
Princeton Theological Seminary, 1985).
24 R. Padberg, Erasmus von Rotterdam: Seine Spiritualitàt
(Paderborn: Bonifacius, 1979); Louis Bouyer, “ Erasmus in relation to
the m edieval biblical tradition” , Cambridge history, II, p. 492-505.
25 H. Heppe, Reformed dogmatics, trad. G. T. Thompson
(London: Allen e Unwin, 1950); H. Schmid, The doctrinal theology
o f the Evangelical Lutheran Church, trad. C. A. Hay e H. E. Jacobs
(Minneapolis: Augsburg, 1961,3. ed. rev.).
26 C. M. E. Eire, War against idols. The reform ed view o f worship
(Cam bridge, 1986); Norman Sykes, “ The religion of the protestants” ,

391
C ontinuidade e descontinuidade

Cambrídge history, II, p. 175-98; sobre o catolicismo: F. J. Crehan, “ The


Bible in the Roman Catholic Church from Trent to the present day” ,
Cambrídge history, II, p. 199-237; K. R. Firth, The Apocalyptic tradition
in reíormation britain, 1530-1645 (Oxford, 1979).
27 J. W oodbridge, “ Some misconceptions of the impact of the
‘Enlightenment’
« on the doctrine of Scripture” , J. W oodbridge e D.
Carson, eds.,Hermeneutics, p. 241-70;W. N eil,“ The criticism and the
theological use of the Bible” , Cambrídge history, II, p. 238-93; G. R.
Cragg, From puritanism to the age ofreason (Cam bridge, 1950).
28 D. Brown, Understanding pietism (Grand Rapids: Eerdmans,
1978), p. 64-82; F. E. Stoeffler, The rise o f evangelicalpietism (Leiden:
Brill, 1965).
29K. Barth, Protestant theology in the nineteenth century (Valley
Forge: Judson, 1973), p. 266-312.
30 C. Welch, Protestant thought in the nineteenth century (New
Haven: Yale, 1972).
31Ibidem, p. 190-240.
32No ambiente americano: E. L. Tuveson, Redeem er nation. The
idea o f America ’s millennial role (Chicago: University of Chicago,
1968); cf. R. G. Clouse, ed., The meaning o f the millenium: four views
(Downers Grove: IVP, 1977).
33B. Childs, Biblical theology in crisis (Philadelphia: Westminster,
1970).
34 J. D. Smart, The interpretation o f Scripture (Philadelphia:
Westminster, 1961), p. 260-307.
35Anthony C. Thiselton, The two horizons. New Testament herm e­
neutics and philosophy o f description (Grand Rapids: Eerdmans,
1980); Peter Stuhlmacher, Historical criticism and theological inter­
pretation o f Scripture, trad. Roy A. Harrisville (Philadelphia: Fortress,
1977); as quatro categorias são informadas por Grant e Tracy, Short
history o f the interpretation o f the Bible, p. 134-87.
36 Ellen Flesseman-van Leer, “ The significance of the Old
Testament in its relation to the N ew ” , The Bible, p. 58-76. Relatório
patrocinado pela Comissão de Fé e Ordem do Conselho Mundial de
Igrejas.
37 Sou orientado pelo Loccum Report.
38A lém das obras listadas acima, os seguintes livros ajudaram
a orientar este ensaio:P. R. Ackroyd e C .F. Evans,eds.,77ie Cam bridge

392
N otas

history o f the Bible. From the beginnings to Jerome, 1 (Cam bridge:


CUP, 1970); D. L. Baker, Two Testaments. One Bible (Leicester: IVP,
1976); D. Carson e J. W oodbridge, eds., Hermeneutics, authority, and
canon (Grand Rapids: Zondervan, 1986); Ellen Flesseman-van Leer,
ed., The Bible. Its authority and interpretation in the ecum enical
movement (G eneve: W CC, 1980); R. M. Grant com D. Tracy, A short
history o f the interpretation o f the Bible (London: SCA, 1984; rev. e
ampliada); S. L. Greenslade, ed., The Cam bridge history o f the Bible.
The west from the reformation to the present day, 3 (C am bridge:
CUP, 1963); G. W. H. Lampe, ed., The Cam bridge history o f the Bible.
The west from the fathers to the reformation (C am bridge: CUP,
1969); R oger R. Nicole, “ Patrick Fairbairn and biblical hermeneu­
tics as related to the quotations of the Old Testament in the N ew ” ,
Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, eds., E. D. Radmacher e R. D.
Preus (Grand Rapids: Zondervan, 1984); e M oody Smith, “ The use
of the Old Testament in the N ew ” , The use o f the Old Testament and
other essays: studies in honor o f William Franklin Stinespring, ed. J. M.
Efrid (Durham,NC:Duke, 1972).

393
C ontinuidade e descontinuidade

C apítulo 2

1 H. Heppe, Reformed dogmatics (London: Allen & Unwin,


1950); John Walter Beardslee, “ Theological development at Geneva
under Francis and Jean-Alphonse Turretin” (Tese daYale University,
1956); H. H. Wolff, Die Einheit des Bundes, Das Verhaltnis von Altem
und Neuem Testament b ei Calvin (Neukirchen, 1958); William H.
Chalker, “ Calvin and some seventeenth century english calvinists”
(Tese da Duke University, 1961); G. E. Duffield, ed., John Calvin
(Grand Rapids: Eerdmans, 1966); G eorge M. Marsden, The evange-
lical mind and the new school Presbyterian experience, A case study
o í thought and theology in nineteenth-century Am erica (N ew Haven:
Yale, 1970); Geerhardus Vós, The covenant in reform ed theology,
trad. S. Voorwinde e W. VanGemeren (Philadelphia, publicação par­
ticular de K. M. Kampbell, 1971); David E. Holwerda, ed., Exploring
the heritage o f John Calvin (Grand Rapids: Baker, 1976); C. Graafland,
Het Vaste Verbond: Israel en het Oude Testament by Calvijn en het
Cereform eerd Protestantisme (Amsterdam: Ton Bolland, 1978); R. T.
Kendall, Calvin and english calvinism to 1649 (Oxford: Oxford, 1979);
Alasdair I. C. Heron, ed., The Westminster Confession in the church
today (Edinburgh: Saint Andrews, 1982); J. Kamphuis, Een Eeuwig
Verbond (Haarlem: V ijlbrief 1984); W. de Greef, Calvijn en het Oude
Testament (Amsterdam: Ton Bolland, 1984); W illem A. VanGemeren,
“ Israel as the hermeneutical crux in the interpretation of prophecy” ,
WTJ45 (1983): 132-44;46 (1984):254-97;idem,“ Covenanttheology” e
“ Federal theology” , artigos escritos para Tyndale family encyclope-
dia, não publicados; J.Van Genderen, Verbond &Verkiezing (Kampen:
Kok, 1983); David F. Wells, ed., Reformed theology in Am erica; A
history ofits m odem development (Grand Rapids: Eerdmans, 1985).
2 T. H. L. Parker estabelece que Calvino foi um expositor em
sua forma de teologizar e que os comentários ilustram o desenvol­
vimento da mentalidade teológica de Calvino. “ Calvin the biblical
expositor” , John Calvin, p. 176-86; v. apêndice 1, para uma lista cro­
nológica de seus comentários.
3J. I. Packer, “ Calvin the theologian” ,/oiin Calvin, p. 173; Parker
escreve (p. 182): “ Calvino não é apenas um teólogo dogmático que
escreveu comentários; sua vida genuína de trabalho consistiu igual­
mente nestas duas atividades: teologia dogmática e exposição da
Escritura [...] (elas) estão relacionadas e conectadas como duas
partes de uma (só) atividade” .

394
N o ta s

4 Parker, p. 182.
sW. S. Reid, “ Calvin, John” , in Evangelical dictionary o f theology,
Walter Elwell, ed. (Grand Rapids: Baker, 1984), p. 185-6.
6Packer, p. 151
7Institutas, livros I, II.
8Packer, p. 158-9.
9 Graafland, p. 23.
10V. importantes observações de Calvino sobre este versículo
em seu comentário.
11 G. Schrenk, Gottesreich und Bund im alteren Protestantismus
vornehmlich b e i Johannes Coccejus (Gutersloh, 1923), p. 46; citado
por Van Genderen, p. 77.
12Importante para uma comparação de Bullinger e Calvino é o
assunto da tradição das duas alianças. Primeiro, a controvérsia ficou
centrada em se Bullinger teve uma visão suficientemente desenvol­
vida da aliança. A. J. ’t Hooft, De Theologie van Heinrich Bullinger in
Betrekking tot de Nederlandse Reformatie (Amsterdam, 1888); Ernst
Koch, Die theologie der Confessio Helvetica Posterior (Neukirchen:
Neukirchen-Vluyn, 1968), p. 416. Segundo, a discordância centra­
lizou-se nas diferenças entre a definição de aliança por Zuínglio/
Bullinger e Calvino. Cf. Jens Moller, “ The beginnings of puritan
covenant theology” , JEH 14 (1963): 46-67; Richard Greaves, “ The
origins and early development of english covenant thought” , Hist 31
(1968):21-35;J.Wayne Baker, Heinrich Bullinger and the covenant: the
other reform ed tradition (Athens: Ohio University Press, 1980). Para
uma refutação desta tese, cf. Lyle D. Bierma, “ The covenant theology
of Caspar Olevian” (Tese da Duke University, 1980), v. esp. p. 41-54;
90-2; Lyle D. Bierma, “ Federal theology in the sixteenth century: two
traditions?” , WTJ 45 (1983): 304-21. Vos ( The covenant, p. 2-3) atribui
o desenvolvimento da aliança como um tema dominante para os
teólogos de Zurique.
13 Olevianus, Concerning the nature o f the covenant o f grace
between God and the elect (1585).
14 R. V. Schnucker, “ H eidelberg Cathecism” , Evangelical
dictionary o f theology, p. 504; H. Hoekema, The H eidelberg Catechism.
15 Zacharias Ursinus, The commentary on the H eidelberg
Catechism (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, reprod. da ed. de
1852), p. 97. Ursino afirma, também, que Deus é o autor e que Cristo

395
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

é o m ediador da aliança, que é “ um em substância, mas duplo em


circunstâncias” (p. 98; cf. p. 97-100).
16Ibid., p. 99-100.
17 W. Wilson Benton Jr. investigou o desenvolvimento da
teologia federal desde suas raízes exegéticas até seu funcionamento
canonicamente como integral do sistema de teologia reformada
em “ Federal theology review for revision” , Through Chrisfs word.A
Festschrift for Dr. Philip E. Hughes, W. Robert Godfrey e Jesse L. Boyd
III, eds. (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1985), p. 180-200.
18 Benton (p. 200-4) faz várias críticas: (1) uma mudança da
teologia para a antropologia; (2) uma definição legal das relações
trinitarianas internas; (3) uma relativização da aliança da graça
em favor da “ le i” ; (4) uma retirada de ênfase sobre a encarnação,
Cristo e o Espírito; e (5) uma interrupção na unidade entre a criação
e a redenção. Lamentavelmente, as mesmas distinções acadêmi­
cas ainda são encontradas em Morton H. Smith, “ The church and
covenant theology” ,/ET5 21 (1978): 47-65.
19 John Murray, The covenant o f grace: a biblico-theological
study (London: Tyndale, 1953), p. 5-11.
20James B.Torrance,“ The covenant concept in scottish theology
and politics and its leg a cy ” , SJT 34 (1981): 239.
21Ibid., p. 239-40
22Vos trabalha com base na compreensão tradicional. Cf. The
covenant, p. 7-31.
23James B.Torrance,“ Strengths and weaknesses of Westminster
theology” , The Westminster Confession in the church today, Alasdair
I. C. Heron, ed. (Edinburgh: Saint Andrew, 1982), p. 53 (v. p. 45-53).
24Kendall, p. 212.
25 Paul Helm, “ Calvin and the covenant: Unity and continuity,”
EvQ 55 (1983): 65-81. Helm responde diretamente ao trabalho de
Kendall tanto quanto a Holmes Rolston III, John Calvin versus the
Westminster Confession (Richmond: John Knox, 1972), p. 23; em Calvin
and the calvinists (Edinburgh: Banner of Truth, 1982), ele responde
aos que fazem confusão entre Calvino e a soteriologia puritana.
26Helm, “ Calvin and the covenant” , p. 67.
277b;d.,p. 67-81.
28Ibid., p. 81.

396
N o ta s

29 Confissão de Fé de Westminster (CFW ), Vll.ii.


30 CFW.VII.iii-vi.
31 CFW, VII.v.
32 CFW, VII.vi.
33 CFW, VII .vi.
34 CFW, VII.v.
35 CFW, VII.v.
36 CFW, VII.vi.
37F. Turretin, lnstitutio Theologiae Elencticae, XII.VIII.v.
38 CFW, II-V.
39 CFW, VIII.
40 CFW, VI.
41 CFW, VII.
42 CFW.VII.iii.
43 Dirk Jellema, “ Voetius, Gisbertus” , New I n t e r n a t i o n a l d i c t i o -
n a r y o f t h e c h r i s t i a n c h u r c h , J. D. Douglas, ed. geral (Grand Rapids

Zondervan, 1974), p. 1022. V. tb. Graafland, p. 38-41 e meu artigo


revisado sobre Graafland, WTJ 45 (1983): 132-44.
44 Cocceius, Doctrine o f the covenant and Testaments o f Cod
(1648) e Commentary on the Epistle to the Romans (1655).
45C. S. McCoy, “Johannes Cocceius: Federal theologian” , SJT16
(1963): 352-70; “ The covenant theology of Johannes Cocceius” (Tese
de doutorado, Yale University, 1957).
46Harold O. J. Brown refere-se a Cocceius como “ o deão espiri­
tual da escola da aliança” ( “ Covenant and dispensation” , 7y2 [1981]:
67-70. Lamentavelmente, a teologia reformada seguiu Voécio e só
ultimamente aceitou outra visão sobre Coceio.
47 Sua oração por um retorno ao pensamento bíblico: “ Quanto
a mim, enquanto Deus me der vida, não vou parar de pedir-lhes que
retornem ao caminho que os apóstolos e os primeiros reformadores
recomendaram: ler e meditar a Escritura” (citação de Van Genderen,
p. 81-2). Com esta finalidade ele escreveu seu livro sobre teologia
federal: “ É minha intenção principal conduzir nossos irmãos numa
explanação do mais importante assunto teológico: a aliança e o
testamento de Deus. Todas as linhas da doutrina cristã convergem
neste ensino central” ,Van Genderen, p. 82 (trad. do autor).

397
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

48McCoy, “ Cocceius” , p. 354-64.


49 A. Ebrard. “Johannes Cocceius” , Religious encyclopaedia
(1891), I, 503; citado por McCoy. “ Cocceius” , p. 356.
so McCoy, “ Cocceius” , p. 357.
51 Ibid .,p. 361.
52Ibid., p. 364.
53J. W. Beardslee III, “ Turretin” .
54 Mark W. Karlberg fez uma tentativa para definir “ descontinui-
dades legítimas” , mas não conseguiu ser convincente devido à sua
compreensão anterior de tipologia; cf.“ Reformed interpretation of the
mosaic covenant” , de Karlberg, WTJ 43 (1980-81): 1-57; e “Legitimate
discontinuities between the Testaments” ,JETS 28 (1985): 9-20.
55 Beardslee, p. 501.
56Ibid., p.699.
57Beardslee (p. 700) comenta: “ Ele foi um inimigo da ‘inovação’
e procurou reunir idéias que pudessem servir para esta estabiliza­
ção” . Ele conclui (p. 701-17) ainda que a doutrina de Turretin do
supralapsarianismo e seu racionalismo explicam o fracasso da
teologia da aliança como um sistema.
38 Beardslee (p. 723) explica como o escolasticismo reformado
prosperou onde quer que tenha sido afetado pelo pietismo, não por
uma “ ortodoxia razoável” .
59Sobre a teologia de Princeton, c f.M. A. Noll, e d ., The Princeton
theology 1812-1921 e “The founding of Princeton Seminary” , WTJ
42 (1979-80): 72-110; e C. Vander Stelt, Philosophy and Scripture:
a study in Old Princeton and Westminster theology (Marlton: Mack,
1978). W. A. Hoffecker nos deu um sentido da piedade de Princeton
em Piety and the Princeton theologians (Phillipsburg: Presbyterian
& Reformed, 1981). V. tb. Randall H. Balmer, “ The princetonians and
Scripture: a reconsideration” , WTJ 44 (1982): 352-65.
60 M. A. Noll, “ Hodge, Charles” , Evangelical dictionary o f
theology, p. 514.
61 Cf. R. C. Sproul, John Gerstner, Arthur Lindsley, Classical
apologetics: a rational defense o f the christian faith and a critique o f
presuppositional apologetics (Grand Rapids: Zondervan, 1984).
62 Benjamin Warfield, Perfectionism, Samuel G. Craig, ed.
(Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1958).

398
N otas

63 Mark A. Noll, “ The Princeton theology” , Reíorm ed theology


in America, p. 19.
64 Ransom Lewis Webster, “ Geerhardus Vos (1862-1949), WTJ
40 (1977-78): 304-17.
65 Para uma introdução à contribuição de Vos em Princeton, v.
J. F. Jansen, “ The biblical theology of Geerhardus Vos” , PSB 66 (1974):
23-34. Para um esboço da vida e da obra de Vos, v. “ Introduction” , de
Gaffin, à Redemptive history and biblical interpretation. The shorter
writings o f Geerhardus Vos, Richard B. Gaffin, ed. (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1980), p. ix-xxiii.
66 Gaffin, “ Introduction” , p. xiv.
67Geerhardus Vos, The idea o f biblical theology as a science and
as a theological discipline (N ew York: Anson D. F. Randolph, 1894),
reimpresso em Redemptive history, p. 3-24.
68Jansen (p. 25-6) integrou convenientemente suas atividades
escritas com seu ensino, e Gaffin tem a mais completa bibliografia
( Redemptive history, p. 547-59).
69 Vos define “ teologia bíblica” como “ a exibição de um
progresso orgânico de revelação sobrenatural em sua continuidade
e multiformidade histórica” . Cf. The idea, p. 15.
70Ibid.,p. 14.
71 Gaffin, “ Introduction” , p. xviii.
72Ibid., p. xix.
73Jansen, p. 28-30.
74 W. Robert Godfrey, “ The Westminster school” , Reformed
theology in America, p. 94,96.
76 John Murray, “ Systematic theology” , WTJ 25 (1962-63):
133-42; 26 (1963-64): 33-46.
76 John Murray, “ Systematic theology. Second article” , WTJ 26
(1963): 45; cf. Richard B. Gaffin Jr., “ Systematic theology and biblical
theology” , W TJ38 (1975-76): 281-99.
77 Murray, “ Systematic theology. Second article” , p. 43.
78Ibid., p. 45.
79 Abraham Kuyper, Lectures on calvinism (Grand Rapids:
Eerdmans, 1931).
80Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids: Eerdmans,
1979), p. 54.

399
C ontinuidade e descontinuidade

81 CorneliusVanTil, Common grace (Philadelphia: Presbyterian


&Reform ed, 1947).
82 Abraham Kuyper, Ertcyclopaedia o f sacred theology: its
principies, trad. J. Hendrik De Vries (N ew York: Scribner’s, 1898);
A. Kuyper, Principies o f sacred theology, trad. J. Hendrik De Vries
(Grand Rapids: Eerdmans, 1954; reimp. da ed. de 1854); The work
o f the Holy Spirit, trad. Henri De Vries (N ew York: Funk & Wagnalls,
1990; republ. por Eerdmans, 1956).
83Bernard Ramm, Specialrevelation and the word o f Cod (Grand
Rapids: Eerdmans, 1961), p. 7.
84 Herman Bavinck, The philosophy o f revelation (N ew York:
Longman, 1909; reimpresso por Eerdmans, 1953).
88 Herman Bavinck, The doctrine o f God. Outras obras de
Bavinck são: Our reasonable faith; The philosophy o f revelation; The
certainty o f faith. Sem tradução é sua G ereform eerde Dogm atiek
(Dogm ática reform ada) em 4 vols., publicada entre 1895-1901.
86James M. Boice, “ The future of reform ed theology,” Reformed
theology in America, p. 300-2.
87Ibid., p. 304.
88Ibid .,p. 304-10.
89 Thomas F. Torrance, The school o f faith: the catechisms o f the
reform ed church (London: James Clarke & Co., 1959).
90Ibid., p. xx.
91Jan Veenhof disse na Conferência da Royal Economic Society
r ___

em Chicago: “ E claro que esta obra do Espírito inclui mais do que


a remoção da distância histórica. ‘Abrir-m e’ também significa que
as barreiras físicas (incapacidade) e existenciais (indisposição)
são rem ovidas” ( “ Holy Spirit and Holy Scripture [Considerations
concerning character and function of Scripture in the framework of
salvation h istory])” , The interpretation o f Scripture today (Reformed
Ecumenical Synod, 1984), p. 12.
92 Comentário de Calvino sobre Jeremias 15.18.
93 H. Jackson Forstman, Word and S pirit Calvin’s doctrine o f
biblical authority (Stanford: Stanford University Press, 1962), p. 11-6.
94Institutas, I.xiii.l, citado por Forstman, p. 13,14,107.
95 Packer observa acertadamente (p. 165): “ Está também
claro que seu conceito de conciliação divina na Escritura foi

400
N otas

suficientemente amplo para salvaguardar toda a humanidade de


escritos inspirados” .
96 Para uma defesa da opinião de Calvino das “ modalidades
da revelação especial” , v. Bernard Ramm, Special revelation and the
word o f G o d (Grand Rapids: Eerdmans, 1961), p. 31-122.
97 Forstman, p. 109-12.
98 Fred H. Klooster, “ The uniqueness of reform ed theology.
A preliminary attempt at description” , CTJ 14 (1979): 50, propõe o
princípio da Escritura como singularidade da teologia reformada
(sola Scriptura e tota Scriptura): “ Por esse motivo os teólogos refor­
mados procuraram integrar toda a Escritura num sistema coerente
de doutrina que fez justiça à harmonia da Escritura, à unidade da
história da redenção e à revelação progressiva histórica” .
99 Klooster (p. 37) chegou à mesma conclusão: “A singulari­
dade da teologia reformada não parece discernível por meio de um
tema ou doutrina central” .
i°° rp p Torrance, The school, p. lii-iii.
101John Murray, Covenant, p. 3.
102T. F. Torrance, The school, p. lii-v.
103V. o quadro cronológico deste ensino e pregação em Parker,
p. 189; W. McKane, “ Calvin as Old Testament commentator” , N G TT
25 (1984): 250-9.
104 Brevard S. Childs, Old Testament hooks for pastor & teacher
(Philadelphia: Westminster, 1977), p. 29,36
105 W illem A. VanGemeren, “ Israel” , p. 269-91; jdem, The
progress o f redemption, The story ofsalvation from creation to the New
Jerusalem (Grand Rapids: Zondervan, 1988).
106Ibid., p. 275-97.
107 Walter Kaiser Jr,. Toward rediscovering the Old Testament
(Grand Rapids: Zondervan, 1987), p. 97.
108Ibid., p. 62.
109Murray, “ Systematic theology. Second article” , p. 46.
110Murray, The covenant, p. 31 (destaque do autor). Cf. tb. Richard
B. Gaffin Jr.: “ The New Testament as a record of the consummaton of
the history of revelation...” ( “ Systematic and biblical theology” , p.
297). Tb. Torrance: “ Os atos redentores de Deus foram completa­
mente cumpridos em Cristo [...]. Assim, a Heilsgeschichte [história da

401
C ontinuidade e descontinuidade

salvação] foi completada e somente aguarda sua epifania ou revelação


definitiva na consumação da segunda vinda, mas a igreja tem sua
vida e missão na terra entre o penúltimo evento da Heilsgeschichte no
Pentecoste e o evento definitivo na parúsia” (The school, lviii).
111Institutas, II, p. 275-97.
112VanGemeren, “ Review article” , WTJ 45 (1983): 138-9; cf. a
conclusão de De G reef (p. 243) dos escritos de Calvino: “ A salvação
para nós nada mais é do que uma esperança oculta” (trad. do autor).
113Forstman, p. 36; cf. p. 21-36
114J. I. Packer, p. 158.
as ip p Torrance, The school, p. lvi.
116Ihid., pp. lvi-ii.
117T. H. L. Parker, p. 177.
118P.Y. de Jong, em: The covenant idea in NewEngland theology
(Grand Rapids: Eerdmans, 1945), p. 151-2, acertadamente criticou
a teologia puritana como prom ovendo a distinção entre natureza e
graça: “ os puritanos nunca foram sinceramente leais à construção
calvinista da relação entre natureza e graça, criação e redenção” .
na rji p Torrance, The school, p. 1-liv.
120Ihid., p. 1-li.
121 t _f . Torrance, The school, p. li.
122 Ibid., p. lii; cf. W. J. Dumbrell, Covenant & creation. An Old
Testament covenant theology (Exeter: Paternoster, 1984).
123T. F. Torrance, The school, p. lii.
124 James B. Torrance, “ The covenant concept in Scottish
theology and politics and its le g a c y ” ,S/T34 (1981): 225-43.
125 Ibid., p. 239-40; v. os diagramas das abordagens à teologia
federal e à prática política na Escócia.
126De Greef, p. 243 (trad. do autor); cf. p. 239-44.
127T. F. Torrance, The school, p. lxiv.
128Packer, p. 158-9.
129 Ainda está em questão como distinguir lei e evangelho. Para
várias contribuições recentes reformadas, v. Murray, The covenant;
Meredith G. Kline, “ Law covenant” , WTJ 27 (1964-65): 1-20; Bandstra,
“Law and gospel in Calvin and in Paul” , Exploring the heritage o í
John Calvin, David E. Holwerda, ed. (Grand Rapids: Baker, 1976), p.

402
N otas

11-39; Geoffrey H. Greenhough, ‘“ The reformers’ attitude to the law of


God” , WTJ 39 (1976-77): 81-99; MarkW. Karlberg, “ Mosaic covenant”
(1980-81).
130De Greef, p. 244.
131Torrance, The school, p. lxv.
132Ibid., p. lxiv.
133T. F. Torrance, Kingdom and church.A study in the theology o f
the reformation (Edinburgh: Oliver and Boyd, 1956), p. 98
134 V. interpretação de Calvino sobre “Venha o teu reino” em
seu comentário sobre os Evangelhos.
135Institutas, I.ix.2.
136 Packer (p. 166-7) distingue o ministério do Espírito
Santo referente à Palavra de Deus em termos de “ autenticação” e
“ interpretação” .
137Forstman, p. 49-85.
138Institutas, I.vii.5.
139 B. B. Warfield, Calvin and Augustine, Samuel G. Craig, ed.
(Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1956), p. 485-7. V tb. a
principal obra de Abraham Kuyper, The work o f the Holy Spirit, trad.
Henri De Vries (Grand Rapids: Eerdmans, 1956).
140 W illem A. VanGemeren, “ The spirit of restoration” , WTJ,
1988, no prelo.
141Torrance, Kingdom, p. 90.
142Ibid., p. 91.
143Ibid., p. 101.
144Institutas, III.ii.42; IV.xviii.8, citado por Torrance, Kingdom, p.
103; v. sua discussão nas p. 100-4.
145 Gaffin, Redemptive history, p. xxi.
146Ibid., p. xxii.
147 Geerhardus Vos {Biblical theology, p. 15) compara este
desenvolvimento ao de uma semente.
148 P. ex., teonomia, como proposto por G reg L. Bahnsen,
Theonomy in christian ethics (Nutley: Craig Press, 1977), da qual
disse Gordon J. Spykman ( “ How is Scripture normative in christian
ethics” , The interpretation o f Scripture today [Reformed Ecumenical
Synod, 1984], p. 45): “ A ética teonômica é uma ‘heresia cristã’ [...].

403
C ontinuidade e descontinuidade

E uma heresia em que certas percepções corretas deram errado” .


Outro exem plo é o que W illiam Young chama de “ novo calvinismo”
ou “hiperaliança” ( WTJ 36 [1973-74]:48-64, 156-73). Young estabe­
lece a hiperaliança como um movimento que define a aliança prin­
cipalmente por seu caráter cultural. Esse movimento é representado
pelos seguidores de Herman D ooyeweerd (1894-1977) e D. H. Th.
Vollenhoven, junto com a Associação para a Filosofia Calvinista e
a Associação para o Desenvolvimento do Conhecimento Cristão
(AACS) de Toronto.
149Torrance, The school, p. lxvii-iii.
150J. I. Packer, p. 169.
151 Cf. T. F. Torrance (The school, lcv, lxvi): “ ... a relação da
doutrina de Cristo com o Pacto da Graça dá à teologia sua pers­
pectiva em toda a história do povo de Deus nos tempos do Antigo
r

Testamento. E essencialmente uma conversa entre Deus e seu


povo da aliança, isto é, a teologia coloquial que acontece na igreja
histórica [...] é dentro dessa aliança que Deus se comunica e se
revela, entrando num relacionamento sujeito-objeto com o homem,
e usa essa relação sujeito-objeto para ser o campo de sua promessa
e cumprimento com o povo da aliança” .
1SZ Packer (p. 173) resume a teologia de Calvino nestas
palavras: “ Centrada na Bíblia em seu método, centrada em Deus em
sua percepção, centrada em Cristo em sua mensagem, ele foi con­
trolado totalmente por uma visão de Deus no trono e um forte desejo
de que Deus fosse glorificado. Seu objetivo teológico, em última
análise, foi declarar sua visão, como ele a recebeu da Escritura” .
153Torrance (The school, p. lxvii; c f. p. lxix) insiste corretamente
no p rivilégio e na responsabilidade do diálogo: “ Desse modo em
cada geração está toda a igreja histórica que entra em conversa com
Deus [...]. Então, para a igreja se envolver na atividade teológica,
cega a este condicionamento, podia apenas levar à autoilusão de
sua parte, e perder em verdadeira objetividade [...] a teologia deve
ser histórica e ecumênica, e então católica” .
154Ibid ., p. lxix.
155 Um bom com eço é The messiahship o f Jesus. Are jews
changing their attitude toward Jesus?, Arthur W. Kac, ed. (Grand
Rapids: Baker, 1980).
ise w ilie m A. VanGemeren, “ Israel” , p. 284-97.

404
N otas

157Graafland, p. 127-77; cf .Kaiser, Toward rediscovering,p. 46-58;


E. Flesseman-Van Leer, A íaith for today, trad. John E. Steely (Macon:
Association of Baptist Professors of Religion, 1980), p. 134-40; H.
Berkhof, Christian faith.An introduction to the study o f the faith, trad.
Sierd Woudstra (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 249-65.
138 Estudo de James Atkinson (Christianity &judaism: new under-
standing, newrelationship. Latimer studies 17 [Oxford: Latimer House,
1984]) investiga resumidamente a tensão entre judeus e cristãos.
159 Um exem plo assim vem da Holanda. Um seminário sobre
textos do NT aparentemente antissemitas na Free University de
1982/3 resultou num importante e provocativo trabalho, T. Baarda,
Hans Jansen, S. J. Noorda, J. S. Vos, Paulus en de andere Joden.
Exegetische Bijdragen en Discussie (Delft: Meinema, 1984).
160T. F Torrance, The school, p. lxvi.
161 W illem A. VanGemeren, “ Thy kingdom com e” . Palestra
inaugural no Reform ed Theological Seminary, 29 ago. 1986.
162 6 fev. 1987.

405
C ontinuidade e descontinuidade

C apítulo 3

1J. I. Packer, “ Upholding the unity of Scripture today” ,/£TS 25


(dez. 1982) fornece uma discussão útil sobre o assunto. Embora a
literatura acadêmica esteja repleta de discussão tratando deste
problema, meu ensaio faz a pergunta num nível que assume que,
apesar da diversidade dentro de cada Testamento, cada um deles
adequadamente com preendido apresenta uma perspectiva
teológica unificada (em bora multifacetada).
2 Hans Walter Wolff, “ The hermeneutics of the Old Testament” ,
Int 15 (out. 1961): 457. Em vista dessas analogias, ele escreve (p. 450):
“Não há dúvida, porém, que desde o princípio no Novo Testamento
Israel, como povo da aliança de Deus, é, como um todo e em detalhe,
um tipo da ecclesia de Jesus Cristo” .V. tb. Walther Zimmerli, “Promise
and fulfillment” ,/ní 15 (jul. 1961):passim, quem censura o lado da con­
tinuidade por ver o NT como cumprimento da promessa do AT. Essas
promessas são cumpridas na pessoa de Cristo.
3 Os principais artigos de Bultmann sobre o tema são “ The sig-
nificance of the Old Testament for the christian faith” , B. Anderson,
ed., The Old Testament and the christian faith (New York: Harper &
Row, 1963), p. 8-35 e “ Prophecy and fulfillment” , C. Westermann, ed.,
Essays on Old Testament hermeneutics (Richmond: John Knox, 1964),
p. 50-75. Para discussões úteis de Bultmann e outras figuras contem­
porâneas sobre este assunto da continuidade e descontinuidade, v.
Eugene F. Roop, “ The problem of two Testaments: we can’t have the
New without the O ld” , BrLT 19 (verão 1974); F. N. Jasper, “ The relation
of the Old Testament to the New: Part I” , ExpT 78 (mai.-jun. 1967); e
Roland Murphy, “ The relationship between the Testaments,” MisBib 26
(1964).
4Bultmann, “ Significance of the OT” , p. 14-5,17.
5Roop, p. 158.
6Ibid.
7Ibid., p. 159. Embora seja uma exagerada simplificação agrupar
todas as teologias sistemáticas passadas num só conjunto como faz
Roop, é verdade que muito frequentemente os sistematizadores des­
consideraram a diversidade entre os autores bíblicos e, às vezes,
removeram artificialmente inconsistências para manter a continuidade.
Mas tais práticas não são intrínsecas à natureza da teologia sistemática.
Por outro lado, é também errado conceder a concepção subjacente

406
N otas

de Roop compartilhada com muitos estudiosos bíblicos, a saber, que,


devido a tantas tradições conflitantes na Escritura, não há esperança de
jamais fazer algo parecer um sistema consistente como resultado dos
dados da Escritura. Essa concepção tem relação íntima com a rejeição
da inspiração e da inerrância da Bíblia, mas existem bons argumen­
tos a favor dessas doutrinas para concordar com Roop et ai. quanto à
rejeição deles a elas.
8 Ibid., concordo e discordo da análise de Roop. Ele estabe­
lece corretamente as formas gerais em que o relacionamento entre
os Testamentos tem sido compreendido. Por outro lado, ele dá a
impressão de que a única maneira de abordar a Escritura, que
realmente perm ite que ela seja ouvida em toda a sua riqueza é a
histórica. De acordo com Roop, isso envolve reconhecer não apenas
as óbvias descontinuidades na Escritura, mas também avaliá-las
como contradições. Além disso, é dada a impressão de que os que
enfatizaram a harmonia e a continuidade da Escritura, quer alegori-
zadores quer sistematizadores, não prestaram a devida atenção ao
que o texto da Escritura realmente diz. Tais acusações são exageros
e deturpações. É falso que os sistemas que reconhecem as des­
continuidades na Escritura devem reafirmar contradições entre os
escritores ou que um saudável respeito pela descontinuidade faz
com que seja im possível sistematizá-la. Da mesma forma, é errado
sugerir que todos os sistemas que enfatizam a continuidade são
culpados (implícita ou explicitam ente) de sistematizar a Escritura
alegórica ou artificialmente de forma a proibir o texto de ser ouvido.
9 Bultmann, “ The significance of the OT” , p. 13, 20-9, como
citado em Jasper, p. 230.
i° “ Prophecy and fulfillment” , de Bultmann, mostra que ele
de fato leva a sério o AT. Entretanto, v. Murphy, p. 350, com relação
a alguém que retrata Bultmann enfatizando nenhuma outra coisa
senão a mais radical forma de descontinuidade.
11 Bultmann, “ Prophecy and fulfillment,” p. 50ss. Bultmann cita
Isaías 7.14, Jeremias 31.15 e Isaías 53.4 como exemplos.
12Ibid., p. 60-1.
13Ibid., p. 67. Cf. Jasper, p. 229-30 e esp. Millard Lind,“ The her-
meneutics of the Old Testament” , MenQR 40 (jul. 1966): 228-31, para
discussões extremamente úteis de Bultmann.
H Ibid., p. 72.

407
C ontinuidade e descontinuidade

15 Friedrich Baumgártel, “ The hermeneutical problem of the


Old Testament” , C. Westermann, e d ., Essays on Old Testament herm e-
neutics (Richmond: John Knox, 1969), p. 134-5,144ss.
16 Ibid., p. 156. V. tb. Franz Hesse, “ The evaluation and authority
of Old Testament Texts” , C. Westermann, ed., Essays on Old Testament
hermeneutics, para outra abordagem que enfatiza a descontinuidade.
17 Gerhard von Rad, Old Testament theology, II (N ew York:
Harper & Row, 1965), p. 328.
18Ibid.
19 Ibid., p. 323ss. V. tb. Gerhard von Rad, “ Typological inter-
pretation of the Old Testament” , C. Westermann, ed., Essays on Old
Testament hermeneutics, p. 35ss.
20 Von Rad, Old Testament theology, p. 335.
21 Von Rad, “ Typological interpretation” , p. 36-7. Para uma
abordagem útil da posição de Von Rad, Murphy, Roop e espe­
cialmente o excelente estudo de John H. Stek, “ Biblical typology
yesterday and today” , CTJ 5 (1970).
22 Von Rad está dizendo que os eventos, pessoas etc. dos
dois Testamentos têm, de fato, pouca unidade. A unidade vem das
ligações tipológicas ou que o exegeta faz, ou que o escritor bíblico
já fez. Assim, a continuidade não é intrínseca aos Testamentos; ela é
colocada nos eventos e personagens pelos próprios escritores do
NT. Embora isso não afirme a continuidade da Escritura, rejeita a con­
tinuidade dos eventos e experiências das pessoas que estão por trás
da escrita dos Testamentos. A visão de Von Rad não é distante da de
Bultmann nesta concepção subjacente. Para ambos, o AT realmente
não se relaciona intrinsecamente com o NT. Deixado à sua própria
compreensão, ele não é realmente um livro cristão. Ele pode rela­
cionar-se com o NT p elo intérprete e/ou pelo autor; caso contrário,
é descontínuo. Von Rad enfatiza de fato a unidade que pode ser e
tem sido feita pela reinterpretação tipológica do AT pelos escritores
do NT, enquanto Bultmann, embora não negando a unidade, enfatiza
mais a necessidade de levar a descontinuidade muito a sério. De
resto, a visão básica deles é bem semelhante.
23 Norman H. Snaith, The distinctive ideas o f the Old Testament
(N ew York: Schocken, 1975).
24Ibid., p. 159.

408
N otas

25 Zimmerli, p. 333-6. A menos que pensemos ser este apenas o


ponto de vista de Bultmann e Von Rad de que não há efetivo cumpri­
mento, mas somente um que os escritores do NT impõem para unir os
Testamentos, Zimmerli se distancia dessas idéias rejeitando Bultmann. O
ponto de vista de Zimmerli é uma abordagem genuína de continuidade.
26 Oswald T. Allis, Prophecy and the church (Philadelphia:
Presbiterian & Reformed, reimp. 1977), p. 31ss.
27 O. Palmer Robertson, The Christ o í the covenants (Grand
Rapids: Baker, 1980), p. 246-8. Isso não faz de Robertson um dis-
pensacionalista ou mesmo um pré-milenarista. Para outra interes­
sante posição sobre continuidade, v. a abordagem de Bruce Waltke
(seguindo a orientação de Brevard Childs) “A canonical process
approach to the Psalms” , in: John S. e Paul D. Feinberg, eds., Tradition
and Testament (Chicago: Moody, 1981).
28 Daniel Fuller, Gospel and law: contrast o r continuum? (Grand
Rapids: Eerdmans, 1980), p. 33-5. Realmente, o dispensacionalismo
primitivo nunca manteve múltiplos meios de salvação. Entretanto,
várias declarações descuidadas de obras dispensacionalistas
fizeram parecer que eram defendidos vários meios de salvação.
Como mostra Charles Ryrie, Dispensacionalism today (Chicago:
Moody, 1965), cap. 6, os escritores dispensacionalistas jamais
afirmaram mais do que um meio de salvação.
29 Para uma apresentação mais completa dos pontos de vista
de Kaiser, v. obras como Walter C. Kaiser, Toward an Old Testament
theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978). Embora eu não esteja
sugerindo que Kaiser seja um dispensacionalista, refletindo sobre
sua posição, parece razoável dizer que ele se inclina mais para o
campo da descontinuidade do que para o da continuidade.
30 Falo da essência do dispensacionalismo no sentido de esta­
b elecer as características que colocam o sistema dispensacionalista
numa família geral, diferente do dispensacionalismo, e que gera o
sistema. Meu argumento é que todos os sistemas dispensacionalis­
tas, independentemente de como eles misturam os seis itens que vou
mencionar, mantêm os seis. E penso que os seis estão logicamente
conectados. Assim, se alguém rejeita alguns dos seis, pode ainda se
qualificar como dispensacionalista, embora talvez inconscientemente.
Quanto maior o número destes que alguém afirma, mais dispensacio­
nalista e de orientação descontínua se torna em sua teologia.

409
C ontinuidade e descontinuidade

31 V., p. ex., John Walvoord, “ Millennial series” , BSac 110 (jul.


1953): 193-205; Charles Ryrie, The basis o f prem illennial faith (N ew
York: Loizeaux, 1953), p. 105-25; e L. S. Chafer, Systematic theology, 4
(Dallas: Dallas Seminary, 1948), p. 325.
32 John F. Walvoord, “ Dispensational premillennialism” , C T 2
(15 set. 1958): 11.
33W illard Aldrich, “A new look at dispensationalism” , BSac 120
(jan. 1963): 42-4.
34 Elliott Johnson, “ Hermeneutics and dispensationalism” ,
Donald Campbell, ed., Walvoord: a tribute (Chicago: Moody, 1982),
p. 240ss.
35 Stanley Toussaint, “ A biblical defense of dispensationalism” ,
Donald Campbell, ed., Walvoord: a tribute, p. 82.
36Ibid. Em lealdade a Ryrie, em bora ele defina “ dispensação” ,
não alega que tenha com isso estabelecido a essência do dispen-
sacionalismo. Ryrie sugere vários outros itens como a essência do
dispensacionalismo.
37 V., p. ex., O. Palmer Robertson, “ Current reform ed thinking
on the nature of the divine covenants” , WTJ 40 (outono 1977) com
a discussão de John Murray e Meredith Kline e também Anthony A.
Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p.
194.V. tb. Confissão de fé de Westminster (1647), cap. 7.
38Talvez alguns tenham até pensado que Deus esteja fazendo
experiência com a história para encontrar as condições sob as quais
o homem p od e ter sucesso, mas eu não conheço nenhum dispensa-
cionalista que afirme isso.
39 Norman Geisler, “ God, evil, and dispensations” , Donald
Campbell, ed., Walvoord:a tribute, p. 104-6. Sobre esse assunto,Geisler
é meramente um exem plo de muitos outros dispensacionalistas.
40 Muitos que defendem a continuidade da Escritura não
encorajam tais práticas. Claro, os seguidores de G reg Bahnsen em
Theonomy in christian ethics e By this standard fazem uma abordagem
um tanto parecida com a referida, mas nada intrínseco aos sistemas
de continuidade necessita dessa visão.
41V.p. ex., Confissão francesa de fé (1559), art. 23; Confissão belga
(1561), art. 25; Os trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra (1563),
art. 7; Segunda confissão helvética (1566), art. 12; Os artigos irlandeses
de religião (1615), art. 84; Confissão de fé de Westminster (1647), caps.

410
N otas

3—4; Os artigos metodistas de religião (1784), art. 6; Artigos de religião


episcopal reformados (1875), art. 6.
42 Outros elementos considerados essenciais ao dispensaciona-
lismo são (1) o conceito do reino adiado, (2) a plena apresentação
do reino no primeiro advento de Cristo, (3) a igreja como um parên-
tesis, (4) um arrebatamento antes da tribulação e (5) o pré-milena-
rismo. Nenhum desses é, entretanto, o principal. Enquanto se diz que
a plena expressão do reino para o Israel nacional ainda está para ser
realizada, não é preciso questionar que o reino está totalmente ino­
perante hoje para sustentar o dispensacionalismo. Quanto à plena
apresentação do reino na primeira vinda de Cristo, muitos dispen-
sacionalistas o afirmam, mas não vejo isso como requisito para ser
um dispensacionalista. Até onde se concede que a plena expressão
do reino em todas as suas dimensões (social, política, econômica e
espiritual) serão realizadas num dia futuro para Israel, nada essencial
para o dispensacionalismo é perdido, mesmo que o reino não tenha
sido apresentado em sua integridade no primeiro advento. Quanto
à igreja como um parêntesis no relacionamento de Deus com Israel
(dando a impressão que a igreja é uma ideia extemporânea ou sem
importância, ou ambas), é falso que essa noção seja essencial ao dis­
pensacionalismo. A palavra “ parêntesis” é uma escolha infeliz de
terminologia. Por causa das conotações negativas de “ parêntesis” , é
melhor dizer que as tratativas de Deus com a igreja são uma inter-
calação em seu relacionamento com Israel. O que os dispensacio-
nalistas efetivamente querem dizer quando usam a palavra é que se
trata de uma interrupção no relacionamento de Deus com Israel, mas
não que a igreja seja de importância secundária ou até mesmo uma
ideia que surgiu depois. Certamente, nenhum dispensacionalista de
tendência calvinista, como eu mesmo, jamais alegaria que algo que
acontece é inesperado, sem planejamento ou sem importância para
Deus. Falar de um parêntesis não faz de alguém, de forma alguma,
um dispensacionalista. Quanto à pré-tribulação, muitos dispensacio-
nalistas a afirmam, mas isso não significa que o sistema, no final das
contas, seja gerado dessa noção. Além disso, nos últimos anos, com
a publicação de The church and the tribulation, de Robert Gundry,
tornou-se, no mínimo, controvertido afirmar que alguém deve ser
um pré-tribulacionista quando se é dispensacionalista. Finalmente,
os dispensacionalistas são pré-milenaristas, mas até este elemento
não parece estar na essência do sistema. Alguns pré-milenaristas não
são dispensacionalistas. A esse respeito, a visão não é característica

411
C ontinuidade e descontinuidade

do dispensacionalismo. Além disso, o sistema não flui logicamente do


pré-milenarismo. Se alguém defende a hermenêutica dispensacio-
nalista, mantém sua posição nas alianças e entende a afirmação dos
dispensacionalistas sobre Israel e a igreja, será levado ao pré-mile-
narismo de um tipo dispensacionalista. Mas isso somente ilustra que,
para um dispensacionalista, o pré-milenarismo não é logicamente
anterior a outros compromissos intelectuais fundamentais. Ryrie
coloca esta ideia na página 44 de Dispensationalism today.
43Ryrie, p. 43-7.
44 Como observa Carl Hoch, “ The significance of the SYN-
Compounds for jew -gentile relationships in the body o f Christ” ,/£TS
25 (jun. 1982): 179, alguns têm argumentado que “ Israel” é apenas
usado no sentido nacional e étnico, nunca no sentido espiritual. Mas,
mesmo que “ Israel” seja usado no sentido espiritual na Escritura,
perm anece minha opinião.
45John Walvoord, “ The doctrine of grace in the interpretation of
prophecy” , BSac 140 (abr.-jun. 1983): 103, reconhece até um sentido
espiritual nos termos como “ descendência de Abraão” . Entretanto,
ele se apressa em acrescentar que o que distingue o motivo de sua
posição é que os amilenaristas minimizam o fato de que “ a descen­
dência espiritual de Abraão - gentios crentes - herdam a promessa
dada aos gentios, não a promessa dada a Israel” .
46 Gálatas 3.28,29 não ensina que os crentes perdem sua iden­
tidade genética ou que as distinções biológicas são irrelevantes a
todas as áreas da vida. O argumento de Paulo é que na esfera da
descendência espiritual de Abraão não existe vantagem ou desvan­
tagem para ninguém que resulte de herança biológica.
47 P. ex., tendo alegado que existem diferentes sentidos
para termos como “ Israel” , Robertson (p. 288-9) então define e se
concentra em somente um deles, o sentido tipológico em relação à
igreja, e, assim, conclui que a igreja toma o lugar de Israel.
48Ryrie, p. 45-6.
49Walvoord, “ G race” , p. 100,102-3.
so Cf. John Walvoord, “ Posttribulationism today, Part II, classic
posttribulational interpretation” , BSac 132 (abr. 1975): 121-2 e
“ Posttribulationism today, Part III, semiclassic posttribulational
interpretation” , BSac 132 (jul. 1975): 214. W alvoord argumenta
que a pós-tribulação pré-milenar quer interpretar Apocalipse
19-22 literalmente, de modo que haverá um reino literal, mas

412
N otas

quer espiritualizar completamente Apocalipse 1-18 com relação à


tribulação.
51 V., p. ex., Floyd E. Hamilton, The basis o f millennial faith
(Grand Rapids: Eerdmans, 1942), p. 38. Para uma exposição bem
completa da hermenêutica da continuidade (em bora nem todas as
posições de continuidade concordem com tudo o que ele diz), v.
Hans K. LaRondelle, The Israel o f God in prophecy (Berrien Springs,
MI: Andrews University, 1983), caps. 1-5.
52Allis, p. 31ss.
33Ibid ., p. 256.
54V. tb. Alvin S. Lawhead, “A problem of unfulfilled prophecy in
Ezekiel: a response” , WesTJ 16 (outono 1981): 17-9, no sentido de que
as passagens devem ser entendidas de uma forma não literal. Note
também Bavinck como citado por VanGemeren com o significado de
que o NT requer uma espiritualização do AT - W illem VanGemeren,
“ Israel as the hermeneutical crux in the interpretation of prophecy
(II)” , WTJ 46 (1984): 262. Finalmente, v. tb. a adoção do sensus plenior
por LaSor para a Escritura, que ele admite ir além de qualquer coisa
possível de ser descoberta pelos métodos exegéticos gramático-his-
tóricos - William S. LaSor, “ Prophecy, inspiration, and sensus plenior” ,
TB 29 (1978): 51-6,59.
55Robertson, p. 298.
56Ibid., p. 300.
57 G eorge E. Ladd, “ Historie premillennialism” , The meaning
o f the millennium: four views, Robert G. Clouse, ed. (Downers Grove:
InterVarsity, 1977), p. 20ss.
58Hoekema, p. 209-10.
S8/Jbid.,p.211.
60V. meu “ Salvation in the OT” , Tradition and Testament, John S.
e Paul D. Feinberg, eds. (Chicago: Moody, 1981), p. 47-8.
61 Ryrie, p. 33-6.
62 Cf. David P. Scaer, “ Lutheran viewpoints on the challenge
of fundamentalism: eschatology” , Con J 10 (jan. 1984): 9, sobre a
autonomia do AT no que ele chama de compreensão fundamentalista
da profecia.
63Ladd, p. 20-1.

413
C ontinuidade e descontinuidade

64 H. Bavinck, Gereform eerde Dogmatiek (Kampen: J. H. Kok,


1930), p. 635. Citado em VanGemeren, p. 261.
65Ibid.,p. 641. Citado em VanGemeren, p. 262.
66 Este foi o argumento do comentário de Allis sobre a
página 256 de Prophecy and the church. Este é, em última análise, o
argumento de Ladd como citado de seu artigo “ Historie premillen-
nialism” .V. tb.Wolff, p. 456-7.
67 E. F. Kevan, “ The covenants and the interpretation of the Old
Testament” , EvQ 26 (1954): 24.
68Ibid.
69Ibid.V. tb. A. B. Davidson, Old Testament prophecy (Edinburgh:
T. & T. Clark, 1904), p. 169 como citado por Kevan (p. 24): “ A maneira
adequada de observar a profecia é aceitá-la literalmente como
intenção do profeta - a única intenção que em seu tempo e le poderia
ter - mas dizer, quanto ao cumprimento, que a forma do reino de
Deus está mudada; e assim o cumprimento não acontecerá na forma
da predição, mas de forma modificada; contudo ainda a verdade da
profecia será, sem dúvida, realizada” . V. tb. Kevan, p. 25ss, para uma
m etodologia sugerida para tratar das profecias do AT.
70VanGemeren, p. 268.
71 Em outra parte ( “ Salvation in the Old Testament,” p. 46-7) fiz
alguns comentários iniciais sobre os problemas que surgem quando
se ignora a passagem do AT em seu próprio contexto. No caso de
Oseias 11.1/Mateus 2.15, se alguém substitui o significado do NT
para a passagem do AT, cancela uma clara referência a um evento
histórico passado (da perspectiva de Oseias).
72Por lealdade, devo admitir que vi alguns dispensacionalistas
tentando afirmar a distinção entre Israel e a igreja e também enfati­
zando que o AT deve ter sua independência interpretativamente do
NT, que acabaram fazendo ginásticas exegéticas para mostrar que,
p. ex., Atos 2 na realidade não é o que (em qualquer sentido) foi
falado por Joel, mas algo parecido. Tal descontinuidade é desneces­
sariamente radical.
73 V. meu “ Truth: relationship of theories of truth to herme-
neuties” , Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, Earl Radmacher e
Robert Preus, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 4, 16, para
uma explanação mais completa deste ponto.
74 Cf. S. Lewis Johnson, The Old Testament in the New: an
argument for biblical inspiration (Grand Rapids: Zondervan, 1980);

414
N otas

Jack Weir, “ Analogous fulfillment: the use of the Old Testament in the
N ew Testament” , PRS 9 (prim avera 1982): 67-9; e Samuel Ballentine,
“ The interpretation of the Old Testament in the N ew Testament” ,
SwJT 23 (1980-81), para vários estudos sobre as formas em que o NT
usa o AT. Como eles observam, alguns daqueles usos tomam o AT no
mesmo sentido que o escritor do AT usou.
75 O. Palmer Robertson, “ Gênesis 15.6: N ew Covenant exposi-
tions of an Old Covenant text” , WTJ 42 (primavera 1980): 279-81.
76 Observe, p. ex., os comentários de Hoekema sobre interpre­
tação tipológica, p. 211; queixa de Allis em relação ao mesmo sentido
básico concernente ao dispensacionalismo, p. 256; e Mark W. Karlberg,
“Legitimate discontinuities between the Testaments” , JETS 28 (mar.
1985): 16,18 (especialmente em nota de rodapé) e 19, onde ele chama
atenção para o seu trabalho e também cita Berkhof ,Fairbairn e Allis com
o mesmo sentido. V tb. Patrick Fairbairn (The interpretation ofprophecy
e The typology o f Scripture, 2 vols.) como discutido em VanGemeren,
p. 260, 267. Finalmente, v. Wolff, p. 456-61, que inicialmente chama a
relação entre pessoas, eventos etc. do AT e do NT de analogia, mas
então fala de interpretação tipológica.
77 David L. Baker, “ Typology and the christian use of the Old
Testament” , SJT29 (abr. 1976): 146-8.
78Ib id ., p. 150.
79Ibid ., p. 149.
80Ib id ., p. 152.
81 Claro, todos concordam que a aliança mosaica foi condicio­
nal. Na estrutura da aliança havia instruções sobre o que aconteceria
se alguém a violasse e o que aconteceria se isso não acontecesse. Ao
falar sobre as alianças incondicionais, os dispensacionalistas não estão
dizendo que nenhuma aliança jamais foi condicional, mas somente que
alianças como a abraâmica, davídica, palestina são incondicionais. Para
um excelente estudo da história da interpretação reformada da aliança
mosaica, v. Mark W. Karlberg, “ Reformed interpretation of the mosaic
covenant” , WTJ AZ (outono 1980).
82Allis, p. 32.
83 Não somente esta é minha opinião; W alvoord também
argumenta da mesma forma em seu “ G race” , p. 105-6.
84 Robertson, p. 246-8.

415
C ontinuidade e descontinuidade

85 Ibid., p.249ss. Além disso, no livro, a ênfase de Robertson é


sobre os aspectos espirituais das alianças.
86Para os que pensam que isso coloca ênfase exagerada sobre
o material, não sobre o espiritual, eu respondo que a objeção deles
tem um leve sabor de platonismo. E se alguém não p od e aceitar os
elementos materiais das promessas literalmente, como sabe que
pode aceitar os elementos espirituais literalmente? Para os que
contra-argumentam que se devem aceitar os elementos espirituais
seriamente porque o NT o faz claramente, eu replico que o insucesso,
se existe um, para mencionar todos os aspectos das promessas,
como já se observou, não necessariamente os cancela. E também é
dúbio que o NT não alegue de fato que todas as promessas a Israel
ainda estejam vigorando - cf. comentário de Paulo em Romanos
11.29, após seu extenso argumento de que Israel não foi deixado
de lado. Considerando Romanos 11.29, os dons e o chamado de
Deus a Israel ainda estão em vigor. As alianças do AT com Israel e
passagens como Ezequiel 36-37, Isaías 60 e Sofonias 3 definem o
que são os dons.
87 V., p. ex., Deuteronômio 30.1-10; 2Samuel 7.4-17; Jeremias
31.31-34; Ezequiel 36.29-38; Isaías 60.
88 Cf. Robert L. Saucy, “A rationale for the future of Israel” ,JETS
28 (dez. 1985): 433-4, sobre quatro diferentes perspectivas sobre a
missão de Israel. V. tb. Karlberg, “ Legitimate discontinuities,” p. 15-8,
sobre diferentes visões da relação de Israel com o futuro. Finalmente,
v. VanGemeren, p. 254-60ss e W illem VanGemeren, “ Review articles:
Israel as the hermeneutical crux in the interpretation of prophecy,”
WTJ 45 (prim avera 1983): 142-4, sobre visões diferentes dentro da
tradição reformada.
89Karlberg, “Legitimate discontinuities” , p. 15-6,19.
90 Observar pensadores como Herbert Huffmon, “ The Israel of
G od” , Int 23 (jan. 1969); R. J. M. Gurney, “ The seventy w eeks of Daniel
9.24-27” , EvQ 53 (jan.-mar. 1981); Henry S. Gehman, “ The covenant
-T h e OldTestament foundation of the church” , TToday 7 (abr. 1950);
e O. Palmer Robertson, “ Tongues: sign of covenantal curse and
blessing” , WTJ38 (outono 1975): 47-8,no sentido de que Israel como
uma nação perdeu as promessas e foi substituído pela igreja.
91 Karlberg, “ Legitimate discontinuities” , p. 19.
92V., p. ex., Geerhardus Vos, discutido por VanGemeren, “ Israel
as the hermeneutical crux (II)” , p. 263-4; O. Palmer Robertson, “ Is

416
N otas

there a distinctive future for ethnic Israel in Romans 11?” , Kenneth


Kantzer e Stanley Gundry, eds., Perspectives on evangelical theology
(Grand Rapids: Baker, 1979); e possivelmente Calvino, em bora
VanGemeren mostre que em ambos os artigos sobre Israel e o
dilema hermenêutico a posição de Calvino sobre o futuro de Israel
não ficou inteiramente clara.
93 Karlberg, “ Legitimate discontinuities,” p. 16, classifica esta
visão de “ nova posição holandesa reform ada” .
94VanGemeren, “ Review article” , p. 143.
95VanGemeren, “ Israel as the hermeneutical crux (II)” ,p. 274-80.
96Ibid .,p. 279.
97Ibid., p. 284ss.
98Ibid .,p. 295-6.
99 Alguém como G. E. Ladd poderia provavelmente melhor se
ajustar a esta categoria junto com outros pré-milenaristas da aliança.
Cf. Ladd, “ Historie premillennialism” .
100 Percebe-se que esta é uma posição dispensacionalista
razoavelmente padrão através de uma leitura cuidadosa das obras
dispensacionalistas de A. J. McClain, The greatness o í the kingdom
(Grand Rapids: Zondervan, 1959); C. L. Feinberg, Millennialism: the
two m ajor views (Chicago: Moody, 1980); e J. F. Walvoord, The m illen-
nial kingdom (Findlay, OH:Dunham, 1959).
101 Robert L. Saucy, “ Contemporary dispensational thought” ,
TSFBul 7 (mar.-abr. 1984): 10-1, faz esta distinção habilmente.
102Quanto a por que tão pouco é mencionado sobre os aspectos
físicos da bênção, v. a ótima discussão de VanGemeren ( “ Israel as the
hermeneutical crux [II],” p. 293-4); em bora eu considere sua expli­
cação parte do argumento, acho que o argumento básico é: uma vez
tendo feito a promessa, Deus não precisa repeti-la. O fundamental
que Israel precisaria saber é se poderia ainda esperar a salvação
espiritual, porque a restauração espiritual sempre foi a chave para
a bênção material. Consequentemente, prom eter que Deus ainda
trará o povo de volta para si mesmo espiritualmente foi, de fato, tudo
o que é necessário para reassegurar que todas as bênçãos ainda
estavam em vigor.
103Alguns podem alegar que este é um argumento de silêncio,
mas eu acho que não. No contexto de uma pergunta direta sobre
o reino, o Senhor poderia ter dito aos discípulos que eles estavam

417
C ontinuidade e descontinuidade

errados a respeito do reino, mas ele não o fez. Conquanto seja sempre
possível que eles tenham pensado que haviam se apropriado do reino
mas não o disseram, isso parece altamente improvável. Outros res­
ponderão com Mateus 21.43. Entretanto, é crucial notar que Jesus está
falando aos sumos sacerdotes e fariseus, e que eles perceberam que
ele havia falado especificamente deles (v. 45). Claro, este juízo sobre
eles também se aplicaria a qualquer israelita que deixasse de atender
aos requisitos do reino. Desde que a grande maioria dos judeus dos
dias de Jesus o rejeitou, o reino foi tirado deles. Mas outras passagens
já mencionadas mostram que o reino não está perdido para todo o
Israel nem para sempre. Assim, em vez de mostrar que Deus cancelou
a promessa para todo o Israel, o versículo (esp. quando entendido
com outras passagens que mostram que as promessas ainda éstão em
vigor) meramente revela o princípio de que, mesmo com uma aliança
incondicional, a bênção dessa aliança está sempre condicionada à
crença e à obediência.
104 G. C. Berkouwer, The return o í Christ (Grand Rapids:
Eerdmans, 1972), p. 326-7. Isso não significa que Berkouwer espera
que a eleição de Israel seja expressa exatamente como fazem os
dispensacionalistas, mas seu argumento fundamental está correto.
Se Deus e le g e alguém ou algum grupo e lhes promete incondicio­
nalmente algo (salvação ou o que for), pode-se esperar que ele o
faça. A eleição não pode ser anulada.
105 Tradicionalmente, a opinião é a de que a igreja estava no
AT. V. os seguintes credos: Confissão escocesa de fé (1560), arts.
5, 16; Confissão belga (1561), art. 27; Catecismo de H eidelberg
(1563), perguntas 54-55; Segunda confissão helvética (1566), art. 17;
Os artigos irlandeses de religião (1615), art. 68; Confissão de fé de
Westminster (1647), cap. 25; Declaração de Savoy (1658), cap. 26; e
Confissão batista de 1688, cap. 26. V. tb. os comentários de pensa­
dores como Samuel Newell, “ Many m em bers” , Int 5 (out. 1951): 415;
W. Stanford Reid, “ The N ew Testament b elief in an Old Testament
church” ,£vQ 24 (out. 1952); e Huffmon.
106 Para uma interessante discussão por um não dispensacio-
nalista sobre as diferenças entre o AT e as igrejas do NT, v. Calvino
discutido por VanGemeren, “ Israel as the hermeneutical crux (II)” ,
p. 280. Observe também a interessante declaração de Reid, p. 204:
“ Outra diferença entre as duas dispensações aparece no Pentecoste.
Na economia do AT o Espírito de Deus veio sobre o seu povo, sobre
os eleitos e, de forma especial, sobre homens como Davi e os profetas

418
N otas

(Jo 7.39; lP e 1.10,11). Com a vinda do Espírito Santo no Pentecoste a


igreja tornou-se o corpo místico de Cristo. Isso só poderia acontecer
depois que Jesus fosse glorificado. Uma vez glorificado, então o
Espírito veio sobre a igreja como um todo, tornando-a um corpo. Além
disso, ele veio sobre a igreja para perm anecer com ela para sempre
e nela habitar. Assim, a igreja do Novo Testamento é revestida de
poder espiritual desconhecido aos santos do AT. O Espírito de Deus,
é verdade, habitou com eles também, mas somente como indivíduos,
não como o corpo de Cristo” . Isso certamente se parece muito com
um dispensacionalista e faz com que alguém queira saber por que ele
então diz que a igreja está no AT.
107 C. F. D. Moule, The phenomenon o f the New Testament
(Naperville, IL: Allenson, 1967), cap. 2.
108 Os dispensacionalistas utilizam com frequência a declara­
ção de Efésios 3 de que a igreja é um mistério. Normalmente eles
tomam isso para dizer que a igreja não foi revelada ou não estava
disponível no AT. Embora eu não esteja convencido de que o
argumento seja completamente inútil, declarações usuais disso não
são inteiramente convincentes. Para uma apresentação e discussão
do argumento, v. Charles Ryrie, “ The mystery in Ephesians 3” , BSac
123 (jan. 1966): 28-30 especialmente. Mais convincente, entretanto, é
a referência de Paulo à igreja em Efésios 2.15 como kcíÍ v ò ç ãyGpomoç
refere-se a “ novo quanto à esp écie” , em oposição a yéoç, “ mais
atual” ).
109Ryrie, Dispensationalism today, p. 46-7.
110 V., p. ex., comentários de Robertson em Christ o f the
covenants; E. F. Kevan, “ The covenants and the interpretation of the
Old Testament” , e Hoekema, p. 195. Embora cada um deles diga
muitas coisas sobre as alianças com as quais eu concordo, em última
análise, os elementos das alianças que eles enfatizam são soterio-
lógicos. Além disso, peça a um teólogo da aliança para esboçar
a essência do seu sistema e invariavelmente ele com eçará uma
discussão do pacto das obras, do pacto da graça e do pacto da
redenção. Mas tudo isso se relaciona à soteriologia; e, quando eles
formularam as categorias básicas para a compreensão da Escritura,
ficou óbvio por que os sistemas pactuais normalmente enfatizam a
soteriologia e excluem outros assuntos.

419
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

C apítulo 4

1 C. I. Scofield, ed., The Scofield Reíerence Bible (N ew York:


Oxford, 1909), p. 1169, nota 1.
2 Cf. Peter Andreas Munch, “ The expression Bajjom Hahu. Is
it an eschatological terminus technicus?” (Oslo: I Kommisjon Hos
Jacob DyBwad, 1936), p. 1-69. Munch examinou as aproximadamente
duzentas vezes em que a expressão “ naquele dia” ocorre no AT.
Ele conclui que a expressão é um advérbio de tempo que significa
“ então” e não tem em si mesmo valor escatológico (p. 56).
Alguns contextos podem requerer que a expressão seja
entendida funcionando essencialmente como equivalente a “ no dia
do Senhor” . Munch pode ter exagerado seu julgamento ao afirmar
que, em bora a expressão possa ter valor escatológico no NT, ela
“nunca foi usada como um termo escatológico” no AT (p. 57). Mas
seu argumento principal está bem estabelecido. Em si a expressão
significa “ então” , “ naquele tem po” , ou “ depois disso” . Somente o
contexto pode determinar se ela sugere ou não algo de importân­
cia mais técnica. Mas com muita frequência ela serve simplesmente
como conector contextual.
3Para mais discussão do conceito do “ dia de Javé” , v. L. Cerny,
The clay ofYahweh and some relevant problem s (V. Praze: Nakladen
Filosoficke Faculty University Kalovy, 1948); G. von Rad, “ The origin
of the concept of the Day ofYahweh” ,JSS 4 (1959): 97-108.
4 Note que a mesma raiz para “ possessão” (src) é usada na
profecia de Balaão e na de Amós.
3 Cf. o adequado comentário de ]. A. Motyer em The Day of
the Lion (Downers Grove: InterVarsity Press, 1974), p. 205, de que a
expansão missionária da igreja cristã envolve submissão seguida
por igualdade.
6 Ernst Haenchen, The Acts o f the Apostles. A commentary
(Philadelphia: Westminster, 1971), p. 448, sugere que Tiago - na
verdade Lucas - escolheu a Septuaginta porque o texto hebraico
teria contraditado o argumento que ele estava tentando apresen­
tar. Mas a ideia de Deus estabelecer seu nome sobre “ Edom” e “ os
gentios” certamente teria apoiado o ministério gentio, bem como
a ideia de que o “ remanescente dos homens” procuraria o Senhor.

420
N otas

7Neste caso, a referência introdutória de Tiago ao testemunho


de uma pluralidade de fontes proféticas poderia ser interpretada
com o significado de que ele estava citando Amós como única fonte
que representou uma mensagem que poderia ser encontrada em
muitos outros profetas.
8F. F. Bruce, “Prophetic interpretation in the S e p tu a g in tBIOSCS
(outono 1979,na 12): 17.
9 Ibid., p. 26. Richard N. Longenecker, “ The Acts of the
Apostles” , The expositor’s Bible commentary, vol. 9 (Grand Rapids:
Zondervan, 1981), p. 447, observa que Tiago segue a Septuaginta e
argumenta: “ Teria sido impossível, de fato, para Tiago ter derivado
seu argumento do texto se tivesse trabalhado com base noTM ( Texto
M assorético)” . Entretanto, como sugerido acima, a restauração feita
por Deus da tenda de Davi para que ele pudesse colocar seu nome
sobre “ o remanescente de Edom” , bem como sobre “ todos os
gentios” (com o consta no TM) certamente proveria base escriturís-
tica adequada para o argumento de Tiago. J. A. de Waard, A com pa-
rative study o f the Old Testament text in the dead sea scrolls and in the
New Testament (Leiden: Brill, 196S), p. 80, afirma que a interpretação
da LXX de Amós 9.12 “ obviamente teve um texto básico hebraico,
diferente do TM ” , embora ele deva reconhecer que um texto de
Qumram de Amós 9.12 ainda não foi publicado.
10 The (O ld) Scofield Reference Bible, p. 1169, nota 1.
11 C. I. Scofield, ed., The New Scofield Reference Bible (N ew
York: Oxford, 1967), p. 1185, nota 1.
12Ibid., p. 938, nota 3.
13 C f.W illard M. Aldrich, “ The interpretation of Acts 15.13-18” ,
BSac 111 (1954): 318.
14H. A. Ironside, Lectures on the BookofActs (NewYork: Loizeaux,
1943), p. 355.
15TheNewScofield Reference Bible,p.938, nota 2 .Aparentemente
Charles Feinberg não concorda com esta conclusão textual. Cf. suas
notas sobre Amós 9 em The m inor prophets (Chicago: Moody, 1976),
p. 123.
16Aldrich, p. 321.
17Ibid .,p. 319.
18 Lewis Sperry Chafer, The kingdom in history and prophecy
(Chicago: Bible Institute Colportage Assn., 1936), p. 73.

421
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

19Em contraste com Aldrich, p. 321.


20 The New Scofield Reference Bible, p. 1186, nota 1; Aldrich,
p . 322.
21 Tem sido oferecido muito esclarecimento desta frase pelo
breve artigo de Dom Jacques Dupont, “ Xaòç èí; é S iw (Atos 15.16)” ,
NTS 3 (1957): 47-50.
22 De acordo com nBC, “ conhecido desde a eternidade aparen­
temente deve ser entendido como parte do material citado. Mas
de acordo com p 74ADEP, pareceria que a frase é um comentário de
Tiago que interpreta basicamente: conhecidas desde a eternidade
p elo Senhor são suas obras. Cf. Haencken, p. 448, nota 5; Longenecker,
p. 447.
23João Calvino, Calvin’s commentaries. The Acts o f the Apostles,
II (Grand Rapids: Eerdmans, 1966), p. 47.
24 Para uma tentativa de combinar os esforços de interpreta­
ções dispensacionalistas e da aliança sobre esta profecia, v. Walter
C. Kaiser Jr., “ The davidic promise and the inclusion of the gentiles
(Amos 9.9-15 and Acts 15.13-18): A test passage for theological
systems” ,/£T5 20 (1977): 97-111. Kaiser promove uma interpretação
que insiste numa significativa incorporação de gentios em Israel
hoje, enquanto olha para um relacionamento distinto com Israel no
futuro. Ele critica a espiritualização das promessas do AT na teologia
da aliança e rejeita a visão dispensacionalista de que a profecia
de Amós não se cumpriu nos eventos de Atos 15. Parece que suas
legítimas preocupações seriam atendidas numa adequada pers­
pectiva sobre a teologia da aliança que insiste num cumprimento
material e espiritual das promessas de Deus.

422
N o ta s

C apítulo 5

1Segue uma bibliografia seletiva: OswaldT. Allis, Prophecy and


the church (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1945), p. 17-54;
Kenneth L. Barker, “ False dichotomies betw een the Testaments” ,JETS
25 (1983):3-16;JohnS.Feinberg,“ Salvationinthe 01dTestament” ,in:
Traditional and Testament, John S. e Paul D. Feinberg, eds. (Chicago:
Moody, 1981), p. 45-53: Floyd E. Hamilton, The basis oim illennial faith
(Grand Rapids: Eerdmans, 1942), p. 38-59; (1986): 246-59; Anthony
Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979),
p. 209-13; Anthony Hoekema, “Amillennialism” , The meaning of
the millennium: íour views, Robert G. Clouse, ed. (Downers Grove:
InterVarsity, 1977), p. 172-6; Herman Hoyt, “ Dispensational premi-
llennialism” , The meaning o f the millennium: four views, Robert G.
Clouse, ed. (Downers Grove: InterVarsity, 1977), p. 65-9; E. F. Kevan,
“ The covenants and the interpretation of the OldTestament” , EvQ 26
(1954): 19-28; G eorge E. Ladd, Crucial questions about the kingdom
o f Cod (Grand Rapids: Eerdmans, 1952), p. 136-42; G eorge E. Ladd,
“ Historie premillennialism” , The meaning o f the millennium: four
views, Robert G. Clouse, ed. (Downers Grove: InterVarsity, 1977),
p. 19-29; G eorge E. Ladd, The last things (Grand Rapids: Eerdmans,
1978), p. 8-10; G eorge E. Ladd, The presence o f the future (Grand
Rapids: Eerdmans, 1974), p. 199, 204-5, 227-8; Alvin S. Lawhead, “A
problem of unfulfilled prophecy in Ezekiel: a response” , WeslTJ
16 (1981): 15; Charles C. Ryrie, Dispensationalism today (Chicago:
Moody, 1965), p. 86-109, 187-9; S. Marion Smith, “ N ew Testament
writers use the Old Testament” , Enc 26 (1965): 39-50; David L.Turner,
“ The continuity of Scripture and escathology: key hermeneutical
issues” , GTJ 6 (1985): 275-87; John F. Walvoord, “ The doctrine of
grace in the interpretation of prophecy” , BSac 140 (1983): 100-2; John
F. Walvoord, The millennial kingdom (Findlay, OH: Dunham, 1959),
p. 59-67. David P. Scaer, “ Lutheran viewpoints on the challenge of
fundamentalism: escathology” , ConJ 10 (1984): 4-11, aponta para a
aliança que o luteranismo fez com o fundamentalismo, mas distingue
os dois em pelo menos duas áreas: sacramentos e escatologia. Para
um resumo da visão não evangélica sobre o relacionamento entre
os Testamentos, v. Roland E. Murphy, “ The relationship betw een the
Testaments” , CBQ 26 (1964): 349-59.
2Um exem plo pode ser encontrado em Ryrie, p. 87-8.

423
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

3 Esta é a visão mais comum: C. H. Dodd, According to the


Scrípture. The substructure o f New Testament theology (London:
Fontana, 1965), p. 126; e O. Palmer Robertson, “ Genesis 15.6: New
Covenant expositions of an Old Covenant text,” WTJ 42 (1979-80):
259-60. Robertson, entretanto, sugere que os escritores do NT podem
não em pregar um único método em seu uso do AT.
4W illis J. Beecher, The prophets and the promise (Grand Rapids:
Baker, 1963 [1905]), p. 361; e Walter C. Kaiser, The uses o f the Old
Testament in the New (Chicago: Moody, 1985), p. 62.
5Esta é a visão de Richard N. Longenecker, “ Can w e reproduce
the exegesis of the N ew Testament?” , TB 21 (1970): 3-38.
6Darrell Bock, “ Evangelicals and the use of the Old Testament
in the New,” BSac 142 (1985): 209-23. V. tb. Elliott E. Johnson, “ Dual
authorship and the single intended meaning of Scripture” , BSac 143
(1986): 218-23, para uma abordagem diferente de classificação.
7 Uma bibliografia seletiva será suficiente: Elliott Johnson,
“ Author’s intention and biblical interpretation” , Hermeneutics,
inerrancy and the Bible, Earl D. Radmacher e Robert D. Preus, eds.
(Grand Rapis: Zondervan 1984), p. 409-29; Kaiser, Use o f the OT, p.
l-14;Walter C. Kaiser Jr., “ The single intent of Scripture” , Evangelical
roots, Kenneth S. Kantzer, ed. (Nashville: Nelson, 1978), p. 123ss; Raju
D. Kunjummen, “ The single intent of Scripture - Criticai examina-
tion of a theological construct” , CTJ 7 (1986): 81-110; V em Sheridan
Poythress, “ Divine meaning of Scripture” , WTJ 48 (1986): 241-79.
8 Cf. Quodlib. VII, q.6, a. 14, embora S. M. Zarb, O. P., “ De
ubertate sensus litteralis in Sacra Scriptura secundum doctrinam
SanctiThomae Aquinatis” , Problem i scelti di teologia contemporânea
(Rome, Greg., 1954), p. 258-61 argumente que Tomás [de Aquino]
usou ocasionalmente um termo mais específico, sensus literalis his-
toricus vel principalis, para expressar o significado pretendido do
autor e que expressou imediatamente por palavras.
9EB ne 550.
10 Cf. Johnson, “ Author’s intention” , p. 410-2; Kunjummen, p.
91-110; Poythress, p. 241-79.
11Geralmente os que assumem esta posição falam da intenção
do autor, mas tentam mostrar que os autores humanos não com ­
preenderam tudo o que escreveram. Cf. Otto Friedrich Bollnow,
“ What does it mean to understand a writer better than he under-

424
N o ta s

stood himself?” , PhilT 23 (1979): 16-28; Kunjummen, p. 87-93, 101-3;


Poythress, p. 269-76.
12]. I. Packer, “ Upholding the unity of Scripture today” ,/£TS 25
(1982): 411. V. tb. P. W ernberg-M oeller, “ Is there an Old Testament
theology?” , H ib] 59 (1960-61): 25-6.
13Walter C. Kaiser Jr., “ The fallacy of equaiting meaning with
reader’s understanding” , TJ 6 OS (1977): 190-3.
14William Sanford LaSor, “ The sensus plenior and biblical inter-
pretation” , Scripture, tradition, and interpretation, W. Ward Gasque e
William Sanford LaSor, eds. (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 265-7.
15 H. G. Gadamer, Truth and method (N ew York: Crossroad,
1982), p. 274-8.
16 E. D. Hirsch, Validity in interpretation (N ew Haven: Yale,
1967), p. 8.
17 Ladd, “ Historical premillennialism,” p. 18-29, especial­
mente 27-9.
18 E. J. Carnell, The case for orthodox theology (Philadelphia:
Westminster, 1959),p. 51-65.
19 Richard N. Longenecker, “Apostolic exegesis,” p. 3-38. V. tb.
Richard N. Longenecer, Biblical exegesis in the apostolicperiod (Grand
Rapids: Eerdmans, 1975). A visão de Longenecker de que o NT tem um
sensus plenior é a visão predominante entre os estudiosos bíblicos:
Samuel E. Balentine, “ The interpretation of the Old Testament” , SwJT
23 (1980-81): 41-57; Raymond E. Brown, “ The sensus plenior in the
last ten years” , CBQ 25 (1963): 262-85; James D. G. Dunn, Unity and
diversity in the New Testament: an inquiry into the character o f earliest
christianity (Philadelphia: Westminster, 1977), p. 81-102; Douglas Moo,
“ The problem of sensus p len ior”, Hermeneutics, authority, and canon,
D. A. Carson e John D. W oodbridge, eds. (Grand Rapids: Zondervan,
1986), p. 179-211; LaSor, Sensus plenior, p. 260-77; James M. Robinson,
“ Scripture and theological method: a protestant study in sensus
plenior” , CBQ 27 (1965): 6-27. Um resumo útil da bibliografia pode ser
encontrado em Moo, “ The problem ” , p. 400-1, nota 54.
20Longenecker, “Apostolic exegesis” , p. 38.
21 Walter C. Kaiser Jr., “ Author’s intention: response” ,
Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, Earl D. Radmacher e Robert D.
Preus, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 441-7; “ The current
crisis in exegesis and the apostolic use of Deuteronomy 25.4 in 1

425
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Corinthians 9:8-10” ,JETS 21 (1978): 3-18: “ The davidic promise and


the inclusion of the gentiles (Amos 9.9-15 and Acts 15.13-18)” ,JETS 20
(1977): 97-111; “ Inner biblical exegesis as a m odel for bridgin g the
‘then’ and ‘now’ Gap: Hos 12.1-6” ,JETS 28 (1985): 33-46; “ Legitimate
hermeneutics” , Inerrancy, Norman L. Geisler, ed. (Grand Rapids:
Zondervan, 1979), p. 117-47; “ The promise of God and the outpour-
ing of the Holy Spirit: Joel 2.28-32 and Acts 2.16-21” , The living and
active word o f God: essays in honor o f Samuel Schultz, Morris Inch e
RonaldYoungblood, eds. (WinonaLake:Eisenbraun, 1982),p. 109-22;
“ Single intent” , p. 123-41; Toward an exegetical theology: biblical
exegesis for preaching and teaching (Grand Rapids: Baker, 1981);
Toward and Old Testament theology (Grand Rapids: Zondervan,
1978); Uses o f the OT.
22 Kunjummen, p. 87ss, e Poythress, p. 243ss são típicos da
crítica de Kaiser. Jack R. Riggs, “ The ‘fuller m eaning’ of Scripture:
a hermeneutical question for evangelicals” , GTJ 7 (1986): 213-27,
requer mais estudo em relação ao sensus plenior.
23 Kaiser, Uses o f the OT, p. 19-20.
24íb id .,p . 22-3.
25Ibid., p. 21,23.
26Kaiser, “ Fallacy” , p. 190-3.
27 Kaiser, “ Inner biblical” , p. 34.
28Ibid., p. 43-6.
29Ibid. e Kaiser, Uses o f the OT, p. 23,61-76 são típicos.
30 W. K. Wimsatt Jr. e Monroe C. Beardsley, “ The intentional
fallacy” , The verbal icon, W. K. Wimsatt Jr., ed. (The Noonday Press,
1960), p. 4. V. tb. John S. Feinberg, “Noncognitivism: W ittgenstein” ,
Biblical errancy: an analysis o f its philosophical roots (Grand Rapids:
Zondervan, 1981), p. 163-201.
31 Gottlob Frege, On sense and reference, trad. Max Black,
em Translations from the philosophical writings o f Gottlob Frege,
Peter Geach e Max Black, eds. (Oxford: Oxford, 1952). V. tb. John S.
Feinberg, “ Truth: relationship of theories of truth to hermeneutics” ,
Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, Earl D. Radmacher e Robert D.
Preus, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 28-30.
32 A aplicação da distinção de Frege entre o sentido e a refe­
rência ao presente problem a hermenêutico foi sugerida por mim a
John S. Feinberg em nossa discussão desses assuntos.

426
N otas

33W illem A. VanGemeren, “ Israel as the hermeneutical crux in


the interpretation of prophecy (II)” , WTJ 46 (1984): 272-3.
34 Kunjummen, p. 99.
38 Kaiser, Uses o f the OT, p. 21.
36Há diversidade de opinião entre evangélicos sobre o caráter
messiânico de certas profecias no tempo de sua declaração. Ladd,
“ Historie premillennialism” , p. 21-4, e W illiam Sanford LaSor, “ The
Messiah: an evangelical christian view ” ,Evangelicals and jews in con-
versation, Marc H. Tanenbaum, Marv R. W ilson e James A. Rudin, eds.
(Grand Rapids: Baker, 1978), p. 75-95, pensam que o caráter messi­
ânico está caracterizado no NT. Walter C. Kaiser, Toward rediscover-
ing the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1987), p. 101-20,
discorda. Eu penso que Kaiser está certo. Se não, como poderia Jesus
ter esperado que os judeus do seu tempo tivessem reconhecido que
ele era o Messias?
37 Douglas J. Moo, The Old Testament in the gospel passion nar-
ratives (Sheffield: Almond, 1983), p. 5-78, procura categorizar vários
pontos de vista. V. tb. variedades de opiniões na nota 19.
38 Para um bom número de estudiosos não evangélicos,
uma hermenêutica tipológica é o método necessário para unir
os Testamentos. V. David L. Baker, “ Typology and the christian
use of the Old Testament” , SJT 29 (1976): 137-57; P. Joseph Cahill,
“ Hermeneutical implications of typology” , CBQ 44 (1982): 266-81;
Walther Eichrodt,“ Is typological exegesis an appropriate method?” ,
trad. James Barr, Essays on Old Testament hermeneuties, Claus
Westermann, ed. (Richmond: John Knox, 1963), p. 224-45; Millard Lind,
“ The hermeneuties ofth e Old Testament” , MenQR 40 (1966): 227-37;
Glenn W. Olsen, “ Allegory, typology, and Symbol: the sensus spiritua-
lis” , Com 4 (1977): 161-79; John H. Stek,“ Biblical typology yesterday
and today” , CTJ 5 (1970): 133-62; Gerhard von Rad, “ Typological
interpretation of the Old Testament” , trad. John Bright, Essays on Old
Testament hermeneuties, Claus Westermann, ed. (Richmond: John
Knox, 1963), p. 17-39; Hans Walter Wolff, “ The hermeneuties of the
Old Testament” , trad. Keith Crim, Essays on Old Testament hermeneu­
ties, Claus Westermann, ed. (Richmond: John Knox, 1963), p. 169-99.
39 Embora tenha sido dito muitas vezes, continua sendo
repetido. Os tipos não são hostis à hermenêutica literal ou histórico-
gramatical. Cf. John S. Feinberg, “ Salvation,” p. 47, e Alva J. McClain,
The greatness ofthe kingdom (Chicago: Moody, 1968), p. 139.

427
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

40 Francis Foulkes, The acts o f God: a study o f the basis o f


typology in the Old Testament (London: Tyndale, 1958), p. 38-9. V.
tb. R. T. France, Jesus and the Old Testament: his application o f Old
Testament passages to himself and his mission (Downers Grove:
InterVarsity, 1971), p. 41.
41V. mais citado na nota. 38.
42 Informado em E. Earle Ellis, ed., “ How the N ew Testament
uses the O ld ” ,Prophecy andhermeneuticsin early christianity (Grand
Rapids: Eerdmans, 1978), p. 165, 169.
43 D. L. Baker, Two Testaments, one Bible (Downers Grove:
InterVarsity, 1976), p. 258.
44Patrick Fairbairn, The typology o f Scripture, I (Grand Rapids:
Zondervan, s.d.), p. 46; e Leonard Goppelt, Typos: the typological
interpretation ofthe Old Testament in the New, trad. Donald H. M advig
(Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 182.
45Von Rad, “ Typological interpretation” , p. 36.
46 James Barr, Old and New in interpretation (London: SCM,
1966), p. 103-48.
47 Goppelt, p. 18, 33, 37, 39, 223. Alguns como Baker ( “ Typo­
lo g y ” , p. 152) discordam sobre este ponto. Ele cita alguns casos de
tipos nos quais pensa haver um decréscim o entre os Testamentos.
48 Stek, p. 160, e Baker, p. 144ss.
49 Charles T. Fritsch, “ Biblical typology” , BSac 104 (1947): 220.
50Kaiser, Uses o f the Old Testament, p. 110.
51 Rex Mason, “ Continuity and newness” , ExpT 95 (1983-4):
103-6, e James Weir, “ Analogous fulfillment: the use of the Old
Testament in the N ew Testament” , PRS 9 (1982): 65-76.
32 VanGemeren, “ Israel,” p. 269-97.
53 Cf. A. A. van Ruler, The christian and the Old Testament (Grand
Rapids: Eerdmans, 1971), p. 55: “ Eu acredito que o NT nunca diz que
o povo de Israel [...] foi definitivamente rejeitado. Ele simplesmente
diz que o povo de Israel está cego e endurecido e, de fato, com uma
visão para um novo desenvolvimento. Esse desenvolvimento tem
um alcance escatológico: ele contém a solução para o enigma do
mundo (Rm 11.15)” . Para uma opinião contrária, tanto do ponto de
vista teológico quanto hermenêutico, v. Bruce K. Waltke, “ Is it right to
read the N ew Testament into the O ld?” , C T 27 (2 set. 1983): 77; Mark
W. Karlberg, “ Legitimate discontinuities betw een the Old and New

428
N o ta s

Testaments” , Neotestamentica 14 (1981): 1-21. Waal sustenta o inte­


ressante, mas indefensável ponto de vista de que as promessas não
são mais válidas para Israel porque não há mais um Israel devido ao
casamento misto, p. 9-10.
34 Embora esta opinião seja amplamente sustentada, penso
que Thomas E. McComiskey, The covenants o f prom ise: a theology o i
the Old Testament covenants (Grand Rapids: Baker, 1985), p. 226-7,
deveria ser ouvido: “ Não se p od e concluir que o Novo Testamento
é, assim, autoridade absoluta no progresso da revelação. Com base
nisso, como podem os explicar a supremacia nos apelos ao Antigo
Testamento que encontramos em Cristo e nos escritores do Novo
Testamento? Foi um apelo à palavra divina; um apelo que fechou
bocas e convenceu céticos. A autoridade dos Testamentos deve ser
refinada para levar em conta todos os dados” .
ss Kaiser, Uses ofthe Old Testament, p. 92-3.
se Ibid., p. 92; e L. C. Allen, The books ofjoel, Obadiah, Jonah, and
Micah (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 97.
57Charles L. Feinberg,Joel,Amos, Obadiah (NewYork: Am erican
Board of Missions to the Jews, 1948), p. 29.
58M. F. Unger, “ The significance of Pentecost” , BSac 122 (1965):
176-7.
59C. C .R yrie,“ The significance o f Pentecost” , BSac 112 (1955):
334.
60Allis, p. 17-31.
61 Minha opinião é semelhante à de Barker, “ False dicho-
tomies” , p. 4, nota 5 e W. K. Price, The prophet Joel and the Day o f
the Lord (Chicago: Moody, 1976), p. 66, pois ambos alegam ser
dispensacionalistas.
62 Cf. A. R. Hulst, “ Kol basar...” , Studies in the book o f Genesis,
OTS 12 (1958): 48-9, e Kaiser, Uses ofthe OT, p. 96-7.

429
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

C a p ít u l o 6

1 Citações bíblicas, salvo indicação em contrário, são da


Almeida Revista e Atualizada.
2 Charles C. Ryrie, Dispensationalism today (Chicago: Moody,
1965), p. 110.
3John S. Feinberg, “ Salvation in the Old Testament” , Tradition
and Testament: essay in honor o f Charles Lee Feinberg, J. S. e P. D.
Feinberg, eds. (Chicago: Moody, 1981), p. 41.
4Ryrie, p. 112.
s Feinberg, p. 42.
6 Ibid.
I ScoíieldReference Bible (NewYork: Oxford, 1909), p. 1115,n l(2).
8 Ryrie, p. 112.
^Ibid., p. 115.
10 The New Scoíield Reference Bible, comissão editorial, E.
Schuyler English et al. (NewYork: Oxford, 1967), p. 1124, nl (2).
II Anthony Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979), p. 194.
12 NSB, p. 3. Itálico acrescentado. Acrescente-se que durante
cada dispensação “ o homem é reconciliado com Deus somente de
uma forma, isto é, pela graça de Deus mediante a obra de Cristo
realizada na cruz e justificada em sua ressurreição” .
13Ryrie, p. 23,29.
14Ibid., p. 29.
15Ibid., p. 31.
16Ibid .,p. 29.
17Ib id .,p. 37.
18Ibid., p. 37-8. Itálico acrescentado.
19Ibid., p. 36.
20Ibid.
21 Ibid.
22 Ibid., p. 33. Itálico acrescentado.
23Ibid.
24 Ibid., p. 34.

430
N otas

23Ibid.
26Ibid.
27 Ibid.
28Feinberg, p. 49.
29Ibid., p. 50.
30Ibid.
31Ibid.
32Ibid., v. nota 54 para mais discussão de Hodge.
33Ibid., p. 50.
34Ibid., p. 51.
35Ibid.
36Ibid. Itálico no original.
37Ibid.
38Ibid ., p. 53.
39Ibid., p. 54.
40Ibid.
41 Ibid.
42Ibid., p. 56.
43 /jbid.

44 Ibid., p. 57.
45/ò/d.
46/jbid., p. 59-61.
47Ibid.,p. 61-2.
48 Ibid., p. 62. Cf. tb. K. L. Barker, “ False dichotomies between the
Testaments” , JETS 25/1 (mar. 1982): 3-16. M. W. Karlberg, “Legitimate
discontinuities between the Testaments” JETS 28/1 (mar. 1985): 9-20.
49 Os termos “ universalismo étnico” e “ particularismo étnico”
são de Geerhardus Vos, Biblical theology: Old and New Testaments
(Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 90-3.
50 V. notas 18,40-48 acima.
31 Webster’s seventh new collegiate dictionary (Springfield, MA:
1963), p. 435.
32 Catecismo de Heidelberg, pergunta 6. Nova tradução da
igreja cristã reformada adotada em 1975, incluindo estrutura da

431
C ontinuidade e descontinuidade

linha. Psalter hymnal: doctrinal standards and liturgy o f the Christian


Reformed Church (Grand Rapids: Board of Publications, 1976).
53V. Gênesis 3.22 e Apocalipse 22.14.
34 C. Hodge, Systematic theology, II (N ew York: Scribner, Arms-
trong, and Co., 1873), p. 370. Cf. p. 366-73.
55Feinberg, p. 50-1.
56Hodge, p. 371-2.
57Ibid, p. 51.
38Ibid.
59V. nota 41 acima.
60Pergunta 19. V. nota 52 acima.
61 V. Bruce K. Waltke, “ Cain and his offerin g” , WTJ 48 (1986):
363-72.
62V. a discussão a seguir da aliança abraâmica.
63 The N IV Study Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1985), p. 19,
fornece um resumo útil.
64Gordon J.Wenham questiona convincentemente esta distinção
tradicional. V. The book o f Leviticus (Grand Rapids: Eerdmans, 1979),
p. 32-7. Todo o comentário é valioso por adicionar uma com preen­
são adequada da legislação sinaítica.
63 Embora a aliança de Fineias seja mencionada várias vezes
no AT, é surpreendente que não seja especificam ente referida no
NT, especialm ente em Hebreus.
66Itálico acrescentado.
67N IV Study Bible, p. 85.
68 V ISamuel 15.22,23 (citado anteriormente); Amós 5.21-24;
Oseias 6.6: 14.2; Joel 2.12,13 (28-32); Miqueias 6.8; Isaías 1.3,10-20;
40.1,11; 43.11-24; 44.3,6; 49.26; Jeremias 7.21-26; Ezequiel 20.11;
Habacuque 2.4 (cf. Rm 1.16,17); Malaquias 2.1-9; 3.1-4; 4.1-5.
69P.ex., Gênesis 3.15; 49.10; Isaías 7.14; 9.6,7; 11.1-9; Malaquias
3.1-4; 4.5,6.
70 Cf. F. H. Klooster, “ The nature and task of the church” , Ren 8,15
(1982), p. 4-5; tb.“ Covenant, church, and kingdom in the NewTestament” ,
A covenant challenge to our broken world, A. O. Miller, ed. (Atlanta: Darby,
1982), p. 4-5; e “The kingdom of God in the history of the Christian
Reformed Church” , Perspectives on the Christian Reformed Church, P. De
Klerk e R. R. De Ridder, eds. (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 203-24.

432
N otas

C apítulo 7

1The Scoíield Reference Bible, p. 1115, nota 2.


2 Para uma discussão destas afirmações, v. Charles C. Ryrie,
Dispensationalism today (Chicago: Moody, 1965), p. 110-6.
3Ibid .,p. 112-3.
4J. Barton Payne, The theology o í the Older Testament (Grand
Rapids: Zondervan, 1962), p. 73.
3 O. T. Allis, “ M odern dispensationalism and the law of G od ” ,
£VÇ>8(1936):280.
6Cf. Daniel P. Fuller, “ The hermeneutics of dispensationalism” ,
(Tese de doutorado, Northern Baptist Seminary, 1957), p. 144-81; e v.
Payne, p. 467-8.
7Ryrie, p. 44-7.
8 John S. Feinberg, “ Salvation in the Old Testament” , Tradition
and Testament: essays in honor o f Charles Lee Feinberg, John S. e Paul
D. Feinberg, eds. (Chicago: Moody, 1981),p. 48.
9Ibid., p. 49.
10 A term inologia de salvação deve ser estudada em seu uso
veterotestamentário, porque as palavras estão especificam ente
ligadas à experiência política, militar e social de Israel. Os termos
comuns são ( a r rns bsa e bs: vur) e significam simplesmente “ salvar,
livrar” e não parece ter a ideia de “ preparar uma liberdade” como
sugerido por BDB. É próxim o em significado a Sxj, mas bxj também
transmite a ideia específica de “ saquear, arrebatar, resgatar” . Estes
dois termos são frequentemente usados em contextos militares, rns
e bt<3 significam “ redim ir” ; rns é a palavra mais geral, significando
“ redim ir” com ou sem pagamento, e *PKa é o termo específico para
o trabalho do parente que redim e e usualmente significa “ redim ir”
no sentido de proteger ou acertar as coisas. Para uma completa
discussão do campo semântico, v. John F. A. Sawyer, Semantics in
biblical research (London: SCM, 1972).
11 James K. Zink, “ Salvation in the O ld Testament, a central
them e” ,£!nc 25 (1964): 407
12 Paul Lehman, “ The christology of Reinhold Niebuhr” ,
Reinhold Niebuhr: his religious, social and political thought, K egley e
Bretall, eds. (NewYork: Macmillan, 1956), p. 252.

433
C ontinuidade e descontinuidade

13Ryrie, p. 123-4.
14A palavra “ descontinuidade” p od e não ser o m elhor termo
para ser usado nesta discussão, porque significa rom per ou inter­
romper. Os sacrifícios foram descontinuados no NT, mas o conteúdo
da fé foi mais desenvolvido. Entretanto, usarei o termo com o fim de
conveniência.
ls Cf. W. J. Dumbrell, Covenant and creation, a theology o f Old
Testament covenants (Nashville: Thomas Nelson, 1984), p. 11-46;
e Mark W. Karlberg, “Justification in redem ptive history” , WTJ 43
(1981): 219.
16 As palavras têm um amplo alcance de usos, mas retêm a
ideia básica de um ato de favor, benevolência ou misericórdia;
a ideia subjacente frequente é ser imerecido. Quando o verbo é
usado para descrever os atos graciosos de Deus, o favor concedido
pode ser: filhos (Gn 33.5), livramento (SI 31.9),perdão (S151.1),uma
resposta à oração (Is 30.19), ou quaisquer benefícios gerais (SI 67.1).
Da mesma forma, quando era usado para humanos, o favor podia
ser uma dádiva gratuita ao necessitado (Pv 14.31), retenção de jul­
gamento (Dt 7.2), ou mostrar piedade (Jó 19.21). O substantivo hen
significa favor ou graça de beleza, aparência, eloquência ou alguma
outra bênção divina; mas é usado com mais frequência na expressão
“ encontrar favor aos olhos d e ” homens ou de Deus (v. Rt 2.2,10,13;
Êx 33.12-17; 34.9). N. H. Snaith (Ã theological word book ofth e Bible,
Alan Richardson, ed. [N ew York: Macmillan, 1950], p. 80) diz: “Não
existe a menor obrigação por parte do superior de ser gracioso com
o suplicante, e nenhuma censura lhe pode ser feita se ele não for
gracioso. O suplicante não tem reivindicação, qualquer que seja, da
boa vontade de seu superior, e não há nada que ele possa fazer para
estabelecer qualquer reivindicação. Toda generosidade do superior
é “ de graça” , isto é, de sua absoluta livre vontade e completa isenção
de qualquer obrigação, não importa qual seja. A ideia de favor livre,
imerecido, por parte de Deus, alcança sua plenitude na graça do NT
(g.v.) que é um desenvolvimento, em parte da compaixão de Deus
(g. v.) e em parte desta ideia de favor im erecido” . Para uma pesquisa
útil deste assunto, v. Thomas D. Hanks, “ The chronicler: theologian of
gra ce” ,£VQ 53 (1981): 16-28.
17Ele é também usado em Salmos 69.4:... os que, sem razão, me
odeiam, e em Êxodo 21.11 para descrever a mulher sendo “ liberta”
da escravidão.

434
N otas

18Para uma discussão do uso de nnbm para marcar a estrutura


de Gênesis, v. meu trabalho Creation and blessing, a guide to the
study and exposition o f Genesis (Grand Rapids: Baker, 1988).
19 Discussão de Harold G. Stigers (A commentary on Genesis
[Grand Rapids: Zondervan, 1976], p. 100) dá esta impressão. Ele
diz: “A justiça de N oé foi o único fator que se colocou entre Deus
e a completa destruição do mundo” . Os breves comentários de
Karlberg sobre N oé tentam manter a perspectiva adequada. Ele
afirma acertadamente (p. 219) que a expressão “ andar com Deus”
denota fidelidade pactuai e que isso é o receptor da graça salvadora
a quem anda com Deus - como Noé.
20Ryrie, p. 119-21.
21 T. E Torrence, “ The doctrine of grace in the Old Testament” ,
SJT 1 (1948): 63.
22 Kenneth L. Barker, “ False dichotomies betw een the
Testaments” ,/£TS 25 (1982): 7.
23 Karlberg usa estas expressões; p. ex., ele diz (p. 220): “ Os
princípios antitéticos de lei e graça são influentes numa adminis­
tração mosaica da aliança da graça” . Para mais discussão sobre
este assunto, v. Wayne G. Strickland, “ Preunderstanding and Daniel
Fuller’s law-gospel continuum” , Bsac 144 (1987): 181-93.
24Em outro lugar Karlberg ( “ Legitim ate discontinuities betw een
the Testaments” ,JETS 28 [ 1985]: 20) explica a lei como m eio de regu­
lamentar a “ fruição da terra por Israel sob as condições temporárias
daquela administração histórica particular da aliança da redenção” .
25Walter C. Kaiser Jr., “ Leviticus 18.5 and Paul: do this and you
shall surelly live (Eternally?)” ,/£TS 14 (1971): 21.
26Ibid., p. 23-4.
21Ibid., p. 22.
28Ibid.,p. 23.
29 O verbo ocorre algumas vezes no qal, normalmente nas
formas do particípio, para descrever alguém incumbido de cuidar
ou de apoiar crianças (Rt 4.16; Et 2.7). Um estudo do uso deste
verbo deve levar em conta o niphal e o hiphil. O niphal é usado para
descrever coisas que são constantes, certas ou firmes (uma estaca
de tenda em Is 22.23; trono de Davi em 2Sm 7.16), ou pessoas que
são fiéis ou confiáveis (um sacerdote fiel em ISm 2.35; Deus é fiel
em Dt 7.9; as promessas de Deus a Davi em 2Cr 1.9). O hiphil tem

435
C ontinuidade e descontinuidade

o significado de “ crer” . Essa crença pode ser nas palavras de uma


pessoa ou mensagem baseada em evidência (Êx 4.31; lRs 10.6,7).
Pode ser também confiança em Deus, com ou sem sinais imediatos (Jo
3.5; Nm 14.11). O significado de hiphil, independentemente de como
sua relação com qal e niphal deva ser explicada, descreve confiança
ou segurança em alguém ou algo, especialmente nas palavras de
alguém. Aqui é onde uma ideia informativa ou talvez causai interior
poderia ser compatível - considerar algo confiável seria crer. O hiphil
em Jó 39.24 aproxima mais intimamente a ideia causai em relação
a qal-niphal, porque lá ele descreve um cavalo em pé, firme em
combate. Assim, as palavras no qal descrevem pessoas ou coisas con­
fiáveis, os usos do niphal enfatizam confiança, segurança ou estabili­
dade e quase todos os usos do hiphil denotam uma firme confiança ou
o ato de crer. O crente, então, é aquele que age em plena segurança
ou confiança de que a palavra de Deus é confiável.
30 Karlberg (“Justification in redem ptive history” , p. 219) está
certo ao dizer: “ Uma compreensão mais profunda e mais clara da
justificação pela fé teve de esperar a plenitude dos tempos. Mas na
narrativa primitiva de Gênesis, somos informados simplesmente
que Abraão interpretou literalmente a palavra de Deus” .
31 Gerhard von Rad (O ld Testament theology, I, trad. D. M. G.
Stalker [N ew York: Harper & Row, 1962], p. 355-83) explica que as
palavras “justo” e “justiça” descrevem basicamente um relaciona­
mento. Especificamente, ele escreve (p. 377): “ Chegamos então a
um quadro comparativamente unificado: desde os mais primitivos
tempos em diante Israel celebrou Javé como aquele que concedeu
ao seu povo os abrangentes dons de justiça. E esta npns concedida
a Israel é sempre uma dádiva de salvação” . A ideia de npps ou p*is
de conform idade com o padrão de Deus (ilustrado p elo uso não
teológico em Dt 25.15) indica a necessidade de graça divina, porque
somente pela justiça atribuída pode alguém ser chamado de justo.
32Brown, Driver e Briggs, Hebrew and english lexicon o f the Old
Testament, II, p. 363, nota 3, sob ;iin.
33 Explicação de Dumbrell de Gênesis 15.6 carece desta
precisão e levanta mais dificuldades. Ele diz (p. 54): “ O que prova­
velm ente está envolvido aqui é a afirmação, pelo narrador, de que
a resposta imediata de Abrão de mais confiança foi adequada neste
ponto” . Dumbrell deseja explicar esta passagem como um exem plo
da fidelidade pactuai de Abrão, porque ele quer ver “justiça” como

436
N otas

um comportamento consistente com a natureza de um relaciona­


mento já estabelecido. Mas Gênesis 15.6 relata justiça atribuída, não
fidelidade de Abrão à aliança.
34 Karlberg, “ Legitimate discontinuities” , p. 11.
33 Charles Hodge, Systematic theology, II (London: James Clarke,
reimp. 1960), p. 370.
36 Payne, p. 241.
37 A declaração de Barker (p. 5) de que “ a fé do povo do AT
poderia ter incluído a expectativa de um futuro libertador messiâ­
nico logo em Gênesis 49.10-12 ou possivelm ente até em 3.15” pode
ser verdade, mas é especulativa. Temos de nos preocupar com o que
o texto diz que eles sabiam. Mas a expectativa de “ um futuro liberta­
dor messiânico” é seguramente geral.
38 J. Barton Payne, An outline o f Hebrew history (Grand Rapids:
Baker, 1954), p. 222. Ryrie observa (p. 123) que Payne, em sua obra
teológica, olha para o assunto de maneira diferente como historia­
dor que foi: “ Ele pode aparentemente ver mais de uma perspectiva
teológica do que pode ser visto de um ponto de vista histórico” .
39 Hobart E. Freeman, “ The problem of the efficacy of Old
Testament sacrifices” , BETS 5 (1962): 73.
40Feinberg, p. 55.
41Ibid.
42 Este parágrafo é essencialmente a expressão sobre o tema
da declaração da doutrina do Dallas Theological Seminary.
43 Feinberg discute esta matéria extensamente, explicando
que o tipo retém sua importância contextual, embora simultanea­
mente prenuncie o antítipo (p. 46-7).
44 Quando Karlberg afirma ( “Justification in redem ption
history” , p. 219) que Abrão interpretou literalmente a palavra de
Deus, e le explica que Abrão confiou em Deus quanto à realização
das promessas, que são tanto espirituais como materiais, as últimas
tanto típicas como antitípicas.
43Feinberg, p. 57.
46Dumbrell, p. 47.
47 B. F. Westcott, The gospel according to St. John (Grand Rapids:
Eerdmans, 1962, reimp. da e d .d e 1881), p. 140.

437
C ontinuidade e descontinuidade

48 F. L. Godet, Commentary o f John’s gospel (Grand Rapids:


Kregel, reimp. 1978), p. 681-2.
49 Para discussões sobre os sacrifícios, v. Roland de Vaux,
AncientIsrael, 2 (NewYork:McGraw-Hill, 1965),p.415-56;C.R.North,
“ Sacrifice” ,A theological word book o f the Bible, Alan Richardson, ed.
(NewYork: Macmillan, 1950), p. 206-14. F. D. Maurice, The doctrine o f
sacrifice deduced írom the Scriptures (London: Macmillan, 1893).
50Cf. James L. Mays, The book o f Leviticus, The book o f Numbers,
The Layman’s Bible commentary (Atlanta: John Knox, 1963), p. 26-30.
Mays diz (p. 32), p. ex., a respeito da oferta queimada: “ Isto não
significa que o sacrifício seja a condição absolutamente de qualquer
relacionamento com o Senhor, ou signifique a união do povo da
aliança com ele. Ao contrário, é um m eio de fortalecer a relação que
já existe” . Zink também afirma (p. 411) que “ foi por meio do culto
que o povo manteve seu relacionamento com Deus e sua salvação” .
51Feinberg (p. 67-9) discute a função dos sacrifícios sob quatro
categorias: a função governamental ou teocrática (para garantir uma
posição correta na teocracia); a função tipológica (para prenunciar
o sacrifício de Jesus Cristo); a função do culto (para ocasionar glória
a Deus); e a função soteriológica (para purificar o pecado de quem
trouxe os sacrifícios).
52 O verbo traduzido por “ expiar” , -122, é usado em Gênesis
32.20 quando Jacó aplaca seu irmão Esaú com 550 animais. Esta
ideia seria compatível com as descrições levíticas da expiação e do
cheiro suave usados para descrever tais sacrifícios (v. tb. Gn 8.21).
O uso também sugere que 122 pode ser utilizado para a remoção
dos pecados (expiação) (Is 6.7, SI 65.3 e esp. Jr 18.23 em que ele é
paralelo a nn2 , “ apagar” ). A ideia de cobrir por -122 tão comumente
usada em BDB e em exposições (consequentemente) pode pertencer
a um homônimo. Não fazemos justiça ao AT ao dizer que os pecados
foram meramente cobertos e não removidos.
53 Declaração de Ryrie (v. p. 127) de que as passagens não
indicam que a eficácia dos sacrifícios dependia do estado espiritual
do ofertante [e que este] tivesse então de estar qualificado. Levítico
é um manual para os sacerdotes; ele se concentra no ritual e deixa
as qualificações espirituais para outro momento - bem como muitas
outras questões sobre o significado. É verdade que eles não preci­
saram ser dignos ou observadores como afirma Ryrie, mas de fato
tinham de ter fé.

438
N otas

54 Freeman, p. 76.
55lbid .,p. 78.
56Payne (The theology ofthe Older Testament, p. 174) argumenta
que Davi foi o prim eiro a revelar que o Espírito Santo habitou no
crente e o guiou. Mas ele v ê mais nesses versículos do que eles
realmente dizem. Eles mencionam que o Espírito é bom e conduz as
pessoas (SI 143.10), como o Espírito foi mandado para instruir Israel
(Ne 9.20), como Israel havia irritado o Espírito (Is 63.10), e outros.
Não há dúvida de que o Espírito de Deus foi ativo em Israel e que
habitou em certos indivíduos (com o Payne continua a mostrar); mas
isto não é o mesmo que o batismo e a habitação de todo crente - que
viría com a promessa do Espírito.
57 Zink (p. 406) diz que “ a salvação encontra, às vezes, relação
com o futuro, mas as passagens nas quais esta ênfase é encontrada
são excepcionais” . Ele cita Salmos 49.15; Isaías 26.18,19 e Daniel
12. 1,2.

439
C ontinuidade e descontinuidade

C apítulo 8

1Este ensaio é dedicado ao dr. Johnson com respeito, afeição


e grata lembrança do seu ensino e camaradagem na Conferência
Bíblica de Gulf Coast, no início dos anos 1950.
2 Nas palavras de John Murray, Principies o í conduct (Grand
Rapids: Eerdmans, 1957), p. 182: “ Devemos defender a graça da
adulteração do legalism o e proteger a lei das depredações do anti-
nomismo” . As perguntas acima não deixam espaço para a ideia de
que os antigos israelitas foram salvos por um m eio (obras da lei) e
os cristãos por outro (graça mediante a fé); v. a discussão seguinte.
3Para os termos bíblicos, notadamente rpln e W|ioç, v. os dicio­
nários normais. Para uma comparação dos termos, v. C. H. Dodd, The
Bible and the greeks (London: Hodder & Stoughton, 1935), p. 25-41.
Para um estudo detalhado de vários termos hebraicos, v. J. Van der
Ploeg, “ Studies in hebrew law” , CBQ 12 (1950): 248-59.
4 John Murray, The covenant o í grace (London: Tyndale Press,
1954), p. 22. Cf. O. Palmer Robertson, The Chríst o í the covenants
(Nutley, NJ: Presbyterian & Reformed, 1980), p. 3-15.
5 Assim, Robertson, p. 176-7. As sucessivas expressões de “ a
aliança da redenção” ele chama de “ com eço” (Adão), “ preserva­
ção” (N oé), “ promessa” (Abraão), “ le i” (M oisés), “ o reino” (Davi) e
“ consumação” (Cristo).
6 Sobre a primazia da graça, não da lei, na aliança de Deus
com seu povo, v. Francis I. Anderson, Yahweh, the kind and sensitive
God, God who is rich in mercy, P.T. 0 ’Brien e D. G. Peterson, eds. (UK:
Lancer, 1986), p. 50 (e todo o ensaio, p. 41-88).
7 Walther Eichrodt, Theology o í the Old Testament, 2
(Philadelphia:Westminster, 1967), p. 292. V todo o seu capítulo sobre
“ Relacionamento pessoal do homem com Deus” , p. 268-315.
8 Cf. Lucas 2.24: “ a lei do Senhor” (introduzindo a citação de
Lv 12.8); e ICoríntios 9.21: não estando sem le i para com Deus, mas
debaixo da le i de Cristo.
9 Deixamos de lado o relacionamento entre “ a aliança das
obras” feita com Adão (que Robertson chama de “ a aliança da
criação” ) e a aliança sinaítica, feita com Israel. Sobre este assunto
v. a Confissão de íé de Westminster, cap. 21, “ Da lei de Deus” , secs.
1-2; Heinrich Heppe, Reformed dogmatics (London: Allen & Unwin,

440
N otas

1950), p. 281-300; Mark W. Karlberg, “ Reform ed interpretation of the


mosaic covenant” , WTJ 43 (1980-81): 1-57; W. J. Dumbrell, Covenant
and creation (Exeter, UK: Paternoster, 1984).
10Cf. Mark W. Karlberg, “ Legitimate discontinuities betw een the
Testaments,” JETS 28 (mar. 1985): 9-20, escrevendo de uma perspec­
tiva reformada em resposta a Kenneth L. Barker, “ False dichotomies
betw een the Testaments,” JETS 25 (mar. 1982): 3-16. João Calvino,
Institutes o f the christian religion (Philadelphia: Westminster, 1960),
2.11.1 (Battles, p. 450), escreve que “ todas estas [principais diferen­
ças entre o AT e o NT] dizem respeito a maneira da dispensação, não
à substância” .
11 Confissão de Westminster, cap. 21: “ A lém desta lei,
comumente chamada moral, Deus se agradou dar ao povo de Israel
[...] leis cerim oniais [...] a eles também [...] ele deu diversas leis
judiciais” (secs. 3-4).
12 A diversidade de pensamento reformado chamado “ teono-
mia” crê que a igreja e o Estado perm anecem essencialmente na
mesma relação mútua como nas dimensões civil e cerimonial da
vida de Israel sob Moisés. Todavia, no antigo Israel, ser membro da
“ igreja” era equivalente a ser membro do “ Estado” ; as leis mosaicas
tanto cerimoniais como civis foram planejadas não para a humani­
dade em geral, mas para o povo de Deus em particular; e assuntos
relativos ao culto e de natureza cívica estavam tão intimamente entre­
laçados de forma que eram inseparáveis. Encontrar uma contrapar­
tida moderna na relação da igreja com o Estado numa sociedade
pluralista é inadmissível tanto em princípio como na prática. V.
Confissão de Westminster, cap. 21, sec. 4; e para crítica da teonomia
de uma perspectiva reformada, cf. O. Palmer Robertson, “ Theonomy
in christian ethics, por G reg L. Bahnsen: an analysis of some major
theses of the b ook ” (texto preparado, mas não publicado, s.d.), p.
16-26; e Paul B. Fowler, “ G od ’s law free from legalism: critique of
Theonomy in christian ethics (texto datilografado não publicado,
s.d.), p. 31-8.
13 Em Toward rediscovering the Old Testament (Grand Rapids:
Zondervan, 1987), Walter C. Kaiser Jr. apresenta seu capítulo sobre
“ O Antigo Testamento como um m eio de vid a” como segue (p.
147): “ Não obstante todas as afirmações positivas sobre o princípio
formal da autoridade do AT para o cristão, a questão material acaba
se reduzindo a uma das seguintes m etodologias: (1) tudo o que o

441
C ontinuidade e descontinuidade

NT não repete do AT é antiquado para o cristão ou (2) tudo que o NT


não mudou em princípio ainda perm anece em vigo r para o cristão” .
14 Em relação a esta tríade, eu agradeço ao meu colega Richard
L. Pratt.
ls Cf. David J. A. Clines, The theme o i the Pentateuch (Sheffield:
Univ. Press, 1978), p. 29: “ O tema do Pentateuco é o cumprimento
parcial - que implica também o não cumprimento parcial - da
promessa aos ou bênção dos patriarcas [Gn 12.1-3 et s e g .]” (tudo
em itálico). Textos de apoio do Pentateuco estão reunidos em Ibid.,
p. 32-43, de acordo com os três elementos da promessa: “ pos­
teridade, relacionamento divino-humano e terra” . V. tb. Thomas
E. McComiskey, The covenants o f prom ise: a theology o f the Old
Testament covenants (Grand Rapids: Baker, 1985), p. 66-72.
16 Há dois extremos a evitar. O prim eiro é equiparar a aliança
abraâmica à aliança sinaítica, que Daniel P. Fuller perigosam ente
quase o faz em Gospel and law: contrast or continuum? (Grand
Rapids: Eerdmans, 1980). Os dois são inseparáveis, mas distinguí­
veis; o último se constrói e avança além do prim eiro - notadamente
na nacionalização do povo de Deus sob uma lei externamente codi­
ficada (v. Robertson, Covenants, p. 185-9). Para uma crítica a Fuller, v.
Karlberg, “ Discontinuities,” p. 11-5. O segundo extremo é separar as
duas alianças uma da outra: v. Fuller, Gospel and law, para uma crítica
válida a certas expressões de dispensacionalismo e da teologia da
aliança; O. Palmer Robertson, “ Current reform ed thinking on the
nature of the divine covenants” , WTJ 40 (1977-78): 63-76, especial­
mente sua crítica sobre Meredith G. Kline, p. 70-6. Sobre o tempo
da lei como uma administração da aliança da graça, v. Confissão de
Westminster, cap. 7, secs. 5-6.
17 Gálatas 3.21-24; 4.1-7. Herman Bavinck, Our reasonable faith
(Grand Rapids: Baker, 1977), p. 275, escreve: “A lei não veio em lugar
da promessa, mas foi acrescentada à promessa, precisamente para
dar-lhe mais desenvolvimento e prepará-la para o seu cumprimento
na plenitude do tem po” . Para evidência da “ função protetora”
da lei no próprio Pentateuco, especialm ente Deuteronômio, v.
McComiskey, p. 72-6.
18“A lei foi dada num contexto de graça [...]. Deus deu sua lei
para Israel depois que eles foram resgatados do Egito, não como
meio de garantir a redenção deles” ; cf. Gordon Wenham, The book
ofLeviticus (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 31.

442
N otas

19 Cf. 34.1-5; SI 103.7, 8, em que “ seus caminhos” inclui a


revelação da lei no Sinai. A graça de Javé é especialm ente evidente
em Êxodo 34, que registra a renovação da aliança (v. 10) em seguida
à revolta de Êxodo 32. Cf. D. R. Davis, “ Rebellion, presence, and
covenant: a study of Exodus 32-34” , WTJ 44 (1982): 71-87.
20 Brevard S. Childs, Old Testament theology in a canonical
context (Philadelphia: Fortress, 1986), p. 57.
21 Cf. a sequência em Salmos 103.17,18. Gordon Wenham,
“ Grace and law in the Old Testament,” in Law, morality, and the Bible
(Downers Grove: InterVarsity, 1978), p. 5, 7, aponta para um “ círculo
^ __

virtuoso” semelhante em Exodo 24-Levítico 26; a presença de Deus


no Sinai (Êx 24); a construção do tabernáculo (Êx 25-31); a presença
de Deus no tabernáculo (Ex 40); o apelo à santidade (Lv 1-25); a
promessa da presença de Deus (Lv 26.12: Andarei entre vós e serei
o vosso Deus, e vós sereis o meu povo). No relacionamento pactuai,
“ Ódio (desobediência) m erece e recebe punição; amor (o b ed i­
ência) não tem mérito nem ganha recompensas; o status que ele
mantém e a bênção que recebe perm anecem puras dádivas [...].
Deus sempre faz hesed; ele nunca se vê numa situação na qual se vê
devendo favores a humanos” (Andersen, p. 50,81).
22 Assim, a introdução ao D ecálogo contém uma expressão
compacta da essência da aliança: “ Eu sou o S enhor teu Deus” (Êx
20.2; Dt 5.6). O conhecimento de Deus se expressa em “ cuidado e
eleiçã o” ; o conhecimento de seu povo, em “ submissão e obediên­
cia” à lei de Deus (Eichrodt, 2, p. 292). Para a dimensão cognitiva de
“ conhecer Deus” no AT, v. Rudolf Bultmann, TDNT 1: 696-701; E. D.
Schmitz, D NTT 2:395-7.
23“ O chamado de Deus a Israel para ser seu povo precedeu a
revelação da lei no Sinai, mas somente a obediência poderia fazer
da santidade uma realidade viva” (Wenham,Leviticus, p. 31). Homem
e lei podem ser chamados “ as duas imagens de Deus” (J. A. Motyer,
EDT, p. 623-4): a lei revela o verdadeiro caráter de Deus (assim
também é santo, justo e bom, Rm 7.12); o homem se conforma ao
caráter de Deus ao se conformar à sua lei.
24 Note a sequência em Êxodo 34.6,7. Cf.Wenham, “ Grace and
law,” p. 9-13, esp. p. 12.
25 A respeito desta distinção, v. H. H. Esser, “ Law” , DNTT, p.
441. As leis apodíticas, notadamente o Decálogo, são fundamentais
para as leis casuísticas (ou caso); a última diz respeito a aplicações

443
C ontinuidade e descontinuidade

particulares (e a penas por violação) da primeira. Para evidência do


Pentateuco, v. Kaiser, p. 163.
26P. ex., podem os contrastar a estrita separação de pagãos (com
respeito ao casamento e ao sábado) nos dias de Esdras e Neem ias
com as acomodações aos pagãos (em bora não ao paganismo) nas
histórias de Daniel e Ester. Tais são as dinâmicas da lei de Deus; c f.
Eichrodt, I, p. 83-97. Sobre o progresso da “ tradição” tanto dentro
como além do AT, v. F. F. Bruce, Tradition Old and New (Grand Rapids:
Zondervan, 1970), p. 19-28. (Jesus não censura a “ tradição” como
tal, mas a que contradiz e busca suplantar a palavra de Deus, Mt
15.1-9.) Sobre a especificidade da época e da cultura de todas
as leis bíblicas (incluindo as apodíticas) desde o início, v. John
Goldingay, Approaches to Old Testament interpretation (Downers
Grove: InterVarsity, 1981), p. 51-5.
27 Nos profetas, v. Oseias 12.6 (junto com 4.1,2); Miqueias 6.8;
na tradição de sabedoria, Salmos 15; Provérbios 3.5-7; 4.23; e na
própria lei, esp. Deuteronômio (p. ex., 5.29). O substantivo “ coração”
zb e aab ocorre com notável frequência em Deuteronômio, Salmos,
Provérbios, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Este destaque sobre o Deus
amoroso e próxim o prevê o ensino de Jesus, o supremo profeta e
sábio (Mt 22.37-40; 23.23); e a ênfase em fazer isso sinceramente
prevê o ensino de Paulo sobre a internalização da lei. A raridade
de casuísmo nos profetas e a tradição de sabedoria é mais signi­
ficativa. Sobre a ação dos profetas nas normas de conduta moral,
v. Eichrodt, 2, p. 326-37. Sobre a influência da sabedoria e da lei, v.
Joseph Blenkinsopp, Wisdom and law in the Old Testament (Oxford:
University Press, 1983), p. 130-2, e Childs, p. 210-2.
28 Paulo escreve Romanos 7.7-13 à luz de Gênesis 3; assim
Richard N. Longenecker, Paul apostle o flib e rty (N ew York: Harper &
Row, 1964), p. 90-6. Nas mãos do pecado, a lei de Deus torna-se uma
perversão em si; v. G. C. Berkouwer, Sin (Grand Rapids: Eerdmans,
1971), p. 175. Como escravos do pecado (Rm 3.9), cometemos
pecados (3.23). Sobre esta distinção, v. Victor Paul Furnish, Theology
and ethics in Paul (Nashville: Abingdon, 1968), p. 135-43; Günther
Bornkamm, Paul (N ew York: Harper & Row, 1971), p. 132-3; Walter
Grundmann, TDNT 1:308-11.
29“A lei não é simplesmente um reagente à presença do qual o
pecado pode ser detectado; é um catalisador que ajuda e até inicia

444
N otas

a ação do pecado sobre o homem” . Assim C. K. Barret, The Epistle to


the Romans (London: A. & C. Black, 1957), p. 141.
30 Esta é a mentalidade genuinamente fanática. Porque, como
diz G eorge Santayana em alguma parte, “ fanática é a pessoa que
redobra seus esforços depois de haver esquecido seu objetivo” .
31 No AT, “ santidade nunca está separada do perdão” (W illem
VanGemeren, numa palestra no Reformed Theological Seminary, nov.
1986). Sacrifício é o meio pelo qual o que é impuro pode ser feito
santo para Deus. Cf. Wenham, Leviticus, p. 15-32. “ O sangue cobre
as necessidades do redimido em sua caminhada de obediência
peregrina” (Motyer, EDT, p. 625). O mesmo Deus que pune a iniqui-
dade (ym), Exodo 34.7b, é o Deus que - transbordando em amor (-ton),
(v. 6b) - leva a iniquidade (ym), v. 7a. V. Isaías 53.12. Cf. Eichrodt, “ Sin
and forgiveness” , Theology, 2, p. 380-495, especialmente p. 443-83,
“ The removal of sin” . John Gerstner acertadamente diz que o cerim o­
nial mosaico teve “ um sistema de graça em seu núcleo” ( “ Law in the
NT," ISBE, 3:91).
32 Jó foi um homem íntegro e reto, temente a Deus e que se
desviava do mal (Jó 1.1), cujo “ hábito regular” - como expressão de
sua piedade - era sacrificar ofertas queimadas pelos pecados de
seus filhos (1.5).
33Cf. Herman Ridderbos,Paul (Grand Rapids: Eerdmans, 1975),
p. 149-53; Rudolf Bultmann, Theology o f the New Testament, 1 (New
York: Scribner’s, 1951), p. 264-7; Berkouwer, p. 170-8. Da mesma
maneira, no preparo para pregar o evangelho (Rm 3.21-5.21), Paulo
declara não a lei em si, mas os efeitos da quebra da lei (1.18-3.20), cf.
F. F. Bruce, Paul, apostle ofthe heart set free (Grand Rapids: Eerdmans,
1977), p. 191-2.
34 “A lei escrita no coração é para Jeremias a garantia de que
a antiga lei externa será observada” (Wenham, “ Grace and law,” p.
16). O tema é mais plenamente desenvolvido em Ezequiel: Porei
dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos,
guardeis os meus juízos e os observeis (36.27). Cf. Wenham, ibid.
35Jeremias 31.33c (eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo)
se apoia no versículo 33b (Na mente, lhes im prim irei as minhas leis,
também no coração lhas inscreverei); e o versículo 34b ( todos me
conhecerão...) se apoia no versículo 34c (Pois [':] perdoarei as suas
iniquidades). Em Ezequiel 36 a promessa do Espírito capacitador,
versículo 27 (com a promessa da terra, v. 28a), é seguida por uma

445
C ontinuidade e descontinuidade

suprema segurança: sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus (v,,


28b).
36 Podemos dizer que Jesus vem não para abolir um edifício,
mas para com pletá-lo (cf. NEB), e que nele um plano do AT é pela
prim eira vez realizado num edifício real. Sobre este duplo sentido do
verbo “ cumprir” (irXripótü) em Mateus 5.17, v. Robert Banks, Jesus and
the lawin the synoptic tradition (Cam bridge: University Press, 1975),
p. 207-10. Cf. Joachim Jeremias, New Testament theology: the procla-
mation o f Jesus (London: SCM, 1971), p. 83-5; Herman Ridderbos, The
com ing o f the kingdom (Nutley, NJ: Presbyterian & Reformed, 1962),
p. 292-7; C. E D. Moule, “ Fulfillment-words in the New Testament: use
and abuse” , NTS 14 (1968): 316.
37 Cf. Hebreus 1.1,2 (em que “ profetas” inclui Moisés; cf. 3.1-6).
Sobre a unidade e a diversidade da escatologia do NT, v. G eorge
E. Ladd, A theology o f the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans,
1974).
38 Quanto a TraiSaywyóç, 3.24 “ tutor” (RSV) ou “ guardião” , essa
opção é melhor do que os termos “ professor” ou mestre” , adotados na
KingJames Version. Cf. E F. Bruce, Galatians (Grand Rapids: Eerdmans,
1982), p. 182. Para eiç XpiaTÓv, o sentido de tempo sugerido em até
que Cristo veio (RSV) está mais de acordo com 3.19,23; 4.2,3 do que a
nuance de espaço refletida na construção para nos conduzir a Cristo
(cf. Confissão de Westminster, cap. 21. sec. 6).
39 Para uma defesa da tradução “ meta” , v. C. E. B. Cranfield,
Romans (Edinburgh: T. & T. Clark, 1979), p.516-9. Como meta, Cristo
marca o fim da falsa ideia de que se pode “ estabelecer sua própria
justiça” (v. 3); cf. John Murray, Romans, 2 (Grand Rapids: Eerdmans,
1968), p. 49-51. Tudo o que foi dito sobre “ a lei e os profetas” se
aplica, logicamente, à lei mosaica em particular.
40 Sobre a “ obediência ativa” de Cristo, v. Calvino, Institutas,
2.16.5 (Battles, p. 507-8; Confissão de Westminster, cap. 8, sec. 4: “ e
perfeitam ente cumpriu [a le i]” ; Carl F. H. Henry, Christian personal
ethics (GrandRapids: Eerdmans, 1957), p. 398-418 (sobre Jesus como
a encarnação da obediência, a perfeição absoluta e o amor santo); e
Richard N. Longenecker, “ The obedience of Christ in the theology of
the early church” , Reconciliation and hope, Robert Banks, ed. (Grand
Rapids: Eerdmans, 1974), p. 145-8. Para a evidência da obediência
de Jesus às dimensões cerimoniais e civis da lei, v. W. Gutbrod, TDNT
4: 1062; Ridderbos, Kingdom, p. 292.

446
N otas

41 P. ex., Mateus 26.28, meu sangue [...] da aliança-, João 1.29,


o Cordeiro de Deus; Romanos 3.25, no seu sangue, com o propicia-
ção (iXaGTTÍpiou); 8.3, TTepl ápapTÍas (a expressão usual da LXX em
relação ao hebraico para “ oferta p elo pecado” ); Hebreus 8-10.
Mateus 3.15, cum prir toda justiça, aponta principalmente para a cruz
(com o sinalizado pela identificação de Jesus com pecadores em seu
batismo e ministério); cf. Isaías 53.11; Leon Morris, The cross in the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 41; Ladd, p. 184.
Sobre as raízes veterotestamentárias da linguagem do NT acerca da
expiação, v. Leon Morris, The apostolic preaching o f the cross, 3. ed.
(London: Tyndale Press, 1965).
42 V. Calvino, Institutas, 2.11.4 (Battles, p. 453-4); Confissão de
Westminster, cap. 21, sec. 3. Que Efésios 2.15 se refere especifica­
mente à abolição (o verbo é K c i r a p y é i ú ) do cerimonial mosaico, mas
não da lei mosaica in toto, está claro (1) nas referências ao santuário
dedicado ao Senhor (v. 21); à parede da separação” (v. 14) que per­
manecia dentro do templo (cf. E F. Bruce, Colossians, Philemon, and
Ephesians [Grand Rapids: Eerdmans, 1984], p. 296-8); ao oferecimento
do sangue de Cristo que aproxima os gentios (v. 13); e (2) à alusão
de Paulo ao Decálogo em 6.1-3. A aliança sinaítica é em si uma das
alianças da promessa” (v. 12). Efésios 2.15 pode também ter a intenção
de refutar uma falsa compreensão da lei mosaica (cf. v. 8-10). Cf. John
R. W. Stott, C od ’s new society (Downers Grove: InterVarsity, 1980), p.
99-101; Walter Kaiser, Toward Old Testament ethics (Grand Rapids:
Zondervan, 1983), p. 310. Deve-se acrescentar, na expectativa de dis­
cussões posteriores, que a abolição da lei, ensinada essencialmente
em Efésios 2.15a, prepara o caminho para a sua recriação por causa
do povo de Deus recém-formado (v. 15b). A própria linguagem de
2.21,22 referente a santuário dedicado ao Senhor implica recerimo-
nialização da lei. O processo está relacionado à transformação que
ocorre entre a morte e a ressurreição do corpo (cf. nota 76).
43 Mary Rose D ’Angelo, Moses in the Letter to the Hebreus
(Missoula, MT: Scholars Press, 1979), p. 203, comenta sobre Hebreus
10.1 que “ a concretização futura da im agem não reverte as sombras
da lei; ao contrário, ela as completa, isto é, cumpre-as” .
44 Para a compreensão de Paulo sobre a igreja, v. especial­
mente Ladd, p. 537-49; e Ridderbos, Paul, p. 327-95.
45 V. Colossenses 1.18; Efésios 1.22; 4.15; Ridderbos, Paul, p.
376-87; Confissão de Westminster, cap. 27, sec. 6.

447
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

46 Mateus 6.10; 16.18-28. Sobre a relação da igreja com o reino,


v. Geerhardus Vos, The kingdom o f God and the church (Nutley, NJ:
Presbyterian & Reformed, 1972), p. 77-90; Ridderbos, Kingdom, p.
334-96; Ladd, p. 105-19. Com os pontos precedentes de meu texto,
compare (respectivamente) “ o tríplice ofício de Cristo” como profeta,
sacerdote e rei: Confissão de Westminster, cap. 8; Charles Hodge,
Systematic theology, 2 (Grand Rapids: Eerdmans, s.d.), p. 459-609.
47Assim, a altamente fidedigna expressão Eu, porém , vos digo,
presente em 5.21-48. Cf. 17.1-3, em que Moisés e Elias, que conversa­
ram com Javé no monte Sinai, conversam com Javé encarnado - não
menos glorioso agora do que antes - no monte da Transfiguração.
Porque Cristo é o Filho do Deus vivo (16.16), sua autoridade não
derivou (do AT), mas era inata (em sua própria pessoa); consequen­
temente, sua autoridade “ completa e transcende” a do AT.V. 7.28,29;
N ed B. Stonehouse, The witness o f Matthew and Mark to Christ, 2. ed.
(Grand Rapids: Eerdmans, 1958),p. 198,9,210,11.
48 Muito lamentável é a tradução da The Living Bible de João
1.17: “ Porque Moisés só nos deu a Lei, com suas exigências rígidas e
sua justiça sem misericórdia, enquanto Jesus Cristo nos trouxe, além
disso, o perdão amoroso” . Com o pode alguém falar assim da lei
quando o legislador se identifica como Deus compassivo, clemente e
longânimo e grande em misericórdia e fidelidade (Êx 34.6), a última
frase sendo a fonte de graça e verdade para João!
49 Cf. minha seção sobre a lei e Deus. Sobre o ensino de Paulo
a respeito da vida “ em Cristo” , v. Ladd, p. 479-94; Ridderbos, Paul, p.
57-62; C. F.D. Moule, The origin o f christology (Cam bridge: University
Press, 1977), p. 47-96.
50 Os aToixeia de Gálatas 4.3,9; Colossenses 2.8,20 são “ espíri­
tos elementares” (assim RSV em todos os quatro versículos; cf. “ aos
que por natureza não são deuses” , G14.8, e “ principados e poderes” ,
(C l 2.15) que, como escudeiros do pecado, usam a lei para subjugar
as pessoas (cf. G1 4.5, “ debaixo da le i” ; sobre o “ documento” de Cl
2.14, v. a seguir). Para defesas desta interpretação de crroixeia, v.
Bruce, Galatians, p. 202-4; P. T. 0 ’Brien, Colossians, Philemon (Waco,
TX:Word, 1982), p. 129-32.
51 O documento que era contra nós (C l 2.14) não é a lei em si,
mas um certificado de culpa devido ao nosso fracasso em guardar os
“ regulamentos” da lei. Não é um sinal de trânsito, mas sim uma multa
(c f. N V I). Os principados e as potestades usam o que está acontecendo

448
N otas

como arma contra nós (2.15). Para esta interpretação de xeipóypaèou,


v. Bruce, Colossians, p. 109-10; 0 ’Brien, p. 124-5.
32 Sobre as imagens de 2.14b, v. 0 ’Brien, p. 126.
33Alguém pode servir Sicncovéo), mas não pode ser escravizado
SouXeúco por dois senhores (o último verbo é usado em Mt 6.24). Para
esta distinção de Paulo, v. C. H. Dodd, Romans (London: Hodder &
Stoughton, 1932), p. 97, sobre Romanos 6.15-23.
34 ’ Ev XpioToj fornece a inspiração, por assim dizer, para
evyopoç XpurroO. A última expressão é difícil de traduzir. Sob a lei
de Cristo, da NVI, dá a impressão de que a preposição subjacente é
íjtto , não èv. Uma tradução melhor é a de F. F. Bruce, em The letters of
Paul (Grand Rapids: Eerdmans, 1965): “ Eu estou obrigado pela lei de
Cristo” .’ Ewopos' não tem paralelo em Paulo; a única outra ocorrên­
cia no NT, Atos 19.39, é irrelevante para a nossa discussão.
33Paulo nunca fala de cristãos estarem sob a lei. A mudança de
P-f] ut» civtòs úttò v ó \ i o v de ICoríntios 9.20 para évvopos- XpiaroO de
9.21 é mais importante.
36 Paulo mostra que ele está debaixo da le i de Cristo (v. 21b)
fazendo-se escravo de todos (v. 19b) e tornando-se tudo para com
todos (v. 22).
37 0 ’Brien (p. 139) comenta a respeito de Colossenses 2.16-23:
“ Paulo não está condenando o uso dos dias sagrados ou épocas
como tais; a motivação envolvida é que era errada, pois a observân­
cia desses dias estava relacionada ao reconhecimento de espíritos
elementares” .
58 Sobre Jesus como um profeta e o profeta (cf. Dt 18.15), v.
Gerhard Friedrich, TDNT 6: 841-8, 858-9; James D. G. Dunn, Jesus and
the Spirit (Phildelphia: Westminster, 1975), p. 82-4. Sobre Jesus como
mestre de sabedoria, v. Ulrich Wilckens, TDNT 7: 514-7; W. D. Davies,
The setting o f the Sermon on the Mount (Cam bridge: University Press,
1964), p. 457-60. Assim como Moisés recebeu a instrução (rnin) de
Deus no monte Sinai para preparar Israel para a vida na terra, o novo
Moisés subiu ao monte (Mt 5.1) para expor a instrução de Deus para
o recém-constituído povo de Deus, a fim de prepará-lo para a vida
no reino recém-inaugurado. Mateus diz expressamente que Jesus
“ havendo se sentado” (v. lb ); cf. 23.2, em que “ se assentam na cadeira
de Moisés” significa expor a lei mosaica. V. Robert H. Gundry, Matthew
(Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 65-6, 453-4.
39Calvino, Institutas, 2.8.7. (Battles, p. 373).

449
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

60 Confissão de Westminster, cap. 21, sec. 3, chama Israel do


AT “ uma igreja menor de id ad e” . Calvino dá muito valor a Gálatas
3-4 e Hebreus nas Institutas, 2.11.2-5 (Battles, p. 451-5): as regras
mosaicas (que apontam para a plenitude da sabedoria em Cristo)
e as imagens (prenunciando a realidade de Cristo) foram apenas
o que o povo de Deus precisou durante sua infância. Este ensino
de Calvino é invocado por L. John Van Til, “ The reconstructionist
movement: in the calvinist tradition?” , PR (mar. 1986): 20-4. Ele
responde de forma negativa, acusando que o movimento (que busca
“ reconstruir” a sociedade de acordo com o m odelo de Israel sob
Moisés) não leva em conta o progresso do povo de Deus da infância
(sob Moisés) à maturidade (sob Cristo), deixa, consequentemente,
de abandonar “ o modo inferior de treinamento” (a exposição da lei
sob M oisés) pela tutela mais avançada de Cristo e assim torna-se
culpado de “ hipernomianismo” . Cf. revisão de John M. Frame de
The institutes o íb ib lica l law, de R. J.Rushdoony, em WTJ 38 (1975-76):
195-217. Para uma visão geral do movimento reconstrucionista, v.
Rodney C lapp,“ Dem ocracy as heresy” , CT31 (20 fev. 1987): 17-23.V.
tb. Vos, Kingdom, p. 61-2; Meredith G. Kline, “ Canonical polities, Old
and N ew ” , The structure o í biblical authority, ed. rev. (Grand Rapids:
Eerdmans, 1975), p. 94-110. Sobre o hábito de Paulo de chamar seus
convertidos das “ regras confortáveis” aos “ princípios libertadores” ,
v. Bruce, Paul, p. 461.
61V. Stonehouse, p. 197-202. y
62 Esta meta é alcançada em estágios; o reino já foi inaugu­
rado, mas não ainda consumado. Certos aspectos da lei mosaica já
atingiram sua meta designada e, consequentemente, “ desaparece­
ram” (v. 18). Sobre o “ já ” e o “ ainda não” da escatologia no ensino de
Jesus, v. G. R. Beasley-Murray, Jesus and the kingdom o í God (Grand
Rapids: Eerdmans, 1986), p. 71-218. Para argumentos contra a ideia
de que os judeus do tempo de Jesus esperavam que o Messias
trouxesse uma “ nova 7brá” ,v. Robert Banks,“ The eschatological role
of law in pre-and post-christian jewish thought” , Reconciliation and
hope, p. 173-85 (contra W. D. Davies). Mateus 5-7 influenciou forte­
mente a compreensão de Tiago da le i perfeita, a le i da liberdade (Tg
1.25);v.Peter Davids,James (GrandRapids,Eerdmans, 1982),p.47-8.
Entretanto, isto não exige a conclusão de que Tiago via o ensino
de Jesus como “ uma nova le i” , como Davids argumenta, p. 99-100,
e Rudolf Schnackenburg, The moral teaching o f the New Testament
(Viena: Herder, 1965), p. 349-52. Em vez disso, o i'ó|ios de 1.25 mostra

450
N o ta s

a lei antiga com o exposta (no máximo “ renovada” ) por Jesus, con­
siderando que Tiago nunca une a palavra “ novo” a to uó|ios (como
Schnackenburg reconhece, p. 351); sendo certo que a linguagem
de 1.25 recorda a linguagem do AT sobre a lei (p. ex., SI 19.7; 119
passim); estando fora de dúvida que o uso de Tiago de vó|ioç em
2.8-12 está intimamente ligado ao uso do AT (especialm ente o
D ecálogo). Sobre as afinidades entre Tiago e Levítico 19, v. Walter C.
Kaiser Jr., The uses o f the Old Testament in the New (Chicago: Moody,
1985), p. 221 -4 (seguindo Luke T. Johnson).
63 Cf. 4.2,3 (em que o ôiôacKctXía de 3.16 aparece novamente);
Romanos 15.4. Para o uso de Paulo da lei mosaica entre parêntesis,
v. Romanos 13.8-10; ICoríntios 9.9; 10.1-13; 2Coríntios 13.1; Gálatas
5.14; Efésios 6.2,3; ITim óteo 5.18,19.
64 Os “ três usos” da lei têm sido tradicionalmente chamados
de usus politicus (para restringir o pecado), usus pedagogus (para
levar a Cristo) e usus normativus (para dirigir a conduta do crente); v.
Geoffrey H. Greenhough, “ The reform ers’ attitude to the law of God,”
WTJ 39 (1976-77): 81-99. De destaque especial é Calvino, Institutas,
2.7.12-13 (Battles, p. 360-2), para quem o terceiro é o “ uso principal,
que diz respeito mais intimamente ao uso adequado da le i” (p. 360).
Cf. Catecismo de Genebra, II. A Lei (n®5 131-232). Sobre a ênfase de
Calvino sobre o usus normativus, quando comparado ao de Lutero
sobre o usus pedagogus, v. Berkouwer, Sin, p. 157-65; E. F. Kevan, The
grace o f law: a study in puritan theology (Grand Rapids: Baker, 1976),
p. 38-9. Sobre o estado de urgência crítica de Cristo (com o intér­
prete e cumprimento da le i) para a exposição de Calvino, v. I. John
Hesselink, “ Christ, the law, and the christian: an unexplored aspect
of the third use of the law in Calvin’s theology” , Reformado perennis,
B. A. Gerrish, ed. (Pittsburgh: Pickwick Press, 1981), p. 11-26. V. tb.
a Confissão de Westminster, cap. 21, sec. 6; e para um tratamento
completo, Ralph R. Sundquist, The third use o f the law in the thought
o f John Calvin (Ann Arbor, MI: University Microfilms, 1972). Sobre a
lei de Deus como uma “ amiga útil” na vida do cristão, v. M. Eugene
Osterhaven, The spirit o f the reform ed tradition (Grand Rapids:
Eerdmans, 1971), p. 132-7. Sobre o tertius usus legis em Paulo, v.
Ridderbos, Paul, p. 278-88.
65 Jesus censura “ os fariseus e os mestres da le i” , não por
levarem a lei seriamente demais, mas por não a levarem suficien­
temente a sério. Eles a pregam, mas não a praticam (23.3); eles se
concentram nas minúcias da lei e negligenciam seus pontos mais

451
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

importantes (23.23); e eles suplantam as leis divinas com tradições


humanas (15.3-9).
66 Para os repetidos ataques de Mateus ao antinomismo,
v. Gundry, Matthew, passim. Ele observa, p. 6, que “ de acordo
com Mateus o legalism o judaico é, e le próprio, antinomiano
em seu fracasso para ex ig ir a verdadeira justiça (5.19,20)” .
Semelhantemente G reg L. Bahnsen, Theonomy in christian ethics
(Nutley, NJ: C raig Press, 1977), p. 89-124.
67 Ridderbos (Kingdom, p. 291, 309) escreve: “ A pregação
ética de Jesus não tem uma base mais profunda do que a lei como a
revelação da vontade de Deus a Israel, o povo da aliança [...]. Jesus
não dá uma nova descrição ou resumo de coisas éticas, mas dá uma
séria visão da profundidade da lei divina revelada” .
68Amarás o teu próxim o (Mt 5.43a) cita Levítico 19.18; odiarás o
teu inim igo (5.43b) é uma falsa inferência dele. A parábola do bom
samaritano (Lc 10.30-37) interpreta Levítico 19 (Lc 10.26-29).
69 “ O amor a Deus e ao próxim o deve perm ear a obediência
a todos os outros mandamentos” (Gundry, Matthew, p. 450, sobre
22.40b). A “ regra de ouro” de Mateus 7.12, com a qual Jesus conclui
sua exposição da lei (5.17-7.12), antecipa o mandamento de 22.39.
Com 7.12b, porque esta é a Lei e os Profetas, cf. 22.40b. Tanto 7.12
como 22.39 vão além do amor pelos “ irmãos” (cf. 7.3-5; 5.47, e, se
saudardes somente os vossos irmãos...). Sobre o relacionamento
entre essas duas passagens, v. mais em Gundry, ibid., p. 125.
70Levítico 19.18écitado emRomanos 13.9,Gálatas5.14eTiago
2.8. De acordo com ICoríntios 8.1-3, não se conhece a Deus até que
se ame a Deus; além disso, alguém mostra seu amor a Deus ao amar
outra pessoa, versículos 4-13. Tendo descrito o fruto do Espírito,
Gálatas 5 22,23a, Paulo escreve: Contra essas coisas não existe le i (v.
23b). A o contrário, a lei que é dirigida contra “ as obras da carne” (v.
19-21; cf. lTm 1.8,9) é a favor das qualidades dos versículos 22-23a,
das quais a mais importante é o amor (c f. v. 14).
71 C. H. Dodd, “ ENNOMOS CHRISTOU” , m ore New Testament
studies (Grand Rapids: Eerdmans, 1968), p. 138,9, escreve que “ a lei
suprema de Deus p od e ser discernida na Torá quando é interpretada
por Cristo [...]. O bediência à lei de Cristo [...]. é também obediência
à lei de Deus personificada na Torá quando ela é corretamente valo­
rizada e com preendida” .Benno Przybylski, Righteousness in Matthew
and his world o f thought (Cam bridge: University Press, 1980), p. 83,

452
N o ta s

acertadamente diz que a antítese de Mateus 5.21-48 “ não reflete


uma nova lei, mas uma nova interpretação da lei existente” . Mas
Przybylski segue dizendo (p. 87) que, de acordo com Mateus, os dis­
cípulos “ devem viver de acordo com uma interpretação diferente da
lei, ou seja, uma interpretação extremamente meticulosa e estrita,
que parece estar baseada num princípio relacionado a fazer uma
cerca em torno da Torá” , sendo a meta dessa conduta a “ p erfeição”
num sentido quantitativo. Em meu julgamento isso vai longe demais
por considerar de pouca importância a ênfase de Jesus a respeito
das regras acima, e sobre a discussão do amor, acima (15.3-9); sobre
dar peso insuficiente aos efeitos da escatologia de Mateus e à cris-
tologia da ética de Mateus (v. revisão de E W. Burnett de Przybylski
em JBL 102 [mar. 1983]: 149-51); e por com preender mal a TéXeioi de
5.48 (v. minha nota 75).
72Nas palavras de W. D. Davies, The setting o f the Sermon on the
Mount (Cam bridge: University Press, 1964), p. 102, “ Não podem os
falar da lei sendo anulada na antítese [5.21-48], mas somente de
ser intensificada em sua exigência, ou reinterpretada num tom mais
alto” . Gundry chama essas seis antíteses de uma “ escalada” das proi­
bições, limitações e salvaguardas da lei, pelas quais “Jesus cumpriu
as tendências da lei do AT até sua verdadeira finalidade” (Matthew;
p. 100). Jesus “ não aboliu um mandamento; ao contrário, intensifi­
cou todos” (Gerstner, p. 88). “Jesus radicaliza a lei do Sinai [...] não
no sentido de substituí-la por outra, mas de induzir sua intenção
original ao cumprimento” (Brevard S. Childs, Exodus [Philadelphia:
Westminster, 1974], p. 429).
73 Note bem o texto de 13.34b, Como eu vos amei, que também
vos ameis uns aos outros. Que Jesus está prestes a mostrar “ a total
extensão do seu amor” pelos “ seus” (13.1) ao morrer por eles (cf.
10.14-18) - cuja ação marca o estabelecimento da “nova aliança” de
Jeremias 31 (Lc 22.20) - ajuda a explicar por que o presente manda­
mento é “ novo” ; assim Raymond E. Brown, The Gospel according to
John (Garden City, NJ: Doubleday, 1970), p. 614. A ordem é também
nova no sentido de que ela corresponde ao recém-revelado rela­
cionamento de amor entre Jesus e o Pai (15.9-17); v. C. K. Barret, The
Gospel according to St. John, 2. ed. (Philadelphia: Westminster, 1978),
p .452.
74 Conhecer a bondade de Deus (v. 17b) é amá-lo; e amá-lo
é ob ed ecer a seus mandamentos (v. 17c). A falsidade da alegação
do jovem de haver amado seu semelhante como a si mesmo (v.

453
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

19,20) fica exposta em sua recusa em dar suas posses aos pobres
(v. 21,22), que por sua vez denuncia escravidão a Mamom em vez
de a Deus (6.19-24). O zelo do jovem (a pergunta do v. 16 deve ter
surgido de um desejo de fazer obras além das requeridas pela lei) e
a ansiedade (ele teme que suas boas obras venham a ser inadequa­
das para herdar a vida eterna) sugerem uma maior ocupação com a
guarda da lei do que com o legislador.
75Sobre o amor a Deus e ao próximo como mandamento funda­
mental da lei no AT e no NT, v. tb. Victor Paul Furnish, The love command
in the New Testament (Nashville: Abingdon, 1972); Leon Morris,
Testaments o i love (Grand Rapids: Eerdmans, 1981); Berkouwer, p.
181 ( “amor é o único significado da le i” ); Emil Brunner, The christian
doctrine ofcreation and redemption (Philadelphia: Westminster, 1952),
p. 218-9. Dada a centralidade do “ amor” e da “justiça, misericórdia
e fidelidade” tanto na exposição de Moisés como na de Jesus da lei
(22.37-40; 23.23), é muito equivocado interpretar 5.20 no sentido de
os discípulos conseguirem uma “ quantidade” maior de obediência.
Que alguém ame “ mais” do que “ menos” (Lc 7.47) é mostrado pela
expressão e intensidade de amor (7.37-46), não por seu “ tamanho” .
Tentar m edir ou contar tais qualidades violaria seu verdadeiro espirito;
nunca se consegue uma “ quota” predeterminada (cf. Lc 10.25-37; Rm
13.8-10). Consequentemente, o discípulo TeXeioç (Mt 5.48) não é
aquele cujas boas obras atingiram um “ máximo” estipulado, ou cuja
vida chegou, por estágios, a uma “ perfeição moral” . Ao contrário, ele
é alguém cujo amor e cuja misericórdia - como os de Deus - não
conhecem limites (como observado anteriormente), e cuja vida toda
é de integridade perante Deus e de fidelidade aos seus mandamen­
tos (cf. Jó 1.1; SI 15; M q 6.8; G. Delling, TDNT 8: 72-4; K. Koch, tmm,
Theologisches Handwòrterbuch zum Alten Testament, 2, E. Jenni e C.
Westermann, eds. [Chr. Kaiser, 1976], p. 1045-51).
76 Jesus declara não uma nova lei, mas uma nova exposição da
antiga lei; em outras palavras, a lei de Moisés está relacionada com
a lei de Jesus não como A para A, nem como A para B, mas como A l
para A2. Podemos comparar o ensino de Paulo em ICoríntios 15 sobre
a ressurreição do corpo: Todos nós seremos transformados, mas nós é
que seremos transformados; nós nos tornamos pessoas transforma­
das, não diferentes. Da mesma forma, nas mãos do Senhor encarnado
a lei mosaica é transformada, não substituída por outra lei.
77 Sobre o histórico do AT, v. minha seção sobre a promessa
da lei. Paulo não contrasta a lei e o evangelho em 2Coríntios 3-4,

454
N o ta s

mas letra e espírito (sobre isso, v. a seguir). Tenho apresentado


argumentos para a interpretação acima sobre a “ letra” de 3.3,
em Gospel according to Paul (Tese de doutorado não publicada,
1977), p. 161-2. Destacando que Romanos 8.1-4 repete o sentido
de Jeremias 31.31-34, F. F. Bruce (Paul, p. 199-200) escreve: “ Nesse
oráculo não existe diferença substancial em conteúdo entre a lei
que Israel fracassou em observar sob a antiga aliança e a lei que
Deus prom ete para o futuro colocar dentro de seu povo, escrevendo-
a ‘no seu coração’ . A diferença está entre o conhecimento que eles
tinham do código externo, e eles a conhecerem dali em diante como
um princípio interior. Assim, para Paulo não havia diferença funda­
mental de conteúdo entre a ‘justa exigência da le i’ que não p od e ser
observada pelos que vivem ‘segundo a carne’ e a justa exigência
cumprida naqueles que vivem ‘de acordo com o Espírito” ’ .
78 Cranfield (Romans, p. 870) escreve: “ O que Paulo denota
por gramma (quando contrastado com pneuma) [v. - além de 2Co
3.6 - Rm 2.29; 7.6] é [...] essa mera letra, sendo o que resta no AT
como um todo, ou em qualquer parte dele, quando se insiste em
interpretá-lo independentem ente do Espírito Santo e, portanto, sem
referência àquele de quem o AT dá testemunho, Jesus Cristo” . O
mesmo argumento é apresentado em E. Earle Ellis, Paul’s use o f the
Old Testament (Edinburgh: O liver & Boyd, 1957), p. 25-8. O Espírito
não substitui, mas coopera com a palavra - desde o início (Gn 1.2,3;
SI 33.6). Em 2Coríntios Paulo ataca a posição de seus oponentes pre­
cisamente ao apelar para “ o que foi escrito” , especialm ente uma
seleção da lei mosaica, Êxodo 34. V. tb. Walter C. Kaiser Jr., “ The
w eightier and lighter matters of the law: Moses, Jesus and Paul” ,
Current issues in biblical and patristic interpretation, G. F. Hawthorne,
ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 185-92.
79Sobre a centralidade do amor na obra do Espírito de acordo
com Paulo, v. Gálatas 5.22 (cf.v. 13,14); Efésios 3.16-19.
80Bruce (Paul, p. 201) escreve: “A lei [...] como a materialização
da vontade de Deus, é confirmada e cumprida mais adequadamente
na era da fé do que foi possível ‘antes que a fé viesse’, quando a
lei mantinha o povo de Deus ‘confinado’ (G1 3.23). Somente numa
atmosfera de liberdade espiritual pode a vontade de Deus ser ade­
quadamente obedecida e sua lei mantida” .
81 Ibid., p. 202, citando Martinho Lutero.

455
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

82 F. F. Bruce, Acts (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 432, nota


39, afirma: Um espírito verdadeiram ente emancipado como o de
Paulo não está escravizado à sua própria em ancipação” .
83 Murray (Conduct, p. 191) comenta Romanos 6.15-23: “ Se
pecado é a transgressão da lei, justiça deve ser conformidade com a
lei. A lei de Deus, que Paulo caracteriza em sua epístola como espi­
ritual, isto é, divina em sua origem e natureza, santa, justa e boa de
acordo com o padrão daquele que é o autor [7.12,14], deve ser con­
siderada o critério de justiça tanto quanto é o critério para definir o
pecado” .
84 Penso que, provavelmente, embora incerto, ambos os casos
de vó|ioç em 8.2 se referem à lei mosaica - tanto quanto aplicada ao
pecado e morte (cf. 7.7-12) como ao Espírito de vida (cf. 8.4).
85 A luta descrita em Romanos 7.14-25, longe de terminar
quando uma pessoa se torna crente, pode somente com eçar nesse
ponto. Nesse momento os poderes da “ presente era maligna”
são pela prim eira vez desafiados pelos poderes maiores da “ era
vindoura” , e o eu total é atraído para ambas as direções. Dado o
ensino do capítulo 8 sobre a contínua ameaça da carne (8.3-13) e
a permanente relevância da lei de Deus (8.4) na vida do cristão,
todo o potencial para o conflito descrito em 7.14-25 é uma realidade
presente. Todavia, ao descrever a luta como faz no capítulo 7, Paulo
prepara melhor seus leitores para a boa notícia da obra do Espírito
no capítulo 8 (a única referência ao Espírito no cap. 7 vem no v. 6,
que ecoa em 8.1). Para uma forte argumentação em prol dessa inter­
pretação da passagem, v. James D. G. Dunn, “ Romans 7.14-25 in the
Theology of Paul” , ThZ (1975): 257-73.
86 Confissão de Westminster, cap. 21, sec. 7.
87 O caráter essencial das Bem-aventuranças é o evangelho,
não a lei; Jesus está aqui pronunciando bênçãos, não editando man­
damentos. Assim argumentei num comentário sobre Mateus a ser
publicado pela Baker.
88 Romanos 1.18-3.20; 9.30-10.4; Gálatas 3.1-4.31; Filipenses
3.2-11; Efésios 2.8,9. R. N. Longenecker (Paul, p. 78) faz uma importante
distinção entre o “legalismo atuante” e o “ nomismo que reage” , ambos
presentes no farisaísmo dos dias de Paulo, sendo o primeiro “ um ajuste
da vida em harmonia externa e formal com a lei para conseguir justiça
e/ou parecer justo” ; e o último “ a modelagem da vida de alguém em
todas as suas variadas relações de acordo com a lei, e isso em resposta

456
N o ta s

ao amor e à graça de Deus” . E. P. Sanders, Paul andpalestinian judaism


(Philadelphia: Fortress, 1977), p. 419-28, defendeu um amplo “ nomismo
pactuai” no farisaísmo dos dias de Jesus e de Paulo, de acordo com o
qual Deus, por sua graça, estabelece a aliança com Israel como base
para observância da lei. A obediência à lei foi subsequente a esse dom
gracioso, e a salvação se fundamentou na misericórdia de Deus, não na
realização humana. Consequentemente, ele alega (p. 550) que o erro
fundamental do judeu aos olhos de Paulo não é que ele esteja procu­
rando se salvar, mas que a busca dele não é dirigida ao objetivo certo,
ou seja, Cristo. Mas a legítima reação de Sanders contra a avaliação
unilateral do judaísmo farisaico em termos de “ legalismo atuante” o
leva da mesma forma a uma ênfase unilateral sobre o “ nomismo que
reage” (como definido por Longenecker). Para uma análise pene­
trante e corretiva da obra de Sanders (como exposta tanto no volume
acima como em sua sequência, Paul, the law, and the jewish people
(Philadelphia: Fortress, 1983), v. R. H. Gundry, “ Grace, works, and
staying saved in Paul” , Bib 66 (1985): 1-38. Gundry conclui (p. 37-8) que
“Paulo rejeitou o judaísmo e o cristianismo judaizante não somente por
causa da convicção de que Deus havia revelado seu Filho Jesus nele
(G 11.15,16) [...] mas também por causa da convicção de que a justiça
das obras está no centro do judaísmo e do cristianismo judaizante e
que isso corrompería o que ele cria acerca da graça de Deus em Jesus
Cristo” . Sobre a compatibilidade de Romanos 7.7-13 com Filipenses
3.4-6, v. R. H. Gundry, “ The moral frustration of Paul before his conver-
sion: sexual lust in Romans 7.7-25” , Pauline studies, D. A. Hagner e M. J.
Harris, eds. (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), p. 233- 4.
89V. Romanos 6.15-23 (sobre a obediência como uma marca de
vida “ sob a graça” ) ; Efésios 2.8-10; Tito 2.11-14.
90 “A o guardar a lei como ele exigiu, eles achariam paz”
(Gerstner, p. 86). Cf. a seguir sobre Mateus 12.1-14.
91 Esta seção (III., n08 86-129) vem depois de “ Da miséria
humana” (I.) e “ Da redenção do homem” (II.). Prefaciando a expo­
sição do D ecálogo (nos 92-115), o Catecismo define “ boas obras”
como “ somente aquelas feitas como resultado da fé verdadeira, de
acordo com a lei de Deus e para sua glória” (na 91). V. Comentary on
the H eidelberg Catechism (Nutley, NJ: Presbyterian & Reformed, s.d.;
reimp. da ed. americana de 1852), por Zacharias Ursinus (um dos
autores do catecismo), p. 464-5, et seq. Diz o Catecismo de Genebra
em resposta à pergunta ligada a Exodo 20.2,3: “ Porque ele é o nosso

457
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Salvador, essa é uma boa razão para sermos um povo obediente a


e le ” (na 137).
92 Tendo exposto a lei (Mt 5.21-7.12), Jesus adverte seus
ouvintes de que o caminho estreito da guarda da lei leva à vida,
mas o caminho largo do antinomismo (com o defendido pelos falsos
profetas) leva à morte (7.13-20; cf. SI 1); e que no fim a submissão
ao senhorio de Jesus é mostrada menos pela ortodoxia do que
pela ortopraxia - isto é, fazer a vontade do Pai pela obediência à
lei como ensinada por Jesus (7.21-27). Mateus coloca sua discussão
da lei “ sempre na estrutura escatológica do iminente julgamento
final” (Brevard S. Childs, The New Testament as canon [Philadelphia:
Fortress, 1985], p. 73).
93 Cf. Esser, DNTT 2: 449. Murray ( Conduct, p. 200) escreve: “A
exigência por obediência na aliança mosaica é idêntica à mesma
exigência sob o evangelho” porque nos dois casos a guarda da lei
repousa na promessa e na graça salvadora. A exclusão dos trans­
gressores em Apocalipse 21.8 e 22.15 é especialm ente pungente
num contexto que descreve a plena realização da comunhão pactuai
entre Deus e seus servos fiéis.
94 Cf. nota 21.
95Ninguém jamais será justificado pelas obras da lei (ê£ epyojv
vó|iou) (Rm 3.20); as obras da lei nunca são a base de justificação.
Em nenhuma parte Romanos 2 fala de justificação pela ou com base
nas obras da lei. A expressão grega èÇ epywu uópou ( “ pelas obras
da le i” ) nunca ocorre no capítulo. Uma coisa é falar de julgamento
“ de acordo com as obras” K a T Ò t ò epya airroD (v. 6 ) , e outra é falar
de justificação “ pelas obras” , épycoT'. Romanos 2.13 pode ser lido
no contexto do debate com os judeus, ao enfatizar a distinção entre
os que somente ouvem a lei e os que a ouvem e obedecem (cf. Tg
1.22-25). Pode também ser interpretado como uma declaração do
que de fato acontecerá no juízo final, no caso dos que são justifica­
dos pela fé em Cristo. Cf. Cranfield, Romans, p. 155; Ernst Kàsemann,
Romans (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), p. 57-8; Murray, Romans,
1, p. 78-9; Ridderbos, Paul, p. 178-81; e Gundry, “ Grace, works, and
staying saved in Paul” , p. 35, onde ele enfatiza (contra a opinião de
E. P. Sanders de que, de acordo com Paulo, a pessoa vem à salvação
pela fé e perm anece nela pelas obras) que, para Paulo, as boas obras
são provas ou evidências da salvação “ retida e recebida somente pela
fé ” , não como um m eio ou uma condição para perm anecer salvo. A

458
N o ta s

“ justiça” (g reg o p. 369) de Mateus 5.20 dá testemunho do discipu-


lado genuíno, mas não tem mérito para a salvação. Não é equiva­
lente, mas é compatível com a (grego p. 369) de Romanos 3.21. Cf.
G. Schrenk, TDNT 2: 198-9; Gundry, Matthew, p. 82; Roger Mohrlang,
Matthewand Paul (Cam bridge: CUP, 1984),p. 17-8;GerhardBarth,em
Tradition andinterpretation in Matthew (London:SCM, 1963),p. 140 (o
dikaiosyríê de Mateus é tanto “ exigência como dom escatológico” ;
cf. 5.6; 6.33).
96Wenham, Leviticus, p. 184.
97 Jesus acha especialm ente abominável a violação dos Dez
Mandamentos (cf. v. 9), especificam ente do primeiro, terceiro (v. 6,
7), quinto (v. 10-13), e do sexto ao décim o (v. 21,22).
98Wenham, Leviticus, p. 184. Cf. versículo 19b, e o subsequente
ministério de Jesus aos gentios, 7.24-8.13 (cf. Mt 15.21-39); também
Atos 10.9-29.
99 V. tb. Mateus 19.17-19; Romanos 13.8-10. Com o observa
John Murray ( Conduct, p. 193), o D ecálogo serve como fundamento
para ICoríntios 6.9-11, tanto como o padrão p elo qual as práticas
dos versículos 9 e 10 são consideradas injustas, com o a base para
a conduta do redim ido no versículo 11 (cf. o uso do sétimo manda­
mento no v. 18). Nas palavras do Breve catecismo de Westminster,
ne 41, “ A lei moral é com preendida de form a resumida nos Dez
Mandamentos” . Para uma pesquisa do uso de Jesus do D ecálogo,
v. Gerstner, p. 86-8. Para uma cuidadosa aplicação contem porâ­
nea do D ecálogo com base no mandamento subjacente de amar
ao próxim o, v. Lewis B. Smedes, M ere morality (Grand Rapids:
Eerdmans, 1983).
100 A junção do retrato (o busto de Tibério) à inscrição (atri­
buindo divindade a César) fazia da adoração ao im perador uma
violação aos dois primeiros mandamentos.
101 Cf. ICoríntios 10.7 (com Êx 32); 2Coríntios 6.14-7.1 (e G. D.
Fee,N TS 23 [1977J: 140-61); Atos 15.20,29; Colossenses 3.5 (em que
Paulo identifica a cobiça como idolatria).
102 Cf. Francis I. Andersen e David N oel Freedman, Hosea
(Garden City, NY: Doubleday, 1980), p. 430. De acordo com Oseias
6.6, a m isericórdia sobrepuja o sacrifício sem excluí-lo (v. ibid.;
ISm 15.22, NVI). O fato de que certas leis cerimoniais e civis foram
acrescentadas para especificar meios práticos de honrar o sábado e
protegê-lo de profanação (p. ex., Êx 31.13-16; 35.2,3;Lv 23.3,38;Ne

459
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

13.15-22) não deve obscurecer a realidade muito importante de que


o mandamento fundamental do sábado está contido no Decálogo.
Em outras palavras, seu principal objetivo é o amor a Deus e ao
próximo. É um mandamento transicional, unindo 1-3 a 5-10. O bserve
como, em Oseias 6.6, o amor ao próxim o (v. 6a) está unido da forma
mais íntima ao amor a Deus (v. 6b).
103 O templo é maior que o sábado porque os requisitos sacer­
dotais excedem a lei do sábado (v. 5). Quem é maior que o templo
(v. 6) é, consequentemente, também maior que o sábado.
104 Em 14.5, Paulo dificilmente se refere exclusivamente ao
sábado. Mas seria também um erro, em minha opinião, entender o
versículo 5 como referindo-se a todos os dias especiais, exceto o
sábado - para os judeus, o dia mais especial de todos (Gn 2.3; Êx
20.8-11; c f. Cl 2.16, N V I). Para apoio à ideia de que esta disputa entre
o “ fraco” e o “ forte” é basicamente entre judeus e cristãos gentios, v.
Romanos 15.7-13; Cranfield, Romans, p. 695.
103 Sobre Colossenses 2, v. minha discussão sobre Cristo como
Senhor da lei. Calvino distingue “ três condições nas quais [...]
consiste a guarda deste mandamento” (Institutas 2.8.28-34; Battles,
p. 395-401). A primeira: o prenúncio do descanso espiritual que
seria plenamente realizado em Cristo (par. 29). “ Parece [...] que o
Senhor por meio do sétimo dia delineou para o seu povo a perfeição
futura do seu Sábado do Último Dia” (par. 30). Agora que a realidade
chegou, a sombra não é mais necessária (par. 31).
106 Paulo não diz nada em Romanos 14 ou em qualquer outra
parte que ponha em dúvida a permanente validade deste princípio.
A segunda “ condição” de Calvino (par. 32), a qual perm anece
“ igualmente aplicável a todas as épocas” , é que o sábado propõe
“ o cessar do trabalho” . Cf. Murray, Conduct, p. 30-5; Romans, 2, p.
257-9.V. tb. James T.DenninsonJr., “ The perpetuity and change of the
sabbath” , Soli Deo Gloria, R. C. Sproul, ed. (Nutley, NJ: Presbyterian
& Reformed, 1976), p. 146-55 (com especial referência a Jonathan
Edwards).
107 A terceira “ condição” de Calvino (Institutas, par. 28; cf. Lv
23.3) é que Deus, pela lei do sábado, fixou um dia para seu povo
se reunir para a adoração e o ensino. Este princípio perm anece
em vigor para o povo de Deus, junto com o princípio do descanso
(par. 32). Mas, continua Calvino, com a vinda de Cristo a escolha do
dia torna-se um assunto não de lei, mas de conveniência (par. 34).

460
N o ta s

Insistir num dia em particular é perpetuar uma “ superstição crassa


e carnal relacionada ao sábado” (ibid.) não diferente da que Paulo
combate em Gálatas 4.10 e Colossenses 2.16. Os cristãos judeus de
Romanos 14 parecem ter considerado os cristãos gentios insuficien­
tes “ guardadores do sábado” .
108 A citação é de Jeremias, p. 210. “Jesus rejeita categorica­
mente a prática de usar um mandamento bíblico para negar outro” ;
assim W illiam Lane, Mark (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 252.
Lucas 2.41-52 ensina que a principal submissão de Jesus não é aos
seus pais, mas ao seu Pai celestial (v. 49) e que Jesus ob ed ece a Deus
ao ob ed ecer seus pais (v. 51); ele crescia em graça, tanto diante de
Deus como dos homens, incluindo seus pais (v. 52).
109 Cf. 1.27; 2.13-17; Davids, James, p. 117. Inversamente,
cuidar do necessitado é para Tiago a principal maneira de alguém
cumprir o mandamento básico: Amarás o teu próxim o com o a ti
mesmo (2.8).
110 O termo abrange adultério, fornicação, homossexualidade,
incesto e bestialidade. V., p. ex., Mateus 15.19; 19.9; Marcos 7.21;
1Coríntios 5.1; 6.18; Gálatas 5.19; F. Hauck e S. Schulz, TDNT 6:579-95.
111 Levítico prescreve a pena de morte para todas as formas
acima de rropveia (nota 109) exceto fornicação (cf.Wenham,Levjfícus,
p. 258,sobre 18.20).ATTopT,eía de Mateus 19.9poderia tomar uma das
quatro formas; quando a mulher é casada, a fornicação é excluída.
112 O ter ele achado coisa indecente de Deuteronômio 24.1,
em bora basicamente envolva algo de natureza sexual, é diferente
de Tiopveía de Mateus 19.9, que era punida com a morte pela lei
de Moisés (nota 110). O versículo 9 não contradiz os versículos 4-6.
Porque se TTopveía tivesse ocorrido, o vínculo matrimonial Já estaria
desfeito; o divórcio não causa a divisão, mas testifica uma divisão já
existente. V. Gundry, Matthew, p. 381.
113 Deus ordena que outros lhe obedeçam abstendo-se do
casamento (v. 12).
114 Para o jejum sob Moisés, v. Levítico 16.29-31; 23.27-32;
Números 29.7; para jejuns posteriores em memória, v. Zacarias 7.3-5;
8.19.
115Sobre 6.16-18, v. Jeremias, p. 157-8;T.W.Manson, The sayings
o f Jesus (London:SCM, 1949), p. 172.

461
C ontinuidade e descontinuidade

116 Tanto a circuncisão da carne como o batismo por água


sinalizam purificação; ambos representam o afastamento do antigo; e
ambos sugerem m orte (circuncisão, pelo derramamento de sangue;
batismo - por imersão - lembra a morte por afogamento).
117Para esta visão (admitidamente presbiteriana reformada!), v.
John Murray, Christian baptism (Nutley, NJ: Presbyterian & Reformed,
1970).
118V. João 2.19-22; ICoríntios 3.11,16; Efésios 2.19-22; lPedro
2.5; Donald Guthrie, New Testament theology (Downers Grove:
InterVarsity, 1981), p. 747-9; Ridderbos, Paul, p. 429-32.
119Hebreus 13.15;Filipenses 2.17;4.18;Romanos 12.1; Efésios 5.2.
120J. N. D. Kelly, The Epistles o f Peter and o f Jude (London: A. & C.
Black, 1969), p. 91, comenta sobre lPedro 2.5b: “ Muitos escritores do
AT já vislumbraram a verdade de que o que agrada a Deus não é o
sacrifício externo em si, mas coisas como oração, louvor, gratidão, um
coração contrito e quebrantado e uma vida de justiça e compaixão” .
Ele cita Salmos 50.14; 51.16-19; 69.30, 31; 141.2; Oseias 6.6; Miqueias
6.6-8. Hebreus 13.15,16 convoca os leitores ao “ sacrifício” de amar a
Deus e ao próximo.
121 Para as afinidades entre a última ceia e a Páscoa, v. Joachim
Jeremias, The eucharistic words o f Jesus (N ew York: Scribner’s, 1966),
p. 15-88.
122Para a “ lembrança” eucarística da morte de Cristo, v. Mateus
26.26-28 (e paralelos); ICoríntios 11.23-26. Hebreus 13.10 prova­
velm ente fala do altar celestial (cf. 9.11-28), não do Calvário ou da
mesa do Senhor; v. I. Howard Marshall, Last supper and Lord3 s supper
(Grand Rapids: Eerdmans, 1981), p. 139-40. Para o apelo cristão à
cruz, v. ljoão 1.7; 2.2. Sobre o p erigo de viver indiferente à cruz, v.
Filipenses 3.18,19; Hebreus 6.4-6; 10.26,27. Para paralelos sugeridos
entre a eucaristia e Êxodo 24, v. F. C. Fensham,“ The covenant as giving
expression to the relationship betw een Old and N ew Testament” , TB
22 (1971): 91-2.
123Wenham (Leviticus, p. 342) escreve: “ o hábito de [...] pensar
é simplesmente assumido no NT (v. At 18.18; 21.23; Mt 23.23) como
é em Levítico 27” . Isso ajuda a explicar a escassez de referências.
124 Longe de se opor a “ assuntos mais opressivos” , o dízimo
proporcionou um excelente meio de expressar fidelidade a Deus e
generosidade aos outros. Lucas 18.9-14 condena não o dízimo dos
fariseus, mas a ostentação em torno dele.

462
N otas

123 Sobre 2Coríntios 9.7, v. minha discussão acima sobre a lei


e o Espírito. “A igreja primitiva [pós-apostólica] prescreveu um tipo
de dízimo a seus membros. Todavia, foi diferente dos regulamen­
tos do AT, em que o dízimo era visto como um mínimo absoluto e
devia ser dado da renda total da pessoa” (D. K. McKim, “ Tithing” ,
EDT 1097a); cf. Didache 13.7.
126 A destruição da carne (aapf), mencionada no versículo 5,
não necessariamente implica a morte do corpo (crojpia). Para uma
sequência possível, v. 2Coríntios 2.5-11. Semelhante ao tratamento
de Paulo a respeito do incesto em ICoríntios 5 é o tratamento de
Jesus a respeito do adultério em João 8.1-11.
127Sobre a pertinência dos versículos 9-11, v. nota 98. Cf. 13.5 com
versículos 7 e 8 (o amor não se ressente do mal) e Mateus 5.38-48. Para
essa interpretação de ICoríntios 5-6, em contraste com a hermenêu­
tica da teonomia, v. Fowler, “ God’s law” , p. 52-6; e nota 12 mencionada
anteriormente.
128 Cf. J. Marcellus Kik, Church and State in the New Testament
(Nutley, NJ: Presbyterian & Reformed, 1962), p. 18-27.
129 Robertson, Covenants, p. 68; v. sua discussão na íntegra
acerca dessas três áreas, p. 68-81; tb. Murray, Conduct, p. 27-44.
130Para as ordenanças da criação, v. Êxodo 20.8-12,14,17; para
a preservação da terra e da vida, 20.9 (cf. Gn 1.28).
131 Para alguns trabalhos complementares práticos sobre este
princípio, v. Paul Woolley, Family, state, and church (Grand Rapids:
Baker, 1965), p. 30-46, onde ele trata de assuntos como “ Leis de
Fechamento aos Domingos” e “ Leis de Casamento e D ivórcio” .
132 A espada da autoridade (Rm 13.4) exerce especial terror
sobre os que colocam a vida humana em perigo. Cf. Robertson,
Covenants, p. 116-9 (incluindo o ponto em que o “ conceito de des­
cendência” do papel do Estado está presente em Gênesis 9); Murray,
Conduct, p. 114-22. Sobre a responsabilidade do Estado de manter
uma sociedade protegida, v. Wooley, p. 22. Sobre guerra como uma
forma de preservar a tranquilidade doméstica, v. Calvino, Institutas,
4.20.11-12 (Battles, p. 1499-1501).
133 V. Romanos 2.14,15; Calvino, Institutas, 2.8.1 (Battles, p.
367-8), 4.20.16 (Battles, p. 1504-5); Hodge, Systematic theology, 3, p.
266. Sobre a universalidade da lei acerca do certo e do errado, v. C.
S. Lewis, The abolition o f man (Sussex, UK: Geoffrey Bles, 1943).

463
C ontinuidade e descontinuidade

134 Cf. Calvino, Institutas, 4.20.1-16 (Battles,p. 1485-1505); Klaas


Runia, “The biblical view of the State” , IRB 39 (out. 1969): 8-11 (sobre
o Estado em relação ao Decálogo); L. John Van Til, “The reconstructio-
nist movement” , p. 24-8; Mark W. Karlberg, “Reformation politics: the
relevance of OT ethics in calvinist political theory’ ’,JETS 29 (jun. 1986):
179-91.
135Com Murray (Romans, 2, p. 159-60), eu entendo o “ próxim o”
de 13.9 como um termo que engloba todos os homens, não apenas
os irmãos na fé. Murray (p. 161) continua: “ Se o amor é o cumpri­
mento da lei [v. 10], isso significa que nenhuma lei é cumprida sem
amor. Isso deve se aplicar, portanto, à lei que rege nossa conduta em
face do Estado (v. 1-7)” .
136 As únicas armas que Cristo, o Senhor, confiou à igreja como
igreja são de caráter espiritual (2Co 10.3-5), sendo a mais potente delas
“ a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” , e oração no Espírito (Ef
6.17,8). Para a responsabilidade do cristão de declarar o evangelho aos
governantes, v. Marcos 13.9-11 e o exemplo de Paulo em Atos.
137V. minha discussão da aplicação da lei na seção Programa,
incluindo a nota 13.
138V. minha discussão sobre a lei desde a vinda de Cristo.
139V. nota 26; e minha discussão na íntegra das três dimensões
da lei.
140V., p. ex., minha discussão sobre Marcos 7 e Romanos 13; tb.
nota 12.
141 Para a “ escada” em si (com particular referência a Dt 25.4
e IC o 9.8-12), v. Kaiser, Rediscovering the OT, p. 166. Para sugestões
semelhantes por outros estudiosos, v. ibid., p. 155-66.
142 Estas duas hipóteses foram originariamente mencionadas
no Programa.
143Um exem plo clássico de um regulamento cujo princípio sub­
jacente é notoriamente evasivo é Êxodo 23.19b, não cozerás o cabrito
no leite da sua própria mãe (cf. tb 34.26; Dt 14.21). Cf. Goldingay, p.
52. O segundo ponto pressupõe toda a minha discussão sobre a lei
desde a vinda de Cristo.
144 Este ponto é verdade para o homem em relação a Deus
tanto como Criador quanto como Redentor. V. os comentários sobre
a dimensão civil da lei, com referência a Romanos 13. Também p er­
tinente é a nota 64, sobre os “ três usos” da lei.

464
N otas

145 Sobre Israel do AT como uma “ igreja menor de idade” , v. a


nota 60.
146 Bavinck, Our reasonable faith, p. 17. V. J. I. Packer, Knowing
God (Downers Grove: InterVarsity, 1973).
147 C. S. Lewis, Reflections on the Psalms (Chicago: Harcourt
Brace, 1958), p. 97.

465
C ontinuidade e descontinuidade

C apítulo 9

1S. Lewis Johnson, “ Romans 5.12 - An exercise in exegesis and


theology” ,New dimensions in NewTestament study, R. N. Longenecker,
et a i, eds. (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 298-316.
2 P. ex., C. Thomas Rhyne, Faith establishes the law, SBLDS 55
(Chico, CA: Scholar’s, 1981) sobre Romanos 3.31 e Robert Badenas,
Christ the end o f the law em Romanos 10A,JSNT Supp 10 (Sheffield:
JSOT, 1985).
3V. minha pesquisa “ Paul and the law in the last ten years” , SJT
40 (1987): 287-307.
4Bons exem plos desta abordagem podem ser encontrados em
Carl F. H. Henry, Christian personal ethics (Grand Rapids: Zondervan,
1957), p. 318; G reg L. Bahnsen, Theonomy in christian ethics (Nutley,
NJ: Craig, 1977), p. 61-72.
5 Esta concepção é amplamente sustentada. Cf. esp. W.
D. Davies, “ Matthew 5.17,18,” em Christian origins and judaism
(Philadelphia: Westminster, 1962), p. 33-45; Martin Dibelius, The
serman on the mount (N ew York: Scribner’s, 1940), p. 69-71; Jacques
Dupont, Les Béatitudes, 1: Le problèm e littèraire-les deux versions du
Sermon sur la Montagne et des Béatitudes (3. ed.; Bruges: Abbaye de
Saint-André, 1958), p. 138-58.
6 As duas melhores apresentações desta perspectiva são
Robert Banks, Jesus and the law in the synoptic tradition, SNTSMS 28
(Cam bridge: CUP, 1975) e John P. Meier, Law and history in Matthew’s
Cospel,AnBib 71 (Roma: Biblical Institute Press, 1976).
_ f

7 E comum encontrar nestes versículos o ensino de uma ala


conservadora da igreja cristã-judaica (cf., p. ex., Hans-Theo W rege,
Die Überlieferungsgeschichte der Bergpredigt, WUNT 9 (Tübingen:
Mohr, 1968), p. 40; Roger Mohrlang, Matthew and Paul: a comparison
oiethicalperspectives, SNTSMS 48 (Cam bridge: CUP, 1984), p. 8-9.
8 Cf. Bahnsen, p. 48.
9 Cf. Martin Hengel, The charismatic leader and his followers
(N ew York: Crossroad, 1981), p. 46.
10 Para estes pontos e evidências adicionais favoráveis a esta
exegese de Mateus 5.17, v. meu artigo “Jesus and the authority of
the mosaic law” ,JSNT 20 (1984): 3-49, agora reimpresso de forma
ligeiram ente condensada em The best in theology, J. I. Packer, ed.

466
N otas

(Carol Stream: CTI, 1987). Cf. tb. W olfgang Schrage, Ethik des Neuen
Testament, NTD (Gõttingen:Vandenhoeck & Ruprecht, 1982), p. 63-9;
e, sobre Lucas-Atos. Craig Blomberg, “ The law in Luke-Acts” , /.S7VT
22 (1986): 53-80.
11 Esta é essencialmene a conclusão a que se chegou nas duas
mais recentes monografias sobre Paulo e a lei: Heikki Rãisánen, Paul
and the law (Tübingen: Mohr, 1983) e E. P. Sanders, Paul, the law and
the jewish p eop le (Philadelphia: Fortress, 1983).
12V., p. ex.,M ohrlang (p. 127):“ Mateus uniria mais os cristãos à
lei. Paulo os libertaria dela” .
13 O artigo de C. E. B. Cranfield “ St. Paul and the law” , SJT 17
(1964): 43-68, popularizou esta abordagem.
14P. ex., C. F. D. M oule,“ Obligation in the ethic of Paul” , Christian
history and interpretation: studies presented to John Knox, W. R. Farmer,
C. F. D. Moule e R. R. Niebuhr, eds. (Cam bridge: CUP, 1967), p. 402.
15V. meu artigo “ ‘Law’ , ‘works of the law ’ , and legalism in Paul” ,
WTJ45 (1983): 73-100.
16Estas ocorrências, em minha opinião, incluem vários lugares
onde yójios significa “ princípio” ou “ força” (Rm 3.27 [bis]; 7.21,23,25;
8.2), outros onde se refere ao AT todo ou ao Pentateuco como uma
unidade literária (Rm 3.19a,21b,31 [?]; IC o 9.8,9; 14.21, 34; G1
4.21b), e ainda outros onde se refere geralm ente à exigência moral
(Rm 2.14b,14d; 8.7; G13.21b; 5.23), e o versículo a ser considerado a
seguir, em que ocorre a expressão “ lei de Cristo” (G16.2). Para mais
detalhes, v. meu “ ‘Law’, ‘works of the law ” ’.
17 Cf. John Murray, The Epistle to the Romans, 2 (Grand Rapids:
Eerdmans, 1959,1965), p. 49-50; Richard N. Longenecker, Paul, apostle
o flib e rty (NewYork: Harper & Row, 1964), p. 144-7.
18 Mark A. Siefrid, “ Paul’s approach to the Old Testament in
Rom 10.6-8” , TJ 6 NS (1985): 8-9.
19 Cf., p. ex., Andréa van Düllmen, Die Theologie des gesetzes
b ei Paulus, SBM 5 (Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1968), p. 126;
Ulrich Luz, Das Ceschichtsverstàndnis des Paulus, BEvT 49 (München:
Kaiser, 1968), p. 139-57.
20Ragnar Bring,“ Das Gesetz und die Gerechtigkeit Gottes: Eine
Studie zur Frage nach der Bedeutung des Ausdruckes (ré\oç i’o|iot>)
in Rõm. 10.4” , ST 20 (1966): 1-36; Rhyne, p. 104; C. E. B. Cranfield, A
criticai and exegetical commentary on Paul’s Epistle to the Romans,

467
C ontinuidade e descontinuidade

2, IC C (Edinburgh: T. & T. Clark, 1975, 1979), p. 516-9; e, em mais


detalhes, Badenas, Chríst the end o f the law.
21 O estudo de Badenas provavelmente afirmou isso.
22 Cf. Herman Ridderbos, The Epistle o f Paul to the churches
o f Galatia, N IC (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 213; Andrew
J. Bandstra, The law and the elements o f the world: an exegetical
study in aspects o f Paul’s teaching (Kampen: J. H. Kok, 1964),
p. 114; Ulrich W ilckens, “ Zur Entwicklung des paulinischen
Gesetzesverstándnisses” ,JV7,S' 28 (1982): 175.
23John W. Drane,Pa ul: libertine o r legalist?A study in the theology
o f the m ajor Pauline Epistles (London: SPCK, 1975), p. 53-8.
24Victor Paul Furnish, The love command in the New Testament
(Nashville/NewYork: Abingdon, 1972), p. 100;Karl Kertlege, “ Gesetz
und Freiheit im G alaterbrief” , NTS 30 (1984): 391.
25 C. H. Dodd, '*Ewo|j.os XpujToíi”, M ore New Testament studies
(Manchester: University Press, 1968), p. 134-48; W. D. Davies, Paul
and rabbinic judaism: some rabbinic elements in pauline theology,
ed. rev. (N ew York: Harper & Row, 1948), p. 144-8; Longenecker, p.
184-90; Heinz Schürmann,“ ‘Das Gesetz des Christus’ (Gal. 6,2). Jesu
Verhalten und Wort ais letztgültige sittliche Norm nach Paulus,” in
Neues Testament und kirche, Joachim Gnilka, ed. (Freiburg: Herder,
1974), p. 282-300. Davies e Longenecker baseiam seu argumento
parcialmente na visão de que uma crença numa nova lei messiâ­
nica era conhecida no judaísmo do século I (v. Davies, Torah in the
messianic age and/or the age to come, JBLMS 7 [Philadelphia: SBL,
1952]). Uma vez que a exegese deles de Gálatas 6.2 não depende
desta conclusão, não vamos entrar nessa questão.
26Para esta informação, v. Str-B 1:907-8.
27 Cf. meu “Jesus and the authority of the mosaic law” , p. 6-7.
28 Herman Ridderbos, Paul: an outline o f his theology (Grand
Rapids: Eerdmans, 1974), p. 282.
29F. F. Bruce, The Epistle to the Galatians, N IG TC (Grand Rapids:
Eerdmans, 1982), p. 241.
30P. ex., Furnish, p. 97; Rãisánen, p. 26-7.
31 André Feuillet, “ Loi de Dieu, loi du Christ et loi de l’esprit
d ’après lês epitres pauliniennes: les rapports de ces trois lois avec
le loi mosaique,” NovT 22 (1980): 53.

468
N otas

32 É esta distinção, não uma im provável distinção entre ó rrâs


yó^oç e õXov tòv y<5|ioy (argumentado por Hans Hübner, Das Gesetz
bei Paulus: Ein Beitrag zum Werden der paulinischen Theologie
[FRLANT 119; Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprech, 1978], p. 38;
refutado por Sanders, p. 96-7, entre outros), que explica a diferença
entre Gálatas 5.3 e 5.14.
33 John Murray, Principies o f conduct: aspects o f biblical ethics
(GrandRapids:Eerdmans, 1957),p. 183-8; Patrick Fairbairn, The reve-
lation o f lawin Scripture (Edinburgh: T. & T. Clark, 1869), p. 429-30.
34 Cranfield, Romans, 1, p. 319-20; Moule, p. 394-5; Hübner, p.
115-6; Bruce N. Kaye, The thought structure o f Romans with special
reference to chapter 6 (Austin, TX: Scholia, 1979), p. 111.
35V. particularmente, Cranfield, “ St. Paul and the law” , p. 43-68;
Daniel P. Fuller, Gospel/law: contrast or continuum? (Grand Rapids:
Eerdmans, 1980).
36 Para uma crítica mais extensa a esta abordagem , v. meu
“ ‘Law’ , ‘works of the law’ , and legalism ” , p. 73-100. Cf. tb. Ràisãnen,
p. 43-7.
37Ràisãnen, p. 46.
38C i.ibid.,p. 47; StephenWesterholm,“ Letter and Spirit: the foun-
dation of pauline ethics”, NTS 30 (1984): 242-3; E F. Bruce, The Epistle to
the Romans, ed. rev., TNTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), p. 132-5.
39 Fuller, p. 97-9.
40 Cf., inter alia, Ridderbos, Paul, p. 150-1.
41Muitos duvidam que Gálatas 3.10 sugira esta concepção, mas
parece ser a interpretação mais natural. V. esp.Thomas R. Schreiner,
“ Is perfect obedien ce to the law possible? A re-examination of
Galatians 3:10” ,JETS 27 (1984): 151-60.
42 Tomamos o artigo antes de mani/ por anafórico; é dessa fé
especial em Jesus Cristo, mencionada no versículo 22, que Paulo fala.
43 Linda Belleville, ‘“ Under law’ : structural analysis and the
paulineconcept oflaw inG alatians 3.21-4.11” ,JSNT26 (1986):59-60.
44 Ibid., p. 59-62; Richard N. Longenecker, “ The pedagogical
nature of the law in Galatians 3.19-4.7” ,/£7’S 25 (1982): 53-61.
48Cf. Bandstra, Law and elements; Belleville, p. 64-8; Ridderbos,
Paul, p. 147-8.
46 Longenecker, p. 125-7,145-6.

469
C ontinuidade e descontinuidade

47Westerholm, p. 243.
48Hans Dieter Betz, Galatians: a commentaryon PauTs letter to the
churches in Galatia, Hermeneia (Philadelphia: Fortress, 1979), p. 281.
49Ernest De Witt Burton, A criticai and exegetical commentary on
theEpistle to the Galatians, IC C (Edinburgh: T. & T. Clark, 1921),p. 303.
S0Wilckens, p. 174.
51 “ Das Gesetz Christi ist nicht das Gesetz Moses auf hõherer
Ebene in ethischer oder spiritualisierter Form, sondem die eschato-
logische Entsprechung zum Gesetz des alten Bundes” [A lei de Cristo
não é a lei de Moisés num nível mais elevado ou numa forma escato-
lógica espiritualizada, mas sim uma nova correspondência com a lei
da antiga aliança] (Friedrich Lang, “ Gesetz und Bund b ei Paulus” ),
Rechtfertigung: Festschrift für Ernst Kasemann zum 70 Geburtstag,
Johannes Friedrich, W olfgang Põhlmann e Peter Stuhlmacher, eds.
(Tübingen: Mohr/Gõttingen; Vandehoeck & Ruprecht, 1976), p. 318.
52 Stephen Westerholm, “ The law and the ‘just man’ (1 Tim 1,
3-11)” , S T 36 (1982): 79-95.
53 W olfgang Schrage, Die konkreten Einzelgegote in der pau-
linischen Parànese (Gutersloh: Mohn, 1961).
54Feuillet, p. 45-51.
53 C. K. Barrett, The First Epistle to the Corinthians, HNTC (N ew
York: Harper & Row, 1968), p. 169; Douglas DeLacey, “ Paul and the
law,” From sabbath to Lord’s Day, D. A. Carson, ed. (Grand Rapids:
Zondervan, 1982), p. 176-7.
56Wilckens, p. 158-9.
37 Cf. O. J. F. Seitz, “James and the law” , SE 2 (1964): 472-86.
58Cf. meu The Epistle o f James, TNTC (Grand Rapids: Eerdmans,
1985) in loc.
59Ridderbos, Paul, p. 285.

470
N otas

C a p ít u l o 1 0

1É como consta na Confissão belga (1561), no art. XXVII.


2 V. tb. a Segunda confissão helvética (1562), cap. 17, e o
Catecismo de H eidelberg (1563), Dia do Senhor, 21.
3 O hebraico bng é traduzido por owaytüyri na LXX de Êxodo e
Deuteronômio, mas em outros livros do AT a tradução é èKKXriaía. A
outra palavra usada no hebraico do AT para congregação, rna, é mais
frequentemente traduzida por crwaytoyrj na LXX. Presumindo que
Jesus falou em aramaico ao proferir as palavras de Mateus 16.18, ele
pode ter usado xns:s ou xbnp, uma palavra emprestada do hebraico.
Qualquer um desses termos teria refletido o entendimento da con­
gregação do AT (cf. K. L. Schmidt, “ Ecclesia” , em TDNT, 3, Gerhard
Kittel, ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 524ss.
4 As palavras de cautela contra tal abordagem, proferidas por
J. Walvoord em “Does the church fulfill Israel’s program?” , BSac 137
(1980): 19, parecem ser bem aceitas. Isso não significa negar que pode
ser obtida luz genuína do NT - por exemplo, em nossa compreensão
dos tipos e profecias do AT (cf. Hans K. LaRondelle, The Israel o f God in
prophecy [Berrien Springs, MI: Andrews University, 1983], p. 32), desde
que se tenha em mente que são os tipos e profecias em si mesmos que
apontam para o significado que pode-se perceber que têm no NT.
s J. Calvino o traduz por princeps Dei em seu comentário sobre
Gênesis, ad loc. Lutero o entende como “ ter domínio, ser ch efe” .
Cf. Luther’s lecture on Genesis, caps. 31-37 em Jaroslav Pelikan, ed.,
Luther’s works, 6 (St. Louis: Concordia, 1970), p. 141.
6 Uma pesquisa de várias versões do AT em inglês, francês,
alemão, sueco, espanhol e holandês confirma o entendimento “ esfor­
çar-se” . Mas a Bíblia de Jerusalém e seu protótipo anterior trazem “ ser
forte” (être forf), provavelmente refletindo influência da Vulgata: for tis
esse. Cf. tb. LXX: énaxúw. Para o uso deste verbo, v. tb. Lucas 22.43.
Seria deliberado o uso por parte de Lucas?
1 Cf., p. ex., J. Skinner, Genesis, IC C (Edinburgh: T. Clark, 1910
[1931]), p. 409, que declara que a palavra tem “ algum sentido sem e­
lhante a ‘Deus se esforça’ ” . Mas G. von Rad, Genesis (Philadelphia:
Westminster, 1961), p. 317, opta pelo “ significado original” de “ que
Deus govern e” .

471
C ontinuidade e descontinuidade

8 Cf. F. F. Bruce em J. D. Douglas, ed., The new Bible dictionary


(Grand Rapids: Eerdmans, 1962), s.v. “ Israel” , que fornece o signi­
ficado como “ Deus se esforça” . Tem-se sugerido que há uma trans­
ferência de sujeito para objeto, como em Jerubbaal (Jz 6.32): “ Que
Baal lute” e “ Antagonista de Baal” .
9 Útil é a percepção de Von Rad, que vê o episódio de Peniel
como parte do grande “Spannungsbogen” (arco de tensão) que
se eleva sobre todas as histórias de Jacó desde o anúncio de seu
nascimento até então. O mesmo suspense ou tensão, diz Von Rad,
marca todas as narrativas patriarcais. Elas enfatizam as ações de
Deus, ocultas e soberanas, sua misteriosa preordenação, o constante
adiamento da promessa etc. Cf. G. von Rad, Theologie des Alten
Testaments, 1 (München: Chr. Kaiser Verlag, 1958), p. 174. (tb. dis­
ponível em inglês).
10W. H. Green, The higher criticism o f the Pentateuch (NewYork:
Scribner’s, 1898, republicado. Grand Rapids: Baker, com prefácio de
R.Youngblood),p. 19ss.
11 Esta abordagem é encontrada, p. ex., em R. A. F. Mackenzie, S.
Faith and history in the Old Testament (NewYork: Macmillan, 1963), p.
75-6, e em obras de alta crítica sobre o assunto. Já nos primitivos escritos
rabínicos encontra-se uma completa subordinação dos materiais da
criação em Gênesis lss àquela que é considerada a “história real” de
Israel. Cf. A. Cohen, The Soncino Chumash (London: Soncino, 1947), p. 1.
Os rabinos diziam que a razão de o Pentateuco começar com a criação
é mostrar que esse Deus Criador pode designar qualquer parte do
mundo (nesse caso Canaã) a quem ele desejar. Para uma discussão
crítica da visão que apoia Gênesis 1-11 ser meramente prólogo do que
segue, v. Nic. H. Ridderbos, Beschouwingen over Cenesis 1 (Kampen: T.
H.Kolk,2.ed., 1963),p. 98-101.
12Geerhardus Vos, Biblical theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1948 [1975]), p. 59.
13 Cf. para a fórmula nròin Gênesis 2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27;
25.12,19; 36.1 (9) e 37.2. Para a importância do uso desta fórmula para
a compreensão de Gênesis acerca da história da redenção, cp tb M. H.
Woudstra, ‘Th e Toledot of the book of Genesis and theix redemptive-
historical significance” , CTJ 5 (1970): 184-9.
14 Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as
Scripture (Philadelphia: Fortress, 1979), p. 146; cf. tb. S. R. Driver, The
literature o f the Old Testament (N ew York: Scribner’s, 11. ed., 1905),

472
N otas

p. 7: “ Em cada estágio da história, um b eve relato geral acerca


dos ramos colaterais é dado. Depois eles são deixados de lado e
a narrativa se limita cada vez mais à linha imediata dos ancestrais
de Israel” . Harold Stigers, A commentary on Genesis (Grand Rapids:
Zondervan, 1976), tentou aplicar esta abordagem ao seu comentário.
15 Isto é feito, p. ex., por James L. Kelso em seu artigo “The
archaeology of the Bible” , em Holman Study Bible (Philadelphia:
Holman, 1962), p. 1203. Kelso diz: “As perguntas cruciais da teologia
do AT dizem respeito ao evangelismo e ao que Israel fez no campo
de missões estrangeiras” . O que se deve ter em mente, entretanto, é
que o universalismo de um livro como Amós é justaposto ao gritante
particularismo de Naum. Ambos têm seu legítimo lugar na revelação
do AT, embora Amós e textos relacionados recebam muito mais a
atenção do pregador comum do que Naum recebe. O papel de Israel
entre as nações não foi exclusivamente o de um mediador sacerdotal,
como geralmente se alega. Em Isaías 61.6o tema do povo-sacerdote
parece envolver a posse da riqueza das nações, não a mediação.
16Vos, p. 125ss.
17 Cf. LaRondelle, p. 112.
18Cf. Patrick Fairbairn, The interpretation o f Scripture (London:
Banner ofTruthTrust, reimp. 1964,2. ed. 1865), p. 261.
19 Isto é mais plenamente desenvolvido em Martin J.
Wyngaarden, The future o f the kingdom (Grand Rapids: Baker, 1955),
passim. J. Walvoord ( “ Revisão de The time is at hand, de Jay Adam s” )
alista o livro de W yngaarden entre as “ sólidas obras amilenaristas”
com o qual está familiarizado (BSac 128 [1971]: 75).
20Para uma visão geral do panorama das várias seitas judaicas
do tempo de Jesus, cf. Paul D. Hanson, The p eop le called (San
Francisco: Harper & Row, 1986), p. 347-81.
21 Ibid., p. 385.
22 Os que defendem uma futura restauração do Estado judeu
literal em cumprimento à profecia usam com frequência este tipo
de argumento para defender sua posição. Acreditamos que o
argumento não é suficientemente apoiado pelos fatos.
23Fairbairn, p. 248.
24Para uma discussão acerca da diferença entre particularismo
e universalismo em relação ao judaísmo e ao cristianismo, v. Samuel
Sandmel, We jews and you christians (Philadelphia: Lippincott,

473
C ontinuidade e descontinuidade

1967), p. 116ss. Sandmel usa os termos para designar qual das duas
religiões está fazendo reivindicações de ser abrangente e qual delas
tem horizonte mais curto. Não é desta forma que os dois termos são
utilizados no presente debate. Nossos termos são determinados
p elo progresso histórico redentor da revelação bíblica.
25 Cf. A. Hulst. “D er name Israel in Deuteronomium”, em OTS 9
(1951): 73, citado de LaRondelle, p. 84.
26 LaRondelle, p. 85.
27 G. J. Wenham, “ The deuteronomic theology of the book of
Joshua” ,/RL 90 (1971): 140-8.
28Cf. TDNT, s.v. “dei, deon esti” . Para outras passagens de Lucas,
cf. 2.49; 9.22; 22.37; 24.7.
29V. nota 19. Wyngaarden discute passagens como Isaías 49.14,
51.3 e 52.1,2 como evidência da latente espiritualização de Sião/
Jerusalém na revelação do AT, seguida por uma visível espiritua­
lização no NT. Israel nestas passagens é visto como debilitado no
cativeiro, longe da verdadeira cidade de Jerusalém/Sião. Todavia é
tratado como Sião. Isso mostra que o termo estava começando a ser
usado como símbolo para o povo de Deus. Para a evidente espiritua­
lização no NT, cf. Gálatas 4.26; Hebreus 12.23; Apocalipse 3.12.
30Cf. tb. o que diz Patrick Fairbairn sobre “ O estilo e a expressão
profética” , The interpretation o f Scripture, p. 83-181, um capítulo que
ainda tem relevância para o debate de hoje. Fairbairn assinala que
uma interpretação “ literal” da profecia às vezes ex ige uma com pre­
ensão não literal.
31 LaRondelle, p. 48ss.
32A ideia bíblica de “pobre” contém um importante elemento que
não deve ser negligenciado. As palavras para “ pobre” e “humilde” (vo e
isj), embora originariamente de significado puramente econômico, têm
sido tomadas na conotação dos que olham para o Senhor esperando ser
defendidos, ou seja, os devotos, os religiosos, independentemente de
sua posição econômica. Cf. Bruce Vawter, The conscience o f Israel (New
York: Sheed and Ward, 1961), p. 224ss.V. tb. o debate sobre tttcúxós em
TDNT. A ideia veterotestamentária do pobre já presumiu algumas asso­
ciações com o “pobre de espírito” de Mateus 5, e Lucas apresenta sua
própria versão da mesma ideia.
33Cf. Paul Hanson, Thepeople called, p. 388. A ênfase de Hanson
sobre a continuidade da comunidade do AT e do NT é valiosa. Mas

474
N otas

sua tentativa de incluir a presente comunidade judaica nesta con­


tinuidade corre o risco de colocar em p erigo a singularidade do
único nome p elo qual devem os ser salvos.
34 Cf. Rowland E. Prothers, The Psalms in human life (NewYork:
Dutton, 1908), p. 11-39. Embora a igreja primitiva fosse às vezes pre­
cipitada demais em encontrar o significado tipológico do AT, isto não
significa que sua aceitação convicta (não sua contundente anexação,
como dizem muitos críticos) do AT, de um modo geral, não repouse
r

em boas bases bíblicas. E o excesso que devem os rejeitar, não o


método como tal. Mesmo na literatura evangélica atual encontra-
se às vezes mais que uma declaração de que os escritores do NT
“ viram ” ou “ com preenderam ” passagens do AT de certa maneira.
Mas a pergunta crucial é: eles “ viram ” isto corretamente? Para um
exem plo deste debate evasivo sobre alguns “ princípios hermenêu­
ticos” do NT, cf. E F. Bruce, “ The davidic messiah in Luke-Acts,” Gary
A. Tuttle, ed.,B iblical and Near Eastern studies, Ensaios em honra de
W. S. Lasor (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 1-17, esp. p. 10.
35Cf. LaRondelle, p. 108-11; Louis A. DeCaro, Israel today: fulfill-
ment o f prophecy? (Nutley, NJ: Presbyterian «Sc Reformed, 1974), p.
141-4; Anthony A. Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979), p. 196ss.
36J. Barton Payne, Encyclopedia o f biblical prophecy (NewYork:
Harper & Row, 1973), p. 100, nota 183.
37LaRondelle, p. 110.
38 Cf. H. A. W. Meyer, Handbuch über den Brief an die Galater
(Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1870), p. 319.
39 Cf. Today’s English Version e Dios llega al hombre, El Nuevo
Testamento: “y todos los dei verdadero pueblo de DiosJerusalem Bible:
“ ...a todos os que seguem esta regra, que formam o Israel de Deus” .Esta
é uma interessante “ correção” da Bíblia de Jerusalém (BJ) francesa, de
muitas formas o protótipo da Bíblia de Jerusalém inglesa. A BJ francesa
traz: “ à tous qui suivent cette règle, paix et miséricorde, ainsi qu ’à TIsraél
de Dieu [A todos os que seguem esta regra, paz e misericórdia, assim
como ao Israel de Deus]. A expressão “ainsi que” [assim como] realça
o Israel de Deus entre os outros que precedem a cláusula. A BJ inglesa
inclui o Israel de Deus entre os “ que seguem esta regra” . A nota de
rodapé em ambas as versões toma o versículo no sentido inclusivo; daí
a ‘ ‘correção ’ ’ na última versão inglesa. Quanto ao uso da NIV (em inglês)
da palavra “ even” para conectar “ o Israel de Deus” com o precedente,

475
C ontinuidade e descontinuidade

não estou convencido que isso prove que a NIV tome o grego rai no
sentido de identidade como alguns sugerem. “ Even” no sentido de
identidade é inglês arcaico. A NTV não usa a palavra desta forma. Muito
melhor é a Swedish Authorized Version de 1917, que conecta a cláusula
“ o Israel de Deus” com o precedente por meio de “ja ” (yea) [sim].
Isso sugere identidade. A tradução francesa de 1983 usa primeiro as
palavras “avec eux” (com eles) e então continua:“ eí avec l ’ensemble du
peuple de Dieu”. [E com todo o povo de Deus]. Em outras palavras, ela
também considera as últimas palavras de Gálatas 6.16 em termos mais
amplos, conforme já foi dito: a paz de Deus seja com os que seguem
esta regra e com todo o povo de Deus.
40 Cf. E. Jenni, Interpreter’s dictionary o i the Bible, Geo. A.
Buttrick, ed. (N ew York: Abingdon, 1962), s.v. “ remanescente” . Jenni
define remanescente da seguinte maneira: “ A porção de uma comu­
nidade que é deixada, no caso de uma calamidade devastadora; a
porção da qual depende a possível existência da comunidade” .
41 Cf. Theologisches Woerterbuch zum Neuen Testament,
G erhardKittel,ed. (Stuttgart:W.Kohlhammer, 1942) s.v.“leim m a”.
42Ibid.
43De Caro, p. 111-3.
44Para um debate útil acerca disto, v. Pieter A. Verhoef, Israel in
die Krisis (Pretória: N. G. Boekhandel, 1968), p. 21 -8, onde alguns dos
mais novos teólogos neo-ordodoxos da Holanda, como K. H. Miskotte
e Hendrikus Berkhof, são discutidos.
45 Usamos aqui a palavra para um falso tipo de inclusivismo.
Infelizmente é assim que a palavra veio a ser com preendida por
muitos hoje. Em si, o termo “ ecum ênico” é neutro, derivado como
é de OLKOU[iévr|, o mundo habitado. Ele pode ter também um signifi­
cado positivo, mas a palavra em si não é clara e tem sido objeto de
r

abuso cada vez maior. E desnecessário dizer que o autor é a favor da


união de todos os cristãos. Esta é uma ordem bíblica.

476
N otas

C a p ít u l o 1 1

1Cf. Carl E. Arm erding, “ The m eaning of Israel in evangelical


thought” ,Evangelicals and jews in conversation,M. H.Tanenbaun, M.
R. W ilson e A. J. Rudin, eds. (Grand Rapids: Baker, 1978); Hendrikus
Berkhof, “ Israel as a theological problem ” ,JES 6, na 3 (verão 1969):
334-47; Leonhard G oppelt, “ Israel and the church in today’s dis-
cussion and in Paul” , LW 10 (out. 1963): 356-7; Fraklin Littell,
“ Christendom, holocaust and Israel: the importance for Christians
of recent major events in jewish history^/ES 10, nc 3 (verão 1973):
485-6; Palmer Robertson, “ The outlook for biblical th eology” ,
Toward a theology for the future, David F. W ells e Clark Pinnock,
eds. (Carol Stream, IL: Creation House, 1971), p. 82; Arnold A. Van
Ruler, The christian church and the Old Testament (Grand Rapids:
Eerdmans, 1977).
2P. ex., a declaração de L. S. Chafer "... durante todas as épocas
Deus busca dois propósitos distintos: um relacionado à terra, com
pessoas terrenas e com objetivos terrenos envolvidos, que é o
judaísmo; enquanto o outro está relacionado ao céu, com pessoas
celestiais e objetivos celestiais envolvidos, que é o cristianismo” .
Dispensationalism (Dallas: Dallas Seminary Press, 1947), p. 107.
3 H. Strathmann, “Xaóç” , TDNT, IV (Grand Rapids: Eerdmans,
1967), p. 35.
4 Helmut Flender, St. Luke: theologian o f redemptive history
(Philadelphia: Fortress, 1967), p. 132. Isto é evidente onde “ o povo” é
usado em relação aos judeus, em antítese com “ gentios” ou “ nações”
(p. ex., At 26.17,23; 28.27,28).
5 H. Bietenhard, “ Xaóç” , TDNT, II (Grand Rapids: Zondervan,
1976), p. 800; semelhantemente Strathmann (p. 54) diz, concernente
a Atos 15.14: “Até então Xaóç [povo] eé0vr| [gentios ou nações] eram
termos mutuamente excludentes. Agora aparece com base em é0vr]
um Xaóç sob o nome de Deus, independente de todas as precondi-
ções nacionais [...]. Com isso, o título não é tirado de Israel. Mas outro
Xaóç toma agora seu lugar junto com Israel, numa base diferente” .
6 C. R. North, “ Servant of the Lord” , Interpreter’s dictionary o f
the Bible, IV (Nashville: Abingdon, 1962), p. 293.
7Jakob Jocz.A theology o f election (N ew York: Macmillan, 1958),
p. 65.

477
C ontinuidade e descontinuidade

8Strathmann, p. 36.
9Ibid ., p. 35.
10 Ronald E. Clements, “ 'ia, goy”, TDOT, II (Grand Rapids:
Eerdmans, 1975), p. 427.
11 Comentário de G eorge Bertram ( “ eQvos” , TDNT, II, p. 366)
sobre Exodo 33.13, “ esta nação é teu p ovo” , resume bem esta
distinção: êGvoç [nação] é usado para ‘p ovo’ em geral, enquanto
Xo6ç [povo] denota o povo escolhido” .
12 Clements, p. 427,429,433.
13Ibid ., p. 428-9.
14 Martin Buber, Moses - The revelation and the covenant (N ew
York: Harper, 1958), p. 115.
15Apesar do pedido pecaminoso que iniciou a forma humana
da monarquia de Israel, existe evidência de que essa monarquia foi
intenção original de Deus para Israel (cf. Gn 49.10; Nm 24.7).
16 Meredith G. Kline, Treaty o f the great king (Grand Rapids:
Eerdmans, 1963), p. 140.
17 R. E. Clements, Old Testament theology (Atlanta: John Knox,
1978), p. 89.
18Jakob Jocz, The jewish p eop le and Jesus Christ (London: SPCK,
1954), p. 304.
19 Martin Buber, Israel and the world (N ew York: Schocken,
1948), p. 222.
20 Para um debate completo do uso de “ Israel” na igreja do NT,
v. Peter Richardson, Israel in the apostolic church (Cam bridge: CUP,
1969). Richardson argumenta que o primeiro uso explícito de “ Israel”
para a igreja é feito por Justino Mártir na metade do século II.
21 As ocorrências específicas de “ Israel” no NT são: 17 em
Paulo (das quais 11 são em Romanos), 12 em Mateus, 12 em Lucas,
15 em Atos, 2 em Marcos, 4 no evangelho de João, 3 em Hebreus e 3
em Apocalipse.
22 R. Mayer, “ Israel” , TDNT, II (Grand Rapids: Zondervan, 1976),
p. 315.
23 Jacob Jervell, Luke and the people o f God (Minneapolis:
Augsburg, 1972), p. 49.
24 Munck resume este contexto ao dizer: “ Em 9.6-13 o único
argumento que ele apresenta é que a reivindicação não pode ser

478
N otas

feita com base na descendência física desde que os descenden­


tes dos patriarcas com exatamente as mesmas reivindicações
receberam destinos diferentes” . Johannes Munck, Christ & Israel: an
interpretation ofRomans 9-11 (Philadelphia: Fortress, 1967), p. 36.
25 John Murray, The Epistle to the Romans, II (Grand Rapids:
Eerdmans, 1965), p. 9.
26 Walter Gutbrod, í‘Iaparj\, k.t .X.,”, TDNT, III, p. 387; cf. tb. a
declaração de Munck (p. 36): “ Paulo não visualiza aqui ‘israelitas’
que não pertencem ao Israel físico como se fossem parte do novo
Israel da igreja. Só em 9.22ss é que Paulo inclui os cristãos gentios
em sua reflexão” .
27Comentando sobre a possibilidade deste uso em Gálatas 6.16,
Ellicott diz: "... é duvidoso se kai é alguma vez usado por São Paulo
com força explicativa tão notável como lhe deve ser atribuído...” .
Charles J. Ellicott, St. Paul’s Epistle to the Calatians (London: Longman,
Roberts, & Green, 1863), p. 139.
28 Cf. Eadie, que nega esse apoio contextual e, consequen­
temente, com base no significado primário de kol, conclui que “ o
Israel de Deus é um participante incluído em, e todavia distinto de,
õaoi ”. John Eadie, Commentary on the Epistle o f Paul to the Calatians
(Grand Rapids: Zondervan, reimp. 1894), p. 470.
29Ernest De Witt Burton,7í criticai and exegetical commentary on
the Epistle to the Galatians, IC C (Edinburgh:T. & T. Clark, 1921), p. 358.
30W.D.Davies,“Paul andthepeople of Israel” ,NTS 24 (1978): 10-1.
31 F. F. Bruce, The Epistle to the Calatians, The new international
greek testament commentary (GrandRapids:Eerdmans, 1982),p.55.
32Ib id ., p. 20-3.
33 G eorge Howard, Paul: crisis in Galatia (Cam bridqe: CUP,
1979), p. 79.
34Ibid ., p. 80.
35Richardson, p. 84.
36 Para um breve debate recente, v. F. F. Bruce, p. 274-5. Bruce
defende a visão de que o “ Israel de Deus” é “ todo o Israel” de
Romanos 11.26.
37 D. W. B. Robinson, “ The salvation of Israel in Romans 9-11” ,
RThR, ne 3 (set.- dez. 1967): 83.

479
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

38 J. Christiaan Beker, Paul the apostle (Philadelphia: Fortress,


1980), p. 333.
39Richardson, p. 7. Cf. Markus Barth (Ephesians 1-3. TheAnchor
Bible [Garden City, NY: Doubleday, 1974], p. 97) comenta sobre este
assunto em Efésios: “ Em 1.14, bem como em 1.3-10 é usada uma ter­
m inologia para a salvação de judeus e gentios que havia anterior­
mente sido reservada apenas para Israel. Mas expressões como o
‘novo’ ou o ‘verdadeiro’ Israel (que parecem corresponder à ‘nova’
aliança, ao ‘novo’ homem, ao ‘novo’ Testamento) não são encontradas
neste contexto ou em qualquer outra parte do N T” .
40 Cf. Charles C. Ryrie, Dispensationalism today (Chicago:
Moody, 1965), p. 133-5; John F. Walvoord, The millennial kingdom
(Findlay, OH: Dunham, 1959), p. 226,237-40.
41Um estudo com pleto destes assuntos é feito em meu próximo
livro que trata da interface dos sistemas dispensacionalista e não
dispensacionalista.
42John Stott, Baptism and fulness (Downers Grove: InterVarsity,
1979), p. 43. Deve-se acrescentar que é difícil interpretar a decla­
ração de João Batista referente à vinda do batismo com o Espírito
por Cristo no ambiente histórico da proclamação do reino como
profecias referentes unicamente à igreja.
43 Russell Phillip Shedd, Man in community (Grand Rapids:
Eerdmans, 1964), p. 165,199.
44 Strathmann, p. 54.
45 J. W. Flight, “ Nationality” , The interpreter’s dictionary o f the
Bible, III (Nashville: Abingdon, 1962), p. 514.
46 Para um bom e breve debate da relação de Israel com as
nações no reino messiânico de acordo com os profetas, v. G eorge
N. H. Peters, The theocratic kingdom, II (Grand Rapids: Kregel, reimp.
1952), p. 93-101.
47John Bright,“ Faith and destiny” , Int 5 (jan. 1951): 22.
48Carl B. Hoch Jr., “ The significance of the syn-compounds for jew
gentile relationships in the body of Christ” ,/ETS’ 25 (jun. 1982): 179.
49Ibid ., p. 180.
so O exato relacionamento gramatical dos três conceitos
“ muro” , “ inim izade” e “ le i” não é certo, mas geralm ente é aceito que
eles interpretam uns aos outros.

480
N o ta s

51 A lei como a revelação do caráter e da vontade de Deus não


foi abolida em Cristo. Curioso é que a lei de Deus que os profetas
predisseram seria o princípio unificador entre Israel e os gentios
no reino (cf. Is 2.3). Os aspectos da lei como obstáculos que são
removidos, devem provavelmente, ser entendidos da mesma forma
que os da lei como tutora ou p ed agoga que o mesmo autor ensinou.
Estes foram eliminados com a vinda da fé em Cristo (G1 3.24,25).
52 Para um debate mais com pleto do futuro de Israel, v. Robert
L. Saucy, “ A rationale for the future o f Israel” ,JETS 28,ne 4 (dez. 1985):
433-42.
53Cf. Anthony Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979), p. 201; Walter M. Abbott, ed., The documents o f
Vatican II (N ew York: American, 1966), p. 664-5.
54 Martin Noth, Exodus (Philadelphia: Westminster, 1962), p.
157; cf. tb. comentário de Wm. S. La Sor (Israel: a biblical view [Grand
Rapids; Eerdmans, 1976], p. 18): “A eleição de Israel não foi um fim,
mas um meio para se atingir um fim. Israel foi escolhido para que
o mundo - o mundo gentio que não conhecia o verdadeiro Deus -
pudesse ter luz, pudesse ver, pudesse ter entendimento” .
55Bright, p. 11.
s6 Loraine Boettner, “ A postmillennial response” , The meaning
o f the millennium: four views, Robert G. Clouse, ed. (Downers Grove:
InterVarsity, 1977), p. 52-3.
57Jakob Jocz, A theology o f election, p. 3.
58Walther Zimmerli,/ am Yahweh (Atlanta:John Knox, 1982), p. 88.
59 Arend Theodoor van Leeuwen, Christianity in world history
(N ew York: Scribner’s, 1964), p. 101.
60Arnold A. van Ruler, p. 91. Apontando para o lugar de Israel
nessas profecias, La Sor (p. 81-2), numa disposição semelhante, diz:
“ Há inúmeras profecias no Antigo Testamento referentes a Israel e
à terra prometida que não foram cumpridas na igreja cristã e, em
minha opinião, nunca poderão ser cumpridas na igreja. Elas poderão
ser cumpridas apenas em Israel...” .
61Van Ruler, p. 90.
62 Martin Buber, Israel and the world, p. 186-7. Mais recente­
mente Eugene Borowitz defendeu o mesmo papel demonstrativo:
“ Israel entrou na história para mostrar que a força do homem p od e

481
C o n t in u i d a d e e d e s c o n t in u id a d e

ser sujeita à e aperfeiçoada pela soberania divina” . “ The dialectic of


Jewish particularity” ,JES 8 (verão 1971): 568.
e

63 E comum ver a salvação de estruturas sociais acontecendo


na nova terra no estado eterno. Não somente é difícil ver como isso
cumpre as profecias que veem um povo especial como agente de
Deus trazendo esta salvação a outro povo, porque certamente não
mais haverá mediação de salvação por parte de algum povo em
prol de outros. Isso coloca esta salvação fora, inclusive, do escopo
do ministério m ediador do Messias. O apóstolo ensina que nos pri-
mórdios do estado eterno, Cristo completará sua obra mediadora
entregando o reino ao Pai (IC o 15.24ss). Assim, a sujeição dos
poderes hostis ainda em ação nas estruturas da sociedade consis­
tiría somente na destruição deles na segunda vinda, mas não numa
restauração positiva dessas estruturas na salvação.
64 Walther Zimmerli, “ Promise and fulfillment” , Essays on Old
Testament hermeneutics, Claus Westermann, ed. (Richmond: John
Knox, 1963), p. 121-2.
65 Embora não seja sua própria posição, Stephen N eill vê isto
como a teologia dominante durante muito tempo na história da
igreja. Christian faith and other faiths (London: Oxford, 1961), p. 23.
66 Karl Barth, Church dogmatics, II (Edinburgh: T. & T. Clark,
1957), p. 2,290; Martin Buber, Israel and the world, p. 189-93; Franklin
Littell, “ Christendom, holocaust and Israel: the importance for chris-
tians of recent major events in jewish history” ,/££> 10, ne 3 (verão
1973): 490ss.
67 James W. Parkes, The foundations o f judaism and christianity
(London: Vallentine, Mitchell & Co., 1960), p. 325-6.
68Munck, p. 35; v. tb. John Piper, The justification o fC o d (Grand
Rapids: Bakeer, 1983), p. 4,209, notas 205-6.

482
N o ta s

C apítulo 12

1 Cf. Bruce K. Waltke, “ Historical grammatical problem s” ,


Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, Earl D. Radmacher e Robert
D. Preus, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984).
2 T. F. Torrance, The mediation o í Christ (Grand Rapids:
Eerdmans, 1983), p. 25-6, 55-6. Para uma crítica de opiniões sem e­
lhantes de Paul Van Buren, v. Mark Karlberg, “ Israel as light to the
nations: a review article ” ,JETS 28 (1985): 205-11.
3 V., p. ex., Hendrikus Berkhof, Christ the meaning o í history
(Richmond: John Knox, 1966); A. A. van Ruler, The chrístian church
and the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1971); e mais
recentemente W illem A. VanGemeren, “ Israel as the hermeneutical
crux in the interpretation of prophecy” , WTJ 45 (1983): 132-44 e Van
Gemeren, W TJ46 (1984): 254-97. Alguns desses escritores negam as
doutrinas até mais fundamentais da teologia reformada.
4 Hal Lindsey, The late great planet earth (Grand Rapids:
Zondervan, 1970).
3John Bright, a history o f Israel, 3. ed. (Philadelphia:Westminster,
1981), p. 335.
6Cf. Mark Noll, “ Misreading the signs of the times” , C T 31, n2 2
(6 fev. 1987): 10-1.
7 S. Lewis Johnson Jr., The Old Testament in the New (Grand
Rapids: Zondervan, 1980), p. 23.
8C. H. Dodd, According to the Scriptures (London: Collins, 1952),
p. 72; cf. Roger R. Nicole, “ Patrick Fairbairn and biblical hermeneu­
tics as related to the quotations of the Old Testament in the N ew ” ,
Hermeneutics, inerrancy & the Bible, Earl D. Radmacher e Robert Preus,
eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 756-78; G. Ernest Wright,
“ The problem of archaizing ourselves” , Int 3 (1979): 457ss.
9 Confissão de Westminster, 1.7.
i° “ The Chicago statement on biblical inerrancy,” Inerrancy,
Norman Geisler, ed. (Grand Rapids: Zondervan, 1979), p. 493-502.
11 Gerhard von Rad, “ Typological interpretation of the Old
Testament” ,Essays on Old Testament hermeneutics, ClausWesterman,
ed. (Richmond: John Knox, 1963), p. 39.
12Geerhardus Vos, Biblical theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1948), p. 70ss.

483
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

13 Thomas Edwards McComiskey, The covenants o f promise


(Grand Rapids: Baker, 1985), p. 31.
14 W. J. Dumbrell, Covenant and creation (Exeter: Paternoster,
1984), p. 65-7.
13John Murray, The Epistle to the Romans, The N ew International
Commentary on the NewTestament Series (Grand Rapids:Eerdmans,
1960),p. 142.
16 Mark W. Karlberg, “ Legitimate discontinuities betw een the
Testaments” ,/ET5 28/1 (mar. 1985): 9-20.
17G. E. Ladd, Crucial questions about the kingdom o f Cod (Grand
Rapids: Eerdmans, 1952), p. 113.
18 Philip Mauro, G od ’s present kingdom. A parte relevante
foi republicada como Dispensationalism justifies the crucifixion
(Swengal, PA: Reiner), p. 6.
19Ibid .,p. 20.
20 Citado por Ladd, p. 29.
21 Ibid.
22 The Scofield Reference Bible (1917), p. 1011, nota 1; The New
Scofield Reference Bible (1967), p. 996, nota 4, p assim.
23L. S. Chafer, Systematic theology, V (Dallas: D alias Theological
Seminary, 1948), p. 343.
24 E. Earle Ellis, Profecy and hermeneutics in early christianity
(Tübingen:Mohr, 1978),p. 164.“ C ” = criação;“ P ” = vinda do Messias.
25 G eorge Eldon Ladd, “ Historie premillennialism” , The
meaning o f the millennium, Robert Clouse, ed. (Downers Grove:
InterVarsity, 1977), p. 17-40.
26 Kenneth L. Barker, “ False dichotomies betw een the
Testaments” ,/£TS 25/1 (mar. 1982): 3-6, registra a visão de que “ O AT
está preocupado com Israel e o NT está preocupado com a igreja”
como uma falsa dicotomia (v. p. 10-4). Robert Saucy, “ Contemporary
dispensational thought” , TSFBul 7/4 (mar.-abr. 1984) diz que alguns
dispensacionalistas concordam com o pré-milenarismo não dispen-
sacionalista, “ que é preferível interpretar esta era como a prim eira
fase do cumprimento do reino messiânico prom etido” (p. 11). Saucy
separa os dois ao afirmar que o pré-milenarismo histórico mistura
a identidade de Israel e da igreja na presente era, enquanto esta
forma de dispensacionalismo os mantém distintos, em bora compar­
tilhando a salvação messiânica universal. Desde que ele não tenciona

484
N o ta s

com isso negar a unidade do corpo de Cristo como ensinado em


Efésios 2.11-3.7, a distinção é tão sutil que rotular uma como “ dis-
pensacionalista” somente deixa o emaranhado ainda mais com pli­
cado. (Alguns amilenaristas, como Murray, também veem uma futura
restauração espiritual da descendência física de Abraão.) David L.
Turner, “ The continuity of Scripture and eschatology: key herme-
neutical issues” , CTJ6/2 (1985): 275-87, embora defendendo os pré-
milenaristas dispensacionalistas, p ed e aos dispensacionalistas que
sejam “ mais abertos às legítimas percepções exegéticas de Ladd e
outros no que se refere ao aspecto presente do governo de Deus”
(p. 287).
27 Earl D. Radmacher, “ The current status of dispensationa-
lism and its eschatology” , Perspectives on evangelical theology, K. S.
Kantzer e S. N. Gundry, eds. (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 163-76.
28 Citado por Turner, p. 282, nota 24.
29Turner, p. 279-82.
30 J. I. Packer, “ Hermeneutics and biblical authority” , Them 1
(1975): 3-12.
31 W illiam Hendriksen, M ore than conquerors (Grand Rapids:
Baker, 1940), p. 184-93.
32 F. F. Bruce, The Epistle o f Paul to the Romans, Tyndale N ew
Testament commentary (Grand Rapids, Eerdmans, 1971), p. 221. V.
tb. John Murray, II, p. 75-103; C. E. B. Cranfield, The Epistle o f Romans,
ICC, 2 (Edinburgh: Clarke, 1979), p. 579.
33F. F. Bruce, Commentary on the Book o f the Acts (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979), p. 91ss.
34 Citado por John Wilmot, Inspired principies o f prophetic
interpretation (Swengel, PA: Reiner, 1975), p. 35.
35 Geerhardus Vos, The pauline eschatology (Princeton:
Princeton, 1930), p. 38.
36Na literatura rabínica.
37Na escatologia paulina.
38 Charles Hodge, A commentary on 1 & 2 Corinthians
(Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1854; reimp. 1974), p. 326-31.
39Ibid., p. 328.

485
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

40 L. Goppelt, Typos. Die Typologische Deutung des Alten


Testament im Neuen (Darmstadt: Wissensch. Buchh., 1969; reimp. da
ed. de 1936), p. 286,240.
41 S. Lewis Johnson Jr. The Old Testament in the New (Grand
Rapids: Zondervan, 1980), p. 55.
42 C. T. Fritsch, “ Principies of biblical typ o lo g y ” , BSac 104
(1947): 214.
43 D. L. Baker, “ Typology and the christian use of the OT” , SJT
29 (1976): 41.
44 F. F. Bruce, Epistle to the Hebrews (Grand Rapids: Eerdmans,
1964), p. 148ss.
45 Geerhardus Vos, Redemptive history and biblical interpreta-
tion, p. 199.
46 Elmer Martens, C o d ’s design (Grand Rapids: Baker, 1981), p.
97-116.
47 W. D. Davies, The gospel o f land (Berkeley: University of
Califórnia, 1974), p. 368.
48Johnson, p. 124ss.
49 Earle E. Ellis, PauTs use o f the Old Testament (Grand Rapids:
Baker, 1957), p. 127ss.
so Johnson, p. 56.
51 Ibid.
32Wilmot, p. 25ss.
53 R. T. France, Jesus and the Old Testament (London: Tyndale,
1971), p. 67.
54S. Lewis Johnson, “ A response to Patrick Fairbairn and biblical
hermeneutics as related to the quotations of the Old Testament in
the N ew ” , Hermeneutics, inerrancy, and the Bible, E. Radmacher e R.
Preus, eds. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 798.
35 Citado por Leslie C. Allen, Joel, Obadiah, Jonah and Micah,
N IC O T (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 257, nota 56, de Von Rad,
Old Testament Theology, II, p. 33, nota 1.
36 Claus Westermann, Basic forms o f prophetic speech, trad. de
Hugh Clayton White (Philadelphia: Westminster, 1967).
37Para uma revisão do pensamento erudito sobre este assunto,
v. Dirk H. Odendaal, The eschatological expectation o f Isaiah 40-66

486
N o ta s

with special reíerence to Israel and the nations (Phillipsburg, NJ:


Presbyterian & Reformed, 1970), p. 1-33.
38 Citado por Odendaal, p. 14.
59A. Berkeley Mickelsen, Interpreting the Bible (Grand Rapids:
Eerdmans, 1963), p. 298.
60 Zane Hodges, “ Rivers of living water - John 7.37-39” , BSac
136 (1979): 239-48.
61 Edmund P. Clowney, “ Israel and the church” , Dreams, visions
and oracles, Carl Edwin Arm erding e W .W ard Gasque, eds. (Grand
Rapids: Baker, 1977),p. 214.
62W illis Judson Beecher, The prophets and the promise (Grand
Rapids: Baker, repr. 1963), p. 130.
63 Walter C. Kaiser, The uses o f the Old Testament in the New
(Chicago: Moody, 1985).
64 Odendaal, p.32.
65Ibid,
66 Bruce K. Waltke, “A canonical process approach to the
Psalms” , Tradition and Testament: essays in honor o f Charles Lee
Feinberg, John S. e Paul D. Feinberg, eds. (Chicago: Moody, 1981), p. 7.
67 Cf. V em Poythress, “ Divine meaning of Scripture” , WTJ 48
(outono 1986): 241-79. Poythress estabelece a mesma abordagem
com base na teoria da comunicação.
68 Cf. Miqueias 4.8,10; 5.1 (EV). Cf. Odendaal, p. 108-16, e
Bernard Renaud, La formation du livre de M ichée: tradition et actuali-
sation (Paris:Gabalda, 1977),p. 203.
69 W. Zimmerli, “ Das Wort des goettlichen Selbsterweises
(Erweiswort): eine prophetische Gattung” , Gottes Offenbarung,
Theologische Buecherei, 19 (München: Chr. Kaiser Verlag, 1963), p.
201 .
70 Odendaal, p. 126.
11Ibid., p. 178.
72Anthony A. Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979).
73Vos, p. 331.
74 D elbert R. Hillers, Covenant: the history o f a biblical idea
(Baltimore: Johns Hopkins, 1982), p. 124.

487
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

75Citado em D. P. Fuller, Gospel and law: contrast or continuum?


The hermeneutics o f dispensationalism and covenant theology (Grand
Rapids: Eerdmans, 1980), p. 5-6, e por Mark W. Karlberg, “ Legitimate
discontinuities betw een the Testaments,JETS 28/1 (mar. 1985): 10.
76 Confissão de Westminster, XXXI.3.
77John F. Walvoord, “ Our future hope: eschatology and its role
in the church” , C T 31, n° 2 (6 fev. 1987): 12-1.
78 Cf. David C. Steinmetz, “ Luther as an interpreter of the
Psalms” , A/?G 70 (1979): 41.

488
N o ta s

C apítulo 13

1John Bright, The kingdom o f God: the bihlical concept and its
meaning for the church (Nashville: Abingdon, 1953), p. 17-8.
2 Três termos hebraicos marcam este reino do AT: rroba - SI
103.19; 145.11-13; Dn 3.33; 4.31; nròo - Ob 21; SI 22.29; nrbnp - lC r
29.11.
3 Cf. debate de Otto Eissfeld desta lista em “Jahwe ais Konig” ,
Z A W 5 (1928): 89.V. tb. Gerhard v o n R a d , e rrcba in the OT” , TDNT,
I, Gerhard Kittel, ed., trad. G eoffrey W. Bromiley (Grand Rapids:
Eerdmans, 1964), p. 568-9. Algumas referências incluem: Êxodo
15.18; ISamuel 12.12; Isaías 6.5; Salmos 145.11-13; 146.10.
4 R. T. France, “ The church and the kingdom of God: some
hermeneutical issues” , Biblical interpretation and the church: the
problem o f contextualization, D. A. Carson, ed. (Nashville: Thomas
Nelson, 1985), p. 34.
s Isto é ainda mais notável, visto que Lucas usou os termos
aproximadamente 33 vezes em seu evangelho.
6 Erich Sauer, From eternity to eternity (Grand Rapids:
Eerdmans, 1954), p. 185-6.
7J. Dwight Pentecost, Things to com e: a study in biblical escha-
tology (Grand Rapids: Zondervan, 1964), p. 428.
8 John F. Walvoord, “A review of ‘crucial questions about the
kingdom of G od ’” , BSac 110 (1953): 5-6 (destaques dele).
9Pentecost, p. 433-4.
10A. Schweitzer, The quest o f the historical Jesus, trad. inglesa, 3.
ed. (London: Black, 1954), p. 360.
110 conteúdo deste acordo p od e ser encontrado em Hendrikus
Berkhof, Christ the meaning o f history, trad. Lambertus Buurman
(Richmond: John Knox, 1966), p. 74.
12 F. F. Bruce, The hard sayings o f Jesus (Downers Grove:
InterVarsity, 1953), p. 108-9.
13Pentecost, p. 455.
14Para mais elaboração sobre este ponto importante, v. Walter
C. Kaiser Jr., Toward rediscovering the Old Testament (Grand Rapids:
Zondervan, 1987), o capítulo intitulado “ The Old Testament as the
plan of salvation” , esp. p. 121-8.

489
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

lsWalter C. Kaiser Jr.,“ Witnessing and expecting the arrival of


Elijah” , The uses o f the Old Testament in the New (Chicago: Moody,
1985), p. 88.
16Anthony A. Hoekema, The Bible and the future (Grand Rapids:
Eerdmans, 1979), p. 144-5.
17Berkhof, p.145
18 John Murray, The Epistle to the Romans, II (Grand Rapids:
Eerdmans, 1965), p. 99-100.
19Para uma abordagem mais completa desta matéria, v. Kaiser,
Toward rediscovering the Old Testament. V. a seção intitulada “ Deve o
cristão incluir Israel e sua terra na teologia contemporânea?” , para
uma abordagem completa desta questão, p. 46-58.
20Berkhof, p. 145
21 Pentecost, p. 463. Outros acreditam que o ponto crucial, ao
contrário, vem em Atos 13.46 - v. Cornelius R. Stam, The fundamentais
o f dispensationalism (Milwaukee: Berean Searchlight, 1951), p. 87ss.
Os seguidores de Bullinger colocam este ponto decisivo no final do
livro de Atos e dizem que a única parte do NT que está escrita para o
cristão de hoje são as epístolas de Paulo escritas na prisão.
22 V., por ex., Lewis Sperry Chafer, Systematic theology, IV
(Dallas: Dallas Seminary Press, 1948), p. 26:“ O reino do céu é sempre
terreno, e, em bora o reino de Deus seja tão amplo quanto o Universo
inclui as coisas terrenas na m edida em que são adequadas a e le ” .
23 Louis Sperry Schafer, The kingdom in history and prophecy
(Chicago: Moody, 1944), p. 9, como citado por Gordon Addington,
“A criticai study of the word Basiléia in the N ew Testament” (tese de
graduação, Trinity Seminary, Chicago, 1953), p. 50.
24 Chafer, p. 10. A primeira, supõe-se, foi na Arábia; a segunda,
na prisão. Mas considere o uso que Paulo faz da palavra “ reino”
nessas epístolas escritas antes de sua prisão: lTs 2.12; 2Ts 1.4,5; IC o
4.20; 6.9,10; 15.24; Rm 14.17; At 19.8; 20.25. Elas não são diferen­
tes das que vêm depois das escritas enquanto ele estava preso: At
28.23,30,31; Ef 5.5; Cl 1.13; 4.10,11; 2Tm 4.1,18. Não há mudança em
sua mensagem acerca do reino.
25 Ibid, p. 16-7.
26 Ibid.,p. 17.

490
N o ta s

E pílogo

1Boruch A. Brody,Encyclopedia ofphilosophy, s.v. “ condition” , 5:60.

H omenagem a S. L ewis J ohnson J r .


(C. S amuel S torms)

1B. B. Warfield, “ What is calvinism?” , Selected shorter writings,


I, John E. Meeter, ed. (Nutley: Presbyterian & Reformed, 1970), p. 392.

491
Sobre os autores

John S. Feinberg, editor e colaborador deste livro, é professor


associado e presidente do Departamento de Teologia Biblica e
Sistemática do Trinity Evangelical Divinity School.
Rodney Petersen é professor adjunto d e D esenvolvim ento
Humano e Relações Internacionais na Webster University, Genebra,
Suíça.
Willem VanGemeren é professor e presidente do Departa­
mento de Antigo Testamento no Reformed Theological Seminary.
O. Palmer Robertson, anteriormente do Covenant Theological
Seminary, é pastor da Wallace M em orial Presbyterian Church.
Paul Feinberg é professor de Teologia Bíblica e Sistemática
na Trinity Evangelical Divinity School.
Fred H. Klooster é professor de Teologia Sistemática no
Calvin Theological Seminary.
Allen P. Ross é professor e presidente do Departamento
de Estudos Semíticos e Antigo Testamento no Dallas Theological
Seminary.
C o n t in u id a d e e d e s c o n t in u id a d e

Knox Chamblin é professor associado de Antigo Testamento


no Reformed Theological Seminary.
Douglas J. Moo é professor associado e presidente do
Departamento de Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity
School.
Marten H.Woudstra é professor em érito de Antigo Testamento
no Calvin Theological Seminary.
Robert L. Saucy é professor de Teologia Sistemática no Talbot
Theological Seminary.
Bruce K. Waltke é professor de Antigo Testamento no
Westminster Theological Seminary.
Walter C. Kaiser Jr. é deão acadêmico e professor de Antigo
Testamento e Línguas Semíticas na Trinity Evangelical Divinity School.

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